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UNIVERSIDADE ESTADUAL DO NORTE
DO PARANÁ
Campus de Jacarezinho
APARECIDA DA SILVA ORRUTEA
A ORGANIZAÇÃO DO ESPAÇO E DO TEMPO NA
ESCOLA PÚBLICA
JACAREZINHO, PR
2009
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APARECIDA DA SILVA ORRUTEA
A ORGANIZAÇÃO DO ESPAÇO E DO TEMPO NA ESCOLA PÚBLICA
Artigo científico apresentado à Universidade Estadual do Norte do Paraná – UENP, para atender requisito parcial do Programa de Desenvolvimento Educacional – PDE, da Secretaria de Estado do Paraná – SEED, sob a orientação do Professor Mestre Alfredo Moreira da Silva Júnior.
JACAREZINHO, PARANÁ 2009
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A ORGANIZAÇÃO DO ESPAÇO E DO TEMPO NA ESCOLA PÚBLICA
Aparecida da Silva Orrutea1 orrutea@seed.pr.gov.br
RESUMO Este artigo tem como proposição tratar da reorganização do espaço e do tempo na Escola Pública, com vistas não só à necessidade de adequação aos avanços da tecnologia e das marcas de um tempo contemporâneo que impõem a aceleração nas ações e, por conseqüência, exige mudanças, rompimento com o estável, com o que está posto, estabelecido, mas, principalmente provocar a reflexão da prática pedagógica dos professores ante à demanda escolar da sociedade moderna, o que implica compreender o momento histórico atual em suas complexidades tais como as formas diferenciadas de constituição dos sujeitos em contraposição com o currículo homogêneo prescrito na proposta pedagógica da escola. Palavras-chave: Organização. Espaço. Tempo. Diferenças. Currículo.
1 Professora da Rede Pública Estadual-Paraná Professor Orientador: Alfredo Moreira da Silva Júnior- Professor Mestre do Departamento de História da Universidade Estadual Norte do Paraná – UENP - Campus Jacarezinho
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ABSTRACT
This article has as proposition to treat the reorganization of space and time in
Public School, looking not only the necessity of adequacy to the progress of
technology and signs of a contemporary time that imposes the acceleration in
actions and, therefore, requires changes, breaking with the steady, with that
which is fixed, established, but, above all, to provoke the reflection of the
pedagogic practice on the teachers before the scholar demand of the modern
society, which involves to understand the actual historical moment in your
complexities like the different forms of constitution of the subjects in opposition
with the prescriptive homogeneous curriculum in the pedagogic suggestion on
school.
Keys-word: Organization. Changes. School. Progress. Technology.
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1.INTRODUÇÃO Estamos vivendo um mundo de múltiplos tempos e espaços. À medida
que se avançam os recursos tecnológicos, marca da sociedade
contemporânea, mais e mais tornamo-nos impotentes ante a demanda social,
e, tentamos superar tais desafios criando tempos de busca, de ser, de ter em
espaços diversos adequados às nossas necessidades prementes.
Diante de mudanças tão bruscas, radicais, chama-nos a atenção a
capacidade de imobilismo da instituição escolar que ainda segue rotinas
acadêmicas desde o século XVIII até finais do século XIX.
O horário escolar, por exemplo, se assemelha com o mito grego de
Procusto, que reservava sempre para os viajantes que se hospedavam em sua
casa, a mesma cama de ferro, não importando o tamanho do hóspede. Desse
modo, as pernas do viajante eram cortadas se fossem maiores que a cama. Ao
contrário, se fossem menores, eram esticadas para que se ajustasse ao
comprimento da cama.
Ao se pensar a organização escolar em seus tempos e espaços, o que
se sente é um rigor absoluto, não importando a natureza, as peculiaridades dos
alunos.
A escola tem vivido uma tensa dicotomia entre o tempo e o espaço
prescritos e o tempo e os espaços escolhidos, necessários, reais.
Isto se explica, talvez, pelo fato de que as divisões de tempo resultam de
convenções e costumes que se ajustam, sobretudo às condições e grupos
humanos concretos, exprimindo uma ordem inelutável. (HALBWACHS, 2004,
p.95).
O fato é que a vida em sociedade exige que as pessoas se ajustem a
espaços e tempos prescritos.
Halbwachs (2004), explica que o homem se ajusta ao tempo artificial,
como o do relógio, porque não tem a consciência necessária para definir seu
próprio tempo.
Em relação ao espaço, o autor coloca que as imagens habituais do
mundo nos tornam mais seguros, pois estão associadas à nossa cultura e a
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nossa personalidade. Assim, mudar os objetos de lugar rompe com costumes e
tradições provocando incertezas, medos e até pavor.
Balandier (1999), refere-se ao tempo como sendo originário da vida
social e que este se multiplica e se diversifica à medida que a complexidade
social aumenta. Tal complexidade reportada ao nosso tempo, pode ser
traduzida em mudanças rápidas, aceleradas, impostas pela tecnologia e pelas
revoluções políticas e sociais contemporâneas.
Há de se considerar, portanto, que o tempo e o espaço utilizados na
escola, têm se sustentado em estruturas estabelecidas desde séculos
passados, como afirma Goodson (2004), ao referir-se ao argumento de alguns
acadêmicos “[...] o sistema (escolar) desde o início foi construído para
assegurar a estabilidade e para mitificar e mascarar as relações de poder que
sustentam todas as decisões curriculares”. (GOODSON, 2004 apud
HERNÁNDEZ, 2004, p. 13).
Para Hernández (2004), a visão que explica o uso que hoje se tornou
natural do tempo fragmentado na escola é o mesmo que organiza a própria
vida por meio da divisão de atividades e afazeres, objetivando alcançar maior
eficácia e produtividade.
Retomando a história do trabalho, em que este, em tempos longínquos,
não era tão marcado para a produção, mas ao contrário, o trabalho era natural,
e o ritmo e o tempo eram ditados pelos artesões aos aprendizes. E, que mais
tarde, em virtude do avanço da sociedade capitalista ocidental, exigiu-se uma
maior organização do tempo, com vistas à disciplina, cumprimento rigoroso de
horário e, ainda, a necessidade de hierarquização e subserviência no trabalho,
o que Foucault (2004), chamou de constituição de corpos dóceis, o que se vê é
que a escola tem se adequado a esse modelo social e de produção, o que a
justifica e a caracteriza como escola fabril.
Ora, então como romper com o currículo homogêneo que não atende às
diferenças na escola? Como criar tempos e espaços diferentes para os alunos
que não conseguem acompanhar a aprendizagem em tempos e espaços
prescritos? Como atender alunos de diversas idades ao mesmo tempo se há
idades pré-definidas para cada série de aprendizagem?
O Projeto Político Pedagógico da escola, construído pelo coletivo que
significa participação dos vários segmentos, desde os professores,
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funcionários, pais, alunos e comunidade deverá ser o instrumento norteador
para atender a essas e a outras questões do âmbito escolar.
A escola hoje, devidamente submetida aos desafios contemporâneos,
não apresenta nenhuma condição de resolver os seus problemas de forma
solitária ou na forma daquele antigo gestor que concentrava em si próprio,
todas as decisões, tanto as de natureza pedagógicas quanto às
administrativas.
O próprio tempo impôs ao espaço escolar a necessidade de se discutir
decisões, e aí se pode reportar à Balandier (1999), citado anteriormente, que
afirma ser o tempo originário da vida social.
Num processo político e social evolutivo, vive-se, hoje, a escola
democrática e participativa que delega poderes, discute alternativas, busca
soluções coletivas.
Nesse sentido, pode-se afirmar que se rompeu com a escola tradicional,
pois ao contrário daquela, os interesses, a ordem, a organização e os
planejamentos escolares são decididos por forças conjuntas que assumem a
escola em sua total complexidade.
O que os mestres, os governantes e o sistema educacional como um
todo precisam compreender primeiramente, é que a construção de um projeto
coletivo fortalece de tal maneira a educação, que acaba por favorecer um
espaço de discussão muito mais ousado na escola.
Então, se gerir o sistema educacional significa definir uma organização
racional que venha de fora, de cima para o chão da escola, jamais se terá uma
educação compatível com as necessidades humanas, pois, segundo Charlot
(2005), “o professor não pode gerir racionalmente um ato cujo sucesso
depende da mobilização pessoal do aluno, mobilização cujas forças são
sempre um tanto obscuras”.
Tal projeto, se bem elaborado permite se levar em conta as tais forças
obscuras, a complexidade implícita nas outras dimensões do tempo e do
espaço escolar, como, regras, tradições, costumes, cultura, qualidade,
quantidade, relações implícitas de poder, controle e interesse e, o mais
importante, estabelecer relação entre tempo e espaço e processo ensino-
aprendizagem.
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O fato é que a escola precisa encontrar alternativas para superar o
mecanicismo dentro da sala de aula, revelado por meio de regras,
fragmentação de tempo imposto pelo currículo disciplinar e que tanto prejuízo
tem trazido à aprendizagem escolar.
A importância desse artigo reside neste fato, o de encontrar junto com a
escola, mecanismos que reconheçam os conflitos no espaço escolar e, a partir
daí propor fundamentos teóricos que venham contribuir para a superação das
tensões, das crises decorrentes da necessidade de se estabelecer novos
espaços e tempos escolares.
Assim é que se organizou uma coletânea de textos para discussão,
reunidos num único material pedagógico, Caderno Temático, cujo objetivo foi
apresentar aos professores alternativas de reorganização do espaço e do
tempo escolares.
Formou-se um grupo de apoio, composto por nove professores que se
reuniram duas vezes por mês, no período de quatro meses, totalizando oito
encontros.
Os textos discutidos obedeceram a uma sequência, ordenados da
seguinte forma: 1. Espaço e Tempo: Possibilidades entre o Real e o Ideal,
cujas referências foram Bencostta (2007) e Dalbosco (2007); 2. Hora Atividade:
Direito (Conquista) ou privilégio? Referências: Arroyo (2004); Oliveira (2005); e
Paraná (2003) Lei Complementar nº. 101/2003; 3. Ciclos de Aprendizagem
como alternativas de reorganização do espaço e do tempo escolar – foram
utilizados os autores como referência: Arroyo (2004); Mainardes (2007) e
Oliveira (2005); 4. Inclusão no Espaço e no Tempo da Escola, segundo os
autores: Capelo (tese); Mantoan (2008), Mittler (2003), Vygotsky (1997); 5.
Relato de Experiências no Espaço e no Tempo Escolar, baseados em De Vries
(1998), Sabino (2007) e Savater (1998); 6. Espaço e Tempo na Educação de
Jovens e Adultos-EJA- tendo sido utilizadas as DCE/EJA – Paraná (2006).
Foram produzidos relatórios de cada um dos encontros, cujos resultados
pretendemos apresentar ao final deste artigo.
A partir da necessidade de se realizar essa análise, o tempo presente e
suas contradições, seus avanços e repercussões no espaço e no tempo
escolares e no processo ensino-aprendizagem é que desenvolvemos este
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trabalho, buscando na trajetória histórica e social da escola elementos que
fundamentassem o contexto escolar hoje.
2.TRAJETÓRIA HISTÓRICA DA ESCOLA
NO INÍCIO NÃO ERA ASSIM...
Ao vasculharmos a trajetória histórica da escola, desde os primórdios
dos tempos, constatamos que a sociedade primitiva educava de uma forma
muito natural e pragmática. Aprendiam, de forma igualitária, todas as crianças,
jovens e adultos, num mesmo tempo e num mesmo espaço, tudo aquilo que
era necessário para a sobrevivência social.
Na Grécia surge a educação do homem integral que compreendia a
formação do corpo pela ginástica e da mente pela filosofia. Esparta e Atenas
disputavam espaços e tempos escolares diferentes. Em Esparta desenvolviam-
se muito mais o corpo e a educação moral, voltada para interesses militares.
Já, em Atenas, a preocupação era com o intelectual, através da filosofia.
Sócrates ensinava em praça pública, não se preocupava com
horários ou com espaços adequados, mas com o diálogo interativo que travava
com os seus discípulos que eram apenas os transeuntes daquele local.
Em Roma, Itália, as escolas do ludi- magister2 consistiam em
espaços que ensinavam a educação elementar; as dos gramáticos
correspondiam ao ensino secundário e os estabelecimentos de ensino superior
se constituíam numa espécie de espaço universitário.
Para Quintiliano, educador romano, “o estudo devia dar-se num
espaço de alegria (schola)3.”
Apenas aos homens livres era garantida a educação. Assim, os
escravos aprendiam as artes e os ofícios nas casas onde serviam.
Á medida que surgem novas escolas, o Estado Romano se ocupa da
educação e para vigiar as escolas são treinados os supervisores-professores,
com posturas muito parecidas com as dos militares. Assim, os castigos eram
severos, os culpados açoitados com vara.
2 Ludi – do latim – jogos ou espetáculos públicos; magister – do latim – o mestre:- ludi-magister:
mestre primário, aquele que ensina letras,séc.IV a.C., o institutor. 3 Schola – do latim - escola
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Chegamos à Idade Média, quando a educação elementar era
ministrada em escolas paroquiais por sacerdotes; a secundária em conventos e
a superior em escolas imperiais, onde eram preparados os funcionários do
império. As classes trabalhadoras só tinham acesso à educação oral. As
mulheres, consideradas pecadoras pela igreja, só poderiam ser educadas se
fossem vocacionadas, caso se tornassem freiras e mais, se tivessem dinheiro
para aplicar no convento. Aliás, os conventos se constituíam, na época, em
poderosas instituições bancárias, com explícitas divisões de classes, a dos
senhores (reitores, priores, etc.) e a dos servos (freiras, frades, etc.).
A marca da Renascença é a Escola Burguesa, caracterizada pelo
elitismo, pelo aristocratismo e pelo individualismo liberal. É óbvio que essa
educação não chegou às massas populares. Vittorino Da Feltre (1378-1446),
italiano, humanista cristão, criou a Casa Giocosa (Casa-Escola) que teria sido a
primeira “escola nova” antes da escola nova dos séculos XIX e XX.
Rabelais (por volta de 1843-1153), médico e frade franciscano
criticou o método da educação escolástica4 por considerá-lo extremamente
livresco. Para ele, a escola deveria ser alegre e integral sendo o mais
importante a natureza e não os livros.
Na Renascença surge a educação jesuítica, fundada por Inácio de
Loyola (1941-1556). Vejamos o que diz Gadotti (2006) sobre a educação
jesuítica:
Os jesuítas exerceram grande influência na vida social e política [...] Na educação jesuítica tudo era previsto, incluindo a posição das mãos e o modo de levantar os olhos, para evitar qualquer forma de independência social. Seu lema: “obediência ao papa até a morte”. Para isso, diziam, era preciso “enfaixar-se a vontade”, como são enfaixados os membros dos bebês (p.65).
Ainda na obra de Gadotti (idem, p. 68) vamos a um trecho do texto
de Michel de Montaigne (1533-1592), nasceu perto de Bordeaux, na França, no
Castelo de Montaigne e dedicou grande parte de sua vida a atividades
literárias:
4 Escolástica – filosofia ensinada nas escolas – expressão da filosofia cristã medieval – Do
séc.XIV ao Séc. XVI
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A disciplina rigorosa da maior parte de nossos colégios sempre me desagradou. Menos prejudiciais seriam talvez se a inclinassem para a indulgência. São verdadeiras prisões para cativeiro da juventude, e a tornam cínica e debochada antes de o ser. Ide ver esses colégios nas horas de estudo: só ouvireis gritos de crianças martirizadas e de mestres furibundos...Gostaria que fossem atapetadas de imagens de alegria, do júbilo de Filora e das Graças5, como mandou fazer em sua escola o filósofo Espeusipo.
Os jesuítas criaram a Ratio Studiorum,6 promulgada em 1599, que se
constituía num plano de estudos, de métodos e base filosófica. Representa o
primeiro sistema organizado de educação católica.
2.1 A ESCOLA MODERNA
Os colégios surgem a partir do século XVI e vão se multiplicando até
o século XVIII. Com o advento dos colégios, vamos conhecer uma nova
imagem de infância e de família.
Enquanto na Idade Média, adultos e crianças de todas as idades se
misturavam numa mesma classe, no século XVII, a fim de proteger as crianças
das más influências dos adultos, cria-se uma forma de organização escolar que
se preocupa em agrupar alunos por idade e, aliado a isso, severa disciplina e
punição aos considerados culpados.
Estamos no século do método e, segundo Aranha (1996), em uma de
suas citações sobre João Amós Comênio, considerado o maior educador e
pedagogo do século XVII, cujo principal livro é Didática Magna:
A escola moderna, em consonância com o seu tempo, propõe-se a uma tarefa: se há método para conhecer corretamente, deverá haver para ensinar de forma mais rápida e segura e ainda cita alguns capítulos da Didática Magna: Como se deve ensinar e aprender com segurança, para que seja impossível não obter bons resultados ou bases para rapidez do ensino, com economia de tempo e de fadiga (p. 107, 108).
5 Filora e Graças – Deuses da mitologia grega.
6 Ratio – do latim: a razão, a potência racional, o entendimento; studiorum: estudo – Ratio-
Studiorum – razão dos estudos..
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A autora (idem, p. 108) diz adiante que “Comênio faz do homem um
ser moral, por isso as escolas são “oficinas da humanidade, verdadeira
iniciação à vida.”
Aranha afirma que Comênio foi considerado muito avançado para o
seu tempo, pois queria universalizar o ensino, ensinar tudo a todos, no entanto
o que historiadores retratam é que havia um debate entre as pretensões
aristocráticas que mantinham a escola conservadora e a aspiração por filósofos
e teóricos da educação de uma pedagogia realista e universal.
Vamos agora, construir a imagem de um colégio do século XVII, que
em princípio, era muito diferente das universidades medievais, as quais
adotavam a pedagogia oral, cursos esparsos, sem graduação sistemática e
sem exames metódicos e, ainda, a junção de várias idades numa mesma
classe, como já mencionamos.
Essa imagem foi extraída de autores que pesquisaram sobre a
organização dos colégios a partir do século XVI, dentre eles Bencosta (2007):
O relógio, instrumento que pela sua preciosidade ocupa lugar de
destaque no prédio escolar, marca a hora do início da aula e a sineta,
estridente, anuncia que todos os alunos e mestres deverão se aprontar,
rapidamente para a jornada. Alunos enfileirados se organizam, no pátio, frente
aos seus mestres que se encarregam de conduzi-los até a sala de aula. Cada
um reconhece a sua sala, previamente legendada por tabuletas indicativas,
afixadas pelo lado de fora da porta de entrada, indicando a série e a turma.
Assim, tudo fica divido sem séries, turmas, modalidades, períodos. As classes
seriadas, alocadas umas ao lado das outras e um único corredor para melhor
controle e facilidade de acesso tanto de professores quanto de alunos. As
carteiras dispostas umas atrás das outras, a mesa e a carteira do professor em
frente a lousa. As carinhas dos alunos revelando que todos têm a mesma
idade. Vamos simular uma segunda-feira, cujo horário determina que terão
aulas de História, na sequência Línguas e pra terminar Matemática, com
mestres especializados em cada uma dessas disciplinas que, novamente, ao
toque da sineta entenderão que deverão deixar aquela turma e se dirigirem
para uma outra que já os aguarda. Os alunos permanecem sentados o tempo
todo, a disciplina é rigorosa, não poderão se manifestar sem antes sinalizar ao
mestre, de preferência levantar a mão indicando que precisa falar. Assim
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mesmo, só falarão se houver consentimento expresso do mestre. Dá-se início a
aula e o professor começa a leitura de um texto retirado de alguma obra
clássica. Em seguida, propõe determinada atividade que deverá ser realizada
dentro de um tempo previamente estipulado. O professor, ao longo do ano,
observa atentamente aqueles alunos que se destacam pela agilidade em
realizar os estudos, pelo “bom comportamento” 7 e ao final do período estes
são recompensados com algum tipo de prêmio. Por outro lado, os que
apresentam lentidão e se recusam à submissão imposta pela disciplina, são
severamente punidos física e moralmente. Não obstante, um dos castigos
bastante utilizado na época é o de diminuir a nota retirando-lhes os pontos já
conquistados.
Vejamos o que diz Bencostta (2007), sobre a arquitetura dos
colégios, de onde surgiu:
É muito interessante notar que esses colégios, protótipos tanto dos inúmeros criados pelos jesuítas, em várias partes do mundo, quanto pelos criados pelos reformadores, foram buscar na cultura clássica os saberes a ser transmitidos mas, para a organização do espaço escolar, inspiraram-se nos grandes mosteiros medievais, como atestam os estudiosos (p. 153-154).
Qualquer semelhança com as escolas de hoje não é mera
coincidência. Ao visualizarmos um colégio da idade moderna, apesar de há
tantos séculos atrás, vemos muitas das escolas contemporâneas, seja na sua
construção, no seu espaço, como nas práticas pedagógicas.
Os pátios, os corredores, as salas lado a lado, a sineta cujo nome foi
atualizado para campainha, mas que mantém a mesma função, os prédios
escolares com suas arquiteturas medievais, muitos em forma de L, de
corredores longos e únicos, salas amplas e altas, escadas, a organização das
carteiras, da mesa do professor, do quadro de giz, antiga lousa, tempo para
tarefas, tempo para o recreio, tempo para a aula de História, de Geografia,
enfim, ao que parece tudo permanece igual, ou não?
A despeito disso, vejamos o que diz Gadotti (2006), ao analisar o
pensamento pedagógico oriental, discorrendo sobre as mais diversas doutrinas
pedagógicas do início dos tempos, desde o taoísmo, considerada a mais antiga
7 Eram considerados bons todos aqueles alunos que se submetiam à severa disciplina.
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até o panteísmo do extremo oriente o teocratismo hebreu, o misticismo hindu, o
magicismo babilônico:
Essas doutrinas pedagógicas se estruturaram e se desenvolveram em função da emergência da sociedade de classes. A escola, como instituição formal, surgiu como resposta à divisão social do trabalho e ao nascimento do Estado, da família e da propriedade privada (p. 23).
O autor, na verdade, refere-se à escola que temos hoje, parida
numa sociedade extremamente hierarquizada e, por isso mesmo, desigual.
Daí os conflitos na seleção e organização de alunos, de turmas, de
períodos e de espaços nas escolas, objeto de nosso estudo.
Se na Idade Média os colégios eram cópias dos mosteiros
medievais, hoje há toda uma conjuntura social, política e econômica que
sustentam o mesmo modelo de organização da escola .
Em sua obra, Compreender e transformar o ensino Sacristán e
Gómez (1998), fazem a seguinte afirmação:
[...] o processo de socialização da escola, apesar da importância do doutrinamento ideológico e da inculcação de representações particulares e idéias dominantes foi e é, sobretudo nas sociedades com fórmulas políticas de representação democrática, muito mais sutil, sinuoso e subterrâneo. Isto ocorre para fazer frente às contradições crescentes entre seus objetivos político-sociais e os estritamente econômicos (p.17).
Isto explica as dificuldades de se enxergar com clareza a influência
que a escola sofre, de fora para dentro e, mais, de como lidar com o
contraditório que, apesar de real, nem sempre é visível, pois que para
desvendá-lo, se faz necessário o aguçamento dos sentidos e a ousadia do
enfrentamento.
Decorrente disso podemos afirmar, ainda, que fatores como a
massificação e o assistencialismo, concorreram sobremaneira para que a
escola pública se transformasse num espaço onde se faz de tudo, atende-se
todas as carências e, se sobrar tempo, ensina-se.
Segundo Oliveira (2005), no Brasil, a organização da escola pública
anterior ao ano de 1906, obedecia a uma lógica semelhante ao da Idade
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Média. Os alunos eram instruídos nas chamadas escolas reunidas, num
mesmo ambiente, o mesmo conteúdo em estágios diferentes de
conhecimentos. Assim, o professor gozava de maior autonomia e seu trabalho
ocorria de acordo com a sensibilidade, experiência e capacidade docente.
Apenas com o surgimento e o domínio dos grupos escolares,
consequência da industrialização e consolidação da sociedade capitalista que
exige uma força de trabalho mais escolarizada, é que o trabalho docente torna-
se fragmentado, seriado, por turmas e atende as demandas dos chamados
níveis de conhecimento. (idem, p. 83).
Daí é que podemos depreender o quanto é impossível pensar a
educação sem pensar nas alterações da base produtiva, nas exigências de
reorganização do capital, sempre explicitadas pela constante modernização do
sistema.
É importante conceber que isso não é uma ideia, não há um
precursor ou um idealizador, pois está consolidado numa estrutura muito maior,
num sistema institucionalizado que pode ser financeiro, de organização do
comércio ou consequência da própria globalização.
Agora vamos nos imaginar neste contexto e o que se pode fazer
efetivamente em termos de mudanças educacionais.
Para clarear melhor as ideias, vamos a algumas informações
necessárias sobre os dois modelos econômicos que têm influenciado a
educação desde os anos 60.
Nos anos 60, 70 vivemos a fase do fordismo, do consumo e
produção em massa, da empregabilidade, dos anos dourados no Brasil e do
bem estar social na Europa.
As escolas, adaptadas a este modelo, impunham o trabalho
fragmentado, supervisionado e sua marca era gerar empregabilidade.
Assim dava a sua colaboração para o Estado que, neste modelo,
se fortalecia, gerava empregos, pois se arrecadava muito.
O destaque era para a arquitetura fabril das escolas, com seus
uniformes, campainhas quase sempre confundidas com o sinal das fábricas,
horário de entrada e de saída rigorosos.
Com a crise do capitalismo surgem os neoliberais que culpam o
Fordismo e sua forma de produção.
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Surge então o Toyotismo, cuja bandeira é maior produtividade e
menos gastos, produção em pequenos lotes, estoques mínimos, controle de
qualidade, trabalhador vira associado, empreendedor, o Estado se afasta e
patrão e empregado é que têm que se entenderem, subcontratação,
terceirização e assim por diante.
Estabelecendo uma analogia entre um passado recente
vivenciado nas escolas, o que significou o termo “clientela” em vez do termo
aluno? Será que a escola, nessa época, assumiu relação com o
empreendedorismo? Sabemos que o que se pretendeu foi transformar a escola
num espaço de “excelência” numa relação direta com a qualidade total, com o
modelo empresarial e todas as suas implicações capitalistas dentro da escola.8
Assim, nesse modelo a escola cumpre o seu papel de incubadora de um
modelo social e produtivo calcado no capitalismo, que interessa apenas às
classes dominantes.
Sobre a necessidade de se criar uma escola que produza a
transformação da ordem social, visando atender, especialmente a classe
trabalhadora, vamos refletir sobre Paro (2006):
A disseminação, na escola, de uma nova concepção de mundo exigirá, necessariamente, uma mudança na própria postura do educador, frente à educação e ao seu próprio papel como transmissor de tal concepção de mundo. Tal mudança se resume, fundamentalmente, em seu cada vez mais efetivo papel de intelectual no sentido gramsciano, mantendo com a classe trabalhadora uma relação de representação que seja a expressão consciente de seu compromisso com os interesses dessa classe ( p. 122).
E Paro (2006), segue afirmando que, apesar de desejável,
não se pode esperar que haja uma revolução social, em suas superestruturas.
Porém, a escola como instituição que lida com o
conhecimento e, que garante mecanismos de luta para uma superação social,
deverá estabelecer uma relação entre educador e educando correspondente a
uma relação orgânica entre intelectual e massa de trabalhadores, no âmbito da
totalidade social. Para Paro (2006, p. 122), tal relação revela o caráter
8 Texto extraído da palestra do Professor Sérgio Aguilar Silva – Trabalho, Estado e Educação –
um breve ensaio didático – Faxinal do Céu – agosto/2008.
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revolucionário do processo pedagógico que concilia, numa ligação dialética, o
sentir popular ao saber sistematizado, científico.
Retomando o espaço e o tempo na escola, agora já se tem clareza
de como essas dimensões foram organizadas, a partir do século XVI e, ainda,
quais fatores sociais, culturais e de base produtiva foram decisivos na
manutenção desta organização.
A partir destas reflexões teóricas, vamos agora, sugerir o que se
pode propor para que se atinja o objetivo deste trabalho, que é o de apresentar
caminhos para a superação dos problemas advindos de um espaço e de um
tempo muito antigos, que precisam ser mudados, mas que esbarram em
problemas de estrutura e superestrutura econômicos e sociais.
Vamos nos utilizar de Arroyo (2004), que, a despeito deste assunto,
revela o seguinte:
Convivemos com infâncias, adolescências e juventude em plural. Os próprios educandos têm consciência da diversidade de vivência de seus tempos. O compromisso de reorganizar a escola em ciclos para respeitar os tempos dos educandos nos leva ao imperativo de estarmos atendendo às formas concretas de viver esses tempos. Sobretudo as formas tão precárias que a infância, adolescência e juventude populares são condenadas (p. 302).
É sabido da resistência nas escolas, sobre a proposta dos ciclos,
então utilizaremos Oliveira (2005), que faz uma leitura muito interessante sobre
o regime de ciclos:
Ora, o regime de ciclos não cria hierarquização de conhecimentos, nem se estrutura numa lógica propedêutica. Logo não pode funcionar com os mesmos critérios da seriação. Por outro lado, vamos considerar a questão da qualidade. Surpreende a qualquer observador a afirmação de que se está quebrando a qualidade da educação escolar, especialmente a pública. Esse argumento dá a entender que todos devem estar satisfeitos com a escola que existe até hoje, já que se quer manter a qualidade existente. Ora, não é isso que temos presenciado em inúmeras discussões sobre Educação. Há uma virulenta crítica à sua qualidade, e não é a introdução dos ciclos que influenciará para torná-la pior. O que se está buscando, é exatamente o contrário (p. 85).
Mainardes (2007), apresenta em sua obra sobre os ciclos de
aprendizagem, estudos sobre formulação e geração de políticas que revelam a
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importância do debate sobre a implantação e implementação dos ciclos,
destacando temas como avaliação e processos de exclusão em programas de
escola em ciclos. O autor coloca que “embora os ciclos possam ser
considerados uma alternativa viável para a educação da classe trabalhadora,
não se pode perder de vista a possibilidade da reprodução, nessa política das
desigualdades constatadas no regime seriado”. (p.89)
Retomando Arroyo (2004), vamos considerar as seguintes
reflexões passíveis de serem executadas para se superar os problemas
advindos do atual modelo de organização de espaço e de tempo na escola:
Ao se agrupar os alunos a tendência fácil é segregar os
indisciplinados e violentos, criar turmas especiais não tanto por problemas de
aprendizagem, mas de condutas.
Administrar a escola como uma cadeia de produção é mais fácil,
ainda que não seja o mais educativo, ou ainda que empobreça os processos de
aprendizagem.
Pouco importa o número de alunos que frequentam a escola. O
importante é saber o número de turmas para providenciar o número de
professores.
Tem sido permitido alocar professores para tempo de aprendizagem
extraturma, em turmas ou tempos de aceleração ou recuperação, pois o que
está em jogo é o pedagógico e não os custos financeiros.
Há propostas pedagógicas apoiadas pela equipe diretiva que
assume uma postura não controladora, antes incentivadora de formas mais
flexíveis de agrupamento e de trabalho docente e discente.
Os agrupamentos são organizados em função da natureza da
atividade pedagógica a ser desenvolvida.
A formação de turmas inicial tem como critério a proximidade da
idade dos alunos.
A equipe da secretaria não administra a organização e o
ensalamento por decretos e portarias.
Há uma discussão sobre a possibilidade de se tornar flexível a
organização do trabalho de formação de turmas que já apresenta vários
mecanismos: intervenção, livre escolha, momento coletivo, etc. (ARROYO,
2004, p.324 a 326).
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Como veem, não se pode sair por aí destruindo prédios escolares
e construindo outros mais modernos. Nem por isso devemos manter a mesma
postura tradicional de tantos anos atrás. A sugestão é que aproveitemos o
espaço que temos, porém com novos olhares, muito mais humanos,
pedagógicos, reconhecendo e entendendo a diversidade de nossos alunos,
não tanto de ritmos, mas de vivências sócio-econômicas.
Não há como não enxergar que trabalhamos num espaço e num
tempo em que as pessoas se constituem, em sua grande maioria, da classe
trabalhadora. Carregam para dentro da escola culturas e saberes diversos.
Como lidar com isso? Esse é mesmo o grande desafio da educação
contemporânea.
Nossa intervenção, nesse sentido, é agregar ao pedagógico o valor
que se lhe pode atribuir à medida que dialogamos e convivemos com a
diversidade.
Por isso é que procuramos demonstrar alguns dos pressupostos
teóricos que deverão fundamentar a discussão sobre as possibilidades de
mudanças de concepção e, consequente práticas docentes, que por sua vez,
produzirá efeitos significativos na reorganização do espaço e do tempo
escolares.
Assim, é possível tomar como base a idade num agrupamento, mas
sem perder de vista a riqueza e a flexibilidade da diversidade de conhecimento.
Quanto à Escola Empresa à serviço do capitalismo, nosso foco
deverá estar voltado para uma educação humanizadora, emancipadora,
comprometida com os interesses da classe trabalhadora inserida no mesmo
espaço e tempo que ocupamos como educadores.
3. CONCLUSÃO
É chegado o momento de apresentarmos o resultado desse nosso
trabalho, descrito nos relatos das discussões e das propostas realizadas pelo
grupo de apoio, formado por professores da Educação Básica do Colégio
Estadual Castro Alves de Cornélio Procópio e pelos participantes do GTR –
Grupo de Trabalho em Rede, integrados pela modalidade de curso à distância,
do qual fomos tutores e cujas participações foram postadas nos fóruns
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disponíveis no ambiente moodle, organizado pela equipe do PDE - Plano de
Desenvolvimento da Educação, da Secretaria de Estado da Educação do
Paraná
No primeiro encontro, o assunto abordado foi a hora atividade, e algo
muito interessante ocorreu, pois apesar de os professores concordarem com o
tempo muito limitado imposto para esse momento, apenas 20% da jornada
total, considerando as inúmeras atividades que se cumprem fora da sala de
aula, também eles reconhecem que este é um benefício que se constitui num
grande avanço na carreira, pois hoje já é possível planejar suas aulas com um
pouco mais de tempo, o que causa um certo alívio nas tensões do dia-a-dia.
Por outro lado, o professor se ressente da falta de tempo de
conversar mais com a equipe, principalmente quando há informações valiosas
a serem repassadas e não há uma brecha sequer no calendário que permita
uma melhor comunicação entre esses dois segmentos.
A hora-atividade, na forma como tem sido praticada nas escolas,
revela-se como sendo uma grande conquista, porém mal utilizada.
Tais momentos deveriam ser dedicados à leitura, à discussão da
prática pedagógica como, por exemplo, a avaliação, o plano de trabalho
docente, a proposta curricular. No entanto, o que se vê é o professor fazendo
hora-atividade em pequenos intervalos disponíveis em seu horário de aula,
organizados, muitas vezes, mais para atender a distribuição de aulas e de
horários da escola, do que, propriamente, os interesses da hora-atividade.
Isso confere à hora-atividade uma atribuição que não lhe é própria, o
de facilitar a organização do horário da escola.
Nota-se, portanto, quanta fragilidade há na escola na questão de
organização de tempo e de espaço pedagógicos, pois o que se percebe é que
nessa organização acaba por se priorizar o gerencial em detrimento do
processo ensino-aprendizagem.
Então surge a questão: será que esse procedimento está implícito
nas leis que regulamentam a organização do espaço e do tempo escolares?
Ao observarmos o calendário escolar, por exemplo, é possível
visualizar dias e carga horária compatíveis, segundo a LDBEN 9394/96, com as
necessidades educacionais de um ano letivo.
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No espaço escolar, o mesmo calendário sofre algumas adaptações
no que diz respeito à divisão de horário, de turmas, séries e disciplinas.
Sabe-se que para se efetivar tantas divisões na escola recorre-se à
matemática, ao raciocínio lógico, à tecnologia, porém os resultados nem
sempre conferem ao pedagógico a importância que ele realmente tem no
processo ensino-aprendizagem.
Ora, mas por quê? O verdadeiro espaço da escola não é o do
ensino-aprendizagem? Então como não priorizá-lo?
Os Diretores, pedagogos de escola por certo responderiam essa
questão, alegando que há muita rotatividade de professores, que ao organizar
um horário, por exemplo, há de se pensar naquele professor que faz um
verdadeiro tour pela cidade, pois não trabalha em apenas uma escola. Isso
sem contar que, depois de todo o horário pronto, começam a acontecer as
substituições, por inúmeras razões, e tudo tem que ser modificado a fim de se
atender as disponibilidades dos substitutos, fato que pode acontecer durante
todo o ano letivo.
Como o gerenciamento, que organiza racionalmente os tempos e os
espaços poderá atender a tanta complexidade?
A escola é espaço de contradições, de conflitos e isto é refletido, o
tempo todo, na prática pedagógica.
O espaço e o tempo escolares são reféns de movimentos gerados
nas relações político-sociais. Se num tempo distante os colégios foram
construídos para atender a ideologia da época, cuja arquitetura,
propositalmente foi planejada para vigiar e controlar, hoje, o que vemos é a
escola fabril, atendendo aos interesses de um sistema voltado para a
produtividade, para o capital.
Retomando a hora-atividade, esta se constitui em mais um dos
problemas para a escola, quando deveria ser solução.
E assim o professor continua levando para a casa atividades de
planejamento de aulas, correção de atividades dos alunos e outras mais, pois o
tempo destinado à hora-atividade, cumprida na escola, conforme determina a
lei, não é o suficiente para a realização de todos os afazeres próprios da
docência.
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Todos os outros trabalhos de organização da escola, que inclui
horário, ensalamento de alunos, distribuição de salas, tempo de recreio, tempo
de aula por disciplina, horário de entrada e de saída permanecem na lista de
desafios da escola, a qual luta, diariamente, para que se cumpra o principal
objetivo da educação, o da formação de sujeitos.
Outra queixa dos professores é quanto ao número de alunos na sala
de aula, o qual tem sido definido muito mais pelo sistema burocrático, aluno por
metro quadrado, que pelo princípio pedagógico, considerado o ideal para uma
educação de qualidade.
Ora, o que se percebe aqui é que o gerenciamento vale mais que o
pedagógico, ou que é preciso economizar, pois quanto mais alunos na sala de
aula, menos professor trabalhando, ou seja, menos gastos para os cofres
públicos.
Fica evidente que prevalece a lógica da administração em detrimento
da lógica da educação ou do ensino.
O ato de gerir requer previsão, organização, racionalização,
categorização e submissão a critérios homogêneos, com vistas à transparência
e ao domínio.
A ação docente é exatamente o contrário dessa lógica, pois à medida
que se tem como objetivo a formação de sujeitos, assume a natureza complexa
desse trabalho e as consequentes interferências políticas, econômicas e
sociais.
No segundo encontro, as discussões versaram em torno do texto de
Vera Maria Candau, Cotidiano Escolar e Cultura(s): Encontros e Desencontros.
Aqui, a principal abordagem foi a violência no espaço escolar, a
dificuldade de se estabelecer regras de convivência, a necessidade de se
estabelecer parcerias com setores da sociedade como o Ministério Público e,
ainda, a volta do antigo inspetor de alunos.
O terceiro encontro deu sequência ao segundo com a apresentação
do filme de João Jardim, Pro Dia Nascer Feliz, que retrata, em forma de
documentário, a realidade das escolas brasileiras desde o Nordeste brasileiro
até o Rio e São Paulo, de escolas públicas e privadas, o comportamento das
escolas, dos jovens, dos pais e dos professores.
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Apesar de os jovens demonstrarem comportamentos semelhantes,
os da escola pública e os da escola privada, principalmente nas manifestações
de sentimentos, de angústias próprias da condição humana nessa idade, já no
vestuário, uso da linguagem, disponibilidade para os estudos, relação com a
família, moradia, condição financeira enfim, percebem-se diferenças nítidas e
marcantes.
Esse estudo apenas confirmou o que os professores da rede pública
já sabem. Vivemos numa sociedade heterogênea. A escola é produto dessa
sociedade. Portanto, não há como ensinar de forma homogênea, como se
todos fossem iguais socialmente. Há uma elite conservadora, criada pelas
forças poderosas do capitalismo que, apesar de ser minoria, tem poder
suficiente para exigir tratamentos privilegiados, numa tentativa de atrelar ao “ter
materialmente” a condição de “ser melhor” para quem tem mais e “ser pior”
para quem tem menos.
Educar é formar cidadãos livres, fortes, pensantes, capazes de viver
no mundo que lhes é dado.
Não é mais ou menos educado apenas aquele que tem uma polpuda
conta bancária.
É pela educação que o homem se torna igual, reconhece-se e
reconhece ao outro como ser humano.
E essa é a função social, política e humana da escola.
Os ciclos como alternativa de aprendizagem foram discutidos no
quarto encontro. A resistência dos professores quanto à adoção dos ciclos
consiste em argumentar que alunos oriundos de ciclos, como é o caso do ciclo
básico de alfabetização, em vigor nas escolas de séries iniciais do Ensino
Fundamental, apresentam sérias lacunas de aprendizagem, principalmente de
leitura, escrita e cálculos matemáticos, conteúdos esses considerados
essenciais para a aprendizagem das demais áreas de conhecimento.
Consideram ainda que, antes de se pensar em adotar ciclos como alternativa,
há de se resolver problemas emergenciais como salas cheias, rotatividade de
professores, recursos físicos, didáticos, mobiliários enfim, melhores condições
de trabalho que definitivamente contribuam para uma melhor qualidade do
ensino.
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No quinto encontro discutiu-se a diversidade escolar como alunos
com deficiência física, diferenças de gênero, etnia, religião e dificuldades de
aprendizagem.
Há uma concordância mútua de que temos muito a avançar nessas
questões.
Hoje, com os portões da escola escancarados para a população em
massa, não há mais como prescindir da necessidade de uma formação
especial aos professores, para que estes consigam alcançar tais dimensões,
compreendendo-as e em condições de buscarem novas práticas docentes que
atendam a essa demanda.
Na sequência, tratou-se da inclusão de alunos com necessidades
especiais. Reflexões sobre a estrutura física da escola, o currículo homogêneo
preparado apenas para atender uma parcela da população, considerada
preparada para a aprendizagem escolar foram a base da discussão. E a
preocupação versa em torno da dicotomia: Estamos preparados para receber
esses alunos? Se não estamos, será que não estaremos reforçando a exclusão
em vez da inclusão?
Quanto a EJA – Educação de Jovens e Adultos, o estudo das DCEs
dessa modalidade, produzida pelos professores e pela Secretaria de Estado da
Educação, prestou-se a esclarecer aos professores a forma organizacional da
modalidade, seus objetivos, resultados e por se constituir num grande avanço
da educação, quem sabe poderá ser uma alternativa de organização para as
demais modalidades de ensino.
A partir dos estudos das DCE da EJA, partiu-se para a discussão do
Ensino Médio por blocos de disciplina. Foi lida a resolução nº. 5590/2008, a
Instrução nº. 021/2008 e o resumo da Proposta Pedagógica, documentos estes
da Secretaria de Estado da Educação – SEED/Paraná.
Os professores revelam resistência com base em inseguranças,
temores. Afinal de contas, o novo é sempre um provocador de tensões à
medida que se opõe a uma ordem estabelecida, confortável, portanto.
Resta-nos agora, tratar da escola dos sonhos, pois da escola real
tratamos até aqui.
Na escola dos sonhos, os alunos teriam um local de referência para
pesquisar, para ter aulas ilustrativas por meio de recursos tecnológicos e
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audiovisuais, salas ambientes para cada área do conhecimento, quadra de
esportes coberta, arquitetura adequada para receber alunos com deficiência
física, banheiros com papel higiênico, espelho, sabonete, toalhas, pátio
coberto, lixeiras próprias para coleta seletiva, água de boa qualidade,
alimentação saudável e nutritiva, informações científicas espalhadas pela
escola toda, trabalhos dos alunos afixados em murais.
O horário seria organizado de forma a atender a aprendizagem,
aulas geminadas, rodízio de disciplinas para que todas elas pudessem ser
estudadas no começo, meio e final do período.
As turmas seriam constituídas por alunos devidamente mobilizados
para a aprendizagem do conhecimento, estipulado o máximo de 35 (trinta e
cinco) alunos por sala, menos nas séries iniciais do Ensino Fundamental até a
6ª série, cujo número de alunos ficaria reduzido ao máximo de 25 (vinte e
cinco).
O currículo seria o mesmo para todos, porém o professor estaria
preparado para diferenciar a sua prática a partir do diagnóstico de sua turma.
Preparar-se para fazer a diferença significa, acima de tudo, ter muito
conhecimento, mas para isso ele trabalharia parte de sua carga horária na sala
de aula e, a outra metade, em contraturno, na escola ou em instituições de
ensino, estudando, buscando alternativas para a sua prática profissional.
Os alunos com dificuldade de aprendizagem receberiam aulas
extras, em contraturno, a fim de superarem tais dificuldades.
Não haveria retenção, mas oportunidade de se permanecer mais
tempo estudando determinada matéria, até se apropriar por completo de seu
conteúdo.
O trabalho do professor seria indispensável no processo, pois o
currículo dispensaria as práticas de projetos isolados por provocarem um
esvaziamento de conteúdo, e, ao contrário, o ensino dar-se-ia a partir da
efetiva mediação do professor, que em sua prática, planejaria aulas elaboradas
a partir da pesquisa, da leitura, do debate, da síntese, do senso comum para o
saber científico, rompendo definitivamente com as práticas tecnicistas e da
escola nova, cujas concepções não defendem a formação integral do aluno,
voltada para uma educação humanista, mas acima de tudo, defendem
interesses de uma sociedade individualista, funcionalista e que, por isso
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mesmo, trouxe muitos prejuízos ao ensino, à medida que se preocupou em
manter ou reproduzir uma sociedade voltada para os interesses de uma
minoria que detém o poder.
Nessa escola, os alunos teriam oportunidade de inclusão, mesmo
àqueles considerados doentes, pobres, muito jovens ou muito idosos, de outras
raças e/ou etnias, sem distinção de gênero e de religião, pois tanto os
profissionais como as instalações estariam prontos para recebê-los.
Os pais seriam presenças constantes e não apenas para receber o
boletim no final do processo, ou quando chamados para receberem
reclamações dos filhos.
Os alunos com história de brigas, agressões seriam atendidos pela
escola e pelos pais. Os casos mais graves teriam o apoio de autoridades
competentes.
As notas não seriam prioridades, mas o aprendizado, o qual seria
discutido pelo colegiado de forma responsável, considerando os aspectos
pedagógicos do processo, envolvendo pais, professores e os próprios alunos.
Uma vez concretizada essa escola, nem precisaríamos mais das
avaliações institucionais que têm mensurado o desempenho das escolas
públicas. Nem mesmo do vestibular, pois os alunos da rede pública teriam, por
merecimento, suas vagas garantidas nas instituições públicas de ensino
superior. Com o intuito de se garantir o acesso e permanência dos alunos da
Rede Pública nas Instituições Superiores Públicas de Ensino, ao contrário do
que se faz hoje, o vestibular seria destinado apenas aos alunos das escolas
particulares, uma vez que não há vagas para todos.
Pode parecer revolucionário e desafiador ante ao modelo político que
se impõe à sociedade hoje, porém se reconhecermos que mudanças brutais
têm ocorrido sempre que um sistema apresenta sintomas de falência, então
substituiremos o que se tem pela proposta ora apresentada, transpondo-a do
sonho para a realidade.
O fato é que a proposta está posta. Não há respostas para todas as
dúvidas. No entanto, há meios de se avançar nessa discussão, basta que
tenhamos tempo e espaço para isso.
Finalmente, expressamos o nosso reconhecimento pela iniciativa
inédita do Governo do Estado do Paraná, o qual, por meio da Secretaria de
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Estado da Educação, permitiu esse espaço e esse tempo valiosos aos
professores da Rede Pública participantes do Programa de Desenvolvimento
Educacional-PDE, os quais puderam, pela primeira vez, dedicarem-se em
período integral, durante um ano, à pesquisa educacional com vistas à
discussão e aperfeiçoamento do processo ensino-aprendizagem.
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