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Albert Memmi. RETRATO DO COLONIZADO.
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ndice
1. Retrato Mtico do Colonizado .......................................................................................................... 3
NASCIMENTO DO MITO ................................................................................................... 3
A DESHUMANIZAOM ..................................................................................................... 6 A MISTIFICAOM .............................................................................................................. 8
2. Situaons do Colonizado. ............................................................................................................... 10
O COLONIZADO E A HISTRIA .................................................................................... 11
...O COLONIZADO E A CIDADE ..................................................................................... 13
A CRIANA COLONIZADA ............................................................................................ 14 OS VALORES REFGIOS ................................................................................................ 15
A AMNSIA CULTURAL ................................................................................................. 17 A ESCOLA DO COLONIZADO ........................................................................................ 18 O BILINGISMO COLONIAL .......................................................................................... 19
E A SITUAOM DO ESCRITOR ................................................................................. 20 O SER DE CARNCIA ...................................................................................................... 22
3. As Duas Respostas do Colonizado................................................................................................. 26 O AMOR DO COLONIZADOR E O DIO DE SI MESMO ............................................ 27
IMPOSSIBILIDADE DA ASSIMILAOM ....................................................................... 28 A REVOLTA... .................................................................................................................... 30 ...E A RECUSA DO COLONIZADOR ............................................................................... 31
A AFIRMAOM DE SI ...................................................................................................... 33
AS AMBIGIDADES DA AFIRMAOM DE SI ............................................................. 36 A NOM COINCIDNCIA CONSIGO MESMO ................................................................ 38
4. Conclusom ..................................................................................................................................... 39
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ALBERT MEMMI. RETRATO DO COLONIZADO.
1. Retrato Mtico do Colonizado
NASCIMENTO DO MITO
Assim como a burguesia propom umha imagem do proletrio, a existncia do colonizador reclama e impom umha imagem do colonizado. libis sem os quais a conduta do colonizador, e a do burgus, as suas prprias existncias, pareceriam
escandalosas. Mas, falamos em mistificaom precisamente porque as concilia muito bem. Seja, nesse retrato-acusaom o trao da preguia. Parece recolher a unanimidade dos colonizadores, da Libria ao Laos, passando polo Maghreb. fcil verificar o quanto essa caracterizaom cmoda. Desempenha importante papel na dialtica
enobrecimento do colonizador - envilecimento do colonizado. Alm disso, economicamente proveitosa.
Nada poderia legitimar melhor o privilgio do colonizador que o seu trabalho; nada poderia justificar melhor o desvalimento do colonizado que a sua ociosidade. O retrato mtico do colonizado conter entom umha inacreditvel preguia. O
do colonizador o gosto virtuoso da aom. Ao mesmo tempo, o colonizador sugere que o emprego do colonizado pouco rendoso,
o que autoriza os salrios inverossmeis.
Pode parecer que a colonizaom teria ganho se dispugesse de pessoal capacitado. Nada menos certo. O operrio qualificado traguido polos colonizadores, exigiria salrio trs ou quatro vezes superior quele com o qual se contenta o
colonizado; nom produz, porm, trs ou quatro vezes mais que este, nem em quantidade nem em qualidade; mais econmico,
pois, utilizar trs colonizados do que um europeu. Toda empresa requer especialistas, certamente, porm um mnimo, que o
colonizador importa ou recruta entre os seus. Sem contar o tratamento especial, a proteom legal, justamente exigidos polo
trabalhador europeu. Ao colonizado nom se pede senom os seus braos, e ele nom senom isso: alm disso, esses braos som
tam mal cotados, que se pode alugar trs ou quatro pares deles polo preo dum s.
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Ao ouvi-lo, alis, descobre-se que o colonizador nom est tam aborrecido assim com essa preguia, suposta ou real. Fala dela com umha complacncia bem-humorada, diverte-se com ela; retoma todas as expressons habituais e as aperfeioa, e com
elas inventa outras. Nada suficiente para caracterizar a extraordinria deficincia do colonizado. A esse respeito torna-se lrico,
dum lirismo negativo: o colonizado nom mole senom calmo, lento, preguiceiro! Preguiceiro? Negligente! Negligente?
Desleixado! etc. Mas, insistirm, o colonizado realmente preguioso? A questom, a bem dizer, est mal proposta. Alm de ser necessrio definir um ideal de referncia, umha norma, varivel dum povo a outro, ser possvel acusar de preguia um povo todo? Pode-se
suspeitar, a esse respeito, de indivduos, mesmo numerosos, num mesmo grupo; perguntar se o seu rendimento nom medocre;
se a subalimentaom, os baixos salrios, o futuro bloqueado, umha significaom irrisria do seu papel social, nom desinteressa o
colonizado da sua tarefa. O que suspeito, que a acusaom nom visa apenas o trabalhador agrcola, os habitantes de choupanas
ou bairros de lata, mas tambm o professor, o engenheiro ou o mdico que dam as mesmas horas de trabalho que os seus
colegas colonizadores, enfim todos os indivduos do agrupamento colonizado. Suspeita a unanimidade da acusaom e a
globalidade do seu objeto; de sorte que colonizado algum dela se salva, e nem poderia jamais salvar-se. Quer dizer: a
independncia da acusaom de quaisquer condions sociolgicas e histricas.
De facto, nom se trata absolutamente dumha anotaom objetiva, diferenciada, pois, sujeita entom a provveis transformaons, porm dumha instituiom: pola sua acusaom, o colonizador institui o colonizado como ser preguioso. Decide
que a preguia constitutiva da essncia do colonizado, seja qual for a funom que assuma, seja qual for o zelo que manifeste,
nunca seria nada mais do que um preguioso. Voltamos sempre ao racismo, que bem umha substantificaom, em proveito do
acusador, dum trao real ou imaginrio do acusado.
possvel retomar a mesma anlise a propsito de cada um dos traos atribudos ao colonizado.
Quando o colonizador afirma, na sua linguagem, que o colonizado um dbil, sugere com isso que tal deficincia reclama proteom. Da, sem rir escuitei-no frequentemente a noom do protetorado. do prprio interesse do colonizado ser excludo
das funons de direom: e que essas pesadas responsabilidades sejam reservadas ao colonizador. Quando o colonizador
acrescenta, para nom cair na solicitude, que o colonizado um retardado perverso, de maus instintos, ladrom, um pouco sdico,
legitima a sua polcia e a sua justa severidade. preciso defender-se das perigosas tolices dum irresponsvel; e tambm,
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preocupaom meritria, defend-lo contra ele mesmo! Assim tambm quanto ausncia de necessidades do colonizado, a sua
inaptitude para o conforto, para a tcnica, para o progresso, a sua espantosa familiaridade com a misria: porque se preocuparia o
colonizador com aquilo que nom inquieta de modo algum o interessado? Isso seria, acrescenta ele, com umha sombria e
audaciosa filosofia, prestar-lhe um mau servio, obrigando-o s servidumes da civilizaom. Ora! Lembremos que a sabedoria
oriental, aceitemos, como ele a aceita, a misria do colonizado. O mesmo se verifica com a famosa ingratitude do colonizado, na
qual insistiram autores considerados srios: lembra, ao mesmo tempo, todo aquilo que o colonizado deve ao colonizador, que
todos esses benefcios som perdidos, e que intil pretender emendar o colonizado.
de notar que esse quadro nom precise de mais nada. difcil, por exemplo, coordenar a maior parte desses traos, de proceder sua sntese objetiva. Nom se compreende porque o colonizado seria ao mesmo tempo menor e mau, preguioso e
atrasado. Poderia ter sido menor e bom, como o bom selvagem do sculo XVIII, ou pueril e duro no trabalho, ou preguioso e
astuto. Melhor ainda, os traos atribudos ao colonizado excluem-se uns aos outros, sem que isso atrapalhe o seu procurador.
Descrevem-no, ao mesmo tempo, frugal e sbrio, sem maiores necessidades e engolindo quantidades incrveis de carne, de unto,
de lcool, de nom importa o qu; como um pusilnime que tem medo de sofrer e como um bruto que nom contido por
nengumha das inibions da civilizaom, etc. Prova suplementar de que intil procurar essa coerncia a nom ser no prprio
colonizador. Na base de toda a construom, enfim, encontra-se a mesma dinmica: a das exigncias econmicas e afetivas do
colonizador que nelas fai as vezes da lgica, comanda e explica cada um dos traos que atribui ao colonizado. Em definitivo, som
todos vantajosos para o colonizador mesmo aqueles que primeira vista, lhe seriam prejudiciais.
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A DESHUMANIZAOM
O que verdadeiramente o colonizado importa pouco ao colonizador. Longe de querer apreender o colonizado na sua realidade, preocupa-se em submet-lo a essa indispensvel transformaom. E o mecanismo dessa remodelagem do colonizado ,
ele prprio, esclarecedor.
Consiste, inicialmente, numha srie de negaons. O colonizado nom isso, nom aquilo. Jamais considerado positivamente; ou se o , a qualidade concedida procede dumha lacuna psicolgica ou tica. Assim, no que se refere
hospitalidade rabe que dificilmente pode passar por um trao negativo. Se observarmos bem, verificaremos que o louvor feito
por turistas, europeus de passagem, e nom polos colonizadores, quer dizer europeus instalados na colnia. Tam logo instalado, o
europeu nom desfruta mais dessa hospitalidade, interrompe as trocas, contribui para erguer barreiras. Rapidamente muda de
palheta para pintar o colonizado, que se torna ciumento, ensimesmado, exclusivista, fantico. Que feito da famosa
hospitalidade? J que nom pode neg-la, o colonizador ressalta, entom, as suas sombras, e as suas desastrosas consequncias.
Decorre da irresponsabilidade, da prodigalidade do colonizado, que nom tem o senso da previsom, da economia. Do importante ao trabalhador, as festas som belas e generosas, com efeito, mas vejamos o que se segue. O colonizado arruna-se,
pede dinheiro emprestado e finalmente paga com o dinheiro dos outros! Fala-se, ao contrrio, da modstia da vida do colonizado?
Da tam famosa ausncia de necessidades? Isso menos umha prova de prudncia que de estupidez. Como se, enfim, todo trao
reconhecido ou inventado devesse ser o ndice dumha negatividade.
Assim se destroem, umha aps outra, todas as qualidades que fazem do colonizado um homem. E a humanidade do colonizado, recusada polo colonizador, torna-se para ele, com efeito, opaca. intil, pretende ele, procurar prever as atitudes do
colonizado (Eles som imprevisveis... Com eles nunca se sabe!). Umha estranha e inquietante impulsividade parece-lhe
comandar o colonizado. preciso que o colonizado seja bem estranho, em verdade, para que permanea tam misterioso aps
tantos anos de convivncia... ou entom, devemos pensar que o colonizador tem boas razons para se agarrar a essa
impenetrabilidade.
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Outro sinal dessa despersonalizaom do colonizado: o que se poderia chamar a marca do plural. O colonizado jamais caracterizado de maneira diferencial: s tem direito ao afogamento no coletivo annimo. (Eles som isso... Eles som todos os
mesmos). Se a domstica colonizada nom vem certa manh, o colonizador nom dir que ela est doente, ou que ela engana, ou
que ela est tentada a nom respeitar um contrato abusivo. (Sete dias em sete: as domsticas colonizadas raramente se beneficiam
do descanso semanal concedido s outras). Afirmar que nom se pode contar com eles. Isso nom umha clusula de estilo.
Recusa-se a encarar os acontecimentos pessoais, particulares, da vida da sua domstica; essa vida na sua especificidade nom o
interessa, a sua domstica nom existe como indivduo.
Enfim o colonizador nega ao colonizado o direito mais precioso reconhecido maioria dos homens: a liberdade. As condions de vida, dadas ao colonizado pola colonizaom, nom as leva em conta, nem mesmo as supom. O colonizado nom
dispom de sada algumha para deixar o seu estado de infelicidade: nem jurdica (a naturalizaom) nem mstica (a conversom
religiosa): o colonizado nom livre de escolher-se colonizado ou nom colonizado.
Que pode restar-lhe, ao cabo desse esforo obstinado de desnaturaom? Nom mais, certamente, um alter ego do colonizador. Ainda apenas um ser humano. Tende rapidamente para o objeto. A rigor, ambiom suprema do colonizador,
deveria existir somente em funom das suas necessidades, isto , ser transformado em puro colonizado.
Nota-se a extraordinria eficcia dessa operaom. Que importante dever temos em relaom a um animal ou a umha cousa, com que se parece cada vez mais o colonizado? Compreende-se entom que o colonizador poda permitir-se atitudes, julgamentos
tam escandalosos. Um colonizado dirigindo um automvel um espetculo ao qual o colonizador se nega a habituar-se; nega-lhe
toda normalidade, como a umha pantomima simiesca. Um acidente, mesmo grave, que atinja o colonizado, quase faz rir. Umha
multitude de colonizados metralhada, o faz dar de ombros. Alis, a mae indgena chorando o seu marido, nom lhe recordam
senom vagamente a dor da mae ou da esposa. Esses gritos desordenados, esses gestos inslitos, bastariam para esfriar a sua
compaixom, se chegasse a nascer. Recentemente, um autor contava-nos com bom humor como, a exemplo da caa, se
encurralava em grandes jaulas indgenas revoltados. Que se tivesse imaginado e depois ousado construir essas jaulas e talvez
mais ainda, que se tenha deixado os reprteres fotografarem as prisons, prova bem que, no esprito dos seus organizadores, o
espetculo nada mais tinha de humano.
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A MISTIFICAOM
Proveniente, esse delrio destruidor do colonizado, das exigncias do colonizador, nom de surpreender que o colonizado a ele corresponda tam bem, a tal ponto que parea confirmar e justificar a conduta do colonizador. Mais grave, mais nocivo talvez,
o eco que suscita no prprio colonizado.
Em confronto constante com essa imagem de si mesmo proposta, imposta nas instituions como em todo contacto humano, como nom reagiria? Nom lhe pode essa imagem permanecer indiferente, e sobre ele apenas depositada, com um insulto que voa
com o vento. Acaba por reconhec-la como um apelido detestado porm convertido em sinal familiar. A acusaom perturba-o,
inquieta-o, tanto mais porque admira e teme o seu poderoso acusador. Nom ter um pouco de razom? - murmura ele. Nom somos,
de certo modo, um pouco culpados? Preguiosos, j que temos tantos ociosos? Medrosos, j que nos deixamos oprimir?
Desejado, divulgado polo colonizador, esse retrato mtico e degradante acaba, em certa medida, por ser aceite e vivido polo
colonizado. Ganha assim certa realidade e contribui para o retrato real do colonizado. Esse mecanismo nom desconhecido: umha mistificaom. A ideologia dumha classe dirigente, sabemos disso, faz-se adotar em grande parte polas classes dirigidas. Ora, toda ideologia de combate inclui como parte integrante dela mesma, umha
conceom do adversrio. Ao concordar com essa ideologia, as classes dominadas confirmam, de certa maneira, o papel que lhes
foi atribudo. O que explica, entre outras cousas, a relativa estabilidade das sociedades; a opressom , por bem ou por mal,
tolerada polos prprios oprimidos. Na relaom colonial, a dominaom exerce-se de povo para povo, mas o esquema permanece o
mesmo. A caracterizaom e o papel do colonizado ocupam lugar especial na ideologia colonizadora; caracterizaom infiel ao
real, incoerente em si mesma, porm necessria e coerente no interior dessa ideologia. E qual o colonizado d o seu
assentimento, perturbado, parcial, porm inegvel.
Eis a nica parcela de verdade nessas noons na moda: o complexo de dependncia, colonizabilidade, etc... Verifica-se, certamente em determinado ponto da sua evoluom certa adesom do colonizado colonizaom. Mas essa adesom resultado
da colonizaom e nom a sua causa; nasce depois e nom antes da ocupaom colonial. Para que o colonizador seja inteiramente
senhor, nom basta que o seja objetivamente, preciso ainda que acredite na sua legitimidade; e, para que essa legitimidade seja
completa, nom basta que o colonizado seja objetivamente escravo, necessrio que se aceite como tal. Em suma, o colonizador
deve ser reconhecido polo colonizado. O lao entre o colonizador e o colonizado , assim, destruidor e criador. Destri e recria os
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dous parceiros da colonizaom em colonizador e colonizado: um desfigurado em opressor, em ser parcial, mau cidadao,
trapaceiro, preocupado unicamente com os seus privilgios, com a sua defesa a todo preo; o outro em oprimido, partido no seu
desenvolvimento, conformando-se com o prprio esmagamento.
Assim como o colonizador tentado a aceitar-se como colonizador, o colonizado obrigado, para viver, a aceitar-se como colonizado.
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2. Situaons do Colonizado.
Teria sido timo se esse retrato mtico tivesse permanecido puro fantasma, olhar lanado sobre o colonizado, que apenas atenuaria a m conscincia do colonizador. Levado polas mesmas exigncias que o suscitaram, nom pode deixar de traduzir-se
em condutas efetivas, em comportamentos ativos e constituintes.
Umha vez que o colonizado presumido ladrom, preciso prevenir-se efetivamente contra ele; suspeito por definiom, por que nom seria culpado? Roupa foi roubada (incidente frequente nessas regions ensolaradas onde a roupa seca em pleno vento e
zomba daqueles que estm nus). Qual deve ser o culpado senom o primeiro colonizado encontrado nas proximidades? E, umha
vez que pode ser ele, vam sua casa e levam-no ao posto policial.
Bela injustia! retrucar o colonizador, umha vez em duas, nom nos enganaremos. E, de qualquer maneira, o ladrom ser um colonizado; se o nom encontramos no primeiro gourbi, estar no segundo.
O que exato: o ladrom (falo do pequeno) recruta-se com efeito entre os pobres e os pobres entre os colonizados. Mas disso resulta que todo colonizado seja um ladrom possvel e que deva ser tratado como tal?
Essas condutas, comuns ao conjunto dos colonizadores, dirigindo-se ao conjunto dos colonizados, vam, entom, exprimir-se em instituions. Dito de outra forma, definem e imponhem situaons objetivas, que acuam o colonizado, pesam sobre ele, at
influir na sua conduta e enrugar a sua fisionomia. De modo geral, essas situaons serm situaons de carncia. agressom
ideolgica, que tende a desumaniz-lo, depois a mistific-lo, correspondem em suma situaons concretas que visam o mesmo
resultado. Ser mistificado, j , pouco ou muito, avalizar o mito e a ele conformar a sua conduta, isto , ser por ele determinado.
Ora, esse mito est, alm disso, solidamente apoiado numha organizaom bem real, umha administraom e umha jurisdiom:
alimentado, renovado polas exigncias histricas, econmicas e culturais do colonizador. Fosse insensvel calnia e ao
desprezo, desse de ombros diante do insulto ou dos empurrons, como escaparia o colonizado aos baixos salrios, agonia da sua
cultura, lei que o rege desde o nascimento at a morte?
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Assim como nom pode escapar mistificaom colonizadora, nom poderia subtrair-se a essas situaons concretas, geradoras de carncias. Em certa medida, o retrato real do colonizado funom dessa conjunom. Invertendo umha frmula precedente,
pode-se dizer que a colonizaom fabrica colonizados como vimos que fabrica colonizadores.
O COLONIZADO E A HISTRIA
A mais grave carncia sofrida polo colonizado a de estar colocado fora da histria e fora da cidade. A colonizaom veda-lhe toda participaom tanto na guerra quanto na paz, toda decisom que contribui para o destino do mundo e para o seu
prprio, toda responsabilidade histrica e social.
Acontece, sem dvida, que os cidadaos dos pases livres, tomados de desalento, dizem que nom interferem nos negcios da naom, que a sua aom irrisria, que a sua voz nom tem eco, que as eleions som fraudadas. A imprensa e o rdio estm na
maos dalguns; nom podem impedir a guerra nem exigir a paz; nem mesmo obter dos seus eleitos que respeitem, umha vez eleitos,
os compromissos polos quais foram enviados ao Parlamento... Mas reconhecem imediatamente que possuem esse direito; o poder
potencial senom eficaz: que som enganados e cansados, mas nom escravos. Som homens livres, momentaneamente vencidos pola
astcia ou aturdidos pola demagogia. E algumhas vezes excedem-se, tomam-se de sbitas cleras, quebram as suas cadeias de
baraa e transtornam os pequenos clculos dos polticos. A memria popular guarda umha orgulhosa lembrana dessas peridicas
e justas tempestades! A rigor, iam-se acusar por nom se revoltarem mais frequentemente; som responsveis, afinal, pola prpria
liberdade e se, por fadiga ou fraqueza, ou ceticismo, deixam de utiliz-la, merecem a puniom.
O colonizado, este, nom se sente nem responsvel nem culpado, nem ctico, est fora do jogo. Nom mais de modo algum, sujeito da histria; sente, sem dvida, o seu peso, muitas vezes mais cruelmente que os outros, porm sempre, como
objeto. Acabou por perder o hbito de qualquer participaom ativa na histria e nem sequer mais a reclama. Por pouco que dure a
colonizaom, perde at a lembrana da sua liberdade; esquece o que ela custa ou nom ousa mais pagar o seu preo. Senom, como
explicar que umha guarniom de alguns homens poda manter-se num posto de montanha? Que um punhado de colonizadores
frequentemente arrogantes poda viver no meio dumha multitude de colonizados? Os prprios colonizadores surpreendem-se com
isso, explicando-se assim que acusem o colonizado de baixeza. A acusaom por demais desenvolta, na verdade; sabem muito
bem que se fossem ameaados a sua soidade seria rapidamente desfeita: todos os recursos da tcnica, telefone, telegrama, aviom,
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poriam sua disposiom, em poucos minutos, terrveis meios de defesa e destruiom. Para um colonizador morto, centenas,
milhares de colonizados som, ou serm exterminados. A experincia foi bastante repetida talvez provocada para ter
convencido o colonizado da inevitvel e terrvel sanom. Todo foi empregue a fim de nele destruir a coragem de morrer e de
enfrentar a visom do sangue.
tanto mais claro que, se realmente dumha carncia que se trata, nascida dumha situaom e da vontade do colonizador, trata-se apenas disso. E nom dumha incapacidade congnita de assumir a histria. A prpria dificuldade do condicionamento
negativo, a obstinada severidade das leis j o provam. Enquanto que a indulgncia plena para os pequenos arsenais do
colonizador, a descoberta dumha arma enferrujada acarreta umha puniom imediata. A famosa fantasia nom passa dumha
representaom de animal domstico, ao qual se pede para rugir como outrora a fim de arrepiar os convidados. Mas, o animal ruge
muito bem; e a nostalgia das armas est sempre presente, est em todas as cerimnias, do norte ao sul da frica. A carncia
guerreira parece proporcional importante presena colonizadora; as tribos mais isoladas permanecem as mais dispostas a pegar
em armas. Isso nom umha prova de selvajaria mas a de que o condicionamento nom bastante sustentado.
Eis porque, igualmente, a experincia da ltima guerra foi tam decisiva. Nom apenas, como foi dito, ensinou imprudentemente aos colonizados a tcnica da guerrilha. Tambm, lembrou-lhes, ou sugeriu-lhes, a possibilidade dumha conduta
agressiva e livre. Os governos europeus que, aps essa guerra, proibiram a projeom, nos cinemas coloniais, de filmes como a
Batalha do Trilho (La bataille du rail, 1946), nom estavam errados, do seu ponto de vista. Pois, os westerns americanos, os
filmes de gansters, as faixas de propaganda de guerra, j mostravam a maneira de utilizar um revlver ou umha metralhadora. O
argumento nom satisfatrio. A significaom dos filmes de resistncia muito diferente: oprimidos, quase desarmados ou
mesmo sem armas, ousavam atacar os seus opressores.
Um pouco mais tarde, logo que estouraram os primeiros motins nas colnias, os que nom compreendiam o seu sentido tranquilizavam-se contando os combatentes ativos e ironizando o seu pequeno nmero. O colonizado hesita, com efeito, antes de
retomar nas maos o seu prprio destino. Mas o sentido do acontecimento ultrapassava de tal forma o seu peso aritmtico! Alguns
colonizados nom tremiam mais diante do uniforme do colonizador! Acharam graa na insistncia dos revoltados em se vestirem
de caqui e de maneira homognea. Esperam, certamente, ser considerados como soldados e tratados segundo as leis da guerra.
Essa obstinaom, porm, vai mais longe: reivindicam, revestem o uniforme da histria; pois infelizmente a histria, hoje, est
vestida de militar.
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...O COLONIZADO E A CIDADE
Assim tambm para os negcios da cidade: Nom som capazes de se governarem sozinhos, diz o colonizador. Por isso, explica, nom os deixo... e nunca os deixarei chegar ao governo.
O facto que o colonizado nom governa. Inteiramente afastado do poder, acaba, com efeito, dele perdendo o hbito e o gosto. Como poderia interessar-se por aquilo de que tam decididamente excludo? Os colonizados nom som ricos em homens
de governo. Como poderiam, aps tam longas frias do poder autnomo, suscitar competncias? Pode o colonizador prevalecer-
se deste presente fraudado para impedir o futuro?
Por que as organizaons colonizadas tm reivindicaons nacionalistas, conclui-se frequentemente que o colonizado xenfobo. Nada menos certo. Trata-se, ao contrrio, dumha ambiom e dumha tcnica de concentraom que apela para motivos
passionais. Salvo nos militantes desse renascimento nacional, os sinais habituais da xenofobia amor agressivo bandeira,
utilizaom de cantos patriticos, conscincia aguda de pertencer a um mesmo organismo nacional som raros no colonizado.
Repete-se que a colonizaom precipitou a tomada de conscincia nacional do colonizado. Poderia-se tambm perfeitamente
afirmar que moderou o seu ritmo, ao manter o colonizado fora das condions objetivas de nacionalidade contempornea. Ser
coincidncia o facto de serem os povos colonizados os ltimos a chegar a essa conscincia de si mesmos?
O colonizado nom desfruta de atributo algum da nacionalidade: nem da sua, que dependente, contestada, sufocada, nem, bem entendido, da nacionalidade do colonizador. Nom pode apegar-se nem primeira, nem segunda. Nom tendo o seu justo
lugar na cidade, nom gozando dos direitos do cidadao moderno, nom estando sujeito aos seus deveres simples, nom votando, nom
participando na responsabilidade dos negcios quotidianos, nom pode sentir-se um verdadeiro cidadao. Devido colonizaom, o
colonizado quase nunca faz a experincia da nacionalidade e da cidadania, a nom ser privativamente: nacionalmente, civicamente
apenas aquilo que o colonizador nom .
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A CRIANA COLONIZADA
Essa mutilaom social e histrica provavelmente a mais grave e a mais carregada de consequncias. Contribui para enfraquecer os outros aspetos da vida do colonizado e, por ricochete, frequente nos processos humanos, ela mesma alimentada
polas outras fraquezas do colonizado.
Considerando-se excludo da cidadania, o colonizado perde igualmente a esperana de ver o seu filho tornar-se um cidadao. Cede, renunciando ele mesmo a essa esperana, nom alimenta mais esse projeto, elimina-o das suas ambions paternas,
e nom lhe d lugar algum na sua pedagogia. Nada, pois, sugerir ao jovem colonizado a segurana, o orgulho da sua cidadania.
Dela nom esperar vantagens, nom estar preparado para assumir os seus encargos. (Nada tampouco, claro, na sua educaom
escolar, onde as alusons cidadania, naom, serm sempre relativas naom colonizadora): esse vazio pedaggico, resultado
da carncia social, vem, pois, perpetuar essa mesma carncia, que atinge umha das dimensons essenciais do indivduo
colonizado.
Mais tarde, adolescente, com dificuldade que entre-v a nica sada para umha situaom familiar desastrosa: a revolta. O crculo est bem fechado. A revolta contra o pai e a famlia um ato sadio e indispensvel para que se complete a si mesmo;
permite comear a vida de homem; nova batalha feliz e infeliz, mas entre os outros homens. O conflito de geraons pode e deve
resolver-se no conflito social; inversamente, assim fator de movimento e progresso. As novas geraons encontram no
movimento coletivo a soluom das suas dificuldades e, escolhendo o movimento, o aceleram. preciso ainda que esse
movimento seja possvel. Ora, em que vida, em que dinmica social aqui se desemboca? A vida da colnia est coagulada; as
suas estruturas estm ao mesmo tempo fixas e esclerosadas. Nengum novo papel se oferece ao moo, nengumha invenom
possvel. O que o colonizador reconhece ser um eufemismo que se tornou clssico: respeita, proclama ele, os usos e costumes do
colonizado. E, certamente, nom pode senom respeit-los, mesmo que seja pola fora. Toda mudana nom se podendo fazer
senom contra a colonizaom, o colonizador levado a favorecer os elementos mais retrgrados. Nom o nico responsvel por
esta mumificaom da sociedade colonizada; est de relativa boa f ao sustentar que nom depende apenas da sua vontade. Decorre
em grande parte, no entanto, da situaom colonial. Nom sendo senhora do seu destino, nom sendo mais a sua prpria legisladora,
nom pode mais harmonizar as suas instituions com as suas necessidades profundas. Ora, som essas necessidades que modelam a
fisionomia organizacional de toda sociedade normal, ao menos relativamente. Foi sob a sua constante pressom que a fisionomia
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poltica e administrativa da Frana se transformou progressivamente ao longo dos sculos. Mas, se a discordncia se tornou por
demais flagrante, e a harmonia impossvel de realizar nas formas legais existentes, a revoluom ou a esclerose.
A sociedade colonizada umha sociedade mals na qual a dinmica interna nom consegue mais desembocar em novas estruturas. A sua fisionomia endurecida h sculos nom mais do que umha mscara, sob a qual ela sufoca e agoniza lentamente.
Tal sociedade nom pode reabsorver os conflitos de geraons, pois nom se deixa transformar. A revolta do adolescente colonizado,
longe de resolver-se em movimento, em progresso social, s pode afundar-se nos pntanos da sociedade colonizada. (A menos
que seja umha revolta absoluta, mas a isso voltaremos depois).
OS VALORES REFGIOS
Cedo ou tarde, cai entom em posions de recuo, quer dizer nos valores tradicionais.
Explica-se, assim, a surpreendente sobrevivncia da famlia colonizada; apresenta-se como verdadeiro valor-refgio. Salva o colonizado do desespero dumha total derrota, mas encontra-se em compensaom confirmada pola constante contribuiom de
sangue novo. O rapaz casar, tornar-se pai de famlia devotado, irmao solidrio, rio responsvel, e, at que tome o lugar do pai,
filho respeitoso. Todo volta ordem: a revolta e o conflito desembocaram na vitria dos pais e da tradiom.
Triste vitria, no entanto. A sociedade colonizada nom ter dado meio passo sequer; para o rapaz umha catstrofe interior. Permanecer aglutinado, definitivamente, a essa famlia, que lhe oferece calor e ternura, mas que o choca, o absorve, e o
castra. Nom exige dele, a cidadania, deveres completos de cidadao? Seriam-lhe recusados se penasse ainda em reclam-los?
Concede-lhe poucos direitos, impede-lhe toda vida nacional? Em verdade, nom tem mais necessidade imperiosa disso. O seu
justo lugar, sempre reservado na doce sensaboria das reunions do clam, satisfai-no. Teria medo de abandon-lo. De bom grado,
submete-se agora, como os outros, autoridade do pai e se prepara para substitu-lo. O modelo dbil, o seu universo o dum
vencido! Mas, que outra sada lhe resta? Por um paradoxo curioso o pai ao mesmo tempo fraco e invasor, porque
completamente adotado. O jovem est pronto para assumir o seu papel de adulto colonizado: isto , a aceitar-se como ser de
opressom.
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Assim tambm, no que se refere indiscutvel influncia dumha religiom, ao mesmo tempo viva e formal. Complacentemente, os missionrios apresentam esse formalismo como um trao essencial das religions nom crists. Sugerindo
assim que o nico meio de sair dele seria passar para a religiom mais prxima.
De fato, todas as religions tm momentos de formalismo coercitivo e momentos de flexibilidade indulgente. Resta explicar porque tal grupo humano, em tal perodo da sua histria, se sujeitou a tal estado. Porqu essa rigidez oca das religions
colonizadas?
Seria intil construir umha psicologia religiosa particular ao colonizado; ou apelar para a famosa natureza-que-todo-explica. Se dispensam certa atenom ao facto religioso, nom notei nos meus alunos colonizados umha religiosidade excessiva. A
explicaom parece-me ser paralela da influncia familiar. Nom umha psicologia original que explica a importncia da famlia
nem a intensidade da vida familiar o estrado das estruturas sociais. , ao contrrio, a impossibilidade dumha vida social completa,
dum livre jogo da dinmica social, que entretm o vigor da famlia, que concentra o indivduo nesta clula mais restrita, que o
salva e o sufoca. Assim tambm, o estado global das instituions colonizadas explica o peso excessivo do facto religioso.
Com a sua rede institucional, as suas festas coletivas e peridicas, a religiom constitui outro valor-refgio; para o indivduo como para o grupo. Para o indivduo apresenta-se como umha das raras linhas de recuo; para o grupo, umha das raras
manifestaons capazes de proteger a sua existncia original. Nom possuindo estruturas nacionais, impedida de imaginar um
futuro histrico, a sociedade colonizada deve contentar-se com o torpor passivo do seu presente. Esse prprio presente, deve
subtra-lo invasom conquistadora da colonizaom, que a cerca por todos os lados, penetra-a com a sua tcnica, como o seu
prestgio junto s novas geraons. O formalismo, do qual o formalismo religioso apenas um aspeto, o quisto no qual ela se
fecha, se endurece; reduzindo a sua vida para salv-la. Reaom espontnea de autodefesa, meio de salvaguarda da conscincia
coletiva, sem o qual um povo, rapidamente, deixa de existir. Nas condions de dependncia colonial, a emancipaom religiosa,
assim como a desagregaom da famlia, teria comportado grave risco de morrer para si mesmo.
A esclerose da sociedade colonizada entom a consequncia de dous processos de sinais contrrios: um enquistamento nascido do interior, um colete imposto de fora. Os dous fenmenos tm um fator comum: o contacto com a colonizaom.
Convergem para um mesmo resultado: a catalepsia social e histrica do colonizado.
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A AMNSIA CULTURAL
Umha vez que suporta a colonizaom, a nica alternativa possvel para o colonizado a assimilaom ou a petrificaom. Sendo-lhe recusada a assimilaom, ns veremo-lo, nada mais lhe resta senom viver fora do tempo. levado a isso pola
colonizaom e em certa medida, acomoda-se. A projeom e a construom dum futuro sendo-lhe proibidas, limita-se a um
presente; esse presente, ele mesmo , amputado, abstrato.
Acrescentemos agora que dispom cada vez menos do seu passado. O colonizador jamais o conheceu; e todo mundo sabe que o plebeu, do qual ignoramos as origens, nom o tem. H algo mais grave. Interroguemos o prprio colonizado: quais som os
seus heris populares? Os seus grandes lderes populares? Os seus sbios? Mal pode dar-nos alguns nomes, em completa
desordem, e cada vez menos medida em que descemos de geraons. O colonizado parece condenado a perder
progressivamente a memria.
A lembrana nom um fenmeno de puro esprito. Assim como a memria do indivduo o fruto da sua histria e da sua fisiologia, a dum povo apoia-se nas suas instituions. Ora, as instituions do colonizado estm mortas ou esclerosadas. Mesmo
nas que guardam umha aparncia de vida, ele nom mais acredita, pois verifica todos os dias a sua ineficcia: acontece-lhe
envergonhar-se delas como dum monumento ridculo e antiquado.
Toda a eficcia, ao contrrio, todo o dinamismo social, parecem monopolizados polas instituions do colonizador. O colonizado tem necessidade de ajuda? a elas que se dirige. Est em falta? delas que recebe sanom. Invariavelmente, termina
diante de magistrados colonizadores. Quando um representante da autoridade usa por acaso o turbante, ter o olhar esquivo e o
gesto mais rspido, como se quisesse evitar qualquer apelo, como se estivesse sob a constante vigilncia do colonizador. A cidade
est em festa? Som as festas do colonizador, mesmo religiosas, que som celebradas com rebulio: Natal e Joana d'Arc, o Carnaval
e o Catorze de Julho..., som os exrcitos do colonizador que desfilam, os mesmos que esmagaram o colonizado, que o mantm no
seu lugar e que o esmagarm outra vez se for preciso.
Sem dvida, em virtude do seu formalismo, o colonizado conserva todas as suas festas religiosas, invariveis h sculos. Precisamente, som as nicas festas religiosas que, em certo sentido, estm fora do tempo. Mais exatamente, encontram-se na
origem do tempo da histria e nom na histria. Desde o momento em que foram institudas, nada mais se passou na vida desse
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povo. Nada de particular na sua prpria existncia, que merea ser guardado pola conscincia coletiva, e festejado. Nada, a nom
ser um grande vazio.
Os poucos traos materiais, enfim, desse passado, apagam-se lentamente; os vestgios futuros nom traguerm mais a marca do grupo colonizado. As poucas esttuas que aparecem na cidade simbolizam, com inacreditvel desprezo polo colonizado, que
por elas passa todos os dias, os feitos da colonizaom. As construons traguem as formas amadas polo colonizador; e at os
nomes das ruas lembram as provncias longnquas de onde ele vem. Acontece, sem dvida, lanar o colonizador um estilo neo-
oriental, como o colonizado imita o estilo europeu. Trata-se, porm de exotismo (velhas armas e cofres antigos) e nom de
renascimento: o colonizado, este, nom faz senom evitar o seu passado.
A ESCOLA DO COLONIZADO
Como se transmite ainda a herana dum povo?
Pola educaom que se d s suas crianas, e por meio da lngua, maravilhoso reservatrio incessantemente enriquecido por novas experincias. As tradions e as aquisions, os hbitos e as conquistas, os factos e os gestos das geraons precedentes som
assim legados e inscritos na histria.
Ora, a maior parte das crianas colonizadas est na rua. E aquela que tem a insigne oportunidade de ser acolhida numha escola, nom ser por ela nacionalmente salva: a memria que lhe formam nom a do seu povo. A histria que lhe ensinam nom
a sua. Sabe quem foi Colbert ou Cromwell mais nom quem foi Khaznadar; sabe quem foi Joana d'Arc mas nom Kahena. Todo
parece ter acontecido longe da sua terra; o seu pas e ele mesmo estm no ar, ou nom existem senom com referncia aos
Gauleses, aos Francos, batalha do Marne; em relaom ao que ele nom , ao cristianismo, ao passo que nom cristao, ao
Ocidente que se detm diante do seu nariz, numha linha tanto mais transponvel quanto mais imaginria. Os livros falam-lhe dum
mundo que em nada lembra o seu; o menino chama-se Toto e a menina Marie: e, nas tardes de inverno, Marie e Toto voltam para
casa por caminhos cobertos de neve, detm-se diante do mercado de castanhas. Os seus mestres, enfim, nom continuam o pai,
nom som os seus prestigiosos e sbios substitutos como todos os professores do mundo, som diferentes. A transferncia nom se
faz, nem da criana para o mestre, nem (muito frequentemente, preciso confess-lo) do mestre para a criana; e isto a criana
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sente-o perfeitamente. Um dos meus antigos colegas de classe confessou-me que a literatura, as artes, a filosofia, lhe tinham
permanecido estranhas, como pertencentes a um mundo estranho, o da escola. Foi-lhe necessria umha longa temporada
parisiense para comear realmente a assimil-las.
Se a transferncia acaba por fazer-se, nom sem perigo: o mestre e a escola representam um universo por demais diferente do universo familiar. Nos dous casos, enfim, longe de preparar o adolescente para assumir-se totalmente, a escola estabelece no
seu seio umha definitiva dualidade.
O BILINGISMO COLONIAL
Essa dilaceraom essencial do colonizado encontra-se particularmente expressa e simbolizada no bilingismo colonial.
O colonizado nom se salva do analfabetismo senom para cair no dualismo lingstico. Quando tem essa oportunidade. A maioria dos colonizados jamais teve a boa sorte de sofrer os tormentos do bilingismo colonial. Nunca dispom senom da sua
lngua materna; quer dizer, umha lngua nem escrita nem lida, que s permite a incerta e pobre cultura oral.
Pequenos grupos de letrados obstinam-se, certamente, em cultivar a lngua do seu povo, a perpetu-la nos seus esplendores sbios e ultrapassados. Mas essas formas subtis perderam, h muito tempo, todo contacto com a vida quotidiana, tornaram-se
opacas para o homem da rua. O colonizado considera-as como relquias, e a esses homens venerveis, como sonmbulos, que
vivem um velho sonho.
Ainda se a lngua materna ao menos permitisse interferir na vida social, atravessasse os balcons das administraons ou funcionasse no trfico postal. Nem isso. Toda a burocracia, toda a magistratura, toda a tecnicidade nom entende e nom utiliza
senom a lngua do colonizador, assim como os marcos da quilometragem, os cartazes das estaons, as placas das ruas e os
recibos. Munido apenas da sua lngua o colonizado um estrangeiro dentro do seu prprio pas.
No contexto colonial o bilingismo necessrio. a condiom de toda comunicaom, de toda cultura e de todo progresso. Mas o bilinge colonial s se salva do enclausuramento para sofrer umha catstrofe cultural, jamais completamente superada.
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A nom-coincidncia entre a lngua materna e a lngua cultural nom exclusiva do colonizado. Mas o bilingismo colonial nom pode ser confundido com qualquer dualismo lingstico. A posse de duas lnguas nom apenas a de dous instrumentos, a
participaom em dous reinos psquicos e culturais. Ora aqui, os dous universos simbolizados, carregados polas duas lnguas,
estm em conflito: som os do colonizador e do colonizado.
Alm disso, a lngua materna do colonizado, aquela que nutrida polas suas sensaons, as suas paixons e os seus sonhos, aquela pola qual se exprimem a sua ternura e os seus assombros, aquela enfim que contm a maior carga afetiva, essa
precisamente a menos valorizada. Nom possui dignidade algumha no pas ou no concerto dos povos. Se quer obter umha
colocaom, conquistar o seu lugar, existir na cidade e no mundo, deve, primeiramente, aplicar-se lngua dos outros, a dos
colonizadores, os seus senhores. No conflito lingstico que habita o colonizado, a sua lngua materna humilhada, esmagada. E
esse desprezo, objetivamente fundado, acaba por impor-se ao colonizado. De moto prprio, pom-se a afastar essa lngua enferma,
a escond-la dos olhos dos estrangeiros, e nom parecer vontade senom com a lngua do colonizador. Em resumo, o bilingismo
colonial nom nem umha diglossia, onde coexistem um idioma popular e umha lngua de puristas, pertencentes ambos ao mesmo
universo afetivo, nem umha simples riqueza poliglota, que se beneficia dum teclado suplementar porm relativamente neutro:
um drama lingstico.
E A SITUAOM DO ESCRITOR
Assombramo-nos de que o colonizado nom tenha literatura viva na sua prpria lngua. Como recorreria a ela, se a desdenha? Como, se afastado da sua msica, das suas artes plsticas, de toda a sua cultura tradicional? A sua ambigidade
lingstica o smbolo, e umha das maiores causas da sua ambigidade cultural. E a situaom do escritor colonizado disso
umha perfeita ilustraom. As condions materiais da existncia colonizada bastariam, sem dvida, para explicar a sua raridade. A misria excessiva do maior nmero reduz ao extremo as oportunidades estatsticas de ver nascer e crescer um escritor. Mas a histria mostra-nos
que basta umha classe privilegiada para prover de artistas um povo inteiro. De facto, o papel do escritor colonizado por demais
difcil de sustentar: encarna todas as ambigidades, todas as impossibilidades do colonizado, levadas a um grau extremo.
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Suponhamos que tenha aprendido a manejar a sua lngua, at mesmo a recri-la em obras escritas, que tenha vencido a sua profunda recusa a servir-se dela; para quem escreveria, para que pblico? Se se obstina em escrever na sua lngua, condena-se a
falar para um auditrio de surdos. O povo inculto e nom l lngua algumha. Os burgueses e os letrados s entendem a do
colonizador. Umha nica sada lhe resta, que se apresenta como natural: escrever na lngua do colonizador. Como se assim nom
fizesse senom mudar de impasse!
preciso, sem dvida, que supere o seu handicap. Se o bilinge colonial tem a vantagem de conhecer duas lnguas, nengumha domina totalmente. Isso explica igualmente a lentitude com que nascem as literaturas colonizadas. preciso
malbaratar muita matria humana, fazer inmeras tentativas para ter a oportunidade dum caso feliz. Aps o que, ressurge a
ambigidade do escritor colonizado, em forma nova porm mais grave.
Curioso destino o de escrever para um povo que nom o seu! Mais curioso ainda o de escrever para os vencedores do seu povo! Surpreende a aspereza dos primeiros escritores colonizados. Esquecem-se de que se dirigem ao mesmo pblico cuja lngua
tomam emprestada. Nom se trata, porm, nem de inconscincia, nem de ingratitude, nem de insolncia. A esse pblico,
precisamente, j que ousam falar, que irm dizer a nom ser o seu mal-estar e a sua revolta? Esperavam palavras de paz daquele
que sofre dumha longa discrdia? Reconhecimento por um emprstimo a juros tam altos?
Por um emprstimo que, alis, nunca ser senom um emprstimo. A rigor substitumos aqui a descriom pola previsom. Mas tam legvel, tam evidente! A emergncia dumha literatura de colonizados, a tomada de conscincia de escritores norte-
africanos, por exemplo, nom um fenmeno isolado. Participa da tomada de conscincia de si mesmo de todo um grupo humano.
O fruto nom um acidente ou um milagre da planta, mas o sinal da sua maturidade. Quando muito o surgimento do artista
colonizado precede um pouco a tomada de conscincia coletiva da qual participa, que acelera com a sua participaom. Ora, a
reivindicaom mais urgente dum grupo que se recupera certamente a libertaom e a restauraom da sua lngua.
Se me surpreendo, em verdade, de que podam surpreender-se. Somente essa lngua permitiria ao colonizado retomar o seu tempo interrompido, reencontrar a sua continuidade perdida e a da sua histria. A lngua francesa apenas um instrumento,
preciso, eficaz? Ou esse cofre maravilhoso, onde se acumulam as descobertas e as conquistas, dos escritores e dos moralistas, dos
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filsofos e dos sbios, dos heris e dos aventureiros, onde se transformam numha s legenda os tesouros do esprito e a alma dos
franceses?
O escritor colonizado, que chegou penosamente utilizaom das lnguas europeias a dos colonizadores, nom o esqueamos nom pode deixar de servir-se delas para reclamar em favor da sua. Nom se trata nem de incoerncia nem de
reivindicaom pura ou cego ressentimento, mas dumha necessidade. Nom o fizesse e todo o seu povo acabaria por faz-lo. Trata-
se dumha dinmica objetiva que ele alimenta, certamente, mas que o nutre e que continuaria sem ele. Fazendo-o, se contribui par
liquidar o seu drama de homem, confirma, acentua o seu drama de escritor. Para conciliar o seu destino consigo mesmo poderia
tentar escrever na sua lngua materna. Mas nom se refaz tal aprendizagem numha vida humana. O escritor colonizado est
condenado a viver as suas ruturas at morte. O problema s pode resolver-se de duas maneiras: polo esgotamento natural da
literatura colonizada; as prximas geraons nascidas na liberdade, escreverm espontaneamente na sua lngua recuperada. Sem ir
tam longe, outra possibilidade pode tentar o escritor: decidir-se a pertencer totalmente literatura metropolitana. Deixemos de
lado os problemas ticos suscitados por tal atitude. entm o suicdio da literatura colonizada. Nas duas perspetivas, s o prazo
diferindo, a literatura colonizada de lngua europeia parece condenada a morrer jovem.
O SER DE CARNCIA
Todo se passa, enfim, como se a colonizaom fosse umha frustraom da histria. Pola sua fatalidade prpria e por egosmo, ter feito malograr, ter poludo, todo aquilo que tiver tocado. Ter apodrecido o colonizador e destrudo o colonizado.
Para melhor triunfar, s quis servir a si mesma. Mas, excluindo o homem colonizado, somente por meio do qual teria podido marcar a colnia, condenou-se a nela permanecer estrangeira, por isso necessariamente efmera.
Do seu suicdio, porm, s ela prpria responsvel. Mais imperdovel o seu crime histrico contra o colonizado; ela ter-o posto margem do caminho, fora do tempo contemporneo.
A questm de saber se o colonizado, entregue a si mesmo, teria andado como o mesmo passo que os outros povos nom tem grande significaom. A rigor, nada sabemos a esse respeito. possvel que nom. Sem dvida, nom h apenas o fator colonial
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para explicar o atraso dum povo. Todos os pases nom seguiram o mesmo ritmo da Amrica do Norte ou da Inglaterra; tinham,
cada um, as suas razons particulares de atraso e os seus prprios freios. Todavia, andaram com os prprios ps e no seu caminho.
Alm disso, pode-se legitimar a infelicidade histrica dum povo polas dificuldades dos outros? Os colonizados nom som as
nicas vtimas da histria, certamente, mas a infelicidade histrica prpria dos colonizadores foi a colonizaom.
A esse mesmo falso problema acrescenta-se a questm tam aflitiva para tantos: o colonizado, apesar de todo, nom tirou proveito da colonizaom? Apesar de todo, o colonizador nom abriu estradas, nom construiu hospitais e escolas? Essa restriom,
tam renitente, equivale a dizer que a colonizaom foi, apesar de todo, positiva; pois, sem ela, nom haveria nem estradas, nem
hospitais, nem escolas. Que sabemos a esse respeito? Por que devemos supor que o colonizado se teria fossilizado no estado em
que o colonizador o encontrou? Poderia-se tambm perfeitamente afirmar o contrrio: se a colonizaom nom tivesse ocorrido, ele
teria tido mais escolas e mais hospitais. Se a histria tunisina fosse mais conhecida, teria-se visto que o pas estava entm em
plena gestaom. Aps ter excludo o colonizado da histria, vedando-lhe qualquer futuro, o colonizador afirma a sua imobilidade
fundamental, passada e definitiva.
Essa objeom, alis, s perturba aqueles que estm dispostos a perturbar-se. Renunciei at aqui comodidade dos nmeros e das estatsticas. Seria o momento de fazer-lhes um discreto apelo: aps vrios decnios de colonizaom, a multitude de crianas
na rua ultrapassa de longe aquelas que estm no colgio! O nmero de leitos dos hospitais tam irrisrio diante do nmero dos
doentes, a intenom no traado das estradas tam clara, tam desenvolta ao olhar do colonizado, tam estritamente submetida s necessidades do colonizador! Por tam pouco, em verdade, a colonizaom nom era indispensvel. Ser umha temeridade pretender
que a Tunsia de 1952 teria sido, de qualquer maneira, muito diferente da de 1881? Existem, afinal de contas, outras
possibilidades de influncia e de intercmbio entre os povos alm da dominaom. Outros pequenos pases se transformaram
profundamente sem ter tido necessidade de serem colonizados. Assim numerosos pases da Europa Central...
Mas, depois dum momento, o nosso interlocutor sorri, ctico.
- Mas, nom se trata exatamente da mesma cousa... - Porqu? Quer dizer, nom , que esses pases som povoados por europeus? - ...Sim! - Pois bem, nesse caso, pura e simplesmente racista.
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Voltamos, com efeito, ao mesmo preconceito fundamental. Os europeus conquistaram o mundo porque a sua natureza a isso os predispunha, os nom-europeus foram colonizados porque a sua natureza a isso os condenava.
Vamos, sejamos srios, deixemos de lado o racismo e essa mania de refazer a histria. Deixemos mesmo de lado o problema da responsabilidade inicial da colonizaom. Foi o resultado da expansom capitalista ou o empreendimento contingente
de vorazes homens de negcios? A rigor todo isso nom tam importante assim. O que conta, a realidade atual da colonizaom
e do colonizado. Nada sabemos do que teria sido o colonizado sem a colonizaom, mas vemos perfeitamente o que se tornou em
consequncia da colonizaom. Para melhor domin-lo e explor-lo, o colonizador expeliu-no do circuito histrico e social,
cultural e tcnico. O que atual e verificvel que a cultura do colonizado, a sua sociedade, o seu saber-fazer, estm gravemente
atingidos, e que ele nom adquiriu um novo saber e umha nova cultura. Um resultado patente da colonizaom que nom h mais
artistas e ainda nom h tcnicos colonizados. verdade que existe, igualmente, umha carncia tcnica do colonizado: trabalho
rabe, diz o colonizador com desprezo. Mas longe de ver nisso umha desculpa para a sua conduta e um ponto de referncia
vantajoso para ele, deve ver a sua prpria acusaom. verdade que os colonizados nom sabem trabalhar. Mas onde lhes
explicaram, quem lhes ensinou a tcnica moderna? Onde estm as escolas profissionais e os centros de aprendizagem?
Insistides demais, dim s vezes, na tcnica industrial. E os artesaos? Vede esta mesa de madeira branca; por que de madeira de caixote? E mal acabada, mal aplainada, nem pintada, nem encerada? Certamente esta descriom exata. Decente,
nessas mesas de ch, h apenas a forma, presente secular feito ao artesao pola tradiom. Mas, quanto ao resto, a encomenda que
provoca a criaom. Ora, para quem som feitas essas mesas? O comprador nom tem como pagar esses aplainamentos
suplementares, nem a cera, nem a pintura. Entom, continuam em tbuas de caixotes desconjuntadas, onde os buracos dos pregos
permanecem abertos.
O fato verificvel que a colonizaom reduz o colonizado privaom e que todas as carncias se entretm e se alimentam umhas s outras. A nom-industrializaom, a ausncia de desenvolvimento tcnico do pas, conduz ao lento esmagamento
econmico do colonizado. E o esmagamento econmico, o nvel de vida das massas colonizadas, impedem o tcnico de existir,
como o artesao de aperfeioar-se e de criar. As causas ltimas som a recusa do colonizador, que ganha muito mais vendendo
matria-prima do que fazendo concorrncia indstria metropolitana. Alm disso, porm, o sistema funciona em crculo, adquire
umha autonomia de desgraa. Se tivessem aberto mais centros de aprendizagem, e mesmo de universidades, nom teriam salvo o
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colonizado que nom encontraria ao sair delas a utilizaom do seu saber. Num pas que de todo carece, os poucos engenheiros
colonizados que conseguem obter os seus diplomas som utilizados como burocratas ou como professores! A sociedade
colonizada nom tem necessidade imediata de tcnicos e nom os suscita. Mas, infeliz daquele que nom indispensvel! O
trabalhador colonizado substituvel, porque pagar-lhe o seu justo preo? Alm disso, o nosso tempo e a nossa histria som cada
vez mais tcnicos; o atraso tcnico do colonizado aumenta e parece justificar o desprezo que inspira. Torna concreta, parece, a
distncia que o separa do colonizador. E nom falso que o atraso tcnico seja em parte causa da incompreensom dos dous
parceiros. O nvel geral de vida do colonizado , frequentemente, tam baixo que o contacto quase impossvel. Livram-se disso
falando no medievalismo da colnia. Pode-se prosseguir assim durante muito tempo. O uso, a fruiom das tcnicas, criam
tradions tcnicas. O menino francs, o menino italiano, tm ocasiom de lidar com um motor, um rdio, estm cercados polos
produtos da tcnica. Muitos colonizados esperam deixar a casa paterna para se aproximarem de qualquer mquina. Como
poderiam ter gosto pola civilizaom mecnica e a intuiom da mquina?
Todo no colonizado, enfim, privaom, todo contribui para torn-lo um ser de carncia. Mesmo o seu corpo, mal nutrido, mirrado e doente. Muitas palavras seriam economizadas se, antes de qualquer discussom comessemos por admitir:
primeiramente h a misria, coletiva e permanente, imensa. A simples e brutal misria biolgica, a fome crnica de todo um
povo, a subalimentaom e a doena. Certamente, ao longe, isso fica um pouco abstrato, e, para conceb-lo, seria necessria umha
imaginaom alucinatria. Lembro-me do dia em que o carro da Tunisienne Automobile que nos levava rumo ao sul, parou no
meio dumha multitude cujas bocas sorriam mas cujos olhos, quase todos os olhos, afundavam nas faces: onde procurei com mal-
estar um olhar nom tracomatoso no qual pudesse repousar o meu. E a tuberculose, e a sfilis, e esses corpos esquelticos e nus,
que perambulam entre as mesas dos cafs, como mortos-vivos, pegajosos como moscas, as moscas dos nossos remorsos...
- Ah! nom, grita o nosso interlocutor, essa misria j estava l! Ns encontramo-la ao chegar!
Seja. ( verdade, alis; o habitante dos subrbios frequentemente um trabalhador sem posses.) Mas, como poderia tal sistema social, que perpetua tais angstias - supondo que nom as crie manter-se por tanto tempo? Como se ousa comparar as vantagens e os inconvenientes da colonizaom? Que vantagens, fossem elas mil vezes mais importantes, poderiam tornar
admissveis tais catstrofes, interiores e exteriores?
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3. As Duas Respostas do Colonizado
Ah! Nom som bonitos, o corpo e o rosto do colonizado! Nom impunemente que se suporta o peso de tamanha desventura histrica. Se a do colonizador a face odiosa do opressor, a da sua vtima nom exprime certamente a calma e a harmonia. O
colonizado nom existe conforme o mito colonialista, mas assim mesmo reconhecvel. Um ser de opressom, fatalmente um ser
de carncia.
Como podemos crer, depois disso, que algum dia poda resignar-se? Aceitar a relaom colonial e a mscara de sofrimento e de desprezo que lhe empresta? H, em todo colonizado, umha exigncia fundamental de mudana. E o desconhecimento do facto
colonial (ou a cegueira interessada) deve ser imenso para ignor-la. Para afirmar, por exemplo, que a reivindicaom colonizada
apenas de alguns intelectuais ou ambiciosos, e que traduz somente deceom ou interesse pessoal. Bom exemplo de projeom, seja
dito de passagem: explicaom de outrem polo interesse, por parte de aqueles que som motivados apenas polo interesse. A recusa
do colonizado , em suma, assimilada a um fenmeno de superfcie, ao passo que decorre da prpria natureza da situaom
colonial.
O burgus sofre mais ainda com o bilingismo, verdade; o intelectual vive mais ainda o dilaceramento cultural. O analfabeto, este, est simplesmente murado na sua lngua e rumina os restos de cultura oral. Aqueles que compreendem a prpria
sorte, verdade, tornam-se impacientes e nom suportam mais a colonizaom. Mas som os melhores, que sofrem e que recusam: e
nom fazem senom traduzir a desventura comum. Se nom fosse assim, por que seriam tam rapidamente entendidos, tam bem
compreendidos e obedecidos?
Se nos propomos compreender o facto colonial, devemos admitir que instvel, que o seu equilbrio est incessantemente ameaado. Podemos transigir com todas as situaons e o colonizado pode ter a esperana de viver muito tempo. Mais ou menos
rapidamente, porm, mais ou menos violentamente, polo movimento todo da sua personalidade oprimida, um dia se dispom a
recusar a sua insuportvel existncia.
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As duas sadas, historicamente possveis, som entm tentadas, sucessiva ou paralelamente. O colonizado tenta ou tornar-se outro, ou reconquistar todas as suas dimensons, das quais foi amputado pola colonizaom.
O AMOR DO COLONIZADOR E O DIO DE SI MESMO
A primeira tentativa do colonizado a de mudar de condiom mudando de pele. Um modelo tentador e muito prximo a ele se oferece e se impom: precisamente o do colonizador. Este nom sofre de nengumha das suas carncias, tem todos os direitos,
goza de todos os bens e se beneficia de todos os prestgios; dispom de riquezas e de honrarias, da tcnica e da autoridade. ,
enfim, o outro termo da comparaom que esmaga o colonizado e o mantm na servidume. A primeira ambiom do colonizado
ser a de igualar-se a esse modelo prestigioso, de parecer-se com ele at nele desaparecer.
Dessa atitude, que supom, com efeito, a admiraom do colonizador, conclui-se a aprovaom da colonizaom. Mas, por umha dialtica evidente, no momento em que o colonizado mais transige com a sua sorte, recusa-se a si mesmo com maior
tenacidade. Quer dizer que recusa, de outra maneira, a situaom colonial. A recusa de si mesmo e o amor do outro som comuns a
todo candidato assimilaom. E os dous componentes dessa tentativa de libertaom estm estreitamente ligados: subjacente ao
amor do colonizador h um complexo de sentimentos que vam da vergonha ao dio de si mesmo.
O exagero desta submissom ao modelo j reveladora. A mulher loura, seja inspida e de traos banais, parece superior a toda morena. Um produto fabricado polo colonizador, umha palavra dada por ele, som recebidos com confiana. Os seus hbitos,
as suas roupas, os seus alimentos, a sua arquitetura, som rigorosamente copiados, mesmo sendo inadequados. O casamento misto
o termo extremo desse impulso nos mais audaciosos.
Esse arrebatamento polos valores dos colonizadores nom seria tam suspeito, se nom comportasse tal contrapartida. O colonizado nom procura apenas enriquecer-se com as virtudes do colonizador. Em nome daquilo que deseja vir a ser, empenha-se
em empobrecer-se, em arrancar-se de si mesmo. Tornamos a encontrar, em outra forma, um trao j assinalado. O esmagamento
do colonizado est includo nos valores dos colonizadores. Quando o colonizado adota esses valores, adota inclusive a sua
prpria condenaom. Para libertar-se, ao menos o que pensa, aceita, destruir-se. O fenmeno comparvel negro-fobia do
negro, ou ao anti-semitismo do judeu. As negras se desesperam alisando os cabelos, que se encaracolam sempre, e torturam a
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pele a fim de embranquec-la um pouco. Muitos judeus, se o pudessem, arrancariam a prpria alma; essa alma que lhes disseram
ser irremediavelmente m. Declarou-se ao colonizado que a sua msica miadela de gato; a sua pintura, xarope de acar.
Repete que a sua msica vulgar e a sua pintura repugnante. E, se essa msica assim mesmo o toca, comove-o mais que os subtis
exerccios ocidentais, que acha frios e complicados, se essa uniom de cores cantantes e ligeiramente brias lhe alegram a vista,
contra a sua vontade. Fica indignado consigo mesmo, esconde isso aos olhos dos estrangeiros, ou afirma repugnncias tam fortes
que se tornam cmicas. As mulheres da burguesia preferem a joia medocre que vem da Europa joia mais pura da sua tradiom.
E som os turistas que se maravilham diante dos produtos do artesanato popular. Enfim, negro, judeu ou colonizado, preciso
parecer-se o mais possvel com o branco, o nom judeu, o colonizador. Assim como muita gente evita andar com os seus parentes
pobres, o colonizado em vias de assimilaom esconde o seu passado, as suas tradions, todas as suas razes, enfim, tornadas
infamantes.
IMPOSSIBILIDADE DA ASSIMILAOM
Essas convulsons interiores e essas contorons poderiam ter acabado. Ao termo dum longo processo, doloroso, conflitual certamente, o colonizado teria-se talvez integrado no seio dos colonizadores. Nom h problema que a usura da histria nom poda
resolver. questm de tempo e de geraons. Com a condiom todavia, de nom conter dados contraditrios. Ora, no quadro
colonial a assimilaom revelou-se impossvel.
O candidato assimilaom, quase sempre, acaba por se cansar do preo exorbitante que por ela preciso pagar, e do qual jamais chega a desobrigar-se. Descobre tambm com assombro todo o sentimento da sua tentativa. dramtico o momento em
que descobre que retomou pola sua conta as acusaons e condenaons do colonizador; que se habitua a olhar os seus com os
olhos do seu procurador. Nom deixam de ter defeitos, nem som irreprochveis, certamente. H fundamentos objetivos para a
impacincia do colonizador em relaom a eles e a os seus valores; quase todo neles caduco, ineficaz e irrisrio. Mas, ora! Som
os seus, um deles, nunca deixou de s-lo, profundamente! Esses ritmos em equilbrio h sculos, esse alimento que lhe enche
tam bem a boca e o estmago, som ainda os seus, som ele mesmo. Dever, toda a sua vida, envergonhar-se daquilo que, nele o
mais real? Da nica cousa que nom foi tomada de emprstimo? Deve empenhar-se em negar-se a si mesmo? E alis, suportaria-o
sempre? A sua libertaom deve, enfim, implicar a agressom sistemtica de si prprio?
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A maior impossibilidade nom est ai, porm. Cedo a descobre: consentisse em todo e mesmo assim nom se salvaria. Para assimilar-se, nom suficiente despedir-se do seu grupo, preciso penetrar no outro: ora, ele encontra a recusa do colonizador.
Ao esforo obstinado do colonizado em vencer o desprezo (que merecem o seu atraso, a sua fraqueza, a sua alteridade, acaba por admiti-lo), sua submissom pasmada, ao seu empenho em confundir-se com o colonizador, em vestir-se como ele, em
falar, em comportar-se como ele, at nos seus tiques e na sua maneira de fazer a corte, o colonizador opom um segundo desprezo:
o escrnio. Declara, explica ao colonizado, que esses esforos som vaos, que com isso ganha apenas um trao suplementar: o
ridculo. Pois jamais chegar a identificar-se com ele, nem mesmo a reproduzir corretamente o seu papel. Quando muito, se nom
quiser ferir o colonizado, o colonizador utilizar toda a sua metafsica caracterolgica. Os gnios dos povos som incompatveis;
cada gesto subentendido pola alma inteira, etc... Mais brutalmente dir que o colonizado nom passa dum macaco. E, quanto
mais subtil o macaco, quanto melhor imita, mais o colonizador se irrita. Com essa atenom e esse faro aguado que a
malevolncia desenvolve, identificar o matiz revelador, na roupa ou na linguagem, a falta de gosto que acaba sempre por
descobrir. Um homem a cavalo sobre duas culturas raramente est bem sentado, com efeito, e o colonizado nem sempre encontra
o tom justo.
Todo disposto, enfim, para que o colonizado nom poda dar esse passo; para que compreenda e admita que esse caminho um impasse e a assimilaom impossvel.
O que torna perfeitamente inteis os lamentos dos humanistas metropolitanos, e injustas as suas censuras endereadas ao colonizado. Como ousa recusar, espantam-se eles, esta sntese generosa com a qual, murmuram, s poderia lucrar? O colonizado
o primeiro a desejar a assimilaom e o colonizador que a recusa.
Hoje, que a colonizaom chega ao seu fim, tardias boas vontades se perguntam se a assimilaom nom foi a grande oportunidade perdida polos colonizadores e polas metrpoles. Ah! Se tivssemos querido! Vejam, sonham eles, umha Frana de
cem milhons de franceses? Nom proibido, frequentemente consolador reimaginar a histria. Com a condiom de descobrir-lhe
outro sentido, outra coerncia oculta. Poderia a assimilaom ter tido xito.
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Teria sido bem sucedida, talvez, noutros momentos da histria do mundo. Nas condions da colonizaom contempornea parece que nom. Talvez seja umha infelicidade histrica, talvez devssemos deplor-la todos juntos. Mas, nom somente malogrou
como tambm se mostrou impossvel a todos os interessados.
Em definitivo o seu malogro nom se prende apenas aos preconceitos do colonizador, nem tampouco ao atraso do colonizado. A assimilaom, malograda ou realizada, nom s questm de bons sentimentos ou de psicologia. Umha srie
bastante longa de felizes conjunturas pode mudar a sorte dum indivduo. Alguns colonizados conseguiram praticamente
desaparecer no grupo colonizador. claro, em compensaom, que um drama coletivo jamais ser esgotado por meio de soluons
individuais. O indivduo desaparece na sua descendncia e o drama do grupo continua. Para que a assimilaom na colnia tivesse
alcance e sentido, seria preciso que abrangesse um povo inteiro, isto , que fosse modificada toda a condiom colonial. Ora, j
demonstrmos suficientemente que a condiom colonial nom pode ser mudada senom pola supressom da relaom colonial.
Tornamos a encontrar a relaom fundamental que une os nossos dous retratos, dinamicamente engrenados um no outro. Verificamos, umha vez mais, que intil pretender agir sobre um ou outro, sem agir sobre essa relaom, logo sobre a
colonizaom. Dizer que o colonizador poderia ou deveria aceitar de bom grado a assimilaom, portanto a emancipaom do colonizado, escamotear a relaom colonial. Ou admitir que poda empreender espontaneamente umha transformaom total do
seu estado: condenar os privilgios coloniais, os direitos exorbitantes dos colonos e dos industriais, pagar humanamente a mao-
de-obra colonizada, promover jurdica, administrativa e politicamente os colonizados, industrializar a colnia... Em suma, o fim
da colnia como colnia, o fim da metrpole como metrpole. Muito simplesmente, convida-se o colonizador a acabar consigo
mesmo.
Nas condions contemporneas da colonizaom, colonizaom e assimilaom som contraditrias.
A REVOLTA...
Que resta, entom, ao colonizado fazer? Nom podendo deixar a sua condiom de acordo e em comunhom com o colonizador, tentar libertar-se contra ele: vai revoltar-se.
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Longe de nos espantarmos com as revoltas nas colnias, deveramos surpreender-nos, ao contrrio, que nom sejam mais frequentes e mais violentas. Em verdade, o colonizador est atento: esterilizaom contnua das elites, destruiom peridica
daquelas que, apesar de todo, conseguem aparecer, por corrupom e opressom policial; destruiom por provocaom de todo
movimento popular e o seu esmagamento brutal e rpido. Assinalamos tambm a hesitaom do prprio colonizado, a
insuficincia e a ambigidade dumha agressividade de vencido que, sem bem sab-lo, admira o seu vencedor, a esperana por
longo tempo tenaz de que a omnipotncia do colonizador desse luz umha bondade sem limites.
A revolta, porm, , para a situaom colonial, a nica sada que nom miragem, e o colonizado descobre isso cedo ou tarde. A sua condiom absoluta e reclama umha soluom absoluta, umha rutura e nom um compromisso. Foi arrancado do seu
passado e detido no seu futuro, as suas tradions agonizam e ele perde a esperana de adquirir umha nova cultura, nom te nem
lngua, nem bandeira, nem tcnica, nem existncia nacional nem internacional, nem direitos, nem deveres: nada possui, nada
mais e nada espera. Alm disso, a soluom cada dia mais urgente, cada dia necessariamente mais radical. O mecanismo de
negaom do colonizado, posto em funcionamento polo colonizador, nom pode senom agravar-se cada dia que passa. Quanto mais
a opressom aumenta, mais o colonizador tem necessidade de justificaom, mais deve envilecer o colonizado, mais se sente
culpado, mais deve justificar-se, etc. Como sair disso a nom ser pola rutura, polo estouro, cada dia mais explosivo, desse crculo
infernal? A situaom colonial, pola sua prpria fatalidade interior, convoca revolta. Pois a condiom colonial nom pode ser
suportada: qual umha gola de ferro deve ser quebrada.
...E A RECUSA DO COLONIZADOR
Assiste-se, entom, a umha inversom dos termos. Renunciando assimilaom, a libertaom do colonizado deve situar-se pola reconquista de si mesmo e dumha dignidade autnoma. O impulso em direom ao colonizador exigia, no extremo limite, a
recusa de si prprio; a recusa do colonizador ser o preldio indispensvel recuperaom do colonizado. preciso
desembaraar-se dessa imagem acusadora e aniquiladora; preciso atacar de frente a opressom, j que impossvel contorn-la.
Aps ter sido por tanto tempo recusado polo colonizador, chega o dia em que o colonizado que recusa o colonizador.
Essa reviravolta, contodo, nom absoluta. Nom h umha irrestrita vontade de assimilaom e depois umha rejeiom total do modelo. No auge da sua revolta, o colonizado conserva as contribuions e os ensinamentos de tam longa convivncia. Como o
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sorriso ou os hbitos musculares dumha velha esposa, mesmo no momento do divrcio, lembram curiosamente os do seu marido.
Dai o paradoxo (citado como a prova decisiva da sua ingratitude): o colonizado reivindica e bate-se em nome dos prprios
valores do colonizador, utiliza as suas tcnicas de pensamento e os seus mtodos de luta. ( preciso acrescentar que a nica
linguagem que o colonizador compreende).
Mas, doravante, o colonizador torna-se principalmente negatividade, quando era sobretodo positividade. Principalmente, decide-se que negatividade por toda a atitude ativa do colonizado. A todo instante posto em questom, na sua cultura e na sua
vida, e com ele, todo o que representa, metrpole compreendida, claro. Ele suspeitado, contrariado, combatido no menor dos
seus atos. O colonizado pom-se a preferir com raiva e ostentaom os carros alemns, os rdios italianos e os refrigeradores
americanos; priva-se de fumo, se trague o selo colonizador. Meios de pressom e puniom econmica certamente, mas tambm
ritos sacrificatrios da colonizaom. At os dias atrozes em que a fria do colonizador ou a exasperaom do colonizado,
culminando em dio, se descarregam em loucuras sanguinrias. Depois recomea a existncia quotidiana, um pouco mais
dramatizada, um pouco mais irremediavelmente contraditria.
nesse contexto que deve ser recolocada a xenofobia e mesmo certo racismo do colonizado.
Considerado em bloco como esses, eles, ou os outros, de todos os pontos de vista diferente, homogeneizado em radical heterogeneidade, o colonizado reage recusando em bloco todos os colonizadores. E mesmo, algumhas vezes, todos aqueles que se
lhes assemelham, todo aquele que nom como ele, oprimido. A distinom entre o facto e a intenom nom tem mais significado
na situaom colonial. Para o colonizado, todos os europeus das colnias som colonizadores de facto. E, quer queiram quer nom,
som-no dalgum modo; pola sua situaom econmica de privilegiados, por pertencerem ao sistema poltico de opressom, pola sua
participaom num complexo ativo negador do colonizado. Por outro lado, no limite extremo, os europeus da Europa som
colonizadores em potencial: bastaria que desembarcassem. Talvez tirem mesmo algum proveito da colonizaom. Som solidrios,
ou polo menos cmplices inconscientes dessa grande agressom coletiva da Europa. Com todo o seu peso, intencionalmente ou
nom, contribuem para perpetuar a opressom colonial. Enfim, se a xenofobia e o racismo consistem em responsabilizar
globalmente todo um grupo humano, em condenar a priori nom importa que indivduo desse grupo, emprestando-lhe um ser e um
comportamento irremediavelmente constante e nocivo, o colonizado , com efeito, xenfobo e racista; tornou-se umha cousa e
outra.
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Todo racismo e toda xenofobia som mistificaons de si mesmo e agressons absurdas e injustas aos outros, inclusive os do colonizado. Com mais forte razom, desde que se estendem alm dos colonizadores, a todo aquilo que nom rigorosamente
colonizado; quando chegam, por exemplo, a regozijar-se com as desventuras dum agrupamento humano, simplesmente porque
nom escravo. Mas, preciso assinalar, ao mesmo tempo, que o racismo do colonizado o resultado dumha mistificaom mais
geral: a mistificaom colonialista.
Considerado e tratado separadamente polo racismo colonialista, o colonizado acaba por aceitar-se segregado; por aceitar essa divisom maniquesta da colnia e, por extensom, do mundo inteiro. Definitivamente excludo de metade do universo, como
nom recearia que ela confirmasse a sua condenaom? Como nom julg-la e nom conden-la pola sua vez? O racismo do
colonizado nom , em suma, nem biolgico nem metafsico, porm social e histrico. Nom est baseado na crena da
inferioridade do grupo detestado, mas na convicom, e, em grande parte, na verificaom de que definitivamente agressor e
nocivo. Mais ainda, se o racismo europeu moderno detesta e despreza mais do que teme, o do colonizado tema e continua a
admirar. Em resumo, nom um racismo de agressom, porm de defesa.
De sorte que deveria ser relativamente fcil desarm-lo. As poucas vozes europeias que se elevaram nestes ltimos anos para negar essa exclusom, essa radical inumanidade do colonizado, fizeram mais do que todas as boas obras e toda a filantropia,
onde a segregaom permanecia subjacente. Eis porque se pode sustentar esta aparente enormidade: se a xenofobia e o racismo do
colonizado contm, seguramente, um imenso ressentimento e umha evidente negatividade, podem ser o preldio dum movimento
positivo: a recuperaom do colonizado por si mesmo.
A AFIRMAOM DE SI
Mas, desde logo, a reivindicaom colonizada adota essa figura diferencial e concentrada sobre si mesma: estritamente delimitada, condicionada pola situaom colonial e polas exigncias do colonizador.
O colonizado aceita-se e afirma-se, reivindica-se com paixom. Mas, que ele? Certamente nom o homem em geral, portador dos valores universais, comuns a todos os homens. Precisamente ele foi excludo desta universalidade, tanto no plano do
verbo como de facto. Ao contrrio, procurou-se, enrijeceu-se at a substantificaom, aquilo que o diferencia dos outros homens.
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Demonstraram-lhe com orgulho que jamais poderia assimilar os outros; repeliram-no com desprezo para aquilo que, nele, seria
inassimilvel polos outros. Est bem! Seja. Ele , ser, este homem. A mesma paixom que o fazia admirar e absorver a Europa,
levar-o a afirmar as suas diferenas; j que essas diferenas, afinal de contas, constituem propriamente a sua essncia.
Entom, o jovem intelectual que tinha rompido com a religiom, ao menos interiormente, e comia durante o Ramadm, pom-se a jejuar com ostentaom. Ele, que considerava os ritos inevitveis maadas familiares, os reintroduz na sua vida social, d-lhes
um lugar na sua conceiom do mundo. Para melhor utiliz-los, volta a explicar as mensagens esquecidas, adapta-as s exigncias
atuais. Descobre, alis, que o facto religioso nom apenas umha tentativa de comunicaom com o invisvel, mas um
extraordinrio meio de comunhom para o grupo inteiro. O colonizado, os seus chefes e os seus intelectuais, os seus
tradicionalistas e os seus liberais, todas as classes sociais, podem nele reencontrar-se, soldar-se, verificar e recriar a sua unidade.
O risco considervel, sem dvida, de que o meio se torne fim. Dispensando tal atenom aos velhos mitos, rejuvenescendo-os,
revivifica-os perigosamente. Recuperam umha fora inesperada que os faz escapar aos desgnios limitados dos chefes
colonizados. Assiste-se a um verdadeiro renascimento religioso. Acontece mesmo que o aprendiz feiticeiro, intelectual ou
burgus liberal, a quem o laicismo parecia a condiom de todo progresso intelectual e social, retome gosto polas suas tradions
desdenhadas...
Todo isto, alis, que parece tam importante aos olhos do observador de fora, que o talvez para a sade geral do povo, , no fundo, secundrio para o colonizado. Doravante, descobriu o princpio motor da sua aom, que ordena e valoriza todo o resto:
trata-se de afirmar o seu povo e de afirmar-se solidrio com ele. Ora, a sua religiom evidentemente um dos elementos
constitutivos desse povo. Em Bandoeng, com espanto constrangido das pessoas de esquerda do mundo inteiro, um dos dous
princpios fundamentais da conferncia foi a religiom.
Assim tambm, o colonizado nom conhecia mais a sua lngua a nom ser na forma dum falar indigente. Para sair do quotidiano e do afetivo mais elementares, era obrigado a recorrer lngua do colonizador. Retornando a um destino autnomo e
separado, retorna imediatamente sua prpria lngua. Observam, ironicamente, que o seu vocabulrio limitado, a sua sintaxe
abastardada, que seria ridculo ouvi-la num curso de matemticas superiores ou de filosofia. Mesmo o colonizador de esquerda se
espanta com essa impacincia, com esse intil desafio, finalmente mais oneroso para o colonizado que para o colonizador. Porque
nom continuar a utilizar as lnguas ocidentais para descrever os motores ou ensinar o abstrato?
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Ai ainda, para o colonizado, existem doravante outras urgncias que nom as matemticas e a filosofia e mesmo a tcnica. preciso restituir, a esse movimento de redescoberta de si, de todo um povo, o instrumento mais adequado, aquele que encontra o
caminho mais curto da sua alma, porque vem diretamente dela. E esse caminho, sim, o das palavras de amor e de ternura, da
clera e da indignaom, das palavras que emprega o oleiro falando aos seus potes e o sapateiro s suas palmilhas. Mais tarde o
ensino, mais tarde a literatura e as cincias. Esse povo aprendeu suficientemente a esperar... certo, alis, que essa lngua, hoje
balbuciante, nom poda abrir-se e enriquecer-se? J, graas a ele, descobre tesouros esquecidos, entrev umha possvel
continuidade com um passado nom desprezvel... Vamos, nada de hesitaom ou de meias medidas! Ao contrrio, preciso saber
romper, preciso saber abrir caminho diante de si. Escolher mesmo a maior dificuldade. Chegar a proibir-se as comodidades
suplementares da lngua colonizadora; procurar substitui-la sempre e o mais depressa possvel. Entre o falar popular e a lngua
erudita preferir a erudita, arriscando-se no seu impulso a tornar mais difcil a comunhom procurada. O importante agora
reconstruir o seu povo, seja qual for a sua autntica natureza, refazer a sua unidade, comunicar-se com ele e sentir que lhe
pertence.
Seja qual for o preo pago polo colonizado, e contra os outros, se for preciso. Por isso mesmo, ser nacionalista, e nom, claro, internacionalista. Certamente, assim agindo, arrisca-se a cair no exclusivismo e no fanatismo, prendendo-se com isso ao
que h de mais estreito, a opor a solidariedade nacional solidariedade humana, e mesmo a solidariedade tnica solidariedade
nacional. Mas, esperar do colonizado, que tanto sofreu por nom existir por si mesmo, que seja aberto ao mundo, humanista e
internacionalista, parece dumha leviandade cmica. Agora que se est ainda recuperando, que se olha com assombro, que
reivindica apaixonadamente a sua lngua... na do colonizador.
significativo, alis, que ser tam mais ardente na sua afirmaom quanto mais se tiver comprometido com o colonizador. Ser umha coincidncia que tantos chefes colonizados tenham contrado casamentos mistos? Que o lder tunisiano Bourguiba, os
dous lderes argelinos Messali Hadj e Ferhat Abbas e tantos outros nacionalistas, que consagraram a sua vida a guiar os seus, se
tenham casado entre os colonizadores? Tendo levado a experincia do colonizador at os seus extremos limites, at julg-la
impossvel de viver, refluram para as suas bases. Aquele que nunca deixou o seu pas e os seus nom saber jamais at que ponto
est preso a eles. Sabem, agora, que a sua salvaom coincide com a do seu povo, que devem ficar o mais possvel perto dele e das
suas tradions. Nom proibido acrescentar a necessidade de justificar-se, de resgatar-se por umha completa submissom.
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AS AMBIGIDADES DA AFIRMAOM DE SI
V-se, ao mesmo tempo, tanto a necessidade, quanto as ambigidades dessa recuperaom. Se a revolta do colonizado em si mesma umha atitude clara, o seu contedo pode ser turvado: isso porque o resultado imediato dumha situaom pouco
lmpida: a situaom colonial.
1) Aceitando o desafio da exclusom, o colonizado aceita-se como separado e diferente, mas a sua originalidade delimitada, definida polo colonizador.
Entom, ele religiom e tradiom, inaptitude para a tcnica, dumha essncia particular chamada oriental, etc... Sim, bem isso, concorda. Um autor negro esforou-se em nos explicar que a natureza dos negros, os seus, nom compatvel como a
civilizaom mecnica. Disso tirava um curioso orgulho. Em suma, provisoriamente sem dvida, o colonizado admite que a sua
imagem seja essa mesma, proposta, imposta polo colonizador. Recupera-se sem dvida, continua porm a apoiar a mistificaom
colonizadora.
Certamente, nom levado a isso por um processo ideolgico; nom apenas definido polo colonizador, a sua situaom feita pola colonizaom. patente que recupera um povo cheio de carncias, no corpo e no esprito, no tom vital. Retorna a umha
histria pouco gloriosa e cortada por horrveis lacunas, a umha cultura moribunda, que tinha pensado em abandonar, a tradions
congeladas, a umha lngua enferrujada. A herana, que acaba por aceitar, trague o peso dum passivo desencorajador para
qualquer um. Deve avaliar o ativo e o passivo; ora, as dvidas som numerosas e importantes. um fato, alm disso, que as
instituions da colnia nom funcionam diretamente para ele. O sistema educativo nom se dirige a ele senom indiretamente. As
estradas nom lhe som abertas senom porque som puras oferendas.
Parece-lhe necessrio, no entanto, para ir at ao fim da sua revolta, aceitar essas interdions e essas amputaons. Proibir o uso da lngua colonizadora, mesmo que todas as fechaduras do pas funcionem com essa chave; substituir os cartazes e os
marcos quilomtricos, mesmo que com isso seja o primeiro a atrapalhar-se. Preferir um longo perodo de erros pedaggicos do
que manter os quadros escolares do colonizador. Escolher a desordem institucional a fim de destruir o mais depressa possvel as
instituions traguidas polo colonizador. Trata-se, certamente, dum movimento de reaom, de profundo protesto. Assim, nada
mais dever ao colonizador, ter-se desligado definit