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UNIVERSIDADE DO EXTREMO SUL CATARINENSE - UNESC
UNIDADE ACADMICA DE HUMANIDADES, CINCIAS E
EDUCAO - UNAHCE
PROGRAMA DE PS-GRADUAO EM CINCIAS
AMBIENTAIS - PPGCA
MESTRADO EM CINCIAS AMBIENTAIS
ALICE MACCARI
VERTICALIZAO URBANA: UM ESTUDO SOBRE A
PERCEPO AMBIENTAL NA CIDADE DE CRICIMA, SC
CRICIMA
2016
ALICE MACCARI
VERTICALIZAO URBANA: UM ESTUDO SOBRE A
PERCEPO AMBIENTAL NA CIDADE DE CRICIMA, SC
Dissertao apresentada ao
Programa de Ps-Graduao em
Cincias Ambientais da
Universidade do Extremo Sul
Catarinense UNESC, como
requisito parcial para a obteno do
ttulo de Mestre em Cincias
Ambientais.
Orientadora: Prof. Dr. Teresinha
Maria Gonalves
CRICIMA
2016
FICHA CATALOGRFICA
ALICE MACCARI
VERTICALIZAO URBANA: UM ESTUDO SOBRE A
PERCEPO AMBIENTAL NA CIDADE DE CRICIMA, SC
Esta dissertao foi julgada e aprovada para obteno do Grau de Mestre
em Cincias Ambientais na rea de Psicologia Ambiental no Programa
de Ps-Graduao em Cincias Ambientais da Universidade do Extremo
Sul Catarinense.
Cricima, 26 de fevereiro de 2016.
BANCA EXAMINADORA
Prof. Dra. Teresinha Maria Gonalves (Presidente da Banca e
Orientadora - UNESC)
Prof. Dr. Nilzo Ivo Ladwig (Membro UNESC)
Prof. Dr. Jos Ivo Follmann (Membro Externo UNISINOS)
Alice Maccari
Mestranda
AGRADECIMENTOS
Agradeo, primeiramente, a Deus por ter me dado a oportunidade
da vida e por, atravs dela, me fazer viver momentos de luta e esforo,
que sempre so recompensados pela satisfao do dever cumprido.
minha famlia, principalmente ao meu pai (in memoriam) e minha me, que sempre me dedicaram muito amor, compreenso e
coragem e foram os grandes responsveis pela minha dedicao aos
estudos, nunca desistindo perante os obstculos.
Agradeo, em especial, amiga e orientadora Prof. Dr.
Teresinha Maria Gonalves, pela confiana em mim depositada e por
toda colaborao e dedicao que, por meio de seu conhecimento, foram
fundamentais para a concluso do presente estudo. A ela agradeo
tambm por ser a coordenadora do Laboratrio de Meio Ambiente,
Desenvolvimento Urbano e Psicologia Ambiental, do qual tive a
oportunidade de fazer parte por dois anos, usufruindo e participando das
pesquisas realizadas, as quais me trouxeram muito conhecimento e
maturidade que no estiveram restritos apenas vida acadmica.
Estendo meus agradecimentos a todos os moradores do bairro
Comercirio, em Cricima, os quais se propuseram a participar
voluntariamente desta pesquisa, contribuindo para enriquecer ainda mais
o presente estudo.
A todos os colegas do Mestrado em Cincias Ambientais da
UNESC e s demais pessoas que contriburam de forma direta ou
indireta para a concluso deste trabalho, o meu singelo agradecimento.
Uma cidade no um
acampamento de cimento
armado. Quem lhe d vida, alma,
carter, movimento, no so as
mquinas que a fazem, mas
aqueles que a habitam e a
possuem.
Nasser, 1960
RESUMO
Com o crescimento das cidades em um ritmo acelerado, o surgimento
das construes verticais torna-se cada vez mais comum para atender
exigncia de moradia para a populao. A verticalizao tem sua
importncia na medida em que favorece a otimizao do solo e, se
ocorrer de forma planejada, oferece aos seus usurios conforto,
comodidade e segurana. No entanto, estudos como o de Nazrio
(2009) mostram que com relao s relaes sociais, tambm se pode
considerar que a moradia em edifcios tende a afastar as pessoas de seu
convvio social, na perspectiva de uma vida coletiva, por isolar o
morador dentro de seu apartamento. Tendo em vista essa nova forma de
morar e a sua disseminao cada vez mais frequente nos centros
urbanos, volta-se, neste estudo, o olhar para os moradores residentes em
edifcios. A preocupao desta pesquisa verificar a percepo
ambiental (entendida como a percepo do ambiente sociocultural onde
vivem) dos moradores residentes em reas verticalizadas, levando-se em
considerao a apropriao do bairro e da casa, os modos de vida na
moradia vertical e a percepo do entorno dos edifcios. O lugar
escolhido para a pesquisa foi o bairro Comercirio, localizado na regio
central da cidade de Cricima, SC, que sofreu um intenso processo de
verticalizao nos ltimos anos. Para o desenvolvimento da pesquisa
foram entrevistados 26 moradores de edifcios localizados no bairro
Comercirio. O estudo foi realizado por meio de uma pesquisa de
natureza qualitativa, cujo mtodo empregado foi o estudo de caso e a
tcnica de pesquisa a entrevista semiestruturada. Pode-se destacar como
principais resultados, que a moradia vertical atrai moradores ao estar
relaciona s questes de segurana, conforto e mobilidade para os
usurios. Com relao aos espaos de troca de experincias, como as
praas, os parques e a prpria rua; assim como as relaes sociais entre
os indivduos, percebeu-se que no so habituais para os moradores do
bairro Comercirio.
Palavras-chave: Vida coletiva. Verticalizao urbana. Apropriao do
espao. Percepo ambiental.
ABSTRACT
With the growth of cities in an increasingly fast pace the emergence of
vertical buildings is becoming increasingly common to meet the housing
requirement for the population. The vertical has its importance as it
promotes soil and optimization if it is built in a planned manner, also
offers its users, comfort, convenience and "security". However, studies
show how the Nazrio (2009) that with regard to social relations, you
can also consider that housing in buildings tends to turn people away
from their social life from the perspective of a collective life by tending
to isolate the resident inside his apartment. In view of this new way of
living, and its increasingly frequent dissemination in urban centers back
up this research, look for residents residents in buildings. The concern of
this research is to verify the environmental perception (understood as
the perception of socio-cultural environment in which they live) of
residents residents in verticalized areas taking into account the
appropriation of the neighborhood and the house, the way of life in
vertical housing and the perception of surroundings buildings. The place
chosen for the research was the Comercirio neighborhood, located in
the central city of Criciuma, who suffered an intense process of vertical
integration in recent years. For the development of the research were
interviewed 26 residents of buildings located in Comercirio
neighborhood. The study was conducted through a qualitative research,
the method used was the case study and the research technique was the
semi-structured interview. Can be highlighted as the main results, the
vertical housing attracts residents to be related to safety, comfort and
mobility for users. With regard to exchange experiences spaces such as
squares, parks and the street itself; as well as social relations between
individuals, it was noticed that are not usual for residents of the
neighborhood Comercirio.
Keywords: Collective life. Vertical urban. Appropriation of space.
Environmental awareness.
LISTA DE FIGURAS
Figura 1 As vilas operrias que existiam no municpio de Cricima. 23 Figura 2 Mapa identificando a rea de estudo dentro do municpio de
Cricima, SC. ........................................................................................ 69 Figura 3 Imagens de algumas ruas do bairro Comercirio, em
Cricima, as quais caracterizam sua verticalizao. ............................. 72 Figura 4 Mapa do bairro Comercirio apresentando o recorte da rea
verticalizada. ......................................................................................... 77
LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS
EIV Estudo de Impacto de Vizinhana
PA Psicologia Ambiental
UNESC Universidade do Extremo Sul Catarinense
SUMRIO
1 INTRODUO ................................................................................ 19 1.1 SOBRE A CIDADE DE CRICIMA ............................................. 20 2 OBJETIVOS DA PESQUISA ......................................................... 27 2.1 OBJETIVO GERAL ....................................................................... 27 2.2 OBJETIVOS ESPECFICOS .......................................................... 27 2.3 JUSTIFICATIVA ............................................................................ 27 3 REFERENCIAL TERICO ........................................................... 29 3.1 DAS CIDADES............................................................................... 29 3.2 PLANEJAMENTO URBANO........................................................ 34 3.2.1 Plano Diretor e Relaes de Poder ............................................ 38 3.2.1.1 Plano Diretor e Capital Imobilirio ........................................... 39 3.2.1.2 Planos Diretores de Cricima: Histrico e Influncias ............. 40 3.3 VERTICALIZAO URBANA .................................................... 42 3.4 CIDADES VULNERVEIS X CIDADES SUSTENTVEIS ...... 48 3.5 PSICOLOGIA AMBIENTAL ......................................................... 54 3.5.1 A Psicologia da Percepo e a Percepo Ambiental .............. 58 3.5.2 O espao urbano e as colaboraes da Psicologia Ambiental . 61 3.5.2.1 Espao e Lugar .......................................................................... 61 3.5.2.2 A Identidade de Lugar ............................................................... 63 3.5.2.3 Morar e Habitar ......................................................................... 64 3.5.2.4 No entorno da morada ............................................................... 65 4 METODOLOGIA ............................................................................ 68 4.1 APRESENTAO DO LOCAL DA PESQUISA .......................... 68 4.2 CARACTERIZAO DA PESQUISA .......................................... 73 4.3 PROCEDIMENTOS METODOLGICOS .................................... 76 5 APRESENTAO E ANLISE DOS DADOS ............................ 79 5.1 O PERFIL DOS ENTREVISTADOS ............................................. 79 5.2 COM RELAO APROPRIAO DO BAIRRO E DA
CASA......... ........................................................................................... 79 5.3 MODOS DE VIDA NA MORADIA VERTICAL .......................... 81 5.4 PERCEPO AMBIENTAL DO ENTORNO DO EDIFCIO ...... 88 6 CONSIDERAES FINAIS .......................................................... 94 REFERNCIAS .................................................................................. 97 APNDICES ...................................................................................... 107 APNDICE A ROTEIRO DA ENTREVISTA ............................ 108 APNDICE B TERMO DE CONSENTIMENTO LIVRE E
ESCLARECIDO ............................................................................... 112 APNDICE C PARECER DO COMIT DE TICA ................ 114
19
1 INTRODUO
A opo pelo estudo do meio ambiente urbano se deu devido ao
interesse despertado na disciplina isolada de Gesto Ambiental, no
mbito do programa de Ps-Graduao em Cincias Ambientais da
Universidade do Extremo Sul Catarinense UNESC (Mestrado,
segundo semestre de 2013), da qual participamos. O estudo trata do
adensamento da cidade de Cricima, expresso na vertiginosa
verticalizao que o municpio vem apresentando e nos seus efeitos em
termos de problemas socioambientais urbanos. Por meio da contribuio
da Psicologia Ambiental, que procura estudar o homem em seu contexto
fsico e social, o estudo refere-se percepo ambiental dos moradores
de reas verticalizadas. No caso em questo, compreende os moradores
do bairro Comercirio, da cidade de Cricima, situada no extremo sul de
Santa Catarina, Brasil.
A cidade de Cricima, para a qual este estudo est voltado,
segundo Gonalves, Destro e Rocha (2009), apresenta um perodo de
extensa especulao imobiliria, em que alguns de seus bairros centrais
esto sendo abruptamente verticalizados sem nenhuma responsabilidade
ou preocupao com a criao de espaos que venham contribuir para
uma melhor qualidade de vida da cidade, o que vem refletindo em
consequncias na vida social de seus moradores.
So vrios os problemas socioambientais decorrentes do
adensamento das cidades, dentre eles podemos citar o surgimento das
ilhas de calor decorrentes dos corredores de edifcios, a falta de
arborizao, a impermeabilizao do solo, das ruas, das caladas.
Tambm podemos citar o impacto sobre os servios bsicos de
infraestrutura, como a rede de esgotamento sanitrio, a rede de gua e a
de outros servios, como telecomunicaes, servios de sade, de
educao, de transporte, de mobilidade urbana e, principalmente, a
carncia de espaos pblicos que favoream as relaes entre as
pessoas. Esse espao sociofsico enclausura as pessoas em uma rea
cujo terreno seria a base fsica de uma casa, mas que passou a abrigar 40
ou mais famlias em um edifcio.
Vrios motivos levam verticalizao, desde as justificativas
tcnicas em termos de reduo de custos em relao s redes de gua,
energia e esgoto sanitrio at a ideologia da segurana. Esta
pseudossegurana, hoje, se constitui em uma verdadeira indstria de
equipamentos eletrnicos desde cmeras at cercas eltricas , o que
nos faz lembrar as prises. Outro motivo, segundo Carvalho (2013), a
interferncia do capital imobilirio sobre o desenvolvimento urbano. A
20
produo do espao urbano envolve um conflito entre duas posies: os
moradores da cidade que lutam por uma melhor qualidade de vida e o
capital imobilirio, que tem como base os interesses econmicos, busca
um maior retorno financeiro e a maximizao dos lucros, alm de
transformar as cidades em verdadeiras mquinas de crescimento.
O que se percebe no processo de verticalizao urbana da maioria
das cidades, inclusive da cidade de Cricima, que existe um embate
entre os propsitos do planejamento urbano e o do capital imobilirio
que costuma reger o modelo de desenvolvimento da cidade. A
consequncia, entre outras, a modificao da paisagem e da
morfologia urbana. Tendo em vista essa realidade urbana, este estudo
tem a finalidade de investigar a percepo ambiental dos moradores de
reas verticalizadas, de que forma se d a apropriao do bairro e da
casa, quais os modos de vida em moradias verticais e como esses
moradores percebem o entorno dos seus edifcios, ou seja, a viso que
eles possuem do espao urbano do seu bairro.
Esses problemas de percepo do espao vm ganhando o
interesse cada vez maior de gegrafos, socilogos, antroplogos,
psiclogos ambientais e urbanistas. So muitos os trabalhos realizados e
aplicados ao planejamento urbano das cidades, contudo, nem sempre
essa poltica de ordenamento espacial leva em conta os anseios e as
necessidades do contingente populacional urbano.
1.1 SOBRE A CIDADE DE CRICIMA
Cricima uma cidade de porte mdio, localizada na regio
carbonfera do sul de Santa Catarina. Est assentada sobre o bioma Mata
Atlntica e possui uma populao estimada para o ano de 2015,
conforme os dados do IBGE (2015), de aproximadamente 207.000
habitantes. Alm dos problemas urbanos que acometem toda e qualquer
cidade, segundo o estudo de Souza e Milioli (2012), o municpio se
caracteriza pela expressividade de impactos socioambientais
cumulativos decorrentes da atividade carbonfera realizada de maneira
predatria durante muitos anos.
Segundo Nascimento (2004), para compreender o processo de
formao da cidade de Cricima, deve-se levar em conta dois grandes
tempos fundamentais: o da minerao e o da agricultura, que so
responsveis pela formao histrica do seu espao urbano. Esse espao
no expressamente definido em rea ou em quilmetros quadrados,
mas em uma obra humana, em um produto histrico, resultante de todas
as aes humanas no decorrer da histria do lugar.
21
Quando da ocupao do municpio pelos imigrantes, a regio era
habitada por nativos das tribos Carij e Xokleng que, segundo
Nascimento (2004), se mantinham com a caa, com a pesca e com a
coleta de frutos silvestres, numa vasta rea de Mata Atlntica. medida
que os primeiros colonizadores foram chegando ao local em busca de
terras para plantar e de uma melhor qualidade de vida, o confronto pela
disputa do territrio1 teve incio. Os imigrantes passaram, ento, para a
construo de seu territrio, ao mesmo tempo que destruam o territrio
indgena.
A atividade dos colonizadores no municpio era essencialmente
agrcola e de pecuria de subsistncia, assim como em toda a regio. O
solo frtil e o consequente aumento da produo proporcionaram o
desenvolvimento dessas atividades, tornando a agropecuria a principal
fonte de economia do municpio por muitos anos.
A partir da descoberta do carvo no ano de 1913 e de sua
explorao em Cricima no incio da dcada de 1920, a configurao
territorial deste municpio teve incio. Segundo Nascimento (2004), a
praa, as ruas e a igreja passaram a ser representativos dessa
temporalidade na formao do espao urbano do municpio. Como
complementam Balthazar e Pimenta (2005), a explorao do carvo
mineral tornou-se o principal fator econmico do municpio, mas por ser
realizada de maneira artesanal, necessitava de uma quantidade de mo
de obra suficiente, o que gerou uma intensa busca pela regio, iniciando
o processo de crescimento demogrfico da cidade.
O processo de urbanizao do municpio de Cricima teve incio
com a abertura das minas e com a criao das vilas operrias, pois onde
o carvo aflorava, era aberta uma mina e ao redor dela eram construdas
as casas dos mineiros, constituindo, desse modo, as vilas operrias.
Nesse processo abrupto, a indstria do carvo ia produzindo o espao
urbano da cidade (GONALVES; MENDONA, 2007).
medida que foram abertas novas minas de carvo, as empresas
passaram a construir pequenas casas de madeira nas proximidades
dessas minas, de forma a atender os operrios mineiros, o que atraiu e
fixou mais ainda a mo de obra. As vilas operrias eram ncleos quase
independentes que contavam com aougues, escolas, igrejas, armazns,
clubes de dana e campos de futebol (NASCIMENTO, 2004). Nesse
perodo, a paisagem predominante do municpio eram as minas e as
1 O territrio no pode ser visto apenas como a base material geogrfica,
mas como um campo relacional que inclui movimento, conexes e aes
polticas. (SOUZA, 2006)
22
vilas operrias e praticamente toda a sua economia girava em torno da
minerao.
Como pode ser observado, segundo Cmara (2004), diferente de
grande parte das cidades brasileiras, que se baseiam em duas reas bem
definidas, a rural e a urbana, o municpio de Cricima foi se
conformando a partir de trs reas distintas: a rea central, ncleo
gerado pelo cruzamento das estradas que ligavam as vilas e os
assentamentos coloniais, alm de centralizar as atividades
administrativas e econmicas; as reas rurais, caracterizadas pelas
pequenas propriedades rurais estabelecidas no entorno da rea central; e
as vilas operrias, que eram tidas como reas residenciais situadas no
entorno das reas de minerao de carvo. Ao longo do tempo, essas
reas foram sendo redefinidas dentro do processo de crescimento do
municpio, apresentando novas dinmicas e funes, que hoje
caracterizam as novas funes urbanas da cidade.
23
Figura 1 As vilas operrias que existiam no municpio de Cricima.
Fonte: Goularti Filho (2004).
O modelo extrativista carvoeiro da regio privilegiou o lucro fcil
e imediato, desconsiderando os custos sociais e ambientais, o que
24
resultou no comprometimento da qualidade socioambiental do
municpio atingindo propores alarmantes , problemtica
evidenciada tanto na degradao dos elementos da natureza (gua, ar,
solo, relevo, vegetao, fauna) quanto naqueles da sociedade
(GONALVES; MENDONA, 2007).
A atividade de extrao e beneficiamento do carvo, segundo
Lopes, Santo e Galatto (2009), por muito tempo foi realizada de maneira
predatria, o que fez com que surgissem os problemas ambientais que
afetaram a Bacia Carbonfera Catarinense, pois, devido carncia de
planejamento, tecnologia e polticas ambientais durante muitos anos, as
carbonferas no adotaram tcnicas adequadas para a disposio de
rejeitos, deixando expostas no ambiente as pilhas de rejeitos e as lagoas
de guas cidas.
Com relao aos recursos hdricos, segundo o estudo de Back
(2009), as guas das bacias que drenam a regio carbonfera sofreram
com os impactos ambientais e com o seu elevado grau de poluio
decorrente da explorao do carvo. Em funo disso, os recursos
hdricos da regio carbonfera encontram-se seriamente comprometidos
pela minerao, beneficiamento e uso do carvo.
Durante muitos anos, segundo Menezes e Waterkemper (2009),
os rejeitos de carvo foram depositados em banhados e margens de rios,
poluindo as guas e deixando o solo improdutivo. Alm disso, eles
invadiram as terras utilizadas pelos agricultores que residiam no entorno
dos empreendimentos. Hoje, os recursos hdricos da regio possuem
elevada acidez e alta concentrao de metais pesados, somando-se a essa
realidade a degradao do ar e do solo do municpio.
Ainda com relao aos impactos causados pela atividade
carbonfera no municpio, de acordo com Gonalves e Mendona
(2007), a atividade de minerao foi extremamente insalubre, sendo que
vrias doenas acometeram a populao, tais como pneumoconiose,
bronquite, rinite, leses na coluna vertebral e nas articulaes, dentre
outras, devido, principalmente, s precrias condies de trabalho
apresentadas, como a presena de fumaa, p, lama, pouca ventilao,
confinamento no escuro, condies at ento minimizadas pela
mecanizao do processo produtivo.
Segundo Montibeller-Filho (2009), a economia da regio
carbonfera de Santa Catarina, principalmente de Cricima e regio,
hoje est estruturada sobre diversos setores de atividades, mas,
historicamente, essa estrutura foi forjada a partir da atividade
mineradora implantada na regio desde cerca de um sculo. Essa mesma
regio incorporou empreendimentos tipicamente industriais, como
25
mdias e grandes cermicas de revestimento e pequenas olarias
produtoras de telhas e tijolos.
O autor destaca ainda que as principais atividades do setor
secundrio presentes na regio de processamento e transformao da
matria-prima, isto , a indstria esto estreitamente vinculadas a
importantes processos de desgaste ambiental e degradao do meio
ambiente. De um lado, o gradativo e contnuo esgotamento dos recursos
naturais no renovveis, o carvo mineral e a argila prpria ao fabrico
de telhas e pisos, alm da utilizao da floresta local, hoje rara, como
fonte de energia. De outro, decorrente do processo de produo, o
problema da sade do trabalhador na atividade e a gerao de reas
degradadas; todos os problemas ambientais derivados da lavao do
carvo e depsito de seus rejeitos, o que compromete os rios e os lenis
freticos; bem como a fumaa e os resduos da queima de lenha nas
olarias, que geram poluio atmosfrica e malefcios sade pblica
(MONTIBELLER-FILHO, 2009).
A atividade de minerao, entretanto, depois de seu auge, sofreu,
no final da dcada de 1960, com a forte presso do governo para
aumentar a produo carbonfera. Por meio de incentivos e subsdios
financeiros para a mecanizao das minas, comearam a surgir os
reflexos dessa mudana: a frente de trabalho foi reduzida, aumentando o
nmero de desempregados das minas de carvo. Para amenizar essa
forte crise na indstria carbonfera, por efeito, o governo concedeu
incentivos financeiros como forma de estimular a instalao de novas
indstrias no municpio, de maneira a diversificar a economia da regio
(BALTHAZAR; PIMENTA, 2005).
Em meados da dcada de 1970, o municpio passou por um
processo de diversificao das atividades econmicas, consolidando-se
na regio, alm das empresas de minerao, as indstrias cermicas,
txteis, metalrgicas e de plsticos. O setor imobilirio tambm mostrou
um significativo crescimento nesse perodo, apresentando como
consequncia o incio do processo de verticalizao na rea central da
cidade de Cricima, com a construo de edifcios altos, marcando a
transformao da paisagem urbana da cidade (BALTHAZAR;
PIMENTA, 2005).
A modernidade, por meio da verticalizao dos edifcios, segundo
Adami (2015), apagou grande parte das marcas deixadas pela atividade
carbonfera na paisagem criciumense, incluindo tambm os
comprometidos cursos dgua do rio Cricima e suas margens.
A cidade passou a se transformar abandonou a horizontalidade
at ento caracterstica e seguiu o rumo da verticalizao. Na regio
26
central, houve a construo de trs edifcios o Edifcio Comasa, o
Hotel Cavaller e o Unio Turismo Hotel que foram marcos
importantes, pois foram construdos com onze pavimentos cada um. Os
trs imveis so facilmente percebidos e considerados marcantes na
paisagem urbana da cidade, alm de caracterizarem o incio dessa
transformao (BALTHAZAR; PIMENTA, 2005).
27
2 OBJETIVOS DA PESQUISA
2.1 OBJETIVO GERAL
Analisar a percepo ambiental dos moradores de um bairro
verticalizado na cidade de Cricima, SC.
2.2 OBJETIVOS ESPECFICOS
- Identificar a apropriao do bairro e da casa dos moradores
entrevistados;
- Verificar os modos de vida em habitao vertical, considerando
a relao de vizinhana e os momentos de lazer;
- Analisar a percepo das pessoas em relao ao entorno
sociofsico e s alteraes fsicas e ambientais observadas;
- Contribuir para os estudos do ambiente urbano no mbito das
Cincias Ambientais.
2.3 JUSTIFICATIVA
A verticalizao urbana, cada vez mais presente tanto em cidades
mdias quanto grandes, no leva apenas a uma mudana significativa na
paisagem da cidade; as consequncias dessa nova forma de morar
costumam ir alm, sendo capazes de causar transformaes nos
significados atribudos ao espao urbano, nos valores e, principalmente,
nas relaes interpessoais.
Hoje, no mais possvel que os rgos pblicos responsveis
pelos planejamentos urbanos tragam projetos e solues prontos
populao. A participao popular um direito assegurado no Estatuto
da Cidade (Lei n 10.257, de 10 de julho de 2001) e condicionado
aprovao do Plano Diretor do municpio. um consenso indispensvel
para que se possa evoluir na busca da progressividade e da
sustentabilidade, conceito surgido ao longo do processo, desde o seu
incio em 1992.
Ainda assim, percebemos que a verticalizao de espaos dentro
das cidades no um processo realizado de forma democrtica, visto
que na produo do espao urbano so muitos os agentes responsveis
por sua configurao, uns com mais poder do que os outros, os quais, na
maioria das vezes, transformam este espao em produto, em uma
mercadoria de valor, buscando lucros altos.
28
O cotidiano do espao urbano, como colabora Kanashiro (2003),
est dominado pelas ideias de eficincia e funcionalidade em detrimento
aos demais valores. A cidade, por consequncia, passa a ser entendida
como um emaranhado de problemas de ordem tcnica e funcional,
esquecendo-se dos valores pessoais, histricos e culturais, alm da
dimenso sensorial e psicolgica das comunidades. (KANASHIRO,
2003, p. 163).
Estudos de percepo em relao aos modos de vida urbana
fazem-se necessrios para termos uma compreenso mais prxima da
realidade da cidade, seja para sua melhoria como um todo, sua proteo
e ampliao, como forma a garantir para o ambiente citadino um espao
agradvel para o convvio social e urbano.
Em estudos de percepo, como este voltado aos moradores das
reas verticalizadas do bairro Comercirio, possvel observarmos a
conscincia que os moradores tm do mundo que os cerca, suas
motivaes e condutas, visto que se deve considerar no ordenamento
dos espaos de nossas cidades, os aspectos invisveis, ou seja, aqueles
capturados pelos sentidos, muitas vezes, de maior intensidade
emocional.
Neste sentido, a compreenso da percepo da populao sobre o
bairro aponta a viso da comunidade local; identifica os problemas
infraestruturais; subsidia polticas pblicas de ordenamento do solo e
orienta no desenvolvimento de programas especiais; sendo fundamental
para a melhoria da qualidade do ambiente urbano.
29
3 REFERENCIAL TERICO
3.1 DAS CIDADES
O sculo XIX, com o advento da Revoluo Industrial, foi
marcado pelo surgimento em massa das mquinas, modificando os
costumes e a economia e causando transformaes cada vez mais
profundas no modo de vida da populao. Isso possibilitou que uma
intensa agitao tomasse conta dos homens e de seus pensamentos, que
um novo ritmo, criador de novas atitudes, fosse instalado (LE
CORBUSIER, 2000).
Segundo Lefebvre (1991), a industrializao comea quando
nasce o capitalismo concorrencial2 e os centros urbanos comeam a
prosperar com o artesanato, produo bem distinta da agricultura. A
transformao da matria-prima em mercadoria cria uma nova classe, a
dos artesos (alfaiates, sapateiros, ourives, chapeleiros, marceneiros,
ferreiros, ferramenteiros, farmacuticos, doceiros, cozinheiros), que,
como no poderia deixar de ser, explorava, de certa forma, os
camponeses, apesar de apoiar as comunidades e a libertao destes. A
cidade industrial no acumula apenas o dinheiro e inaugura a explorao
do trabalho por meio da mais-valia, ela tambm se constitui em centros
de vida social e poltica, no apenas de riquezas, mas, sobretudo, de
conhecimentos, tcnicas e obras de arte (LEFEBVRE, 1991).
A cidade, ainda segundo o autor, atrai grandes aglomeraes no
s em busca de trabalho, mas de outras necessidades, como
conhecimento, servios especializados de sade e tecnologia. As pessoas
pobres escolhem morar precariamente nas periferias das cidades porque
esperam ter acesso, nesses lugares, a estes servios que hoje ns
chamamos de direitos sociais.
Quanto mais servios e trabalhos uma cidade oferece, mais
aumenta a sua populao e mais difcil fica a sua gesto, visto que exige
maiores investimentos em sua infraestrutura. A verticalizao das
cidades consequncia dessa exploso demogrfica. Ela foi uma
soluo encontrada para que mais gente ocupe o mesmo espao.
Defende Lefebvre (1991) que o processo de urbanizao foi decorrente
do processo de industrializao. Segundo o autor, a problemtica urbana
tem um ponto de partida: o processo de industrializao, que foi o
motor das transformaes na sociedade.
2 Competio no mercado que induziu a novas formas de regulamentao e
incorporao de novas tecnologias no processo de produo. (SILVA, 2007)
30
Segundo Gonalves (2015), a cidade sob esse ponto de vista
marxista que nos traz Lefebvre uma obra com o valor de uso e o
produto que ela produz valor de troca. O espao da cidade passa a ser
usado como palco para esta grande festa que a produo, o consumo e
a troca. A realidade da cidade industrial complexa e contraditria; ao
contrrio das cidades medievais, que no seu apogeu centralizavam as
riquezas, a burguesia industrial investe improdutivamente uma grande
parte de suas riquezas nas cidades que dominam. Com o capitalismo
comercial e bancrio, a riqueza se torna mvel e as trocas se do por
meio de circuitos e permitem a transferncia de dinheiro. Dessa forma, a
riqueza no processo de industrializao deixa de ser predominantemente
imobiliria. Em contrapartida, a cidade conserva um carter orgnico de
comunidade que vem da aldeia e que se traduz na organizao
corporativa. Segundo Lefebvre (1991), isso impede que as lutas de
classe se explicitem.
Como complementam Barbosa e Nascimento Jnior (2009), a
cidade est organizada pela lgica do capitalismo, em que: fundamental compreender que o crescimento da
cidade, o processo de urbanizao e
industrializao, as modificaes feitas na cultura
e a ocorrncia de novas tecnologias provocadas
pela mdia no desenvolvimento do ambiente
urbano so expresses de uma das maneiras de
apropriao e de acumulao do capital.
(BARBOSA; NASCIMENTO JNIOR, 2009, p.
24).
A cidade, segundo estes autores, tem um valor que pode ser
atribudo ao de uso ou ao de troca. O significado da cidade para o capital
fica evidente: ser objeto de reproduo e de lucro, de apropriao pelos
atores hegemnicos (grandes investidores, donos de terras, sistema
financeiro, empresas imobilirias e de construo civil).
por meio de todo esse processo que a cidade comea a se
redesenhar, pois as leis que a regulam ficam submetidas busca
incessante dos superlucros e da extrao da mais-valia coletiva que
acontece, por sua vez, em detrimento das populaes que sofrem com a falta dos diversos equipamentos urbanos: escolas, postos de sade, ruas
com pavimentao asfltica, saneamento bsico (gua, esgoto e luz
eltrica), e ainda convivem com habitao inadequada e praas
deterioradas.
31
Portanto, cabe ressaltar que no o crescimento urbano em si o
causador dos problemas citadinos, mas sim a situao concreta nas
relaes promovidas entre o capital e o trabalho, engendradas pelas leis
de mercado que criam as necessidades e acentuam os desequilbrios no
ambiente urbano (BARBOSA; NASCIMENTO JNIOR, 2009).
Carlos (2004) vem numa posio no ortodoxa, diferente de
Lefebvre, e coloca a cidade no mais como mero reflexo da
industrializao e do modo capitalista de produo. A cidade, no
raramente, vem sendo pensada dissociando-se o seu quadro fsico e o
meio ambiente urbano (dimenso naturalizada). Em ambos os casos,
oculta-se o contedo da prtica socioespacial que lhe d forma e
contedo. O sentido da cidade acaba sendo reduzido quela de condio
da reproduo do capital, como faz Lefebvre, ou da dominao do
estado, esvaziando-se em ambas o sentido da vida humana, o que nos
revela que a cidade est em crise.
impossvel pensar a cidade separada da sociedade, pois,
segundo Carlos (2004), ela considerada uma construo humana.
construda por meio de um processo histrico-social. Nessa dimenso, a
cidade aparece como um trabalho materializado acumulado ao longo do
processo histrico e desenvolvido por uma srie de geraes. O sistema
capitalista um sistema social e produziu a sociedade industrial. Hoje,
se falarmos que estamos na ps-modernidade, a cidade vai muito mais
alm daquela concebida por Lefebvre e no se configura mais como
espao para reproduo do capital. Ela expresso da significao da
vida humana, pois o processo de individuao, ou seja, o processo de
tornar-se sujeito acontece para o habitante da cidade na sua relao com
o espao urbano.
Na perspectiva de Carlos (2004), a sociedade produz o espao e
este espao, apropriado nesta perspectiva, a cidade. O homem habita
espaos e dele se apropria. Ao fazer uma casa, o homem faz dela o local
para a realizao de sua vida, o que significa que a apropriao se refere
a um lugar determinado do espao. A vida cotidiana exprime-se como
ao e ato, ou seja, uma atividade humana marcada fortemente pela
vida. A vida urbana a vida de encontros e desencontros, encontros com
os diferentes e com os semelhantes. No h outro espao social como a
cidade para propiciar esse aprendizado de tolerncia com o diferente,
com o novo. O espao fsico reduzido das grandes cidades coloca,
forosamente, um grande nmero de pessoas vivendo lado a lado. Um
edifcio o exemplo mais emblemtico dessa realidade.
Estamos acostumados a achar que a morfologia da cidade se d
apenas pela sua estrutura arquitetnica e pelo traado urbano. Sennett
32
(1994) coloca claramente em sua obra, Carne e Pedra, que os corpos
das pessoas, ao se amontoarem nas ruas, nos terminais de nibus, nas
sadas das fbricas, nas manifestaes, compem com a paisagem
arquitetnica a morfologia urbana. Portanto, o que d forma cidade
no so apenas as obras feitas pelos fazedores da cidade (arquitetos,
engenheiros, etc.), mas sim a vida humana que habita todos os seus
espaos. Enquanto pensarmos que o planejamento urbano se reduz a
formas e no ao contedo (pessoas), estamos fadados a no encararmos
de frente os problemas urbanos reais.
Nas palavras de Cullen (1983, p.9), uma cidade algo mais do
que o somatrio dos seus habitantes. Para o autor, uma unidade capaz
de gerar um excedente de bem-estar e de facilidades que levam a
maioria das pessoas a preferirem a vida em comunidade a viverem
isoladas, independente de outras razes (CULLEN, 1983).
As vrias definies de cidade, por mais que variem na
concepo de diferentes autores, para Singer (1979) acabam sempre
concordando num ponto: trata-se de uma aglomerao humana, de um
conjunto de pessoas vivendo prximas umas das outras e assim criando
aproximaes e fortalecendo vnculos umas com as outras. Pode-se
pensar que o que constitui a cidade no o fato de os homens habitarem
os mesmos lugares, no se prejudicarem uns aos outros e terem relaes
comerciais, embora tais condies sejam necessrias para que a cidade
exista; mas a nica associao que forma uma cidade a que faz
participarem as famlias e os seus descendentes da felicidade de uma
vida independente, perfeitamente ao abrigo da misria (SINGER, 1979).
Como completa Canepa (2007), os homens estabeleceram entre si
a sociedade civil no apenas para viverem, mas para viverem felizes;
uma sociedade onde possam buscar suas aspiraes e satisfazerem suas
necessidades.
A dcada de 70, como afirma Carlos (2004), apresenta-se como
um momento de ruptura, de importante transformao. Nesse perodo, o
espao deixa de ser natural e a dimenso social assume um papel
preponderante. A noo de cidade evolui, marcando o limite entre a
cidade e o urbano, sendo entendida de trs maneiras: cidade enquanto
lcus da produo, enquanto reproduo da fora de trabalho e enquanto
a articulao dessas duas dimenses do homem e do humano, que ligam
as vrias extenses da cidade. A autora ainda colabora no sentido de
atribuir cidade a sua dimenso histrica, produto da diviso do
trabalho. Significa dizer que a cidade vai assumir, a cada momento,
dimenses e contedos diferentes, sendo analisada nos dias de hoje sob
33
a tica do capitalismo, pelo processo de acumulao como condio
para a reproduo do capital em escala.
A cidade a expresso do trabalho materializado, uma forma de
apropriao do espao urbano produzido, condio e meio para que se
instituam relaes sociais diversas, surgidas como um bem material
consumido de acordo com as leis de reproduo do capital.
Com o advento da Era Moderna e o estabelecimento de novas
formas de relaes sociais, polticas e econmicas, uma nova dinmica
imposta s cidades. Segundo Mendona (2004), os pontos cruciais das
relaes capitalistas de produo passaram a se fazer presentes a
centralizao da produo, o consumo, a circulao e o poder , sendo
que o ambiente natural intocado antes da interveno humana acaba por
sofrer transformaes predatrias, dependendo da relao de produo
que desperta em cada local, e isso faz com que as diferentes cidades
apresentem seus peculiares ambientes de degradao.
Se a alterao no ambiente urbano for irredutvel devido
urbanizao, existe a necessidade de unificar-se um aprofundamento de
reflexes sobre a vida na cidade, de maneira a planejar ou ordenar a
forma de ocupao ou de desenvolvimento dos espaos urbanos
(MENDONA, 2004).
A cidade pode ser considerada, segundo Martins (2010), uma
relevante conquista da civilizao, mas tambm uma das mais
expressivas formas de apropriao e transformao da natureza. Ela
pode ser percebida em sua maioria como a no natureza por excelncia,
apresentando graves problemas urbanos atuais, como habitao,
transporte e mobilidade; poluio da gua, do solo e do ar; ausncia de
reas verdes e pblicas; enchentes e deslizamentos de encostas; dentre
outros. Para esta autora, a compreenso das relaes entre a sociedade,
assim como da relao cidade e natureza, est para alm dos modelos
abstratos de cidade, ainda que em algum momento estes possam ser
necessrios. Do ponto de vista do dilogo entre as formulaes tericas
e prticas, o desafio est na articulao da ecologia poltica produo
do espao urbano, de forma a relacionar as prticas sociais s formas de
apropriao e uso dos espaos urbanos e da natureza.
Uma das preocupaes que recaem sobre o ambiente urbano
aquela que leva em considerao o seu crescimento, expresso pelo
processo de urbanizao e industrializao. Esses fatores vm
provocando o inchamento das cidades e o aumento da populao em
reas perifricas que, na maioria das vezes, no possuem infraestrutura
suficiente para receber tal contingente humano. Pode-se destacar como
exemplo o xodo rural, em que as pessoas saem do campo em busca de
34
melhores condies de vida e ao chegarem cidade, acabam ocupando
ambientes degradados, em situao de precariedade e ilegalidade,
agravando ainda mais a sua condio subumana (BARBOSA;
NASCIMENTO JNIOR, 2009).
Da mesma forma que as cidades expressam o seu espao urbano
produzido, para Santos (1994), elas esto cada vez mais diferentes uma
das outras. Segundo o autor, no sistema urbano existe uma tendncia
crescente diferenciao e complexificao, ou seja, cada cidade
passa a ter uma relao direta com a demanda de sua regio, na medida
em que cada regio se especializa ligada ao consumo produtivo,
apresentando uma a uma suas caractersticas peculiares.
O conceito de cidade deve ser percebido enquanto produo
coletiva, pois ningum a faz sozinho; a interao entre as diferentes
foras e interesses dos indivduos e das organizaes privadas e pblicas
forma uma complexa rede na qual esto em foco no s o indivduo,
mas todo o sistema poltico e econmico, o Estado, o capital, a indstria
e o comrcio, os sistemas de transporte e trnsito, os processos
migratrios e o valor da terra.
essa rede de diferentes foras que atuam sobre a cidade que
influencia diretamente a forma de ocupao do territrio e a organizao
do fluxo de mobilidade (VASCONCELLOS, 2012). Percebe-se, assim,
que existe muita dificuldade para se chegar a um mnimo comum que
atenda de forma igualitria a todos os interesses que esto envolvidos
nesse ambiente.
3.2 PLANEJAMENTO URBANO
O crescimento acelerado das cidades, ordenado, muitas vezes,
pelo poder pblico e pelo capital financeiro, tem provocado alteraes
significativas no ambiente e na sua forma, vulnerabilizando todo o
ecossistema e o seu prprio entorno (BARBOSA; NASCIMENTO
JNIOR, 2009).
Nessa tentativa de organizar e propor uma forma menos danosa
aos desequilbrios ocorridos na cidade, necessrio utilizar-se do
planejamento urbano para, inicialmente, dar um direcionamento na
qualidade de vida da sociedade (BARBOSA; NASCIMENTO JNIOR,
2009).
Quando nos referimos ao termo planejamento, estamos nos
remetendo, segundo Souza (2006), ao futuro. Significa que estamos
tentando prever a evoluo de um fenmeno e simular os
desdobramentos de um processo com o objetivo de melhor precaver-se
35
contra provveis problemas ou, inversamente, com o fito de melhor tirar
partido de provveis benefcios.
Sendo assim, quando inserimos o planejamento dentro do sistema
urbano, tambm estamos buscando, de certa forma, prevenir eventuais
problemas que poderiam ser evitados. E foi no sculo XX que a cidade,
segundo Canepa (2007), passou a ser analisada de forma mais atenta
pela sociedade como um todo.
Buscava-se uma forma de o Estado manter o controle sobre a
cidade, consolidando-se a o planejamento urbano e regional na tentativa
de tentar minimizar os conflitos sociais criados pelo crescimento
urbano.
O conceito tradicional que se associa ao planejamento urbano
aquele que relaciona essa atividade utilizao de planos e
regulamentos para guiar o uso do solo, com o objetivo de controlar
adequadamente o crescimento das cidades.
Segundo Moreno (2002), esse tipo de planejamento foi praticado
de fato entre os anos de 1950 e 1970, quando se proliferaram os planos
diretores, as leis de zoneamento e os cdigos de obras no mundo todo.
Contudo, no final dos anos de 1970, um novo conceito, chamado
planejamento estratgico urbano, comeou a esboar-se e hoje bastante
difundido por organismos multilaterais.
Nessa nova tica, no entanto, passa-se a encorajar o crescimento
urbano, pois as cidades so vistas como mquinas de produzir
riquezas, e ento o planejamento urbano tradicional, que pretendia
organizar a cidade como um todo, perdeu a vez, tomando posto fatos
como o esvaziamento das reas centrais, as novas exigncias de
infraestrutura trazidas pela vida digital, a descaracterizao de praas e
ruas como pontos de encontro civilizados e a incerteza da segurana
pblica.
Quanto ao planejamento, pelo fato de seu horizonte temporal ser
o futuro, especialmente em mdio e em longo prazo, ele considerado,
teoricamente, a preparao para uma gesto futura em que se busca
evitar ou minimizar problemas.
Colaborando com as colocaes sobre planejamento urbano,
Vasconcellos (2012) acrescenta que essa ferramenta define a forma
como o espao deve ser ocupado e usado para os mais diversos fins,
apresentando como produtos os cdigos e as leis que iro definir os usos
e ocupaes desejados e permitidos.
Ainda segundo este autor, as principais determinaes desses
planos so divididas entre o uso do solo e a ocupao do solo. Quando
se relaciona ao uso do solo, pretende-se definir o tipo de utilizao
36
aceitvel para determinada parte do territrio da cidade, como, por
exemplo, residencial, comercial, industrial, servios, espaos de lazer e
espaos pblicos. Quando se enfatiza a ocupao do solo, busca-se
definir qual o tamanho das construes que podero ser erguidas em
determinada rea. Um exemplo disso o Plano Diretor de uma cidade, o
qual pode impor que as edificaes no devem ultrapassar duas vezes a
rea do seu terreno ou tambm relacionar o espao urbano com a
quantidade de atividades a serem permitidas no local, tendo a ver,
principalmente, com a capacidade de prover servios pblicos e com o
volume de trnsito gerado por essas atividades.
As propostas alternativas de cunho democrtico e igualitrio para
as cidades brasileiras esbarram em inmeras fontes de limitaes: 1) o
ambiente construdo resultado da sociedade que o constri e ocupa, ou
seja, em uma sociedade como a nossa, radicalmente desigual e
autoritria, espera-se que a cidade possua essas caractersticas; 2) h
dificuldade em lidar com a mquina pblica administrativa.
Segundo Maricato (2001), a criao de um caminho de
planejamento e gesto que contrarie o rumo social e ambiental
predatrio atualmente seguido pelas cidades brasileiras exige alguns
pressupostos destacados: criar a conscincia da cidade real e indicadores
de qualidade de vida; criar um espao de debate democrtico; dar
visibilidade aos conflitos; promover a reforma administrativa, a
formao de quadros e agentes para uma ao integrada; promover o
aperfeioamento e a democratizao da informao; criar um programa
especial para regies metropolitanas; ter a bacia hidrogrfica como
referncia para o planejamento; haver gesto e formulao de polticas
de curtssimo, mdio e longo prazo.
A Constituio Federal de 1988 apresenta, no seu Captulo II
Da Poltica Urbana, o seguinte:
Art. 182 - A poltica de desenvolvimento urbano,
executada pelo Poder Pblico Municipal,
conforme diretrizes gerais fixadas em lei, tem por
objetivo ordenar o pleno desenvolvimento das
funes sociais da cidade e garantir o bem-estar
de seus habitantes.
1 - O plano diretor, aprovado pela Cmara
Municipal, obrigatrio para cidades com mais de
vinte mil habitantes, o instrumento bsico da
poltica de desenvolvimento e de expanso
urbana.
37
2 - A propriedade urbana cumpre sua funo
social quando atende s exigncias fundamentais
de ordenao da cidade expressas no plano diretor
(BRASIL, 1988).
A Constituio Federal exige que todos os municpios com mais
de 20 mil habitantes tenham seu Plano Diretor definido. Segundo
Vasconcellos (2012), o Pano Diretor o instrumento legal que vai
definir como o espao da cidade pode ser ocupado, o tipo de utilizao
aceita em cada uma de suas partes e a infraestrutura da circulao. Essa
ferramenta, para ser considerada eficaz, deve receber a contribuio de
diversos rgos governamentais para a sua definio e implantao.
O Plano Diretor deve estabelecer condies para vrias polticas
pblicas que encontraro nesse recurso sugestes ou limitaes
pertinentes ao que se deseja. Devido ao seu carter legal, ele precisa ser
analisado e votado pela Cmara Municipal, o que implica na
participao direta dos vereadores de cada cidade, assim como das
entidades civis de representao.
Na prtica, isso leva muito tempo para ser implementado na
forma como foi elaborado. Isso ocorre por causa dos conflitos entre as
entidades beneficiadas e as prejudicadas ou pelo custo de algumas
aes. Alm de que, as aes das polticas urbanas, de transporte e de
trnsito raramente so coordenadas.
Existe um desafio para os planejadores e administradores urbanos
em toda essa reflexo sobre a cidade, mas em particular no Brasil.
Segundo Moreno (2002), tem-se um alento que o Estatuto da Cidade,
tambm chamado de Lei de Responsabilidade Social Lei n 10.257, de
2001.
Esse instrumento passou a disciplinar as principais diretrizes do
meio ambiente artificial, fundado no equilbrio ambiental. Desse modo,
possumos, finalmente, uma legislao federal relacionada diretamente
com as cidades, o que torna cada vez mais vivel a vinculao da
execuo da poltica urbana ao conceito de direito sadia qualidade de
vida, assim como ao direito satisfao dos valores da dignidade da
pessoa humana e da prpria vida, tendo em vista a funo social da
cidade agora institucionalizada. Essa ferramenta de planejamento urbano no apenas fixa novos
instrumentos que podem levar a uma reforma urbana no pas, mas
tambm cria reais condies para que a populao em geral participe
democraticamente da definio do futuro de nossas aglomeraes,
mediante rgos colegiados, debates, audincias e consultas pblicas,
38
conferncias e iniciativa popular de projetos de lei e de planos,
programas e projetos de desenvolvimento urbano.
O Estatuto da Cidade traz ainda um novo instrumento para um
efetivo planejamento urbano, o Estudo de Impacto de Vizinhana EIV,
por meio do qual os moradores de cada bairro passam a ter direito de
participar da aprovao de projetos pblicos ou privados, em sua
vizinhana, que possam afetar a qualidade de vida, provocando
adensamento populacional, barulho, problemas de trnsito, dentre
outros. Podem ser citados como exemplos de empreendimentos, os
shoppings, os cemitrios, as casas de espetculos, os aterros sanitrios,
os templos, dentre outros.
Nunes (2011), sobre a questo da gesto urbana e o debate sobre
o planejamento antes da verticalizao, discorre que:
As cidades devem trilhar o caminho do
planejamento sustentvel, criando polticas
governamentais, cujos programas, projetos e
aes, tratem o meio ambiente atravs de uma
concepo mais ampla de valores histricos,
culturais, sociais, econmicos, paisagsticos e
humanos, incorporando tecnologias limpas e
adequadas. Ver a cidade, essencialmente em
termos do aproveitamento dos seus espaos,
apenas sob o ponto de vista econmico-financeiro,
priorizando a construo civil lucrativa, com o
velho discurso da modernizao, com certeza
ocasionar perdas de qualidade de vida (NUNES,
2011, p. 58).
Para Souza (2006), o planejamento e a gesto devem ser
desmistificados, socializados e popularizados, de forma a permitir o
envolvimento da sociedade civil. Os planejadores profissionais precisam
colaborar com a socializao de informaes e a facilitao da
comunicao, pois o objetivo central sempre ajudar a organizar e a
preparar a sociedade para uma participao ldica e com conhecimento
de causa, informando e colaborando para ampliar a conscincia de
direitos, das crianas e adolescentes aos adultos. Isso pressupe que as polticas pblicas e os documentos legais sejam traduzidos para uma
linguagem acessvel, para o completo entendimento dos cidados.
3.2.1 Plano Diretor e Relaes de Poder
39
3.2.1.1 Plano Diretor e Capital Imobilirio
Os autores Barbosa e Nascimento Jnior (2009) fazem uma
crtica ao planejamento urbano que acabou se tornando um trabalho
tcnico e abstrato. Segundo os autores, esses planos elaborados por
tcnicos e especialistas produzem muitos resultados, mas nos conduzem
a uma anlise pragmtica e mecanicista da cidade, acelerando, de certa
forma, as desigualdades sociais e agravando seu aspecto ecolgico,
principalmente quando define suas formas de ocupao, impondo os
lugares para as diferentes camadas da sociedade.
Nas sociedades capitalistas, no novidade que o capital
imobilirio interfere sobre o desenvolvimento urbano, como
complementam Logan e Molotch (1987 apud CARVALHO, 2013, p.
546) ao admitirem que
Nessas sociedades, a produo do espao urbano
envolve um conflito entre o seu valor de uso e o
seu valor de troca, o que ope, de um lado, os
moradores da cidade, interessados, sobretudo, na
defesa da sua qualidade de vida, e, de outro, uma
coalizo de interesses econmicos, comandada
pelo capital imobilirio, que busca um maior
retorno financeiro e uma ampliao dos seus
lucros, com a transformao da cidade em uma
espcie de mquina de crescimento.
Carvalho (2013) destaca que o capital imobilirio vem assumindo
atualmente um novo protagonismo no desenvolvimento das grandes
cidades brasileiras, destacando a mudana na estrutura econmica e
social dessas cidades. Essa postura difunde novos padres habitacionais
com a proliferao de condomnios verticais e horizontais fechados e
protegidos por dispositivos de separao fsica e simblica, como
muros, cercas e sofisticados aparatos de segurana, o que amplia a
autossegregao dos mais ricos e as desigualdades urbanas.
O autor complementa dizendo que existe o abandono por parte do
prprio Estado das suas funes tradicionais de planejamento e gesto
urbana, que acabam sendo transferidas para atores privados, levando a uma afirmao crescente da lgica do capital imobilirio na produo e
reproduo dessas cidades, ocasionando impactos decisivos sobre a
estrutura urbana e sobre a vida de sua populao.
A cidade, ou, mais especificamente, a vivncia na cidade,
tambm pode contribuir na formao do carter, tanto para o bem
40
quanto para o mal, pois a cidade-priso, os muros, as cercas
eletrificadas e os aparelhos de vigilncia, o medo e a segregao, tudo
isso colabora na gerao de um cidado muito diferente daquele
socializado em um espao onde as formas espaciais e os territrios
traduzem liberdade e estimulam a solidariedade. E tanto o planejamento
quanto a gesto tm desempenhado, quase sempre, um papel na
produo de cidade-priso (SOUZA, 2002 apud SOUZA, 2006).
O planejamento urbano deve tambm romper com os modelos de
planejamento externos, que muitas vezes so aceitos para nortear os
caminhos do desenvolvimento em nossas cidades.
Como complementa Santos (1994 apud BARBOSA; NASCIMENTO JNIOR, 2009, p. 31), o planejamento urbano tem
desconsiderado a maior parte da populao, negligenciando o meio
fsico e social, pois os planos esto obedientes aos modelos das cidades
internacionais.
A construo de uma cidade deve possuir como premissa um
modelo de planejamento urbano norteado, principalmente, por uma
postura tica, comprometida a dar condies polticas e econmicas,
mas priorizando a manuteno dos processos ecolgicos.
A melhoria do bem-estar dos habitantes de uma cidade parte da
necessidade de se garantir a atividade socioeconmica e a qualidade
ambiental urbana, evitando os processos de degradao dos recursos do
meio urbano (BARBOSA; NASCIMENTO JNIOR, 2009).
3.2.1.2 Planos Diretores de Cricima: Histrico e Influncias
Na cidade de Cricima, segundo Preis (2013), foram aplicadas
diversas prticas de planejamento urbano em diferentes momentos
histricos pelos quais o municpio passava. Ao longo dos anos, j foram
elaborados no municpio cinco planos diretores, tendo cada um deles
caractersticas diferenciadas dadas ao contexto poltico nacional e local,
alm das influncias dos urbanistas de cada poca e das foras polticas
e econmicas da cidade. O autor tambm explica que os planos
diretores, mesmo contendo propostas objetivas e benficas para o
desenvolvimento da cidade, estas foram, muitas vezes, barradas ou
ignoradas por interesses privados.
Percebe-se, utilizando as argumentaes de Preis (2013), que a
paisagem da cidade de Cricima se transformou para atender demanda
de crescimento que passou pela influncia de vrios setores (minerao,
cermica, construo civil, dentre outros). Relacionado a isso, cada
Plano Diretor de Cricima reflete um momento econmico distinto e as
41
relaes de poder que se expressaram no espao de formas distintas.
Segundo Preis (2013, p. 86),
Para entender as dificuldades de implantar um
Plano Diretor Participativo em Cricima,
necessrio primeiro compreender que as
condies territoriais incidem no processo de
planejamento, seja pela paisagem atual, que
fruto das relaes de poder pretritas e atuais, seja
pela tendncia de alterao futura desta em favor
dos grupos atualmente dominantes.
A primeira tentativa de implantao de um Plano Diretor na
cidade de Cricima foi na dcada de cinquenta, perodo em que a
atividade carbonfera estava fortalecida na regio. O Plano de 1957
definiria o permetro urbano, o planejamento de melhorias virias
marginais ao leito do rio e a proposio de reas verdes que no foram
concretizadas devido s resistncias por parte dos comerciantes e
proprietrios de terras que pressionaram os polticos para no implant-
las. Essas propostas poderiam garantir o fluxo virio futuro e manter o
canal de drenagem aberto para evitar inundaes (PREIS, 2013).
No perodo de vigncia do Plano Diretor de 1973, a atividade de
minerao estava no auge e despontava a indstria cermica, seguida
pela indstria plstica, qumica e de vesturio. Como consequncia,
houve uma significativa expanso demogrfica e a necessidade de
implantao de loteamentos tanto para atender a classe mdia quanto a
classe operria. Nesse perodo, o objetivo era atender demanda de mo
de obra sem priorizar as condies habitacionais e a estrutura social
necessria, tanto que foi nessa poca que houve a ocupao em
abundncia de reas degradadas, ocasionando problemas que foram
alm da ocupao irregular, refletindo nas condies de sade e
potencializando o risco social. Esse Plano, elaborado por uma equipe
tcnica de Porto Alegre, tambm foi remodelado por tcnicos locais
para, inclusive, trazer benefcios para grupos econmicos locais.
Segundo Porto (2008 apud PREIS, 2013), vrias leis posteriores descaracterizaram algumas reas especiais e reas verdes, e no foram
realizados os previstos alargamentos de ruas. Alm disso, os critrios
mantidos no eram cumpridos como se constata em projetos realizados
com a conivncia do poder pblico no perodo de vigncia do plano.
Devido ao fato de no haver tcnicos para auxiliar no
cumprimento das questes urbansticas, fica claro o desinteresse do
42
poder pblico pelas questes que norteiam o desenvolvimento urbano da
cidade, deixando o poder de deciso sobre o futuro da cidade nas mos
dos proprietrios de terras e de capital.
O Plano Diretor de 1984 foi promovido justamente pelo fato de o
plano anterior no seguir os parmetros para a melhoria da cidade, mas
sim os interesses dos empreendedores. Esse Plano contou, nesse
perodo, com uma equipe tcnica auxiliada por profissionais da cidade,
vinculada ao poder pblico. Esse fato proporcionou a verticalizao de
reas residenciais at ento familiares. A substituio de residncias por
prdios em bairros mais valorizados foi favorecida, principalmente pelo
fato deste Plano j estar de acordo com os interesses imobilirios da
poca, o que indica que as construtoras vinham ganhando fora com a
verticalizao e interferiam na definio das regras do Plano Diretor
(PREIS, 2013).
O Plano de 1999 entra em cena aps o declnio da atividade de
minerao, a expanso do comrcio e a acelerao da verticalizao
central, sendo o foco imobilirio a construo de edifcios na rea
central e nos bairros do entorno, como o Comercirio. Esse processo foi
motivado pela centralidade do comrcio, dos servios de sade e
educacionais, dentre outros. E foi sob a vigncia desse Plano bastante
permissivo que muitas construtoras da cidade ampliaram seus lucros e
reinvestiram em novos empreendimentos, possibilitando uma excessiva
verticalizao, mercado esse j em expanso, influenciado tambm pelos
imigrantes do sul do estado que estavam trabalhando na Europa e nos
Estados Unidos, os quais investiram seus ganhos em imveis na cidade.
Ficou claro, em relao ao Plano de 1999, que houve o
predomnio de interesses de trs agentes econmicos: os comerciantes
centrais, as construtoras e as indstrias (PREIS, 2013). Podemos
observar, por meio do histrico de tentativas de implantao de Planos
Diretores na cidade de Cricima, que tais documentos foram gerados
por tcnicos direcionados por agentes polticos e econmicos de cada
perodo histrico pelo qual a cidade passava, ignorando os anseios da
populao para continuar privilegiando poucos interessados.
Pode-se confrontar tal afirmao com a ideia do direito cidade
de Lefebvre (1968), que associa a cidade a um mercado, onde o lucro
o fator principal e as relaes sociais e a participao democrtica ficam
em segundo plano (PREIS, 2013).
3.3 VERTICALIZAO URBANA
43
A verticalizao, que considerada um marco revolucionrio na
paisagem urbana, surge nas cidades como uma nova ideologia, uma
nova concepo de morar, estando associada, na maioria das vezes, a
uma boa localizao, infraestrutura e segurana.
Esse processo de expanso vertical observado na maioria das
cidades brasileiras, antes observado apenas em grandes metrpoles, hoje
j pode ser visto em cidades mdias e at pequenas. Acompanhando o
processo de expanso urbana horizontal das cidades, impulsionada
principalmente pela ampliao do crdito imobilirio, propiciou a sua
expanso vertical (MORAIS; SILVA; MEDEIROS, 2007).
A verticalizao, segundo Ficher (1994 apud RAMIRES, 1998), pode ser apontada como um exemplo de materizalizao das
transformaes tcnicas que atingem a cidade contempornea de forma
contundente. Esse processo no deve ser considerado como uma
consequncia natural da urbanizao, mas como uma das possveis
opes traadas e definidas pelos diferentes atores sociais e interesses
econmicos que envolvem a estruturao interna das cidades.
O processo de urbanizao reflete impactos no meio fsico,
principalmente no solo que compactado, diminuindo a porosidade e a
infiltrao de guas pluviais, fazendo aumentar o processo de
escoamento superficial e a eroso do solo, maximizando, assim, o
potencial de degradao.
Com relao implantao de edificaes, podem ser observadas
implicaes tanto no aspecto ambiental quanto na infraestrutura da
cidade, como o aumento do trfego, ocasionando a gerao de rudo e a
emisso de poluentes atmosfricos; o aumento da demanda de gua para
abastecimento pblico; o aumento na gerao de resduos slidos; e a
sobrecarga nos servios de coleta, transporte, tratamento e disposio
final dos efluentes (MORAIS; SILVA; MEDEIROS, 2007).
Os agentes produtores do espao urbano apropriam-se e
consomem o espao como se este fosse uma mercadoria, no para a sua
satisfao pessoal, mas para realizar um desejo de lucro. Essa
apropriao e consumo ocorrem de forma diferenciada, tendo em vista
que os processos sociais, polticos, culturais e econmicos que
comandam a estruturao/reestruturao do espao urbano sempre se
realizam de modo desigual.
Como complementa Souza (1994 apud RAMIRES, 1998), a verticalizao do espao urbano representa uma revoluo na forma de
construir, afetando a dinmica de acumulao/reproduo do capital no
setor da construo civil e do mercado imobilirio.
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Segundo Ramires (1998), possvel identificar alguns pontos de
consenso entre as ideias apresentadas por diferentes autores com relao
verticalizao das cidades brasileiras que apresentam a verticalizao
como um fato relacionado aos tempos modernos: 1) os edifcios altos,
na maioria das vezes, so apontados como um marco revolucionrio na
fisionomia das cidades; 2) h uma revoluo na forma de construir,
dando maior evidncia importncia da tcnica na produo do espao
urbano, afetando, assim, a dinmica de acumulao/reproduo do
capital; 3) provoca profundas alteraes na estrutura interna das cidades,
destacando-se as mudanas na estrutura social, o valor e o uso do solo
urbano; 4) exige uma nova responsabilidade do Poder Pblico no
sentido de disciplinar o seu processo de ocupao com relao
legislao urbana, evidenciando a importncia desta para a gesto desse
processo, pois percebido que quando relacionamos a verticalizao e a
legislao urbana, a regra geral que observamos com frequncia a de
subordinao da lei aos grupos de interesses determinados que
produzem o espao urbano; 5) a verticalizao tambm no pode ser
compreendida sem analisarmos as prticas socioespaciais contidas na
lgica do capital imobilirio, enquanto agente capaz de produzir
mudanas significativas na estrutura interna das cidades.
interessante destacar que a verticalizao enquanto um
elemento do crescimento urbano, segundo Costa (2000), no deve ser
vista como um problema por si s. Ela tambm importante na medida
em que atende s necessidades do modelo econmico e da sociedade em
que vivemos, sendo vista como uma soluo para os problemas
espaciais, pois favorece a otimizao do uso do solo por meio das
construes verticais. O edifcio vertical, construdo de forma planejada,
um elemento importante na grande cidade, pois alm de favorecer o
desenvolvimento das funes pertinentes a cada centro urbano, fornece
aos seus usurios comodidade, conforto e segurana.
Segundo Scussel e Sattler (2010), a verticalizao no boa nem
m; a questo bem mais complexa e est atrelada a um conjunto de
fatores, sejam eles os custos da infraestrutura urbana, a tipologia das
edificaes, a estruturao da malha viria, dentre outros, que
combinados definem a qualidade do espao urbano.
As estratgias para a organizao espacial variam no tempo e no
espao, dependendo, logicamente, dos agentes produtores da cidade,
como o Estado, os proprietrios fundirios e os promotores imobilirios.
A produo desse espao fica representada nas diversas paisagens
geogrficas que dominam o cenrio urbano e que foram produzidas
atravs de relaes sociais ao longo do processo histrico. Sendo assim,
45
a verticalizao apontada como a soluo encontrada para resolver os
problemas do grande aglomerado de pessoas que vivem nas grandes
cidades (SILVA; ASSIS NETO; OLIVEIRA, 2013).
O processo de verticalizao pode ser considerado extremamente
complexo, podendo sugerir diferentes caminhos de abordagens.
Segundo Casaril e Fresca (2007), uma abordagem bastante utilizada a
interpretao e anlise econmica do processo de verticalizao, visando
analisar quem so os agentes construtores e incorporadores que
produzem a verticalizao. A abordagem do planejamento urbano
tambm muito utilizada, pois com a ampliao da verticalizao
brasileira nas cidades, o Poder Pblico se v na condio de criar
mecanismos regulatrios e de ampliao da infraestrutura urbana, em
especial para atender a essas reas adensadas.
A abordagem ambiental, ainda pouco estudada, tambm
importante, pois d destaque para os impactos ambientais provocados
pela verticalizao fortemente concentrada territorialmente.
Segundo Scussel e Sattler (2010), discutir sobre a verticalizao
urbana incumbe uma discusso sobre os modelos de planejamento, cujos
principais, segundo os autores, referem-se ao modelo compacto de
cidade e ao modelo de cidade espraiada. No caso das cidades brasileiras,
no houve uma discusso sobre o modelo de cidade a ser seguido no
momento mais importante do crescimento e desenvolvimento urbano
devido rpida inverso demogrfica entre o campo e a cidade, o que
produziu um meio urbano desordenado e desestruturado. Diante disso, o
poder pblico cedeu a funo de planejamento das cidades para os
setores da sociedade que viam na especulao imobiliria uma fonte de
lucros.
De acordo com Rosa (2011 apud OLIVEIRA et al, 2015), o
governo brasileiro passou a dar importncia s questes voltadas ao
planejamento urbano a partir da dcada de 80, quando os diversos
setores da sociedade passaram a pressionar as autoridades, que estavam
fartas das problemticas urbanas. Com a criao, em 2001, do Estatuto
das Cidades e, em 2003, do Ministrio das Cidades, houve uma maior
solidificao dos meios legais na busca de um modelo de urbanizao a
ser seguido. No entanto, apesar de o caminho para se discutir e planejar
o desenvolvimento sustentvel das cidades ter sido encontrado, era tarde
demais, pois a maioria das cidades brasileiras j estavam inchadas e com
graves problemas urbanos, muitos deles provenientes de um processo de
urbanizao desenfreada.
46
A verticalizao acentuada foi adotada como uma
das formas de ocupao e aproveitamento da terra
urbana e o que se observa, muitas vezes, um
empilhamento de edificaes verticalizadas e,
consequentemente, um empilhamento humano.
Este tipo de ocupao do solo verticalizado, sem
um planejamento estrutural e global da cidade,
pode no ser a soluo mais adequada, levando-se
em considerao as consequncias que dela
podem emergir, mantidas as tendncias de
configurao urbana atuais de produo espacial:
congestionamentos, poluio do ar, carncia de
reas verdes e de lazer pblicos tratados prximos
s residncias, com mudanas na forma de
insolao e direcionamento dos ventos, alm da
prpria relao de vizinhana, podendo conduzir a
interferncias na qualidade do espao residencial
e, em decorrncia disso, na qualidade de vida da
populao (SILVEIRA; SILVEIRA, 2014, apud
OLIVEIRA et al., 2015, p.15).
Segundo Oliveira et al. (2015), para entender o processo de verticalizao das cidades brasileiras, deve ser analisada a influncia de
cinco importantes fatores: a rpida e descontrolada urbanizao devido
ao processo de industrializao, a alta lucratividade do setor de venda de
imveis e especulao imobiliria, a falta de espao nas localidades bem
estruturadas dos centros urbanos, a ausncia do governo no processo de
urbanizao e na responsabilidade de democratizar o meio urbano e o
fascnio visual e tecnolgico exercido pela concentrao de edifcios no
centro urbano.
Devido escassez de espao nos locais mais bem estruturados
das cidades, houve a necessidade de se multiplicar o espao,
possibilitando a construo de novas moradias por meio dos edifcios.
Rosa (2011 apud OLIVEIRA et al, 2015) cita que a construo de
edifcios no Brasil sobreps de forma violenta a especulao imobiliria
e a busca imoral pela maximizao dos lucros sobre a funo social que
o processo de verticalizao deve ter. A autora ainda complementa que a
m verticalizao pode causar diversos problemas.
Diversos problemas so criados pelo crescimento
vertical desenfreado de uma cidade, determinada
regio ou zona, problemas congnitos como alta
densidade populacional, criao de microclimas,
47
dificuldades de abastecimento de gua urbano,
canalizao do vento, maior gasto de energia
eltrica, impermeabilizao do solo, dificuldade
na implantao e funcionamento da rede de
esgotos, trnsito catico, sombreamentos de
residncias, escassez de reas verdes [...]. (ROSA,
2011 apud OLIVEIRA et al, 2015, p. 18).
O processo de verticalizao, segundo Nucci (1997 apud
OLIVEIRA et al, 2015), aponta quem so os beneficiados e quem so os
prejudicados pela verticalizao descontrolada:
As consequncias da verticalizao no ficam circunscritas rea verticalizada. Elas influenciam
na qualidade de vida de toda a populao ao redor,
desde a vizinha at a mais distante. Os nicos que
ganham com a construo de enormes edifcios
so os empreendedores, o governo e os que
compram os apartamentos para especular. At o
prprio morador pode sair perdendo com o tempo.
Se o indivduo est interessado em comprar,
torna-se, portanto, a favor da verticalizao,
mesmo que o edifcio no qual ele tenta adquirir
um apartamento venha a diminuir a qualidade de
vida ao redor, mas depois que adquiriu o bem, se
revolta com a verticalizao dos lotes vizinhos.
(NUCCI, 1997, apud OLIVEIRA et al, 2015, p.
25).
Tendo em vista os impactos positivos tambm proporcionados
pelos edifcios altos, estes esto associados ideia de progresso, de
modernidade, de desenvolvimento e de poder, ao impacto esttico
positivo na paisagem e funo do edifcio alto como marco referencial,
tanto de localizao como de smbolo ou cone de uma cidade
proporcionada pela verticalizao (GREGOLETTO; REIS, 2012).
A verticalizao, na viso de Ficher (1994 apud UEDA;
CASTRO, 2013), representa, alm das transformaes j apresentadas
na paisagem, uma modificao nos significados e valores associados ao espao urbano e nas relaes interpessoais, estabelecendo uma nova
relao entre o homem e o espao. E essas novas relaes que se
constroem, tanto interpessoais como aquelas entre o indivduo ou grupos
e o seu espao, acabam resultando em novas configuraes do espao
fsico, que vai se transformando para se adaptar a essas novas demandas.
48
3.4 CIDADES VULNERVEIS X CIDADES SUSTENTVEIS
Segundo Oliveira e Milioli (2012), o estilo de vida associado ao
consumismo, ao objetivo econmico e ao esgotamento dos recursos
naturais trouxe problemas socioambientais que, consequentemente,
alteraram o estilo de vida, propiciando a expanso urbana, grandes
aglomeraes e densidades humanas, degradao das terras, acmulo de
resduos, todo tipo de poluio, doenas e medos e, mais recentemente,
as mudanas climticas. Ainda como complemento, segundo os autores,
o processo de industrializao e urbanizao funciona como uma
engrenagem, a qual gera, alm de problemas ecolgicos, tambm os
problemas sociais, trazendo desigualdades no acesso a bens e servios
urbanos e diminuio da qualidade dos servios. Essa situao uma
indicao de que os problemas so complexos, interligados e
interdependentes e de que tudo isso, aliado omisso das autoridades
pblicas, aumenta os espaos construdos sem qualidade, faz crescer o
setor informal e as reas ocupadas ilegalmente, produzindo a
marginalizao social.
A expanso urbana no um fenmeno novo ligado ao
desenvolvimento da industrializao, mas a acelerao desse movimento
nos dias de hoje que est colocando em cheque a funo e o papel da
cidade, pois parece que a humanidade est presa num movimento
irreversvel, tendendo a transformar o planeta num vasto setor urbano.
Para Canepa (2007), desde as civilizaes primitivas at as mais
desenvolvidas, a qualidade de vida tem sido amplamente buscada pelos
povos; entretanto, o atual modelo de crescimento econmico gerou
enormes desequilbrios pois se por um lado nunca houve tanta riqueza
e fartura no mundo, por outro, a misria, a degradao ambiental e a
poluio aumentam dia a dia. A contribuio para essa realidade de
posies antagnicas est baseada na quebra de paradigmas entre
crescimento e desenvolvimento econmico.
percebido que se busca o aumento quantitativo em termos de
renda per capita ou Produto Interno Bruto, que por si s no garantia
de que uma sociedade seja desenvolvida. Para que haja o verdadeiro
desenvolvimento de uma regio, imprescindvel que atrelado a esse
crescimento econmico quantitativo seja promovido o crescimento
qualitativo, mas este s ser possvel quando estes mesmos recursos
econmicos forem alocados para os diversos setores da sociedade, tais
como educao, sade, habitao, saneamento, emprego, distribuio
equitativa de renda, preservao ambiental, entre outros.
49
Por todo o mundo, nas ltimas dcadas, o domnio pblico nas
cidades e os espaos pblicos entre os edifcios tm sido negligenciados.
Para mudar essa realidade, so necessrios novos conceitos de
planejamento urbano para integrar as responsabilidades sociais.
Segundo Rogers (1997), as cidades cresceram e se transformaram
em estruturas to complexas e difceis de administrar, que quase no nos
lembramos de que elas existiam em primeiro lugar e, acima de tudo,
para satisfazer as necessidades humanas e sociais das comunidades.
De fato, geralmente, as cidades no conseguem ser vistas sob essa
tica. Quando questionadas sobre as cidades, provavelmente as pessoas
iro falar de edifcios e carros, em vez de falarem de ruas e praas. Se
perguntadas sobre a vida na cidade, falaro mais do distanciamento, do
isolamento, do medo da violncia ou do congestionamento e da poluio
do que de comunidade, participao, animao, beleza e prazer.
Provavelmente, diro que os conceitos de cidade e qualidade de
vida so incompatveis.
No mundo desenvolvido, esse conflito est levando os cidados a
se enclausurarem em territrios particulares protegidos, segregando
ricos e pobres e acabando com o verdadeiro significado do conceito de
cidadania. O autor ainda acrescenta que as cidades s podem refletir os
valores, os compromissos e as resolues da sociedade que elas
abrigam; como consequncia, o sucesso de uma cidade vai depender de
seus habitantes e do poder pblico, alm da prioridade que ambos do
criao e manuteno de um ambiente urbano e humano.
A opo da humanidade de habitar coletivamente fez com que a
cidade se enobrecesse ao possibilitar aos seus habitantes vrias
vantagens, como o acesso habitao, emprego, abastecimento,
saneamento, energia, educao, sade, transporte e lazer.
Logicamente, segundo Danni-Oliveira (2001), esse rol de
facilidades traria, sem dvidas, consequncias negativas ao habitat
urbano, resultando, para muitas cidades metropolitanas, em situaes de
colapso de seu meio, por intermdio de episdios de transbordamento
dos seus rios, de desmoronamentos das vertentes dos seus morros ou por
situaes de comprometimento da qualidade do ar que os moradores
respiram (DANNI-OLIVEIRA, 2001 apud MENDONA, 2004).
A vulnerabilidade das cidades tambm pode estar associada
natureza climtica, visto que as sociedades tornam-se cada vez mais
indefesas diante de eventos naturais extremos, particularmente os de
origem meteorolgica, hidrolgica e geolgica. De acordo com
Gonalves (2011), medida que a populao cresce e a ocupao se faz
50
em reas cada vez mais extensas, a chance e o risco de determinados
eventos acontecerem tambm aumenta.
A ordenao do desenvolvimento das funes sociais da cidade
como forma de garantir o bem-estar de seus habitantes objetivo da
poltica de desenvolvimento urbano. Segundo Saule Junior (1997), a
funo social da cidade deve atender aos interesses da populao de ter
um meio ambiente sadio e promover condies dignas de vida; ou seja,
enquanto a populao no tiver acesso ao saneamento bsico, cultura,
ao transporte pblico, ao lazer, moradia, segurana, educao e
sade, a cidade no estar atendendo sua funo social.
De maneira breve, a poltica de desenvolvimento urbano deve ser
destinada a promover o desenvolvimento sustentvel, atendendo s
necessidades essenciais das presentes e futuras geraes. Para isso, so
necessrias medidas e polticas formuladas e implementadas com a
participao popular, voltadas para a proteo do meio ambiente sadio,
da eliminao da pobreza, da reduo das desigualdades sociais e da
adoo de novos padres de produo e consumo sustentveis.
Duas vertentes importantes defendem a necessidade de se buscar
uma resposta ambiental para as polticas pblicas para o meio urbano.
Segundo Ribeiro (2006), so elas: a crtica s cidades biocidas ou
doentes; a defesa da cidade ecolgica; e a tentativa de se evitar que o
crescimento urbano ultrapasse a capacidade de suporte. Como
contribuio, Rogers (1997) lembra que em 1900 apenas um dcimo da
populao mundial vivia em cidades. Hoje, esse nmero compreende
metade da populao mundial.
Esse crescimento da populao urbana e os padres de moradia
ineficientes aceleram cada vez mais o aumento da taxa de poluio,
sendo uma ironia a cidade, habitat da humanidade, caracterizar-se como
o maior agente destruidor do ecossistema e a maior ameaa para a
sobrevivncia da humanidade no planeta. O autor completa dizendo que
se as cidades esto destruindo o equilbrio ecolgico do planeta, nossos
padres de comportamento econmico e social so as causas principais
de seu desenvolvimento, acarretando desequilbrio ambiental.
A cidade, no aspecto da modificao ambiental, representa a
maior e mais radical modificao no ambiente natural realizada pela
humanidade. Dessa maneira, o nvel de sustentabilidade depender de
quanto os impactos positivos criados pelo sistema (servios ambientais,
sociais e econmicos) superam os aspectos negativos (degradao
ambiental, poluio, excluso social, etc.). Sendo assim, a cidade
sustentvel seria aquela que maximiza os impactos positivos em favor
de uma busca da qualidade de vida e, por outro lado, minimiza os
51
impactos negativos ou os elementos contrrios ao equilbrio ambiental e
social.
Para Ribeiro (2006), o conceito de desenvolvimento sustentvel
muito mais amplo e abrangente do que a simples conservao ou
proteo ambiental. Possui uma abrangncia interdisciplinar que inclui a
preocupao com as dimenses sociais, ticas, econmicas,
tecnolgicas, culturais e, evidentemente, com a manuteno dos
ecossistemas, da qualidade ambiental, da qualidade de vida e equidade
social em um momento presente e dentro de um princpio de equidade
de longo prazo. Tambm considera a necessidade de justia e equidade
entre as geraes, ou seja, intergeracional, considerando que os seres
humanos que ho de vir merecem um ambiente to bom ou, de
preferncia, melhor que o que usufrumos atualmente.
Sob o ponto de vista urbano, segundo Souza e Milioli (2012), a
promoo de alternativas para a sustentabilidade nas cidades fica
atrelada anlise de aspectos como a concentrao excessiva de reas