Do iPad na Quinta Avenida ao “projectista” da Guarda

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8/9/2019 Do iPad na Quinta Avenida ao “projectista” da Guarda

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Público • Sexta-feira 9 Abril 20

xtremo

cidental

e não se inventou substituto para o jornalismo, a produção de informação tem de saber viver num mundo em muda

Do iPad na Quinta Avenida ao “projectista” da Guarda

O que há de comum entre a sofisticada lojada Apple na Quinta Avenida, em NovaIorque, e um tosco armazém na aldeiade Faia, concelho da Guarda, construídoquase no meio da rua? Nada – e ao mes-

mo tempo tudo aquilo de que depende o futuro do jornalismo. Deste lado e do outro do Atlântico.

No último sábado Nova Iorque acordou com imen-sas filas de ansiosos clientes da Apple que queriamser os primeiros a comprar o novo iPad – e uma dasmais longas formou-se na Quinta Avenida. Horasdepois começaram a surgir nos blogues e nos  sites os primeiros comentários à mais recente criaçãode Steve Jobs. A latitude das reacções não podiaser maior: desde os que defendiam tratar-se de um

 gadget sem utilidade alguma aos que viam no iPad

potencial para acabar com o mercado dos compu-tadores portáteis ou, mais importante ainda, parasalvar da morte lenta os grandes órgãos de informa-ção, sobretudo os jornais.

Veremos. Mas algo é inegável: a ansiedade comque os geeksda Apple esperavam pelo iPad é em tudosemelhante à ansiedade com que os profissionais dainformação esperam pelo momento em que se acen-da uma luz ao fundo do túnel da crise que vivem. Sóque a dos geeks foi mais fácil de satisfazer…

 Adeus, velhos leitoresOs dilemas da indústria dos media são bem complexos e, esta semana, uma tro-ca de opiniões entre dois blogers (AndréAbrantes Amaral de O Insurgente e Luís

Naves de O Albergue Espanhol) ajudou a situar oproblema. Sobretudo porque André Abrantes Ama-ral, um advogado trintão, foi sincero: não compra

 jornais portugueses há cinco anos pois substituiu-os pela edição online do WSJ (30cêntimos/dia) e pela leitura online do que lhe interessa nos sites por-tugueses. Quanto à opinião, disseconfiar mais na blogosfera, ondeencontra “mais diversidade” e gen-te que pensa “pela sua cabeça”.

Não há nada de novo na confis-são, apenas o que muitos profis-sionais se recusam a ver: há cada vez menos leitores das edições empapel entre os que têm menos de

30, 35 anos. E menos ainda quem pague pelo seu jornal nessas faixas etárias.

A alusão à importância da opinião também é sig-nificativa. Não só por a procurar nos blogues – ondeé mais fácil entrar do que nas colunas da imprensaescrita –, mas por a lógica de leitura na Internet ser

muito diferente da resultante do folhear de um jor-nal. Se um texto se refere a outro texto, por exemplo,há sempre uma hiperligação que nos permite com-parar argumentos ou verificar alegações. Também épossível nem sequer procurar, pois as colunas prefe-ridas podem chegar-nos por email, surgirem-nos napágina de entrada do Facebook ou aparecerem-nosno Twitter. O que significa que também as podemosler num telemóvel se este for um  smartphone.

Há cada vez mais leitores que preferem seleccionara informação em vez de confiarem na selecção dos jornalistas, e que fazem circular os artigos que achammais interessantes nas suas comunidades virtuais. Émuito difícil imaginar que esses leitores algum diafiquem satisfeitos se comprarem apenas um jornal,ou que optem por trazer metade do quiosque paracasa. Mais: a grande, a terrível dúvida, é a de saberse estes leitores estarão dispostos a pagar pela infor-mação a que hoje acedem de forma gratuita.

Claro que isto coloca terríveis problemas a umaindústria cujo modelo de negócio se baseia nas re-ceitas da venda em banca e da venda de publicidade.

Mesmo imaginando que a publicidade vai migrarpara a Internet – o que ainda não sucedeu: estima-seque o investimento publicitário na Net correspondaa menos de metade do que deveria ser se fosse con-siderado o tempo que as pessoas estão a utilizá-la

por comparação com o tempo que gastam a ler jor-nais em papel ou a ver televisão –, ficariam semprea faltar as receitas da venda em banca.

Q uem pagará pelo jornalismo?Ora é precisamente aqui que entra o iPad(assim como outros e-readers, como Kin-dle da Amazon). A grande novidade des-te aparelho é que, mesmo permitindo

uma navegação convencional na Inter-net, privilegia a utilização de aplicações dedicadas, àsemelhança do iPhone. Muitos órgãos de informação já desenvolveram essas aplicações e, lendo as recen-sões, percebe-se que são vários os caminhos a seremtestados. Jornais como o New York Times ou o WallStreet Journal optaram por criar a aparência de um

 jornal convencional. Já a BBC ou a Associated Press seguiram por um caminho intermédio entre o designhabitual de uma página Web e modelos que permi-

tem tirar partido das funcionalidades do iPad.A esperança dos editores é conseguirem voltara cobrar algum dinheiro pelos conteúdos informa-tivos, quer através de assinaturas, quer através demicropagamentos que plataformas como as dispo-nibilizadas pela Apple (via iTunes) ou pela Amazontornam muito mais simples de concretizar. O preçoa que disponibilizariam essas assinaturas poderiaser muito mais baixo do que na edição em papel(não é preciso imprimir nem distribuir…) e, como asnotícia são actualizadas ao longo do dia e se oferecemais do que o papel (pois haverá som e imagem),acabaria por convencer os consumidores que nãopodem, indefinidamente, aceder a bom jornalismosem pagarem nada. É essa a aposta de Rupert Mur-doch, actualmente o maior empresário do sector,que vai começar a cobrar no site do mítico The Ti-mes. E sem esperar pelo iPad.

Só que os hábitos podem já ter mudado demasiadopara permitir o que alguns vêem como uma “marchaatrás”. É o caso de Jeff Jarvis, do  Business Insider ,que considera que o modelo do iPad procura fazer

regressar a informação ao tempo em que olistas a controlavam por esta ser unidirecccontrário do que passou a suceder com a Wem que os consumidores passaram a ser emissores de informação. Por isso escrev

iPad é um aparelho “retrógrado” que quer os consumidores de novo apenas na plateiDe novo, veremos. Algo, contudo, dev

discutível, e vem muito bem explicado no t Price of Journalism em que o Times justiçapor conteúdos pagos: não há jornalismo dede sem recursos dedicados e profissionais inteiro. Menos jornalistas traduz-se numa m versidade e numa inferior qualidade da infoe a verdade é que, como se notava recentemThe Economist , se o número de jornalistas ados junto da União Europeia em Bruxelas dde mais de 1300 em 2005 para 752, isso nãode qualquer alergia aos eternos céus cinzcapital belga mas de os órgãos de informaçdeixado de poder pagar a tantos correspon

Um mundo composto de mudaNinguém pode, com honestid

 vinhar em que proporções cirinformação quer nos canais tradquer em novos canais como os sm

nes e o iPad, quer nos canais informais dsociais, pelo que não há alternativa senão pestar atento aos mais pequenos sinais de me às inovações que chegam de todo o lado.ra quem se alimenta, se veste e se deslocàs receitas geradas por todos os que necesinformação, é bom não esquecer que aindinventou um substituto para o jornalismo. Eempresas capazes de suportarem o custo de vestigação de meses, como a que José Antónfez sobre os projectos de José Sócrates na não é só o jornalismo que perde, é a demplural e competitiva que fica mais pobre.

É o iPad parte da solução? Se for, estamoum novo “momento Gutenberg”. Jornalist

 P.S.– Por lapso referi a semana passada quaceitara a demissão do principal responsável irlandesa, quando aceitou a de um bispo.

osé

Manuel

ernandes

ara muitos, o iPad pode 

alvar os jornais e, com

es, o jornalismo. Para

utros é um retrocesso, pois 

ode voltar a colocar os 

itores na plateia e não

o palco das notícias 

SPENCER PLATT/GET