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A CLÁUSULA REBUS SIC STANTIBUS: A PREVISÃO DAS ALTERAÇÕES
FUNDAMENTAIS DE CIRCUNSTÂNCIAS DO ART.62 DA CONVENÇ ÃO DE
VIENA SOBRE O DIREITO DOS TRATADOS DE 1969
Ronaldo Viana Gotschalg1
Resumo: O presente estudo possui o escopo de analisar a cláusula rebus sic stantibus, estabelecendo o seu conceito, o seu fundamento jurídico, a diferenciação das variadas figuras de circunstâncias excepcionais, bem como estabelecendo diferenciações relativas as claúsulas resolutórias das cláusulas de denúncia e de recesso e por fim, a cláusula da rebus sic stantibus. Vai-se abordar sobre a codificação da cláusula, sua previsão legal, os seus requisitos, a constatação de uma alteração pelos Estados, bem como, a construção doutrinária da possibilidade de alegação de iminência de uma alteração fundamental de circunstâncias, decorrente de uma previsão fundamentada. Vai-se, ainda, discorrer sobre a duração de uma alteração fundamental de circunstâncias, seja pela forma definitiva tecendo comentários a exemplo do Tratado de Waitangi; seja pela forma efémera, tecendo também comentários a exemplo do Tratado de paz Anglo-Egypcio do canal de Suez. Ao final, serão desenvolvidas as consequências gerais da invocação da cláusula.
Palavras-Chave: Cláusula rebus sic stantibus – Convenção de Viena – Tratados Internacionais Abstract: This study has analyzed the scope of the clause rebus sic stantibus, establishing the concept, its legal basis, the differentiation of the various figures of exceptional circumstances, as well as establishing distinctions concerning the termination clause of termination clauses and recess and Finally, the clause of rebus sic stantibus. Will be approached about the encoding of the clause, its legal provisions, their requirements, the finding of an amendment by the states, as well as the academic work of the possibility of a claim of imminent fundamental change of circumstances, arising from a forecast based . One will also discuss the length of a fundamental change of circumstances, either by commenting to a definitive example of the Treaty of
1 Mestrando em Direito, Ciências Jurídico-Internacionais na Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa. Bacharel em Direito pela PUC Minas. Relatório apresentado à disciplina de Direito Internacional Público I e II do curso de Mestrado em Ciências do Direito – Ciências Jurídico-Internacionais da Universidade de Lisboa – 2008/2009, como requisito parcial para a obtenção do Título de Mestre em Direito. Orientador: Prof. Doutor Eduardo Correia Baptista.
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Waitangi, or by a brief moment, weaving also comments such as the Peace Treaty Anglo-Egyptian channel Suez. In the end, we develop the general consequences of invoking the clause. Key words: Clause rebus sic stantibus - Vienna Convention - the International
1 INTRODUÇÃO
Naturalmente, os acontecimentos futuros não podem ser previstos com precisão.
O que podemos ter, é uma ideia relativa à iminência de certos acontecimentos, sejam
eles, por exemplo, uma catástrofe natural, prevista com meses de antecendência, através
de aparelhos ou uma crise financeira, prevista por cálculos. Esses acontecimentos
imprevistos, podem, muitas vezes, interferir na vontade e na necessidade dos Estados,
frente principalmente, aos tratados internacionais. Isso ocasiona a necessidade de
desvincular-se da(s) responsabilidade(s) imposta pelo tratado, uma vez que as novas
circunstâncias irão alterar as obrigações, tornando-as demasiadamente onerosas ou por
necessidade de tranferência do objeto do tratado para aréas de apoio ou combate.
Em quais circunstâncias e medidas é que um árbitro ou um juiz, ou até mesmo as
próprias partes de um tratado podem conceder a desvinculação de uma parte que se
encontra prejudicada? Uma vez que o cumprimento se tornou mais oneroso decorrente
de imprevistas alterações substânciais de circunstâncias, em relação ao contexto que
prevaleceu durante a celebração do tratado. Segundo a Convenção de Viena de 1969,
todo tratado é passível de revisões, alterações e cessação, porém, há dois princípios
primordiais no âmbito da matéria do direito dos tratados que deverão ser confrontados,
é o pacta sunt servanda e a boa-fé2. Deverão ser observados em todos os tratados e
serão aplicados em quase todos os momentos nesse presente trabalho, devido à sua
importância na elaboração e cumprimento de qualquer tratado internacional celebrado,
sejam eles bilaterais ou multilaterais.
O princípio do pacta sunt servanda (o tratado deve ser respeitado) é considerado
a base de todas as relações pactuadas, uma vez que trata-se de um princípio fundamental
2 Em conformidade com a Resolução 2625, proclamada pela Assembleia Geral das Nações Unidas em 1970. pág. 132. “... O princípio da igualdade soberana dos Estados compreendem os seguintes elementos: f) Cada Estado tem o dever de cumprir plenamente e de boa-fé suas obrigações internacionais e de viver em paz com os demais Estados”.
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de direito internacional, constantemente invocados por tribunais internacionais em suas
sentenças, sob o entendimento de que os compromissos contratuais internacionais
devem ser respeitados3; e o princípio da boa fé (objetiva) em que os Estados deverão
respeitar o tratado de acordo com a legislação internacional e o costume internacional4.
Qualquer violação desses dois princípios colocará em risco o equilíbrio e a segurança
jurídica dos tratados.
A força vinculativa de um tratado (santidade do tratado) é decorrente do
princípio pacta sunt servanda. Esse princípio começa a entrar em colapso frente às
alterações fundamentais de circunstâncias, o que torna esse trabalho um estudo referente
a problemática das alterações fundamentais de circunstâncias no âmbito da aceitação,
invocação e das consequências da cláusula nos tratados internacionais.
Quando as partes têm consciência de que o contexto obrigacional poderá alterar-
se, geralmente em tratados de longo prazo, a questão é facilmente resolvida ao
estabelecer de forma expressa, uma cláusula resolutória, com previsão de por termo em
alguma(s) disposição(ões) do tratado ou até mesmo de sua totalidade; ou ainda, sua
revisão automática, anteriormente definida, para as partes que forem aptas a se
adaptarem as novas circunstâncias.
O estabelecimento dessas cláusulas no corpo do tratado pode ser feita
enumerando possíveis eventualidades, ou as partes assumem quaisquer novas
circunstâncias, tornando condicional a eficácia do tratado, quando por exemplo,
preveem situações de desastres naturais ou guerra5. Nesses casos, cumprem-se as
3 “Article 26. CVDT69 - Pacta sunt servanda: Every treaty in force is binding upon the parties to it and must be performed by them in good faith.” Ver caso: ICJ Australia v France, Rec. 1974, 253. Observa-se na fundamentação que o árbitro frisa a importância de que um contrato celebrado e válido, vincula as partes em suas relações mútuas, baseando-se no princípio do pacta sunt servanda. No. IV.1.2 - Sanctity of contracts (pacta sunt servanda). “A valid contract is binding upon the parties. It can only be modified or terminated by consent of the parties or if provided for by the law ("pacta sunt servanda"). The parties to a contract must, unless legally excused from performance, perform their respective duties under the contract.” 4 ICJ Australia v France, Rec. 1974, pág. 268. De acordo com a regra pacta sunt servanda, o tratado faz lei entre as partes, uma vez que é acordado por eles, com o escopo de regular a sua relação jurídica, gerando obrigação de cumprir suas promessas, realizando-as de boa fé, uma vez que a confiança e a segurança são princípios inerentes a cooperação internacional. “[46.] One of the basic principles governing the creation and performance of legal obligations, whatever their source, is the principle of good faith. Trust and confidence are inherent in international co-operation, in particular in an age when this co-operation in many fields is becoming increasingly essential. Just as the very rule of pacta sunt servanda in the law of treaties is based on good faith, so also is the binding character of an international obligation assumed by unilateral declaration. Thus interested States may take cognizance of unilateral declarations and place confidence in them, and are entitled to require that the obligation thus created be respected.” Disponível em: http://www.tldb.net/. Acesso em 15/02/2009. 5 Embora os professores doutores Joaquim da Silva Cunha e Maria da Assunção do Vale Pereira, utilizam uma diferenciação didática entre a guerra e a cláusula rebus sic stantibus como espécies de
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condições suspensivas estabelecida no tratado, sujeitando-se a sua continuação e
validade. Com isso, surge também, a faculdade extintiva do tratado pelas partes.
Como nem todos os tratados possuem esse tipo de previsão, surgem problemas
quanto à invocação da cláusula rebus sic stantibus: houve realmente uma alteração
fundamental nas mesmas circunstâncias? Em caso positivo, o tratado pode ter expirado?
Um membro que encontra-se onerosamente vinculado a um determinado tratado, devido
a ocorrência de alterações, tem legitimidade para considerar-se livre dos deveres ainda
não cumpridos, impostos pelo tratado?
Os Estados, atualmente, encontram-se insatisfeitos com o status quo da cláusula
rebus sic stantibus, interpretando-a como um mero dispositivo de escape/fuga das
responsabilidades impostas pelo tratado, ameaçando o equilíbrio e a estabilidade do
cumprimento das obrigações, decorrente dos tratados celebrados pelos Estados-Partes.
Esse entendimento é muito parecido com o dos autores que negam a existência de
invocação da cláusula. Segundo eles, tal fato resulta na violação impune do tratado, o
grave comprometimento da segurança jurídica nas relações internacionais, a legitimação
do desejo de escapar da obrigação assumida, que deveria ser estabelecida e cumprida de
boa fé.
O problema da invocação e da aplicação da cláusula rebus sic stantibus
(alterações fundamentais de circunstâncias) ainda é objeto de muitos estudos e
discussões doutrinárias. Embora tenha sido rejeitada e tratada como inútil por alguns
autores6, atualmente a sua figura é aceita como uma das espécies de cessação da
superveniência de um acontecimento, a maioria dos autores não o fazem. Ver: Manual de Direito Internacional Público. 2ª ed. Almedina. 2004. Pag. 284 a 286. Bem como, os efeitos da Guerra: CRANDALL, Samuel B. Treaties – Their Making and Enforcement. 2ª ed. 1916. Pág. 442 ess. MACNAIR, Lord. The Law of Treaties. Oxford. (1961), 1986. Pág. 693 e ss. 6 Ver: HYDE. Charles Cheney. International Law Chiefly as Interpreted and Applied by the United States 1524 (2nd rev. ed., 1945). “If changed conditions ever serve on principle to confer upon a contracting State the right to free itself from obligations laid down in a treaty, it is because those conditions mark the existence of a new order of things which in a broad sense were not contemplated by the parties at the time of the conclusion of their agreement and which render highly unreasonable a demand for performance... That which causes a demand for performance to be unreasonable, and which, conversely, clothes a party with freedom to rid itself of the obligation to perform is the coming into being of a new condition of affairs which was not only not brought to the attention of the parties when they concluded their agreement, but also one which, if it had then been brought to their attention, would have necessarily produced common acknowledgment that the agreement would be inapplicable, and hence permit a party to regard it as no longer binding in case that condition or situation should subsequently arise. This requirement, which refers the matter to the thinking of the contracting parties when they concluded their agreement, or to such implications from their thought at that time as are impregnable, involves primarily a fact-finding endeavor. No formula offers a substitute for it, or points unerringly to what needs to be ascertained.” Bem como outros autores como Schmidt, Salvioli, Cavaglieri, Burckhardt, Yakemtchouk, não havendo necessidade de discorrer mais sobre suas obras, uma vez que é ultrapassada com a realidade do direito costumeiro.
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vigência dos tratados. Outrossim, quanto à sua fundamentação, encontra-se firmada
como norma costumeira, entendimento decorrente do uso generalizado (prática dos
Estados) de previsões de alterações de circunstâncias ou de dificuldades no
cumprimento das obrigações decorrente dos tratados de longo prazo, e especialmente
através de diversas jurisprudências7. As várias teorias, distintas da teoria da norma
costumeira, encontram-se ultrapassadas e baseavam-se em variadas alegações de
conceitos derivados de legislações internas (Estatais), dentre algumas, a do “prazo
implícito” ou “condição implícita”, “condição resolutiva”, “teoria da imprevisão”,
“teoria da frustração”, ou na idéia de “auto-proteção” e “necessidade Estatal”8. Porém, a
grande discussão gira em torno da sua admissibilidade, uma vez que a Convenção de
Viena trata da matéria como caso excepcional e é omissa quanto a(s) definição(ões) de
alterações que são admitidas9.
Dessa forma, tanto o costume internacional quanto a Convenção, estabelecem
como regra que novas circunstâncias podem afetar a força vinculativa dos tratados. Uma
das possibilidades conhecidas é a cláusula rebus sic stantibus, em que as disposições do
tratado permanecem obrigatórias, desde que as circunstâncias permaneçam identicas às
mesmas em que o tratado foi celebrado, ou que não alterem fundamentalmente as suas
circunstâncias.
Quanto ao momento histórico, a cláusula rebus sic stantibus foi cunhada na obra
“Suma Teológica” de Santo Tomás, com uma abordagem genuína e extremamente clara
para os contratos civis vigentes daquela época. Graças aos estudos de Alberto Gentini,
no “De Jure Belli” de 1598, a cláusula “ominis convention intelligitur rebus sic
stantibus”, ou seja, “todo tratado deve ser entendido/interpretado no estado atual da sua
celebração” foi cautelosamente adaptada e utilizada no Direito Internacional, devido às
peculiaridades da matéria e dos sujeitos10. Bem como aos grandes estudos realizados
por Vattel, que defendia a sua utilização com bastante cautela11:
7 Embora segundo recente afirmação do TIJ, o Tribunal recorda que, no caso da Jurisdição de Pesca (I.C.J. Reports 1973, p.63, parag.36) o artigo 62 da CVDT em muitos aspectos é considerado como codificação do direito existente, sobre o tema da terminação de um tratado por conta de uma alteração fundamental de circunstâncias. (Case Concerning The Gabcíkovo-Nagymaros Project <Hungary/Slovakia>, Judgment, 25 September 1997, parág.104). 8 Ver BAPTISTA, Eduardo Correia, Direito Internacional Público, Vol.1, pág. 335. E nesse sentido: LISSITZYN, Oliver J. Treaties and Changed Circumstances (Rebus Sic Stantibus). Pág. 901 e 902. 9 PEREIRA, André Gonçalvez. QUADROS, Fausto de. Manual de Direito Internacional Público. 3ª ed. 2007. págs: 250 a 255. 10 Neste sentido MELLO, Celso d, Curso de Direito Internacional Público,pág.260. 11 CRANDALL, Samuel B. Treaties – Their Making and Enforcement. 2ª ed. 1916. Pág. 440.
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“But we ought to be very cautions and moderate in the application of the present rule: it would be a shameful perversion of it, to take advantage of every change that happens in the state of affairs, in order to disengage ourselves from our promises: were such conduct adopted, there could be no dependence placed on any promise whatever. That state of things alone, in consideration of which the promise was made, is essential to the promise: and it is only by a change in that state, that the effect of the promise can be lawfully prevented or suspended”.
Outrossim, as intenções de paz da ONU iniciaram esforços de regular as relações
contratuais de direito positivo internacional através da codificação12, embora a cláusula
já possua existência e reconhecimento em decorrência da prática dos Estados. Tratou-se
de um acordo contratual de caráter único, universalmente válido. A comissão de direito
internacional da ONU apresentou o projeto da Convenção de Viena, e a declaração da
cláusula se baseava no direito geral dos contratos, dos princípios que regem as relações
contratuais13. A partir do reconhecimento geral da vasta declaração, é que o projeto se
tornou legislação internacional. Porém, nem todos países ratificaram o documento e os
que ratificaram apresentaram reservas em alguns artigos14.
Basicamente, a Comissão procurou por restringir o art.62, dando caráter
negativo, limitando dessa forma, a proliferação do uso indevido do instrumento, visando
manter ao máximo a segurança jurídica nas relações entre Estados.
Destarte, essa cláusula é um princípio geral de direito nacional (reconhecido por
vários países) e que teve reconhecimento de existência pelos tribunais internacionais,
bem como pela arbitragem internacional15. Dessa forma, havendo uma substancial
modificação de modo imprevisível das circunstâncias que deram origem ao tratado, dar-
se-á oportunidade à parte lesada de invocar a cláusula com o escopo de revisar ou
12 Ver o escopo e a importância da codificação do direito dos tratados em: ROSENNE, Shabtai. The Law of Treaties. A Guide to the Legislative History of the Vienna Convention. 1970, Pág. 41 e ss. 13 Ver: Report of the International Law Commission on the work of its Eighteenth Session, 4 May – 19 July 1966, Official Records of the General Assembly, Twenty-first Session, Supplement No. 9 (A/6309/Rev.1). Disponível em: http://www.un.org/law/ilc/index.html. Comentários: Pág. 256 e ss. 14 Alguns Estados possuem declarações, objeções e reservas, ou ainda, fundamentam suas interpretações do artigo 62. Disponível em: http://treaties.un.org/Pages/ViewDetailsIII.aspx?&src=TREATY&mtdsg_no= XXIII~1&chapter=23&Temp=mtdsg3&lang=en. 15 Questech decision, 9 Iran - US C.T.R., 122-123. A cláusula rebus sic stantibus, foi incorporada em muitos sistemas jurídicos nacionais, considerada um importante princípio geral de direito, que também encontrou uma ampla expressão, reconhecida no artigo 62 da Convenção de Viena sobre Direito dos Tratados. “The concept of changed circumstances, also referred to as rebus sic stantibus, has in its basic form been incorporated into so many legal systems that it may be regarded as a general principle of law.”; Ver também: HOUTTE, Hans Van. Changed Circumstances and Pacta sunt servanda. Pág: 111; PHILIPPE, Denis. La clausula rebus sic stantibus et la renégociation du contrat dans la Jurisprudence Arbitrale Internationale. Pág. 2; AUST, Anthony. Handbook of International Law. Pág. 219 a 221. Informações em: www.cambridge.org/9780521530347. Acesso em 18/03/2009.
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terminar a execução das obrigações estabelecidas pelo tratado. É admitida pela maioria
dos autores, em todos os tratados de longo prazo, ou com prazo indeterminado. Cabe
ressaltar que os tratados de curta duração são passíveis de aplicação, porém, raramente
ficam prejudicados por algum evento que altere fundamentalmente as circunstâncias da
época de sua celebração.
Assim, o presente estudo possui o escopo de analisar no primeiro capítulo, a
cláusula rebus sic stantibus, estabelecendo o seu conceito, o seu fundamento jurídico, a
diferenciação das variadas figuras de circunstâncias excepcionais, bem como
estabelecendo diferenciações relativas as claúsulas resolutórias das cláusulas de
denúncia e de recesso e por fim, a cláusula da rebus sic stantibus.
No segundo capítulo, abordaremos sobre a codificação da cláusula, sua previsão
legal, os seus requisitos, a constatação de uma alteração pelos Estados, bem como, a
construção doutrinária da possibilidade de alegação de iminência de uma alteração
fundamental de circunstâncias, decorrente de uma previsão fundamentada.
No terceiro capítulo, abordaremos sobre a duração de uma alteração fundamental
de circunstâncias, seja pela forma definitiva tecendo comentários a exemplo do Tratado
de Waitangi; seja pela forma efémera, tecendo também comentários a exemplo do
Tratado de paz Anglo-Egypcio do canal de Suez.
Ao final, desenvolveremos as consequências gerais da invocação da cláusula.
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CAPÍTULO 1. A CLÁUSULA REBUS SIC STANTIBUS
1.1. Conceito
A cláusula da alteração fundamental de circunstâncias (rebus sic stantibus),
constitui uma das modalidades de extinção ou suspensão da força obrigatória dos
tratados, decorrente de uma alteração fundamental da(s) circunstância(s), não prevista
pelas partes e superveniente à celebração de um tratado, tornando as obrigações
majoradamente onerosa para a(s) parte(s) prejudicada(s). Trata-se de uma figura de
origem muito antiga, remontando ao início do direito canônico16.
1.2. Fundamento Jurídico
Consiste na satisfação terminativa do Tratado em decorrência do cessar da razão de
existência da norma, apoiado no princípio geral de direito internacional, segundo o qual
nenhum tratado poderá sobreviver vigente quando a sua própria razão de existência,
provenientes das circunstâncias que constituiram bases essenciais do consentimento dos
Estados, tenham desaparecidos em virtude dos efeitos gerados por uma alteração
fundamental de circunstâncias, não previsto pelas partes, causadora de uma mudança
radical no cumprimento das obrigações imposta pelo tratado17.
16 Ver: SINCLAIR, Ian McTaggart. The Vienna Convention on the Law of Treaties. 2ª Ed. Manchester University Press, 1984. Pág. 192 e ss. 17 Ver acórdão do T.J.C.E (Proc. C-162/96, de 16 de junho de 1998, A.Rache GmbH, Rec. I-3655), onde o tribunal admite a dissolução da ex-Jugoslávia e a situação de conflitos bélicos na região, que constituiram uma alteração fundamental de circunstâncias, justificando a suspensão do acordo de cooperação entre a C.E e a ex-Jugoslávia que tratavam-se de pagamentos de direitos aduaneiros relativos a importação de vinhos provenientes de Kosovo; Ainda nesse sentido, KOKOTT, Juliane; HOFFMEISTER, Frank. A. Racke GmbH & Co. v. Hauptzollamt Mainz. Case C-162/96. The American Journal of International Law, Vol. 93, No. 1 (Jan., 1999), pp. 206-207. “Esta é a primeira vez que o Tribunal tenha indicado, embora em dictum, que o direito internacional prevalece sobre norma secundária da Comunidade Europeia (CE) no âmbito da ordem jurídica do direito comunitário. No caso anterior <Poulsen e Diva Navigation>, o Tribunal tinha mostrado vontade de interpretar um ato comunitário de uma forma coerente com o direito internacional. (...) Uma vez que a questão de saber se o direito
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Dessa forma, cessante rationes legis, cessat ipsa lex, ou seja, cessada a razão da
norma, cessada integralmente a norma.
Sobre o assunto, existem várias opiniões, algumas divergentes em relação ao seu
fundamento, passo a expor os considerados mais importantes e suas respectivas críticas.
Alguns autores afirmam a existência de uma cláusula tácita no próprio tratado,
ao qual a obrigatoriedade (santidade do tratado) irá se manter somente enquanto as
circunstâncias continuarem da mesma forma em que estavam na sua celebração. Trata-
se do princípio omnis conventio intelligitur rebus sic stantibus. Poderiamos pensar se
esse entendimento levaria a perda de eficácia das reservas relativas ao artigo 62 da
CVDT apresentadas por parte da Argentina e do Chile? A resposta seria não, se os
Estados tomassem o cuidado de estabelecer uma disposição no tratado relativo ao
esclarecimento dessa reserva. Essa teoria, na prática, facultava a possibilidade de
qualquer uma das partes invocarem a alteração fundamental de circunstâncias em
relação às circunstâncias vigentes no momento da celebração do tratado, permitindo
dessa forma uma denúncia discricionária, que muitos autores consideram
acertadamente, como um risco.
Para outros autores, a cláusula rebus sic stantibus, constitui uma expressão de
uma regra geral objetiva, e sua explicação baseia-se no direito, nas necessidades socias
Estatais, o tratado expira em decorrência das alterações fundamentais de circunstâncias,
uma vez que interrompem a equivalência entre o seu conteúdo e as novas realidades
socias, perdendo dessa forma, o seu objetivo, que tinha como característica as normas
refletirem ao máximo sua fidelidade quanto as necessidades Estatais. Idéia considerada
absurda por alguns autores, uma vez que todo Estado que estivesse obrigado a cumprir
um tratado desvantajoso com suas necessidades sociais, politícas, económicas...etc,
iriam alegar que o tratado estaria expirado, por não condizer com as suas necessidades
atuais, podendo alegar até uma ameaça à manutenção da sua vida.
Atualmente, o entendimento predominantemente aceito tanto na doutrina, quanto
pelos tribunais é que trata-se de uma norma costumeira.
Nesse sentido o Prof. Dr. Eduardo Baptista, bem como em decisões do T.I.J18:
“Discutiu-se se se tratava de uma clásula tácita dos tratados (Neste sentido: D: ANZILOTTI, Corso(...), cit,. Pág. 376-337 e 380-382) ou uma
internacional consuetudinário prevaleceria sobre um ato comunitário claramente inconsistente, não foi respondida.” 18 Ver acórdão do T.I.J, de 2 de fevereiro de 1973 (Compétence en matière de pêcheries), o tribunal considerou que as disposições/requisitos se limitavam a codificar regras costumeiras preexistentes (Rec. 1973, p.18).
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figura baseada na teoria da imprevisão ou ainda na idéia de auto-proteção e necessidade. Actualmente reconhece-se que se trata, simplesmente, de uma norma costumeira que pode ter mais do que uma razão de ser extra-jurídica.” (Pág. 335).
Destarte, as normas costumeiras, ou simplesmente o costume internacional, são
fontes do Direito Internacional. Constitui uma prática geral legítima, pois tratam-se de
espécies de normas que decorrem da prática reiterada dos sujeitos do Direito
Internacional. Sua afirmação e solidificação constitui na necessidade de repetição por
um consideravel lapso temporal e universal susceptiveis de fazê-las efetivas, além de
possuir como características a uniformidade e a continuidade, com o escopo de torna-las
como uma “quase crença obrigatória”, decorrente da convicção dos utilitários dessa
norma, de que suas afirmações são justas, certas e que seu descumprimento poderá
ocasionar uma sanção.
Embora o tratado seja a principal fonte do direito internacional público,
decorrente de sua segurança e estabilidade quanto ao cumprimento, não há hierarquia
entre as várias fontes do Direito Internacional.
1.3. Diferenciação das circunstâncias excepcionais
É necessário diferenciar as várias espécies de circunstâncias excepcionais (sentido
lato), que podem levar à extinção de um tratado. Podem consistir tanto em uma violação
de um tratado dado por um dos Estados Partes (artigo 60CVDT), em um permanente
desaparecimento de um objeto indispensável para a execução do tratado (artigo
61CVDT) ou em uma alteração fundamental de circunstâncias (Artigo 62CVDT,
cláusula rebus sic stantibus). Uma alteração fundamental de circunstâncias poderá
ocorrer também, na eclosão das hostilidades entre os Estados Partes (artigo 73CVDT)19.
Importante ainda, é distinguir as alterações fundamentais de circunstâncias do art.
62, da impossibilidade superveniente de cumprimento do art. 61, que estabelece a
impossibilidade superveniente de uma situação, independente da vontade das partes, que
torna impossível a execução da obrigação, nomeada pelos autores por “circunstâncias de
força maior”, que, em regra, pressupõe a destruição ou o desaparecimento do objeto
19 Embora esse princípio não poderá ser alegado como fundamento de cessação do tratado, se o tratado versar sobre a matéria relativa a regulamentação de eclosões de variados conflitos entre Estados beligerantes. Como exemplo, as duas Convenções de Haia de 1899 e 1907, bem como, a Convenção de Genebra de 1949, conhecida como “Red Cross-conventions”.
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indispensável ao cumprimento das obrigações, se apresentando como uma
impossibilidade definitiva, que ocasionará a caducidade do tratado, salvo alguns casos
em que o tratado poderá não caducar; ou se apresentando como não definitivos, que
ocorrerá, a princípio, a suspensão do tratado20. Desta forma, a ocorrência de uma
alteração fundamental de circunstâncias não impede o cumprimento da obrigação e sua
manutenção no tratado em vigor pela parte que alega, porém, o seu cumprimento seria
demasiadamente oneroso ou iria impor desrazoáveis sacrifícios para a parte lesionada
após a(s) alteração(ões).
O jus cogens é uma outra espécie de circunstâncias extraordinária, é uma norma
imperativa de direito internacional, costumeiro ou convencional, prevista expressamente
pela Convenção de Viena no seu art.64, referente a superveniência de uma nova
norma21, distinta das enumeradas acima pelo fato de ser de natureza normativa e não
factual.
1.4. Diferenças entre cláusulas resolutórias, cláusulas de denúncia e de recesso em
relação a cláusula rebus sic stantibus
Importa nesse tópico discorrer com maior ênfase as cláusulas resolutórias e as de
denúncia e de recesso, uma vez que a cláusula rebus sic stantibus já foi suficientemente
abordada conceitualmente acima.
As mencionadas cláusulas, tratam-se, em regra, de modalidades extintivas ou
suspensivas do tratado pela vontade das partes, muito comuns em tratados de duração
ilimitada22. As cláusulas expressas podem estabelecer ao tratado uma regulamentação
relativa a sua extinção, à denúncia ou recesso do(s) Estado(s) Parte(s); ou ainda, em
relação a sua suspensão e revisão.
20 Neste sentido DINH, Nguyen Quoc; DAILLIER, Patrick; PELLET, Alain, Direito Internacional Público, pág.321. Bem como, explica que essas determinadas situações são raras praticamente. Sendo que a C.D.I (Comissão de Direito Internacional) cita como exemplos, a submerssão de uma ilha, a secagem de um rio ou a destruição de uma barragem.,etc. 21 Neste sentido DINH, Nguyen Quoc; DAILLIER, Patrick; PELLET, Alain, Direito Internacional Público, pág. 324. Segundo os autores, o aparecimento de uma norma provoca a caducidade dos tratados que encontram-se contrários a elas, podendo tornar nulo ou caducar apenas certas disposições contrárias a nova norma jus cogens, mesmo não estando previsto expressamente no art.64, nos casos que há hipótese de contradições apenas em relação a alguma(s) disposição(ões) do tratado, e não ao seu todo. 22 Ver artigo 4º, (1) do Tratado de Moscovo de 1963, que versa sobre a proibição parcial dos ensaios nucleares. Por tratar de uma matéria considerada relevante e de segurança internacional, os legisladores internacionais optaram por não estabelecer limites temporais quanto a sua vigência.
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As cláusulas resolutórias encontram-se expressamente nos tratados, facultando a
extinção do tratado à eclosão de determinados fatos previstos pelas cláusulas23.
Possuem também, a possibilidade de determinar um termo ao tratado, por exemplo, de
uma forma precisa24, estabelecendo dia, mês e ano; ou de uma forma menos precisa,
estabelecendo de 1 a 99 anos por exemplo25. Uma vez expirado o prazo, a extinção do
tratado ocorre automática ou decidirá sobre sua renovação.
A denúncia e o recesso são atos unilaterais de vontade, praticado pelas autoridades
competentes dos Estados (plenipotenciários), com a pretensão de desvincular-se das
suas responsabilidades decorrentes do tratado. Não constituem ilícitos internacionais
quando a prática do ato respeita alguma cláusula do tratado26 ou quando moldam-se a
diversas outras razões condizentes com o direito internacional.
Nos tratados bilaterais, o efeito da denúncia é a sua extinção, porém, nos tratados
multilaterais, a denúncia ocasiona, em regra, o recesso, ou seja, o tratado permanece
vigente nas relações entre as outras partes e desvincula apenas o Estado-alegante das
suas responsabilidades27.
Já os tratados que possuem cláusulas de denúncia com determinações de condições
de seu exercício28, suas disposições trazem previsões de número máximo de recesso e
minímo de partes. Nesse caso, a cláusula de denúncia obtém caráter de cláusula
resolutória simultaneamente. Observação do Art.55 da CVDT, que estabelece que: faz-
se necessário a existência de uma cláusula de denúncia expressa no corpo do tratado
23 Ver artigo 11, (2) do Pacto de Varsóvia de 1955, estabelece que entrando em vigor um Tratado Geral Europeu sobre a Segurança Coletiva, o Pacto perderá sua força. 24 Ver artigo 2º, (2) do Tratado do Canal do Panamá de 07 de Setembro de 1977, que estabeleceu a sua extinção no dia 31 de Dezembro de 1999. 25 Ver artigo 14 da Convenção para a prevenção e a repressão do crime de Genocídio, que estabelece 10 anos, podendo ser renovado por períodos de 5 anos. 26 Dessa forma, estabelece o art. 10 do Tratado Sobre a Não-Proliferação de Armas Nucleares: “Cada Parte tem, no exercício de sua soberania nacional, o direito de denunciar o Tratado se decidir que acontecimentos extraordinários, relacionados com o assunto deste Tratado, põem em risco os interesses supremos do país. Deverá notificar essa denúncia a todas as demais Partes do Tratado e ao Conselho de Segurança das Nações Unidas, com 3 (três) meses de antecedência. Essa notificação deverá incluir uma declaração sobre os acontecimentos extraordinários que a seu juízo ameaçaram seus interesses supremos.” 27 Neste sentido DINH, Nguyen Quoc; DAILLIER, Patrick; PELLET, Alain, Direito Internacional Público, pág. 312. Os autores exemplificam a exceção de um tratado, que ao ser submetido a um único recesso, extingue-se por determinação de sua cláusula, segundo o art.28 da Convenção de Montreux de 1936 que dispõe sobre os estreitos, ou ainda, o art.8º da Convenção Sobre os Direitos Políticos da Mulher, estabelece que deixará de vigorar se atingir um número inferior a seis partes, decorrente dos sucessivos recessos, nesse sentido, o art. 15 da Convenção para a prevenção e a repressão do crime de Genocídio que limita em dezesseis o número de Partes mínimo, necessário a sua vigência. 28 Por exemplo, o Tratado do Atlântico Norte em seu art.13, só permite a denúncia de um Estado-Parte após o decurso de 20 anos da sua vigência, determinando dessa forma, o seu desejo de manter uma estabilidade durante o período da “guerra fria”.
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com a pretensão de extinguir sua vigência após a obtenção de determinadas denúncias
sucessivas, inferiores ao número necessário para sua entrada em vigor29.
Em relação a denúncia ou o recesso sem a previsão expressa (cláusula implícita), há
uma grande discussão doutrinária e divergente em relação ao tema, uma vez que os
autores que defendem o respeito ao princípio do pacta sunt servanda entendem que se o
tratado não menciona a cláusula de denúncia, nem sequer a sua própria forma de
extinção, trata-se de um tratado imutável, idéia combatida e considerada
demasiadamente rigorosa por autores mais flexíveis, que defendem que tal como o
próprio indivíduo, os Estados também não podem contrair responsabilidades
permanentes.
E ainda, segundo o art.56 da CVDT, a denúncia realizada em um tratado que não
prevê essa possibilidade é considerado um ato de ilicitude quanto ao seu termo, uma vez
que a extinção do tratado somente ocorrerá nas modalidades prevista enumeradamente
no tratado30.
Desta forma, a denúncia diferencia-se da cláusula rebus sic stantibus por tratar-se
de uma vontade expressa, tácita ou conjectual/hipotético31, é um ato que independe de
causa para a sua invocação, e, que não está vinculada a nenhum requisito. Em
contrapartida, a alteração fundamental de circunstâncias só poderá ser invocada em
decorrência de novas circunstâncias, não prevista anteriormente pelas partes, e que
transforme radicalmente a natureza das obrigações presente no tratado, gerando maior
sacrifício para o seu cumprimento.
29 Ver art.55, CVDT. Salvo se o tratado dispuser em contrário, um Tratado multilateral não se extingue pela contastação da inferioridade numérica de partes, decorrente de sucessivas denúncias, em relação ao número estabelecido para sua entrada em vigor. 30 Ver acórdão do T.I.J, de 25 de Setembro de 1997, Projet Gabcikovo-Nagymaros, parágrafo 100. “Le traité de 1977 ne contient pas de disposition concernant sa terminaison. Rien n'indique non plus que les parties entendaient admettre la possibilité de dénoncer le traité ou de s'en retirer. Au contraire, le traité établit un système durable d'investissement conjoint et d'exploitation conjointe. Par conséquent, les parties n'en ayant pas convenu autrement, le traité ne pouvait prendre fin que pour les motifs énumérés limitativement dans la convention de Vienne.” Embora, é acrescentado no considerando 101, que o estado de necessidade não é argumento suficiente para a denúncia. “La Cour examinera maintenant le premier motif invoqué par la Hongrie, a savoir celui tiré de l'état de nécessité. A cet égard, la Cour se bornera a observer que même si l'existence d'un état de nécessité est établie, il ne peut être mis fin a un traité sur cette base. L'état de nécessité ne peut être invoqué que pour exonérer de sa responsabilité un Etat qui n'a pas exécuté un traité. Même si l'on considère que l'invocation de ce motif est justifiée, le traité ne prend pas fin pour autant; il peut être privé d'effet tant que l'état de nécessité persiste; il peut être inopérant en fait, mais il reste en vigueur, a moins que les parties n'y mettent fin d'un commun accord. Dès que l'état de nécessité disparaît, le devoir de s'acquitter des obligations découlant du traité renaît.” Págs. 62 e 63. Tratando-se da ausência de previsão no tratado, há segundo alguns autores, uma possibilidade de denúncia unilateral decorrente de uma permissão implícita, proveniente da pretensão das partes ou da natureza do contrato, e recomenda-se um aviso prévio, para que seja realizado negociações entre as partes, durante esse tempo. 31 Nesse sentido: MIRANDA, Jorge. Curso de Direito Internacional Público. 3ª Ed. 2006. Pág. 89 e 90.
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CAPÍTULO 2. A CODIFICAÇÃO DA CLÁUSULA
2.1. Previsão Legal
Encontra-se expressamente no art.62 da Convenção de Viena sobre Direito dos
Tratados de 23 de Maio de 1969, considerado por alguns autores como um artigo
complexo, ao tratar da matéria de forma excepcional, ou seja, estabelece que em regra, a
cláusula não poderá ser invocada para extinguir um contrato ou dele retirar-se, salvo em
alguns casos, que poderá ser aceita sua alegação32.
Art. 62 da Convenção de Viena Sobre Direito dos Tratados, ipsis literis:
“Alteração Fundamental de circunstâncias. 1. Uma alteração fundamental de circunstâcias, ocorrida em relação às existentes no momento da conclusão de um tratado, e não prevista pelas partes, não poderá ser invocada como causa para extinguir um tratado ou dele retirar-se, salvo se: a) A existência dessas circunstâncias tiver constituído uma condição essencial do consentimento das partes em obrigarem-se pelo tratado; e b) Essa alteração tiver por efeito a modificação radical do alcance das obrigações ainda pendentes de cumprimento em virtude do tratado. 2. Uma Alteração fundamental de circunstâncias não pode ser invocada pela parte como causa para extinguir um tratado ou dele retirar-se: a) Se o tratado estabelecer limites/fronteiras;ou b) Se a Alteração fundamental resultar de violação, pela parte que a invoca, seja de uma obrigação decorrente do tratado, seja de qualquer obrigação internacional em relação a qualquer outra parte no tratado. 3. Se, nos termos dos parágrafos anteriores, uma parte poderá invocar uma Alteração fundamental de circunstâncias como causa para extinguir um tratado ou dele retirar-se, poderá também invocá-la como causa para suspender a execução do tratado”.
2.2. Requisitos
32 Ver Convenção de Viena sobre Direito dos Tratados no site oficial das Nações Unidas, em: www.un.org e/ou versão em português no site oficial do Centro de Direito Internacional, em: www.cedin.com.br. Acessos em 16/03/2009.
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Tratam-se de 4 (quatro) os requisitos para a invocação da cláusula, e de acordo
com o TIJ33 em sua decisão no caso clássico, citado por vários autores, Gabcíkovo-
Nagymaros (Hungary/Slovakia), o cumprimento dos requisitos deverá ser aplicado
rigorosamente, bem como salientou o carácter excepcional do artigo 62. Bem como
destacou a importância da decisão do tribunal que declarou também que:
“The changed circumstances advanced by Hungary are, in the Court’s view, not such a nature, either individually or collectively, that their effect would radically transform the extent of the obligations still to be performed in order to accomplish the Project. A fundamental change of circumstances must have been unforeseen; the existence of the circumstances at the time of the Treaty’s conclusion must have constituted an essential basis of the consent of the parties to be bound by the Treaty. The negative and conditional wording of article 62 of the Vienna Convention on the Law of Treaties is a clear indication moreover that the stability of treaty relations requires that the plea of fundamental change of circumstances should be applied only in exceptional cases”34.
O Primeiro requisito imposto pelo art.62, n.º1, é o carácter fundamental da
alteração de circunstâncias. E segundo o Prof. Doutor Eduardo Baptista:
“ Trata-se de elemento que exigirá que a alteração não seja meramente quantitativa, mas de ordem qualitativa ou em que, pelo menos, a alteração quantitativa tenha tido grande impacte em relação ao objeto sobre o qual incidem as obrigações convencionais.” (Pág.337).
O Segundo requisito imposto pelo art.62, n.º1, estabelece que uma alteração
fundamental de circunstâncias só poderá ser invocada, desde que não tenha sido prevista
antecipadamente pelas partes.
O Terceiro requisito imposto pelo art.62, n.º1, al. a), requer que o estado inicial
das circunstâncias no momento da celebração do tratado, formaram a base essencial
para a efetivação do consentimento das partes. Trata-se do requisito mais complicado de
ser observado e comprovado na prática, uma vez que decorre da interpretação das
intenções e expectativas das partes. Esse processo de interpretação é completamente
difícil, uma vez que as partes não possuem previsões futuras.
33 Ver BAPTISTA, Eduardo Correia, Direito Internacional Público, Vol.1, Pág. 336; E SHAW, Malcolm Nathan. International Law. Ed.5. Cambridge University Press. 2003. Pág. 857 e ss; Bem como HILLIER, Tim. Sourcebook on Public International Law. Montfort University. London. 1998. Pág. 157 e ss. E julgamento do TIJ relativo a invocação de alteração de circunstâncias, decorrente de transições políticas no leste europeu, que Segundo a alegante Hungria, afetava a vigência do tratado que visava a construção de barragens, em parceria com a extinta Checoslováquia. (cfr. Case Conserning The Gabcíkovo-Nagymaros Project (Hungary/Slovakia), Judgment, 25 September 1997, parág.104). Afastando dessa forma as pretensões húngaras fundadas nas alterações políticas na Europa Central (Rec. P.64, parág. 104). 34 Ver: Tribunal Internacional de Justiça: Caso do Projeto Gabcíkovo-Nagymaros (Hungary/Slovakia), Julgamento de 25 de Setembro de 1997, Pág.65. Bem como: DAVIDSON, Scott. The Law of Treaties – The Library of Essays in International Law. (1954), 2004. Pág. 484 e ss.
16
Dessa forma, a tarefa do interprete consistirá na tentativa de interpretar quais
eram as intenções das partes, e quais seriam as expectativas adequadas e razoáveis das
partes se tivessem previsto a nova situação? Embora é de conhecimento que as
alterações de circunstâncias é uma resultante natural das relações internacionais.
Esse requisito remete a vontade das partes, só houve consentimento mútuo no
momento da celebração do contrato porque as circunstâncias no momento da celebração
eram agradáveis para as partes, constituindo a base essencial para o tratado.
Assim, o interprete deverá presumir que perante uma circunstância adversa, as
partes nunca teriam celebrado o tratado. Outrossim, imaginemos que o tratado ainda
está em vigor e por um motivo de alteração de circunstâncias, ele está sendo cumprido
com uma finalidade diversa da que foi celebrada. Assim, o tratado não haveria mais
razão para permanecer vigente, uma vez que sua execução nessas condições iriam
chocar com o princípio da boa-fé, que deverá ser observada na elaboração, celebração,
execução das obrigações, perdurando até nos seus efeitos.
O impasse das alegações e a sua aceitação seriam facilmente resolvidas se todas
as partes do tratado fossem prejudicadas com as novas circunstâncias, mas é de
conhecimento que nem sempre assim ocorre. Não ocorrendo, caberá novamente ao
interprete decidir sobre a extinção ou suspensão do tratado, segundo o art.62 n.º 3 da
CVDT.
O Quarto e último requisito imposto pelo art.62. n.º1. al.b), remete ao equilíbrio
do acordo, as alterações ocorridas não devem ser apenas fundamentais, mas devem
acarretar também uma transformação radical das obrigações que se encontram
pendentes de cumprimento, onerando-o demasiadamente em relação a obrigação
anterior. Esse requisito é considerado por alguns autores um importante selecionador de
invocações de alterações, uma vez que só será aceita a invocação como meio de
desvinculação do tratado, em que a alteração causou um maior esforço ao Estado parte
na realização das suas obrigações, ou seja, nas alterações que não acarretarem elevação
da onerosidade e que mantenham a sua razão de ser, o tratado irá continuar em vigor.
Por outro lado, nas alterações que não acarretarem onerosidade mas que percam a sua
razão de ser, poderá ser passível de invocação35. Embora o artigo seja formulado
35 Ver os exemplos citados pelo Dr. BAPTISTA, Eduardo Correia, Direito Internacional Público, Vol.1, pág. 337. Nos casos, o Estado parte, unilateralmente invoca a alteração como ocasionadora da sua perda de interesse, “a perda da razão de ser do tratado”, embora a alteração não tenha ocasionado onerosidade no cumprimento das obrigações ainda a serem cumpridas. São os casos da Finlândia em relação aos artigos 13 a 22 do Tratado de Paz de Paris de 1947, invocada unilateralmente em 5 de janeiro de 1991,
17
negativamente, alguns autores mais liberais interpretam essa possibilidade e a sustentam
enquanto não há consolidada uma norma costumeira a esse respeito, alegam
basicamente, que é razoavél a aceitação desta espécie de alteração, desde que elas
respeitem a alínea b) do art.62, n.º1, entendem ainda que, haverá uma modificação
radical imposta forçosamente pelas obrigações decorrente da perda de sentido das
mesmas, passando a ser uma irracionalidade o seu cumprimento.
Após a verificação desses requisitos do art.62, n.º1, observados com uma
especial atenção em decisões judiciais36, o Estado interessado na invocação da cláusula
ainda deverá examinar a segunda parte do artigo, que veda duas possibilidades de
invocação de alterações fundamentais de circunstâncias.
No Primeiro caso, o artigo 62, n.º 2, al. a), diz respeito a uma categoria de
valores materiais jurídica e primária do momento da formação e demarcação do Estado,
ou seja, as suas fronteiras. Não poderá ser invocada a claúsula para extinção do tratado
que delimita uma fronteira, alguns autores defendem essa idéia e alegam dois motivos
para a vedação: o primeiro, decorre das questões históricas e suas considerações legais,
uma vez que as fronteiras possuem o caráter de fixo, permanente, decorrente da força
obrigatória de um tratado, que foi resultado de um trabalho conjunto de vários outros
Estados, podendo trazer até cicatrizes históricas (disputas armadas). Dessa forma, as
fronteiras não podem ser alteradas, exceto por iniciativa de outro tratado e não
decorrente de uma invocação unilateral, proveniente de uma alteração fundamental de
circunstâncias. O segundo motivo é de natureza técnica e jurídica, o tratado que
estabeleceu as fronteiras representa um momento histórico definitivamente resolvido,
esgotado legalmente por sua execução, ou seja, não há mais obrigações futuras a serem
cumpridas pelos Estados partes, apenas a obrigação natural e permanente de respeitar os
limites dos seus vizinhos37.
uma vez que as disposições limitavam as suas forças armadas (AJIL, supplement, vol.42, 1948, pág. 203-225), bem como, a perda de significado, por parte da Finlândia, no período de unificação alemã, em relação ao artigo 1º do Tratado de Amizade, de Cooperação e Assitência Mútua com a Rússia de 1948. (CFI, 1991, pág. 1048). 36 Ver acórdão do T.I.J, de 2 de fevereiro de 1973 (Compétence en matière de pêcheries), (Rec. 1973, p.19 a 21). O tribunal esclareceu que: “... as alterações de circunstâncias que devem ser consideradas como fundamentais ou vitais são aquelas que põem em perigo a existência ou o desenvolvimento vital de uma das partes. (...) A alteração de circunstâncias deve ter provocado uma transformação radical do alcance das obrigações que ficam por executar. Deve ter tornado mais pesadas as obrigações de maneira que a sua execução torne-se essencialmente diferente das que ficaram para executar.” 37 Nesse sentido: MARESCA, Adolfo. Il Diritto del Trattati – La Convenzione Codificatrice di Vienna del 23 Maggio 1969. Pág. 713 a 714.
18
A questão é ainda mais desenvolvida de acordo com outros autores, ao alegarem
que essa vedação é inteiramente desnecessária, uma vez que a alteração fundamental de
circunstâncias será sempre posterior a execução do tratado, o tratado já encontra-se
caducado, sendo somente juridicamente relevante, a alínea a), em relação aos tratados
de fronteiras que ainda não foram executados38.
O Segundo caso, o artigo 62, n.º 2, al. b), diz respeito a prevalência de valores
morais, de forma que não permite a invocação da cláusula pelos Estados em seu favor,
decorrente de uma alteração, mesmo que radical, resultante da violação de uma
obrigação estabelecida pelo tratado ou por qualquer obrigação internacional que vincule
qualquer outra parte do tratado39.
Essa vedação é baseada em razão do princípio nemo auditur propriam
turpitudinem suam allegans, ou seja, o Estado não poderá alegar desculpas por suas
próprias torpezas cometidas40, decorrente do princípio geral do direito (Factory at
Chorzow case, P.C.I.J. 1927, Series A, No.9 at pág. 31).
Preocupante a redação do artigo, em relação a palavra “violação”, uma vez que o
Estado poderá usar de outros meios audaciosos, porém não violadores, para se ver livre
de suas futuras obrigações. Se a intenção do artigo é precaver a conduta intencional do
Estado em se desvincular do tratado forçosamente, em decorrência de um ato originário
de sua própria conduta, prevendo um resultado futuro de alteração de circunstâncias, o
termo “violação” deveria ser interpretado como “ato provocado pelo próprio com a
pretensão manifestada de fraudar o tratado”, resultaria em uma maior proteção ao
princípio do pacta sunt servanda. Como forma de melhor expor essa posição, tomamos
por exemplo o caso de 9 de Agosto de 1941, em que o Presidente Franklin D. Roosevelt
declarou que a Convenção Internacional de Linhas de Carga de 1930, já não era
vinculativa para os Estados Unidos. E sob o pretexto das alterações fundamentais de
circunstâncias, foi imediatamente suspenso e tornado inoperante. Essa Convenção
38 Nesse sentido: CAPOTORTI, Francesco. L'extinction et la suspension des traités. Pág. 546; E, BAPTISTA, Eduardo Correia, Direito Internacional Público, Vol.1, pág. 339. 39 Utilizando de uma interpretação mais ampla, BAPTISTA, Eduardo Correia, Direito Internacional Público, Vol.1, pág. 339, estabelece um entendimento em relação aos Estados não membros: “Parece bem que a alteração de circunstâncias também não deverá poder ser invocada ainda que a violação da obrigação tenha sido em relação a uma entidade não parte no tratado. Se um Estado recorre à força contra um terceiro, não deve poder invocar em caso algum essa alteração de circunstâncias que provocou. Embora, nesse caso, porque está a violar uma obrigação erga omnes universal, acabe por a estar a violar mesmo em relação aos Estados partes.” 40 Se porventura eclodir uma Guerra, a cláusula nunca poderá ser invocada pelo Beligerante agressor, tal conduta de violação o tornará responsável pela inexecução dos tratados e pela conduta bélica.
19
limitava a capacidade de carga dos navios tanques, visando estabelecer uma maior
segurança na utilização pacífica do mar.
O ponto interessante nesse caso trata-se do fornecimento de um grande número
de petroleiros americanos para o governo britânico, o que ocasionaria, segundo um
coordenador de defesa nacional, uma ameaça de escassez de gasolina e petróleo na parte
nordeste dos Estados Unidos. Dessa forma, ao aumentar o volume de carga dos
petroleiros, o risco de escassez poderia ser superado. Cabe salientar que o artigo 25
dessa Convenção previa a denúncia, respeitando um período de 12 meses ou após 5
anos de vigência do tratado41.
Examinaremos dessa forma o caso: 1º A transferência dos petroleiros consistiu
uma violação? Penso que não. 2º A alteração de circunstâncias ocorreu? Não, nem
mesmo a ameaça de excassez de petróleo e gasolina, foi apenas uma previsão. 3º A
simples ameaça de escassez era uma legitimação para a invocação da cláusula? Não,
uma vez que as circunstâncias ainda não tinham sido alteradas e teoricamente, a
alteração seria prevista pela parte ao transferir voluntariamente uma quantidade
significativa de petroleiros para um outro Estado. 4º Esse metódo escolhido era a única
forma de desobrigação do tratado? Não, havia previsão de denúncia, porém, com
algumas exigências. 5º Houve manobra do Estado para desvincular-se de uma forma
mais rápida das obrigações do tratado? Salvo melhor Juízo, penso que sim.
2.3. A Constatação de uma alteração
Com o escopo de desvincularem-se do tratado, os Estados frequentemente
alegam a existência de uma alteração fundamental de circunstâncias, desvinculando-se
dessa forma, de seus compromissos convencionados.
Os exemplos mais conhecidos de tais pretensões invocadas unilateralmente42,
bem como invocadas perante tribunais, estão bem citados em DINH, Nguyen Quoc;
DAILLIER, Patrick; PELLET, Alain. Direito Internacional Público, pág. 323.
“ (...) A circular de Gortchakof de 31 de Outubro de 1870 pela qual a Rússia denunciava as disposições do tratado de Paris de 1856 sobre a desmilitarização do Mar Negro (v. Supra, n.º 196-2.º); a contestação do
41 Ver: BRIGGS, Herbert W. The Attorney General Invokes Rebus Sic Stantibus. The American Journal of International Law, Vol. 36, No. 1 (Jan., 1942), pp. 89-96. http://www.jstor.org/stable/2192195. Acesso em 02/02/2009. 42 Ver sobre: Pacta sunt servanda, and the General Presumption against Unilateral Termination. MACNAIR, Lord. The Law of Treaties. Oxford. (1961), 1986. Pág. 493 e ss.
20
«diktat» de Versalhes pela Alemanha entre as duas guerras; reposição em causa dos acordos de independência e de cooperação entre a França e as suas antigas colónias (Acordos de Evian de 1962 com a Argélia, postos em causa desde 1964; outros acordos com países africanos a sul do Sara a partir de 1971), que constituíram rapidamente um «cemitério de acordos prescritos» (M. Flory, Droit international du développement, P.U.F.,1977, p.145); justificação pela França da sua retirada das forças integradas da O.T.A.N. em 1966 (ver J. CHARPENTIER, in A.F.D.I., 1966, p.409 e ss. e E. STEIN e D. CARREAU, in A.J.I.L., 1968, p. 577 e ss.), a suspensão depois o «termo» do Tratado de Budapeste de 16 de Setembro de 1977 relativo à construção de uma barragem sobre o Danúbio pela Hungria em 1992 que conduziu à intervenção do T.I.J. pelos compromissos de 7 de Abril de 1993.”
Dessa forma, os entendimentos doutrinários atuais, indicam que a constatação de
uma alteração fundamental de circunstâncias (rebus sic stantibus) somente poderá ser
invocada em circunstâncias comprovadamente excepcionais, evitando assim, a
invocação das alterações meramente naturais e normais das condições da vida e da
manutenção dos Estados.
Portanto, a cláusula não poderá ser invocada em todos os casos em que as
alterações de circunstâncias resultar em simples pertubações do equilíbrio dos encargos
e benefícios, tornando-se mais onerosas para uma ou algumas partes do que para outros,
por exemplo, a inflação e a majoração da cotação cambial de uma moeda43 não
constituem causas excepcionais de alteração fundamental de circunstância. A invocação
somente será aceita quando a alteração for de molde a tornar a execução das obrigações
flagrantemente desigual, opressivo, de desempenho difícil, injusto, ou que
especialmente consiste em uma desigualdade que derrogue a Soberania do Estado
insatisfeito. Caso contrário, iria conflitar na prática com o postulado de que o direito
internacional assenta no Princípio da igualdade soberana dos Estados.
Voltamos a problemática da interpretação, que exigirá um trabalho quase extra-
humano do interprete, uma vez que deverá diferenciar as inúmeras situações de
alterações de circunstâncias.
43 Embora, há que se reconhecer que em alguns casos, a inflação torna-se exorbitante quanto a sua variação e passa a fazer parte das alterações não naturais. É o caso da Jurisprudência interna do Tribunal Constitucional Português que sustentou a desvinculação de Portugal da Convenção sobre a Lei Uniforme relativa a Letras e Livranças de Genebra, de 7 de junho de 1930, considerando a alteração (cláusula rebus sic stantibus) em decorrência do fenómeno inflacionário português, uma vez que a taxa de juros chegou a atingir os 23%. Ver: BAPTISTA, Eduardo Correia, Direito Internacional Público, Vol.1, pág. 384; Recordemos também, a variação Brasileira que ocorreu na década de 80, conhecida como “Inércia inflacionária”, que ocasionava a variação diária dos preços de todas as mercadorias. Chegou a atingir 80% ao mês, e a primeira solução foi o tabelamento de preços, que se resultou ineficiente. Só foi combatida através da implantação do atual plano Real. Fonte: http://inflacao.portaleconomia.com.br/.
21
Um caso de interpretação curioso da cláusula rebus sic stantibus foi invocada
por alguns juristas alemães em 1914, relativo ao Tratado de 1839 que consistia na
declaração de neutralidade do Estado Belga. O Tratado foi considerado obsoleto por
parte da Alemanha, que considerava-se desvinculada, alegando as alterações
fundamentais de circunstâncias, uma vez que houve um aumento da população Belga no
intervalo de 1938 a 1914, bem como a aquisição do território do Congo (África), e
ainda, o aumento quantitativo e qualitativo do exército, proveniente principalmente de
construções de poderosas fortalezas em suas fronteiras. Essas medidas foram
consideradas não condizentes com um país declarado neutro e pacífico44. A 2 de Agosto
a Alemanha exigiu direito de passagem de suas forças armadas através do Território
Belga, porém foi recusado, intão a Alemanha declarou guerra a Bélgica e a invadiu, fato
que desencadeou também a declaração de guerra por parte da França e a Grã-Bretanha
contra a Alemanha, alegando a violação ao tratado de neutralidade Belga. Esse e vários
outros motivos contribuiram para o inicio da primeira guerra mundial.
O caso acima constitui uma interpretação perigosa, se as novas circunstâncias
relativas ao aumento natural da população dos Estados, a sua expansão territorial por
meios pacíficos e o aumento e inovações tecnológicas bélicas nacionais, fossem aceitas
como alterações fundamentais de circunstâncias e responsáveis pela terminação dos
tratados, tornando-os obsoletos, atualmente existiriam raríssimos Estados que não iriam
invocar essas alterações com o escopo de livrarem-se das obrigações dos seus Tratados
mais antigos45.
Uma vez invocada a cláusula, as outras partes contestam geralmente a realidade
da alteração fundamental das circunstâncias. Dessa forma, cada uma das partes
constituem-se juízes em causa própria, adquirindo o direito de analisar e julgar se a
alteração é de molde a justificar a admissão do pedido de libertação das obrigações do
tratado. O problema de ambas as partes serem juízes, constitui portanto, na dificuldade
de estabelecer uma solução, uma vez que o acordo mútuo torna-se necessário para a
desvinculação do Estado solicitante. Esse acordo poderá muitas vezes depender de um
bom relacionamento entre os mesmos, de gentileza internacional e da boa-vontade dos
outros Estados-partes. Quando tal não for possível, ou seja, no caso de insucesso nas
44 Ver: FUEHR. The Neutrality of Belgium, Chs. IV, VII; Hampe in “Modern Germany” (Eng. Trans. Of a work entitled Deutschland und der Weltkrieg), p. 363; Schoenborn, ibid., p. 545; and Burgess, The European War of 1914 – Its Causes, Purposes and Probable Results, p. 171. 45 GARNER, J.W. The Doctrine of Rebus Sic Stantibus and the Termination of Treaties. The American Journal of International Law, Vol. 21, No. 3 (Jul., 1927), pp. 513-514.
22
negociações, uma solução razoável, eficaz e lógica seria a confiança e submissão das
diferenças aos Tribunais de Justiça Internacionais ou aos Tribunais Arbitrais, a título de
exemplo, a França afirmara perante o T.P.J.I. no processo das Zonas francas (T.P.J.I.,
série C, n.º 58, p.405-406), embora nesse ponto, o Tribunal considerou inútil
pronunciar-se (série A/B, n.º 46, p. 156-158)46.
A maior dificuldade de aplicação prática da regra do art.62CVDT, cláusula
rebus sic stantibus, constitui manifestadamente na falta de um juiz comum obrigatório,
uma vez que os existentes atualmente são facultativos. É forçoso portanto, a busca de
soluções em outros sistemas para determinar em casos apresentados pelos Estados
supostamente afetados, se esses casos alegados, de alteração fundamental das
circunstâncias, que supostamente afetariam a base essencial da vontade dos Estados,
seriam realmente verdadeiros, bem como a dificuldade em decidir e justificar um pedido
e futuramente uma concessão de extinção ou suspensão do tratado, ou apenas, de
alguma(s) cláusula(s) do tratado.
A boa intenção do artigo 19 do Pacto da Sociedade das Nações, estabelecia à sua
Assembléia a competência de examinar tratados com o escopo de identificar os que
tornaram-se inaplicáveis e de convidar os Estados-partes envolvidos a reexaminá-los.
Porém, essa medida não funcionou na prática. E, esse sistema foi retomado pela Carta
das Nações Unidas em seu Art.33, 2, mas de forma geral, levando-se também em
consideração o consentimento dos Estados Partes.
Questão complicada em relação a constatação de uma alteração, é saber em que
momento é que se verifica? Qual a data que será levada em consideração para a
verificação dos seus efeitos, segundo o art.70,2? Levará em consideração a data da
verificação da alteração fundamental de circunstâncias? Ou a data dos seus efeitos, ou
seja, da data da modificação da base essencial do consentimento das partes? Ou, da data
da alegação ou notificação para os outros Estados-partes? Ou, a data da convalidação?
Parece-me mais acertada a data da convalidação, uma vez que encerrou-se todos
os procedimentos estabelecidos pela Covenção, sanando dessa forma, todas as
incertezas referente a alegação de alteração fundamental de circunstâncias.
2.4. É legítimo a alegação de iminência de alteração fundamental de circunstâncias?
46 Neste sentido DINH, Nguyen Quoc; DAILLIER, Patrick; PELLET, Alain, Direito Internacional Público, pág. 323.
23
Há possibilidade de alegação pelo Estado parte de uma iminência de alteração
fundamental de circunstâncias?
Se fossemos responder essa pergunta apenas utilizando o artigo 62 da CVDT a
resposta seria não, uma vez que ele estabelece expressamente a palavra “ocorrida”, ou
seja, que já tenha passada, porém, possuímos dados interpretativos, doutrinários e
jurisprudencial que irá auxiliar na construção de um entendimento flexível para a
legitimação dessa alegação.
Recordando, o TIJ no caso Gabcíkovo-Nagymaros (Hungary/Slovakia), já
alertou para o cumprimento dos requisitos do artigo 62CVDT, que deverá ser aplicado
rigorosamente, bem como salientou o seu carácter excepcional.
O caráter excepcional desse artigo possui o escopo de proteger a santidade dos
tratados decorrente do princípio do pacta sunt servanda, evitando dessa forma, o uso
indiscriminado dessa espécie de modalidade terminativa dos tratados.
Porém, o princípio da boa-fé esta presente não apenas na elaboração preliminar e
celebração do tratado, mas também na sua execução e irá permanecer nos efeitos
provenientes desse tratado mesmo após a sua extinção ou a sua caducidade.
Se de outra forma, na época da celebração do tratado, o Estado soubesse da
iminência da alteração de circunstâncias, ele teria razões de se vincular a essas
obrigações imposta pelo tratado? Sem nenhuma dúvida que não.
Assim, imagine-se um caso de iminência de precipitação de chuva, superior aos
níveis normais, decorrente da variação climática atual do planeta, em um Estado que
não possui adequada infra-estrutura de escoagem de água de chuva. Estimam-se que se
continuar a chover um ou dois meses consecutivos, haverá risco de alagamento ou
ruptura de uma barragem dos Países Baixos, por exemplo. E esse Estado possui um
tratado de fornecimento de roupas e alimentos para diversos outros Estados.
Seria justo manter esse Estado obrigado a cumprir suas responsabilidades frente
a uma ameaça iminente de catástrofe natural? Salvo melhor doutrina, penso que não.
Dessa forma, cumprido os requisitos estabelecidos pelo artigo 62 da CVDT é
possível e legítimo a invocação da iminência de alterações fundamentais de
circunstâncias, salvo melhor juízo. Porém, devemos ser cautelosos e aceitar apenas com
efeitos suspensivos do tratado. Assim, a função - o espírito do artigo estaria sendo
cumprido da mesma forma, ou seja, evitar a majoração dos encargos obrigacionais que
o Estado iria sofrer injustamente.
24
Uma outra consideração que contribui para esse entendimento, é a possibilidade
de fiscalização por parte dos outros Estados-membros (Art.65 a 67 CVDT) que tratam
do processo, e uma vez descoberto a tentativa de fraude pelo Estado alegante; ou ainda
o não acontecimento da alteração que apresentava-se iminente, cessaria a suspensão,
retomando dessa forma, a vigência do tratado.
Se por acaso acarretar em danos decorrentes da suspensão do tratado pela
alegação de má-fé do Estado ou ainda, pela não occorência das alterações fundamentais
de circunstâncias, pensamos que a indenização é uma forma de reparação eficaz para a
responsabilização do Estado que prestou falsas informações ou agiu de boa-fé porém
não houve o imprevisto. Não ocorrendo o acordo, restará seguir de acordo com o art. 33
da Carta das Nações Unidas – as soluções pacíficas de controvérsias47.
Trata-se de uma medida menos gravosa em relação a alegação de estado de
necessidade, em que o Estado irá violar justificadamente suas obrigações decorrente do
tratado, além de sujeitar os outros Estados-Partes a um estado de surpresa decorrente do
incumprimento de suas obrigações, mesmo que justificadas. Assim, com a alegação de
iminência de alterações fundamentais de circunstâncias, os outros Estados Partes não
serão pegos de surpresa, uma vez que serão notificados anteriormente, a tempo de
tomarem medidas compensatórias.
47 Ver: Resolução 2625, proclamada pela Assembleia Geral das Nações Unidas em 1970. pág. 130. “... Considerando que o desenvolvimento progressivo e a codificação dos seguintes princípios: a) O princípio de que os Estados, em suas relações internacionais, se absterão de recorrer a ameaça ou ao uso da força contra a integridade territorial ou a independência política de qualquer Estado, ou em qualquer outra forma incompatível com os propósitos das Nações Unidas; b) O princípio de que os Estados resolverão suas controversias internacionais por meios pacíficos de tal maneira que não se colocarão em perigo a paz e a segurança internacional nem a justiça”.
25
CAPÍTULO 3. DURAÇÃO DA ALTERAÇÃO
3.1. Definitiva
Uma vez constatado a definitividade, sem previsões de termo das alterações
fundamentais de circunstâncias, é cessada a vigência do Tratado. Embora alguns autores
alegam que trata-se de um caso de caducidade, segundo a letra e o espírito do artigo
62CVDT, bem como a cautela dos participantes da Conferência de Viena em evitar a
interpretação do caráter automático terminativo dos tratados, a alteração irá apenas
contribuir para a Parte alegar a sua pretensão de pôr termo ao tratado, uma vez que ela
sentiu-se afetada negativamente. A explicação dos autores relativo a recusa da figura da
caducidade baseia-se em consonância com o artigo 45CVDT que estabelece a sujeição a
convalidação por parte dos outros Estados-Parte. Ou seja, a extinção ou suspensão do
tratado somente ocorrerá se for reconhecida pelos outros Estados-Partes a capacidade da
alteração de produzir realmente o efeito, como um mero fato jurídico.
Um exemplo de alteração definitiva tem relação com o complicado Tratado de
Waitangi, que uma série de doutrinadores insistem que, independente da forma que foi
celebrado o tratado, Waitangi não poderá ser entendido atualmente como um tratado
internacional, condizente com a doutrina do direito internacional e com a Carta das
Nações Unidas. O entendimento sobre o Tratado é que o mesmo passou a funcionar
como uma mera Carta entre as sociedades tribais ao invés de ser considerado um acordo
entre os governos48.
Mesmo que esta idéia acima seja aceita, Waitangi começou sua vida como um
tratado internacional, bem como para a época de expansão territórial, foi considerado
leve, não apenas pela própria Coroa Britânica como também por outras nações como a
França, Rússia, por exemplo, durante a sua execução, uma vez que respeitava, ou
48 Ver: WALDRON, Jeremy. The Half-Life of Treaties: Waitangi, Rebus Sic Stantibus. F.W. Guest Memorial Lecture: August 22nd, 2005. Otago Law Review (2006) Vol. 11. No 2. p. 163. E: New Zealand History online. Making the Treaty of Waitangi. Disponível em: www.nzhistory.net.nz. Acesso em 28/03/2009.
26
melhor, nas instruções49 que o oficial da coroa havia-lhe preparado, havia a menção ao
respeito aos princípios da sinceridade, da justiça e da boa fé, embora existem dúvidas
quanto a presença do dolo na sua celebração uma vez que as duas versões, em inglês e
māori, não são idênticas, art. 49CVDT “Se um Estado foi levado a concluir um tratado
pela conduta fraudulenta de um outro Estado que tenha participado na negociação, pode
invocar o dolo como tendo viciado o seu consentimento em obrigar-se pelo tratado”.
Embora existem alegações quanto a incapacidade dos povos indígenas de
celebrarem tratados em sentido estrito, a construção desse conceito é posterior a muitos
tratados. Caberia discutir se os efeitos do conceito seriam ex tunc ou ex nunc, se por
acaso, entendermos que trata-se de um princípio com efeitos ex tunc, ou seja, desde a
raíz, podemos afirmar que os tratados celebrados com povos indígenas são
automaticamente extintos, devido a sua caducidade. Por outro lado, se entendermos que
trata-se de efeitos ex nunc, ou seja, a partir de agora, podemos a priori aceitar que os
tratados encontram-se ainda em vigor desde que suas bases essenciais ainda
permaneçam presentes.
Portanto, mesmo levando-se em consideração que o tratado Waitangi seja
meramente um acordo intra-nacional, tratando-se de uma constituição e não um tratado
internacional. Mesmo assim, os autores ainda consideram o seu possível status obsoleto,
uma vez que a doutrina da rebus sic stantibus não é aplicada apenas nos tratados
internacionais.
Outros autores ainda alegam a duração do referido tratado, alegando que o
mesmo não possui uma cláusula de caducidade, dizendo ainda que são tratado timeless,
tornando-o imune ao impacto das alterações fundamentais de circunstâncias. Porém, os
que confiam no Tratado baseiam sua confiança no entendimento que trata-se de um
documento em evolução, em que as três cláusulas não eram para ser lidas literalmente,
mas como um ponto de partida a partir do qual as nações conjuntamente, poderiam
construir os princípios de acordo com a evolução temporal. Assim, os autores que
49 (...) instructions that James Stephen of the Colonial Office had prepared: “All dealings with the Aborigines for their Lands must be conducted on the same principles of sincerity, justice, and good faith as must govern your transactions with them for the recognition of Her Majesty's Sovereignty in the Islands. Nor is this all. They must not be permitted to enter into any Contracts in which they might be ignorant and unintentional authors of injuries to themselves. You will not, for example, purchase from them any Territory the retention of which by them would be essential, or highly conducive, to their own comfort, safety or subsistence. The acquisition of Land by the Crown for the future Settlement of British Subjects must be confined to such Districts as the Natives can alienate without distress or serious inconvenience to themselves. To secure the observance of this rule will be one of the first duties of their official protector.” Fonte: New Zealand History online. Making the Treaty of Waitangi.
27
defendem o tratado, insistem que o mesmo não destinava fossilizar o status quo, mas
tem a intenção de fornecer diretivas com o escopo de propiciar um futuro e crescente
desenvolvimento50
Porém, a crítica de autores quanto a esse entendimento é que, essa atitude que
toma os tratados como organismos vivos e em evolução tem limites. Pois, após
determinado tempo, o tratado poderá perder um pouco da sua eficácia decorrente das
modernas circunstâncias. Acarretando assim, a formação de obstáculos para as relações
internacionais entre os Estados Membros, ao invéz de cumprir seu papel facilitador de
atualização do status quo, frente as evoluções decorrentes da passagem do tempo.
Faz-se necessário, dessa forma, aceitar a idéia de que, pelo menos, o tratado
poderá ser modificado através do consentimento das partes, devido a obsolência em
relação aos modernos conceitos de soberania. Outrossim, após o final do século 20,
houve grandes alterações fundamentais de circunstâncias em todos os Estados, uma vez
que o conceito de Estado assumiu uma maior e mais ampla competência de tarefas e
responsabilidades econômicas, ambientais e de bem-estar da sua população (nacionais e
estrangeiros). Exigindo dessa forma, um maior grau de responsabilidades em todo país,
pelos seus plenitenciários e governantes, diferentemente da época dos chefes tribais, a
cerca de quase 170 anos atrás.51
Pensamos que dessa forma, a modificação seria o mais correto a se fazer, uma
vez que não poderíamos conviver com injustiças históricas, uma vez que a auto-
determinação dos povos e a igualdade soberana entre Estados são princípios atuais que
deverão ser respeitados na celebração de qualquer Tratado. E mais uma vez, se houver
insucesso no consentimento dos Estados Membros relativo a revisão dos Tratados,
caberá recorrer ao Art. 33 da Carta das Nações Unidas.
É nesse entendimento que devemos firmar, pois se apenas alegarmos a alteração
fundamental de circunstâncias, decorrente de uma mudança política de um governo,
talvez o pleito não seja admitido, uma vez que a Comissão de Direito Internacional, em
comentário sobre o Art. 62, afirmou que uma alteração fundamental de circunstâncias
50 Ver: WALDRON, Jeremy. The Half-Life of Treaties: Waitangi, Rebus Sic Stantibus. F.W. Guest Memorial Lecture: August 22nd, 2005. Otago Law Review (2006) Vol. 11. No 2. p. 166. 51 Embora a Comissão de Direito Internacional, em comentário sobre o Art. 62, afirmou que uma alteração fundamental de circunstâncias na política de um Estado (Governo) nunca poderia ser invocada como um fundamento para a rescisão, retirar-se ou suspender o cumprimento de um Tratado. Ver: Draft Articles on the Law of Treaties with commentaries – 1966. Pág.259. Disponível em: http://www.un.org/law/ilc/index.html; Ainda nesse sentido: Ian Sinclair, The Vienna Convention on the Law of Treaties, Second edition (Manchester University press, 1984), at p. 194, quoting the International Law Commission commentary on the Vienna Convention.
28
na política de um Estado (Governo) nunca poderia ser invocada como um fundamento
para a rescisão, retirar-se ou suspender o cumprimento de um Tratado52.
Após essa análise preliminar, caberá a(s) outra(s) parte(s) a disponibilidade de
decidir sobre a aceitação da validade ou invalidade do tratado, que poderá permanecer
em vigor e em contínua execução (Art.45CVDT), ou ocorrerá a extinção das obrigações
que ainda não foram cumpridas, decorrente do tratado no seu inteiro teor. Ainda, existe
também, a possibilidade de extinguição apenas das disposições que acharem-se
incompatíveis de cumprimento, frente as alterações fundamentais de circunstâncias53.
Desde que: 1. As cláusulas sejam separáveis do resto do tratado no que concerne a sua
aplicação; 2 Que resulte do tratado que essas cláusulas poupadas não constituem para as
partes uma base essencial do seu consentimento em obrigar-se pelo tratado; e por
último, 3. Que não seja injusto continuar a executar o resto do tratado. Possibilidade
estabelecida pelo Art. 44, n.º 3 CVDT.
3.2. Efémera
O caso mais citado entre os autores, que descrevem quanto ao caráter efémero
das alterações fundamentais de circunstâncias é o caso de eclosões de conflitos
armados, porém defendo que ocorrerá também nos tratados de paz em casos de cessação
dos conflitos. Nesses casos, há o efeito automático suspensivo da execução do tratado,
em consonância ao artigo 62, n.º 3, que possibilita o direito da parte afetada optar por
limitar a uma possibilidade menos gravosa, que consiste na suspensão das obrigações ou
exigir a extinção do tratado.
Poderíamos citar o caso da disputa levada ao Conselho de Segurança54, do
Tratado Anglo-Egípcio, pedido fundamentado de acordo com os artigos 35 e 37 da
Carta das Nações Unidas, em 8 de Julho de 1947. O Sr. Nokrashy Pasha, Primeiro-
Ministro do Egito alegou violação do princípio fundamental da igualdade soberana, em
52 Ver: Draft Articles on the Law of Treaties with commentaries – 1966. Pág.259. Disponível em: http://www.un.org/law/ilc/index.html; Ainda nesse sentido: Ian Sinclair, The Vienna Convention on the Law of Treaties, Second edition (Manchester University press, 1984), at p. 194, quoting the International Law Commission commentary on the Vienna Convention. Sobre os efeitos das alterações na forma do Governo, Ver: CRANDALL, Samuel B. Treaties – Their Making and Enforcement. 2ª ed. 1916. Pág. 423 e ss. MACNAIR, Lord. The Law of Treaties. Oxford. (1961), 1986. Pág. 668 e ss. 53 Nesse sentido: BAPTISTA, Eduardo Correia, Direito Internacional Público, Vol.1, pág. 339. 54 Sobre os procedimentos do Conselho de Segurança, ver: Repertoire of the Practice of the Security Council – Supplement 1956-1958. Chapter VIII. Consideration of questions under the Council`s responsibility for the maintenance of international peace and security. Part II. Pág. 105 e ss. Disponível em: http://www.un.org/Depts/dpa/repertoire/index.html.
29
decorrência da permanência de tropas do Reino Unido em seu território, sem o
consentimento Egípcio, contrariando fundamentalmente à letra e ao espírito da Carta
das Nações Unidas, e seus pedidos consistiam na total e imediata evacuação das tropas
britânicas do Egito e o encerramento do regime administrativo no Sudão, uma vez que o
tratado não poderia vincular o Egito por mais tempo, pois seus objetivos estavam
caducados em função da paz no Canal de Suez55.
Assim, em relação a alteração fundamental de circunstâncias, examinadas em
relação a Convenção de Viena sobre Direito dos Tratados, poderíamos considerar a
caducidade de um tratado de paz pela alteração do estado de guerra ao estado de paz?
Penso que sim, o tratado de paz funcionaria apenas durante um lapso temporal de
transição pós-guerra, e uma vez alterado as circunstâncias que foram base essenciais
para a celebração do tratado, bem como sua perda de razão, o tratado de paz seria
caducado de uma forma automática56. Vejamos em detalhes:
1º Quanto ao primeiro requisito: caráter fundamental da alteração, uma alteração
qualitativa, decorrente da mudança do estado de guerra, para o estado de paz, auto-
explicativo. (art.62,nº.1).
2º As partes não tenham antecipado a possibilidade de tal alteração e aceite as
suas consequências. É um requisito mais complicado de comprovar de uma forma
textual, mas podemos imaginar que ao elaborar um tratado de paz, as partes não
possuem antecipadamente a possibilidade de apaziguamento no território dos vencidos,
haja visto na prática, que embora esteja em vigor um tratado de paz, por essa razão há a
necessidade de tropas de ocupação no território vencido, que poderá gerar conflitos
decorrente de grupos que não aceitam a rendição, agindo de forma descaracterizada, é o
que ocorre atualmente no Iraque. Dessa forma, esse requisito poderá ser preenchido, ao
ser confirmado o apaziguamento total no território pós-conflito. (art.62,nº.1).
3º A base essencial do tratado era cessar as hostilidades em relação à passagem
de navios estrangeiros no canal de Suez. De acordo com a alteração, não houveram mais
hostilidades ao navios estrangeiros no canal, dessa forma, se durante a celebração do
55 Ver: LAUTERPACHT, Eli. Sovereignty-Myth or Reality? International Affairs (Royal Institute of International Affairs 1944), Vol. 73, No.1 (Jan. 1997), pág. 142. BRIGGS, Herbert W. Rebus Sic Stantibus Before the Security Council: The Anglo-Egyptian Question. The American Journal of International Law, Vol. 43, No. 4 (Oct., 1949), pp. 762-769. 56 Em conformidade, novamente, com a Resolução 2625, proclamada pela Assembleia Geral das Nações Unidas em 1970. pág. 132. “... O princípio da igualdade soberana dos Estados compreendem os seguintes elementos: d) a integridade territorial e a independência política dos Estados são invioláveis; f) Cada Estado tem o dever de cumprir plenamente e de boa-fé suas obrigações internacionais e de viver em paz com os demais Estados”.
30
tratado de 1936, não houvesse essa hostilidade, haveria necessidade de celebração do
tratado? Claramente que não (art. 62,nº.1,al.a).
4º E por último, a modificação radical decorrente da paz efetiva no território
ocupado, acarretou a perda da “razão de ser” do tratado de paz, em manter tropas
militares com o escopo de manter a paz e a proteção dos navios que transitem no canal.
Obviamente, a figura da suspensão é a solução mais correta que um Estado
poderá optar, uma vez que a probabilidade da(s) outra(s) parte(s) convalidara(em) a sua
alegação é muito maior, salvo no caso de termino de conflitos armados que será de
forma automática, bem como não faria o menor sentido o indeferimento da invocação
da cláusula rebus sic stantibus à parte que tem o direito de exigir a pouco periculosa
figura da suspensão decorrente de uma alteração consideravelmente passageira57.
57 Nesse sentido: BAPTISTA, Eduardo Correia, Direito Internacional Público, Vol.1, pág. 340.
31
CAPÍTULO 4. CONSEQUÊNCIAS DA INVOCAÇÃO DA CLÁUSULA
Além das controversas relacionadas com a razão da cláusula rebus sic stantibus,
passamos a verificar quanto aos efeitos jurídicos relacionados a sua invocação.
Segundo o artigo 62, n.º 3, os efeitos da alegação de uma alteração fundamental
de circunstâncias pela Parte poderá causar a extinção do Tratado (bilaterais) ou dele
retirar-se (multilaterais), podendo também invocar a cláusula rebus sic stantibus para
apenas suspender a execução do Tratado até que retorne a situação normal das
circunstâncias. Embora, durante a elaboração da Carta pela Comissão, foi recomendado
pelos delegados da Suiça e da Austrália uma terceira solução, considerada mais flexível,
a figura da modificação, porém não foi adotada no texto58.
A intenção do n.º 3 do artigo 62 CVDT é minorar os efeitos da invocação da
cláusula, com o escopo de proteger ao máximo a santidade dos tratados. Decorre do
princípio do pacta sunt servanda. Porém, não veremos problema se as Partes de mútuo
consentimento resolverem revisar e modificar as disposições do tratado a fim de
cumpri-lo segundo a realidade das novas circunstâncias59. Cabe ressaltar que trata-se de
uma construção interpretativa doutrinária, pois, de acordo com o art.62 da CVDT, não é
possível a modificação em decorrência de uma alteração fundamental de circunstâncias.
Existindo apenas a possibilidade de extinção ou suspensão.
Dessa forma, haverá também a possibilidade das partes de invocarem a extinção,
suspensão ou modificação apenas de algumas disposições do tratado, em conformidade
com o artigo 44, n.º 3 CVDT.
Entendemos que a modificação decorrente da alteração de circunstâncias possui
um efeito automático, uma vez que o tratado perdeu a sua razão de ser (art.62,nº.1,al.b),
aproximando-o da figura da caducidade. E, como forma de manutenção da execução do
tratado, a modificação quando, e se possível, torna-se mais eficiente que a extinção ou a
suspensão das obrigações frente as novas circunstâncias, mantendo o princípio
58 Neste sentido DINH, Nguyen Quoc; DAILLIER, Patrick; PELLET, Alain, Direito Internacional Público, pág.324. 59 Nesse sentido: o art.14 (2) do Tratado da União Europeia: “2. Se se verificar uma alteração de circunstâncias que tenha um efeito substancial numa questão que seja objecto de uma acção comum, o Conselho procede à revisão dos princípios e objectivos dessa acção e adopta as decisões necessárias.
Enquanto o Conselho não tiver deliberado, mantém‑se a acção comum.”
32
fundamental dos tratados, o princípio do pacta sunt servanda, e, em consonância de que
o tratado faz lei entre as Partes e poderá ser revisto pelas mesmas Partes.
Dessa forma, somente as mesmas partes, em mútuo consentimento, poderão
extinguir, suspender ou modificar um tratado ou alguma(s) disposição(ões).
Diferentemente da modificação do art.41 da CVDT, uma vez que nesse caso, é uma
faculdade das Partes e limitada ao preenchimento de seus requisitos elencados.
Em relação a doutrina, quanto aos efeitos do momento da alegação de uma
alteração fundamental de circunstâncias, ela não é unânime, variando de acordo com o
entendimento de alguns autores. Segundo a classificação do Prof. Doutor Adolfo
Maresca60:
A) Alguns autores entendem que o efeito extintivo é imediato e absoluto: em
virtude da alegada alteração fundamental de circunstâncias, este evento determina a
extinção do Tratado automaticamente;
B) De acordo com outros autores, o efeito jurídico da alteração fundamental de
circunstâncias supervenientes, não consiste na extinção automática do tratado, mas em
aquisição da titulariedade, da parte do Estado contraente e interessado no direito
subjetivo, que pretenda exigir de outros Estados a conclusão de um novo tratado,
determinando dessa forma, a extinção do tratado original. Onde essas mudanças das
circunstâncias segue os requisitos de um "pactum de contrahendo";
C) Morelli exclui a possibilidade de um Estado alegar unilateralmente a extinção
do Tratado, uma vez alegada a alteração fundamental de circunstâncias relacionada com
este evento; e ainda recusa a idéia de que é retirado do Estado o direito subjetivo de
promover um novo acordo, possuindo apenas efeito extintivo. Por Morelli, esta norma
deriva de um importante poder jurídico do Estado: o de proceder a denúncia do Tratado.
Verificado a alteração fundamental das circunstâncias após a celebração do
Tratado e tendo conhecimento de que trata-se de um imprevisto das intenções das
Partes, a obrigatoriedade do Tratado não é cessada, em regra, automáticamente61,
permitindo às partes promoverem a alteração do Tratado por uma via escolhida por elas,
acordo mútuo ou jurisdicional, adaptando-o as novas circunstâncias.
60 Ver: MARESCA, Adolfo. Il Diritto del Trattati – La Convenzione Codificatrice di Vienna del 23 Maggio 1969. Milano. 1971. Pág: 700-702. 61 Ver: TIJ Recueil, 1973, pág.21, par.44. O TIJ afirmou que a teoria da alteração das circunstâncias “nunca tem por efeito extinguir automaticamente um tratado ou autorizar a denunciar um tratado unilateralmente e sem contestação possível: ela tem como único efeito conferir o direito de solicitar a extinção e, se esse pedido for contestado, de apresentar o diferendo perante um órgão ou um organismo habilitado a dizer se as condições requeridas para a sua actuação estão reunidas”.
33
Quanto a exceção dessa regra, defendo que apenas os tratados que estabelecem a
paz após um conflito armado, possuem a qualidade terminativa automática do
cumprimento das obrigações impostas, desde que cumprido os requisitos do art.62 da
CVDT, e após a verificação da eliminação de qualquer derramamento de sangue
decorrente de conflitos armados. Tal medida é importante e necessária pra evitar futuros
conflitos proveniente de um tratado com obrigações pós-guerra demasiadamente
onerosa para os vencidos. Não fazendo sentido a manutenção do seu cumprimento
frente a paz restabelecida.
Uma vez discutido doutrináriamente sobre a alegação e seus efeitos, torna-se
necessário abordar o destino do Tratado e qual é a posição dos Estados Partes.
Novamente, segundo o Professor Doutor Adolfo Maresca:
(a) Para alguns autores, o tratado não deve ser considerado ainda expirado, e o
Estado que invocou a cláusula "rebus sic stantibus" não pode ser considerado livre, sem
outras obrigações dele decorrente.
(b) Outros, no entanto, entendem que o tratado deverá ser arquivado, porque o
"pactum de contrahendo”, que na alteração fundamental de circunstâncias seria posto
em prática, seria fornecida com uma sanção especial: a caducidade do Tratado original,
onde não será dado nenhum prosseguimento no “pactum”.
(c) Em conformidade com a prática internacional (na época da edição do livro –
1971), se um acordo não for atingido por uma revogação, ou nem se quer há uma
intenção de estabelecer uma negociação sobre a matéria, a parte que invocou a cláusula
"rebus sic stantibus" , considera-se absolutamente liberada dos seus compromissos
decorrente do Tratado. Nesses casos, as partes as quais a cláusula foi invocada,
possivelmente levantarão queixas formais. Importante observar que atualmente a prática
internacional decorrente do art.62 da CVDT, não admite a desvinculação unilateral do
Tratado. O Estado vinculado a Convenção deverá respeitar o Processo estabelecido nos
artigos 65 a 67 da CVDT. Porém, quanto a prática internacional dos Estados que não
estão vinculados ao art.62 da CVDT não podemos falar o mesmo em relação a vedação
da desvinculação unilateral do tratado.
Em Setembro de 1990, a República Democrática Alemã (Alemanha Oriental)
notificou através dos seus embaixadores na URSS e noutros países da Europa Oriental
que desvincularia das suas obrigações estabelecidas pelo Pacto de Varsóvia, invocando
as disposições da Convenção de Viena sobre Direito dos Tratados em razão das
34
alterações fundamentais de circunstâncias, que alguns autores entendem que foi a partir
da queda do muro de Berlim62.
62 Ver: PAPENFUSS, Dieter. The Fate of the International Treaties of the GDR Within the Framework of German Unification. (1998) 92. American Journal of International Law. 469.
35
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Há que se observar, que a cláusula rebus sic stantibus foi codificada pela
Convenção de Viena sobre direitos dos tratados, com o escopo de regulamentar e
detalhar um processo único e protetivo ao princípio do pacta sunt servada e o da boa-fé,
inibindo dessa forma, as inúmeras possibilidades de desvinculação por ato unilateral da
parte alegante.
É certo que o princípio do pacta sunt servanda não é absoluto, e sempre que
estiver frente à uma alteração fundamental de circunstâncias, haverá a possibilidade
conflitual de ambas figuras.
Todos Estados-Partes deverão abordar a questão da cláusula rebus sic stantibus
de uma forma mais confiavél, uma vez que um Estado que utiliza-la
irresponsavelmente, como um meio de fuga de suas obrigações decorrentes do tratado,
quando descoberto, ficará mal visto e desacreditado pela sociedade internacional, e
como é sabido, nenhum Estado atualmente sobrevive isolado.
Ainda assim, a invocação da cláusula somente será realizada se houver o
preenchimento de todos os quatro requisitos estabelecidos no artigo 62 CVDT, de
carácter excepcional, bem como salientou o TJI no caso (Hungary/Slovakia).
O problema é que existem muitos Estados que ainda não ratificaram a
convenção, somando-se à questão da inexistência de um tribunal internacional
obrigatório, tão sonhado por alguns autores, porém, são de complicada criação e
efetivação na prática. Quem sabe futuramente os Estados cedam parte de sua soberania,
reconhecendo um órgão, ou ainda, um sistema jurisdicional internacional obrigatório?
Por hora, os tribunais facultativos são de grande importância, constituem uma evolução
perante a sociedade internacional que baseavam-se apenas na diplomacia em tempos de
paz, e na guerra, quando a primeira era ineficaz.
Atualmente, a inexistência de decisões de tribunais internacionais judiciários
e/ou arbitrais que deferem pedidos de suspensão ou extinção de tratados pela invocação
de uma alteração fundamental de circunstâncias, bem como as fortes reservas expressas
em relação ao artigo 62 CVDT poderiam ser um entrave na aplicação da cláusula da
rebus sic stantibus, porém, a aceitação dessa cláusula pela doutrina no direito
internacional é tão grande que corresponde ao reconhecimento da necessidade de uma
ferramenta de segurança no direito dos tratados (codificado), que será exercida em casos
excepcionais, ou seja, quando as futuras obrigações decorrentes do tratado sofrerem
36
uma majoração injusta para o outro Estado Parte. Embora, no âmbito do Tribunal
Comunitário, já houve o reconhecimento da figura das alterações fundamentais de
circunstâncias (Ver: Acórdão do T.J.C.E - Proc. C-162/96, de 16 de junho de 1998,
A.Rache GmbH).
O Ideal a ser realizado nos tratados a tempo indeterminado, nos tratados de
longo prazo e nos tratados de médio prazo é estabelecer disposições relativas à
possibilidades de renovações ou até mesmo de revisões, uma vez que é de conhecimento
dos Estados que poderá ocorrer alterações futuras das circunstâncias, modificando as
bases essenciais que foram responsáveis pelo consentimento dos Estados partes na
celebração do tratado, interferindo consideravelmente no cumprimento das obrigações a
serem realizadas. Nesse sentido, em 30 de Janeiro de 1921 houve uma votação pelos
eleitores suiços aprovando uma emenda à Constituição de 1874, que estabeleceu a
possibilidade de adoção ou rejeição pelo povo, de qualquer tratado concluído para uma
duração indeterminada ou para um período de mais de 15 anos, desde que seja requerido
por 30.000 cidadãos ativos ou por 8 cantões63. Um exemplo de referendo negativo foi
na votação de 16 de Março de 1986, relativo a adesão da Suiça às Nações Unidas.
63 Nesse sentido, através de um referendo negativo, em 16 de Março de 1923, a população suiça rejeitou a Convenção franco-suiça de 07 de Agosto de 1921, sobre as zonas francas. Tal medida só foi possível em decorrência da previsão constitucional de referendo popular nos casos de tratados concluídos por tempo indeterminado ou superior a 15 anos de vigência.
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