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ANÁLISE DO USO E OCUPAÇÃO DO SOLO POR EDIFÍCIOS
EMPRESARIAIS NO BAIRRO DE MANAÍRA
Diandra Soares de Araújo
Universidade Federal da Paraíba
diandra.soares@hotmail.com
Mariá Pires Cunha Graciano Romano
Universidade Federal da Paraíba
mariapcgr@hotmail.com
INTRODUÇÃO
É necessário saber que as zonas costeiras foram o primeiro alvo de ocupação no
Brasil, a partir delas foram construídos os primeiros núcleos de povoamento. O
município de João Pessoa, capital do Estado da Paraíba, situa-se na porção leste do
Estado, sua fundação se deu no ano de 1585, inicialmente ocupada ao longo das
margens do rio Sanhauá, onde se desenvolveu o centro da cidade.
João Pessoa atingiu o auge de sua urbanização na década de 1970, quando todo
Brasil passou por um intenso processo de urbanização decorrente de incentivos do
governo vigente, para a entrada do capital estrangeiro no país, transformando-o em
palco de implantação de grandes empresas multinacionais e desencadeando a migração
de trabalhadores rurais para as cidades, em busca de estabilidade financeira. Hoje, a
capital paraibana ainda enfrenta um forte processo de urbanização, se destacando na
paisagem, principalmente, através das construções verticalizadas e da degradação
ambiental.
A urbanização se destaca nas zonas costeiras, onde hoje estão localizados dois
terços da população mundial, e onde se assentam a maior parte das atuais metrópoles
(MORAES, 2007). A ocupação das zonas costeiras se dá devido às especificidades
destes espaços relacionadas às vantagens locacionais. Estas vantagens estão ligadas às
atividades de lazer, turismo, segundas residências, instalação de indústrias, facilidade de
comunicação com interior e exterior, etc.
No litoral de João Pessoa, há diversos bairros, considerados como nobres por
alguns autores. Nesses bairros, o comércio, as clínicas, os prédios de luxo, estão
presentes na paisagem, e em questão de poucos meses, se multiplicam. Dentre esses
bairros banhados pelo mar, podemos citar Manaíra (do qual trata o presente artigo)
Cabo Branco, Tambaú e o Bessa. O bairro de Manaíra pertencia ao antigo distrito de
Tambaú (unificado aos atuais bairros de Tambaú, Cabo Branco e Bessa), posteriormente
desmembrados devido ao processo de expansão. A ocupação do bairro de Manaíra deu-
se incialmente no ano de 1920, por colônias de pescadores e casas de veraneio. Mais
tarde este espaço passou a atrair pessoas classificadas como classe média por alguns
autores.
Figura 1: Mapa da localização do bairro de Manaíra em João Pessoa. Fonte: Prefeitura de João Pessoa.
A pesquisa possui como objetivo geral compreender o processo de expansão de
edifícios empresariais no bairro de Manaíra, João Pessoa PB. Tendo como objetivos
específicos identificar os fatores condicionantes deste processo; quantificar os
empresariais do bairro de Manaíra; descrever e comentar as funções destes
empresariais; e discutir a evolução do uso e da ocupação do solo do bairro de Manaíra.
Para atingir os objetivos da pesquisa, utilizou-se como procedimentos metodológicos
revisão bibliográfica; trabalhos de campo, com uso de máquina fotográfica; e aplicação
de Questionários. Como resultado da pesquisa, realizamos a descrição das funções (c.f.
SANTOS, 1985) realizadas por esses edifícios, sendo a principal delas a de sítio para
comércio, além de possuir a função de sítio para clínicas e escritórios. Além disso,
chegou-se a conclusãoque o bairro de Manaíra é alvo de especulação imobiliária por
possuir um dos m² mais caros da cidade de João Pessoa. A pesquisa encontra-se em
estágio inicial.
1. A OCUPAÇÃO DO BAIRRO DE MANAÍRA
A cidade de João Pessoa foi ocupada pela necessidade de povoamento da costa
norte do Brasil pela coroa portuguesa, submetida ao domínio dos franceses, criando em
1574 a Capitania Real da Paraíba (VASCONCELOS, 2010), e pouco depois, no dia 5 de
agosto de 1585 com a fundação da Cidade Real de Nossa Senhora das Neves, os
franceses foram expulsos, e a ocupação da cidade se desenvolveu. Foi em 1930, que a
cidade recebeu sua quinta denominação, que permanece até hoje, João Pessoa.
Nesse contexto, devemos abrir um parêntese para o que estava ocorrendo na
década de 30. O governo vigente, o de Getúlio Vargas,por simpatizar com movimentos
industrialistas que ocorreram na Inglaterra e na França, resolver trazer ao Brasil esse
tipo de desenvolvimento. Então, por conseguinte, o avanço do setor terciário foi
inevitável. O investimento em indústrias, e prestação de serviços, começa a trazer para
as diferentes partes do país o que começava a se caracterizar como urbanização.
Nessa época ocorre o exorbitante êxodo rural devido às péssimas condições de
vida existentes no campo. Em busca de uma estabilidade prometida na cidade, os
antigos camponeses resolvem deixar as atividades rurais para procurar melhores salários
nas grandes cidades. Dessa forma então, a cidade passa a possuir cada vez mais
habitantes, havendo para isso a necessidade de expansão, tanto de seu território, como
de sua economia.
Foi em meados da década de 1950, que surgiram novos bairros, resultado da
migração progressiva da elite urbana da cidade (que residia até então no centro)para o
litoral da cidade. Isso ocorreu principalmente devido à abertura da Avenida Epitácio
Pessoa, que ligava o centro à orla, aberta em 1920, em um expressivo momento de
expansão da cidade, durante o governo de Camilo de Holanda. Cruz e Silva (2013)
explicam mais detalhadamente este processo, quando discutem que após a
pavimentação da Avenida Epitácio Pessoa, os grupos sociais com menos recursos
financeiros pegavam bondes em direção ao bairro de Tambaú, durante os finais de
semana, enquanto que a elite paraibana possuíam segundas residências, construídas para
temporadas. Além disso, era na orla que se situavam as residências dos pescadores.
Tais residências de veraneio podem ser apontadas como o fator numericamente mais expressivo da urbanização litorânea, pois ocorrem ao longo de toda a costa, revelando um dinamismo que se mantém (obviamente em ritmo menor) mesmo em períodos de crise acentuada do setor da construção civil no país. O caráter mais impactante da atividade de veraneio é, em termos ambientais, diretamente relacionado à capacidade dos poderes públicos de ordenarem o uso do solo. Em termos sociais, tal atividade desorganiza em muito a sociabilidade dos locais onde se instala, ao inaugurar um mercado de terras ascensional e ávido, gerando uma situação fundiária tensa e conflitiva. A satisfação do consumo de segundas residências mobiliza proprietários de terras, incorporadores, corretores, e a indústria da construção civil (com todo seu aporte de pessoal) nas áreas litorâneas, o que vai construir, em si, num acréscimo ao fluxo povoador (MORAES, 2007, p. 38-39).
Este processo de ocupação do litoral pessoensse foi intensificado com a
construção do Hotel Tambaú, iniciada na década de 60 e inaugurado em 1972
(LEANDRO, s.d.). Foi neste momento que as segundas residências ou casas de veraneio
tornaram-se residências fixas. Também neste período, novas ruas surgiram, casas
destinadas ao comércio, restaurantes e bares, resultando na valorização deste espaço
(VASCONCELOS, 2010). Vale relembrar que o hotel foi ator no processo de
degradação ambiental desta área, ele foi construído literalmente na praia de Tambaú, o
que ocasionou diversos danos no que diz respeito à dinâmica costeira, à poluição do
mar, entre outros.
A Prefeitura Municipal, em 1977, participou do Programa Comunidades
Urbanas para Recuperação Acelerada, neste período a urbanização da orla atingiu altos
níveis, e os imóveis passaram a ser cada vez mais valorizados, graças ao aumento do
preço do solo, sendo possível observar o caráter elitista do programa (LEANDRO, s.d.).
Na década de 80, inicia-se o processo de verticalização nas áreas internas dos bairros litorâneos, que seguiu um ritmo crescente nos anos 90, modificando de forma determinante a paisagem neste setor da cidade e, ainda, aumentando a dinâmica econômica própria, com a diversificação cada vez maior de atividades e modalidades de uso do solo urbano. As vias arteriais principais destes bairros assumem caráter comercial, intensificando o uso do solo (RODRIGUES, 2006).
Hoje, nos bairros do litoral, é possível perceber pouquíssimos resquícios de
atividades rurais, pois ainda há, em Tambaú, a pesca, os peixes são vendidos no
Mercado de Peixe, também em Tambaú. De modo geral, a urbanização continua em
constante evolução, quando se observa a paisagem nestes bairros, a residência
horizontal vem se tornando cada vez mais raras.
2. OS EDIFÍCIOS EMPRESARIAIS DO BAIRRO DE MANAÍRA E A
ESPECULAÇÃO IMOBILIÁRIA
O bairro Manaíra possui um dos m² mais caros de João Pessoa. É considerado
um dos bairros mais nobres da cidade, pois nele reside grande parte da classe média e
alta pessoensse. Hoje com um consumo consuntivo peculiar (SANTOS, 2002), pois a
necessidade do mercado consumidor fez com que este espaço se adaptasse.
Em outras palavras, há um processo iniciado por volta dos anos 2000, de
expansão do comércio, de clínicas, de bares e de restaurantes nesse bairro, buscando
atender às necessidades e aos “necejos” (o necejo possui um sentido psicanalítico de ser
um desejo necessário ao ego humano) do mercado consumidor. Para isso, foram
construídos dois shoppings (um deles, o maior da cidade), diversas farmácias, lojas de
roupas, imobiliárias, clínicas, supermercados, academias de musculação, escritórios,
restaurantes, etc. Tudo isso buscando atender às pessoas que possuem maior poder
aquisitivo da cidade. Os altos preços do solo em Manaíra e a necessidade de expansão
de atividades que atendessem aos seus moradores resultaram na verticalização de
edifícios que oferecem uma grande diversidade de serviços.
Para Santos (1985) a organização do espaço só pode ser compreendida quando
se analisa processo dialético entre formas (aspecto visível de algo), estrutura (inter-
relação de todas as partes de um todo) e funções (atividade esperada de uma forma,
pessoa, instituição ou coisa) através do tempo. O autor ainda considera que os três itens
em questão não devem ser analisados separadamente, e ainda devem ser somados ao
estudo do processo, que indica o movimento do passado ao presente. Este artigo se
limita ao entendimento da paisagem (forma) e das suas funções. Santos (1988) entendeu
a paisagem como o resultado de movimentos superficiais da sociedade, um mosaico de
relações, de formas, funções e sentidos.
Estes edifícios, chamados de edifícios empresariais ou empresariais centers ou
galerias ou apenas empresariais, possuem a principal função de sítio para o comércio,
que em grande parte das vezes, abastece a população com artigos para o corpo. Além
disso, neles há uma grande disponibilidade de serviços de beleza em geral (salões,
cosméticos, perfumes), alimentícios, escritórios de advocacia, clínicas diversas,
empresas que organizam intercâmbio para o aperfeiçoamento de língua estrangeira,
imobiliárias, papelarias, lojas de móveis, lojas de tecido, cursos, entre outros.
No bairro de Manaíra há 95 edifícios empresariais, contabilizados em trabalhos
de campo, situados em sua maioria na porção leste do bairro, onde os preços do solo são
mais elevados. Estes preços elevados fazem com que o interesse sob o solo, ganhe nova
perspectiva de aplicação de seu uso. Sendo assim, os donos dos lotes, se interessam
mais em alugar o solo, do que apenas vender e perder o ponto de investimento em longo
prazo. Preferem assim multiplicar o lucro, alugando imóveis e lotes para pontos
comerciais, em que o aluguel é duplicado ou triplicado, dependendo da área em que
esteja localizado.
Além de destinar terrenos para aluguéis, eles também são vendidos, comprados
muitas vezes para se construir empresariais. O interesse nessas áreas se torna especial
não apenas por haver um mercado consumidor de alta renda, mas também por ser um
investimento em um solo que sempre aumenta seu preço, visando um futuro em que seu
valor estará 10 vezes mais alto.
Figuras 2 e 3: Empresariais em Manaíra. Foto: Diandra Soares, 2014.
Assim ocorre a especulação imobiliária, porém, os investidores que a praticam
não apenas tentam prever o futuro, como também participam do processo que ocasiona
a valorização dos seus terrenos. Ao subir os preços dos terrenos e imóveis, o acesso à
moradia aos habitantes de menor renda torna-se cada vez mais difícil, resultando em
uma exorbitante segregação espacial.
Nos últimos meses, movimentos sociais como o MTST foram capazes de colocar na pauta do debate a face segregadora do desenvolvimento econômico brasileiro. Os últimos anos demonstraram como o crescimento normalmente se paga com o aumento da exclusão nas grandes cidades. Submetida à pressão desenfreada da especulação imobiliária, aos interesses de empreiteiras que estão entre as maiores financiadoras de campanhas eleitorais, nossas cidades passaram nos últimos anos por um processo de valorização imobiliária, cujo maior resultado foi a expulsão de famílias para lugares cada vez mais distantes, por não conseguirem mais arcar com os gastos excessivos de aluguel (SAFATLE, 2014).
Entende-se que a especulação imobiliária funciona como agente maximizador
das desigualdades sociais, pois apenas gera altos lucros aos que detém o dinheiro, e
impossibilita que as pessoas de baixa renda possam habitar estes espaços que possuem
melhor infraestrutura, obrigando-os, na maior parte das vezes, a habitarem aglomerados
subnormais. Estes aglomerados subnormais em João Pessoa geralmente são localizados
em Áreas de Preservação Permanente já bastante degradadas, oferecendo aos seus
moradores alta insalubridade e péssima infraestrutura. A segregação espacial no local de
estudo é bastante nítida quando se observa que o bairro de Manaíra se limita a oeste
com o bairro São José, distribuído às margens do Rio Jaguaribe, um rio “morto”, que
recebe efluentes líquidos ao longo de todo o seu leito, neste bairro são péssimas as
condições de moradia.
3. CONSIDERAÇÕES FINAIS
O objetivo principal deste artigo foi compreender o exorbitante crescimento de
edifícios empresariais no bairro de Manaíra, e diagnosticar suas causas. Utilizando
bibliografias atreladas ao assunto, e aulas de campo no local, foi possível identificar que
o número de edifícios empresariais em Manaíra cresce devido ao processo evolutivo de
ocupação que ocorreu neste espaço, que se deu de forma intensa. É possível notar
grandes mudanças na paisagem quando comparada a como era há 10 anos. Pois Manaíra
sempre possuiu um caráter residencial, porém o comércio e a especulação imboliária
hoje predominam no bairro, transformando a função deste espaço.
Pode-se afirmar que houve uma apropriação capitalista do espaço litorâneo de
João Pessoa, pois, este fenômeno de transformação de imóveis residenciais para
comerciais se repete em todos os bairros da orla pessoense: Bessa, Tambaú e Cabo
Branco. Este estudo se limitou aos edifícios empresariais devido ao fato de surgirem e
se multiplicarem na paisagem em questão de poucas semanas. Além disso, a existência
dos mesmos comprova o alto preço do solo, pois até mesmo para os empresários se
tornou inviável financeiramente comprar um terreno e construir suas lojas sobre estes,
sendo mais acessível alugar um ponto comercial em um empresarial.
A construção dos empresariais em Manaíra é apenas um dos reflexos do
processo de urbanização pelo qual o Brasil ainda passa. A necessidade de expansão do
comércio para espaços além dos centros das cidades faz com que se procure áreas em
que sejam instalados os pontos comerciais, e em grande parte das vezes, para atender a
classe média, que é representa a maior parte do mercado consumidor, na busca por
satisfazer seus desejos.
4. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
CRUZ, Alana Cavalcanti; SILVA, Keila Keiroz e. A abertura da avenida Epitácio Pessoa, da cidade da Parahyba à cidade João Pessoa: olhando para o mar e esquecendo-se do rio Sanhauá. 2013. Disponível em
http://www.snh2013.anpuh.org/resources/anais/27/1364613622_ARQUIVO_PARAAANPUH.pdf. Acesso em 04/05/2014.
LEANDRO, Aldo Gomes. A orla marítima de João Pessoa: da apropriação urbana à (re)apropriação turística. Disponível em <
http://observatoriogeograficoamericalatina.org.mx/egal6/Geografiasocioeconomica/Geografiaregional/521.pdf>. Acesso em 05/06/2014.
MORAES, Antonio Carlos Robert de. Contribuições para gestão da zona costeira. São Paulo: Annablume, 2007.
RODRIGUES, Nadia Freitas. Acessibilidade e mobilidade na orla marítima de João Pessoa: uma análise qualitativa nos espaços livres de circulação da orla dos bairros de Manaíra e Tambaú. 2006. Dissertação (mestrado). João Pessoa: Universidade Federal da Paraíba, 2006.
SAFATLE, Vladimir. Fora de casa. Carta capital. 2014. Disponível em: http://www.cartacapital.com.br/revista/806/fora-de-casa-7726.html Acesso em 15/06/2014.
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VASCONCELOS, Gustavo Ferreira de. Dinâmica costeira das praias de tambaú e manaíra-PB. 2010. Dissertação (Mestrado). Universidade Federal da Paraíba, João Pessoa, 2010.