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A SONG OF ICE AND FIRE
THE TALES OF
DUNK & EGG
THE MYSTERY KNIGHT
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SUMÁRIO
CAPÍTULO 1 03
CAPÍTULO 2 07
CAPÍTULO 3 18
CAPÍTULO 4 21
CAPÍTULO 5 30
CAPÍTULO 6 34
CAPÍTULO 7 48
CAPÍTULO 8 55
CAPÍTULO 9 59
CAPÍTULO 10 67
CAPÍTULO 11 70
CAPÍTULO 12 74
CAPÍTULO 13 76
CAPÍTULO 14 85
CAPÍTULO 15 89
CAPÍTULO 16 91
CAPÍTULO 17 95
CAPÍTULO 18 104
CAPÍTULO 19 105
CAPÍTULO 20 111
CAPÍTULO 21 112
CAPÍTULO 22 117
CAPÍTULO 23 119
CAPÍTULO 24 122
NOTA FINAL 130
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CAPÍTULO 1
Uma leve chuva de verão caía quando Dunk e Egg deixaram o
Septo de Pedra1.
Dunk montava em seu velho cavalo Thunder, enquanto Egg
vinha logo atrás, com seu jovem e espirituoso palafrém a quem ele
nomeara de Rain, conduzindo Maester, sua mula. Nas costas de
Maester, jaziam a armadura de Dunk e os livros de Egg, seus sacos
de dormir, sua tenda e suas roupas, vários pedaços de carne salgada e
dura, meia jarra de hidromel e dois frascos de água. O velho chapéu
de palha de Egg, maleável e de abas largas, mantinha a cabeça da
mula protegida da chuva. O menino tinha cortado buracos nele para
as orelhas de Maester. O novo chapéu de palha de Egg estava em sua
própria cabeça. Com exceção dos buracos para as orelhas, ambos os
chapéus pareciam iguais a Dunk.
Conforme se aproximavam dos portões da cidade, Egg refreou
abruptamente. Acima da entrada, a cabeça de um traidor havia sido
empalada num espigão de ferro. Pela sua aparência, ela parecia
fresca, e a carne estava mais rosada do que esverdeada, porém, os
corvos já haviam se banqueteado dela. As bochechas e os olhos do
morto tinham sido mordidos e rasgados; seus olhos eram dois bura-
cos marrons chorando lentas lágrimas vermelhas como gotas de
chuva misturadas com sangue coagulado. A boca do morto pendia
aberta, como se estivesse discursando aos viajantes que passavam por
debaixo do portão.
Dunk já tinha visto cenas como essa anteriormente. “Uma vez
em Porto Real2, quando eu era garoto, roubei uma cabeça de uma
dessas lanças,” ele contou a Egg. Na verdade, tinha sido Ferret quem
tinha disparado muro acima para arrancar a cabeça, após Rafe e
Pudding desafiá-lo dizendo que ele não teria coragem, mas quando
os guardas vieram correndo ele atirou-a para baixo, e foi Dunk quem
a pegou. “Era de um lorde rebelde ou de um cavaleiro assaltante. Ou
talvez de um simples assassino. Uma cabeça é uma cabeça. Todas se
1 Stoney Sept. 2 King’s Landing.
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parecem umas com as outras após alguns dias numa lança.” Ele e
três amigos seus haviam usado a cabeça para aterrorizar as meninas
do Baixio das Pulgas3. Eles as perseguiam pelos becos e faziam-nas
beijar a cabeça antes de deixá-las ir embora. A cabeça foi beijada
muitas vezes, ele recordou.
Não havia uma garota em Porto Real que conseguia correr tão
rápido quanto Rafe. Mas seria melhor se Egg não ouvisse sobre essa
parte. Ferret, Rafe e Pudding. Pequenos monstros, aqueles três, e eu
era o pior de todos. Seus amigos e ele guardaram a cabeça até a
carne tornar-se preta e começasse a desprender. Isso acabara com a
diversão que havia em perseguir as garotas, então numa noite eles
invadiram uma loja de cerâmica e atiraram seus restos numa cal-
deira. “Os corvos carniceiros sempre escolhem os olhos,” ele disse a
Egg. “Então as bochechas cedem e a carne torna-se verde…” Ele aper-
tou os olhos. “Espere. Eu conheço aquele rosto.”
“Conhece, sim, sor4,” disse Egg. “Três dias atrás. O septão cor-
cunda que ouvimos pregando contra Lorde Bloodraven5.”
Então ele se recordou. Ele era um homem sagrado e jurado aos
Sete, mesmo que tivesse cometido traição ao pregar. “As mãos dele
estão vermelhas com o sangue do irmão e com o sangue de seus jo-
vens sobrinhos também,” o corcunda declarara à multidão reunida
na praça do mercado. “Uma sombra veio sob seu comando para
estrangular os filhos do bravo Príncipe Valarr no ventre de sua mãe.
Onde está nosso Jovem Príncipe agora? Onde está seu irmão, o doce
Matarys? Para onde foram o Bom Rei Daeron e o destemido Baelor
Breakspear6? O túmulo havia reivindicado ambos para si, cada um
deles, e mesmo assim ele continua perdurando, este pálido pássaro
com o bico ensanguentado, que pousa no ombro do Rei Aerys e
grasna em seu ouvido. A marca do inferno se faz presente em seu
rosto e em seu olho vazio, e ele trouxe-nos a seca, a peste e o assassi-
nato. Levantem-se, eu digo, e lembrem-se de nosso verdadeiro rei do
outro lado das águas. Sete Deuses há, e sete reinos, e o Dragão Ne-
3 Flea Bottom, também conhecido como Baixada das Pulgas. 4 Preferi deixar como “sor”, em vez de “ser”. 5 Corvo de Sangue. 6 Baelor Quebra-Lanças.
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gro7 gerou sete filhos! Levantem-se, senhores e senhoras. Levantem-
se, bravos cavaleiros e fortes fazendeiros, e derrubem Bloodraven,
aquele feiticeiro sombrio, para que seus filhos e netos não sejam
amaldiçoados para todo o sempre.”
Cada palavra era traição. Mesmo assim, ainda era um choque
ver o septão ali, com buracos no lugar onde seus olhos haviam es-
tado. “É ele, sim,” Dunk falou, “e eis outro motivo para deixar esta
cidade para trás.” Ele tocou Thunder com a espora e, junto com Egg,
atravessou os portões do Septo de Pedra, escutando o suave som da
chuva. Quantos olhos Lorde Bloodraven tem? Mil olhos, e um. Al-
guns alegavam que a Mão do Rei era um estudante das artes negras
que podia trocar de rosto, assumir o semblante de um cão caolho, e
até mesmo transformar-se numa névoa. Alcateias de magros lobos
cinzentos perseguiam seus inimigos, os homens diziam, e bandos de
corvos espiavam por ele e sussurravam segredos em seu ouvido. A
maioria das histórias eram somente histórias, Dunk não tinha dú-
vida, mas ninguém podia questionar que Bloodraven possuía
informantes em todos os lugares.
Ele tinha visto o homem uma vez com os próprios olhos, tem-
pos atrás em Porto Real. A pele e os cabelos de Brynden Rivers eram
tão brancos como um osso, e seu olho — ele tinha um somente, o
outro havia sido arrancado por seu meio-irmão, Bittersteel 8 no
Redgrass Field9 — era vermelho como sangue. Na bochecha e no
pescoço, levava uma marca de nascença de cor vinho que havia dado
origem ao seu nome.
Quando a cidade encontrava-se bem atrás deles, Dunk limpou
a garganta e disse, “Mau negócio, cortar a cabeça de um septão. A
única coisa que ele fez foi falar. Palavras são vento.”
“Algumas palavras são vento, sor. Outras são traições.” Egg era
magricelo como um graveto, todo costelas e cotovelos, mas ele tinha
uma grande boca.
“Agora sim você soou como um verdadeiro príncipe.”
7 Black Dragon. 8 Nos livros, foi traduzido como Açoamargo ou Açamargo. 9 Campo da Grama (ou Capim) Vermelha ou Campo da Erva Rubra.
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Egg tomou aquilo por um insulto, o que era. “Ele pode ter sido
um septão, mas ele estava espalhando mentiras, sor. A seca não foi
culpa de Lorde Bloodraven e a Doença da Grande Primavera10 tam-
bém não.”
“Talvez isso seja verdade, mas, se formos cortar a cabeça de to-
dos os tolos e mentirosos, metade das cidades dos Sete Reinos ficará
vazia.”
10 Great Spring Sickness.
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CAPÍTULO 2
Seis dias depois, a chuva não passava de uma mera lembrança.
Dunk havia despido sua túnica para desfrutar do calor da luz
do sol em sua pele. Quando uma pequena brisa surgiu, refrescante e
suave e cheirosa como o hálito de uma donzela, ele suspirou. “Água,”
ele anunciou. “Sente o cheiro? O lago não deve estar longe agora.”
“Tudo o que consigo cheirar é Maester, sor. Ele fede.” Egg deu
um puxão bruto nas rédeas da mula. Master pôs-se a pastar na grama
na beira da estrada, como ele fazia de tempos em tempos.
“Há uma velha estalagem na margem do lago.” Dunk se hospe-
dara lá quando ainda era escudeiro do velho homem. “Sor Arlan
disse que produzem uma boa cerveja marrom. Talvez possamos
prová-la enquanto esperamos pela barca.”
Egg lançou-lhe um olhar esperançoso. “Para beber junto com a
comida, sor?”
“Que comida essa seria?”
“Um pedaço de carne assada?” o menino falou. “Um pouco de
pato, uma tigela de ensopado? O que quer que eles tenham, sor.”
Sua última refeição quente havia sido há três dias. Desde então,
eles tinham vivido de frutas que encontravam por aí e tiras de carne
salgada e velha que estavam duras como madeira. Seria bom encher-
mos nossas barrigas com comida de verdade antes de partirmos pro
Norte. O caminho até a Muralha é longo.
“Podíamos passar a noite também,” sugeriu Egg.
“Meu senhor deseja uma cama de plumas?”
“Palha me servirá bastante bem, sor,” disse Egg, ofendido.
“Não temos moedas para camas.”
“Temos vinte e dois centavos, três estrelas, um veado, e aquela
velha granada desgastada, sor.”
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Dunk coçou a orelha. “Pensei que tivéssemos duas moedas de
prata”.
“Tínhamos, mas compramos a tenda. Agora temos uma só.”
“Acabaremos sem nenhuma se nós começarmos a dormir em
estalagens. Você quer dividir uma cama com alguns vendedores
ambulantes e acordar com as pulgas deles?” Dunk bufou. “Eu não.
Tenho minhas próprias pulgas, e elas não gostam muito de estra-
nhos. Dormiremos sob as estrelas.”
“As estrelas são boas,” Egg admitiu, “mas o chão é duro, sor, e
às vezes é bom ter um travesseiro pra cabeça.”
“Travesseiros são para príncipes.” Egg era tão bom escudeiro
como qualquer cavaleiro poderia desejar, mas de vez em quando ele
sentia-se principesco. O rapaz tem sangue de dragão, não se esqueça.
Dunk tinha sangue de pedinte… ou assim costumavam dizer a ele,
há muito tempo lá no Baixio das Pulgas, quando não estavam lhe fa-
lando que ele estava fadado ao fracasso.
“Talvez possamos pagar por um pouco de cerveja e uma sopa
quente, mas não desperdiçarei uma boa moeda numa cama. Preci-
samos economizar nossos centavos para o barqueiro.” Da última vez
que ele havia atravessado o lago, o barco custara apenas algumas
poucas moedas de cobre, mas isso fora há seis anos, talvez sete. Tudo
ficara mais caro desde então.
“Bem,” disse Egg, “poderíamos usar minha bota para atraves-
sar”.
“Poderíamos,” disse Dunk, “mas não o faremos.” Usar a bota se-
ria perigoso. Os rumores se espalhariam. Rumores sempre se espa-
lham. Seu escudeiro não era careca por obra do acaso. Egg possuía os
olhos da Velha Valíria, e cabelos que brilhavam como ouro batido e
mechas prateadas entrelaçadas. Deixá-los crescer seria o mesmo que
usar um broche de um dragão de três cabeças. Estes eram tempos
perigosos em Westeros e… bem, seria melhor não correr nenhum
risco. “Outra palavra sobre sua maldita bota e lhe darei um tapa na
orelha tão forte que você voará pelo lago.”
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“Eu preferiria nadar, sor.” Egg nadava bem e Dunk, não. O me-
nino virou na sela. “Sor, alguém está vindo pela estrada atrás de nós.
Está ouvindo os cavalos?”
“Não sou surdo.” Dunk conseguia ver a poeira sendo levantada
por eles também. “Um grande grupo. E apressados também.”
“Acha que são foras-da-lei, sor?” Egg levantou-se nos estribos,
mais ansioso do que temeroso. O menino era assim.
“Foragidos seriam mais sorrateiros. Somente lordes fazem
tanto barulho.” Dunk sacudiu o cabo da espada a fim de afrouxar a
lâmina de sua bainha. “De qualquer forma, vamos sair da estrada e
deixar que eles passem. Há lordes e lordes.” Não custava nada ser um
pouco cauteloso. As estradas não estavam tão seguras como foram
quando o Bom Rei Daeron sentara no Trono de Ferro.
Ele e Egg esconderam-se atrás de um espinheiro. Dunk locali-
zou seu escudo e colocou-o em seu braço. Era uma coisa antiga, alta
e pesada, em formato de pipa, feita de pinho e com borda de ferro.
Ele havia comprado-o no Septo de Pedra para repor o escudo que
Longinch11 tinha feito em pedaços durante a luta. Dunk não tivera
tempo de mandá-lo para pintar seu olmo e sua estrela cadente nele,
então o escudo ainda carregava as insígnias de seu último dono: um
homem enforcado, balançando cinzento e sombriamente sob uma
árvore de cadafalso. Não era um emblema que ele teria escolhido
para si mesmo, porém, o escudo tinha saído barato.
Os primeiros homens a cavalo passaram galopando por eles
dentro de uns instantes; dois jovens fidalgos12 montados num par de
corcéis. O que estava no baio13 usava um elmo aberto na face feito de
aço dourado com três altas plumas de pena: uma branca, outra
vermelha e uma terceira dourada. A combinação de plumas ador-
nava as crinas de seu cavalo. O garanhão negro ao seu lado estava
equipado com um arreio azul e dourado. Seus ornamentos ondula-
vam com o vento causado por sua rápida passagem. Lado a lado, os
cavaleiros passavam por eles como raios, gritando e rindo, com suas
longas capas a fluir atrás deles.
11 Vi traduzido como “Dedo-Longo” no The Sworn Sword. 12 ”Lordling”, que também pode ser “pequeno senhor” ou “fidalgote”. 13 Cavalo de cauda e crina pretas.
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Um terceiro lorde seguiu-os mais tranquilamente, encabe-
çando uma longa coluna. Havia duas dúzias no grupo, cavalariços e
cozinheiros e servos, todos para atender aos três cavaleiros, além de
homens de armas e besteiros montados, e uma dúzia de carroças
carregadas de armaduras, tendas, e provisões. Pendurado na sela do
senhor estava seu escudo laranja escuro e estampado com três caste-
los negros.
Dunk conhecia aqueles emblemas, mas de onde? O lorde que
os carregava era um homem mais velho, melancólico e com amar-
gura em sua boca, de barba muito curta. Talvez ele tivesse estado em
Ashford Meadow14, Dunk pensou. Ou talvez nós tivéssemos servido
em seu castelo quando eu era escudeiro de Sor Arlan. O velho cava-
leiro errante serviu em tantas fortalezas e castelos diferentes através
dos anos que Dunk não se lembrava de metade deles.
O senhor freou bruscamente, com o cenho franzido em direção
ao espinheiro. “Você. No arbusto. Mostre-se.” Atrás dele, dois bestei-
ros puseram dardos no encaixe da besta. O resto prosseguiu com sua
caminhada.
Dunk passou pelo mato alto, de escudo no braço e com a mão
direita repousada sobre o punho de sua longa espada. Seu rosto era
uma máscara marrom-avermelhada devido à poeira levantada pelos
cavalos, e ele estava nu da cintura pra cima. Ele devia ter uma
aparência desleixada, e sabia disso, apesar de que provavelmente foi
sua altura que fez o outro parar. “Não queremos briga, senhor. Há
apenas nós dois, eu e meu escudeiro.” Ele fez um sinal para Egg jun-
tar-se a ele.
“Escudeiro? Você alega ser um cavaleiro?”
Dunk não gostava do jeito que o senhor olhava pra ele. Aque-
les olhos bastavam para esfolar um homem. Pareceu-lhe prudente
remover a mão da espada. “Sou um cavaleiro errante, procurando
por serviço.”
“Todo cavaleiro ladrão que enforquei dizia o mesmo. Seu es-
cudo parece ser profético, sor… caso você seja realmente um sor.
Uma árvore e um homem enforcado. Esse é seu brasão?” 14 Campo ou Campina de Vaufreixo.
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“Não, meu senhor. Preciso mandar o escudo para repintar.”
“Por quê? Roubou-o de um cadáver?”
“Eu o comprei, por um bom dinheiro.” Três castelos, preto num
fundo laranja… onde foi que os vi antes? “Eu não sou nenhum la-
drão.”
Os olhos do lorde eram lascas de pederneira. “Como você ga-
nhou essa cicatriz acima da bochecha? Foi um corte feito por algum
chicote?”
“Um punhal. Embora meu rosto não seja da sua conta, meu se-
nhor.”
“Eu julgo o que é ou não da minha conta.”
Àquela altura, os dois cavaleiros mais jovens voltaram aos tro-
tes para ver o que tinha atrasado o grupo. “Aí está você, Gormy,” cha-
mou o que montava o garanhão negro, um homem jovem, magro e
ágil, com um rosto formoso, bem barbeado e de feições finas. Cabe-
los negros caíam reluzentes na altura de seus ombros. Seu gibão era
de seda azul escuro com bordas douradas de cetim. Sobre seu peito,
uma cruz serrilhada havia sido bordada em linha dourada, com um
violino dourado no primeiro e terceiro quadrantes, e uma espada de
ouro no segundo e no quarto. Seus olhos capturaram o profundo
azul de seu gibão e brilharam de divertimento. “Alyn temeu que
você tivesse caído do seu cavalo. Uma desculpa palpável, me parece;
eu estava prestes a deixá-lo para trás, com minha poeira.
“Quem são esses dois salteadores?” indagou o homem montado
no baio.
Egg irritou-se com o insulto: “Você não tem o direito de cha-
mar-nos de salteadores, senhor. Quando vimos a poeira levantando-
se, pensamos que vocês que eram foras da lei — foi por esse único
motivo que nos escondemos. Este é Sor Duncan, o Alto15, e eu sou
escudeiro dele.”
Os fidalgos prestaram tão pouca atenção a isso quanto teriam
prestado ao coaxo de um sapo. “Creio que esse foi a maior palhaço
15 Duncan, The Tall.
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que já vi”, declarou o cavaleiro das três penas. Ele possuía um rosto
rechonchudo por baixo dos cabelos cacheados de cor mel escuro.
“Sete pés16, no mínimo, eu apostaria. Imagine o forte estrondo que
ele causaria ao cair.”
Dunk sentiu a cor subindo ao seu rosto. Você perderia sua
aposta, ele pensou. Na última vez que ele havia sido medido, o irmão
de Egg, Aemon17, declarou que ele tinha pouco menos de sete pés.
“Esse seria seu cavalo de guerra, Sor Gigante?” disse o fidalgo
das plumas. “Suponho que poderíamos matá-lo para arrumar um
pouco de carne.”
“Lorde Alyn frequentemente se esquece de sua cortesia,” o ca-
valeiro de cabelos negros falou. “Por favor, perdoe suas palavras
grosseiras, sor. Alyn, desculpe-se ao Sor Duncan.”
“Se é preciso. Você me perdoará, sor?” Ele não esperou por sua
resposta, mas sim, virou seu baio e trotou pela estrada.
O outro hesitou. “Você está indo para o casamento, sor?”
Algo em seu tom de voz fez com que Dunk quisesse fazer uma
reverência. Ele resistiu ao impulso e disse, “Nós queremos chegar até
a barca, senhor.”
“Assim como nós… mas os únicos senhores por aqui são
Gormy e aquele viajante que acabou de ir embora, Alyn Cockshaw.
Sou um cavaleiro errante assim como você. Sor John, o Violinista18,
eu me chamo.”
Aquele era um tipo de nome que um cavaleiro errante talvez
escolhesse, mas Dunk nunca viu nenhum outro vestido, armado ou
montado em tamanho esplendor. O cavaleiro errante de ouro, ele
pensou. “Você já sabe meu nome. Meu escudeiro chama-se Egg.”
“Prazer em conhecê-lo, sor. Venha, cavalgue conosco até
Whitewalls19 e quebre algumas lanças para ajudar Lorde Butterwell a
16 7 pés = 2,10m. 17 Esse é o meistre Aemon, o mesmo das Crônicas de Gelo e Fogo. 18 John The Fiddler. 19 Alvasparedes.
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celebrar seu novo casamento. Eu aposto que você conseguiria se sair
bastante bem.”
Dunk não participava de justas desde Ashford Meadow. Se eu
conseguisse ganhar algumas recompensas, poderíamos comer bem a
caminho do Norte, ele pensou, mas o senhor com três castelos no
escudo disse, “Sor Duncan precisa continuar sua jornada, e nós tam-
bém.”
John, o Violinista, não prestou atenção ao homem mais velho.
“Eu adoraria cruzar espadas contigo, sor. Já lutei com homens de
variados lugares e raças, mas nunca com um de sua altura. Seu pai
era tão grande como você?”
“Nunca conheci meu pai, sor.”
“Que pena ouvir isso. Meu próprio pai foi tirado de mim cedo
demais.” O Violinista se virou para o lorde dos três castelos. “Devía-
mos convidar Sor Duncan para juntar-se à nossa ótima companhia.”
“Não precisamos de gente do tipo dele.”
Dunk estava sem palavras. Cavaleiros errantes pobres não
eram frequentemente chamados para acompanhar lordes de alto
nascimento. Eu teria mais em comum com seus servos. Julgando
pelo tamanho da coluna deles, Lorde Cockshaw e o Violinista tinham
trazido criados para cuidar de seus cavalos, cozinheiros para ali-
mentá-los, escudeiros para limpar suas armaduras, guardas para de-
fendê-los. Dunk tinha Egg.
“Tipo dele?” O Violinista riu. “Que tipo seria este? Do tipo
grande? Olhe para o tamanho dele. Nós queremos homens robustos.
Espadas jovens valem mais do que velhos nomes, muitas vezes ouvi
dizer.”
“Por tolos. Você não sabe quase nada sobre esse homem. Ele
pode ser um salteador, ou um dos espiões de Lorde Bloodraven.”
“Não sou espião de ninguém,” falou Dunk. “E o senhor não tem
o direito de falar de mim como se eu estivesse surdo, morto ou lá em
Dorne.”
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Aqueles olhos duros refletiram sobre ele. “Lá em Dorne seria
um bom lugar para você, sor. Você tem minha permissão pra ir pra
lá.”
“Não ligue para ele,” o Violinista disse. “Ele é uma alma velha e
amargurada — ele suspeita de todos. Gormy, eu tenho um bom
pressentimento sobre esse rapaz. Sor Duncan, você virá conosco para
Whitewalls?”
“Meu senhor, eu…” Como ele poderia dividir um acampa-
mento com pessoas como eles? Seus servos levantariam seus pavi-
lhões, seus cavalariços escovariam seus cavalos, e seus cozinheiros
serviriam-lhes um capão ou um pedaço de carne, enquanto Dunk e
Egg roeriam tiras de carne dura e salgada. “Eu não poderia.”
“Você vê,” falou o lorde dos três castelos. “Ele conhece seu pró-
prio lugar, e sabe que não é conosco.” Ele virou o dorso do cavalo em
direção à estrada. “Neste instante, Lorde Cockshaw deve estar à meia
légua de distância.”
“Suponho que eu devo persegui-lo novamente.” O Violinista
deu a Dunk um sorriso apologético. “Talvez venhamos a nos encon-
trar de novo, algum dia. Espero que sim. Eu adoraria testar minha
lança contra você.”
Dunk não sabia como responder àquilo. “Boa sorte nas justas,
sor,” ele finalmente disse, mas até lá Sor John já havia se virado para
seguir a coluna. O lorde mais velho cavalgou atrás dele. Dunk estava
feliz por vê-lo de costas. Ele não havia gostado de seu olhar severo,
nem da arrogância de Lorde Alyn. O Violinista foi agradável o bas-
tante, mas havia algo estranho nele também. “Dois violinos e duas
espadas, uma cruz serrilhada,” ele disse a Egg enquanto observavam
a poeira deixada pela partida deles. “Que casa é essa?”
“Nenhuma, sor. Nunca vi aquele escudo em nenhum armo-
rial.”
Talvez ele seja um cavaleiro errante, afinal. Dunk tinha criado
seu próprio brasão em Ashford Meadow, quando uma titereira20 cha-
mada Tanselle Alta-Demais21 perguntou-lhe o que queria que ela 20 Quem manipula bonecos inanimados. 21 Tanselle Too-Tall.
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pintasse em seu escudo. “O lorde mais velho era algum parente da
Casa Frey?” Os Freys carregavam castelos desenhados em seus escu-
dos, e suas terras não estavam muito longe.
Egg revirou os olhos. “O símbolo dos Freys tem duas torres
azuis conectadas por uma ponte, num campo cinzento. Aqueles eram
três castelos, pretos sobre um fundo laranja, sor. Você viu alguma
ponte?”
“Não.” Ele só faz isso pra me irritar. “E da próxima vez que revi-
rar os olhos para mim, darei-lhe um tapa tão forte na orelha que eles
rolarão pra dentro de sua cabeça de vez.”
Egg parecia repreendido. “Eu nunca quis —”
“Não importa o que você quis. Só me diga quem ele era.”
“Gormon Peake, Lorde de Starpike.”
“Esse lugar fica lá na Campina22, não é? Ele realmente possui
três castelos?”
“Só no escudo dele, sor. A Casa Peake já possuiu três castelos
uma vez, mas dois deles foram perdidos.”
“Como se perde dois castelos?”
“Você luta pelo Dragão Negro, sor.”
“Oh.” Dunk sentiu-se estúpido. Aquilo novamente.
Por 200 anos, o reino foi governado pelos descendentes de
Aegon, o Conquistador23 e suas irmãs, que transformaram os Sete
Reinos em um só e forjaram o Trono de Ferro. Seu estandarte real
levava um dragão de três cabeças da Casa Targaryen, vermelho num
fundo preto. Dezesseis anos atrás, um filho bastardo de Aegon IV
chamado Daemon Blackfyre começou uma rebelião contra seu ir-
mão legítimo. Daemon usou o dragão de três cabeças em seu estan-
darte também, mas inverteu as cores, como era costume de muitos
bastardos. Sua rebelião acabou no Redgrass Field, onde Daemon e
seus dois filhos gêmeos morreram sob uma chuva de flechas do
Lorde Bloodraven. Os rebeldes sobreviventes que dobraram os joe-
22 The Reach. 23 Aegon The Conquerer.
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lhos foram perdoados, mas alguns perderam terras; outros, títulos; e
outros, ouro. Todos entregaram reféns para assegurar sua futura
lealdade.
Três castelos, preto sobre laranja. “Eu me recordo, agora. Sor
Arlan nunca gostou de falar do Redgrass Field, mas, uma vez
quando estava bêbado, ele me contou como o filho da irmã dele mor-
reu.” Ele quase conseguia ouvir a voz do velho homem de novo, e
sentir o cheiro de vinho em seu hálito. “Roger de Pennytree24, este
era seu nome. Sua cabeça foi esmagada por uma clava empunhada
por um lorde com três castelos em seu escudo.” Lorde Gormon
Peake. O velho homem nunca soube o nome dele. Ou nunca desejou
saber. Àquela altura, Lorde Peake e John, o Violinista, e seu grupo
não passavam de uma nuvem de poeira vermelha à distância. Foi há
dezesseis anos. O Pretendente25morreu, e aqueles que o apoiaram fo-
ram exilados ou perdoados. De qualquer forma, isso não tem nada a
ver comigo.
Durante um tempo, eles seguiram caminho sem conversar, só
ouvindo o lamurioso gorjear dos pássaros. Meia légua à frente, Dunk
limpou a garganta e falou, “Butterwell, ele disse. As terras dele estão
próximas?”
“No outro lado do lago, sor. Lorde Butterwell era o mestre da
moeda quando o Rei Aegon sentava no Trono de Ferro. Rei Daeron
tornou-o Mão, mas por pouco tempo. Seu emblema é de um verde
desbotado, branco e amarelo, sor.” Egg adorava exibir seus
conhecimentos sobre heráldica.
“Ele é um amigo de seu pai?”
Egg fez uma careta. “Meu pai nunca gostou dele. Na Rebelião,
o segundo filho de Lorde Butterwell lutou pelo pretendente, e seu
primogênito, pelo Rei. Dessa forma, ele se manteria no lado vence-
dor. Lorde Butterwell não lutou por ninguém.”
“Alguns podem chamar isso de prudência.”
“Meu pai chama isso de covardia.”
24 Pataqueira ou Centarbor. 25 The Pretender.
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Ah, sim, ele chama. Príncipe Maekar era um homem inflexível,
orgulhoso e cheio de desdém. “Nós temos que passar por Whitewalls
para chegar à Estrada do Rei. Que tal pararmos para comer?” Só de
pensar nisso, seu estômago já roncava. “Pode ser que um dos
convidados do casamento precise ser escoltado de volta à sua própria
cadeira.”
“Você disse que estávamos indo em direção ao norte.”
“A Muralha está de pé há oito mil anos; ela vai manter-se lá
por mais um tempo. São mil léguas daqui até lá, e poderíamos arru-
mar mais algumas pratas para nossa bolsa.” Dunk estava imagi-
nando-se em cima de Thunder, cavalgando pelo velho lorde de rosto
amargurado com os três castelos no escudo. Aquilo seria ótimo. “Foi
o escudeiro do velho Sor Arlan que o derrotou,” eu poderia dizer-lhe
quando ele fosse resgatar de volta sua armadura e suas armas. “O
menino que substituiu o garoto que você matou.” O velho homem
gostaria daquilo.
“Você não está pensando em participar das justas, está, sor?”
“Talvez seja a hora de fazê-lo.”
“Não é, sor.”
“Talvez seja a hora de eu te dar um bom tapa na orelha.” Eu só
preciso vencer duas disputas. Se eu pudesse coletar dois resgates e
pagar somente um, poderíamos comer como reis durante um ano.
“Se houvesse um combate, eu poderia participar dele.” O tamanho de
Dunk iria beneficiá-lo mais numa luta do que nas justas.
“Não é costumeiro ter um combate num casamento, sor.”
“Entretanto, é comum ter um banquete. Nós temos um longo
caminho a percorrer. Por que não iniciá-lo com nossas barrigas
cheias, para variar?”
P á g i n a | 18
CAPÍTULO 3
O sol estava se pondo quando eles avistaram o lago, com refle-
xos vermelhos e dourados, tão brilhantes como uma chapa de cobre
batido. Quando vislumbraram as torres da estalagem sob alguns
salgueiros, Dunk vestiu de novo sua túnica cheia de suor e parou
para jogar uma água no rosto. Ele limpou-se da poeira da estrada o
melhor que pôde e passou os dedos molhados pelos seus grossos tu-
fos de cabelos clareados pelo sol. Não havia nada a fazer com relação
ao seu tamanho ou à cicatriz que marcava sua bochecha, mas ele
queria parecer menos com um cavaleiro ladrão e selvagem.
A pousada era maior do que ele teria esperado; um lugar cin-
zento, grande e alastrado, composto por madeiras e torres, com me-
tade dele construído sobre pilastras por cima da água. Um caminho
de tábuas rudemente cortadas havia sido construído ao longo das
margens do lago lamacento até onde o barco era atracado, mas nem
o barco nem os barqueiros estavam à vista. Através da estrada encon-
trava-se um estábulo com telhado de palha. Um muro de pedra seca
cercava o pátio, mas o portão estava aberto. Lá dentro, eles acharam
um poço e um cocho com água. “Assegure-se dos animais,” Dunk
disse a Egg, “mas certifique-se de que eles não bebam muito. Eu pedi-
rei por um pouco de comida.”
Ele encontrou a estalajadeira varrendo os degraus. “Você veio
atrás da barca?” a mulher perguntou-lhe. “Você chegou tarde. O sol
está se pondo, e Ned não gosta de velejar de noite a não ser que a lua
esteja cheia. Ele estará de volta pela manhã, bem cedo.”
“Você sabe quanto ele cobra?”
“Três moedas por cada um de vocês, e dez pelos seus cavalos.”
“Temos dois cavalos e uma mula.”
“É dez por mulas também.”
Dunk fez as contas mentalmente, e chegou a um total de seis-e-
trinta moedas, mais do que ele esperava gastar. “Da última vez que
estive por aqui, custava só duas moedas, e seis por cavalos.”
P á g i n a | 19
“Reclame com Ned, não comigo. Se estiver procurando por
uma cama, não tenho nenhuma a oferecer. Lorde Shawney e Lorde
Costayne trouxeram suas comitivas. Estamos superlotados.”
“Lorde Peake também se encontra aqui?” Ele matou o escu-
deiro de Sor Arlan. “Ele estava com Lorde Cockshaw e John, o Violi-
nista.”
“Ned levou-os de barco em sua última viagem.” Ela olhou
Dunk da cabeça aos pés. “Você fazia parte da comitiva deles?”
“Nós os conhecemos na estrada, só isso.” Um cheiro bom che-
gava pelas janelas da estalagem, um que deixava Dunk com água na
boca. “Nós gostaríamos de um pouco do que você está assando, se
não for muito caro.”
“É javali,” a mulher falou, “bem apimentado, e servido com ce-
bolas, cogumelos e purê de nabo.”
“O purê não será necessário. Alguns pedaços do javali e uma
caneca da sua boa cerveja marrom serão o bastante para nós. Quanto
você está pedindo por tudo isso? E talvez pudéssemos arrumar um
lugar no chão do seu estábulo para dormir à noite?”
Aquilo foi um erro. “Os estábulos são feitos para cavalos. Por
isso que os chamamos de estábulos. Você é grande como um cavalo,
eu admito, porém, só vejo duas pernas.” Ela varreu com a vassoura
na sua direção, como que para enxotá-lo. “Não podem esperar que eu
alimente os Sete Reinos inteiros. O javali é para meus convidados.
Assim como minha cerveja. Não aturarei lordes dizendo que meus
estoques de comida e bebida tornaram-se insuficientes antes mesmo
que eles tivessem se saciados. O lago está cheio de peixes, e você
achará alguns outros tratantes acampados perto de uns tocos de ár-
vore. Cavaleiros errantes, caso acredite neles.” Seu tom de voz dei-
xava claro que ela não acreditava. “Talvez eles tenham comida para
dividir. Isso não é comigo. Agora vá embora, porque eu tenho traba-
lho a fazer.” A porta fechou com um sólido baque atrás dela, antes
que Dunk pudesse sequer pensar em perguntar onde ele poderia
achar esses acampamentos.
P á g i n a | 20
Ele encontrou Egg sentado no cocho do cavalo, mergulhando
seus pés na água e abanando o rosto com seu grande e maleável cha-
péu. “Eles estão assando porco, sor? Sinto cheiro de carne de porco.”
“Javali selvagem,” disse Dunk num tom carrancudo, “mas
quem quer javali quando temos uma boa carne de boi salgada?”
Egg fez uma careta. “Posso, por favor, comer minhas botas em
vez disso, sor? Eu farei um novo par com a carne de boi salgada. Ela
é mais dura.”
“Não,” disse Dunk, tentando não sorrir. “Você não pode comer
as próprias botas. Porém, mais uma palavra e você comerá meu pu-
nho. Remova os pés de dentro desse cocho.” Ele encontrou seu
grande elmo sobre a mula e atirou-o furtivamente a Egg. “Tire água
de dentro do poço e ensope a carne bovina.” Se não a molhasse por
um bom tempo, a carne salgada seria capaz de arrancar-lhe uns den-
tes. Tinha um gosto melhor quando ensopada em cerveja, mas água
serviria. “Tampouco use o cocho, pois não quero sentir o gosto dos
seus pés.”
“Meu pés poderiam somente melhorar o gosto, sor,” Egg falou,
mexendo seus dedos dos pés. Mas ele fez como lhe foi ordenado.
P á g i n a | 21
CAPÍTULO 4
Os cavaleiros errantes não foram difíceis de ser encontrados.
Egg avistou a fogueira deles tremeluzindo na floresta ao longo da
margem do lago, então se aproximaram, guiando os animais atrás
deles. O garoto carregou o elmo de Dunk debaixo de um braço,
esguichando a cada passo que dava. Naquela altura, o sol era uma
lembrança avermelhada no oeste. Em pouco tempo as árvores se
dispersaram, e eles se encontraram num lugar que antes deve ter
sido um bosque de represeiro. Somente um anel de tocos brancos e
um emaranhado de raízes pálidas como ossos restaram para mostrar
onde as árvores haviam ficado, quando as Crianças da Floresta
governavam em Westeros.
Entre os tocos de represeiro, eles encontraram dois homens
agachados perto de uma fogueira, passando um odre de vindo de
mão em mão. Seus cavalos estavam pastando no gramado além do
bosque, e eles empilharam suas armas e armaduras em montes bem
organizados. Um homem bem mais jovem sentou-se afastado dos
outros dois, com suas costas contra um castanheiro. “Bom encontrá-
los, sores,” Dunk gritou com ma voz alegre. Nunca foi sábio aproxi-
mar-se de homens armados e desprevenidos. “Eu me chamo Sor
Duncan, o Alto. Este rapaz é Egg. Podemos compartilhar sua fo-
gueira?”
Um homem robusto de idade mediana levantou-se para cum-
primentá-los, vestido com adornos elegantes. Extravagantes suíças
ruivas emolduravam seu rosto. “Bom encontrá-lo, Sor Duncan. Você
é um dos grandes… e muito bem-vindo, certamente, assim como seu
rapaz. Egg, não é? Que tipo de nome é esse, por acaso?”
“Um pequeno, sor.” Egg sabia que não seria bom admitir que
Egg era diminutivo de Aegon. Não a homens que ele não conhecia.
“De fato. O que aconteceu com seu cabelo?”
Vermes de raiz26, Dunk pensou. Diga-lhe que foram os vermes
de raiz, garoto. Era a história mais segura, a que contavam mais
26 Rootworms.
P á g i n a | 22
frequentemente… apesar de às vezes Egg cismar de jogar um jogo
infantil.
“Eu raspei-o, sor. Planejo mantê-lo assim até que eu ganhe mi-
nhas esporas.”
“Um voto nobre. Eu sou Sor Kyle, O Gato de Misty Moor27. Sob
aquele castanheiro está sentado Sor Glendon, ah, Ball. E aqui você
tem o bom Sor Maynard Plumm.”
A audição de Egg aguçou-se ao ouvir aquele nome. “Plumm…
você é parente do Lorde Viserys Plumm, sor?”
“Distante,” confessou Sor Maynard, um homem alto, magro e
encurvado com um longo e liso cabelo loiro, “embora duvide que
Sua Senhoria o admitisse. Pode-se dizer que ele é um dos Plumms
doces, enquanto eu sou um dos azedos.” A capa de Plumm era tão
roxa quanto seu nome28, apesar de estar desgastada nas bordas e mal
tingida. Um broche de pedra da lua tão grande quanto um ovo de
galinha a prendia ao ombro. Além disso, ele usava um manto áspero
de cor parda e couro marrom manchado29.
“Temos carne salgada,” disse Dunk.
“Sor Maynard tem um saco de maçãs,” disse Kyle, o Gato. “E eu
tenho ovos em vinagre e cebolas. Então, juntos temos os ingredientes
para fazer um banquete! Sente-se, sor. Nós temos ótimas opções de
tocos de árvore pro seu conforto. Ficaremos aqui até a metade da ma-
nhã, creio eu. Há apenas uma balsa, e não é grande o bastante para
todos nós. Os senhores e suas comitivas devem atravessar primeiro.”
“Ajude-me com os cavalos,” Dunk disse a Egg. Juntos, os dois
removeram as selas de Thunder, Rain e Maester.
Somente após os animais terem comido, bebido e sido amarra-
dos para passar a noite que Dunk aceitou o odre de vinho oferecido
por Sor Maynard. “Até mesmo vinho azedo é melhor que nenhum,”
falou Kyle, o Gato. “Beberemos melhores safras em Whitewalls.
Lorde Butterwell é conhecido por ter os melhores vinhos ao norte da
27 A tradução mais próxima é “Charneca Enevoada”. 28 “Plum” quer dizer “ameixa”. 29 Não sei se está certo. No original é “Elsewise he wore dun-colored
roughspun and stained brown leather”.
P á g i n a | 23
Árvore. Ele foi Mão do Rei uma vez, assim como o pai do pai dele
antes dele, e, além disso, ele é tido como um homem piedoso e
muito rico.”
“A riqueza dele provém das vacas,” afirmou Maynard Plumm.
“Ele deveria ter colocado um úbere inchado como seu emblema. Es-
ses Butterwells têm leite correndo em suas veias, e os Freys não são
melhores. Este será um casamento de ladrões de gado e coletores de
impostos, um monte de chacoalhadores de moedas unindo-se a ou-
tros. Quando o Dragão Negro se ergueu, esse senhor das vacas en-
viou um filho a Daemon e outro a Daeron, a fim de assegurar-se que
um Butterwell ficaria do lado vencedor. Ambos pereceram no
Redgrass Field, e seu filho mais novo morreu na primavera. Por isso
ele está fazendo esse novo casamento. Se a nova esposa dele não der
a ele um filho, o nome Butterwell morrerá com ele.”
“Como deve ser.” Sor Glendon Ball passou a pedra de amolar
pela sua espada outra vez. “O Guerreiro odeia covardes.”
O desprezo em sua voz fez Dunk olhar o jovem mais atenta-
mente. As vestes de Sor Glendon eram feitas com bom tecido, mas
estavam bem gastas e não combinavam, como se fossem de segunda
mão. Tufos de cabelo castanho escuro saíam por debaixo de seu
meio-elmo de ferro. O rapaz em si era baixo e corpulento, com
pequenos olhos juntos, ombros largos e braços musculosos. Suas
sobrancelhas eram desgrenhadas como duas lagartas após uma
primavera úmida, seu nariz era bulboso e seu queixo, belicoso. E ele
era jovem. Dezesseis, talvez. Não mais que dezoito. Dunk poderia
confundi-lo com um escudeiro se Sor Kyle não tivesse nomeado-o
com um sor. O garoto tinha espinhas nas bochechas no lugar de
costeletas.
“Há quanto tempo você é um cavaleiro?” Dunk perguntou-lhe.
“O suficiente. Completará meio ano quando a lua virar. Fui no-
meado cavaleiro por Sor Morgan Dunstable de Tumbler’s Falls30,
duas dúzias de pessoas viram, mas eu fui treinado pra cavalaria
desde que nasci. Eu montei a cavalo antes de começar a andar, e
arranquei o dente de um homem adulto antes de perder um dos
30 Cascata do Acrobata.
P á g i n a | 24
meus. Planejo ganhar fama em Whitewalls, e reivindicar o ovo de
dragão.”
“O ovo de dragão? É esse o prêmio que darão ao vencedor? Sé-
rio?” O último dragão morreu há meio século. No entanto, Sor Arlan
uma vez vira uma ninhada dos ovos dela. Eles eram duros como pe-
dra, ele disse, mas belos de se olhar, o velho homem confidenciara a
Dunk. “Como Lorde Butterwell adquiriu um ovo de dragão?”
“Rei Aegon deu o ovo de presente ao pai do pai dele após pas-
sar uma noite como hóspede em seu antigo castelo,” explicou Sor
Maynard Plumm.
“Foi uma forma de recompensá-lo por algum ato de bravura?”
perguntou Dunk.
Sor Kyle riu entre dentes. “Alguns podem dizer que sim. Apa-
rentemente, o velho Lorde Butterwell tinha três jovens filhas donze-
las quando Sua Graça pediu por sua hospitalidade. Na manhã se-
guinte, as três carregavam bastardos reais em suas barrigas. O traba-
lho de uma noite quente, aquela foi.”
Dunk já ouvira essa história antes. Aegon, o Indigno31 se deitou
com metade das donzelas do reino e fez bastardos em muitas delas,
supostamente. Pior, o antigo rei legitimou todos eles em seu leito de
morte; os de nascimento humilde que foram paridos por raparigas
de tabernas, prostitutas e filhas de pastores, e os Grandes Bastardos,
cujas mães eram de nascimento nobre. “Todos seríamos filhos bastar-
dos do antigo Rei Aegon, se metade das histórias fosse verdadeira.”
“E quem disse que não somos?” Sor Maynard brincou.
“Você deve vir conosco a Whitewalls, Sor Duncan,” incitou Sor
Kyle. “Seu tamanho certamente atrairá a visão de algum fidalgo.
Você pode encontrar algum serviço bom lá. Sei que eu encontrarei.
Joffrey Caswell estará nesse casamento, o Lorde de Ponte Amarga32.
Quando ele tinha três anos, eu fiz para ele sua primeira espada. Eu a
esculpi de pinho, para que se adaptasse a mão dele. Em meus dias de
juventude, minha espada estava juramentada ao pai dele.”
31 Aegon The Unworthy. 32 Bitterbrigde.
P á g i n a | 25
“Ela também foi esculpida com madeira de pinho?” Sor
Maynard perguntou.
Kyle, o Gato, teve elegância o suficiente para rir. “Aquela es-
pada era de bom aço, posso garantir a você. Eu devia estar feliz em
usá-la mais uma vez a serviço do centauro. Sor Duncan, mesmo que
você não queira justar, junte-se a nós no banquete do casamento. Ha-
verá cantores e músicos, malabaristas e acrobatas, e um grupo de
anões cômicos.”
Dunk franziu a testa. “Egg e eu temos uma longa jornada à
nossa frente. Estamos nos dirigindo ao norte, para Winterfell. Lorde
Beron Stark está reunindo espadas para expulsar as lulas gigantes de
suas costas permanentemente.”
“Lá em cima é frio demais para mim,” alegou Sor Maynard. “Se
quiser matar lulas gigantes, vá para oeste. Os Lannisters estão
construindo navios para contra-atacar os homens de ferro em suas
ilhas natal. Assim é que se põe um fim a Dagon Greyjoy. Lutando
contra ele em terra é inútil, ele apenas deslizará de volta pro mar.
Você precisa derrotá-lo na água.”
Aquilo tinha um tom de verdade, mas a perspectiva de lutar
contra homens de ferro no mar não era uma que Dunk apreciava.
Ele provou um pouco dela na White Lady, navegando de Dorne à
Vilavelha33, quando vestiu a armadura para ajudar a tripulação a
repelir alguns invasores34. A batalha tinha sido desesperadora e san-
grenta, e uma vez ele quase caiu na água. Aquilo teria sido seu fim.
“O trono devia aprender com Stark e Lannister,” declarou Sor
Kyle, o Gato. “Pelo menos eles lutam. O que Targaryens fazem? Rei
Aerys se esconde entre seus livros, Príncipe Rhaegel dança nu pelos
salões da Fortaleza Vermelha, e Príncipe Maekar aninha-se em
Solarestival35.”
Egg estava cutucando a fogueira com uma vara, fazendo faís-
cas flutuarem na noite. Dunk estava satisfeito em vê-lo ignorando a
33 Oldtown. 34 Pode significar “saqueadores” também. 35 Summerhall.
P á g i n a | 26
menção ao nome de seu pai. Talvez ele finalmente tenha aprendido a
segurar sua língua.
“Particularmente, culpo Bloodraven,” Sor Kyle prosseguiu. “Ele
é a Mão do Rei, e ainda assim ele não faz nada, enquanto as lulas
gigantes espalham chamas e terror de cima a baixo do Mar do Po-
ente36.”
Sor Maynard encolheu os ombros. “O olho dele está fixo em
Tyrosh, onde Bitterstell permanece em exílio, conspirando junto aos
filhos de Daemon Blackfyre. Por isso ele mantém os navios reais por
perto, com receio de que eles tentem cruzar o mar.”
“Sim, pode ser isso,” Sor Kyle falou, “mas muitos se alegrariam
com o regresso de Bittersteel. Bloodraven é a raiz de todos os nossos
males, o verme branco corroendo o coração do reino.”
Dunk fez uma carranca ao relembrar do septão corcunda no
Septo de Pedra. “Palavras como essas podem custar a cabeça de um
homem. Alguns podem alegar que você está falando de traição.”
“Como pode a verdade ser traição?” questionou Kyle, o Gato.
“Nos dias do Rei Daeron, um homem não tinha medo de dizer o que
pensa, mas e agora?” Ele fez um ruído grosseiro. “Bloodraven pôs Rei
Aerys no Trono de Ferro, mas por quanto tempo? Aerys é fraco, e
quando ele morrer, haverá uma guerra sangrenta entre Lorde Rivers
e Príncipe Maekar pela coroa, a Mão contra o herdeiro.”
“Você se esqueceu de Príncipe Rhaegel, meu amigo,” Sor
Maynard replicou, num tom suave. “Ele é o próximo na linha de
sucessão de Aerys, não Maekar, e seus filhos depois dele.”
“Rhaegel tem uma mente fraca. Claro, não desejo mal a ele,
mas o homem está praticamente morto, assim como aqueles gêmeos
dele, embora se eles morrerão pela maça de Maekar ou pelos feitiços
de Bloodraven…”
Que os Sete nos salvem, Dunk pensou ao ouvir Egg falar alto e
estridente. “Príncipe Maekar é irmão do Príncipe Rhaegel. Ele o ama
e quer bem. Ele nunca o machucaria e nem a seus…”
36 Sunset Sea.
P á g i n a | 27
“Quieto, menino.” Dunk rosnou para ele. “Esses cavaleiros não
querem a sua opinião.”
“Eu posso falar se eu quiser.”
“Não,” disse Dunk. “Não pode.” Essa boca sua vai acabar te ma-
tando um dia. E a mim também, provavelmente. “Aquela carne sal-
gada ficou embebida por tempo suficiente, creio eu. Uma tira para
todos os nossos companheiros, e seja rápido.”
Egg corou e, por meio segundo, Dunk temeu que o rapaz fosse
responder. Em vez disso, ele se conformou com um olhar carran-
cudo, fervendo de raiva como somente um menino de onze anos
consegue ferver. “Sim, sor,” disse ele, pegando na parte inferior do
elmo de Dunk. Sua cabeça raspada brilhava avermelhada na luz do
fogo conforme ele passava a carne salgada.
Dunk pegou seu pedaço e focou-se nele. Ao colocá-la de molho,
a carne passou de madeira para couro, mas foi só isso. Ele a sugou
por uma beirada, degustando o sal e tentando não pensar no javali
assado da estalagem, crepitando nos espetos e pingando gordura.
Ao anoitecer, um enxame de moscas e mosquitos surgiu do
lago. As moscas preferiram atormentar os cavalos, porém, os mos-
quitos preferiam o gosto de carne humana. A única maneira de se
prevenir das picadas era sentando próximo ao fogo, inalando fu-
maça. Cozinhar ou ser devorado, Dunk refletiu sombriamente, eis as
escolhas de um mendigo. Ele coçou o braço e aproximou-se do fogo.
O odre de vinho logo foi passado de volta para ele. O vinho era
azedo e forte. Dunk bebeu profundamente e passou adiante o odre, à
medida que o Gato de Misty Moor contava sobre quando salvara a
vida do Lorde de Ponte Amarga durante a Rebelião Blackfyre.
“Quando o porta-estandarte de Lord Armond caiu, desmontei do
meu cavalo, rodeado de traidores por todo lado —”
“Sor,” falou Glendon Ball. “Quem eram esses traidores?”
“Os homens de Blackfyre, quis dizer.”
A luz do fogo cintilava no aço na mão de Sor Glendon. As bexi-
gas em seu rosto brilhavam tão vermelhas quanto feridas abertas, e
P á g i n a | 28
cada um dos seus tendões estavam apertados com a força de uma
besta. “Meu pai lutou pelo Dragão Negro.”
Isso de novo. Dunk bufou. Vermelho ou Negro? Não era algo
que se perguntava a alguém. Sempre causava confusão. “Estou certo
de que Sor Kyle não pretendia insultar seu pai.”
“Não mesmo,” concordou Sor Kyle. “É apenas uma velha histó-
ria, o Dragão Vermelho e o Negro. Não faz sentido brigar por causa
disso agora, rapaz. Somos todos irmãos de estrada37 aqui.”
Sor Glendon parecia pesar as palavras do Gato, para ver se es-
tava sendo escarnecido. “Daemon Blackfyre não era um traidor. O
antigo rei deu a espada a ele. Ele viu quão valioso Daemon era, em-
bora este tivesse nascido bastardo. Por qual outro motivo ele colocou
Blackfyre na mão dele do que na de Daeron? Ele planejava que ele
governasse o reino também. Daemon era um homem melhor.”
Um silêncio se abateu. Dunk conseguia ouvir o suave crepitar
do fogo. Ele podia sentir mosquitos andando na parte de trás do seu
pescoço. Ele estapeou-os, observando Egg e desejando que ele
permanecesse quieto. “Eu era apenas um garoto quando eles lutaram
no Redgrass Field,” disse ele, quando pareceu que ninguém ia falar
algo, “mas fui escudeiro de um cavaleiro que lutou pelo Dragão
Vermelho, e posteriormente servi a outro que guerreou pelo Negro.
Havia homens valentes em ambos os lados.”
“Homens valentes,” repetiu Kyle, o Gato, um tanto debil-
mente.
“Heróis.” Glendon Ball virou seu escudo para que todos pudes-
sem ver o símbolo pintado nele, uma bola de fogo flamejante verme-
lha e amarela num campo negro como a noite, “Venho da linhagem
de um herói.”
“Você é filho de Fireball38,” Egg falou.
Aquela foi a primeira vez que viram Sor Glendon sorrir.
37 “Hedge” significa “cerca viva”, perto da qual os cavaleiros errantes
dormem. Deixei como “estrada” para não perder o sentido. 38 Bola de Fogo.
P á g i n a | 29
Sor Kyle, o Gato, examinou o menino atentamente. “Como
pode ser? Quantos anos você tem? Quentyn Ball morreu —”
“— antes de eu nascer,” Sor Glendon terminou, “mas, em mim,
ele vive novamente.” Ele guardou sua espada na bainha. “Mostrarei a
vocês em Whitewalls, quando eu reivindicar o ovo de dragão.”
P á g i n a | 30
CAPÍTULO 5
O dia seguinte provou a verdade da profecia de Sor Kyle. A
balsa de Ned era de modo algum grande o bastante para acomodar
todos que queriam atravessar, então Lordes Costayne e Shawney tive-
ram que ir primeiro, com suas comitivas. Foram necessárias várias
viagens para isso, cada uma levando mais de uma hora. Havia loda-
çais com quais lidarem, cavalos e vagões para serem movidos sobre
as tábuas, carregados no barco e descarregados novamente do outro
lado do lago. Ambos os senhores atrasaram mais as coisas quando
engajaram numa barulhenta briga sobre precedência. Shawney era o
mais velho, mas Costayne se considerava de melhor nascimento.
Dunk nada podia fazer exceto esperar e sufocar de calor. “Po-
deríamos ir primeiro se você deixar-me usar minha bota,” Egg falou.
“Poderíamos,” Dunk replicou, “mas não vamos. Lorde Costayne
e Lorde Shawney chegaram antes de nós. Além disso, eles são senho-
res.”
Egg fez uma careta. “Senhores rebeldes.”
Dunk franziu o cenho para ele. “Como assim?”
“Eles estavam do lado do Dragão Negro. Bem, Lorde Shawney
estava, assim como o pai de Lorde Costayne. Aemon e eu costumáva-
mos jogar a batalha na mesa verde de Meistre Melaquin, com solda-
dos pintados e pequenos estandartes. O brasão de Costayne era divi-
dido em quatro partes com um cálice de prata sobre um fundo preto
e com uma rosa preta sobre a cor dourada. Aquele estandarte estava
à esquerda da tropa de Daemon. Shawney estava com Bittersteel na
direita, e quase morreu dos ferimentos.”
“Uma velha história morta. Eles estão aqui agora, não estão?
Então eles dobraram os joelhos, e Rei Daeron perdoou-lhes.”
“Sim, porém —”
Dunk apertou os lábios do garoto de modo a fechá-los. “Segure
sua língua.”
P á g i n a | 31
Egg segurou a língua.
A última carga do barco mal fora retirada pelos homens de
Shawney, e Lorde e Lady Smallwood apareceram no local de desem-
barque com sua própria comitiva, então eles tiveram que aguardar
novamente.
A companhia dos errantes não durara toda a noite, era óbvio de
se notar. Sor Glendon manteve sua própria companhia, espinhoso e
mal-humorado. Kyle, o Gato, julgou que não lhes deixariam entrar
na balsa antes do meio-dia, então ele separou-se dos outros para ten-
tar confraternizar com Lorde Smallwood, com quem tinha uma leve
familiaridade. Sor Maynard passou seu tempo fofocando com o
estalajadeiro.
“Fique longe daquele lá,” Dunk alertou Egg. Havia algo em
Plumm que o perturbava. “Ele pode ser um cavaleiro assaltante, pelo
que sabemos.”
O aviso apenas pareceu aumentar o interesse de Egg por Sor
Maynard. “Nunca conheci um cavaleiro assaltante. Você acha que ele
pretende roubar o ovo de dragão?”
“Lorde Butterwell manterá o ovo bem guardado, tenho cer-
teza.” Dunk coçou as mordidas de mosquito em seu pescoço. “Você
acha que ele o exibirá no festim? Eu gostaria de dar uma olhada em
um.”
“Eu lhe mostraria o meu, sor, mas está em Solarestival.”
“O seu? Seu ovo de dragão?” Dunk franziu a testa para o me-
nino, se perguntando se aquilo era uma brincadeira. “Onde você o
arrumou?”
“De um dragão, sor. Colocaram-no em meu berço.”
“Você quer um tapa na orelha? Não há dragões.”
“Não, mas há ovos. O último dragão deixou uma ninhada de
cinco, e há mais em Pedra do Dragão39, alguns antigos anteriores à
Dança40. Meus irmãos também os têm. O de Aerion parece ter sido 39 Dragonstone. 40 Dança dos Dragões, que foi a guerra entre Rhaenyra e seu meio-irmão,
Aegon II pelo trono. Nela, alguns dragões morrerão em combate.
P á g i n a | 32
feito de ouro e prata, com veias de fogo passando por ele. O meu é
branco e verde, todo em espiral.”
“Seus ovos de dragão.” Colocaram-nos em seu berço. Dunk ti-
nha se acostumado tanto com Egg que às vezes esquecia-se de que
Aegon era um príncipe. Óbvio que colocaram um ovo de dragão
dentro de seu berço. “Bom, assegure-se de não mencionar esse ovo
em lugares onde você possa ser ouvido.”
“Não sou burro, sor.” Egg abaixou a voz. “Um dia os dragões
retornarão. Meu irmão Daeron sonhou com isso, e Rei Aerys leu isso
numa profecia. Talvez seja meu ovo que chocará. Isso seria esplên-
dido.”
“Seria?” Dunk tinha suas dúvidas.
Mas Egg não. “Aemon e eu costumávamos fingir que foram os
nossos ovos que eclodiram. Caso o fizessem, poderíamos voar pelo
céu nas costas de um dragão, como o primeiro Aegon e suas irmãs.”
“Sim, e se todos os outros cavaleiros do reino morressem, eu
me tornaria o Senhor Comandante da Guarda Real. Se esses ovos são
tão preciosos assim, por que Lorde Butterwell está abrindo mão de-
les?”
“Para mostrar ao reino quão rico ele é?”
“Imagino que sim.” Dunk coçou seu pescoço novamente e
olhou de relance para Sor Glendon Ball, que estava soltando as cin-
chas da sua sela enquanto aguardava pelo barco. Aquele cavalo
nunca servirá. A montaria de Sor Glendon era um cavalo sem valor e
com as costas curvadas, pequeno e velho. “O que você sabe sobre o
pai dele? Por que o chamam de Fireball?”
“Devido ao seu pavio curto e cabelos ruivos. Sor Quentyn Ball
era o mestre de armas na Fortaleza Vermelha. Ele ensinou meu pai e
meus tios a lutar. Aos Grandes Bastardos também. Rei Aegon prome-
teu-lhe que daria a ele um lugar na Guarda Real, então Fireball fez
sua esposa juntar-se às irmãs silenciosas. Porém, quando abriu uma
vaga, Rei Aegon estava morto e Rei Daeron nomeou Sor Willen
Wylde em seu lugar. Meu pai diz que foi Fireball, assim como
Bittersteel, quem convenceu Daemon Blackfyre a reivindicar a coroa,
P á g i n a | 33
e quem o resgatou quando Daeron enviou a Guarda Real para
prendê-lo. Mais tarde, Fireball matou Lorde Lefford nos portões de
Lannisporto e mandou o Leão Cinza41 correndo de volta para se
esconder dentro do Rochedo. Na travessia do Rio Vago42, ele derru-
bou os filhos de Lady Penrose um por um. Dizem que poupou a vida
do mais novo como um favor à mãe dele.”
“Foi nobre da parte dele,” Dunk tinha de admitir. “Sor Quentyn
morreu no Redgrass Field?”
“Antes disso, sor,” Egg respondeu. “Um arqueiro enfiou uma
seta em sua garganta enquanto ele desmontava do cavalo para beber
água num riacho. Foi algum homem comum, ninguém sabe quem.”
“Esses homens comuns podem ser perigosos quando colocam
na cabeça a ideia de começar a assassinar lordes e heróis.” Dunk avis-
tou a balsa deslizando lentamente pelo lago. “Lá vem ela.”
“É lenta. Iremos para Whitewalls, sor?”
“Por que não? Quero ver esse ovo de dragão.” Dunk sorriu. “Se
eu vencer o torneio, ambos teremos ovos de dragão.”
Egg lançou-lhe um olhar duvidoso.
“O que foi? Por que está me olhando desse jeito?”
“Eu poderia lhe dizer, sor,” o menino disse solenemente, “mas
preciso aprender a segurar minha língua.”
41 Grey Lion. 42 Mander, em inglês.
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CAPÍTULO 6
Os cavaleiros errantes foram colocados abaixo do sal43, mais
perto das portas do que do trono.
Whitewalls era um castelo relativamente novo, tendo sido
construído há meros quarenta anos pelo avô do atual senhor. Os ple-
beus44 das redondezas chamavam-no de Milkhouse45, devido às suas
paredes, fortalezas e torres serem feitas de pedras brancas finamente
decoradas, que foram escavadas no Vale e trazidas pelas montanhas
com uma alta despesa. Do lado de dentro havia pisos e pilares de
mármore branco leitoso com veios de ouro; e suas vigas foram
esculpidas de troncos de represeiro pálidos como osso. Dunk não
conseguia sequer imaginar quanto tudo aquilo deve ter custado.
Apesar disso, o salão não era tão grande quanto alguns outros
que ele conhecera. Pelo menos a nossa presença é permitida sob o
teto, Dunk pensou enquanto se sentava no banco entre Sor Maynard
Plumm e Kyle, o Gato. Embora não tivessem sido convidados, os três
foram bem recebidos no festim suficientemente rápido; dava má
sorte recusar hospitalidade a um cavaleiro no dia do casamento.
O jovem Sor Glendon teve algumas dificuldades, no entanto.
“Fireball nunca teve um filho,” Dunk escutou o intendente de Lorde
Butterwell dizer-lhe em voz alta. O adolescente respondeu acalorada-
mente, e o nome de Sor Morgan Dunstable foi mencionado diversas
vezes, mas o intendente permaneceu inflexível. Quando Sor Glendon
tocou a bainha da espada, uma dúzia de soldados apareceu com lan-
ças na mão e, por um momento, pareceu que haveria derramamento
de sangue. Somente a intervenção de um cavaleiro grande e loiro
chamado Kirby Pimm foi capaz de acalmar a situação. Dunk encon-
trava-se longe demais para ouvir, mas ele viu Pimm passar um braço
pelos ombros do intendente e murmurar no seu ouvido, rindo. O
intendente franziu o cenho, e disse algo a Sor Glendon que fez o
rosto do garoto ficar vermelho escuro. Parece que ele está quase cho-
43 Quer dizer algo como estar afastado do anfitrião e dos nobres, num lugar
menos privilegiado. 44 “Smallfolk”. 45 “Casa do leite”, em tradução literal.
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rando, Dunk refletiu, observando. Ou isso, ou prestes a matar al-
guém. Após tudo aquilo, o jovem cavaleiro finalmente foi admitido
dentro do salão do castelo.
O pobre Egg não foi tão sortudo. “O grande salão é somente
para lordes e cavaleiros,” um copeiro informou-os arrogantemente
quando Dunk tentou entrar com o menino. “Nós arrumamos mesas
no pátio interno para escudeiros, cavalariços e soldados.”
Se você tivesse ideia de quem ele é, o colocaria no tablado so-
bre um trono almofadado. Dunk não tinha gostado da aparência dos
outros escudeiros. Alguns eram rapazes da mesma idade de Egg, mas
a maioria deles era mais velha, combatentes amadurecidos que há
muito tempo escolheram servir um cavaleiro em vez de se tornarem
um. Será mesmo que tiveram uma escolha? Se tornar cavaleiro
requeria mais do que entender sobre a cavalaria e ter habilidades
com as armas; necessitava de cavalo, espada e armadura também, e
tudo isso era caro. “Cuidado com a língua,” ele disse a Egg antes de
deixá-lo em tais companhias. “Esses são homens crescidos; eles não
aturarão de bom grado a sua insolência. Sente-se, coma e ouça, e tal-
vez você aprenda algumas coisas.”
De sua parte, Dunk estava feliz por estar fora do sol quente,
com um copo de vinho à sua frente e uma chance de encher a bar-
riga. Até mesmo um cavaleiro errante se cansa de mastigar cada pe-
daço de comida por meia hora. Ali abaixo do sal, a comida seria mais
simples do que sofisticada, mas não haveria falta dela. Abaixo do sal
estava bom o bastante para Dunk.
Porém, o orgulho de um camponês é a vergonha de um fi-
dalgo, o velho homem costumava dizer. “Este não pode ser o lugar
mais apropriado para mim,” Sor Glendon Ball disse ao copeiro
fervorosamente. Ele tinha vestido um gibão limpo para o banquete,
uma elegante vestimenta velha com cordão de ouro nos punhos e no
colarinho e uma divisa vermelha em forma de V, e placas brancas
cosidas em seu peito. “Você sabe quem foi meu pai?”
“Um nobre cavaleiro e um poderoso senhor, não duvido,” disse
o copeiro, “mas o caso é o mesmo de muitos aqui. Por favor, sente-se
ou vá embora, sor. Dá no mesmo para mim.”
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No final, o garoto sentou-se abaixo do sal com o resto deles,
sua boca carrancuda. O longo salão branco estava se enchendo con-
forme os cavaleiros lotavam os bancos. A multidão era maior do que
Dunk antecipara, e, pelo que parecia, alguns dos convidados haviam
percorrido um longo caminho. Egg e ele nunca estiveram cercados
de tantos lordes e cavaleiros desde Ashford Meadow, e não tinha
como adivinhar quem apareceria a seguir. Devíamos ter ficado lá nas
estradas, dormindo sob as árvores. Se eu for reconhecido…
Quando um servo pôs uma porção de pão preto nos panos dis-
postos diante de cada um deles, Dunk ficou grato pela distração. Ele
serrou o pedaço longitudinalmente, escavou a metade inferior como
se estivesse trinchando o pão46, e comeu a superior. Estava duro, mas,
comparado com a carne salgada dele, parecia tão mole quanto um
creme. Pelo menos não precisava ser encharcado de cerveja ou leite
ou água para torná-lo macio o bastante para mastigar.
“Sor Duncan, você aparenta estar atraindo um bocado de aten-
ção,” Sor Maynard Plumm observou quando Lorde Vyrwel e seu
grupo passaram desfilando por eles em direção aos lugares de
grande honra na parte superior do salão. “Aquelas garotas lá no ta-
blado não parecem conseguir tirar os olhos de você. Aposto que elas
nunca viram um homem tão grande. Mesmo estando sentado, você é
meia cabeça mais alto do que qualquer homem do salão.”
Dunk encolheu os ombros. Ele estava acostumado a ser enca-
rado; no entanto, não significava que ele gostava disso. “Deixe-as
olhar.”
“Aquele lá abaixo do palanque é o Old Ox47,” Sor Maynard fa-
lou. “Dizem que ele é um homem enorme, mas parece-me que a bar-
riga é a maior coisa nele. Você é um gigante perto dele.”
“Certamente, sor,” falou um dos seus companheiros no banco,
um homem pálido e soturno, vestido em cinza e verde. Seus olhos
eram pequenos e astutos, e posicionavam-se próximos um ao outro
sob as finas sobrancelhas arqueadas. Uma barba preta e bem arru-
mada emoldurava sua boca, para compensar pelo seu cabelo recu-
46 Não sabia como traduzir o final da frase “… for a trencher”. 47 Literalmente, “Velho Boi”.
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ado. “Em um campo como esse, seu tamanho por si só fará de você
um dos competidores mais formidáveis.”
“Soube que o Bruto de Bracken48 talvez venha,” disse outro ho-
mem sentado mais para baixo do banco.
“Acho que não,” falou o homem de verde e cinza. “Estas são só
algumas justas para celebrar as núpcias de Sua Senhoria. Uma dis-
puta no pátio para marcar uma disputa entre os lençóis. Mal vale o
incômodo para pessoas como Otho Bracken.”
Sor Kyle, o Gato, tomou um gole de vinho. “Aposto que meu
senhor de Butterwell também não entrará em campo. Ele torcerá pe-
los campeões no camarote de seu senhor, protegido do sol.”
“Então ele verá seus campeões caírem,” gabou-se Sor Glendon
Ball, “e no final, ele dará seu ovo a mim.”
“Sor Glendon é o filho de Fireball,” Sor Kyle explicou ao novo
homem. “Podemos ter a honra de saber seu nome, sor?”
“Sor Uthor Underleaf. O filho de ninguém importante.” As ves-
tes de Underleaf eram de bom tecido, limpas e bem cuidadas, mas de
corte simples. Uma fivela de prata no formato de um caracol prendia
seu manto. “Se sua lança for igual à sua língua, Sor Glendon, você
poderá até mesmo ser um concorrente desse grande companheiro.”
Sor Glendon olhou para Dunk enquanto o vinho estava sendo
servido. “Se nos encontrarmos, ele cairá. Não me importo com quão
grande ele é.”
Dunk observou um criado encher seu copo de vinho. “Sou me-
lhor com uma espada do que com uma lança,” ele admitiu, “e me-
lhor ainda com um machado de batalha. Haverá uma luta aqui?” Seu
tamanho e sua força o colocariam numa boa posição numa luta, e
ele sabia que seria tão bom quanto os demais. Justar era outra ques-
tão.
“Uma luta? Num casamento?” Sor Kyle parecia chocado. “Isso
seria impróprio.”
48 Brute of Bracken.
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Sor Maynard riu. “Há apenas a justa, temo eu, mas além do ovo
de dragão, Lorde Butterwell prometeu trinta dragões de ouro para o
perdedor do último duelo, e dez pra cada cavaleiro derrubado na ro-
dada anterior.”
Dez dragões não é tão ruim. Dez dragões dariam pra comprar
um palafrém, então Dunk não precisaria montar Thunder, exceto
em batalha. Dez dragões comprariam um conjunto de placas para
Egg e um pavilhão apropriado pra um cavaleiro, costurado com a
árvore e a estrela cadente de Dunk. Dez dragões significariam ganso
assado, presunto e torta de pombo.
“Há resgates também, para aqueles que vencerem suas parti-
das,” Sor Uther disse ao remover o interior do pão, “e eu ouvi um ru-
mor de que alguns homens fazem apostas nos combates. O próprio
Lorde Butterwell não é chegado em assumir riscos, mas entre seus
convidados há alguns que apostam bastante.”
Assim que acabou de falar, Ambrose Butterwell fez sua entrada
ao toque de trombetas vindas da galeria do menestrel. Dunk juntou-
se aos outros quando Butterwell acompanhou, de braços dados, a sua
nova noiva através de um tapete de Myr até o tablado. A garota tinha
quinze anos e recém-florescida; seu senhor marido, cinquenta anos e
recém-viúvo. Ela estava de rosa e ele, de cinza. Seu manto de noiva
arrastava-se atrás dela, ondeado de verde, branco e amarelo. Parecia
tão quente e pesado que Dunk perguntou-se como ela aguentava
vesti-lo. Lorde Butterwell parecia estar com calor e pesado, com suas
papadas pesadas e ralo cabelo loiro.
O pai da noiva a seguia de perto, de mãos dadas com o filho
mais velho dele. Lorde Frey da Travessia era um homem esguio e
elegante em azul e cinza; seu herdeiro era um menino sem queixo
de quatro anos de cujo nariz escorria ranho. Lordes Costayne e Risley
vieram a seguir, com as suas senhoras esposas, filhas de Lorde
Butterwell com sua primeira esposa. As filhas de Frey seguiram com
seus próprios maridos. Então veio Lorde Gormon Peake; Lordes
Smallwood e Shwaney; vários senhores menores e cavaleiros donos
de terra. Dentre eles, Dunk avistou John, o Violinista, e Alyn
Cockshaw. Lorde Alyn parecia estar bêbado, apesar de o festim ainda
não ter propriamente começado.
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Após todos eles terem caminhado até o estrado, a mesa princi-
pal ficou tão lotada quanto os bancos. Lorde Butterwell e sua noiva
sentaram em almofadas redondas e macias num trono duplo de
carvalho dourado. O restante deles sentou-se em cadeiras altas com
braços caprichosamente entalhados. Na parede atrás deles, dois gran-
des estandartes pendiam das vigas: as torres gêmeas de Frey, azul no
cinza, e o ondulado verde, branco e amarelo dos Butterwells.
Coube ao Lorde Frey conduzir os brindes. “Ao rei!” ele come-
çou simplesmente. Sor Glendon segurou seu copo de vinho sobre a
bacia de água. Dunk fez seu copo tinir contra o dele, contra o do Sor
Uthor e o do resto também. Eles beberam.
“Lorde Butterwell, nosso gracioso anfitrião,” Frey proclamou a
seguir. “Que o Pai dê a ele uma vida longa e muitos filhos.”
Eles beberam novamente.
“Lady Butterwell, a noiva donzela, minha querida filha. Que a
Mãe a faça fértil.” Frey sorriu pra garota. “Eu quero um neto antes
do fim do ano. Gêmeos seria ainda melhor, então bata bastante a
manteiga hoje à noite, minha querida.”
Risadas ruíram contra o teto, e os convidados beberam mais
uma vez. O vinho era rico, vermelho e doce.
Então Lorde Frey disse, “Um brinde à Mão do Rei, Brynden
Rivers, e que a Velha ilumine seu caminho em direção à sabedoria.”
Ele levantou sua taça até o alto e bebeu, junto ao Lorde Butterwell e
sua esposa e aos outros no palanque. Abaixo do sal, Sor Glendon vi-
rou seu copo para derramar seu conteúdo no chão.
“Um triste desperdício de bom vinho,” falou Maynard Plumm.
“Não bebo em homenagem a assassinos de parentes,” disse Sor
Glendon. “Lorde Bloodraven é um feiticeiro e um bastardo.”
“Nascido bastardo,” Sor Uthor concordou brandamente, “mas o
pai real dele legitimou-o em seu leito de morte.” Ele bebeu profunda-
mente, assim como Sor Maynard e muitos outros no salão. Quase o
mesmo número de pessoas abaixaram seus copos, ou os viraram de
cabeça para baixo assim como Ball fizera. O próprio copo de Dunk
P á g i n a | 40
estava pesado em sua mão. Quantos olhos Lorde Bloodraven tem? o
enigma dizia. Mil olhos, e um.
Foi brinde após brinde, alguns propostos por Lorde Frey e al-
guns pelos demais. Eles beberam pelo jovem Lorde Tully, suserano
de Lorde Butterwell, que havia se ausentado do casamento. Beberam
pela saúde de Leo Longthorn, Lorde de Jardim de Cima 49 , que
supostamente estava doente. Beberam em memória a seus bravos
falecidos. Sim, pensou Dunk, eu alegremente beberei por eles.
Sor John, o Violinista, propôs o último brinde. “Aos meus bra-
vos irmãos! Sei que eles estão sorrindo esta noite!”
Dunk não pretendia beber tanto, por causa das juntas no dia se-
guinte, mas os copos eram enchidos novamente após cada brinde, e
ele tinha descoberto que estava com sede. “Nunca recuse um copo de
vinho ou um chifre de cerveja,” Sor Arlan uma vez lhe dissera, “pode-
se passar um ano antes de você ver outro.” Teria sido descortês não
brindar à noiva e ao noivo, ele disse a si mesmo, e perigoso não be-
ber ao rei e à sua Mão, com estranhos por perto.
Misericordiosamente, o brinde do Violinista foi o último. Lorde
Butterwell levantou-se pesadamente para agradecê-los por terem
vindo e prometer uma boa justa no dia seguinte. “Que comece o ban-
quete!”
Leitão foi servido na mesa principal, um pavão assado com sua
plumagem e um lúcio grande com crosta de amêndoas trituradas.
Nem um pedacinho daquilo foi servido nas mesas abaixo do sal. Em
vez de leitão, foi-lhes servido porco salgado embebido em leite de
amêndoas e agradavelmente apimentado. No lugar de pavão, eles
receberam capões, com uma crosta boa e marrom por cima e rechea-
dos com cebolas, ervas, cogumelos, e castanhas torradas. No lugar de
lúcio, comeram pedaços de bacalhau branco escamoso em um pastry
coffyn50, com algum tipo de molho castanho saboroso que Dunk não
conseguia identificar. Além disso, havia mingau de ervilha, nabos
amanteigados, cenouras regadas com mel, e um queijo maduro
49 Highgarden. 50 Pelo que pesquisei, seria algo como um recipiente feito de massa assada
dura que serve para assar a comida.
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branco que cheirava tão forte como Bennis do Escudo Marrom51.
Dunk comeu bem, mas o tempo todo pensou no que estava sendo
servido a Egg no pátio. Por precaução, ele enfiou metade de um ca-
pão no bolso de seu casaco, com alguns pedaços de pão e um pouco
do queijo fedorento.
Enquanto comiam, flautas e violinos enchiam o ar com
espirituosas melodias, e a conversa se voltou às justas do dia se-
guinte. “Sor Franklyn Frey é bem visto ao longo de Green Fork52,”
disse Uthor Underleaf, que parecia conhecer bem esses heróis locais.
“É aquele em cima do tablado, o tio da noiva. Lucas Nayland é lá de
Atoleiro da Bruxa53, e ele não deve ser menosprezado. Sor Mortimer
Boggs, de Crackclaw Point54, também não. Ademais, esse deve ser
um torneio de cavaleiros de casa e heróis do povoado. Kirby Pimm e
Galtry, o Verde, são os melhores daqueles, embora nenhum seja pá-
reo para o genro de Lorde Butterwell, Black Tom Heddle. Um pouco
sórdido, aquele é. Dizem que ele ganhou a mão da filha mais velha
de Sua Senhoria ao matar três de seus pretendentes, e que uma vez
derrubou o Lorde de Casterly Rock.”
“Qual, jovem Lorde Tybolt?” questionou Sor Maynard.
“Não, o velho Leão Cinza, aquele que morreu na primavera.”
Era assim como os homens se referiam àqueles que pereceram du-
rante a Doença da Grande Primavera. Ele morreu na primavera.
Dezenas de milhares morreram na primavera, dentre eles um rei e
dois jovens príncipes.
“Não menospreze Sor Buford Bulwer,” falou Kyle, o Gato. “O
Old Ox matou quarenta homens no Redgrass Field.”
“E a cada ano sua contagem vai aumentando,” disse Sor
Maynard. “Os dias de Bulwer se foram. Olhem para ele. Passou dos
sessenta anos, está mole e gordo, e seu olho direito está praticamente
cego.”
“Não se incomode em procurar o campeão pelo salão,” uma
voz atrás de Dunk falou. “Aqui estou eu, sores. Deleitem seus olhos.”
51 Brown Shield. 52 Forca Verde. 53 Hag’s Mire. 54 Ponta da Garra Rachada.
P á g i n a | 42
Dunk se virou e encontrou Sor John, o Violinista, pairando so-
bre ele com um meio sorriso nos lábios. Seu gibão de seda branca
tinha mangas desgrenhadas revestidas com cetim vermelho, tão
longo que suas pontas pendiam até abaixo de seus joelhos. Uma pe-
sada corrente de prata enrolava-se pelo seu peito, repleta de enormes
ametistas escuras cuja cor combinava com seus olhos. Aquela cor-
rente vale tanto quanto tudo o que tenho, refletiu Dunk.
O vinho coloriu as bochechas e inflamou as espinhas de Sor
Glendon. “Quem é você para vangloriar-se desse jeito?”
“Chamam-me de John, o Violinista.”
“Você é um músico ou um guerreiro?”
“Acontece que posso fazer belas canções, seja com uma lança,
seja com um arco resinado. Todo casamento requer um cantor, e
todo torneio precisa de um cavaleiro misterioso. Posso me juntar a
vocês? Butterwell foi bondoso o bastante para me pôr no estrado,
mas prefiro a companhia de meus companheiros cavaleiros errantes
à de senhoras gordas e rosadas e de homens velhos.” O Violinista ba-
teu no ombro de Dunk. “Seja um bom camarada e mova-se para o
lado, Sor Duncan.”
Dunk moveu-se. “Chegou tarde demais pra comer, sor.”
“Sem problema. Sei onde ficam as cozinhas de Lorde
Butterwell. Ainda há um pouco de vinho, suponho?” O Violinista
cheirava a laranjas e limas, com um toque de alguma especiaria
oriental por baixo. Noz-moscada, talvez. Dunk não sabia dizer. O que
ele sabia sobre noz-moscada?
“Seu alarde é incomum,” Sor Glendon disse pro Violinista.
“Sério? Então devo pedir seu perdão, sor. Eu nunca quis ofen-
der qualquer filho de Fireball.”
Aquilo o surpreendeu. “Você sabe quem eu sou?”
“O filho de seu pai, espero.”
“Olhem,” disse Sor Kyle, o Gato. “A torta de casamento.”
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Seis meninos da cozinha estavam empurrando-a pelas portas,
sobre um largo carrinho de rodas. A torta era marrom, crocante e
imensa, e havia barulhos vindos de dentro dela, rangidos, guinchos e
pancadas. Lorde e Lady Butterwell desceram do estrado para recebê-
la, com a espada na mão. Quando eles a abriram, meia centena de
pássaros irrompeu e voou pelo salão. Em outros banquetes de casa-
mento em que Dunk estivera, as tortas eram enchidas com pombas e
aves canoras, mas dentro desta havia gaios azuis e cotovias, pombos e
pombas, sabiás e rouxinóis, pequenos pardais castanhos e um grande
papagaio vermelho. “Um-e-vinte tipos de pássaros,” falou Sor Kyle.
“Um-e-vinte tipos de excrementos de pássaros,” disse Sor
Maynard.
“Você não tem poesia em seu coração, sor.”
“Você tem bosta no seu ombro.”
“Essa é a maneira apropriada de se rechear uma torta,” Sor
Kyle fungou, ao limpar sua túnica. “A torta deve ser como o casa-
mento, e num casamento verdadeiro há muitas coisas — alegria e
tristeza, prazer e dor, amor e luxúria e lealdade. Portanto, é condi-
zente que haja diversos tipos de pássaros. Nenhum homem sabe
verdadeiramente o que a nova esposa lhe trará.”
“A boceta dela,” falou Plumm, “ou, do contrário, qual seria o
objetivo?”
Dunk afastou-se da mesa. “Preciso de ar fresco.” O que ele real-
mente precisava era urinar, verdade seja dita, mas, em boas compa-
nhias como essas, era mais cortês falar que era de ar. “Peço que me
deem licença.”
“Volte logo, sor,” disse o Violinista. “Malabaristas ainda estão
por vir, e você não vai quer perder a noite de núpcias.”
Do lado de fora, o vento noturno lambeu Dunk como se fosse a
língua de alguma enorme besta. A terra batida do pátio parecia mo-
ver-se sob seus pés… ou talvez ele estivesse oscilando.
As liças tinham sido erguidas no centro do pátio exterior. Uma
bancada de madeira com três níveis foi elevada sob as muralhas, en-
tão Lorde Butterwell e seus convidados bem nascidos estariam bem
P á g i n a | 44
protegidos do sol em seus assentos acolchoados. Havia tendas em
ambas as extremidades das arenas onde os cavaleiros podiam vestir
suas armaduras, e com prateleiras de lanças de torneio preparadas.
Quando o vento levantou os estandartes por um momento, Dunk
pôde sentir o cheiro da cal na barreira de combate. Ele saiu em busca
da ala interna. Ele tinha que encontrar Egg e mandá-lo ao mestre dos
jogos para inscrevê-lo nas listas. Aquilo era dever do escudeiro.
Whitewalls era estranha a ele, no entanto, e de alguma forma
Dunk conseguiu voltar. Ele se viu fora dos canis, onde os cães senti-
ram seu odor e começaram a latir e uivar. Eles querem arrancar mi-
nha garganta, ele pensou, ou então querem o capão que está no meu
manto. Ele dobrou de volta para o caminho por onde veio, depois do
septo. Uma mulher passou correndo por ele, sem fôlego de tanto rir,
com um cavaleiro calvo indo atrás dela. O homem ficava caindo, até
que finalmente a mulher retornou e o ajudou. Eu devia entrar de
fininho no septo e pedir aos Sete para fazer daquele cavaleiro o meu
primeiro oponente, Dunk refletiu, mas aquilo teria sido ímpio. O que
eu realmente preciso é de uma latrina, não de uma oração. Havia al-
guns arbustos próximos, sob um lance de degraus de pedras pálidas.
Aqueles irão servir. Ele tateou pelo caminho por trás deles e desatou
as calças. Sua bexiga estava quase estourando de tão cheia. Ele uri-
nava sem parar.
Em algum lugar acima, uma porta se abriu. Dunk escutou ruí-
dos de passos nos degraus, o raspar de botas na pedra. “… banquete
de pedinte que você nos ofereceu. Sem Bittersteel…”
“Bittersteel que se dane,” insistiu uma voz familiar. “Não se
pode confiar em nenhum bastardo, nem mesmo nele. Umas poucas
vitórias o farão atravessar o mar rápido o suficiente.”
Lorde Peake. Dunk prendeu sua respiração… e sua urina.
“Mais fácil falar de vitórias do que conquistá-las.” Aquele inter-
locutor possuía uma voz mais profunda do que Peake, um ruído
baixo com uma ponta de raiva. “O velho Milkblood55 espera que o
rapaz as consiga, e os outros também. Palavras loquazes e charme
não conseguem compensar por elas.”
55 Literalmente, “Sangue de Leite”.
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“Um dragão sim. O príncipe insiste que o ovo eclodirá. Ele so-
nhou com isso, assim como uma vez sonhou com os irmãos mortos.
Um dragão vivo nos ganhará todas as espadas que poderíamos que-
rer.”
“Um dragão é uma coisa, um sonho é outra. Eu prometo-lhe,
Bloodraven não está por aí sonhando. Precisamos de um guerreiro,
não de um sonhador. O menino é filho de seu pai?”
“Apenas faça a sua parte como foi prometido e deixe que eu
me preocupe com isso. Assim que tivermos o ouro de Butterwell e as
espadas da Casa Frey, Harrenhal será o próximo, e então os
Brackens. Otho sabe que ele não pode esperar que ele fique…”
As vozes iam desaparecendo conforme os interlocutores se dis-
tanciavam. A urina recomeçou a fluir. Ele sacudiu seu membro e
ajeitou as calças. “Filho do seu pai,” ele murmurou. De quem eles
estavam falando? Do filho de Fireball?
No momento em que ele emergiu de debaixo da escada, os dois
senhores já estavam bem do outro lado do pátio. Ele quase gritou por
eles, para fazê-los mostrar seus rostos, mas pensou melhor. Ele estava
sozinho e desarmado, e meio bêbado ainda por cima. Talvez mais do
que meio. Ele ficou lá, franzindo a testa por um tempo, e então mar-
chou de volta ao salão.
Lá dentro, o último prato tinha sido servido e as brincadeiras ti-
nham iniciado. Uma das filhas de Lorde Frey tocou “Dois Corações
Que Batem Como Um Só56” numa grande harpa, e o fez de maneira
ruim. Alguns malabaristas lançaram tochas flamejantes um ao outro
por um tempo, e uns acrobatas viraram cambalhotas no ar. O sobri-
nho de Lorde Frey começou a cantar “O Urso e a Bela Donzela”57 en-
quanto Sor Kirby Pimm batia ao ritmo da música com uma colher
de pau em cima da mesa. Outros se juntaram a ele, até o salão in-
teiro estar berrando, “Um urso! Um urso! Preto e castanho e coberto
de pelos!” Lorde Caswell desmaiou na mesa com sua face sobre uma
poça de vinho, e Lady Vyrwel começou a chorar, embora ninguém
soubesse ao certo qual era a causa de sua angústia.
56 Two Hearts That Beat As One. 57 The Bear and the Maiden Fair.
P á g i n a | 46
O tempo todo o vinho continuou fluindo. Os ricos vermelhos
da Árvore deram lugar às safras locais, ou assim o Violinista havia
dito; verdade seja dita, Dunk não sabia dizer a diferença. Havia hipo-
craz também, então ele decidiu provar um copo. Pode-se passar um
ano até que eu veja outro. Os demais cavaleiros errantes, todos eles
bons homens, começaram a falar sobre as mulheres que conhece-
ram. Dunk se viu perguntando onde Tanselle estaria naquela noite.
Ele sabia onde Lady Rohanne estava — deitada no Castelo de
Coldmoat, com o velho Sor Eustace a seu lado roncando por entre o
bigode — portanto, ele tentou não pensar nela. Será que elas pensam
em mim? ele se perguntou.
Seus questionamentos melancólicos foram rudemente
interrompidos quando um grupo de anões pintados irrompeu da bar-
riga de um porco de madeira com rodas, a fim de perseguir o bobo
de Lorde Butterwell pelas mesas, bofeteando-o com bexigas de porco
infladas que faziam ruídos grosseiros a cada vez que um golpe o atin-
gia. Aquilo foi a coisa mais divertida que Dunk vira em anos, e ele
riu junto a todos os outros. O filho de Lorde Frey estava tão
impressionado com suas travessuras que ele juntou-se aos anões, so-
cando os convidados do casamento com um balão emprestado de um
anão. A criança tinha o riso mais irritante que Dunk havia ouvido,
uma risada semelhante a um soluço estridente que o fez querer colo-
car o menino no colo e dar-lhe umas palmadas, ou jogá-lo dentro de
um poço. Se ele me bater com aquela bexiga, eu talvez faça isso.
“Ali está o rapaz que fez este casamento,” Sor Maynard disse en-
quanto o diabrete sem queixo passou por eles gritando.
“Como assim?” O Violinista levantou um copo de vinho vazio, e
um servo que estava passando por ele o encheu.
Sor Maynard olhou para o tablado, onde a noiva estava alimen-
tando seu marido com cerejas. “Sua Senhoria não será o primeiro a
passar manteiga naquele biscoito. A noiva dele foi deflorada por um
ajudante de cozinha nas Gêmeas, dizem. Ela rastejava até a cozinha
para encontrá-lo. Lamentavelmente, uma noite aquele irmão mais
novo dela seguiu-a. Quando os viu fazendo a besta de duas costas58,
58 Pelo que li, é uma frase criada por Shakespeare e usada em Otelo. Acho
que o sentido da expressão já ficou claro pelo contexto. ;)
P á g i n a | 47
ele soltou um guincho, e cozinheiros e guardas vieram correndo e
encontraram minha senhora e seu menino da panela acoplados so-
bre a tábua de mármore onde o cozinheiro rola a massa, ambos nus
como no dia de seu nascimento e enfarinhados dos pés à cabeça.”
Isso não pode ser verdade, Dunk refletiu. Lorde Butterwell pos-
sui terras amplas e uma grande quantia de ouro amarelo. Por que ele
se casaria com uma menina que fora manchada por um ajudante de
cozinha e abriria mão de seu ovo de dragão para marcar o casa-
mento? Os Freys da Travessia não eram mais nobres do que os
Butterwells. Eles eram donos de uma ponte em vez de vacas, aquela
era a única diferença. Lordes. Quem consegue entendê-los? Dunk co-
meu algumas nozes e ponderou sobre o que ouviu enquanto estava
urinando. Dunk, o bêbado, o que é que você acha que ouviu? Ele pe-
gou outro copo de hipocraz, visto que o primeiro tinha um gosto
bom. Então ele deitou sua cabeça por cima dos braços dobrados e fe-
chou os olhos só por um momento, para descansá-los da fumaça.
P á g i n a | 48
CAPÍTULO 7
Quando ele abriu os olhos novamente, metade dos convidados
do casamento estava de pé e gritava, “Para a cama! Para a cama!” Eles
estavam fazendo tanto alvoroço que acordaram Dunk de um sonho
agradável envolvendo Tanselle Alta-Demais e a Viúva Vermelha59.
“Para a cama! Para a cama com eles!” os apelos ecoaram. Dunk se
sentou e esfregou os olhos.
Sor Franklyn Frey estava com a noiva em seus braços e a carre-
gava pelo corredor, com homens e meninos enxameando à sua volta.
As damas da mesa principal cercaram Lorde Butterwell. Lady Vyrwel
se recuperara de sua tristeza e estava tentando puxar Sua Senhoria
de sua cadeira, enquanto uma das filhas dele desamarravam suas bo-
tas e uma mulher Frey removia a túnica dele. Butterwell estava se
debatendo inutilmente e rindo. Ele estava bêbado, Dunk notou, e Sor
Franklyn estava mais ainda… tão ébrio que ele quase derrubou a
noiva. Antes de Dunk perceber ao certo o que estava acontecendo,
John, o Violinista, puxou-o para perto dele. “Aqui!” ele gritou. “Deixe
o gigante carregá-la!”
Quando foi ver, ele já estava subindo a escada da torre com a
noiva se contorcendo em seus braços. Como ele conseguiu não se
desequilibrar era um mistério. A garota não ficava parada, e os ho-
mens estavam todos ao seu redor, fazendo gracejos obscenos sobre
passar farinha nela e amassá-la bem enquanto eles removiam suas
roupas. Os anões juntaram-se a eles também. Eles amontoaram-se
em volta das pernas de Dunk, gritando e rindo e batendo em suas
panturrilhas com as bexigas. Ele fez o possível para não tropeçar ne-
les.
Dunk não fazia ideia de onde os aposentos de Lorde Butterwell
se encontravam, mas os outros homens empurraram e incitaram
Dunk até o local. Naquela altura, a noiva estava com o rosto verme-
lho, dando risadinhas e quase nua, exceto pela meia em sua perna
esquerda que, de alguma maneira, sobreviveu à subida. Dunk estava
enrubescido também, e não por causa do esforço. Sua ereção estaria
59 Red Widow.
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evidente a qualquer um que olhasse, mas felizmente todos os olhos
estavam na noiva. Lady Butterwell não se parecia nada com Tanselle,
mas ter alguém se contorcendo seminua em seus braços fez com que
Dunk pensasse sobre outra pessoa. Tanselle Alta-Demais, era seu
nome, mas ela não era alta demais para mim. Ele se perguntou se a
encontraria novamente. Em algumas noites ele pensou que talvez
tivesse sonhado com ela. Não, seu estúpido, você só sonhou que ela
gostou de você.
O quarto de Lorde Butterwell era amplo e luxuoso, ele notou
ao chegar lá. Tapetes de Myr cobriam o chão, uma centena de velas
perfumadas queimavam em alguns cantos, e um traje de placa
incrustada com ouro e pedras preciosas se encontrava atrás da porta.
Até mesmo tinha sua própria latrina, colocada num nicho de pedra
pequena na parede externa.
Quando Dunk finalmente jogou a noiva no seu leito matrimo-
nial, um anão saltou para o lado dela, pegou num de seus seios e o
acariciou. A garota soltou um grito, os homens caíram na garga-
lhada, e Dunk agarrou o anão pelo colarinho e chutou-o para longe
dela. Ele estava carregando o homenzinho pelo quarto para jogá-lo
porta afora quando ele avistou o ovo de dragão.
Lorde Butterwell tinha colocado-o numa almofada de veludo
preto sobre um pedestal de mármore. Era muito maior do que um
ovo de galinha, embora não tão grande quanto imaginava. Finas
escamas vermelhas revestiam a superfície, brilhando como joias sob
a luz de lampiões e velas. Dunk largou o anão e pegou o ovo, só para
senti-lo por um momento. Era mais pesado do que ele esperava.
Poderia esmagar a cabeça de um homem com isto, sem sequer que-
brar a casca do ovo. As escamas eram suaves ao toque, e o vermelho
rico e profundo tremeluzia quando ele virava o ovo em suas mãos.
Sangue e chamas, ele pensou, mas também havia manchas douradas
no ovo e espirais pretas como a meia-noite.
“Ei, você aí! O que acha que está fazendo, sor?” Um cavaleiro
desconhecido olhava para ele, um homem grande com uma barba
preta como carvão e furúnculos, mas foi a sua voz que o fez pestane-
jar; uma voz profunda, engrossada pela raiva. Era ele, aquele homem
com Peake, Dunk se deu conta, quando o homem falou, “Largue isso.
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Eu agradeceria se você retirasse seus dedos gordurosos dos tesouros
de Sua Senhoria, ou pelos Sete, você vai desejar tê-lo feito.”
O outro cavaleiro não estava remotamente tão bêbado quanto
Dunk, então parecia sensato fazer o que foi ordenado. Ele pôs o ovo
de volta no travesseiro, bem cuidadosamente, e limpou os dedos em
sua manga. “Não tinha más intenções, sor.” Dunk, o marmelo60, de
cabeça mais dura que a muralha de um castelo. Então ele passou
empurrando pelo homem de barba preta e saiu pela porta.
Havia ruídos na escadaria, gritos de alegria e risadas de me-
nina. As mulheres estavam levando Lorde Butterwell até sua noiva.
Dunk não queria encontrá-los, então ele subiu as escadas ao invés de
descê-las, e se viu no telhado da torre sob as estrelas, com o pálido
castelo brilhando sob o luar à sua volta.
Ele estava tonto devido ao vinho, então ele inclinou-se contra o
parapeito. Será que vou passar mal? Por que ele foi lá e tocou no ovo
de dragão? Ele se recordou do show de marionetes de Tanselle e do
dragão de madeira que deu início a todos os problemas em Ashford.
A lembrança fez Dunk sentir-se culpado, como sempre fazia. Três
bons homens mortos, para salvar o pé de um cavaleiro errante. Não
fazia sentido, como nunca fez. Aprenda uma lição com aquilo, mar-
melo. Não é para gente como você mexer com dragões ou com seus
ovos.
“Quase parece como se fosse feito de neve.”
Dunk virou-se. John, o Violinista, estava parado atrás dele, sor-
rindo em sua seda e em seu pano de ouro. “O que parece ser feito de
neve?”
“O castelo. Com toda aquela pedra branca sob o luar. Você já
esteve ao norte do Gargalo61, Sor Duncan? Disseram-me que lá neva
até mesmo no verão. Já viu a Muralha?”
“Não, meu senhor.” Por que ele está falando da Muralha? “É
para lá que vamos, Egg e eu. Para o norte, até Winterfell.”
60 No original, é “lunk” que significa “estúpido”. Porém, como no primeiro
conto estava “marmelo”, resolvi manter assim. 61 Neck.
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“Eu poderia juntar-me a vocês. Você poderia me mostrar o ca-
minho.”
“O caminho?” Dunk franziu a testa. “É só subir pela Estrada do
Rei. Se você se mantiver na estrada e continuar seguindo ao norte,
você não vai errar.”
O Violinista riu. “Suponho que não… embora você possa se sur-
preender com os erros que alguns homens podem cometer.” Ele foi
até o parapeito e olhou pra todo o castelo. “Dizem que os nortenhos
são um povo selvagem e que seus bosques são cheios de lobos.”
“Meu senhor? Pra que você veio até aqui?”
“Alyn estava procurando por mim, e eu não queria ser encon-
trado. Ele se torna cansativo quando bebe. Eu o vi escapando daquele
quarto dos horrores e resolvi ir embora depois de você. Bebi vinho
demais, garanto-lhe, mas não o bastante para encarar Butterwell nu.”
Ele deu a Dunk um sorriso enigmático. “Sonhei com você, Sor
Duncan. Antes mesmo de conhecê-lo. Quando o vi na estrada, reco-
nheci seu rosto imediatamente. Foi como se fôssemos velhos ami-
gos.”
Dunk teve uma sensação estranha, em seguida, como se ele já
tivesse passado por aquilo antes. Sonhei com você, ele disse. Meus
sonhos não são como os seus, Sor Duncan. Os meus são reais. “Você
sonhou comigo?” ele falou, numa voz engrossada pelo vinho. “Que
tipo de sonho?”
“Bem,” o Violinista explicou, “eu sonhei que você estava todo
de branco da cabeça aos pés, com um longo e pálido manto pendu-
rado em seus largos ombros. Você era uma Espada Branca, sor, um
Irmão Juramentado da Guarda Real, o maior cavaleiro de todos os
Sete Reinos, e você não tinha outro objetivo além de guardar, servir e
agradar seu rei.” Ele pôs uma mão no ombro de Dunk. “Você já teve
o mesmo sonho, eu sei que sim.”
Ele teve, era verdade. Na primeira vez em que o velho homem
me deixou segurar sua espada. “É o sonho de todo menino servir na
Guarda Real.”
P á g i n a | 52
“Embora somente sete meninos cresçam para vestir o manto
branco. Agradaria a você se tornar um deles?”
“Eu?” Dunk encolheu os ombros para se afastar da mão do fi-
dalgo, que tinha começado a apertar seu ombro. “Talvez sim. Ou
não.” Os cavaleiros da Guarda Real serviam para o resto da vida e
juravam não tomar nenhuma esposa e nem possuir terras. Eu posso
voltar a encontrar Tanselle algum dia. Por que eu não haveria de ca-
sar e ter filhos? “Meus sonhos não fazem diferença. Somente um rei
pode nomear um cavaleiro da Guarda Real.”
“Suponho, então, que isso significa que precisarei tomar o
trono. Eu preferiria ensiná-lo a tocar violino.”
“Você está bêbado.” O sujo falando do mal lavado.62
“Maravilhosamente bêbado. Vinho torna todas as coisas possí-
veis, Sor Duncan. Você pareceria um deus de branco, acho eu, mas se
a cor não veste bem em você, talvez prefira ser um senhor?”
Dunk riu na cara dele. “Não, eu preferiria brotar grandes asas
azuis e voar. Um é tão provável de acontecer quanto o outro.”
“Agora você me zoa. Um verdadeiro cavaleiro não gozaria de
seu rei.” O Violinista parecia magoado. “Espero que você tenha mais
fé no que digo quando você vir o dragão nascer.”
“Um dragão irá nascer? Um dragão vivo? Onde, aqui?”
“Eu sonhei com isso. Esse pálido castelo branco, você, um dra-
gão saindo de um ovo, sonhei com tudo isso, assim como uma vez
sonhei com meus irmãos jazendo mortos. Eles tinham doze anos e
eu, somente sete, então eles riram de mim e morreram. Tenho dois-
e-vinte agora, e eu confio em meus sonhos.”
Dunk recordou-se de outro torneio, se lembrando de quando
ele caminhara sob as suaves chuvas de primavera com outro
principezinho. Sonhei com você e com um dragão morto, o irmão de
Egg, Daeron, havia dito a ele. Uma grande besta, enorme, com asas
tão grandes que podiam cobrir este prado. Ela tinha caído em cima
de você, mas você estava vivo e o dragão, morto. E assim estava, po- 62 Na tradução do original, ficaria “E a gralha um dia chamou o corvo de
preto”. Achei melhor usar uma expressão equivalente.
P á g i n a | 53
bre Baelor. Sonhos eram um chão traiçoeiro para se construir.
“Como você diz, meu senhor,” ele disse ao Violinista. “Peço que me
dê licença.”
“Onde você está indo, sor?”
“Para minha cama, pra dormir. Estou bêbado como um cão.”
“Seja meu cão, sor. A noite está cheia de promessas. Podemos
uivar juntos, e acorda os muitos deuses.”
“O que quer de mim?”
“Sua espada. Eu faria de você meu homem de confiança e o
enobreceria. Meus sonhos não mentem, Sor Duncan. Você terá
aquele manto branco, e eu preciso ter aquele ovo de dragão. Eu
necessito deles, meus sonhos deixaram isso bem claro. Talvez os ovos
chocarão, ou então —”
Atrás deles, a porta se abriu violentamente. “Aí está ele, meu
senhor.” Um par de soldados subiu no telhado. Lorde Gormon Peake
estava logo atrás deles.
“Gormy,” o Violinista disse, arrastando as palavras. “Ora, o que
você está fazendo em meus aposentos, meu senhor?”
“Esse é o telhado, sor, e você tomou vinho demais.” Lorde
Gormon fez um gesto cortante e os guardas avançaram. “Deixe-nos
ajudá-lo a ir pra cama. Você justará no dia seguinte, peço que se lem-
bre. Kirby Pimm pode ser um perigoso oponente.”
“Eu esperava justar com meu bom Sor Duncan aqui.”
Peake deu um olhar frio para Dunk. “Mais tarde, talvez. No seu
primeiro duelo, você enfrentará Sor Kirby Pimm.”
“Então Pimm deve cair! Todos devem! O cavaleiro misterioso
prevalece sobre todos os adversários e inspira admiração por onde
passa63.” Um soldado da guarda puxou o Violinista pelo braço. “Sor
Duncan, parece-me que devemos nos separar,” ele falou enquanto
ajudavam-no a descer os degraus.
63 “Wonder dances in his wake”, no original. Achei que essa era a tradução
mais próxima, apesar de que, numa versão em espanhol, aparece algo como
“cantam odes à sua passagem”.
P á g i n a | 54
Somente Lorde Gormon permaneceu no telhado com Dunk.
“Cavaleiro errante,” ele rosnou, “sua mãe nunca lhe ensinou a não
enfiar a mão na boca do dragão?”
“Nunca conheci minha mãe, meu senhor.”
“Explicado, então. O que ele prometeu a você?”
“Que faria de mim um lorde. Um manto branco. Grandes asas
azuis.”
“Eis a minha promessa: três pés64 de aço frio enfiado na sua
barriga caso você fale uma palavra sobre o que aconteceu aqui.”
Dunk balançou a cabeça para clarear seus pensamentos. Não
pareceu adiantar. Ele dobrou-se ao meio e vomitou.
Um pouco do vômito respingou nas botas de Peake. O lorde
amaldiçoou. “Cavaleiros errantes,” ele exclamou com nojo. “Seu lu-
gar não é aqui. Nenhum cavaleiro de verdade seria tão descortês a
ponto de aparecer sem convite, mas vocês, criaturas da estrada —”
“Não somos queridos em lugar algum e aparecemos em toda
parte, senhor.” O vinho fez Dunk ficar corajoso, do contrário ele teria
segurado a língua. Ele limpou a boca com as costas da mão.
“Tente se recordar do que eu lhe disse, sor. Será ruim para você
caso se esqueça.” Lorde Peake sacudiu o vômito de sua bota. E então
ele se foi. Dunk apoiou-se contra o parapeito novamente. Ele se
perguntou quem era mais louco, Lorde Gormon ou o Violinista.
Até ele ter achado o caminho de volta ao salão, somente
Maynard Plumm, de todos os seus companheiros, havia permane-
cido. “Havia alguma farinha nos peitos dela quando você removeu
sua roupa de baixo?” ele desejava saber.
Dunk sacudiu a cabeça, serviu-se de outro copo de vinho, pro-
vou-o, e decidiu que já tinha bebido o bastante.
64 Aproximadamente 0,9 metro.
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CAPÍTULO 8
Os intendentes de Butterwell arrumaram quartos na fortaleza
para os senhores e senhoras, e camas nas casernas para seus séquitos.
O resto dos convidados podia escolher um leito de palha no porão ou
levantar seus pavilhões num pedaço de terra ao pé do muro ociden-
tal. A modesta tenda de lona que Dunk adquirira no Septo de Pedra
não era um pavilhão, mas protegia da chuva e do sol. Alguns de seus
vizinhos ainda estavam despertos, com as paredes de seda de seus
pavilhões brilhando como lampiões coloridos na noite. Gargalhadas
vinham de dentro de um pavilhão azul coberto de girassóis, e sons de
amor, de um que era listrado de branco e roxo.
Egg montou a própria tenda deles um pouco mais afastada dos
outros. Maester e os dois cavalos foram presos perto deles, e as armas
e a armadura de Dunk foram cuidadosamente empilhadas contra as
muralhas do castelo. Quando rastejou para dentro da tenda, ele
encontrou seu escudeiro sentado de pernas cruzadas perto de uma
vela, com sua cabeça brilhando enquanto encarava um livro.
“Ler livros sob a luz de velas vai cegá-lo.” A leitura permanecia
um mistério para Dunk, apesar de o menino ter tentado ensiná-lo.
“Preciso da luz de velas para enxergar as palavras, sor.”
“Você quer um sopapo na orelha? Que livro é esse?” Dunk viu
as cores brilhantes na página, pequenos escudos pintados escondidos
por entre as letras.
“Um armorial, sor.”
“Procurando pelo Violinista? Você não o encontrará. Eles não
incluem cavaleiros errantes, somente lordes e campeões.”
“Não procurava por ele. Eu avistei outros brasões no pátio…
Lorde Sunderland está aqui, sor. Ele carrega um com as cabeças de
três mulheres pálidas, sobre um ondulado de verde e azul.”
“Um homem das Irmãs? De verdade?” As Três Irmãs65 eram
ilhas localizadas em Dentada66. Dunk tinha ouvido septões dizerem 65 Three Sisters.
P á g i n a | 56
que as ilhas eram um antro de pecado e avareza. Vilirmãs67 era o co-
vil de contrabandistas mais notório de toda a Westeros. “Ele percor-
reu um longo caminho. Ele deve ser parente da nova noiva de
Butterwell.”
“Ele não é, sor.”
“Então ele está aqui pelo festim. Eles comem peixe nas Três Ir-
mãs, certo? Um homem se cansa de peixe. Você comeu o suficiente?
Trouxe-lhe meio capão e um pouco de queijo.” Dunk vasculhou o
bolso de seu manto.
“Eles nos deram costelas, sor.” O nariz de Egg estava afundado
no livro. “Lorde Sunderland lutou pelo Dragão Negro, sor.”
“Assim como o velho Sor Eustace? Ele não era tão ruim, era?”
“Não, sor,” Egg falou, “porém —”
“Eu vi o ovo de dragão.” Dunk estocou a comida junto com o
pão duro e a carne salgada. “Era vermelha a maior parte. Lorde
Bloodraven também possui um ovo de dragão?”
Egg abaixou seu livro. “Por que ele teria um? Ele é de baixo
nascimento.”
“De nascimento bastardo, e não baixo.” Bloodraven nascera do
lado errado do cobertor, mas ambos os pais dele eram nobres. Dunk
estava prestes a contar a Egg sobre os homens que ele tinha ouvido,
quando ele notou seu rosto. “O que aconteceu com seu lábio?”
“Uma briga, sor.”
“Deixe-me ver.”
“Só sangrou um pouco. Passei um pouco de vinho por cima.”
“Com quem você brigou?”
“Com alguns outros escudeiros. Eles disseram —”
“Esqueça o que eles disseram. O que eu te falei?”
66 Bite. 67 Sisterton.
P á g i n a | 57
“Para segurar minha língua e não causar problemas.” O me-
nino tocou seu lábio machucado. “Porém, eles chamaram meu pai de
assassino de parentes.”
Ele é, rapaz, embora eu não ache que ele pretendia sê-lo. Dunk
falou para Egg centenas de vezes para não levar tais palavras a sério.
Você sabe a verdade. Deixe que isso seja o bastante. Eles tinham
escutado tal história antes, em antros de vinho e tavernas humildes,
e pelas fogueiras de acampamentos na mata. O reino inteiro sabia
como a maça do Príncipe Maekar tinha derrubado seu irmão Baelor
Breakspear em Ashford Meadow. Conversas sobre conspirações eram
de se esperar. “Se eles soubessem que Príncipe Maekar é seu pai,
nunca teriam dito tais coisas.” Pelas suas costas, sim, mas nunca na
sua presença. “E o que você disse a esses outros escudeiros, em vez de
segurar a sua língua?”
Egg parecia envergonhado. “Que a morte do Príncipe Baelor
fora um acidente. Só que quando eu disse que o Príncipe Maekar
amava seu irmão, Baelor, o escudeiro de Sor Addam falou que ele o
amava de morrer, e o escudeiro de Sor Mallor disse que ele desejava
amar seu irmão, Aerys, da mesma forma. Foi aí que eu bati nele. Bati
bastante nele.”
“Eu que devia lhe bater bastante. Uma orelha inchada para
combinar com um lábio inchado. Seu pai faria o mesmo se ele esti-
vesse aqui. Você acha que o Príncipe Maekar precisa de um menini-
nho para defendê-lo? O que ele disse quando o mandou embora co-
migo?”
“Para servi-lo fielmente como escudeiro e não recuar diante de
nenhuma tarefa ou dificuldade.”
“E o que mais?”
“Para obedecer à lei do rei, às regras da cavalaria, e a você.”
“E o que mais?”
“Para manter meu cabelo raspado ou pintado,” o garoto disse
com óbvia relutância, “e não dizer meu nome verdadeiro a homem
algum.”
Dunk assentiu. “Quando vinho esse menino tomou?”
P á g i n a | 58
“Ele estava bebendo cerveja de cevada.”
“Viu? Era a cerveja de cevada falando. Palavras são vento, Egg.
Apenas deixe-as passarem por você.”
“Algumas palavras são vento.” O menino não era nada, além de
teimoso. “Algumas palavras são traição. Este é um torneio de traido-
res, sor.”
“O que, todos eles?” Dunk balançou a cabeça. “Mesmo que fosse
verdade, isso ficou no passado. O Dragão Negro está morto, e aqueles
que lutaram ao seu lado foram exilados ou perdoados. E isso não é
verdade. Os filhos de Lorde Butterwell lutaram em ambos os lados.”
“Isso faz dele metade de um traidor, sor.”
“Dezesseis anos atrás.” A suave embriaguez de Dunk havia pas-
sado. Ele estava com raiva e quase sóbrio. “O intendente de Lorde
Butterwell é o mestre dos jogos, um homem chamado Cosgrove.
Encontre-o e inscreva meu nome nas listas. Não, espere… esconda
meu nome.” Com tantos senhores presentes, um deles podia lem-
brar-se de Duncan, o Alto, de Ashford Meadow. “Inscreva-me como o
Cavaleiro da Forca68 .” Os plebeus amavam quando um Cavaleiro
Misterioso aparecia no torneio.
Egg tocou a ferida no lábio. “O Cavaleiro da Forca, sor?”
“Por causa do escudo.”
“Sim, mas —”
“Vá e faça o que mandei. Você já leu o bastante por uma noite.”
Dunk apagou a vela com seus dedos polegar e indicador.
68 Gallows Knight.
P á g i n a | 59
CAPÍTULO 9
O sol nasceu quente e duro, implacável.
Ondas de calor aumentavam devido ao brilho das pedras bran-
cas do castelo. O ar cheirava à grama cortada e terra cozida, e ne-
nhum sopro de vento agitava os estandartes que pendiam do topo da
torre de menagem e do portão de entrada, verdes, brancos e amare-
los.
Thunder estava inquieto, de uma forma que Dunk raramente
vira antes. O garanhão jogou sua cabeça de um lado pro outro
quando Egg apertou a cincha da sela. Ele até mesmo arreganhou
seus grandes dentes quadrados para o menino. Está tão quente, Dunk
pensou, quente demais seja para homem ou montaria. Um cavalo de
batalha não tem um temperamento calmo nem no melhor dos dias.
A própria Mãe estaria mal-humorada nesse calor.
No centro do pátio, os justadores iniciaram outro combate. Sor
Harbert montava um corcel dourado vestido com uma armadura
preta e decorado com as serpentes vermelhas e brancas da Casa
Paege; e Sor Franklyn, um alazão ajaezado com uma seda cinza que
carregava as torres gêmeas de Frey. Quando eles se encontraram, a
lança vermelha e branca rachou impecavelmente em duas e a azul
se estilhaçou, mas nenhum dos dois foi derrubado. Um grito da tor-
cida veio da arquibancada e dos guardas que estavam nas muralhas
do castelo, mas foi curto, baixo e vazio.
Está quente demais para torcer para alguém. Dunk enxugou o
suor de sua sobrancelha. Está quente demais para justar. Sua cabeça
estava latejando como um tambor. Deixe-me vencer este duelo e
mais um, e eu ficarei contente.
Os cavaleiros viraram seus cavalos no final da arena e atiraram
os restos de suas lanças, o quarto par que eles quebraram. Três em
demasia. Dunk adiou vestir a armadura o máximo possível, e mesmo
assim ele já conseguia sentir sua roupa de baixo grudando na pele
sob o aço. Há coisas piores do que ficar ensopado de suor, ele disse a
P á g i n a | 60
si mesmo, relembrando da luta no White Lady, quando os homens
de ferro o infestaram. Ele encharcou-se de sangue até o fim do dia.
Com novas lanças na mão, Paege e Frey colocaram as esporas
em suas montarias mais uma vez. Torrões de terra seca e rachada
foram borrifados por debaixo dos cascos dos cavalos a cada galopada.
O barulho das lanças quebrando fez Dunk estremecer. Vinho demais
na noite passada, e comida demais. Ele tinha uma vaga lembrança de
carregar a noiva escadaria acima, e de encontrar John, o Violinista, e
Lorde Peake em cima do telhado. O que eu estava fazendo no te-
lhado? Houve uma conversa sobre dragões, ele recordou-se, ou ovos
de dragão, ou algo assim, mas —
Um barulho tirou-o de seu devaneio, parte rugido e parte ge-
mido. Dunk viu o cavalo dourado trotando sem cavaleiro até o fim
da arena, enquanto Sor Harbert Paege rolava debilmente no chão.
Mais dois até a minha vez. Quanto mais cedo ele derrubasse Sor
Uthor, mais cedo poderia retirar a armadura, beber algo gelado e
descansar. Ele devia ter ao menos uma hora livre antes de ser cha-
mado novamente.
O porta-estandarte de Lorde Butterwell subiu até o topo da ban-
cada para convocar o próximo par de justeiros. “Sor Argrave The
Defiant69,” ele chamou, “um cavaleiro de Nunny, a serviço de Lorde
Butterwell de Whitewalls. Sor Glendon Flowers, o Cavaleiro de
Pussywillows70. Apresentem-se e provem seu valor.” Um vendaval de
gargalhadas agitou a arquibancada.
Sor Argrave era um homem livre e coriáceo, um cavaleiro do-
méstico maduro numa armadura cinza antiquada, montado num ca-
valo sem arreios. Dunk conhecera seu tipo antes; tais homens eram
fortes como raízes antigas e conheciam seu ofício. Seu oponente era
o jovem Sor Glendon, montado em seu miserável cavalo e protegido
por uma cota de malha pesada e um elmo meio-aberto de ferro. Em
seu braço, seu escudo mostrava o brasão flamejante de seu pai. Ele
precisa de um peitoral e de um elmo decente, Dunk pensou. Um
golpe na cabeça ou no peito poderia matá-lo, vestido dessa forma.
69 Argrave, o Desafiante. 70 Salgueiros.
P á g i n a | 61
Sor Glendon estava claramente furioso com a sua introdução.
Ele girou sua montaria num círculo raivoso e gritou, “Eu sou
Glendon Ball, não Glendon Flowers. Arrisque-se a zombar de mim,
arauto. Eu lhe aviso, eu tenho sangue de herói.” O arauto não se dig-
nou a responder, porém, mais risos receberam o protesto do jovem
cavaleiro. “Por que estão rindo dele?” Dunk indagou em voz alta. “En-
tão, ele é um bastardo?” Flowers era o sobrenome dado a bastardos
nascidos de pais nobres na Campina. “E o que foi aquilo sobre os
salgueiros71?”
“Eu poderia descobrir, sor,” falou Egg.
“Não. Não é da nossa conta. Você está com meu elmo?” Sor
Argrave e Sor Glendon cruzaram suas lanças perante Lorde e Lady
Butterwell. Dunk viu Butterwell inclinar-se e sussurrar algo no ou-
vido da sua esposa. A garota começou a dar uma risadinha.
“Sim, sor,” Egg pôs seu chapéu mole para proteger seus olhos e
manter o sol longe de sua cabeça raspada. Dunk gostava de provocar
o garoto por causa daquele chapéu, mas naquele momento ele só
desejava ter um igual. Melhor um chapéu de palha do que um de
ferro, sob o sol. Ele afastou o cabelo dos olhos, ajeitou o capacete
com as duas mãos e prendeu-o ao gorjal. O forro fedia a suor velho, e
ele conseguia sentir o peso de todo aquele ferro no pescoço e nos
ombros. Sua cabeça pulsava por causa do vinho da noite passada.
“Sor,” Egg falou, “não é tarde demais para recuar. Se você per-
der Thunder e sua armadura…”
Estarei acabado como cavaleiro. “Por que eu haveria de per-
der?” Dunk exigiu saber. “Sor Argrave e Sor Glendon tinham caval-
gado até as extremidades opostas da arena. “Não é como se eu fosse
enfrentar A Tempestade Que Gargalha72. Há algum cavaleiro aqui
que possa me trazer algum problema?”
“Quase todos eles, sor.”
“Eu lhe devo um tapa na orelha por isso. Sor Uthor é dez anos
mais velho do que eu e tem metade do meu tamanho.” Sor Argrave
abaixou sua viseira. Sor Glendon não tinha uma viseira para abaixar. 71 Pussywillows. 72 Laughing Storm.
P á g i n a | 62
“Você não cavalga numa liça desde Ashford Meadow, sor.”
Menino insolente. “Eu tenho treinado.” Não tão fielmente
quanto ele, certamente. Quando podia, ele aproveitava sua vez para
cavalgar em ringues e correr as quintanas 73 , onde eles estavam
disponíveis. E às vezes ele mandava Egg escalar uma árvore e pendu-
rar um escudo ou umas aduelas sob um galho bem posicionado para
eles golpearem.
“Você é melhor com uma espada do que com uma lança,” Egg
disse. “Com um machado ou uma maça, poucos conseguem equipa-
rar sua força.”
Havia bastante verdade naquilo que Dunk irritou-se mais
ainda. “Não há competição com espadas ou maças,” ele ressaltou,
quando o filho de Fireball e Sor Argrave, The Defiant, começaram
sua partida. “Pegue meu escudo.”
Egg fez uma careta, e então foi buscar o escudo.
Do outro lado do pátio, a lança de Sor Argrave atingiu o escudo
de Sor Glendon e o raspou, deixando uma ranhura através do co-
meta. Mas a ponta da lança de Ball foi de encontro ao centro do
peitoral de seu oponente com tanta força que a cincha da sela foi
rompida. Ambos cavaleiro e sela caíram rolando na poeira. Dunk es-
tava impressionado, apesar de si mesmo. O garoto justa quase tão
bem quanto fala. Ele se indagou se aquilo faria as risadas destinadas
a ele cessarem.
Uma trombeta soou alto o bastante para fazer Dunk estreme-
cer. Mais uma vez, o arauto subiu na bancada. “Sor Joffrey da Casa
Caswell, Lorde de Ponte Amarga e Defensor dos Vaus. Sor Kyle, o
Gato de Misty Moor. Apresentem-se e provem seu valor.”
A armadura de Sor Kyle era de boa qualidade, mas estava ve-
lha e desgastada, com muitos arranhões e amassados. “A mãe tem
sido misericordiosa comigo, Sor Duncan,” ele disse para Dunk e Egg,
a caminho da arena. “Fui enviado contra Lorde Caswell, exatamente
o homem que eu queria enfrentar.”
73 Galopar velozmente em direção a um boneco de madeira e tentar cravar-
lhe a lança entre os olhos. Quem não acertava o alvo, fazia o boneco girar e o
braço do boneco acabava batendo nas costas do cavaleiro.
P á g i n a | 63
Se algum homem naquele campo se sentia pior do que Dunk
naquela manhã, era Lorde Caswell, que havia bebido além da conta
no banquete. “É um milagre que ele consiga montar um cavalo após
a noite passada,” falou Dunk. “A vitória é sua, sor.”
“Oh, não.” Sor Kyle deu um sorriso suave. “O gato que quer sua
tigela de leite deve saber quando ronronar e quando mostrar as gar-
ras, Sor Duncan. Se a lança de Sua Senhoria ao menos passar de ras-
pão pelo meu escudo, eu cairei no chão. Mais tarde, quando for levar
meu cavalo e minha armadura para ele, eu elogiarei Sua Senhoria
sobre o quanto sua destreza melhorou desde que lhe fiz sua primeira
espada. Isso o fará recordar-se de mim e, antes do fim do dia, me
tornarei um homem de Caswell novamente, um cavaleiro de Ponte
Amarga.”
Não há honra alguma nisso, Dunk quase falou, mas mordeu a
língua em vez disso. Sor Kyle não seria o primeiro cavaleiro errante
a trocar sua honra por um lugar quente próximo ao fogo. “Como
diz,” ele murmurou. “Boa sorte para você. Ou má, como preferir.”
Lorde Joffrey Caswell era um jovem magricela nos seus vinte e
poucos anos, embora admitidamente ele parecesse mais impressio-
nante em sua armadura do que na noite anterior, com o rosto caído
sobre uma poça de vinho. Um centauro amarelo estava pintado no
seu escudo, puxando um arco longo. O mesmo centauro adornava os
ornamentos de seda branca de seu cavalo e cintilava no topo de seu
elmo num dourado amarelo. Um homem que tem um centauro
como brasão deveria cavalgar melhor. Dunk não sabia quão bem Sor
Kyle empunhava uma lança, mas, pela maneira como Lorde Caswell
montava no cavalo, parecia que uma tosse forte o derrubaria da sela.
Tudo que o Gato precisava fazer era cavalgar por ele bem rápido.
Egg segurou a rédea de Thunder quando Dunk içou-se pesada-
mente para cima da sela alta e dura. Enquanto esperava sentado, ele
podia sentir os olhares virados para ele. Eles estão se perguntando se
o cavaleiro errante grandalhão é bom. Dunk questionava-se sobre a
mesma coisa. Ele descobriria isso em breve.
O Gato de Misty Moor manteve sua palavra. A lança de Lorde
Caswell bamboleou por todo o caminho através do campo, e a de Sor
P á g i n a | 64
Kyle estava mal apontada. Nenhum homem sequer fez o cavalo an-
dar a meio galope. Contudo, o Gato caiu quando a ponta da lança de
Lorde Joffrey teve a chance de golpear seu ombro. Eu pensava que
todos os gatos pousavam de pé graciosamente, Dunk refletiu en-
quanto o cavaleiro errante rolava na poeira. A lança de Lorde
Caswell permaneceu intocada. Quando trouxe seu cavalo de volte,
ele empinou o cavalo repetidamente, como se tivesse acabado de
derrubar Leo Longthorn ou A Tempestade Que Gargalha. O Gato
removeu o elmo e pôs-se a perseguir seu cavalo.
“Meu escudo,” Dunk pediu a Egg. O menino o entregou. Ele
deslizou seu braço esquerdo pela correia e fechou sua mão ao redor
da alça. O peso do escudo de lágrima74 era reconfortante, embora seu
comprimento tornava-o incômodo de segurar, e ver o homem enfor-
cado novamente deixou-o inquieto. Este é um brasão de mau agouro.
Ele resolveu mandar o escudo para repintar o mais cedo possível.
Que o Guerreiro me dê um bom percurso e uma vitória rápida, ele
rezou enquanto o arauto de Butterwell subia os degraus mais uma
vez. “Sor Uthor Underleaf,” a voz dele ecoou. “O Cavaleiro da Forca.
Apresentem-se e provem seu valor.”
“Cuidado, sor,” Egg o alertou ao entregar a Dunk sua lança de
torneio, uma haste de madeira afilada de doze pés75 que terminava
numa ponta de ferro arredondada no formato de um punho fechado.
“Os outros escudeiros disseram que Sor Uthor tem um bom assento
de sela. E ele é rápido.”
“Rápido?” Dunk bufou. “Ele tem um caracol no escudo. Quão
veloz ele pode ser?” Ele colocou seus calcanhares nos flancos de
Thunder e moveu o cavalo para frente vagarosamente, com sua
lança na vertical. Uma vitória, e eu não serei pior do que era antes.
Duas nos deixarão bem à frente. Duas não é muito pelo qual torcer,
nesta companhia. Ele foi afortunado nos sorteios, pelo menos. Ele
poderia facilmente ter pegado Old Ox ou Sor Kirby Pimm ou algum
outro herói local. Dunk se perguntou se o mestre dos jogos estava
deliberadamente colocando os cavaleiros errantes uns contra os ou-
tros, para que nenhum fidalgo sofresse a desonra de perder para um
74 “Kite shield” é um escudo em forma de uma gota de cabeça para baixo. 75 Aproximadamente 3,65 metros.
P á g i n a | 65
deles no primeiro duelo. Não importa. Um adversário por vez, o ve-
lho homem sempre dizia. Sor Uthor deve ser minha única preocupa-
ção agora.
Eles encontraram-se abaixo do estande onde Lorde e Lady
Butterwell estavam sentados em suas almofadas, na sombra das
muralhas do castelo. Lorde Frey estava atrás deles, abanando seu fi-
lho ranhoso sobre um joelho. Uma fila de criadas estava abanando-
os, e ainda assim a túnica cor de damasco de Lorde Frey estava man-
chada debaixo dos braços, e o cabelo de sua senhora estava flácido
por causa do suor. Ela parecia estar com calor, entediada e
desconfortável, mas quando viu Dunk ela puxou um peito pra fora
de uma maneira que fez Dunk enrubescer sob o elmo. Ele inclinou
sua lança para ela e para seu senhor marido. Sor Uthor fez o mesmo.
Butterwell desejou-lhes um bom duelo. Sua esposa mostrou a língua.
Chegou a hora. Dunk trotou de volta pra extremidade sul da
arena. A oitenta pés de distância76, seu oponente também estava se
preparando em sua posição. Seu garanhão cinza era menor do que
Thunder, porém, mais novo e mais espirituoso. Sor Uthor usava uma
placa de marfim verde e uma cota de malha prateada. Tiras de seda
verde e cinza corriam do bacinete arredondado, e seu escudo verde
trazia um caracol prateado. Uma boa armadura e um bom cavalo
significam um bom resgate, caso eu o derrube.
Uma trombeta soou.
Thunder avançou num trote lento. Dunk brandiu sua lança
para a esquerda e a abaixou, para que ela se inclinasse pro outro lado
da cabeça do cavalo e da barreira de madeira que foi posta entre ele e
seu adversário. Seu escudo protegia o lado esquerdo do seu corpo.
Ele agachou-se para frente, com as pernas se retesando conforme
Thunder dirigia-se até o fim da liça. Somos um só. Homem, cavalo,
lança, nós somos uma única besta de sangue, madeira e ferro.
Sor Uthor saiu em disparada, com nuvens de poeira levantando
das ferraduras do seu cinzento. Com quarenta jardas77 entre eles,
Dunk impulsionou o cavalo num galope e mirou a ponta da lança
76 Aproximadamente 24,3 metros. 77 " 36,6 metros.
P á g i n a | 66
diretamente no caracol prateado. O sol taciturno, a poeira, o calor, o
castelo, Lorde Butterwell e sua noiva, o Violinista e Sor Maynard,
cavaleiros, escudeiros, cavalariços, plebeus, tudo desaparecera. So-
mente o adversário permanecia. As esporas novamente. Thunder
irrompeu. O caracol estava correndo em direção a eles, crescendo a
cada passo dado pelas longas pernas do cinzento… mas adiante veio
a lança de Sor Uthor com seu punho de ferro. Meu escudo é forte;
meu escudo resistirá ao golpe. Apenas o caracol importa. Atinja o
caracol, e a vitória é minha.
Quando estavam a dez jardas78 um do outro, Sor Uthor elevou
a ponta da lança.
Um crack soou no ouvido de Dunk quando sua lança golpeou.
Ele sentiu o impacto no braço e no ombro, mas nunca chegou a ver o
contra-ataque. O punho de ferro de Uthor acertou-o bem entre os
olhos, com toda a força de um homem e de um cavalo nele colocada.
78 Aproximadamente 9 metros.
P á g i n a | 67
CAPÍTULO 10
Dunk acordou de costas, encarando os arcos do teto abobadado.
Por um momento, ele não sabia onde estava, ou como ele havia che-
gado lá. Vozes ecoavam em sua mente e rostos vagavam por ele — o
velho Sor Arlan, Tanselle Alta-Demais, Bennis do Escudo Marrom, a
Viúva Vermelha, Baelor Breakspear, Aerion, o Príncipe Brilhante79, a
triste e louca Lady Vaith. Então, de repente, ele recordou-se da justa:
o calor, o caracol, o punho de ferro vindo em direção a seu rosto. Ele
gemeu e rolou sobre um cotovelo. O movimento fez seu crânio
martelar como um monstruoso tambor de guerra.
Ambos os seus olhos pareciam funcionar, pelo menos. Ele nem
conseguia sentir o buraco em sua cabeça, o que era ótimo. Ele estava
em alguma adega, notou, com barris de vinho e cerveja por todo
lado. Pelo menos está fresco aqui, ele pensou, e tem bebida à mão. O
gosto de sangue estava na sua boca. Dunk sentiu uma pontada de
medo. Se ele tinha mordido fora a língua, ele seria tanto burro
quanto cabeça dura. “Bom dia,” ele falou roucamente, só para ouvir a
própria voz. As palavras ecoaram pela adega. Dunk tentou levantar-
se, mas o esforço fez com que a adega começasse a girar.
“Devagar, devagar,” falou uma voz trêmula por perto. Um ho-
mem velho e encurvado apareceu ao lado da cama, vestido com
mantos tão cinzas como seus longos cabelos. Em volta do pescoço
havia uma corrente de meistre de muitos metais. Seu rosto era
envelhecido e enrugado, com profundas linhas em ambos os lados
de um grande nariz adunco. “Fique parado e deixe-me checar seus
olhos.” Ele examinou o olho esquerdo de Dunk, e então o direito,
mantendo-os abertos com seu dedo polegar e indicador.
“Minha cabeça dói.”
O meistre bufou. “Fique agradecido por ela ainda estar em
cima de seus ombros, sor. Aqui, isto pode ajudar um pouco. Beba.”
79 Aerion, The Bright Prince.
P á g i n a | 68
Dunk forçou-se a engolir cada gota da fétida poção e conseguiu
não cuspi-la. “O torneio,” ele falou, limpando a boca com as costas da
mão. “Conte-me. O que aconteceu?”
“A mesma tolice que sempre acontece nessas disputas. Homens
têm derrubado uns aos outros dos cavalos com varas. O sobrinho de
Lorde Smallwood quebrou o pulso, e a perna de Sor Eden Risley foi
esmagada sob o cavalo, mas ninguém foi morto até agora. Apesar de
que eu temi por você, sor.”
“Eu fui derrubado?” Sua cabeça ainda parecia estar cheia de lã,
do contrário ele nunca teria feito uma pergunta tão estúpida. Dunk
arrependeu-se no instante em que as palavras saíram.
“Por uma colisão que abalaria o melhor dos baluartes. Aqueles
que apostaram uma boa grana em você ficaram perturbados, e o seu
escudeiro estava fora de si. Ele ainda estaria sentado com você se eu
não o tivesse afugentado. Não preciso de criança sob meus pés. Eu
lembrei-o de seu dever.”
Dunk achou que era ele quem precisava ser lembrado. “Que de-
ver?”
“Sua montaria, sor. Suas armas e armadura.”
“Sim,” Dunk disse, recordando. O garoto era um bom escu-
deiro; ele sabia o que era exigido dele. Eu perdi a espada do velho
homem e a armadura que Steely Pate80 forjou para mim.
“Seu amigo violinista também estava procurando por você. Ele
me disse que você deveria receber os melhores cuidados. Eu botei-o
para fora também.”
“Há quanto tempo você tem cuidado de mim?” Dunk flexionou
os dedos da sua mão da espada. Todos pareciam funcionar bem. Ape-
nas minha cabeça dói, e, de qualquer forma, Sor Arlan costumava
dizer que eu nunca a tinha usado.
“Há quatro horas, segundo o relógio solar.”
Quatro horas não era tão ruim. Ele uma vez ouvira uma histó-
ria de um cavaleiro golpeado com tanta força que ele dormiu por
80 Pate de Aço.
P á g i n a | 69
quarenta anos e acordou para se ver velho e definhado. “Você sabe se
Sor Uthor ganhou sua segunda partida?” Talvez o Caracol vença o
torneio. Isso diminuiria seu tormento causado pela sua derrota, caso
Dunk pudesse dizer a si mesmo que ele perdera para o melhor cava-
leiro do campo.
“Aquele lá? De fato, sim, ele ganhou. Contra Sor Addam Frey,
um primo da noiva, e um lanceiro jovem e promissor. Sua Ladyship81
desmaiou quando Sor Addam caiu. Ela precisou de ajuda para voltar
para seus aposentos.”
Dunk obrigou-se a se pôr de pé, cambalou ao levantar-se, mas o
meistre o ajudou a se equilibrar. “Onde estão minhas roupas? Eu
devo ir. Eu tenho que… eu devo…”
“Se você não se lembra, não deve ser muito urgente.” O meistre
fez um gesto irritado. “Eu lhe sugiro que evite alimentos ricos, be-
bida forte e mais golpes entre seus olhos… porém, aprendi há muito
tempo que cavaleiros são surdos ao bom senso. Vá, vá. Tenho outros
tolos a atender.”
81 Mantive no original porque, traduzido, ficaria “Senhoria” também, o que
poderia causar alguma confusão.
P á g i n a | 70
CAPÍTULO 11
Do lado de fora, Dunk avistou um falcão voando em largos cír-
culos através do céu azul brilhante. Ele o invejou. Umas poucas nu-
vens aglomeravam-se ao leste, escuras como o humor de Dunk.
Quando ele encontrou seu caminho de volta ao local da disputa, o
sol bateu em sua cabeça como um martelo num prego. A terra pare-
cia movimentar-se sob seus pés… ou talvez ele estivesse oscilando.
Ele quase caiu duas vezes ao subir os degraus da adega. Eu devia ter
dado ouvidos a Egg.
Ele andou lentamente pela ala externa, ao redor das margens
da multidão. No campo, o roliço Lorde Alyn Cockshaw estava se reti-
rando e mancando entre dois escudeiros, a última conquista do jo-
vem Glendon Ball. Um terceiro escudeiro segurava seu elmo, com
suas três orgulhosas penas quebradas. “Sor John, o Violinista,” o
arauto gritou. “Sor Franklyn da Casa Frey, um cavaleiro das Gêmeas,
juramentado ao Lorde da Travessia. Apresentem-se e provem seu va-
lor.”
Dunk só podia ficar e assistir enquanto o grande garanhão ne-
gro do Violinista trotava para dentro do campo, num turbilhão de
seda azul e espadas douradas e violinos. Seu peitoral também era
esmaltado de azul, assim como suas joelheiras, cotoveleiras, grevas e
seu gorjal. Sua cota de malha por baixo era dourada. Sor Franklyn
montava um cavalo tordilho82 com uma fluida crina prateada, para
combinar com a cor cinza da sua seda e da sua armadura. No escudo,
na túnica e nos ornamentos do cavalo, ele carregava as torres gê-
meas de Frey. Eles investiram e voltaram a investir. Dunk ficou assis-
tindo, mas não viu nada do que se passou. Dunk, o marmelo, de ca-
beça mais dura que a muralha de um castelo, repreendeu a si
mesmo. Ele tinha um caracol no escudo. Como você pôde perder
para um homem com um caracol no escudo?
Estavam torcendo ao seu redor. Quando Dunk ergueu os olhos,
ele viu que Franklyn Frey havia sido derrubado. O Violinista
desmontou para ajudar seu oponente caído a se levantar. Ele está um 82 De cor acinzentada.
P á g i n a | 71
passo mais próximo do seu ovo de dragão, Dunk pensou, e onde eu
estou?
Conforme se aproximava do portão traseiro, Dunk deparou-se
com a companhia de anões do banquete da noite anterior se prepa-
rando para ir embora. Eles estavam amarrando os pôneis ao seu
porco de madeira com rodas e a uma segunda carroça de um design
mais tradicional. Havia seis deles, ele notou, cada um menor e mais
deformado do que o outro. Alguns talvez fossem crianças, mas eles
eram tão pequenos que ficava difícil dizer. Na luz do dia, vestidos
com calções de pele de cavalo e mantos encapuzados de tecido gros-
seiro, eles pareciam menos divertidos do que usando manta de reta-
lhos. “Bom dia para vocês,” Dunk falou, tentando ser cortês. “Vocês
vão pegar a estrada? Há nuvens ao leste; podem trazer chuva.”
A única resposta que recebeu foi um olhar penetrante do anão
mais feio. Foi ele que eu arranquei de cima de Lady Butterwell noite
passada? De perto, o pequeno homem cheirava como uma latrina.
Uma baforada foi o suficiente para fazer Dunk apertar o passo.
A caminhada pela Milkhouse deu a Dunk a impressão de ter le-
vado mais tempo do que quando ele e Egg atravessaram as areias de
Dorne. Ele manteve-se ao lado de um muro, e de vez em quando se
inclinava sobre ele. Toda vez que virava a cabeça, o mundo come-
çava a flutuar. Um gole, ele pensou. Preciso de um gole de água, ou
do contrário eu cairei.
Um cavalariço que passava disse-lhe onde poderia achar o poço
mais próximo. Foi lá que ele encontrou Kyle, o Gato, falando baixo
com Maynard Plumm. Os ombros de Sor Kyle estavam caídos de
desânimo, mas ele olhou para Dunk quando este se aproximou. “Sor
Duncan? Tínhamos ouvido que você estava morto ou morrendo.”
Dunk esfregou suas têmporas. “Eu bem que queria estar.”
“Conheço bem esse sentimento.” Sor Kyle suspirou. “Lorde
Caswell não me reconheceu. Quando lhe disse que eu havia forjado
sua primeira espada, ele encarou-me como se eu tivesse perdido meu
juízo. Ele disse que não havia lugar em Ponte Amarga para cavalei-
ros tão fracos como eu demonstrei ser.” O Gato soltou um riso
P á g i n a | 72
amargo. “Apesar disso, ele pegou minhas armas e minha armadura.
Minha montaria também. O que vou fazer?”
Dunk não tinha nenhuma resposta para ele. Até mesmo um ca-
valeiro livre precisa de um cavalo para montar; assim como
mercenários devem ter espadas para vender. “Você encontrará outro
cavalo,” Dunk falou, enquanto puxava o balde para cima. “Os Sete
Reinos estão cheios de cavalos. Você achará algum outro senhor para
armá-lo.” Ele fez uma concha com as mãos, encheu-as de água e be-
beu.
“Algum outro senhor. Sim. Você sabe de algum? Não sou tão
jovem e forte como você. Nem tão grande. Homens grandes sempre
são procurados. Lorde Butterwell gosta de cavaleiros corpulentos,
pelo menos. Olhe para aquele Tom Heddle. Você o viu justar? Ele
derrubou todo homem com quem duelou. Embora o garoto de
Fireball tenha feito o mesmo. O Violinista também. Quem dera ti-
vesse sido ele a me derrubar. Ele recusa-se a pegar resgates. Ele não
quer nada além do ovo de dragão, ele diz… disso, e da amizade de
seus oponentes caídos. A flor da cavalaria, ele é.”
Maynard Plumm deu uma risada. “O violinista da cavalaria,
quer dizer. Aquele garoto está tecendo uma tempestade com seu vio-
lino83, e todos nós faríamos bem em ir embora antes dela estourar.”
“Ele não aceita resgates?” falou Dunk. “Um gesto nobre.”
“Gestos nobres são fáceis quando sua bolsa está cheia de ouro,”
disse Sor Maynard. “Há uma lição aqui, se você tiver o bom senso de
aprendê-la, Sor Duncan. Não é tarde demais para você ir.”
“Ir? Ir para onde?”
Sor Maynard deu de ombros. “Para qualquer lugar. Winterfell,
Solarestival, Asshai das Sombras. Tanto faz, desde que você não fique
aqui. Leve seu cavalo e sua armadura e saia de mansinho pelo portão
traseiro. Sua falta não será sentida. O Caracol está preocupado com
seu próximo duelo, e o resto de nós só está pensando nas justas.”
83 “Fiddling up a storm”, pelo que pesquisei, pode significar algo como “tocar
violino até cansar”. Ficou meio sem sentido, eu sei, mas optei por deixar
assim para manter o trocadilho do fim da frase (sobre a tempestade
estourando).
P á g i n a | 73
Por meio segundo, Dunk estava tentado. Desde que tivesse ar-
mas e um cavalo, ele permaneceria como um cavaleiro de qualquer
tipo. Sem eles, ele não passaria de um pedinte. Um pedinte grande,
mas ainda assim um pedinte. Mas suas armas e armadura perten-
ciam agora a Sor Uthor. Assim como Thunder. Melhor um pedinte
do que um ladrão. Ele fora ambos no Baixio das Pulgas, quando ele
corria com Ferret, Rafe e Pudding, mas o velho homem o tirara da-
quela vida. Ele sabia o que Sor Arlan de Pennytree diria frente às
sugestões de Plumm. Já que Sor Arlan estava morto, Dunk respon-
deu por ele. “Até mesmo um cavaleiro errante tem sua honra.”
“Você preferiria morrer com sua honra intacta, ou viver com
ela manchada? Não, poupe-me, eu sei o que dirá. Pegue seu garoto e
fuja, cavaleiro da forca. Antes que seu brasão ilustre o seu destino.”
Dunk mostrou-se indignado. “Como você saberia o meu des-
tino? Teve um sonho, como John, o Violinista? O que sabe sobre
Egg?”
“Sei que ovos84 fazem bem ao ficar longe de frigideiras,” falou
Plumm. “Whitewalls não é um lugar saudável para o menino.”
“Como você se saiu no seu duelo, sor?” Dunk perguntou-lhe.
“Oh, eu não me arrisquei nas listas. Os presságios tornaram-se
desfavoráveis. Quem você acha que irá reivindicar o ovo de dragão?”
Eu não, Dunk pensou. “Os Sete sabem. Eu não.”
“Arrisque um palpite, sor. Você tem dois olhos.”
Ele refletiu por um momento. “O Violinista?”
“Muito bem. Você poderia me explicar por que pensou nele?”
“Eu só… tenho um pressentimento.”
“Eu também,” falou Maynard Plumm. “Um mau pressenti-
mento, relacionado a qualquer homem ou menino insensato o bas-
tante para ficar no caminho do nosso Violinista.”
84 Eggs.
P á g i n a | 74
CAPÍTULO 12
Egg estava escovando a pelagem de Thunder do lado de fora
da tenda deles, mas seu olhar estava distante. O rapaz se abalou bas-
tante com a minha queda. “Basta,” Dunk gritou. “Escove-o mais e
Thunder ficará tão careca quanto você.”
“Sor?” Egg largou a escova. “Eu sabia que nenhum caracol estú-
pido poderia matá-lo, sor.” Ele jogou seus braços em volta dele.
Dunk pegou o chapéu mole do garoto e pôs sobre sua própria
cabeça. “O meistre disse que você levou consigo a minha armadura.”
Egg, indignado, apanhou de volta seu chapéu. “Eu esfreguei
sua cota de malha e poli suas grevas, seu gorjal e seu peitoral, sor,
mas seu elmo está rachado e amassado onde a ponta da lança de Sor
Uthor bateu. Você precisará de um armeiro para martelá-lo para
você.”
“Deixe que Sor Uthor mande martelá-lo. O elmo é dele agora.”
Sem cavalo, sem espada, sem armadura. Talvez aqueles anões dei-
xem juntar-me ao seu grupo. Isso seria uma bela visão, seis anões ba-
tendo num gigante com bexigas de porco. “Thunder é dele também.
Venha. Vamos levá-los a ele e desejá-lo boa sorte no resto das suas
justas.”
“Agora, sor? Você não irá resgatar Thunder?”
“Com o que, garoto? Seixos e pelotas de ovelha?”
“Eu pensei sobre isso, sor. Se eu pudesse pegar emprestado —”
Dunk o interrompeu. “Ninguém me emprestará tantas moedas,
Egg. Por que deveriam? O que sou, além de um grande imbecil que
se dizia um cavaleiro até que um caracol com uma vara quase fez
um rombo na sua cabeça?”
“Bem,” falou Egg, “você pode ficar com Rain, sor. Eu voltarei a
montar Maester. Iremos para Solarestival. Você pode arrumar um
serviço na casa do meu pai. Os estábulos dele estão cheios de cavalos.
Você poderia ter um corcel de batalha e um palafrém também.”
P á g i n a | 75
Egg tinha boas intenções, mas Dunk não podia encolher-se de
volta para Solarestival. Não daquela maneira, sem dinheiro e derro-
tado, procurando serviço sem sequer ter uma espada para oferecer.
“Rapaz,” ele falou, “isso é bondoso da sua parte, mas não quero miga-
lhas da mesa do seu senhor pai, nem de seus estábulos. Talvez seja
hora de nos separarmos.” Dunk sempre poderia esgueirar-se para
ingressar na Patrulha da Cidade em Lannisporto ou Vilavelha; eles
gostavam de homens grandes para isso. Eu bati minha cabeça em
cada viga de cada estalagem de Lannisporto a Porto Real, talvez
agora seja a hora do meu tamanho me dar algum lucro em vez de
apenas um inchaço na cabeça. Mas sentinelas não tinham escudeiros.
“Eu ensinei-lhe tudo o que podia, o que foi bem pouco. Você se dará
melhor com um mestre de armas apropriado para acompanhar seu
treinamento, algum velho cavaleiro feroz que saiba em qual extremi-
dade da lança segurar.”
“Não quero um mestre de armas apropriado,” Egg disse. “Eu
quero você. E se eu usasse meu —”
“Não. Nada disso. Não quero ouvir. Vá recolher minhas armas.
Nós vamos oferecê-las a Sor Uthor com meus cumprimentos. Coisas
difíceis somente tornam-se mais difíceis se você adiá-las.”
Egg chutou o chão, seu rosto tão murcho quanto seu grande
chapéu de palha. “Sim, sor. Será como você diz.”
P á g i n a | 76
CAPÍTULO 13
Do lado de fora, a tenda de Sor Uthor era bem simples: uma
ampla caixa quadrada de lona parda fincada ao chão com cordas de
cânhamo. Um caracol prateado adornava a vara central sobre uma
longa bandeira cinza, mas aquela era a única decoração.
“Aguarde aqui,” Dunk disse a Egg. O menino segurava as ré-
deas de Thunder. O grande corcel de batalha marrom estava carre-
gado com armas e com a armadura de Dunk, assemelhando-se com
o novo escudo velho de Dunk. O Cavaleiro da Forca. Que péssimo
cavaleiro misterioso eu provei ser. “Não vai demorar.” Ele abaixou a
cabeça e inclinou-se sobre o ombro pela aba da porta.
O exterior da tenda deixou-o despreparado para o conforto que
encontrou lá dentro. O chão sob os seus pés estava acobertado com
tapetes de tecido de Myr, rico em cores. Uma mesa de cavalete
ornamentado estava rodeada por cadeiras de acampamento. A cama
de plumas estava coberta de travesseiros macios, e um braseiro de
ferro queimava incenso perfumado.
Sor Uthor sentava-se à mesa, com uma pilha de ouro e prata na
sua frente e uma jarra de vinho perto de seu cotovelo, contando
moedas com seu escudeiro, um rapaz desajeitado de idade próxima à
de Dunk. De tempos em tempos, o Caracol mordia uma moeda ou
colocava uma de lado. “Vejo que ainda tenho muito a ensinar-lhe,
Will,” Dunk ouviu-o dizer. “Essa moeda foi cortada e a outra, raspada.
E esta aqui?” Uma peça dourada dançou pelos seus dedos. “Olhe para
as moedas antes de pegá-las. Aqui, diga-me o que vê.” O dragão girou
no ar. Will tentou pegá-lo, mas ele ricocheteou em sua mãe e caiu no
chão. Ele teve que ficar de joelhos para encontrá-lo. Quando achou,
ele virou-o duas vezes antes de dizer, “Este é bom, meu senhor. Há
um dragão num dos lados e um rei no outro…”
Underleaf olhou para Dunk. “O Homem Enforcado. É bom vê-
lo movimentando-se por aí, sor. Temi que eu pudesse tê-lo matado.
Você poderia me fazer a gentileza de instruir meu escudeiro sobre a
natureza dos dragões? Will, dê a moeda a Sor Duncan.”
P á g i n a | 77
Dunk não tinha escolha exceto aceitá-la. Ele me derrubou, ele
tem que me fazer dar cambalhotas para ele também? Franzindo a
testa, ele pesou a moeda em sua palma, examinou ambos os seus la-
dos e provou-a. “Ouro, nem raspada ou cortada. O peso parece bom.
Eu a teria pego também, senhor. O que há de errado com ela?”
“O rei.”
Dunk olhou-a mais de perto. A face na moeda era jovem, sem
barba, bonita. Rei Aerys estava barbudo em suas moedas, assim
como o antigo Rei Aegon. Rei Daeron, que reinou no período entre
eles, tinha a barba raspada, mas não era ele. A moeda não parecia
gasta o bastante para ser anterior a Aegon, o Indigno. Dunk fez uma
carranca ao ver a palavra sob a face. Seis letras. Elas pareciam ser as
mesmas que ele tinha visto em outros dragões. DAERON, as letras
diziam, mas Dunk conhecia o rosto de Daeron, o Bom85, e este não
era ele. Quando olhou de novo, ele notou que havia algo estranho no
formato da quarta letra, não era… “Daemon,” ele soltou. “Está escrito
Daemon. Porém, nunca houve um Rei Daemon, somente —”
“— o Pretendente. Daemon Blackfyre iniciou sua própria cu-
nhagem durante sua rebelião.”
“É ouro, mesmo assim,” Will argumentou. “Se é ouro, deve ser
tão bom quanto os outros dragões, meu senhor.”
O Caracol deu uma bofetada na lateral da cabeça dele. “Imbe-
cil. Sim, é ouro. Ouro de rebelde. Ouro de traidor. É traiçoeiro portar
tal moeda, e duas vezes mais traiçoeiro passá-la adiante. Precisarei
que ela seja derretida.” Ele bateu no homem novamente. “Saia daqui.
Esse bom cavaleiro e eu temos assuntos a serem discutidos.”
Will não perdeu tempo em sair da tenda. “Sente-se,” Sor Uthor
disse educadamente. “Aceita um vinho?” Aqui na sua própria tenda,
Underleaf parecia um homem diferente do que fora no banquete.
Um caracol se esconde na sua concha, Dunk recordou-se.
“Obrigado, mas não.” Ele jogou a moeda de ouro de volta para Sor
Uthor. Ouro de traidor. Ouro Blackfyre. Egg dissera que este era o
85 Daeron, the Good.
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torneio de um traidor, mas eu não dei ouvidos. Ele devia desculpas
ao menino.
“Meio copo,” Underleaf insistiu. “Você parece precisar de um.”
Ele encheu dois copos de vinho e entregou um a Dunk. Sem sua
armadura, ele parecia mais um comerciante do que um cavaleiro.
“Você veio pelo resgate, eu presumo.”
“Sim.” Dunk pegou o vinho. Talvez ajudasse a fazer sua cabeça
parar de latejar. “Eu trouxe meu cavalo, minhas armas e minha
armadura. Pegue-os, com meus cumprimentos.”
Sor Uthor sorriu. “E é agora que eu devo dizer-lhe que você ca-
valgou nobremente.”
Dunk se perguntou se nobremente era uma forma cavalhei-
resca de dizer “desajeitadamente”. “É bondade sua dizer isso, mas —”
“Eu acho que você me entendeu mal, sor. Seria muita ousadia
minha pergunta como você se tornou cavaleiro, sor?”
“Sor Arlan de Pennytree me encontrou no Baixio das Pulgas,
correndo atrás de porcos. Seu antigo escudeiro tinha sido morto no
Redgrass Field, então ele precisava de alguém para cuidar de seu ca-
valo e limpar sua cota de malha. Ele prometeu que me ensinaria a
manejar uma espada e uma lança e a andar a cavalo, se eu fosse com
ele e o servisse, então eu fui.”
“Uma história encantadora… embora se fosse você, eu deixaria
de lado a história dos porcos. Pergunto-lhe, onde está seu Sor Arlan
agora?”
“Ele morreu. Eu o enterrei.”
“Entendo. Você o levou de volta para Pennytree?”
“Não sabia onde era.” Dunk nunca vira o Pennytree do velho
homem. Sor Arlan raramente falava sobre ele, não mais do que
Dunk queria falar sobre o Baixio das Pulgas. “Enterrei-o numa en-
costa voltada para o oeste, para que ele pudesse ver o sol se pôr.” A
cadeira de acampamento rangia alarmantemente sob seu peso.
Sor Uthor retomou seu lugar. “Tenho minha própria armadura
e um cavalo melhor do que o seu. O que eu iria querer com um ve-
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lho rocim acabado, um saco de placas amassadas e uma cota de ma-
lha enferrujada?”
“Steely Pate fez aquela armadura,” Dunk falou, com uma ponta
de raiva. “Egg cuidou bem dela. Não há uma mancha sequer de
ferrugem na minha cota de malha, e o aço é bom e forte.”
“Forte e pesado,” Sor Uthor reclamou, “e grande demais para
qualquer homem de tamanho normal. Você é notavelmente grande,
Duncan, o Alto. Com relação ao seu cavalo, ele é velho demais para
montar e fibroso demais para comer.”
“Thunder não é tão jovem quanto costumava ser,” Dunk admi-
tiu, “e minha armadura é grande, como você diz. Porém, você pode
vendê-la. Em Lannisporto e em Porto Real, há muitos ferreiros que
gostariam de ficar com ela.”
“Por um décimo do que ela vale, talvez,” disse Sor Uthor, “e só
para derretê-la pelo metal. Não. É de doce prata que eu preciso, não
de ferro velho. A moeda do reino. Agora, você quer comprar de volta
as suas armas, ou não?”
Dunk girou o copo de vinho em suas mãos, franzindo as
sobrancelhas. Era feito de prata sólida, com uma linha de caracóis
dourados embutida ao redor da borda. O vinho era dourado também,
e inebriante na língua. “Se desejos fossem peixes, sim, eu pagaria.
Alegremente. Só que —”
“— você não tem dois veados para lutar por elas.”
“Se você pudesse… pudesse me emprestar meu cavalo e minha
armadura de volta, eu poderia pagar o resgate mais tarde. Assim que
eu arrumasse moeda.”
O Caracol parecia entretido. “E onde você a arrumaria?”
“Eu poderia pegar serviço com algum senhor ou…” Era difícil
fazer as palavras saírem. Elas o faziam sentir-se um pedinte. “Pode
levar alguns anos, mas eu lhe pagaria. Eu juro.”
“Sobre sua honra de cavaleiro?”
Dunk enrubesceu. “Eu poderia pôr minha marca num pergami-
nho.”
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“Rabiscos de um cavaleiro errante sobre um pedaço de papel?”
Sor Uthor virou os olhos. “Bom para limpar minha bunda. Nada
mais.”
“Você é um cavaleiro errante também.”
“Agora você me ofende. Eu cavalgo por onde eu quiser e sirvo
a homem nenhum além de mim mesmo, verdade… mas faz muitos
anos desde que eu dormi pela última vez sob uma cerca viva. Eu
acho estalagens muito mais confortáveis. Sou um cavaleiro de tor-
neio, o melhor que você há de conhecer.”
“O melhor?” Sua arrogância fez Dunk se irritar. “A Tempestade
Que Gargalha talvez não concorde, sor. Nem Leo Longthorn, nem o
Bruto de Bracken. Em Ashford Meadow, ninguém mencionou cara-
cóis. Por que será, já que você é um famoso campeão de torneio?”
“Você me ouviu chamar a mim mesmo de campeão? Sendo
um, é possível adquirir renome. Prefiro ganhar uma varíola. Obri-
gado, mas não. Eu ganharei minha próxima justa, sim, mas no final
eu cairei. Butterwell dará trinta dragões para o cavaleiro que conse-
guir o segundo lugar, o que já basta para mim… junto com alguns
resgates consideráveis e o produto das minhas apostas.” Ele gesticu-
lou para as pilhas de veados de prata e dragões de ouro sobre a mesa.
“Você parece ser um camarada saudável, e muito grande. Tamanho
sempre impressiona os tolos, apesar de significar pouco e nada nas
justas. Will foi capaz de obter chances de três a um contra mim.
Lorde Shawney me deu cinco a um, aquele tolo.” Ele pegou um ve-
ado de prata e o fez girar no ar com um peteleco dado com seus lon-
gos. “Old Ox será o próximo a cair. Depois o Cavaleiro de
Pussywillows, se ele sobreviver até lá. Sendo o sentimento o que é, eu
devo ganhar boas chances contra ambos. Os comuns amam seus he-
róis locais.”
“Sor Glendon tem sangue de herói,” Dunk soltou.
“Oh, espero que sim. Sangue de herói deve ser bom de dois a
um. Sangue de prostituta atrai chances mais pobres. Sor Glendon
fala sobre seu suposto pai em cada oportunidade, mas você percebeu
que ele nunca menciona sua mãe? Por um bom motivo. Ele nasceu
de uma seguidora de acampamentos. Jenny, seu nome era. Penny
P á g i n a | 81
Jenny86, chamavam-na, até o Redgrass Field. Na noite anterior à bata-
lha, ela transou com tantos homens que, depois disso, ficou conhe-
cida como Redgrass Jenny. Fireball a teve antes disso, não duvido,
mas outros cem homens também a tiveram. Nosso amigo Glendon
presume bastante, me parece. Ele não tem sequer cabelo vermelho.”
Sangue de herói, pensou Dunk. “Ele diz que é um cavaleiro.”
“Oh, isso sim é verdade. O garoto e sua irmã cresceram num
bordel chamado de Pussywillows. Após Penny Jenny morrer, as ou-
tras prostitutas cuidaram deles e alimentaram o menino com a histó-
ria inventada por sua mãe, sobre ele ser da semente de Fireball. Um
velho escudeiro que vivia nas proximidades deu treinamento ao me-
nino, por pior que fosse87, em troca de cerveja e boceta, porém, sendo
um escudeiro, ele não podia nomear o pequeno bastardo cavaleiro.
Meio ano atrás, no entanto, um grupo de cavaleiros apareceu por
acaso no bordel, e um certo Sor Morgan Dunstable, quanto estava
bêbado, se atraiu pela irmã de Sor Glendon. Porventura, a irmã ainda
era virgem e Dunstable não tinha como pagar pela sua virgindade.
Então um acordo foi feito. Sor Morgan condecorou seu irmão com o
título de cavaleiro, lá mesmo em Pussywillows na frente de vinte
testemunhas, e depois a irmãzinha levou-o pro andar de cima e o dei-
xou deflorá-la. E pronto.”
Qualquer cavaleiro podia fazer um cavaleiro. Quando estava
servindo como escudeiro de Sor Arlan, Dunk tinha ouvido histórias
de outros homens que compraram seu título de cavaleiro com uma
gentileza ou uma ameaça ou com um saco de moedas de prata, mas
nunca com a virgindade de uma irmã. “É apenas uma história,” ele se
ouviu dizer. “Não pode ser verdade.”
“Eu a ouvi de Kirby Plumm, que alega ter estado lá como teste-
munha da nomeação.” Sor Uthor deu de ombros. “Seja ele filho de
herói, filho de prostituta, ou ambos, quando me enfrentar, o menino
irá cair.”
“O sorteio pode dar-lhe algum outro oponente.”
86 Jenny Centavo. 87 “Such that it was”. Não sabia ao certo como traduzir isso.
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Sor Uthor arqueou uma sobrancelha. “Cosgrove é tão afeiçoado
à prata quanto o homem seguinte. Eu lhe prometo, eu tirarei Old Ox
na próxima vez, e então o menino. Você gostaria de fazer uma
aposta?”
“Não tenho nada sobrando para apostar.” Dunk não sabia o que
o angustiava mais: descobrir que o Caracol estava subornando o mes-
tre dos jogos para escolher os pareamentos que ele queria, ou perce-
ber que o homem desejara a ele. Ele ficou de pé. “Eu já disse o que
vim aqui dizer. Meu cavalo e minha espada são seus, assim como
toda minha armadura.”
O Caracol juntou as pontas dos dedos88. “Talvez haja outra ma-
neira. Você não é completamente desprovido de talentos. Você cai
esplendidamente.” Os lábios de Sor Uthor brilharam quando ele sor-
riu. “Eu lhe emprestarei de volta seu cavalo e sua armadura… se
você servir a mim.”
“Servir?” Dunk não compreendeu. “Que tipo de serviço? Você
tem um escudeiro. Você precisa guarnecer algum castelo?”
“Talvez, caso eu tivesse um castelo. Verdade seja dita, prefiro
uma boa estalagem. Castelos são muito caros de manter. Não, o ser-
viço que eu lhe pediria é que você me enfrente em mais alguns tor-
neios. Vinte deve ser o suficiente. Você pode fazer isso, certamente?
Você ganhará um décimo do meu lucro, e futuramente prometo-lhe
golpear seu peito largo, e não sua cabeça.”
“Você quer que eu viaje por aí com você para ser derrubado?”
Sor Uthor riu agradavelmente. “Você é um espécime robusto,
ninguém acreditaria que algum homem velho de ombros arredonda-
dos com um caracol em seu escudo poderia derrubá-lo.” Ele esfregou
o queixo. “Você precisa de um novo equipamento, aliás. Aquele ho-
mem enforcado é sombrio o bastante, garanto a você, mas… bem,
ele está enforcado, certo? Morto ou derrotado. É necessário algo mais
feroz. A cabeça de um urso, talvez. Um crânio. Ou três crânios, me-
lhor ainda. Um bebê empalado numa lança. E você deveria deixar o
cabelo crescer e cultivar uma barba. Quanto mais selvagem e
despenteado, melhor. Há mais desses pequenos torneios do que ima- 88 Tipo Senhor Burns, pelo que entendi. =P
P á g i n a | 83
gina. Com as chances que obterei, nós ganharíamos o suficiente para
comprar um ovo de dragão antes —”
“— que descubram que eu não tinha mais esperanças? Eu perdi
minha armadura, não minha honra. Você ficará com Thunder e com
minhas armas, e nada mais.”
“O mal do orgulho torna-o um pedinte, sor. Você poderia fazer
pior do que cavalgar comigo. Pelo menos eu poderia ensiná-lo uma
coisa ou outra sobre justar, coisa na qual você é um porco ignorante
atualmente.”
“Você me faria de bobo.”
“Eu fiz isso mais cedo. E até mesmo bobos têm de comer.”
Dunk queria arrancar aquele sorriso do rosto dele. “Vejo por
que você tem um caracol no seu escudo. Você não é nenhum cava-
leiro de verdade.”
“Falou como um verdadeiro imbecil. Você é tão cego que falha
em ver o perigo?” Sor Uthor pôs seu copo de lado. “Você sabe por
que eu o golpeei na cabeça, sor?” Ele levantou-se e tocou levemente
no meio do peito de Dunk. “Uma ponta de lança mirada aqui teria
derrubado-o com a mesma rapidez. A cabeça é um alvo menor, o
golpe é mais difícil de acertar… embora provavelmente mais mortal.
Eu fui pago para acertá-lo nela.”
“Pago?” Dunk afastou-se dele. “O que quer dizer?”
“Seis dragões pagos antecipadamente, mais quatro prometidos
para quando você morresse. Uma bagatela pela vida de um cava-
leiro. Seja grato por isso. Se tivessem me oferecido mais, eu podia ter
colocado a ponta da minha lança pela fenda do seu olho.”
Dunk sentiu-se tonto de novo. Por que alguém pagaria para me
ver morto? Não fiz mal algum a nenhum homem em Whitewalls.
Certamente ninguém o odiava tanto quanto o irmão de Egg, Aerion,
e o Príncipe Brilhante estava exilado do outro lado do mar estreito.
“Quem lhe pagou?”
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“Um criado trouxe o ouro ao nascer do sol, não muito depois
do mestre dos jogos ter pregado a lista com os pares formados. Seu
rosto estava encapuzado, e ele não disse o nome de seu senhor.”
“Mas por quê?” disse Dunk.
“Não perguntei.” Sor Uthor encheu seu copo novamente. “Acho
que você tem mais inimigos do que imagina, Sor Duncan. Como
não? Há alguns que diriam que você foi a causa de todos os nossos
problemas.”
Dunk sentiu uma mão gelada em seu coração. “Explique o que
você quis dizer.”
O Caracol encolheu os ombros. “Posso não ter estado em
Ashford Meadow, mas justas são como meu pão e sal. Acompanho
torneios de longe tão fielmente quanto os meistres seguem as estre-
las. Eu sei como um determinado cavaleiro errante tornou-se a causa
do Julgamento dos Sete em Ashford Meadow, resultando na morte
de Baelor Breakspear pela mão de seu irmão Maekar.” Sor Uthor sen-
tou-se e esticou as pernas. “Príncipe Baelor era bem amado. O Prín-
cipe Brilhante tinha amigos também, amigos que não esqueceram a
causa do seu exílio. Pense na minha oferta, sor. O caracol pode deixar
um rastro de limo atrás dele, mas um pouco de limo não fará mal a
homem algum… enquanto que, ao dançar com dragões, você pode
prever que irá se queimar.”
P á g i n a | 85
CAPÍTULO 14
O dia parecia mais escuro quando Dunk saiu da tenda do Cara-
col. As nuvens ao leste tinham aumentado e escurecido, e o sol es-
tava se pondo no oeste, lançando longas sombras pelo pátio. Dunk
escudeiro o escudeiro Will inspecionando os pés de Thunder.
“Onde está Egg?” ele perguntou.
“O menino calvo? Como vou saber? Fugiu para algum lugar.”
Ele não conseguiu suportar ter que dizer adeus a Thunder,
Dunk decidiu. Ele estará de volta na tenda com seus livros.
No entanto, ele não estava. Os livros estavam lá, agrupados
cuidadosamente numa pilha ao lado do saco de dormir de Egg, mas
não havia sinal do garoto. Havia algo errado aqui. Dunk podia sentir.
Não era típico de Egg vagar por aí sem sua permissão.
Um par de soldados grisalhos estava bebendo cerveja de ce-
vada do lado de fora de um pavilhão listrado a poucos metros de
distância. “… bom, que se dane, uma vez já é o bastante para mim,”
um murmurou. “A grama estava verde quando o sol nasceu, sim…”
Ele foi interrompido quando o outro homem deu-lhe uma cutucada,
e só então ele notou Dunk. “Sor?”
“Vocês viram meu escudeiro? Egg, o nome dele.”
O homem coçou a barba cinzenta sob uma orelha. “Eu me lem-
bro dele. Tem menos cabelo do que eu, e uma boca três vezes maior
do que seu tamanho. Alguns dos outros rapazes o empurraram um
pouco, mas isso foi noite passada. Não o vejo desde então, sor.”
“Afugentaram-no,” disse seu companheiro.
Dunk deu-lhe um olhar severo. “Se ele voltar, digam-lhe para
esperar por mim aqui.”
“Sim, sor. Faremos isso.”
Pode ser que ele tenha ido assistir às justas. Dunk se dirigiu à
arena. Quando passou pelos estábulos, ele topou com Sor Glendon
P á g i n a | 86
Ball escovando um belo alazão de guerra. “Você viu Egg?” ele
perguntou-lhe.
“Ele passou correndo há uns instantes.” Sor Glendon retirou
uma cenoura do seu bolso e a deu para o alazão. “Você gosta do meu
novo cavalo? Lorde Costayne mandou seu escudeiro para pagar o
resgate por ela, mas eu lhe disse para guardar seu ouro. Planejo ficar
com ela para mim.”
“Sua Senhoria não gostará disso.”
“Sua Senhoria disse que eu não tinha o direito de colocar uma
bola de fogo em meu escudo. Ele me disse que meu equipamento
devia ter uma moita de salgueiros. Sua Senhoria pode ir se danar.”
Dunk não conseguiu conter o sorriso. Ele próprio tinha jantado
na mesma mesa, engolido as mesmas comidas amargas que foram
servidas por tipos como o Príncipe Brilhante e Sor Steffon Fossoway.
Ele sentia certa afinidade com o irritadiço jovem cavaleiro. Pelo que
sei, minha mãe também era uma prostituta. “Quantos cavalos você
ganhou?”
Sor Glendon deu de ombros. “Perdi a conta. Mortimer Boggs
ainda me deve um. Ele disse que preferiria comer seu cavalo a ter o
bastardo de uma puta montando-o. E ele martelou sua armadura an-
tes de mandá-la para mim. Está cheia de buracos. Suponho que eu
ainda consigo receber algo pelo metal.” Ele soava mais triste do que
com raiva. “Há um estábulo perto do… da estalagem onde fui criado.
Trabalhei lá quando era menino, e, quando podia, eu saia de fininho
com os cavalos quando seus donos estavam ocupados. Sempre fui
bom com cavalos. Stots89, rounseys90, palafréns, cavalos de tiro, cava-
los de arado, cavalos de batalha — montei todos eles. Até mesmo um
corcel de areia de Dorne. Esse homem velho que conheci ensinou-
me como fazer minhas próprias lanças. Pensei que, se eu mostrasse a
todos eles quão bom eu era, eles não teriam escolha senão admitir
que eu era filho de meu pai. Mas eles não o fizeram. Nem mesmo
agora. Simplesmente se recusam.”
89 Cavalo sem muito valor que às vezes era usado para trabalho agrícola. 90 Cavalo comum de uso geral. Aqui explica melhor os tipos de cavalos.
P á g i n a | 87
“Alguns nunca o farão,” Dunk lhe disse. “Não importa o que
você faça. Outros, no entanto… não são todos iguais. Eu conheci al-
guns bons.” Ele pensou por um momento. “Quando o torneio termi-
nar, Egg e eu pretendemos ir para o norte. Pegar serviço em
Winterfell e lutar pelos Starks contra os homens de ferro. Você pode-
ria vir conosco.” O norte era um mundo próprio, Sor Arlan sempre
dizia. Provavelmente ninguém lá em cima sabe a história de Penny
Jenny e o Cavaleiro de Pussywillows. Ninguém rirá de você lá. Eles o
conhecerão somente pela sua espada e o julgarão pelo seu valor.
Sor Glendon lhe deu um olhar desconfiado. “Por que eu deseja-
ria fazer isso? Está me dizendo que devo fugir e me esconder?”
“Não. Eu só pensei… em duas espadas em vez de uma. As estra-
das já não são tão seguras como foram um dia.”
“Isso é verdade,” o rapaz disse a contragosto, “mas uma vez foi
prometido a meu pai um lugar na Guarda Real. Eu intenciono
reivindicar o manto branco que ele nunca pôde usar.”
Você tem tanta chance de usar um manto branco quanto eu,
Dunk quase falou. Você nasceu de uma seguidora de acampamentos,
e eu rastejei para fora das sarjetas do Baixio das Pulgas. Reis não
honram pessoas como você e eu. O garoto não aceitaria aquela ver-
dade amigavelmente, no entanto. Em vez disso, ele falou, “Força pros
seus braços, então.”
Ele não tinha caminhado mais do que alguns metros quando
Sor Glendon chamou por ele. “Sor Duncan, espere. Eu… eu não de-
via ter sido tão brusco. Um cavaleiro deve ser cortês, minha mãe
costumava falar.” O garoto parecia estar lutando com as palavras.
“Lorde Peake veio me ver após minha última justa. Ele me ofereceu
um lugar em Starpike. Ele disse que está chegando uma tempestade
do tipo que Westeros não vê há uma geração, e que ele precisaria de
espadas e de homens para empunhá-las. Homens leais, que saibam
como obedecer.”
Dunk mal podia acreditar. Gormon Peake deixou claro o seu
desprezo por cavaleiros errantes, tanto na estrada quanto no telhado,
mas a oferta era bem generosa. “Peake é um ótimo senhor,” ele fa-
P á g i n a | 88
lou, cauteloso, “porém… porém, não é um homem em quem eu
confiaria, eu acho.”
“Não.” O menino corou. “Há um preço. Ele aceitará meus servi-
ços, ele disse… mas primeiro terei de provar minha lealdade. Ele iria
certificar-se de que eu justaria contra seu amigo, o Violinista, em se-
guida, e queria que jurasse que eu iria perder.”
Dunk acreditou nele. Ele devia estar chocado, ele sabia, mas de
alguma forma não estava. “O que você respondeu?”
“Eu disse que talvez não fosse capaz de perder para o Violinista
mesmo que eu tentasse, que já tinha derrubado homens muito
melhores do que ele, que o ovo de dragão seria meu antes do fim do
dia.” Ball sorriu debilmente. “Não era a resposta que ele desejava. En-
tão, chamou-me de tolo e falou que seria melhor eu tomar cuidado.
O Violinista tem muitos amigos, ele disse, e eu, nenhum.”
Dunk pôs uma mão sobre seu ombro e apertou. “Você tem um,
sor. Dois, assim que eu encontrar Egg.”
O rapaz olhou em seus olhos e assentiu. “É bom saber que
ainda há alguns cavaleiros de verdade.”
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CAPÍTULO 15
Dunk, pela primeira vez, deu uma boa olhada em Sor
Tommard Heddle enquanto procurava por Egg entre a multidão que
rodeava a arena. Atarracado e forte, com o peito parecendo um bar-
ril, o cunhado de Lorde Butterwell usava uma placa preta por cima
de couro fervido, e um elmo ornamentado e moldado no formato de
algum demônio escamoso e babado. Seu cavalo era três mãos mais
alto do que Thunder e 12,7 quilos91 mais pesado. Uma monstruosa
besta armada com revestimento de cota de malha. O peso de todo
aquele ferro tornava-o lento, portanto Heddle nunca passou de um
trote ao fazer o percurso; contudo, isso não o impediu de derrotar Sor
Clarence Charlton rapidamente. Enquanto Charlton era levado do
campo sobre uma liteira, Heddle removeu seu elmo demoníaco. Sua
cabeça era larga e calva; sua barba, preta e quadrada. Furúnculos de
um vermelho raivoso inflamavam nas suas bochechas e no seu pes-
coço.
Dunk conhecia aquele rosto. Heddle era o cavaleiro que rosnou
para ele no quarto quando ele tocou o ovo de dragão, o homem com
uma voz profunda que ele ouvira conversando com Lorde Peake.
Uma confusão de palavras voltou correndo para ele: banquete
de pedinte que você nos ofereceu… o menino é filho de seu pai…
Bittersteel… precisamos da espada… o velho Milkblood espera… o
menino é filho de seu pai… eu prometo-lhe, Bloodraven não está por
aí sonhando… o menino é filho de seu pai?
Ele encarou a arquibancada, imaginando se, de algum modo,
Egg tinha inventado de tomar seu lugar de direito entre os notáveis.
Não havia sinal do menino, no entanto. Butterwell e Frey estavam
ausentes também, apesar de a esposa de Butterwell ainda estar em
seu lugar, parecendo entediada e impaciente. Aquilo era estranho,
Dunk refletiu. Era o castelo de Butterwell, seu casamento, e Frey era
o pai de sua noiva. Essas justas eram em homenagem a eles. Onde
podem ter ido?
91 2 stones (pedras).
P á g i n a | 90
“Sor Uthor Underleaf,” o arauto trovejou. Uma sombra desli-
zou pelo rosto de Dunk conforme o sol era engolido por uma nuvem.
“Sor Theomore da Casa Bulwer, o Old Ox, um cavaleiro de Coroane-
gra92. Apresentem-se e provem seu valor.”
Old Ox parecia temível em sua armadura vermelho-sangue,
com chifres de touro negros subindo por seu elmo. Apesar disso, ele
precisava da ajuda de um escudeiro musculoso para subir no cavalo,
e o modo com o qual sua cabeça sempre ficava virando ao cavalgar
sugeria que Sor Maynard estava certo em relação ao seu olho. Ainda
assim, o homem recebeu uma saudação vigorosa quando entrou em
campo.
Mas não o Caracol, embora ele preferisse assim. Na primeira
passagem, ambos os cavaleiros deram golpes oblíquos. Na segunda,
Old Ox estalou sua lança no escudo de Sor Uthor, ao passo que o
golpe do Caracol errou completamente. O mesmo aconteceu na ter-
ceira passagem, e desta vez Sor Uthor oscilou como fosse cair. Ele
está fingindo, Dunk percebeu. Ele está prolongando a competição a
fim de engordar as chances para a próxima vez. Ele só tinha que
olhar à sua volta para ver Will trabalhando, fazendo apostas para seu
senhor. Só então que lhe ocorreu que ele talvez tivesse engordado
sua própria bolsa com uma moeda ou duas no Caracol. Dunk, o mar-
melo, de cabeça mais dura que a muralha de um castelo.
Old Ox caiu na quinta investida, derrubado pela lateral por
uma ponta de lança que deslizou habilmente pelo seu escudo até gol-
peá-lo no peito. Seu pé emaranhou-se no estribo quando ele caiu, e
ele foi arrastado por quarenta jardas93 pelo campo antes de seus ho-
mens controlarem seu cavalo. Novamente a liteira veio para carregá-
lo até o meistre. Algumas gotas de chuva começaram a cair quando
Bulwer foi levado embora e escureceram sua túnica onde elas caí-
ram. Dunk observou sem expressão. Ele estava pensando em Egg. E
se este meu inimigo secreto pôs as mãos nele? Isso fazia tanto sen-
tido como qualquer outra coisa. O garoto é inocente. Se alguém tem
alguma desavença comigo, não deveria ser ele a responder por isso.
92 Blackcrown. 93 36,6 metros, aprox.
P á g i n a | 91
CAPÍTULO 16
Sor John, o Violinista, estava sendo armado para a próxima
justa quando Dunk o encontrou. Nada menos do que três escudeiros
estavam atendendo-o, afivelando sua armadura e cuidando dos jaezes
do seu cavalo, enquanto Lorde Alyn Cockshaw sentava-se ali perto,
bebendo vinho aguado e parecendo machucado e irritadiço. Quando
avistou Dunk, Lorde Alyn balbuciou, babando vinho sobre seu peito.
“Como você ainda está andando por aí? O Caracol fez um rombo na
sua cabeça.”
“Steely Pate me fez um elmo bom e resistente, meu senhor. E
minha cabeça é dura como pedra, Sor Arlan costumava dizer.”
O Violinista riu. “Não preste atenção em Alyn. O bastardo de
Fireball o fez cair do cavalo com seu traseiro gordo no chão, então
agora ele decidiu que odeia todos os cavaleiros errantes.”
“Aquela miserável criatura cheia de espinhas não é descen-
dente de Quentyn Ball,” insistiu Alyn Cockshaw. “Ele nunca devia ter
tido permissão para competir. Se fosse meu casamento, o teria açoi-
tado pela sua presunção.”
“Qual donzela se casaria com você?” Sor John falou. “E a pre-
sunção de Ball é bem menos irritante do que o seu mau humor. Sor
Duncan, você porventura é um amigo de Galtry, o Verde94? Em
breve, eu devo separá-lo de seu cavalo.”
Dunk não duvidava disso. “Não conheço o homem, meu se-
nhor.”
“Quer um copo de vinho? Um pouco de pão e azeitonas?”
“Quero apenas ter uma palavra com você, meu senhor.”
“Você pode ter todas as palavras que desejar. Vamos para o
meu pavilhão.” O Violinista segurou a aba para ele. “Você não, Alyn.
Você ficaria melhor com menos algumas azeitonas, verdade seja
dita.”
94 Galtry, The Green.
P á g i n a | 92
Lá dentro, o Violinista virou-se para Dunk. “Sabia que Sor
Uthor não o tinha matado. Meus sonhos nunca se enganam. E o
Caracol deve me enfrentar em breve. Assim que eu derrubá-lo, pedi-
rei de volta suas armas e armadura. Seu corcel de batalha também,
embora você merecesse uma montaria melhor. Aceitaria uma como
um presente meu?”
“Eu… não… não poderia fazer isso.” O pensamento incomodou
Dunk. “Não tenciono ser ingrato, mas…”
“Se é a dívida que o incomoda, tire isso da cabeça. Não preciso
da sua prata, sor. Somente da sua amizade. Como você pode tornar-se
um dos meus cavaleiros sem um cavalo?” Sor John vestiu suas mano-
plas com placas sobrepostas de aço95 e flexionou seus dedos.
“Meu escudeiro está desaparecido.”
“Fugiu com uma garota, talvez?”
“Egg é novo demais para garotas, meu senhor. Ele nunca me
deixaria por vontade própria. Mesmo que eu estivesse morrendo, ele
ficaria até que meu corpo estivesse frio. Seu cavalo continua aqui.
Assim como nossa mula.”
“Se quiser, eu poderia pedir a meus homens para procurarem
por ele.”
Meus homens. Dunk não gostou de como aquilo soava. Um tor-
neio para traidores, ele pensou. “Você não é nenhum cavaleiro er-
rante.”
“Não.” O sorriso do Violinista estava cheio de um charme pue-
ril. “Mas você sabia disso desde o início. Você tem me chamado de
meu senhor desde que nos conhecemos na estrada, por que isso?”
“Pela maneira que você fala. Sua aparência. Seu jeito de agir.”
Dunk, o marmelo, de cabeça mais dura que a muralha de um cas-
telo. “Noite passada, no telhado, você disse algumas coisas…”
“Vinho me faz falar demais, mas eu estava falando sério. Nós
pertencemos um ao outro, você e eu. Meus sonhos não mentem.”
95 O termo original é “gauntlets of lobstered steel” que seria uma manopla
assim.
P á g i n a | 93
“Seus sonhos não mentem,” disse Dunk, “mas você sim. John
não é seu nome verdadeiro, é?”
“Não.” Os olhos do Violinista brilhavam com malícia.
Ele tem os olhos de Egg.
“Seu nome verdadeiro será revelado logo, para aqueles que
precisam saber.” Lorde Gormon Peake deslizou para dentro do pavi-
lhão, carrancudo. “Cavaleiro errante, eu avisei —”
“Oh, pare com isso, Gormy,” falou o Violinista. “Sor Duncan
está conosco, ou estará em breve. Eu lhe contei, sonhei com ele.” Do
lado de fora, a trombeta do arauto soou. O Violinista virou a cabeça.
“Estão me chamando para as liças. Peço que me dê licença, Sor
Duncan. Podemos retomar nossa conversa após eu me livrar de Sor
Galtry, o Verde.”
“Força pros seus braços,” Dunk falou. Era somente uma corte-
sia.
Lorde Gormon ficou após Sor John ter ido embora. “Seus so-
nhos matarão a todos nós.”
“O que foi necessário para comprar Sor Galtry?” Dunk se ouviu
dizer. “Prata foi o bastante ou ele exigiu ouro?”
“Alguém andou falando, pelo visto.” Peake sentou-se numa ca-
deira de acampamento. “Tenho uma dúzia de homens lá fora. Eu de-
via chamá-los e ordená-los que cortem sua garganta, sor.”
“Por que não o faz?”
“Sua Graça ficaria descontente.”
Sua Graça. Dunk sentiu como se tivessem socado seu estô-
mago. Outro dragão negro, ele pensou. Outra Rebelião Blackfyre. E
em breve outro Redgrass Field. A grama não estava vermelha
quando o sol nasceu. “Por que este casamento?”
“Lorde Butterwell queria uma nova e jovem esposa para aque-
cer sua cama, e Lorde Frey tinha uma filha um tanto maculada. Suas
núpcias forneceram um pretexto plausível para que alguns senhores
com a mesma mentalidade se reunissem. A maioria dos convidados
P á g i n a | 94
aqui lutou pelo Dragão Negro uma vez. Os restantes têm motivos
para se ressentirem do governo de Bloodraven, ou nutrem queixas e
ambições próprias. Muitos de nós tínhamos filhos e filhas levados
para Porto Real para outorgar nossa lealdade, mas a maior parte dos
reféns morreu da Doença da Grande Primavera. Nossas mãos não
estão mais atadas. Nossa hora chegou. Aerys é fraco. Um homem
estudioso e nada guerreiro. Os comuns mal o conhecem, e não gos-
tam do pouco que sabem sobre ele. Seus senhores o amam menos
ainda. Seu pai era tão fraco como ele, é verdade, mas quando seu
trono estava ameaçado ele tinha filhos para lutar por ele. Baelor e
Maekar, o martelo e a bigorna… mas Baelor Breakspear está morto,
e Príncipe Maekar fica amuado em Solarestival, em desacordo com o
rei e a Mão.”
Sim, pensou Dunk, e agora um tolo cavaleiro errante entregou
o filho favorito dele para as mãos dos seus inimigos. Há uma forma
melhor de assegurar que o príncipe nunca saia de Solarestival? “Fal-
tou Bloodraven,” ele disse. “Ele não é fraco.”
“Não,” Lorde Peake reconheceu, “mas homem nenhum ama
um feiticeiro, e assassinos de parentes são amaldiçoados na visão dos
deuses e dos homens. Ao primeiro sinal de fraqueza ou derrota, os
homens de Bloodraven vão derreter como as neves de verão. E se o
sonho que o príncipe teve se realizar, e um dragão vivo surgir aqui
em Whitewalls —”
Dunk finalizou por ele. “— o trono será seu.”
“Dele,” falou Lorde Gormon Peake. “Não sou nada além de um
humilde servo.” Ele se levantou. “Não tente deixar o castelo, sor.
Caso o faça, tomarei isso como uma prova de traição, e você respon-
derá por ela com a sua vida. Fomos longe demais para voltar agora.”
P á g i n a | 95
CAPÍTULO 17
O céu cinzento estava cuspindo chuva pra valer enquanto John,
o Violinista, e Sor Galtry, o Verde, apanharam lanças novas nas
extremidades opostas da arena. Alguns dos convidados do casamento
jorravam para dentro do grande salão, encolhidos sob os mantos.
Sor Galtry montava um garanhão branco. Uma pluma verde
caída decorava seu elmo, combinando com a pluma do crinet96 de
seu cavalo. Seu manto era um retalho de vários quadrados de tecido,
cada um num tom diferente de verde. A incrustação de ouro fazia
suas grevas e manopla brilharem, e seu escudo mostrava nove tai-
nhas de cor jade sobre uma área verde-prásio97. Até mesmo sua barba
era tingida de verde, na maneira dos homens de Tyrosh do outro
lado do Mar Estreito.
Nove vezes ele e o Violinista irromperam com as lanças nivela-
das, o cavaleiro dos retalhos verdes e o jovem fidalgo de espadas e
violinos dourados, e nove vezes suas lanças foram destruídas. Na oi-
tava partida, o solo começara a amolecer, e os grandes corcéis de
batalha corriam sobre as poças de água da chuva. Na nona, o Violi-
nista quase caiu do cavalo, mas recuperou-se antes disso. “Belo
golpe,” ele gritou, rindo. “Você quase me derrubou, sor.”
“Em breve o farei,” o cavaleiro verde gritou através da chuva.
“Não, acho que não.” O Violinista jogou sua lança despedaçada
longe, e um escudeiro entregou-lhe uma nova.
A corrida seguinte era a última deles. A lança de Sor Galtry
raspou sem resultado no escudo do Violinista, enquanto a de Sor
John acertou diretamente no meio do peito do cavaleiro verde e
derrubou-o de sua sela, para fazê-lo cair com um grande respingo
marrom. Ao leste, Dunk viu o flash de luz distante.
Os estandes estavam esvaziando-se rapidamente conforme os
plebeus e pequenos senhores igualmente se misturavam para sair da
chuva. “Veja como correm,” murmurou Alyn Cockshaw enquanto
96 Parte da armadura do cavalo que protege o pescoço (veja aqui). 97 Parecido com a cor de alho-poró.
P á g i n a | 96
deslizava até junto de Dunk. “Algumas gotas de chuva e todos os
corajosos senhores guinchando por abrigo. O que farão quando a
verdadeira tempestade cair, eu me pergunto?”
A verdadeira tempestade. Dunk sabia que Lorde Alyn não se
referia ao tempo. O que esse aí quer? Ele subitamente resolveu fazer
amizade comigo?
O arauto subiu na sua plataforma mais uma vez. “Sor
Tommard Heddle, um cavaleiro de Whitewalls, a serviço de Lorde
Butterwell!” ele gritou enquanto um trovão retumbava à distância.
“Sor Uthor Underleaf. Apresentem-se e provem seu valor.”
Dunk olhou para Sor Uthor a tempo de ver o sorriso do Cara-
col azedar. Esta não é a partida pela qual ele pagou. O mestre dos jo-
gos o havia trocado, mas por quê? Outra pessoa interveio, alguém
que Cosgrove estima mais do que Uthor Underleaf. Dunk matutou
sobre aquilo por um tempo. Eles não sabem que Uthor não pretende
vencer, ele percebeu de repente. Eles o veem como uma ameaça, en-
tão eles colocaram Black Tom para removê-lo do caminho do Violi-
nista. O próprio Heddle fazia parte da trama de Peake; podiam con-
fiar nele para perder quando fosse necessário. O que deixava nin-
guém além de…
E repentinamente o próprio Lorde Peake estava irrompendo
através do campo enlameado para subir os degraus da plataforma do
arauto, com seu manto agitando atrás dele. “Fomos traídos!” ele gri-
tou. “Bloodraven tem um espião entre nós. O ovo de dragão foi rou-
bado!”
Sor John, o Violinista, girou sua montaria. “Meu ovo? Como é
possível? Lorde Butterwell mantém guardas do lado de fora de seus
aposentos dia e noite.”
“Eles foram mortos,” Lorde Peake declarou, “mas um homem
falou o nome de seu assassino antes de morrer.”
Ele pretende me acusar? Dunk se perguntou. Uma dúzia de ho-
mens o viu tocar no ovo de dragão na noite anterior, quando ele
carregou Lady Butterwell até a cama de seu marido.
P á g i n a | 97
Os dedos de Lorde Gormon apontaram em acusação. “Ali está
ele. O filho de prostituta. Prendam-no.”
Na extremidade das liças, Sor Glendon Ball olhava confuso.
Por um momento, ele parecia não entender o que estava aconte-
cendo, até que viu homens correndo até ele de todas as direções. En-
tão o garoto se moveu mais rápido do que Dunk conseguia imaginar.
Ele estava com metade da espada para fora da bainha quando o pri-
meiro homem jogou um braço em volta de seu pescoço. Ball conse-
guiu torcê-lo e livrar-se de seu aperto, mas até lá mais dois homens
estavam sobre ele. Eles bateram nele e arrastaram-no pela lama. Ou-
tros homens os rodearam, berrando e chutando. Aquele poderia ser
eu, Dunk percebeu. Ele sentiu-se tão desamparado quanto quando
esteve em Ashford, no dia em que lhe disseram que ele devia perder
uma mão e um pé.
Alyn Cockshaw o puxou para trás. “Fique fora disto, se você
quiser achar aquele seu escudeiro.”
Dunk virou para ele. “O que quer dizer?”
“Eu talvez saiba onde encontrar o garoto.”
“Onde?” Dunk não estava com humor para jogos.
No extremo do campo, Sor Glendon foi colocado de pé rude-
mente, e imobilizado entre dois soldados em cota de malha e meio-
elmos. Ele estava marrom, com lama da cintura até o tornozelo, e
sangue e chuva lavavam suas bochechas. Sangue de herói, pensou
Dunk, enquanto Black Tom desmontava em frente ao cativo. “Onde
está o ovo?”
Sangue gotejava da boca de Ball. “Por que roubaria o ovo? Eu
estava prestes a ganhá-lo.”
Sim, Dunk pensou, e isso eles não podiam permitir.
Black Tom bateu no rosto de Ball com o punho revestido de
malha. “Revistem seu alforje,” Lorde Peake ordenou. “Acharemos o
ovo de dragão embrulhado e escondido, aposto.”
P á g i n a | 98
Lorde Alyn abaixou a voz. “E assim o farão. Venha comigo se
quiser encontrar seu escudeiro. Não há hora melhor do que agora,
enquanto estão ocupados.” Ele não esperou por uma resposta.
Dunk teve que segui-lo. Três passos longos colocaram-no lado
a lado com o fidalgo. “Se você machucou Egg de alguma forma —”
“Meninos não são do meu gosto. Por aqui. Aperte o passo
agora.”
Passando por uma arcada, descendo uma série de degraus en-
lameados e contornando uma esquina, Dunk foi atrás dele, andando
por poças enquanto a chuva caía ao redor deles. Eles se mantiveram
próximos às paredes, envoltos pelas sombras, e finalmente pararam
num pátio fechado onde as pedras de pavimentação eram lisas e
escorregadias. As construções espremiam-se por todo lado. Acima,
havia janelas fechadas e com as persianas abaixadas. No centro do
pátio, tinha um poço cercado por um baixo muro de pedra.
Um lugar solitário, Dunk pensou. Ele não gostava da sensação
que lhe dava. Um antigo instinto o fez tocar no punho da espada, an-
tes de lembrar que o Caracol a ganhara. Quando pôs a mão no qua-
dril onde sua bainha devia estar, ele sentiu a ponta de uma faca cutu-
car a parte inferior de suas costas. “Vire-se para mim, e eu cortarei
seu rim fora e o darei pros cozinheiros de Butterwell fritá-lo para o
banquete.” A faca foi pressionada contra a parte de trás do justilho de
Dunk, insistente. “Vá em direção ao poço. Sem movimentos bruscos,
sor.”
Se ele jogou Egg poço abaixo, ele precisará de mais do que
uma faca de brinquedo para salvá-lo. Dunk andou para frente lenta-
mente. Ele podia sentir a raiva crescendo em seu estômago.
A lâmina em suas costas desapareceu. “Pode se virar e me enca-
rar agora, cavaleiro errante.”
Dunk se virou. “Meu senhor. Isto é sobre o ovo de dragão?”
“Não. Isto é sobre o dragão. Você achou que eu ficaria parado e
o deixaria roubá-lo?” Sor Alyn fez uma careta. “Eu devia ter sabido
melhor e não ter confiado naquele Caracol para matar você. Eu terei
meu ouro de volta, cada moeda.”
P á g i n a | 99
Ele? Dunk pensou. Esse fidalgo perfumado, roliço e de rosto
pálido é meu inimigo secreto? Ele não sabia se ria ou se chorava.
“Sor Uthor mereceu seu ouro. Eu que tenho uma cabeça dura, só
isso.”
“Assim me parece. Recue.”
Dunk deu um passo para trás.
“De novo. De novo. Mais uma vez.”
Mais outro passo, e ele se atiraria dentro do poço. As pedras
pressionaram contra a parte inferior de suas costas.
“Sente-se na borda. Não está com medo de um simples banho,
está? Você não pode ficar mais molhado do que está agora.”
“Não sei nadar.” Dunk descansou uma mão sobre o poço. As pe-
dras estavam úmidas. Uma se moveu sob a pressão de sua palma.
“Que vergonha. Você irá pular, ou eu devo empurrá-lo?”
Dunk olhou para baixo. Ele conseguia ver as gotas de chuva
ondeando a água, a uns bons seis metros98 abaixo. Os muros estavam
cobertos com um lodo de alga. “Nunca fiz mal a você.”
“E nunca fará. Daemon é meu. Eu comandarei sua Guarda
Real. Você não é digno do manto branco.”
“Eu nunca disse que era.” Daemon. O nome ressoou na cabeça
de Dunk. Não John. Daemon, em homenagem a seu pai. Dunk, o
marmelo, de cabeça mais dura que a muralha de um castelo.
“Daemon Blackfyre foi pai de sete filhos. Dois morreram no
Redgrass Field, gêmeos —”
“Aegon e Aemon. Eram uns desgraçados e estúpidos valentões,
assim como você. Quando éramos pequenos, eles tinham prazer em
atormentar a mim e a Daemon, ambos. Eu chorei quando Bittersteel
levou-o para o exílio, e novamente quando Lorde Peake me disse que
ele estava voltando para casa. Mas então ele viu você na estrada, e se
esqueceu de que eu existia.” Cockshaw acenou com seu punhal
98 Vinte pés.
P á g i n a | 100
ameaçadoramente. “Você pode cair na água do jeito que está, ou
pode fazê-lo sangrando. O que vai ser?”
Dunk fechou sua mão em volta da pedra instável. Ela se reve-
lou menos solta do que ele esperava. Antes de poder arrancá-la, Sor
Alyn avançou. Dunk desviou-se de lado, de tal modo que a ponta da
lâmina cortou a carne do seu braço do escudo. E então a pedra se sol-
tou. Dunk golpeou Sua Senhoria com ela e sentiu seus dentes que-
brando sob a pancada. “O poço, não é?” Ele bateu na boca do fidalgo,
em seguida largou a pedra, imobilizou Cockshaw pelo pulso, e tor-
ceu-o até quebrar um osso e a adaga cair ruidosamente nas pedras.
“Depois de você, meu senhor.” Contornando-o, Dunk puxou o fidalgo
pelo braço e deu um chute na base de suas costas. Lorde Alyn caiu
de cabeça no poço. Houve um splash99.”
“Bem feito, sor.”
Dunk girou. Em meio à chuva, tudo o que ele conseguia distin-
guir era uma silhueta encapuzada e um único olho branco e pálido.
Foi só quando o homem avançou que o rosto sombreado sob o capuz
assumiu as características familiares de Sor Maynard Plumm; o olho
pálido nada mais era do que o broche de pedra da lua que prendia
sua capa nos ombro.
No fundo do poço, Lorde Alyn estava sovando, chapinhando e
gritando por ajuda. “Assassino! Alguém me ajude.”
“Ele tentou me matar,” Dunk falou.
“Isso explicaria todo o sangue.”
“Sangue?” Ele olhou para baixo. Seu braço esquerdo estava
vermelho do ombro até o cotovelo e sua túnica, grudando na pele.
“Oh.”
Dunk não se lembrava de ter caído, mas de repente ele estava
no chão, com gotas de chuva escorrendo por seu rosto. Ele conseguia
ouvir Lorde Alyn choramingando no poço, mas seu chapinhar tinha
se tornado mais fraco. “Precisamos atar seu braço.” Sor Maynard
99 No original não estava como onomatopeia, mas preferi deixar assim a
escrever “chape” (som de pancada na água).
P á g i n a | 101
deslizou seu próprio braço sob o de Dunk. “Levante-se, agora. Não
consigo erguê-lo sozinho. Use suas pernas.”
Dunk usou suas pernas. “Lorde Alyn. Ele vai se afogar.”
“Sua falta não será sentida. A do Violinista menos ainda.”
“Ele não é,” Dunk arquejou, pálido com dor, “um violinista.”
“Não. Ele é Daemon da Casa Blackfyre, o Segundo de Seu
Nome. Ou assim que ele intitularia a si mesmo, caso algum vez ele
alcançasse o Trono de Ferro. Você ficaria surpreso ao saber quantos
senhores preferem que seus reis sejam corajosos e estúpidos.
Daemon é jovem e elegante, e fica bem em cima de um cavalo.”
Os sons vindos do poço estavam fracos demais para ouvir. “Não
deveríamos jogar uma corda para Sua Senhoria?”
“Salvá-lo agora para executá-lo depois? Acho que não. Deixe-o
comer a refeição que ele desejava servir a você. Venha, incline-se so-
bre mim.” Plumm guiou-o pelo pátio. Mais de perto, havia algo estra-
nho na aparência de Sor Maynard. Quanto mais Dunk olhava, menos
ele parecia ver. “Eu o aconselhei a fugir, você deve se lembrar, mas
você prezava mais a sua honra do que a sua vida. Desejar uma morte
honrosa é aceitável, mas se a vida que está em jogo não é a sua pró-
pria, e aí? Sua resposta continuará a mesma, sor?”
“A vida de quem?” Do poço veio mais um chapinhar. “Egg?
Está se referindo a Egg?” Dunk agarrou o braço de Plumm. “Onde
ele está?”
“Com os deuses. E você saberá por que, eu acho.”
A dor que torceu dentro de Dunk só então o fez esquecer-se de
seu braço. Ele gemeu. “Ele tentou usar a bota.”
“Assim suponho. Ele mostrou o anel ao Meistre Lothar, que o
entregou a Butterwell, que sem dúvidas urinou nos calções ao vê-lo e
começou a se perguntar se tinha escolhido o lado errado e o quanto
Bloodraven sabe sobre essa conspiração. A resposta para esta última
pergunta é ‘bastante’” Plumm riu entre os dentes.
“Quem é você?”
P á g i n a | 102
“Um amigo,” falou Maynard Plumm. “Um que anda obser-
vando você e se perguntando sobre sua presença neste ninho de víbo-
ras. Agora fique quieto até que você receba cuidados.”
Permanecendo nas sombras, os dois fizeram seu caminho de
volta até a pequena tenda de Dunk. Uma vez lá dentro, Sor Maynard
acendeu o fogo, encheu uma bacia de vinho e colocou-a sobre as cha-
mas para ferver. “Um corte preciso, mas pelo menos não foi no seu
braço da espada,” ele falou, cortando a manga da túnica ensanguen-
tada de Dunk. “A estocada parece não ter acertado o osso. Mesmo as-
sim, precisamos lavá-lo ou você pode acabar perdendo o braço.”
“Isto não importa.” A barriga de Dunk agitada, e ele sentiu que
poderia vomitar a qualquer momento. “Se Egg estiver morto —”
“— você levará a culpa. Você deveria tê-lo mantido bem longe
daqui. No entanto, eu nunca disse que o garoto estava morto. Eu falei
que ele estava com os deuses. Você tem uma roupa limpa? Seda?”
“Minha túnica. A boa que eu consegui em Dorne. Como assim,
ele está com os deuses?”
“Tudo à sua hora. Primeiro, o seu braço.”
O vinho logo começou a soltar vapor. Sor Maynard encontrou
a túnica de seda boa de Dunk, cheirou-a com desconfiança, e então
deslizou para fora um punhal e começou a cortá-la. Dunk engoliu
seu protesto.
“Ambrose Butterwell nunca foi o que você poderia chamar de
decidido,” Sor Maynard falou enquanto enrolava três tiras de seda e
as soltava no vinho. “Ele tinha dúvidas sobre essa trama desde o iní-
cio, dúvidas que foram intensificadas ao descobrir que o menino não
portava a espada. E, nessa manhã, seu ovo de dragão desapareceu,
assim como os últimos resquícios de sua coragem.”
“Sor Glendon não roubou o ovo,” Dunk disse. “Ele ficou no pá-
tio o dia inteiro, justando ou assistindo às outras justas.”
“Peake achará o ovo em seu alforje da mesma forma.” O vinho
estava fervendo. Plumm calçou uma luva de couro e falou, “Tente
não gritar.” Então ele puxou uma tira de seda do vinho fervente e
começou a lavar o corte.
P á g i n a | 103
Dunk não gritou. Ele rangeu os dentes, mordeu a língua e ba-
teu com o punho na coxa, forte o bastante para deixar hematomas,
mas ele não gritou. Sor Maynard usou o resto de sua túnica boa para
fazer uma bandagem e amarrou-o apertado em volta do seu braço.
“Como se sente?” ele perguntou ao terminar.
“Péssimo.” Dunk estremeceu. “Onde está Egg?”
“Com os deuses. Eu lhe falei.”
Dunk esticou-se e envolveu sua mão boa em torno do pescoço
de Plumm. “Fale claramente. Estou cansado de insinuações e piscade-
las. Diga-me onde encontrar o garoto ou eu quebro seu pescoço,
sendo amigo ou não.”
“No septo. Você faria bem em ir armado.” Sor Maynard sorriu.
“Ficou claro o suficiente para você, Dunk?”
P á g i n a | 104
CAPÍTULO 18
Sua primeira parada foi o pavilhão de Sor Uthor Underleaf.
Quando Dunk deslizou para dentro, ele encontrou apenas o es-
cudeiro Will debruçado sobre uma tina, esfregando a roupa de baixo
do seu mestre. “Você novamente? Sor Uthor está no banquete. O que
quer?”
“Minha espada e meu escudo.”
“Você trouxe o resgate?”
“Não.”
“Então por que eu o deixaria levar suas armas?”
“Eu preciso delas.”
“Esse não é um bom motivo.”
“Que tal isto: tente me impedir e eu matarei você.”
Will ficou boquiaberto. “Elas estão ali.”
P á g i n a | 105
CAPÍTULO 19
Dunk parou do lado de fora do septo do castelo. Que os deuses
permitam que não seja tarde demais. O cinto da espada estava de
volta ao seu lugar costumeiro, apertado firme à sua cintura. Ele ti-
nha amarrado o escudo da forca ao braço ferido, e o peso dele estava
enviando palpitações de dor através dele, a cada passo que dava. Se
alguém encostasse nele, ele temia que talvez fosse gritar. Ele abriu as
portas, empurrando-as com sua mão boa.
No interior, o septo estava escuro e silencioso, clareado so-
mente pelas velas que piscavam nos altares dos Sete. O Guerreiro ti-
nha mais velas queimando, como era esperado durante um torneio;
muitos cavaleiros tinham vindo aqui para rezar por força e coragem
antes de competirem nas liças. O altar do Estranho estava envolto
em sombras, com somente uma única vela queimando. A Mãe e o
Pai tinham dúzias cada um, o Ferreiro e a Donzela tinham um pouco
menos. E sob o lampião brilhante da Velha estava ajoelhado Lorde
Butterwell, de cabeça baixa, rezando silenciosamente por sabedoria.
Ele não estava só. Dunk mal tinha ido em direção a ele e dois
soldados interromperam-no, com faces severas sob seus meio-elmos.
Ambos usavam cota de malha por baixo de túnicas listradas, ondu-
ladas com o verde, o branco e o amarelo da Casa Butterwell. “Pare,
sor,” um disse. “Você não tem nada a fazer aqui.”
“Sim, ele tem. Eu o avisei que ele me encontraria.”
A voz era de Egg.
Quando Egg saiu das sombras de baixo do Pai, com sua cabeça
calva brilhando na luz de vela, Dunk quase correu até o menino para
pegá-lo com um grito de felicidade e apertá-lo em seus braços. Algo
no tom de voz de Egg o fez hesitar. Ele parece mais zangado do que
amedrontado, e eu nunca o vi tão severo. E Butterwell está de joe-
lhos. Algo está estranho aqui.
Lorde Butterwell se levantou. Mesmo na luz fraca das velas,
seu corpo parecia pálido e frio. “Deixem-no passar,” ele falou para
seus soldados. Quando eles recuaram, ele chamou-o mais perto. “Não
P á g i n a | 106
fiz mal algum ao menino. Eu conheci bem o seu pai quando fui Mão
do Rei. Príncipe Maekar precisa saber que nada disto foi ideia mi-
nha.”
“Ele saberá,” Dunk prometeu. O que está acontecendo aqui?
“Peake. Isso é tudo feitio dele. Juro pelos Sete.” Lorde
Butterwell pôs uma mão no altar. “Que os deuses me derrubem caso
eu esteja mentindo. Ele me disse quem eu devia convidar e quem de-
via ser excluído, e ele trouxe esse pretendente aqui. Nunca desejei
fazer parte de nenhuma traição, você deve acreditar em mim. Tom
Heddle agora, ele me incitou, não negarei. É meu genro, casado com
minha filha mais velha, mas não mentirei, ele fez parte disso.”
“Ele é seu campeão,” falou Egg. “Se ele estava por trás disso,
você também estava.”
Fique quieto, Dunk quis gritar. Essa sua língua solta vai acabar
nos matando. Ainda assim, Butterwell parecia intimidado. “Meu se-
nhor, você não compreende. Heddle comanda minha guarnição.”
“Você deve ter algum soldado leal,” disse Egg.
“Esses homens aqui,” falou Lorde Butterwell. “E mais alguns.
Tenho sido permissivo demais, admito, mas nunca fui um traidor.
Frey e eu tínhamos dúvidas sobre o pretendente de Lorde Peake
desde o começo. Ele não porta a espada! Se ele fosse filho de seu pai,
Bittersteel teria o armado com a Blackfyre. E toda essa conversa so-
bre um dragão… loucura, loucura e tolice.” Sua Senhoria enxugou o
suor do rosto com uma manga. “E agora eles levaram o ovo, o ovo de
dragão que meu avô ganhou do próprio rei como uma recompensa
pelo serviço leal. Ele estava lá quando eu acordei esta manhã, e meus
guardas juram que ninguém entrou ou deixou meus aposentos. É
possível que Lorde Peake os tenha comprado, não sei dizer, mas o
ovo se foi. Eles devem tê-lo, ou então…”
Ou então o dragão eclodiu, Dunk pensou. Se um dragão vivo
surgisse de novo em Westeros, os lordes e plebeus igualmente se uni-
riam a qualquer que fosse o príncipe que poderia reivindicá-lo. “Meu
senhor,” ele falou, “ter uma palavra com meu… meu escudeiro seria
muito bom.”
P á g i n a | 107
“Como desejar, sor.” Lorde Butterwell ajoelhou-se para rezar de
novo.
Dunk puxou Egg de lado e caiu sobre um joelho para conver-
sar com ele face a face. “Eu lhe darei um tapa na orelha tão forte que
sua cabeça vai virar ao contrário, e você passará o resto de sua vida
olhando para onde você esteve.”
“Você deveria, sor.” Egg teve a graça de parecer envergonhado.
“Sinto muito. Eu só queria mandar um corvo pro meu pai.”
Para que eu pudesse continuar um cavaleiro. O garoto tinha
boa intenção. Dunk olhou de relance para onde Butterwell estava re-
zando. “O que você fez com ele?”
“Assustei-o, sor.”
“Sim, eu percebi isso. Ele terá crostas nos joelhos antes da noite
terminar.”
“Não sabia mais o que fazer, sor. O meistre me levou até eles,
depois que ele viu o anel do meu pai.”
“Eles?”
“Lorde Butterwell e Lorde Frey, sor. Alguns guardas estavam lá
também. Todos estavam perturbados. Alguém roubou o ovo de dra-
gão.”
“Você não, eu espero?”
Egg balançou a cabeça. “Não, sor. Eu sabia que estava encren-
cado quando o meistre mostrou meu anel ao Lorde Butterwell. Eu
pensei em dizer que eu o tinha roubado, mas não achei que ele
acreditaria em mim. Então me lembrei de uma vez em que ouvi meu
pai falando sobre algo que Bloodraven disse, sobre como era melhor
ser assustador do que estar assustado, então eu lhes disse que meu
pai tinha nos enviado para espioná-lo, que ele estava a caminho da-
qui com um exército, que era melhor Sua Senhoria me soltar e desis-
tir dessa traição, ou isso significaria sua cabeça.” Ele deu um sorriso
tímido. “Funcionou melhor do que pensei, sor.”
P á g i n a | 108
Dunk queria agarrar o garoto pelos ombros e sacudi-lo até seus
dentes chacoalharem. Isto não é nenhum jogo, ele podia ter gritado.
Isto é vida e morte. “Lorde Frey também ouviu tudo isso?”
“Sim. Ele desejou felicidades para Lorde Butterwell em seu ca-
samento e anunciou que estava retornando para as Gêmeas imedi-
atamente. Foi aí que Sua Senhoria nos trouxe aqui para rezar.”
Frey podia fugir, Dunk pensou, mas Butterwell não tem essa
opção, e mais cedo ou mais tarde ele começará a se perguntar por
que Príncipe Maekar e seu exército não apareceram. “Se Lorde Peake
descobrir que você está no castelo —”
As portas externas do septo abriram com um estrondo. Dunk
virou para ver Black Tom Heddle sombrio em cota de malha e placa,
com água da chuva pingando de seu manto encharcado e formando
uma poça a seus pés. Uma dúzia de soldados estava com ele, armada
com lanças e machados. Um relâmpago lampejou azul e branco pelo
céu atrás deles, entalhando sombras súbitas através do chão de pedra
pálida. Uma rajada de vento úmido fez as chamas das velas do septo
dançarem.
Oh, malditos sete infernos foi tudo o que Dunk teve tempo de
pensar antes de Heddler falar, “Aí está o menino. Peguem-no.”
Lorde Butterwell se pôs de pé. “Não. Pare. O garoto não deve
ser molestado. Tommard, o que significa isto?”
O rosto de Heddle se contorceu em desprezo. “Nem todos nós
temos leite correndo em nossas veias, Vossa Senhoria. Ficarei com o
menino.”
“Você não entende.” A voz de Butterwell tinha ficado alta,
aguda e trêmula. “Estamos perdidos. Lorde Frey se foi, e os outros
farão o mesmo. Príncipe Maekar está vindo com um exército.”
“Mais um motivo para tomarmos o garoto como refém.”
“Não, não,” disse Butterwell, “eu não tomo mais o partido de
Lorde Peake ou de seu pretendente. Não lutarei.”
Black Tom olhou friamente para seu senhor. “Covarde.” Ele
cuspiu. “Diga o que quiser. Você vai lutar ou morrer, meu senhor.”
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Ele apontou para Egg. “Um veado para o primeiro homem a tirar
sangue.”
“Não, não.” Butterwell virou pros seus próprios guardas. “Dete-
nham eles, me ouviram? Eu lhes ordeno. Detenham-nos!” Porém, to-
dos os guardas tinham parado, confusos, sem saber a quem obedecer.
“Devo fazê-lo eu mesmo, então?” Black Tom desembainhou sua
espada longa.
Dunk fez a mesma coisa. “Atrás de mim, Egg.”
“Guardem suas espadas, vocês dois!” Butterwell berrou. “Não te-
rei derramamento de sangue no septo! Sor Tommard, esse homem é
o escudo juramentado do príncipe. Ele o matará!”
“Só se ele me atacar.” Black Tom mostrou seus dentes num sor-
riso forçado rígido. “Eu o vi tentando justar.”
“Sou melhor com uma espada,” Dunk alertou-o.
Heddle respondeu com um bufo, e avançou.
Dunk empurrou Egg para trás bruscamente e virou para
encontrar com sua lâmina. Ele bloqueou muito bem o primeiro
golpe, mas o choque da espada de Black Tom contra seu escudo e o
corte enfaixado por trás dele mandaram um solavanco de dor esta-
lando por seu braço. Ele tentou fazer um corte na cabeça de Heddle
em resposta, mas Black Tom desviou e o atacou novamente. Dunk
quase não conseguiu interpor o escudo a tempo. Lascas de pinho voa-
ram dele e Heddle riu, pressionando seu ataque, baixo e alto e baixo
de novo. Dunk aparou cada golpe com seu escudo, mas toda pancada
era uma agonia, e ele se viu cedendo terreno.
“Pegue-o, sor,” ele ouviu Egg gritar. “Pegue-o, pegue-o, ele está
bem ali.” O gosto de sangue estava na boca de Dunk, e o pior, seu
ferimento tinha aberto mais uma vez. Uma onda de tontura tomou
conta dele. A lâmina de Black Tom estava fazendo o longo escudo de
lágrima em pedaços. Carvalho e ferro, defendam-me bem, senão es-
tou morto e no inferno também, Dunk pensou antes de lembrar-se
de que seu escudo era feito de pinho. Quando suas costas se choca-
ram com força contra um altar, ele caiu sobre um joelho e percebeu
que não tinha mais espaço para ceder.
P á g i n a | 110
“Você não é nenhum cavaleiro,” falou Black Tom. “Isso são lá-
grimas nos seus olhos, seu idiota?”
Lágrimas de dor. Dunk se levantou com um impulso e bateu o
escudo violentamente contra seu inimigo.
Black Tom cambaleou para trás, mas de alguma forma conse-
guiu manter o equilíbrio. Dunk investiu contra ele, esmagando-o
com o escudo repetidamente, usando seu tamanho e sua força para
lançá-lo até o meio do septo. Em seguida, ele moveu o escudo para o
lado e atacou com sua espada longa, e Heddle gritou quando o aço
fez um corte profundo através da lã e do músculo. Sua própria es-
pada balançou selvagemente, mas o golpe foi desesperado e desajei-
tado. Dunk defendeu-se dele com o escudo mais uma vez e colocou
todo o seu peso no contra-ataque.
Black Tom recuou um passo e fitou horrorizado o seu ante-
braço caindo com um baque no chão sob o altar do Estranho. “Você,”
ele arquejou, “você, você…”
“Eu o avisei.” Dunk apunhalou-o na garganta. “Sou melhor
com uma espada.”
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CAPÍTULO 20
Dois soldados fugiram de volta para a chuva conforme uma
poça de sangue se espalhava do corpo de Black Tom. Os demais
seguraram suas lanças e hesitaram, lançando olhares cautelosos para
Dunk enquanto eles esperavam seu senhor se pronunciar.
“Isto… isto correu mal” Butterwell finalmente falou. Ele virou
para Dunk e Egg. “Devemos partir de Whitewalls antes de aqueles
dois mencionarem isso a Gormon Peake. Ele tem mais amigos entre
os convidados do que eu. A poterna na muralha ao norte, nós
escaparemos por ela… venham, temos que nos apressar.”
Dunk enfiou a espada na bainha. “Egg, vá com Lorde
Butterwell.” Ele colocou um braço em volta do menino e abaixou a
voz. “Não fique com ele por mais tempo do que é necessário. Liberte
Rain e vá embora antes de Sua Senhoria mudar de lado novamente.
Dirija-se à Lagoa da Donzela100, é mais perto do que Porto Real.”
“E você, sor?”
“Não se preocupe comigo.”
“Sou seu escudeiro.”
“Sim,” disse Dunk, “e você fará o que lhe digo, ou levará um
belo sopapo na orelha.”
100 Maidenpool.
P á g i n a | 112
CAPÍTULO 21
Um grupo de homens estava deixando o grande salão, pau-
sando tempo suficiente para puxar seus capuzes antes de se aventu-
rarem na chuva. Old Ox estava entre eles, assim como o magricela
Lorde Caswell, mais uma vez bêbado. Ambos afastaram-se de Dunk.
Sor Mortimer Boggs o favoreceu com um olhar curioso, mas pensou
melhor antes de falar com ele. Uthor Underleaf não era tão tímido.
“Você chegou atrasado para o festim, sor,” ele falou enquanto calçava
as luvas. “E vejo que você voltou a portar uma espada.”
“Você terá o seu resgate por ela, se é isso que o preocupa.”
Dunk tinha deixado para trás seu escudo surrado, e envolvido seu
manto no braço ferido para esconder o sangue. “A não ser que eu
morra. Neste caso, você tem a minha permissão para saquear meu
cadáver.”
Sor Uthor riu. “É galantaria que eu cheiro, ou apenas estupi-
dez? Os dois odores são bastante parecidos, se bem me lembro. Não é
tarde demais para aceitar a minha oferta, sor.”
“É mais tarde do que pensa,” Dunk avisou-o. Ele não aguardou
pela réplica de Underleaf, mas passou por ele e pelas portas duplas.
O grande salão cheirava à cerveja, fumaça e lã úmida. Na galeria
acima, alguns músicos tocavam suavemente. Gargalhadas ecoavam
das mesas principais, onde Sor Kirby Plumm e Sor Lucas Nayland
jogando um jogo de bebida. Em cima do tablado, Lorde Peake estava
conversando seriamente com Lorde Costayne, enquanto a nova
noiva de Ambrose Butterwell sentava-se abandonada em sua cadeira
elevada.
Abaixo do sal, Dunk encontrou Sor Kyle afogando suas má-
goas na cerveja de Lorde Butterwell. Seu trincho estava cheio de um
espesso ensopado feito com as sobras da comida da noite anterior.
“Uma tigela de castanho101,” era como chamavam-no nas lojas de
cerâmica de Porto Real. Sor Kyle claramente não tinha estômago
101 Bowl o’ Brown.
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para isso. Intocado, o ensopado tinha esfriado, e uma película de gor-
dura brilhava sobre o castanho.
Dunk deslizou para o banco ao seu lado. “Sor Kyle.”
O Gato assentiu. “Sor Duncan. Quer um pouco de cerveja?”
“Não.” Cerveja era a última coisa de que ele precisava.
“Está se sentindo mal, sor? Perdoe-me, mas você parece —”
— melhor do que me sinto. “O que foi feito com Glendon
Ball?”
“Levaram-no para as masmorras.” Sor Kyle balançou a cabeça.
“Bastardo de prostituta ou não, o rapaz nunca me pareceu um la-
drão.”
“Ele não é um.”
Sor Kyle deu um olhar semicerrado para Dunk. “Seu braço…
como você —?”
“Um punhal.” Dunk virou o rosto para o estrado, franzindo o
cenho. Ele tinha escapado da morte duas vezes hoje. Aquilo já basta-
ria para a maioria dos homens, ele sabia. Dunk, o marmelo, de ca-
beça mais dura que a muralha de um castelo. Ele se pôs de pé. “Vossa
Graça,” gritou.
Alguns homens em bancos próximos abaixaram suas colheres,
interromperam suas conversas e se viraram para olhá-lo.
“Vossa Graça,” Dunk falou novamente, mais alto. Ele caminhou
pelo tapete de Myr em direção ao tablado. “Daemon.”
Agora metade do salão ficou em silêncio. Na mesa elevada, o
homem que chamava a si mesmo de Violinista virou-se para sorrir
para ele. Ele tinha vestido uma túnica roxa para o banquete, Dunk
viu. Roxo, para ressaltar a cor de seus olhos. “Sor Duncan. Estou con-
tente em ver que você juntou-se a nós. O que quer de mim?”
“Justiça,” disse Dunk, “para Glendon Ball.”
O nome ressoou pelas paredes, e por meio segundo foi como se
todo homem, mulher e menino no salão tivesse virado pedra. Então
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Lorde Costayne bateu um punho sobre a mesa e gritou, “É a morte
que ele merece, e não justiça!” Uma dúzia de outras vozes ecoaram a
dele, e Sor Harbet Paege declarou, “Ele é nascido bastardo. Todos os
bastardos são ladrões, ou pior. O sangue dirá.”
Por um momento, Dunk desesperou-se. Estou sozinho aqui.
Mas então Sor Kyle, o Gato, levantou-se, oscilando só um pouco. “O
rapaz pode ser um bastardo, meus senhores, mas ele é o bastardo de
Fireball. É como Sor Harbert falou. O sangue dirá.”
Daemon franziu a testa. “Ninguém honra Fireball mais do que
eu,” ele disse. “Eu não acredito que esse falso cavaleiro é da sua se-
mente. Ele roubou o ovo de dragão e assassinou três bons homens ao
fazê-lo.”
“Ele não roubou nada e nem matou ninguém,” Dunk insistiu.
“Se três homens foram mortos, procure em outro lugar pelo assas-
sino. Sua Graça sabe tão bem quanto eu que Sor Glendon ficou no
pátio o dia inteiro, participando de uma justa após a outra.”
“Sim,” Daemon admitiu. “Eu me pergunto a mesma coisa. Po-
rém, o ovo de dragão foi encontrado entre suas coisas.”
“Foi? Onde ele está agora?”
Lorde Gormon Peake ergueu-se, desprovido de emoção e impe-
riosamente. “Seguro e bem guardado. E por que isso seria da sua
conta, sor?”
“Traga-o para fora,” falou Dunk. “Gostaria de dar outra olhada
nele, meu senhor. Na outra noite, eu o vi apenas por um instante.”
Os olhos de Peake estreitaram. “Vossa Graça,” ele disse a
Daemon, “pelo que me lembro, esse cavaleiro errante chegou a
Whitewalls com Sor Glendon, sem convite. Ele talvez faça parte
disso.”
Dunk ignorou aquilo. “Vossa Graça, o ovo de dragão que Lorde
Peake achou nas coisas de Sor Glendon foi o que ele pôs lá. Deixe-o
trazê-lo, se ele puder. Examine-o você mesmo. Aposto com você que
ele não passa de uma pedra pintada.”
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O salão explodiu num caos. Uma centena de vozes começou a
falar de uma só vez, e uma dúzia de cavaleiros se pôs de pé. Daemon
parecia quase tão jovem e perdido quanto Sor Glendon ao ser acu-
sado. “Você está bêbado, meu amigo?”
Quem dera eu estivesse. “Perdi um pouco de sangue,” Dunk
consentiu, “mas não o meu juízo. Sor Glendon foi injustamente acu-
sado.”
“Por quê?” Daemon exigiu, perplexo. “Se Ball não fez nada er-
rado, como você insiste, por que Sua Senhoria disse que ele fez e ten-
tou provar isso com alguma pedra pintada?”
“Para retirá-lo do seu caminho. Sua Senhoria comprou seus ou-
tros oponentes com ouro e promessas, mas Ball não estava à venda.”
O Violinista corou. “Isso não é verdade.”
“Sim, é verdade. Chame Sor Glendon, e pergunte-lhe você
mesmo.”
“Farei exatamente isso. Lorde Peake, busque o bastardo de uma
vez. E traga o ovo de dragão também. Desejo observá-lo mais de
perto.”
Gormon Peake olhou para Dunk com asco. “Vossa Graça, o ga-
roto bastardo está sendo questionado. Mais algumas horas, e teremos
uma confissão para você, não duvido.”
“Por questionado, meu senhor quer dizer torturado,” disse
Dunk. “Mais algumas horas, e Sor Glendon confessará ter matado o
pai de Vossa Graça e ambos os seus irmãos também.”
“Basta!” A face de Lorde Peake estava quase roxa. “Mais uma
palavra, e eu arrancarei sua língua pela raiz.”
“Você mente,” falou Dunk. “São duas palavras.”
“E você lamentará por ambas,” Peake prometeu. “Levem esse
homem e acorrentem-no nas masmorras.”
“Não.” A voz de Daemon estava perigosamente calma. “Eu
quero a verdade disto. Sunderland, Vyrwel, Smallwood, leve seus ho-
mens e encontrem-no nas masmorras. Tragam-no imediatamente, e
P á g i n a | 116
certifiquem-se de que nenhum mal lhe seja feito. Se algum homem
tentar impedi-los, digam-lhe que vocês estão sob as ordens do rei.”
“Será como ordena,” Lorde Vyrwel respondeu.
“Resolverei isto como meu pai o faria,” o Violinista disse. “Sor
Glendon foi acusado por crimes graves. Como um cavaleiro, ele tem
o direito de defender a si mesmo pela força dos braços. Eu o
encontrarei nas liças, e que os deuses determinem a culpa e a inocên-
cia.”
P á g i n a | 117
CAPÍTULO 22
Sangue de herói ou sangue de prostituta, Dunk pensou quando
dois homens de Lorde Vyrwel jogaram Sor Glendon nu a seus pés,
ele tem bem menos dele do que tinha antes.
O menino tinha sido selvagemente espancado. Seu rosto estava
machucado e inchado, vários dentes estavam quebrados ou faltando,
seu olho direito estava chorando sangue, e, de cima a baixo de seu
peito, sua pele estava vermelha e fissurada onde o queimaram com
ferro quente.
“Você está a salvo, agora,” murmurou Sor Kyle. “Não há nin-
guém aqui além de cavaleiros errantes, e os deuses sabem que somos
inofensivos.” Daemon tinha lhes dado os aposentos do meistre, e
ordenou-lhes que fizessem curativos em quaiquer feridas que Sor
Glendon possa ter adquirido e que se assegurassem de que ele estava
pronto para as liças.
Três unhas tinham sido arrancadas da mão esquerda de Ball,
Dunk notou enquanto lavava o sangue das mãos e do rosto do ga-
roto. Aquilo o preocupou mais do que todo o resto. “Consegue segu-
rar uma lança?”
“Uma lança?” Sangue e cuspe pingaram da boca de Sor
Glendon quando ele tentou falar. “Eu ainda tenho todos os meus de-
dos?”
“Dez,” disse Dunk, “mas apenas sete unhas.”
Ball assentiu. “Black Tom ia cortar meus dedos fora, mas ele foi
chamado. É contra ele que vou duelar?”
“Não. Eu o matei.”
Aquilo o fez sorrir. “Alguém tinha de fazê-lo.”
“Você vai justar contra o Violinista, mas seu nome real —”
“— é Daemon, sim. Eles me contaram. O Dragão Negro.” Sor
Glendon riu. “Meu pai morreu por ele. Eu teria sido homem dele, e
alegremente. Eu teria lutado por ele, matado por ele, morrido por
P á g i n a | 118
ele, mas eu não podia perder por ele.” Ele virou a cabeça e cuspiu um
dente quebrado. “Posso beber um copo de vinho?”
“Sor Kyle, pegue o odre de vinho.”
O rapaz bebeu longa e profundamente, e então limpou a boca.
“Olhem para mim. Estou tremendo como uma garota.”
Dunk franziu o cenho. “Ainda consegue montar um cavalo?”
“Ajude-me a me limpar, e traga-me o meu escudo, a lança e a
sela,” Sor Glendon disse, “e você verá o que eu consigo fazer.”
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CAPÍTULO 23
Estava quase de madrugada antes de a chuva diminuir o bas-
tante para dar início ao combate. O pátio do castelo era um atoleiro
de lama mole, brilhando molhado sob a luz de uma centena de to-
chas. Para além do campo, uma névoa cinzenta estava surgindo,
enviando dedos fantasmagóricos pelas muralhas de pedra pálida
para agarrarem as ameias do castelo. Muitos dos convidados do casa-
mento tinham desaparecido durante as horas intervenientes, mas
aqueles que permaneceram subiram na arquibancada novamente e
se instalaram nas tábuas de pinho encharcadas pela chuva. Entre eles
estava Sor Gormon Peake, rodeado por um punhado de senhores
menores e cavaleiros domésticos.
Fazia apenas alguns anos desde que Dunk servira como escu-
deiro do velho Sor Arlan. Não tinha se esquecido de como era. Ele
apertou as fivelas da armadura mal-ajustada de Sor Glendon, pren-
deu seu elmo ao gorjal, ajudou-o a montar e entregou-lhe seu es-
cudo. As competições anteriores haviam deixado profundas ranhuras
na madeira, mas as bolas de fogo em chamas ainda conseguiam ser
vistas. Ele parece tão jovem quanto Egg, Dunk pensou. Um menino
assustado e sombrio. Sua égua alazã estava sem armadura e assus-
tada também. Ele devia ter ficado com sua própria montaria. A alazã
pode ser de melhor raça e mais rápida, mas um cavaleiro monta me-
lhor um cavalo que ele conhece bem, e este é estranho a ele.
“Precisarei de uma lança,” Sor Glendon falou. “Uma lança de
guerra.”
Dunk foi até as prateleiras. Lanças de guerra eram mais curtas
e pesadas do que as de torneio que foram usadas em todas as justas
anteriores; oito pés102 de freixo sólido terminando numa ponta de
ferro. Dunk escolheu uma e a pegou, passando a mão pelo seu com-
primento para assegurar-se de que não tinha rachaduras.
Na extremidade das liças, um dos escudeiros de Daemon estava
oferecendo-lhe uma lança correspondente. Ele não era mais um
102 2,4 metros.
P á g i n a | 120
violinista. No lugar de espadas e violinos, os jaezes de seu cavalo de
guerra agora exibiam o dragão de três cabeças da Casa Blackfyre,
preto sobre uma área vermelha. O príncipe tinha lavado a tintura
preta do cabelo também, de modo que ele escorria até seu colarinho
numa cascata de prata e ouro que brilhava como metal batido sob a
luz de tochas. Egg teria um cabelo assim se ele o deixasse crescer,
Dunk percebeu. Ele achou difícil imaginá-lo daquele jeito, mas ele
sabia que um dia deveria, se os dois vivessem o suficiente.
O arauto subiu na plataforma mais uma vez. “Sor Glendon, o
Bastardo, é acusado de roubo e assassinato,” ele proclamou, “e agora
vem provar sua inocência ao arriscar seu corpo. Daemon da Casa
Blackfyre, o Segundo do Seu Nome, Rei dos Ândalos e dos Roinares
e dos Primeiros Homens por direito de nascimento, apresentem-se e
provem a verdade das acusações contra o bastardo Glendon.”
E de repente os anos retrocederam, e Dunk estava de volta a
Ashford Meadow mais uma vez, escutando a Baelor Breakspear
pouco antes de irem lutar por sua vida. Ele deslizou a lança de
guerra de volta para o lugar, arrancou uma lança de torneio da
prateleira mais próxima; doze pés103 de comprimento, fina, elegante.
“Use esta,” ele disse a Sor Glendon. “Foi o que nós usamos em
Ashford, no Julgamento dos Sete.”
“O Violinista escolheu uma lança de guerra. Ele pretende me
matar.”
“Primeiro ele terá que acertar você. Se sua causa for verdadeira,
a ponta dele nunca o tocará.”
“Eu não sei.”
“Mas eu sim.”
Sor Glendon apanhou a lança dele, girou e trotou até as liças.
“Que os Sete nos salvem a ambos, então.”
Em algum lugar a oeste, um relâmpago rachou o céu rosa pá-
lido. Daemon tocou de leve na lateral do garanhão com as esporas
douradas, e irrompeu como um trovão, abaixando sua lança de
guerra com sua mortal ponta de ferro. Sor Glendon ergueu seu es-
103 3,65 metros.
P á g i n a | 121
cudo e correu para encontrá-lo, brandindo sua própria lança do outro
lado da cabeça da égua para pressioná-la contra o peito do jovem
pretendente. Lama borrifava das ferraduras de seus cavalos, e as to-
chas pareciam queimar mais brilhantes conforme os cavaleiros iam
de encontro ao outro.
Dunk fechou os olhos. Ele ouviu um crack, um berro, um ba-
que.
“Não,” ele ouviu Lorde Peake clamar em angústia. “Nãããããão.”
Por meio segundo, Dunk quase sentiu pena dele. Ele abriu seus olhos
novamente. Sem cavaleiro, o grande garanhão negro estava diminu-
indo para um trote. Dunk saltou e agarrou-o pelas rédeas. No final da
arena, Sor Glendon Ball girou a égua e ergueu sua lança quebrada.
Homens correram para o campo até onde o Violinista se deitava imó-
vel e de bruços numa poça. Quando eles ajudaram-no a se levantar,
ele estava com lama dos pés à cabeça.
“O Dragão Marrom!” alguém gritou. Gargalhadas percorreram
o pátio enquanto a alvorada tomava conta de Whitewalls.
Foi somente após alguns segundos, quando Dunk e Sor Kyle
estavam ajudando Glendon Ball a descer do cavalo, que a primeira
trombeta foi tocada, e as sentinelas nas muralhas soaram o alarme.
Um exército tinha aparecido do lado de fora do castelo, surgindo
dentre as neblinas da manhã. “Egg não estava mentindo, afinal de
contas,” Dunk disse a Sor Kyle, atônito.
P á g i n a | 122
CAPÍTULO 24
Da Lagoa da Donzela veio Lorde Mooton; de Solar de Corvar-
bor104, Lorde Blackwood; de Valdocaso105, Lorde Darklyn. Os domí-
nios reais em torno de Porto Real enviaram Hayfords, Rosbys,
Stokeworths, Masseys e as próprias espadas juramentadas do rei,
lideradas por três cavaleiros da Guarda Real e fortalecidas por
trezentos Dentes de Corvo106 com altos arcos brancos de represeiro. A
Louca Danelle Lothston em pessoa veio cavalgando rapidamente de
suas torres assombradas em Harrenhal, vestida numa armadura ne-
gra que se encaixava nela como uma luva de ferro, seu longo cabelo
vermelho escorrendo.
A luz do sol nascente brilhava nas pontas de quinhentas lanças
e de dez vezes mais lanças. Os estandartes cinzentos da noite renasce-
ram em meia centena de cores berrantes. E, acima de todos eles,
flutuavam dois régios dragões sobre campos negros como a noite: a
grandiosa besta de três cabeças do Rei Aerys I Targaryen, vermelha
como fogo, e uma fúria branca alada respirando chama escarlate.
Não era Maekar, afinal de contas, Dunk soube, ao ver aquelas
bandeiras. Os estandartes do Príncipe de Solarestival exibiam quatro
dragões de três cabeças, dois e dois, o símbolo do quarto filho do re-
cém-falecido Rei Daeron II Targaryen. Um único dragão branco
anunciava a presença da Mão do Rei, Lorde Brynden Rivers.
O próprio Bloodraven tinha vindo para Whitewalls.
A primeira Rebelião Blackfyre tinha perecido no Redgrass
Field em sangue e glória. A Segunda Rebelião Blackfyre terminou
numa lamúria. “Eles não podem nos intimidar,” Jovem Daemon
proclamou das ameias do castelo após ter visto o círculo de ferro que
os rodeava, “pois nossa causa é justa. Vamos cortar através deles e
cavalgar a toda pressa para Porto Real! Soem as trombetas!”
Em vez disso, cavaleiros e lordes e soldados murmuraram
baixo uns pros outros, e alguns começaram a se afastar de fininho 104 Raventree. 105 Duskendale. 106 Raven’s Teeth.
P á g i n a | 123
em direção aos estábulos, à poterna ou a algum esconderijo onde
esperavam ficar a salvo. E quando Daemon sacou a espada e ergueu-
a sobre a cabeça, cada homem deles conseguia ver que não era a
Blackfyre. “Faremos outro Redgrass Field hoje,” o pretendente
prometeu.
“Que se dane isso, menino violinista,” um escudeiro grisalho
gritou de volta para ele. “Eu prefiro viver.”
No final, o segundo Daemon Blackfyre cavalgou sozinho, re-
freou ante o exército real e desafiou Lorde Bloodraven para um du-
elo. “Eu lutarei contra você, ou contra o covarde Aerys, ou contra
qualquer outro campeão que você nomear.” Em vez disso, os homens
de Lorde Bloodraven o cercaram, arrancaram-no de seu cavalo e
acorrentaram-no com grilhões de ouro. O estandarte que ele carre-
gara foi colocado no chão lamacento e incendiado. Ele queimou por
um bom tempo, soltando uma coluna de fumaça retorcida que pode-
ria ser vista por cerca de léguas.
O único sangue que foi derramado naquele dia veio quando
um homem a serviço de Lorde Vyrwel começou a vangloriar-se de
ter sido um dos olhos de Bloodraven e de que logo seria bem recom-
pensado. “Até a volta da lua, eu estarei fodendo prostitutas e bebendo
vermelho dornês,” ele supostamente tinha dito, pouco antes de um
dos cavaleiros de Lorde Costayne cortar sua garganta. “Beba isso,” ele
falou enquanto o homem de Vyrwel se afogava no próprio sangue.
“Não é dornês, mas é vermelho.”
Fora isso, foi uma coluna silenciosa e carrancuda que marchou
pelos portões de Whitewalls para jogar suas armas numa pilha relu-
zente, antes de ser amarrada e levada para aguardar pelo julgamento
de Lorde Bloodraven. Dunk surgiu com o resto deles, junto a Sor
Kyle, o Gato, e Glendon Ball. Eles tinham procurado por Sor
Maynard para juntar-se a eles, mas Plumm tinha desaparecido em
algum momento durante a noite.
Já estava no fim da tarde antes de Sor Rolland Crakehall da
Guarda Real achar Dunk entre os demais prisioneiros. “Sor Duncan.
Onde nos sete infernos você tem se escondido? Lorde Rivers tem
perguntando por você durante horas. Venha comigo, por favor.”
P á g i n a | 124
Dunk se pôs ao seu lado. A longa capa de Crakehall se agitava
atrás dele a cada rajada de vento, tão branca como a luz da lua na
neve. A visão dela o fez pensar nas palavras ditas pelo Violinista, lá
em cima no telhado. Eu sonhei que você estava todo de branco da
cabeça aos pés, com um longo e pálido manto pendurado em seus
largos ombros. Dunk bufou. Sim, e você sonhou com dragões eclo-
dindo de ovos de pedra. Um é tão provável de acontecer quanto o ou-
tro.
O pavilhão da Mão ficava à meia milha107 do castelo, sob a som-
bra de um olmo extenso. Uma dúzia de vacas estava pastando no
gramado próximo. Reis são erguidos e derrubados, Dunk pensou, e
vacas e plebeus continuam cuidando de suas próprias vidas. Era algo
que o velho homem costumava dizer. “O que será de todos eles?” ele
perguntou a Sor Roland enquanto passavam por um grupo de cati-
vos sentados na grama.
“Eles marcharão de volta a Porto Real para julgamento. Os ca-
valeiros e soldados devem receber uma pena leve o bastante. Eles
estavam somente seguindo seus suseranos.”
“E os lordes?”
“Alguns serão perdoados, desde que digam a verdade sobre o
que sabem e entreguem um filho ou uma filha como garantia de sua
futura lealdade. Será mais difícil para aqueles que receberam perdão
após o Redgrass Field. Estes serão aprisionados ou condenados. Os
piores perderão suas cabeças.”
Bloodraven já tinha dado início àquilo, Dunk viu quando eles
chegaram ao seu pavilhão. Flanqueando a entrada, as cabeças
decepadas de Gormon Peake e Black Tom Heddle tinham sido
empaladas em lanças, com seus escudos exibidos sob elas. Três caste-
los, preto sobre laranja. O homem que assassinou Roger de
Pennytree.
Até mesmo morto, os olhos de Lorde Gormon eram duros e pe-
dregosos. Dunk fechou-os com seus dedos. “Por que você fez isso?”
questionou um dos guardas. “Os corvos os comerão em breve.”
107 Aproximadamente 804,7 metros.
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“Eu devo isso a ele.” Se Roger não tivesse morrido aquele dia, o
velho homem nunca teria olhado duas vezes para Dunk, quando o
viu perseguindo aquele porco pelos becos de Porto Real. Algum an-
tigo rei morto deu uma espada para um filho em vez de para o outro,
foi aquilo que começou tudo isso. E agora eu estou parado aqui, e o
pobre Roger está no túmulo.
“A Mão aguarda,” ordenou Roland Crackhall.
Dunk passou por ele até a presença de Lorde Brynden Rivers,
bastardo, feiticeiro e Mão do Rei.
Egg estava diante dele, recentemente banhado e vestido com
roupas principescas, como convinha ao sobrinho do rei. Nas
proximidades, Lorde Frey estava sentado numa cadeira de acampa-
mento com um copo de vinho na mão e com seu hediondo herdeiro
se contorcendo em seu colo. Lorde Butterwell também estava pre-
sente… de joelhos, com o rosto pálido, e tremendo.
“Traição não é menos vil porque o traidor prova ser um co-
varde,” Lorde Rivers estava dizendo. “Eu ouvi seus balidos, Lorde
Ambrose, e eu acredito em uma de cada dez palavras. Por conta
disso, permitirei que você mantenha um décimo de sua fortuna.
Pode ficar com sua esposa também. Espero que desfrute dela.”
“E Whitewalls?” perguntou Butterwell numa voz trêmula.
“Perdido para o Trono de Ferro. Pretendo derrubá-lo pedra por
pedra e cobrir o solo onde foi construído com sal. Em vinte anos, nin-
guém lembrará que ele existiu. Velhos tolos e jovens descontentes
ainda peregrinam até o Redgrass Field para plantarem flores no lo-
cal onde Daemon Blackfyre foi abatido. Não vou tolerar que
Whitewalls se torne outro monumento ao Dragão Negro.” Ele ace-
nou com a mão pálida. “Agora suma daqui, barata.”
“A Mão é bondosa.” Butterwell cambaleou para fora, tão cego
de dor que não pareceu reconhecer Dunk ao passar por ele.
“Você também tem minha permissão para sair, Lorde Frey,”
Rivers ordenou. “Conversaremos novamente mais tarde.”
“Como meu senhor ordena.” Frey levou seu filho embora do
pavilhão.
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Só então que a Mão do Rei virou para Dunk.
Ele estava mais velho do que Dunk se recordava, com um duro
rosto enrugado, mas sua pele ainda era pálida como osso, e suas
bochechas e seu pescoço ainda mostravam a feia marca de nascença
semelhante a uma mancha de vinho que algumas pessoas diziam
parecer um corvo. Suas botas eram pretas e sua túnica, escarlate. Por
cima, ele vestia um manto de cor de fumaça, preso com um broche
no formato de uma mão de ferro. Seu cabelo caía até os ombros,
longo, branco e liso, escovado para frente a fim de esconder seu olho
perdido, aquele que Bittersteel arrancara dele no Redgrass Field. O
olho que restava era muito vermelho. Quantos olhos Lorde
Bloodraven tem? Mil olhos, e um.
“Sem dúvida, o Príncipe Maekar tinha algum bom motivo para
permitir que seu filho fosse escudeiro de um cavaleiro errante,” ele
falou, “embora eu não consiga imaginar que isso incluiria entregá-lo
para um castelo cheio de traidores que tramavam uma rebelião.
Como foi que eu acabei encontrando meu primo neste ninho de
víboras, sor? Lorde Butterwell tentou me convencer de que Príncipe
Maekar enviou você aqui para farejar essa rebelião sob o disfarce de
um cavaleiro misterioso. É esta a verdade?”
Dunk caiu sobre um joelho. “Não, meu senhor. Quero dizer,
sim, meu senhor. Foi isso que Egg disse para ele. Aegon, quero dizer.
Príncipe Aegon. Então, essa parte é verdade. Porém, não é isso que eu
diria ser a verdade verdadeira.”
“Entendo. Então vocês dois descobriram sobre essa conspiração
contra a coroa e decidiram que conseguiriam impedi-la sozinhos, foi
o que aconteceu?”
“Também não. Nós meio que… acabamos envolvidos na situa-
ção, suponho que você possa dizer.”
Egg cruzou os braços. “E Sor Duncan e eu tínhamos tudo sob
controle antes de você aparecer com seu exército.”
“Nõs tivemos ajuda, meu senhor,” Dunk acrescentou.
“Cavaleiros errantes.”
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“Sim, meu senhor. Sor Kyle, o Gato, e Maynard Plumm. E Sor
Glendon Ball. Foi ele quem derrubou o Violin… o pretendente.”
“Sim, eu já ouvi essa história de meia centena de lábios. O Bas-
tardo de Pussywillows. Nascido de uma prostituta e de um traidor.”
“Nascido de heróis,” Egg insistiu. “Se ele está entre os presos, eu
quero que o encontrem e libertem-no. E que ele seja recompensado.”
“E quem é você para dizer à Mão do Rei o que fazer?”
Egg não recuou. “Você sabe quem eu sou, primo.”
“Seu escudeiro é insolente, sor,” Lorde Rivers disse a Dunk.
“Você devia bater nele até aprender.”
“Eu tentei, meu senhor. Mas ele é um príncipe.”
“O que ele é,” falou Bloodraven, “é um dragão. Erga-se, sor.”
Dunk se levantou.
“Sempre houve Targaryens que sonhavam com as coisas por
vir, desde muito antes da Conquista,” Bloodraven disse, “então não
devíamos nos surpreender se, de tempos em tempos, um Blackfyre
revelar ter o dom também. Daemon sonhou que um dragão nasceria
em Whitewalls, o que aconteceu. O tolo só pensou na cor errada.”
Dunk olhou para Egg. O anel, ele viu. O anel do pai dele. Está
em seu dedo, e não enfiado dentro da sua bota.
“Ainda estou pensando se devo levar você de volta para Porto
Real conosco,” Lorde Rivers falou para Egg, “e mantê-lo na minha
corte como meu… convidado.”
“Meu pai não aceitaria isso de bom grado.”
“Acho que não. Príncipe Maekar tem uma… natureza… espi-
nhosa. Talvez eu deva mandá-lo de volta para Solarestival.”
“Meu lugar é aqui com Sor Duncan. Sou escudeiro dele.”
“Que os Sete salvem vocês dois. Como queira. Vocês estão li-
vres para sair.”
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“Nós faremos isso,” disse Egg, “mas primeiro nós necessitamos
de um pouco de ouro. Sor Duncan precisa pagar o resgate ao Cara-
col.”
Bloodraven riu. “O que aconteceu com aquele menino modesto
que uma vez conheci em Porto Real? Será como você diz, meu prín-
cipe. Eu instruirei meu tesoureiro para dar-lhes todo o ouro vocês
precisarem. Dentro do razoável.”
“Somente como um empréstimo,” insistiu Dunk. “Eu pagarei de
volta.”
“Quando você aprender a justar, sem dúvidas.” Lorde Rivers fez
um gesto com os dedos mandando-os embora, desenrolou um
pergaminho e começou assinalar alguns nomes com uma pena de
ave.
Ele está marcando os homens que irão morrer, Dunk notou.
“Meu senhor,” ele falou, “nós vimos cabeças lá fora. Aquilo… o Violi-
nista irá… Daemon… você irá decapitá-lo também?”
Lord Bloodraven levantou os olhos do pergaminho. “Isso é para
o Rei Aerys decidir… mas Daemon tem quatro irmãos mais novos, e
irmãs também. Caso eu seja tão tolo a ponto de remover sua linda
cabeça, sua mãe irá chorar, seus amigos me amaldiçoarão por ser
um assassino de parentes, e Bittersteel coroará seu irmão Haegon.
Morto, o jovem Daemon é um herói. Vivo, ele é um obstáculo no
caminho do meu meio-irmão. Ele dificilmente conseguirá coroar um
terceiro Blackfyre enquanto o segundo permanece tão inconve-
nientemente vivo. Além disso, um prisioneiro tão nobre será um
ornamento para a nossa corte, e uma prova viva da misericórdia e da
benevolência de Sua Graça, Rei Aerys.”
“Eu tenho uma pergunta também,” disse Egg.
“Eu começo a compreenter por que seu pai estava tão disposto
a se livrar de você. O que mais você quer de mim, primo?”
“Quem pegou o ovo de dragão? Havia guardas na porta, e mais
guardas na escada. Ninguém conseguiria entrar despercebido nos
aposentos de Lorde Butterwell.”
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Lorde Rivers sorriu. “Se tivesse que adivinhar, eu diria que al-
guém subiu pelo buraco da latrina.”
“O buraco da latrina era pequeno demais para subir por ele.”
“Para um homem. Uma criança conseguiria fazê-lo.”
“Ou um anão,” Dunk soltou. Mil olhos, e um. Por que alguns
deles não haveriam de fazer parte da trupe de anões cômicos?
~ Fim ~
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NOTA FINAL:
Eu sei que não está perfeito. Meu português
e meu inglês não são dos melhores, e eu
não sou tão eloquente e concisa como
gostaria.
Por isso, imagino que deve haver alguns er-
ros de tradução e que algumas palavras
não conseguiram expressar completamente
a ideia original, mas… bem, fiz o que pude.
Creio que ficou, no mínimo, razoável.
Futuramente, farei uma revisão e tentarei
corrigir os erros, sejam de tradução ou de
digitação.
Enfim, espero que aproveitem!
PS.: só para não dizer que não avisei:
Obviamente, eu não tenho direitos autorais
sobre a obra e nem sobre os personagens. A
história pertence a George R. R. Martin e a
venda deste e-book é totalmente condená-
vel em qualquer circunstância e blablablá...
RMB