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UNIVERSIDADE FEDERAL FLUMINENSE CENTRO DE ESTUDOS SOCIAIS APLICADOS FACULDADE DE EDUCAÇÃO PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM EDUCAÇÃO
MÔNICA ALVES SALLY
A PRODUÇÃO DE SENTIDOS DO CURSO NORMAL: a poética do espaço do Instituto de Educação Clélia Nanci
Niterói 2006
UNIVERSIDADE FEDERAL FLUMINENSE CENTRO DE ESTUDOS SOCIAIS APLICADOS FACULDADE DE EDUCAÇÃO PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM EDUCAÇÃO
MÔNICA ALVES SALLY
A PRODUÇÃO DE SENTIDOS DO CURSO NORMAL: a poética do espaço do Instituto de Educação Clélia Nanci
Dissertação apresentada ao Curso de Pós-Graduação em Educação da Universidade Federal Fluminense, como requisito parcial à obtenção do título de Mestre. Orientador(a): Prof.ª Drª Iduína Mont’Alverne Chaves
Niterói
2006
MÔNICA ALVES SALLY
A PRODUÇÃO DE SENTIDOS DO CURSO NORMAL: a poética do espaço do Instituto de Educação Clélia Nanci
Dissertação apresentada ao Curso de Pós-Graduação em Educação da Universidade Federal Fluminense, como requisito parcial à obtenção do título de Mestre.
Aprovada em ____ de _____________________ de 2006.
BANCA EXAMINADORA
Niterói 2006
Aos meus pais Iva e Reynaldo, pela compreensão e carinho, e aos meus
irmãos Rovani e Anderson.
AGRADECIMENTOS
À Deus, por ter me auxiliado nessa caminhada. Às professoras Iduína, Valdelúcia e Sueli, pelas orientações para elaboração da pesquisa. À generosidade e simpatia da professora Felisberta Trindade, personalidade ilustre de Niterói que enriqueceu com seus depoimentos a pesquisa. Aos professores do Instituto de Educação Clélia Nanci, pela disponibilidade e espírito participativos que demonstraram. Em especial, quero agradecer a Summaya, por ter me acolhido desde o primeiro momento em que cheguei à escola, possibilitando a mim um caminhar irrestrito pela escola. Às companheiras de caminhada de mestrado Tânia Nhari e Gianine Pierro, que foram conselheiras e solidárias nos momentos de dúvidas, o que certamente tornou o percurso mais ameno porque pude contar com ajuda de ambas. As colegas Márcia Neto, Daniela Renaud, Imara Freire, Jacyana Guaraná, Marise Dias. Ao Cris, pelo auxílio nos momentos finais. À Cátia, pelo carinho e atenção. À Aparecida, pela doçura com que sempre me ajudou. À Quitéria, pela emergia positiva que me passava. À Tia Yara, pelas palavras de apoio e a convicção de que “O Senhor é o meu pastor e nada me faltará.” Ao meu irmão Anderson, companheiro de todas as horas, com quem eu sei que sempre posso contar.
À todos o meu sincero muito obrigada.
Conto essas coisas, porque minha dura experiência de vida
implica numa lição de Otimismo e Caragem.
Ninguém desanime por pior que seja a pedra no caminho. A do meu caminho parecia intransponível.
No entanto, saltei-a. Milagre, aqui se prova que existe milagre.
Manuel Bandeira – As cinzas das horas
RESUMO
Esta pesquisa buscou compreender a cultura dos professores que atuam no Curso Normal do Instituto de Educação Clélia Nanci (IECN) em São Gonçalo, no Estado do Rio de Janeiro. A perspectiva da sócio-antropologia do cotidiano e da educação foi usada para compreender a realidade estudada. Os principais teóricos do estudo foram Edgard Morin, com o paradigma da complexidade, e Michel Maffesoli, a partir da sociologia compreensiva. Trata-se de uma pesquisa que utilizou como instrumentos de registro diferentes técnicas de observação, documentação e registros que assinalam a dimensão sócio-político-cultural através de caderno de campo, entrevistas e depoimentos, fragmentos de histórias de vida, participação em eventos acadêmicos, fotografias, produções de imagens/simbolismos e de textos dos professores. Instaurando um redirecionamento do olhar paradigmático que concebe uma razão aberta, optou-se por apreender a representação dos textos e imagens como expressão do pensamento simbólico/mitológico/imagético dos professores em sua relação com e no IECN, evidenciando seus sentimentos e percepções com o e no Curso Normal diante da sua complexidade sócio-político-cultural. Com base nos estudos bibliográficos, foi retratado o percurso da referida modalidade de ensino no contexto brasileiro, culminando com as mais recentes políticas em educação que introduziram em seu texto um outro locus e modus de formação de professores para atuarem nas séries iniciais. Desenvolvemos, nesta investigação, formas de olhar, ouvir e perceber os textos e imagens construídos pelos professores e os modos de apreender as manifestações expressas pelos autores/personagens sobre os aspectos que vêm influenciando o desenvolvimento dos trabalhos no Curso Normal, a partir das recentes políticas em educação. Como principais pontos do estudo, destacamos o sentimento de comprometimento, otimismo e atualização constante como elementos impulsionadores de uma prática consciente desenvolvida na instituição, temas estes que marcam uma política de trocas entre os diversos grupos que compõem o universo escolar dessa instituição, através de projetos que aprofundam os vínculos afetuais de pertencimento ao espaço do IECN. Palavras-chave: Política de Formação de Professores, Curso Normal, Imagens, Simbolismos.
RÉSUMÉ
Cette enquête a cherché à comprandre la culture des professeurs qui enseignent au Cours Pédagogique de l’Institute d’Éducation Clélia Nanci – IECN à São Gonçalo dans l’État de Rio de Janeiro. La perspective de la socio-anthropologie du quotidien et de l’éducationa a été utilisée pour comprendre la réalité étudiée. Les principes théoriques de l’étude ont été bases sur Edgard Morin, avec le paradigme de la complexité et Michel Maffesoli, à partir de la sociologie compréhensive. Il s’agit d’une recherche qui s’est servie, comme instruments, de différentes techniques d’observation, documents et registres qui montrent la dimension socio-politico-culturelle à travers prises de notes quotidiennes, interviews et rapports, fragments d’histoires de vie, participations aux événements académique, photographies, production d’images/symbolismes et textes des professeurs. Tout en produisant un acheminement du regard paradigmatique qui conçoit une raison ouverte, on a opté pour saisir à travers la représentation textuelle et les images l’expression de la pensée symblique/mythologique/imagée des professeurs dans leur relationa avec l’IECN, remarquant leurs sentiments et perceptions vers et dans le Cours Pédagogique par rapport à sa complexité socio-politico-culturelle. Basé sur les études bibliographiques, on a montré le parcours de cette modalité d’enseignement dans le contexte brésilien, repérant les plus récentes politiques en éducation qui ont introduit dans leur texte un autre locus e modus de formation de professeur pour l’enseignemant primaire. On a développé, dans cette enquête, des formes de regarder, entendre et percevoir les textes et images construites par les professeurs, et les modes de tenir les manifestations expremées par les auteurs/personnages sur les aspects qui enfluencient l’épanouissement des travaux au Cours Pédagogiques, à partir des récentes politiques en éducation. Comme de principaux points de l’étude on a souligné le sentiment de compromission, optimisme et recyclage permanent, envisagés comme éléments de stimulation à une pratique consciente développée dans l’institution, de tels thèmes qui remarquent une politique d’échanges entre les divers groupes qui forment l’univers scolaire de cette institution, à travers des projets qui approfondissent les liens affectueux d’appartenance à l’espace de l’IECN. Mots-clés: Politique de Formation de Professeurs, Cours de Pratiques Pédagogique, Images, Symbolisme.
LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS
ANFOPE – Associação Nacional pela Formação dos Profissionais.
CEE/RJ – Conselho Estadual de Educação do Estado do Rio de Janeiro.
CNE – Conselho Nacional de Educação.
CNE/CEB – Câmara de Educação Básica do Conselho Nacional de Educação.
CNS – Curso Normal Superior.
CONSEDE – Conselho Nacional de Secretários de Educação.
FAETEC - Fundação de Apóio às Escolas Técnicas.
FESP – Fundação Escola de Serviço Público.
FORUNDIR – Fórum Nacional dos Diretores de Faculdade/Centro de Educação das Universidades Públicas Brasileiras.
GLP – Gratificação por Lotação Prioritária.
IBGE – Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística.
IECN – Instituto de Educação Clélia Nanci.
IERJ – Instituto de Educação do Rio de Janeiro.
ISERJ – Instituto Superior de Educação do Rio de Janeiro.
LDBEN – Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional.
MCF – Movimento de Controle de Freqüência.
MEC – Ministério da Educação e Cultura.
NEBAs – Necessidades Básicas de Aprendizagem.
PCNs – Parâmetros Curriculares Nacionais.
PNE – Plano Nacional de Educação.
QCP – Quadro de Controle dos Professores.
SARE – Secretaria de Administração e Reforma do Estado.
SEE – Secretaria de Estado de Educação.
SEPE – Sindicato Estadual dos Profissionais de Educação.
SMESG – Secretaria Municipal de Educação de São Gonçalo.
SOE – Serviço de Orientação Educacional.
UDF – Universidade do Distrito Federal.
UFF – Universidade Federal Fluminense.
UNESCO – Organização das Nações Unidas para a Educação, Ciência e a Cultural.
USP – Universidade de São Paulo.
SUMÁRIO INTRODUÇÃO ............................................................................................................ 10 1. A (RE)ORIENTAÇÃO DO OLHAR ..................................................................... 22
1.1 De olho nas mudanças .................................................................................... 221.2 Uma luz na racionalidade ............................................................................... 251.3 Morin: para redirecionar o olhar ..................................................................... 281.4 O olhar estereoscópico de Maffesoli .............................................................. 32
2. A ESCUTA SENSÍVEL: HISTÓRIA DA FORMAÇÃO DE
PROFESSORES NO BRASIL ................................................................................. 38
2.1 O som do passado ........................................................................................... 382.2 Ressonância política – ser ou não ser: eis a questão ....................................... 492.3 Ecos da mudança ............................................................................................ 54
3. PALAVRAS QUE CONTAM HISTÓRIAS ......................................................... 59
3.1 Instituto de Educação Clélia Nanci: uma fala “Feliz” .................................... 593.2 Palavras do lugar ............................................................................................. 733.3 Caracterizando a escola .................................................................................. 81
4. EXPRESSÕES: RELATOS E IMAGENS DOS PROFESSORES
DO IECN ................................................................................................................... 99
4.1 Expressão textual ............................................................................................ 994.2 Simbolismos e imagens .................................................................................. 118
4.2.1 Coração ............................................................................................... 1204.2.2 Vaso .................................................................................................... 1214.2.3 Barco ................................................................................................... 1224.2.4 Auxílio................................................................................................. 1234.2.5 Dedo indicador .................................................................................... 1244.2.6 Equilíbrio ............................................................................................ 1254.2.7 Ecossistema.......................................................................................... 1264.2.8 Germinação ......................................................................................... 1274.2.9 Elos...................................................................................................... 1284.2.10 Justiça ............................................................................................... 1294.2.11 Acolhimento ..................................................................................... 130
SENSAÇÕES FINAIS ................................................................................................. 132
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ...................................................................... 142
INTRODUÇÃO
Coração de estudante há que se cuidar da vida.
Há que se cuidar do mundo, tomar conta da amizade.
Alegria e muito sonho espalhados no caminho. Verdes: planta e sentimento.
Folhas, coração, juventude e fé.
Ao som da música1 citada transcorria o ano de 1985. Sua execução era constante nos
meios de comunicação por estar diretamente relacionada ao político Tancredo Neves, que,
após ser escolhido presidente do Brasil, viveu um drama pessoal, impossibilitando-o de
assumir o cargo2.
No cenário nacional, depois de anos sob o regime militar, o povo brasileiro
redescobria aos poucos o sentido de viver em democracia e a música “Coração de Estudante”,
naquele contexto, traduzia em versos a esperança de um recomeço político-social.
No mesmo ano de 1985, eu cursava o último ano do Pedagógico3. Meu coração de
estudante vislumbrava o dia que, enfim, seria professora. Sonhava com um mundo melhor e
que, a partir da educação, seríamos mais compreensivos uns com os outros e juntos
construiríamos o futuro com base no respeito e na dignidade. Meu coração de estudante tinha
esse sonho!
No ano seguinte, com habilitação para exercer o magistério, fui empolgada em busca
do meu primeiro emprego. Informada sobre uma escola em São Gonçalo que estava
realizando a seleção para o cargo de professor, imediatamente, me encaminhei para lá. Ao
chegar na referida escola, ansiosa, aguardei numa sala com outras candidatas a chegada da
coordenadora, pois seria ela quem conduziria as entrevistas. Nesse momento, o diretor da
escola aproximou-se e conversou rapidamente conosco. Desejou saber onde havíamos
concluído o curso de formação de professores e se tínhamos experiência profissional –
1 No decorrer do texto encontraremos frases retiradas da música, “Coração de Estudante” (1993), composta por Wagner Tiso e Milton Nascimento, que servirão como metáfora ilustrativa do texto introdutório. 2 Tancredo Neves (1910-1985) foi eleito presidente do Brasil por voto indireto, através do Congresso Nacional, tornando-se o primeiro presidente civil após vinte anos de regime militar. 3 Curso Pedagógico, denominação à época da Lei 5.692/71, para o curso de formação de professores.
ninguém tinha. Perguntas simples. Não percebi nada que pudesse nos comprometer. Santa
ingenuidade!
Mas ao chegar a responsável por realizar a entrevista e a posterior seleção, o diretor,
dirigindo-se a uma das meninas presente na sala, comentou: “Essa aqui veio do Instituto de
Educação Clélia Nanci!”.
Em silêncio, pensei: “e daí?”. Qual seria a diferença em ser ou não do Instituto de
Educação Clélia Nanci? Afinal era uma escola pública como outra qualquer, por que o diretor
teria chamado atenção para aquele dado específico?
Enfim... Havia duas vagas. Eu fui contratada, junto, é claro, com a menina do “Clélia
Nanci”4.
Trabalhei sob essa coordenação por cinco anos. Foi um período feliz, onde, acima de
tudo, aprendia cotidianamente o ofício docente. Hoje, ao relembrar dessa história, considero
como sorte ter tido como primeiro emprego uma escola com características acolhedoras.
Nóvoa (1999, p. 29) revela que o “novo profissionalismo docente tem de basear-se em
regras éticas, nomeadamente no que diz respeito à relação com os restantes dos actores
educativos, e na prestação de serviços de qualidade”. Em minhas reminiscências, creio que
nós já tínhamos essa consciência. Não havia gritos, ordens, tudo era conversado e nós,
professores, tínhamos liberdade para nos expressarmos, éramos companheiros, sem nunca
antes termos nos visto. Achávamos que deveríamos “cuidar do mundo e tomar conta da
amizade”.
Percebi, desde então, a responsabilidade de atuar com as séries iniciais do ensino
fundamental que na época era nomeado de primário. Como era “gostoso” observar a evolução
das crianças, não apenas no que tange à construção do conhecimento, objetivo intrínseco ao
processo da sistematização escolar, mas nas relações de cumplicidade e companheirismo que
iam se estabelecendo ao longo do ano. A partir desse convívio, deixávamos “alegria e muito
sonho, espalhados no caminho”. Momentos que hoje fazem parte das lembranças retidas em
minha memória e também nos cartões, bilhetinhos e desenhos recebidos com mensagens de
afeto, que guardo carinhosamente como parte concreta dessa história.
Ingressei em 1987 no curso de Pedagogia. Cheguei a cursá-lo por dois anos, mas não
foi possível concluir. Naquele momento, ventos, trovões e tempestades se abateram sobre
nossa vida familiar, interferindo no escoamento normal de nossas águas. Mas do dilúvio
4 Atuei como professora da primeira série do primeiro grau (denominação à época, conforme a Lei 5.692/71, que vigorava no período).
provocado pela enxurrada, veio o tão esperado arco-íris da esperança estabelecer o pacto da
aliança, resplandecendo o espiral da vida.
Em 1996, trabalhava numa creche da rede particular de Niterói, a qual também
oferecia ensino regular do pré-escolar5. Acumulava nesse período duas funções: coordenação
e docência. A creche era subordinada à Secretaria de Saúde de Niterói, órgão que realizava
uma inspeção rígida e assídua das instalações do prédio, avaliava a adequação do espaço, a
segurança das crianças, o controle da piscina e brinquedos, porém não se detinha aos critérios
pedagógicos. Esses, sequer eram questionados.
Em dezembro desse mesmo ano, foi promulgada a nova legislação de ensino, a Lei de
Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDBEN), Lei 9.394/96, que passou a considerar no
Art. 29 a “educação infantil, a primeira etapa da educação básica”. Baseada nesse dispositivo,
a creche passou a fazer parte da categoria de escola. Por integrar, desde então, a primeira
etapa da Educação Básica, passou à subordinação da Secretaria de Educação de Niterói6.
Com isso, surgiram outras exigências: regimento interno, projeto pedagógico e
enquadramento dos funcionários7. Embora o prazo previsto no Art. 89 da LDBEN 9.394/96
fosse de três anos para a plena integração no sistema de ensino, a secretaria do município, por
sua vez, passou a exercer um controle sistemático de forma a agilizar a transição, limitando o
tempo para “arrumarmos a casa”.
Nesse trâmite, eu, sem formação universitária, deveria atender o mais rápido possível,
o Art. 64 da LDBEN 9.394/96 que previa: “a formação de profissionais de educação para
administração, planejamento (...) será feita em cursos de graduação em pedagogia (...)”.
Diante deste contexto legal, fui levada a ingressar no ensino superior de modo a continuar
exercendo minhas tarefas na instituição. Em meu momento pessoal, encontrei grande
identificação como os textos de Linhares e Silva (2003, p. 39), quando relatam o “terrorismo
pedagógico” verificado no período posterior a nova lei, no qual resvalava a disputa pelo
espaço formador dos professores.
Ingressei no curso de Pedagogia no segundo semestre de 1998 e, diante da nova
situação apresentada, meu coração, após ter passado pelo susto provocado pela Lei 9.394/96,
voltou a ser de estudante, ou melhor, de uma professora-estudante.
5 Pré-escolar ou pré-escola: termo utilizado no período anterior a Lei 9.394/96, referente à etapa do maternal ao terceiro período, incluindo alfabetização. Em relação à idade, essa fase corresponde à criança de dois a seis anos. 6 Educação Básica é constituída por: Educação Infantil, Ensino Fundamental e Ensino Médio. 7 Na creche os registros na Carteira de Trabalho dos profissionais que atuavam como docentes era denominado de recreador(a). A partir da Lei 9.394/96, passaram a ser professores – como de fato eram. Para tal, tiveram que dar baixa na carteira profissional e serem recontratados, gerando encargos inesperados à instituição.
Na faculdade, as leituras buscavam elucidar como a escola tratava algumas questões
de sua prática e apontavam novos caminhos para uma dinâmica de aula coerente com as
tendências contemporâneas. Nesse sentido as teorias de Hoffmann (2000), Esteban (2000) e
Luckesi (1990) sobre avaliação, vieram contribuir para uma reflexão e posterior ação sobre
como conduzir essa etapa importante do processo escolar, possibilitando desde então um
movimento renovador em minha atuação docente.
Somavam-se aos meus conhecimentos, os estudos sobre a dinâmica curricular que
evidenciava o pensamento preponderante da época, do qual destaco uma singular contribuição
trazida por Moreira (1999), Barticelli (1998), Silva (1992), bem como, numa perspectiva
alternativa, se apresentava nos textos de Fazenda (2001, 1997, 1993) e Gallo (1999).
Motivada, especialmente, pelas leituras de Ivani Fazenda, comecei a elaborar a
monografia de final de curso da graduação na intenção de entender mais sobre a
interdisciplinaridade. Embora a autora já defendesse essa idéia desde a década de 70, o tema
ganhava maior repercussão no cenário pedagógico a partir da publicação dos Parâmetros
Curriculares Nacionais (PCNs), que traziam em sua essência as correlações disciplinares, bem
como alguns assuntos que deveriam perpassar todas as áreas do conhecimento, como é o caso
dos temas transversais8. Foi a confirmação por parte dos estudiosos em educação de que os
saberes relativos a uma disciplina aproximam-se de outros, complementando-se mutuamente.
Sendo assim, o PCN gerou críticas, dúvidas, mas virou moda e o interessante foi perceber nas
palavras de Nóvoa (1995, p. 17) que “as modas estão cada vez mais presentes no terreno
educativo, em grande parte devido à impressionante circulação de idéias no mundo atual”.
Contudo, diante do modismo, pude ter o meu primeiro encontro com Edgar Morin,
através do livro “Os sete saberes para a educação do futuro” (2001). O autor propunha uma
comunicação aberta, atravessando todas as áreas do conhecimento, constituindo uma rede
complexa de informações, fazendo-me enxergar que o homem pode ser devidamente
considerado em sua subjetividade. Tão óbvio e ainda tão oculto aos meus olhos. Pois, segundo
Morin (2001, p. 61), caberia à educação “(...) mostrar e ilustrar o Destino multifacetado do
humano: o destino da espécie humana, o destino individual, o destino social, o destino
histórico, todos entrelaçados e inseparáveis”.
História e vida “entrelaçadas e inseparáveis” referida acima pelo autor encontraram
seu corolário na proposição de Goodson (1995, p. 75), ao referir-se à valorização sobre a
história de vida dos professores que “podem ajudar-nos a ver o indivíduo em relação com a
8 Os temas transversais definidos pelo PCN são: ética, meio ambiente, saúde, pluralidade cultural e orientação sexual.
história do seu tempo, permitindo-nos encarar a interseção da história de vida com a história
da sociedade”.
As leituras dos autores citados acima fizeram-me refletir sobre a história que estava
ajudando a construir a partir das práticas escolares, fazendo aumentar os meus compromissos
docentes. Por vezes, considerava-me “traindo” os autores, ao tomar atitudes tradicionais e
simplistas de forma a facilitar a condução dos trabalhos.
Pensar complexo não é simples. Morin (2003, p. 176) é elucidativo ao dizer que “o
mal-entendido consiste em conceber a complexidade como receita, como resposta, em vez de
considerá-la como desafio e como uma motivação para pensar”.
Diante do convite para “pensar”, fui achando mais dúvidas quanto ao papel da escola
no contexto atual, pois segundo Demo (2005, p. 68) “pensar não só confirma nossas
identidades, pois participa na composição, desconstrução e reconstrução delas”.
Do processo reflexivo, meu coração de professora-estudante se via atravessado por
dicotomias entre os ditames da lei e a realidade do cotidiano escolar. Então questionava: como
ficariam as professoras da escola? Poderiam ou não exercer o magistério sem o ensino
superior? Até quando? Podíamos ou não contratar professores apenas com habilitação de
nível médio? Uns diziam que se já estivesse trabalhando podiam ficar, não poderíamos era
contratar novos professores. Ora, então porque ainda havia Escola Normal?
No entanto, as políticas públicas enfatizavam, veementemente, a qualidade da
formação do profissional de ensino como fator preponderante na melhoria dos índices do
aproveitamento escolar9. Corroborando com a perspectiva educacional, Nóvoa (1997, p. 40)
acrescenta ainda que os “professores não são certamente os ‘salvadores do mundo’, mas
também não são ‘meros agentes’ de uma ordem que os ultrapasse”, daí a sua vital relevância e
expectativa, que em Delors (2004, p. 90) tem o papel de “fazer resplandecer o tesouro
escondido em cada um” dos estudantes.
Por outro lado, minha experiência com as séries iniciais levava-me ao entendimento de
que o problema não consistia em indicar qual instituição deveria formar o professor. O que
importava e o que, particularmente, importa é como será construída essa aprendizagem. Que
sentimentos/envolvimentos serão motivados? Que compromissos são assumidos? Que
histórias de vida estão ajudando a edificar? Fui me dando conta, bem como Ferraço (2003, p. 158), “da necessidade vital de, mesmo estando na universidade, nunca nos
distanciarmos das escolas por onde um dia passamos, as quais nos possibilitaram chegar onde chegamos, como chegamos”.
9 Meta revelada no livro Educação: um tesouro a descobrir (2004), organizado por Jacque Delors, que coordenou uma comissão sobre perspectiva educacional para o século XXI.
Assim foi se moldando o interesse em compreender o universo da Escola Normal,
onde tudo começou/começa para muitos professores que atuam em diversos segmentos do
ensino. Desejava, no primeiro momento, conhecer como estavam sendo formados os
estudantes, futuros professores, para atuarem nas séries iniciais e o que havia mudado a partir
da nova lei de ensino, pois entendia como Demo (2005, p. 38) que “conhecer não é afirmar,
confirmar, mas questionar (...) não é discussão que descreve a realidade, mas com ela se
confronta”.
Aos poucos foi crescendo a vontade de entender um pouco mais sobre a história da
Escola Normal, seus modos, sua gente, seus pensamentos e perspectivas. Além de tudo isso,
um outro fator me impulsionava a entender que esse era um locus importante a ser
investigado.
Com base nos mais recentes estudos na área da educação, o tema sobre as “séries
iniciais” surgia e surge ocupando um merecido lugar nos debates acadêmicos, seja pelo viés
pedagógico, psicológico, sociológico10. Diante desta constatação, pensei ser de igual
relevância dar merecido destaque ao Curso Normal, que pode ser considerado a primeira
etapa da formação dos professores, necessitando, por isso, de singular atenção11.
Uma confirmação da proposição feita acima é trazida por Maturana (2003, p. 29) ao
apresentar a existência de dois “períodos cruciais na história de toda pessoa que têm
conseqüências fundamentais para o tipo de comunidade que trazem consigo em seu viver. São
elas a infância e a juventude”. E continua o autor:
Na infância, a criança vive um mundo em que se funda sua possibilidade de converter-se num ser capaz de aceitar e respeitar o outro e a partir da aceitação e do respeito de si mesma. Na juventude, experimenta-se a validade desse mundo, de convivência na aceitação e no respeito pelo outro a partir da aceitação e do respeito por si mesmo, no começo de uma vida adulta social e individualmente responsável (MATURANA, 2003, p. 29).
Como estamos nós, seres humanos, numa busca incessante pelo princípio das coisas e
dos fatos, segui decidida a aprofundar meus estudos sobre o Curso Normal, encaminhando-me
à Universidade Federal Fluminense (UFF), de modo a trilhar o caminho da investigação.
Recordo-me que ao chegar à universidade, deparei-me com o quadro das disciplinas eletivas
10 De acordo com Renaud (2005, p. 6) “pesquisadores da área (Barrreto, Kramer, Campos, Rosemberg, entre outros) vêm destacando a importância da educação infantil. Desta forma, chamam a atenção para a luta por melhoria na qualidade da educação infantil, na formação e na ação”. 11 Ao fazer referência ao Curso Normal como primeira etapa da formação de professores, faço-a respaldada nos caminhos legais. No entanto, tenho conhecimento que, diante da realidade brasileira, ainda é possível verificar professores leigos ministrando aulas em determinadas regiões do país. Essa constatação é trazida por autores como Freire (2004), Linhares e Silva (2003), Santos (1997), entre outros, que apontam a dificuldade em concluir os níveis de ensino, forjando uma situação diferenciada da que propõe a lei de ensino.
dispostas no mural. Entre tantos nomes e temas que seriam abordados no semestre, reconheci
o teórico Edgar Morin e seu paradigma da complexidade. Não tive dúvidas em me inscrever
na disciplina.
Percebia, a partir dos encontros semanais com o grupo de estudo, que tinha muito mais
para saber sobre o paradigma da complexidade do que supunha minha vã filosofia. Afinal, a
apreensão da complexidade trata ao mesmo tempo, de reconhecer a:
(...) unidade dentro do diversos, o diverso dentro da unidade; de reconhecer, (...), a unidade humana em meio às diversidades individuais e culturais, as diversidades individuais e culturais em meio à unidade humana (MORIN, 2004, p. 25).
Foi um semestre excelente, com ricos conhecimentos, sucedido por outro semestre,
cuja abordagem teórica dessa vez baseava-se na sociologia compreensiva fundamentada em
Michel Maffesoli. Ao enfatizar os temas relativos aos sentimentos, às emoções, às situações
cotidianas, Maffesoli (1999, p. 10), propunha um “olhar generoso também que respeite as
coisas pelo que são, tentando entender qual pode ser a sua lógica”. Por isso concebe que “o
‘porquê’ torna-se uma interrogação abstrata. Somente o ‘como’, a descrição fenomenológica,
pode nos ser de alguma utilidade”.
Na teoria maffesoliana, bem como a moriniana, todos os elementos são importantes
integrantes da trama de uma cultura, de um grupo ou de uma sociedade. Através dos pequenos
gestos, das coisas simples do dia-a-dia, vão se constituindo as bases essenciais do vitalismo de
um grupo. Isso porque Maffesoli (1999, p. 11) considera que ao se transmitir o valor dos
sentimentos pode-se “reduzir a dicotomia realmente abrupta, que a modernidade estabeleceu
entre a razão e o imaginário ou entre a razão e o sensível”.
Alinhavaram-se em minha mente as relações de olhar de forma compreensiva para o
cotidiano escolar considerando sua complexidade. Afinal, nas palavras de Maffesoli (1988, p.
188), “o estilo cotidiano constitui-se em cruzamentos de ações e palavras que, para ser
descrito, requer uma multiplicidade de painéis indicadores que estejam aptos a situá-los de
maneira tão completa quanto possível”.
Todo o mapeamento descrito me conduziu a definir como “espaço-sede” da pesquisa o
Instituto de Educação Clélia Nanci (IECN), localizado no município de São Gonçalo.
Sendo esse o município onde nasci, estudei e comecei minha vida profissional,
considerei coerente buscar entender a representatividade da escola ante o contexto sócio-
político-cultural da região. Por outro lado, percebia, como a autora abaixo, que:
(...) temos estudado muito pouco como subjetividades e sujeitos de estudantes e professores vão sendo fabricados e, por sua vez, vão fabricando escolas e contribuindo para conservar ou modificar seus entornos, suas comunidades, suas cidades e, conjugando-se com outras relações sociais, ir intervindo nas sociedades e na história (LINHARES, 2000, p. 44).
A autora enfatiza o papel social da escola que corrobora com o preparo de sujeitos,
autores/personagens do meio do qual fazem parte. No bojo dessas constatações me propus a
compreender o que significa o ser-estar-junto-com no “Clélia Nanci” na visão de seus
professores. Que imagens poderiam representar os vínculos sócio-culturais e profissionais
vividos pelos professores nesta instituição? Como se dão as relações de solidariedade do
grupo de professores no espaço do Instituto de Educação Clélia Nanci ou, utilizando uma
expressão de Michel Maffesoli, o que “cimenta” esse lugar e tais relações? Qual a
representatividade do IECN no contexto sócio-educacional do município? Que sentimentos
estes profissionais estabelecem neste espaço de atuação?
Para realizar o estudo percorri o caminho epistemológico da sócio-antropologia do
cotidiano e da educação, que me foi apresentado pela Profª Drª Iduína Chaves, do qual
partilham os autores Michel Maffesoli e Edgar Morin, entre outros, que ajudaram na
compreensão dos sentimentos envolvidos numa escola de formação de professores de nível
médio a partir do “paradigma da complexidade12” e da “sociologia compreensiva” , o que
significava entender a história da escola e seus modos de pensar, sentir e agir.
Pautada nas idéias de Edgar Morin (2004, 2003, 2003a, 2001, 1997) passarei a olhar e
compreender as relações de ordem, desordem, interações e reorganizações que nos remete ao
seu modelo paradigmático do tetragrama, no qual é possível aceitar as inseparáveis condições
de concorrência e antagonismos que chegam por vezes a ativar a dinâmica escolar,
estabelecendo um enriquecedor diálogo entre as partes que compõem este ambiente, criando o
aspecto de complementaridade13.
Com o suporte teórico de Michel Maffesoli (2005, 2005a, 1999, 1988, 1987, 1984)
este estudo buscará compreender o que é vivido no cotidiano em sua latência social, a que o
autor denomina por socialidade, uma trama social que envolve as manifestações humanas
mais banais e efervescentes como ritos, festas, passeios, reuniões e encontros nos pequenos
intervalos entre uma aula e outra. Isso porque Maffesoli (1999, p. 21), explica que “convém
estar atento, em particular, todas as coisas anódinas que, por sedimentação, constituem a
12 Etimologicamente, a palavra “complexidade” é de origem latina, “provém de complectere, cuja raiz plectere significa trançar, enlaçar. Remete ao trabalho de construção de cestas que consiste em entrelaçar um círculo, unindo o princípio com o final de pequenos ramos” (MORIN, CIURANA, E. e MOTTA, R., 2003, p. 43). 13 Estes princípios serão explicitados no capítulo I.
trama da socialidade banal”, pois são esses elementos de menor importância que, transmitidos
e vividos num processo cíclico, conservam a essência sócio-cultural do espaço, mesmo que
sofram as tendências do tempo em que se inscrevem. Compreender como se dão às fruições
provocadas pelas relações no âmbito da escola servirá de chave para que possamos
resignificar o sentido do ethos no contexto educacional do IECN14.
A partir da reconstrução da história, penso ser possível responder a pergunta que me
fiz há exatos vinte anos, ao questionar o que tornava diferente uma menina formada pelo
Instituto de Educação Clélia Nanci (IECN). Por que ela mereceu destaque na consideração do
diretor da escola? O que significa ter sido aluna do “Clélia Nanci”?
Eu ainda desconhecia a resposta, mas entendo bem agora o que disse o professor
Marcos Ferreira Santos (USP), ao afirmar que o “Normal é Vital15”. A frase proferida pelo
professor ecoou nos meus ouvidos. Estava no caminho certo de conhecer a produção de
sentidos que move a Escola Normal e a torna vital.
Pois segundo Maffesoli (1999, p. 31), “isso significa reconhecer a importância do
‘imaterial’ no próprio seio do ‘material’”, o espírito movente, o que fortalece, o que o autor
considera ser o ser-estar-junto-com, o que nos sensibiliza enquanto seres sociais e, a partir
desse momento, o meu coração passou a ser o de uma professora-estudante-pesquisadora.
Além de delimitar o campo e os sujeitos da pesquisa, foram estabelecidos os objetivos
específicos que irão nortear o estudo de modo a permitir conhecer os aspectos relativos ao
IECN, que são:
1. Conhecer a história da instituição;
2. Entender como seus sujeitos enfrentaram/enfrentam os princípios (im)postos
pelas políticas educacionais;
3. Compreender os sentimentos que ligam os professores ao IECN;
4. Apreender, através de depoimentos dos professores, as imagens simbólicas que
expressam a sua relação/atuação com e no IECN.
14 Encontramos em Boff (2003), a compreensão da palavra ethos, que era escrita pelos gregos de duas formas – Ethos, (a letra longa), que significa costumes, mas também pode ser encontrada como ethos (letra curta), onde se refere à morada, abrigo dos seres humanos (homens e animais). Interessante notar que, embora sendo distintos, esses dois entendimentos se complementam, pois quando o homem escolhe (delimita) um lugar para morar, trabalhar, etc. ele irá cuidar e desenvolver nesse espaço características próprias, deixando sua marca, seu toque pessoal, ou seja, a sua cultura e costumes. 15 O “Normal é Vital”, essa pequena frase foi revelada pelo professor Marcos Ferreira Santos, por ocasião de uma palestra sobre o imaginário de Clarice Lispector realizada na UFF em 25 de agosto de 2005 e irá acompanhar os capítulos que compõem este estudo.
Para colher os dados da pesquisa, foram utilizados como instrumentos metodológicos
as seguintes heurísticas: - Entrevista semi-estruturada com uma professora que participou de forma efetiva nos primeiros anos da construção da identidade
do IECN. O intuito foi de construir o saber a partir de um trabalho subjetivo. Essa idéia apóia-se no suporte teórico de Ricoeur
(2001, p. 374), ao explicar que “preciso então refazer o trajeto da memória rumo à história e buscar na memória as raízes de nossa
demanda de história”. De acordo com o autor, os indivíduos se encontram numa constante inter-relação das situações cotidianas,
sendo produtos e produtores do meio onde estão inseridos, o que nos levou a escolher como elenco os professores, principais
autores/personagens da poética do espaço do IECN.
- Simbolismos e imagens que os professores retrataram através de uma dinâmica intitulada: “Eu e o Clélia Nanci”. A dinâmica
encontrou respaldo teórico em Chevalier e Gheerbrant (2005, p. XII), onde “a expressão simbólica traduz o esforço do homem
para decifrar e subjugar um destino que lhe escapa através das obscuridades que o rodeiam”. Dessa forma, os professores que
integraram a pesquisa tornaram visível o que sentem ou como vêem a escola da qual fazem parte.
- Um questionário investigativo de forma a contemplar os objetivos propostos
anteriormente, distribuídos a quinze professores, dos quais onze retornaram com as
questões preenchidas. O propósito do questionário foi devidamente explicado ao ser
encaminhado aos professores que participaram da heurística da imagem. A apreensão
das imagens encontrou na perspectiva sócio-antropológica um campo propício para
contemplar suas abordagens, pois é possível perceber os significados, as vivências,
fruto de uma sensibilidade compreensiva. Com base nesse entendimento Wunenburger
(2003, p. 266), destaca que “a imagem não é apenas tolerada enquanto complemento,
mas pode, de acordo com determinadas condições, participar no próprio trabalho de
construção de uma verdade”, ilustrando os fatos pertinentes ao ambiente social, pois
considera para tanto o suporte interpretativo de Chevalier e Gheerbrant (2005).
As heurísticas apresentadas foram o instrumento para compor esta dissertação,
intitulada A PRODUÇÃO DE SENTIDOS DO CURSO NORMAL: a poética do espaço
do Instituto de Educação Clélia Nanci, organizada em quatro capítulos, além dessa primeira
parte, onde introduzo o tema e delimito os objetivos principais e as considerações acerca da
pesquisa.
O capítulo seguinte tem a tarefa de apresentar a ótica paradigmática que fundamenta o
presente estudo.
Já o segundo capítulo resgata a história da Escola Normal no Brasil, seu caminhar,
embates e mudanças percebidos por vários autores que deixaram, através de suas obras,
registros dos caminhos trilhados por essa modalidade de ensino.
No terceiro capítulo, reconstituiremos, por via dos depoimentos dos autores/personagens, os passos iniciais do Instituto de Educação
Clélia Nanci, sua trajetória sócio-político-educacional, seus movimentos e momentos, além de apresentar uma visão da escola em seu
contexto físico-geográfico para melhor contextualização no âmbito do município de São Gonçalo.
O quarto capítulo apresenta os resultados obtidos a partir das heurísticas dos
questionários e interpretação das imagens, produzidos pelos professores do Curso Normal.
Fechando esta pesquisa, temos as considerações finais, ou o que foi aqui denominado
de sensações finais, onde são expostos os simbolismos que emergiram do espaço do IECN
através dos professores participantes.
1. A (RE)ORIENTAÇÃO DO OLHAR
1.1 De olho nas mudanças
Vários foram os textos que apontaram o século XX como uma fase caótica16, cujas
fissuras causadas pelo império do individualismo predominante ao longo dos últimos anos
deixaram marcas profundas, delegando ao novo milênio a incumbência de organizar a estética
coletiva que surge neste contexto, como um paliativo para as crises sociais.
As questões relativas à formação do professor não ficaram alijadas desta conjuntura. A
dinâmica societária suscitou mudanças na educação, tornando os profissionais de ensino e o
seu locus de formação merecedores de maior enfoque nas políticas públicas educacionais.
Cresce a conscientização e a busca por um ser humano responsável e solidário no seu
contexto sócio-histórico-natural e começa aparecer no cenário educacional a necessidade de
se desempenhar uma atividade participativa que desperte nos membros da instituição escolar a
consciência pela vitalidade do coletivo (FREIRE, 2004; LINHARES, 2002; CHAVES, 2000,
1999; CANDAU, 2000).
Pois, de acordo com Chaves (1999, p. 115), a educação estava em busca de forma
“opcionais de compreensão da formação do professor, do cotidiano escolar, da prática
pedagógica etc. Sentimos a necessidade de adotar uma nova forma de olhar a realidade
educacional, de ver o mundo, o homem, a cultura, o ensino, a aprendizagem”. Isso porque até
então os dados sociais, com padrões rígidos de investigação, não conseguiam comportar
elementos que contemplassem as emoções e subjetividades que envolvem a vida cotidiana. As
análises cientifizadas de um modo geral tinham por base o que Morin (2003) considera se
tratar de uma razão fechada, simplificadora, que impossibilitava a percepção da
complexidade humana em todas as suas múltiplas vertentes, que é definida por Santos (2001)
como fundamentadora do paradigma clássico.
Mesmo considerando que Jean-Jacques Rousseau, já no século XVIII, tenha alertado
que os avanços científicos não contribuíam de maneira coerente para o desenvolvimento
social - tese defendida na Academia de Dijon, que o tornou enfim conhecido em 1749 -, foi
somente cem anos após esse feito, que a ciência social passou a ser considerada um campo
científico suscetível de análise17. Porém, estava inserida numa perspectiva positivista, em que
era tratada como “coisa”, bem como proposto por Durkheim, onde o observador se mantinha
16 Os autores citados, bem como dados estatísticos que demonstram a crise social do século XX, podem ser encontrados no livro Educação um tesouro a descobrir, organizado por Jacques Delors (2004). 17 Em Rousseau (1712-1778) “contribuir coerentemente” significa que além de respeitar a natureza biológica do indivíduo deveria ser a ciência capaz de atender às necessidades de todas as classes, sem distinções, de forma a contribuir significativamente para uma melhor condição de vida social. A reflexão sócio-educacional provém mais especificamente por intermédio das obras: O Emílio e o Contrato Social, ambas de 1757, que até a atualidade servem de referência para quem se propõem a ter uma visão humanística nas relações sociais, donde a escola também é parte integrante (ROUSSEAU. Coleção Os Pensadores. São Paulo: Abril Cultural, 1973, p. 466-84).
afastado do seu objeto de forma a não influenciar no resultado final (SANTOS, 2001;
BALANDIER, 1997; MAFFESOLI, 1988).
Diante de uma visão fragmentada, as ciências sociais tiveram que percorrer um longo
caminho até poderem encontrar seu ponto de mutação. Sobre este período, Balandier (1997, p.
66) esclarece que as ciências estavam “condenadas a um ‘novo’, novo nascimento (...); seu
próprio movimento, suas mudanças e suas desordens impõem outro diálogo com o social a
fim de torná-lo mais inteligível”. Faltava algo a ser evidenciado, gerando a idéia de
incompletude, que nas constatações de Morin (2003, p. 21) se iguala à imagem dos icebergs18
que “têm enorme parte imersa não científica, mas indispensável ao desenvolvimento da
ciência”. Este lado desconhecido ou pelo menos não visível à superfície foi o deflagrador das
dúvidas nas convicções positivistas.
O invisível fez aparecer elementos que antes os cientistas julgavam ter afastado de
suas análises. No entanto, contraditoriamente, diante do próprio avanço da ciência, emergiam
a superfície, sem prévio consentimento, informações que provocaram uma revisão do ponto
de vista do paradigma científico, fazendo o homem, no entendimento de Morin (2003, p. 24),
despertar de um “sonho lendário”.
Ainda de acordo com este autor (2003), um dos responsáveis pela mudança citada foi
Karl Popper19, o qual, no início do século XX, diferenciou-se dos demais físico-químicos ao
introduzir a idéia de “falseabilidade” nas análises científicas. Consideração a ser levada em
conta, pois possibilitava à ciência ser refutada a partir de observações e reflexões e desse
processo o conhecimento progredia numa constante recursividade.
Outras contribuições cientificas, principalmente do campo da física, vieram favorecer
uma revisão epistemológica. As evidências falavam por si só e negá-las seria interromper a
evolução natural da existência humana, que ia, nesse momento, em busca de novos
instrumentos para guiar seus olhares. Assim, foi possível constatar uma “revolução
científica”, expressão cunhada por Thomas Kuhn20, em que constata um mundo
18 Iceberg - grande massa de gelo flutuante. A parte imersa é, em média, sete vezes mais alta que a emersa (FERREIRA, 2004, p. 399). 19 Karl Popper (1902–1994): físico-químico participante do Círculo de Viena – grupo constituído por cientistas, lógicos e matemáticos, cuja concepção, distanciava-se das questões filosóficas. O grupo que se reunia mensalmente no período de 1922 a 1936 para discutir questões relativas à ciência. Popper, no entanto, afirmava que era impossível verificar se uma teoria era científica, pois não era possível comprovar todas as suas possibilidades. Diante desta impossibilidade prática, propõe então que os cientistas seguissem o caminho inverso isto é, procurassem provar a sua falsidade (BARSA, v. 11, p. 443). 20 Thomas Samuel Kuhn (1922-1996), filósofo da ciência norte-americano, demonstrou em seu livro A Estrutura das Revoluções Científicas, que a ciência evolui não só “progressivamente” e “seletivamente”, mas a própria estrutura de mundo se transforma promovendo as revoluções transformadoras (MORIN, 2003).
revolucionariamente em expansão, que se encontrava, e ainda encontra-se, em constante
transformação (MORIN, 2003).
Diante do panorama exposto, o dogma inquebrantável das certezas absolutas havia se
tornado biodegradável, ou como explica Morin (2003, p. 24), desde então perdemos o “trono
de segurança que colocava nosso espírito no centro do universo: aprendemos que somos, nós
cidadãos do planeta Terra, (...) de um universo mil vezes mais misterioso do que se teria
podido imaginar a um século”. Ante a irrefutável evidência, a ciência não poderia restringir-se
em ser o acúmulo de verdades verificadas. Suas descobertas atravessavam as diversas áreas
científicas, porém era imperativo considerar as situações que surgiam inesperadamente, nos
levando a reconhecer, através dos risos e/ou tristezas, a complexidade que perpassava a
existência humana21.
Fazia-se necessário refletir o real e, com paciência, buscar entendê-lo. Seguir este
caminho, para teoria de Morin (2003), representa adotar uma razão aberta no sentido de
contemplar e dialogar com uma racionalidade que encontre nas desordens, no acaso, nas
emoções, elementos indispensáveis para compreender o homem na sua relação com e no
mundo.
Corroborando com a percepção de uma razão aberta, outros estudos contribuíram de
maneira significativa para a revisão paradigmática, pois na concepção moriniana paradigma
representa ser o início de uma nova elaboração teórica, o que serve de norteador para
construção do conhecimento. Por isso, para Morin (2003, p. 335), “teoria não é uma solução;
é a possibilidade de tratar um problema (...), uma teoria só realiza seu papel cognitivo, só
ganha vida com o pleno emprego de atividade mental do sujeito”, que a partir de um conjunto
de fatores correlatos podem suscitar uma reformulação da maneira de enxergar os
fatos/fenômenos.
1.2 Uma luz na racionalidade
21 Segundo o pensamento de Santos (2001, p. 44) “não há natureza humana, pois toda natureza é humana”.
Segundo os estudos de Santos (2001), foram quatro os fatores que contribuíram mais
significativamente no transcorrer do século XX para o abalo e revisão do paradigma clássico,
fatores esses que serão resumidamente apresentados a seguir.
O primeiro abalo da ciência clássica foi iniciado por Einstein22, no domínio da
astrofísica. Este físico rompe, a partir da teoria da relatividade, com as certezas
absolutas, demonstrando que a simultaneidade dos acontecimentos distantes não
pode ser verificada, podem tão somente serem definidas. Sobre esta constatação,
Santos (2001, p. 25), esclarece que “esta teoria veio revolucionar as nossas
concepções de espaço e de tempo. Não havendo simultaneidade universal, o
tempo e o espaço absoluto de Newton deixam de existir”, ou seja, quando
percebemos um fenômeno, ele já ocorreu.
A segunda condição que gerou abalo nas estruturas clássicas surgiu com o
mecânico quântico Niels Bohr23. Segundo Santos (2001, p. 25), o cientista físico
demonstrou no domínio da microfísica “que não é possível observar ou medir
um objeto sem interferir nele, sem o alterar, a tal ponto que o objeto que sai de
um processo de medição não é o mesmo que lá entrou”. Tal demonstração se
estendia para todos os campos científicos donde, evidentemente, se inclui o
social. Além do mais, Bohr propunha um problema lógico fundamental, o de
aceitar a complementaridade no terreno da microfísica por coerência do
pensamento e ação. Chegava ao fim o ideal determinista da ciência clássica, a
partir deste momento o lugar de observador ficava relativizado. Sujeito e objeto
não eram separáveis, o pesquisador afeta e é afetado concomitantemente pelo
meio.
A terceira condição provém das investigações de Gödel24 sobre o teorema da
incompletude, no qual um sistema não dispõe independentemente de meios
22 Albert Einstein (1879-1955), físico alemão naturalizado norte-americano, criador da teoria da relatividade (FERREIRA, 2004, p. 818). 23 Niels Henrik David Bohr (1885-1962), físico dinamarquês de ascendência judaica, recebeu o Prêmio Nobel de Física em 1922. Formulou o princípio da correspondência e em 1928 o da complementaridade. Estudou ainda o modelo nuclear da gota líquida e antes da descoberta do plutônio previu a propriedade da cisão análoga à do U-235 (BARSA, 1997, v. 3, p. 22). 24 Kurt Gödel (1906-1978), matemático austríaco, demonstrou, em 1931, nos sistemas matemáticos, a completude e incompletude com a consistência dos elementos (BARSA, 1997, v. 7, p. 130).
explicativos. A proposição colocada pelo matemático evidenciava a condição de
seres correlatos, fazendo parte de um mesmo sistema que se tenta entender e
conceber. Conforme nos diz Santos (2001, p. 27), as leis de “Gödel vêm
demonstrar que o rigor da matemática” carece de fundamento.
O quarto abalo teórico se refere à crise do paradigma newtoniano que foi
constituído pelos avanços do conhecimento nos domínios da microfísica, da
química e da biologia nos últimos trinta anos. As investigações do físico-químico
Ilya Prigogine25 sobre as estruturas dissipativas explicam a flutuação de energia
que em determinados momentos desencadeia espontaneamente reações não
lineares, condutoras de um novo estado macroscópico. Santos (2001, p. 28)
destaca que “esta transformação irreversível e termodinâmica é o resultado da
interação de processos microscópios segundo uma lógica de auto-organização
numa situação de não-equilíbrio”.
De forma sintética, foram apresentadas algumas conquistas que, cumulativamente,
representam a ampliação do raio de visão das ciências. Se num primeiro momento poderiam
indicar um facilitador, se transformaram em um problema essencial para compreensão dos
fatores sociais, pois não havia mais verdades precisas, certezas absolutas, tampouco caminhos
exatos a seguir. As condições impostas pela ciência impulsionavam o homem a conduzir sua
história pessoal, revendo seus conceitos, seu trajeto e perspectivas. Segundo Morin (2003, p.
133), “a ciência passou a se um problema cívico, um problema dos cidadãos. É inadmissível
que esses problemas permaneçam entre quatro paredes”.
As descobertas científicas encontravam-se diante de um movimento pujante de caráter
transdisciplinar, com saídas provisórias e alternativas criativas diante dos fatos/fenômenos
posto pelos elementos constitutivos do social, estabelecendo um diálogo aproximativo entre
razão e emoção, ordem e desordem, objetividade e subjetividade, previsível e imprevisível,
instituído e instituinte. Visto deste modo, as condições de complementaridade se acentuam e
concebem a aceitação plena dos fatores antagônicos e concorrentes como elementos
integradores na existência dos seres (MORIN, 2003).
Esse é o momento que, conforme o autor acima citado (2003, p. 125), representa o
crepúsculo científico, porque é “quando o pássaro de Minerva, ou seja, a sabedoria, levanta
25 Ilya Prigogine (1917-2003), cientista russo, pesquisou os estados termodinâmicos de não-equilíbrio e os processos estatísticos reversíveis. Ganhou o Prêmio Nobel de Física em 1977 (BARSA, 1997, v. 2, p. 286).
vôo, mas também num momento de trevas, aguardando pelo canto do galo que vai nos
acordar. O canto do galo vai nos deixar alerta para o homem, para a vida e para a
humanidade”.
Veremos aflorar um paradigma que contemple uma linguagem transversal que aceite e
integre as várias expressões culturais, além de reconhecer que os fatos/fenômenos não se
encontram dissociados das demais condições da vida, sejam elas físicas, econômicas, sociais
ou biológicas, onde, ao invés de separar, irão unir os conhecimentos, criando uma rede de
diálogos que Santos (2001) denomina como sendo paradigma emergente; Morin (2003)
aponta como paradigma da complexidade; e Maffesoli (1988) se refere como sendo um
período que marca a pós-modernidade.
Enfim, todas essas conceituações dizem respeito ao mesmo critério de entendimento,
qual seja: o de considerar diversos elementos constitutivos da vida, dentre eles o subjetivo,
como um dos fatores a serem considerados nas pesquisas científicas.
Contudo, Santos (2001, p. 35) tem o cuidado de esclarecer que não se trata de negar os
avanços conquistados até então, se trata sim “de se despedir, com alguma dor, dos lugares
conceituais (...) mas não mais convincentes e securizantes, uma despedida em busca de uma
vida melhor” que inclua uma vigorosa trama entre as descobertas científicas e as experiências
empíricas.
Temos, enfim, um paradigma novo que possibilita enxergarmos todas as riquezas do
cotidiano, suscitando nas pesquisas que buscam seu referencial não encontrar um ponto fixo,
uma confirmação para ser catalogado, deseja sim, um locus, constituído pela produção de
sentidos, que no caso desse estudo é o espaço do Curso Normal do IECN, considerando suas
experiências institucionais repletas de vida e de sentimentos.
Para Santos (2001), ao passo que se constitui uma aprendizagem, o indivíduo vai
internalizando o saber e mudando a forma de ver e entender essa realidade construindo dessa
forma um auto-conhecimento, que encontra nas palavras de Chaves (1999, p. 120) o correlato
quando expressa ser o momento onde se “consegue tratar da incerteza e ao mesmo tempo
conceber a organização”.
Por isso, Morin (2004, p. 11) indica a “missão desse mero ensino é transmitir não o
mero saber, mas uma cultura que permita, ao mesmo tempo, um modo de pensar aberto e
livre”. Diante de tal desafio, caberia à escola realizar a integração de sua praxe, como
expressa Maturana (2002), em congruência com a poética humana, despertando o sentido de
solidariedade entre os indivíduos.
Seguindo esse fio condutor, em que o sensitivo é parte integrante e importante das
análises sociais, encontramos nos estudos de Michel Maffesoli os holofotes fundamentais na
compreensão da dinâmica das relações estabelecidas no ambiente social e mais
particularmente na escola, onde seria possível evidenciar a estética do grupo e a ética que
emana desta junção.
Apoiando-se em uma concepção teórica sócio-antropológica, o autor eleva a
significância das práticas diárias, pois, segundo Maffesoli (1988, p. 201), o cotidiano é como
“vagas batendo no rochedo, refluem de uma maneira talvez pungente sobre matérias e
maneiras próximas, mas não idênticas”, adequando espaço e mostrando sua maneira de lidar
com a realidade. Nesse movimento vai se formando a textura da vida com base no
conhecimento comum.
A relevante contribuição da sócio-antropologia para os estudos do cotidiano escolar se
dá pela multireferencialidade de que é composta, nos possibilitando entender como uma
instituição consegue fazer emergir sua singularidade cultural diferente de outras instituições
que têm o mesmo propósito básico de formar educandos.
1.3 Morin: para redirecionar o olhar
Morin (2004) considera que o objetivo da educação não está na quantidade dos
conhecimentos transmitidos e sim na maneira como os sujeitos da escola irão organizar esse
saber, que é, segundo o autor, produzida pelas interações dos próprios sujeitos co-
participantes do processo educacional, que deve incluir em sua dinâmica os fatores
emocionais, desejos e sentimentos que fazem parte da complexidade humana26. Isso porque,
para Morin (2003, p. 130), o homem “é um complexo bioantropológico e biossociocultural. O
homem tem muitas dimensões e tudo o que desloca esse complexo é mutilante, não só para o
conhecimento, mas, igualmente, para a ação”.
Um bom exemplo da teoria da complexidade posta por Morin é a sua própria história
de vida, relatada no livro Meus Demônios (1997). Na obra citada, o autor apresenta as tramas
que o constituíram e o fizeram enxergar os fatos/ fenômenos da maneira com que relata em
26 Complexidade, para Morin (2003, p. 188), representa “o que está junto; é o tecido formado por diferentes fios que se transforma numa só coisa. Isto é, tudo isso se entrecruza, tudo se entrelaça para formar a unidade da complexidade (...)”.
seus textos, pois, em seu entender (2003, p. 196), temos tanto na vida como na história “de
conceber as errâncias, os desvios, os desperdícios, as perdas, os aniquilamentos, e não apenas
as riquezas, como também não só de vida, mas de saber, de saber fazer, de talentos, de
sabedoria”.
Desde o seu nascimento, em 1921, Morin viveu diante dos limites da certeza e da
incerteza, do previsível e do imprevisível. Situações de dualidade que se acentuaram com a
perda de sua mãe, quando enfrentou o terrível dilema de vida e morte. Tal dicotomia o levou a
definir, simbolicamente, sua vida como movida pelo espírito do vale, onde confluem todas as
águas que correm para o mesmo lugar27. Nesse ínterim, Morin confessa que houve:
(...) sem dúvida, um combate agônico em mim entre as forças de vida e as forças de morte, durante mais de um ano. Lembro-me de uma dor inconsolável, de prantos vertidos nos banheiros, ou em minha cama à noite, com a luz apagada; lembro-me de uma fascinação por uma casa mal-assombrada, na ilha de Chatou, onde eu ia esperar, desejar, talvez, a aparição do espectro da morte, e me lembro, ao mesmo tempo, de jogos, de risos, de farsas, de passeios de bicicleta... Havia uma espécie de contradição permanente entre meu desespero de viver e meu querer viver, que se traduzia por uma alternância de um ao outro (MORIN, 1997, p. 49).
O fragmento exposto acima expressa sucintamente os antagonismos que o
constituíram, mas por outro lado, o fizeram enxergar a realidade de maneira mais
compreensiva e includente, porque, mesmo diante de tantas dúvidas, o pensador francês não
se permitiu fechar em um saber único e acabado. Morin (1997) constatou, de forma trágica,
que o inusitado nos toma de surpresa, impondo-nos a condição de organizarmos “alternativas”
de viver com e no mundo.
Ao deparar-se com essas problemáticas cotidianas, Morin (1997) foi,
indubitavelmente, conduzido a refletir sobre uma perspectiva condescendente com uma razão
aberta, que aceitasse os acontecimentos cotidianos como prováveis elementos significativos
que influem no ritmo da vida, impondo o estabelecimento de uma visão recursiva. Dessa
maneira, o princípio da recurssividade abordado por Morin (2003, p. 182) refere-se à
“organização cujos efeitos e produtos são necessários a sua própria causação e a sua própria
produção”. E uma dinâmica autoprodutiva e auto-organizacional, onde, simultaneamente, os
fatos/fenômenos são causa e efeito, produzindo um movimento constante.
Morin (1997) contou, através de suas memórias, que essas ponderações surgiram a
partir do pós-guerra, período no qual vivenciou conflitos éticos e políticos. Era o período de
27 A idéia de espírito do vale coincide com a metáfora da bacia semântica exemplificada por Gilbert Durand (apud Maffesoli, 2005, p. 98), onde as várias linguagens e expressões correm seu curso para o mesmo espaço. Essa conceituação será tratada mais à frente, nesse mesmo capítulo.
caça ao comunismo, fase em que ele irá refletir sobre o seu próprio rumo pessoal e
profissional.
Imerso neste contexto tomou a decisão de abandonar o partido comunista e escreveu o
seu primeiro livro, intitulado L’An zéro de l’Allemagne (1946), fruto da experiência vivida
nos anos do conflito que fizeram da Europa um imenso campo de batalhas. No entanto, a obra
representava para o autor uma maneira de solidarizar-se com o povo alemão, que não deveria
ser culpabilizado, tampouco segregado pela ideologia de uma minoria.
Mas uma outra questão o motivou a escrever a referida obra. Morin (1997) revela ser
tomado pelo sentimento de contradições que girava em torno das reflexões que fazia sobre o
contexto alemão. Daí surgiram questões que o levaram a refletir: como a nação mais culta do
mundo pôde produzir uma das piores barbáries? De que forma o país onde nasceu à música, a
poesia e a filosofia que mais sensibilizou o mundo pôde dar origem às idéias mais
repugnantes?
Ante a efervescência dos acontecimentos, a visão cartesiana própria de um cidadão
francês estava cada vez mais fragmentada, mas não no sentido de arruinada, destruída, pelo
contrário, sua rede de conhecimentos se encontrava fortalecida e diversificada. Morin (1997)
concebia a possibilidade real de entender os desvios e embates como situações deflagradoras
de se buscar perceber o homem com seus princípios sócio-culturais. Reflexões que abarcam a
imagem do tetragrama proposta pelo autor, no qual a ordem e a desordem por meio de
interações produzem uma organização possível, considerando as situações sociais, que de
acordo com o momento podem se apresentar como concorrentes, antagônicas e, até mesmo,
complementares.
Com ênfase nesse entendimento, Morin (2003, p. 204) reafirma que atualmente a
“ordem deixou de iluminar todas as coisas, tornando-se um problema. A ordem é tão
misteriosa como a desordem”. Daí decorre a necessidade de estabelecer uma relação
comunicacional com o espaço em que está inserido o sujeito, que na especificidade desta
pesquisa se encontra na escola.
Isso tudo significa, de acordo com Morin (2003, p. 182), “que abandonamos um tipo de
explicação linear por um tipo de explicação em movimento, circular, aonde vamos das partes
para o todo, do todo para as partes, para tentar compreender um fenômeno”, o que representa
em outras palavras o sentido do unitas multiplex, uma idéia complexa que dispensa
hierarquias. Contudo, não se trata de unir o uno no múltiplo, Morin (2004, p. 25) indica tratar-
se da interligação “entre cada fenômeno e seu contexto, as relações de reciprocidade
todo/parte: como uma modificação local repercute sobre o todo e como uma modificação do
todo repercute sobre as partes”.
Na verdade, o que está posto é uma construção constante das interações e organizações
entre os indivíduos que irão configurar a nova forma de pensar, sentir e agir, co-produzindo
suas culturas, pois, de acordo com Morin (2003a, p. 138), é “na comunicação amável que
podemos encontrar sentido de nossas vidas subjetivas”. Convergente ou divergente, é assim
que se constitui o movimento social, numa constante troca de possibilidades próprias da
natureza humana, como num holograma, em que cada sujeito contém parte das informações
do todo e as trocas deixam marcas. Daí que o autor evidencia que:
O aprendizado da vida deve dar consciência de que a “verdadeira vida” (...), não está tanto nas necessidades utilitárias – às quais ninguém consegue escapar –, mas na plenitude de si a na qualidade poética da existência, porque viver exige, de cada um, lucidez e compreensão ao mesmo tempo, e, mais amplamente, a mobilização de todas as aptidões humanas (MORIN, 2004, p. 54).
É com esse olhar que iremos perceber a escola, que não mais se encontra isolada como
algo-em-si, mas em suas complexas redes de vínculos sócio-político-econômico-cultural, que
a partir dos embates do cotidiano vão estabelecendo uma relação dialógica28 entre as partes
que a compõem.
Esta possibilidade de troca produz um todo organizador que retroage em relação aos
mesmos indivíduos considerando suas especificidades. Morin (2003, p. 232) entende que “o
objetivo do conhecimento não é descobrir o segredo do mundo numa equação mestra da
ordem que seria equivalente à palavra mestra dos grandes mágicos. O objetivo é dialogar com
os mistérios do mundo”, mesmo que sejam divergentes.
Nesse processo comunicacional de idas e vindas, vão marcando a história e deixando o
seu imprinting cultural que Morin (2003, p. 50) considera ser a “marca original irreversível
que é impressa no cérebro”. O imprinting nada mais é que o fruto de uma vivência que ao se
tornar significativa, adquire caráter matricial, fortalece suas raízes com a história do lugar e
cria os vínculos de pertencimento, isto porque o autor entende que o “conhecimento não é um
espelho das coisas ou do mundo externo. Todas as percepções são, ao mesmo tempo,
traduções e reconstruções cerebrais com base em estímulos ou sinais captados e codificados
pelos sentidos” (MORIN, 2001, p. 20).
28 Segundo Morin (2003, p. 189) o termo dialógica “quer dizer que duas lógicas, dois princípios, estão unidos sem que a dualidade se perca nessa unidade (...); desse, modo, o homem é um ser unidual, totalmente biológico e totalmente cultural a um só tempo”.
Finalmente, o que Edgar Morin apresenta é a essencialidade de uma mudança de
mentalidade e postura diante da compreensão de mundo, de um renovar e renovar-se, sempre
a caminho de uma concepção multidimensional, em que a pessoa, mais que o indivíduo,
torna-se sujeito planetário, e nesse estudo foi trazido como vetores fundamentais de análise do
espaço escolar29.
1.4 O olhar estereoscópico de Maffesoli
De acordo com Ferreira (2001, p. 318), estereoscópico é relativo ao “instrumento
binocular, com aumento não muito grande e profundidade de foco relativamente elevada, que
permite observações microscópicas de objetos em relevo”. No caso do olhar maffesoliano, tal
metáfora sugere lançar a visão sobre todos os lados, além de realçar o que se encontra pouco
iluminado, tornando-o visível a olho nu.
Por este motivo, a sociologia proposta por Maffesoli torna-se compreensiva, uma vez
que considera necessário ter sensibilidade para ver, ouvir e sentir o movimento dos fatos, as
articulações dos grupos, considerando todos os “encontros banais” (encontros informais, bate-
papo, festas, cafezinho etc.), fundamentais para a real noção da poética do espaço, que busca
ir:
(...) de encontro a uma visão triunfalista, que crê a tudo poder abarcar, uma sociologia compreensiva como a que vai esboçar participar do que chamamos uma “transcendência imanente”, que brota do próprio corpo social. Nesta perspectiva, não possuímos a verdade – mas estamos por dentro de uma “certa” verdade (MAFFESOLI, 1988, p. 74).
Esta perspectiva posta pelo sociólogo faz ressaltar o lado sombra do social, composto
por elementos subjetivos, que, embora com merecida importância na vida diária, ainda são
pouco estudados ou levados em consideração pelos que se propõem a analisar os dados
sociais. Este fator torna os elementos constitutivos do econômico e político ocupantes do
lugar de destaque no cenário investigativo acadêmico, sendo, dessa forma, interpretados por
Maffesoli (1988) como os elementos integrantes do lado iluminado, pois possuem nítida
visibilidade.
29 Recursividade, tetragrama, unitas multiplex, hologramático, dialógica, imprinting são denominações morinianas que fazem parte do corpo da pesquisa, contribuindo e fundamentando as relações descritas do IECN.
Porém, é bom enfatizar que ambos os lados (sombra e iluminado) são importantes nas
análises sociais. Um complementa o outro e juntos formam o todo complexo que Maffesoli
(1988) denomina ser a socialidade30, onde os fatores de ordem legal se entrecruzam num
enlace/confronto produzindo uma organização das instituições e seus sujeitos, que vão
construindo, concomitantemente, sua história individual e coletiva, onde não há apenas um
caminho a seguir. Os fatos/fenômenos se relacionam numa trama constante entre a razão e a
desrazão, o instituído e instituinte, ganhos e perdas, visto que nada na teoria maffesoliana é
detentor de um único lado. Nela, os elementos se complementam a fim de perceberem sua
evolução.
O que importa para Maffesoli (2005, p. 14) é compreender que a descrição dos
aspectos sociais não há de ser somente “um problema, mas sim uma plataforma a partir da
qual vai elaborar-se um exercício do pensamento que responda, da melhor maneira, às
audaciosas contradições do mundo em gestação”, exigindo apenas uma razão sensível para o
devido realce das relações sociais31.
O interesse pelos elementos banais é justificado por Maffesoli (1988, p. 68) ao
interpretar que “estes pequenos nadas, estas minúsculas brechas, estas criações em tom menor
que constituem a vida de todos os dias. Tal como fios que se entrelaçam para a confecção do
tecido, formam o essencial da trama societal (...)”. Por isso são eles que concentram a
essência de uma cultura, porque os pequenos gestos comportam, para o autor, um grande
valor na confirmação de um grupo. Contudo, Maffesoli (1984, p. 20) salienta que “não se
trata, portanto de atribuir títulos de nobreza às minúsculas atitudes cotidianas, mas ver de que
maneira estas se encontram enraizadas (...)”.
O fato de entender a trama societal, explica Maffesoli (2005, p. 117), torna a proposta
sociológica “essencialmente inacabada e provisória, de tal modo é verdade que não se pode,
em nenhum caso, construir um sistema quando se está confrontado a um mundo em perpétua
mutação e sem referências fixas”, podemos, quando muito, tentar compreender o sentido
movente do espaço a ser investigado.
30 Socialidade, para Maffesoli (1988), designa a expressão de força social em sua capacidade de aglutinar os indivíduos. Ela expõe o ser-estar-junto-com como representante de simbolismo e concepções que preenchem a vida social com características corriqueiras, que o autor classifica de banais. A socialidade é o movimento de agregação do fazer e sentir em comum, sensações que produzem a solidariedade vivida no âmbito de um espaço onde os sentimentos são compartilhados. Maffesoli (1988) explica solidariedade de base como o modo que determina as condições de estruturação de toda a ação social, são estas ações que expressam a vontade de manter-se unido à outras pessoas, confirmando assim, a idéia de pertencimento a um grupo social. 31 Razão sensível é interpretada por Santos (2004, p. 26) “como alternativa de captar a racionalidade dos processos simbólicos, a partir da corporeidade, para além da dicotomia sujeito/objeto. Privilegia a criação (poiésis) como forma de explicação, interpretação e compreensão dos fenômenos”.
Os estudos de Maffesoli vêm de encontro a uma tendência educacional, posta a partir
das últimas décadas do século XX, que considera o espaço escolar propício para o
desenvolvimento de práticas solidárias, bem como a conscientização da relação de parcerias
entre as pessoas. Este sentimento pode ser percebido através do fragmento a seguir:
A coesão social e a solidariedade aparecem na filosofia educativa dos finais do século XX como aspirações e finalidades indissoluvelmente ligadas, em harmonia com a dignidade da pessoa humana. O respeito pelos direitos do indivíduo anda a par com o sentido da responsabilidade e estimula homens e mulheres a aprenderem a viver junto (GEREMEK, 2004, p. 230).
A proposta representava um estímulo para o convívio entre as diferentes pessoas, no
mesmo sentido em que Maffesoli (1987) esclarece que a proximidade do convívio possibilita
a união entre os diversos sujeitos, remetendo para o autor a idéia de sucessivos nós32,
substrato das interações coletivas, pois produzem uma fusão vitalizadora e complementar.
Baseado nessa concepção, Maffesoli (2005; 1987) entende o sujeito unido a outro, não por
pressão, mas por simpatia, adesão, consciência em prol de uma idéia comum, o que para o
autor dá o sentido de nós fusional, elemento essencial para o ser-estar-junto-com que permite
captar/integrar a volátil e versátil socialidade, que faz emergir o que se encontra no fundo das
aparências das pessoas.
No âmbito do espaço escolar esta cumplicidade se torna indispensável ao ser
considerado que uma das expectativas do papel da escolarização é a socialização do educando
no estabelecimento de uma proxemia33 com os demais integrantes da instituição. Então, não
se pode deixar de lado o vínculo de proximidade entre seus pares, formando uma
característica própria e inigualável, de acordo com o espaço físico-geográfico em que estiver
inserida na escola.
Essa percepção ocorre porque Maffesoli (1988, p. 214), considera “que estamos
voltando a uma relação mais carnal com o mundo social e com o meio circundante natural. A
separação da objetividade está em vias de dar (seu) lugar à intuição da experiência”.
Fato/fenômeno fomentador de uma maneira de ser mais participativa, a vida institucional, sua
socialidade, não é governada apenas por leis externas e racionalmente ordenadas, mas por
movimentos internos, constitutivos do lado sombra.
32 Segundo Maffesoli (1987, p. 18) “nós” é um misto de indiferença e de energia pontual. Paradoxalmente, encontra-se aí um singular desprezo por toda atitude projetiva e uma inegável intensidade na própria ação. É isso que caracteriza a potência impessoal da proxemia. 33 O termo proxemia, como informa Maffesoli (1987, p. 33), foi “proposto pela Escola de Palo Alto” e representa o ser-estar-junto-com.
Com Maffesoli (1988; 1984) é possível interpretar a escola como uma condição
estilística, ou seja, seus contornos, formas e tendências conferem-lhe um estilo, uma
estética. Os gestos, uniformes, roupas, sons, ritos, movimentos e lutas empreendem uma
característica e a partir de então é possível interpretar, por analogia, as expressões que
constituem a instituição, que o autor considera ser sua organicidade34 , termo
empregado que representa a sinergia existente entre os dados da vida de uma
comunidade, gerando uma emergência no agir e principalmente no sentir.
Nesse sentido a referência à pós-modernidade faz empreender para Maffesoli
(1999, p. 15) uma “forma de solidariedade social que não é mais racionalmente definida,
em uma palavra ‘contratual’, mas que, ao contrário, se elabora a partir de um processo
complexo feito de atrações, de repulsões, de emoções e de paixões”. Esse envolvimento é
uma forma de laço social que merece atenção, uma vez que estreitam os vínculos de
comprometimento e acabam por vezes se tornando indissociáveis, geram a identificação
com o locus do qual é um dos membros.
São esses laços que favorecem as múltiplas atrações/repulsões, impregnando a
vida de uma escola. Sua intensidade gera parâmetros aproximativos essenciais, que o
autor considera de ética da estética. A ética como laço coletivo ressaltando a estética do
sentir em comum, ou seja, a ética e a estética se complementam, que corresponde
segundo o autor:
(...) a ética é, de certa forma, o cimento que fará com que diversos elementos de um conjunto dado formem um todo. Mas, (...) é preciso dar a este termo, seu sentido mais simples. Não o sentido de uma teorização qualquer a priori, mas daquilo que no dia-a-dia serve de cadinho às emoções e aos sentimentos coletivos. Aquilo que faz com que, bem ou mal, uns se ajustem aos outros num território determinado, e que uns se ajustem ao meio natural. Essa acomodação é, certamente, relativa. Elaborada na felicidade e no infortúnio, originária de relações freqüentemente conflituais, ela é flexível, mas nem por isso deixa de apresentar uma longevidade espantosa (MAFFESOLI, 1987, p. 30).
Trata-se de articular os costumes e experiências vividas, possibilitando um bem viver
compreensivo. Por isso, o sociólogo propõe a lógica da identificação em substituição à lógica
da identidade que transmite uma idéia de diferenciação isolada e autônoma. No entanto, na
lógica da identificação há agregação de simpatizantes, os elementos formam e informam,
fazendo parte da memória coletiva.
34 Para Maffesoli (1988), organicidade é a mistura orgânica de elementos arcaicos e de outros com características contemporâneas. Daí surge para o autor à idéia de pós-modernidade, onde os elementos não são excluídos e sim apropriados.
Maffesoli (1999), para exemplificar melhor como vão se constituindo as referências
sociais dos indivíduos, utiliza-se da imagem de uma “bacia semântica”, metáfora apropriada
de Gilbert Durand, que demonstra ser:
À imagem (...) em que são os escoamentos das águas que vão progressivamente fazer um rio ao qual se dá um nome, e que drena tudo por onde passa, a memória coletiva vai recolhendo uma multiplicidade de pequenas coisas que, em dado momento, vão impor-se com a evidência do hábito. Tal evidência preside as relações amicais, amorosas, sociais, culturais, e não é mais questionada. É nesse sentido que ela informa, isto é, dá a informação que vai ser considerada como sendo a única aplicável, como sendo a solução boa. Nesse momento, ela se torna um “habitus” incontornável (MAFFESOLI, 2005, p. 98).
O habitus cultural do qual o sociólogo se refere é desenvolvido no interior de um
imaginário35 social que se afasta das explicações racionalistas, propostas nos séculos
anteriores. Esse imaginário é como uma rede doadora de sentidos que vamos tecendo e,
conseqüentemente, construindo a partir de uma identificação com o lugar. E isso faz toda a
diferença quando se trata do vínculo com a instituição escolar (TEIXEIRA, 1999).
Autores como Morin (2003), Boff (2003), Maturana (2002) e Leitão (1997)
comungam deste mesmo sentimento: o de caminharmos em direção à cultura dos
sentimentos, onde ocorre a transição da identidade (isolada) para a identificação
(coletivo), que une as pessoas segundo seus desejos e propostas, compondo dessa forma o
corpo coletivo.
Sendo assim, esse estudo buscou trazer à superfície do texto como os profissionais
de ensino se sentem ao fazer parte da escola. Como, ou se, criam a identificação com a
escola, sem deixar de considerar que a escola faz parte de uma história maior relativa à
educação nacional e, por isso, é um espaço que apresenta influências externas de ordem
social e política, mas esses mesmos aspectos enriquecem sua identidade, tornando o
processo dinâmico? Em função dessas interações surge um espaço único, com
característica específica que representa ser a imagem da escola.
Seguindo essa linha de pensamento, o capítulo seguinte traz a história do Curso
Normal no contexto brasileiro para, a partir do todo, poder ser melhor compreendida
cada parte que compõem essa totalidade educacional.
35 Segundo Teixeira (1999, p. 101), “imaginário é um sistema dinâmico organizador de imagem, cujo papel fundador é mediar a relação do homem com o mundo, levantar os mitos, ideologias e utopias veiculados pelo discurso pedagógico, permite-nos compreender melhor as práticas educativas que neles se enraízam”.
2. A ESCUTA SENSÍVEL:
HISTÓRIA DA FORMAÇÃO DE PROFESSORES NO BRASIL
2.1 O som do passado
O presente capítulo tem o propósito de ressaltar a trajetória do Curso Normal no
Brasil, seus primeiros anos, as políticas públicas dirigidas a esse segmento da escolarização,
as mudanças de denominação e expectativa deste curso que, de acordo com o momento
político, ganhou novos contornos.
A partir dos estudos bibliográficos, foi possível constatar que o Curso Normal veio se
constituindo ao longo de seus cento e setenta anos de implantação em território brasileiro
como um campo fértil para pesquisa. Devido a sua trajetória secular, encontrar material que
discuta esse locus de formação não é difícil, o difícil é saber o que ainda precisa ser escrito
sobre esta tradicional modalidade de ensino.
Por isso, a tarefa de traçar um panorama sobre a Escola Normal nos conduziu, por
vezes, a caminhos tortuosos, que fizeram do protagonista do roteiro um ser ameaçado de
extinção. Esta constatação não representa um mero exagero de linguagem. É sim uma
constatação clara, apontada pelos estudos: o curso de formação de professores das séries
iniciais ou, como é atualmente denominado, Curso Normal foi abalado, criticado, rebaixado
mas continuou resistindo ao combate.
Retornando ao passado, percebemos que a partir da chegada da família Real ao Brasil,
mais especificamente ao Rio de Janeiro, fato que ocorreu em 1808, houve a promoção de
investimentos na estrutura educacional para que a Corte vivesse na colônia. Foram
estabelecidas estruturas físico-acadêmicas necessárias, de modo a fornecer suporte intelectual
em conformidade com a nova elite habitante. Tivemos, a partir de então, a implantação da
Escola Nacional de Belas-Artes, a Imprensa Régia, Museus e Bibliotecas, além do surgimento
das primeiras escolas de nível superior (ROMANELLI, 1986).
A demanda pela escolarização ocasionou a expansão do ensino público, num fluxo
natural de conscientização acerca do educar-se. Porém, concomitante a esse período, emergia
um discurso em defesa de uma instituição laica, desvinculada dos interesses da monarquia.
Esta concepção baseava-se no modelo europeu de ensino, destinado a formar professores para
a instrução primária (TANURI, 2000).
Segundo Villela (1990), foi neste contexto promissor em prol da educação que nasceu
em quatro de abril de 1835, através do Ato n°. 10 da Assembléia Legislativa do Rio de
Janeiro, a primeira Escola Normal brasileira, instalada em Niterói36, na então capital da
Província. A partir desta data, por determinação da Lei Imperial, para o professor atuar no
ensino das primeiras letras deveria possuir atestado de bons costumes, endossado pelo
presidente da Província, além de instruir-se na Escola Normal, caso não estivesse apto para o
exercício da função.
Nos primeiros anos de criação da escola, a predominância pela procura do curso era
por homens, uma vez que nesse modelo de sociedade, a mulher ainda encontrava-se restrita ao
lar. Contudo, esta tendência foi gradativamente modificada nas décadas de 50 e 60 do século
XIX e, em 1880, o número significativo de alunas na Escola Normal de Niterói já expressava
essa mudança de comportamento, pois, de um total de 52 alunos, 18 eram homens e 34 eram
mulheres (VILLELA, 1990).
Com a disseminação do ensino viriam sinais da multiplicação progressiva das Escolas
Normais37. Já nas décadas finais do Império era possível observar uma maior organização
que, segundo Tanuri (2000, p. 66), “evidenciava algum progresso no contexto de um ideário
de popularização do ensino”, onde se começava a pensar sobre a obrigatoriedade da instrução
elementar, bem como a liberdade em transmiti-la.
De acordo com Martins (1996), em 1888, houve uma mudança na orientação
curricular da Escola Normal: o ensino passou a conter três séries e o conteúdo ministrado
deveria incluir a instrução moral e cívica. Um novo perfil profissional se configurava em
consonância com a urbanização: era preciso formar um educador “civilizador” para atender a
demanda do homem da época.
Com Nóvoa (1999, p. 18), foi possível constatar que nesse período as escolas normais
se encontravam “na origem de uma verdadeira mutação sociológica do corpo docente: o
‘velho’ mestre-escola é definitivamente substituído pelo ‘novo’ professor de instrução
primária”.
36 Seu nome atual é Instituto de Educação Professor Ismael Coutinho (IEPIC). 37 Escola Normal da Bahia, criada em 1836; a do Pará, em 1839; a do Ceará, em 1845; a da Paraíba, em 1854; a do Rio Grande do Sul, em 1870; a de São Paulo, como segunda ou terceira tentativa, em 1875/1878; a Escola Normal Livre, na Corte, em 1874 e depois a oficial, em 1880; a de Mato Grosso, em 1876; a de Goiás, em 1881 (ROMANELLI, 1986, p. 163).
Ao chegarmos à primeira República nos deparamos com uma estrutura na qual os
administradores políticos estavam preocupados com a educação nacional, mas esse interesse
ganhou contornos de fatores econômicos. O Brasil começava a dar seus primeiros passos
rumo à industrialização, o que exigia uma mão-de-obra que tivesse algum domínio da leitura e
da escrita. O brasileiro deixava o campo e erradicava-se nos centros urbanos na tentativa de
conseguir melhores condições de vida. A sociedade mudava e suas reivindicações também
(ROMANELLI, 1986).
No intuito de conceder qualidade à formação docente, foram empreendidas novas
concepções educacionais, a partir do Decreto n°. 3.281, de 1928, o que apresentava um outro
perfil para ensino normal. Através da Reforma Fernando de Azevedo, ele saiu da categoria de
simples ginásio com cadeiras pedagógicas para adentrar na classe dos cursos do ensino
profissional de cinco anos. Segundo Martins (1996, p. 92) “Azevedo considerava que não
poderia promover uma transformação efetiva na estrutura de ensino se não preparasse
condignamente o magistério”.
Até os trinta primeiros anos do século XX, a formação dos professores era construída
integralmente nas Escolas Normais. Havia prestígio, bem como respeito, à profissão de
educador. Segundo Nóvoa (1999, p. 19), a imagem docente era revestida “de um importante
poder simbólico”, tamanha a representatividade desse profissional no contexto sócio-
educacional da época.
Para resumir a análise do período, Ferreira (2002) informou que a profissão do
professor no Brasil requeria mais que conhecimento acadêmico, pois o exercício da docência
remetia a algo sacerdotal, era preciso ter vocação para exercê-la. Daí que, neste contexto,
respeito e admiração pelo magistério eram temas incontestáveis!
A partir da década de 30, as Escolas Normais caracterizavam-se pela afirmação do
caráter profissional docente38. Desde então houve uma constante ampliação de interessados no
ingresso à carreira do docente, o que conduzia uma interação com as escolas primárias como
campo de estágio, propondo, com essa medida, aproximar o discurso teórico à prática docente
(FERREIRA, 2002; NUNES, 2000).
Esta política de formação, baseada nas práticas, fortaleceu e transformou algumas
Escolas Normais em Institutos de Educação no contexto das grandes cidades brasileiras. Os
Institutos tinham como modelo formar os professores como técnicos do ensino, através da
38 No ano de 1931 foi criado o Registro Profissional do professor, dando ao profissional de ensino direitos e deveres a serem seguidos, como nas demais funções sociais.
aplicação de princípios gerais e conhecimentos científicos oriundos da pesquisa (FERREIRA,
2002; NUNES, 2000; ROMANELLI, 1986).
O momento demandava educadores com visão intelectual e social, capacidade técnica
de gerir os trabalhos e sensibilidade para conduzi-los. A essência do momento era marcada
pelo Manifesto dos Pioneiros da Escola Nova39, que defendiam, entre outras coisas, a idéia de
uma escola única, laica e gratuita, sustentada por princípios democráticos, que garantisse uma
escolarização unificada do jardim de infância à escola média. Os indivíduos, neste contexto,
eram percebidos em sua natureza humana, com sentimentos e desejos, respeitados em sua
cultura (NUNES, 2000; NÓVOA, 1999).
Essa tendência influenciou positivamente a Constituição de 1934, quando o Estado
reconhece o direito de todos à educação e o dever do Governo em promovê-la. Com isso,
Romanelli (1986, p. 146) salienta que o Manifesto dos Pioneiros apresentou “a novidade de
vislumbrar a educação como um problema social”.
Era um grande avanço para a época. Mas após este produtivo momento histórico da
educação, o presidente Getúlio Vargas ampliou seus poderes políticos, implantando o regime
ditatorial do país e inibindo o processo educacional brasileiro40. O autoritarismo do Estado
Novo repercutiu na política educacional que, a partir da Constituição de 1937, passou a
conceder incentivos à iniciativa privada, negligenciando a educação de massa. Diante do
perfil político a educação se vê caminhando na contramão das tendências pedagógicas da
Escola Nova (ROMANELLI, 1986).
As questões educacionais, desde então, passaram a ficar em uma espécie de
hibernação. O ensino transmitido pelas Escolas Normais tomou um perfil menos flexível a
partir do Estado Novo, seus sonhos de renovação, segundo Martins (1996, p. 124), acabaram
“esbarrando em algumas mudanças significativas nas diretrizes educacionais brasileiras”.
Mesmo existindo há um século, as Escolas Normais e os Institutos de Educação não
possuíam, por parte do Governo Federal, diretrizes estabelecidas. Foi somente a dois de
janeiro de 1946 que o Curso Normal obteve sua regulamentação através do Decreto-Lei n°.
39 Em 1932, um grupo de educadores e homens de cultura conseguiu captar na sua inteireza esse anseio coletivo e lançou um manifesto ao povo e ao governo que ficou conhecido como “Manifesto dos Pioneiros da Educação Nova”, com redação de Fernando de Azevedo e a assinatura de 25 homens e mulheres da elite intelectual brasileira. Trata-se de um documento que extravasava o “entusiasmo pela educação” e o “otimismo pedagógico”. As contribuições da “escola nova” foram importantes e serviram para o questionamento da escola tradicional, de seus métodos baseados num ensino livresco. Propunham a inserção da escola na sociedade, exaltando o poder da educação em reestruturar a vida social (ROMANELLI, 1986, p. 142-51). 40 Getúlio Vargas (1883-1954) governou o Brasil em dois momentos: o primeiro período de 1930 a 1945 e o segundo de 1951 a 1954, quando se suicidou sem concluir seu mandato (FERREIRA, 2004, p. 855).
8.530, que fixou as normas para a implantação desse segmento do ensino em todo o território
brasileiro.
Esta medida fazia parte do processo iniciado em 1942, por iniciativa do então Ministro
da Educação do governo Vargas, Gustavo Capanema, que buscou promover reformas parciais
no campo da educação, com a denominação de Leis Orgânicas do Ensino41 (MARTINS,
1996; ROMANELLI, 1986).
Martins (1996) informou que, a partir da promulgação da Lei Orgânica do Ensino
Normal, em 1946, os Estados deixaram de ter liberdade em promover reformas, ficando a
cargo do Governo Federal centralizar as diretrizes que orientassem a formação de professores.
Nessa organização posta pelo decreto ficou oficializada a finalidade do Ensino Normal, que
seria a partir de então: (1) promover a formação do pessoal docente necessário às escolas
primárias; (2) habilitar administradores escolares destinados às mesmas escolas; e (3)
desenvolver e propagar os conhecimentos e técnicas relativas à educação da infância42.
Através dos tópicos destacados acima, foi possível identificar que a missão das
Escolas Normais não se restringia apenas ao preparo para docência, esperava-se e necessitava-
se de um profissional com conhecimento sobre vários setores da escola43. Daí a relevância dos
Institutos de Educação, que congregavam dentro de suas instalações o Jardim de Infância e a
Escola Primária, integrando, em um único espaço, técnicas de ensino e prática educativas,
além de oferecerem os cursos de especializações de professores primários e habilitação das
funções administrativas da escola.
Como nos informa Romanelli (1986, p. 164), essas habilitações seriam ministradas
com a finalidade de “especializar professores para educação pré-primária, ensino
complementar primário, ensino supletivo, desenho e artes aplicadas e música, assim como
para habilitar pessoal em administração escolar”, concedendo a eles as características de um
professor técnico.
Após os quinze anos da presidência de Getúlio Vargas (1930-1945), o país iniciava
uma perspectiva política imbuída do espírito liberal. Estes reflexos foram emanados com o
41 A Lei Orgânica do Ensino Normal fez cunhar um curso com características enciclopédicas e humanistas, mas também reforçou as atividades extracurriculares que possibilitavam o incremento da sociabilidade e da cooperação entre os estudantes (MARTINS, 1996, p. 153). 42 As Leis Orgânicas foram postas no período de 1942 a 1945, processo que ultrapassou o governo de Vargas (ROMANELLI, 1986, p. 154). 43 Segundo Romanelli (1986), o Curso Normal ficou subdividido em dois níveis: havia a possibilidade de se ter o curso do primeiro ciclo oferecido com quatro anos de duração, funcionando nas Escolas Normais Regionais, com formação de regente primário, e o segundo ciclo com três anos para as Escolas Normais, que ofereceriam também formação de professores primários.
fim da II Guerra Mundial44. O período posterior ao conflito representou um momento de
reflexão sobre as relações humanas. A Europa reconstruía seu território e, por outro lado,
havia uma mobilização para estabelecer políticas humanísticas entre os povos. A primeira
manifestação nesse sentido foi a criação da Organização das Nações Unidas (ONU), que
emitiu em 1945 a Declaração Universal dos Direitos Humanos, com propósito fundamental de
estabelecer um consenso mínimo de respeito entre os povos como um ideal comum a ser
atingido.
Escutando com atenção as palavras que eram trazidas neste momento no intuito de
procurar evitar os erros do passado, a Associação Brasileira de Educação (ABE) realizou, na
cidade do Rio de Janeiro, no período de 23 a 28 de junho de 1945, o IX Congresso Brasileiro
de Educação, em que se teve um número expressivo de participantes, educadores e entidades
culturais, reunidos para estabelecer as diretrizes que deveriam ser vetores de educação
democrática, fundada na cooperação, no respeito à igualdade e à fraternidade (MARTINS,
1996).
O momento requeria um comprometimento para com a escola que fosse além dos
conteúdos disciplinares e permitisse a expansão e expressão dos indivíduos. Com isso,
coerente aos clamores sociais e imbuída pelo espírito de dignidade humana, a Constituição de
1946 propõe o retorno à normalidade democrática no país, consagrando todo o Capítulo II do
Título VI à educação e a cultura. Nele, podemos destacar o Art. 166 que enfatiza: “A
educação é direito de todos e será dada no lar e na escola. Dever inspirar-se nos princípios de
liberdade e nos ideais de solidariedade humana”.
Foi um momento iluminado, retratado por Romanelli (1986, p. 171), ao assegurar que
a Carta de 46 restituísse “direitos e garantias individuais inalienáveis, estavam visivelmente
impregnados do espírito democrático tão próprio das reivindicações sociais do século em que
vivemos”. Pois, ao aliar direitos e liberdades individuais, considerava o princípio de
solidariedade que deveria perpassar as práticas do dia-a-dia de cada cidadão que se encontrava
inserido em um sistema político democrático. Para sacramentar a fase de prosperidade e
sensibilidade por parte dos governantes, no mesmo ano, tem início a trajetória da primeira Lei
de Ensino brasileira.
44 De cem milhões de homens e mulheres comprometidos no conflito mundial, 15 milhões armados foram mortos, houve 35 milhões de vítimas entre os civis; as duas bombas atômicas dos Estados Unidos lançadas sobre Hiroshima e Nagasaki produziram, somente elas, 72 mil mortos e 80 mil feridos, completando de modo hiperbólico o massacre mundial no contexto da idade de ferro planetária (MORIN, CIURANA e MOTTA, 2003, p. 77).
Quanto às Escolas Normais, essas tiveram a oportunidade de experimentar, mais uma
vez, um desenvolvimento compatível com a crescente oferta do ensino. Através dos dados
apresentados por Romanelli (1986, p. 163) foi possível verificar que em “1949, eram elas ao
todo 540, espalhadas por todo o território nacional”. Esse crescimento deixou transparecer
uma relação de reciprocidade entre o momento político liberal com a ampliação da rede
escolar que oferecia o Curso Normal.
Na intenção de evitar o dogmatismo nas escolas, objetivava-se formar docentes
capacitados, técnica e culturalmente. Os Institutos de Educação, conforme explicou Martins
(1996, p. 141), “deveriam excluir de seus currículos matérias que exaltassem governos de
força, figuras de ditadores e conquistadores. Aconselhava-se o destaque de figuras
humanísticas e progressistas, defensores dos direitos humanos e da moral (...)”. A concepção
democrática deveria direcionar toda a prática instrucional do magistério incentivando o
sentimento de compromisso coletivo. Sob a motivação sócio-política foi se configurando uma
outra imagem do perfil docente que coincide com o período da promulgação da primeira Lei
de Ensino brasileira.
Em 1961, após longos anos de tramitação no Congresso Nacional foi aprovada a Lei
de Diretrizes e Bases da Educação Nacional, Lei n°. 4.024. Seu texto causou insatisfação aos
educadores, pois privilegiava a iniciativa privada e não favorecia a democratização da
educação pública como era esperado.
Foi somente no ano seguinte, após ser criado o Conselho Federal de Educação, o qual
assumiu a responsabilidade de elaborar o Plano Nacional de Educação, que, enfim, pôde ser
obtida a expansão da escolaridade primária, o que ocasionou diretamente a ampliação no
quadro de oferta dos Cursos Normais (ROMANELLI, 1986).
Diante do panorama exposto, o Curso Normal havia assegurado seu lugar de prestígio
e credibilidade, fortalecidos com as experiências que vieram sendo acumuladas ao longo dos
anos. Era também possível constatar que algumas pessoas, em sua maioria meninas de
famílias tradicionais, iam fazê-lo por representar status face ao imaginário acadêmico imposto
pela sociedade da época, que considerava, até aproximadamente o início de 1960, que fazer
parte do corpo discente dessa modalidade de ensino era símbolo de orgulho e satisfação, fator
esse que representava inspiração para poetas e compositores45 (FERREIRA, 2002).
Os dados a seguir apresentados por Martins (1996) fazem referência ao período dos
anos 1960 e 1969, período em que o Curso Normal obteve um aumento de 262% no número
45 A música intitulada Normalista (1949), de autoria de Benedito Lacerda e David Nasser, representa um bom exemplo de como a profissão era prestigiada no imaginário social.
de alunos matriculados: reflexo da política que visava à ampliação da oferta de ensino nos
cursos primários, bem como o reconhecimento de ser professor46.
Porém, com o processo expansão da oferta dos Cursos Normais, ocorreu o desgaste da
idéia original da formação do professor. A partir da década de 1960, houve uma gradativa
modificação da função docente. Para Ferreira (2002, p. 108), “o sentido atribuído ao
magistério vai se deslocando, dando lugar ao processo de profanação” e, se durante as
décadas de 30 a 50 era possível identificar a representação sagrada que a sociedade fazia do
professor, na década subseqüente ser professor parecia ser um sacrifício.
No cenário político, após um período de entusiasmo e promoção em favor da escola, o
país viveu a realidade de um golpe militar, ocorrido no ano de 1964, empreendendo um novo
rumo às questões educacionais. A mudança do regime político gerou “lutas” que repercutiam
nas tendências educacionais, passando essas a serem decididas no âmbito da Secretaria de
Planejamento da Presidência da República, desconsiderando o pensamento dos educadores e
intelectuais que vinham se dedicando em elevar a qualidade da educação oferecida no país.
No entanto, além das questões políticas, foi possível constatar através dos estudos de
Ferreira (2002), Nunes (2002), Nóvoa (1999) e Martins (1996), que outros fatores acabaram
contribuindo para a desvalorização profissional, tais como: taylorização, a feminização, a
proletarização do trabalho e os baixos salários, o que gerou um sentimento de expectativa
negativa, provocando no imaginário social docente uma escuta mais sensível aos apelos da
profissão. Nesse sentido, os estudos de Ferreira (2000) apontam que o profissional do ensino,
ao romper com a lógica do sacrifício pela docência, passa a reivindicar os direitos comuns de
um trabalhador.
Os estudos de Ferreira (2002) mostram ainda que, na primeira metade do século XX, a
docência tinha uma relação com o ofício, sentimento que tinha herdado da burguesia francesa
que motivou a revolução com seus ideais de liberdade, fraternidade e igualdade. Nesse
referencial, a relação com a atividade docente tinha a ver com o ofício de “moldar pessoas”,
prepará-las para a vida, para a convivência em grupos. Por isso, o trabalho se equiparava a
algo divino, transcendente (FERREIRA, 2002).
Em uma análise sobre o período Nóvoa (1999, p. 21) considerou que a “expansão
escolar e o aumento do pessoal docente bem como uma relativa incerteza face às finalidades e
as missões da escola e ao seu papel na reprodução cultural e na formação das elites”,
46 Dados são apresentados por Martins (1996) com base no levantamento de Neide Rodrigues Inocêncio.
contribuiu para o movimento de desprofissionalização docente verificado a partir da década de
70.
O quadro de desprestígio veio tornando-se mais nítido, confluindo ao final da década,
quando a formação do professor primário foi legalmente elevada ao nível superior nos cursos
de Licenciatura Plena nas faculdades de Educação a partir da Reforma Universitária de 1969 -
Lei 5.540/68 -, contribuindo com mais um elemento indicador de abalo às estruturas dos
Cursos Normais (PIMENTA, 1995).
Em âmbito nacional, a tendência educacional ganhou conotações tecnicistas, seguindo
os ditames da política econômica que enfatizava a formação para o trabalho como meta a ser
perseguida. Essa visão veio culminar com a Reforma do Ensino a partir da promulgação da
LDB nº. 5.692/7147. Diante do estabelecido em lei, o curso de formação de professores
assumiu o aspecto instrumental, tornando-se mais uma das modalidades oferecidas no
segundo grau48. Até o seu tradicional nome “Curso Normal” passa a denominar-se
“Habilitação para o Magistério” ou, como ficou mais conhecido, “Curso Pedagógico”
(VIGNOLI, 2003; MARTINS, 1996).
Outra medida tomada que afetou a Escola Normal foi a redução do tempo de formação
de três para dois anos, uma vez que o primeiro ano era denominado de Básico, ou seja, era
orientado para a formação geral da Base Nacional do Núcleo Comum49 e os dois últimos anos
eram organizados para as disciplinas específicas pedagógicas. Diante desse panorama foi
possível constatar que houve:
(...) o “esvaziamento”, a “desmontagem”, a “desestruturação”, a “perda de identidade” ou a descaracterização sofrida pela escola normal no período, tendo-se vislumbrado inclusive sua “desativação” nos anos imediatamente posteriores à Reforma, devido à queda considerável da procura (TANURI, 2000, p. 81).
A citação acima demonstra o aspecto desolador que se abateu nos Cursos Normais.
“Desativação” foi o fenômeno verificado, como acrescentou Tanuri (2000, p. 81), ao
descrever que houve um “descaso de políticas nacionais e estaduais” para com esta
modalidade de ensino, cuja ênfase era preparar técnicos de outras áreas.
47 A Lei representava uma reforma nos ensinos primário e ginasial que passaram a corresponder ao primeiro grau; os curso clássicos, científicos e normal ficaram incluídos na etapa do segundo grau. 48 No período posterior, a Lei da Reforma de ensino 5.692/71 passou a ter oferta de cursos profissionalizantes em administração, contabilidade, análises clínicas, entre outras modalidades técnicas. 49 Base nacional do núcleo comum era a nomenclatura usada para indicar um currículo único em todo o território nacional.
Martins (1996), em sua tese de doutorado Dos anos dourados aos anos de zinco:
análise histórico-cultural da formação do educador no Instituto de Educação do Rio de Janeiro
(UFRJ), considerou, a partir do resgate realizado, que a educação estava a serviço da
formação do “capital humano”, que poderia, segundo a autora, ser facilmente identificada na
Lei 5.692/7150.
Por outro lado, era um curso de baixo valor de implementação e instalação e esse foi
um dos critérios que contribuíram para disseminar sua oferta na rede pública e principalmente
no sistema particular de ensino, sem o necessário “controle de qualidade”. Como nos
esclarece Martins (1999, p. 186-7), “as palavras de ordem eram expandir, crescer e
desenvolver, não havia uma preocupação efetiva na elevação de qualidade da formação do
professor primário”.
Com isso chegamos ao diagnóstico trazido nos estudos de Ferreira (2002), Nóvoa
(1999) e Martins (1996) sobre desprestígio social da carreira docente, salários aviltantes,
instalações escolares precárias, material didático escasso ou inexistente, como algumas das
dificuldades enfrentadas. Era uma visão excessivamente mecânica do resultado da escola,
cujo processo ensino-aprendizagem era visto como um condicionante da ordem sócio-
econômica.
Ao fim da década de 70, produções acadêmicas com enfoque sócio-histórico sobre a
origem do fracasso escolar trazem para o cenário da educação as abordagens psicológicas
como recurso para se enfrentar os desafios da sala de aula. Tais discussões conduziram ao
âmbito federal e estadual propostas que visavam revitalizar o Curso Pedagógico dos efeitos
devastadores provocados pela Lei 5.692/71. Dessa maneira, surgiram na década de 80
movimentos em prol dos cursos de formação de professores nas Escolas Normais e nas
Faculdades de Educação (PIMENTA, 1995; NUNES, 2002b).
Um desses momentos mais marcantes é trazido por Pierro (2005), em sua dissertação
de Mestrado, A humana docência em formação: cultura e imaginário dos alunos do curso de
pedagogia da FFP/UERJ (UFF-Niterói). Nela, a pesquisadora descreve sua experiência em
Belo Horizonte, quando participou de um evento promovido pela Universidade Federal de
Minas Gerais (UFMG). Na oportunidade, a presença do educador Paulo Freire (1921-1997),
recém chegado do exílio, para participar da II Conferência Brasileira de Educação, em 1982,
representou para Pierro um sopro de esperança frente ao momento de turbulência.
50 Segundo Martins (1996, p. 81): “A partir da década de 70 a profissão de professor começou a descer uma escada simbólica que o levou aos seus anos de zinco, quando ele se transformou num operário da educação”.
Esses encontros sucederam-se por toda a década de 8051, formando Comissões que
deviam acompanhar e mobilizar o movimento de reformulação dos cursos de formação de
professores, confluindo para a criação da Associação Nacional pela Formação dos
Profissionais em Educação (ANFOPE), no início dos anos 90.
Martins (1996) revela que a principal reivindicação do movimento era a concretização
de uma base comum nacional que buscasse um conjunto de conhecimentos indispensáveis ao
preparo do professor, propondo articulação entre áreas afins à educação (filosofia, sociologia,
psicologia, história).
Continuando com Martins (1996), foi possível verificar que voltou à cena dos
discursos educacionais a preocupação em tornar estreito o diálogo entre as várias áreas do
saber, proporcionando ao educando uma compreensão do conjunto. Era importante também
estimular o professor a uma prática para a complementaridade com os demais componentes
do corpo docente, reconhecendo o seu papel histórico na construção de uma sociedade justa e
democrática, pois segundo a autora:
A base comum nacional seria importante e significativa porque, de acordo com o documento da ANFOPE, vivemos numa sociedade industrializada, onde o trabalho está fragmentado, degradado, parcelado em tarefas que separam a concepção, expropriando o trabalhador do conhecimento do processo produtivo em sua totalidade e da sua importância nesse processo (MARTINS, 1996, p. 189-90).
Era nítida a preocupação com um ensino que respeitasse a integridade das relações,
não apenas das áreas do conhecimento, como também se vislumbrava uma relação mais
compartilhada por parte dos sujeitos da escola, comprometidos com um projeto de educação.
Nesse sentido, os esforços da ANFOPE foram relevantes, não conseguiram, no entanto, de
maneira significativa, atingir os cursos de formação de professores do segundo grau
(PIERRO, 2005; MARTINS, 1996).
Enquanto isso, a Habilitação para o Magistério encontrava-se sob a crítica de seu
esvaziamento, basicamente proveniente dos seguintes aspectos: a falta de identidade (não era
curso, mas habilitação); esvaziamento de conteúdo (a curta duração não permitia um
aprofundamento maior); e o fato de ter se tornado uma habilitação de “segunda categoria”,
uma vez que era procurada por alunos com menor possibilidade para enfrentar cursos com
mais status (PIMENTA, 1995).
51 A partir do Encontro de Belo Horizonte, em 1983, foram formadas, além da Comissão Nacional, Comissões Estaduais. A Comissão Nacional, mais do que o Encontro de 1983, promoveu cinco Encontros Nacionais: em 1986 (Goiânia), em 1988 (Brasília), em 1989 (Belo Horizonte), em 1990 (Belo Horizonte) e em 1992 (Belo Horizonte), sendo que neste último foi criada a ANFOPE (MARTINS, 1996).
Em relação aos aspectos apresentados, Nóvoa (1999, p. 26), lembra que a “formação
de professores é, provavelmente, a área mais sensível das mudanças em curso no setor
educativo”, pela oscilação de modelos que, ora tomam um caráter demasiadamente teórico,
ora adquirem um aspecto romanticamente liberal.
Era preciso aproximar esses vetores, confluindo para uma educação em equilíbrio com
as diversas necessidades e possibilidades do homem. A educação, o professor, os
componentes da escola precisavam aprender e passar a desenvolver a difícil tarefa de
compartilhar, mesmo considerando os elementos contrários, porque a vida não é apenas
metódica, ela é, incontestavelmente, complexa (MORIN, 2004, 2001).
2.2 Ressonância política – ser ou não ser: eis a questão
Começamos os anos 80 com a “tecnologia” aproximando as pessoas, a informática
conquistando seu espaço e a globalização apontada como perspectiva de mercado econômico.
Mas as relações humanas estavam estremecidas, caminhávamos rumo ao século XXI vazios
de sentimentos e repletos de dúvidas quanto ao destino da humanidade. Era um momento de
repensar a existência humana na Terra e a educação não poderia ficar alheia a essa reflexão
(MORIN, 2004, 2001; DELORS, 2004).
Tivemos, no ano de 1982, no campo político, eleições diretas para governadores,
deputados estaduais, federais e senadores. Esses dois últimos tinham a incumbência de
participar diretamente da elaboração da nova Constituição Brasileira52. Era momento de
exercer a democracia política e de conquistar os direitos de cidadão, que durante anos foram
cerceados.
Nesse ínterim, os problemas educacionais geravam discussões de âmbito
internacional, que repercutiam internamente no Brasil. Na realidade, a educação, que nunca
foi tida como um objeto neutro dos interesses do Estado, passou neste momento a representar
a chave para a salvação de um futuro que estava em iminência de explodir em conflitos de
todas as naturezas (MORIN, 2004, 2001).
52 A Constituição Brasileira foi promulgada em cinco de dezembro de 1988.
Esse sentimento de pertencimento ao mundo de forma integral, sem restrições, deveria
ser amplamente disseminado e o veículo ideal era a escola. Neste sentido, a Nova
Constituição da República Federativa do Brasil diz no Artigo 205: “(...) pleno
desenvolvimento da pessoa, seu preparo para o exercício da cidadania e sua qualificação para
o trabalho” (BRASIL, 1988).
Mas, inevitavelmente, ao analisar esse contexto surgia um outro questionamento: os
professores estariam preparados para atuarem nesse front de batalha?
Sabia-se que era preciso resgatar o valor da educação, pois as últimas três décadas
foram de lutas e perdas de prestígio, podendo ser sintetizadas nas palavras de Nóvoa ao
referir-se:
(...) aos anos 60 um período em que os professores foram “ignorados”, parecendo não ter existência própria (...); aos anos 70 como uma fase em que os professores foram “esmagados”, sob o peso da educação para a reprodução das desigualdades sociais; aos anos 80 como uma década na qual se multiplicavam as instâncias de controle dos professores, em paralelo com o desenvolvimento de práticas institucionais de avaliação53 (NÓVOA, 1997, p. 32).
Chegamos ao ano de 1990 ansiosos e ao mesmo tempo temerosos pelo novo milênio
que estava prestes a se iniciar. Considerando todas as urgências sociais, a UNESCO
promoveu a Conferência Mundial de Jomtien, na Tailândia. O encontro representou um
instrumento deflagrador de todas as políticas educacionais implementadas na última década
do século, pois propunha como meta a ser atingida pelos países envolvidos no acordo uma
Educação para Todos54. O encontro em Jomtien veio contemplar o ideal de ampliação do
número de vagas na rede de ensino, além de uma escola que incluísse qualidade na
quantidade, respeitando, indiscriminadamente, as diferenças entre os indivíduos (DELORS,
2004).
Sucessivos encontros ocorreram com o propósito de tratar do tema Educação na
perspectiva do novo milênio, culminando com a organização do Relatório Delors, que
apresentava, entre outras coisas, os pilares indispensáveis que deveriam nortear a educação
contemporânea, com base no aprender a conhecer, a fazer, a conviver e a ser. Delineava-se o
perfil do novo educador e da escola. Tornava-se nitidamente expresso o cuidado com as
53 Grifos do autor, que fez este diagnóstico amparado nos estudos de Ball e Goodson, 1989; Woods, 1990. 54 Conferência de Jomtien – financiada pela UNESCO (Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura), UNICEF (Fundo das Nações Unidas para a Infância), PNUD (Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento) e o Banco Mundial. Esse evento foi o marco a partir do qual os nove países com maior taxa de analfabetismo do mundo, entre eles o Brasil, subscreveram a declaração ali aprovada, comprometendo-se a assegurar uma educação básica de qualidade a crianças, jovens e adultos.
formações docentes, cujo papel passava fundamentalmente pela conscientização dos
educandos em se tornarem de fato cidadãos com e no mundo, respeitando as diversidades
culturais, físicas e biológicas.
O Brasil se vê diante da necessidade de, mais uma vez, reestruturar sua lei de ensino e
organizar-se para atender a essa nova demanda educacional.
Com todos esses desafios a serem enfrentados e, acima de tudo, vencidos, é que em 20
de dezembro de 1996, após oito anos de tramitação no Congresso Nacional, foi promulgada a
Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDBEN) 9.394.
A lei se apresentava com características de flexibilidade e descentralização, mas
alguns dispositivos legais não deixavam claro o que pretendiam de fato, dando margem
de dúvidas quanto à proposta apresentada. Porém, no prazo de um ano a partir da
publicação da nova lei, a União encaminharia ao Congresso Nacional o Plano Nacional
de Educação (PNE)55, especificando as diretrizes e metas em concordância com a
Declaração Mundial sobre Educação para Todos, conforme previa o Artigo 214 da
Constituição Federal, bem como Artigo 87, §1°., da LDBEN 9.394/96. A partir de então
– acreditava-se – seriam esclarecidas as metas educacionais para os próximos dez anos e
respondidos os temas que não se encontravam explicitados nos artigos da legislação de
ensino.
Com relação ao Curso Pedagógico, a lei garantia sua continuidade, expondo no Artigo
62 “como formação mínima exigida para o exercício do magistério na educação infantil e nas
quatro séries do ensino fundamental”56. A mudança registrada, no primeiro momento, foi a do
nome, que passou/voltou a ser denominado de “Curso Normal”.
Mas posterior a LDBEN 9.394/96, passou-se a ter duas questões dentro do contexto
da formação de professores a atrair a atenção dos estudiosos no assunto, justamente por não se
encontrarem devidamente explicitadas. A primeira se refere ao locus de formação, que levava
a questionamentos sobre a instituição que ficaria encarregada por formar os profissionais para
atuarem nas séries inicias da Educação Básica; e a segunda referia-se à Década da Educação,
que passaria a ser contada a partir do ano seguinte à publicação da Lei, conforme previsto no
Artigo 87.
No primeiro caso exposto, a Lei 9.394/96 apresentou, no Artigo 63, os Institutos
Superiores de Educação (ISEs), como um novo espaço de formação. Os ISEs abrigariam 55 O PNE, Lei 10.172, entrou em vigor a partir de sua publicação em 2000, quatro anos após a LDBEN 9.394/96. 56 Com a Lei 9.394/96 a educação infantil passa a integrar a primeira etapa da educação Básica, a segunda etapa concentra o ensino fundamental dividido em dois segmentos, o primeiro correspondendo ao antigo primário e o segundo ao ginásio, termos usados na Lei anterior, 5.692/71.
como modalidade formadora para os docentes atuarem nas séries iniciais o Curso
Normal Superior (CNS), que nesse contexto legal configura-se como um novo modus
pertencente ao novo lócus, conforme expressa o dispositivo abaixo:
Artigo 63 – Os Institutos Superiores de Educação manterão: I - cursos de profissionais para a educação básica, inclusive o curso normal superior, destinado à formação de docentes para a educação infantil e para as primeiras séries do ensino fundamental; II – programas de formação pedagógica para portadores de diplomas de educação superior que queiram se dedicar à educação básica; III - programas de educação continuada para os profissionais de educação dos diversos níveis.
No entanto, embora tenha sido colocado no texto da lei e representasse a grande
novidade naquele momento, a concepção de se estruturar os Cursos Normais num
caráter de nível superior já havia sido verificada anteriormente no cenário político-
educacional brasileiro.
Estudos de Paiva (2005, 2003); Nunes (2002); Evangelista (2001); e Tanuri (2000)
abordam que a concepção de tornar a formação de professores das séries iniciais de
caráter superior é de longa data, pois a primeira iniciativa pode ser verificada no fim do
século XIX. Outras proposições foram realizadas ao longo dos anos, mas frustraram-se,
ou pelo menos não encontraram um contexto sócio-político favorável a sua
implementação, produzindo, apenas, alterações curriculares no Curso Normal57.
Porém, é importante considerar que nenhuma dessas iniciativas veio corroborar para a
criação Universidade do Distrito Federal, fundada por Anísio Teixeira, representando,
segundo Nunes (2000, p. 82), uma “importante reforma da instrução pública que o projetou
nacionalmente”.
Com Nunes (2002), é possível constatar que entre políticas educacionais e ajustes
curriculares o Curso Normal seguiu seu caminho inatingível quanto o seu desempenho
em preparar educadores para as primeiras séries, já que o ensino das elites ficou a cargo
das faculdades de Educação.
Mas, assim como um vulcão adormecido que um belo dia resolve acordar e
mostrar-se ainda em atividade, a LDBEN 9.394/96 trouxe à superfície legal essa
irrupção, que abalou, tremeu e fez jorrar em forma de decretos, pareceres e resoluções,
57 Na Escola Normal, o currículo foi ampliado com ênfase nas matérias científicas e o curso foi prolongado por quatro anos, com uma cultura enciclopédica e com exames de avaliação para ao ingresso na instituição. Todas essas mudanças visavam um melhor preparo dos educando, que dentre em breve seriam professores (TANURI, 2000).
maneiras de organizar desorganizando a vida das instituições, quanto a quem estaria
apta a formar os profissionais do ensino.
No entanto, se no Artigo 62 a modalidade Normal não foi excluída da sua função
formativa, o Artigo 87 apresentava um período de dez anos para que todos os docentes
tivessem curso superior, representando sua provável “extinção” com tempo
determinado.
Artigo 87 – É instituída a Década da Educação, a iniciar-se um ano a partir da publicação desta Lei.
§4° Até o fim da Década da Educação somente serão admitidos professores habilitados em nível superior ou formados por treinamento em serviço.
Interligando os Artigos 63 e 87, observamos que os ISEs foram legalmente
criados para assumir, progressivamente, o lugar das universidades, um vez que a
política oficial do então presidente Fernando Henrique Cardoso visava retirar também
dessas instituições a atividade de formação docente, concedendo-lhe uma característica
técnico- profissionalizante, pois não se exigia mais a pesquisa como fator inerente ao
preparo do educador, fazendo acentuar o aspecto de aligeiramento da formação
(LINHARES e SILVA, 2003).
Cabe nesse momento ponderar sobre o legado de Freire (2004, 2003), que
acreditava não haver ensino dissociado da pesquisa. Entretanto, a pressa pelo
enquadramento profissional fazia esquecer uma etapa fundamental para se tentar
compreender a difícil, mas prazerosa, tarefa de se construir a relação ensino-
aprendizagem.
O Curso Normal com sua trajetória secular estava ameaçado. Encontrava-se
imerso em discussões quanto a sua efetiva continuidade, em ser ou não ser, o local
privilegiado para preparar profissionais de ensino. Com isso, instaurou-se um cenário
de incertezas quanto aos Institutos de Educação. Será que acabariam?
Paiva (2003, p. 33), destaca em seu estudo que estava evidenciada “uma luta
política histórica travada por essa formação, que desemboca”, segundo o autor, em dois
eixos: um referente ao modus e o outro ao locus. E nessa disputa pelo privilégio de
formar professores para as séries iniciais, o Curso Normal se encontrou desprestigiado
por medidas postas pela Lei 9.394/96.
De acordo com dados MEC/INEP, em 1996 havia 5.550 escolas que ofereciam o
curso pedagógico em todo país, chegando em 2002 a 2.641 Cursos Normais (entre escolas
e Institutos de Educação). A publicação da Lei de Diretrizes e Bases da Educação
Nacional desestabilizou essa modalidade de ensino de modo que essa “queda” não se fez
casual dentro do contexto.
A partir da LDBEN 9.394/96, mais de 500 cursos CNS em todo o Brasil foram
criados. No entanto, segundo levantamento de Paiva (2005, p. 6), essa criação se deu “a
torto e a direito”, principalmente em instituições privadas, sem a existência em nível
nacional de qualquer legislação que os respaldassem58. Fazendo uma leitura política é
possível entender, a partir das análises postas pelos autores citados abaixo, que foi uma
fase atravessada por:
(...) ambigüidades que acabaram por abastecer uma leitura social, que, longe de valorizar as alternâncias de formação na escola, fortaleceram um clima de medo e ameaças, provocando uma corrida compulsiva para a obtenção de diplomas universitários, sem tempo para a avaliação de seus custos e benefícios sociais e acadêmicos (LINHARES e SILVA, 2003, p. 20-1).
Particularmente, tenho uma grande identificação com esse momento, já que
ecoavam em meus ouvidos as dúvidas e inseguranças quanto aos rumos que deveriam
ser tomados para se adequar legalmente aos trabalhos no âmbito da escola. Esse
momento conturbado de correria para adequação por parte dos professores às
exigências da lei encontrou no texto de Linhares e Silva (2003, p. 21) a síntese do
momento, pois acabaram “confluindo tantos os desejos e projetos de qualificação dos
profissionais da educação, como um sentimento de urgência e de alto risco de perdas,
que ameaça, no caso de muitos professores, o seu próprio emprego”.
2.3 Ecos da mudança
Entre dúvidas e informações desencontradas, ia-se tentando compreender o
momento, apesar da quantidade de leis e decretos que vinham em forma de
“tempestade”, conduzindo os estudiosos de políticas públicas em educação ao sacrifício
extremo por tentarem estabelecer uma interlocução crítica do momento (LINHARES e
SILVA, 2003). 58 De acordo com Linhares e Silva (2003, p. 21), nesses processos é facilmente identificável a institucionalização de uma política de favores, facilitando a tramitação e reconhecimento de cursos, e a sua contraface, política de temores, sempre pronta a nutrir sentimentos de intimidação nos professores e estudantes.
No âmbito da União, não se tinha uma definição quanto à competência de cada
instituição de ensino, visto que três unidades estavam amparadas legalmente a
desempenharem a missão de preparar profissionais das séries iniciais: os tradicionais
Institutos de Educação e Escolas Normais; os Cursos Normais Superiores; e as
Faculdades de Pedagogia, que nesse contexto também defendiam seu espaço como um
local privilegiado de formação (LINHARES e SILVA, 2003).
Segundo Paiva (2005), os primeiros Pareceres e Resoluções para regulamentar os
Institutos Superiores de Educação e seus cursos em nível nacional só começaram a ser
consignados pelo Conselho Nacional de Educação (CNE) no ano de 1999, através do
Parecer 53/99, do Parecer 115/99 e da Resolução 1/99, que “normalizaram”
propriamente esses novos espaços de formação docente59, isto é, somente três anos após
a promulgação da LDBEN 9.394/96.
O ano de 1999 foi decisivo para definir as competências de cada cursos. Além dos
documentos citados acima, também, ao final do referido ano, o Presidente Fernando
Henrique Cardoso baixou o Decreto nº. 3.276/99, o qual tornava exclusiva a formação
dos professores da educação infantil e das séries iniciais do ensino fundamental nos
Cursos Normais Superiores.
A palavra “exclusivamente” no texto do decreto produziu um movimento que
ecoou nas estruturas sólidas das Escolas Normais e dos Institutos de Educação, pois
tornava esta formação obrigatória aos ISEs e mais especificamente no CNS.
Indiscutivelmente, havia um despropósito nessa medida, sendo assim:
Sob fortíssima pressão dos movimentos organizados do campo educacional, com especial destaque para a atuação da Associação Nacional pela Formação dos Profissionais da Educação (ANFOPE) e do Fórum Nacional de Diretores de Faculdades/Centros de Educação das Universidades Públicas Brasileiras (FORUMDIR), o governo recuou sutilmente na sua posição, editando o Decreto n°. 3.554, em agosto de 2000, no qual a palavra exclusivamente foi substituída por preferencialmente (LINHARES e SILVA, 2003, p. 52).
Foram sete meses de angústia para os Cursos Normais. Porém, embora o decreto
buscasse amenizar, providencialmente, o tom categórico do anterior, o fato é que
permaneceu em vigência a concepção oficial de que o modus preferencialmente
destinado ao preparo do profissional do ensino das séries iniciais do ensino fundamental
59 “A Resolução CNE n°. 1/99 buscou definir o que é um ISE, como e em que condições acadêmicas e institucionais pode funcionar e que tipo de cursos pode oferecer, desenvolvendo um pouco mais aquilo que foi anunciado pela LDB, dando também algumas providências, embora muito breves, sobre os curso normais superiores (...)” (LINHARES e SILVA, 2003, p. 48).
e da educação infantil fosse o Curso Normal Superior. Ficavam as outras possibilidades
(Universidades e Curso Normal de nível médio) relegadas à condição de alternativa
secundária, conforme os autores abaixo expressam:
É no clima desta gangorra que podemos entender como se dá o desmantelamento e a descontinuidade de alguns cursos de formação de professores, como as Escolas Normais de nível médio, que vinham atendendo às demandas de formação com regularidade até meados dos anos 90 (LINHARES e SILVA, 2003, p. 21).
Além disso, não era tão somente o lugar em que deveriam ser formados os
professores que causava estremecimento, embora este tema, por si só, já gerasse muita
polêmica. Havia um fator importantíssimo que foi desconsiderado nesta medida: a
realidade brasileira. Linhares e Silva (2003, p. 22) informam “que em muitas cidades ou
regiões, o fim da Escola Normal de nível médio significa também o encerramento da
única possibilidade de escolarização em nível médio, na rede pública (...)”. Considerando
um país com variações culturais e sociais como o Brasil, que ainda registra índices de
baixa escolaridade, como seria possível cumprir tal obrigatoriedade? Isso porque, com
base nos índices oficiais, ainda persiste a dicotomia entre o real e o ideal a ser
conquistado como meta de escolarização para os docentes60.
É certo que precisávamos ter políticas educacionais com ênfase na qualidade de
formação docente, até porque fazia parte das metas estabelecidas com os organismos
internacionais como a UNESCO, mencionado anteriormente, e no âmbito dos acordos
econômicos, principalmente por parte do Fundo Monetário Internacional (FMI) e do
Banco Mundial61.
Mas nem tudo estava perdido para o Curso Normal de nível Médio. Também no
ano de 1999, o Presidente da Câmara de Educação Básica do Conselho Nacional de
Educação instituiu as Diretrizes Curriculares Nacionais para a Formação de Docentes
da Educação Infantil e dos anos iniciais do Ensino Fundamental, em nível médio, na
modalidade Normal – Resolução CNE/CEB n°. 2/99.
60 Segundo os dados apresentados por Linhares e Silva (2003, p. 38), com base na publicação da “sinopse estatística da educação básica (INEP, 2002), das 63.029 funções docentes em Creche, apenas 8.015 eram ocupadas por pessoas com nível superior completo; das 248.632 funções docentes em pré-escola, apenas 61.395 eram ocupadas por pessoas com nível superior completo; das 41.045 funções docentes em Classe de Alfabetização, apenas 4.021 eram ocupadas por pessoas com nível superior completo; e das 809.523 funções docentes de primeira a quarta séries, apenas 219.349 eram ocupadas por pessoas com nível superior completo”. 61 O Banco Mundial e o FMI ganharam importância estratégica na reestruturação econômica dos países em desenvolvimento por meio de programas de ajuste estrutural das questões referentes aos investimentos direcionados à educação, também objetos de interesses (DELORS, 2004).
Parecia contraditório que em meio a tanta turbulência pudesse haver uma voz sensível
a indicar uma saída deste cenário provocado pelas últimas políticas educacionais desde a
LDBEN 9.394/96. Era o som da esperança que dava um acorde de vida no secular espaço de
formação de professores.
A Resolução CNE/CEB n°. 2/99 é muito específica ao declarar:
Artigo 1°. – O Curso Normal em nível médio, previsto no Artigo 62 da Lei n°. 9.394/96, aberto aos concluintes do Ensino Fundamental, deve prover, em atendimento ao disposto na Carta Magna e na Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDBEN), a formação de professores para atuar como docente na Educação Infantil e nos anos iniciais do Ensino Fundamental, acrescendo-se as especificidades de cada um desses grupos às exigências que são próprias das comunidades indígenas e dos portadores de necessidade educativa especiais.
Acabavam-se assim as dúvidas, os dramas e as incertezas. A Resolução CNE/CEB n°.
2/99 não apenas ratificava a continuidade do Curso Normal, como também ampliava seus
aspectos formativos em concordância com as políticas de inclusão social, tão em voga na
década de 90.
A preparação do educando pelo educador para a vida em sociedade pode ser mais bem
visualizada a partir do documento divulgado pelo Ministério da Educação acerca do
depoimento do Ministro da Educação, Cristovam Buarque, no CONSED, em 25 de abril de
2003, ao salientar a importância das políticas educacionais voltarem-se para os professores,
visto que são esses profissionais (2003, p. 4) “que fazem o gol dentro da cabeça de nossas
crianças”.
Estava, dessa maneira, garantida a continuidade da formação de professor de nível
médio na modalidade Normal, fundamentando suas propostas pedagógicas inspiradas nos
princípios éticos, políticos e estéticos, no intuito de preparar professores capazes articular
teoria e prática, restando aos Estados, conforme previsto no Artigo 10°., estabelecer as
devidas normas complementares, considerando a diversidade local.
Um outro dado evidenciado no conjunto dos artigos que compõem a Resolução
CNE/CEB n°. 2/99 é o retorno às idéias propostas no início do século XX, quando se
pretendia aliar a base do conhecimento teórico com a prática pedagógica, colocando a escola
como um campo de estudo. Para garantir a qualidade e tempo destinado a formação, foi
estendida, como proposto no Artigo 3°., §4°., a duração do Curso Normal para no mínimo
3.200 horas, distribuídas em quatro anos letivos, admitindo-se algumas adequações previstas
em lei.
Contudo, para erradicar de uma vez essa polêmica, foi emitida a Resolução CNE/CEB
1/03, homologada em julho de 2003 pelo Governo Federal, em que prevalece o que diz o
Artigo 62 da LDBEN 9.394/96, segundo o qual é “admitida, como formação mínima para o
exercício do magistério na Educação Infantil e nas quatro primeiras séries do Ensino
Fundamental, a oferecida em nível médio, na modalidade Normal”.
Passa a ser entendido desde então que, considerando a realidade brasileira, o Curso
Normal como modalidade de formação de professores se faz necessário e pode atender às
demandas dessa formação. Só restava constatar que o “Normal é Vital” e ainda daria muitos
bons frutos, como vem fazendo há tantas décadas.
Porém, é coerente com a própria dinâmica da vida que a formação do professor ocorra
de maneira continuada e ao longo de toda a trajetória profissional, fator que propicia a
comprovação da necessidade de um constante aprimoramento acadêmico para o exercício
consciente da docência. Nessa perspectiva, o capítulo seguinte falará sobre uma escola que
oferece Curso Normal, trazendo sua história, seus movimentos instituintes, seus obstáculos e
possibilidades e como vem enfrentando a luta para manter-se cumprindo o papel de preparar
docentes para as séries iniciais.
3. PALAVRAS QUE CONTAM HISTÓRIAS
3.1 Instituição de Educação Clélia Nanci: uma fala “Feliz”
Para iniciar o capítulo que se propõe a relatar a história do “Clélia Nanci”, conto com
autores como Nóvoa (1995) e Ricoeur (2001), entre outros, que valorizam a história de vida
dos professores como um importante caminho para construir a memória coletiva, sinalizam a
dimensão do lugar ou do grupo. No caso da pesquisa, os relatos ganharam o caráter da poética
do espaço que buscou através das histórias/relatos individuais dos professores, envolvidos
com o Curso Normal do Instituto de Educação Clélia Nanci (IECN), retratar a memória
coletiva do lugar62.
O trabalho exigiu trazer à superfície da pesquisa a memória do que se recordou para
contar, como abordado por Márquez (2003), nos possibilitando compreender como nasceu o
IECN e como foi/está sendo construída a história dessa unidade de ensino. O estudo buscou
também compreender outros pontos como: Quais são os sentimentos envolvidos nessa
unidade de ensino? Quais são os seus comprometimentos com a formação docente? Como as
políticas em educação influenciavam os rumos “Clélia Nanci”? Quais foram as saídas
encontradas? Como são estabelecidas as relações dentro do espaço do IECN, afetuais e/ou
profissionais?
Enfim, são questões que ajudam a compreender o que Maffesoli (1999, p. 272)
considera tratar-se da “lição do gênio do lugar: acentuar o ethos ligado a um espaço. Por meio
dos pequenos rituais da existência cotidiana, mundo emocional, mundo afetual que dá todo o
seu sentido e toda a sua força à expressão ética da estética”. Fatos esses que na perspectiva da
sociologia compreensiva ora são afetados por questões políticas representativas do lado
iluminado do social, ora deixam transparecer o que está no lado sombra das relações, movidas
e motivadas pelos afetos, carinhos e comprometimentos63.
Chaves (2000, p. 17) acrescenta ainda que “a escola é considerada um sistema
sociocultural (...) constituído por grupos com uma vivência real e relacional de códigos e
sistema de ação”, o que faz tornar específica a produção de sentidos com que cada professor
percebe a poética do espaço do IECN
Por se tratar de uma instituição relativamente nova, considerando a trajetória dos
demais Institutos de Educação no contexto brasileiro, foi possível reconstruir os fatos do
IECN através das palavras que não estavam presas às folhas do livro. Ao contrário, foram
resgatadas através de risos, suspiros, elogios e críticas (mais elogios do que críticas), alegrias
e tristezas, como aquelas que surgiam das lembranças da professora Maria Felisberta Trindade
Jardim64. A partir das experiências vividas durante dezesseis anos com a educação no IECN,
62 Os nomes dos professores participantes foram substituídos e serão dispostos em destaque no estudo. 63 As especificações sobre o lado sombra e lado iluminado fazem parte do primeiro capítulo desta pesquisa onde abordamos a teoria maffesoliana e irão percorrer o presente texto sobre a história do IECN, bem como outras denominações enfatizadas pelo autor como: socialidade, organicidade, ética da estética, lógica da identificação, nós fusional e proxemia. 64 A professora Maria Felisberta Trindade Jardim, mestre em Educação e professora Emérita da Universidade Federal Fluminense (UFF), é uma das mais respeitadas personalidades na área da educação. Foi professora,
ela pôde dar seu testemunho acerca dos primeiros anos da escola, quando atuou como
professora e orientadora pedagógica. A participação da professora na pesquisa proporcionou o
jogo de letras da abertura do capítulo, quando foi evidenciada uma “fala Feliz” sobre o
histórico da instituição.
No decorrer do texto, outros participantes da história da escola irão dialogar conosco,
porque, assim como a professora Felisberta, foram/são partes fundamentais desse corpo
denominado IECN.
Foi possível identificar ao longo da conversa com Felisberta os “AAA” que sustentam
para Nóvoa (1995, p. 16) o processo identitário do professor com a profissão, em que o “A de
Adesão, A de Ação, A de Autoconsciência” surgiam naturalmente de suas palavras, à medida
que avançávamos com a história da escola. Sua fase, rica de experiências, contribuiu para
estabelecer as bases sedimentadas da escola.
Tão verdadeira se torna essa afirmação que, atenta à memória institucional, a
coordenação pedagógica do Curso Normal do IECN, organizou, no ano de 2005, uma “Mesa
Redonda”, com o intuito de resgatar o “espírito fundador da escola” e sua tradição em formar
docentes. Nesse encontro, a presença da professora Felisberta se tornou indispensável65. Foi
apresentada na ocasião pelo mediador do evento como a “pérola da mesa”, numa intensa
demonstração de carinho e reconhecimento pelo trabalho desenvolvido na escola e pelo
empenho para com a educação. Isso porque, mais do que uma importante
personagem/personalidade do contexto educacional, é uma referência real do IECN. Ela
compôs a mesa com determinados ex-alunos, hoje professores da escola, que puderam
testemunhar, na ocasião, algumas vivências.
Nossa entrevista/conversa representou resgatar o que Maffesoli (1999, p. 220)
considera ser o “espírito do tempo”, o que cria imagens, produz uma aura e configura o grupo,
numa demonstração de que os fatos não se encontram isolados, eles fazem parte de um
conjunto de fatores que envolvem a vida, nesta constante trama entre o social-político-
emocional. São esses os elementos primordiais na constituição do ethos da escola, que foram
emergindo e deixando revelar os caminhos de implantação do Instituto de Educação Clélia
Nanci (IECN), que está situado no município de São Gonçalo.
diretora da Faculdade de Educação da UFF, Secretária Municipal de Educação de Niterói e atualmente é Presidente do Conselho Municipal de Niterói de Ciência e Tecnologia. Nesse nosso texto será desconsiderado o termo “senhora”, não por falta de respeito, mas simplesmente por se tratar de uma incoerência, diante da jovialidade transmitida pela professora. 65 A participação da professora Maria Felisberta Trindade Jardim no evento sobre a memória do IECN será devidamente relatada ao término desse mesmo capítulo.
Este município da região metropolitana do estado do Rio de Janeiro desde a primeira
metade do século XX era possuidor de um parque industrial reconhecido como o mais
importante do Estado do Rio de Janeiro e de expressiva relevância em âmbito nacional, a
ponto de ser identificado como a “Manchester Fluminense”. Dessa forma, até a década de 50
do século passado, uma pessoa interessada em realizar o Curso Normal teria que se deslocar
para municípios vizinhos como Niterói ou Rio de Janeiro (SMESG, 2003).
Entretanto, diferente do ocorrido na cidade de Niterói, que possui uma escola com
essas características desde a década de 30 do século XIX, em São Gonçalo o caminho foi
outro. Somente na segunda metade do século XX foi possível implantar uma escola que
oferecesse essa modalidade de ensino no município. Mesmo assim, sua inserção ocorreu na
rede privada, por iniciativa da professora Estephânia Mello de Carvalho (1885-1958) que
fundou em 1951, anexo ao Colégio São Gonçalo, a primeira Escola Normal da localidade
(SMESG, 2003).
Após esse feito, outras iniciativas sucederam-se. No entanto, narra a professora
Felisberta que no início da década de 1960 ocorreu uma pressão social para instalação de uma
escola pública em São Gonçalo, organizada por moradores do bairro da Brasilândia66 que, ao
constatarem a crescente demanda educacional, trataram de reivindicar junto às autoridades
políticas do município a oferta dos Cursos Ginasial e Normal.
Foi, para tanto, mobilizado o prefeito da época, Gilberto Afonso Pires, que negociou
junto ao Governador de Estado, Ernani do Amaral Peixoto, a criação de um Instituto de
Educação. A solicitação dos moradores encontrou conformidade com proposta do Estado em
expandir as Escolas Normais para atender a crescente procura pela escolarização dos anos
iniciais, pois aumentava a necessidade de educar-se, fator que foi exposto no capítulo anterior
ao abordarmos o momento sócio-político brasileiro no período da promulgação da Lei
4.024/61 (NUNES, 2001).
Nascia assim, no bairro da Brasilândia, o Instituto de Educação de São Gonçalo. Este
foi o seu primeiro nome, a partir da Lei 4.906, de 20 de novembro de 1961, porém sua
autorização de funcionamento só foi concedida no Diário Oficial de 30 de janeiro de 1963,
onde continha a licença da Secretaria de Educação e Cultura do Rio de Janeiro para o seu
pleno exercício67.
66 Segundo a professora Felisberta, na época o bairro era habitado basicamente por operários navais e funcionários da marinha mercante. 67 Informações adquiridas através do senhor Mario Renato, responsável pelo Departamento de Pessoal do IECN, que cedeu documentação comprobatória, bem como a história sobre Clélia Nanci.
Do movimento inicial organizado pelos moradores até a sua efetiva concretização, a
escola contou com a influência dos políticos, que indicavam professores e diretores para os
cargos, numa demonstração evidente do laço estreito de influências.
Por conta dessa proximidade, atendendo à solicitação do deputado estadual Amilton
Xavier, foi sugerida a alteração do nome da instituição que, com pouco tempo de
funcionamento, passou a chamar-se Instituto de Educação Clélia Nanci (IECN), através da
Lei 5.756, em 17 de agosto de 196668. A senhora Clélia Nanci (foto abaixo), embora não
tivesse nenhum vínculo direto com educação, teve seu nome escolhido por ser mãe de um
influente político da região.
Parte de sua biografia pôde ser resgatada no setor do Departamento de Pessoal do
IECN. Consta nos registros sobre o histórico da escola que a jovem Clélia Nanci, em 1890,
veio para o Brasil em companhia de seus familiares, oriunda da cidade de Veneza, na Itália.
Primeiro instalou-se no Estado de São Paulo e posteriormente
mudou-se para o município de São Gonçalo, onde manteve
residência nos últimos 50 anos da sua vida. Criou seus treze
filhos e faleceu em 1960. Mesmo sendo uma dona de casa de
pouca instrução, constituiu uma das mais tradicionais famílias
do município e daí proveio a homenagem. Além do nome que
é a referência da escola, sua “presença” se faz representada
através da exposição de uma foto providencialmente visível
na recepção69.
As mudanças continuaram acontecendo. No ano de
1968, o IECN incorporou-se ao espaço físico do Grupo
Escolar
Infânci
em seu
últimos
mesmo
68 Ibid. 69 A sinotrajetória70 Atualmtransferidespaço.
Sra. Clélia Nanci
Luiz Palmier70 - que já existia no local - e acrescentou ao complexo o Jardim dea Ismael Branco. Com sua estrutura ampliada estava completo o conjunto que abrigaria
s três prédios: o Curso Normal, o ginásio, o primário e o pré-escolar, sendo esses dois
segmentos fundamentais para a prática dos estágios. Dessa forma, integravam no
espaço físico a prática pedagógica com o campo de pesquisa, de modo a garantir a
pse de sua biografia foi adquirida através do senhor Mario Renato que fez um levantamento pessoal da de vida daquela que dá nome à escola. ente, o Ensino Fundamental é oferecido no espaço do IECN, porém o Grupo Escolar Luiz Palmier foi o para outra localidade do município. Quanto ao Jardim de Infância, funciona normalmente no mesmo
concepção precípua defendida pelo educador Anísio Teixeira, que considerava relevante para
a melhoria da formação docente a integração da teoria ↔ prática71 (NUNES, 2000).
Seus primeiros gestores foram a professora Aída Vieira e o professor Túlio
Perlingeiro, seu sucessor. Somente a partir da gestão de Fernando Barbirato a professora
Felisberta começou a atuar como professora na escola, em abril de 1967. Por conta disso, seus
relatos tornam-se mais específicos no momento que passa a viver, sentir e agir no “Clélia
Nanci”.
A professora lembra com satisfação de Fernando Barbirato, terceiro diretor da unidade
de ensino, e destacou que “foi quando a instituição viveu em pleno período de ascensão”.
Segundo relatou:
Barbirato era veterinário de formação e acabou revelando-se um professor de coração. O envolvimento de Barbirato com a escola o conduziu ao aprimoramento acadêmico, cursando a faculdade de Pedagogia, pois seu desejo/objetivo era desenvolver um trabalho de qualidade na escola (FELISBERTA).
Barbirato continua a fazer parte desse espaço através de sua imagem emoldurada
disposta na sala dos professores, como demonstra a foto ao lado. O lugar não poderia
ser mais adequado, um ambiente amplo, rodeado por bancos, com uma grande mesa ao
centro, onde a movimentação dos docentes se faz constante.
Sua indicação para ocupar a direção do IECN ocorreu pelo fato de ser cunhado de um
deputado estadual. E se, por um lado havia uma interferência dos políticos na escola,
por outro essa proximidade favorecia a obtenção de verbas que facilitavam a
implementação de projetos. Contudo, segundo a professora Felisberta, conseguiam
manter a autonomia administrativa e não ficavam submissos aos interesses do Estado:
A direção visava única e exclusivamente a excelência do ensino.
Considero que o IECN já começou há dar os seus primeiros passos dentro de uma visão pedagógica – se não mais avançada – pelo menos melhor construída, porque Barbirato tinha liberdade de contratar quem fosse necessário (FELISBERTA).
A vontade de que tudo desse certo e uma equipe competente foram os motores
fundamentais para o início do “Clélia Nanci”, de acordo com a professora Felisberta. Ao
interpretar o momento, acredita ter sido:
71 No estudo de Nunes, Anísio Teixeira: o desejo pela educação (2000), ela expõe a proposta que marcou a trajetória de Anísio em prol de uma educação que prezasse por um diálogo aproximado entre a teoria e prática cotidiana no espaço escolar, numa demonstração evidente de ser esse um tema que já ocupava lugar de debate dos educadores desde a década de 20 do século anterior.
Um fator preponderante na constituição acadêmica da escola é que puderam contar com coordenadores de alto nível pedagógico, tinham uma equipe competente e educadores comprometidos, com o espírito de reconhecer a importância da união do grupo. A idéia era que as normalistas72 tivessem uma percepção da totalidade da escola. Assim, foi criado um centro de estudos, com reuniões semanais, onde se debatiam textos sobre realidade brasileira e dizia o que elas (alunas) iriam enfrentar nas escolas (FELISBERTA).
Essa experiência partilhada favorecia o início da construção histórica da escola, uma
vez que nesses encontros todos buscavam caminhos para os problemas cotidianos. Para
reiterar a idéia de grupo, a professora contou, como exemplo, que jamais conseguiu esquecer
o dia das reuniões do centro de estudos, ocorridas “nas terças-feiras, às 14 horas”.
Em 71, a convite do diretor, a professora Felisberta passou a ser responsável pelo
departamento de Orientação Educacional A professora contou que, a partir da Lei 5.692/71,
houve uma tendência pelas áreas técnicas do ensino, tendo sido, desde então, criados os
serviços de orientação pedagógica, principalmente na rede pública73. Era o momento em que
assume o primeiro “A” proposto por Nóvoa (1995, p. 16), o “A de Adesão”, ao
responsabilizar-se pelo projeto e conta:
Aos poucos nós fomos formando o serviço de orientação educacional, o SOE. Aliás, foi considerado um dos serviços assim de referência, Barbirato deu toda a liberdade para criar. Convidei um médico que fazia exame biomédico para trabalhar conosco, havia coisas que exigiam um maior conhecimento da área. Tínhamos duas psicólogas e algumas colegas que haviam formado em orientação, aí vieram trabalhar também conosco. Assim, fizemos uma equipe que trabalhava de manhã, tarde e noite. Mas a minha visão de orientação não era uma visão da orientação individual, dos estudos de caso dos alunos-problema, era muito voltada para a formação da cidadania. Tínhamos uma visão totalizadora (FELISBERTA).
Cientes da responsabilidade que tinham nas mãos, visavam dar condições de
estabelecer na escola um ambiente propício ao diálogo entre todos os segmentos, tornando os
debates instrutivos e correlacionados com a prática docente. Procuravam esclarecer ao grupo
(professores, coordenadores) a necessidade de trabalhar coletivamente no mesmo princípio do
unitas multiplex expresso por Morin (2003), em que cada um é parte importante na
composição do espaço escolar.
72 De acordo com as informações da professora Felisberta, naquela época apenas as meninas optavam pelo curso, por isso o texto foi construído no feminino e foi utilizada a expressão “normalista” para se referir aos alunos do Curso Normal. 73 A professora Felisberta Jardim havia feito pós-graduação em Orientação Escolar, antes da reforma universitária de 1969.
Trabalho! Havia muito, mas isso não era o problema! Afinal, a professora Felisberta
conta que faziam reuniões até aos sábados, se preciso fosse74, e confessa:
(...) nossos encontros eram proveitosos. Discutíamos de que maneira essa prática ia ser feita. Nós nos reuníamos com entusiasmo, na casa da Terezinha Poubel, até uma hora da manhã, porque antes de reunir com as alunas nós já tínhamos conversado muito, já tínhamos entrado em contato com os professores e procurado saber em que momento que os alunos estavam de conteúdo, mas as meninas iriam não dar as aulas isoladas, iriam passar pelas unidades de experiências75 (FELISBERTA).
O grupo objetivava o enriquecimento da prática docente, aliás, todas as atenções
estavam constantemente voltadas para a relação teoria ↔ prática. Convidavam palestrantes e
Felisberta relembra com relatos saudosos: “(...) pegava o Fusca, botava o profissional e
levava. Tínhamos um entusiasmo pela escola que era uma coisa impressionante!”
(FELISBERTA).
Mesmo sendo um período em que o Brasil estava politicamente sob a égide do regime
militar, no IECN podiam trabalhar com liberdade, pois não havia uma inspeção rígida do
Estado. Talvez (supõe a professora Felisberta) a escola não fosse alvo de um efetivo controle
por parte do regime porque estavam afastados da sede do Governo Federal, o que corroborou
para que mantivessem a excelência no ensino, sem deixarem de se questionar sobre o
momento político que passava o país. Essas reflexões perpassavam os debates promovidos na
instituição, cuja ênfase dada ao presente sócio-político era fundamental para se estruturar uma
prática de aula consciente e alunos bem informados. Contudo, a professora Felisberta gosta de
frisar freqüentemente que:
(...) eram sensíveis ao sentimento do grupo, conduziam os trabalhos em consonância com as solicitações externas da sociedade, desenvolvíamos projetos envolvendo pais de alunos; organizávamos o horário de atendimento de acordo com a disponibilidade dos responsáveis; desejávamos de fato, realizar boas reuniões onde todos pudessem participar (FELISBERTA)
Quando usa a expressão “realizar boas reuniões”, significa que desejava fazer um
momento de encontro produtivo, de troca, pois acreditava ser esse o melhor caminho para
direcionar os trabalhos na escola e acrescenta em seu relato que:
74 O grupo de estudo ao qual se refere era formado pelas professoras Felisberta, Olga de Azevedo, Emília e Terezinha Poubel. A última professora citada, bem como Barbirato, são pessoas que fazem parte da memória saudosa da professora. 75 Nas palavras da professora Felisberta, as Unidades de experiências passavam por quatro etapas: “primeiro, apresentação; segundo, desenvolvimento; terceiro, fixação; e quarto, culminância”. Havia um planejamento de divisão de alunas. Segundo Felisberta, dividiam quem ia iniciar, passando por todas as fases. Cada equipe ficava dois meses passando pelas turmas, onde todas participavam da elaboração do planejamento da aula.
(...) todos os coordenadores participavam para discutir as relações com as crianças, comportamento humano, priorizando sempre uma orientação coletiva cujo enfoque era a socialidade. Demonstrávamos que era preciso estar unidos, dessa forma ficariam fortalecidos (FELISBERTA).
Parecia que prenunciavam o que viria pela frente, onde somente coletivamente seriam
capazes de enfrentar. Pois, se por um lado, o governo militar não causou nenhum
impedimento ao desenvolvimento das atividades no IECN, o mesmo não ocorre a partir de
1971, quando tivemos a promulgação da LDB nº. 5.692, que implantou a reforma do ensino
de primeiro e segundo graus.
A Lei fazia igualar a formação do magistério às muitas opções profissionais oferecidas
pela escola. Esses profissionais, participantes do grupo de orientadores, acompanhando o que
priorizava a legislação, buscaram incluir no curso Pedagógico do IECN experiências
instituintes, o que significava criar ações inovadoras possibilitando uma motivação a mais
para o Curso Normal. Foi o momento em que a professora Felisberta assumiu o segundo “A”
mencionado por Nóvoa (1995, p. 16), como sendo o “A de Acção”. Diante do contexto da
nova política educacional, o grupo de Orientadores Pedagógicos tomou a iniciativa de
implantar um projeto intitulado de Autogoverno76.
A experiência ocorreu pela primeira vez durante a IV Semana da Normalista77, no ano
de 1971. A implementação deste projeto, seu desenvolvimento e resultados serviram de tema
para a dissertação de mestrado da professora Felisberta Trindade Jardim, com o título:
“Perspectiva de autogoverno desafio à Educação”, defendida em 1977 na UFF, onde descreve
minuciosamente a experiência que perdurou de 1971 a 1975.
A experiência demonstrava a credibilidade que a instituição depositava em seus
educandos, de onde destaca-se o fragmento abaixo: Pensou-se em inovar o sentido da Semana da Normalista, transformá-la em algo que fosse realmente de sua inteira responsabilidade e marcasse a sua vida na Escola, abrindo-lhe perspectivas para o futuro exercício de sua profissão como pessoa, desenvolvendo-lhe a capacidade de perceber, sentir e agir (JARDIM, 1977, p. 45).
76 Autogoverno relaciona-se ao modelo de Relph W. Tyler sobre seleção de experiências de aprendizagem vividas pelos alunos. Além do IECN, essa experiência foi realizada em outras três unidades de ensino do Estado do Rio de Janeiro (JARIDM, 1977). 77 Semana da Normalista é um evento anual que ocorre no IECN quando são realizadas as apresentações de trabalhos desenvolvidos durante o ano.
Ao mesmo tempo em que viviam tais tarefas, os alunos, demonstravam a experiência
de eleições democráticas num período em que esse direito estava cerceado aos cidadãos
brasileiros, onde a citação seguinte confirma que:
O fato de governar durante o período de uma semana a sua própria escola, de tomarem iniciativas, de deliberar, de realizar opções, de vivenciar tarefas próprias ao adulto, foram para o aluno fator de alto teor motivacional, despertando para um maior senso de responsabilidade e crescimento pessoal. Ser diretor, professor, coordenador foram situações marcantes para a vida de cada um que vivenciou o Autogoverno (JARDIM, 1977, p. 3).
Era uma ação mediada pela vontade de criar e recriar e, como escreve Freire (2003), é
do diálogo entre esses dois pólos que vão se formando os momentos que marcam uma
época78. A professora relata, na introdução de sua dissertação, os questionamentos que
surgiram quando foi apresentada a idéia pela primeira vez aos colegas do IECN:
Várias reações se notaram, quando da proposta de seu empreendimento em caráter experimental. Uns, temerosos, indagavam: “Alunos dirigindo a Escola?” Outros, abertos às novas experiências, davam um crédito de confiança à idéia.
O Instituto de Educação “Clélia Nanci” tem sido uma instituição que, durante os seus 14 anos de existência, sempre contou com um número expressivo de educadores que não temem o risco de tentar implantar a experimentar atividades inovadoras (JARDIM, 1977, p. 2).
Se não bastasse toda a história construída até esse momento, o próprio fragmento
extraído expõe a característica marcante da instituição por práticas inovadoras. A competência
e a união do grupo eram cimentos indispensáveis na empreitada que estavam submetidos a
enfrentar a partir das políticas educacionais, era o lado sombra, realçando suas formas através
de uma sensibilidade coletiva e se tornando indispensável no entendimento dos novos rumos
da dinâmica impostos pelas políticas.
O projeto tinha o propósito de conciliar os ditames da Lei 5.692/71, que incentivava o
ensino tecnocrático, bem como favorecer a prática interativa dos alunos com o espaço
acadêmico. A professora Felisberta explicou que já sinalizava nessa concepção as influências
que as políticas brasileiras recebiam da UNESCO em formar através das práticas escolares
78 Atuo como docente em um curso de especialização voltado para gestores da rede pública Estadual do Rio de Janeiro, organizado pela Universidade Federal de Juiz de Fora - UFJF, entretanto no meu grupo de alunos/diretores há uma, especificamente, que participou no segundo ano da edição do projeto Autogoverno como vice-diretora do IECN durante uma semana. A partir de suas lembranças revelou ter sido “uma experiência inesquecível que contribuiu muito para a vida profissional”. Embora fosse completamente dispensado, o comentário vem somar a já, demasiadamente rica história transmitida pela professora Felisberta.
uma consciência de solidariedade universal, a fim de preservar o mundo dos males resultantes
da incompreensão entre os homens79.
Realmente buscavam integração, mas não apenas no espaço do IECN, convidavam
outras escolas que ofereciam Cursos Normais a participarem dos eventos. Havia troca de
experiências entre alunos e professores para conhecerem outras instituições, compartilhando
as alternativas que as demais escolas vinham desenvolvendo para enfrentarem o momento.
Seria uma espécie do tetragrama de Morin (2003), onde a partir da interação entre a ordem e a
desordem gerasse uma outra organização e assim caminharam, pois sabiam, como Alberto
Machado (1964), que “faz-se o caminho ao caminhar80”. Assim, prosseguiram... Além desta iniciativa, a escola organizava, ao longo dos anos, atividades diferenciadas que pudessem dinamizar o currículo do Curso
Normal, conforme justifica a professora Felisberta:
Através de palestras buscávamos incentivar professores e alunos. Os temas versavam sobre: O que vem a ser professor? A importância do professor, a ética profissional, relação professor-aluno, e por aí vai...
Tivemos uma vez uma aluna que ficou grávida solteira, antigamente isso era um absurdo! O SOE deu todo o apoio, eu lembro dela na formatura, foi lindo! Eu sempre achei que conversar era mais importante, achava que conversando se entende melhor o que se tem para falar (FELISBERTA).
Esta forma de conduzir os trabalhos em uma época em que se buscavam as formações
isoladas foi responsável por criar no IECN uma cultura de complementaridade das
especializações, no sentido de elaboração articulada entre as partes, que, ao se juntarem no
todo, se tornam maiores que as partes isoladas. Morin (2003, p. 261-2) escreve que a “vida é
um feixe de qualidades emergentes resultantes do processo de interações e de organizações
entre as partes e o todo (...)”, que, num movimento recursivo, produzem seus percursos de
vida.
De acordo com estudo de Jardim (1977), no ano de 1972 o IECN passou por
transformações em sua estrutura física e curricular. Houve a implantação da Reforma no
Estado do Rio de Janeiro, feita pelo Grupo de Tarefa da Secretaria de Educação e Cultura, em
conformidade como a Lei 5.692/71, a qual previu medidas de adequação, como a implantação
de serviço de orientação educacional e melhorias na estrutura física do prédio. Foram criados
os setores de audiovisual, mecanografia, instalados laboratórios e oficinas destinadas a
fornecer o suporte técnico necessário ao ensino profissionalizante como propunha a Lei. Com
79 A proposta é especificada por JARDIM (1977, p.33). 80 Machado, A. Obras, poesías y prosa. Buenos Aires, Losada, 1964.
isso, abriu-se a possibilidade de contratar alunos, para atuarem como estagiários nesses
setores81.
O professor “Daniel” revelou, durante a Semana da Normalista de 2005, parte da sua
história vivida nesse período, pois considera ser:
(...) um funcionário de carreira do IECN, pois, desde minha fase de aluno na década de 1970, passei por todos os departamentos da unidade. Trabalhei no áudio, na recepção, secretaria, chegando atualmente à função docente (DANIEL).
Em 1973, de acordo com o Parecer 45/72, era autorizada a realização do quarto ano
adicional, com a formação nas áreas de Comunicação e Expressão, Estudos Sociais e
Ciências. A escola crescia tanto no espaço físico como em número de matrículas: em 1975
contava com 4.767 alunos distribuídos nos três turnos (JARDIM, 1977).
A ênfase dada aos demais cursos (técnico em contabilidade, técnico em alimentos,
análises clínicas) provocou alguns transtornos para a vida dos docentes do curso de formação
de professores. De acordo com os dados apontados por Vignoli (2003), as mudanças geravam
insatisfações por parte dos professores envolvidos com o Curso Normal, uma vez que o
trabalho era prejudicado pela preferência dos demais cursos e acabavam “sobrando”,
forçando-os a procurar o remanejamento para outra escola.
Para minimizar o desgaste emocional dos docentes e passar a incluí-los em atividades
diversificadas, mais uma vez o IECN, através dos responsáveis pela administração escolar,
buscou estratégias para dar um caráter diversificado à prática de ensino.
Dessa forma, o IECN incluiu na dinâmica curricular o que denominou serem
“experiências diversificadas”, como a criação da Biblioteca, o Clube de Saúde e o Centro
Cívico, que foram estabelecidos como campo de estágio supervisionado das normalistas, sem
restringir esta prática somente no contexto da sala de aula.
A idéia era ampliar o campo de atuação dos educandos, como enfatizou,
freqüentemente, a professora Felisberta, para que pudessem ter uma visão dos vários setores
educacionais, numa demonstração evidente de que o profissional não deveria fechar-se em
uma prática isolada e sim buscar dialogar com as múltiplas vertentes da sociedade, trazendo
para a escola uma percepção aproximativa do todo. Assim sugere Maffesoli (1999, p. 12), ao
indicar que “essas relações tornam-se animadas por e a partir do que é intrínseco, vivido no
81 Os alunos selecionados eram os que possuíam maiores necessidades econômicas, porém, em uma escola pública, muitos eram.
dia-a-dia, de um modo orgânico; além disso, elas tornam a centrar-se sobre o que é da ordem
da proximidade”.
Para ilustrar, como eram conduzidos os trabalhos de sala de aula, a professora
Auxiliadora, formada em 1984 e atualmente ocupando o cargo de coordenadora do Curso
Normal, lembrou de um fato que acontecia com freqüência por parte dos professores, em seu
tempo de aluna, no início da década de 80:
Os nossos livros didáticos vinham trazendo imagens de turmas com poucos alunos, tudo direitinho no lugar, uma sala limpa e crianças prestando atenção na aula.
O nosso professor de didática falava: isso não é real! Vocês não vão encontrar isso nas escolas, prestem atenção!
E aí o professor falava toda a verdade sobre a escola e as dificuldades de se trabalhar e ia dando as dicas de como deveríamos agir. Isso era fantástico, eu não me esqueci (AUXILIADORA).
Como inúmeras vezes ressaltou a professora Felisberta, tinham muita preocupação
com a prática, por isso o desejo da equipe do IECN era construir um ensino com bases
sólidas, coerentes com a vida. Nesse sentido, Morin (2001, p. 55) compreende que todo
“desenvolvimento verdadeiramente humano significa o desenvolvimento conjunto das
autonomias individuais, das participações comunitárias e do sentimento de pertencer à espécie
humana”.
Contudo, das experiências diversificadas implementadas, atualmente apenas a
Biblioteca, que possui o nome de “Cecília Meireles”, continua a fazer parte da instituição, não
mais com o propósito de espaço para estágio.
Em depoimento, a bibliotecária reconheceu que já viveram dias melhores. Entre
lembranças do passado e comparações com o momento, comenta que, de acordo com cada
Governo, há maior ou menor incentivo ao espaço de pesquisa:
Houve tempo de recebermos dois pianos para desenvolverem atividades culturais, incentivo que atualmente está em baixa, mas o importante é não deixar esvaziar o espírito de incentivo à cultura e a promoção social. Por isso, organizamos eventos com o intuito de estimularem a leitura, a criatividade e o trabalho em grupo por parte dos alunos e professores (CLARA).
Mas em uma coisa a bibliotecária concorda sobre os primeiros anos da implantação da
escola, pois atua como responsável pelo setor há 33 anos: “A fase Barbirato já está virando
mito, tamanha foi a qualidade do trabalho desenvolvido no período” (CLARA).
Retornando à professora Felisberta, passado o “sufoco” dos primeiros anos após a
implantação da lei de Reforma do ensino de primeiro e segundo graus, na década de 80, o
Curso Normal é revigorado, mas não por parte do Estado, ao considerá-lo um importante
locus para a formação de professores; ao contrário, a valorização aconteceu por questões
econômicas.
Segundo a professora, os cursos profissionalizantes geravam grande ônus ao Estado.
As primeiras turmas até foram bem preparadas, com os equipamentos instalados para as
práticas oferecendo o devido suporte técnico. Todavia, com o tempo, foi verificado que
mantê-los exigiria um valor muito além da disponibilidade para esse segmento de ensino
(segundo grau). Em contrapartida, o Curso Normal representava baixo custo de investimento,
pois era basicamente estruturado a partir de aulas expositivas, sem a necessidade de gastos
excessivos, no qual o investimento mais expressivo ficava por conta da despesa com o
profissional.
Nesse momento o IECN, por ser considerada uma escola de grande porte, foi
selecionado pela Secretaria de Educação de Estado do Rio de Janeiro para sediar o pólo82
dentro do município de São Gonçalo.
Porém, o que no primeiro momento poderia ser um privilégio se transformou, segundo
Felisberta:
(...) num sistema controlador das ações investidas na instituição, as práticas ficaram subjugadas aos olhares da equipe da Secretaria do Estado, acarretando momentos difíceis com o cerceamento de muitas ações. Aliás, os momentos difíceis enfrentados pela escola sempre foram ocasionados pela ação dos órgãos externos (FELISBERTA).
A partir dessa constatação, a professora Felisberta assume o terceiro “A” especificado
por Nóvoa (1995, p. 16) como “A de Autoconsciência”, ou seja, quando o professor atinge a
maturidade reflexiva sobre as práticas internas e externas do processo institucional.
E assim o IECN foi seguindo seu rumo. Barbirato, ao concluir seu período como
gestor, indicou como sucessor a professora Tânia Dutra, que foi aceita pela comunidade
escolar com satisfação, pois já pertencia ao quadro da instituição e daria continuidade aos
projetos que vinham sendo desenvolvidos pelos diversos grupos que compunham o espaço
escolar.
82 Pólo, nesse caso, refere-se à coordenadoria regional do Estado, denominada Metropolitana II. Este setor confluía informações sobre as escolas da rede estadual localizadas no município de São Gonçalo, gerando um grande movimento de outras profissionais da educação, além da específica comunidade escolar do IECN, pois o atendimento do pólo se fazia em uma sala localizada no interior da escola.
Com o enfraquecimento dos demais cursos técnicos, a década de 80 foi considerada
pela professora citada abaixo o período áureo para o Curso Normal, pois foi quando:
(...) os alunos que haviam se formado na década de 70 voltam como professores do IECN, dando continuidade ao trabalho dos anos iniciais. Mesmo com pouca verba destinada ao Curso Normal, tínhamos vontade e criatividade. Também, como tinha muitas opções de cursos, as pessoas que vinham fazer o Curso Normal, é porque realmente queriam ser professores, eram pessoas interessadas, nós tínhamos uma elite de alunos (TEREZINHA).
A professora “Terezinha” foi formada pelo IECN no ano de 1976 e, assim como ela,
há outros profissionais atuando hoje em dia, que também passaram pela vivência de serem
alunos da escola, criaram uma identificação com o espaço. Muitos, ao se referirem ao IECN,
se dão conta, por alguns momentos, inevitavelmente, de que a sua trajetória de vida que não
pode ser dissociada da instituição. Ao serem ouvidos os sujeitos da escola pode ser
confirmado o pensamento de Nóvoa (1995, p. 17) quando informa a impossibilidade de
“separar o eu profissional do eu pessoal”.
Passado dezesseis anos desde a sua chegada no IECN, a professora Felisberta decidiu,
com o “coração partido”, transferir-se de unidade de ensino. Segundo contou foi difícil
conciliar os horários, pois saía da escola muito tarde (nessa época, ela trabalhava à noite no
IECN) e isso acabou impulsionando a sua decisão. Mas segundo relatou:
(...) não abandonei totalmente a escola, por várias vezes voltei e continuo voltando, não apenas para visitar os amigos que lá ficaram, afinal estabeleci laços afetuais com muitos deles, como também fui à escola que escolhi para realizar minha pesquisa, desenvolvida junto ao grupo do Cotidiano Escolar da UFF. Na ocasião, fui criticada por realizar um estudo em um ambiente conhecido, pois o comentário feito foi que eu estava “contaminada pelo vírus do lugar” e isso interferiria no resultado da pesquisa. Mas acho que isso tudo é grande um absurdo!
O certo é que eu gosto do IECN (FELISBERTA).
A partir da sociologia compreensiva, pode-se conceber uma interação constante entre
os fatos investigados, permitindo integrar os indivíduos numa relação complementar entre
razão e emoção, o instituído e o instituinte, ressaltando o ser-estar-junto-com. Isso porque
segundo Maffesoli (1987, p. 23) estas relações/interações produzem uma forma de
“solidariedade que não se pode mais ignorar. É necessário notar que além do desenvolvimento
tecnológico, essa solidariedade reinvestiu a forma comunitária que acreditávamos haver
ultrapassado”.
Foi nesse movimento de interdependência que o IECN se constituiu, aceitando as
alternâncias (com maior ou menor influência dos políticos e das políticas), percorrendo,
nessas últimas quatro décadas, um longo e tortuoso caminho rumo à qualidade na educação,
sem deixar, em nenhum momento, de oferecer o Curso Normal, que vez ou outra recebeu uma
denominação diferente, mas teve sempre a missão de formar professores para as séries iniciais
da Educação Básica.
Essa vitória é realçada na expressão da professora da escola ao considerar: “É o Curso
Normal que segura o IECN, sem ele não teríamos razão de existir” (TEREZINHA).
A declaração se aproxima do sentimento e da constatação expressos ao longo da
pesquisa de que o “Normal é Vital”, pois diante do retrato educacional do nosso país,
conforme dados apresentados no capítulo anterior através dos estudos de Linhares e Silva
(2003), essa modalidade de ensino ainda faz-se muito necessária, podendo contribuir de forma
eficaz na formação de futuros professores.
3.2 Palavras do lugar
Além das políticas em âmbito nacional que influenciam o rumo das escolas, o IECN,
por ser uma escola que integra a rede pública de ensino, também é regida pelos ditames do
Estado. Foi assim, cumprindo uma dessas incumbências, que ocorreu o processo de escolha
de diretor no IECN, em novembro de 2004. Por intermédio de eleições diretas, os membros da
escola tiveram a oportunidade de decidir, dentre as três chapas que disputaram a eleição, qual
seria o gestor da unidade por mais um mandato.
O cargo ficou para uma professora que está há trinta e três anos na instituição. Geriu a
escola acompanhada por uma equipe composta de três diretores adjuntos, um para cada turno,
que acumulam também a responsabilidade por setores da escola, tais: administrativo,
pedagógico e merenda. O fato de a diretora eleita fazer parte do corpo de funcionários da instituição durante muito tempo tornou os vínculos direção ↔
instituição, unidos por questões que transcendem a ordem da razão. Sua fala, gestos e olhar exprimem o sentimento do carinho pelo
espaço do IECN, por isso defende a idéia de não ter outros cursos nos turnos da manhã e tarde, deixando como única opção de formação
em nível médio o Curso Normal. Esse carinho/preocupação/direção é reconhecido por parte de alguns professores, que mesmo não
comungando totalmente da mesma idéia da diretora, concordam em reconhecer a sua dedicação, a tal modo que é recorrente ouvir por
parte dos professores frases como as destacadas abaixo:
(...) a diretora lutou e continua batalhando pelo Curso Normal, para mantê-lo respeitado (TEREZINHA);
(...) a direção tem verdadeiro amor por essa escola (GRAÇA);
(...) a diretora é “Clélia Nanci”. É importante ter uma diretora que valoriza a pessoa do professor (CAROLINA).
Faz-se importante ressaltar o lado afetual nesse momento, para ilustrar que não há
dissociação entre o profissional e individual, os dois estão juntos nesta trama, como esclarece
Nóvoa (1995, p. 15) ao escrever que o “professor é a pessoa; é uma parte importante da
pessoa é o professor”. Para o Curso Normal esse fator é relevante, pois alguém com
comprometimentos para com essa modalidade de ensino, que quer ajudá-la a manter-se
respeitada, eleva o número de estudantes interessados em realizá-lo83. Por isso, e para entender melhor o espaço do IECN, é necessário apresentar alguns dados em relação ao local em que está inserido. Para
tal, foram considerados alguns elementos estatísticos, principalmente os relativos à educação, na intenção de tornar mais clara a
descrição da região na qual é situada a escola. Levemos em consideração paradigma da complexidade, teorizado por Edgar Morin, no
qual os fatores educacionais não ocorrem soltos, integram um conjunto, numa contínua relação dialógica com o ambiente sócio-político-
cultural.
De acordo com a Secretaria Municipal de Educação de São Gonçalo (SMESG)
em 2003, o município situa-se a 28km da capital, possui uma área física de 251km² e
apresenta uma população constituída de 890 mil habitantes. É o segundo maior
município do Estado do Rio de Janeiro em extensão e o décimo quarto do Brasil em
número de habitantes.
Segundo levantamento do IBGE (2000), São Gonçalo apresenta uma população
feminina em maior número de habitantes, 461.715. Quanto à educação, registra um
índice de 5,5% da população com mais de 10 anos que apresenta déficit no processo de
alfabetização.
Ainda a partir dos dados de recenseamento do IBGE (2000), o município conta
com a seguinte distribuição de estabelecimentos de ensino: 177 escolas de Educação
Infantil; 311 de Ensino Fundamental e 81 de Ensino Médio. Tanto no Ensino
Fundamental quanto na Educação Infantil registra-se maior índice de matrículas na
rede pública estadual. Porém, o levantamento feito em relação ao quantitativo de
docentes que atuam no Ensino Fundamental indica uma concentração maior de
83 Utilizando uma heurística complementar, foi solicitado a setenta estudantes do quarto ano de 2005 (de turnos variados) a realização de um “memorial”. Quarenta retornaram com o instrumento preenchido. A proposta buscava resgatar por parte dos estudantes a história vivida na trajetória do Curso Normal, como se deu o interesse em cursá-lo, como foi o acesso de matrícula na escola, que imagens os estudantes tinham do curso e dos professores que participaram do processo. A partir dos relatos, foi possível quantificar que: 65% dos estudantes encontraram dificuldades em conseguir a “tão sonhada vaga”, os outros 35% ficaram divididos entre os que já eram alunos e tiveram suas matrículas garantidas e os demais vieram pela matrícula no 0800 (telefone da Secretaria do Estado de Educação) e “caíram” na escola.
professores atuando na rede estadual de ensino, enquanto que na Educação Infantil a
maior parte dos docentes pertence à rede particular.
Ao observar os dados, percebemos que as duas primeiras etapas da educação
básica representam um número significativo da realidade local e, conseqüentemente,
necessitam de uma ação educativa consciente por parte das políticas em educação em
melhor preparar os professores que irão atuar nessa fase do ensino, devido à
importância dos primeiro anos de escolarização de uma pessoa.
Um outro elemento que precisa ser considerado a partir dos indicadores
apontados refere-se à população feminina que se apresenta em maior número,
contribuindo para elevar a procura por escolas que oferecem o Curso Normal, também
vista como uma opção mais rápida de ingressar no mercado de trabalho. Este fator faz
aumentar a responsabilidade com as escolas que exercem o papel de formadoras de
docentes de nível médio, pois são esses profissionais, basicamente, que, num futuro
breve, irão trabalhar com as séries iniciais da Educação Básica84.
Quanto à oferta de Curso Normal de nível médio de São Gonçalo, no ano de 2005
eram disponibilizado em seis unidades de ensino85. O número reduzido de escolas que
oferecem essa modalidade em comparação ao número de habitantes da região foi
provocado, em parte, pelas últimas políticas em educação, como especificado no capítulo
anterior. No entanto, Nunes (2002) esclarece que o encerramento da oferta do curso em
alguns colégios estaduais da localidade iniciou-se antes mesmo da promulgação da
LDBEN 9.394/96, com a extinção de sua oferta no turno da noite, portanto, em 1995.
Segundo Nunes (2002, p. 99), “de acordo com os dados obtidos junto a Assessorias de
Informática da Secretaria de Educação do Rio de Janeiro, as escolas que ministravam o
Curso Normal e Adicional em São Gonçalo eram 27 até 199686”.
A autora destaca um conjunto de medidas que propiciaram o momento de
dúvidas quanto ao efetivo funcionamento do Curso Normal.
A criação do Fundo de Manutenção e Desenvolvimento do Ensino Fundamental e Valorização do Magistério (FUNDEF), dos cursos normais superiores, das políticas
84 Também com base no memorial realizado pelos estudantes do quarto ano, há uma procura por parte das escolas do município em contratarem estagiários. As escolas ligam diretamente para a diretora e solicitam os estudantes, que mesmo sem terem concluído o curso normal, já assumem turmas. 85 Uma da rede particular, o Colégio Alfredo Backer, e as outras em escolas públicas estaduais, que são: Colégio Estadual Pandiá Calógeras, Colégio Estadual Padre Manuel da Nóbrega, Colégio Estadual Trazilbo Filguiras, Colégio Estadual Frederico Azevedo e o Instituto de Educação Clélia Nanci. 86 Segundo Nunes (2002, p. 99), as escolas tinham oferta de Curso Normal eram distribuídas em: 11 particulares, 15 estaduais e uma municipal até o ano de 1996.
de racionalização da máquina estatal, dos mecanismos de avaliação e das novas matrizes curriculares (NUNES, 2002, p. 92).
Com relação à criação dos ISEs como locus indicado preferencialmente à
formação docente, como previa o Decreto n°. 3.554 de 2000, não afetou diretamente o
IECN. Houve questionamentos sobre como ficaria a situação funcional dos profissionais
de ensino, pois acreditavam num primeiro momento que todos os Institutos de Educação
passariam a ISEs, como ocorrido no Instituto de Educação do Rio de Janeiro (IERJ),
que no ano de 1998 passou a Instituto Superior de Educação do Rio de Janeiro (ISERJ),
pelo Parecer 258/98, bem como outras unidades de ensino do Estado do Rio de Janeiro,
que viveram o processo de alteração administrativa de seus cursos e nomenclatura87.
Conforme relato abaixo, uma parte do IECN almejou essa mudança:
Teve um explícito interesse por parte de um grupo de professores em elevá-lo à condição de Instituto Superior de Educação, chegou a encaminhar aos órgãos públicos competentes a proposta da unidade e a possibilidade real de fazer do IECN um Curso Normal Superior. Essa medida elevaria o status da escola e, conseqüentemente, dos professores, que conquistariam alteração do nível de suas atuações profissionais, pois passariam a compor o quadro de docentes equivalente ao de uma universidade (PEDRO).
Entretanto, esta idéia teve seu fim ao serem informados pelo diretor da Fundação de
Apoio às Escolas Técnicas (FAETEC), que, para integrar no ISEs, o professor deveria fazer
concurso público específico para o cargo, já que o CNS se equivale a uma unidade de ensino
superior.
Uma outra justificativa foi apresentada e não poderia ser desconsiderada: os ISEs não
fazem parte do quadro subordinado à Secretaria de Educação (como os Institutos de Educação
e as Escolas Normais), eles se situam na esfera das escolas técnicas que ficam sob a
responsabilidade da FAETEC. Diante dessas informações, os professores passaram a defender
a tradição da escola, de forma a garantir seus empregos. Mas por outro lado, o fato de ter surgido uma proposta por parte do governo em retirar/transferir das Escolas Normais e dos Institutos de
Educação o papel formador de docentes para as séries iniciais representava, de acordo com o depoimento colhido:
Uma agressão, não se respeitou sequer a história dos Institutos de Educação. O que se faz com o saber produzido nesses espaços durante anos, joga fora no lixo, pega tudo e amassa? Tentou-se dar uma formação superior ao curso de formação de professores de primeira a quarta séries. Uma tolice! Primeiro, porque não há necessidade básica de ter que dar esse caráter acadêmico ao curso. É desejável que o aluno depois faça um curso de pedagogia ou se especialize em determinada
87 Nesse período foram criados cinco ISE/CNS nas cidades de: Campos dos Goitacases, Itaperuna, Bom Jesus de Itabapoana, Três Rios e Santo Antônio de Pádua.
disciplina, se for o desejo dele, mas considero que o curso, da maneira como é oferecido hoje, pode atender tranqüilamente às necessidades de um professor para ministrar uma aula de primeira a quarta séries (PEDRO).
Foi possível entender o desabafo de um membro da escola, partindo do pressuposto
colocado por Maffesoli (1999, p. 73), quando ressalta que as situações sociais não são apenas
“um sistema mecânico de relações econômico-políticas ou sociais, mas um conjunto de
relações interativas, feito de afetos, emoções, sensações que constituem o stricto sensu, o
corpo social”.
A nova matriz curricular foi descrita na Resolução SEE n°. 2.353, publicada no Diário
Oficial de 02 de janeiro de 2001, para o Curso Normal em conformidade ao instituído no
Artigo 10º. da Resolução CNE/CEB n°. 2/99, que determinava caber aos órgãos normativos
dos sistemas de ensino dos Estados estabelecerem normas complementares à implementação
das diretrizes curriculares para a formação de docentes das séries iniciais em nível médio na
modalidade Normal. A Resolução CNE/CEB n°. 2/99, entre outras coisas, propôs: (1) -
estender para quatro anos o período de formação (3.200 horas); (2) - incluiu novas disciplinas
na grade curricular (educação: de jovens e adultos, de portadores de necessidades educativas
especiais, de comunidades indígenas etc).
Por outro lado, reduziu a carga horária de algumas disciplinas. Diante do estabelecido
pela Resolução SEE n°. 2.353, a escola teria que imperiosamente enquadrar-se no novo
modelo de matriz, sem a possibilidade de ter a mobilidade de incluir no seu currículo uma
parte destinada aos estágios supervisionados, que eram desenvolvidos desde os primeiros anos
de implantação da escola, como relembrou a professora Felisberta na primeira parte desse
mesmo capítulo. Os estágios supervisionados correspondiam a uma herança que perdurou até
o ano de 2001.
Contudo, a medida imposta pela Resolução SEE n°. 2.353 desconsiderava as
diferenças entre as unidades de ensino e a forma como cada uma conduzia seus trabalhos.
Nunes (2002, p. 104) relata ter sido este um “episódio dramático que atingiu a escola de maior
tradição na formação docente no município, o Instituto de Educação Clélia Nanci (IECN)”.
Por isso, era essencial o questionamento: como iriam manter a qualidade e os critérios
rígidos do acompanhamento dos estágios diante do estabelecido?
Pois, como revelado pelo professor de História:
Os professores que atuavam no estágio supervisionado, cuja função era acompanhar as normalistas em suas práticas da pré-escola até a quarta série, um
acompanhamento rigoroso88, que a escola colocava como enriquecimento no currículo. Isso acabou! (PEDRO).
O caso é descrito por Nunes (2002) como parte da política de enxugamento do
Governo do Estado do Rio de Janeiro, que vinha se configurando como uma das
características nos anos 90 e chegou ao começo de 2001 desarticulando equipes de trabalho e
extinguindo alguns dos projetos pedagógicos89.
Nesse transtorno teve professor que enlouqueceu90, foi obrigado a ficar procurando escola perto do final do ano e sem encontrar vaga. Imagina isso na vida das pessoas saíram daqui jogadas, PÁ! Se jogou fora todo o conhecimento produzido pelo Instituto de Educação, não se discutiu, não houve diálogo com os funcionários (PEDRO).
Para os docentes, no entanto, representava um desrespeito a toda uma dinâmica de
trabalho de prática educativa construída ao longo dos anos. A organização do curso, bem
como sua qualidade, foram sempre questões de luta no interior do IECN, somando-se quatro
décadas de empenho em manter o nome e a tradição de uma escola pública que extinguiu os
demais cursos profissionalizantes ficando apenas com o Curso Normal, para vivenciarem esse
momento delicado e desagradável (VIGNOLI, 2003).
Nunes (2002, p. 104) explicou que a Secretaria do Estado de Educação, nesse
período, apontava excesso de docentes e “encaminhou para o ‘banco de potencialidades’
75 professores. Houve uma mobilização em torno do ocorrido, a comunidade educativa
organizou protesto público no Palácio Guanabara e conseguiram fizer a lista baixar até
que restassem 17 docentes”.
Por sua vez, o IECN continuou alegando a necessidade de mantê-los para a
realização dos estágios. Não satisfeita com a justificativa, a SEE, através da Secretaria
de Administração e Reforma do Estado (SARE), estabeleceu uma supervisão na
instituição.
O IECN viveu uma desagradável situação com o enquadramento e
remanejamento de docentes, porque, embora a nova matriz curricular tivesse sido
publicada no início do ano 2001, somente no último trimestre (desse mesmo ano) essa
decisão obteve sua culminância, com a intervenção dos representantes da SARE na 88 Grifo da autora. Nas palavras enfáticas de Pedro “os professores acompanhavam o planejamento, desenvolvimento, estratégias e sua efetiva aplicação nas turmas”. Atividade também comentada pela professora Felisberta como um diferencial do IECN. 89 Muitos professores acabaram apressando suas saídas, estimulados pela proposta de demissão voluntária do governo do estado na gestão de Marcelo Alencar (NUNES, 2002, p. 103). 90 Grifo meu para demonstrar a ênfase transmitida pelo professor ao pronunciar a palavra enlouqueceu.
escola. A equipe expôs publicamente para a comunidade educacional o quadro de
horários e os professores correspondentes, onde não caberiam as práticas
supervisionadas de estágios, tradição da escola (NUNES, 2002).
Este foi um fato recente que surge freqüentemente na fala de quem se dispõe a
comentar sobre as histórias vividas no IECN e sua insistência para manter o que
considerava/considera ser um Curso Normal de qualidade. Até porque, para quem vive a
realidade da escola, o curso “Normal é Vital”. É assim que se evidencia a ética da estética
expressa por Maffesoli (1999, p. 12) que em “suma o laço social torna-se emocional. Assim,
elabora-se um modo de ser (ethos) onde o que é experimentado com outros será primordial”.
Dessa forma, vai se estabelecendo a união e o companheirismo, tão essencias nos tempos
atuais, em que as palavras do professor abaixo expressam como ocorreu esse entendimento na
prática:
(...) o trabalho de resistência tem que partir de nós. Não temos que pensar que vai aparecer um salvador. Uma sociedade solidária só vai acontecer no dia em que nós professores tivermos assim identidade com nossos alunos, com a escola. Aí vai começar a mudar essa história, por nossas mãos, 1, 2, 3... todo mundo começa a se juntar e inicia a transformação, eu acho que é possível (PEDRO).
Por intermédio de informações obtidas com outros docentes, foi possível estabelecer a
característica interna à escola, ou numa expressão maffesoliana, o que torna o cimento do
grupo e revelado abaixo:
Pode haver divergências das mais diferentes formas, de tendência pedagógica, de vínculos partidários etc., mas quando o assunto é a defesa do IECN todos se unem, não há divisão quando a questão é a manutenção do Curso Normal (AUXILIADORA).
O “Curso Normal” faz unir sentimentos, trabalhos, desejos e perspectivas. Esse
entendimento faz lembrar o expresso por Morin (2003, p. 182), ao considerar que uma
“sociedade é produzida pelas interações entre indivíduos e essas interações produzem um todo
organizador que retroagem sobre os indivíduos para co-produzi-los enquanto indivíduos
humanos (...)”, mas que tenham consciência de que terão no meio do caminho algumas
pedras. No entanto, esse episódio descrito acima, relacionado à matriz curricular, não representou a primeira vez que o IECN mobilizaria a
comunidade educativa para fazer-se ouvir pelas autoridades da SEE. É possível ter acesso na biblioteca da escola a notícias publicadas
em jornais que fazem alusão aos protestos organizados em prol dos mais diversos tipos de melhorias da instituição, como no caso da
reportagem a seguir, que registrou a manifestação organizada contra a decisão de reduzir o número de funcionários de apóio:
Jornal “O Fluminense” de 26/05/1990.
Ao promover as passeatas, a comunidade escolar passa expor publicamente suas
reivindicações, tornando público, como a SEE vem tratando o lugar das práticas
educativas, diferentemente do que pensam e sentem os envolvidos internamente com o
IECN.
O movimento representa o verdadeiro sentido proposto pela sociologia
compreensiva, ao revelar que as lutas coletivas produzem uma união entre as partes,
deixando transparecer o ethos do lugar. Porém, sob o prisma da complexidade de Morin
(2001, p. 83), a história é composta de “ordem, desordem e organização. Obedece ao
mesmo tempo a determinismos e aos acasos em que surgem incessantemente o ‘barulho
e o furor’”.
Foi dessa forma, que ao iniciar a pesquisa no segundo semestre de 2004, encontro
um “Clélia Nanci” atordoado pela reforma de suas instalações91.
Por conta das obras, fez-se necessário improvisar o rodízio de turmas, causando
transtornos na rotina escolar, pois não havia salas suficientes para acomodar as 50
turmas por turno92. Havia, desta forma, a necessidade de intercalar as turmas durante
os dias da semana, medida que acarretava prejuízos para o pleno desenvolvimento dos
trabalhos escolares.
Corrobora com essa insatisfação, a reportagem exibida no dia 28 de janeiro de 2004,
pelo jornal “O São Gonçalo”, com o título “Ano novo, velhos problemas”. Na ocasião a
matéria jornalística enfatizava a situação vivida pela unidade de ensino, cuja saída foi
convocar a visita de um deputado estadual para, enfim, ser formalizada a denúncia contra a
lentidão nas obras de reforma da escola (foto 1). A intenção era buscar minimizar os
problemas antes do início do período letivo, pois havia dois anos que as obras estavam
91 É bom que se esclareça que faz parte do projeto da SEE restaurar fisicamente algumas escolas e o IECN está incluído nessa lista. A reforma inclui pintura geral, troca dos telhados e cobertura da quadra com isso a primeira impressão que tive da escola não foi muito boa. Ao iniciar a pesquisa, em 2004, havia entulhos expostos na frente da escola, na rua, muros pichados, barulho de obra, era uma imagem inusitada. 92 Os dados sobre a distribuição de turmas exclui o turno noturno que possui apenas 25 turmas.
paralisadas e os alunos corriam riscos de sofrerem acidentes, em virtude da quantidade de
entulho acumulado (foto 2).
(foto 1) (foto 2)
A denúncia surtiu efeito. Representantes da Secretaria compareceram à escola e
autorizaram a retomada das obras.
3.3 Caracterizando a escola
Até o presente momento foi apresentada a história inicial da instituição, as
dificuldades e alegrias, sua relação com o entorno da escola, as saídas que vem tomando para
lidar com as situações problemáticas do cotidiano, que, como bem enfatizou a professora
Felisberta, geralmente provém do poder público.
O intuito agora é apresentar/demonstrar o lado sombra da instituição, ao caracterizar o
espaço físico que comporta os movimentos das pessoas envolvidas com a dinâmica escolar.
Nos dirigiremos ao “Clélia Nanci” que está localizado à frente de uma grande praça, cujo
nome é o mesmo do bairro – Brasilândia –, sempre movimentada com uma multiplicidade de
expressões de grupo. É um ponto de encontro, onde os alunos conversam à sombra das
árvores, jogam, brincam no parquinho, cantam, fazem lanche e namoram. Há momentos,
entretanto, em que esse espaço democrático atrapalha o bom andamento dos trabalhos na
escola, música alta, a pressa em sair da sala para encontrar os colegas, o que faz a direção
considerar a praça um “problema”93.
93 Porque, apesar do movimento, esse espaço não conta com uma vigilância freqüente, não há guarita da polícia, tampouco ronda escolar. A associação de pais já mobilizou as autoridades públicas do município, no entanto, nenhuma medida foi tomada para tranqüilizar e resguardar os que precisam transitar na localidade.
A praça vista do portão escola. Vista da praça com a escola ao fundo. Atravessando uma estreita rua que separa a praça da escola, é possível entrarmos no
portão do IECN e apresentarmos seu espaço físico, suas turmas, seus docentes, suas práticas e
seus movimentos.
O IECN é composto de três complexos (prédios): (1) - a Educação Infantil fica em
uma área de salas térreas, com um lugar específico para recreação dos alunos; (2) - ao centro
do complexo, funciona o Ensino Fundamental, também com salas térreas, dispostas em um
longo corredor; e (3) - no prédio principal, com escadas de acesso para o primeiro e segundo
pisos de salas de aula, é onde funciona o Curso Normal (manhã e tarde) e Formação Geral
(noite), além de comportar o gabinete (é assim que se referem à sala da direção), biblioteca,
secretaria, recepção, mecanografia, o teleposto94, o laboratório de informática, o Grêmio
Estudantil e, por último, na parte externa, a quadra coberta para práticas esportivas.
A quadra e a lateral do prédio do IECN em novembro de 2005.
94 O Teleposto é ligado à comissão de Multimeios da Secretaria de Estado de Educação (SEE), cujas responsáveis procuram não limitar o trabalho à gravação, catalogação e empréstimos de fitas, mas também promovem oficinas pedagógicas diversas em parcerias com as professoras da própria escola e de outras.
Seu quadro de funcionários é constituído por 254 docentes e 63 técnicos administrativo para todos os cursos.
O IECN possui aproximadamente seis mil alunos distribuídos em 123 turmas que
compõem os três turnos da instituição, como mostra o quadro distributivo abaixo95:
TURMAS
Ensino Fundamental
TURNO
Educação Infantil Primeiro Segmento Segundo Segmento
Ensino Médio
Manhã 6 10 13 22 Tarde 6 10 13 22 Noite - - 5 13
Cerca de 80 professores atuam no Curso Normal. De acordo com informações do DP,
os profissionais possuem pelo menos uma pós-graduação latu senso. Desses, há cinco com
grau de Mestre. Os docentes que atuam com as disciplinas pedagógicas são os que acumulam
maior quantidade de especializações. Isso se dá principalmente porque os professores, na
maioria, são remanejados do primeiro segmento e buscam, através das especializações, o
enquadramento profissional.
No entanto, a experiência com as séries iniciais possibilita a esses profissionais
desenvolverem junto aos estudantes do curso uma prática que inclua uma percepção
totalizadora das etapas do processo de escolarização.
Quanto ao número de turmas, o Curso Normal está organizado, no ano de 2006, dessa
maneira:
TURMAS ETAPAS POR
SÉRIE Manhã Tarde Primeira 1001 a 1006 1007 a 1012 Segunda 2001 a 2006 2007 a 2012 Terceira 3001 a 3005 3006 a 3010 Quarta 4001 a 4005 4006 a 4010
A composição das turmas engloba em média 45 alunos por turma. O IECN atende a
uma clientela proveniente, principalmente, do município de São Gonçalo, mas também possui
alunos de outros municípios próximos, como é o caso de Niterói, Itaboraí, Maricá e da Ilha de
Paquetá. Até o ano de 2005, o ingresso no curso se dava através da matrícula feita por
telefone – 0800 – onde o aluno tinha a opção de escolher até cinco unidades de ensino que
95 Além das turmas regulares, há duas turmas do Projeto Acelera da SEE, destinado a jovens e adultos.
gostaria de estudar e, de acordo com a disponibilidade de vagas, o aluno era encaminhado
para uma das suas opções96.
Para composição das turmas de 2006, foi realizada em novembro do ano anterior
(2005) uma prova de caráter classificatório, para acesso ao Curso Normal. A informação foi
recebida com entusiasmo pelos docentes, que se queixavam do descaso das autoridades em
não terem um critério mínimo na realização das matrículas – bastava tão somente a ligações
telefônicas, onde era possível optar por um curso mesmo sem aptidão para exercê-lo,
simplesmente pelo fato da matrícula ter “caído” na escola.
O descontentamento que fica evidenciado no depoimento feito, a seguir, por uma das
professoras da instituição. Uma das coisas que prejudicou a escola pública foi o acesso da matrícula vir através da ligação do 0800, porque o aluno vem de tudo quanto é lado, ele vem de outros bairros, de outro município o que dificulta muito o trabalho. Todo o processo fica prejudicado, porque há dificuldade para chegar à escola e fazer os estágios. Acredito que a matrícula pelo 0800 abalou muito mais que o CNS. Abalou no sentido de qualidade da clientela, quem vinha antes era um pessoal mais selecionado. Vinham porque queriam mesmo, agora não tem prova de acesso. Tem aluno que pensa: vou fazer Curso Normal porque é o que tem! (TEREZINHA).
Essa era uma queixa recorrente na escola por parte do corpo docente e direção. A
preocupação com a formação do professor é parte inerente à dinâmica da escola, tanto que
está sendo desenvolvido ao longo do corrente ano, através da disciplina Prática de Ensino e
Iniciação à Pesquisa97, o projeto denominado “PERFIL”.
A disciplina acima citada tem a intenção de apresentar ao estudante a importância que
a pesquisa exerce no contexto educacional, bem como representa o retorno ao que era
proposto no início do século XX pelos educadores da Escola Nova de integrar a prática
escolar em conciliação com o processo investigativo, além de trazer um enriquecimento aos
estudantes. Através da pesquisa a escola poderá saber como estão seus ex-alunos, se estão ou
não no mercado de trabalho, se ingressaram ou não no ensino superior etc. É uma pesquisa
abrangente, porém relevante, pois dará o devido feedback para uma eventual atualização e
revisão de suas práticas cotidianas de aula.
A professora responsável por guiar o projeto explicou:
96 O número 0800 era a forma oficial de ingresso na escola, porém segundo dados recolhidos a partir do memorial realizado com os estudantes do curso normal, outras maneiras foram encontradas para conseguirem efetivar suas matrículas, uns optaram por recorrerem a políticos, outros recorreram à direção e ainda há os que se dirigiram a coordenadoria regional (Metropolitana II). 97 Prática de Ensino e Iniciação à Pesquisa é uma disciplina que compõe a grade curricular do Curso Normal.
O Projeto “PERFIL” se fundamenta em buscar dados sobre as características dos professores que atuam com a educação infantil no município de São Gonçalo. Identificar, dentre eles, quais foram formados pelo “Clélia Nanci” e como estão atuando na prática “real” da sala de aula. O apanhado visa organizar debates e reflexões para uma ação pedagógica mais eficaz, para a complementação curricular, partindo de dados específicos da região e tentando reduzir a dicotomia teoria/prática (LOURDES).
Os dados serão coletados pelos estudantes do terceiro ano, que, a partir da distribuição
por bairros, irão “cobrir” toda a região. “Lourdes” pretende fazer a apresentação dos trabalhos
na Semana da Normalista do corrente ano, em que, segundo a professora, é a ocasião
favorável para expor aos demais colegas e estudantes o PERFIL das escolas no município.
Esta iniciativa muito se aproxima do proposto pela autora abaixo que considera que:
(...) um curso de formação inicial poderá contribuir não apenas colocando à disposição dos alunos as pesquisas sobre a atividade docente escolar (...), mas procurando desenvolver com eles pesquisa da realidade escolar, com o objetivo de instrumentalizá-los para a atitude de pesquisar nas suas atividades docentes. Ou seja, trabalhando a pesquisa como princípio formativo98 na docência (PIMENTA, 1997, p. 11).
A valoração pela pesquisa é uma prática incentivada na escola, essa constatação faz
entender a freqüência de estudantes na biblioteca. Com um acervo 12.000 itens e uma
bibliotecária “formada”, faz elevar o conceito da instituição junto a SEE. Por esse fator, a
escola é considerada de luxo (VIGNOLI, 2003).
A biblioteca é movimentada, não somente para pesquisa, como é habitual nesse
espaço, mas freqüentemente são promovidos eventos e oficinas de artes, com programação
distinta para cada nível de ensino. Situa-se no segundo piso da escola entre o gabinete e o
auditório. É dividida em dois ambientes: um logo na entrada, aberto, com mesas e cadeiras,
paredes revestidas por mapas do município, prateleiras com trabalhos desenvolvidos nas
oficinas (origami, modelagem, histórias etc.); do outro lado, separado apenas por uma
divisória de vidro, está organizada uma sala de leitura, com sofás, almofadas e prateleiras com
livros de histórias e revistas em quadrinho. Esse ambiente também dispõe de um televisor e
algumas fitas de vídeo. Para Morin (2004, p. 50), a literatura “(...) faz-nos compreender o que
não compreendemos na vida comum”, enriquece nossa subjetividade e favorece a
compreensão humana.
98 Grifo da autora.
O estímulo à arte literária se tornou uma característica da escola. O professor “Daniel”,
que foi aluno na década de 70, relembrou:
O gosto pela leitura foi adquirido através dos estímulos recebidos das práticas desenvolvidas pela escola, participei de concursos de literatura, de atividades de declamação e hoje escrevo meus próprios livros de poesia (DANIEL).
Continuando a descrição do espaço, próximo à biblioteca fica o auditório, com
capacidade para cerca de 200 pessoas sentadas, o que é pequeno para abrigar o público
escolar. Aliás, essa é uma das reivindicações da comunidade discente e docente que
comungam da idéia em se constituir um espaço maior para as práticas coletivas. O auditório
possui um palco ao centro, nas laterais as coxias, ao fundo um piano. Esse espaço é utilizado
para apresentação de peças teatrais, desenvolvidas ou não por alunos da escola, para reuniões,
transmissão de filmes, palestras e exposições.
No entanto o que chama a atenção é a decoração composta por duas bandeiras, que
expressam o sentimento da escola ou pelo menos marcam através das imagens a mensagem
que desejam transmitir: ESPERANÇA e SOLIDARIEDADE. As imagens têm a característica
de fazer confluir em um contexto as configurações sócio-culturais inseridas no imaginário da
instituição.
Bandeiras que decoram o auditório.
Com um olhar estereoscópico, o estudo continuou conhecendo o IECN para tentar
compreender os vários momentos onde pequenos grupos, dentro do todo, se articulavam para
desenvolverem seus projetos, organizavam eventos, promoviam encontros e desenvolviam
aprendizagens. O desejo era perceber a proxemia dos componentes da escola, suas festas,
reuniões de conselhos de classe e intervalos para o cafezinho, porque esses momentos
poderiam trazer maiores referências sobre o espírito do grupo e por associação tentar entender
a estética da escola. Seguindo as orientações do autor:
(...) pode-se dizer que a estética, enquanto cultura dos sentimentos, simbolismos, ou para empregar uma expressão mais moderna, enquanto lógica comunicacional, assegura a conjunção de elementos até então separados (MAFFESOLI, 1999, p. 57).
Olhando, sentindo e tentando entender o grupo, fui registrando e, evidentemente,
sendo registrada. No primeiro conselho que participei, em dezembro de 2004, fiquei ao lado
da diretora que, com orgulho, informava quais dos seus atuais docentes, realizaram seu curso
de formação de professores no “Clélia Nanci” e até muitos deles seus ex-alunos, que a partir
de seus méritos99, integram atualmente o corpo docente da instituição.
Esse retorno dos ex-alunos, compondo grande parte do corpo docente do IECN, cria
uma imagem para a Diretora de ter na escola uma família, indicando dessa forma que o fato
de ser um ambiente com característica familiar faz fortalecer os laços, formando uma só
peça100, numa correspondência entendida por Maffesoli (1999, p. 96) como “‘familiarismo’,
para caracterizar muitas relações sociais contemporâneas. Tanto no que diz respeito às
culturas de empresas (...) quanto nos grupos afins”.
São muitos vínculos, muitos amigos, mas também há os que gostariam de ser o
patriarca ou matriarca dessa família. Há uma “luta” interna, que emerge de forma sutil. Não
chega a ser uma oposição cruel que inviabiliza a execução dos trabalhos, mas fica no campo
das divergências de idéias, que consegue ser manobrada, a partir da habilidade da gestão
atual.
Não apenas a direção é cobiçada, trabalhar no IECN é opção de muitos, como é o caso
abaixo:
Escolhi o IECN por ser a maior escola pública de São Gonçalo, eu acho que nesses pólos onde reúnem muita gente é mais fácil para você conhecer novas pessoas, pensamentos, saber das novidades antes de qualquer escola afastada, então você está perto desses locais é mais interessante (LUCAS).
Nesses encontros de conselho de classe era possível conhecer mais proximamente os
professores nas relações que estabelecem com os colegas de profissão, como também seu
envolvimento com o ensino. Foi possível identificar a preocupação dos professores com a
aprendizagem significativa dos alunos e com a qualidade do curso oferecido, como revelou a
professora abaixo:
99 Ao se referir ao mérito, se deseja expressar o fato de serem aprovados em concurso público, o que os possibilitou o ingresso na instituição. 100 Maffesoli (1999), apoiado nos estudos de Simmel utiliza a metáfora do vaso e sua alça acoplada, formando uma só peça, porem essa alça serve de suporte para o deslocamento e uma integração como o meio externo, tornando a peça com mobilidade.
(...) o tema central da equipe de professores do IECN é a qualidade do aluno que estão colocando no mercado de trabalho. A decisão de aprovar ou não o aluno sempre é discutida no conselho de classe, embora a palavra final acabe sendo da pessoa responsável pela disciplina que ministra e quem sabe da realidade dos estudantes. Mas priorizamos a qualidade do educador que irá trabalhar com as séries iniciais (TEREZINHA).
O trabalho pedagógico é reconhecido por todos, independentemente de ministrarem as
matérias “pedagógicas”. Esta constatação pôde ser percebida no depoimento do professor de
física que trabalha com as turmas do primeiro ano do Curso Normal:
Vejo as ex-alunas que estão no quarto ano e não percebo mais aquela menina que corria, gritava, talvez já estejam na busca do trabalho. Na verdade, todas elas têm o objetivo de trabalho, seja como professores ou em outras áreas, mas se nota uma responsabilidade! Por conta do trabalho de outros professores das disciplinas pedagógicas que trabalham os valores da sala de aula. Acho muito interessante o trabalho dos professores, elas vão amadurecendo. Trabalhei com o quarto com ciências físicas da natureza, era uma turma madura que não passa nem perto do que eram no primeiro ano (LUCAS).
O trabalho coletivo ganha corpo a partir das relações complementares, o que para
Morin (2003, p. 262) representa ser “o todo maior que as partes”, proporcionada pela
dinâmica organizadora das práticas pedagógicas onde não há hierarquias entre os professores,
todos se articulam em prol de uma totalidade que deve ser superior a cada uma dos membros
que a compõem.
Percebia que o conselho de classe não girava somente em torno da aprovação ou
reprovação do aluno, conversavam sobre professores e/ou alunos que estavam passando
dificuldades de saúde ou familiares, mudavam a seqüência das turmas para colaborar com
algum professor que precisa ausentar-se etc.
Nas participações nos conselhos de classe, tentava captar através dos gestos e palavras
a integração do grupo. Como resolviam seus impasses ante as questões relativas ao Curso
Normal? Como eles (professores) estavam sentindo e vendo o Curso Normal?
Além dos problemas habituais – alunos desmotivados, gravidez na adolescência,
licença médica de alunos e professores –, havia questões sobre água morna no bebedouro,
limpeza nos banheiros, barulho na quadra e da obra, todos os temas faziam parte da pauta, a
serem comentados na reunião.
Os profissionais mais antigos, como é o caso da “Terezinha”, que somando o tempo em
que estudou no IECN e agora como professora chega há quarenta anos, critica e opina de
forma a contribuir para o bom desenvolvimento dos trabalhos escolares. Com uma postura
segura ao expressar-se, enfatiza serem essas questões um empecilho para o bom desempenho
das práticas empreendidas no espaço do IECN. Mas não deixa de admitir que por trás desses
fatores há uma história:
(...) onde existe um corpo docente muito bem preparado e que prepara muito bem os alunos para o mercado de trabalho. A comunidade respeita a escola, apesar da gente (professor) que está aqui dentro há muito já vê que isso não é tão bom. Tem muita coisa que está se perdendo, tem muita coisa que poderia ser melhor, mas ainda a comunidade respeita e valoriza (TEREZINHA).
Algumas das críticas feitas pelos professores são referentes ao Estado do Rio de
Janeiro, mais precisamente a SEE, e de como ele vem tratando a escola pública. Por isso, as
falas aparecem com um tom de descontentamento frente às políticas empreendidas
principalmente no Curso Normal e a recente “ferida” provocada pela reformulação curricular
que ainda não foi totalmente cicatrizada.
No entanto, no ano de 2004, o Estado organizou um material pedagógico dirigido ao
Curso Normal, denominado de Reorientação Curricular101. São sugestões de trabalho para a
prática da sala de aula, a partir das novas diretrizes estabelecidas em 2001, onde a professora
“Terezinha” contribuiu elaborando dois artigos: um encaminhado à filosofia da educação e o
outro à educação infantil 102.
A sua participação causou descontentamento por parte da direção, que defende a volta
do antigo “modelo” de distribuição das disciplinas e organização dos estágios. Houve uma
discussão interna entre a professora e a diretora, provocada por opiniões divergentes em
relação à postura do Governo do Estado.
Mas, na visão da professora, foi a possibilidade de contribuir para o desenvolvimento
de um trabalho mais coerente com a realidade escolar e revelou:
Foi um prêmio fazer o artigo, foi quando a Secretaria deu voz e vez ao professor. O professor para escrever ele tinha que ter experiência da sala de aula foi uma coisa que não veio de fora, foi a prática pedagógica. Foi um prêmio depois de 27 anos de magistério. Pena que a Secretaria faz as coisas mas a continuidade dela é difícil. Como trabalhar a disciplina com a história do aluno, contextualizar com a vida atual e ter esperança ter uma visão de futuro. Esta era a proposta do projeto (TEREZINHA).
101 A Reorientação Curricular (2006) organizada pela SEE de forma a atender a orientação prevista na nova matriz curricular para o Curso Normal instituída pela Resolução SEE n°. 2.353. 102 Os temas citados compõem a Reorientação Curricular (2006) que têm como títulos respectivamente para a filosofia e educação infantil: O papel da disciplina história e filosofia da educação na formação de professores (p. 39-47); O papel da disciplina conhecimentos didáticos em educação infantil na formação de professores (p. 161-72).
A preocupação em fazer das ações desenvolvidas na escola relacionarem-se com as
práticas cotidianas faz parte do sentimento de outros professores, como o depoimento abaixo:
Precisamos construir uma escola mais prazerosa, talvez estejamos em defasagem em relação ao momento, uma escola mais próxima da informação. Nós ainda estamos no quadro, na fala, na aula expositiva.
Então, de repente, os novos tempos em que o computador, os jogos, são o que mais chamam atenção dos jovens, uma escola que também usasse desses recursos, não que isso fosse imperativo, mas buscar formas que possam atraí-los para o conhecimento (LUCAS).
Trago seu sentimento apenas para exemplificar o compromisso/sentimento dos
profissionais que atuam como docentes no curso normal, mas também o sentimento encontra
em Maffesoli (1999, p. 60) uma conformidade, porque há “portanto em cada elemento da
realidade social uma parte de sonho”, que cada um de nós carregamos e em alguns casos
podem virar símbolos de luta.
Foram registradas mais algumas reuniões de conselho de classe, nas quais o motivo
principal era organizar os diários103, resolver questões entre os estudantes, turmas e
professores, já que no IECN é permitida a participação dos representantes de turma nesses
encontros. Para Maffesoli (1999, p. 33), “todas as experiências, por menores que sejam,
participam de um ambiente geral, a partir do momento em que nos dediquemos a sublinhar
que os imaginários de diversas espécies irrigam em profundidade a vida societal”, dando o
sentido do estar-junto.
Mas também eram momentos de descontração, brincadeira, e sempre quando sobrava
uma “verba” organizavam um lanche para o grupo participante, regado a bolo, salgadinhos e
refrigerantes (tudo muito gostoso), tornando a responsabilidade da reunião de trabalho algo
agradável de ser conduzido.
Outra evidência registrada ao longo dos conselhos era104 a mudança de postura dos
representantes de turma, pois, no primeiro conselho do ano de 2005, eles iniciaram suas falas
fazendo referência à turma como se não fizessem parte do mesmo espaço. Neste momento,
entrou uma palavra coerente e decisiva do professor que, atento, observava a postura dos
alunos e interferiu:
103 No meio desses acontecimentos, o governo do Estado instituiu o sistema de notas on-line. Assim, os conceitos ficariam na rede para acesso pleno de todos, que não poderiam deixar para depois as soluções sobre as questões da avaliação, deveriam ser resolvidos no conselho, nada de trabalhos para entregar fora da data, alunos faltosos, tudo tinha que ser resolvido no prazo. Essas modificações causaram uma certa urgência e preocupação na direção e coordenação. Não era mais possível dar o jeitinho de passar um corretivo, uma vez lançada, a nota era irreversível. 104 Durante o período de observação acompanhei três conselhos: 4°/2004; 1°/2005 e 4°/2005.
Onde está a ética? A lealdade? A equipe? Vocês precisam se unir, vocês precisam ajudar uns aos outros, sem essa de dedo duro, vocês são colegas de classe. Precisam articular melhor suas idéias para uma formação mais consistente e com o intuito de produzirem bons frutos (PEDRO).
“Pedro” é engajado politicamente, por isso seu tom de voz ganha um estilo contundente
e, embora a frase fosse referente aos alunos, produziu um momento de reflexão nas demais
pessoas presentes na sala, podendo ser percebido pelo silêncio que se instalou no recinto. O
“clima” foi interrompido com a coordenadora solicitando a continuidade dos trabalhos. Esse
silêncio, para Maffesoli (1988), representa um lado astucioso para o homem conviver em
sociedade, é uma forma de contornar as situações delicadas, porém inevitáveis ao curso dos
dias.
Nesse período em que estive no IECN, pude acompanhar a ascensão de algumas
pessoas: coordenador que passou a diretor adjunto, professores que foram promovidos a
coordenadores, professores do ensino fundamental que foram incorporados ao curso e novos
professores que chegaram por concurso, que foram bem recebidos, adentrando
simpaticamente ao projeto maior da escola: o Curso Normal. A declaração abaixo revela esse
sentimento ao expor:
Pude escolher a escola na qual gostaria de trabalhar. Foi uma escolha feita de coração e tenho muita liberdade para trabalhar com meus alunos da forma que acho melhor. Com isso, conquistei muitos amigos nesses dez meses que espero durar a vida toda (EDWIGES).
Ficavam evidenciando alguns laços, que eram formados por se sentirem parte da
escola, como é o caso dos ex-alunos que se sentem unidos por laços de família; outros por se
identificarem com o Curso Normal e os que buscam no IECN a representatividade enquanto
escola pública.
Na hora do intervalo é uma conversa só, a sala dos professores, que é um ambiente
espaçoso, fica pequena frente ao número de professores que lá se reúnem diariamente. Mas
também é o momento de falar sério, transmitir recados, passar informativos do curso,
instruções relacionadas à dinâmica da prática docente e ainda este é também o momento de
compra e venda (de cosméticos a imóveis), comemoração de aniversários e trocas de
materiais (jornais, livros). Todas as experiências comuns conduzem ao caráter de
solidariedade, que, nas palavras de Freire (2004, p. 51) ganha o sentido de que quanto “maior
se foi tornando a solidariedade entre mente e mãos, tanto mais o suporte foi virando mundo e
a vida, existência105”. Na hora do intervalo também é o momento de fazer os comentários
sobre as festas, eventos da escola.
Uma dessas comemorações marcantes é o desfile cívico, acontecimento que se repete
há cada ano no dia 22 de setembro106.
Para esse dia há uma preparação prévia, ensaios da banda, distribuição de pelotões,
gravação do hino em CD em que os próprios estudantes são os intérpretes, confecção de
camisetas.
Dois pelotões chamam a atenção. O primeiro é dos professores que fazem o percurso
descontraidamente cumprimentando as pessoas que assistem ao desfile. Isso porque os
profissionais vestem literalmente a camisa da escola, com mensagens referentes ao amor que
sentem – Eu o IECN –, participam por uma adesão voluntária, diante da disponibilidade
de horários e da vontade que cada um tenha de integrar-se ao desfile. Pelo que pude ver,
muitos compartilham desse desejo, segundo o depoimento abaixo:
Ah, o desfile cívico do Clélia Nanci! Não há como não se emocionar. É de arrepiar! (CAROLINA);
O IECN não pode deixar de fazer a apresentação, o público espera pelo desfile mesmo que seja a última escola a se apresentar (DIRETORA);
O desfile é, para os membros da escola, um momento de demonstração pública do sentimento que possuem pela escola (GRAÇA).
O outro pelotão a atrair os olhares e aplausos é o que corresponde ao Curso Normal,
que antes mesmo de desfilar já chama atenção do público presente. Isso porque os alunos
contam com um grande número de participantes vestidos com o tradicional uniforme de
gala107, seguem concentrados, passos marcados, carregando bandeiras. A empolgação é
grande também porque há muitas pessoas envolvidas, são pais, parentes, amigos que vão
prestigiar o evento. Daí o público numeroso para vibrar pela escola e ajudar a cantar o hino
que é um destaque à parte, como pode ser observado logo a seguir:
HINO DO INSTITUTO DE EDUCAÇÃO CLÉLIA NANCI
105 Suporte, no texto de Freire (2004, p. 50) significa “espaço”, local onde está inserido e que serve de possibilidade de atuação e crescimento da relação com o sujeito e outras pessoas. 106 No dia 22 de setembro é quando se comemora o aniversário da cidade de São Gonçalo e algumas escolas desfilam. O desfile ocorre na via principal que atravessa o centro do município. 107 Meia ¾, blusa de mangas compridas, luvas, saia para as meninas e calça azul para os meninos.
(Heber de Boscoli Leal108)
Exaltamos o Clélia Nanci... Em São Gonçalo, o marco da Educação! Seja no ensino ou no esporte, o Instituto mantém a tradição! Seu corpo docente, exemplo de dedicação... A comunidade escolar, unida, cheia de motivação... Em cada canto, nas cidades, Ex-alunos, hoje grande professores, Plantando as sementes Em canteiros escolar, Fazendo brotar o amor. Cada elo é importante, Nessa corrente da educação. Por isso, o Instituto Clélia Nanci É referência, é amor, é união!
Este hino consegue expressar, nas poucas frases que o constitui, como é entendida a
escola pela comunidade. Entremeado por expressões com elo, amor, união, tradição, faz com
que, a partir desses elementos citados, perceba-se ser este um espaço que possui um corpo
docente exemplo de dedicação, tornando-se, em São Gonçalo, o marco da educação. Por isso,
o Instituto de Educação Clélia Nanci foi/é referência para a cidade.
Talvez a letra do hino por si só justificasse esse estudo ou merecesse uma maior
atenção, pois revela a imagem da escola, fazendo aludir o que Morin (2003) considera ser o
imprinting cultural que estabeleceu com o município, a marca indelével que lhe configura o
sentido de existir e de formar professores, nos fazendo lembrar os anos iniciais da escola
relatados pela professora Felisberta. Mas ainda é possível identificar o orgulho de ser formado
por essa instituição de ensino, o que na teoria da sociologia compreensiva seria o real sentido
do ser-estar-junto-com.
Pertencer ou ser formada pelo IECN ainda é motivo de orgulho, evidenciado no dia da
formatura, que ocorreu no dia 15 de dezembro de 2005, em um clube do município, local
escolhido devido ao excessivo número de formandos (foram oito turmas).
108 Inclusive, assim como os profissionais da escola, uma das pessoas facilmente vista no espaço do IECN é o autor do hino e presidente da associação de pais. Sua fala é um misto de entusiasmo e indignação, pois toma as “dores” da escola e acompanha os movimentos, as passeatas têm uma característica de político, sem de fato serem. Defende os interesses da escola, organiza movimentos, denuncia, mas também está presente nos momentos festivos.
As turmas estavam lindas, organizadas e enfileiradas. Os formando acompanhados de
seus respectivos padrinhos e madrinhas, as meninas com um buquê na mão como parte do rito
da formatura109. Muitos estudantes receberam o anel de grau, tudo dentro do script.
Porém, destaco para comentar a turma 4002, e mais especificamente um jovem rapaz
que, através dos seus esforços e méritos, alcançou seu objetivo de tornar-se professor em nível
médio. Este formando demonstrou para os colegas, professores e a todos que o
acompanharam ao longo desses anos, que sua deficiência visual não era imperativo para que
alcançasse seu sonho, ao contrário, foi possível perceber a integração com a turma que o
auxiliava no deslocamento do espaço físico do clube. Particularmente, fiquei sensibilizada
com sua “vitória” e com a escola, que soube realmente realizar a inclusão sem “usá-lo” como
baluarte ou referir-se ao aluno como exemplo, simplesmente era mais um dos 6.000
estudantes que precisam ser respeitados.
Também na formatura, além dos jovens futuros professores realizarem o devido ritual
do juramento, quanto à responsabilidade que irão assumir na profissão, um momento que
surpreendeu foi o pedido feito pela Diretora. Ela solicitou que os professores que lá se
encontravam, que foram alunos do IECN e hoje são funcionários da escola, também se
dirigissem ao palco em simetria com os formandos, estendessem o braço direito e
pronunciassem os votos, reafirmando seus compromissos de respeito e comprometimento com
a educação. A confirmação, ou como no caso re-confirmação, cria no imaginário dos
professores e de todos os presentes o vínculo de pertencimento, que, segundo Teixeira (1999,
p. 101), “cumpre o papel fundador em mediar a relação do homem com o mundo, (...)
permite-nos compreender melhor as práticas educativas que neles se enraízam”.
Ratificar os compromissos com a educação, fazer lembrar a memória do IECN, são
marcas freqüentemente na escola. Além de mobilizar o aluno a participar, um outro propósito
é transmitir a história da escola, que não se fez de um dia para o outro. Há uma trajetória
vivida, há lutas vencidas e a batalhas a vencer cotidianamente, por isso precisam de aliados
conscientes da força que tem um grupo unido e bem informado sobre todos os aspectos da
educação e do IECN. Uma das preocupações atuais da coordenação do Curso Normal é reviver as tradições das antigas práticas dos Institutos de Educação.
Estão programando para esse ano de 2006, tornar o rito de troca das estrelas um evento com maior ênfase, assim como dão o devido
valor a Semana da Normalista, comemoração que nunca deixou de acontecer mesmo quando o Curso Normal foi enquadrado às demais
formações técnicas. Ao contrário, era/é um período de grande efervescência de projetos, como foi o caso do Autogoverno, relatado pela
professora Felisberta, bem como será o período destinado à culminância do projeto “PERFIL”, relatado anteriormente.
109 Segundo Balandier (1997, p. 33), “é graças ao rito que o indivíduo se torna um homem social”, representando um fator de reconstrução e coesão.
A Semana da Normalista é pensada desde o início do ano letivo, quando os
professores apresentam seus projetos à coordenação sobre o que pretendem abordar. O
planejamento já é definido antes de começarem as aulas, tamanha a importância que o IECN
concede ao evento. É nele que ocorre a culminância dos trabalhos propostos e desenvolvidos
durante o ano.
Apresentação da banda no IECN em 07/11/2005,
marcou o início das Comemorações da Semana da Normalista.
A última edição ocorreu entre os dias 07 e 11 de novembro de 2005. Há vários
movimentos concomitantes, atividades no auditório, nas salas de aula, no pátio etc. Enfim, é
uma diversidade de expressões culturais, todas envolvendo a participação dos alunos. Cito,
resumidamente, algumas ações desenvolvidas:
chás beneficentes para pessoas da terceira idade; gincana solidária: arrecadação
de roupas e sapatos110; exposição e esclarecimento sobre doenças sexualmente
transmissíveis e conscientização por uma alimentação mais saudável, duas
atividades realizadas por jovens para jovens, que contava com a supervisão do
professor; oficinas com sucatas; declamação de poesia e dramatização de
textos; aplicação de flúor nas turmas de educação infantil pelos estudantes do
quarto ano111; apresentação de grupos de dança, encenação de peça teatral e
narração de histórias; oficinas de bolas, de jogos matemáticos e origami; e
esclarecimento: gestação na adolescência.
110 Projeto desenvolvido pela professora “Quitéria”, para posterior doação nas comunidades do município menos favorecidas. 111 O trabalho apresentado tinha o acompanhamento da professora de Biologia que foi estudante de odontologia, o que a capacitou a orientar os estudantes no projeto de higiene bucal.
Essas experiências constituem um revigoramento das práticas coletivas, são
movimentos instituintes, alimentam-se, como esclarece Linhares (2002, p. 108), do “trânsito
incessantes de religação entre o passado e futuro, entre diferentes esferas de atuação humana,
entre afetos e produções de linguagem, saberes e conhecimentos materializados nos
intercâmbios produzidos pela vida”.
Ocorreram duas palestras (com palestrantes convidados) inseridas em temas atuais e
polêmicos, que versavam sobre:
Os professores e a produção do corpo educado: como a escola trata a questão
da disciplina. Palestrante: Rubia-Mar Nunes (Doutoranda da UFF);
A criança e a hiperatividade: como reconhecer e aprender a relacionar-se.
Palestrante: Carlos Alberto Miranda (Mestre em Traumatorpedia).
Para fechar, no último dia do evento, foi organizada uma mesa redonda cujo tema
norteador era O Resgate da Memória do Curso Normal do IECN. A mesa era composta por
ex-alunos (atualmente professores) de cada década da escola: 1960, 1970, 1980, 1990, 2004 e
incluíram uma formada de 2005, que ainda não passou pelo ritual da formatura, porém já está
atuando como professora. A importância do momento estava em demonstrar a relevância da
instituição através de sua memória, ato que encontra perfeita sintonia em Nunes (2000, p. 91)
ao considerar ser necessário “ter consciência da importância de cultivar a memória das
instituições em que trabalhamos e de resgatar o sentimento de orgulho do exercício
profissional e de instituições que o reforcem”.
Nessa ocasião, a professora Felisberta foi apresentada como a “pérola da mesa”, como
revelado no início do capítulo. Pérola, em Chevalier e Gheerbrant (2005, p. 711), representa o
símbolo “lunar, ligado à água e à mulher (...). Nascida das águas ou nascida da Lua,
encontrada em uma concha, a pérola representa o princípio (...) ela é o símbolo essencial da
feminilidade criativa”. A interpretação simbólica apresentada pelo dicionário de símbolos
aproxima-se do sentido dado pelo mediador do evento ao considerá-la “pérola da mesa”. Pela
história revelada neste capítulo pode-se entender que sua trajetória institucional representou,
junto com os demais companheiros de trabalho, o princípio criativo da escola.
Retornando ao evento sobre a memória do “Clélia Nanci”, a professora Felisberta foi
aplaudidíssima pelo público presente. Lembrou de fatos que marcaram seu caminho na
instituição, evidenciou o que considerava importante de ser desenvolvido em um curso de
formação de professores e deixou uma linda mensagem final. Foi duplamente emocionante
sua participação, pois pude comprovar e in loco o carinho que tem pela escola e a escola para
com ela.
Felisberta, ao começar seu relato sobre sua trajetória no IECN, logo comentou o
número de meninos realizando o Curso Normal, fato que era raríssimo de ser verificado em
seu tempo. Foi aí que usando seu lado “político” os empolgou, ao confessar ser “flamenguista
doente!”. Os estudantes adoraram, aplaudiram, levantaram cartazes e a equipe organizadora
agradeceu inúmeras vezes a sua participação. Fundamentou suas palavras na relação teoria ↔
prática, incentivando os jovens à pesquisa, uma característica que deve estar presente na
prática docente, porque segundo ela:
O professor já tem em si uma situação favorável, então tem que ser formado já com esse olhar. Eu acho que a questão salarial é importante, mas não basta, o professor precisa se sentir valorizado pela sociedade. Professor tem que ser alguém que goste de ler, e que goste de ser humano (FELISBERTA).
Como foi a última palestrante a se pronunciar, pelo grau de importância que
representava naquele momento do evento, em sua fala conclusiva a professora Felisberta
deixou uma mensagem para todos que lá estavam. Respaldada por uma sensibilidade
exacerbada e consciente da responsabilidade que cada educador cumula, salientou:
Nós só podemos construir o saber da relação teoria e prática, através da ação, reflexão e ação. A gente tem sempre que lembrar da figura do Paulo Freire. Muitas vezes passamos por situações difíceis, não só particulares como coletivos, sacrifícios. Mas Paulo Freire dizia o seguinte: “que a desesperança ela é acidental, ela é passageira na vida do ser humano, o que alimenta o homem, a mulher, o que alimenta a humanidade, é a esperança, a utopia, a vontade de construir cada vez mais e eu espero que vocês construam cada vez mais...” (FELISBERTA).
Na ocasião de nossa entrevista para a composição da primeira parte desse capítulo,
retomei sua participação no IECN e pedi a ela que tecesse sua impressão sobre o encontro.
Ela, gentilmente, sintetizou da seguinte maneira:
Eu senti um entusiasmo, eu fiquei contente quando fui lanchar com os professores, cada um dentro do seu jeito de ser. Eu achei o espírito dos professores melhor que de outras escolas que eu tenho observado. No IECN, eles têm orgulho da escola.
Eu senti vibração que os alunos estão interessados eles vibram, minha filha foi dar aula lá, momento de crise, foi no tempo da Marielza como diretora, mas mesmo assim ela disse que as normalistas eram de um maior entusiasmo com a escola (FELISBERTA).
Ainda desejei saber mais especificamente sobre o Curso Normal e o que pensa sobre esta modalidade de ensino; como percebe o IECN
no contexto de São Gonçalo; e a professora respondeu que:
(...) acredito que o Curso Normal de nível médio não vai acabar, como não acabou. Foi uma medida benéfica do Cristovam Buarque, foi o que ele fez de bom no governo dele, tem que ser um processo e tem que ter mais clareza e definições do próprio poder público. Eu faço uma imagem do Sol brilhando (FELISBERTA).
É com a imagem do “Sol”, expressa pela professora Felisberta Trindade Jardim, que
finalizo a história e descrição do espaço do IECN. O Sol que em Chevalier e Gheerbrant
(2005, p. 836) representa ser a “árvore da vida”. É sob essa representatividade que passo para
o próximo capítulo sobre o que pensam os professores que lá estão hoje, atuando com o Curso
Normal, trazendo como suporte das heurísticas da pesquisa a representação dos seus textos e
imagens.
4. EXPRESSÕES: RELATOS E IMAGENS DOS PROFESSORES DO IECN
Este último capítulo apresenta textos e imagens como elementos suscetíveis de análise
para que possa ser possível a Produção de Sentidos do Curso Normal no espaço do Instituto
de Educação Clélia Nanci. Vários poderiam ser os autores/personagens participantes do
cenário investigativo – estudantes, coordenadores, pais/responsáveis –, porém os docentes
foram escolhidos com o ponto de escuta e coleta de dados. Suas vivências, sentimentos,
expressões escritas e representativas de imagens serão contempladas ao ressaltarem a
especificidade do Curso Normal do IECN.
A Produção de Sentidos do Curso Normal buscou apreender através das expressões
textuais e de imagens como pensam, sentem e agem os docentes, utilizando para isto suas
memórias profissionais, uma vez que estas se entrelaçam com a vida institucional. Nunes
(2003, p. 44) declara não “se tratar de repetir um estado vivido, mas fazê-lo emergir como
‘reaparição’ para si mesmo, para olhos e ouvidos atentos. É um lampejo que atravessa a
nostalgia, a revolta, a indignação ou resignação, o julgamento, para elaborar a experiência
(...)”.
A pesquisa buscou ressaltar os fatos suscetíveis à sensibilidade dos participantes de
forma a alcançar os objetivos propostos: identificar como a escola enfrenta as medidas postas
pelas políticas educacionais; compreender os sentimentos que ligam os professores ao IECN,
apreender que a imagem os docentes possuem da escola no contexto do município de São
Gonçalo; entender as práticas docentes no Curso Normal; e perceber os sentimentos dos
estudantes, sob a ótica dos professores. Para tal foram realizadas as seguintes heurísticas:
• Expressões de imagens e simbolismos através da dinâmica “Eu e o Clélia Nanci”; e
• um questionário investigativo composto de nove questões.
4.1 Expressão textual
Embora, na organização do capítulo, os questionários estejam apresentados à frente
das imagens, é preciso registrar que este instrumento investigativo foi sugerido
posteriormente aos professores registrarem suas imagens. Isto porque, no conselho de classe
ministrado nos dias 14 e 15 de dezembro de 2005, os docentes realizaram a seleção da
imagem e, a partir de então, passaram a ser considerados sujeitos participantes do
questionário.
Este instrumento foi distribuído a quinze professores do Curso Normal, sistematizados
e apresentados a seguir. Deste grupo, onze professores retornaram com o questionário
preenchido, o qual continha as seguintes questões:
1. Como você entende a prática dos docentes nessa instituição?
2. O que significa ser professor do IECN? Comente por favor:
3. Como você, professor, percebe o sentimento dos estudantes em relação ao IECN?
4. Na sua trajetória de professor, que marcas foram para você positivas e/ou negativas?
5. Você percebe que o corpo docente desenvolve práticas solidárias? Caso haja, cite
exemplos dessas práticas:
6. O que te liga ao IECN?
7. Qual momento vivido nesta instituição considera ter sido: Agradáveis e Difíceis.
8. Como você percebe as mudanças na instituição a partir das mais recentes políticas
educacionais?
9. Como você entende a presença do IECN no município de São Gonçalo?
Os professores participantes levaram o questionário para casa e o trouxeram em outro
dia, pois seu preenchimento requeria dois fatores de extrema importância: tempo e atenção.
Diante dessa possibilidade, houve professor que esqueceu de responder e pediu outra folha
logo assim que me viu na escola; um que além de digitar as respostas, a entregou em minha
casa e uma participante que auxiliou no recolhimento dos questionários, guardando-os no
IECN.
Essa atenção com a pesquisa também foi percebida no oferecimento de números de
telefones que os professores disponibilizaram, para caso houvesse necessidade de um
esclarecimento mais aprofundado sobre alguma resposta. Esses são dados que, embora não
façam parte direta da pesquisa, representam os “bastidores” da elaboração de nosso estudo.
Os professores, ao iniciarem o preenchimento do questionário, registraram qual
disciplina ministram ou função que desempenham no IECN, o tempo de docência e o período
que atuam na instituição.
Com relação à disposição dos participantes, foram organizados por ordem alfabética,
de acordo com a disciplina que ministram ou cargo que ocupam na instituição.
Considerando esses itens o quadro ficou assim distribuído:
DISCIPLINA OU CARGO RESPONSÁVEL TEMPO DE DOCÊNCIA
(anos)
TEMPO NO IECN
(anos) BIOLOGIA 7 1 COORDENADORA DO CURSO NORMAL 19 3 FILOSOFIA 29 10 GEOGRAFIA 10 6 HISTÓRIA 17 7 LÍNGUA PORTUGUESA 31 27 LÍNGUA PORTUGUESA 24 16 MATEMÁTICA 7 1 PRÁTICAS PEDAGÓGICAS 22 18 PRÁTICAS PEDAGÓGICAS 18 10
PROJETO DE PESQUISA E INICIAÇÃO A PESQUISA 21 12
Através do quadro acima é possível perceber que houve variedade de participantes em
todos os critérios. A diversidade favoreceu a ampla abordagem dos itens a serem respondidos,
pois vão desde os profissionais com maior tempo no exercício do magistério aos que estão
menos tempo no IECN.
Os professores não se restringiram unicamente aos que ministram matérias específicas
do Curso Normal, houve participação de profissionais das diversas licenciaturas que
compõem a grade curricular do curso, porque o único critério a ser cogitado nessa pesquisa
foi a adesão voluntária por parte dos docentes. Esta diversidade de olhares conduz a uma
percepção complexa, cujos elementos correspondem uns com os outros, na constatação óbvia
da pluralidade que compõe a vida e como tal está submetida à escola.
Um outro fator diagnosticado foi que, dentre onze professores, quatro passaram pela
experiência de viver o período de formação docente no IECN, fato que remeteu em alguns
momentos a estabelecerem uma relação com a história vivida/sentidas por eles, enquanto
alunos.
A partir dos temas respondidos pelos docentes, foram observadas as tendências e as
maiores similaridades de respostas, possibilitando organizar categorias de análises,
construídas a partir da correlação: quantidade de respostas apresentadas e essência textual de
informação dos participantes.
Antes de tratar das respostas dos questionários, faz-se necessário esclarecer que as
identidades dos participantes foram preservadas e seus nomes substituídos por outros. Sendo
assim, traremos para dialogar, além dos teóricos que auxiliaram no direcionamento do olhar
para que fosse melhor compreendido o cenário da pesquisa, onze professores que, no
contexto, tornaram-se autores/personagens da Produção de Sentidos do Curso Normal que
passaram a ser nomeados de: “Ana”, “Ângela”, “Auxiliadora”, “Bárbara”, “Carolina”,
“Catarina”, “Daniel”, “Glória”, “Inês”, “Lúcia” e “Luzia”.
Questão 1: Como você entende a prática dos docentes nessa instituição?
Categorias Professores
COMPROMETIDA, OTIMISTA E DIVERSIFICADA 6
DESÂNIMO, DIVERGÊNCIAS 5
Na primeira questão, o objetivo era perceber, por parte dos professores, uma visão
sobre a totalidade da escola e qual a percepção que possuem sobre a prática docente que
impulsiona a dinâmica do Curso Normal. De acordo com Sacristán (1999, p. 68), “é muito
importante analisar o significado da prática educativa e compreender as suas conseqüências
no plano de formação de professores e do estatuto da profissão docente”.
Ao interpretar as respostas foi possível identificar duas tendências distintas e
proporcionalmente distribuídas. Em um grupo houve enfoque para as expressões de:
“otimismo”; “práticas diversificadas”; “qualificação dos profissionais”, como características
marcantes da prática docente do IECN.
(...) nesta instituição escolar um grande comprometimento com a educação e isto se reflete nas práticas dos professores observo práticas diversificadas, onde o objetivo maior é a formação cidadã dos alunos (CATARINA);
(...) uma prática que avança para atender as mudanças na sociedade, apesar das dificuldades (LUZIA);
(...) professores têm total liberdade de trabalho. Devido ao grande número de docentes e aos tempos de experiência de cada professor, práticas tradicionais e modernas convivem juntas (ANA).
A preocupação em ter uma prática educativa em conformidade com as tendências
atuais não poderia ser diferente já que o curso passou recentemente pela reformulação
curricular, conforme apresentado no capítulo anterior112. Embora haja uma regra a ser
seguida, instituída pela SEE, diante do observado nas respostas pode-se destacar que os
docentes buscam, através das constantes atualizações, enriquecerem suas atuações de forma a
possibilitar mudanças qualitativas nas práticas educativas.
Em um outro grupo de respostas, os autores/personagens demonstraram uma visão
crítica, mas dentre estes há os que se sentem desanimados por enfrentarem diversas vezes
112 A Reformulação Curricular foi instituída pela Resolução SEE n°. 2.353, publicada no Diário Oficial de 2 de janeiro de 2001.
problemas referentes às medidas impostas pelo Governo e existe ainda um outro grupo que
apontou existir práticas internas divergentes:
(...) desde a manutenção da escola até a falta de pessoa (CAROLINA);
Esperançosos, conscientes e dispostos a impulsionar uma mudança qualitativa no quadro educacional, mas por vezes os professores ficam cansados, frustrados financeiramente e pedagogicamente (INÊS);
Nem sempre é muito harmonioso, porque o IECN é uma escola grande e agrupa muitos professores, que trazem consigo histórias pessoais distintas (AUXILIADORA).
No entanto, para um estudo que tem como base epistemológica o paradigma da
complexidade e a sociologia compreensiva, reconhecer os aspectos antagonistas e divergentes
no cotidiano da escola faz transparecer a realidade das práticas vividas no IECN, tornando-as
perceptíveis através de um cenário repleto de sensações, rostos e formas que ora distanciam-
se e ora complementam-se, numa evidente demonstração do unitas multiplex.
Mas, das considerações apresentadas nesta questão, foi a partir de “Ângela” que veio a
compreensão de que a prática docente “se apresenta, por vezes, com um certo desânimo e em
outras, parece renascer das cinzas um animo pedagógico”. Este relato fez emergir o
simbolismo da fênix113.
De acordo com Chevalier e Gheerbrant (2005, p. 422), fênix representa a
“longevidade, ressurreição, imortalidade e o reaparecimento cíclico. Fênix macho é o símbolo
da felicidade e a fênix fêmea é o emblema da rainha”. Juntos, macho e fêmea, representam o
casamento feliz das relações de práticas diversificadas que dão a configuração do trabalho
executado. Parece ser esse o “reaparecimento cíclico” que, na realidade, move o IECN. Isso
porque a instituição procura, através de seus estudantes e professores, expurgar o desânimo e
levar adiante o projeto de escola apresentado por “Graça”, “voltado para o conhecimento, a
formação de valores que representem o crescimento do aluno como cidadão”, para manter a
longevidade do Curso Normal no contexto sócio-educacional.
O otimismo trazido por “Graça” encontra em Maffesoli (2005, p. 14) a constatação
que o convívio social “não há de ser unicamente um ‘problema’ mas sim uma plataforma a
partir da qual vai elaborar-se um exercício de pensamento que responda, da melhor maneira
possível as audaciosas contradições” de uma escola em movimento. 113 Fênix, na interpretação de Chevalier e Gheerbrant (2005, p. 423), representa uma ave fabulosa que, segundo a tradição egípcia, durava muitos séculos e, queimada, renascia das próprias cinzas.
Questão 2: O que significa ser professor do IECN? Comente por favor:
Categorias Professores
COMPROMETIMENTO, DINAMISMO E QUALIFICAÇÃO 8 VÍNCULO AFETIVO 3
FRUSTRAÇÃO 2
Coerente com a primeira questão do questionário, os docentes consideraram o
“comprometimento”, “dinamismo” e “qualificação” como síntese de ser professor no IECN.
Basicamente, estes três temas definem o expresso nas respostas, porém não eliminam o fator
“orgulho” de fazer parte da escola, elemento que deixa transparecer os sentidos/sentimentos
envolvimentos nessa convivência, como relatado ao exporem o significado de ser professor no
IECN.
(...) crescimento profissional, já que aqui trabalham profissionais que estão sempre se atualizando e dispostos a trocarem experiências (CAROLINA);
(...) trabalhar numa instituição tradicional na educação de grande importância no município de São Gonçalo, com pessoas de alto nível voltadas para o pensamento único de formação do aluno (GRAÇA).
“Escola tradicional”, esse é o motivo de “orgulho”. Sobre instituição tradicional,
Balandier (1997) classifica em três os tipos de tradicionalismo: (1) o fundamental: que visa à
manutenção de valores (conservador dos códigos culturais); (2) o formal: acompanha o
movimento sempre preservando uma relação com o passado (estabelece uma continuidade de
aparência); e o (3) pseudotradicionalismo: permite dar um sentido ao novo, exprime uma
ordem que nasce da desordem, é uma tradição reelaborada.
Esta última classificação sobre tradicionalismo parece ser o caso da escola, onde há
uma complementaridade com “as práticas diversificadas”, as quais concedem um aspecto
moderno ao tradicional Curso Normal. Assim a pesquisa constatou duas características de
atuação docente: a primeira evidencia a vocação de ser professor e a outra vem ligada à
história da instituição.
(...) amar a educação, ser um sonhador e ter comprometimento (CATARINA);
(...) história da escola e da função social que ela ainda possui para o município, além de ter sido a escola de formação de muito de nós, é inevitável sentir não orgulho de fazer parte deste grupo (AUXILIADORA).
Todos os depoimentos acima encontram em Maffesoli (1988, p. 65) o significado de
que “não se trata de invocar os ‘bons e velhos tempos’, em que era bom viver – mas de
constatar que a existência individual e a coletiva permanecem, num e noutro casos, sempre
ambivalentes consistindo numa mistura de intensidade e banalidade (...)”. No entanto, ao se
reportar à trajetória histórica do IECN, encontraremos nos depoimentos feitos anteriormente
pela professora Felisberta uma identificação com o presente. Conforme as suas memórias, a
escola já nasceu “dentro de uma visão pedagógica melhor construída”. Daí provém a devida
conscientização que veio, progressivamente, ao longo dos anos, marcando a
representatividade da escola na formação de professores de nível médio.
Se no primeiro segmento de depoimentos a evidência foi para a qualidade do
profissional de ensino enquanto: “comprometido”, “dinâmico” e “qualificado”, em um outro
grupo a abordagem consistiu em ressaltar os “vínculos afetivos” como representantes de “ser
professor no IECN”. Dos três depoimentos que compõem esta categoria, destaco em especial
o de “Daniel”, o qual comento:
Ser professor significa ter uma ligação uterina com a escola. Obrigado a atuar com múltiplas funções, o professor do IECN vive quase uma vida paralela na escola. Para o bem ou para o mal, não há como não ser intensa a existência no colégio (DANIEL).
A resposta de “Daniel” mostrou que, além dos vínculos profissionais, o professor
mantém uma “ligação uterina” com o IECN, o que equivale a “filho” e “mãe” institucional.
Na interpretação de Chevalier e Gheerbrant (2005, p. 580) “mãe” “representa o conjunto das
possibilidades contidas dentro de um determinado estado de existência”. É o lugar onde
nasceu a vontade de atuar como docente e cresce o compromisso com a educação. Maffesoli
(1999, p. 138) considera ser essa a “lógica da identificação que envolve as várias faces
constitutivas do homem e dentre elas há o afetual que o move a estabelecer os laços de
convívio”.
O vínculo afetual representa o estímulo de continuar a trajetória docente, embora haja
frustração, como contou “Inês” ao expor que provém em parte de “não disporem de recursos
materiais e não possuírem uma ‘clientela’ mais interessada e consciente de suas escolhas”. A
angústia demonstrada por “Inês” surge em forma de denúncias. Por ter sido aluna da escola e
hoje atuar como docente no Curso Normal, tenta “resgatar o sentimento dos alunos”, numa
perspectiva de “cuidado” com a formação dos futuros professores, que faz reforçar a imagem
matricial com os vínculos institucionais.
Nesse sentido, Morin (2001, p. 28) chama atenção para o “imprinting cultural que
marca os humanos desde o nascimento, primeiro como o selo da cultura familiar, da escola
em seguida, depois prossegue na universidade ou na vida profissional”, colocando em
evidência o papel socializador da instituição.
Questão 3: Como você, professor, percebe o sentimento dos estudantes em relação ao IECN?
Categorias Professores
ORGULHOSOS 8 DESVINCULADOS 4
AFETUOSOS 3
Para os professores, os estudantes mantêm três tipos de atitudes/sentimentos em
relação à escola. Entretanto, dois professores acrescentaram às suas respostas que alguns se
sentem desvinculados do envolvimento com o IECN, o que faz ampliar o quantitativo no total
do quadro correspondente à questão 3.
Em seis depoimentos foi ressaltado o sentimento de “orgulho” de pertencimento, no
mesmo sentido trazido abaixo:
(...) os estudantes expressam um sentimento de orgulho em poder estudar no IECN devido à dificuldade em se conseguir uma vaga para estudar nesta unidade escolar e também pela tradição de ensino da escola (ANA).
As respostas encontram sua justificativa nos primeiros anos de funcionamento da
escola, quando “puderam contar com coordenares de alto nível pedagógico”, proposição
verificada no histórico da escola que foi devidamente revelado pela professora Felisberta no
capítulo anterior.
Corroborando com Maffesoli (1999, p. 147) ao explicar ser “em torno dessa imagem
fundadora que as diversas comunidades se agregam”, a declaração encontra ressonância em
Freire (2004, p. 92), ao transmitir que “o clima de respeito que nasce da relação justas, sérias,
humildes, generosas, em que a autoridade docente e as liberdades dos alunos se assumem
eticamente, autentica o caráter formador do espaço pedagógico”.
Os autores, embora distintos em sua base teórica, possuem a sensibilidade de perceber
que os estudantes vão construindo no decorrer do curso uma identificação com a escola, que
representa, por sua vez, o fortalecimento dos elos de amizade e de pertencimento ao espaço
institucional. A experiência partilhada produz um caráter de solidariedade e pode ser
entendida como cimento coletivo do IECN, trazendo a percepção da estética do lugar a partir
dos laços de convívio.
Por isso, mais uma vez Maffesoli (1984, p. 52) destaca que o “hedonismo de todo dia
necessita de um território para se exprimir e desabrochar”. É nesse espaço que os
sujeitos/estudantes se abrem para a vida, pois, como comentado abaixo:
(...) os alunos sentem-se orgulhosos de estudar aqui. Muitos vivenciam situações que nunca tiveram oportunidade junto à família, como, por exemplo, participar de passeios em outras cidades (CAROLINA).
É a proxemia dos encontros, estimulando o interesse de ser-estar-junto-com o IECN.
Mas, se para alguns a consciência pelo espaço é algo gratificante, outros, no entanto, são
interpretados com desvinculados, tornando as relações distanciadas e vazias de sentimentos.
Esta evidência tornou explícito o desejo expresso pelos autores/personagens, através dos
questionários, em buscar estimular nos estudantes o compromisso com a educação, tornando-
se parte dessa história, que é construída coletivamente. E lamentam que:
Os alunos não preservam o patrimônio físico da escola, não sabem nada da sua história (ÂNGELA);
O aluno de hoje tem ligação superficial com a escola. A escola não é mais um espaço de “prazer em estar”, mas antes uma obrigação que se tem a cumprir (DANIEL).
O “prazer em estar”, indicativo de desejo, vontade de construir algo em comum,
encontra semelhança como a teorização exposta por Morin (2004, p. 101) ao revelar que o
exercício educacional “exige algo que não é mencionado em nenhum manual, mas que Platão
já havia acusado como condição indispensável a todo ensino: o Eros que é a um só tempo
desejo, prazer e amor; desejo e prazer”.
Fazer com que os estudantes tenham “prazer em estar” na escola é uma proposta que
exige o acreditar, querer e ter a tarefa constante da sensibilização no trabalho pedagógico,
como registra Freire (2004, p. 97) ao evidenciar que espaço escolar é um
Texto para ser constantemente “lido”, interpretado, “escrito” e “reescrito”. Neste sentido, quanto mais solidariedade exista entre o educador e educandos no “trato” deste espaço, tanto mais possibilidades de aprendizagem democrática se abrem na escola.
Dessa conscientização será possível obter o que foi revelado por “Bárbara” ao
constatar que “geralmente os estudantes quando chegam no quarto ano normal já começam a
sentir saudades da escola”.
Questão 4: Na sua trajetória de professor, que marcas foram para você positivas e/ou negativas?
Positivas: Categorias
ProfessoresTROCAS 6
SONHO ALCANÇADO 2 SOMENTE POSITIVA 2
NÃO RESPONDEU 1
Foi observado que apenas o fato de ser professor no IECN já representa um ponto
positivo.
Os autores/personagens do texto consideram ser a realização de um sonho, como se
encontra muito bem demonstrado no relato abaixo:
(...) é muito positivo fazer parte de um meio que eu admirava e desejava pertencer desde que era aluna; saber que muitos procuram evoluir considerando seus professores como exemplo e contribuir para a formação dos alunos (INÊS).
No depoimento há um misto de carinho, amor, pertencimento, sentimentos que vêm
servindo de cimento para as práticas docentes. Constatação correlata ao que foi afirmado por
Maffesoli (1984, p. 55) ao escrever “que o espaço é o lugar das figurações significa ressaltar a
inscrição mundana de nossas representações, mostrar que nossos sonhos e práticas cotidianas
se enraízam e se territorializam num húmus (...)”, criando a imagem da organicidade
institucional, que alimenta os sonhos, desejos e firma o sentido de ser-estar-junto-com,
contribuindo assim para edificação da histórica escolar.
Ao analisar seis respostas do questionário, houve um fator que pôde ser considerado
como representante das marcas positivas vividas pelos docentes no IECN: as “trocas”.
Seleciono as trocas com os alunos, o estudo constante e as trocas com outros professores (CATARINA);
O relacionamento com alunos, a procura por atualização, o trabalho e a troca com colegas (ÂNGELA);
Os pontos positivos são as amizades e o bom relacionamento tanto com os professores e com alunos (LÚCIA).
Com base nos estudos de Maffesoli (1984, p. 40) a “troca não, é um valor moral, no
sentido simples do termo, e sim uma estrutura social que dificilmente pode ser superada e que
não pode ser negada”. A “troca” envolve não apenas questões relativas ao conhecimento e à
prática pedagógica, mas significam a condição de se ter um ambiente amistoso com
alunos/professores/ex-alunos, constituindo uma ordem de solidariedade entre as pessoas,
independentemente de regras pré-estabelecidas ou preceitos legais a seguir.
São vínculos que se constroem a partir de simpatia, adesão, comunhão e respeito. Esse
quadro exposto pelos autores/personagens apresenta correlação com o depoimento da
professora Felisberta no capítulo anterior ao relatar o entrosamento com a equipe pedagógica
e a confiança que creditavam nos educandos ao proporem o projeto do “Autogoverno”, onde
os estudantes assumiam a escola durante uma semana.
As “trocas”, neste sentido, favorecem a relação social, fazendo surgir um
entrelaçamento subjetivo e valorativo, próprio do estético, onde Leitão (1997, p. 35) destaca
que a “proximidade afetiva, estética dos sentidos, emoções partilhadas coletivamente”
colaboraram para o estreitamento entre as pessoas, criando numa perspectiva maffesoliana o
laço social.
Esses laços se tornam representações de uma proximidade física/emocional entre os
pares. Nesse sentido Maffesoli (1999) afirma haver uma ordem de solidariedade social, que
eqüidistante dos patamares rígidos da ordem política-econômica constroem uma comunicação
entre as pessoas, participantes do ambiente social, que se unem por interesses e emoções
comuns.
Continuemos a investigação das respostas do questionário quanto às marcas
consideradas negativas relativas à questão 4.
Questão 4: Na sua trajetória de professor, que marcas foram para você positivas e/ou negativas?
Negativas:
Categorias Professores
QUESTÕES EXTERNAS À ESCOLA 4 QUESTÕES INTERNAS À ESCOLA 4
Um outro lado da história vivida pelos docentes está nesta questão representada pelas
marcas negativas, ou seja, fatores que representam entraves e precisam ser cotidianamente
vencidos.
Considerando que dois questionários traziam apenas marcas positivas e um
participante não respondeu, nessa questão o número de depoimentos foi apenas de oito
respostas, que subdividiram-se igualmente entre fatores internos e externos à escola.
Os fatores externos são oriundos, basicamente, das políticas do Estado em relação à
educação e ao profissional de ensino, como declarado por “Inês”, que apontou tristeza ao
“constatar fazer parte de uma categoria mal remunerada”, e “Daniel”, ao testemunhar “a
degradação da educação e o desmantelamento material do IECN”.
Dois pontos cruciais foram apontados: valorização e cuidado, temas que também
foram apontados no segundo capítulo desta pesquisa ao ser retratada a história do Curso
Normal e as políticas que interferiram nas estruturas dessa modalidade de ensino e, pelos
depoimentos de “Inês” e “Daniel”, continuam afligindo a categoria.
Assim, a instituição tem como postura tornar públicas suas reivindicações,
empreendendo um perfil de “luta” para manter o que acredita ser o melhor para a instituição.
Ação que encontra compreensão no autor citado abaixo:
Tenho o direito de ter raiva, de manifestá-la, de tê-la como motivação para minha briga tal qual tenho o direito de amar, de expressar meu amor ao mundo, de tê-lo como motivação de minha briga por que, histórico, vivo a História como tempo de possibilidade e não de determinação (FREIRE, 2004, p. 75).
Além das questões políticas, há também fatores internos que contribuíram
negativamente à ação docente. Destaco em especial o que foi exposto por “Ângela” quando
escreve: “há dificuldade de ir além da sala de aula. Isto acontece quando se propõe algum
projeto que não encontra ‘eco' na administração impedindo o crescimento da escola e dos
professores”.
Assim, a palavra “eco” determinou a interpretação da questão, isso porque em
Chevalier e Gheerbrant (2005, p. 356) “eco” representa um símbolo “da passividade, que
pode ser apenas um estado passageiro, precedendo uma transformação”. A definição trazida
pelo Dicionário dos Símbolos encontra ressonância nas respostas dos professores, que buscam
a partir das práticas pedagógicas irem gradativamente modificando as ações de seus alunos,
tornando-os conscientes e participativos nos projetos da escola.
Mas o que seria necessário para um projeto encontra “eco”? Qual projeto ganha a
simpatia da administração da escola? Estes aspectos não foram descritos pela professora. No
entanto, para Boff (2004, p. 52), ao “assumirmos responsavelmente nossa parte, até os ventos
contrários ajudam a conduzir a Arca salvadora ao porto”.
Daí a observação de perseverança feita pelos professores ao escreverem o texto,
mesmo encontrando alguns obstáculos na trajetória docente, pois os aspectos negativos não
são suficientemente capazes de obstruir os trabalhos escolares ou inviabilizarem os
movimentos promovidos pelos docentes. Ao contrário, em alguns casos, tornam-se
promotores de uma prática renovadora que traz uma conscientização/mobilização,
conseguindo extrair deles ensinamentos, como foi o caso de “Bárbara”, ao registrar serem “os
aspectos negativos os que nos fazem aprender mais”.
Questão 5: Você percebe que o corpo docente desenvolve práticas solidárias? Caso haja, cite exemplos dessas práticas:
Categorias Professores
PROJETO 7 CONVÍVIO 3
NÃO COMENTOU 1
Lembramos que há, por parte dos docentes, conhecimento sobre os aspectos negativos
e positivos que influenciam nas relações estabelecidas na escola. Diante do esclarecido, a
questão buscou saber como é promovida a proxemia entre o grupo de professores? Como
promover a conscientização dos educandos?
Dos onze professores, apenas um não expôs sua percepção. Considerando dez
respostas, sete relataram os projetos que realizaram como o momento de se ter evidenciado a
organicidade dos componentes da escola.
Entre os sete registros ainda verificou-se duas tendências nas respostas. Uma delas se
encaminha para ações assistencialista – doações de roupa, mantimentos, remédios – realizado
sob a forma de “gincana solidária” quando arrecadam donativos para as comunidades menos
favorecidas economicamente.
Entretanto, no grupo de professores (em maior número), as respostas direcionaram-se
para os projetos que realizam e que têm culminância na Semana da Normalista, quando é
possível verificar a socialidade como um fator de agregação e união entre as pessoas.
Contudo, os autores/personagens salientam que essa iniciativa se dá muito mais por
práticas isoladas entre os docentes do que propriamente um movimento de cunho
administrativo da gestão escolar ou da parte do Governo do Estado, assim:
(...) essas práticas acontecem algumas vezes de forma isolada durante as aulas diárias. Algumas disciplinas, porém, trabalham sob forma de projetos que acontecem em períodos pequenos. Ao final do ano, na Semana da Normalista, os trabalhos realizados pelos professores são apresentados nessa semana, que são acrescentados a outros (BÁRBARA).
Embora distintas, as causas que movem as práticas solidárias encontram em sua
essência uma semelhança, pois buscam estreitar os laços de convívio e motivam os estudantes
a uma reflexão/ação como propôs Freire (2003).
São as várias tendências de práticas de ensino que criam o aspecto totalizador ao se
unirem. Configurariam um corpo maior, caso estivessem em partes eqüidistantes. Esse
movimento vem contribuir para a compreensão da importância que a escola dedica à Semana
da Normalista, pois é quando as diversas disciplinas que compõem a grade curricular do
Curso Normal participam com igual grau de relevância das atividades, embora “Auxiliadora”
destaque que “os professores se agrupam em função de sua concepção político-pedagógica e
desenvolvem suas práticas com seus ‘pares’, excluindo aqueles que dela divergem”.
Nessa perspectiva são colocadas freqüentemente situações que buscam aproximar os
integrantes do corpo educacional do IECN na dinâmica social, que percorrem os tempos e
continua marcando seus participantes para se reunirem numa agregação que permite
demonstrar suas sociabilidades.
Dentro da perspectiva de Morin (2001, p. 64), “é preciso considerar a um só tempo a
unidade e a diversidade do processo planetário, suas complementaridades e ao mesmo tempo
seus antagonismos”. O planeta aqui representa o espaço em movimento com o qual se
trabalha e se explora, dando o sentido de totalidade local, necessitando, para tanto, de um
entendimento plural e um olhar generoso, percepções fundamentais para o convívio humano.
Para concluir, dessa constatação se faz relevante apresentar o registro de uma
autora/personagem do texto:
Ser solidário para mim é ter uma prática diária, um exercício cotidiano, sabendo ouvir e ter sensibilidade para perceber que o próximo está precisando de um bom dia, de um sorriso, de um ouvido etc. (LÚCIA).
Questão 6: O que te liga ao IECN?
Categorias Professores
AS RELAÇÕES ESTABELECIDAS 7 O CURSO NORMAL 3
O TRABALHO 1
Três categorias surgiram, porém os que apontam as relações estabelecidas entre os
componentes da escola representam o motivo principal que liga esses profissionais ao IECN,
onde é destacado o depoimento de um autor/personagem que percebe sua história pessoal
unida à escola:
Por ter sido aluna, gosto muito de trabalhar com professores que foram meus professores, contar com a colaboração de uma direção que eu já admirava enquanto aluna, etc. Sinto-me feliz e parcialmente realizada por fazer parte de um ambiente de trabalho agradável, que me traz boas recordações (INÊS).
É possível “sentir” o carinho que ela tem pela escola. Elemento adquirido na época de
aluno e hoje, ao exercer a docência, expõe seu sentimento revelando estar “feliz” de pertencer
ao quadro do IECN. Dentre os participantes, “Inês” conseguiu reunir a expressão motivadora
dos autores/personagens e contém o mais rico significado para este estudo, já que através das
respostas foi possível registrar ou identificar de fato os sentimentos dos outros participantes
sobre a escola.
Em resumo, há uma simpatia que une esse profissional ao seu local de trabalho, que
ultrapassa o mero entendimento mecânico do predomínio político-econômico e faz relevar o
aspecto estético do lugar.
O IECN é uma escola que, apesar de todos os problemas que enfrenta, desperta em seus alunos um carinho muito grande e é este carinho de ex-aluna e a possibilidade de atuar como multiplicadora das minhas concepções, já que é uma escola de formação de professores que me liga a ela (AUXILIADORA).
Por este motivo foi possível perceber em todos os depoimentos o nós fusional que
influencia na percepção de manterem-se ligados ao IECN, cujo entendimento remete ser esse
o “local de trabalho, faço o que gosto, acredito na melhoria desta escola. Me sinto bem aqui”
(CAROLINA).
Seja pelo Curso Normal ou o pelo trabalho de professor, o que para muitos é
gratificante, as respostas apresentadas possuem um cunho aproximativo de vínculos de
pertencimento e de prazer em estar-junto-com o IECN, no mesmo sentido que Maffesoli
(1999, p. 74) acredita ao ressaltar a existência de “uma lógica do conhecimento sensível que
verá nos sentidos não o apanágio, para uso privado, desse ou daquele indivíduo, mas o motor
essencial da construção social da realidade”.
No entanto, é possível, através de uma abordagem moriniana, encontrar os caminhos
para compreender essa rede de sentimentos que se instala no imaginário docente, quando o
autor aborda:
Face da complexidade humana que é composta pela tríade razão/afetividade/pulsão as relações entre as três instâncias são não apenas complementares, mas também antagônicas, comportando conflitos bem conhecidos entre a pulsão, o coração e a razão (MORIN, 2001, p. 52).
São esses três elementos citados por Morin (2001) “razão/afetividade/pulsão”,
identificados a partir dos depoimentos dos participantes da pesquisa, que acreditamos ser o
motivo de união no IECN, concebendo um corpo coletivo. A concepção moriniana é,
surpreendentemente, similar ao relato de “Graça” ao expor sua própria tríade profissional
referindo-se aos “laços afeição, de amizade e companheirismo” como referência de sua união
com a instituição, demonstrando existir um comprometimento com a escola, tanto no aspecto
emocional quanto no pedagógico.
Questão 7: Qual momento vivido nesta instituição considera ter sido: Agradáveis e Difíceis.
Agradáveis: Categorias
ProfessoresVÍNCULOS 4
FESTAS E PASSEIOS 3 TRABALHO REALIZADO 2
NÃO RESPONDERAM 2
Considerando apenas nove questionários, foi trazida à cena, mais uma vez, a referência
aos “vínculos”, que são justificados distintamente, como nos relatos abaixo:
Momentos que dizem ou se referem a manifestações de carinho por parte dos alunos (GRAÇA);
O período de formação inicial ao qual eu devo muito do que sou hoje como profissional e o momento em que fui convidada para atuar no curso normal, já que atuava no primeiro segmento do ensino fundamental (AUXILIADORA);
Quando fui recepcionada pela direção ao começar a trabalhar no IECN e quando fui convidada para participar de uma palestra que resgatava a memória do Curso Normal, pois estudei aqui na década de 90 (me formei em 1998) e atualmente sou professora (INÊS).
Sejam pelas lembranças do tempo de estudantes do IECN, apontados por “Inês” e
“Auxiliadora”, ou recordações mais recentes com o reconhecimento dos alunos, descrito por
“Graça”, o importante foi perceber que os docentes sentem na escola um ambiente acolhedor.
A sensação de acolhimento fez “Daniel” escrever que “na verdade, agradável, sempre
e apesar de tudo, é estar no IECN”.
Frase que mereceu destaque de fato, porque resume o sentimento docente de
envolvimento, cumplicidade e amor pela unidade de ensino. Suficiente para descrever o
prazer da proximidade com o IECN, tornando perceptível à idéia de “vínculos” que marcam o
sentimento agradável que inunda o imaginário dos professores.
“Vínculo”. É esse o som que ressalta através das palavras. Em Ferreira (2004, p. 752)
“vínculo” significa tudo o que “ata, liga ou aperta, nó liame, ligação moral”, exatamente o que
desejam expressar os professores.
Mas o que gera esse sentimento?
As respostas dos questionários demonstram ser: as lembranças do período de formação
inicial, os momentos festivos, o carinho do abraço e a recepção ao iniciarem seus trabalhos na
escola. Gestos singelos, mas fomentadores da relação de afeto, que une sem obrigação, apenas
por pura simpatia ao ambiente e, porque não dizer, cumplicidade. Maffesoli (1999, p. 37)
considera ser dessa forma construída “a cultura do sentimento (...). Agregamo-nos segundo as
ocorrências ou os desejos”.
Esse desejo, expresso pelo autor, é encontrado no que registro de “Carolina” ao
considerar que “o momento agradável se faz quando conseguimos desenvolver bem os
trabalhos com o Curso Normal, pois sabemos ser esse o caminho que irá alimentar os vínculos
do aluno com a escola”. O compartilhamento faz evidenciar a necessidade de ter uma razão
aberta para compreender a riqueza de sentimentos existentes nesses encontros. Para Morin
(2001, p. 52), representa reconhecer que o “homem somente se realiza plenamente como ser
humano pela cultura e na cultura”.
O outro aspecto levantado a partir da questão 7 do questionário foi desenvolvido pela
indicação dos momentos difíceis.
Difíceis:
Categorias Professores
GOVERNO 4 MÁGOAS COM OS COLEGAS 3
GREVES 2 DESINTERESSE 1
INFRA-ESTRUTURA 1
Foi a questão que apresentou maior variação de respostas. Sobressaem as que se
referem às medidas impostas pelo Governo como imperativo dos momentos difíceis, tal como
foi registrado:
Quando houve intervenção por parte da SARE no quadro de professores. Ficou difícil saber em quem confiar: se na administração da escola ou no governo. De qualquer forma, ambos mandaram para o espaço nosso trabalho (ÂNGELA).
A intervenção da SARE, que foi exposta no capítulo anterior, fato ainda presente no
espaço do IECN, embora tenham passado cinco anos, deixou marcas nos profissionais da
escola que ao terem oportunidade relatam o ocorrido, numa postura de socializarem suas
mágoas, que encontra entendimento nos estudos de Nunes.
(...) não se trata de repetir um estado vivido, mas fazê-lo emergir como reaparição para si mesmo, para olhos e ouvidos atentos. É um lampejo que atravessa a nostalgia, e revolta, a indignação ou resignação, o julgamento, para elaborar a experiência (...) (NUNES, 2003, p. 44).
Ao entendermos com Morin (2003) que os antagonismos, as concorrências, são
elementos impulsionadores de uma outra forma de conviver com a realidade, perceberemos
que as situações ditas desagradáveis serviram de tomadas de ações reflexivas para empreender
novas atitudes no interior da escola. Isso ocorre, segundo Morin (2003a, p. 31), porque somos
“indivíduos produzidos por processos que nos precederam; somos possuídos por coisas que
nos ultrapassam e que irão além de nós, mas, de certo modo, somos capazes de possuí-las”.
Questão 8: Como você percebe as mudanças na instituição a partir das mais recentes políticas educacionais?
Categorias Professores
NÃO HOUVE MUDANÇAS 5 CRÍTICA AO GOVERNO 3
PERDAS 1 NÃO RESPONDERAM 2
No total de onze professores, seis apontaram crítica aos órgãos públicos por não
definirem conscientemente as políticas do ensino, principalmente as que tratam das Escolas
Normais. O curioso foi constatar que, na ótica docente, não houve mudanças significativas no
Curso Normal, embora a LDBEN 9.394/96 tenha incluído em seu texto um “novo” locus de
formação docente, os ISEs, previstos no Artigo 63, que abrigariam em sua estrutura
organizacional o Curso Normal Superior. No contexto do IECN, a lei não afetou o rumo de
sua história, fato relevante no capítulo anterior e ratificando pelos depoimentos docente ao
escreverem:
A instituição tem mudado bem pouco. Na verdade, é difícil fazer qualquer mudança quando o Poder Público trata a Educação como atividade de segunda categoria e gênero de segunda necessidade (DANIEL);
Na realidade não observo mudança alguma. Tudo é apenas uma questão de nomenclatura, trocam nomes de matérias, insere-se um quarto ano que cumpre função de um adicional (INÊS).
Segundo os autores/personagens, a vida escolar seguiu seu rumo. Ficou registrado por
“Bárbara” que o IECN tem “muito claro onde deseja chegar e o que fazer”, resposta similar à
de “Graça” ao considerar o IECN “atento às mudanças sem perder o elo com o que é correto e
válido no passado”.
Questão 9: Como você entende a presença do IECN no município de São Gonçalo?
Categorias Professores
TRADICIONAL 5 HISTÓRICO 3 TRABALHO 3
Cinco professores consideraram que há por parte da comunidade um reconhecimento
do IECN como uma escola tradicional na formação de professores de nível médio, tornando-o
“cobiçado” como foi exposto a seguir:
Por ser um colégio muito grande, com muitos alunos, professores e funcionários e, principalmente, por destacar-se ao longo dos anos na formação que proporciona aos alunos, o colégio é muito “cobiçado” e reconhecido, embora a desvalorização (se compararmos com os anos anteriores) seja perceptível (INÊS);
O IECN é uma escola de renome, com reconhecimento garantido (GRAÇA).
Possuir renome, ser reconhecida, faz unir dois elementos importantíssimos: história e
vida. A imbricação da história do IECN e a vida de seus alunos/professores/comunidade
formam um aspecto de complementaridade, mesmo havendo antagonismos ou situações
concorrentes. Esses fatores, no entanto, representam fortalecimentos para o desejo comum: o
Curso Normal. Dessa maneira, não é possível, como destaca Freire (2004, p. 63), uma escola
“engajada na formação de educandos educadores, alhear-se das condições sociais, culturais,
econômicas de seus alunos, de suas famílias, de seus vizinhos”.
É assim que o IECN cria seus “vínculos”, estabelece as “trocas”, constrói seus
“elos”114 com o município de São Gonçalo que, segundo “Auxiliadora”, “o torna uma
instituição que possibilita a ascensão social e financeira para os grupos das camadas
populares, sendo por isso extremamente importante para o nosso município”.
Declaração que é reforçada por “Daniel” ao trazer para o texto do questionário que “a
história de um mescla com a história do outro. Algumas das mais importantes personalidades
deste município em qualquer área tiveram sua vida ligada ao IECN”.
Imagens que inscrevem no imaginário coletivo o status que lhe é confiado, uma vez
que cumula o moderno e o tradicional para juntos marcarem a força do coletivo chamado
IECN. Ao estabelecer a relação trabalho e vida, os autores/personagens revelaram ser a
escola:
114 Grifos da autora para enfatizar as categorias que marcam as impressões de ser-estar-junto-com o IECN.
Com um valor social muito grande, pois está formando e educando cidadãos e futuros profissionais (LUZIA);
É uma escola de referência onde todos brigam por uma vaga, mesmo que depois não fique (LÚCIA).
Maffesoli (1999, p. 11) apresenta um destaque para a consideração do “sólido
vitalismo social que, mesmo através das mais duras condições de vida, não deixa de se
afirmar”. Há um prazer que sustenta o cotidiano, como mostraram os relatos, desde o
princípio da criação da escola e perpassou os tempos, deixando sua marca nas grandes cenas
das festas, formaturas, encontros ou simplesmente na sala de aula cotidianamente, onde de
fato ocorre o estreitamento dos vínculos docentes demonstrando, ou pelo menos tentando,
reafirmar que o “Normal é Vital”.
Pelo menos foi essa a confirmação feita pelos professores através das nove perguntas
que determinaram esse questionário, as quais se complementam com as imagens a seguir, que
além de ilustrar a última parte desse capítulo, foram trazidas as cenas correspondentes aos
sentimentos dos professores do IECN.
4.2 Simbolismos e imagens
Convergir em uma única imagem o que poderia representar o tema “Eu e o Clélia
Nanci”: a proposta dirigida aos professores durante o conselho de classe dos dias 14 e 15
de dezembro de 2005. Durante os dois dias levei para o IECN um álbum composto por
imagens diversificadas, folhas de ofício, cola, lápis grafite e de cor.
Diferentemente do questionário apresentado anteriormente, a heurística das
“imagens” foi realizada pelos professores e entregue no mesmo dia. Sua elaboração
também contou com uma adesão espontânea pelos docentes que atuam no Curso
Normal, que demonstraram: sensibilidade, criatividade e acima de tudo espírito
solidário em contribuírem para pesquisa. Foi uma proposta diferente que os fez refletir
sobre qual imagem/simbolismo seria a síntese representativa dos
sentimentos/envolvimentos que possuem pela instituição.
Risos, dúvidas, estranheza e as inevitáveis perguntas “Como assim?”, “Escolher
uma imagem?” marcaram o início da realização da heurística.
Professores, profissionais acostumados a falar, até que se saíram muito bem na
realização da dinâmica, que, após ser concluída, serviu de descontração e troca de
olhares para ver o que o colega/professor havia escolhido de representatividade.
A opção pelo desenho ou imagem gráfica ficou a critério de cada docente
participante, de acordo somente com a aptidão artística e/ou correspondência de
significados entre as imagens disponíveis no álbum e o sentido que o professor desejava
estabelecer como grau de pertencimento.
Ao lado de cada imagem foi feito um pequeno texto explicativo para registrar o
que cada um dos participantes pretendia simbolizar. Princípio justificado por Chevalier
e Gheerbrant (2005, p. XIII) ao esclarecerem que as “palavras serão indispensáveis para
sugerir o sentido ou sentidos de um símbolo; mas, lembremo-nos sempre de que elas são
incapazes de expressar-lhes todo o valor”.
Por se tratar de uma percepção subjetiva de relacionamento entre professor e
escola, a utilização da imagem vem contemplar a abordagem feita por Wunenburger
(2003, p. 267), onde esse tipo de representação “serve para criar um espaço de percepção
e portanto para tornar, no sentido estrito, um objeto visível”.
Através das imagens aperfeiçoamos os instrumentos de observação que vão
ocupar um lugar de destaque nas análises dos fatos, uma vez que asseguram uma
visibilidade do sentimento do docente que atua com o Curso Normal do IECN.
Wunenburger (2003, p. 270) sustenta que o processo investigativo “pode encontrar na
imagem operadores de figuração particularmente adaptados a uma síntese cognitiva”,
desta constatação vem a fundamentação da dinâmica.
Diante de estabelecer uma razão aberta, necessário se faz contar com a
sensibilidade dos participantes nos locais onde as imagens não foram meramente
ilustrativas, mas tornaram concreta a idéia do lugar. Para Maffesoli (1988, p. 139) “é
por via de um enfoque transversal que chegaremos a considerar a importância do
pensamento simbólico”. O autor propõe o realce das sensibilidades humanas matizadas
com ilustrações vistas e descritas.
Passamos enfim a tratar das representações reveladas pelos docentes. Não houve
aqui um critério organizacional da disposição, foram distribuídos aleatoriamente.
“Eu e o Clélia Nanci”
4.2.1 Coração
A relação com o Instituto de Educação Clélia Nanci é uma relação de amor, compreensão, inteligência, afetividade. Tudo isso dentro de um só coração (GRAÇA).
Tanto a imagem como o texto que a acompanha, remetem a uma constatação
óbvia: o amor em estar no IECN consegue ser representados em “um só coração”.
A partir da interpretação simbólica de Chevalier e Gheerbrant (2005, p. 282),
“coração” é o “centro da vida (...) simboliza o homem interior, sua vida afetiva, a sede
de sabedoria e inteligência”. Por todos os ângulos que se observa a sabedoria é tudo o
que se espera dentro do espaço escolar, mas a imagem do coração tem uma proximidade
com o sentido de sentimento amoroso, romance, enlace.
Mas acima de tudo, “coração” representa o amor. Ter um sentimento de amor
pela escola não deve ser espantoso, apenas exige uma razão sensível, como sugerida por
Santos (2004, p. 19) ao propor um “re-encantamento com o mundo (...) o alimento que
buscamos neste fim de tarde contemporâneo, visualizando um amanhecer talvez nem tão
radiante (...) mas que, sem dúvida, nos exige uma ação e um centramento interior”. A
razão sensível possibilita sentir, ouvir e falar utilizando a voz que vem do “coração”,
percebendo que há desafios a serem enfrentados, porém somente com o amor no
“coração” serão possíveis de serem vencidos.
“Coração” também é o centro da vida, é o início e onde tudo se encerra. Essa é de
fato a história do IECN, ou mais precisamente do Curso Normal, que foi o princípio de
todo o movimento existente na década de 1960 para a sua implantação no município de
São Gonçalo e o que vem movendo a escola ao longo dos anos.
4.2.2 Vaso
Sou um cidadão “Clélia Nanci”. Porque 50% da minha existência estão encravados entre portas, paredes e corredores do IECN. Da formação (moral e profissional) ao ganha-pão, tudo aqui se inicia e aqui se finda (ou se findará). O “Clélia Nanci” não é um espaço físico cheio de gente, antes o “Clélia Nanci” é em mim que existe: um espaço essencial que se projeta de dentro para fora e se faz coisa física porque foi introjetada na minha alma como poderosa presença metafísica, determinando que é como sou.
Seus rostos, seu movimento, sua figura imponente na praça, sua efervescência tão diversa e homogênea são a síntese (em síntese) do universo que compõe cada ser humano e que, de tal forma me compõe, que me faz convicto: sem o IECN eu seria outra pessoa (DANIEL).
Vale a pena ler com atenção o texto do autor/personagem. Somente seu
depoimento já seria suficiente para esta pesquisa e até seria dispensada a interpretação
da imagem do “vaso” em forma de gota contendo a bandeira nacional.
Mas sua análise também se faz interessante ou até mesmo complementar, isso
porque de acordo com Chevalier e Gheerbrant (2005, p. 931-2) “vaso hermético sempre
significa o local em que se operam maravilhas, é o seio materno, o útero no qual se
forma um novo nascimento. (...) o vaso contém o segredo da metamorfose”. Imagem que
retrata todo o sentido dado por “Daniel” ao longo de sua participação na pesquisa ao
escrever “ter uma relação uterina com a escola”.
O “vaso”, que neste contexto exerce a correlação com o IECN, representa a
transformação que diz respeito aos direcionamentos e tendências por qual passou a
escola, conscientizando, gradativamente, através de suas práticas alunos e professores,
que têm suas histórias entrelaçadas com a vida institucional, numa comunhão de vida-
trabalho-estudo-amor.
Quanto às transformações que a escola ajuda a promover, Linhares (2000, p. 52)
acrescenta que todas essas “metamorfoses compõem uma cartografia em que deslizam
conceitos e práticas que vão produzindo efeitos na produção de sujeitos e
subjetividades”, deixando marcas, criando laços com o local.
Assim foi trazido por “Daniel” um IECN em sua relação com o meio social. Não
se restringindo a considerá-lo apenas em seu interior, descreveu como “sua figura
imponente na praça, sua efervescência”, o que levou a representar o movimento do ser-
estar-junto-com. Segundo Maffesoli (1984, p. 156), devemos “levar em conta a
correspondência, a valorização do espaço que possui seus próprios valores (...) o espaço
pode ser o lugar de um verdadeiro investimento social (...)”, que deixam marcas na
trajetória de vida de seus envolvidos.
4.2.3 Barco
Estar no “Clélia Nanci” é como estar em um barco, que percorre águas calmas e águas turbulentas... É navegar, sempre navegar e um dia, quem sabe, chegar a algum porto seguro. Chegar e depois, retornar a viagem...
O barco está sozinho na grandeza dos oceanos, mas estão todos e todo o mundo a bordo, como companheiros dessa viagem rumo ao infinito (LÚCIA).
A complexidade que envolve a cena corresponde aos vários elementos que ela
comporta: pássaros, bandeiras, barco, oceano. De acordo com Chevalier e Gheerbrant
(2005) a representatividade de pássaros e bandeiras são similares, isso porque ambos
têm correlação com os aspectos celestes, elevam-se, adquirem mobilidade e leveza. O
oceano traduz a grandeza, extensão sem limite e fronteira, onde confluem todas as
águas, entendimento semelhante ao relatado pelos professores quanto às práticas
diversificadas que compõem o IECN.
Ainda com Chevalier e Gheerbrant (2005), oceano é o lugar que cumula mistério
e lendas, o que faz desse ambiente ter histórias, relatadas pelos que fazem ou fizeram a
travessia de suas águas. Com a imagem do “barco”, presume-se uma sensação de
liberdade de convívio, mas por outro lado, cabe ao timoneiro dessa embarcação escolher
o caminho a seguir diante das responsabilidades assumidas e de qual porto se pretende
ancorar, observando para tanto os ventos contrários e os movimentos das marés, que
podem, vez por outra, abalar na travessia.
E não foi tudo isso que demonstrou a pesquisa até agora sobre o IECN?
Uma escola que enfrentou e continua a enfrentar os vários tipos de políticas, seus
movimentos, seus embates, projetos desenvolvidos na tentativa de amenizar as
tormentas, acreditando, assim como Maturana (2003, p. 34), “que o mundo ao qual
vivemos depende de nossos desejos (...) pois responsabilidade e liberdade surgem da
reflexão que expõe nosso pensar (fazer) no âmbito das emoções”. São os sonhos, as
vontades e atos que, em correlação com o outro e outros, podem tornar a travessia, se
não mais tranqüila, pelo menos podem possibilitar a conquista do “equilíbrio”.
4.2.4 Auxílio
A vida na escola é assim mesmo, desenvolvendo po professor auxilia o aluno e de galho em galho vão conseguindo subir (ÂNGELA).
rojetos
Ajuda, apóio, alavanca de ascensão. É assim que “Ângela” percebe sua relação
com o IECN. A figura encontra sua complementaridade com o expresso no questionário
ao indicar que as situações agradáveis são as vivências de “projetos em parceria com os
colegas”. Tanto na cena selecionada, quanto no indicado ao lado pela imagem, ficou
evidente a visão de união, buscando no grupo o sentido de escola onde o dar as mãos
representa uma característica própria do trabalho docente no IECN.
Um outro elemento chama atenção na figura.
São os macacos. De acordo com Chevalier e Gheerbrant (2005, p. 573), macacos
representam “dinamismo, flexibilidade e agilidade”. Conceitos que se aproximam em
muito do que revela pelos questionários ao buscarem compreender as características
peculiares aos docentes do Curso Normal, que têm nas práticas de trocas de
conhecimentos o enriquecimento das ações escolares.
Trata-se, enfim, como esclarece Maffesoli (1988, p. 160) “de sair de si mesmo, de
romper a clausura do próprio corpo de ter acesso a um corpo coletivo; em síntese,
participar de um espaço mais amplo”. Todo esse esforço contribuiu para uma
consciência da importância/necessidade do auxílio, que acaba sendo mútuo, pois ao
ajudar um aluno o professor se sente realizado e “Ângela” acaba indicando que “a vida
na escola é assim mesmo”.
4.2.5 Dedo indicador
Apesar de, na teoria, nós educadores afirmarmos que “toda escola é igual” e que “quem faz a escola é o aluno”, na prática, percebe-se que o Instituto de Educação Clélia Nanci consegue modificar as atitudes dos alunos, fazendo com que estes se tornem mais dinâmicos, mais críticos da realidade e capazes de enfrentar a realidade do cotidiano.
Além disso, trabalhar no Clélia Nanci pode ser considerado um privilégio, já que aqui posso compartilhar meus conhecimentos com uma equipe de extrema competência, apreendendo constantemente e crescendo profissionalmente.
Em suma, no Instituto de Educação Clélia Nanci consigo perceber que a Educação acontece com plenitude (ANA).
O dedo indicador é o que primeiro se percebe na imagem. Em Chevalier e
Gheerbrant (2005, p. 327) “indicador é o dedo da vida (...) juízo, da decisão, do
equilíbrio e do silêncio”. Todas as designações aproximam-se dos momentos vividos no
cotidiano da escola, que oscila entre a estabilidade e as fases turbulentas.
No caso da imagem selecionada por “Ana”, leva à percepção de que o aluno
deseja falar, pois seu gestual é de pedir consentimento para expressar-se. Com a cabeça
repleta de questionamentos, ânsia em obter respostas ou pelo menos demonstrar suas
impressões, o estudante deseja comunicar-se.
Esse entendimento provém do resumo feito ao lado, onde “Ana” indica haver
estímulo aos estudantes, em se tornarem mais “críticos da realidade”. É a ação
comunicativa de fazer-se ouvir, demonstrando a abertura que a escola promove aos seus
estudantes, aproximando do que é posto por Morin (2004) sobre a “cabeça bem-feita”
que difere da “cabeça bem cheia”. No primeiro caso, representa estimular o exercício de
dúvidas, que Morin (2004, p. 22) escreve ser esse “o fermento de toda atividade crítica
(...) permite ‘repensar o pensamento’, mas comporta também a dúvida de sua própria
dúvida”, incorporando ao ato de pensar a complexidade social que rodeia a vida de
todos.
Continuando, o autor apresenta uma tríade indispensável aos educadores e até
mesmo serve de uma motivação no desempenho de suas funções docentes, que são: eros
– missão – fé.
O “eros” permite a fruição ligada a doação e, para Morin (2004, p. 102), é “isso
que antes de tudo mais, pode despertar o desejo, o prazer e o amor no aluno e no
estudante”. A missão requer fé, pois trata-se de ter (2004, p. 102) “fé na cultura e fé nas
possibilidades do espírito humano”, na dedicação de uma educação contextualizada,
preparando “espíritos humanos” para as incertezas, promovendo estratégias que
apontem, com o dedo indicador, um mundo melhor e um caminho social mais justo, em
que Morin (2004, p. 54) estimula ser “preciso demonstrar que a aprendizagem da
compreensão e da lucidez, além de nunca ser concluída, deve ser continuamente
recomeçada”.
4.2.6 Equilíbrio
Estou sempre tentando um equilíbrio nesse mar de ondas tão difíceis de manter-se em pé. Consigo algumas vezes, outras vezes não. Talvez tenha conseguido ser campeã, quem sabe? (BÁRBARA).
“Equilíbrio”, é essa visão que suscita a imagem. É a busca docente diante dos
limites impostos pelas condições econômica-política-sociais ao qual está sujeita a escola.
Em Ferreira (2004, p. 299) “equilíbrio” significa “estabilidade mental e emocional,
igualdade entre forças opostas”.
“Equilíbrio” está associado ao símbolo da balança, que segundo Chevalier e
Gheerbrant (2005, p. 113) representa “justiça, da medida, da prudência, (...) porque sua
função corresponde precisamente à pesagem dos atos”.
Aprendendo a manter-se em “equilíbrio” o homem torna-se um ser criador,
enriquece suas práticas profissionais, diversificando sua maneira de pensar e agir, com e
na cultura. Freire (2004, p. 55) revelou ser “muito mais rico do que meramente repetir a
lição dada. Aprender (...) é construir, reconstruir, constatar para mudar, o que não se
faz sem abertura ao risco e à aventura do espírito”. Elementos indispensáveis na
condução dos trabalhos docentes, que ora se fragilizam com as políticas educacionais
ora se deparam com as dificuldades internas da escola.
Essas alternâncias de momentos são naturais. O essencial é ter “equilíbrio” para
manter-se “nesse mar de ondas tão difíceis”.
4.2.7 Ecossistema
Sinto-me como em um ecossistema, onde as relações entre todos os seres vivos formam uma teia e encontramos relações harmônicas e desarmônicas, porém todas são importantes e de igual valor para o equilíbrio deste ambiente. Tenho experimentado neste ambiente todos os tipos de emoções e participações de relações pessoais que contribuem para o meu crescimento individual e influenciam no crescimento coletivo (CATARINA)
A imagem repleta de árvores, pássaros, flores e, ao centro, água representa um
“ecossistema”, que, na percepção da professora “Catarina”, é como entende sua relação
com o IECN. É uma visão do todo e das partes em equilíbrio, em que cada elemento vivo
encontra seu espaço de existir e atuar, no qual “todos os seres são importantes e de igual
valor para o equilíbrio deste ambiente”.
Imagem que encontra seu sentido correlato ao expresso por Morin (2004, p. 24-5)
quando indica ser necessário “um pensamento ecologizante, no sentido em que situa
todos acontecimentos, informação ou conhecimento em relação de inseparabilidade com
seu meio ambiente – cultural, social, econômico, político e, é claro, natural”.
O interesse do autor é nos fazer perceber a trama que envolve a sociedade,
conduzindo-nos a aceitar e entender como se constituem as redes complexas que a
autora/personagem simboliza sob a forma de “ecossistema” que aparentemente está em
harmonia, mas até os conflitos são aceitáveis para que se permitam os ajustes entre os
sues componentes.
A imagem de “Catarina” exalta o politeísmo de expressões convivendo no mesmo
espaço, que bem traduzem o ambiente complexo que compõem o IECN, demonstrando o
que Morin (2004, 2003, 2001) considera ser o unitas multiplex.
4.2.8 Germinação
No momento em que nos sentimos sem esperança, sem perspectiva surge uma instituição como o IECN que nos mostra que tudo é possível (AUXILIADORA).
É a vida que brota com esperança. O Sol que brilha no céu, pássaros, compõem
um cenário calmo, porém árido. No solo, surge uma nova vida no meio do sulco da terra.
Imagem que na visão sociológica de Maffesoli (1999, p. 101) é entendida como “o grão
que amadurece, protege-se e eclode no seu próprio interior para, em seguida, expandir-
se no exterior, e fecundar, com isso, uma multiplicidade de relações sociais”.
Na representação de “Auxiliadora”, o IECN é este grão que germina, trazendo
“esperança”, sensação que encontra similaridade na interpretação simbólica de
Chevalier e Gheerbrant (2005, p. 477), pois a imagem do grão significa “vicissitudes”. É
a transformação, ir de um estágio a outro, uma possibilidade de crescer, amadurecer e
dar muitos “frutos” na profissão, idéia factível de ser incorporada à visão do professor
na relação com seus estudantes.
Sem determinar uma causalidade precisa, Maffesoli (1988, p. 117) reforça a idéia
do fato “a existência da semente permite banhar uma nova luz todos os florescimentos
subseqüentes”, sendo possível reconhecer que, estando todas as coisas potencialmente
vinculadas, faz assegurar a permanência da espécie, mesmo que haja as inevitáveis
situações de desordens afligindo a ordem do cotidiano escolar.
4.2.9 Elos
O IECN representa para mim a concretização de um sonho... sempre quis ser professora. Foi a possibilidade de “expandir meus horizontes”, fazer amizades, relacionar-me melhor com os professores. O IECN contribuiu para minha formação enquanto profissional e pessoa.
Atualmente, sinto-me realizada por ter alcançado meus objetivos, mas a expectativa agora é outra: aprender cada vez mais, adquirir mais paciência, ser solidária, “lidar” bem com as pessoas e quem sabe proporcionar lembranças tão boas como as minhas... fortalecer meus “elos” com o colégio (INÊS).
“Inês” abre seu texto revelando o sonho pessoal: ser professora. Profissão que
sempre esteve em seu imaginário. Seja por amor, simpatia, vocação... ou qualquer outra
denominação que se dê, “Inês” tinha a certeza do que queria e sabia onde atuaria depois
de formada: “Clélia Nanci”.
Seu sonho tornou-se real. Enquanto docente do IECN, “Inês” busca empreender
uma postura de “aprender cada vez mais, adquirir mais paciência, ser solidária, ‘lidar’
bem com as pessoas (...)”, numa indicação evidente de comprometimento com a história
que está ajudando a construir a partir de sua postura no magistério. Em seu texto, a
autora/personagem demonstra estabelecer junto aos educandos memórias tão boas
quanto as que nutre de seu período de formação profissional. Assim, as palavras
ganham forma quando demonstra o desejo de fortalecer os “elos”.
“Elos” em Chevalier e Gheerbrant (2005, p. 292) são os símbolos de
“comunicação, de coordenação, de união, (...) da família, de toda a coletividade (...),
simboliza a necessidade de uma adaptação à vida coletiva e a capacidade de integração
ao grupo”. Interpretação que apenas vem mais uma vez ratificar todo o observado
através da expressão de “Inês”, assim como o histórico da instituição.
4.2.10 Justiça
Esperança
Caminho Profissional
Justiça
Persistência
Amizade (LUZIA).
Avistando o horizonte do alto de um balão, utilizando uma lente para
proporcionar uma visão estereoscópico de todos os ângulos, compartilhado com o
companheiro de viagem.
Essas são as impressões que puderam ser apreendidas através da imagem, que
encontra no texto ao lado a perfeita sincronia. Das palavras escolhidas por “Luzia” para
representar sua convivência na escolar, destaco “Justiça”.
Dentro da pesquisa, essa foi a primeira vez que palavra “Justiça” foi trazida à
superfície do texto para representar a escola, o que a torna merecedora de uma singular
atenção. Em Chevalier e Gheerbrant (2005, p. 527), “Justiça” representa “o equilíbrio
das forças desencadeadas, as correntes antagonistas, a conseqüência dos atos, o direito e
a propriedade, a lei, a disciplina, a adaptação às necessidades da economia”.
A “Justiça” não é um valor transcendente ou um sentimento de legitimidade. É
um domínio de ações, o que possibilita olhar com altivez para o horizonte. Chaui (1993,
p. 33) registra que o “olhar é, ao mesmo tempo, sair de si e trazer o mundo para dentro
de si”.
Ao revelar o que se quer do mundo em que se deseja viver também projetamos
uma imagem, deixa-se o sentido de existir, de pensar e de agir. Ações que coincidem com
o proposto, mais uma vez por Chaui (1993, p. 35):
Estamos certos de que a visão depende de nós e se origina em nossos olhos, expondo nosso interior ao exterior, falamos em janela da alma (...) são também espelho do mundo. É perceber a existência da “esperança” que se mantém a partir da “persistência”.
4.2.11 Acolhimento
A figura sintetiza o sentido que busco no espaço do IECN, onde a união, o abrigo, o acolhimento são necessários para a caminhada docente (CAROLINA).
“Abrigo”, “união”, acolhida são as impressões que se obtém, quando se observa a
cena, que é composta pelos pássaros que enfileirados e a postos tomam conta de ninho:
sua “casa”.
Em Chevalier e Gheerbrant (2005, p. 197), “casa” é o símbolo “com sentido de
refúgio, de proteção do seio maternal”, o mesmo sentido que encontramos na apreciação
dos docentes ao se referirem ao IECN nos diversos textos que produziram para a
construção desse capítulo.
Os autores/personagens se sentem parte da família em que trabalham, atualizam-
se e trocam experiências, estabelecem as correspondências entre os diversos grupos que
participam do mesmo espaço “escola” de atuação.
Maffesoli (1988, p. 161) considera ser dessa forma possível evidenciar “o
entrecruzamento dos afetos e das ações que constituem o essencial destas atitudes
minúsculas encontrada na própria base da vida de todos os dias”. E, da junção de cada
um entorno de sua “casa escola”, fortalece a idéia de grupo de ser-estar-junto-com o
lugar.
Boff (2004, p. 17) registra a urgência de “refazer o caminho de volta, rumo à casa
materna comum e irmanarmos-nos com todos os seres. Temos que (...) reavivar sonhos
antigos de comunhão (...) em seus ritos, mitos e histórias”. Nesta citação, o autor se
refere ao planeta como a casa comum, porém nesse contexto da pesquisa, a casa comum
é a escola, que proporciona a vivência de emoções e propulsora dos laços de afetividade
entre os envolvidos no IECN.
É com essa imagem que se encerra esta pesquisa, caminho investigativo trilhado
para conhecer os sentimentos que envolvem o Curso Normal. Tarefa árdua, que foi
recompensada pela descoberta de um espaço acolhedor do IECN, por pessoas
desconhecidas, até então, mas que não economizaram gestos de generosidade, parcerias
e sensibilidade ao exporem em pela via dos textos e imagens a percepção necessária para
construção da pesquisa que contribuíram para a elaboração de uma sensação final do
percurso investigativo.
SENSAÇÕES FINAIS
Já podaram seus momentos,
desviaram seu destino. Seu sorriso de menino
quantas vezes se escondeu? Mas renova-se a esperança,
nova aurora a cada dia. E há de se cuidar do broto,
pra que a vida nos dê flor e fruto115.
115 Música, “Coração de estudante”, composta por Wagner Tiso e Milton Nascimento.
Ao início desta pesquisa, deseja perceber o âmbito de uma escola de formação de
professores de nível médio. Hoje, ao escrever estas considerações finais, sinto saudade dos
amigos que criei, do Clélia Nanci, dos momentos agradáveis e da agradável descoberta que
me conduziu rumo à identificação da diversidade de pessoas que compõem o nicho escolar.
Por pouco, eu mesma não me tornei parte docente dessa história116.
Pessoas, autoras/personagens com características peculiares: politizadas, críticas,
compreensivas, amorosas, risonhas, introspectivas, tímidas, extrovertidas, parceiras... que ao
se distinguirem, se complementam, criando a estética do lugar que nas palavras de Maffesoli
(1984, p. 58) representa ser onde “‘tudo junto adquire corpo’ é um lugar dinâmico, feito de
ódios e amores, de conflitos e distensões, é uma ‘casa’ objetiva e subjetiva onde uma
socialidade é vivida diariamente”. Este é o mundo do IECN, que fica entre o que rege as leis
(o instituído) e o que é praticado no seu cotidiano (o instituinte).
Ao lapidar o foco sobre a escola, fortalecia-me, concomitantemente com a base
epistemológica da sócio-antropologia do cotidiano e da educação, cuja teoria proposta me
davam o suporte necessário para compreensão do que acontecia para além do exibido no lado
iluminado, impostos pelas diretrizes curriculares, decretos, pareceres e leis que norteiam a
educação. A sustentação do estudo estava justamente no interesse de saber o que se passava
pela sutileza do lado sombra, percebendo a partir das práticas banais (reuniões, passeios,
apresentação de trabalhos, exposição, intervalo de aula etc) como se estabelece a convivência
no âmbito da escola. Quais os sentimentos e envolvimentos encontravam-se presentes no
IECN? Essa intenção se dava basicamente por considerar, similarmente, como descrito pelo
autor abaixo que:
(...) nós certamente temos que fazer no âmbito de nossas análises sociais: procurar o fundamento, e não a simples causa, de todo ato, de toda representação, de todo fenômeno, a fim de perceber-lhe a razão interna, ainda que esta deva contrapor-se à razão funcional ou instrumental à qual nos habituamos (MAFFESOLI, 2005, p. 61).
116 Em agosto de 2005, a diretora adjunta para assuntos pedagógicos ligou para minha casa e convidou-me para assumir uma turma no IECN no turno da tarde. Seria sob a forma de contrato temporário, pois a professora havia falecido subitamente. Como avisar a turma? Eles iriam se chocar, afinal ela tinha apenas 24 anos! Por isso, segundo a diretora, pensou em alguém com “sensibilidade” para substituí-la. Infelizmente, não pude aceitar, dada as opções de horários e os vínculos com o mestrado. Mas, excluída a circunstância que motivou o convite, me senti recompensada.
A pesquisa desejou perceber, ainda como base na “razão interna”, como a instituição
trilhava seu papel de professores de nível médio e como seus autores/personagens
enfrentaram os princípios (im)postos pelas políticas educacionais, buscando obter através dos
depoimentos docentes e imagens simbólicas a expressão do ser-estar-junto-com o IECN. Esse
interesse ocorre, segundo Ricoeur (2001, p. 372), por ser “graças a essas constatações
refinadas que a história pode ter ambição de representar o passado, de dar-lhe uma espécie de
visibilidade”, auxiliando estruturação da “poética do espaço” na qual está inserida a escola,
podendo dessa forma contribuir para a “Produção de Sentidos do Curso Normal”.
Esse interesse provinha de um contexto sócio-político-educacional evidenciado no
período posterior a Lei 9.394/96, que propunha um outro locus formador docente, instituído a
partir do Artigo 63. Também priorizava a qualificação do profissional de ensino instituindo a
Década da Educação, prevista no Artigo 87, passando a contar um ano após da promulgação
da referida legislação de ensino.
Antes de ser abordado efetivamente o cenário educacional do IECN, fez-se
indispensável reconstituir a trajetória histórica do Curso Normal no contexto brasileiro.
Ao retratar a história, verificou-se, de acordo com os estudos bibliográficos, que o
Curso Normal passou por alternâncias de representatividade no cenário nacional, como bem
aludiu a letra da música que serviu de epígrafe da última parte desse estudo. A poética retrata
que “já podaram seus momentos, desviaram seu destino”117.
Após década de prestígio junto à sociedade brasileira, com destaque para função
docente, o curso de formação de professores veio, a partir da década de 60 do século anterior,
perdendo o seu perfil “sagrado” e tornando-se “profana”, como demonstrado por Ferreira
(2002).
Fase difícil para as Escolas Normais. Descaracterização, desvalorização, prioridade aos
cursos técnicos, todas essas denominações se apresentaram marcando e modificando a
imagem do Curso Normal em mais uma das opções oferecidas no segundo grau. Entretanto,
diante deste cenário de âmbito nacional, o IECN buscou em seu local (São Gonçalo) atender
às exigências legais sem perder o foco da qualidade do curso que oferecia. Foi assim que o
grupo de orientadoras, da qual a professora Felisberta era responsável, propôs a experiência do
117 Frase extraída da música: “Coração de Estudantes” (1983), composição de Wagner Tiso e Milton Nascimento.
“Autogoverno118” que por cinco anos (1971-1975) vigorou no IECN, estimulando a
participação e o comprometimento dos estudantes durante a Semana da Normalista119.
Numa fase educacional em que creditava-se maior visibilidade para os cursos
técnicos, o “Autogoverno” representou uma enorme motivação para estudantes, professores e
administração do IECN, possibilitando com a prática instituinte envolver a comunidade
escolar e não deixar esvaziar o sentido de ser uma escola que desejava manter-se referência na
formação de professores de nível médio.
A partir daí o projeto conquistou uma singular importância ficando devidamente
registrado na mente dos participantes, bem como foi/é um dado de referência da escola, não
apenas como mero saudosismo, mas a convicção de que o trabalho realizado “era de alto
nível”, conforme certificou a própria Felisberta em entrevista concedida especialmente para
esta pesquisa.
Além de saber sobre a trajetória do Curso Normal numa perspectiva histórica, tivemos
retratado no capítulo 4 o IECN enquanto uma instituição pertencente ao contexto social
específico, fator que conduziu ao seguinte questionamento: como uma escola de formação de
professores de nível médio se manteve/mantém ainda como locus de formador ante as
políticas públicas em educação?
Lembramos que São Gonçalo fica próximo aos municípios de Niterói e Rio de Janeiro
e dispõe de um número significativo de universidades, sejam instituições da rede pública ou
particular, e um Instituto Superior de Educação120. Mas, mesmo assim, o IECN registra
anualmente um considerado número de interessados em realizar o Curso Normal. Isto é
curioso, pois, como informado no segundo capítulo do estudo121, houve uma modificação da
grade curricular ampliando o tempo de formação para quatro anos e mesmo assim, a pesquisa
identificou que os estudantes “correriam atrás de vaga122”.
Informação que induziram-me a refletir sobre o que promovia/promove esse interesse?
Por que o Curso Normal do IECN ainda atrai esses estudantes? O que leva uma escola que
118 O projeto do Autogoverno foi abordado no capítulo 4 desta pesquisa e se refere à experiência vivida pelos estudantes durante uma semana. A experiência visava tornar os alunos responsáveis pela instituição, ocupando os mais diversos cargos administrativos. 119 Semana da Normalista - evento anual que culmina na apresentação de trabalhos e projetos. 120 Universidade pública: FFP/UERJ; Universidades privadas: UNIVERSO, Estácio de Sá, UNIPLI; e o Instituto Superior Anísio Teixeira (ISAT). 121 Como exposto na Resolução CNE/CEB n°. 2/99, o Artigo 3°., §4°., propõe a duração do Curso Normal para, no mínimo, 3.200 horas, distribuídas em 4 anos letivos, admitindo-se algumas adequações previstas em lei. 122 A prática de “correr atrás de vaga” era visível e possível até o ano de 2005, quando ainda não havia entrado em vigor a prova de acesso para o Curso Normal.
oferece as séries iniciais, recorrer ao IECN e solicitar a indicação de “normalistas” para
integrarem o seu quadro docente?
Essas foram algumas questões demonstradas na pesquisa, vindas de informações que
fazem valer o que foi apresentado ao longo das páginas. No espaço de São Gonçalo, o
“Normal é Vital” por representar ainda uma demanda de atuação docente nas séries iniciais da
Educação Básica123, fator que não tem a intenção de obstruir o reconhecimento das
universidades como um importante locus formador, bem como da necessidade de se buscar
uma continuada formação no magistério.
Contudo, há por trás da modalidade de ensino Curso Normal uma história de tradição
que não se apagaria facilmente, como realmente não apagou, mas que também não ficou
estagnada, perdida no tempo. Ao contrário, passou e passa por atualizações. Conclusão que
cheguei ao me basear nos relatos dos professores do IECN, que consideraram empreender,
nesse respectivo espaço, “uma prática que avança para atender as mudanças em sociedade”
(LUZIA) através de “boas discussões teóricas” (ÂNGELA).
Por ser uma escola grande, com professores bem qualificados, localizada em uma área
central do município, as informações fluem. Está foi uma categoria evidenciada pela pesquisa:
a troca foi/é motivo de destaque nas impressões transmitidas pelos docentes. A troca, no
sentido de estabelecer “um bom relacionamento tanto com os professores quanto com os
alunos” (LÚCIA).
Seguindo o proposto por Maffesoli (1984, p. 158), a troca “leva em conta toda
dimensão sensível da existência social: reinveste, enfim a carga mítica que move a socialidade
de base. Em resumo, ela chama atenção para este mistério dos fenômenos moventes (...)”.
Com base nesse entendimento, foi identificado no espaço do IECN que o agrupamento ocorre
por inúmeros fatores, podendo ser apreendido por: compartilharem das mesmas bases
teóricas, simpatia, atuarem no mesmo turno, por disciplina que ministram etc. Mas de todos
esses prováveis motivos de construção de vínculos, a pesquisa expressou nitidamente a
categoria afetual como legítimo representante, dentre as demais do ser-estar-junto-com o
IECN.
O fator afetual emergiu diversas vezes do fundo das aparências dos participantes,
fazendo os relatos ganharem a superfície do texto como expressão fidedigna da
representatividade que os profissionais estabelecem com a escola. Seja pela professora
123 Para obter a percepção do aluno do Curso Normal, solicitei às turmas do quarto ano a elaboração de um memorial que, embora não faça parte direta dessa pesquisa, serviu de base para sentir o que pensam os discentes do IECN. A partir dos relatos, identificou-se que alguns já atuam como professores.
Felisberta, que traduziu sob a forma de “coração partido” a árdua decisão de afastar-se do
IECN ou pelas respostas nos questionários, quando “Daniel” considerou que a instituição
representa sua própria “vida” chegando até a viver “quase uma vida paralela na escola” .
Considerando os depoimentos acima e com base na emoção do ser-estar-junto-com a
escola, não pura e simplesmente por vínculos de trabalho docente, mas por uma sinergia, faz
surgir como forma correlata à imagem da MÃE.
De acordo o simbolismo:
Mãe tem haver com a fertilidade, (...) a segurança do abrigo, do calor, da ternura e da alimentação; é também em contraposição, o risco da opressão pela estreiteza do meio (...) função alimentadora e guia (CHEVALIER e GHEERBRANT, 2005, p. 580).
O lado Mãe do IECN é verificado já na recepção da escola que tem exposto em
destaque o retrato da senhora Clélia Nanci. Figura altiva que simbolicamente lá se encontra
para receber seus alunos, professores, funcionário, estagiários e visitantes. Ela – Clélia Nanci
–, que em vida foi mãe de treze filhos, hoje abriga enquanto instituição, seis mil alunos-filhos
que num vai-e-vem diário desejam alcançar conhecimentos e profissionalização. Nesse
sentido, a Mãe é aquela que alerta, para o bem de seus filhos, para que cresçam educados e
responsáveis.
Dessa conjuntura, surgiu a percepção trazida por “Auxiliadora” ao comentar, que “no
momento em que nos encontramos sem esperança surge uma instituição como o IECN” que
ajuda a dar os primeiros passos rumo à vida profissional e também por isso, nutre de um
“carinho muito grande de ex-aluna”, num sentimento que a faz revigorar cotidianamente seu
entusiasmo com “multiplicadora” no Curso Normal.
Assim como a professora citada anteriormente, encontrar ex-alunos do IECN atuando
como docentes nesta instituição não representa ser uma missão impossível. Inclusive, alguns
deles enriqueceram este estudo através dos registros de imagens e textos, que fazem aludir
suas relações/sentimentos com a docência. Orgulho, satisfação, carinho, é o que sentem!
Esse imprinting, devidamente registrado no imaginário dos que foram formados pela
instituição, justifica o fato do professor “Daniel” “ter uma ligação uterina com a escola”, uma
imagem que cumula em suas palavras a relação filial como IECN, pois “50% de sua
existência estão encravados” neste espaço.
É uma parte na parte e nesse sentido Morin (2003a, p. 23) considera tratar-se do
“amor, mesmo que decorrente de um desenvolvimento cultural e social, não obedece à ordem
social: quando aparece, ignora barreiras, despedaça-se nelas ou simplesmente as rompe”. No
processo sistêmico institucional “Daniel” é parte desse todo que o reconhece e o acolhe
enquanto parte.
Embora transpareça nos relatos a satisfação de estar na escola, verificou-se também
que a vida nesse locus formador não era somente calmaria. Ao contrário, possui como parte
do processo sócio-político-cultural, um movimento que o impulsiona a garantir sua referência
no contexto educacional, expondo publicamente, por vezes, suas angústias, reivindicações e
propostas institucionais conduzindo as deambulações que ficaram sujeitas à escola. Situações
trazidas pela pesquisa que puderam ser relacionadas à imagem do “Barco”, simbolismo
evidenciado por “Lúcia” ao retratar sua percepção da escola. Porém, em uma análise mais
específica o “Barco” que fez emergir a superfície do texto o simbolismo do MAR.
Símbolo da dinâmica da vida. Tudo sai do mar e tudo retorna a ele: lugar dos nascimentos, das transformações e dos renascimentos. Água em movimento, o mar simboliza um estado transitório entre as possibilidades (...) (CHEVALIER e GHEERBRANT, 2005, p. 592).
Ao se buscar a interpretação simbólica de Mar, encontrou-se uma singular
coincidência, isto porque Mãe e Mar, em Chevalier e Gheerbrant (2005, p. 580) são
concepções representativas de “receptáculos e matrizes de vida”. Imagens correlatas que vêm
de forma a ratificar o sentimento de pertencimento afetual dos docentes, mas que estão
sujeitos às “transformações” e “renascimento”.
Apoiando-se no sentido expresso, coube perceber a visão cíclica de movimento
representativa do Mar. Este é o corolário da escola, semelhante ao vai-e-vem das ondas, faz
movimentar um renascimento sócio-cultural a partir da construção do conhecimento,
possibilitando alcançar o seu objetivo maior que “é a formação cidadã dos alunos”
(CATARINA).
Contudo, o Mar também exige “equilíbrio”. Esta foi uma categoria recorrente dos
docentes. Ter e alcançar o “equilíbrio” representou fator relevante nas interpretações evocadas
pelas imagens, o que promove uma batalha cotidiana na vida institucional, relacionado assim
o IECN a imagem do barco em alto mar que “percorre águas calmas e águas turbulentas”
(LÚCIA), necessitando estar bem preparado para realizarem com sucesso essa travessia, por
isso a necessidade de manterem-se em constante “qualificação e compromisso”, categorias
apontadas como características principais do significado de ser professor do Curso Normal.
Mas também, a partir da interpretação simbólica de Chevalier e Gheerbrant (2005, p.
593) o Mar “tem a propriedade de dar e tirar vida”. No mesmo sentido vivido pelo Curso
Normal, que esteve na “mira” das leis instituídas após a LDBEN 9.394/96, o fazendo oscilar
entre manter-se como unidade de ensino de formação de professores ou ser substituído pelos
ISEs.
A partir de estudo dos autores como Paiva (2003), Linhares e Silva (2003), foi
possível identificar que a questão girava em torno do controle do “mercado” de formação para
o magistério, tornando a partir da mais recente legislação de ensino, um campo promissor e
cobiçado por outras instituições de ensino como as Universidades e os Institutos Superiores.
Este último passou, desde então, a ter o respaldo legal, configurando-se em mais uma das
opções da formação docente. Foram momentos de insegurança, mas passada a tempestade
veio, enfim, a bonança, e hoje o IECN está aqui com sua história, pois o que ficou
demonstrado pela pesquisa é que houve sim, uma “mudança de nomenclatura” (INÊS), mas o
“IECN continua uma instituição que sabe o que quer e onde quer chegar” (AUXILIADORA).
Liberto das amarras do medo de ser substituído pelos ISEs, surgiu para o IECN a
imagem que representa a liberdade de continuar sua história com e na educação sendo
expressa pelo simbolismo do PÁSSARO.
(...) a palavra pássaro é muitas vezes tomada como sinônimo de destino. Símbolo da alma, tem um papel intermediário entre a terra e o céu (CHEVALIER e GHEERBRANT, 2005, p. 687).
O Pássaro remete a idéia de mover-se livremente, de alçar vôos, ousar manobras no ar.
Multiplicidade de sensações configuradas a partir da imagem evocada por “Ana” ao ilustrar
um menino com o dedo erguido para falar, num misto intermediário de educação-inquietação,
quando busca expor suas ansiedades.
Nesse sentido, para Morin (2004, p. 22), o “desenvolvimento da inteligência geral
requer que seu exercício seja ligado à dúvida”. Daí ser possível assimilar através da imagem e
do texto apresentado por “Ana” a proposta pedagógica perseguida pelo IECN, ao tentar
“modificar as atitudes dos alunos, fazendo com que se tornem mais dinâmicos, mais críticos
da realidade e capazes de enfrentar o cotidiano”. Toda essa tendência implementada visava,
na visão da professora, possibilitar a compreensão da complexidade dos fatos/fenômenos
pertencentes aos aspectos sociais que influenciam nas atividades diárias, exigindo,
indubitavelmente, sensibilidade para poder conviver com as situações imprevisíveis a qual
todos estão sujeitos. Comprovação esta que também é apontada por Maturana (2003, p. 18) ao
revelar que o “humano se constitui no entrelaçamento do emocional com o racional”.
Assim, ao emergir a sensibilidade compreensiva surgiu para estabelecer relação com
as sensações finais a imagem do CORAÇÃO.
(...) revelam ser esse o primeiro órgão que se forma e o último que morre. (...) A memória e a imaginação dependem do coração, bem como a vigilância (...). O coração tem papel central na vida espiritual. Ele pensa, decide, faz projetos, afirma suas responsabilidades (CHEVALIER e GHEERBRANT, 2005, p. 282).
Durante todo o percurso da pesquisa o Coração apareceu como órgão imagético vital
do IECN, como o link estabelecido por “Graça” ao expressar em sua imagem a relação em
que segundo ela está “tudo junto dentro de um só coração”.
Os batimentos “cardíacos” mais contundentes do IECN manifestaram-se nos vários
encontros observados na escola: no desfile cívico do município, no cantar o hino do IECN,
nos conselhos de classe, na Semana da Normalista, na reivindicação com o governo e em
tantos outros momentos/movimentos vividos pelos seus autores/personagens. Num pulsar,
que faz lembrar as palavras da professora Felisberta quando revelou, em sua reminiscência
que “tínhamos um entusiasmo por aquela escola que era uma coisa impressionante!”.
Esse entusiasmo configurou-se em slogan para escola, apresentado sob a forma de: Eu
o IECN que pode ser afixado nos armários, carros, pastas, paredes, camisas etc., tornando
visível aos olhos humanos o que se encontra devidamente guardado dentro do peito.
O Coração é o órgão correlato ao sensível, elemento que segundo Chaui (1993, p. 59)
representa “o forro que atapeta o visível”, dando a base para a estrutura do todo, tornando
possível perceber as tristezas e alegrias do lugar, situações que lhe conferem uma estética
específica, princípio constitutivo dos laços de um grupo, que nas palavras de Maffesoli (1999,
p. 38) ganham o sentido de ser “ética da estética”.
O simbolismo do Coração foi/é promovido por sensações de aconchego, abrigo e
acolhida ao chegar à escola, como demonstrado por “Inês” ao retornar ao IECN como
professora se sentindo protegida pelo cuidado que tiveram ao recebê-la no lugar “que já
admirava” no tempo de estudante. Depoimento que encontrou com “Daniel” similaridade ao
considerar ser o lado positivo do IECN, o fato de “encontrar ex-alunos dando testemunho” de
prazer em ter estudado nesta unidade de ensino.
Além dos depoimentos, ver e acompanhar a formatura fez conceber a imagem de nós
fusional, ao ser revivido pelos professores (ex-alunos). A renovação dos votos de
comprometimento com a escola e com o magistério, marcando nesse ato a tradição que
Balandier (1997, p. 37) entende como sendo “primeiro uma memória que o passado alimentou
(...)” e o presente vai revigorando.
Mas há dois simbolismos que traduzem resumidamente a proposta do IECN, que
foram apresentadas sob a forma de bandeira exposta no auditório. A primeira deseja transmitir
a ESPERANÇA e a outra, SOLIDARIEDADE.
Mensagens que não estão afixadas indiscriminadamente. São práticas e sentimentos
cultivados cotidianamente pelos autores/personagens que cederam suas vidas à escola. Fato
que encontrou devida ressonância no que foi expresso por “Catarina” ao perceber-se “como
em um ecossistema, onde as relações entre o todo os seres vivos formam uma teia”.
Nesse ambiente da escola há possibilidade de verificar relações “harmônicas e
desarmônicas, porém todas são importantes e de igual valor para o equilíbrio” da poética do
espaço, demonstrando haver uma força interna que não está exclusivamente com um ou com
outro elemento, mas perpassa os vários ambientes e pessoas. Maffesoli (1987, p. 21-2) explica
que assim “podemos dizer que aquilo que caracteriza a estética do sentimento não é de modo
algum uma experiência individualizada ou ‘interior’ (...) é abertura par os outros, para o
Outro”.
É nessa cooperação das partes, na união entre administrativo-pedagógico-alunos, que
cimentam as bases do IECN como um corpo forte, ficando suas partes em seu território,
cuidando da germinação de novos brotos, com todas as funções devidamente importantíssima
e indispensáveis à estrutura da escola fazendo surgir a imagem da ÁRVORE.
A árvore é o símbolo da vida, em perpétua evolução e em ascensão para o céu, ela evoca todos o simbolismo da verticalidade; (...) a árvore põe igualmente em comunicação os três níveis do cosmo: o subterrâneo, através de suas raízes sempre a explorar as profundezas onde se enterram; a superfície da terra, através de seu tronco e de seus galhos inferiores; as alturas, por meio de seus galhos superiores e de seu cimo, atraídos pela luz do céu (CHEVALIER e GHEERBRANT, 2005, p. 84).
A Árvore corresponde naturalmente ao caminho ascensional. Através dos professores
a Árvore veio significando: na germinação de uma nova vida (AUXILIADORA); degrau para
os macacos (ÂNGELA). O expresso pelos professores cumpre uma escala ascensionista,
primeiro nasce o broto e posteriormente vai galgando seus espaços para erguer-se em galhos
mais altos.
Nos diversos relatos, imagens, textos, observação do contexto levou-me a crer, pela
insistência de dados evidenciados, que a escola está com suas raízes fincada no município de
São Gonçalo, com expressa a própria letra do hino da escola: “plantando a semente em
canteiros escolares fazendo brotar o amor”. Demonstrando resistência às ventanias que
fizeram mover suas folhas, mas não derrubou seu tronco. Continua abrigando seus alunos-
pássaros em sua grande copa. Através do trabalha da fotossíntese das folhas, renova o ar, traz
beleza com suas flores e alimenta com seus frutos a vida educacional do município, tendo por
base os princípios apresentados por “Luzia” que são a “esperança, caminho profissional,
justiça, persistência e amizade”.
Conduzindo ao entendimento revelado pelos professores, qual seja, o IECN é um
espaço onde ainda é “uma instituição que possibilita a ascensão social e financeira para os
grupos da camada popular, sendo por isso extremamente importante para o nosso município”
(AUXILIADORA). Isso porque demonstra uma complementaridade, entre os aspectos de
múltiplas referências do indivíduo, que participam do todo organizacional. O nascimento, a
gradual evolução com a ajuda do professor, a oportunidade do equilíbrio entre todos que
compõem estes ambientes, numa visão cíclica própria de um “ecossistema”, que se completa
com o texto de “Daniel” ao expressar que “tudo aqui se inicia e aqui se finda”.
Nessa última parte se faz necessário ainda registrar o sentimento pessoal que construí
em relação ao locus que me deu prazer em conhecer e proporcionou-me, entre outras coisas,
elucidar porque uma aluna formada pelo “Clélia Nanci” mereceu destaque nas considerações
do diretor da escola onde tentei o meu primeiro emprego. Levei anos para descobrir o que o
diretor já tinha conhecimento na década de 80. Para finalizar trago um poema de um educador brasileiro que demonstrou com sua práxis de vida a possibilidade de confluir educação e
poesia. E com a mensagem poética encerro a Produção de Sentidos do IECN, mas estou certa que a vida lá continua a produzir cada vez
mais sentidos.
Escolhi a sombra desta árvore para repousar do muito que farei, enquanto esperava por ti.
Quem espera na pura espera vive um tempo de espera vã. Por isto, enquanto te espero trabalharei os
campos e conversarei com os homens. Suarei meu corpo, que o sol queimará;
Minhas mãos ficarão calejadas. Meus pés aprenderão o mistério dos caminhos; meus ouvidos ouvirão mais,
meus olhos verão o que antes não viam, enquanto esperarei por ti. Não te esperarei na pura espera porque
o meu tempo de espera é um tempo de que fazer. Desconfiarei daqueles que virão dizer-me: em voz baixa e precavidos:
É perigoso agir É perigoso falar É perigoso andar
É perigoso, esperar, na forma em que esperas, porquê esses recusam a alegria de tua chegada.
Desconfiarei também daqueles que virão dizer-me, com palavras fáceis que já chegastes, porque esses,
ao anunciar-te ingenuamente, antes te denunciam. Estarei preparando a tua chegada com o jardineiro
Prepara o jardim para a rosa que se abrirá na primavera.
O Cântico da Terra (Paulo Freire, 1971).
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