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UNIVERSIDADE FEDERAL DA BAHIAINSTITUTO DE GEOCIÊNCIAS
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM GEOGRAFIA
ALYNSON DOS SANTOS ROCHA
AGRODIESEL E SISTEMAS DE PRODUÇÃO DE MAMONANO MUNICÍPIO DE MORRO DO CHAPÉU (BAHIA), SAFRA
2015-2016.
Salvador2017
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ALYNSON DOS SANTOS ROCHA
AGRODIESEL E SISTEMAS DE PRODUÇÃO DE MAMONANO MUNICÍPIO DE MORRO DO CHAPÉU (BAHIA), SAFRA
2015-2016.
Tese apresentada à banca examinadora e aoPrograma de Pós-Graduação em Geografia daUniversidade Federal da Bahia, como requisito àobtenção do título de Doutor em Geografia.
Orientador: Prof. Dr. Vitor de Athayde Couto.
Salvador2017
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À Joseanie, Raíssa e Maira, amadas mulheres da minha vida...
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AGRADECIMENTOS
Agradeço a todos aqueles que, direta ou indiretamente, contribuíram àconclusão deste trabalho. Inicialmente, agradeço fortemente ao Prof. Vitor pelaamizade nesses quase vinte anos, confiança e pelas fundamentais orientações quepossibilitaram o bom andamento desta pesquisa; aos professores GustavoMachado, Noeli Pertile e às Doutoras Lívia Liberato e Maria de Lourdes NovaesSchefler, pela avaliação e observações feitas no âmbito da Banca Examinadora.Especial agradecimento ao Professor Sylvio Bandeira de Mello e Silva que não tevea oportunidade de conhecer o produto final da pesquisa, mas que contribuiu comreferências sobre a realidade rural/regional da Bahia.
Agradeço fundamentalmente as informações fornecidas pelo EngenheiroAgrônomo Maurício Coutinho da PBio e do Técnico Agrícola da Embrapa ElóiFalcão. Durante a pesquisa de campo em Morro do Chapéu e em Salvador, osnumerosos contatos permitiram consolidar as análises e o entendimento darealidade da produção de mamona e dos agentes envolvidos na cadeia produtiva,dos agricultores familiares às empresas processadoras e comerciantes. Igualmente,sou grato ao Coordenador de Assistência Técnica Agrícola da PBio Daniel Kryzinsk,ao Técnico da empresa BioÓleo Daniel Arão e ao Sr. Jonatas Silva Fernandes pelasinformações complementares sobre a realidade da mamona e das cooperativas naregião. Evidentemente, agradeço aos agricultores familiares morrenses quepermitiram as entrevistas, sempre com a boa acolhida que lhes é característica,além do Sr. André Severo, na condução pelos caminhos nos distantes povoados deMalhada da Areia, Icó, Olhos D'água, Velame, Ouricuri I e II.
Agradeço também aos professores Nélson Giordano Delgado, Sílvio PereiraLeite, Karina Kato, Alberto Di Sabatto, Georges Flexor, ao doutorando José RenatoPorto e à Secretária Diva de Faria, do Observatório de Políticas Públicas para aAgricultura (OPPA), vinculado à Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro pelaamizade, conhecimentos absorvidos e confiança depositada em mim para acoordenação regional da segunda etapa da pesquisa “Biodiesel, Agricultura Familiare Políticas de Desenvolvimento: impactos socioeconômicos da produção debiodiesel nas áreas de influência da Petrobras”, importante suporte à continuidadeda pesquisa em campo para este trabalho.
Aos funcionários da Secretaria de Pós-Graduação em Geografia, Dirce Almeidae Itanajara Muniz da Silva sou grato pela paciência ao longo dos quatro anos decurso. Aos funcionários do Departamento de Economia Valdirene França e MarceloSoares, forte abraço e obrigado. Igualmente aos inúmeros colegas e amigos nasfaculdades de Economia e Geografia da UFBA e da Universidade do Oeste da Bahia(UFOB), especialmente ao Prof. Jorge Neris, que indiretamente contribuíram comeste trabalho.
À Profa. Edna Maria da Silva da EMEV/UFBA, companheiríssima de trabalho!!!A meus pais, irmãos e sobrinhos, igualmente obrigado!!!
Finalmente, agradecimento mais do que especial à minha amada família: àminha esposa Joseanie Mendonça, pelo amor, dedicação e, sobretudo, paciência(muita) em todo o período; à minha filha Raíssa, filhona querida; e à pequena Maira,iluminando o final dos trabalhos. Eternamente grato por estarem na minha vida!!!!!
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ROCHA, Alynson dos Santos. Agrodiesel e sistemas de produção de mamona nomunicípio de Morro do Chapéu (Bahia), safra 2015-2016. 322 f. il. 2017. Tese(Doutorado) – Programa de Pós-Graduação em Geografia, Universidade Federal daBahia, Salvador, 2017.
RESUMO
Este trabalho tem por objetivo analisar como a alternativa da mamona para oagrodiesel nos anos 2000, a partir dos desdobramentos das ações do ProgramaNacional de Produção e Uso de Biodiesel (PNPB), contribui (ou não) à alteração dossistemas de produção familiares em Morro do Chapéu (Bahia) e da atuação dosagentes envolvidos – agricultores, atravessadores, Petrobras Biocombustíveis (PBio,subsidiária da Petrobras para agrocombustíveis), empresas processadoras, deassistência técnica e cooperativas. Utilizando-se como referência a base conceitualem torno dos sistemas de produção e agrário, que privilegiam a abordagemtransdisciplinar e multiescalar, além dos procedimentos da metodologia AnáliseDiagnóstico de Sistemas Agrários/de Produção (ADSA) constrói-se tipologia deagricultores familiares ligados ao agrodiesel como subsídio à observação das formasde inserção na nova dinâmica produtiva e, simultaneamente, sua permanência noscircuitos de comercialização estabelecidos, especialmente com os atravessadores.O recorte temporal para essas análises compreende à safra 2015-2016, para a qualestudam-se as dinâmicas agronômica, econômica, além das repercussões com achegada do agrodiesel de mamona para os seis tipos de sistemas de produçãoidentificados. Complementa-se analisando-se a atuação das cooperativas deagricultores familiares, dos atravessadores e dos técnicos vinculados à PBio,Embrapa e BioÓleo com a implantação do modelo UTD em 2014. Aparentemente, oconjunto de ações dos agentes relacionados ao agrodiesel em Morro do Chapéu nãoconseguiu alterar significativamente a estrutura produtiva e relações entreagricultores e demais agentes, permanecendo atuações estabelecidas ao longo dedécadas de plantio da mamona. As iniciativas na região, embora repletas deargumentos positivos, chocam-se com a complexa realidade dos espaços deexecução. Exige-se o amplo conhecimento a priori dessas realidades, seus agentese interdependências, além da posterior continuidade das ações. São afirmações quereforçam críticas ao estabelecimento de programas estatais, aos moldes do PNPB,sem a devida e profunda observação às especificidades do semiárido. Os resultadosdesta pesquisa apontam ao esmaecimento do agrodiesel de mamona comoalternativa aos agricultores familiares do semiárido baiano, especialmente em Morrodo Chapéu.
Palavras-chave: Agrodiesel. Mamona. Sistema de produção. Morro do Chapéu.PNPB.
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ROCHA, Alynson dos Santos. Agrodiesel and castor bean production systems inthe municipality of Morro do Chapéu (Bahia), harvest-year 2015-2016. 322 pp. ill.2017. Thesis (Ph. D) – Programa de Pós-Graduação em Geografia, UniversidadeFederal da Bahia, Salvador, 2017.
ABSTRACT
The objective of this work is to analyze how the castor bean agrodiesel alternative inthe years 2000, based on the unfolding of the actions of the National BiodieselProduction and Use Plan (PNPB), contributes (or not) to the alteration of productionsystems in Morro do Chapéu (Bahia) and the activities of the agents involved –farmers, middlemen, Petrobras Biocombustíveis (PBio, Petrobras subsidiary foragrofuels), processing companies, technical assistance agents and cooperatives.Using as reference the conceptual basis about the production and agrarian systems,which favor the transdisciplinary and multi-scale approach, and the procedures fromthe Diagnostic Analysis of Agrarian Systems/Production (ADSA) methodology, thetypology of family farmers linked to agrodiesel is constructed as a subsidy to theobservation of the forms of insertion in the new productive dynamics and,simultaneously, their permanence in established commercialization circuits,especially with the middlemen. The time cut for these analyzes is the harvest-year of2015-2016. In the six types of production systems identified, agronomic andeconomic dynamics are studied, as well as the repercussions with the arrival ofcastor bean agrodiesel. It complements the analysis of the cooperatives of familyfarmers, middlemen and technicians linked to PBio, Embrapa and BioÓleo with theimplementation of the UTD (Test and Demonstration Unity) model in 2014.Apparently, the set of actions of agents related to agrodiesel in Morro do Chapéu wasnot able to change significantly the productive structure and relations betweenfarmers and other agents, remaining established actions throughout decades ofcastor bean planting. These set of actions, although full of positive arguments, areconfronted with the complex reality of the spaces of execution. They require a broadknowledge a priori of these realities, their agents and interdependencies, and thesubsequent continuity of actions. These are statements that reinforce criticism of theestablishment of state programs, as the PNPB, without observation of thespecificities of the semi-arid region. The results of this work point to the disintegrationof castor bean agrodiesel as an alternative to the family farmers of the Bahiansemiarid, especially in Morro do Chapéu.
Key words: Agrodiesel. Castor bean. Production system. Morro do Chapéu. PNPB.
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ROCHA, Alynson dos Santos. Agrodiesel et systèmes de production de ricindans la municipalité de Morro du Chapéu (Bahia), récolte 2015-2016. 322 f. il.2017. Thèse (Doctorat) – Programa de Pós-Graduação em Geografia, UniversidadeFederal da Bahia, Salvador, 2017.
RÉSUMÉ
Cette étude vise à examiner comment l’alternative de ricin pour agrodiesel dans lesannées 2000, des conséquences des actions du Plan National pour la Production etl'Utilisation de Biodiesel (PNPB) contribue (ou non) à la modification des systèmesde production à Morro du Chapéu (Bahia) et les activités des agents impliqués – lesagriculteurs, les intermédiaires, le Petrobras Biocarburants (PBIO, une filiale dePetrobras pour les agrocarburants), les entreprises de transformation, l'assistancetechnique et les coopératives. Il est utilisé comme référence la base conceptuelledes systèmes de production et agricoles et son approches trans-disciplinaire et multi-échelle, au-delá de les procédures de méthodologie Analyse Diagnostic desSystèmes Agraires/de Production (ADSA) est construit une typologie des agriculteursconnecté à l’agrodiesel comme une subvention à l'observation des formesd'intégration dans une nouvelle dynamique de production et en même temps de leurséjour dans les canaux de commercialisation établis, en particulier avec lesintermédiaires. Le calendrier de cette analyse comprend 2015-2016. Dans les sixtypes identifiés de systèmes de production, sont étudiés les dynamiquesagronomique, économique, et l'impact à la suite d'arrivée de l’agrodiesel de huile dericin. Ensuite, les analyses sont faites sur la performance des coopérativesd'agriculteurs familiaux, des intermédiaires et des techniques lié à PBIO, Embrapa etBioÓleo aprés l’implantation du modèle UTD en 2014. Apparemment, l'ensemble desactions des agents liées au agrodiesel à Morro du Chapéu ne change pas demanière significative la structure de la production et des relations entre lesagriculteurs et les autres agents, structure consolidée le long de décennies deplantation de graines de ricin. Ces initiatives, si plein d'arguments positifs, entre enconflit avec la réalité complexe des espaces d'exécution. Appelez la vasteconnaissance a priori de ces réalités, ses agents et interdépendances, ainsi que lacontinuité des actions ultérieures. Sont des déclarations qui renforcent essentielles àla mise en place de programmes de l'État, des modèles PNPB, sans observationappropriée et approfondie de la semi-aride spécifique. Ces résultats indiquentl’erosion de l'alternative du agrodiesel de ricin pour les agriculteurs familiaux dusemiarid da Bahia, en particulier dans Morro du Chapéu.
Mots-clés: Agrodiesel. Ricin. Système de production. Morro du Chapéu. PNPB.
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LISTA DE FIGURAS:
Figura 1 Sistemas de produção inseridos na unidade de produçãoagrícola 35
Figura 2 Sistema integrado agricultura-pecuária (ICLS) 37
Figura 3 Diferentes abordagens dos sistemas de produção 40
Figura 4 Níveis de análise para a dinâmica rural 44
Figura 5 O sistema agrário 45
Figura 6 Representação do sistema de atividades para famílias rurais 50
Figura 7 Principais procedimentos da metodologia ADSA 54
Figura 8 Dinâmica econômica das rendas dos agricultores 57
Figura 9 Rendas de agricultor na região de Irecê (Bahia) 59
Figura 10 Exemplo de produtor em Irecê (BA) 61
Figura 11 Subdivisões das energias renováveis 70
Figura 12 Esquema técnico da produção de biodiesel 73
Figura 13 Usos da mamona 96
Figura 14 Subsídios ao longo da cadeia produtiva dos agrocombustíveis 104
Figura 15 Evolução da oferta energética brasileira (%) 107
Figura 16 Principais discussões para os agrocombustíveis, por setores 120
Figura 17 Trajetória histórica dos agrocombustíveis no Brasil 127
Figura 18 Resumo esquemático do PNPB 128
Figura 19 Cadeia produtiva dos agrocombustíveis no Brasil 130
Figura 20 Cronograma de adições de biodiesel ao diesel mineral 134
Figura 21 Empresas com SCS por região, Brasil 2015 143
Figura 22 Biodiesel adquirido da agricultura familiar no âmbito do SCS,2015 145
Figura 23 Resumo esquemático do Probiodiesel Bahia 151
Figura 24 Produção de biodiesel na Bahia com registro na ANP, 2005-2015 154
Figura 25 Variações térmicas anuais em Morro do Chapéu, 2010-2016 175
Figura 26 Precipitações anuais em Morro do Chapéu, 2010-2016 176
Figura 26a Localização do município de Morro do Chapéu (BA) 178
Figura 27 Precipitações em Morro do Chapéu, out-2015 a jul-2016 200
Figura 28 Morro do Chapéu. Localização da pesquisa de campo, 2015-16 201
Figura 29 Fluxograma da dinâmica do sistema de produção Tipo I 210
Figura 30 Fluxograma da dinâmica do sistema de produção Tipo II 218
Figura 31 Fluxograma da dinâmica do sistema de produção Tipo III 226(continua)
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LISTA DE FIGURAS (continuação):
Figura 32 Fluxograma da dinâmica do sistema de produção Tipo IV 232
Figura 33 Fluxograma da dinâmica do sistema de produção Tipo V 239
Figura 34 Fluxograma da dinâmica do sistema de produção Tipo VI 246
Figura 35 O atravessador no circuito produtivo da mamona em Morro doChapéu
267
Figura 36 Projeto UTDs no semiárido brasileiro 275
Figura 37 UTDs em Morro do Chapéu 276
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LISTA DE FOTOS:
Fotos 1 e 2 Macambira-de-flecha (Bromelia laciniosa); Mandacaru (Cereusjamacaru) 177
Foto 3 Paisagem árida. Morro do Chapéu, outubro, 2015 201
Fotos 4 e 5 Povoados (Icó, Queimada Nova). Morro do Chapéu 202
Foto 6 Subsistema de cultivo mamona. Sistema de produção Tipo I 209
Foto 7 Subsistema de cultivo sisal. Morro do Chapéu, outubro, 2015 212
Foto 8 Subsistema de criação caprinos. Morro do Chapéu, outubro,2015 219
Foto 9 Subsistema de cultivo cebola irrigada. Morro do Chapéu,outubro, 2015 226
Foto 10 Subsistema de cultivo palma. Morro do Chapéu 232
Foto 11 Subsistema de cultivo mamona e feijão associados, Tipo V 238
Foto 12 Subsistema de cultivo de tomate. Sistema de produção Tipo VI 244
Foto 13 Tomate TY 2006 244
Foto 14 Grande produção de cebola. Povoado Velame (Morro doChapéu, Bahia) 245
Foto 15 Tanque de irrigação para lavoura de tomate 247
Foto 16 Subsolador 255
Foto 17 Mamona (Paraguaçu) exposta ao sol para secagem 257
Fotos 18 e 19 Máquina de perfuração de poço artesiano. Morro do Chapéu 260
Foto 20 Lavoura de cebola irrigada. Povoado Malhada da Areia, Morrodo Chapéu 263
Foto 21 UTD Matriz. Povoado Olhos d’Água. Morro do Chapéu, 2015 276
Foto 22 UTD Matriz. Povoado Malhada da Areia. Morro do Chapéu,2015
277
Fotos 23 e 24 UTD Matriz. Povoado Olhos D’Água. Dia de campo, 2015 279
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LISTA DE QUADROS:
Quadro 1 Analisando os sistemas de produção agrícolas 34
Quadro 2 Abordagens de sistemas agrários 47
Quadro 3 O sistema agrário e a abordagem da agricultura comparada 48
Quadro 4 Características técnico-produtivas das gerações debiocombustíveis 70
Quadro 5 Principais matérias-primas para agrocombustíveis no Brasil 86
Quadro 6 Aspectos dos agrocombustíveis e posição brasileira 88
Quadro 7 Principais grupos e discussões na gênese do PNPB 132
Quadro 8 Instrumentos voltados à criação de mercados de biocombustíveis 134
Quadro 9 A Petrobras Biocombustíveis – PBio 141
Quadro 10 Viabilidade da produção de agrodiesel de dendê 150
Quadro 11 Variedades de mamona na Bahia e características agronômicas 162
Quadro 12 Faz. Santa Clara (PI): realidade se impõe ao agrodiesel noSemiárido 165
Quadro 13 Cenário do agrodiesel de mamona em Quixadá, Ceará 168
Quadro 14 Síntese Geomorfológica em Morro do Chapéu 179
Quadro 15 Morro do Chapéu: informações gerais 182
Quadro 16 História, economia e política em Morro do Chapéu 196
Quadro 17 Distribuição das UTFs no sistema de produção Tipo I 211
Quadro 18 Distribuição das UTFs no sistema de produção Tipo II 220
Quadro 19 Distribuição das UTFs no sistema de produção Tipo III 227
Quadro 20 Distribuição das UTFs no sistema de produção Tipo IV 233
Quadro 21 Distribuição das UTFs no sistema de produção Tipo V 239
Quadro 22 Distribuição das UTFs no sistema de produção Tipo VI 247
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LISTA DE GRÁFICOS:
Gráfico 1 Principais matérias-primas para o biodiesel no Brasil, junho2016 77
Gráfico 2 Oscilação de preços no complexo soja, 2006-2016 78
Gráfico 3 Produção (cana-de-açúcar), Brasil 2006-2016 80
Gráfico 4 Preços do álcool anidro/hídrico, Brasil 2006-2016 81
Gráficos 5 e 6 Produção de mamona no mundo, 2000 e 2014 90
Gráficos 7 e 8 Exportadores e importadores de óleo de mamona, 2015 90
Gráfico 9 Produção de mamona, Brasil 2000-2014 91
Gráfico 10 Participação da Bahia na produção de mamona brasileira,2014 91
Gráfico 11 Mamona: preços médios mensais (saca 60kg), Bahia 2015 92
Gráficos 12 e13
Variação dos preços dos óleos vegetais e do óleo cru, 2006-2016 103
Gráfico 14 Volume de biodiesel nos leilões da ANP, 2005-2015 142
Gráfico 15 Variação de preços nos leilões de biodiesel da ANP, 2005-2015 142
Gráfico 16 Evolução do número de famílias nos arranjos do SCS, 2008-2015. 145
Gráfico 17 Aquisições de biodiesel em milhões de reais, 2015. 146
Gráfico 18 Famílias nos arranjos do SCS, Bahia 2008-2015. 155
Gráfico 19 Volume de biodiesel adquirida da agricultura familiar, Bahia2008-2015. 155
Gráfico 20 Evolução do índice de Gini para Morro do Chapéu 184
Gráfico 21 Evolução do VA por segmento, VA total e PIB em Morro doChapéu. 189
Gráfico 22 Produção das principais lavouras em Morro do Chapéu, 1990-2015. 195
Gráfico 23 Efetivo das principais criações em Morro do Chapéu, 1974-2015. 195
Gráfico 24 Renda por Unidade de Trabalho Familiar (RA/UTF) em relaçãoàs áreas por UTFs (SA/UTF) dos subsistemas de produção,Tipo I. 216
Gráfico 25 Renda por Unidade de Trabalho Familiar (RA/UTF) em relaçãoàs áreas por UTFs (SA/UTF) dos subsistemas de produção,Tipo II. 222
Gráfico 26 Variação de preços da cebola (praça Irecê) 2015. 225
Gráfico 27 Renda por Unidade de Trabalho Familiar (RA/UTF) em relação às91áreas por UTFs (SA/UTF) dos subsistemas de produção, Tipo III.
230
(continua)
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LISTA DE GRÁFICOS (continuação):
Gráfico 28 Renda por Unidade de Trabalho Familiar (RA/UTF) em relaçãoàs áreas por UTFs (SA/UTF) dos subsistemas de produção, TipoIV.
236
Gráfico 29 Renda por Unidade de Trabalho Familiar (RA/UTF) em relaçãoàs áreas por UTFs (SA/UTF) dos subsistemas de produção, TipoV.
242
Gráfico 30 Renda por Unidade de Trabalho Familiar (RA/UTF) em relaçãoàs áreas por UTFs (SA/UTF) dos subsistemas de produção, TipoVI.
250
Gráfico 31 Variação dos preços do tomate – praça Chapada Diamantina(BA).
250
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LISTA DE TABELAS:
Tabela 1 Produção de mamona no mundo, 2000 e 2014. 90
Tabela 2 Índice de Gini para Bahia e Morro do Chapéu, 1920-2006 183
Tabela 3 Estrutura fundiária em Morro do Chapéu, 2006 185
Tabela 4 Indicadores macroeconômicos de Morro do Chapéu (VA porsegmento; VA total; Arrecadação de impostos, PIB e PIB percapita – R$ 1.000 a preços correntes) – 2010-2012. 188
Tabela 5 Rendimentos familiares do sistema Tipo I 214
Tabela 6 Rendimentos por UTFs e área dos subsistemas produtivos
(Tipo I)
214
Tabela 7 Rendimentos familiares do sistema Tipo II 221
Tabela 8 Rendimentos por UTFs e área dos subsistemas produtivos
(Tipo II)
221
Tabela 9 Rendimentos familiares do sistema Tipo III 229
Tabela 10 Rendimentos por UTFs e área dos subsistemas produtivos
(Tipo III)
229
Tabela 11 Rendimentos familiares do sistema Tipo IV 235
Tabela 12 Rendimentos por UTFs e área dos subsistemas produtivos
(Tipo IV)
235
Tabela 13 Rendimentos familiares do sistema Tipo V 241
Tabela 14 Rendimentos por UTFs e área dos subsistemas produtivos
(Tipo V)
241
Tabela 15 Rendimentos familiares do sistema Tipo VI 249
Tabela 16 Rendimentos por UTFs e área dos subsistemas produtivos
(Tipo VI)
249
Tabela 17 Rendimento físico e teor de óleo em cultivares de mamona,
2016
256
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LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS:
ADSA Análise Diagnóstico de Sistemas Agrários
Abiove Associação Brasileira da Indústria de Óleo Vegetais
ANP Agência Nacional de Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis
Astec Assistência Técnica
Bahiabio Programa de Produção e Uso de Biocombustíveis na Bahia
Bahiater Superintendência Baiana de Assistência Técnica e Extensão Rural
Cenpes Centro de Pesquisas Leopoldo Américo Miguez de Mello
Cepea Centro de Estudos Avançados em Economia Aplicada
Ceped Centro de Pesquisa e Desenvolvimento da Bahia
Ceplac Comissão Executiva do Plano da Lavoura Cacaueira
CGIAR Consultative Group on International Agricultural Research
CNA Confederação Nacional de Agricultura e Pecuária
CNPE Conselho Nacional de Política Energética
CNRS Centre National de la Recherche Scientifique
Codevasf Companhia de Desenvolvimento do Vale do São Francisco e Parnaíba
Conab Companhia Nacional de Abastecimento
Contag Confederação Nacional dos Trabalhadores em Agricultura
CPATSA Centro de Pesquisa do Agropecuária Tropico Semiárido
CPT Comissão Pastoral da Terra
DAP Declaração de Aptidão ao Pronaf
EBDA Empresa Baiana de Desenvolvimento Agropecuário
EIA Energy Informartion Administration
Embrapa Empresa Brasileira de pesquisa Agropecuária
Epagri Empresa de Pesquisa Agropecuária e Extensão Rural de Santa Catarina
Esalq Escola Superior de Agricultura Luiz de Queiroz
Fetraf Federação Nacional dos Trabalhadores em Agricultura Familiar
FIAN Foodfirst Information and Action Network International
GEE Gases de Efeito Estufa
GTIB Grupo de Trabalho Interministerial sobre Biodiesel
IAPAR Instituto Agronômico do Paraná
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LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS (continuação):
ICLS Integrated Crop-Livestock Systems
IFPRI International Food Policy Research Institute
IICA Instituto Interamericano de Cooperação para Agricultura
INA-PG Institut National Agronomique, Paris-Grignon
Incra Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária
Inmet Instituto Nacional de Meteorologia
INPI Instituto Nacional de Propriedade Industrial
INRA Institut National de la Recherche Agronomique
Mapa Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento
MCT Ministério da Ciência e Tecnologia
MDA Ministério do Desenvolvimento Agrário
MME Ministério das Minas e Energia
MPOG Ministério do Planejamento, Orçamento e Gestão
MST Movimento dos Trabalhadores Rurais sem Terra
Nead Núcleo de Estudos Agrários e Desenvolvimento Rural
OCDE Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico
OVEG Programa Nacional de Alternativas Energéticas Renováveis de Origens Vegetais
PBIO Petrobras Biocombustíveis
PNAE Programa Nacional de Aquisição de Alimentos
PNPB Programa Nacional de Produção de Uso do Biodiesel
Proalcool Programa Nacional do Álcool Combustível
Probiodiesel Programa Brasileiro de Desenvolvimento Tecnológico do Biodiesel
Probiodiesel Bahia Programa de Biodiesel da Bahia
Pronaf Programa Nacional de Fortalecimento da Agricultura Familiar
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LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS (continuação):
Prooleo Programa Nacional de Óleos Vegetais para Fins Energéticos
RBB Rede Baiana de Biocombustíveis
SCS Selo Combustível Social
SDR Secretaria de Desenvolvimento Rural do Estado da Bahia
Seagri Secretaria de Agricultura Irrigação e Reforma Agrária da Bahia
Secti Secretaria de Ciência e Tecnologia do Estado da Bahia
SEI Superintendência de Estudos Econômicos e Sociais da Bahia
UECE Universidade Estadual do Ceará
UFC Universidade Federal do Ceará
UFRGS Universidade Federal do Rio Grande do Sul
Unica União da Indústria de Cana-de-açúcar
Unijuí Universidade Regional do Noroeste do Rio Grande do Sul
UTD Unidade de Teste e Demonstração
UTF Unidade de Trabalho Familiar
Worldbank Banco Mundial
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SUMÁRIO:
1 INTRODUÇÃO……………………………………………………………... 22
2 SISTEMAS AGRÁRIOS, SISTEMAS DE PRODUÇÃO EPROCEDIMENTOS METODOLÓGICOS…………………………...…... 30
2.1 A METODOLOGIA ANÁLISE DIAGNÓSTICO DE SISTEMASAGRÁRIOS…………………………………………………………………. 30
2.1.1 Os sistemas de produção e o sistema agrário…………………..…. 32
2.1.2 Princípios gerais do método…………………………………...….…... 52
2.1.3 Analise econômica dos sistemas de produção………….…..…....… 56
2.2 APLICABILIDADE NA ÁREA DE ESTUDO………………….………...… 59
2.3 CONSIDERAÇÕES PARCIAIS…………………………………………... 65
3 AGROCOMBUSTÍVEIS: UMA NOVA ORDEM ENERGÉTICA?……… 69
3.1 SEMÂNTICA, PROCESSOS E MATÉRIAS-PRIMAS………………….. 69
3.1.1 Termos, conceitos e síntese do processo produtivo………………. 69
3.1.2 Principais matérias-primas e alternativas……………………………. 77
3.1.2.1 Avanços da soja e do etanol de cana-de-açúcar no Brasil……………. 77
3.1.2.2 Potenciais matérias-primas alternativas para agrocombustíveis……... 83
3.1.3 A lavoura e os usos do óleo de mamona…………………………….. 91
3.2 PRINCIPAIS DEBATES NAS MÚLTIPLAS ESCALAS…………………. 99
3.2.1 Defesas e contestações aos agrocombustíveis…………………….. 99
3.2.2 Relações com os preços do petróleo………………………………… 103
3.2.3 Full tanks at the cost of empty stomachs………………………….... 106
3.2.4 Reorganização do capital em torno dos agrocombustíveis…….... 116
3.2.5 Novas agendas de pesquisa………………………………………….…. 119
3.3 CONSIDERAÇÕES PARCIAIS……………………………………………. 124
4 AGROCOMBUSTÍVEIS NO BRASIL E A AGRICULTURA FAMILIAR 129
4.1 O PROGRAMA NACIONAL DE PRODUÇÃO E USO DO BIODIESEL(PNPB)……………………………………………………………………….. 129
4.2 IMPLICAÇÕES PARA O ESTADO DA BAHIA…………………………... 152
4.3 AGRODIESEL DE MAMONA: DA EUFORIA À FRUSTRAÇÃO………. 163
4.4 CONSIDERAÇÕES PARCIAIS……………………………………………. 175
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SUMÁRIO (continuação):
5 SISTEMAS DE PRODUÇÃO, COOPERATIVAS E UTDs EM MORRODO CHAPÉU …..…………………………………………………………….. 179
5.1 MORRO DO CHAPÉU: HISTÓRIA E GEOECONOMIA……………...….. 179
5.1.1 Informações gerais…………………………………………………………. 179
5.1.2 Dinâmica agrária………………………………………………………..….. 188
5.1.3 Dinâmica econômica local………………………………………………... 191
5.1.4 Trajetória histórica e agrícola………………………………………...….. 195
5.2 PROCEDIMENTOS METODOLÓGICOS E CONDIÇÕES INICIAIS DAPESQUISA……………………………………………………………………. 205
5.3 PERFIS DOS AGRICULTORES PRODUTORES DE MAMONA NOMUNICÍPIO………………………………………………………………….... 209
5.4 SISTEMAS DE PRODUÇÃO: AGRO-GEO-ECONOMIA……………….. 212
5.5 DINÂMICA DOS PROCESSOS PRODUTIVOS LOCAIS……………..... 260
5.6 ATUAÇÃO DAS COOPERATIVAS DE AGRICULTORESFAMILIARES…………………………………………………………..……... 275
5.7 AS UNIDADES DE TESTE E DEMONSTRAÇÃO (UTDs)………...……. 281
5.8 CONSIDERAÇÕES PARCIAIS……………………………………...……… 289
6. CONSIDERAÇÕES FINAIS……………………………………………..….. 294
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS…………………………………...….. 305
22
1. INTRODUÇÃO
Este trabalho tem por objetivo analisar como a alternativa da mamona para o
agrodiesel nos anos 2000, a partir dos desdobramentos das ações do Programa
Nacional de produção e Uso de Biodiesel (PNPB), contribui (ou não) à alteração dos
sistemas de produção consolidados em Morro do Chapéu (Chapada Diamantina, no
semiárido baiano), da atuação dos agentes envolvidos – agricultores,
atravessadores, Petrobras Biocombustíveis (PBio, subsidiária da Petrobras para
agrocombustíveis), empresas processadoras, de assistência técnica e cooperativas.
Analisam-se dinâmicas produtivas, notadamente a associação entre lavouras de
mamona, feijão e milho; a organização dos agricultores familiares e as ações das
cooperativas relacionadas. Reforça-se que este objetivo envolve aspectos
agronômicos, econômicos e geográficos em um esforço de análise transdisciplinar.
Acessoriamente, resgata-se a trajetória histórica e geoeconômica dos processos
produtivos locais, a partir da associação entre as lavouras, nos anos 1970; as crises,
causadas sobretudo pelas secas; os impactos sob os cultivos de sequeiro, que
obedecem ao regime pluviométrico; introdução de novos cultivos, irrigados; até
agrodiesel como alternativa produtiva. Para este trabalho, considera-se como recorte
temporal a safra 2015-2016 da mamona, cujos tratos culturais inciam-se geralmente
nos meses de outubro e novembro, prolongando-se até a colheita, a partir de março
do ano seguinte.
Utiliza-se a base conceitual relacionada aos sistemas de produção e agrário,
especialmente a partir de geógrafos e economistas rurais franceses (système de
production e système agraire), que privilegia análises a partir de diálogos entre
Agronomia, Economia e Geografia, além da perspectiva multiescalar para o
entendimento de realidades rurais específicas. Some-se aos procedimentos da
metodologia Análise Diagnóstico de Sistemas Agrários/de Produção (ADSA)
constrói-se tipologia de agricultores familiares em povoados de Morro do Chapéu
produtores de mamona e ligados ao agrodiesel como subsídio à observação das
suas formas de inserção na nova dinâmica produtiva e, simultaneamente, sua
permanência nos circuitos de comercialização estabelecidos, especialmente com os
atravessadores, sem maiores interesses sobre o destino final da produção,
agrodiesel ou a indústria ricinoquímica. Adjacentemente, analisam-se as formas de
atuação de técnicos agrícolas no objetivo de fornecer assistência técnica aos
23
agricultores seja indiretamente, Astec indireta com a intermediação das
cooperativas, seja diretamente, Astec direta, a partir do modelo Unidade de Teste e
Demonstração (UTDs), implantado em 2014.
No debate sobre agrocombustíveis e agricultura familiar no Brasil nos anos
2000 tem-se que, apesar do entusiasmo inicial seguido ao lançamento do PNPB –
expectativa de inclusão da agricultura familiar especialmente no Semiárido –,
algumas questões de súbito ganham importância e apontam uma série de
contradições geradas nos primeiros anos de operacionalização do Programa. Isso
se deve à constatação do domínio de outras fontes de matérias-primas na produção
do agrocombustível (cana-de-açúcar e soja) e, por conseguinte, domínio de grandes
grupos nacionais e/ou estrangeiros em toda a cadeia produtiva, gerando um
descompasso entre as premissas iniciais do PNPB, os mecanismos implantados
para o alcance de tais premissas e os reais beneficiados ao final do processo. O
agricultor familiar, outrora importante elemento, aparentemente permanece (apenas
como) fornecedor de matérias-primas. A criação, no âmbito do PNPB, do mecanismo
do Selo Combustível Social (SCS) para mediar as relações entre empresas e
agricultores é reveladora das desigualdades dos processos de inserção dos agentes
(agricultores familiares, cooperativas, empresas processadoras).
Para os agricultores familiares produtores de mamona essa inserção é feita a
partir de contratos firmados com empresas processadoras. Especificamente em
Morro do Chapéu observa-se também a participação de cooperativas que fazem a
intermediação entre a produção primária e as empresas. Torna-se necessário
questionar o grau de adoção da alternativa do agrodiesel para a arregimentação de
agricultores e, particularmente, qual o perfil do agricultor vinculado ao
agrocombustível. Imediatamente emergem os impactos das secas como justificativa
para quebras de contratos e desistências da destinação da mamona. A formalização
das relações entre agricultores em empresas ligadas ao agrodiesel, apontada como
excessiva diante da conjuntura local, contribui à permanência de personagens
bastantes conhecidos no processo de produção e comercialização da mamona: os
atravessadores.
A mamona desempenha papel de provedora de rendas imediatas aos gastos
correntes do agricultor. Pode-se esperar alguma resistência dos agricultores em
alterar práticas produtivas agrícolas reproduzidas em décadas de plantio. O apelo da
maior produtividade traduzindo-se em maiores rendas para os agricultores têm sido
24
a base da argumentação pelas mudanças apresentadas por técnicos agrícolas,
cooperativas, empresas processadoras nos modelos de Astec direta ou indireta. São
reforçadas, subsequentemente, questões como a mobilização pela organização dos
agricultores para o plantio da mamona; utilização de técnicas consideradas mais
produtivas nos tratos culturas; introdução de novos cultivares (variedade da planta);
profissionalização da comercialização dos produtos; tentativa de redução da
presença dos atravessadores, pelos contratos que buscam fidelizar o agricultor em
suas entregas da produção.
Buscando compreender a realidade da mamona em Moro do Chapéu, com o
advento to agrodiesel, são elaboradas as seguintes guias de pesquisa: a) A
destinação da mamona ao agrodiesel altera profundamente dinâmicas estabelecidas
nos sistemas de produção/atividades. Essas alterações são capitaneadas por
agentes de assistência técnica rural, cooperativas de agricultores familiares e
empresas processadoras que orientam mudanças nos subsistemas de cultivos e de
criações, além de representarem os agricultores nas questões contratuais referentes
à comercialização da oleaginosa. Sobressaem-se discussões sobre o perfil (social,
econômico) e as formas de inserção do agricultor familiar nessa dinâmica. Tais
formas de inserção do agricultor familiar apresentam correlação com a atuação das
cooperativas visando ao cumprimento dos formalismos da atividade e na
disseminação das técnicas produtivas agrícolas, a princípio vantajosas aos
agricultores; b) Esse conjunto de alterações encontra resistências dentre os
agricultores familiares. As resistências estão relacionadas à dificuldade de liberação
de recursos aos tratos culturais (excesso de formalidades nos trâmites oficiais),
custos elevados dos cultivares apresentados, mesmo sendo mais produtivos e de
ciclo mais curto que as chamadas cultivares crioulas; na preferência dos agricultores
pela manutenção dos circuitos produtivos estabelecidos, especialmente com a figura
do atravessador; e pela seca prolongada que atinge a região mais intensamente
desde 2010, que desestimula compromissos pela impossibilidade de manutenção da
regularidade requerida com o agrodiesel. Os agricultores optam por alternativas de
acordo com a disponibilidade de recursos naturais e/ou financeiros: tem-se o
exemplo das lavouras de olerícolas irrigadas, tomate e cebola, que implicam custos
de manutenção de poços artesianos; e a dependência crescente dos programas de
transferências de rendas (programas sociais e aposentadorias), como estratégias de
sobrevivência.
25
Para entender essa realidade, além das repercussões da questão dos
agrocombustíveis nas escalas nacional e global sobre a escala local de análise, este
trabalho é subdividido em cinco capítulos, além desta Introdução. No Capítulo 02 –
Procedimentos metodológicos e aplicabilidade na área de estudo – faz-se a
apresentação dos conceitos norteadores da pesquisa, sistema de produção e
sistema agrário, abordando as origens e usos dos termos. Resgata-se
particularmente a tradição francesa na discussão e formulação dos conceitos – mais
intensamente após os anos 1970 –, destacando-se os trabalhos dos geógrafos Paul
Fenelon e Pierre George, além das contribuições de Pierre-Jean Roca, Marc
Dufumier, Jacques Brossier, Marcel Mazoyer, Hubert Cochet, Caroline Tafani, Pierre
Roudart, entre outros. Os termos sistema de cultura, sistema agrícola, sistema de
produção, a novíssima abordagem do sistema de atividades e, finalmente, o sistema
agrário, são variantes que refletem a evolução das contribuições conceituais que
partem de uma mesma observação inicial: a defesa e a necessidade do
entendimento das realidades rurais combinando os conhecimentos, afastando da
perspectiva puramente agronômica. Em seguida apresentam-se os procedimentos
da metodologia Análise Diagnóstico de Sistemas Agrários/de Produção e a aplicação
nos povoados selecionados em Morro do Chapéu em busca dos objetivos geral e
acessórios descritos. No Capítulo 03 – Agrocombustíveis: uma nova ordem
energética? – discutem-se agrocombustíveis como alternativa energética,
apresentando termos e síntese do processo produtivo. Os avanços das principais
matérias-primas, cana-de-açúcar e soja, as repercussões, além de fontes potenciais
de óleo combustíveis complementam o debate. Têm-se em seguida as principais
questões sobre a lavoura de mamona, produção, usos e sua utilização como
combustível. Essas informações levam ao embate entre defesa e contestação dos
agrocombustíveis, relacionado diretamente com a produção de alimentos e
oscilações do preço dos óleos minerais. Diante da complexidade do tema e
subtemas, sugere-se ampla agenda de pesquisa aos agrocombustíveis.
No Capítulo 04 – Agrocombustíveis no Brasil e a agricultura familiar –
apresentam-se as discussões específicas envolvendo agrocombustíveis e a
agricultura familiar brasileira, inciando-se com a trajetória dos óleos vegetais
combustíveis no Brasil, ainda nos anos 1920, a partir dos testes com óleos de
amendoim, girassol, palma e algodão, no âmbito do Instituto nacional de Tecnologia.
Com o PNPB, em 2004, busca-se conjunto de ações peculiares (sociais inclusivas,
26
como o Selo Combustível Social, SCS) que o diferenciam do ProÁlcool nos anos
1980/90 outra experiência com agrocombustível de grande abrangência no Brasil. As
ações do PNPB, a cargo da Petrobras (PBio), apresentam repercussões para o
estado da Bahia, também analisadas. A utilização da mamona como matéria-prima
ao agrodiesel, outrora euforicamente apontada como a redenção do agricultor
familiar do semiárido, converte-se rapidamente em frustração, devido não apenas a
aspectos técnicos (viscosidade do óleo puro) e econômicos (domínio da soja), mas a
um elemento fundamental a ser considerado: a seca (e seus impactos).
De fato, a seca está no centro das observações do Capítulo 05 – Sistemas de
produção, cooperativas e UTDs em Morro do Chapéu – com a apresentação dos
resultados da pesquisa de campo em povoados do município, realizada para o ano
safra da mamona de 2015-2016. Inicia-se com Informações gerais, caracterização
econômica e a trajetória histórica e agrícola local. Objetiva-se investigar alterações
na dinâmica produtiva e, especificamente, itinerário técnico das atividades agrícolas
dos primeiros momentos de formação do município, nos séculos XVI e XVII,
destacando-se a exploração de gado bovino de corte, passando pela exploração
mineral nos séculos seguintes até a consolidação das atividades agrícolas,
consolidando lavouras de sequeiro, irrigadas e pecuária. As informações corroboram
a classificação do sistema agrário local como gado-policultura, permitindo melhor
compreensão dos sistemas de produção e seus subsistemas de cultivo, criação e
transformação. Estes são identificados após a apresentação das condições gerais
da pesquisa e das situações mais comuns resultantes da estiagem prolongada no
município: agricultores com perdas totais nas lavouras, adotando estratégias de
vendas de animais; agricultores com produtos passíveis de comercialização;
agricultores em melhores condições, capazes de estocar a mamona aguardando
melhor conjuntura de preços. Esses perfis estão presentes na tipologia de
agricultores construída como procedimento da metodologia ADSA.
Nos seis tipos de sistemas de produção representativos identificados, estudam-
se as dinâmicas agronômica, econômica, além das repercussões com a chegada do
agrodiesel de mamona. Complementa-se analisando-se a atuação das cooperativas
de agricultores familiares, dos atravessadores e dos técnicos vinculados à PBio,
Embrapa e BioÓleo com a implantação do modelo UTD em 2014. Note-se que a
situação da Petrobras, e por conseguinte da sua subsidiária de agrocombustíveis,
em virtude das investigações de desvios de recursos públicos, tem impacto direto
27
aos agricultores em Morro do Chapéu, com a diminuição de recursos para
assistência técnica, sementes e tratos culturais, gerando desconfianças e perda de
credibilidade das ações – mesmo reconhecendo-se os aspectos positivos de
melhoria das técnicas, fornecimento de tecnologias e criação de canal de
comercialização – fortalecendo estruturas conhecidas e consolidadas, a exemplo
dos atravessadores. Encerra-se este trabalho com as Considerações Finais.
Os resultados sugerem agricultores bastante fragilizados economicamente
devido à seca severa que atinge Morro do Chapéu no período em que se conduz a
pesquisa de campo. As informações recolhidas junto aos agricultores e informantes-
chave locais apontam prejuízos particularmente nas lavouras mais tradicionais, de
milho e feijão, com baixos rendimentos físicos das lavouras e, consequente, sem a
comercialização e rendas derivadas dos produtos. Isso pode sugerir que o agricultor,
por questões de sobrevivência, concentre suas rendas e da família – além da venda
de animais, que aproveitam os restolhos das lavouras perdidas – nas atividades
não-agrícolas e transferências de rendas (aposentadorias). A lavoura de mamona,
conhecida por sua resistência à estiagem, também apresenta baixos resultados
produtivos no período da pesquisa, alterando estratégias dos agricultores de
produção e de comercialização com relação à oleaginosa, notadamente a
despreocupação com o destino da mamona: o agrodiesel – envolvendo a estrutura
no âmbito do PNPB – ou a indústria ricinoquímica. Note-se que o exercício desta
pesquisa se concentrou em apenas um ano safra. É de amplo conhecimento que,
com chuvas em volume adequado e regulares, os resultados produtivos podem ser
completamente alterados, sejam de rendimentos físicos das lavouras, sejam de
comercialização e rendas auferidas.
Especificamente ao agrodiesel de mamona, aparentemente o conjunto de
ações dos agentes relacionados em Morro do Chapéu não conseguiu alterar
significativamente a estrutura produtiva e relações entre agricultores e demais
agentes, permanecendo atuações estabelecidas ao longo de décadas de plantio da
mamona, notadamente o atravessador. É consenso entre técnicos, gestores de
cooperativas, agricultores e seus representantes, que as ações tiveram um período
positivo, até 2014, gerando expectativas não concretizadas nos anos seguintes. As
dificuldades de atuação das cooperativas, devido a problemas de gestão,
endividamentos e desvios de funções restringem essas instituições a
intermediadoras nas relações de compra e venda da oleaginosa, deixando-se toda a
28
operação logística a cargo de empresas privadas. O agravamento da seca reduz
sensivelmente a percepção de fidelidade do agricultor nas entregas da mamona no
circuito formal de comercialização. A necessidade de recursos imediatos força a
venda da produção pelo agricultor ao agente mais próximo e, não raro, fornecedor
de recursos à lavoura, o atravessador. A implantação da UTDs alterou o
fornecimento da assistência técnica, buscando maior proximidade aos agricultores.
São iniciativas que, embora repletas de argumentos positivos, chocam-se com a
complexa realidade dos espaços de execução. Exige-se o amplo conhecimento a
priori dessas realidades, seus agentes e interdependências, além da posterior
continuidade das ações. Reduz-se o potencial de frustrações e descréditos aos
elementos mais fragilizados da cadeia produtiva da mamona: o pequeno agricultor
familiar do semiárido baiano.
Essas observações reforçam críticas à execução das ações do PNPB no
semiárido baiano. A não observação em profundidade das relações entre
agricultores e atravessadores na região não permitiu a anulação da sua atuação nos
povoados. É possível afirmar que a presença do atravessador foi até mesmo
reforçada, uma vez que o longo trâmite e exigências oficiais para as liberações de
recursos da lavoura impele o agricultor a recorrer ao agente mais próximo, com
recursos disponíveis e imediatos. O esforço na adoção pelos agricultores de
variedades de mamona com maiores rendimentos físicos das lavouras – porém de
ciclo produtivo mais curto, exigindo mais tratos culturais anuais, invariavelmente
repercutindo em maiores custos – encontra ainda resistências dos defensores das
sementes crioulas, tradicionais na região. A demonstração dos resultados, a
exemplo da proposta das UTDs, alterou apenas parcialmente essa conjuntura.
O entusiasmo que se seguiu à mudança da orientação política do governo
federal em 2003 e, particularmente, com a perspectiva de implantação do PNPB – e
seus múltiplos objetivos econômicos e sociais, além dos diversificados (alguns
inéditos em programas agroenergéticos nacionais) mecanismos de ação e incentivos
(SCS e leilões, por exemplo) – ofuscaram a obrigatoriedade de se conhecer
previamente as realidades a serem impactadas in loco. Nesse caso, as relações dos
agricultores com a terra, a produção, as lavouras e criações e com os demais
agentes das cadeias produtivas. As adversidades (produtivas, técnicas, de logística
e preços) que se seguiram às ações e os resultados pouco animadores reforçam
nesse aparente desconhecimento a principal crítica ao programa agroenergético
29
federal. Os resultados desta pesquisa apontam ao esmaecimento do agrodiesel de
mamona como alternativa aos agricultores familiares do semiárido baiano,
especialmente em Morro do Chapéu. O agrodiesel de mamona converte-se, assim,
em ideia efêmera, de pouca repercussão para o agricultor.
30
2. SISTEMAS AGRÁRIOS, SISTEMAS DE PRODUÇÃO E PROCEDIMENTOS
METODOLÓGICOS
Neste capítulo faz-se a apresentação da abordagem de sistemas agrários e de
sistemas de produção/atividades, base dos procedimentos metodológicos
executados nesta Tese. Apresentam-se inicialmente os objetivos gerais da
metodologia Análise Diagnóstico de Sistemas Agrários/de Produção, os conceitos de
sistemas de produção e agrário, além dos princípios gerais do método e os passos
para a análise econômica da composição das rendas dos agricultores. Em seguida,
descreve-se o conjunto de procedimentos específicos e sua aplicação no município
selecionado ao estudo de caso, Morro do Chapéu, semiárido baiano, produtor de
mamona e alvo de ações de agentes públicos e privados da cadeia produtiva do
agrodiesel.
2.1 A METODOLOGIA ANÁLISE DIAGNÓSTICO DE SISTEMAS AGRÁRIOS
Estudar, diagnosticar e propor ações a partir de distintas e peculiares
realidades agrícolas/agrárias no mundo, Brasil, Bahia – e, particularmente, no
Semiárido nordestino –, sugere a utilização de procedimentos metodológicos com os
quais é possível captar, sistematizar e apresentar tais diversidades sociais,
econômicas, técnicas e agroecológicas, nas diferentes escalas geográficas de
análise. Objetiva-se reduzir as frequentes discrepâncias entre as intencionalidades
de projetos de desenvolvimento orientados para a transformação das realidades no
campo e os resultados práticos obtidos ao não se observarem as dinâmicas
presentes em cada espaço.
A abordagem metodológica denominada Análise Diagnóstico de Sistemas
Agrários (ADSA) consiste em estudar não apenas as relações econômicas inerentes
aos chamados sistemas de produção, mas a complexidade dos aspectos sociais e
ecológicos envolvidos. Desenvolvida especialmente na França pelo Institut des
Sciences et Industries du Vivant et de l'Environnement (Paris AgroTech), no Brasil a
abordagem é utilizada pelo Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária
(Incra) em estudos em áreas de assentamentos rurais, muito embora a sua
aplicabilidade seja mais ampla, podendo ser utilizada também na avaliação de
diversos tipos de sistemas de produção – foco desta Tese de Doutoramento, como
31
explicado nas seções seguintes –, como unidades produtivas capitalistas, patronais,
familiares, etc. Outros centros de pesquisa que adotam a abordagem de sistemas
agrários são o Iapar (Instituto Agronômico do Paraná); Unijuí (Universidade Regional
do Noroeste do Rio Grande do Sul) e a UFRGS (Universidade Federal Rural do Rio
Grande do Sul); Embrapa-CPATSA (Centro de Pesquisa do Agropecuária Tropico
Semiárido), em Pernambuco; Epagri (Empresa de Pesquisa Agropecuária e
Extensão Rural de Santa Catarina), entre outros.
A finalidade da abordagem metodológica é subsidiar a elaboração de projetos,
programas e políticas governamentais de desenvolvimento, baseados no processo
de avaliação das principais atividades desenvolvidas nas unidades produtivas, sejam
agrícolas ou não-agrícolas, relacionando também suas trajetórias históricas, de
forma a prover elementos para uma projeção de tendências. Parte-se
fundamentalmente da afirmação de que “(…) não pode haver intervenções eficazes
para a transformação da agricultura sem um conhecimento científico prévio das
realidades agrárias nas quais pretende-se intervir.” Essa afirmação, apresentada
pelo Prof. Marc Dufumier (DUFUMIER, 2010, p. 57), professor de Agricultura
Comparada e Desenvolvimento Agrícola do Paris Agrotech, ressalta a importância
na identificação dos elementos que caracterizam e interferem na
evolução/transformação dos sistemas de produção e suas responsabilidades na
dinâmica das realidades das agriculturas. Esses elementos, continua o professor,
são base para as ações interventivas do Estado, aqui considerando o seu interesse
não apenas pelo crescimento, mas simultaneamente pelo desenvolvimento rural.
O essencial é poder caracterizar as práticas técnicas, econômicas esociais dos agricultores, e compreender melhor o que orienta a suaevolução, em relação às prática de outras categoriassocioprofissionais. A questão é, com efeito, saber concretamente oque os agricultores fazem e conhecer as razões pelas quais eles sãolevados a operar os seus atuais sistemas de produção. O importanteé poder, em seguida, prever as condições sob as quais eleseventualmente poderiam modificar seu comportamento. (DUFUMIER,2010, p. 58)
Dois conceitos são fundamentais ao entendimento dos procedimentos da
metodologia ADSA: sistema agrário e sistemas de produção. Esse conceitos são
apresentados nas seções seguintes.
32
2.1.1 Os sistemas de produção e o sistema agrário
Pierre-Jean Roca (ROCA, 1987), pesquisador do centro francês de pesquisa
científica – Centre National de la Recherche Scientifique (CNRS) –, analisa a
evolução das abordagens envolvendo sistemas e produções agrícolas. O autor inicia
com as primeiras acepções, ainda no começo do século XX, que faziam referência
aos chamados sistema de culturas (système de culture). Os sistemas de culturas
envolvem as formas de exploração da natureza pelo homem, abordagem superior à
consideração de técnicas agrícolas, envolvendo aspectos sociais, de organização da
produção, acesso, propriedade e relações do homem com a terra. Nos anos 1960, o
geógrafo francês Paul Fenelon, resgatando o debate em torno do conceito, assim
define o sistema de cultura:
[…] expressão que e aplica à organização da produção agrícola deum domínio ou de uma região, em função do meio físico (terra, solo,clima, água, vegetação) e do meio humano (propriedade, estruturaagrária, meios de transporte, produtos para autoconsumo, mercadoslocais, nacional ou internacionais); a combinação desses diversoselementos levam a rendimentos maiores ou menores de produtosvegetais e animais. (FENELON, 1970, p. 76-77) (tradução nossa)
Nos anos 1970, a expressão système de culture foi agrupada à expressão
système agricole, particularmente nos trabalhos do geógrafo Pierre George
(GEORGE, 1974). O caráter social associado à maneira de exploração da terra foi
reforçado: o sistema agrícola envolve todas as formas de uso da terra, equilibrando
culturas e técnicas nas unidades produtivas. Esses aspectos são indissociáveis às
condições físicas e sociais dos espaços de atuação dos homens.
Nos anos 1980, segundo Roca (1987), intensifica-se o diálogo entre geógrafos,
agrônomos e economistas rurais, ampliando-se a abordagem dos sistemas de
cultura/agrícola, incorporando-se as diferentes escalas de análise e adicionando a
noção de sistemas de produção, particularmente quando a escala local dos
agricultores é observada. O sistema de produção (que incorpora o sistema de
cultura agrícola) compreende “uma combinação moderadamente coerente no
espaço e no tempo de quantidades de trabalho, meios de produção com objetivo de
obter diferentes produtos agrícolas”, traduz-se livremente da definição do Prof.
Dufumier (DUFUMIER, 1985). Aqui, é importante compreender as atividades
33
agrícolas como parte de um conjunto maior de atividades do agricultor – implicando
a divisão dos insumos produtivos entre tais atividades de acordo com suas
estratégias. Isso denota a importância e necessidade da utilização de sistemas de
produção como base ao entendimento das relações complexas derivadas das
atividades agrícolas:
Afim de compreender a complexidade do funcionamento dasexplorações agrícolas e explicitar sua logica, o conceito de sistemasde produção se impõe pouco a pouco ao analisar e compreender aspráticas produtivas dos agricultores. Quando a produção agrícolafigura em lugar importante, é conveniente analisar e compreender asrelações que se estabelecem entre os sistemas de produção e osistema global de atividades do agricultor, tanto do ponto de vista darepartição da força de trabalho (em atividades concorrentes oucomplementares) quanto do ponto de vista do acesso e da utilizaçãodo capital. (COCHET; DEVIENNE, 2006, p. 579) (tradução nossa)
Cochet e Devienne (2006) reafirmam que a abordagem analítica dos sistemas
de produção permite formular hipóteses em relação às “perspectivas de evolução”
das atividades agrícolas locais (além de suas interações/dinâmicas
socioeconômicas), identificando problemas, gargalos e apontando as direções de
eventuais mudanças das técnicas e práticas utilizadas pelos agricultores em
determinado espaço rural. A partir dessa noção:
O termo sistema de produção indica que o foco está na estrutura,organização e operação das fazendas: entender o que osagricultores estão fazendo, como e por quê (como eles combinamuma série de atividades e práticas agrícolas dentro de sua fazenda,qual é a racionalidade de suas práticas, quais são as restriçõestécnicas e econômicas que enfrentam) e avaliam os resultadosobtidos (desempenho técnico e resultados econômicos). (COCHET;DEVIENNE, 2006, p. 579) (tradução nossa)
Tristan e colaboradores (2009, p.1) complementam a discussão incorporando à
noção de sistemas de produção a combinação das atividades produtivas e dos
meios de produção (terra, trabalho e capital) distribuídos nos subsistemas de
produção. Os subsistemas (de cultivo, de criação e de transformação) são
caracterizados por seus itinerários técnicos, suas trajetórias históricas e pelos
rendimentos das produções. Os principais parâmetros a serem considerados na
34
análise da evolução dos sistemas de produção, segundo os autores são: a) o grau
de diversificação e especialização dos subsistemas e b) o grau de utilização de
capital e trabalho por unidade de área da unidade produtiva do agricultor.
Quadro 1 – Analisando os sistemas de produção agrícolas
Inicialmente procura-se avaliar as possibilidades de melhorar as condições para areprodução econômica das explorações em função do tipo de sistema de produçãoadotado. Após, a partir da caracterização técnica e das avaliações econômicas da etapaanterior, é possível identificar atividades ou técnicas que possam contribuir para umaumento da produtividade e da renda dos agricultores, respeitando-se os estrangulamentosanteriormente detectados em cada tipo de sistema de produção analisado. Com basenestes resultados são definidas alternativas de ação técnica, organizacional, gerencial e depolíticas públicas para o desenvolvimento dos diferentes tipos de unidades de produção,bem como estratégias de intervenção no processo de desenvolvimento local. É interessantesalientar que tais alternativas devem ser avaliadas tanto do ponto de vista financeiro noâmbito das unidades de produção (por meio de fluxos financeiros baseados no potencial derenda gerada pelas atividades) quanto do ponto de vista do interesse econômico geral dasociedade (por meio da análise do potencial de agregação de valor das atividades).
Fonte: extraído de Silva Neto (2007, p. 40-41)
35
Figura 1 – Sistemas de produção inseridos na unidade de produção agrícola
Fonte: adaptado de Dufumier (2010); Mazoyer, Miguel e Roudart (2009).
SISTEMA DE PRODUÇÃO:
UNIDADE DE PRODUÇÃO AGRÍCOLA FAMILIAR
Itinerário técnico/modo de condução
INTERAÇÕES COM MERCADOS
Transformação
Cultivo
Criação
SISTEMA SOCIAL:
Agricultor e sua família
36
No final dos anos 1980, Jacques Brossier, professor do Institut National de la
Recherche Agronomique (INRA) em Dijon, região da Borgonha, reforça que a ideia
de sistema de produção não se traduz propriamente em novidade – reportando usos
do termo no início do século XIX na França. Para países anglo-saxões o termo
próximo farming system é mais recente, forjado sob o suporte de estudos
particularmente sobre a dinâmica agrícola nos países em desenvolvimento no século
XX. Desperta a atenção do pesquisador a profusão de termos não necessariamente
utilizados com o mesmo sentido por economistas, agrônomos e geógrafos – além de
agricultores e agentes correlacionados em seus cotidianos –, mas que apresentam
alguma similaridade conceitual. Destacam-se, além de sistema de produção e
farming system (ou sistemas agrícolas, em tradução livre), sistema de cultura,
sistema de exploração, système d’élevage (sistemas de criação e suas conexões
com o elemento humano e recursos naturais) e système d’agriculture (BROSSIER,
1987). Torna-se necessário analisar – e esse é um dos objetivos do autor em
trabalho – se esses termos são equivalentes, complementares ou mesmo
concorrentes, diante da diversidade de usos e apropriações pelas áreas do
conhecimento. Um primeiro passo é a identificação de três grandes abordagens para
a questão:
a) Abordagem microeconômica, próxima à tradição da Economia Rural
francesa, gestada no âmbito das escolas de engenharia para a agricultura e
agronomia do século XIX. Os sistemas de produção estão ligados à gestão da
unidade produtiva. A condução das atividades agrícolas tem como objetivo o
aumento das rendas – e, por conseguinte, lucros – do agricultor. O sistema de
produção é compreendido como a combinação de fatores de produção e dos
resultados da exploração agrícola. Aparentemente, a noção de sistema de cultura
(agricultura e pecuária), système d’élevage e sistema de exploração fazem parte
dessa abordagem, destacando-se o trabalho do agrônomo Adrien Étienne Pierre de
Gasparin (1783-1862) na clássica publicação Cours d’Agriculture, em 1845
(BROSSIER, 1987; GASPARIN, 1845). Pode-se afirmar que essa abordagem ainda
predomina nos séculos XX e XXI, especialmente quando associada a estudos
agronômicos de eficiência de sistemas produtivos em termos de produtividade dos
fatores de produção, evocando as discussões sobre intensificação dos usos da terra,
do trabalho e do capital – congregando aqui biólogos e economistas rurais de viés
37
microeconômico. Associações com as noções de produtivismo, análise comparativa
de sistemas tecnicamente eficientes, agricultura autônoma e intensiva, busca pela
crescente produtividade por unidade de área refletem a permanência do conceito de
sistema restrito à combinação de fatores de produção, técnicas e tecnologias (e
suas interconexões) à disposição dos agricultores.
Análise semelhante, na tradição anglo-saxã é sintetizada por Moraes e
colaboradores (2014) ao descrever os chamados sistemas integrados de cultivo
pecuária, ou ICLS de Integrated Crop-Livestock Systems. A ideia é bastante próxima
à visão de sistemas de produção na abordagem de agrônomos e economistas rurais
de formação técnica. Os ICLS são caracterizados como sistemas que enfatizam (ou
que buscam enfatizar) as interconexões, interdependências e/ou sinergias entre
lavouras, criações e recursos naturais (Figura 2), nas diferentes escalas geográficas
de espaço e tempo, resultando em múltiplas abordagens das atividades
agropecuárias e silvícolas (sequenciais, concorrentes ou complementares) de
acordo com unidades de paisagens, hidrologias, geomorfologias e climatologias.
Os objetivos e benefícios dos ICLS geralmente versam sobre melhorias dos
processos de produção agrícolas integradas, arrefecendo os riscos inerentes às
atividades; as reduções de danos ao meio ambiente, uma vez que sempre é
possível aproveitar as integrações – nutrientes, restolhos, forragens, resíduos,
excrementos, etc. – para racionalizar os usos de máquinas, equipamentos e,
principalmente, recursos hídricos e agroquímicos durante os tratos culturais;
subjacente manutenção da biodiversidade, elevando o potencial em termos de
segurança alimentar para os consumidores. As percepções de todo maior que a
soma das partes dentro do sistema e da não oposição entre aumento dos
rendimentos físicos das lavouras e criações produtividade e manutenção dos
recursos ambientais permanecem na análise do ICLS. Existe ainda a vertente social
dos benefícios, sugerindo a redução dos movimentos migratórios entre áreas rurais
e urbanas, além do potencial de criação de novas oportunidades de ocupação no
meio rural. A limitação principal aos sistemas integrados está ligada à produtividade
das lavouras e criações, diante do aumento das demandas por alimentos. Existe a
percepção de que os ICLS estariam mais associados a pequenas produções e
áreas, com menores exigências técnicas e tecnológicas e baixos rendimentos das
atividades agrícolas (GUPTA et al., 2012; MORAES et al., 2014).
38
Figura 2 – Sistema integrado agricultura-pecuária (ICLS)
Fonte: extraído de Gupta (1992)
b) Abordagem que enfatiza aspectos sociais e suas influências sobre as
alterações nos sistemas de produção. Os sistemas de produção são combinações
de terra, força de trabalho e diversos outros meios utilizados para a produção
agrícola (lavouras e criações). A peculiaridade está na observação às diferentes
qualificações, habilidades e recursos da força de trabalho definindo as
características dos sistemas. Faz-se necessário, portanto, abordar tipologias de
sistemas de produção que captem a diversidade e dinâmicas das agriculturas, ou
dos systèmes d’agriculture. Destaca-se o trabalho Mode de production et système
de culture et d’élevage, do engenheiro agrônomo, economista rural e diretor de
pesquisas do INRA no final dos anos 1980 Claude Reboul (1933-1987) (REBOUL,
1976);
c) Abordagem mais ampla que as anteriores, incorporando, para além da
utilização dos recursos produtivos, uma série de aspectos, tais como as formas de
exploração da terra, da organização e remuneração da força de trabalho, além da
distribuição, comercialização e consumo da produção agrícola. Aqui Brossier (1987)
39
destaca o trabalho do professor Robert Badouin (1925-2014) L’analyse économique
du système productif en agriculture (BADOUIN, 1987).
Complementando o alcance dessa última abordagem, os também professores
do INRA Gilles Allaire e Michel Blanc (ALLAIRE; BLANC, 1979) definem “sistema
social de produção”, conjunto das relações entre agricultores e suas unidades
produtivas, envolvendo as “contradições, conflitos e cooperações” decorrentes.
Ressalte-se a particularidade dessas relações a cada espaço geográfico, com suas
trajetórias históricas e sociais. Estabelece-se a separação entre o caráter
microeconômico e formalmente técnico do sistema de produção, chamado pelos
professores de sistema elementar de produção, e privilegia-se a abordagem de
natureza social.
Apesar das tentativas de distinção, Brossier (1987) aponta a gradual utilização
do termo sistemas de produção tanto para indicar as atividades estritas, relativas à
gestão das unidades produtivas, quanto para a incorporar a “dimensão social” da
questão. Seja com diferentes sentidos, o autor afirma a necessidade primária do
entendimento do sistema, considerando fundamentais as conexões e
interdependências (e não justaposições) entre culturas, criações e transformações e
todas as combinações e sinergias existentes. Igualmente fundamentais, as
influências e estímulos externos determinam, estruturam e reestruturam os sistemas
e seus componentes, caracterizando a dinâmica das atividades produtivas. A
modernização e o progresso técnico agrícola decorrem da evolução dessas
interdependências, estímulos, influências e transformações em consequência. São
ações que explicam as escolhas de técnicas e tecnologias e, no limite, refletem as
alterações dos usos de capital e trabalho nas atividades agrícolas.
40
Figura 3 – Diferentes abordagens dos sistemas de produção
Fonte: elaboração própria a partir de Brossier (1987).
A concepção de sistema para a agricultura reforça a necessidade do
reconhecimento das interações dinâmicas e holísticas entre os diversos
componentes que devem ser consideradas como partes fundamentais ao
entendimento do todo complexo e, principalmente, (re) conectar disciplinas nas
diversas áreas do conhecimento – suas metodologias e modelos teóricos – a fim de
se obter um arcabouço explicativo mais denso e completo sobre determinada
realidade (rural). A pluridisciplinaridade é, pois, fundamental ao entendimento do
sistema. “A abordagem sistêmica consiste em considerar que uma operação agrícola
não é simplesmente a justaposição de oficinas de produção nem a adição de meios
e técnicas de produção [… ]”. (BROSSIER, 1987, p. 384) (tradução nossa)
Sistema de cultivos; systéme d’elevage;
sistema de exploração; sistema elementar de
produção
Tipologias de sistemas de produção; système de
agriculture
Formas de exploração da terra; organização do trabalho; dinâmica
da distribuição e consumo do produto agrícola
Sistema social de produção: contradições, conflitos e cooperações
nas relações da agricultura
41
Em resumo Brossier (1987) afirma que:
[…] o conceito de sistema de produção não pode mais ser separadoda abordagem sistêmica: falar do sistema de produção não é maisum objeto de estudo útil de uma perspectiva microeconômica oumacroeconômica , é insistir em uma nova abordagem científica pararesolver problemas. No caso do estudo dos problemas da agriculturanos países em desenvolvimento [...], pode-se resumir o interessedesse conceito e dessa abordagem: a) abordagem holística ecompreensão dos sistemas camponeses (coerência e lógica dossistemas de produção existentes); b) a agricultura é vista como umsistema (quem são os atores deste sistema, qual é a definição dessesistema?); c) a coerência dos sistemas de produção é acessível apartir de uma análise detalhada do funcionamento interno dossistemas: identificação de práticas técnicas e sequências; d) apesquisa é, portanto, fundamentalmente multidisciplinar.(BROSSIER, 1987, p. 386) (tradução nossa)
A interação entre as três correntes de conhecimento (Economia, Geografia e
Agronomia) resulta na expressão système agraire, reconhecido em escala superior
em comparação aos sistemas de produção, segundo os geógrafos franceses
Bertrand Vissac e Aloyse Hentgen o sistema agrário é definido como:
[...] a expressão espacial da associação de produções e técnicasutilizadas por uma sociedade para satisfazer suas necessidades.Exprime, em particular, as interações entre um sistema bioecológico,representado pelo meio ambiente natural e um sistema socioculturalatravés de práticas derivadas, em particular, do acervo técnico.(VISSAC; HENTGEN, 1980 apud ROCA, 1987, p. 79) (traduçãonossa)
Miguel (2009), subsidiado por trabalhos dos geógrafos Pierre Deffontaines
(1894-1978) e Jacques Brossier (DAFFONTAINES; BROSSIER, 2000), sintetiza a
necessidade e o conceito de sistemas agrários:
Especialmente a partir da metade do século XX, em grande parteacarretadas pela reconfiguração geopolítica e econômica decorrenteda Segunda Guerra Mundial, criam-se demandas de novasabordagens sobre as formas de agricultura, o mundo rural e suasdinâmicas espaciais, socioeconômicas e produtivas. Fortementeinstigada por essa situação e buscando fornecer elementos quepermitam conciliar aspectos espaciais e temporais com umaprimoramento da compreensão da situação presente, constata-se,no âmbito da Geografia, em particular da Geografia Agrária, a
42
emergência do conceito de sistemas agrários. Essa concepção,oriunda da ciência geográfica, considera o sistema agrário comosendo um objeto de análise e observação que é o produto dasrelações, em dado momento e em dado território, de uma sociedaderural com seu meio. (MIGUEL, 2009, p. 19).
Tafani (2011) complementa que o modelo de produção agrícola em larga
escala disseminado pelo mundo – seguindo o modelo bastante estudado da
Revolução Verde – recebeu críticas pelos efeitos de degradação dos recursos
naturais constatados em várias regiões produtoras, perdas de biodiversidades e
identidades culturais, impactos em termos de segurança (e soberania) alimentar e
geração de desemprego no campo. A necessidade de contraposição a esse modelo,
retomando as dinâmicas produtivas locais sugere, a partir dos anos 1980, novas
abordagens e sinergias entre os conhecimentos de Agronomia/Biologia/Ecologia,
Economia e Geografia para atender as demandas decorrentes dessas
transformações crescentes das atividades agrícolas. A abordagem dos sistemas
agrários emerge desses esforços de entendimento do desenvolvimento agrícola,
destacando o trabalho no âmbito do INA P-G (Institut National Agronomique, Paris-
Grignon, desde 2007 Paris AgroTech):
A partir da década de 1980, consolida-se teoria de referência paraentender o desenvolvimento agrícola: a teoria dos sistemas agrários,desenvolvida a partir de intercâmbios frutíferos entre agrônomos egeógrafos em torno da compreensão da implementação de práticasagrícolas em seu contexto socioeconômico. Essa teoria foidesenvolvida e posteriormente transmitida e alterada pelosprofessores e pesquisadores da Cátedra de Agricultura Comparadado Instituto Nacional Agronômico de Paris-Grignon […]. (TAFANI,2011, p. 6) (tradução nossa).
E segue o conceito de sistema agrário, apresentado pelos professores do Paris
Agrotech Marcel Mazoyer e Laurence Roudart:
[…] expressão teórica de um tipo de agricultura historicamenteconstituída e geograficamente localizada, composta por umecossistema cultivado característico e um sistema social produtivodefinitivo, que permite a exploração sustentável da fertilidade doecossistema cultivado correspondente. (MAZOYER; ROUDART,1997, p. 46) (tradução nossa).
43
Mazoyer e Roudart (1987) combinam em sua definição de sistema agrário o
modo de exploração do meio (rural), amparado pelas técnicas e tecnologias
empregadas – e, evidentemente, as transformações históricas decorrentes da
evolução dessas técnicas e tecnologias –, além das conjunturas bioclimáticas e/ou
agronômicas dos espaços estudados. O modo de exploração envolve a alteração do
ecossistema original pela aplicação de fatores de produção, “inertes e vivos”,
resultando em sistemas de produção coerentes técnica, social e economicamente,
duráveis no tempo e condizentes com a disponibilidade de recursos naturais
observada. O autor destaca um conjunto de varáveis consideradas ao entendimento
do sistema agrário, visualizadas na Figura 5.
O escopo ampliado da análise de sistemas agrários, transdisciplinar, traduz-se
na importância da observação da dinâmica do espaço geográfico, nesse caso o
território e suas problemáticas, atores e representações1:
[…] para melhor explicar a dinâmica da agricultura nessa paisagem(seu lugar, suas funções, sua organização) e mais particularmente aagricultura em territórios híbridos, periurbanos, por exemplo, [...],propomos registrar-se o modelo clássico do sistema agrário em ummeta-sistema territorial [...]. Com esta representação, buscamos,acima de tudo, explicar a articulação entre o espaço geográficoorganizado pela atividade agrícola e ao redor dela e todos os atoresdo território envolvido nesta edição em diferentes escalas. Nessesistema territorial, a atividade agrícola se torna um objeto entreoutros, dentro do espaço geográfico, e agricultores, uma minoria nosistema de atores. (TAFANI, 2011, p. 7) (tradução nossa)
Tem-se, portanto que o sistema agrário constitui-se em um dos níveis de
análise propostos por Tafani (2011) conforme visualizado na Figura 4. O primeiro
nível é o territorial, destacando-se dimensões de análise inerentes ao espaço
geográfico (contornos jurídico-administrativos, espaços naturais e artificializados), ao
sistema de representações (ações e percepções dos agentes) e sistemas de
agentes (sociedade civil, administração pública e agricultores). O segundo nível
corresponde aos sistemas agrários, expressando formas de organização do trabalho
agrícola e compostos pelos sistemas de produção – “[…] a organização do espaço
1 Não faz parte dos objetivos dessa Tese a (re) discussão acerca do território e suas implicações.Embora reconheça-se a importância e profundidade da temática e citando as valiosascontribuições de Milton Santos (SANTOS, 1994), Rogério Haesbaert (HAESBAERT, 1999),Marcelo José Lopes de Souza (SOUZA, 2000) e Marco Aurélio Saquet (SAQUET, 2007) entreoutros, tem-se aqui o território como o amálgama dos agentes e seus processos sociais,econômicos, culturais, identitários, etc.
44
geográfico depende da atuação/interação dos agentes no território em torno da
problemática agrícola.” O terceiro e quartos níveis de análise aprofundam as práticas
agronômicas dos sistemas de produção, as interações entre os subsistemas de
cultura, de criação e recursos naturais.
Primeiro, a agricultura é um objeto de espaço geográfico, e oconfronto de representações espaciais e concepções de diferentesgrupos de atores influenciará o lugar dessa forma de agricultura, bemcomo a organização de atividade como fornecedor de bens eserviços. Em segundo lugar, as consequências desse conjunto deatores territoriais sobre a organização do trabalho agrícola devem serexaminadas: o objeto agrícola é então dividido em uma combinaçãode unidades de produção em relação umas às outras, explorando ecada um mantendo a fertilidade do ecossistema cultivado [...]. Cadaunidade de produção ou sistema de produção, por sua vez, édecomposta e modelada pela interação entre um ou mais sistemasagrícolas, pecuários ou agrários que competem uns com os outrospela alocação e uso de recursos (mão de obra, terra, equipamento)da fazenda. (TAFANI, 2011, pp. 7-8) (tradução nossa)
Figura 4 – Níveis de análise para a dinâmica rural
Fonte: extraída de Tafani (2011, p.7).
45
Figura 5 – O sistema agrário
Fonte: com base na definição de Mazoyer (1987); adaptado de Dufumier (2010); Mazoyer, Miguel e Roudart (2009)
* Divisão social do trabalho;* Transformações históricas.
* Relações de troca entre setores;* Instituições e reprodução social.
SISTEMAS DE PRODUÇÃO
46
Cochet (2012) afirma que a dinâmica da atividade econômica rural – mediada
intensamente por processos e práticas industriais – perpassando os diversos
mercados locais, regionais, nacionais e internacionais favorece a abordagem
crescentemente ampliada de sistemas agrários. Ou seja, aspectos que influenciam
as decisões dos agentes em determinada escala de análise, não raro, podem ter
suas raízes em outras escalas, para além do ponto inicial de estudo. Some-se à
participação das chamadas atividades não-agrícolas no cômputo geral das
atividades dos agricultores, conexões e interdependências entre essas e as
atividades agrícolas tornando premente a percepção das casualidades externas às
transformações dos sistemas agrários. É importante frisar que as mudanças na
agricultura afastam a vinculação do sistema agrário a uma situação estável (ou
ainda, relacionada a sistemas passados, históricos), embora a análise dessa última
seja menos complexa por não observar as rápidas e contínuas transformações da
agricultura e de transição (e/ou rupturas) de um sistema agrário para outro:
É mais fácil analisar uma situação relativamente estável e construirum sistema agrário – ou seja, formular uma descrição sistêmica queforneça uma compreensão geral da agricultura – que analisar umsistema tão dinâmico que os vários elementos e suas interaçõesreciprocantes apenas tenham tempo para estabilize-se antes detransformar novamente. (COCHET, 2012, p. 133) (tradução nossa)
No Quadro 2 tem-se compilação dos principais conceitos de sistemas agrários
desenvolvidos ao longo do século XX e início do século XXI. Utilizando o conceito de
sistema agrário e sua dinâmica associada de análise, a abordagem da agricultura
comparada busca compreender a evolução das transformações das agriculturas no
mundo. Identifica, interpreta e explica os aspectos que assemelham entre os
sistemas agrários e aqueles que os diferenciam, particularmente no âmbito de suas
trajetórias geográficas e históricas diversas. São fundamentais as interdependências
entre os fatos em determinada escala geográfica, suas implicações e repercussões
em escalas superiores ou inferiores, objetivando entender de forma consistente o
desenvolvimento rural nos variados contextos de tempo e espaço. Destacam-se
nessa análise os trabalhos de René Dumont (DUMONT, 1952); Marcel Mazoyer e
Laurence Roudart (MAZOYER; ROUDART, 1997); Marc Dufumier (DUFUMIER,
2002) e diversos outros da chamada escola francesa de agricultura comparada,
47
particularmente nos centros de pesquisa Paris AgroTech, INRA e CIRAD – Centre de
Coopération Internationale en Recherche Agronomique pour le Développement.
Quadro 2 – Abordagens de sistemas agrários
Fonte: Adaptado de Cochet (2012).
Autores Ano Descrição Obra referência
Geó
graf
os r
urai
s
André Cholley 1946
Georges Bertrand 1975
1980
Eco
nom
ista
s ru
rais
Raphael Larrère 1974
Marcel Mazoyer 1987
Humbert Cochet 2004
Combinação complexa de diversas elementos de áreas distintas (elementos de ordem física, humana e biológica) para a atividade
agrícola. As interdependências implicam que mudanças em determinados aspectos afetam consideravelmente os demais.
Problèmes de structure agraire et d’économie
rurale. (CHOLLEY, 1946).
O agrossistema reflete uma relação específica entre os meios rural, ambiental e ações humanas. Passar de um agrossistema a outro corresponde a uma mudança na relação entre a sociedade rural e
seu contexto ecológico.
Pour une histoire écologique de la France
rurale (BERTRAND, 1975).
Bertrand Vissac e Aloyse Hentgen
Expressão espacial da combinação de produção e técnicas utilizadas para satisfazer as necessidades dos agricultores.
Expressa as interações entre sistemas bio-ecológicos e sócio-culturais através de questões produtivas, envolvendo os aspectos
técnicos e tecnológicos.
Eléments pour une problématique de recherche sur les
systèmes agraires et le développement
(VISSAC; HENTGEN, 1980).
Um conjunto organizado de relações historicamente estabelecidas entre uma estrutura social – e as diversas categorias de
agricultores relacionadas – específica e a terra explorada.
Considérations générales (et quasiment théoriques)
sur les systèmes agraires (…) (LARRÉRE,
1974).Uma forma de explorar um agro-ecossistema historicamente
definido e sustentável, adaptado às condições bioclimáticas de uma determinada área e respondendo às necessidades e condições
sociais do momento
Dynamique des Systèmes Agraires (…)
(MAZOYER, 1987).
Complexa abordagem que envolve: (1) características físicas dos vários agro-ecossistemas; (2) ferramentas, conhecimentos,
práticas, saber-fazer dos agricultores que evoluíram ao longo do tempo; (3) transformações do recursos naturais pelo homem; (4) resultados dessas transformações na paisagem; (5) mecanismos
de renovação da fertilidade do solo; (6) relações sociais de produção e comércio dos produtos agrícolas (7) características da especialização e divisão social do trabalho, dentro de cada setor,
além de condições econômicas, sociais e políticas que influenciam a integração dos agricultores nos mercados locais, regionais,
nacionais e internacionais.
Agrarian dynamics, population growth and resource management (…) (COCHET, 2004).
48
Quadro 3 – O sistema agrário e a abordagem da agricultura comparada
Apesar da abrangência das acepções de André Cholley e Georges Bertrand, amaioria dos geógrafos rurais utiliza o termo “sistema agrário” de forma restritiva,principalmente referindo-se às formas de exploração da terra e questões relativas àrendimentos físicos. O termo parece ter desaparecido de alguns dicionários de Geografiarecentes. Publicado em 2003, o Dictionnaire de la géographie et l'espace des sociétés nãomenciona o termo système agraire, embora agrarian system apareça como traduçãopossível ao termo francês (LEVY; LUSSAULT, 2003). O termo agrarian system não émencionado no The Dictionary of Human Geography (JOHNSTON et al. 2000). Aslimitações de uso do termo combinada às posições dos dicionários mencionados mostramcomo o conceito de sistema agrário tem sido frequentemente reduzido à noção de estruturaagrária. A estrutura agrária envolve, além da forma e disposição de parcelas de terras,pastagens e florestas, o tamanho das unidades produtivas e modos de exploraçãodiferentes (sistemas de produção). Ao limitar o “sistema” à “estrutura”, tem-se menos ênfasena natureza dinâmica, peculiar e evolutiva das sociedades agrárias nos diversos espaçosgeográficos.
O conceito de sistema agrário foi utilizado pela primeira vez por geógrafos rurais emescala regional de análise. A noção de sistema de produção foi inicialmente o domínio deeconomistas rurais técnicos e agrônomos, bem como o conceito de sistema de cultivo e decriação. É a combinação dessas diferentes escalas de análise, conceitos, além do viésholístico do sistema agrário, que torna original a escola francesa de agricultura comparadaconcernente às diversas agriculturas mundiais, no esforço de superar os desafios daincorporação da dinâmica das transformações da agricultura, especialmente ao longo dosséculos XX e XXI.
A abordagem da agricultura comparada permite aproximar e diminuir diferentesescalas de análise e passar frequentemente de uma escala para outra: a partir dasunidades de produção, onde se integram diferentes sistemas de cultivo e pecuária, ao nívelda região ou do país, onde o conceito de sistema agrário pode ser aplicado. Essas não sãoapenas escalas espaciais diferentes e interconectadas, mas três níveis interdependentes deorganização funcional.
Fonte: Cochet (2012, pp. 129, 132, 133). (tradução nossa)
49
A noção de sistema de atividades (Figura 6) consegue abarcar a dinâmica
social, técnica e geoeconômica rural (incluindo a agricultura e pecuária). Dessa
forma, envolve análises transdisciplinares em Economia, Agronomia, Geografia,
História, Sociologia, Zootecnia, Ecologia, entre outras. O foco está em entender,
sistemicamente, o processo de tomada de decisão, as motivações (sociais, políticas,
econômicas, etc.) sobre atividades conduzidas pelos agentes, as articulações nos
diversos níveis de organização social e os impactos dessas decisões. Os contornos
para a definição do que observar com maior profundidade dependerão das escolhas
e objetivos do pesquisador, dos contextos da pesquisa (históricos, técnicos,
culturais, etc.) e das escalas de tempo e espaço iniciais de estudo (GASSELIN et al.,
2014). O sistema de atividade:
[…] direciona o trabalho de categorização das formas sociais etécnicas observadas nas várias expressões da ruralidade e nãoapenas da agricultura. Isso leva a um reexame sistemático daatividade, práticas e decisões, bem como interações ligandoatividades, recursos para ação e decisão, representações e múltiplasmotivações do ator. Convida a comparação dos processos detransformações observadas e permite rever as formas de articulaçãode uma entidade social com níveis mais altos de organização, sejammercados, territórios, políticas públicas ou normas. (GASSELIN et al.,2014, p. 106) (tradução nossa)
Bonnal, Cazella e Maluf (2008, p.187) afirma que o sistema de atividades para
as famílias rurais – entendidas como “[…] unidade que se reproduz em regime de
economia familiar e que desenvolve qualquer processo biológico sobre um pedaço
de terra, […], situada num território com determinadas características
socioeconômicas, culturais e ambientais […] – compreende atividades agrícolas e
não agrícolas, sejam remuneradas ou não, com objetivo primordial de garantir a
reprodução socioeconômica da família. Complementa-se com a definição de
Machado (2012, p. 132): “[...] combinação (no tempo e no espaço) dos recursos
disponíveis para a obtenção das produções vegetais e animais, sua transformação,
além da realização de atividades não-agrícolas e do trabalho doméstico [...]”.
50
Figura 6 – Representação do sistema de atividades para famílias rurais
Fonte: adaptado de Bonnal, Cazella e Maluf (2008); Machado (2012)
Finalmente, reitera-se que o sistema de atividades é essencialmente dinâmico,
mobilizando e interagindo práticas a partir de recursos naturais disponíveis para
determinada escala geográfica, em paralelo ao quadro sociopolítico e econômico
observado e mutável. É uma ferramenta de apoio ao conhecimento mais amplo das
realidades rurais e de suas conexões com realidades externas ao meio rural.
Nesta Tese de Doutoramento prioriza-se a análise das dinâmicas (histórica,
social, econômica, agroecológica) dos sistemas de produção nas áreas rurais do
município de Morro do Chapéu, semiárido baiano. Pretende-se, amparado pelos
conceitos apresentados neste Capítulo, identificar e captar a diversidade e
complexidade das relações nos subsistemas de cultivo, criação e de transformação.
Para o alcance deste objetivo acessório, apresentam-se nas seções seguintes os
princípios gerais do método, os procedimentos e a aplicabilidade nas regiões de
estudo.
Unidade geográfica
Sistema de atividades de famílias rurais
Atividades agrícolasAtividades não-agrícolas
Reprodução socioeconômica
Indústrias e serviços em meio rural
Recursos naturais
Tempo Espaço
51
2.1.2. Princípios gerais do método
Silva Neto (2007, p. 36) sintetiza as principais diretrizes concernentes à
metodologia ADSA:
i) Efetuar análises a partir dos fenômenos mais gerais para os particulares, por
meio de uma abordagem sistêmica em vários níveis; ii) Estudar cada nível da
realidade especificamente, construindo síntese dos níveis de análise mais
abrangentes, antes de passar a analisar os níveis mais específicos.
Esses aspectos demandam metodologicamente o entendimento das realidades
agrícolas/agrárias nas diversas escalas geográficas de análise. Parte-se das
observações aos condicionantes internacionais nos quais estão inseridas, ainda que
indiretamente, as atividades agrícolas nas demais escalas de análise (nacional,
regional, local). Destacam-se aspectos como o acesso aos pacotes técnicos pelos
agricultores e, sobretudo, as oscilações dos preços e suas repercussões nas
tendências de oferta e demanda de insumos/fatores de produção (terra, trabalho,
capital) e produtos agrícolas. Dufumier (2010) ainda ressalta a observação de
questões de produtividade (técnica, tecnológica), remuneração de fatores de
produção e o estabelecimento de padrões de concorrências heterogêneos entre as
diversas agriculturas/agricultores mundiais. O objetivo é compreender as
desigualdades entre agricultores reduzindo, portanto, os riscos do insucesso de
proposições de ações desconectadas do contexto internacional.
Na escala nacional, busca-se compreender a importância e o papel da
agricultura, do sistema agrário considerado e em estudo no quadro econômico geral;
e no fornecimento de alimentos e/ou matérias-primas para os demais segmentos da
economia. Some-se às análises das trocas comerciais realizadas pelos agricultores,
as parcelas destinados ao autoconsumo do agricultor e de sua família e os impactos
ambientais decorrentes das práticas agrícolas desenvolvidas. Para este trabalho se
têm os seguintes aspectos subsídios à compreensão da agricultura na escala
nacional (DUFUMIER, 2010, p. 69): demanda dos segmentos industriais por
matérias-primas agrícolas, especificamente as oleaginosas; produção nacional dos
produtos agrícolas mencionados; localização das produções agrícolas e
infraestrutura básica relacionada; especialização agrícola das áreas de estudo;
52
circuitos de comercialização dos produtos agrícolas; mecanismos de preços dos
produtos e formas de intervenção do Estado.
Na escala regional salienta-se a “delimitação de zonas relativamente
homogêneas”, conhecendo, comparando e identificando os problemas e gargalos
enfrentados pelos agricultores no decorrer das suas atividades agrícolas. Trata-se
da estudo das práticas gerais observadas (tratos culturais nas lavouras e criatórios)
e como tais fatores contribuíram no tempo às transformações das zonas estudadas.
Tome-se como instrumentos dados e informações cartográficas disponíveis a partir
de diversas fontes; documentos que revelem a transição entre as técnicas
empregadas, antigas, tradicionais e modernas; observações de campo sobre as
alterações das paisagens, relevos, solos, tempo/clima, coberturas vegetais, recursos
hídricos, etc., pelos sucessivos modos de exploração humana. Complementa-se
com a observação de variáveis socioeconômicas (produção, trabalho, rendas,
relações em sociedade e como a terra, entre outras).
A análise dos documentos cartográficos, a leitura das paisagensagrárias e as pesquisas exploratórias podem completar-semutualmente para ajudar a delimitar as zonas relativamentehomogêneas do ponto de vista da dinâmica da evolução daagricultora. Os contornos de cada uma das zonas assim identificadaspodem finalmente corresponder a demarcações e a limites denatureza muito diferentes (topográfica, climática, demográfica, étnica,cadastral…) segundo os lugares: o zoneamento não deve limitar-seexclusivamente aos aspectos agroecológicos mas deve contemplartambém as múltiplas variáveis socieconômicas. (DUFUMIER, 2010,p. 73)
iii) Priorizar a explicação e não a descrição, privilegiando o enfoque histórico;
iv) Estar atento à heterogeneidade da realidade, evitando interpretações por demais
generalizantes que dificultam a elucidação de processos de diferenciação.
Nestes itens encontram-se a identificação, construção e caracterização de
agricultores e dos sistemas de produção (e, evidentemente, as inter-relações com os
sistema familiar do agricultor) relacionados. Parte-se das análises dos subsistemas
de cultivo, de criação e transformação nas respectivas unidades produtivas, suas
homogeneidades e heterogeneidades – além de técnicas, de tecnologias, de
acumulação de capital e formas de utilização dos demais insumos de produção –,
53
“suas origens e razões de existir em função dos meios de produção”, e,
especialmente, as transformações ao longo da trajetória histórica do espaço rural
selecionado. Ainda segundo Dufumier (2010), “A elaboração de uma tipologia das
explorações agrícolas em cada uma das zonas previamente demarcadas tem por
finalidade mostrar como as diversas categorias de agricultores praticam diferentes
sistemas de produção, de acordo com os recursos de que eles dispõem e com a
natureza das relações sociais em cujo contexto eles operam.” O autor completa
apresentando aspectos que auxiliam essa caracterização dos sistemas de produção:
tamanho econômico e rendimentos das unidades produtivas; força de trabalho
disponível e utilizada nos sistemas; condições de utilização das insumos de
produção (particularmente o capital fixo: máquinas, equipamentos agrícolas); formas
de acesso aos mercados; relação com a terra, seus usos, propriedades e posse.
Além da caracterização dos sistemas de produção, torna-se necessário
analisar como e sob quais circunstâncias se dão as interações entre os subsistemas;
como e quando acontecem interferências entre cultivos e criações na dinâmica
produtiva dos agricultores. Privilegiam-se: relações agronômicas de concorrência
nos diferentes subsistemas pela utilização dos recursos minerais, biológicos,
edáficos, hídricos, etc.; distribuição espaço-temporal dos insumos de produção
(capital e trabalho) pelos subsistemas; itinerários técnicos e demais práticas que
caracterizam os modos de exploração agrícola estudado. A partir desses
procedimentos, são estabelecidas as etapas de estudo para uma determinada
região como se segue (DUFUMIER, 2010; SILVA NETO, 2007). As etapas principais
desdobram-se em diversos procedimentos metodológicos, observando
especificidades em cada escala geográfica de análise. Tais procedimentos podem
assim serem agrupados e visualizados na Figura 7.
54
Figura 7 – Principais procedimentos da metodologia ADSA
Fonte: adaptado de Dufumier (2010); Garcia Filho (1999); Silva Neto (2007).
1) Caracterização do processo de
desenvolvimento da agricultura local.
SISTEMA AGRÁRIO
a) Análise dos mapas estudos existentes;b) Leitura de paisagem;c) Resgate da história (fatos ambientais, sociais, políticos e econômicos).
HISTÓRICO DO SISTEMA AGRÁRIO
2) Identificação e estudo das atividades
agrícolas e não agrícolas exploradas.
d) Tipologia de agricultores e de sistemas de produção.
CARACTERIZAÇÃO DOS SISTEMAS DE PRODUÇÃO(itinerários técnicos, análise agronômica e econômica, modelização)
3) Síntese do diagnóstico.
e) Elaboração de propostas de DESENVOLVIMENTO RURAL.
AM
OS
TR
AG
EM
D
IRIG
IDA
55
2.1.3. Analise econômica dos sistemas de produção
Dufumier (2010) e Garcia Filho (1999) apresentam os objetivos da análise
econômica dos sistemas de produção: a) permitir a comparação dos resultados
econômicos entre os diversos sistemas de produção (individualmente e no conjunto
das rendas do agricultor); b) tecer observações sobre a composição do patrimônio
do agricultor e sua família e as implicações sobre lavoura, criações e
transformações; c) conhecer os resultados econômicos das práticas agrícolas; d)
formação e composição das rendas dos agricultores e suas famílias, comportando
as atividades agrícolas, não agrícolas e transferências de rendas (estatais ou não).
Os procedimentos para essa etapa são os seguintes:
i) Cálculo do valor agregado líquido (VAL), resultado do sistema de produção
em um determinado período:
(1)
Onde:
PB = produção bruta anual do sistema; CI = consumo intermediário (insumos);
D = amortização (depreciação de equipamentos/instrumentos de produção).
ii) Cálculo da renda agrícola do agricultor e família (RA):
(2)
Onde:
Sub = subsídios agrícolas recebidos; Jur = juros dos empréstimos contraídos; RF =
renda fundiária paga a proprietários da terra; Imp = impostos pagos; Sal = salários
pagos
VAL = PB - CI - D
RA = VAL + Sub - Jur - RF - Imp - Sal
56
iii) Análise dos resultados por subsistema de produção:
(3)
(4)
(5)
(3) Cálculo da renda agrícola por subsistema:
Cp = custos proporcionais. Custos relacionados diretamente ao subsistema;
Cnp = custos não proporcionais. Custos que não dependem do subsistema.
(4) Cálculo da renda agrícola (RA) por área destinada ao subsistema:
SA = área destinada ao subsistema.
(5) Cálculo da renda por unidade de trabalho familiar disponível (UTf). UTf =
unidade de trabalho familiar disponível. O resultado dessa equação é a própria reta
representativa (e sua inclinação) a ser considerada na modelização da composição
das rendas dos sistemas de produção e outras rendas, presente imediatamente a
seguir.
RA/UTf = (PB/SA - Cp/SA) x SA/UTf - Cnp/UTf
RA = (PB/SA - Cp/SA ) x SA - Cnp
RA (1) = PB (1) - Cp (1) - Cnp (1)
57
Segundo Machado (2012):
Quando se propõe abordar o problema pela lógica da família e pelasrelações de gênero na organização do trabalho e no tempo detrabalho gasto de cada membro no conjunto de atividades, arealidade se revela bastante complexa. Não há modelos, padrõesúnicos e homogêneos. Todavia, interessa conhecer, durante um ano,o tempo de trabalho de cada Unidade de Trabalho Familiar - UTF emcada atividade ou subsistema. A soma das UTFs parciais porsubsistema é igual a 1 (ou 100%), correspondente ao tempo integraldedicado às atividades agrícolas, não-agrícolas, ou ao trabalhodoméstico. (MACHADO, 2012, p. 133)
iv) Modelagem. A partir dos cálculos acima apresentados, é possível construir
gráficos síntese da dinâmica econômica das rendas não agrícolas e dos sistemas de
produção dos agricultores de acordo com os tipos identificados nas etapas
anteriores. Essa dinâmica pode ser visualizada na Figura 8.
Figura 8 – Dinâmica econômica das rendas dos agricultores
Fonte: adaptado de Garcia Filho (1999).
SA/UTf
Subsistema 1
Subsistema 2Subsistema 3
Rendas não agrícolas;Outras rendas
Patamar de reprodução
Custos não proporcionais subsistema 1
58
Machado (2012) fornece um exemplo prático dessa modelização:
Figura 9 – Rendas de agricultor na região de Irecê (Bahia)
Fonte: Machado (2012).
2.2 APLICABILIDADE NA ÁREA DE ESTUDO
Observando-se os conceitos e a descrição dos procedimentos metodológicos
gerais nas seções anteriores é possível sistematizar sua aplicação em Morro do
Chapéu, visando ao alcance da proposta deste trabalho. Tais procedimentos são
detalhados a partir das discussões dos cenários observados para os
agrocombustíveis e suas implicações sobre a agricultura familiar no semiárido
baiano.
2.2.1. Procedimentos iniciais:
i) Faz-se aqui o estudo preliminar do município, a partir de dados secundários,
mapas, com objetivos de localização; levantamento das condições ambientais
gerais; principais atividades econômicas; instituições representativas de agricultores
familiares e suas áreas de atuação;
59
ii) Entrevistas históricas com informantes-chave: os interlocutores privilegiados
são as pessoas em contato com a agricultura e as transformações ocorridas até a
chegada do agrodiesel e que possam retratar essa dinâmica das práticas agrícolas.
Objetiva-se construir uma trajetória histórica com os principais fatos ambientais,
econômicos, políticos, sociais, técnicos, agrários da região.
2.2.2. Para a escala local:
iii) Observação e identificação das diferentes agriculturas existentes, diferentes
formas de cultivo, criação e transformação dos produtos agrícolas; parcelas
homogêneas dentro das unidades produtivas; máquinas e equipamentos utilizados;
iv) Caracterização e identificação dos grupos de práticas agrícolas familiares
homogêneas: combinação de uso da terra, força de trabalho, técnicas, tecnologias e
outros meios de produção nos cultivos, criações e transformações;
v) Elaboração de uma tipologia de agricultores familiares: nesse ponto com as
informações levantadas acima é possível construir uma tipologia de agricultores
familiares. Essa tipologia considera a distribuição das atividades do agricultor nos
sistemas de produção; a participação das atividades não-agrícolas; suas
interdependências e a composição das rendas derivadas. Argumenta-se que tal
tipologia é necessária pois as repercussões do agrodiesel enquanto atividade
econômica serão diferenciadas em cada tipo específico, gerando efeitos diversos em
cada escala de análise proposta;
vi) Amostragem dirigida: elaborada a tipologia de agricultores familiares, faz-se
a amostragem tentando-se, primeiro momento, incorporar os agricultores mais
representativos de cada tipo. Privilegia-se a diversidade e as tendências para a
região, mesmo que os casos marginais ou considerados extremos sejam pouco
representativos estatisticamente. Esse tipo de amostragem não probabilística é
denominada Amostragem por Tipicidade ou Intencional. Gil (2008) afirma que esta
forma de amostragem exige maior conhecimento do grupo a ser estudado – nesse
caso os tipos contidos de agricultores familiares na tipologia – o que minimiza os
riscos de uma generalização a partir de grupos que na realidade não são
representativos. Entretanto, esses elementos não representativos são também
60
importantes por que podem indicar uma tendência ou o fim de um ciclo. O
procedimento estatístico usual de amostragem surge na necessidade de
quantificação de cada tipo de agricultor ou dos grupos de práticas agrícolas
homogêneas;
vii) Combinação das práticas agrícolas em cada grupo homogêneo: permite
identificar os fluxos de produtos/rejeitos/consumos em cada unidade produtiva,
diretamente relacionados com a reprodução dos cultivos, criações e transformações.
Objetiva-se identificar as interações do agricultor com os mercados – compra/venda
de produtos, bens e serviços – cujo grau de dependência influencia fortemente as
decisões sobre as práticas agrícolas;
viii) Análise econômica dos agricultores: análise das rendas agrícolas e não
agrícolas em cada unidade produtiva, além de suas relações com quantidade de
mão de obra familiar utilizada. Pretende-se identificar a intensividade de cada
cultivo/criação e como as eventuais rendas oriundas da destinação da mamona para
agrodiesel impactam as práticas agrícolas.
2.2.3. Para a escala regional:
ix) Identificação e análise da atuação das cooperativas de agricultores
familiares relacionadas ao agrodiesel de mamona. Nesta etapa são fundamentais as
entrevistas com informantes-chave ligados às cooperativas. Interesse especial pela
condução das atividades das cooperativas frente à competitividade da soja como
oleaginosa e das limitações técnicas do óleo de mamona para agrodiesel.
61
Figura 10 – Exemplo de produtor em Irecê (BA)
Fonte: Schmitz (2003).
2.2.4. Para as escalas nacional e global:
x) Pesquisas, fundamentalmente a partir de dados secundários que permitam
resgatar a dinâmica internacional dos agrocombustíveis e as principais implicações
relativas ao tema; os agentes/interesses envolvidos; apresentação dos mercados,
com as principais estatísticas produtivas e localização das principais matérias-
primas, produtores e fornecedores. Também a partir de dados secundários,
especialmente artigos científicos, trabalhos acadêmicos e estudos de caso, tem-se o
levantamento das tecnologias disponíveis ao agrodiesel.
2.2.5. Caracterizando o município de Morro do Chapéu
Executa-se essa caracterização em duas etapas. Inicialmente tem-se a etapa
mais geral, a partir de dados secundários. Constitui-se o macro-diagnóstico. A etapa
seguinte, de campo, destina-se à obtenção de informações diretamente com os
62
agentes da região (dados primários), como agricultores, técnicos, gestores das
cooperativas, etc. Corresponde aos micro-diagnósticos.
2.2.5.1. Caracterização a partir de dados secundários (macro-diagnósticos)
Nesta etapa utilizam-se informações constantes em bancos de dados e demais
trabalhos desenvolvidos por instituições públicas e privadas:
i) Em escala nacional: Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE);
Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa); Companhia de
Desenvolvimento do Vale do São Francisco e Parnaíba (Codevasf); Universidade
Federal da Bahia (UFBA);
ii) Na escala regional: Secretaria de Agricultura Irrigação e Reforma Agrária da
Bahia (Seagri); Superintendência de Estudos Econômicos e Sociais da Bahia (SEI);
iii) Na escala local: Secretarias Municipais de Agricultura; cooperativas e
demais instituições representativas de agricultores familiares.
2.2.5.2. Pesquisas em campo (micro-diagnósticos)
A obtenção das informações dá-se através de entrevistas a agentes locais:
agricultores, gestores de cooperativas, gestores municipais, representantes de
instituições públicas, privadas e governo. Embora as entrevistas sejam abertas,
disponibilizando-se apenas de um roteiro geral, não se descarta a utilização de
questionários específicos e/ou outros instrumentos de pesquisa, como gravação,
mesas redondas, oficinas, etc.
2.2.5.3. Cooperativas de agricultores familiares e o agrodiesel na região
Analisam-se as (novas) relações das cooperativas de agricultores familiares
diante da alternativa do agrodiesel. Some-se às observações do processo de
inserção da agricultura familiar no mercado de agrodiesel, as repercussões sobre a
organização da produção e produtores, estratégias de logística e comercialização e,
especialmente, as relações com as empresas processadoras das matérias-primas.
Evidentemente, as ações das cooperativas em apoio aos cooperados perpassam as
63
demandas do agrodiesel. Não raro, nesse contexto, evidenciam-se as limitações,
entraves e necessidades das cooperativas em sua trajetória de incorporação de uma
atividade econômica mais exigente em termos de escala, regularidade e
especificidades mercadológicas.
i) Identificação das cooperativas de agricultores familiares atuantes
relacionadas à comercialização de mamona. Privilegiam-se aquelas relacionadas ao
agrodiesel. Entretanto, as cooperativas relacionadas à indústria ricinoquímica e/ou
híbridas com o agrodiesel também são identificadas e analisadas, como parte da
construção do mosaico de atividades econômicas regionais. Tem-se a possibilidade
de mapeamento da área de atuação das cooperativas;
ii) Identificação das forças e projetos políticos envolvidos no processo de
constituição e manutenção das cooperativas, bem como a reorientação desses
aspectos diante da alternativa do agrodiesel;
iii) Alteração do papel das cooperativas, com a mudança da abordagem da
Petrobras Biocombustíveis (PBio) que passa, em 2014, a fornecer a assistência
técnica diretamente aos agricultores, sem a intermediação das cooperativas.
2.3 CONSIDERAÇÕES PARCIAIS
No estudo da evolução dos conceitos de sistemas aplicados às atividades
agrícolas: sistemas de cultivo, système d’élevage, système agricole, de produção e
agrários, é importante observar que, em maior ou menor grau, os conceitos
apresentam o esforço na superação da análise das atividades ligadas ao campo em
apenas uma vertente, a técnico-produtiva. De fato, as abordagens envolvem as
formas de exploração da natureza, a produção primária das lavouras e criações e as
transformações dos conjuntos de técnicas e tecnológicas envolvidas ao longo do
tempo. No entanto, a organização da produção agrícola perpassa aspectos sociais,
de relações do homem com a terra, ambientais e de estratégias de sobrevivência. O
entendimento profundo das realidades dos agricultores envolve, portanto,
compreender simultaneamente múltiplas abordagens e escalas de análise,
identificando, descrevendo e analisando criticamente as diversas condicionantes,
interdependências e resultantes sobre os agentes em determinado espaço
geográfico.
64
Note-se que a descrição dos conceitos segue base de semelhante de
conhecimentos, aproximando fortemente a argumentação entre os diversos autores
citados. Evidentemente, têm-se contribuições e modernizações da utilização dos
termos, agregando as transformações históricas das atividades rurais. Reitera-se o
objetivo, pioneiramente em centros franceses de estudos rurais, em apresentar as
complementariedades entre Agronomia, Economia e Geografia, necessárias ao
entendimento da complexidade das atividades rurais. O debate entre as três áreas
do conhecimento intensifica-se nos anos 1980 ampliando as noções de sistema de
cultura, incorporando-a ao conceito de sistema agrícola até a eminência do sistema
de produção. A partir do reforço e mesmo indissociabilidade entre transformações
dos meios físicos, organização dos meios de produção e das atividades agrícolas
pelo homem, o sistema de produção enfatiza a combinação coerente no espaço e no
tempo das formas de exploração, consideram-se fundamentais as peculiaridades
técnicas, sociais e históricas como definidoras, particularmente na escala local.
Importante frisar que a natureza transdisciplinar da análise de sistemas de produção
permite, em uma primeira aproximação, identificar caminhos da evolução e mesmo
os gargalos técnicos, produtivos e econômicos limitantes, localizados, por exemplo,
na dinâmica e intensidade da utilização dos insumos (terra, capital e trabalho) nos
subsistemas de produção – cultivos, criações e transformações da produção
primária.
Na consolidação do conceito de sistemas de produção são observadas três
grandes abordagens. Na primeira abordagem, microeconômica, aspectos
agronômicos da produção agrícola (técnicas de exploração das atividades) e
econômicos (gestão da unidade produtiva) prevalecem, aproximando sistemas de
produção das noções de sistema de cultura, système d’élevage e sistema de
exploração, cujos primeiros estudos, no âmbito da Economia Rural francesa,
remontam à segunda metade do século XVIII e século XIX. Expressões como
produtivismo, meios para aumento da eficiência produtiva dos subsistemas de
produção e intensidade dos usos da terra, trabalho e capital compõem o conjunto de
preocupações imediatas. Nas esferas de análise puramente agronômicas, técnicas e
econômicas essas expressões e estudos derivados permanecem como importantes
parcelas do escopo das disciplinas. Os sistemas integrados de cultivo-pecuária
(ICLS) aproximam-se dessas versões analíticas, privilegiando aspectos agronômicos
e biológicos das lavouras e criações, objetivando aumentar os rendimentos físicos
65
agrícolas, revertendo-se em menores custos e, possivelmente, em maiores
rendimentos econômicos aos agricultores.
A segunda abordagem incorpora aos sistemas de produção aspectos sociais e
trajetórias históricas na definição das peculiaridades em cada espaço. O mecanismo
das tipologias de sistemas de produção que captem essas diversidades permite
exercícios de comparação entre variados systèmes d’agriculture. A necessidade de
diálogos mais amplos entre os conhecimentos resulta na crescente incorporação das
especificidades das relações do agricultor com a natureza – representadas pelas
técnicas e tecnologias produtivas, suas variedades e qualificações exigidas –, entre
si e em sociedade, condicionantes fundamentais à definição dos sistemas de
produção. Finalmente, a terceira abordagem agrega principalmente as formas de
distribuição, comercialização e consumo da produção agrícola, estabelecendo
análise em níveis moderadamente distinguíveis e interdependentes, atingindo-se o
que os professores Gilles Allaire e Michel Blanc definem como o sistema social de
produção. Mesmo adicionando-se o termo “social” ao sistema de produção, alçando-
o a uma instância superior da abordagem, transdisciplinar e essencial ao
entendimento das dinâmicas agrícolas, o conceito de sistema de produção afirmou-
se sinônimo de técnicas agrícolas aplicadas aos subsistemas de cultivo e criação.
Ou, como os defensores da abordagem ampliada rejeitam, uma justaposição dos
meios e técnicas de produção, pouco interagindo com os condicionantes sociais,
suas influências junto aos agricultores, famílias e atividades.
Os sistemas agrários incorporam os sistemas e, por primeira definição,
requisitam interações entre os meios físicos e as relações do homem nas diversas
escalas de análise; conciliam “aspectos espaciais e temporais” para compreender as
realidades das atividades agrícolas. São esforços necessários diante das
transformações das atividades no meio rural e dos efeitos da exploração intensa nos
moldes da Revolução Verde, especialmente após os anos 1980. Aglutinando
aproximações dos Profs. Marcel Mazoyer, Laurence Roudart e Marc Dufumier, esses
esforços se traduzem no entendimento do sistema agrário como modo de
exploração do ecossistema historicamente constituído e durável no tempo,
congregando técnicas de produção adaptadas às condições bioclimáticas do espaço
e conectadas às demandas sociais (instituições, divisão do trabalho) e relações de
troca em determinado momento.
66
A partir desse conceito, é possível aprofundar a análise, alocando os sistemas
agrários na segunda posição entre os quatro níveis propostos por Caroline Tafani,
acentuando a participação da Geografia e os estudos sobre territórios, sistemas de
representação social e sistemas de atores. Percebe-se a discussão sobre a
estabilidade do sistema agrário, destacando-se Hubert Cochet ao afirmar que o
conjunto de transformações mais recentes da agricultura afastam a noção de
estabilidade do sistema agrário. Mesmo sendo menos complexa a análise sob o viés
da estabilidade, a dinâmica das atividades rurais – notadamente a emergência e
consolidação das atividades não-agrícolas no cotidiano dos agricultores – direciona
os esforços para a identificação das situações de transição que, no limite, conduzem
a um novo sistema agrário.
A noção de sistema de atividades parece conduzir a um escopo ainda maior
aos estudos, incorporando diversas áreas do conhecimento e estabelecendo foco na
tomada de decisão do agricultor e sua família (antecedentes e consequências), no
momento de alocação das diversas atividades na jornada de trabalho. Envolve uma
série de aspectos, desde os técnicos-produtivos-econômicos, aos sociais, políticos,
culturais, ambientais, etc. Embora a abordagem do sistema de atividades seja
utilizada como inspiração, neste trabalho privilegiam-se as abordagens de sistemas
de produção e agrários, conforme apresentação dos procedimentos metodológicos e
aplicabilidade na área de estudo. Mesclando conhecimentos da Agronomia,
Economia e Geografia nas escalas local, regional, nacional e internacional, busca-se
identificar as interdependências na dinâmica do agrodiesel que repercutem
alterações nos sistemas de produção com mamona no semiárido baiano,
especificamente Morro do Chapéu.
67
3. AGROCOMBUSTÍVEIS: UMA NOVA ORDEM ENERGÉTICA?
Neste capítulo apresentam-se as principais discussões relativas aos
agrocombustíveis como alternativa energética, bem como as consequências gerais
da orientação produtiva pela agroenergia, particularmente sobre as lavouras das
matérias-primas – uma vez que se estabelece o debate entre as destinações dos
cultivos de oleaginosas: energia ou alimentos. Investigam-se os significados das
expressões geralmente atribuídas à questão, seguindo-se pela apresentação das
matérias-primas e, em especial, da lavoura e usos da mamona. Argumentos contra e
a favor dos agrocombustíveis; a relação entre estes e os preços do petróleo; e a
reorganização do capital em torno da “nova” alternativa de investimentos são
analisados como elementos à construção e/ou ao aprofundamento das agendas de
pesquisa para os diferentes agentes relacionadas ao tema.
3.1 SEMÂNTICA, PROCESSOS E MATÉRIAS-PRIMAS
3.1.1 Termos, conceitos e síntese do processo produtivo
Neste trabalho utiliza-se o prefixo grego AGRO para intensificar a ideia de que
a produção de matérias-primas destinadas a um determinado fim tem origem nas
agriculturas, pecuárias e florestas, com as implicações econômicas, geográficas,
políticas, sociais e ambientais dessa escolha. Essa observação é importante na
identificação e distinção entre bioenergias e agroenergias, como ponto de partida ao
estabelecimento do significado e uso do termo agrocombustível. Bioenergias
englobam um conjunto mais amplo de fontes energéticas renováveis, envolvendo o
aproveitamento da biomassa a partir de processos biológicos e transformações
físico-químicas pela atuação de organismos vivos (Figura 11). As agroenergias
compõem um subconjunto das bioenergias, com desdobramentos e abordagens
diversas de acordo com as fontes energéticas utilizadas. “A área da agroenergia
abrange a produção […], o processamento e a geração de energia proveniente das
operações agrícolas, pecuárias e florestais. Em outras palavras, a agroenergia
produz os agrocombustíveis originários da atividade agrícola elaborada para tal fim.
(SOUSA, 2010, p. 55).
68
Agrocombustíveis – ou biocombustíveis de primeira geração – são, portanto,
formas de agroenergia diretamente vinculados às atividades agrícolas. Fazem parte
desse conjunto o etanol de cana-de-açúcar, milho, beterraba, etc. (ou agroetanol, na
perspectiva das lavouras especialmente direcionadas à energia); biodiesel ou
agrodiesel de oleaginosas, (soja, dendê, pinhão-manso, algodão, mamona, entre
outras); biomassa e biogás (especialmente com o aproveitamento de resíduos das
atividades florestais e/ou pecuária). Note-se que, sob o viés técnico, as agroenergias
e, por conseguinte, os agrocombustíveis fazem parte de um mesmo grupo de
bioenergias. Não haveria diferença de entendimento entre os termos
biocombustíveis e agrocombustíveis, por exemplo. No entanto, extrapolando-se o
aspecto técnico e observando-se as consequências econômicas, geográficas,
sociais e ambientais da produção e utilização das matérias-primas energéticas
renováveis, surgem diferentes abordagens e debates nos diferentes meios
acadêmicos, técnicos e governos para as energias BIO e aquelas AGRO.
Na moderna atividade da agroenergia estão embutidos interessesdos mais diversos, mas nem por isso necessariamente divergentes,embora muitos o sejam. Nessa ampla mistura de interesses –compatíveis, divergentes e conflitantes –, estão aqueles relacionadosa aspectos tão distintos e eventualmente tão integrados como osenfoques produtivos, comerciais, industriais, ecológicos, técnico-científicos, políticos, sociais, além daqueles especificamenteassociados à qualidade, à competitividade e à “comoditização” [sic]dos produtos do setor.” (SOUSA, 2010, pp. 56-57).
Por ter maior amplitude, o termo bioenergia e seus derivados (biocombustíveis,
biodiesel, bioetanol, biogás e mesmo a biomassa) acabariam por ofuscar a disputa,
a reorganização e, no limite, a reestruturação dos interesses econômicos sobre um
segmento e os reais desdobramentos sobre todos os agentes das respectivas
cadeias produtivas, particularmente agricultores, sejam eles empresariais ou
familiares. Aparentemente, são igualmente postas em plano inferior discussões mais
profundas, como as consequências da utilização dessas energias em questões
como a segurança e a soberania alimentar – e a própria discussão sobre os custos
de oportunidade da produção de energia em relação à produção de alimentos; a
construção ou reorganização de forças econômicas e a dominação de grandes
capitais nacionais e internacionais; o posicionamento das sociedades capitalistas,
suas relações com o consumo de energias e o papel dos Estados diante desses
69
temas. Ou seja, o prefixo BIO sugere a compreensão e atenção aos processos
biológicos, afastando-se das abordagens socioeconômicas, geográficas, ambientais,
etc., inerentes à temática. (FOUDATION NICOLAS HULOT, 2008; REDE, 2008).
Complementando a lista de termo relacionados às energias renováveis tem-se
os chamados biocombustíveis de segunda, terceira e quarta gerações, ou
basicamente bioetanol de celulose, celulósico, lenhinocelulósico ou lignocelulósico
(Quadro 4). A classificação considera a incorporação de novos processos
tecnológicos para a produção do álcool combustível. Os biocombustíveis de
segunda geração são produzidos a partir da biomassa celulósica, com alterações
químicas, bioquímicas e termoquímicas sobre a celulose presente em madeiras e
resíduos vegetais e agroindustriais em geral; os biocombustíveis de terceira geração
envolvem alterações genéticas das plantas, técnicas fotossintéticas e, a partir da
atuação de algas e bactérias sobre as matérias-primas, potencializam a produção do
etanol; os biocombustíveis de quarta geração intensificam os processos da geração
anterior (BIODIESELBR, 2016; ASSIS, 2008; GREENE, 2004).
Embora estejam – no primeiro quartel dos anos 2000 – em estágios de
pesquisa e desenvolvimento tecnológico que não permitem a produção em escala,
as gerações (2ª, 3ª e 4ª) de biocombustíveis apresentam como aspecto positivo a
possibilidade de utilização de resíduos de outras produções agroindustriais. Esse
argumento arrefece as críticas da produção energética em detrimento da produção
alimentar e da própria destinação de áreas para agroenergéticos. Entretanto, a
possibilidade de alteração genética de vegetais para potencializar a produção é
controversa e, não raro, questionada por pesquisadores e agentes relacionados às
cadeias produtivas. Some-se à redução de matéria orgânica (resíduos
agroindustriais, por exemplo) necessária à recuperação dos solos. Questiona-se
exatamente como essa redução afeta, ainda que indiretamente, a produção de
alimentos. E, o conjunto de tecnologias necessário à conversão de biomassa em
bioetanol a partir de fontes celulósicas pode ganhar em complexidade nos próximos
anos, aprofundando assimetrias de acesso entre os países (CARAMEL, 2008; CPT,
2007).
70
Quadro 4 – Características técnico-produtivas das gerações de biocombustíveis
2ª geração
i)Usa biomassa lignocelulósica;ii)Matérias-primas: grama, árvores, resíduos agrícolas e industriais;iii) Técnicas bioquímicas e termoquímicas;iv) Produção de bioetanol celulósico;v)Transformação da biomassa em biogás e biohidrogênio.
3ª geraçãoi)Alterações na biologia das plantas (genética) para intensificar a produção econversão das plantas em energia;ii)Uso de lavouras especialmente destinadas ao fim energético.
4ª geraçãoi)Bioconversão da biomassa rica em carbono em combustível com aintensificação das técnicas da segunda e terceira gerações.
Fonte: adaptado de BIODIESELBR (2016)
Figura 11 – Subdivisões das energias renováveis
Fonte: adaptado de SOUSA (2010).
Diante das variações de interpretação, significado e das possíveis temáticas
desencadeadas, faz-se neste trabalho análises específicas ao agrocombustível do
tipo biodiesel de primeira geração, com seleção da mamona (Ricinus communis)
como matéria-prima primordial. Para enfatizar a origem agrícola – nesse caso
lavouras, diferenciado-se do biodiesel de gorduras animais, por exemplo –, além dos
EN
ER
GIA
S R
EN
OV
ÁV
EIS
HIDRÁULICA
EÓLICA
SOLAR
BIOENERGIA
BIOMASSA
BIOGÁS
RESÍDUOS AGROINDUSTRIAIS
AGROENERGIA
AGROCOMBUSTÍVEIS:Primeira geração
AgrodieselSojaAlgodãoBabaçuPinhão-mansoGirassolDendêMamonaetc.
AgroetanolCana-de-açúcarMilhoBeterrabaBatata-doceetc.
2ª, 3ª e 4ª gerações
71
desdobramentos econômicos, geográficos e outros socioambientais se utiliza o
termo agrodiesel de mamona, assim como agrodiesel de soja, agrodiesel de pinhão-
manso, agroetanol de cana-de-açúcar, etc. O termo biodiesel (agro e outros) é o
nome comercial para o éster alquílico de ácidos graxos, sua nomenclatura química
completa. O biodiesel resulta da reação entre um álcool (geralmente o metanol ou
etanol) e um óleo/gordura vegetal/animal, reação essa chamada de
transesterificação, na presença de catalisadores como o ácido clorídrico (HCl) ou
hidróxido de sódio (NaOH).
[…] a transesterificação nada mais é do que a separação da glicerinado óleo vegetal. Durante o processo, em que ocorre a transformaçãodo óleo vegetal em biodiesel, a glicerina, que compõe cerca 20% damolécula de óleo vegetal, é removida, deixando o óleo mais fino ereduzindo sua viscosidade, e substituída pelo álcool proveniente doetanol ou metanol. (MEIRELLES, 2004, p. 1).
No aspecto técnico o biodiesel apresenta como vantagem o menor risco de
explosão, pois entra em combustão em temperaturas superiores a 1.500ºC, tornado
mais seguras as operações de manipulação e transporte do produto. Existem duas
alternativas para o uso de biocombustíveis em motores de automóveis, caminhões,
etc.: i) a partir da transformação de óleos vegetais e gordura animal em biodiesel,
nesse caso sem grandes alterações do motor; ii) uso direto, envolvendo maiores
modificações técnicas para superar a questão da viscosidade, um fator limitante ao
uso do biodiesel. Aparentemente, pela maior incidência em custos, a opção
crescente vem sendo pela produção do biodiesel para o uso puro ou em misturas
com o diesel mineral (LIMA, 2004; MEIRELLES, 2004). Segundo Parente (2006) não
existem diferenças no biodiesel originário de matérias-primas diversas. Exceção feita
à viscosidade para o biodiesel de mamona:
As características físicas e químicas do biodiesel são semelhantesentre si, independentemente de sua origem, isto é, taiscaracterísticas são quase idênticas, não importando a natureza damatéria-prima e do agente de transesterificação, se etanol oumetanol. O biodiesel oriundo do óleo de mamona foge um poucodessa regra no que diz respeito à viscosidade. No entanto, as demaispropriedades são inteiramente equivalentes. Todavia, o uso dobiodiesel de mamona em misturas com o petrodiesel [sic] constituium artifício para corrigir tal distorção. Além disso, estudos mostramque a lubricidade do biodiesel de mamona é a maior, entre os
72
produzidos a partir de outras matérias-primas (PARENTE, 2006, p.94).
As principais etapas da produção do biodiesel são aqui sintetizadas: i)
preparação das matérias-primas; ii) reação de transesterificação2: reação inicial do
processo de produção do biodiesel, com a formação de esteres e glicerina; iii)
separação de fases: etapa de preparação para refino dos produtos. Na União
Europeia a pureza do biodiesel deve estar em 96,5%, quase totalmente livre de
álcool, glicerina e água3.
Na separação, o principal objetivo é remover os esteres dessamistura (esteres, glicerina, álcool e água), a baixo custo, e assegurarum produto de alta pureza [do biodiesel]. O glicerol na sua forma puraé visto como um produto secundário da reação, mas, para manter acompetitividade do custo de produção, a remoção e a revenda deglicerol é essencial. (LIMA, 2004, p. 20)
iv) recuperação e desidratação do álcool: condensação do álcool
separado na fase anterior; v) destilação da glicerina: com o objetivo de alcançar
mercados para a venda mais facilmente (uma vez que é considerada subproduto), a
glicerina deve conter o maior grau de pureza possível; vi) purificação do biodiesel:
para eliminar contaminantes (glicerina e álcool) presentes no produto.
2 “A proporção destes componentes é, aproximadamente: 87% de óleo vegetal, 12% de álcool e 1%de uma base catalisadora. Os produtos do processo são o biodiesel (86%), glicerina (9%) e umamistura de álcool (5%) reprocessável”. (WEHRMANN; VIANNA; DUARTE, 2006, p. 12).
3 Hubedine (2014) faz o detalhamento técnico dos processos produtivos de agrocombustíveis naFrança e na União Europeia. Complementa apresentando a legislação e especificações europeiastanto para o etanol (beterraba, cereais) e biodiesel de óleos vegetais.
73
Figura 12 – Esquema técnico da produção de biodiesel
Fonte: extraído de Branco, Nasato e Colpani (2007).
Um aspecto abordado por Lima (2004) diz respeito à produção de biodiesel na
União Europeia e Estados pela chamada rota metílica. Isso significa que durante o
processo de produção do biodiesel o álcool utilizado é o metanol como catalisador,
ou álcool metílico. Observe-se que a obtenção do metanol está geralmente
associada a fontes não renováveis, como subproduto do refino do petróleo e ao gás
metano. A produção brasileira também utiliza basicamente como matéria-prima o
metanol, daí a utilização da chamada rota metílica na produção de biodiesel. Apesar
de menor toxicidade que o metanol, o etanol está associado diretamente à lavoura e
processamento da cana-de-açúcar, sendo a dinâmica da produção e destinação de
parte do etanol para o biodiesel oscilando com os preços do açúcar e do etanol
como combustível direto.
Preparação da matéria-prima
Separação de fases
Desidratação do álcool
Recuperação do álcool dos ésteres
Reação de transesterificação
Recuperação do álcool da glicerina
Destilação da glicerina Purificação dos ésteres
Matéria-prima
Metanol ou etanol
Óleo ou gordura
Fase pesada Fase leve
Catalisador (NaOH ou KOH)
Álcool etílico ou metílico
Excesso de álcool recuperado
Resíduo glicérico + glicerina
Biodiesel
74
Tecnicamente, a rota metílica é mais vantajosa que a rota etílica para a
produção de biodiesel. Utilizando o metanol como agente de transesterificação, tem-
se consumo e tempo de reação menores, adicionando-se a maior facilidade no
processo de separação do óleo da glicerina, subproduto do processo (por
decantação). A fase de desidratação do álcool para reinserção no sistema é menos
complexa na presença do metanol, pois sua volatilidade é maior e não há reação
com a água, também formada durante o processo. Já o etanol reage com a água
(formando o álcool hidratado) tornando essa separação mais difícil e, por vezes,
incompleta. Entretanto, apesar dos aspectos técnicos favoráveis, a oferta de etanol é
bastante superior à oferta de metanol no Brasil, flagrantemente pelas extensas
lavouras de cana-de-açúcar e pelo parque sucroalcooleiro bastante tenrificado no
país – além, claro, de poderosos interesses de capitais nacionais e internacionais do
setor que observam com interesse os desdobramentos do biodiesel no país. Some-
se ainda à toxidade maior e manipulação mais perigosa do metanol em relação ao
álcool de cana (MONTEIRO, 2007).
A glicerina, coproduto do processo de transesterificação para o biodiesel,
apresenta diversos graus de pureza, de acordo com as tecnologias utilizadas.
Elevados graus de pureza da glicerina (menor quantidade de resíduos) implicam
melhores avaliações e comercialização. A chamada glicerina bi-destilada apresenta
significativa absorção pela indústria de cosméticos, saponáceos, fármacos, papel e
resinas. Outros usos para a glicerina incluem (bio) plásticos, lubrificantes e produtos
biodegradáveis. (CARMO, ALBERTINI, 2008; MONTEIRO, 2007).
75
3.1.2. Principais matérias-primas e alternativas
3.1.2.1. Avanços da soja e do etanol de cana-de-açúcar no Brasil
Barbosa (2014) argumenta sobre a predominância da soja (Glycine max) na
produção de biodiesel no Brasil (Gráfico 1) e suas consequências4. Em sua
abordagem, o autor se utiliza do conceito de dependência da trajetória ou path
dependence. Sinteticamente, tem-se a preferência dos agentes – a partir de um
conjunto de políticas públicas anteriores – em não conduzir grandes reformas em
instituições e comportamentos preexistentes estabelecidos e consolidados.
Permitem-se apenas pequenos ajustes adaptativos, em virtude dos ganhos
econômicos em relação aos custos de alterar a trajetória conhecida.
[…] A presença da soja e de todo seu aparato agroindustrial no novomercado do biodiesel brasileiro pode ser explicada por políticasanteriores e seus legados institucionais que interferem napossibilidade de mudanças. Isso porque outras oleaginosas nãoapresentam o mesmo aperfeiçoamento técnico nem escalanecessários ao cumprimento da meta produtiva. (BARBOSA, 2014,p. 11).
Prossegue Barbosa (2014) afirmando que, mesmo com a intencionalidade a
favor de outras matérias-primas para agrocombustíveis no Brasil, a dependência da
soja e suas estruturas estabelecidas em décadas de políticas públicas e programas
de ações institucionais, limitam a maior participação de agricultora familiar. Exceto
aquela produtora de soja do Centro-sul do país, responsável, segundo o Instituto
Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE, 2016) por aproximadamente 15% da
produção total de soja do país, mas por 85% da produção na Região Sul. Aqui,
Barbosa (2014, pp. 10-11) afirma que: “No Brasil, especificamente, é reforçada a
argumentação que a agricultura familiar que passa a ter ainda mais oportunidades
[com os agrocombustíveis] é aquela que produz soja, posto que sempre esteve
vinculada aos sistemas agroindustriais”.
4 Segundo a Agência Nacional de Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis (ANP, 2016), em junhode 2016, o óleo de soja alcança aproximadamente 80% do total utilizado como matéria-prima parabiodiesel no Brasil. Compõem a lista a gordura bovina (16%) e outros materiais (óleo de algodão,de frituras, gordura de frango, de porcos e óleo de dendê), com menos de 5%.
76
A demanda por soja – incentivando os agricultores a ampliarem as lavouras –
permaneceu elevada até a intensificação da crise econômica de 2008 devido
essencialmente a três fatores: a) demanda crescente do mercado chinês, onde o
grão é destinado para a fabricação de rações animais (produção de carnes); b)
aumento da demanda mundial por carnes, elevando a necessidade de rações; e c)
elevação da demanda de agrocombustíveis, pressionando os preços do grão. A
demanda de etanol de milho nos EUA também contribuiu ao incremento das
lavouras de soja no Brasil, na tentativa de ocupar lacunas de mercado “deixadas”
pelos agricultores americanos. Esses fatores reforçam manutenção do complexo
soja (grão, farelo, óleo, esmagadoras, indústrias, agroquímicos, pesquisa e
desenvolvimento, etc.) como predominante no agronegócio brasileiro (REPÓRTER,
2008a).
Wehrmann, Vianna e Duarte (2006) afirmam ainda que as lavouras de soja
integradas a grandes capitais nacionais e internacionais, instituições financeiras,
bolsas de valores, empresas e indústrias de máquinas, equipamentos, insumos
agrícolas, etc., em quase nenhum aspecto se aproxima da dinâmica da pequena
agricultura de oleaginosas, como a mamona no semiárido nordestino. O aumento da
utilização da soja como matéria-prima para biodiesel5 produz impactos econômicos
(em relação às exportações de óleo e outros subprodutos da soja) e sociais (pela
questão do volume de ocupações geradas em toda cadeia, especialmente na
produção primária). É de amplo conhecimento a alta tecnologia empregada em
parcelas significativas das lavouras empresariais de soja no país. Esse quadro
aparentemente pouco se altera com o biodiesel. As demandas dos mercados e a
dinâmica dos preços do complexo podem agudizar o uso de pacotes tecnológicos
cada vez menos empregadores.
Preocupações com o avanço da soja relacionam-se aos impactos em áreas do
Cerrado e Amazônia a partir do ciclo desmatamento, eliminação da biodiversidade
animal e vegetal; intensificação das pastagens e da atividade pecuária; frequência
5 Mourad (2008) detalha a viabilidade técnica e econômica da produção do biodiesel de soja.Utilizando como metodologia a abordagem do ciclo de vida (ACV), o autor analisa o balançoenergético (input/output) em todas as etapas produtivas do biodiesel de soja em fazendas dointerior do estado de São Paulo – lavouras, extração, transformação. Os resultados encontradospela autora apontam para um balanço positivo do biodiesel de soja. Ou seja, produz-se maisenergia renovável do que a quantidade utilizada em sua produção. Entretanto, tal resultado épossível apenas quando se considera a energia contida nos diversos coprodutos da soja: farelo,cascas e glicerina. Quando se considera apenas a energia do biodiesel, esse balanço édesfavorável. Essas conclusões certamente alimentam os argumentos críticos contra o biodieseldo grão.
77
de relatos de contaminação de outras lavouras por transgênicos (de soja);
contaminação dos solos e recursos hídricos por agroquímicos. Somem-se à
concentração fundiária e de rendas em grandes propriedades e lavouras;
desemprego e degradação das condições de trabalho rural; exclusão de pequenos
agricultores, indígenas e povos tradicionais, agravamento da pobreza no campo
(REPÓRTER, 2008a).
Gráfico 1 – Principais matérias-primas para o biodiesel no Brasil, junho 2016
Fonte: ANP (2016)
A posição da soja como principal matéria-prima para agrocombustíveis não
deve ser alterada, ao menos até o final da segunda década dos anos 2000. Em
março de 2016 foi sancionada pela Presidência da República ao projeto de lei que
regulamenta novos parâmetros da mistura de biodiesel ao diesel fóssil. Pelo
dispositivo legal, tem-se a adição de 8% até 10% de biodiesel entre março de 2017 e
março de 2019. Os agentes relacionados ao complexo soja estimam aumento da
demanda da ordem de 2,5 milhões de toneladas de soja no período com a nova
medida, além de potencializar a redução da capacidade ociosa da indústria
processadora, que segundo a Associação Brasileira da Indústria de Óleo Vegetais
(Abiove), alcança 45%. O comportamento dos preços dos principais produtos do
complexo (grão, óleo e farelo) aparentemente também não afetam esse quadro.
Considerado um subproduto do complexo, o agrocombustível de soja tem sua oferta
influenciada fortemente pela oscilação dos preços dos demais produtos,
particularmente do farelo e óleo. Aumentos de preço do farelo, observados em 2016,
79,64%
15,88%2,01%2,47%
Óleo de sojaGordura bovinaOutros materiais graxosOutras
78
após oscilações para baixo no período 2012-2015 (Gráfico 2) também não devem
alterar o quadro, devido à produção do grão em elevação.
[…] Apesar da alta dos preços da soja no mercado interno brasileiro,a mistura de óleo de soja na produção de biodiesel não foi alterada.[…] o complexo soja não precisa necessariamente ser afetado peloaumento dos preços do grão e foi isso que aconteceu no caso doóleo. […] A matéria-prima tem boa disponibilidade, ao contrário dofarelo de soja, que tem impacto direto da oferta do grão.” (CANALRURAL, 2016a, 2016b)
Gráfico 2 – Oscilação de preços no complexo soja, 2006-2016
Fonte: adaptado de Worldbank (2016)
Para o agroetanol de cana-de-açúcar (Saccharum officinarum) as análises dos
impactos são semelhantes às do complexo soja. Estudos realizados por diversas
instituições de pesquisa, acadêmicas, governamentais, não governamentais,
79
privadas, etc., no Brasil e no mundo invariavelmente apontam as seguintes questões
para o etanol e as transformações a partir da destinação como agrocombustível6:
i) Expansão da produção e mecanização das lavouras pode levar a maior
degradação das condições de trabalho, além da expulsão de pequenos e médios
proprietários rural e/ou populações fragilizadas;
ii) Fiscalização dos órgãos de controle das condições de trabalho na tentativa
de reduzir ocorrências, assim como a atualização das normas caracterizadoras da
exploração; das sanções aos exploradores; e de resgate dos explorados;
iii) Crescente pressão sobre recursos hídricos com o incremento da produção.
Na Bahia em particular isso significa, por exemplo, intensa utilização da Bacia do
São Francisco, somando-se aos usos pelas lavouras de grãos e pecuária;
Na dinâmica produtiva da cana-de-açúcar, apesar da queda observada no
triênio 2010-2012, devido a fortes estiagens que impactaram as lavouras, o cenário
é de elevação da produção, significando a manutenção das oscilações de preços
dos álcoois combustíveis (anidro/hídrico) (Gráficos 3 e 4). A tendência de elevação
dos preços do açúcar, a partir de 2015 e a legislação de mistura de etanol a
gasolina, são os principais elementos a serem considerados na análise da expansão
das lavouras de cana-de-açúcar (CEPEA, 2016).
Observações favoráveis ao agroetanol dizem respeito à competitividade da
lavoura e soluções para incrementar a cadeia produtiva. Plá (2009), por exemplo,
cita o aproveitamento do bagaço da cana-de-açúcar e das folhas da gramínea. O
bagaço é reconhecido comburente utilizado na produção do próprio etanol,
garantindo a quase autossuficiência energética no processamento da cana. As
folhas da cana-de-açúcar – poupadas das queimadas nas unidades onde a colheita
é mecanizada – são aproveitadas duplamente: como cobertura do solo, mantendo
material orgânico, essencial aos próximos cultivos; e como parte do processo de
produção do álcool, a partir da fermentação.
Para a lavoura de cana-de-açúcar, propõe-se ainda o modelo de integração
entre lavoura e pecuária bovina (a exemplo do ICLS), com o fornecimento de rações
6 Destaquem-se os documentos Agrocombustíveis no Brasil, publicado pela Foodfirst Informationand Action Network International (FIAN), em 2008 (FIAN, 2008); Empresas Transnacionais eProdução de Agrocombustíveis no Brasil, da Rede Social de Justiça e Direitos Humanos (RSJDH,2014); Biocombustíveis: energia não mata a fome, publicado pela ACTIONAID (2014). Os citadosdocumentos identificam os impactos das monoculturas energéticas sobre as populações rurais,tradicionais e quilombolas, exemplificando com estudos de casos nas principais áreas produtorasde cana/etanol e soja do Brasil.
80
aos animais a partir do bagaço de cana. Objetiva-se reduzir áreas de pastagens
incrementando outras culturas. A produção de biodiesel, adjacente às etapas
produtivas da gramínea, alcançaria matérias-primas da agricultura familiar e de
produtores de grãos do entorno canavieiro. Segundo o Núcleo de Estudos Agrários e
Desenvolvimento Rural (Nead) e a Escola Superior de Agricultura Luiz de Queiroz
(Esalq/USP) o objetivo final é a formação de Polos de Produção de Energia &
Alimentos & Cidadania (IICA, 2009c).
Gráfico 3 – Produção (cana-de-açúcar), Brasil 2006-2016
Fonte: Cepea (2016); Unica (2016)
2006
/200
7
2007
/200
8
2008
/200
9
2009
/201
0
2010
/201
1
2011
/201
2
2012
/201
3
2013
/201
4
2014
/201
5
2015
/201
6
400.000
450.000
500.000
550.000
600.000
650.000
700.000
Mil
ton
.
81
Gráfico 4 – Preços do álcool anidro/hídrico, Brasil 2006-2016
Fonte: Cepea (2016); Unica (2016)
3.1.2.2. Potenciais matérias-primas alternativas para agrocombustíveis
São inúmeras as alternativas para a produção de agrocombustíveis a partir de
oleaginosas. A destinação da produção primária à cadeia produtiva energética está
atrelada à concorrência exercida por outros mercados (alimentício humano, rações
animais, cosméticos, saponáceos, lubrificantes, etc.), a existência de uma cadeia
produtiva organizada e logisticamente estruturada, e o comportamento dos preços
praticados nos distintos mercados7. Caso flagrante do algodão (Gossypium
hirsutum), de onde se extrai óleo energético do caroço. Entretanto, sua utilização na
indústria de rações animais (além do baixo teor de óleo contido) limita fortemente o
uso como matéria-prima agroenergética. O babaçu (Attalea speciosa), apesar de
7 Krestschmer, Bower e Buckwell (2012) estimam que em 2020 a utilização de matérias-primas paraagrocombustíveis terá a seguinte distribuição na União Europeia: para o biodiesel tem-se colza(rapessed), 57%; dendê (palm oil), 24%; soja (soy), 15%; e girassol (sunflower), 6%. Para o etanol:cana-de-açúcar (sugar-cane), 46%; trigo (wheat), 21%; batata-doce (sugar beet), 18%; e milho(maize), 14%.
2006
2006
2006
2007
2007
2008
2008
2008
2009
2009
2010
2010
2011
2011
2011
2012
2012
2013
2013
2013
2014
2014
2015
2015
2016
2016
0,0000
0,2000
0,4000
0,6000
0,8000
1,0000
1,2000
1,4000
1,6000
Anidro
Hídrico
US
$/li
tro
82
estar vinculado a sistemas de produção extrativistas e familiares, particularmente
nos estados do Pará, Maranhão, Piauí e Tocantins, enfrenta a concorrência das
indústrias alimentícia e cosmética, além da interferência indireta da indústria
siderúrgica, devido à valorização do chamado “carvão de babaçu” usado nos fornos.
Simultaneamente observa-se a valorização das áreas de babaçu e a consequente
exclusão do extrativismo das famílias (quebradeiras de babaçu) deslocadas pela
compra das áreas por empresas privadas. O babaçu como agrocombustível pode
sofrer oscilações de preços ainda maiores para cima, agravando as consequências
descritas (REPÓRTER, 2008b).
Para o dendê (Elaeis guineensis), observa-se no Brasil a convivência de dois
modelos opostos considerando-se a dinâmica dos sistemas de produção. Na região
amazônica despontam projetos capitaneados por grupos nacionais e estrangeiros de
produção da palmácea, em extensas áreas de monocultura, voltados ao biodiesel.
Na região sul da Bahia predominam sistemas de produção familiares, em moldes
extrativistas com dendezeiros nativos e técnicas frequentemente rudimentares.
Esses sistemas são voltados à indústria alimentícia. O palm oil, como o óleo de
dendê é conhecido internacionalmente, também é voltado para a indústria cosmética
(óleo da polpa ou mesocarpo da palmácea); farmacêutica (óleo de palmiste, extraído
da amêndoa). Malásia e Indonésia, principais produtores mundiais e de condições
edafoclimáticas semelhantes à Amazônia brasileira, a expansão das lavouras da
palmácea foi responsável por impactos socioeconômicos e ambientais negativos
nessas regiões, resultantes da valorização do preço óleo, na perspectiva dos
agrocombustíveis8:
A valorização ascendente do óleo de dendê no mercado mundialdesde a década de 1990, no entanto, acabou causando umacatástrofe ambiental e social na Indonésia, na Malásia e em outrospaíses asiáticos, onde extensas áreas de floresta foram substituídaspela palma e milhares de pequenos agricultores, expulsos de suasterras. […] o dendê tem a maior produtividade de óleo por hectaredentre todas as oleaginosas comerciais –, é visto por ambientalistase defensores dos direitos humanos como um dos grandes vilõessocioambientais do mundo (REPÓRTER, 2008b, p. 7).
8 Em fevereiro de 2011, os preços por tonelada métrica do óleo de dendê alcançam o pico depreços em um quarto de século, aproximadamente US$ 1.250,00. Em seguida observam-seoscilações para baixo dos preços, que alcançam cerca de US$ 585,00/ton. métrica, em agosto de2016 (WORLDBANK, 2016).
83
A alternativa energética pode impulsionar a lavoura de dendê no Brasil, mas
com resultados ambíguos apontados por pesquisadores especialistas na área: a)
não há consenso sobre a inclusão positiva da agricultura familiar, pela baixa
produtividade e técnicas rudimentares utilizadas, particularmente na Bahia; b) tem-
se o cenário onde expande-se a lavoura de dendê em sistemas de produção
agroflorestais, mais inclusivos com relação à agricultura familiar; c) na Amazônia,
teme-se pelo incentivo a monocultura, com impactos ambientais e sociais na região
(desmatamento, expulsão de pequenos agricultores e pressão sobre comunidades
indígenas, quilombolas e tradicionais9); d) os elevados custos de implantação e
manutenção de extensas lavouras de dendê podem torná-lo um “novo” produto do
grande agronegócio nacional, dificultando a integração com a agricultura familiar
(REPÓRTER BRASIL 2008b).
O pinhão manso (Jatropha Curcas) como matéria-prima energética apresenta
alguns entraves devido ao caráter relativamente recente da lavoura no Brasil e em
particular na Bahia. Carvalho e colaboradores (2009, p. 12) aponta, entre outros, os
seguintes:
i) Baixo volume de informações sobre produção e produtividade da lavoura,
dificultando a mensuração dos custos de produção;
ii) Tratos culturais e manejo ainda em fases preliminares. Observação de
doenças (oídio nas folhas, caules e flores; fusariose; podridão das raízes) e pragas
(cigarrinha; ácaro branco; broca do tronco; percevejo; cupim);
iii) Variância de etapas da lavoura pelo país (plantio, colheita, transformação)
além de ainda não existir mercado estabelecido para a oleaginosa. Essas oscilações
impactam inclusive o estabelecimento de linhas de crédito bancário para a lavoura.
Em 2014, a Embrapa Agroenergia concluiu o projeto: Pesquisa,
Desenvolvimento e Inovação (PD&I) para o pinhão-manso para a produção de
biodiesel. As linhas mais gerais do projeto incluem a identificação de cultivares
melhores adaptadas às condições edafoclimáticas do país; estudo das principais
patologias que acometem as lavouras, tratamentos e produtos fitossanitários;
redução dos custos de produção, com os estudos de viabilidade para a mecanização
9 No Pará são relatados casos de pressão de empresas privadas produtores de óleo de dendêsobre terras originalmente de quilombolas e/ou indígenas. O assédio se dá diretamente ou porintermediários particularmente sobre terras não regulamentadas. A questão envolve osmovimentos sociais representativos dessas comunidades, Incra, FUNAI, outras instituiçõespúblicas e empresários da região.” (REPÓRTER, 2008b).
84
do plantio e colheita, manuais no período da pesquisa; viabilização da torta
destoxificada como complemento alimentar para bovinos, caprinos, ovinos e peixes.
“Os processos desenvolvidos pela Embrapa Agroenergia e parceiros já conseguiram
eliminar até 90% da toxidez [da torta de pinhão-manso], mas isso não foi suficiente
para permitir o uso do material como ração para animais (...)”. Variedades atóxicas
da planta, porém menos produtivas e mais susceptíveis a patologias continuam
sendo pesquisadas com esse objetivo (EMBRAPA, 2016).
Alternativa pouco conhecida de produção de biocombustível para mercados
regionais, nesse caso agroetanol, tem-se a partir da utilização da mandioca
açucarada, chamada mandiocaba (Manihot Esculenta Crantz) na Região Norte.
Desenvolvida pela Embrapa Biotecnologia, como ensaios técnicos no âmbito da
Embrapa Amazônia Oriental (AGUIAR et al. 2014), a principal vantagem em relação
ao agroetanol de cana-de-açúcar – além da não necessidade de queima na época
de colheita e da baixa utilização de agroquímicos na lavoura – está na eliminação da
transformação da sacarose em glicose, essencial à produção de álcool a partir da
gramínea:
A mandioca açucarada é uma boa matéria-prima para o combustívelporque elimina algumas etapas na produção, simplificando oprocesso, utilizando menos energia e, consequentemente, menosrecursos financeiros. O diferencial está na forma como o açúcar éencontrado na mandioca. Para produzir o etanol, a açúcar tem queestar na forma de glicose. Na cana-de-açúcar, por exemplo, ele seencontra em forma de sacarose, e é preciso transformá-lo em glicosepra depois produzir o álcool. Na mandioca açucarada, o açúcar já éencontrado como glicose (IICA, 2009a, p. 7).
Também potencial matéria-prima para o agrodiesel, a semente de crambe
(Crambe abyssinica Hochst, vegetal da mesma família da canola e da colza)
apresenta como vantagens o rápido ciclo produtivo, calculado em 90 dias. Incluem-
se baixos investimentos, possibilidade de produção uniforme em larga escala e a
boa adaptação a climas secos. As desvantagens estão na sensibilidade da lavoura a
solos ácidos e úmidos e a elevada concentração de ácido erúcico (utilizado na
fabricação de lubrificantes, materiais isolantes e plásticos) na planta, tornando-a
tóxica a homens e animais. De origem mediterrânea e encontrada na África, Oriente
Médio, Europa e Estados Unidos, o cambre no Brasil concentra-se na região Centro-
85
Oeste, particularmente o estado do Mato Grasso do Sul. A semente apresenta
aproximadamente 38% de óleo (BIODISELBR, 2016; FUNDAÇÃOMS, 2016).
Segundo o Professor José Vitor Bomtempo (BOMTEMPO, 2010), membro do
Grupo de Economia da Energia do Instituto de Economia da Universidade Federal
do Rio de Janeiro (GEE-IE-UFRJ), a indústria dos biocombustíveis se pautará cada
vez mais no desenvolvimento de novas tecnologias de conversão de matérias-
primas em energia, particularmente nos biocombustíveis de segunda, terceira e
quarta gerações. Segundo o autor, as limitações técnicas da primeira geração
incentivam os agentes da indústria à busca por inovações, especialmente em
direção ao aproveitamento da biomassa.
[…] a indústria de biocombustíveis do futuro será muito diferente daatual porque existe um processo de inovação em curso ainda commuitas variáveis em aberto. Esse movimento costuma ser designadocomo voltado para o desenvolvimento dos chamadosbiocombustíveis de segunda geração ou biocombustíveisavançados. Dada a diversidade de alternativas tecnológicas econcepções que têm sido propostas, a denominação “segundageração” está se tornando inadequada por destacar essencialmentealgumas opções iniciais, como etanol de materiais celulósicos, emdetrimento de um espectro muito mais rico e complexo que estásendo desenvolvido na direção do aproveitamento integral dabiomassa (biocombustíveis, produtos químicos e bioeletricidade).(BOMTEMPO, 2010).
Quadro 5 – Principais matérias-primas para agrocombustíveis no Brasil
(continua)
Áreas produtoras Indústrias Modelo de produção Dinâmica preços Principais questões
Pará, Maranhão, Tocantins; Piauí;
Lavoura (produtos)
Soja (grão; farelo; óleo)
Mato Grosso; Goiás; Oeste da Bahia; Piauí; Maranhão; Sudoeste
baiano
Alimentícia; rações
animais;
i) Empresarial; monocultura; produção em escala intensa tecnologias e agroquímicos;
mercados externos; ii) degradação dos solos e hídrica; alteração da paisagem nos
Cerrados; comprometimento da biodiversidade; iii) concentração fundiária;
i) dinâmica dos preços do farelo determina a oferta para demais (sub) produtos: óleo e
biodiesel;
Avanço das lavouras sobre a produção de alimentos; concentração fundiária e
intensificação do capital nas lavouras; exclusão gradual da pequena e média
produção familiar do grão; concentração de rendas nas grandes produções.
Algodão (pluma; caroço)
Mato Grosso; Mato Grosso do Sul; Tocantins; Oeste da Bahia; Piauí;
Maranhão; Sudoeste baiano
Alimentícia (óleo vegetal,
por vezes integrada às
usinas de biodiesel) e de ração animal
i) Empresarial; monocultura; produção em escala intensa tecnologias e agroquímicos;
mercados externos; ii) degradação dos solos e hídrica; alteração da paisagem nos
Cerrados; comprometimento da biodiversidade; iii) concentração fundiária; iv) no Sudoeste baiano produção associada à
agricultura familiar;
i) Demanda por biodiesel pressiona preços do caroço. A contribuição para os lucros do agricultor é reduzida, mas pode significar algum estímulo a mais para a lavoura; ii) dinâmica da indústria têxtil determina os
preços da pluma;
i) Caroço fortemente utilizado para rações animais e óleo vegetal com pouca destinação
para biodiesel; ii) pouco óleo no caroço diminui procura para biodiesel (cultivares com maior teor de óleo ainda não produzidos em
larga escala);
Babaçu (amêndoas; coco; óleo artesanal;
folhas)
Alimentícia; cosmética;
i) familiar de exploração extrativista, com a coleta do coco na floresta;
i) valorização do coco pela indústria carvoeira e siderúrgica afeta especialmente
o acesso dos extrativistas às áreas de coleta, diminuindo as rendas das famílias; ii) a dinâmica do babaçu envolve fortemente
aspectos sociais, como o papel das quebradeiras e o futuro do extrativismo local; iii) biodiesel pode impulsionar ainda mais a
valorização do coco, agravando esses problemas;
i) demanda pelo “carvão de babaçu” por siderúrgicas e carvoarias pressiona a compra
das áreas de babaçu, impedindo a ação extrativista das quebradeiras ou babaçueiros;
ii) expansão da pecuária reduz áreas dos babaçuais;
Quadro 5 – Principais matérias-primas para agrocombustíveis no Brasil (continuação)
Fonte: extraído de Repórter (2008a)
Lavoura Áreas produtoras Indústrias Modelo de produção Dinâmica preços Principais questões
Dendê (óleo)
Milho (grão)
Malásia; Indonésia; Pará e Baixo sul da Bahia;
Alimentícia; cosmética
(polpa); farmacêutica
(palmiste);
i) modelos intensivos associados a grandes extensões e monoculturas nos países do Sudoeste asiático; ii) sistemas familiares
extensivos com técnicas rudimentares como na Bahia; resíduos da despolpa manual e no rodão são utilizados no cozimento, reduzindo
a pressão local por lenha;
i) valorização do óleo pode estimular a lavoura, com impactos socioeconômicos e
ambientais negativos;
i) dúvidas quanto inclusão da agricultura familiar, ii) expansão da lavoura em
sistemas de produção agroflorestais; iii) incentivo a monocultura, com impactos
ambientais e sociais; iv) lavoura pode se tornar um novo agronegócio, dificultando a
integração com a agricultura familiar;
Mato Groso, Mato Grosso do Sul; Goiás; Oeste da Bahia; pequenas
lavouras e de subsistência em praticamente todo o país
Alimentícia; etanol (EUA);
rações animais;
i) Empresarial; grandes extensões; monoculturas mecanizadas e intensivas em
agroquímicos; ii) modelos familiares integrados a outras lavouras e/ou criações;
i) aumento da demanda americana por etanol pressiona os preços do grão; ii)
impulso às lavouras brasileiras, especialmente com a crescente importação
da China;
i) com baixíssimo teor de óleo (5%) é inviável economicamente a produção de biodiesel,
sendo mais apropriada a produção de etanol; ii) discussões sobre a destinação do grão
para a agroenergia em detrimento da função alimentar, retomando o debate
agrocombustíveis X segurança alimentar; iii) avanço dos transgênicos e luta pela
preservação de sementes tradicionais (crioulas);
Cana de açúcar
(açúcar; etanol;
eletricidade)
São Paulo; Goiás; Minas Gerais; Mato Grosso; Alagoas;
Pernambuco; Bahia: Extremo Sul, Salitre (Juazeiro), Baixio de Irecê
(Xique-xique e Itaguaçu da Bahia), Médio São Francisco (Barra),
Corrente (Bom Jesus da Lapa),Cerrados do Oeste
(Barreiras), Sudoeste (Itapetinga e Barra do Choça), Canal do Sertão
(Casa Nova);
Alimentar (açúcar) e
energia (etanol e bagaço);
i) Empresarial; grandes extensões; monoculturas em grande parte intensivas em
trabalho; colheita mecanizada em áreas planas e sob exigências legais; ii) impactos
ambientais significativos, com desmatamentos, queimadas, perda da
biodiversidade e pressão sobre recursos hídricos; iii) concentração fundiária e conflitos
agrários com o avanço da monocultura; expulsão de indígenas, quilombolas e povos tradicionais na linha do avanço da lavoura;
I) aumento da oferta reduz preços do álcool; exportação emerge como alternativa; ii) crise
internacional de 2008 e redução do crescimento interno a partir de 2011
comprometem situação financeira das usinas; iii) base de carros flex-fuel e mistura
álcool-gasolina contribuem à manutenção da demanda e preços do álcool combustível;
i) expansão da produção e mecanização das lavouras pode levar a maior degradação das
condições de trabalho; ii) fiscalização dos órgãos de controle das condições de trabalho
na tentativa de reduzir ocorrências; iii) na Bahia, maior pressão sobre recursos hídricos
ao longo da Bacia do São Francisco, já intensamente explorada pelas lavouras de
grãos e pecuária;
88
Destaque-se a presença de grupos e capitais nacionais e internacionais
originários da indústria de petróleo e gás, química e agrobiológica, como grandes
agentes da inovação no segmento: “Os projetos incluem a produção de novas
matérias-primas (algas), inovações de processo […] e inovações de produtos
(biogasolina)”. Britsh Petroleum, Shell, Du Pont, Novozymes, Mosanto, Basf, Amyris,
Butamax, Iogen, Total, Cozan e mesmo a Petrobras – no momento anterior à crise
deflagrada com as investigações no âmbito da operação Lava Jato – entre outras,
são citadas como importantes condutores do processo de inovações em técnicas,
tecnologias e, com menor intensidade, de produtos no segmento de
agrocombustíveis (BOMTEMPO, 2010).
O posicionamento do Brasil nessa indústria, segundo Bomtempo (2010) oscila
entre a competitividade na produção de etanol de cana-de-açúcar e domínio da soja
nos biocombustíveis de primeira geração. O autor apresenta as principais
características do ambiente competitivo dos agrocombustíveis, que poder ser
visualizadas no Quadro 6:
Quadro 6 – Aspectos dos agrocombustíveis e posição brasileira
Fonte: extraída e adaptada de Bomtempo (2010).
Bomtempo (2010) aponta uma série de desafios à utilização generalizada da
biomassa e dos agrocombustíveis. São desafios que envolvem desde questões de
produção (escala e escopo, rentabilidade e custos), até de logística e de capacidade
de organização dos agentes envolvidos. Some-se à competição com os alimentos e
as incertezas criadas para a indústria de processamento, devido à sazonalidade e
impactos das condições edafoclimáticas nas produções primárias. Complemente-se
com: a) balanço energético positivo e de carbono neutro ou positivo; b)
disponibilidade e capacidade de estocagem das matérias-primas e dos produtos; e
Segmento Etanol Novos biocombustíveis Biomassa
Indústria Conhecida; em evolução; A ser formada (escala, escopo)
Mercado Commoditie Em aberto, a ser explorado
Maduro, mas em evolução Laboratório/piloto/demonstração Laboratório
Posição brasileira Muito forte Potencialmente forte Fraca
Sem padronização; aberta a inovações
Diversificado, commodities e especialidades
Estágio tecnológico
89
c) sistemas de produção consolidados (envolvendo lavouras, criações e
transformações de matérias-primas). Essas preocupações perpassam o leque de
matérias-primas para os agrocombustíveis, sendo apresentadas nas seções
seguintes.
3.1.3. A lavoura e os usos do óleo de mamona
Apontada como alternativa primeira à produção de biodiesel no Nordeste, a
lavoura de mamona (Ricinus communis) apresenta como aspectos positivos, além
da conhecida resistência à seca, a ligação com o semiárido e agricultura familiar. A
lavoura – geralmente ocupando os meses de outubro a abril – está sujeita a grandes
oscilações produtivas, em virtude das constantes estiagens, por vezes prolongadas.
O impacto sobre ao oferta, conjuntamente à menor flexibilidade de preços do
produto, aumenta o risco das perdas provocadas pelas intempéries, levando o
agricultor a optar por estratégias menos arriscadas na condução da produção.
Significa, por exemplo, destinar mamona à indústria ricinoquímica – ou a qualquer
destino, não raro, ignorado pelos produtores, que aparentemente se preocupam
mais incisivamente com a concretização das vendas. Trata-se de comportamento
ancorado na produtividade da lavoura, preços oferecidos e custo de oportunidade
para o agricultor. As figuras e gráficos a seguir mostram o quadro geral da produção
e destinação do óleo de mamona (castor oil) no Brasil e mundo.
90
Gráficos 5, 6 e Tabela 1 – Produção de mamona no mundo, 2000 e 2014
Fonte: FAOSTAT (2016)
Gráficos 7 e 8 – Exportadores e importadores de óleo de mamona, 2015
Maiores exportadores Maiores importadores
Fonte: adaptado de Dewan (2015).
32,21%
13,41%11,33%
10,32%
4,26%3,82%
24,65%
CHINA
FRANÇA
EUA
ALEMANHA
HOLANDA
TAILÂNDIA
OUTROS
PRODUÇÃO (toneladas) 2014 2000ÍNDIA 1.733.000 882.800CHINA 40.000 300.000MOÇAMBIQUE 61.790 26.000BRASIL 37.582 100.732OUTROS 75.698 66.198MUNDO 1.948.070 1.375.730
64%
22%
2%7%
5%
89%
2%3%2%4%
83,66%
4,19%3,96%
8,19%
ÍNDIAHOLANDAFRANÇAOUTROS
2014
2000
91
Gráfico 9 – Produção de mamona, Brasil 2000-2014
Fonte: IBGE (2016)
Gráfico 10 – Participação da Bahia na produção de mamona brasileira, 2014
Fonte: IBGE (2016)
0
20.000
40.000
60.000
80.000
100.000
120.000
140.000
160.000
180.000
BRASILCearáBahiaMinas GeraisOUTROS
3,98%
89,25%
2,97%3,80%
CearáBahiaMinas GeraisOUTROS
92
Gráfico 11 – Mamona: preços médios mensais (saca 60kg), Bahia 2015
Fonte: Conab, 2016.
A rentabilidade dos agricultores com a mamona está vinculada à combinação
da produção10 e, obviamente, aos preços praticados no ato da comercialização. Sob
o aspecto técnico, a mamona se desenvolve em solos pouco argilosos, que não
apresentem grandes riscos de inundação – pouco provável em regiões semiáridas.
Tem-se a necessidade de períodos úmidos nos primeiros estágios de
desenvolvimento da planta e períodos mais secos durante as fases de
amadurecimento e colheita.
[...], a cultura exige pelo menos 500 milímetros de chuva nas fasesde crescimento e floração para que atinja produtividade satisfatória,porém, mesmo com grande limitação hídrica em anos de seca, foipossível conseguir pequenas produções com chuvas em torno de270 milímetros ao ano quando nas mesmas condições hídricas, umacultura como o milho não conseguiria produção alguma. Por essemotivo a mamona se coloca como alternativa econômica as regiõesáridas e semiáridas do nordeste brasileiro, ao lado do feijão,mandioca, palma e sisal (SILVA; LINO, 2007, p.12).
10 Diversos trabalhos aprofundam os aspectos técnicos da lavoura de mamona. Especialmente noâmbito da Embrapa Algodão têm-se: “Informações sobre os Sistemas de Produção Utilizados naRicinocultura na Região Nordeste (BELTRÃO; CARDOSO, 2004)”; “Zoneamento de riscosclimáticos da cultura da mamona no estado da Bahia” (AMARAL; SILVA, 2006); “Cultura damamona: diagnóstico sobre a tecnologia de cultivo da mamona na Região de Irecê (BA)(ALBUQUERQUE; FREITAS, 2007). Em julho de 2015, o Ministério da Agricultura, Pecuária eAbastecimento publica portaria onde estabelece o zoneamento agrícola de riscos climáticos paraa lavoura no período 2015/2016 com as condições gerais de plantio, balanço hídrico, indicaçõesde tratos culturais e cultivares melhores adaptadas às diversas regiões do estado (BRASIL,2015b).
jan fev mar abr mai jun jul ago set out nov dez55,00
60,00
65,00
70,00
75,00
80,00
85,00
90,00
95,00
100,00
R$
/sa
ca
60
kg
93
Silva e Lino (2007) discorrem sobre os usos do óleo de mamona. Note-se que
o agrodiesel de mamona é apenas uma alternativa produtiva. Essa característica é
importante para a análise da relação entre agricultores e a destinação das bagas
(Figura 13).
Os usos do óleo da mamona são bastante diversos. Uma dasaplicações de grande valor econômico do óleo de mamona é nafabricação do nylon e da matéria plástica (...). É útil também emvários processos industriais como a fabricação de corantes, anilinas,desinfetantes, germicidas, óleos lubrificantes de baixa temperatura,colas e aderentes em geral; como base na manufatura de fungicidase inseticidas, tintas de impressão e vernizes. Na fabricação deespumas plásticas, o óleo de mamona confere texturas variáveisdesde a macia e esponjosa até a dura e rígida. É empregado, depoisde desidratado, […], na fabricação de tintas e protetores ou isolantes.Serve como lubrificante, na aeronáutica, sendo o melhor óleo paralubrificação de motores a jato, como fluído nas instalaçõeshidráulicas, como base para a manufatura da maioria dos cosméticose de muitos tipos de drogas farmacêuticas (SILVA; LINO, 2007, p.14).
Após a colheita, secagem, armazenamento, transporte e industrialização,
obtém-se, além do óleo11, a torta de mamona, subproduto que pode ser utilizado
como fertilizante orgânico e controle de pragas, com aplicação sobretudo em terras
degradadas e pouco férteis, potencialmente produtivas após recuperação. Segundo
Gomes (2013) coprodutos do agrodiesel de mamona (glicerina e torta) podem ser
utilizados também na alimentação de ruminantes, como bovinos, caprinos e ovinos.
No caso da glicerina, o glicerol (principal componente) pode ser convertido em
ácidos graxos que, absorvidos pelos animais, transformam-se em energia. Para
vacas em lactação o glicerol é utilizado como atenuante de problemas metabólicos
comuns nessa fase (pós-parto), além de potencializar a produção de leite. A autora
cita outras aplicações da glicerina12: a) substituto ao milho nas dietas de novilhos em
11 O Professor Dr. Salvador Claro Neto, da USP-São Carlos, em extenso trabalho (CLARO NETO,2009), apresenta os usos do óleo de mamona na área médica. O óleo da baga é utilizado comoinsumo na fabricação de polímeros base para próteses ósseas (ortopédicas), ortodônticas etesticulares, auxiliando a correção de patologias e/ou sequelas de más-formações ou acidentes.Aproveita-se a boa capacidade dos compostos nos processos de regeneração, crescimentoósseo e a baixa ou nenhuma rejeição em contatos com outros tecidos do corpo, com diversoscasos documentados na literatura médica.
12 Quintella e Castro (2009) apontam ainda o uso da glicerina na indústria extrativa de petróleo.Injetando-se o produto em poços de petróleo, eleva-se a pressão do óleo residual no leito rochosoforçando sua saída e posterior captação. Esse mecanismo está atrelado à produção dos camposmaduros (terrestres e de exploração avançada) como no Recôncavo Baiano.
94
terminação; b) melhoria da digestão em ruminantes; c) melhoria no ganho de peso
dos animais.
Beltrão e Oliveira (2009) apresentam a característica básica da torta de
mamona o seu elevado teor proteico13, de nitrogênio e outros nutrientes, conferindo
valor ao subproduto como adubo14. Adicione-se as características inseticida e
nematicida, sendo a torta utilizada no controle de algumas pragas.
A torta de mamona apresenta boas características para uso comoadubo orgânico; além de servir de fonte de aminoácidos para os maisvariados fins nutricionais, é um dos melhores fertilizantes, pois temelevado conteúdo de nitrogênio, fósforo e cálcio quando comparadaa outros adubos orgânicos como o esterco bovino, esterco misto e atorta de algodão, além de elevado teor de fibra. […], a adição da tortano solo, além de suprir as necessidades nutricionais das plantas,aumenta o pH, reduz a acidez total, eleva o conteúdo de carbono epromove melhoria geral na parte física do solo (BELTRÃO;OLIVEIRA, 2009, p. 614).
As presenças das proteínas ricina (encontrada nas sementes), ricinina
(encontrada em todas as partes da planta), que conferem o aspecto biocida da torta,
além do complexo alergênico CB-1A (encontrado nas sementes e pólen) e do agente
hemaglutinante RCA-120 (Ricinus communis agglutinin), tornam a torta de mamona
tóxica para a utilização em complemento à alimentação animal – em bovinos, pode
inclusive substituir as tortas de soja e de algodão (ASCHERI, 2009). Bueno et al.
(2014) analisam a introdução da torta de mamona destoxificada na alimentação de
galinhas poedeiras comerciais na região de Montes Claros (MG). Com os resultados,
os autores afirmam ser positivo a introdução de até 5,7% de torta de mamona
destoxificada15 na ração alimentar das poedeiras, otimizando a produção sem
alteração da qualidade dos ovos.
13 “A torta da mamona tem elevado valor nutritivo, sendo rica em proteínas (41,51%), fibras(32,84%), materiais minerais (7,65%) e gorduras (2,62%)” (BELTRÃO; OLIVEIRA, 2009, p. 614).
14 A casca da mamona não tem utilização adequada como adubo uma vez que, sendo pobre emnitrogênio, induz ao desequilíbrio carbono-nitrogênio nos solos, impactando negativamente adinâmica microbiana responsável pelo desenvolvimento vegetal (BELTRÃO; OLIVEIRA, 2009).
15 A destoxificação da torta de mamona necessita de tecnologias e estrutura industrial, pois requer otratamento por extrusão termoplástica, combinando altas temperaturas e adição de produtos(geralmente o óxido de cálcio) que promovem a alteração química dos agentes tóxicos da torta.Outros métodos para a neutralização da ricina são os tratamentos físicos: aquecimento com vapord'água, autoclavagem (pressão e temperaturas elevadas); e químicos: adição, além do óxido decálcio, do hidróxido de sódio, cloreto de sódio ou amônia. Existe ainda a possibilidade domelhoramento genético da planta, reduzindo ou eliminado o teor de ricina (HOFFMAN et al.,2007).
95
Gomes (2013)16 e Oliveira (2014) defendem a utilização dos coprodutos do
biodiesel de diversas matérias-primas como suplementação alimentar a bovinos,
caprinos e ovinos. Objetiva-se atenuar as dificuldades de acesso a grãos como
milho e soja, em tempos de escassez de produtos (elevando os custos de aquisição
aos agricultores) ou estiagens prolongadas, especificamente no Nordeste semiárido.
A limitação da toxidade dos coprodutos (como no caso da mamona) deve ser
superada com a intensificação de pesquisas visando à viabilização (econômica
inclusive) de métodos, técnicas e tecnologias que forneçam a alternativa alimentar à
utilização mais comumente observada desses produtos, a adubação.
Experimentos produtivos com a mamona objetivam tornar a lavoura mais
próximas da dinâmica industrial observada em outras oleaginosas. Galbieri e
colaboradores (2015) apontam como alternativa para a lavoura o plantio em
segunda safra, após a colheita de soja no estado do Mato Grosso. A lavoura seguiria
os moldes do agronegócio local, mecanizada e em grandes propriedades. Modelo
bastante diferenciado do observado no Semiárido brasileiro, por exemplo.
[…] as áreas cultivadas com soja serão liberadas entre o final defevereiro e início de março, ficando grande parte delas em pousio ouocupadas apenas por plantas de cobertura, destacando-se o milhetoe a crotalária, que, mesmo trazendo benefícios ao sistema produtivo,não resultam em um retorno econômico direto, diferentemente damamona, que, além de se adequar perfeitamente às condições debaixa disponibilidade hídrica, agrega retorno econômico imediatosem competir com a cultura principal. (GALBIERI et al., 2015, p. 3).
Como limitantes à cultura da mamona nessas condições são: a) disponibilidade
de espécies adaptadas ao cerrado mato-grossense; b) maior adaptação das
máquinas colheitadeiras de grãos, possibilitando a produção da baga em escala
comercial; e c) controle de pragas da soja como potenciais infestantes na lavoura de
mamona. Os benefícios, segundo os autores, são os seguintes: i) a mamona oferece
a possibilidade de controle natural e interrupção de ciclo vital de três das quatro
principais espécies de nematoides que atacam a lavoura de algodão. ii) sem conflito
técnico com as lavouras de grãos já estabelecidas; iii) tecnologia relativamente de
16 Gomes (2013) apresenta diversos trabalhos reunidos em sua Tese de Doutoramento: “Utilizaçãode coprodutos da mamona associados à cadeia produtiva do biodiesel na expressão dacapacidade produtiva e reprodutiva em caprinos e ovinos no nordeste brasileiro”, defendida naUniversidade Estadual do Ceará (UECE), que apontam prós e contras da utilização da torta efarelo de mamona como suplementos alimentares a caprinos e ovinos no Semiárido nordestino.
96
baixo custo, possibilitando adaptar máquinas já utilizadas nas lavouras de grãos e
fibras; iii) proteção e aeração dos solos, a partir do sistema radicular da mamona.
(GALBIERI et al., 2015, p. 9).
Figura 13 – Usos da mamona
Fonte: adaptado de Pereira, Drummond e Coimbra (2009).
3.2 PRINCIPAIS DEBATES NAS MÚLTIPLAS ESCALAS
3.2.1 Defesas e contestações aos agrocombustíveis
No início dos anos 2000 observa-se o entusiamo com os agrocombustíveis –
em uma conjuntura de preços elevados do petróleo –, colocando-os como parte da
solução, inclusive, para a dependência de óleo fóssil pelas maiores economias
ocidentais. Greene (2004), por exemplo, aponta vantagens (à época) para os
agrocombustíveis em relação aos combustíveis não-renováveis: i) competitividade
em custos de produção em relação à gasolina e ao diesel, a partir do
LAVOURA DE MAMONA
SEMENTES
ÓLEO
DERIVADOSTRANSESTERIFICAÇÃO
OU CRAQUEAMENTO
TORTA DE MAMONAEXPORTAÇÃO
FARELO DE MAMONA
ISOLADOS PROTEICOS
FRUTOS
Proteínas; Aminoácidos
Cascas
Adubação orgânica;Alimentação animal.
Resíduos orgânicos
Indústria ricinoquímica
Industrialização; processamento
Agro (bio) diesel
97
desenvolvimento de novas tecnologias de produção; ii) criação de uma nova fonte
de renda para os agricultores; iii) a disponibilidade de terras não transformaria – ao
menos até a metade do século XXI – os agrocombustíveis em restrição à agricultura
tradicional.
No entanto, abordagens menos entusiasmadas dos agrocombustíveis os
colocam como uma tentativa de governos, políticos e grandes corporações de
energia em transformar a propalada crise ambiental e oscilações dos preços do
petróleo em um novo campo de oportunidades de negócios e, de forma mais ampla,
de acumulação de capital. Barbara (2007) em seu trabalho intitulado The false
promise of biofuels (“A falsa promessa dos biocombustíveis”, em tradução livre)
apresenta um conjunto de questões específicas para o etanol, incorporadas nas
agendas de pesquisas sobre agrocombustíveis em geral: i) Os agrocombustíveis
disponibilizam mais energia que a quantidade utilizada na sua produção?; ii) Quais
são os impactos dos agrocombustíveis na oferta e nos custos dos alimentos?; iii)
Existe disponibilidade hídrica suficiente para as lavouras agroenergéticas?; iv) Qual
o impacto das lavouras agroenergéticas na fertilidade dos solos e recursos
florestais?; v) Os agrocombustíveis realmente reduzem a emissão dos GEEs?; vi)
Qual o impacto dos agrocombustíveis para os agricultores de menores rendas e
populações tradicionais?
Barbara (2007) aponta que um futuro a partir de uma fonte de energia
renovável é possível, mas requer um novo paradigma para solucionar os problemas
decorrentes, particularmente os impactos negativos econômicos, sociais e
ambientais. A reorganização de grandes e conhecidos capitais em torno da
agroenergia é indicativo da manutenção de interesses enraizados desde a era dos
combustíveis fósseis, tornando os agrocombustíveis uma falsa promessa, extrai-se
do trabalho do autor.
As críticas aos agrocombustíveis também estão relacionadas à escala de
produção requerida ao atendimento da crescente demanda energética.
Aparentemente, em pequenos volumes, a produção dos agrocombustíveis pode
apresentar resultados positivos, como sustentabilidade social, ambiental e
econômica para os produtores, especialmente nas lavouras das matérias-primas.
Notadamente voltada para mercados locais, esses produtos são benéficos pois
auxiliam na solução da questão da segurança energética, especialmente em áreas
rurais afastadas dos grandes centros urbanos. Some-se ao potencial aumento das
98
rendas dos agricultores a partir da comercialização desses produtos, além do
aproveitamento do coprodutos na alimentação animal, dinamizando os subsistemas
de criação. Entretanto, em grande escala, detectam-se conflitos de acesso à terra,
impactos negativos na produção de alimentos e questiona-se a redução dos GEEs.
Mesmo direcionando as lavouras agroenergéticas a terras em desuso ou
degradadas, não há consenso sobre o potencial de atendimento da produção, frente
a elevação da demanda (PEUPLES SOLIDAIRES, 2010).
A produção em larga escala de agrocombustíveis é o cenário descrito por
Peskett e colaboradores (2007). Os autores, analisando o potencial dos
agrocombustíveis na redução da pobreza dos países, apontam o favorecimento das
lavouras de cana-de-açúcar e soja – aparentemente a lavoura de dendê apresenta o
mesmo comportamento. Os autores reforçam os impactos na ocupação de mão-de-
obra, agudização das questões fundiárias e salientam que os resultados são
variáveis, assim como as políticas regulatórias adjacentes. Raswant, Hart e Romano
(2008) reforçam ocorrências de expulsão de agricultores e/ou aquisição das terras a
preços baixos de pequenos agricultores fragilizados economicamente, em
decorrência da demanda por grandes entidades privadas em busca de lucros com
os agrocombustíveis:
Na realidade, os biocombustíveis não são diferentes de outrasculturas comerciais, mas a alta demanda e a rápida expansão daprodução de biocombustíveis podem aumentar o conflito sobre osdireitos e a utilização da terra. Se os sistemas de posse da terra sãofracos, existe o risco de apropriação de terras por grandes entidadesprivadas interessadas nos lucrativos mercados de biocombustíveis.Os pobres, que muitas vezes cultivam em condições difíceis emáreas remotas e frágeis e geralmente têm pouco poder denegociação, podem ser tentados a vender suas terras a preçosbaixos [...] (RASWANT; HART; ROMANO, 2008, p. 6) (traduçãonossa)
Mesmo o apelo ambiental, bastante recorrente na defesa dos
agrocombustíveis, é contestado. Trabalhos dos mais diversos matizes
ideológicos/metodológicos, sobretudo a partir de 2010, associam a produção e uso
dos agrocombustíveis às seguintes questões ambientais e/ou socioeconômicos: i)
incremento na emissão dos GEEs – de acordo com a matéria-prima e processos
99
produtivos utilizados –, contrapondo-se ao entendimento de que a produção dos
agrocombustíveis resulta em baixios impactos ao meio ambiente, igualando-se,
nesse aspecto, aios demais combustíveis; ii) aumento da utilização e da poluição
dos recursos hídricos; iii) erosão dos solos; iv) desflorestamento e perdas de
biodiversidade. A dinâmica da produção, dos mercados para os agrocombustíveis e
as ações dos agentes públicos e privados definem o grau de importância de cada
tema, além da sua inclusão ou não na agenda de definição dos instrumentos
orientadores da produção, uso e comercialização dos produtos. (UNU-IAS, 2012).
Analisando-se o argumento da neutralidade de carbono na produção de
agrocombustíveis, questiona-se a eficiência dos agrocombustíveis no alcance dessa
neutralidade, uma vez que os resultados podem variar de acordo com os
agroquímicos – geralmente base-petróleo – utilizados nas lavouras de matérias-
primas, das técnicas empregadas – diferenciando a agricultura agroenergética dos
países desenvolvidos daquela dos países em desenvolvimento – e dos processos de
produção de energia.
Impactos negativos e a relevância em relação aos benefícios climáticos do uso
desses produtos também são apontados por Grieg-Gran e Dufey (2010):
Tal como acontece com outras commodities agrícolas produzidas emgrande escala, os biocombustíveis estão associados aos problemasambientais da agricultura intensiva, uso intenso de água, impactospoluentes do uso agroquímico, erosão do solo e perda debiodiversidade. Em particular, a expansão do óleo de palma e da sojapara atender à demanda de biocombustíveis foi identificada como oprincipal motor do desmatamento na Ásia e na América Latina.Alguns estudos questionaram os benefícios da mitigação damudança climática dos biocombustíveis, atendendo aos requisitos deenergia para o cultivo e processamento de matérias-primas. (GRIEG-GRAN; DUFEY, 2010, p. 2) (tradução nossa)
Kiefer (2013) complementa argumentando o aumento das demandas por
agroquímicos, adjacente ao aumento da produção de agrocombustíveis. Eventuais
ganhos ambientais e no balanço energético durante o processo produtivo dos
agrocombustíveis seriam anulados pelo aumento do uso de insumos intensivos em
petróleo, contradizendo a defesa dos produtos pelo argumento ambiental:
100
O milho moderno intensivamente cultivado, com seu enorme apetitepor amoníaco e agroquímicos à base de combustíveis fósseis, estácontribuindo negativamente para o orçamento energético da nação eestá trabalhando para aumentar em vez de diminuir a demanda depetróleo. O uso de biomassa para substituir os combustíveis fósseisé inútil se uma grande parte da energia investida para fazê-los é decombustível fóssil. A aplicação de fertilizantes de amônia a qualquercultura destinada ao biocombustível é um desperdício de energiaindefensável. (KIEFER, 2013, p. 121) (tradução nossa)
Conclui-se que, embora apresente aspectos defensáveis, os agrocombustíveis
não representam, isoladamente, a solução da dependência dos combustíveis fósseis
(e seus subprodutos). Some-se à necessidade de padrões sustentáveis, inovativos e
eficientes de produção do combustível – envolvendo novas tecnologias, menor uso
de agroquímicos, aproveitamento da biomassa e a orientação para os
biocombustíveis celulósicos de segunda e terceira gerações. Greene (2004) ainda
cita o “fair treatment of farmers”, ou tratamento justo aos agricultores (preços,
assistência técnica, acesso à terra, crédito, etc.), como elemento de políticas
benéficas social, política, econômica e ambientalmente aos agentes relacionados
aos agrocombustíveis.
Note-se que os debates nessa temática, não raro, orientam-se pela
proximidade entre esses e a produção de commodities agrícolas em larga escala.
Os supostos ganhos na redução dos GEEs são questionados diante das
observações de concentração econômica da produção e distribuição, restrição ao
acesso à terra pelos agricultores de menores rendas, contaminações pelo uso de
agroquímicos nas grandes lavouras de oleaginosas, além dos impactos nos preços e
a concorrência entre insumos para lavouras agroenergéticas e para lavouras de
alimentos.
3.2.2 Relações com os preços do petróleo
Muhammad e Kebede (2009, p. 1) analisando as interações/oscilações entre
preços e produção dos agrocombustíveis com o mercado de óleo (petróleo)
questionam se o setor agrícola (agroenergético) acabará por importar a instabilidade
ou estabilidade do setor: “O setor agrícola está importando instabilidade de preços,
ou possivelmente estabilidade, do setor de petróleo? A relação entre o setor de
petróleo e agricultura é temporária ou permanente?” (tradução nossa). As respostas,
101
continuam os autores, dependem da dinâmica dos preços e da demanda pelos
agrocombustíveis – especialmente o agroetanol e o agrodiesel de soja – grãos e
insumos agrícolas, além das políticas estatais (créditos, subsídios, tributações, etc.)
destinadas ao segmento de agroenergia.
Os custos de produção dos agrocombustíveis incorporariam as oscilações dos
mercados de petróleo, uma vez que o óleo fóssil não renovável ainda compõe
significativamente a estrutura de custos agrícolas. O World Energy Council –
entidade fundada nos anos 1920, com sede em Londres e atuante em quase uma
centena de países – recomenda aos agrocultores a monitoração dos preços tanto
dos óleos vegetais quanto dos óleos minerais. Justifica-se. As oscilações de preços
dos óleos minerais impactam os preços finais dos agrocombustíveis – e a
composição das rendas dos agricultores produtores –; enquanto as oscilações dos
preços dos óleos vegetais impactam diretamente toda a cadeia produtiva ao interferir
na destinação das matérias-primas à produção dos agrocombustíveis. (WORLD
ENERGY COUNCIL, 2010).
Doornbosch e Steenblik (2007) aprofundam essa discussão afirmando a
existência de uma relação direta entre os preços dos óleos minerais e os (agro)
biocombustíveis: uma elevação/redução dos preços tende a gerar uma
elevação/redução dos custos de produção dos agrocombustíveis. Uma aproximação
dessas observações pode ser visualizada nos Gráficos 12 e 13. É possível constatar
a relação entre a variação de preços do óleo mineral (óleo cru, petróleo) e a variação
dos preços dos óleos vegetais. Aumentos nos preços do óleo fóssil tendem a
produzir dois efeitos interligados: a) aumento dos custos da produção na agricultura,
tornando os biocombustíveis menos competitivos em preço em relação aos
combustíveis fósseis; e b) aumento da produção dos biocombustíveis – devido à
elevação dos seus preços finais – estimulando lavouras agroenergéticas. O
resultado final desses efeitos sobre os agricultores ainda não está completamente
mensurado, mas, concluem os autores, a pressão sobre o setor agrícola aumentará
ao longo do século XXI. Dessa forma, enfraquece-se a ideia da diminuição e mesmo
eliminação generalizada da dependência da energia não renovável com a produção
agroenergética. Tal dependência somente seria reduzida naqueles países com
capacidade de produção em larga escala de agrocombustíveis, invariavelmente a
partir de soja e/ou da cana-de-açúcar, caso do Brasil.
102
Esses argumentos reforçam a necessidade das políticas governamentais de
incentivo aos biocombustíveis, especialmente subsídios e outros mecanismos de
crédito, financiamento17, etc., particularmente se o objetivo consistir na inclusão de
pequenos e médios agricultores nos circuitos produtivos, diante da iminente
dominação de grandes lavouras empresariais. Na Figura 14, visualizam-se
momentos ao longo da cadeia dos biocombustíveis onde são praticados subsídios.
Evidentemente, tais políticas18 dependem dos objetivos e abordagens desejados
pelos governos (sociais, políticos, econômicos, ambientais); das ações gerais e
repercussões para os agricultores e demais agentes das cadeias produtivas; dos
custos e benefícios das políticas; das implicações em termos de comércio,
padronização, certificação e normalização dos produtos nas escalas regional,
nacional e internacional.
17 A OCDE (2008) em seu documento: Biofuel support policies: an economic assessment constróiuma série de cenários, onde são analisados os impactos da retirada dos subsídios das cadeiasprodutivas dos biocombustíveis para o período de 2013 a 2017. Os maiores impactos (negativos)em produção, importação, preços e consumo são observados nos países desenvolvidos, como osEstados Unidos, Canadá e União Europeia. Para países em desenvolvimento os impactosnegativos são menores e, especificamente para o etanol brasileiro e chinês, observa-se atémesmo um incremento da produção, em virtude do aumento da demanda dos paísesdesenvolvidos.
18 Para Von Lampe et al. (2014) políticas adicionais de redução dos custos de produção podemtornar os agrocombustíveis mais atraentes, mas apresentam o potencial efeito de pressionarempara baixo os preços agrícolas e, no limite, de reduzir as rendas dos agricultores. A dosagemdesse efeito nas rendas agrícolas aparentemente é o maior desafio do processo de formulaçãodas politicas relacionadas aos agrocombustíveis.
103
Gráficos 12 e 13 – Variação dos preços dos óleos vegetais e do óleo cru, 2006-2016
Fonte: adaptada de Worldbank (2016).
0,00
500,00
1.000,00
1.500,00
2.000,00
2.500,00
SojaÓleo de dendêGirassolMilhoCanola
0,00
20,00
40,00
60,00
80,00
100,00
120,00
140,00
Óleo cru
104
Figura 14 – Subsídios ao longo da cadeia produtiva dos agrocombustíveis
Fonte: adaptado de Doornbosch e Steenblik (2007).
3.2.3 Full tanks at the cost of empty stomachs
A expressão título desta seção foi proferida em documento da Comissão
Pastoral da Terra (CPT, 2007) ao defender o estabelecimento de políticas sólidas de
defesa dos agricultores em direção à diversificação da produção agrícola em
atendimento prioritário ao consumo das populações. Nesse esforço inclui-se o
estabelecimento de subsídios que garantam a produção de alimentos diante dos
agrocombustíveis. A soberania alimentar aparece como objetivo a ser buscado pelas
autoridades a partir dessas medidas. “We cannot keep our tanks full while stomachs
go empty” (não podemos manter os tanques cheios enquanto os estômagos estão
vazios, em tradução livre), conclui o estudo da instituição. Revela-se, portanto, um
extenso e acalorado debate sobre os impactos que a expansão da demanda por
agrocombustíveis podem causar à destinação de áreas agrícolas para a produção
de matérias-primas agroenergéticas, em detrimento da produção de alimentos.
SEMENTES
ENERGIA
ÁGUA
PLANTA DE AGROCOMBUSTÍVEL
TRABALHO
CAPITAL
TERRA
CONSUMIDORES DE SUBPRODUTOS: PECUARISTAS
CONSUMIDORES DE AGROCOMBUSTÍVEIS: SETOR TRANSPORTES, AUTOMÓVEIS
SUBSÍDIOS
INSUMOS INTERMEDIÁRIOS
AGREGAÇÃO DE VALOR
SUBSÍDIOS
SUBSÍDIOS: produção; armazenagem;
infraestrutura; consumo; instrumentos creditícios; subsídios para compra e
consumo de agrocombustíveis
105
A elevação dos preços do petróleo no início dos anos 2000 – cotações partindo
de aproximadamente US$30,00 o barril no final de 1999 para US$132,00 em julho
de 2008, segundo dados do Banco Mundial (WORDBANK, 2016) – reavivaram
discussões sobre a produção de combustíveis alternativos, especialmente
agrocombustíveis, destacando-se o biodiesel de oleaginosas e o etanol, de milho ou
cana-de-açúcar. Simultaneamente, retomam-se debates sobre impactos da
produção de energia a partir de lavouras e a consequente redução de áreas
destinadas à produção de alimentos. Intensificam-se questionamentos oriundos de
diversos segmentos da sociedade civil, comunidade científica, acadêmica, setores
produtivos, agricultores, etc., sobre a (quase) oposição entre a segurança/soberania
alimentar e a segurança/soberania energética. Tais debates ganham maior projeção
de acordo com o grau de dependência em relação aos combustíveis fósseis não-
renováveis dos países, sua posição como produtor de alimentos e a participação das
pequenas e médias agriculturas na dinâmica produtiva agrícola.
Couto e colaboradores (2009) e Machado e colaboradores (2009) apontam
motivos para a gradual substituição de combustíveis não-renováveis para, por
exemplo, os agrocombustíveis. No limite, esses motivos deflagram uma transição
energética mundial e, em particular, no Brasil: i) a mencionada oscilação dos preços
do petróleo e derivados nos mercados internacionais; ii) maiores exigências
ambientais redutoras de externalidades negativas resultantes da queima de
combustíveis, como a poluição de particulados e compostos de enxofre; iii)
ampliação da demanda mundial, ancorada pelo crescimento econômico de países
em desenvolvimento – Brasil, China e Índia; e iv) incertezas quanto à disponibilidade
de reservas energéticas não-renováveis diante de projeções de crescimento da
demanda energética mundial.
Segundo projeções da Energy Informartion Administration (EIA) – agência do
sistema federal de estatísticas do governo dos Estados Unidos – até 2030, tem-se a
redução mundial do consumo de petróleo, devido às oscilações de preços. Exceto
quando se observa em particular o setor de transportes, bastante influenciado pelas
expectativas de crescimento econômico. Machado e colaboradores (2009)
adicionam:
106
[…] com o significativo crescimento da renda per capita em taispaíses ocorrerão, consequentemente, ampliações na demanda porenergia, sobretudo para o setor de transportes. Estima-se que nospróximos anos a demanda mundial por combustíveis líquidos eoutros derivados do petróleo aumentem mais rapidamente no setorde transportes do que em qualquer outro setor de uso final.(MACHADO et al.; 2009, p. 534).
Para o gás natural, no entanto, a tendência é de aumento da demanda,
especialmente em países fora da Organização para Cooperação e Desenvolvimento
Econômico (OCDE). O carvão, devido à demanda ainda significativa do mercado
chinês, apresenta expectativa de expansão do consumo. As energias renováveis
encontram espaço para crescimento especialmente na energia hidroelétrica (Ásia,
América do Sul e Central), eólica e/ou biomassa. “Nos países da OCDE, a geração
de energia renovável tende a crescer 1,6% ao ano, de 2005 a 2030, mais rápido que
todas as outras fontes de eletricidade de geração, exceto o gás natural.”
(MACHADO et al, 2009, p. 529).
Machado e colaboradores (2009) frisam que a oscilação de preços do petróleo
incentivou, na primeira década dos anos 2000, a produção daquilo que os autores
chamam de energias não convencionais: pré-sal, carvão, gás natural, nuclear, além
da eólica, geotérmica, solar e biomassa. Os agrocombustíveis também fazem parte
dessa lista. A disponibilidade de reservas de energias não-renováveis frente aos
projetados aumentos de demanda, ganhou novos parâmetros com a ampliação da
produção do gás de xisto pelos Estados Unidos, descentralizando a outrora
geograficamente concentrada produção nos países do Oriente Médio. Essa
mudança, além de condicionantes e consequências geopolíticas, sugere uma nova
percepção sobre a inserção das energias renováveis, uma vez que os Estados
Unidos são os maiores consumidores mundiais per capita de energia.
No Brasil, Machado e colaboradores (2009) verificam a tendência de aumento
da participação de energias renováveis na matriz energética nacional. Apesar de já
contar com significativa participação de hidrelétricas, aproximadamente 15% do total
produzido, existem alguns limitantes para a maior exploração dessa fonte de
energia: i) elevados investimentos iniciais; ii) elevados investimentos na distribuição,
pela distância entre as áreas produtoras e consumidores; iii) complexos trâmites
burocráticos, especialmente no âmbito dos órgãos de regulação ambiental. Essa
107
dificuldade da expansão da energia hidrelétrica abre espaço para, segundo os
autores, a expansão de outras energias renováveis (Figura 15).
A expansão das energias renováveis na matriz energética brasileira não se dá
sem conflitos. Tem-se pressões dos segmentos de petróleo, pelo temor de redução
de lucros seculares com o novo concorrente, e o do segmento de alimentos, pelos
aspectos aqui apresentados. Wilkinson, Herrera e Costa (2008) citam que a
expansão da demanda energética – especialmente com o estabelecimento de metas
de substituição de combustíveis fósseis pelos agrocombustíveis tanto na União
Europeia quanto nos Estados Unidos19 –, sugere a substituição de terras antes
destinadas a alimentos para lavouras energéticas, repercutindo nos preços finais
dos produtos, com reflexos negativos para populações localizadas nos menores
extratos de rendas.
Figura 15 – Evolução da oferta energética brasileira (%)
Fonte: adaptado de Tolmasquim, Guerreiro e Gorini (2007).
19 Wilkinson, Herrera e Costa (2008) citam a previsão de substituição de 5,75% dos combustíveisfósseis por agrocombustíveis na UE a partir de 2010 e da redução de 20% no consumo decombustíveis fósseis nos EUA até 2017. São medidas que tem impacto significativo na produçãode agrocombustíveis, especialmente em países como o Brasil.
Lenha e carvão vegetal
Petróleo e derivados
Hidráulica e hidroeletricidade
Derivados da cana-de-açúcar
Carvão mineral e derivados
Outras fontes primárias renováveisUrânio e derivados
Gás natural
44%
34%
14%
5%3%1970
12%
46% 16%
11%
7%2%
1%
5%
2000
6%
30%
13% 18%
7%
7%3%
16%
2030
108
Couto e colaboradores (2009), por exemplo, ampliam a discussão adicionando
à elevação dos preços do petróleo o apelo ambiental crescente na busca por
energias renováveis e o objetivo de incrementar rendas de agricultores nos países
em desenvolvimento como condicionantes ao aumento das demandas por produtos
agrícolas, repercutido nos processos de oferta e, sobretudo, nos preços das
commodities agrícolas, caso da soja. Apresentam-se dois cenários a partir dessas
observações. No primeiro têm-se a redução relativa do consumo de alimentos,
especialmente das populações mais pobres – que destinam parcelas significativas
das suas rendas com esse objetivo –, em virtude da concessão de subsídios à
produção de agrocombustíveis. Tais subsídios são responsáveis, no limite, pela
elevação dos preços dos alimentos. No segundo cenário observa-se o ganho de
renda para agricultores, com a elevação dos preços dos alimentos. Estabelece-se,
portanto, o conflito entre produtores e consumidores, base para o debate entre
produção de agrocombustíveis e de alimentos.
A competição pelo espaço gera um trade-off entre o uso do fator terrapara produzir alimentos usados como matéria-prima destinada àprodução dos agrocombustíveis e o seu uso destinado à produção dealimentos.” (COUTO et al., 2009, p. 551)
Couto e colaboradores (2009) também salientam esse conflito entre produtores
e consumidores ressaltando que é nesse conflito que residem as principais
discussões envolvendo alimentos e agrocombustíveis.
[...] energia e a alimentação são bens intimamente relacionados, […]a crise de um desses bens levaria necessariamente à crise do outro.[…] o preço dos combustíveis fósseis sempre afetou os preços dosprodutos agrícolas através dos insumos fertilizantes, pesticidas,irrigação e transporte, necessários para a produção agrícola. Agora,a energia afeta também os preços dos produtos agrícolas pelo custode oportunidade. Além disso, a indústria dos biocombustíveis seriauma alternativa de um sistema que se baseia numa fonte limitada,que é o petróleo, por outro sistema, também de fonte limitada, que éa terra. (SANTOS et al., 2009, p. 552)
Ainda nessa temática, Couto e colaboradores (2009) listam os seguintes
argumentos contrários à produção de agrocombustíveis:
i) O aumento das áreas plantadas para a produção de matérias-primas para
agrocombustíveis, em regime de plantation. Segundo o International Food Policy
109
Research Institute (IFPRI) – órgão de pesquisa ligado ao Consultative Group on
International Agricultural Research (CGIAR), organização criada no início dos anos
1970 pela Fundação Rockfeller, com apoio do Banco Mundial e da FAO – esse
aumento eleva a emissão dos GEE (gases de efeito estufa) devido aos
desmatamentos, desflorestamentos e perdas de biodiversidade consequentes da
expansão das áreas plantadas;
ii) A expansão dos agrocombustíveis gera demandas sobre insumos
específicos para a produção de energia, em detrimento dos insumos tradicionais
destinados à produção de alimentos20;
iii) A produção de agrocombustíveis tende a reduzir a disponibilidade hídrica
para outras lavouras/criações, além do consumo humano. Some-se à poluição
desses recursos, a partir dos rejeitos da produção dos agrocombustíveis, caso
clássico do etanol de cana-de-açúcar.
Camacho, Cubas e Gonçalves (2011) integram o grupo dos pesquisadores que
detectam ameaça dos agrocombustíveis em relação à soberania/segurança
alimentar dos países. Segundo os autores, a produção dessa energia renovável
pressionou fortemente a monocultura de algumas matérias-primas, particularmente a
cana-de-açúcar (etanol). Simultaneamente, observam impactos sociais significativos,
como a expulsão de agricultores do campo, cote-a-cote a uma crise alimentar. A
partir desse argumento, os autores reforçam a existência de duas lógicas na questão
dos agrocombustíveis e produção de alimentos: i) subordinação dos agricultores ao
agronegócio da energia; e ii) uma tentativa de integração entre a produção de
alimentos e de energia.
No documento intitulado “Biocombustíveis: energia não mata fome”, de 2014, a
Actionaid Brasil (ACTIONAID, 2014) apresenta repercussões distintas para os
agrocombustíveis no Brasil, de acordo com o produto final: i) para o biodiesel,
intensifica-se a utilização da soja como matéria-prima básica, impactando
positivamente os rendimentos econômicos das lavouras de soja e produção de
carnes, diretamente ligada pelo consumo do farelo do grão; ii) para o etanol de cana-
20 Dias e colaboradores (2009) analisam esse ponto a partir do etanol americano. Diferentemente doetanol brasileiro, base cana-de-açúcar, o produto americano é extraído principalmente do milho.Essa destinação interfere nos preços internacionais do milho, uma vez que os Estados Unidosestão entre os maiores produtores mundiais do grão. O avanço das lavouras de milho sobre a sojatambém é apontado como efeito negativo pelos autores. Isso porque adjacente a esse avanço,eleva-se a demanda por agroquímicos destinados ao milho, impactando os preços dos insumos e,consequentemente, dos produtos finais.
110
de-açúcar, o aumento da produção está fortemente atrelado à ampliação da área
plantada da gramínea, da conjuntura do açúcar e da demanda interna e externa pelo
combustível21:
[…] a produção brasileira de agrocombustíveis está baseada emduas grandes monoculturas, soja e cana-de-açúcar, e emvastíssimas áreas de pastagem. Da mesma forma que não se criagado para produzir gordura animal, também não se planta soja paraobter o óleo. Amplamente utilizado na alimentação de animaiscriados em regime de confinamento, o farelo de soja é a razão de serde seu cultivo. Pode-se afirmar, no entanto, que a utilização dessasduas matérias-primas para a produção do biodiesel aumenta alucratividade da soja e da pecuária bovina, dando um estímuloadicional à sua produção. O mesmo não ocorre com a cana-de-açúcar, com a qual se produz açúcar ou etanol. Por isso, o aumentoda produção de etanol e a manutenção dos níveis de produção deaçúcar requerem a ampliação da área ocupada pela cultura da cana.(ACTIONAID, 2014, p. 3).
A Rede de Informação e Ação pelo Direito a se Alimentar (FIAN, na sigla em
inglês Foodfirst Information & Action Network, organização de base religiosa com
sede na Alemanha), também aborda a expansão das monoculturas destinadas à
agroenergia atrelando o papel primordial do Estado brasileiro no incentivo/defesa a
essas culturas sob a perspectiva dos direitos humanos, particularmente no que diz
respeitos ao conflitos agrários, condições de saúde e de trabalho dos agricultores,
além dos impactos sobre os recursos naturais. Centralizado preferencialmente nas
lavouras de soja e cana-de-açúcar para a produção de biodiesel e etanol, são
relatadas diversas violações de direitos trabalhistas; problemas de acesso à
alimentação segura, adequada e saudável, conforme diversas recomendações da
FAO22; concentração de terras e da produção. São observações derivadas das
distorções entre os objetivos das políticas de incentivo à produção dos
agrocombustíveis – instrumentos de inclusão social e geração de renda para
agricultores, populações tradicionais, etc. – e o modelo agrário secular brasileiro.
21 São apontados como fatores que interferiram na demanda pelo etanol, com repercussão nasexportações brasileiras do combustível entre 2008 e 2014 (queda para aproximadamente 2,5milhões de galoes, volume observado em 2006): 1) a crise econômica intensifica a partir de 2008;2) aumento da produção do shale-gas (gás de xisto ou de folhedo) pelos Estados Unidos; 3)adiamento da inserção de combustíveis renováveis na matriz energética europeia e manutençãodas barreiras à importação do álcool. (ACTIONAID, 2014).
22 Conforme diretrizes aprovadas em 2004 de incentivo à adoção, pelos Estados, de mecanismospara melhorar acesso a alimentos, à terra e fornecer proteção ecológica especialmente para aspopulações de menores extratos de renda. (ASSIS, 2008).
111
Na tentativa de minimizar esses impactos, Assis (2008), citando o então relator
especial para o direito à alimentação da Organização das Nações Unidas, Jean
Ziegler, propõe: a) mudanças estruturais (de longo prazo) nas sociedades
econômicas que resultem em redução do consumo de energia, simultaneamente ao
aumento da eficiência da produção de energia; b) incentivo à expansão dos
biocombustíveis de segunda, terceira e quarta gerações; c) produção de
agrocombustíveis privilegiando a dinâmica da agricultura familiar.
São aspectos reiterados pelo Instituto Interamericano de Cooperação para
Agricultura (IICA), defendendo a produção e aumento da oferta de agroenergia sem,
no entanto, ameaçar a segurança alimentar (prioritária para o Instituto) dos países:
[…] uma abordagem viável para a chamada disputa "comida contracombustível" tem sido diversificar a matéria-prima e a tecnologia apartir da qual os biocombustíveis são produzidos, concentrando-seem produtos com um histórico positivo, como a cana-de-açúcar, alémde promover o desenvolvimento de novas tecnologias inovadoras,como a tecnologia de etanol celulósico. A este respeito, demonstrou-se que a agroenergia pode contribuir para o abastecimento mundialde energia sem ser uma ameaça para a segurança alimentar, seusarmos recursos não cerealizados, como cana-de-açúcar, óleo depalma, biomassa celulósica, resíduos agrícolas e pinhão-manso,entre outros, para a produção de biocombustíveis. (IICA, 2009a, p.23) (tradução nossa)
Demais contra-argumentos positivos aos agrocombustíveis sugerem que o
avanço das lavouras destinadas às matérias-primas seria princialmente em áreas de
pastagens pouco exploradas e/ou degradadas, sem necessariamente recorrer a
abertura de novas “fronteiras agrícolas” não havendo, portanto, conflito com a
produção de alimentos; os governos gradualmente elevam a fiscalização das
condições de trabalho nas lavouras, evitando a superexploração. O Brasil
tradicionalmente ocupa uma posição mundial de destaque na produção de energias
renováveis. Essa tradição reflete a disponibilidade de áreas para as
lavouras/criações; a capacidade produtiva da agropecuária nacional; e a utilização
de modernas tecnologias de conversão das matérias-primas em energia,
especialmente no caso do etanol de cana-de-açúcar e no biodiesel de diversas
oleaginosas, cuja pesquisa e testes remontam ao início do século XX no país. Essas
experiências acumuladas determinam o ritmo da transição da matriz energética
112
nacional, em direção à maior participação das energias renováveis, inclusive dos
biocombustíveis (MACHADO et al., 2009).
Ainda no conjunto de defensores das agroenergias, Couto e colaboradores
(2009) afirmam que os agrocombustíveis se traduzem em oportunidade ao
crescimento da agricultura. Os autores reforçam o argumento no qual não existiria o
conflito entre uso de terras para alimentos ou agrocombustíveis, citando que apenas
1% das terras agricultáveis do Brasil e União Europeia é destinada aos
agrocombustíveis. Nos Estados Unidos, esse percentual sobe para
aproximadamente 4%, em função da utilização do milho como matéria-prima.
Complementa-se com a existência de outros fatores que influenciam os preços dos
alimentos – clima, políticas governamentais, taxas, impostos, entraves logísticos,
ambientais e burocráticos. Os agrocombustíveis influenciariam apenas
marginalmente, sem grandes impactos, concluem os autores. Some-se à tendência
da maior utilização dos subprodutos e coprodutos dos agrocombustíveis,
particularmente as tortas, na alimentação animal. Esse movimento acabaria por
reduzir a pressão sobre lavouras cujos produtos são destinados a esse fim
(excetuando-se aparentemente as lavouras de milho) e as importações desses
produtos pela União Europeia. No cômputo geral dos efeitos, tem-se uma outra
abordagem para o conflito entre alimentos e agroenergia:
A produção de biodiesel está associada à da farinha de colza ou degirassol, componentes alimentar do gado. Essa é uma questãoeconômica essencial, uma vez que a União Europeia sempre foidependente das importações de farelo de soja do continente norte-americano e sul-americano. [...] Tal como acontece com o biodiesel,a produção de etanol gera coprodutos (polpa de beterraba, trigo ougrãos de milho) que são uma base para a alimentação animal [...](COUR DES COMPTES, 2012, p. 25) (tradução nossa)
Adotando cautela na análise dos agrocombustíveis a Organização das Nações
Unidas para Alimentação e Agricultura (FAO) propõe um debate com quatro
abordagens sobre a relação entre agrocombustíveis e segurança alimentar das
populações, sobretudo nos países mais pobres. Essas abordagens são:
disponibilidade de alimentos (produção, importação e estoques); acesso aos
alimentos (renda, preços, transporte e distribuição); estabilidade da oferta de
alimentos (preço, clima, ações humanas, políticas governamentais); e utilização dos
alimentos (qualidade, potabilidade da água). Preços dos alimentos mais elevados
113
implicam maiores gastos com consumo da população e com importações, embora,
como visto anteriormente, aumentem as rendas dos agricultores. Dessa forma, o
efeito final sobre a segurança alimentar do aumento de preços dos alimentos
dependerá da variação das quantidades de alimentos consumidas em função dos
preços e das rendas da população (COUTO et al., 2009).
Ioris (2011), de formação marxista, afirma que o debate sobre a produção de
agrocombustíveis e alimentos envolve aspectos mais profundos que a destinação de
áreas ou mesmo a dinâmica entre preços e seus impactos sobre as demandas dos
produtos. Revela-se a necessidade de se incluirem questões relacionadas ao próprio
processo de globalização-acumulação dos países e suas condicionantes,
contradições e/ou desigualdades políticas, econômicas e ambientais. A expansão
das lavouras para agrocombustíveis, especialmente das matérias-primas com maior
conteúdo tecnológico envolvido e grandes extensões ocupadas, suscita debates que
perpassam a modernização tenológica agrícola sobre os recursos naturais e como
as instituições públicas e privadas enfrentam a questão; a dependência energética
global oriunda de fontes não-renováveis; as desigualdades socioeconômicas entre
as populações de menores rendas e baixo consumo de alimentos; a investigação
dos interesses públicos/privados (instituições de pesquisa, fomento, financiamento,
creditícias, etc., nacionais e internacionais) atrelados aos incentivos à ampliação da
produção de matérias-primas para agrocombustíveis. Torna-se imprescindível a
discussão desses temas mais profundos e não apenas soluções de adaptação e/ou
mitigação, expressões que, segundo a autora servem apenas à manutenção das
formas e estruturas de exploração agroenergética no primeiro quartel do século XXI.
Após primeira onda de entusiasmo, a verdadeira face dosagrocombustíveis industriais foi revelada. Agora está claro que osagrocombustíveis industriais têm impactos negativos sobre pessoas,camponeses e trabalhadores, bem como sobre a fome, o clima, abiodiversidade e sobre os habitats naturais, como as florestas. Emtodo o mundo em desenvolvimento, as comunidades locaispercebem que os agrocombustíveis industriais não mantêm suaspromessas. (PEUPLES SOLIDAIRES, 2010, p. 8) (tradução nossa)
114
3.2.4 Reorganização do capital em torno dos agrocombustíveis
As críticas mais amplas aos agrocombustíveis versam sobre a manutenção da
dominação de grandes capitais, que (re) descobrem e se (re) articulam no segmento
uma nova forma de acumulação de capital e manutenção dos lucros. A Comissão
Pastoral da Terra, ligada à Igreja Católica, em seu documento Agroenergy: miths
and impacts in Latin America (Agroenergia: mitos e impactos na América Latina, em
tradução livre) de 2007, já contempla uma série de impactos sociais, econômicos e
ambientais negativos, consequentes do aumento da produção dos agrocombustíveis
e as repercussões sobre as lavouras agroenergéticas (CPT, 2007). O documento
traz primordialmente o argumento de que se constrói um mito em torno dos
agrocombustíveis que esconde os reais impactos sobre as populações,
especialmente os agricultores de menores rendas e populações tradicionais nos
países em desenvolvimento. As principais observações são:
i) Rearticulação de grandes capitais em torno do (novo) segmento:
As grandes empresas agrícolas, as empresas de biotecnologia, asempresas de petróleo e a indústria automotiva, aproveitando apreocupação legítima da opinião pública internacional, estão agorabuscando agrocombustíveis como uma importante fonte de lucro.(CPT, 2007, p. 08) (tradução nossa)
ii) Agroenergia como espaço para a dominação desses capitais, com apoio de
organismos financeiros internacionais:
O monopólio privado das fontes de energia é garantido através decláusulas incluídas nos acordos de comércio livre (bilaterais oumultilaterais), nas políticas implementadas pelo Banco Mundial e peloFundo Monetário Internacional (FMI), que estimulam amercantilização dos recursos naturais. (CPT, 2007, p. 09) (traduçãonossa)
iii) Papel dos países periféricos, notadamente em desenvolvimento, nessa
dinâmica, geralmente fornecedores de energia barata para os países ricos:
Neste contexto, o papel que os países periféricos devemdesempenhar é gerar energia barata para países ricos, o querepresenta uma nova fase de colonização. As políticas atuais para osetor são sustentadas pelos mesmos elementos que caracterizaram
115
a colonização: a exploração do território, dos recursos naturais e dotrabalho. (CPT, 2007, p. 09) (tradução nossa)
iv) O mito no qual agrocombustíveis de segunda e terceira gerações não tem
impactos sobre a produção de alimentos e/ou na redução de impactos ambientais:
Também é um erro pensar que os agrocombustíveis celulósicos nãoutilizarão terras agrícolas, porque serão produzidos a partir deresíduos orgânicos de milho, cana-de-açúcar e outras culturas. Noentanto, os chamados resíduos orgânicos são, na verdade,fertilizantes naturais que servem para alimentar nutrientes e protegero solo. Se este material for usado para outros fins, seria necessárioaplicar fertilizantes químicos e à base de petróleo, o que anulariaquaisquer efeitos positivos em relação ao aquecimento global. (CPT,2007, p. 14) (tradução nossa)
v) Por fim, o mito no qual agrocombustíveis promovem a independência (ao
menos econômica) dos agricultores. Pelo contrário, sugere-se a maior dependência
de grandes empresas fornecedoras de insumos à produção energética:
Experiências na produção de matéria-prima para agroenergia porpequenos agricultores demonstraram o risco de dependência degrandes empresas agrícolas que controlam preços, processamento edistribuição. (CPT, 2007, p. 49) (tradução nossa)
Adicione-se posicionamento da Rede Social de Justiça e Direitos Humanos no
documento “Empresas transnacionais e produção de agrocombustíveis no Brasil”,
(RSJDH, 2014). A instituição, organização não governamental ligada a diversos
movimentos sociais, elenca os seguintes desdobramentos do avanço dos
agrocombustíveis: i) Controle sobre o mercado de sementes, notadamente as
geneticamente modificadas, por grandes capitais internacionais. A estratégia de
padronização de sementes – objetivando maior produtividade, possibilitando a
aplicação dos pacotes técnico, tecnológicos e agroquímicos previamente
determinados – impacta fortemente a diversidade alimentar do mundo; ii) Expansão
das lavouras em monoculturas agronergéticas catalisa processos de expropriação
de terras de pequenos agricultores e populações tradicionais, particularmente
indígenas; iii) Fusões e aquisições e disponibilidade de crédito ampliam a
concentração do capital nas empresas processadoras das matérias-primas,
116
intensificando a dependência dos agricultores, relativamente passivos em virtude
das estratégias das empresas.
Nessa análise mais estruturante dos agrocombustíveis na dinâmica capitalista
mundial é importante citar a contribuição do geógrafo Carlos Walter Porto-Gonçalves
(PORTO GONÇALVES, 2008) para quem a chamada transição energética dos
combustíveis fósseis para as energias renováveis em geral e agrocombustíveis em
particular revela o rearranjo de capitais e Estados hegemônicos do segmento de
energia, em esforço para dominar técnicas, tecnologias e, sobretudo, mercados
destinados aos novos produtos. A movimentação é no sentido de transformar as
energias renováveis e os agrocombustíveis em espaços de acumulação de capital. A
associação crescente entre os capitais agrário, do setor de alimentos, de petróleo e
de outros segmentos energéticos objetiva controlar mercados agroenergéticos com
fortes impactos ao elemento mais fragilizado em toda essa dinâmica: o pequeno
agricultor, o agricultor familiar.
3.2.5 Novas agendas de pesquisa
Jank e colaboradores (2007) analisam a agenda de pesquisa para os
agrocombustíveis e as interconexões entre o crescimento do mercado desse
produtos nos países desenvolvidos e em desenvolvimento. Segundo os autores
essa agenda inclui: a) análise do avanço da lavoura de cana-de-açúcar sobre áreas
de grãos e bovinocultura no Brasil; b) avanço do etanol de milho em áreas de soja e
algodão nos EUA; c) dinâmica dos preços dos óleos vegetais em consequência da
expansão de programas de biodiesel nos EUA, Indonésia, Malásia e Brasil; d)
efeitos da demanda de etanol sobre os preços do açúcar; e) oscilações nos preços
das matérias-primas agrícolas sobre a pecuária, por exemplo (farelos, tortas, óleos,
etc.); e) impactos das ações restritivas à importação por países desenvolvidos sobre
as economias de países em desenvolvimento.
Sobre o último aspecto acima citado, apesar das oportunidades de importações
de agrocombustíveis, devido ao aumento da demanda dos países desenvolvidos – o
que poderia, segundo Jank e colaboradores (2007), reduzir as pressões sobre os
preços das matérias-primas, promover o consumo e reduzir as oscilações de
mercado –, tal expediente, aparentemente, não se confirma devido à baixa produção
117
de agrocombustíveis nos países que têm acesso aos mercados dos países
desenvolvidos, especificamente EUA e UE. Aos maiores produtores de agroenergia,
Brasil incluído com o etanol, o acesso aos mercados é restrito devido a barreiras
tarifárias.
Note-se que tais discussões definem a tributação desses produtos pelos países
produtores, exportadores, importadores e demais agentes relacionados às diversas
cadeias produtivas. Aqui, a importância da classificação e padronização é apontada
como fundamental ao entendimento, pesquisa e expansão dos mercados. Segundo
a FAO (2013), a Organização Mundial do Comércio (OMC-WTO) tornou-se o espaço
de discussão dessas questões que perpassam os aspectos mercadológicos desses
produtos. A questão central é discernir produtos agrícolas de produtos industriais:
Há uma disputa em curso na Organização Mundial do Comércio(OMC) sobre como a bioenergia da biomassa deve ser classificada.Embora produzido como produto agrícola, o produto final é usadocomo um substituto industrial com o objetivo de melhorar o meioambiente. Como resultado, as fontes de bioenergia são tratadas deforma diferente no sistema harmonizado; O etanol é considerado umproduto agrícola, o biodiesel é um produto químico e os grânulos demadeira fazem parte de resíduos de madeira. Isso se traduz emdiferentes aplicações de tarifas e subsídios (onde as regras são maisrigorosas para produtos industriais do que para produtos agrícolas).(FAO, 2013, p. 61) (tradução nossa)
É importante ressaltar que, além desses aspectos primordiais, um conjunto de
novas questões parece emergir dos debates sobre o tema. A partir da tentativa de
padronização do comércio mundial tem-se a definição de critérios técnicos, sociais,
econômicos e ambientais e de sustentabilidade da agroenergia em todas essas
abordagens. Some-se a falhas de mercado; barreiras de custos de produção e
limitações de comércio (barreiras tarifárias e não-tarifárias). O objetivo geral é tentar
conectar o mercado de agrocombustíveis a eventuais benesses socioeconômicas e
ambientais aos países, dos agricultores às empresas processadoras das matérias-
primas e distribuidoras. (WORLD ENERGY COUNCIL, 2010).
O debate sobre agrocombustíveis é multissetorial e geograficamente
multiescalar. Peskett e colaboradores (2007) apresentam desafios a serem
observados na dinâmica produtiva dos agrocombustíveis em geral. Esses desafios –
118
que permanecem na segunda década dos anos 2000 – são divididos em on-farm
(“porteira para dentro”, em tradução livre) e off-farm (“porteira para fora”). Na
primeira categoria têm-se:
i) Adaptação dos sistemas de produção das matérias-primas para inserir a
produção em escala a partir do acesso a novas tecnologias mais produtivas;
ii) Impactos nos recursos naturais: redução da fertilidade dos solos; poluição da
água; e escasseamento dos recursos hídricos;
iii) Acesso à terra e redução da pobreza nas áreas produtoras.
Na segunda categoria tem-se:
iv) Qualificação da mão-de-obra relacionada aos agrocombustíveis, como
condição ao crescimento da ocupação;
v) Investimento em infraestrutura e especialização da produção;
vi) Regulações que incentivem a produção dos agrocombustíveis e o
aproveitamento dos coprodutos na geração de energia.
Conclui-se que quaisquer políticas públicas e/ou privadas direcionadas ao setor
agroenergético demandam a consideração de diversos aspectos e abordagens
(social, econômico, politico, ambiental, etc.), sem a predominância de um aspecto
analítico em particular. Essa aprece ser a orientação geral contida em documentos
favoráveis aos agrocombustíveis. Avalia-se a capacidade dos produtos em
transformar significativamente a estrutura da produção agrícola, acesso e uso da
terra, particularmente no países em desenvolvimento. Para garantir esses objetivos,
um conjunto de recomendações sintetiza o desejo de diversos pesquisadores e
demais agentes relacionados à produção da agroenergia: 1) as políticas para
agrocombustíveis devem refletir as realidades (social, econômica, ambiental, etc.)
locais e serem compatíveis com políticas mais amplas, de desenvolvimento; 2)
promoção do desenvolvimento rural a partir do apoio a pequenos produtores; 3)
incentivo aos mercados de coprodutos dos agrocombustíveis, como fonte alternativa
de renda para os produtores; 4) criação de redes públicas e/ou privadas em direção
a inovações produtivas no segmento; 5) minimização da competição entre
combustíveis e alimentos; 6) criação de mecanismos inibidores das desigualdades
de acesso à terra; 7) reforço das preocupações socioambientais na politicas
destinadas aos agrocombustíveis. (UNU-IAS, 2012).
119
Note-se que todas essas agendas de pesquisas partem de uma questão
estrutural inicial: que relação as populações terão nas próximas décadas com o
consumo de energia, as formas e repercussões para satisfazer essas
necessidades? É um debate mais amplo, que perpassa diversos aspectos da vida
humana; comportamento; cultura; para além das abordagens social, econômica,
política, etc., geralmente alçadas ao primeiro plano das pesquisas. Significa, por
exemplo, alterar como os países desenvolvidos (maiores consumidores de energia),
indústrias automobilísticas e petrolíferas, conduzem seus interesses a tecnologias
alternativas transformadoras, criadoras de novos paradigmas para a utilização e
consumo de energia; tecnologias menos poluidoras e mais inclusivas
socioeconomicamente. Apontam-se novos caminhos, nem sempre abraçados por
capitais que percebem nos agrocombustíveis um elemento de manutenção e
aprofundamento do paradigma energético ainda predominante no início do séc. XXI:
petróleo-dependente. (PEUPLES SOLIDAIRES, 2010).
Ainda assim, os agentes nos segmentos produtivo, governos, técnico e
academia, privilegiam agendas de pesquisa objetivando explicar as transformações
promovidas e em curso deflagradas com o aumento da demanda por
agrocombustíveis, além dos cenários e possíveis consequências em toda a cadeia
produtiva. Existe uma complementariedade entre as agendas, tornando a temática
inter e mesmo transdisciplinar. Justifica-se tal afirmativa a partir das análises
apresentadas nesse capítulo. Na Figura 16 é possível visualizar e sumarizar as
principais discussões envolvidas, sugerindo trabalhos que as aprofundem, tanto
quanto as interconectem.
120
Figura 16 – Principais discussões para os agrocombustíveis, por setores
Fonte: elaboração própria a partir de diversos autores.
ACADÊMICO
SETOR PRODUTIVO
GOVERNOS
i) Desdobramentos das associações entre o capital agrário e o produtivo;ii) Repercussões do avanço da soja como matéria-prima hegemônica;Iii) Impactos sobre os agricultores, particularmente os de base familiar;iv) Solução ao debate entre produção de energia e produção de alimentos.
i) Seleção da matéria-prima de acordo com o teor de óleo e logística produtiva;;ii) Oscilação dos preços dos agrocombustíveis e a relação desses com os preços do petróleo;Iii) Atendimento às demandas por óleo;iv) Viabilidade econômica dos subprodutos (tortas, bagaços, etc.);v) Viabilidade econômica da produção, em virtude, dos balanços energéticos finais e dos custos de produção;vi) Padronização e classificação dos produtos para comercialização em múltiplos mercados.
i) Políticas de inclusão socioeconômica de pequenos e médios produtores;ii) Estabelecimento de mecanismos de incentivo (subsídios) à produção e proteção dos agricultores;iii) Estabelecimento e fortalecimento de canais de comercialização para os agrocombustíveis;iv) Discussão do apelo ambiental dos agrocombustíveis;v) Incentivo e apoios a centros de pesquisa e desenvolvimento.
TÉCNICOi) Produção eficiente em custos;ii) Balanço energético input-output positivo;iii) Eficiência nas rotas metílica ou etílica;iv) Viabilidade técnica de matérias-primas como a mamona, reduzindo a restrição da viscosidade;v) Aproveitamento alimentar-energético dos sub e coprodutos.
121
3.3. CONSIDERAÇÕES PARCIAIS
Bioenergias são frequentemente apontadas como alternativas às energias
fósseis não renováveis ao longo do século XX. A utilização do petróleo como
principal fonte energética pela sociedade humana e sua gama quase infinita de
subprodutos, matérias-primas para outros segmentos produtivos, inclusive agrícolas,
implicou uma série de disputas entre grandes interesses capitalistas, dominações de
mercados, de técnicas e tecnologias; consequências sobre os recursos naturais,
notadamente os incontáveis casos de poluição, não raro, irreversíveis.
Subsidiariamente à discussão do papel e relação das sociedades com a energia
buscam-se produtos que atendam às demandas – significando produção em escala,
viabilidade econômica e apelo positivo socioambiental. As agroenergias emergem
como resposta, ao menos em uma primeira aproximação, aos desafios crescentes
da ordem energética mundial do século XXI.
Os agrocombustíveis, parte integrante das agroenergias, atraem a atenção de
pesquisadores, acadêmicos, empresários, governos e demais agentes relacionados
pela sua complementariedade com a agricultura, segmento em geral avançado
tecnicamente e igualmente com agentes conhecidos, estratégias, interesses e
formas de atuação nos distintos mercados. A grafia agrocombustíveis e suas
variações remetem a essas análises e considerações, especialmente as
repercussões sobre agricultores, diante das movimentações do capital em busca de
lucratividade. A grafia biocombustível sugere maior atenção aos processos técnicos,
de transformação e conversão bioenergética, afastando-se da temática anterior.
As tecnologias para a produção mais eficiente de biocombustíveis envolvem a
otimização das reações químicas, físico-químicas e termoquímicas próprias dos
processos; da utilização dos catalisadores (definindo a melhor rota de produção,
etílica ou metílica), de acordo com a estrutura de oferta presente para esses
insumos; e do aproveitamento dos subprodutos, notadamente a glicerina. Embora
observem-se avanços visando à produção energética a partir de gorduras animais e
outros resíduos, além das pesquisas definindo gerações futuras de biocombustíveis
(segunda, terceira e quarta gerações e suas implicações), predomina a produção a
partir de fontes primárias, das lavouras: seja para o agrodiesel – as oleaginosas
vegetais em geral –, seja para o agroetanol – basicamente a cana-de-açúcar no
Brasil; milho nos Estados Unidos; beterraba e batata, na União Europeia.
122
As primeiras repercussões e desdobramentos no Brasil indicam o domínio do
agrodiesel de soja e de agroetanol de cana-de-açúcar como principais
agrocombustíveis produzidos no país. Deve-se ao fato das lavouras representarem
agroindústrias consolidadas, com logística e capacidade de atendimento a eventuais
aumentos de demanda. Some-se à organização dos agentes dos complexos soja e
sucroalcooleiro, agregando grandes capitais nacionais e internacionais, além da
pesquisa e desenvolvimento de técnicas e tecnologias, posicionando esses
segmentos entre os mais modernos e competitivos do mundo. Concentração de
capital no segmento de processamento das matérias-primas; fundiária nas áreas de
lavouras, exaustão de recursos hídricos são os principais impactos da expansão das
grandes lavouras, cuja intensidade varia com a conjuntura dos preços dos produtos
mais representativos: farelo, grão e óleo (soja); açúcar e álcool (cana-de-açúcar).
Algumas oleaginosas são apresentadas como alternativas produtivas aos
grandes cultivos. Entretanto, embora com potencial energético, encontram-se em
estágios iniciais de pesquisa, com limitações de ordens técnica, produtiva ou
mercadológica. O coroço de algodão e o dendê, por exemplo, possuem mercados
consolidados de ração animal e óleos comestíveis, respectivamente; o babaçu tem
demanda em diversos segmentos, de cosméticos ao siderúrgico, além do caráter
geralmente extrativista do cultivo; pinhão-manso, mandioca açucarada, crambe,
entre outras, possuem baixo volume de informações das lavouras. São aspectos que
tornam os novos agrocombustíveis ainda incipientes no Brasil, apesar da
diversidade de matérias-primas agroenergéticas.
A mamona, oleaginosa de lavoura fortemente ligada ao semiárido nordestino e
à agricultura familiar, também apresenta especificidades das técnicas de produção
restringindo sua utilização como matéria-prima para a produção de agrodiesel. Às
características agronômicas da planta, que a torna resistente ao regime irregular de
chuvas e aos períodos de estiagens, junta-se a versatilidade do óleo das sementes,
o óleo de mamona (castor oil) base da indústria ricinoquímica, bastante diversa.
Essa diversidade – somada à restrição da elevada viscosidade do óleo, limitante ao
uso como combustível – reduz a importância da destinação energética da mamona,
refletindo nas estratégias de comercialização das sementes. O aproveitamento dos
subprodutos e coprodutos do agrodiesel – glicerina e torta, essa última após
tratamentos de destoxificação para posterior utilização, na complementação
123
alimentar animal – significam alternativas de utilização tanto em lavouras, quanto
criações, intensificando a conhecida polivalência da lavoura.
Aparentemente, sob o argumento técnico, a defesa dos agrocombustíveis é
mais facilmente perceptível, pela sua capacidade de substituição dos combustíveis
não renováveis de origem fóssil, pela menor geração de poluentes durante a
produção e a queima nos motores. No entanto, interferências nos custos de
produção e na destinação de terras paras as lavouras de alimentos, exploração dos
recursos naturais – notadamente recursos hídricos e biodiversidade –, além do
incremento nos usos de agroquímicos em lavouras de agroenergéticos, levantam os
principais questionamentos sobre os reais impactos dos agrocombustíveis para
agriculturas e agricultores. Some-se às reorganizações dos agentes envolvidos nas
atividades – muitos oriundos do próprio setor energético fóssil ou representantes de
grandes monoculturas também energéticas, a exemplo da soja e da cana-de-açúcar
–, frequentemente descritas como novos centros de acumulação de capital,
fortalecendo as críticas negativas aos agrocombustíveis.
Discute-se a participação do Estado no estímulo ou desestímulo às lavouras
energéticas ou em direção a objetivos sociais, de inclusão de agricultores, por
exemplo, a partir de subsídios ao longo das cadeias produtivas. Ou ainda, de que
forma são conduzidos os debates em torno dos temas segurança, soberania
alimentar e as repercussões sobre a produção dos óleos vegetais das variações dos
preços do petróleo e a expansão dos agroenergéticos. De fato, constata-se que,
diante dos diversos agentes envolvidos direta ou indiretamente, são estabelecidas
agendas diversas, porém complementares, de pesquisa para os agrocombustíveis:
dos aspectos mais técnicos da produção, perpassando aos interesses de governos,
empresas e agricultores, além das abordagens socioeconômica e geográfica desses
desdobramentos.
A emergência de uma nova ordem energética está plenamente identificada nas
pesquisas e desenvolvimento que potencializam as bioenergias e, em particular, as
agroenergias. Matérias-primas diversas, estudos de viabilidade técnica e econômica
e novos processos de (bio) conversão apontam para novas fontes, usos e
funcionalidades das agroenergias nas primeiras décadas do século XXI. Entretanto
não se pode afirmar a existência de revolução – no sentido de mudanças estruturais
das relações entre os envolvidos – quando se analisam os agentes das cadeias
produtivas bioenergéticas. Frequentemente, trata-se dos mesmos interesses,
124
ampliados, observados no paradigma energético anterior, ancorado em energias
fósseis não renováveis.
Essas afirmações encontram ressonância ao se observar a expansão da
produção de combustíveis fósseis, a exemplo do gás de xisto ou folhedo americano,
sugerindo a manutenção e, não raro, intensificação dos investimentos em energia
não renovável também no século XXI. As oscilações do preço do petróleo, quando
para cima, incentivam a pesquisa, desenvolvimento e produção de óleo e derivados
em novas frentes, como o pré-sal brasileiro. Novas demandas por gás natural
(domésticas, industriais, automotivas) serão responsáveis pelo incremento da oferta
do gás na matriz energética brasileira, como estimado para 2030. Nesse cenário, é
possível inferir sobre o crescimento da estrutura de suporte à produção,
processamento e distribuição desses produtos (refinarias, unidades petroquímicas,
oleodutos, gasodutos, etc.), além do aparato responsável pelo desenvolvimento de
novas tecnologias de aproveitamento dos subprodutos do petróleo. Portanto, a
despeito da evolução das bio e agroenergias, aparentemente não se vislumbram
alterações significativas nas estruturas das cadeias produtivas energéticas, ao
menos nos processos de condução e apropriação das tecnologias produtivas de
combustíveis alternativos.
No caso das principais agroenergias brasileiras, a dominação dos grandes
complexos de grãos e sucroalcooleiro por capitais nacionais e internacionais
atuantes em diversas escalas geográficas é também indicativo da manutenção e
intensificação das relações entre segmentos industriais e agricultores em torno de
argumentos contra e a favor da conjuntura (agro) energética. A trajetória de
desenvolvimento técnico dos complexos, ao longo de décadas de presença no país;
a necessidade de atendimento às demandas (regularidade e volume de produção)
em virtude dos agrocombustíveis; os incentivos à produção de matérias-primas
oriundos dos mercados consumidores internos e externos; outros incentivos
derivados de políticas públicas e ações institucionais que favorecem as lavouras,
são elementos explicativos para que, também no Brasil, a questão dos
agrocombustíveis e quão profundas podem ser as alterações desencadeadas
(revolucionárias ou não), necessitem de análise crítica e relativização quanto aos
resultados projetados.
125
4. AGROCOMBUSTÍVEIS NO BRASIL E A AGRICULTURA FAMILIAR
Neste capítulo estudam-se os principais condicionantes e consequências às
ações visando ao estabelecimento do mercado de agrocombustíveis no Brasil –
particularmente para as lavouras e a agricultura familiar –, bem como as
repercussões para o estado da Bahia. Inicia-se com breve relato da trajetória dos
agrocombustíveis e a apresentação do Programa Nacional de Produção de Uso do
Biodiesel (PNPB), programa federal de 2005 composto por ações que ultrapassam a
esfera produtiva e inclui incentivos à agricultura familiar, especialmente no Norte,
Nordeste e Semiárido. Apresentam-se resultados da primeira década de implantação
do Programa – em termos de produção, aquisição de agrocombustíveis e de
participação de agricultores –, nas escalas nacional e estadual, considerando ações
semelhantes em território baiano. Complementa-se com a análise das limitações da
mamona como matéria-prima para agrocombustível, cujas experiências relatadas
não se consolidaram alternativas produtivas e econômicas aos agricultores.
4.1. O PROGRAMA NACIONAL DE PRODUÇÃO E USO DO BIODIESEL (PNPB)
O Programa Nacional de Produção e Uso do Biodiesel (PNPB), oficializado em
dezembro de 2004, estabelece um novo marco na trajetória dos agrocombustíveis
no Brasil. A pesquisa, desenvolvimento e testes no país com os produtos remontam
às primeiras décadas do século XX, no Instituto Nacional de Tecnologia – antiga
Estacão Experimental de Combustíveis e Minérios, no Rio de Janeiro – , utilizando-
se amendoim, algodão, palma e girassol como matérias-primas. Nas décadas
seguintes aprofundam-se as pesquisas agroenergéticas no âmbito da Embrapa a
partir de outras fontes de óleos vegetais (soja e colza) e, na Bahia, no âmbito da
Comissão Executiva do Plano da Lavoura Cacaueira (Ceplac), o Eng. Químico
Hernani Lopes de Sá Filho, desenvolve pesquisas com o dendê, chegando a fazer
testes com veículos automotores e registrando a marca Dendiesel. A Universidade
Federal da Bahia (UFBa) e a Secretaria de Ciência e Tecnologia do Estado (Secti)
desenvolvem no Ceped (Centro de Pesquisa e Desenvolvimento) testes de biodiesel
tendo também o dendê como matéria-prima.
Adicione-se nessa trajetória as célebres pesquisas do Prof. Expedito José Sá
Parente da Universidade Federal do Ceará (UFC) no final dos anos 1970,
126
conduzindo à primeira patente do biodiesel no país, registrada no Instituto Nacional
de Propriedade Industrial (INPI). Na ocasião registrou-se patente de querosene
vegetal de aviação (bioquerosene), cuja homologação pelo Centro Técnico
Aeroespacial da Aeronáutica (CTA) se deu em outubro de 1984. As pesquisas sobre
biodiesel no centro cearense tinham como matérias-primas as oleaginosas clássicas
(soja, babaçu, amendoim, girassol, dendê) e outras fontes menos conhecidas, como
sementes de maracujá e óleo de peixe – dando origem a um óleo diesel de origem
animal, com rendimento nos motores testados similar aos óleos de vegetais
(PARENTE, 2006).
Ao longo a trajetória histórica dos agrocombustíveis no Brasil (Figura 17),
destaquem-se diversos programas governamentais de fomento à pesquisa,
desenvolvimento e viabilidade da utilização em larga escala dos agrocombustíveis
no Brasil: Programa Nacional de Óleos Vegetais para Fins Energéticos (PROOLEO)
e o Programa Nacional de Alternativas Energéticas Renováveis de Origens Vegetais
(OVEG), ainda nos anos 1980. São iniciativas responsáveis por avanços técnicos e
tecnológicos consideráveis na produção e utilização dos agrocombustíveis,
assegurando lugar de destaque ao país em um momento histórico de
questionamento dos recursos energéticos fósseis, devido às oscilações abruptas da
oferta e dos preços do petróleo. A conjuntura econômica, a expertise brasileira na
área e o potencial agroenergético sugeriam novos caminhos na busca por
alternativas de combustíveis.
O Programa Nacional do Álcool Combustível (Proalcool), nos anos 1970-80,
caracterizou-se como o mais abrangente desses caminhos – alcançando a escala
nacional de mercado. Além de incentivar o uso do agroetanol de cana como
combustível automotivo – em uma primeira fase, anidro, misturado à gasolina, até
1979; em uma segunda fase, hídrico ou hidratado, usado de forma pura, nos anos
1980 –, o Programa potencializou o desenvolvimento do segmento alcooleiro no
país, ampliando a presença das lavouras de cana-de-açúcar na produção primária e
incorporando sucessivos ganhos tecnológicos em toda a cadeia produtiva. A
trajetória de queda dos preços do petróleo, nos anos 1990, o corte de subsídios às
lavouras e a constante preferência dos produtores pelo açúcar, em virtude dos
preços do produto, tornaram o agroetanol combustível uma incógnita crescente junto
aos agentes econômicos (produtores e consumidores). A produção de automóveis
movidos a etanol, que alcança 90% em 1988, reduz-se drasticamente a menos de
127
1% nos anos seguintes, decretando o fim do Programa. A utilização de agroetanol de
cana-de-açúcar como combustível retorna com a introdução, nos anos 2000, dos
motores flexíveis (flex, flexfuel, etc.). (LIMA, 2004).
Figura 17 – Trajetória histórica dos agrocombustíveis no Brasil
Fonte: adaptação de diversos autores.
A criação, em 2002, do Programa Brasileiro de Desenvolvimento Tecnológico
do Biodiesel (Probiodiesel), com objetivos de desenvolver tecnologias, pesquisas de
mercado e de demanda para o biodiesel. Some-se à elaboração de estudos sobre a
competitividade e viabilidade econômica, social e ambiental do produto. Promovido
pelo Ministério da Ciência e Tecnologia, o Programa subsidia as primeiras ações
Instituto Nacional de Tecnologia
ANOS 1970-1980
Criação da Empresa Brasileira de Pesquisa
Agropecuária (EMBRAPA) 1972
Óleos vegetais para fins de
energia. Diversas fontes
Prog. Nac. de Óleos vegetais para fins
Energéticos – PROOLEO. 1980
Óleos de soja, colza, girassol,
dendê
Prog. Nac. de Altern. Energéticas Renov. de Orig.
Vegetais – OVEG. 1983
Compatibilidade do óleo de soja como biodiesel
ANOS 1980
Primeira patente brasileira de biodiesel: Emp. Produtora de Sist. Energéticos (CE)
Segunda metade dos anos 1980: desestimulo às
pesquisas com biodiesel
Biodiesel + querosene aeronáutico a base de
óleo vegetal
ANOS 2000-2016
Universidade de Brasília + Min. Ciência e Tecnologia +
EMBRAPA. 2000
Melhoramento e redução dos custos na conversão
do óleo vegetal em biodiesel
Rede de Pesquisa e Desenv. Tecnológico –PROBIODIESEL. 2002
Pesquisas em novas tecnologias, mercados e
consumo de biodiesel
Grupo de Trabalho Intermin. Biodiesel. GTIB. 2003
Viabilidade da utilização de óleos vegetais como
combustíveis
Comissao Exec. Intermin. Biodiesel. CEIB; Grupo
Gestor de Biodiesel. GGB
Gestão operacional das estrateg. para o biodiesel
no Brasil
Prog. Nac. de Prod. e Uso do Biodiesel. PNPB. 2004
Produção de biodiesel, inclusão social, desenv.
regional.
ANOS 1920-1940
Testes com óleos de palma, amendoim, algodão e girassol
ç Ó
– .
ó
.
é
à
ó
ó –
. ç
. .
ç.
1920
ó
Auge do Proálcool
Críticas ao PNPB; frustração na capacidade de inclusão de agricultores, especialmente familiares.
Complicações da Petrobras levam à sua retirada do mercado de agrocombustíveis. Fim do PNPB?
128
para o Grupo de Trabalho Interministerial sobre o Biodiesel. O GTI – Biodiesel
(GTIB), como ficou conhecido, reuniu informações, no âmbito da Casa Civil da
Presidência da República que dão suporte à proposição, em 2004, do PNPB. O
início das ações do Programa no âmbito da Politica Nacional de Agroenergia e a
criação, em 2006, da Embrapa Agroenergia sinalizam as orientações do governo
federal (incentivando ações semelhantes nos estados) de criação, consolidação e
suporte à cadeia produtiva dos agrocombustíveis no Brasil.
Figura 18 – Resumo esquemático do PNPB
Fonte: adaptado de Pezzo (2009).
A Figura 18 mostra a estruturação básica do PNPB. Na Lei 11.097 (janeiro de
2005) são definidos agentes, competências a parâmetros básicos do Programa.
Proposto em quatro eixos principais, o programa inova ao estabelecer instrumentos
de apoio à agricultura familiar, especialmente no Norte e Nordeste. É perceptível a
intencionalidade da nova orientação político-partidária que assume o país no ano
Formação de mercado
Financiamento
Incentivo à agricultura
familiar
Execução
MISTURA OBRIGATÓRIA
PESQUISA
INVESTIMENTO
LEILÕES DE BIODIESEL
DESONERAÇÕES FISCAIS
SELO COMBUSTÍVEL
SOCIAL
MDA
ANP/PETROBRAS
BNDES
FINEP; EMBRAPA; MDA; MCT
Eixos Instrumentos Agentes
PETROBRAS E PRODUTORES DE
DIESEL
ÓRGÃOS FISCAIS FEDERATIVOS
129
anterior à criação do Programa em atender não apenas um viés ambiental, de
alternativa energética, mas uma demanda socioeconômica, (re) estabelecendo a
partir das agroenergias caminhos para inclusão de agricultores em regiões com
fragilidades bastante conhecidas e amplamente estudadas, diagnosticadas e com
inúmeras proposições de solução. Assim, os formuladores do PNPB almejam em
sua concepção a inclusão de agricultores familiares ao circuito da oferta de
biocombustíveis, diversificação com incremento das rendas familiares e reforço de
lavouras pouco utilizadas para o fim proposto (agrocombustíveis) nas quais a prática
da monocultura – ao menos em uma primeira aproximação – torna-se inviável
economicamente (MAGALHÃES; ABRAMOVAY, 2007).
Reforçando esse argumento é fundamental a participação das organizações de
agricultores familiares no intuito de evitar distorções (privilégio a segmentos já
consolidados, a exemplo do sucroalcooleiro) ocorridas durante o Proalcool
garantindo, via incentivos governamentais, parcela da oferta de matérias-primas
oriunda da agricultura familiar. Magalhães e Abramovay (2007) pontuam ainda que,
a partir dos objetivos inciais propostos pelo PNPB criou-se no Brasil uma articulação
até então inédita entre: a) Estado – com as prerrogativas de intervenção,
normatização e criação das condições de operacionalização do Programa; b)
empresas privadas, geralmente a cargo do processamento das matérias-primas e
produção do óleo; e c) grupos que representam os agricultores familiares
(sindicatos, movimentos sociais, entre outros), na legitimação dos contratos firmados
e acompanhamento da cadeia produtiva. Os autores chamam atenção para o fato de
que, no modelo implementado no Brasil, ao segmento privado cabe as etapas de
seleção e organização da oferta de matérias-primas, assim como a negociação de
contratos e demais estratégias de preço. Tudo sob a chancela/legitimação dos
grupos de associações de produtores. Essa conformação pode ser visualizada na
Figura 19.
130
Figura 19 – Cadeia produtiva dos agrocombustíveis no Brasil
Fonte: adaptado de Garcia (2007).
A peculiaridade conjuntural no momento de execução do Programa impõe a
convivência entre agentes quase antagônicos no meio rural brasileiro: agricultores
familiares e empresas privadas. Tal convivência, com a mediação do Governo
Federal via Ministério do Desenvolvimento Agrário (MDA) recebe diversos
questionamentos sobre sua sustentabilidade, uma vez que a assimetria estratégica,
a disparidade de interesses e os conflitos entre os protagonistas dessa nova forma
de governança levam a empresas a dependerem dos agricultores para o
fornecimento de matéria-prima e os agricultores ficam imersos no já conhecido
planejamento estratégico (política de preços) das empresas. Os questionamentos,
no limite, apontam soluções nem sempre positivas para os agricultores, como a
concentração de rendas nos grandes fornecedores e, principalmente, o privilégio a
lavouras que possam atendem as demandas regulares das empresas, ressuscitando
o eterno debate entre a produção de biocombustíveis e alimentos (MAGALHÃES;
ABRAMOVAY, 2007). Xavier e Vianna (2009), Flexor e colaboradores (2011) afirmam
que as assimetrias entre os agentes se revelam nas primeiras audiências do GTIB.
Indústria de insumos agrícolas Agricultores
Indústria de extração de óleo
Indústria de ração e alimentos
Indústria de insumos:
catalisadores
Planta de agrocombustível
Indústria de transformação
Atravessadores
Atacadista
Varejista
Consumidor final
131
No Quadro 7, os autores apresentam os principais grupos e os interesses
defendidos na gênese do PNPB.
Como prerrogativa ao primeiro grande eixo do PNPB, a participação do Estado
é reconhecida como essencial ao processo de criação dos mercados para
biocombustíveis. Ao longo de toda a cadeia produtiva, uma série de instrumentos de
política são necessários não apenas para estabelecer, mas estabilizar e mesmo
legitimar um mercado para biocombustíveis. Azevedo (2010) apresenta esses
instrumentos, reunidos no Quadro 8. Dentre os diversos exemplos dos instrumentos
de política mencionados pelo autor – que os classifica em comando e controle,
econômicos, de incentivo e colaboração, de comunicação e difusão – a mistura
obrigatória de biodiesel ao diesel mineral se destaca como o principal no processo
de criação de mercados para os biocombustíveis no Brasil. O cronograma
estabelece o percentual de adição de 2% de biodiesel ao diesel mineral (B2) de
forma compulsória entre 2008 e 2012 – de 2004 e 2008 esse percentual é
autorizado pela ANP mas seu uso não é obrigatório –; a partir de 2013, esse
percentual aumenta gradualmente de 5% a 7% (B5, B7). Em 2015, a Lei nº 3.834
estabelece a obrigatoriedade da adição de 8% em 2017 (B8), 9% em 2018 (B9) e de
10% em 2019 (B10), como visualizado na Figura 20 (ANP, 2016).
Esses instrumentos e incentivos, após as primeiras avaliações das
potenciais cadeias produtivas agroenergéticas, suscitam questionamentos sobre a
capacidade de suprimento do mercado a ser criado pela agricultura nacional,
particularmente a pequena e média, de base familiar. Chiaranda, Andrade Junior e
Oliveira (2005) afirmam terem sido insuficientes, naquele momento, as pesquisas
sobre a viabilidade econômica das produções, aludindo principalmente à questão
dos custos de produção, comparando-se ao diesel mineral; em outra abordagem, os
autores mencionam que, apenas para cumprir o estabelecido na primeira etapa do
Programa (B2) seriam necessários aproximadamente 1,5 milhão de hectares em
lavouras de matérias-primas para o agrodiesel. Algo bem distante do levantamento
do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) que totaliza, em 2015,
aproximadamente 300 mil hectares plantados e/ou destinados à lavouras
agroenergéticas (principalmente mamona, amendoim e dendê). Os dados para
outras oleaginosas (a exemplo do babaçu) são computados no grupo extração
vegetal, revelando o caráter ainda incipiente dessas lavouras diante da demanda
com o B2 (IBGE, 2016). Por último, mas não menos importante, a tendência, logo
132
verificada, de predomínio da soja como matéria-prima sugere que os objetivos de
inclusão e incremento de renda a pequenos agricultores não seriam plenamente
alcançados.
Quadro 7 – Principais grupos e discussões na gênese do PNPB
Fonte: adaptado de Flexor e colaboradores (2011); Xavier e Vianna (2009).
Agentes da indústria de óleos vegetais, fortemente ancorados no complexo
soja, comemoram o conjunto de medidas que intensificam a utilização do agrodiesel
nos sistemas de transportes e máquinas agrícolas, mais um vetor para o
fortalecimento do mercado de agrocombustíveis no Brasil:
Atores, grupos de pressão Discursos, interesses e posicionamentos
FAO/ONU
Complexos petrolíferos Manutenção do domínio no mercado energético, com a incorporação dos bio e agrocombustíveis.
Movimento ambientalista
Agronegócio (complexo soja)
Petrobras
CNA
Complexo automotivo
Governo (MAPA e MME)
Governo (MPOG)
Governo (MDA)
Governo (ANP)
Críticas aos biocombustíveis pelo potencial aumento dos preços dos alimentos; riscos à segurança alimentar dos consumidores de menores rendas pela aumento que gastam proporções maiores da rendas com alimentação.
Substituição dos combustíveis fósseis pelos biocombustíveis, como suporte às ações de mitigação dos impactos ambientais da queima dos combustíveis derivados do petróleo.
Sindicatos e movimentos sociais no campo
Defesa das exigências de participação da agricultura familiar na base de comercialização do biodiesel (selo combustível social) – Confederação Nacional dos Trabalhadores na Agricultura (CONTAG); ambiguidade entre defesa e repúdio aos biocombustíveis, notadamente no Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST); críticas ao modelo que substitui alimentos por energia – Movimento dos Pequenos Agricultores (MPA); defesa da relevância do agricultor familiar na dinâmica dos biocombustíveis, não apenas como fornecedores de matérias-primas – Federação Nacional dos Trabalhadores e Trabalhadoras na Agricultura Familiar (FETRAF).
Enaltece o potencial brasileiro de produção dos biocombustíveis, especialmente a partir do grão. Destacam-se as instituições: Associação Brasileira das Indústrias de Óleos vegetais (ABIOVE) e a Associação Brasileira de Agribusiness (ABAG).
Agronegócio (complexo sucroenergético)
Enaltece o potencial brasileiro de produção dos biocombustíveis, especialmente a partir da cana-de-açúcar (etanol). Destaca-se a participação da União dos Produtores de Bioenergia (UDOP) e da União da Agroindústria Canavieira de São Paulo (UNICA).Defesa dos biocombustíveis, criação mercado nacional e pesquisa de matérias-primas e viabilidade econômica dos produtos.A Confederação Nacional da Agricultura e Pecuária defende a participação da agricultura familiar integrada à patronal na produção de agrocombustíveis no Brasil; confirma o domínio da soja como matéria-prima principal aos agrocombustíveis no país.Alega restrições técnicas e legais para a expansão da utilização do biodiesel conjuntamente ao diesel mineral; posição conservadores diante da alternativa energética; alegam ainda o estágio inicial das pesquisas para a utilização em larga escala do combustível. Destaca-se a participação da Associação Nacional dos Fabricantes de Veículos Automotores (ANFAVEA).
Os ministérios da Agricultura Pecuária e Abastecimento e das Minas e Energia defendem a utilização em larga escala dos biodiesel. Entretanto, tal defesa favorece o complexo soja e sucroalcooleira como principais fornecedores de matérias-primas para os agrocombustíveis no Brasil.
O Ministério do Orçamento e Gestão argumenta que o país não passa por uma crise de abastecimento de diesel que justifique medidas emergenciais de substituição.O Ministério do Desenvolvimento Agrário alega a necessidade de incluir e aumentar a participação dos agricultores familiares, criando e mantendo instrumentos de apoio e à produção e de assistência técnica.Proteção ao consumidor; garantia de preços, oferta e qualidade dos produtos; regulamentação técnica dos biocombustíveis; definição de produtores e usos dos biocombustíveis no país.
133
Outra medida de 2015 é o uso autorizativo de biodiesel de 20% nasfrotas rodoviárias cativas ou que tenham abastecimento próprio, 30%no transporte ferroviário ou no abastecimento de máquinas agrícolase industriais, e 100% para uso experimental ou específico. Essapolítica, adotada via Resolução nº 3/2015, do Conselho Nacional dePolítica Energética (CNPE), facilitará a aquisição do produto pordistribuidoras de combustíveis, especialmente em épocas e regiõesem que o biocombustível tem preço mais competitivo do que o dieselmineral. (LOVATELLI, 2016, p. 29).
Os percentuais de mistura obrigatória, a autorização de uso de biodiesel
em frotas de automóveis animam parte dos representantes da cadeia produtiva. Em
2015, a capacidade instalada das usinas produtoras de biodiesel no país alcançou
aproximadamente 7,5 bilhões de litros, sendo a capacidade produtiva efetiva
estimada em 4 bilhões de litros, segundo a Associação Brasileiras das Indústrias de
Óleos Vegetais (Abiove) e a ANP23. Existe, portanto, a expectativa de atendimento às
demandas geradas pelos novos parâmetros e possibilidades de utilização do
biodiesel no país, consolidando o produto nos mercados brasileiros (LOVATELLI,
2016; ANP, 2015).
23 Segundo a ANP (2015) os dados para capacidade instalada e produção de biodiesel em 2015(respectivamente, em mil m3) segundo as regiões brasileiras são: região Norte (191,2; 84,6);região Nordeste (455,4; 233,2); região Centro-Oeste (3.378,3; 1.472,2); região Sudeste (965,8;270,9); região Sul (2.628,1; 1.358,9). Esses dados confirmam a concentração da produção debiodiesel brasileira no Centro-Sul do país, alimentando críticas sobre o alcance das açõesinclusivas do PNPB para agricultores do Norte e Nordeste.
Quadro 8 – Instrumentos voltados à criação de mercados de biocombustíveis
Fonte: adaptado de Azevedo (2010).
Figura 20 – Cronograma de adições de biodiesel ao diesel mineral
Fonte: elaboração própria a partir de ANP (2016).
2% autorizativo (B2)
2005-2007
2% obrigatório (B2)
2008-2012
5-7% obrigatório (B5-B7)
2013-2016
8% obrigatório(B8)2017
9% obrigatório(B9)2018
10% obrigatório(B10)2019
Segmento da cadeia produtiva Comando e controle Econômicos Incentivo e colaboração Comunicação e difusão
Suprimento
Produção
Distribuição
Consumidor final Estímulo ao uso em frotas.
Regulação agropecuária e dos resíduos utilizados como matérias-primas.
Subsídios à produção; políticas de preços mínimos; apoio à P&D em novas lavouras.
Criação de redes de fornecedores de matérias-primas e processadoras; regulação de contratos; certificação da produção.
Difusão da informação para agricultores e demais agentes da cadeia.
Controle de qualidade; quotas de produção; regulação de importações.
Subsídios diretos; financiamento; incentivos fiscais; financiamento da P&D e demonstração de novos processos.
Criação de redes de agricultores, processadoras e distribuidoras de combustível.
Difusão da informação técnica entre os distribuidores.
Controle de qualidade; permissão de uso específico; uso obrigatório de misturas.
Subsídios diretos; isenções fiscais; financiamento.
Criação de redes de agricultores, processadoras e distribuidoras de combustível.
Difusão da informação técnica entre os distribuidores.
Uso obrigatório em frotas (por exemplo, governo);
Isenções fiscais; subsídios para a compra de motores; financiamento de demonstração em frotas.
Campanhas de divulgação dos benefícios dos biocombustíveis.
135
Destaquem-se incentivos de natureza fiscal/creditícia que fortalecem os
objetivos sociais do PNPB – diferencial em relação ao Proalcool – notadamente a
tentativa de inclusão econômica (alternativa e incremento de rendas) de agricultores,
especialmente familiares. A partir da criação do Selo Combustível Social (SCS)
desdobram-se medidas e incentivos orientados a esses objetivos. O SCS
corresponde ao
[...] componente de identificação concedido pelo MDA [Ministério doDesenvolvimento Agrário] a cada unidade industrial do produtor debiodiesel que cumpre os critérios […] e que confere ao seu possuidoro caráter de promotor de inclusão social dos agricultores familiaresenquadrados no Pronaf [Programa Nacional de Fortalecimento daAgricultura Familiar] [...]. (MDA, 2016)
Os critérios mencionados correspondem aos patamares mínimos de aquisição
de matéria-prima originária da agricultura familiar: a) 15% para as aquisições
provenientes das regiões Norte e Centro-Oeste; b) 30% para as aquisições
provenientes das regiões Sudeste, Nordeste e Semiárido; e c) 40% para as
aquisições provenientes da região Sul (BRASIL, 2015a). Some-se a formalização da
comercialização entre empresas e agricultores, mediante contratos – exigindo-se a
participação de representantes dos agricultores (credenciados pelo MDA) – e o
fornecimento, pelas empresas, de assistência técnica (direta ou indireta) aos
agricultores dos quais adquirem as matérias-primas. A obtenção do SCS concede ao
produtor de biodiesel os seguintes benefícios (BRASIL, 2014; CASTRO, 2011):
i) Alíquotas zero para IPI (Imposto sobre Produtos Industrializados) e CIDE e
suspensas as incidências, em 2014, das contribuições para PIS/PASEP (Programas
de Integração Social/ Programa de Formação do Patrimônio do Servidor Público) e
CONFINS (Contribuição para o Financiamento da Seguridade Social), sobre as
vendas de matérias-primas destinadas ao biodiesel feitas por empresas e
cooperativas agropecuárias. Em 2008 esses incentivos foram estendidos a todas as
oleaginosas potenciais matérias-primas aos agrocombustíveis. Originalmente, tais
incentivos restringiam-se às lavouras de mamona e dendê;
ii) Unificação da alíquota de ICMS (Imposto sobre Circulação de Mercadorias e
Prestação de Serviços de Transporte Interestadual e Intermunicipal e de
Comunicação) sobre o biodiesel em todos os estados, em 12%, a partir de 2006;
136
iii) Condições diferenciadas de financiamento junto às instituições financeiras
relacionadas ao Programa, como o próprio BNDES e outras, a exemplo do Banco do
Brasil (BB), da Amazônia (BASA) e Banco do Nordeste (BNB);
iv) Participação nos leilões de biocombustíveis promovidos pela ANP.
A concepção, significado e as exigências da legislação para a concessão do
SCS levantam divergências entre as organizações representativas de agricultores
familiares. Segundo Magalhães e Abramovay (2007) aparentemente as
reivindicações de parcela dessas instituições concentravam-se na ampliação do
volume de recursos, alcance e melhoria das condições de pagamentos dos
empréstimos recebidos pelos agricultores junto ao Pronaf. Com o PNPB e,
particularmente o SCS, amplia-se o papel das instituições representativas da
agricultura familiar no país:
A criação do Selo Combustível Social, representa uma nova fonte dejustificação para o sindicalismo rural. Com esse poder nas mãos, ossindicatos abrem possibilidades inéditas de atuar formalmente naintermediação entre produtores e indústrias e, dessa forma,influenciar na forma como se organiza o novo mercado e agirdiretamente na negociação dos preços pagos pelas indústrias paraos agricultores familiares. (MAGALHÃES, ABRAMOVAY, 2007, p. 16).
As discordâncias entre os representantes dos agricultores resumem-se na
aceitação ou não do significado do SCS e o que representa no âmbito da agricultura
familiar. A Confederação Nacional dos Trabalhadores em Agricultura (Contag)
mostra-se favorável ao selo por criar possibilidade de novos mercados e de
fortalecimento do sindicalismo rural. Em oposição, a Federação Nacional dos
Trabalhadores em Agricultura Familiar (Fetraf), o Movimento dos Trabalhadores
Rurais sem Terra (MST) e o Movimento do Pequenos Agricultores (MPA), alegam
que o selo representa mais uma forma de integração entre agricultores familiares e
empresas privadas, com resultados negativos quando se observam exemplos em
outras cadeias agroindustriais, ressaltam Magalhães e Abramovay (2007). Os
autores observam ainda que, independente das discordâncias, as dinâmicas do
PNPB e do SCS assemelham-se ao modelo de inserção de pequenos agricultores
em novos mercados, dependente de intervenção estatal, conduzindo processos que
criam e/ou recriam arranjos institucionais, novos agentes e novos papéis aos
137
agentes já estabelecidos. Esses movimentos são importantes sobretudo quando é
baixo o grau de organização dos agricultores e o poder de intervenção destes nas
cadeias produtivas agroindustriais.
No Brasil, o PNPB e seus instrumentos de subsídios, incentivos e exigências
repercutem em estímulos a novos arranjos entre agricultores (e suas
representações), empresas privadas e Governo Federal. A peculiaridade desses
arranjos, questionados no âmbito de algumas organizações de agricultores, cria
vínculos contratuais entre agricultores familiares e empresas, mediados pelo MDA,
outrora praticamente inexistentes, concluem Magalhães e Abramovay (2007).
Em 2009, algumas das regras do SCS foram alteradas para, segundo o
Governo Federal, proporcionar maior agilidade no processo de inclusão de
agricultores e impulsionar os investimentos no biodiesel. As condições originais para
recebimento do SCS pelas indústrias – gastos comprovados com compra, venda e
assistência técnica – eram: 50% para o Nordeste e Semiárido; 10% para o Norte e
Centro-Oeste e 30% para as regiões Sul e Sudeste. Some-se a inclusão de outros
gastos no percentual a ser destinado à agricultura familiar. A partir de 2009
passaram a fazer parte no cômputo os gastos com fornecimento de semestres,
adubos; gastos com atividades de correção de solos; gastos diretos e indiretos com
os técnicos que prestam assistência aos agricultores. Na prática isso resultou em
gastos crescentes das empresas com outros produtos e serviços – preservando-se o
SCS –, em detrimento da compra de oleaginosas (ABREU; OLIVEIRA; LEAL, 2012;
AZEVEDO, 2010).
As principais críticas a essas alterações dizem respeito à equalização entre as
regiões Sul, Sudeste e Nordeste, regiões com características sociais, econômicas e
rurais (agrícolas e agrárias) bastante diversas; além da inclusão de outros gastos no
percentual exigido para a agricultura familiar:
Essas mudanças beneficiam ainda mais as empresas, já favorecidaspelas isenções tributárias, em detrimento dos agricultores familiares.Se antes a assistência técnica e demais auxílios à produção familiareram tidos como uma contrapartida social aos incentivos fiscais, asua inclusão no cálculo dos gastos com a agricultura familiar diminuia rentabilidade do biodiesel para os produtores dos insumos ouagricultor familiar (ABREU; OLIVEIRA; LEAL, 2012, p. 78).
138
Segundo Abreu (2012) a redução da exigência de compra de matéria-prima
originada da agricultura familiar para a região Nordeste, que concentra o maior
número de agricultores familiares, com aumento do percentual para a região Sul,
onde se destacam as lavouras de soja, intensifica a já dominante participação do
grão na produção de agrocombustível no Brasil. A redução do percentual de
agricultores portadores da Declaração de Aptidão ao Pronaf (DAP) na composição
das cooperativas participantes na comercialização das oleaginosas no âmbito do
PNPB para 60% (ante aos 70% anteriores a 2012), tem como reflexo positivo a
tendência ao aumento da incorporação de cooperativas de agricultores familiares ao
Programa. A combinação dos dois instrumentos favorece a inclusão de cooperativas,
mas, ao mesmo tempo, restringe a diversificação de matérias-primas para o PNPB
(ABREU, 2012).
A Portaria nº 60, de 6 de setembro de 2012, do Ministério doDesenvolvimento Agrário traz uma alteração que visa a diversificaçãoda matéria prima, pois, ao inserir maiores pesos dentro dos Leilões edo SCS para a diversificação da matéria prima que for comprada daagricultura Familiar e das regiões Nordeste e Semiárido incentiva deuma forma tímida outras oleaginosas que não seja a soja (ABREU,2012, p. 194).
As alterações das normas do SCS aparentemente comprometem o alcance dos
objetivos iniciais do PNPB: a) a extensão da alíquota zero de PIS/PASEP e COFINS
para quaisquer oleaginosas produzidas pela agricultora familiar do Norte, Nordeste e
Semiárido tenderia a beneficiar agricultores mais dinâmicos em detrimento daqueles
mais empobrecidos; b) a redução da alíquota máxima de PIS/PASEP para a
produção de biodiesel independente do tipo de agricultor diminui as vantagens
fiscais entre o biodiesel produzido por pequenos agricultores familiares e aquele
produzido por grandes agricultores empresariais (AZEVEDO, 2010).
O atendimento a requisitos do SCS capacita o produtor a participar dos leilões
de venda de biocombustíveis. Os leilões, instituídos em 2007, nos âmbitos do
Conselho Nacional de Política Energética (CNPE) e da ANP, são instrumentos que
visam à consolidação do processo de inclusão dos biocombustíveis na matriz
energética brasileira – buscando prover o volume de biodiesel requerido nos
percentuais obrigatários de mistura ao diesel mineral, a partir de 2008 – e ao
alcance do objetivo social do PNPB, a inclusão da agricultura de base familiar como
139
fornecedora primordial das matérias-primas. O SCS é exigido aos produtores
participantes dos leilões – em 80% do volume total leiloado –; além de autorização
para produção de biodiesel, concedida pela ANP; e do registro e regularidade junto à
Receita Federal (MACEDO, 2013).
A atuação da Petrobras – especialmente com a criação da subsidiária
Petrobras Biocombustíveis (PBio), em 2008 (Quadro 9) – a partir da realização dos
leilões de biodiesel coordenados pela ANP resume-se em: a) centralização da
comercialização do biodiesel, a partir da aquisição e distribuição do produto (através
da BR rede distribuidora); b) absorver as oscilações dos preços do biodiesel no
momento dos leilões, na tentativa de atender às prerrogativas sociais do PNPB; c)
estimular a pesquisa de desenvolvimento dos processos industriais relacionados ao
biodiesel, particularmente no âmbito do Cenpes – Centro de Pesquisas Leopoldo
Américo Miguez de Mello, no Rio de Janeiro (PEZZO, 2009). Na transição 2008/09 é
criado, a partir de experiência piloto no Ceará, o Sistema de Controle e
Monitoramento Agrícola da Petrobras Biocombustível (SISDAGRI). O SISDAGRI
“Registra informações de cadastro, contratação, assistência técnica, distribuição de
sementes e aquisições de oleaginosas para comprovação ao MDA e
acompanhamento de contratadas [...]” e utiliza de banco de dados, sistemas de
informações geográficas, georreferenciamento de atividades e plataformas na
internet para divulgação, possibilitando a consulta pública das informações
(ANDREA, 2015).
Em 2012 foram promovidas mudanças na sistemática dos leilões (Portaria
276/2012 MME), tentando-se reduzir distorções na formação dos preços do produto,
consequência das assimetrias (quantitativas, qualitativas, regionais) entre os
diversos produtores. A divisão do lote leiloado passa a ser regional, em lugar de um
lote nacional, e a inclusão de variáveis logísticas e qualitativas na composição dos
preços, busca equilibrar a competitividade entre produtores, independente da
localização da produção. Citando documento da Secretaria de Petróleo, Gás Natural
e Combustíveis Renováveis (SPG) do MME, Macedo (2013) se coaduna com a
preocupação com outras variáveis, além do preço, igualmente importantes, nas
definições dos leilões:
140
Todos esses critérios e fatores de seleção além do preço, comoqualidade do produto [por exemplo com o indicador Ponto deEntupimento a Frio, importante devido à amplitude térmica entre asregiões do país], qualidade do fornecedor, malha logística de cadadistribuidora e custos de fretes, embora possam ser de alguma formamensuráveis ou estimáveis, são desconhecidos do poder público.São mensuráveis somente pelos adquirentes e seus clientes (asdistribuidoras de combustíveis), que atuam no dia a dia nessemercado e são os principais responsáveis finais por retirar o biodieselna unidade do fornecedor, fazer a mistura com o diesel e, depois,entregar o combustível misturado aos postos (MACEDO, 2013).
Também em 2012 (Portaria 476/2012 MME) é instituído o PMR (preço máximo
de referência) por região nos editais para os leilões do biodiesel. Objetiva-se, a partir
de um parâmetro máximo de preço, a eficiência produtiva das empresas. A partir do
PMR, as empresas que possuem o SCS atuam: i) reduzindo custos de produção,
verticalizando atividades e aproximando-se (geograficamente) dos clientes:
agricultores, cooperativas e distribuidoras do óleo; ii) comprando matéria-prima junto
a cooperativas e não diretamente com o agricultor familiar. Parte-se da premissa
que, em cooperativas, o fechamento de contratos de compra e venda de produtos se
dá de forma mais ágil, reduzindo custos. Esse conjunto de mudanças permite
redução dos preços de compra (arrematado) em relação aos PMR da ANP,
favorecendo os consumidores finais (ABREU, 2012; MACEDO, 2013). Nos Gráficos
14, 15 e na Figura 21 têm-se painel dos leilões de biodiesel no país. Até o mês de
agosto de 2015 foram realizados 45 leilões, totalizando 18,04 milhões de m3 de
biodiesel ofertados e 15,11 milhões de m3 arrematados. O preço máximo alcançado
pelo m3 foi de R$2.621,70, no oitavo leilão em abril de 2008 e o preço mínimo
alcançado foi de R$1.740,00 no décimo nono leilão, em setembro de 2010 (ANP,
2016).
141
Quadro 9 – A Petrobras biocombustíveis – PBio
Fontes: ANP (2015); Barros (2014); Flexor e colaboradores (2011); MDA (2016); MME(2015); Pamplona e Vettorazzo (2015)
Com o objetivo de intensificar a comercialização de biocombustíveis – consolidandoo mercado para esses produtos – é criada em 2008 a Petrobras Biocombustíveis S/A(PBio), subsidiária da maior empresa estatal de petróleo e gás do país. As principaisatividades da empresa concentram-se na logística e comercialização, particularmente dobiodiesel, somando-se às ações de aquisição de matérias-primas junto aos agricultoresobedecendo as seguintes diretrizes: a) fidelização de fornecedores; b) priorização dasagriculturas e cooperativas familiares (seguindo as normas do SCS); e c) ações demelhoramento da logística de entrega das matérias-primas. Outra diretriz diz respeito aocombate ao trabalho infantil e análogo à escravidão, reforçando aspectos sociais daempresa. Refletindo os objetivos iniciais do PNPB, as três usinas próprias da PBio sãoinstaladas na Bahia (Candeias); Ceará (Quixadá); e Minas Gerais (Montes Claros). Aindaem 2006 é inaugurada em caráter experimental a usina em Guamaré, Rio Grande doNorte, cujas atividades foram encerradas em 2015. Em 2011, a empresa adquire 50% docapital da BSBIOS Indústria e Comércio de Biodiesel Sul Brasil S/A, com unidades no RioGrande do Sul (Passo Fundo) e no Paraná (Marinalva). A PBio torna-se a maior empresaprodutora de biodiesel do país, com capacidade instalada de aproximadamente 2,3 milm3/dia, combinando-se PBio/BSBIOS. No 46º leilão da ANP, realizado em outubro de2015, as empresas combinadas venderam um total de 131.800 m3 de biodiesel (64.800 m3
BSBIOS; 67.000 m3 PBio), alçando a PBio à condição de protagonista no mercado debiodiesel no Brasil, ao lado da empresa privada Granol, que apresenta capacidade deprodução instalada de aproximadamente 2,4 mil m3/dia.
A disposição das unidades primeiras da PBio, em locais de logística difícil aoabastecimento de matérias-primas, distantes das lavouras, levantam críticas à viabilidadeeconômica da empresa no momento de sua operacionalização. Somados aosinvestimentos para o aumento da capacidade instalada nas unidades, caso da quasequadruplicação da capacidade produtiva na usina de Candeias, têm-se questionamentossobre a continuidade das atividades da empresa, considerando-se critérios econômico-contábeis (basicamente custos). Defensores de empresa alegam outros objetivos – deinclusão social, notadamente no âmbito do SCS – que justificam os investimentos.
O protagonismo da subsidiária estatal, a falta de expertise da empresa mãe combiocombustíveis, a complexidade no trato com agricultores pulverizados – cuja produçãoestá sujeita a abruptas oscilações –, o confronto com estratégias mercadológicasdiversas, além de outras dificuldades logísticas contribuíram aos resultados negativos daempresa. Desde o início das operações a PBio apresenta prejuízos crescentes. Em 2010,o prejuízo alcançou R$ 91 milhões. Em 2015, as perdas superam os R$ 960 milhões.Esse fato, conjuntamente à crise financeira e aos desdobramentos das investigações deações de corrupção e desvios de recursos da Petrobras resultam em plano estratégico daempresa para o quinquênio 2017-2021. Dentre as medidas apresentadas encontra-se asaída da estatal do mercado de biocombustíveis (etanol e biodiesel), com a venda gradualdos ativos, participações e, consequentemente, das usinas produtoras.
A saída da empresa do mercado de biocombustíveis pode impactar especialmente aagricultura familiar fornecedora de matérias-primas, aprofundando o domínio privado nacompra de insumos e produção do combustível. Aparentemente, a decisão amplia aparticipação da soja como lavoura agroenergética principal do país, sobretudo devido àsligações estreitas com agroindústrias e a organização já consolidada dos agentes.
142
Gráfico 14 – Volume de biodiesel nos leilões da ANP, 2005-2015
Fonte: ANP (2016)
Gráfico 15 – Variação de preços nos leilões de biodiesel da ANP, 2005-2015
Fonte: ANP (2016)
1º L
eilã
o –
nov
2005
4º
– ju
l 200
66º
–
nov
2007
10º
– a
go 2
008
13º
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009
15º
– a
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17º
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010
19º
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010
21º
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23º
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25º
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012
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012
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013
31º
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n 20
1333
º –
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201
335
º –
fev
201
437
º –
jun
2014
39º
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– ju
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200.000
400.000
600.000
800.000
1.000.000
1.200.000
1.400.000
Volume ofertado
Volume arrematadom3
1º L
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nov
2005
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Leilã
o –
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2015
1.500,00
1.700,00
1.900,00
2.100,00
2.300,00
2.500,00
2.700,00
2.900,00
3.100,00
PMR
Preço arrematadoR$
/m3
143
Figura 21 – Empresas com SCS por região, Brasil 2015
Fonte: MDA, 2016.
Azevedo (2010), analisando os primeiros anos de leiloes da ANP, conclui que
os maiores fornecedores das matérias-primas para o biodiesel brasileiro estão
concentrados entre os grandes agricultores de soja, algodão e criadores de gado
bovino do centro-sul do país. Esses agricultores são geralmente integrados às
processadoras das oleaginosas, com acesso a diversos e avançados pacotes
tecnológicos, resultando em altas produção e produtividade das lavouras; têm no
mercado de óleo um mercado secundário, a exemplo da soja, cujo mercado principal
é o de farelo; do sebo bovino (mercado principal: carnes); do algodão (mercado
principal: fibras); e mesmo da palma (mercado principal: óleos alimentares);
entretanto, pela proximidade com a indústria processadora, são agricultores
privilegiados nos momentos de contratação para a comercialização de óleo, pela
redução dos custos de transação.
[…] além disso, o risco agronômico implicado no cultivo em largaescala de matérias-primas alternativas desestimula o investimentonas matérias-primas […] de maior potencial para a integração deagricultores de regiões mais carentes, como a mamona no semiárido.[…] a exigência de assistência técnica para certificação com o Selo
Nordeste: 4PBio (BA)
Oleoplan (BA)PBio (CE)PBio (RN)
Sudeste: 6Fertibom (SP)
JBS (SP)SPBIO (SP)Brejeiro (SP)PBio (MG)
CESBRA (RJ)
Sul: 11Oleoplan (RS)BSBIOS (RS)Granol (RS)Olfar (RS)
Bianchini (RS)FUGA Couros (RS)
Bocchi (RS)Três Tentos (RS)
BSBIOS (PR)Potencial (PR)
ADM do Brasil (SC)
Centro-Oeste: 18Granol (GO)
Caramuru (GO)Caramuru (GO 2ª unidade)
Minerva (GO)Binatural (GO)
BarraAlcool (MT)Fiagril (MT)
Biocamp (MT)Biopar (MT)
Caibiense (MT)Bio Óleo (MT)
Cooperfeliz (MT)ADM do Brasil (MT)
Bunge (MT)Noble (MT)Delta (MS)Biocar (MS)Cargill (MS)
Norte: 2Granol (TO)Biotins (TO)
5
10
3
2
1
2
1
1
42
8
1
1
144
Combustível Social é mais facilmente cumprida na negociação comos agricultores familiares mais integrados à agroindústria, queutilizam técnicas em cultivos agronomicamente bem conhecidos,situação bem diferente de produtores de regiões mais carentes quecultivam matérias-primas que demandam maior assistência.(AZEVEDO, 2010, p. 209).
Jean Marc von der Weid (WEID, 2011), economista agrícola, afirma que os
mecanismos do PNPB não promovem o fim das desigualdades entre agricultores
familiares do país e a descentralização produtiva regional, seus objetivos
fundamentais. A concentração da transformação e da participação de indústrias
processadoras ligadas aos complexos soja, fibras e carnes distancia-se dos
objetivos de inclusão dos agricultores do Norte e Nordeste. Esse aspecto é
reforçado pela falta de tradição da Petrobras no mercado de biodiesel e, sobretudo,
com as peculiaridades agrícolas especialmente no Norte, Nordeste e Semiárido. As
flexibilizações na legislação do SCS prejudicaram ainda mais esses agricultores
gerando uma situação, nas palavras do autor, de “faz de conta”: “[…] as empresas
fingem que compram a matéria-prima dos agricultores familiares e o Ministério do
Desenvolvimento Agrário (MDA) finge que acredita nisto [...]” (p. 81). Essas
características reproduzem a dinâmica agroindustrial das commodities no âmbito do
PNPB, ainda que existam dispositivos inclusivos para agricultores tradicionalmente
excluídos dessa dinâmica.
Esse conjunto de argumentos explica a queda acentuada do número de
famílias fornecedores de matérias-primas para o biodiesel incluídas nas
especificidades do SCS. Segundo o MDA, no Brasil observa-se a redução de
aproximadamente 100 mil famílias em 2010 para pouco mais de 72 mil famílias
nessas condições em 2015. Por regiões, o quadro é mais intenso no Nordeste. Após
um pico de 41 mil famílias fornecedoras em 2010, esse número não alcança as 4 mil
famílias em 2015 (Gráfico 16). Na região Sul, após forte crescimento, observa-se a
estabilização em 61 mil famílias enquadradas nos arranjos do SCS. Resultados
gerais muito aquém das 200 mil famílias a serem incluídas nacionalmente, na
proposta inicial do PNPB. Em volume físico, confirma-se a concentração no Centro-
Sul do país. Em 2015, o percentual adquirido dessas regiões (Sul, Centro-Oeste e
Sudeste) alcança 99,41% (3,5 milhões de toneladas). Os demais 0,60% (20 mil
toneladas) são divididos entre o Norte e Nordeste (Figura 22). Entre aquisições
145
individuais e a partir de cooperativas, tem-se a estabilidade ao longo da trajetória
dos leilões, com 30% das compras oriundas de agricultores individuais e 70% de
cooperativas (Gráfico 17). A soja representa 99,62% da matéria-prima adquirida em
2015. A mamona aparece em um distante segundo lugar, com 0,33% (MDA, 2016).
Gráfico 16 – Evolução do número de famílias nos arranjos do SCS, 2008-2015
Fonte: MDA (2016)
Figura 22 – Biodiesel adquirido da agricultura familiar no âmbito do SCS, 2015
Fonte: MDA (2016)
2008
2009
2010
2011
2012
2013
2014
2015
10.000
20.000
30.000
40.000
50.000
60.000
70.000
NORTE
NORDESTE
CENTRO-OESTE
SUDESTE
SUL
Nordeste: 9,46 mil ton. 0,27%
Sudeste: 129,74 mil ton. 3,73%
Sul: 2,81 milhões de ton. 80,44%
Centro-Oeste: 530,88 mil ton. 15,24%
Norte: 10,95 mil ton. 0,31%
146
Gráfico 17 – Aquisições de biodiesel em milhões de reais, 2015
Fonte: MDA (2016)
Finalmente, em 2016, após mais de uma década de PNPB, persiste o
desconhecimento dos objetivos do Programa, principalmente em regiões do
Semiárido nordestino. Arrisca-se afirmar ser essa a maior crítica ao Programa
federal pois, nessas regiões, o conhecimento expressivo é restrito a agentes
públicos, técnicos e coordenadores de sindicatos rurais e associações de
agricultores, pelo contato necessário com empresas e PBio. Aparentemente, a
maioria dos agricultores – particularmente os pequenos, em áreas mais
empobrecidas – participa de forma passiva do Programa.
As medidas necessárias ao contorno dessas limitações – elevando a
qualificação do agricultor como agente ativo da dinâmica e não apenas fornecedor
passivo de matérias-primas – são bastante conhecidas por serem aplicáveis a outros
programas de inclusão social e econômica de agricultores a partir da produção
agrícola. Também previstas no PNPB, tais medidas invariavelmente versam sobre:
a) garantia de capacitação técnica dos agricultores; b) estruturação tecnológica dos
estabelecimentos familiares com foco no aumento da produção/produtividade das
oleaginosas; c) linhas de financiamento e custeio dos insumos de produção; d)
preços favoráveis à geração de rendas comparativamente superiores com o
agrocombustível, comparando-se aos ganhos pela destinação a outras indústrias; e)
consideração da sazonalidade e calendários agrícolas das lavouras; f) diagnóstico e
1.172,9929,75%
2.769,2270,25%
INDIVIDUAIS
COOPERATIVAS
147
soluções aos problemas de transporte e armazenagem dos produtos; e g)
assistência técnica, organização da cadeia produtiva e agricultores. Saliente-se que
muitas dessas medidas somente são possíveis com a intensa participação do
Estado nos ramos da cadeia produtiva do biodiesel (produtivo, financeiro, logística,
etc.). (FERREIRA; SICSÚ, 2008; LIMA, 2004; PARK, 2006).
4.2. IMPLICAÇÕES PARA O ESTADO DA BAHIA
Com as informações da seção anterior é possível identificar e caracterizar três
momentos distintos na trajetória da execução do PNPB – e da tentativa de
consolidar o mercado de agrocombustíveis no Brasil. Um primeiro momento, pré
Programa, de euforia e otimismo entre os agentes relacionados às cadeias
produtivas, recebe o suporte da ampla pesquisa brasileira sobre o tema; da
reconhecida diversidade de matérias-primas disponíveis em consonância ao
desenvolvimento agrícola brasileiro igualmente diverso; da infraestrutura,
experiências e organização consolidadas particularmente dos complexos soja e
sucroalcooleiro; e, aparentemente o mais contundente aspecto, da mudança da
orientação político-partidária do governo federal do início dos anos 2000 que adota
os biocombustíveis como alternativa não apenas de renda, mas de inclusão social
de agricultores, especialmente familiares e de regiões agrícolas em geral mais
fragilizadas do país, caso do Nordeste semiárido. Depreende-se a inclusão de
requisitos sociais ao Programa (o SCS), a proposição de programas de ações com
metas e a unificação do discurso oficial pela abordagem social.
O segundo momento caracteriza-se pelo choque com a realidade. Embora já
bastante conhecida em décadas de estudos, diagnósticos e análises em diversos
matizes ideológicos, a complexa agricultura familiar brasileira rapidamente é
apontada como incompatível com as exigências da demanda de biocombustíveis,
sobretudo com os percentuais de misturas obrigatórias a serem praticados pelas
empresas produtoras. Problemas de organização produtiva, sazonalidades intensas,
infraestrutura e logística da agricultura familiar gradualmente confirmam a
predominância da soja e do etanol como agrocombustíveis clássicos do país, por
apresentarem cadeias produtivas estruturadas e com capacidade e regularidade de
atendimento exigidas pelo Programa. As abordagens social e de inclusão
permanecem justificativas à manutenção das unidades produtivas do óleo e
148
aquisições de matérias-primas da agricultura familiar. Entretanto, os custos e
prejuízos crescentes fortalecem a preferência pela soja como oleaginosa principal e,
excetuando-se para a parcela da agricultura familiar produtora do grão, as primeiras
análises apontam que o incremento das rendas dos demais agricultores familiares
não alcança os níveis preconizados pelos formuladores do PNPB.
O terceiro momento caracteriza-se pelo sentimento de frustração com o parcial
alcance dos objetivos do Programa. Apesar dos resultados iniciais positivos, a
percepção é de redução e limitação das ações junto aos agricultores. A queda do
número de famílias nos arranjos do SCS no Nordeste é indicativo dessas limitações.
A concentração da produção de matérias-primas nos estados do Centro-Sul do país,
a classificação da participação das oleaginosas nos leilões da ANP, aliado ao
percentual ínfimo de aquisição da agricultura familiar nordestina (menos de 0,5% do
total do país) exacerbam o predomínio das grandes lavouras de soja no
fornecimento de matérias-primas aos agrocombustíveis, além da falha no
atendimento das demandas econômicas dos agricultores do semiárido, primordiais
na concepção do Programa. Inexperiência prática no trato com produção primária e
produtores bastante pulverizados da PBio, problemas decorrentes das restrições
orçamentárias da Petrobras estão na base das explicações. Some-se às estiagens
intensas, reduzindo a oferta de produtos; e o próprio desconhecimento ou
desinteresse pelo Programa, pela existência de outros canais de comercialização
concorrentes à destinação das lavouras para agrocombustíveis.
No estado da Bahia, tem-se diagnóstico semelhante dos resultados do PNPB.
Inicialmente, Krohling e colaboradores (2009) refirmam o potencial do estado na
produção do biodiesel. Seja pela extensão territorial, pelas condições
edafoclimáticas e pelo maior contingente de agricultores familiares do país, a Bahia
aparentemente reuniria condições à produção de biocombustível. No entanto, a
viabilidade econômica demanda organização das cadeias produtivas, assegurando
competitividade em comparação aos demais combustíveis de origem não renovável.
Em 2003, seguindo as discussões sobre o tema no Brasil, universidades, órgãos
públicos e empresas privadas reúnem-se sob a Rede Baiana de Biocombustíveis
(RBB) cujos objetivos imediatos concentram-se no melhoramento das lavouras
destinadas ao biodiesel (mamona, dendê, algodão e soja), dinamizando a oferta do
produto no estado. As instituições públicas integrantes da RBB participam
igualmente do Programa de Biodiesel da Bahia (Probiodiesel Bahia).
149
Ainda sob a euforia entusiasmo em torno do agrodiesel dos primeiros anos
após o lançamento do PNPB, o Probiodiesel Bahia apresenta uma série de
instrumentos de apoio às lavouras fontes de matérias-primas, particularmente o
dendê e a mamona. O dendê apresenta analise peculiar, sintetizada no Quadro 10.
Os objetivos dos programas baianos compreendem a dinamização da agricultura
familiar a partir da geração de ocupações e rendas com o biodiesel. Esses objetivos
gerais se desdobram no fortalecimento da cadeia produtiva do biodiesel baiano;
assistência técnica aos agricultores familiares com provimento de sementes,
máquinas e equipamentos; e fortalecimento de cooperativas. Criado em 2004, o
programa reúne em cinco eixos de ações diversas instituições públicas, replicando
os objetivos e premissas gerais do programa nacional (Figura 23).
As ações de implementação do Probiodiesel BAHIA são conduzidasatravés da Rede Baiana de Biocombustíveis (RBB) e dos GruposTécnicos de Trabalho. A rede tem o objetivo de alinhar as açõestomadas pelos vários atores envolvidos na cadeia de produção dobiodiesel na Bahia, eliminando a sobreposição de esforços e adesarticulação dos atores em questão. Cabe à Secretaria de Ciência,Tecnologia e Inovação (Secti) a coordenação executiva dos trabalhosda rede e a responsabilidade de incentivar a integração das açõesdos participantes da RBB, coordenar a definição de metas, avaliandoos resultados obtidos e propor medidas de correção de rumo, senecessárias. (AVZARADEL, 2008, p. 41).
150
Quadro 10 – Viabilidade da produção de agrodiesel de dendê
Fonte: extraído e adaptado de Couto e colaboradores (2006)
A exemplo do observado em outras cadeias produtivas agroenergéticas, a escala deprodução de matéria-prima necessária à transformação em agrodiesel pode aprofundar adivisão entre produtores primários e indústrias processadoras do dendê. A figura dogrande comprador de dendê pode se estabelecer na região, com os agricultores apenasfornecedores da matéria-prima. Tem-se também que, consolidando esse papel aoagricultor familiar, as pequenas atividades no interior das unidades produtivas tenderiam àdesagregação, uma vez que basta o fornecimento da matéria-prima para o posteriorprocessamento (e agregação de valor), com iminente desocupação de mão-de-obra local.A princípio, a comercialização de dendê para o PNPB possui como vantagens a garantiade um canal de escoamento da produção, com preços a princípio estabelecidos –minimizando possíveis oscilações de mercado – além da assistência técnica destinada aosprodutores que integram o Programa. Especificamente para a agricultura familiar no BaixoSul da Bahia, onde destina-se grandes parcelas dos cachos dendê ao beneficiamento doóleo comestível, revela-se a articulação consolidada entre os agentes da cadeia produtivapara esse fim. Sendo assim, a inserção dos agricultores familiares de dendê na cadeia doagrodiesel pode implicar, no limite, a desarticulação dessas conexões, com a criação denovos agentes, grandes compradores e empresas processadoras de dendê.
O beneficiamento do dendê na Bahia é uma atividade antiga, com diversas idadestecnológicas, com transformações e inovações incrementais e radicais, como o Rodão –instrumento movido a tração animal que consiste em uma roda feita de pedra ou cimentoque gira sobre um círculo cavado no chão, onde o peso da roda esmaga os frutos dedendê. Enquanto que utilizando os pilões as quantidades de óleo são menores e o tempoexigido maior, com o rodão a quantidade extraída é significativamente maior, sendo que otempo gasto para o trabalho diminui. No entanto, o crescimento da produção passa ademandar maior quantidade de lenha para os fornos de cozimento, aumentando osdesmatamentos e volumes de resíduos depositados nos manguezais.
Nos sistemas de produção observados na comunidade Cajaíba, em Valença, noBaixo Sul baiano, os cultivos e beneficiamento do dendê com o Rodão estão entre os maiseficientes, considerando-se custos e rendas geradas. Em todos os sistemas de produçãoos subprodutos do dendezeiro (cachos, coquilho e óleo) mostram-se viáveiseconomicamente aos produtores, bem como à produção de agrodiesel. Porém,articulações mercadológicas consolidadas, agentes e ações conhecidas e os preçospraticados, orientam agricultores a continuarem a destinação do óleo de dendê para afabricação de alimentos, em detrimento da alternativa energética.
151
Figura 23 – Resumo esquemático do Probiodiesel Bahia24
Fonte: adaptado de Bahia (2006).
Em 2007 é criado o Programa de Produção e Uso de Biocombustíveis na Bahia
(Biosustentável) ou Bahiabio. O Programa apresenta como objetivos o fomento a
ações de ampliação do uso de bioenergias, estímulo a pesquisas sobre o tema e
atração de investimentos industriais (processamento da matérias-primas) do
biodiesel no estado. O Bahiabio tem na coordenação a Secretaria de Agricultura,
Irrigação e Reforma Agrária do Estado (Seagri) em parceria com a Secretaria de
Ciência, Tecnologia e Inovação (Secti); Secretaria da Indústria, Comércio e
Mineração (SICM)25; Secretaria de Desenvolvimento e Integração Regional (SEDIR);
24 EBDA: Empresa Baiana de Desenvolvimento Agrícola. Extinta em 2015, a instituição foisubstituída pela Superintendência Baiana de Assistência Técnica e Extensão Rural (Bahiater), noâmbito da Secretaria de Desenvolvimento Rural (SDR); SECOMP: Secretaria de Combate àPobreza e às Desigualdades Sociais; FAPESB: Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado daBahia; SEINFRA: Secretaria de Infraestrutura; SEFAZ: Secretaria da Fazenda do Estado;DESENBAHIA: Agência de Fomento do Estado da Bahia.
25 A partir de 2015 a SICM passa a ser Secretaria de Desenvolvimento Econômico (SDE).
Apoio à atividade agrícola
Apoio à integração da AF ao biodiesel
Infraestrutura e logística
P&D em biodiesel
SECTIFAPESB
SEINFRA
SECOMP
Eixos Ações Agentes
SEAGRIEBDA
Esfera tributária e financeira
SEFAZDESENBAHIA
MELHORAMENTO GENÉTICO; MANEJOS
DAS CULTURAS; BIOTECNOLOGIAS
CAPACITAÇÃO DE AGRICULTORES E COOPERATIVAS
PESQUISA E DESENVOLVIMENTO
RODOVIAS; HIDROVIAS;
REGULAÇÃO DOS SERVIÇOS
CAPTAÇÃO E DISTRIBUIÇÃO DE
RECURSOS
152
e Secretaria de Meio Ambiente e Recursos Hídricos (SEMA). Com objetivos gerais
semelhantes ao Probiodiesel, o Bahiabio “[…] tem como finalidade gerir e fomentar
ações, desenvolvimento, aplicações e uso de biomassa no território baiano, bem
como implantar no Estado o biodiesel como um biocombustível adicional à matriz
energética, [...]”. (BEZERRA, FERNANDES, SILVA, 2011, p. 5) e inclui
subprogramas para etanol, biodiesel e cogeração de energia, no momento de
lançamento do Programa, as metas de produção superavam os 750 mil m3 de
biodiesel para o estado a partir de 2012 (KROHLING et al., 2009).
Em 2008, também no âmbito da Seagri, é lançado o Programa Estadual de
Agroenergia Familiar. Orientado principalmente a agricultores, cooperativas e
associações de agricultores familiares, além de assentados de programas de
reforma agrária, o Programa apresenta como objetivos o incentivo à produção e
comercialização de biodiesel; inserção da agricultura familiar à cadeia produtiva
agronenergética; capacitação técnica de produtores visando produtividade e
qualidade dos produtos, fomentando maior competitividade e regularidade de
fornecimento para a agricultura familiar vinculada às matérias-primas; e, de forma
genérica o desenvolvimento socioeconômico em áreas rurais do estado. Os recursos
para o Programa são oriundos dos orçamentos geral do estado e de doações de
empresas públicas e/ou privadas. Para estas últimas, estão previstas deduções do
Imposto sobre Operações Relativas à Circulação de Mercadorias e Prestação de
Serviços de Transporte Interestadual, Intermunicipal e de Comunicação (ICMS)
como forma de incentivo (SEAGRI, 2016).
A estrutura de produção do agrodiesel na Bahia é formada basicamente por
duas empresas (Figura 24): a unidade da PBio localizada no município de Candeias
e a unidade da Oleoplan (denominação, em 2015, da antiga BrasilEcodiesel, e
posteriormente V-Biodiesel), localizada no município de Iraquara. Esta última,
produziu, em 2015, aproximadamente 106,5 mil m3 de biodiesel. Destacam-se a
mamona e a soja no conjunto das matérias-primas utilizadas pela empresa e a rota
metílica como caminho tecnológico da produção. A unidade estatal produziu, no
período, 119,1 mil m3 de biodiesel com soja, mamona, dendê, gorduras animais e
diversas entre as matérias-primas e também com o metanol como catalisador das
reações durante a produção. Estas duas empresas são as únicas listadas nos
arranjos do SCS. Uma terceira empresa, a Comanche, localizada em Simões Filho,
153
Região Metropolitana de Salvador, tem suas operações paralisadas em maio de
2011 (ANP, 2016).
No período 2008-2015, as ações do PNPB e dos programas de biodiesel
semelhantes na Bahia produziram resultados modestos e, não raro, questionáveis
quanto aos objetivos iniciais pretendidos. Em relação às famílias incluídas nos
arranjos do SCS, por exemplo, observa-se acentuado declínio no período (Gráfico
18), com forte repercussão no resultado geral para o Nordeste (Gráfico 16). É um
dado importante pois é de amplo conhecimento que a Bahia apresenta o maior
contingente de famílias de agricultores familiares do Brasil e, com menos de 1.200
famílias incluídas no SCS em 2015, revela-se um paradoxo com diferentes causas,
consequências. Esse fato se reflete no baixo volume de biodiesel adquirido da
agricultura familiar, chegando à nulidade em 2011-12 (Gráfico 19), devido sobretudo
à forte estiagem no estado (MDA, 2016).
O volume de matérias-primas adquirido da agricultura familiar no âmbito do
SCS atinge 9,46 mil toneladas para a região Nordeste, das quais 8,89 mil toneladas
na Bahia, 94% da região, porém apenas 0,27% do total nacional (Figura 26). O
volume adquirido na Bahia em 2015 é dividido em 8,65 mil toneladas oriundas da
agricultura familiar produtora de mamona (7,84 mil ton. de cooperativas e 0,81 mil
ton. de agentes individuais); o restante (0,24 mil ton.) são originárias de vendedores
individuais de soja. Em valores, as aquisições de mamona na Bahia movimentaram
aproximadamente R$12,5 milhões, 0,32% do total nacional de R$3,94 bilhões
movimentados em 2015. Destes, 61% ou R$2,40 bilhões são resultantes das
aquisições de soja no Rio Grande do Sul, fortalecendo os argumentos da
concentração das operações em torno do SCS e contrariando os objetivos iniciais do
PNPB (MDA, 2016).
154
Figura 24 – Produção de biodiesel na Bahia com registro na ANP, 2005-2015
a
b
c
Fonte: ANP (2016). Fotos: a) Oliveira (2016); b) BIODIESELBR (2016c); c) Lobo dosSantos (2012).
2005
2006
2007
2008
2009
2010
2011
2012
2013
2014
2015
0
20.000
40.000
60.000
80.000
100.000
120.000
140.000
160.000
180.000
Produção PBIO (Candeias) 2005-2015
m3
2005
2006
2007
2008
2009
2010
2011
2012
2013
2014
2015
0
20.000
40.000
60.000
80.000
100.000
120.000
Produção OLEOPLAN NE (2005-2015)
m3
2005
2006
2007
2008
2009
2011
2012
2013
2014
2015
0
5.000
10.000
15.000
20.000
25.000
Produção COMANCHE (2005-2015)
m3
155
Gráfico 18 – Famílias nos arranjos do SCS, Bahia 2008-2015
Fonte: MDA, 2016.
Gráfico 19 – Volume de biodiesel adquirida da agricultura familiar, Bahia 2008-2015
Fonte: MDA, 2016.
Com os dados oficiais é possível inferir sobre uma série de entraves, barreiras
ou limitações ao maior alcance das ações em prol do agrodiesel na Bahia. Os três
programas principais de incentivo aos agrocombustíveis no estado consoantes ao
PNPB (Probiodiesel, Bahiabio e de Agroenergia Familiar) aparentemente produziram
resultados bastante discretos, muito aquém dos objetivos ambiciosos de inclusão
social e incremento das rendas dos agricultores familiares. “O estado da Bahia tem
2008
2009
2010
2011
2012
2013
2014
2015
2.000
4.000
6.000
8.000
10.000
12.000
14.000
16.000
18.000
20.000
Fa
míli
as
2008
2009
2010
2011
2012
2013
2014
2015
0
5
10
15
20
25
30
35
mil
ton
.
156
programas de biodiesel desarticulados com a elos da cadeia produtiva, com
apresentações de objetivos, sem, no entanto, definir a forma de alcançar as metas
estabelecidas.” (SILVA, 2015, p. 62) (tradução nossa). Silva (2015) em pesquisa com
diversos agentes relacionados à cadeia produtiva dos agrocombustíveis, identifica
quatro grupo de barreiras aparentemente responsáveis pelos resultados observados
na Bahia. No primeiro grupo estão as barreiras regulatórias e das próprias políticas
públicas. Neste grupo o autor critica – além dos programas estaduais – os
instrumentos de incentivo aos agrocombustíveis, como subsídios generalizados
(invariavelmente beneficiando as grandes monoculturas, caso da soja) e a
contabilização de outros custos no cômputo das aquisições da agricultura familiar,
alteração da legislação do SCS em 2009. Na Bahia, observa-se os seguintes
desdobramentos:
[…] no caso da usina de Candeias, cerca de 70% da matéria-primada usina vêm da Bahia – existe um grande polo produtor de soja e dealgodão, por meio de agricultura mecanizada e empresarial, no oestedo Estado, por exemplo. Porém, para continuar desfrutando dasisenções previstas no “Selo Social”, que garante incentivos tributáriosa indústrias de biodiesel que compram matéria-prima de agricultoresfamiliares, a empresa dispõe de duas opções: ou compra a produçãoda agricultura familiar, que vem basicamente das regiões Sul eCentro-Oeste do país, ou contabiliza os investimentos em insumos eassistência técnica fornecidos aos agricultores familiares, como aPBio já faz no semiárido (BARROS, 2014).
Some-se ainda ao primeiro grupo de barreiras e limitações aos
agrocombustíveis na Bahia os baixos controle e fiscalização das exigências à
obtenção e manutenção do SCS pelas empresas, privilegiando grandes unidades
produtivas, com elevadas capacidades instaladas, frequentemente distantes das
lavouras, em detrimento a projetos menores, próximos aos agricultores familiares
(SILVA, 2015).
No segundo grupo estão as barreiras econômicas. São mencionados: as
oscilações da produção de mamona; os custos de manutenção das unidades de
agrocombustíveis que apresentam elevada capacidade instalada, frequentemente
desconectados da produção das lavouras; baixo volume de recursos estaduais
disponíveis para a assistência técnica, tratos culturais, sementes, pesquisa e
logística da cadeia produtiva; oscilações dos preços das matérias-primas, nesse
157
caso a mamona, desestimulando plantios, incentivando a infidelidade dos produtores
diante dos contratos das empresas processadoras; baixa organização de
agricultores e suas representações, especialmente as cooperativas. No terceiro
grupo de barreiras e limitações, estão aquelas de caráter agronômico.
Irregularidades das chuvas; deficiências na distribuição de sementes; baixa
qualificação, em geral, de pequenos agricultores no plantio da mamona; deficiências
nas ações de assistência técnica fazem parte desse grupo. No quarto e último grupo
estão as barreiras infraestruturais destacando-se a baixa articulação entre as
diversas secretarias estaduais à frente de programas de biodiesel Bahia, com
reflexos na continuidade de investimentos e demais ações em pesquisa,
desenvolvimento e melhoramento da infraestrutura de logística da cadeia produtiva
(SILVA, 2015).
Abreu, Pedrozo e Silva (2014) analisando a dinâmica da cadeia do biodiesel de
mamona no Ceará e Oliveira e Sant'ana (2009) em relatório dos primeiros resultados
do PNPB para a Bahia, apresentam observações semelhantes em relação à
limitação da atuação das cooperativas de agricultores familiares planamente
observáveis para o semiárido baiano. Essas observações incluem: i) organização e
usos de tecnologias incipiente pelas cooperativas. Isso é particularmente observado
no pouco conhecimento do agricultor dos processos de transformação da oleaginosa
em óleo combustível; ii) desvirtuamento das ações das cooperativas, transformando-
se muitas vezes em associações para fins de recebimento de recursos, linhas de
crédito estatais e/ou instrumentos para evasão fiscal de empresas; iii) dificuldades
logísticas (e de custos) para entrega das sementes e escoamento da produção dos
agricultores, diante da dispersão geográfica das lavouras são a principal
consequência desse fato; iv) pouco conhecimento do agricultor em geral da
amplitude da ação da PBio e demais empresas no ramo de agrocombustíveis ou
mesmo do que representa e como se processam as ações do PNPB. Isso repercute
na pouca compreensão dos contratos a serem assinados com as empresas e nas
eventuais resistências às ações do Programa. Evidentemente, falhas de atuação do
governo do estado – no fornecimento da assistência técnica no tempo requerido pela
lavoura; na emissão de documentos comprobatórios de plantio, para efeitos de
recebimento pela produção; na liberação de recursos para custeio das lavouras;–
além das falhas de sinalização de preços a serem praticados pelas empresas
158
compradoras das matérias-primas (interferindo nos ganhos com a atividade)
contribuem à desconfiança do agricultor.
Note-se ainda que, nos períodos anteriores à atuação da Petrobras no circuito
produtivo da mamona no semiárido baiano, as características mais informais da
produção e da comercialização implicam a pouca preocupação do agricultor com a
destinação do produto final da sua lavoura. De fato, nesse ambiente, predomina a
figura do atravessador, que compra, recebe a mamona (em qualquer quantidade) e
paga de imediato (ou adiantado). É liquidez instantânea para o agricultor cobrir seus
gastos, até mesmo despesas cotidianas. Estabelecida e consolidada a décadas,
aparentemente essa dinâmica pouco ou nada se altera com a entrada da Petrobras,
especialmente nos primeiros anos de implantação do PNPB. A forte concorrência
com a indústria ricinoquímica e a ocorrência de fortes estiagens parecem limitar a
destinação da mamona ao agrodiesel. Sugere-se que o agricultor sempre preferirá
liquidez imediata obtida com os atravessadores à venda burocratizada (contratos,
normas e preços) da mamona para as empresas que destinam o óleo à Petrobras.
4.3 AGRODIESEL DE MAMONA: DA EUFORIA À FRUSTRAÇÃO
É de amplo conhecimento que a Bahia se destaca no cenário produtivo da
mamona do país (Gráficos 9 e 10). Tradicional lavoura da região semiárida do
estado, a produção das bagas tem como destino preferencial a indústria de óleo de
rícino, a ricinoquímica ou rícinoindústria. A mamona tem a característica de ser fonte
de renda imediata importante para o agricultor, em momentos de dificuldades com
outras lavouras geralmente cultivadas associadas (feijão e milho). Em alguns casos,
as rendas percebidas com a mamona são destinadas a gastos cotidianos do
agricultor. Mesmo com características produtivas e peculiaridades mercadológicas
bastante conhecidas, a mamona foi selecionada para ser a lavoura fornecedora de
matéria-prima ao agrodiesel no Nordeste no âmbito do PNPB. O simbolismo da
lavoura, a ligação imediata com o semiárido e com a agricultura familiar se tornaram
fortes apelos iniciais especialmente aos objetivos de inclusão social e econômica
promoção do Programa.
O entusiamo se estabelece com a defesa, pelo MME, da produção de 50% do
biodiesel no país com origem na mamona – utilizando a rota etílica, sugerindo a
incorporação do setor sucroalcooleiro-energético –, no momento de formulação do
159
Programa. As prerrogativas e exigências de cunho social do PNPB (o SCS)
alimentam a euforia com o agrodiesel e sua capacidade alardeada em transformar a
realidade socioeconômica dos agricultores mais fragilizados do Nordeste e, por
conseguinte, da Bahia semiárida. Em relação aos canais de comercialização
consolidados, os primeiros anos da chegada do PNPB criaram a expectativa de que,
um eventual aumento das rendas pudesse alterar o quadro construído em décadas
para a lavoura nas regiões produtoras. Os resultados do primeiro leilão da ANP (em
novembro de 2005), quando do volume total de biodiesel adquirido pelas empresas
participantes (70.000 m3), aproximadamente 54% são oriundos do óleo de mamona,
reforçam essas expectativas. No entanto, desconfianças sobre a real capacidade de
atendimento da agricultura familiar nordestina, em um cenário de obrigatoriedade
próxima com o B2 rapidamente alteram a percepção geral sobre o futuro do
agrodiesel de mamona (FLEXOR et al., 2011).
As críticas às metas inclusivas da agricultura familiar do semiárido
recrudescem quando a realidade das condições produtivas médias do agricultor são
confrontadas com as exigências de produtividade e regularidade das lavouras.
Aparentemente, no momento de formulação do PNPB, apesar da diversidade de
agentes envolvidos (ou mesmo por conta dessa diversidade), a percepção básica
das dinâmicas dos sistemas de produção com mamona, as realidades agrárias
locais, as estruturas de comercialização (e de formação de preços), os graus de
envolvimento do agricultor, a consideração da conjuntura produtiva oscilante em
virtude das estiagens, todos esses fatores receberam atenções aquém do que
especialistas recomendavam. A intencionalidade primordial em incluir agricultores
ofuscou análises mais profundas, desconsiderando a extensa produção disponível
sobre o tema.
Os primeiros estudos dos economistas da Petrobras beiravam oabsurdo, se considerarmos a realidade da agricultura familiar dosemiárido. O modelo produtivo sugerido pelos “especialistas”considerava que, para ser rentável, a produção de mamona deveriaocupar, no mínimo, 30 hectares em monocultura com variedades dealto rendimento, uso de adubos químicos e agrotóxicos. Com istoseria possível obter um rendimento de até 3 toneladas de mamonapor hectare, aliviando as necessidades de subsídio na compra doproduto. Esta lógica batia de frente com o tamanho daspropriedades, com a falta de acesso ao crédito para comprarinsumos e, sobretudo, com o desconhecimento destes métodosprodutivos por parte dos agricultores. (WEID, 2011, p. 84).
160
Em 2008 a própria ANP alimenta as desconfianças com críticas técnicas ao
óleo puro de mamona como matéria-prima para agrodiesel. Evocando a viscosidade
elevada do produto puro, a Resolução 7/2008 da agência estatal apresenta o óleo
de mamona com viscosidade variando entre 20 e 30 mm/segundo – quanto maior
esse indicador físico-químico, maior a dificuldade de circulação do óleo nos motores
ciclo-diesel, inviabilizando sua utilização – sendo a viscosidade do diesel mineral
situada em 3,1 mm/segundo. A orientação da ANP é pela composição com óleos de
outras oleaginosas misturadas ao óleo de mamona, a uma proporção de 40% do
óleo da baga (ANP, 2016; WILKINSON; HERRERA, 2008). No Quadro 11, têm-se as
principais variedades da mamona para fins energéticos cultivadas na Bahia
Simultaneamente, a forte oscilação da produção baiana (Gráfico 9) –
repercutindo no resultado nacional – concorreu para a busca de soluções à
viabilidade da mamona, carro-chefe da abordagem social do PNPB. As iniciativas
incluem: i) melhoria da comunicação dos objetivos, instrumentos e das
oportunidades então proporcionadas pelo Programa, dinamizando a interação entre
agentes produtivos e institucionais. Essas ações ficariam a cargo das instituições
representativas dos agricultores sob a coordenação do MDA; ii) criação de linhas
específicas de crédito para a mamona, no âmbito do Pronaf; iii) pesquisa e
diversificação de cultivares de mamona e de intensificação dos usos de tecnologias,
visando ganhos de produtividade das lavouras, a cargo da Embrapa Agroenergia e
do MCT; iv) pesquisa sobre usos da torta de mamona na tentativa de diversificar os
ganhos dos agricultores com a atividade, capitaneado pela PBio. Some-se à criação
de programas específicos no Nordeste (na Bahia tem-se o Probiodiesel; Bahiabio e
Agroenergia Familiar), objetivando
[…] alinhar os interesses difusos dos diferentes atores estaduais epermitir uma maior cooperação na cadeia. Essas diversas iniciativasvisavam provavelmente estabelecer à credibilidade e à viabilidade doPNPB. Mas eram também reações de parte da equipe do governofrente a possibilidade de fracasso do programa. (FLEXOR et al.,2011, p. 31)
161
A partir de 2009, cinco anos após as primeiras ações do PNPB, como resultado
da complexidade da produção de mamona no semiárido nordestino e das
dificuldades em diversas abordagens ao alcance dos objetivos do Programa,
grandes vitrines da agroenergia familiar exibem resultados pouco animadores,
exacerbando problemáticas já existentes e enfrentadas pelos agricultores. O caso da
fazenda Santa Clara, no Piauí, mostra como as realidades se impõem às intenções
– ainda que positivas, inclusivas socioeconomicamente –, dos formuladores das
políticas, gerando frustrações e desconfianças, alimentando críticas ao modelo de
agrodiesel de mamona no semiárido nordestino (Quadro 12). A mamona para
agrodiesel no Piauí também reforça a necessidade, por vezes negligenciada pelos
formuladores de programas de políticas com foco na agricultura familiar, de
entendimento das realidades agrícolas e agrárias históricas como aspecto
fundamental à implantação das ações. Nas áreas de influência da PBio em Minas
Gerais e no Ceará, além da experiência no Rio Grande do Norte, os primeiros
resultados são semelhantes. Questiona-se, no limite, a própria manutenção das
ações do PNPB no Nordeste.
Na região de Montes Claros (MG) a unidade da PBio foi inaugurada em 2009
(Usina Darcy Ribeiro) somando-se à empresa privada Petróleo Verde Vale do São
Francisco Ltda (PETROVASF). Essa última produz óleo de mamona para a indústria
riciniquímica. Com a PBio consolidam-se as condições para a implementação do
SCS nos moldes previstos no PNPB. Ações complementares, como a assistência
técnica aos agricultores, estabelecimento dos canais e preços de comercialização da
mamona são observadas, inclusive com contratos firmados antes mesmo da
inauguração da usina, em 2007. O momento é positivo para a mamona no norte
mineiro. Os contratos, de cinco anos, incluem o fornecimento de sementes, sacaria e
transporte da mamona (PENIDO, 2015; GONÇALVES, 2013).
162
Quadro 11 – Variedades de mamona na Bahia e características agronômicas
Fonte: extraído de Embrapa (2015).
Variedade deiscente é aquela que os frutos se abrem na própria planta quando atingem a maturação;Semideiscente é aquela que os frutos se abrem quando os frutos são colhidos e expostos ao sol ouquando expostos a altas temperaturas e/ou baixa umidade quando maduros na própria planta; Variedadeindeiscente é aquela em que os frutos só abrem sobre pressão mecânica, em máquinas oumanualmente. Quanto maior o grau de deiscência da mamona, maiores os custos com a colheita daslavouras aos agricultores.
OBS.: EMPARN: Empresa de Pesquisa Agropecuária do Rio Grande do Norte.
BRS NORDESTINA
Cultivar desenvolvida pela Embrapa/EBDA. É uma cultivar de porte médio, com altura média de 1,9m, caule de coloração verde e coberto de cera, racemo cônico, frutos semi-deiscentes e semente grande, de cor preta, pesando aproximadamente 0,68g e contendo 49% de óleo. A floração inicia-se aproximadamente aos 50 dias após a emergência. Deve ser plantada em espaçamento entre linhas variando de 3m (consorciado) a 2,5 (solteiro) e 1m entre plantas. Em condições normais, com fertilidade do solo mediana, altitude superior a 300m, tratos culturais adequados e pelo menos 500mm de chuva pode produzir 1.500 kg/ha de sementes a cada ano.
BRS PARAGUAÇU
Cultivar desenvolvida pela Embrapa / EBDA. Tem porte médio, com altura média de 1,6m, caule de coloração roxa e coberto de cera, racemo oval, frutos semi-deiscentes e semente grande, de cor preta, pesando aproximadamente 0,71g e contendo 48% de óleo. A floração inicia-se aproximadamente aos 50 dias após a emergência. Deve ser plantada em espaçamento entre linhas variando de 3m (consorciado) a 2,5 (solteiro) e 1m entre plantas. Em condições normais, com fertilidade do solo mediana, altitude superior a 300m, tratos culturais adequados e pelo menos 500mm de chuva pode produzir 1.500 kg/ha de sementes a cada ano.
BRS ENERGIA
Desenvolvida em rede pela Embrapa, EBDA e Emparn e lançada em 2007. Tem porte baixo, em torno de 1,40m, ciclo entre 120 e 150 dias, caule verde com cera, cachos cônicos com tamanho médio de 60cm, frutos verdes com cera e indeiscentes. As sementes pesam entre 0,40g e 0,53g com as cores marrom e bege, contendo 48% de óleo. A produtividade média experimental foi de 1.500 kg/ha e deve ser plantada em espaçamentos de 1x1m. Os testes foram realizados nos Estados do Ceará, Sergipe, Alagoas, Rio Grande do Norte e Bahia. A cultivar ainda está sendo validada em outras regiões do país e sob condições de mecanização. O descascamento das sementes só pode ser feito em máquinas.
163
No entanto, as desconfianças com a lavoura de mamona e a destinação para
agrodiesel ainda estão na memória dos agricultores, em virtude dos acontecimentos
que exigiram esforço maior ds PBio no convencimento ao retorno dos agentes à
produção das bagas. Gonçalves (2013) relata a experiência de agrodiesel em
Montes Claros no final dos anos 1990 na qual agricultores foram incentivados a
plantar mamona visando alimentar empresa processadora privada. Com a promessa
de compra da produção, agricultores se endividaram para o trato com a lavoura. A
dificuldade de crédito enfrentada pelo empresário no período levou à dissolução do
projeto, implicando perdas da produção dos anos correspondentes. Relatam-se
queimas de mamona pelos agricultores envolvidos. O descrédito com o agrodiesel
no norte de Minas estava, pois, instalado.
Com o apelo do SCS e das prerrogativas sociais e econômicas do PNPB,
tenta-se novamente o envolvimento de agricultores com a mamona. Os resultados
iniciais pareciam promissores. Em 2008, a produção de mamona em Minas Gerais
alcançou 9,5 mil ton., passando a 10,1 mil ton. em 2009 (IBGE, 2016). Dispunha-se
de assistência técnica para as lavouras, distribuição de sementes, além de suporte
na celebração dos contratos – capitaneadas pela PBio e Empresa de Assistência
Técnica e Extensão Rural de Minas Gerais (EMATER-MG). As dificuldades emergem
com a redução gradual da assistência técnica, ao longo de 2009. A quantidade de
comunidades atendidas diminui, trazendo insegurança à atividade. Uma das
cooperativas de agricultores familiares locais, a Grande Sertão Cooperativa
Agroextrativista, havia sido considerada integrante da cadeia produtiva
agroenergética. Entretanto, a cooperativa originalmente opera com a macaúba
(Acrocomia aculeata, palmeira de frutos oleaginosos presente em quase todo o
Brasil) como matéria-prima e o contrato com a PBio, firmado em 2009, previa a
utilização da palmeira conjuntamente à mamona. O descumprimento do contrato
pela empresa precipitou conflitos entre os agentes que atinge o ápice com o
encerramento do contrato de assistência técnica, em 2011 (GONÇALVES, 2013).
Some-se à decisão estratégica da PBio em privilegiar a produção em áreas de
lavouras concentradas, centralizadas – ou “nucleadas”, como define Penido (2015) –
em relação aos centros de aquisição e transporte da mamona (devido aos custos e à
logística), além das exigências crescentes em quantidade e regularidade produtiva
aos agricultores acabam por chocar-se com a dispersão geográfica e dinâmica
produtiva da agricultura familiar do semiárido, catalisando conflitos entre os agentes.
164
Trata-se do embate explícito entre a lógica empresarial da PBio com a lógica da
agricultura familiar.
[...] é recomendado que a cooperativa ou empresa de assistênciatécnica cadastre no mínimo 100 agricultores por município. Damesma forma, só é viabilizada a participação de comunidades ruraisque concentrem em um menor raio de extensão quantia mínima deprodução que compense a logística de transporte. Ou seja, énecessário que os agricultores estejam concentrados em uma dadalocalidade, “no mínimo 20 agricultores num raio de 5 km” paraviabilizar o deslocamento da assistência técnica e do transporte damatéria-prima […]. (PENIDO, 2015, p. 203)
Considerando-se a abordagem agronômica da lavoura, têm-se a baixa
adaptação da mamona a áreas de cerrado – bioma de parcela dos municípios do
norte mineiro – e a alteração, pela PBio em 2010, da semente utilizada pelos
agricultores: a tradicional Guarani foi substituída pela variedade Nordestina (BRS
149) desenvolvida pela Embrapa.
Como a atividade de colheita da mamona é manual, as diferençasentre as variedades de mamona Nordestina e Guarani são cruciaispara o agricultor familiar, no que diz respeito ao seu trabalho e àquantidade de mão de obra envolvida no processo. Como os frutosda variedade Guarani são indeiscentes (ou seja, quando amadurecea mamona não abre naturalmente, “não estrala”, como diriam osagricultores locais), o tempo da colheita é mais flexível (o agricultorespera o amadurecimento da mamona no campo), com poucautilização de mão de obra, já que a mamona pode ser entregue embaga (com casca). Ao revés, a variedade de mamona nordestina,[…], dada sua característica semideiscente, deve ser colhida aindaverde, em tempo hábil para evitar a perda da cultura. Depois decolhida, a mamona acaba de amadurecer no “terreiro”, sendoposteriormente descascada; o que demanda mais tempo e mão deobra. Ainda por sua característica semideiscente, os agricultores sãoobrigados a realizar de 3 a 4 colheitas por safra, onerando os custosde produção da cultura. (PENIDO, 2015, p. 207)
165
Quadro 12 – Faz. Santa Clara (PI): realidade se impõe ao agrodiesel no semiárido
Fontes: Barros (2010); Biondi (2014); a) Flexor et al. (2011, p. 62); IBGE (2016)
Em 2005, ainda sob a euforia do lançamento do PNPB, a fazenda Santa Clara,no município de Canto do Buriti, no Piauí, foi alçada à condição de modelo de biodieselpioneiro a ser potencialmente implantado em todo o Nordeste semiárido. Aparentementeas condições eram bastante favoráveis: envolvimento de agricultores familiares (em tornode 700 famílias); utilização da mamona (lavoura tradicional do semiárido); articulação daprodução a partir da empresa Brasil Ecodiesel (sob denominação de Buriti Agrícola),garantindo a compra da mamona, estabelecendo canal de comercialização, condiçãoessencial ao sucesso de projetos dessa natureza; criação de empregos no vale do rioGurguéia. Esses aspectos fortalecem a vertente social do Programa federal; introdução docomponente agrário à questão: as famílias receberiam posteriormente – em 2014, após 10anos de vigência do contrato com a empresa privada – a posse definitiva das terras emque produzem. As terras foram doadas pelo estado e acompanhadas de isenções detributos estaduais. Em 2015, a produção de mamona piauiense é praticamente nula –apenas 73 toneladas, segundo o IBGE – e os agricultores remanescentes buscam novosprojetos sob a coordenação da Cooperativa de Produção e Comercialização da AgriculturaFamiliar da Comunidade Santa Clara (COOPASC), fundada em 2010.
O que deu errado? “O projeto fracassou e, desde 2009, a Brasil Ecodieselpassa por uma intensa crise administrativa, financeira e jurídica com a saída deexecutivos, denúncias de trabalho escravo na produção de biodiesel, problemastrabalhistas. Para piorar, foi cortada dos leilões da ANP por não cumprir o contrato deentrega, além de perder o Selo Combustível Social de quatro de suas seis usinas,respectivamente: Iraquara (BA), Crateús (CE), São Luís (MA) e Floriano (PI) (a)”. Natentativa de reverter esse quadro, têm-se a movimentação de capital que resulta emprocessos de incorporação das empresas Maeda Agropecuária e VanguardaAgropecuária, a partir de 2009. A empresa resultante, Vanguarda Agro, assume oagrodiesel de mamona na Santa Clara em um quadro de declínio da produção e reduçãodos ganhos dos agricultores. Outra causa do insucesso pode ser atribuída a origem eexpertise das empresas à frente do projeto. A Vanguarda Agro tem origens em empresastradicionais do complexo soja, algodão e milho, com lógicas, comportamentos e práticaspeculiares, frequentemente distantes da realidade ao agricultor do semiárido nordestino.Simultaneamente, questionam-se as condições de trabalho dos agricultores (inclusive comdenúncias de trabalho escravo) e o destino final das terras doadas pelo estado: dos 40 milha, cerca de 17,5 mil ha seriam reservados ao agricultores, em média 25 ha por família. Orestante continuaria sob a administração da empresa Enguia Power, holding energéticacom ativos também no Ceará e Bahia até a comercialização para fins de reforma agráriapelo Incra. A complicada conjuntura envolve as baixas produtividades da mamona, odesmatamento das terras pela administradora para a produção de carvão e a suspensãodas atividades em 2009.
O quadro enfrentado pelos agricultores fazenda da Santa Clara é semelhanteao observado em outros rincões do semiárido nordestino em relação ao agrodiesel. Asdificuldades passam pela condução do projeto pelas empresas processadoras dasmatérias-primas, suas estratégias mercadológicas e de capital, os interesses com amamona e com a dinâmica da agricultura familiar e a logística da cadeia produtiva. Assoluções apresentadas envolvem a organização dos agricultores diante de um novoprojeto produtivo – aparentemente esse é o caso da COOPASC, aproveitando a (boa)disponibilidade hídrica local – a definição do acesso e posse das terras e a capitalizaçãodos agricultores, viabilizando economicamente a produção agropecuária diversificada.
166
Esse conjunto de acontecimentos repercute na queda da produção da mamona
no estado. Em 2010, são 8,9 mil ton.; 2011: 6,0 mil ton.; 2012: 2,1 mil ton.; 2013: 862
ton.; 2014: 1,1 mil ton. Em 2015, a produção alcança apenas 170 toneladas –
concentradas nos municípios de Matias Cardoso, Monte Azul e Mato Verde –,
revelando as dificuldades da lavoura no semiárido com reduzido apoio de
instituições de assistência técnica, combinada à estiagem severa. Os dados oficiais
revelam que 50 toneladas foram adquiridas de agricultores sob os arranjos do SCS,
gerando receitas de aproximadamente R$ 60 mil. Não são registradas aquisições de
cooperativas mineiras. A baixa produção resulta na utilização do óleo de soja como
principal matéria-prima ao biodiesel na Usina Darcy Ribeiro, com aquisições
fundamentalmente de Goiás, Mato Grosso e de agricultores familiares mineiros mais
tecnificados, integrados à agroindústria no âmbito da Cooperativa Agropecuária
Pioneira Ltda. (COOAPI) única cooperativa no rol de fornecedores da usina com
DAP jurídica. A mamona adquirida junto à agricultura familiar local – requisito à
manutenção do SCS pela usina – é destinada à indústria ricinoquímica (IBGE, 2016;
MDA, 2016; PENIDO, 2015; GONÇALVES, 2013).
Apesar de trajetórias diferenciadas, o quadro final observado em Quixadá, no
sertão central do Ceará, é semelhante àquele do norte semiárido mineiro. A unidade
da PBio cearense, no momento da inauguração, em 2008, enfrenta as primeiras
dificuldades da lavoura de mamona para a produção de agrodiesel. Semelhante ao
observado em Montes Claros, a soja ganha espaço como matéria-prima para a
produção de combustível pela usina. Reportagem publicada em maio de 2013 pelo
jornal local Diário do Nordeste resume bem a situação em Quixadá. O título “Usina
nasceu tendo a soja como insumo principal”, somado ao reconhecimento da
necessidade do grão para viabilizar a produção de combustíveis – no caso
específico cearense tem-se ainda o óleo de peixe, sebo bovino, dendê, óleo de
algodão e outras gorduras residuais – indica que os objetivos socioeconômicos
preconizados no PNPB também não seriam atendidos no Ceará, ainda que nos
primeiros anos após a implantação da usina processadora o conjunto de ações
estejam presentes: assistência técnica aos agricultores familiares, distribuição de
sementes e garantia de preços da mamona (DIÁRIO, 2016).
A PBio enfrenta a situação de baixa organização dos agricultares, com pouca
participação de associações, mas não de cooperativas. “Isto se deve, em parte, ao
desgaste da denominação “Cooperativa”, ocasionado por sua “utilização marginal”,
167
exemplificando empresas que usaram as cooperativas como uma forma de escapar
do Fisco no passado.” Outras restrições dizem respeito ao nível técnico dos
agricultores:
A base tecnológica dos agricultores é também muito incipiente nacultura de oleaginosas. Eles não detêm o conhecimento do processode transformação do grão em óleo, inclusive, de procedimentosbásicos, tais como o descascamento dos grãos. Trabalhar com ogrão in natura aumentou, inclusive, os custos com o processo deesmagamento (ABREU; PEDROZO; SILVA, 2014, p. 283).
Dispersão de agricultores, problemas de logística, grau técnico baixo,
desconhecimento e desconfianças em relação ao PNPB. Somem-se as conhecidas
falhas e descontinuidades no fornecimento de assistência técnica – no âmbito da
PBio e/ou da Empresa de Assistência Técnica e Extensão Rural do Ceará
(EMATERCE). Na tentativa de viabilizar o Programa no estado, são criados Polos de
Produção e Comitês de Gestão da atividade local, aglutinando diversos agentes tais
como organizações representativas dos agricultores, instituições financeiras, de
assistência técnica, universidades, entre outras. O objetivo principal está na
identificação e diagnóstico mais aprofundado dos problemas citados e proposição de
ações para a cadeia produtiva agroenergética cearense. No Quadro 13 tem-se o
cenário do agrodiesel de mamona em Quixadá, com as principais situações
observados e medidas para dinamizar a cadeia produtiva local.
168
Quadro 13 – Cenário do agrodiesel de mamona em Quixadá, Ceará
Fonte: extraído e adaptado de Abreu; Pedrozo e Silva (2014).
Aparentemente, os esforços não se traduziram em resultados positivos,
considerando-se os objetivos gerais do PNPB. O número de famílias incluídas nos
arranjos do SCS, que alcança máximo em 2011, com aproximadamente 21,6 mil
famílias reduz-se à 2,37 mil famílias em 2015. Embora esse número seja superior ao
dobro ao observado para a Bahia no mesmo período, o volume adquirido da
agricultura familiar alcança apenas 310 toneladas – comparando-se às 8,9 mil
toneladas adquiridas de agricultores familiares baianos. Desse total, 260 toneladas
são de mamona; o restante de óleo de peixe. A totalidade das aquisições de
mamona foram mediante contratos individuais, devido à inexistência de cooperativas
habilitadas ao atendimento das demandas da empresa (MDA, 2016).
A agudização da situação em Quixadá ocorre com o encerramento das
operações da usina, em novembro de 2016. A ação integra os planos de
reestruturação dos investimentos da Petrobras, diante da situação financeira
enfrentada pela estatal e os prejuízos registrados com a PBio, próximos a R$ 1
bilhão em 2015 (BIODIESELBR, 2016a), conforme apresentado no Quadro 13. Em
2016, ainda não são conhecidos as repercussões efetivas sobre a cadeia do
agrodiesel de mamona no semiárido cearense com a saída da PBio.
Premissas Situação observada Soluções encontradas
Cooperativas de agricultores
Não haviam cooperativas formadas ou com nível de gestão adequado. Trabalhar com contratos individuais.
Formação de núcleos de produção. Trabalhar em conjunto com o projeto Polos de Produção do Biodiesel do MDA.
Produzir biodiesel com o óleo produzido nas
cooperativas.
Além de não existirem cooperativas, a base técnica dos agricultores era incipiente na cultura de oleaginosas para extrair o óleo do grão.
Trabalhar com o grão in natura oriundo da agricultura familiar.
Processo Produtivo (Transesterificação)
Não havia produção de óleo suficiente para abastecer a Usina de Quixadá.
Necessidade de se operar com o esmagamento e o descascamento do grão. Tentativa do Governo Estadual de providenciar máquinas para descascar o grão.
Assistência técnica pública
Problemas de gestão, recursos humanos e utilização dos recursos do MDA.
Assistência técnica pública em conjunto com cooperativa de produção e cooperativa privada de técnicos.
169
No Rio Grande do Norte, a usina da PBio em Guamaré, litoral norte do estado
(região Costa Branca), nem sequer consolidou suas atividades comercialmente.
Inaugurada em 2006, em caráter experimental, as operações da usina foram
postergadas para 2013. Após dois novos adiamentos em 2014, a Petrobras decide
encerrar definitivamente as operações da usina em 2015, igualmente pelas razões
apresentadas para o Ceará. As atividades da usina concentram-se na pesquisa e
desenvolvimento de tecnologias para o agrodiesel. No planejamento inicial, as
matérias-primas para a usina seriam majoritariamente a mamona e o girassol. No
entanto, secas fortes e prolongadas atingem o estado potiguar impactando
intensamente as lavouras. Consequentemente, óleos de soja e algodão, adquiridos
em praças baianas e cearenses predominam à época do encerramento da produção
comercial (BIODIESELBR, 2016b; G1, 2015).
Os casos mineiro, cearense e potiguar e, em alguma proporção, o baiano
sugerem a atenção aos diversos estudos e análises prévios sobre o quadro técnico-
produtivo, organizacional, social e econômico das regiões como requisitos à
implantação das ações do PNPB. Lima, Ferreira e Sicsú (2008), por exemplo,
apresentam as seguintes observações que resumem a complexa conjuntura da
agricultura familiar do semiárido nordestino: i) necessidade de organização dos
agricultores como forma de adquirirem economias de escala e escopo em sua
atividade, algo bastante difícil pela atuação individualizada dos produtores; ii)
participação do Estado e outras instituições representativas, notadamente
cooperativas, no processo de organização dos agricultores; iii) necessidade de
criação e manutenção de mecanismos de incentivos que facilitem a integração entre
agricultores e empresas processadoras; iv) acompanhamento das áreas onde é
possível implantar sistemas de produção direcionados ao óleo combustível; v)
monitoramento dos preços, com definição de preços mínimos para a mamona; vi)
apoio do Estado para os tratos culturais e fornecimento de sementes; vii) assistência
técnica aos agricultores; ix) mecanismos de manutenção das rendas, como seguro-
safra, para os casos de secas prolongadas.
170
4.4. CONSIDERAÇÕES PARCIAIS
O PNPB reúne de forma até então inédita na trajetória histórica dos
combustíveis alternativos no país, uma série de instituições dos mais diversos
segmentos da sociedade civil, econômica, instituições públicas e privadas com
objetivo de executar um conjunto de ações orientadas ao fortalecimento de toda a
cadeia produtiva (suprimento de matérias-primas, produção industrial e distribuição)
dos biocombustíveis e, dentre esses, particularmente, dos agrocombustíveis. À
expertise reconhecida de centros de pesquisa e desenvolvimento das lavouras e
matérias-primas, a exemplo da Embrapa, Ceplac na Bahia e universidades
brasileiras públicas e privadas espalhadas em todo território nacional, combinam-se
iniciativas de inclusão econômica e social de agricultores, particularmente os
familiares.
Note-se que essa peculiaridade do PNPB o diferencia de experiências similares
implementadas no Brasil a partir dos anos 1970 que, embora representem
importantes avanços ao desenvolvimento de técnicas e tecnologias aos bio e
agrocombustíveis, não raro, concentram a produção primária em grandes
monoculturas e os eventuais ganhos com a atividade em segmentos
tradicionalmente mais organizados, com produção em escala industrial, com maior
regularidade visando ao atendimento das demandas e acesso a linhas de crédito
para o financiamento e custeio das produções. A conjuntura adversa dos preços do
petróleo também é fator essencial ao incentivo dos agrocombustíveis, cujo
agroetanol de cana-de-açúcar no âmbito do Proalcool é exemplo de maior
amplitude, ainda nos anos 1990.
A reversão da tendência de alta dos preços do petróleo aliado ao fim dos
subsídios às lavouras, arrefecem o ímpeto dos combustíveis alternativos no Brasil. O
tema retornaria ao debate nacional nos anos 2000, com a expansão dos motores
flex, flexfuel – no caso do agroetanol – e de novos estudos, diagnósticos e ações,
reunidos no Probiodiesel. Esses estudos são a base para o grupo de trabalho
interministerial (GTIB) que dará sequencia às discussões com a participação de
diversos grupos para a elaboração do PNPB, em 2004. O programa apresenta
algumas inovações, como o calendário de adições obrigatórias de biodiesel ao
diesel mineral, com clara motivação de incentivar o mercado criando novas
171
demandas; o estabelecimento de leilões para a comercialização dos combustíveis; e
um conjunto de benefícios e desonerações fiscais objetivando expandir também a
participação das indústrias processadoras. A Petrobras, sua subsidiária PBio, ANP,
BNDES, Embrapa, MDA, entre outras instituições envolvidas significariam, em um
primeiro momento, real possibilidade de êxito do PNPB.
No entanto, dentre os eixos de atuação do Programa destaca-se o incentivo à
agricultura familiar. A elaboração e execução das normas e requisitos ao Selo
Combustível Social (SCS) é o instrumento primordial ao alcance dos objetivos
socioeconômicos do programa estatal. O apelo é direcionado especialmente aos
agricultores do Norte, do Nordeste e do Semiárido, incluindo o norte do estado de
Minas Gerais. No limite, as discussões ambientais e mesmo o caráter alternativo em
questão ficam em segundo plano. A viabilização econômica da agricultura em áreas
fragilizadas do país ganha espaço e esforços, especialmente dos agentes públicos.
Ações subjacentes orientam-se por esse objetivo: criação e garantia de mercados,
oferta de assistência técnica, fortalecimento de associações, sindicatos e,
princialmente, de cooperativas de agricultores familiares, além da exigência do SCS
para as indústrias processadoras.
No primeiro quinquênio após a implantação do Programa, as análises indicam
que os objetivos iniciais em relação à agricultura familiar dificilmente seriam
alcançados. O agrodiesel de soja e o agroetanol de cana-de-açúcar dominam os
circuitos produtivos primários, como atestam os resultados oficiais dos leilões da
ANP. Ademais, a complexidade do tema e assimetrias de interesses, perceptíveis
ainda no momento de discussão do conjunto de ações do Programa e, somando-se
à própria discrepância de entendimento do papel (e formas de inclusão/integração)
do agricultor familiar diante dos agrocombustíveis – revelado no posicionamento de
importantes instituições representativas dos agricultores, a exemplo da Fetraf,
Contag e o MST – contribui aos resultados observados das ações do Programa a
partir de 2009.
Os complexos soja e sucroalcooleiro, dominantes historicamente nas grandes
lavouras brasileiras, ampliam esse domínio com a emergência dos
agrocombustíveis. O cronograma de adições de biodiesel até 2019 e as alterações
na legislação do SCS e dos leilões da ANP reforçam essa percepção, somando-se à
bastante criticada capacidade de atendimento às demandas de combustível pela
agricultura familiar, pelas conhecidas dificuldades produtivas, dispersão de
172
agricultores, nível técnico reduzido em geral e custos elevados com a atividade e
pouca integração com os mercados. Some-se ao baixo conhecimento e
compreensão dos mecanismos para o funcionamento do Programa. Os resultados
gerais congregam, além da soja como matéria-prima básica, a concentração das
unidades processadoras (e da aquisição de biodiesel) no centro-sul do país e a
queda acentuada da participação de famílias nos arranjos do SCS, especialmente
no Nordeste.
As grandes vitrines do PNPB, as pequenas e médias agriculturas de base
familiar do Norte, Nordeste e Semiárido, padecem com a produtividade aquém do
necessário dos sistemas de produção extrativistas e com estiagens severas e
prolongadas. A disposição das cadeias produtivas de oleaginosas e suas
condicionantes climalíticas e mercadológicas (e a dinâmica dos interesses dos
agentes relacionados) naquelas regiões parecem explicar os resultados pouco
exitosos do agrodiesel – particularmente da mamona –, tais como os casos do Piauí,
Ceará, Rio Grande do Norte e semiárido mineiro. Algum vislumbre positivo ocorre
em áreas onde a intervenção da PBio no fornecimento de assistência técnica e
recursos para os tratos culturais é consistente com as necessidade locais/regionais.
Dessa constatação depreende-se as observações: a fundamental participação do
Estado na viabilização do Programa e as preocupações com a saída da Petrobras
do comércio de bio e agrocombustíveis, resultado da conjuntura adversa que a
estatal de petróleo e gás enfrenta a partir de 2013.
Na Bahia, as observações são semelhantes. Após um primeiro momento de
euforia (incluindo alternativas como o dendê), a realidade dos diagnósticos da
agricultura familiar (produção primária, organização de agricultores, itinerários
técnicos e circuitos de comercialização) impõe-se como limitantes ao desempenho
do PNPB no estado. Ações complementares no âmbito de secretarias estaduais – a
exemplo da RBB, Probiodiesel Bahia, Agroenergia Familiar e Bahiabio – apresentam
instrumentos e mecanismos com objetivos gerais próximos aos do programa federal.
As unidades processadoras de matérias-primas, após primeiros anos promissores,
enfrentam oscilações da produção e, no caso da Comanche, em Simões Filho, o
encerramento completo das atividades. A queda da participação da agricultura
familiar baiana nos arranjos do SCS e a consequente redução do volume de
biodiesel adquirido, conforme dados oficiais, revela a dificuldade da manutenção das
ações do PNPB e demais programas no estado, expondo restrições (produtivas,
173
econômicas e agronômicas), entraves e desvirtuamento de objetivos locais. Tem-se,
por exemplo, a crescente participação da soja nas usinas processadoras e a
aquisição de matérias-primas em outras regiões do país, em claro movimento
visando à manutenção do SCS pelas usinas, com pouca repercussão no processo
de inclusão/integração da agricultura familiar baiana.
A inclusão de agricultores familiares e da lavoura de mamona, fortemente
associada ao semiárido geralmente fragilizado economicamente, de entusiasmo e
motivação basilar do PNPB transformam-se, aparentemente, em grande frustração.
A destinação da mamona, principalmente à indústria ricinoquímica, além da
presença de agentes importantes nas cadeias produtivas locais, como o
atravessador, pouco se alteram com a chegada do agrodiesel e dos subjacentes
mecanismos de atuação da PBio e demais empresas. A incipiente organização dos
agricultores em cooperativas – ao menos nas áreas de influência da PBio – choca-
se com a necessidade de regularidade, produtividade e estrutura logística para a
atividade. Soma-se à restrição físico-química do óleo de mamona (viscosidade)
limita a produção de agrodiesel puro de mamona, que torna necessária a adição a
outros óleos vegetais para sua viabilização. Finalmente, reafirma-se que o
diagnóstico da agricultura familiar no semiárido baiano ou nordestino em geral é de
amplo conhecimento. Os objetivos produtivos, sociais e econômicos do PNPB, suas
ações, mecanismos e instrumentos expuseram esses aspectos, chamando atenção
à realidade complexa que precisa ser profundamente contextualizada,
potencializando resultados das ações direcionadas a essas regiões.
174
5. SISTEMAS DE PRODUÇÃO, COOPERATIVAS E UTDs EM MORRO DO CHAPÉU
Neste capítulo apresentam-se os resultados da pesquisa de campo realizada
no município de Morro do Chapéu, Bahia. Retome-se o objetivo de identificação dos
principais tipos de sistemas de produção locais, sendo a mamona lavoura de
destaque. Inicia-se com a caracterização geral do município, sua trajetória histórica
e das atividades agrícolas. Em seguida, têm-se as condições da pesquisa de campo
e são apresentando os procedimentos metodológicos iniciais. Identificam-se os
sistemas de produção típicos no município com a análise da dinâmica econômica
das rendas dos agricultores, classificadas em agrícolas, não-agrícolas e outras
rendas (programas estatais de transferências e aposentadorias, principalmente).
Analisam-se nos sistemas de produção dos agricultores familiares as repercussões
(técnicas, produtivas e de atuação dos agentes correlacionados à cadeia da
mamona) diante da alternativa do agrodiesel. Adjacentemente, a análise da atuação
das cooperativas, com a operacionalização das ações do PNPB, e a posterior
centralização da assistência técnica a partir do modelo UTD (Unidade de Teste e
Demonstração) modificam ou mesmo reforçam práticas e comportamentos
estabelecidos em décadas de cultivo da oleaginosa no município.
5.1. MORRO DO CHAPÉU: HISTÓRIA E GEOECONOMIA
5.1.1 Informações gerais
Morro do Chapéu, a aproximadamente 390km de Salvador, estado da Bahia,
localiza-se na porção centro-norte do estado, compondo a Chapada Diamantina, em
pleno Semiárido. Os acessos principais ao município, partindo-se da capital, no
sentido leste-oeste, compreendem a BR-324 até Feira de Santana, seguindo-se pela
BA-052, conhecida como “Estrada do Feijão”, passando por Ipirá, Baixa Grande,
Mundo Novo e, em direção à Irecê, até Morro do Chapéu. No sentido sul-norte, o
município é trespassado pela BA-142/BR-426, que segue ao acesso à BA-368,
passando por Várzea Nova, alcançando o município de Jacobina. Na regionalização
do IBGE, Morro do Chapéu integra a mesorregião Centro-Norte, enquanto na
175
regionalização Territórios de Identidade, faz parte do Território Chapada Diamantina
(SEI, 2016). Na Figura 26a tem-se a localização geográfica do município.
O clima no município, na classificação de Köppen-Geiger é do tipo Aw, clima
tropical com estação seca de inverno. Na classificação de Thornthwaite & Matther é
do tipo C1dB’, subúmido a seco, com chuvas concentradas na primavera e verão. As
médias térmicas anuais variam entre 180C e 260C (Figura 25), compatíveis com o
regime pluviométrico geral da Chapada Diamantina (SEI, 2016).
Figura 25 – Variações térmicas anuais em Morro do Chapéu, 2010-2016
Fonte: Inmet (2016)
Segundo o Instituto Nacional de Meteorologia, vinculado ao Ministério da
Agricultura, Pecuária e Abastecimento (INMET, 2016) as chuvas em Morro do
Chapéu concentram-se entre os meses de outubro e fevereiro, justificando, assim, o
calendário agrícola para a lavoura de sequeiro, particularmente da mamona.
Confirmam-se as classificações climáticas definidas para o município. Nos biênios
2014-2015 e 2015-2016 essa mesma situação é verificada. Entretanto, as
precipitações concentraram-se em poucos dias, com máximas superiores aos 200
mm – em novembro de 2015 e janeiro de 2016 –, como pode ser visualizado na
Figura 26. Nos períodos de março a agosto, as precipitações são mais modestas,
não ultrapassando os 25 mm em média. Essa concentração das chuvas
frequentemente é relatada por agricultores como prejudicial às lavouras de sequeiro,
176
pois o volume de chuvas necessário à maturação das plantas não é atingido,
afetando a produção/produtividade.
Figura 26 – Precipitações anuais em Morro do Chapéu, 2010-2016
Fonte: Inmet (2016)
As principais formações vegetais encontradas em Morro do Chapéu são: a)
Florestas estacionais:
[…] conhecidas como matas secas e são chamadas estacionais porperderem as folhas na estação seca. Geralmente são encontradasem solos profundos, relativamente ricos em nutrientes, sendo que asque ocorrem nas áreas de afloramentos rochosos, geralmenteperdem totalmente as folhas na época seca e são denominadasdecíduas em contraste com as que ocorrem sobre solos planos e emencostas que mantém parte das suas folhagens e são denominadassemideciduais. (VS AMBIENTAL, 2011, p. 136)
b) Caatinga, a mata-branca branca objeto de inúmeros estudos, com sua
vegetação xerófila, arbustiva e espinhosa, bastante heterogênea, típica do
semiárido. Destacam-se nessa paisagem as espécies dos grupos das bromeliáceas
(como a macambira-de-flecha), cactáceas (como o mandacaru e o mandacaru-
facheiro), com presença significativa de orquidáceas, compondo a flora mais geral
do bioma caatinga (Fotos 1 e 2); c) Campos rupestres, ocorrendo nas áreas de
177
relevo mais alto do município, acima dos 800 m de altitude. “Essa formação vegetal
apresenta predominância de um estrato herbáceo-arbustivo extenso sobre solos
arenosos rasos, e um estrato mais arbustivo relacionado à presença de
afloramentos rochosos.” (VS AMBIENTAL, 2011, p. 140). Destacam-se igualmente
nessa formação as bromélias e subformações observadas em áreas embrejadas; d)
Cerrado, seguindo a sazonalidade das precipitações, apresentando formações
arbustivas e arbóreas, esparsas ou adensadas, além de campos limpos de grandes
extensões; e) Áreas alteradas pela ação humana, pelas atividades agropecuárias,
detalhadas nas seções e capítulos seguintes.
Fotos 1 e 2 – Macambira-de-flecha (Bromelia laciniosa) e Mandacaru (Cereusjamacaru)
Fonte: Natureza (2016)
Em relação ao relevo, no Quadro 14 a seguir, apresenta-se síntese das
principais ocorrências geomorfológicas no município de Morro do Chapéu,
definidoras das características mais gerais do relevo local.
178
Figura 26a – Localização do município de Morro do Chapéu (BA)
Território de Identidade da Chapada Diamantina
TERRITÓRIO DE IDENTIDADE DA CHAPADA DIAMANTINA
Sistema de projeção: Coordenadas GeográficasDatum: Sirgas 2000Fontes: IBGE (2016); SEI (2016); Seplan (2017)Adaptação e elaboração: Alynson dos Santos Rocha, 2017.
42º0'0'' W 41º0'0'' W
12º0'0''S
13º0'0''S
12º0'0''S
13º0'0''S
42º0'0'' W 41º0'0'' W
11º0'0''S 11º0'0''S
179
Quadro 14 – Síntese geomorfológica em Morro do Chapéu
No compartimento geomorfológico da Chapada de Morro do Chapéu pode-sediferenciar duas regiões de características distintas quanto a origem das formas de relevo:uma dominante ao norte, região da cidade de Morro do Chapéu, em altitudes que variamentre 800m e 1.000m, onde ocorrem afloramentos da Formação Morro do Chapéu[formação geológica parte do Grupo Chapada Diamantina. As Formações Caboclo eTombador também compõem esse grupo geológico], compondo um relevo estrutural comafloramentos de rocha e solos arenosos originados a partir de arenitos e superfícies deaplainamento com cobertura latossólica profunda, e um segundo (...), mais a sul, região dopovoado de Lagoinha, com altitudes entre 880m e 1.000m constituída de uma superfícieexumada, de aplainamento, desenvolvida a partir de rochas da Formação Caboclo e dascoberturas residuais areno-argilosas. A unidade é representada por um conjunto de dobrasexumadas a partir de uma superfície de aplainamento que truncou as cumeeiras dasanticlinais, cujo eixo está situado a cerca de 6Km a oeste da cidade de Morro do Chapéu.
Na porção norte desta unidade, as formações superficiais se apresentamdescontínuas, de espessura variável, textura areno-argilosa e cascalhosa, com eventuaisafloramentos de rochas na forma de lajedo e exposições de blocos compondo um relevoruiniforme. A sul, […], o modelado apresenta extensos planos incluindo feições de lombas evales largos e rasos com declives variando de 30 a 100, ocorrendo coberturas detríticas[deposição de material rochoso intemperizado ao longo do tempo] de espessuras variáveis.A erosão e rebaixamento deste conjunto foi facilitada pela presença de rochas da FormaçãoCaboclo, com conteúdo carbonático, mais susceptível ao intemperismo e aos agenteserosivos. Os morros testemunhos [morros isolados em superfícies planas, residuais aosprocessos de erosão] e as serras alinhadas [...] atestam a resistência dos arenitos daFormação Morro do Chapéu aos processos erosivos, enquanto que o intemperismo naslitologias [rochas e suas camadas] da Formação Caboclo, em área topograficamente maisrebaixada, gerou formações superficiais argilosas espessas que se espraiam em algunssetores da superfície do planalto.
Na porção leste […], sobre as litologias da Formação Caboclo, o modeladopredominante é de aplainamento, onde as superfícies planas são dissecadas peladrenagem atual com densidade fraca. O escoamento laminar [escoamento pluvial difuso] ea infiltração são os processos predominantes em relação à dinâmica das águas pluviais. Emfunção do relevo aplainado, coberturas arenosas permeáveis, mesmo sem a proteção decobertura vegetal são consideradas do ponto de vista morfodinâmico como áreas instáveisem grau fraco, com menor possibilidade portanto do desenvolvimento de processoserosivos significativos.
[Na porção oeste tem-se] um conjunto de serras alinhadas na direção NNE-SSW quese elevam cerca de 300m em relação a bacia de Irecê, na região do vale do rio Jacaré.Trata-se de uma faixa longitudinal […] correspondente ao alinhamento de serras formadaspelos arenitos da formação Morro do Chapéu e suas encostas para oeste, com altitudesque variam de mais de 1.000m no topo das serras a 850m no sopé [base] da encosta, emdireção ao vale do riacho Baixa de Cafarnaum, com cotas em trono de 750m.
Nas proximidades da cidade de Morro do Chapéu são encontrados afloramentosrochosos, que se apresentam principalmente na forma de lajedos [formações rochosaspeculiares ao semiárido]. Em superfície observa-se uma acumulação arenosa de coresbranquiçada, sotoposta [posta por baixo] a solos litólicos [solos rasos, frequentementepedregosos, sobre rochas ou sobre material rochoso bastante intemperizado] provenienteda alteração dos arenitos.
Fonte: extraído e adaptado de VS Ambiental (2011, pp. 38-42).
180
Os solos em Morro do Chapéu – considerando a informações do Sistema
Nacional de Classificação de Solos (SiBCS), presentes no Manual Técnico de
Pedologia do IBGE (IBGE, 2007) – são basicamente das classes latossolo,
subordem vermelho amarelo, grupo distrófico (LVd), na grande porção centro-sul do
município; ocorrências de solos classe cambissolos (C), nas porções norte, nordeste
e sudeste; e solos litólicos distróficos (RLd), concentrados no centro-oeste do
município. Registra-se ainda a ocorrência de solo podzólico vermelho amarelo
eutrófico (PE), a leste (EMBRAPA, 1973). Tome-se as características agronômicas
da mamona, considerando a disposição de solos à lavoura:
A mamoneira desenvolve-se e produz bem em vários tipos de solo,com exceção daqueles de textura muito argilosa, que apresentamdeficiência de drenagem. Solos profundos, com boa drenagem, detextura franca e bem balanceados quanto aos aspectos nutricionais,favorecem o seu desenvolvimento. O sistema radicular damamoneira tem capacidade de explorar as camadas mais profundasdo solo, que normalmente não são atingidas por outras culturasanuais, como soja, milho e feijão, promovendo o aumento da aeraçãoe da capacidade de retenção e distribuição da água no solo. Amamoneira é exigente em nutrientes, devendo ser cultivada em soloscom fertilidade média a alta, porém, solos com fertilidade muitoelevada favorecem o crescimento vegetativo excessivo, prolongandoo ciclo e expandindo, consideravelmente, o período de floração.Tanto solos ácidos como alcalinos têm efeito negativo no crescimentoe desenvolvimento das plantas. (AMARAL, SILVA, 2006, pp. 8-9).
Tem-se que, a partir desse conjunto de informações, do ponto de vista
agronômico as lavouras de mamona em Morro do Chapéu apresentam melhor
desenvolvimento em áreas de latossolos ou mesmo de cambissolos, devido à maior
fertilidade, adaptação do sistema radicular das plantas e características como a
capacidade de retenção hídrica diante das poucas e irregulares precipitações
anuais. Evidentemente, tais características são contrabalanceadas pela intensidade
de exploração das lavouras. Ressalte-se que a ocorrência desses tipos de solos
compõe os critérios para seleção dos agricultores no âmbito da PBio –
considerando-se também os custos menores dos tratos culturais da mamona em
relação a solos mais arenosos e pedregosos, também presentes no município.
Em relação aos recursos hidrológicos, Morro do Chapéu encontra-se sob a
influência de três bacias hidrográficas superficiais, destacando-se as bacias dos rios
Jacaré, Salitre e Paraguaçu:
181
O Município de Morro do Chapéu possui drenagens que pertencem atrês grandes bacias hidrográficas. A oeste, as drenagens fluem para abacia do rio São Francisco (sub-bacia do rio Jacaré), ao norte asdrenagens estão inseridas na bacia do rio Salitre e a sul e lestedrenam as águas para a bacia do rio Paraguaçu. Dentre asdrenagens que cortam o município, destacam-se: o rio Jacaré, o rioSalitre e o rio Jacuípe. O rio Jacaré é uma drenagem intermitente queflui para nordeste e faz o limite municipal oeste com AméricaDourada, João Dourado e São Gabriel. O rio Salitre ocorre ao norteda área municipal, sendo que suas nascentes estão ao norte dacidade de Morro do Chapéu. Trata-se de uma drenagem intermitentecom direção de fluxo para norte. O rio Jacuípe flui na direção leste eocorre no extremo leste da área municipal. Apresenta caráterintermitente, em grande parte do trecho em que corre no Município deMorro do Chapéu, adquirindo perenidade nas proximidades da divisacom o Município de Piritiba (BRASIL, 2005, p. 7).
A disponibilidade de águas subterrâneas no município se traduz no aumento da
perfuração de poços artesianos. As estiagens prolongadas, a conjuntura de preços e
mercados favoráveis impulsionaram a produção de olerícolas (especialmente cebola
e tomate) no município. Isso significou, não raro, a diminuição das áreas das
lavouras de mamona. Esse quadro será analisado nas seções seguintes. A produção
de olerícolas é viabilizada a partir da irrigação, resultando no aumento da perfuração
de poços artesianos, aproveitando a ocorrência de grandes aquíferos nas porções
central e norte do município. Informações de técnicos locais alertam para a
perfuração indiscriminada, frequentemente sem passar pelo processo de outorga,
com impactos já perceptíveis, como as reduções das vazões e piora na qualidade da
água em diversas localidades. Segundo o Serviço Geológico do Brasil, do total de
poços cadastrados em Morro do Chapéu, 170 encontram-se em operação (BRASIL,
2005). É possível que esse número seja bem mais elevado, devido aos relatos de
perfurações clandestinas na região.
No Quadro 15 tem-se a síntese das principais informações características
do município.
182
Quadro 15 – Morro do Chapéu: informações gerais
Fontes: Brasil (2005); Embrapa (1973); IBGE (2016); IBGE-Cidades (2016); Inmet(2016); SEI (2016)
Regionalização IBGE
Regionalização Territórios de Identidade Território Chapada DiamantinaRegiões Econômicas (SEI) Piemonte da Diamantina
Localização 11°33’00” S; 41°09’21” WAltitude 1,01 mil metros
Distância de Salvador 390 kmPopulação 2016 (estimativa) 36.789 hab.
SuperfícieDensidade demográfica (estimada)
Distritos/Vilas
Distritos/Vilas selecionados
Precipitações anuais (média) 600-700 mm
Clima
Amplitude térmica média
Relevo
Vegetação
Solos
Hidrologia
Microrregião Chapada Diamantina; Mesorregião Centro-Norte Baiano; Região Semi-Árida
5,75 mil Km2
6,4 hab./Km2
Alagoas; Angelim; Barra I; Barra II; Beira do Rio; Brejões; Brejões; Cachoeira; Camirim; Cazuza; Destoque; Dias Coelho; Domingos Lopes; Duas
Barras; Fedegosos; Gameleira; Gruta dos Brejões; Icó; Lagoa Nova; Lagoado; Lagoinha; Malhada da Areia; Maxixe; Mira Serra; Mônica; Olhos D’Água;
Ouricuri I; Ouricuri II; Palmeira; Pinhões; Ponta D’Água; Quatorze; Queimada Nova; Recreio; Rosa Benta; Santa Mônica; Santa Úrsula; São Rafael;
Tamboril; Tareco; Umburaninha; Velame; Vermelho
Malhada da Areia, Velame, Ouricuri I e II, Queimada Nova, Icó, Brejões, Olhos D'Água
Classificação Köppen-Geiger: Aw (clima tropical com estação seca de inverno); classificação
Thornthwaite & Matter: C1dB’ (subúmido a seco, com chuvas concentradas na primavera e verão)
180-260C
Descontínuo, com altitudes entre 800 e 1000 m ao norte com diversos afloramentos rochosos; terrenos
argilosos; áreas planas em menores ocorrências sendo ocupadas predominantemente por atividades agrícolas; serras com altitudes superiores a 1.000 m
ao sul; destaque para as formações Chapada de Morro do Chapéu, Caboclo e Tombador.
Florestas estacionais; caatingas arbórea ou densa; campos rupestres; vegetação mesclada entre
cerrado e floresta.Predominantemente latossolos vermelhos e
cambissolos, onde se desenvolvem atividades agrícolas; ocorrências de solos litólicos na porção
central do município.Integrante das bacias dos rios São Francisco,
Itapicuru e Paraguaçu. Principais rios: Jacuípe, Verde e Jacaré
183
5.1.2 Dinâmica agrária
As informações que permitem caracterizar a dinâmica agrária em Morro do
Chapéu sinalizam à concentração fundiária, movimento semelhante ao observado
para o restante do estado da Bahia. Com base nos dados do IBGE (2016), o grupo
de pesquisa GeografAR – Geografia dos Assentamentos Rurais, do Instituto de
Geociências da UFBA (GEOGRAFAR, 2017) – demonstra a partir da evolução do
índice de Gini do município, por exemplo, que esse processo de concentração
mantém trajetória ascendente desde os anos 1940 (Gini 0,633), alcançando índice
0,783 em 2006, ocasião do último censo agropecuário do IBGE. Maior proximidade
do índice ao numeral 1,000 significa maior concentração de terras (Tabela 2 e
Gráfico 20).
Tabela 2 – Índice de Gini para Bahia e Morro do Chapéu, 1920-2006
Fonte: GeografAr (2017), com base nos dados do IBGE (2016).
Tem-se ainda que, do conjunto de aproximadamente 2.600 estabelecimentos
rurais registrados em Morro do Chapéu, 14,13% possuem áreas superiores a 100ha
e concentram 76,74% dos 201mil hectares do município (Tabela 3). No outro
extremo da Tabela, 1.356 estabelecimentos (52,24% do total, mas apenas 4,88% da
área) estão abaixo da chamada fração mínima da propriedade (FMP) – a menor
parcela na qual a propriedade pode ser desmembrada para fins de cadastro e
registro oficiais, ou 25ha no município26. O maior grupo individual de
estabelecimentos apresenta áreas entre 20ha e 50ha (23,00% do total), ainda assim
abaixo do valor do módulo fiscal da região, 65ha. Considerando os grupos com
áreas abaixo da FMP e do módulo fiscal encontra-se 75,24% dos estabelecimentos
em Morro do Chapéu respondendo por 13,89% da área do município. No grupo dos
26 Segundo o Incra (2017), existem possibilidades de registro e cadastro de estabelecimentosabaixo da FMP: “A legislação prevê três possibilidades de desmembramento abaixo da fraçãomínima. A primeira possibilidade é a aquisição de parcela inferior à fração mínima de áreacontínua que será anexada a outro imóvel rural confrontante. O segundo caso quando ointeressado se enquadrar como agricultor familiar, sendo a comprovação de enquadramento aDeclaração de Aptidão do Pronaf (DAP). A terceira possibilidade é quando o imóvel rural estiverinserido no perímetro urbano do município. Estas possibilidades se aplicam ao cadastro e posse”.
1920 1940 1950 1960 1970 1975 1980 1985 1996 2006Bahia 0,734 0,784 0,794 0,779 0,795 0,805 0,821 0,835 0,829 0,838Morro do Chapéu 0,923 0,633 0,656 0,691 0,716 0,673 0,741 0,763 0,760 0,783
184
estabelecimentos superiores a 2.500ha, apenas 7 congregam 17,65% da área,
contribuindo à concentração fundiária (GEOGRAFAR, 2017; IBGE, 2016).
Complementarmente, 85,2% dos estabelecimentos são destinados à agricultura
familiar. Os 14,8% restantes são destinados à agricultura não familiar (empresarial,
patronal), 127mil ha ou 63,1% da área total.
Gráfico 20 – Evolução do índice de Gini, Bahia e Morro do Chapéu
Fonte: GeografAR (2017), com base nos dados do IBGE (2016).
1940
1950
1960
1970
1975
1980
1985
1996
2006
0,500
0,550
0,600
0,650
0,700
0,750
0,800
0,850
0,900
Bahia
Morro do ChapéuGin
i
185
Tabela 3 – Estrutura fundiária em Morro do Chapéu, 2006
Fonte: GeografAR (2017), com base nos dados do IBGE (2016).
Importante observar que, embora defasadas no tempo, essas informações ao
menos permitem inferir sobre as características mais gerais da dinâmica agrária em
Morro do Chapéu. Pode-se afirmar que a estrutura agrária local é formada
majoritariamente por pequenos estabelecimentos rurais – com áreas abaixo do
modulo fiscal vigente na região e da FMP, sinalizando o expressivo contingente de
agricultores concentrados em pequenos espaços, desenvolvendo sistemas de
produção familiares. Esses, são formados pelos subsistemas de cultivo de alimentos
(feijão, milho, mandioca, além do tomate e da cebola, entre outros) e da mamona em
particular, pelos sistemas de criação (caprinos, ovinos e bovinos) e pelas atividades
de transformação das produção agrícolas. Reforça-se, assim, o sistema agrário local
pelo binômio gado-policultura.
Pode-se também argumentar que o tamanho reduzido dos estabelecimentos,
aliado à conjuntura climática e de resultados das atividades agrícolas impele o
agricultor, a agricultora ou membros de sua família para as atividades não-agrícolas.
Ou ainda, a sobrevivência da família consideravelmente atrelada às aposentadorias
e programas estatais de transferências de rendas, a exemplo do bolsa-família.
Finalmente, é possível afirmar que, nos dez anos que separam este trabalho dos
dados oficiais sobre a realidade agrária dos municípios brasileiros, baianos e do
Grupo de área Estabelecimento (Qt) Área (ha) Estabelecimento (%) Área (%)0 a menos de 0,1 ha 7 0 0,27 0,00
0,1 ha e menos de 0,2 ha 5 1 0,19 0,000,2 ha a menos de 0,5 ha 23 9 0,89 0,000,5 ha a menos de 1 ha 36 30 1,39 0,011 ha a menos de 2 ha 146 204 5,62 0,102 ha a menos de 3 ha 130 299 5,01 0,153 ha a menos de 4 ha 115 375 4,43 0,194 ha a menos de 5 ha 156 682 6,01 0,345 ha a menos de 10 ha 334 2.348 12,87 1,1710 ha a menos de 20 ha 404 5.880 15,56 2,9220 ha a menos de 50 ha 597 18.109 23,00 9,0150 ha a menos de 100 ha 271 18.819 10,44 9,36
100 ha a menos de 200 ha 162 21.503 6,24 10,69200 ha a menos de 500 ha 133 41.411 5,12 20,59500 ha a menos de 1000 ha 46 28.795 1,77 14,331000 ha a menos de 2500 ha 19 27.132 0,73 13,49
2500 ha a mais 7 35.494 0,27 17,65Produtor sem área 5 0 0,19 0,00
TOTAIS 2.596 201.091 100,00 100,00
186
semiárido em particular, essa realidade tenha sofrido poucas alterações.
Aparentemente, portanto, não existem perspectivas ou indicadores de reversão da
tendência de concentração fundiária ou mesmo de observação das principais
atividades do sistema agrário.
5.1.3 Dinâmica econômica local
Analisando os principais indicadores econômicos de Morro do Chapéu observa-
se situação bastante comum em municípios do semiárido nordestino e, em
particular, do baiano: participação significativa dos segmentos Serviços e
Administração Pública. O produto interno bruto do município (PIB) alcança, em 2013,
R$ 318milhões, expansão superior a 76% em relação ao ano anterior. O total do
valor adicionado (VA) pela economia municipal atinge R$ 242milhões, 39% superior
em comparação a 2012 (IBGE, 2016). No entanto, consultando-se os dados da SEI
para 2014 (SEI, 2016), verifica-se abrupta oscilação para baixo na quase totalidade
desses indicadores, conforme Tabela 4 e Gráfico 21.
Pode-se atribuir tais oscilações para o município às ocorrências no setor
industrial, particularmente com a instalação de equipamentos auxiliares à produção
de energia eólica. De fato, a partir de 2010 diversos estudos, análises técnicas,
diagnósticos alertam ao potencial energético eólico no estado – entre 70 e 200mil
GW, de acordo com a altura de instalação das torres aerogeradoras27 –, com
destaques à regularidade e intensidade dos ventos na região da Chapada
Diamantina. A consolidação de parque eólico em Morro do Chapéu aparentemente
repercute nos resultados observados para a geração de rendas. Observe-se o
resultado do segmento industrial e as implicações sobre a arrecadação de impostos
na esfera municipal, também impactada positivamente, registrando aumento
superior a 1.000% entre os anos de 2012 e 2013. Entretanto, após esse resultado
inicial, a geração de riquezas pela indústria retorna, em 2014, à trajetória pré energia
eólica, devido aos atrasos na instalação das linhas de transmissão o que garantiria a
efetiva distribuição da energia gerada. Esse fato aparentemente repercute nos
resultados gerais do município, particularmente PIB e PIB per capita.
27 Destaque-se, no âmbito da Secretaria de Ciência, Tecnologia e Inovação do estado os diversosdiagnósticos, mapas eólicos, relatórios, entre outros, que apontam as áreas mais promissoras àprodução de energia eólica na Bahia. Essas informações técnicas, ambientais, climatológicas elegais (legislação) estão reunidas sob a denominação de Atlas Eólico da Bahia (BAHIA, 2016).
187
A Administração Pública tem dinâmica atrelada à expansão do efetivo de
funcionários públicos municipais, oscilando mais lentamente. Sua importância reside
no fato de, em 2014, ser ainda o segmento com maior VA entre os pesquisados. Os
resultados dos Serviços (comércio e o importante sub-segmento do turismo) são
reflexos do crescimento econômico do município. Aparentemente, a partir de 2013,
percebem-se alterações com a energia eólica, repercutindo no aumento de 28% no
VA pelo segmento em relação a 2012, tendência que permanece em 2014 (IBGE,
2016; SEI, 2016).
As variações do VA pela Agropecuária têm relação direta com a intensidade
das secas em Morro do Chapéu. Nos anos de baixas precipitações, como 2012 e
2013 (Figura 26), a produção agropecuária e, em particular, a de mamona,
apresentam quedas acentuadas (Gráfico 9) repercutindo nos resultados gerais. A
produção é basicamente de lavouras de sequeiro: mamona, feijão, milho (solteiras
ou associadas) e mandioca; nas culturas irrigadas mencione-se novamente as
olerícolas (tomate e cebola); bovinos (corte e leite), caprinos e ovinos (corte) nos
subsistemas de criação; culturas/lavouras mais especializadas ou peculiares às
condições edafoclimáticas locais: uvas, morangos e flores.
Tabela 4 – Indicadores macroeconômicos de Morro do Chapéu (VA por segmento; VA total; Arrecadação de impostos, PIB e PIB per capita –R$ 1.000 a preços correntes) – 2010-2012.
Fontes: IBGE (2016); SEI (2016)
Ano Agropecuária Indústria Serviços Adm Pública VA Total Impostos PIB População2010 24.107,73 30.694,11 42.723,90 60.988,45 158.514,19 4.728,89 163.243,08 35.207 4.636,67 2011 28.734,20 21.157,37 50.978,64 68.499,85 169.370,05 6.892,47 176.262,53 35.208 5.006,32 2012 22.728,12 18.307,72 58.572,55 74.090,62 173.699,01 6.818,19 180.517,20 35.251 5.120,91 2013 21.253,75 60.553,19 75.317,13 84.874,17 241.998,24 76.030,22 318.028,46 37.326 8.520,29
2014 (*) 23.525,00 19.247,00 86.863,00 92.864,00 222.499,00 13.433,00 235.932,00 36.741 6.439,02 Var. 2013/12 (%) -6,49% 230,75% 28,59% 14,55% 39,32% 1.015,11% 76,18% 5,89% 66,38%Var. 2014/13 (%) 10,69% -68,21% 15,33% 9,41% -8,06% -82,33% -25,81% -1,57% -24,43%
PIB per capita
189
Gráfico 21 – Evolução do VA por segmento, VA total e PIB em Morro do Chapéu
Fonte: elaborado a partir de IBGE (2016) e SEI (2016).(*) Dados da SEI (a partir da base de dados do IBGE).
190
O cultivo do morango também está restrito a pouco produtores, devido às
especifidades agronômicas e custos envolvidos (tratos culturais, irrigação e
manipulação dos frutos). O objetivo das iniciativas é o atendimento aos mercados
consumidores de Salvador, Recife e Maceió, além de grandes municípios como
Feira de Santana. Na Bahia, além da Embrapa, as iniciativas contam com o apoio da
Seagri, SEBRAE e agroindústrias privadas, interessadas no potencial produtivo da
fruta.
5.1.4. Trajetória histórica e agrícola
Morro do Chapéu passa a existir formalmente na primeira metade do século
XIX, alcançando a condição Distrito em 1838, então anexado ao município de
Jacobina. Anteriormente, nas cercanias da formação montanhosa que serve de
inspiração à denominação municipal são relatadas expedições visando à exploração
de ouro e diamantes, entre os séculos XVI e XVIII. Destaca-se, por exemplo, a
importância das expedições dos sertanistas Gabriel Soares de Souza, Robério Dias,
Munibeca e Romão Gramacho. Este último eternizado no rio que leva seu nome: rio
Vereda de Romão Gramacho, ou simplesmente rio Vereda, importante componente
da hidrologia local, conjuntamente ao Jacuípe e Paraguaçu. Subjacente à atividade
mineral registram-se as primeiras lavouras e criações (primordialmente gado
bovino), elementos catalisadores ao movimento de fixação da população na região.
Têm-se os contornos do primeiro dos três grandes períodos para análise das forças
políticas do município: poder político centrado na posse de terras fundamentalmente
com atividade pecuária bovina, destacando-se especialmente o casal Quintino e
Umbelina Adelaide de Miranda Soares da Rocha, proprietários, entre muitas outras,
da fazenda Gurgalha, importante no processo de formação inicial do município
(FERREIRA, 2014; SAMPAIO, 2009).
Em 1864 o Distrito de Morro do Chapéu é desmembrado do município de
Jacobina, sendo elevado à condição de Vila. Quarenta e cinco anos depois, em
agosto de 1909, a Vila é alçada ao título de Cidade, sendo a comarca do município
definitivamente desmembrada de Jacobina em 1915 (LEITE, 2009).
Com a concessão de vastas áreas de terras pela Coroa Portuguesa, por meio
do instrumento da sesmaria, no século XVIII, estimula-se o povoamento, com a
consequente expansão da agricultura e pecuária – não raro, em conflito com grupos
191
indígenas locais. Nos anos seguintes, a divisão das terras pertencentes a Antônio
Guedes de Brito28 – grande proprietário dos tempos das sesmarias – deu início aos
incipientes núcleos de povoamentos. Manuel Ferreira dos Santos, outro grande
colonizador estabelece nesse período a fazenda Gameleira, que rapidamente se
destaca pela criação de gado bovino. A abertura de estradas a Jacobina, além do rio
São Francisco e outras localidades em Minas Gerais impulsiona o crescimento
populacional da região.
A abertura da estrada que ligou Jacobina ao rio São Francisco, aosul, e a Minas Gerais, foi um determinante para a localização dasede de Morro do Chapéu. O local escolhido foi a FazendaGameleira. A capela de Nossa Senhora da Graça, localizadaatualmente no centro da cidade, foi edificada no terreno doado peloproprietário da fazenda, o senhor Antônio Ferreira dos Santos [filhode Manuel Ferreira dos Santos]. Tornou-se freguesia, apenas quatroanos depois de concluída a construção do templo, através da Leiprovincial nº 067 de 1º de junho de 1838. Com esta lei, a freguesiarecebeu o nome de Morro do Chapéu. (LEITE, 2009, p. 32).
A atividade pecuária, realizada em áreas mais afastadas da sede, torna Morro
do Chapéu um entreposto para a engorda e posterior comercialização dos animais:
o gado é adquirido nos estados de Goiás e Piauí; passam pelo processo de engorda
e seguem para o abate em Feira de Santana, já tradicional centro de comércio de
animais no Brasil colônia/Império.
O maior Commercio da comarca está na exportação de gadosrecebidos dos sertões de Goyaz e Piauhy e são destacados em suasbellas campinas e enviados aos pastos. Calculam-se em mais de 10mil os bois importados e que depois de gordos são enviados para aFeira de Sant’Anna, que entretém antigo comércio com esta Cidade.(OLIVEIRA, 1919, p. 168).
Com a capital do estado o município relaciona-se pela comercialização de
algodão e borracha, além de derivados da mandioca, particularmente farinha e
maniçoba. Atividades comerciais e pequenos estabelecimentos
28 Essas terras compreendiam a área entre as nascentes do rio Itapicuru, hoje no município deJaguarari, no Norte do estado, com divisa com Juazeiro, percorrendo a região central do estado,até a nascente do Paraguaçu em Barra da Estiva no alto sertão baiano. De toda sorte, o processodesencadeado a partir da promoção de povoamentos mantidos com as atividades agrícolas e deprodução de alimentos pode ser considerado o primeiro passo para a ocupação daquela regiãoda Chapada (LEITE, 2009, p. 32).
192
manufatureiros/industriais complementam as características econômicas mais gerais
em Morro do Chapéu nas primeiras décadas de povoamento. Some-se ao aumento
da população nos anos seguintes ao processo de independência brasileira. Na
segunda metade do século XIX são registradas incursões de portugueses na região,
em fuga das perseguições consequentes da movimento separatista no Brasil e,
particularmente, na Bahia. (IBGE CIDADES, 2016; LEITE, 2009; SAMPAIO, 2009).
Na primeira década do século XIX, intensificam-se os comércios de gado
bovino, pedras preciosas (diamantes) e outros minerais, como cristais-de-rocha,
pedras calcárias e ouro. Afluxos migratórios – famílias do Recôncavo Baiano, com
seus escravos, negros libertos e agregados – são registrados e povoamentos como
o Arraial do Ventura despontam a partir da mineração (1840). Mesmo com a
epidemia de cólera na Bahia que reduz a disponibilidade de mão-de-obra (1855-6),
Morro do Chapéu experimenta o dinamismo proporcionado pela atividade
mineradora. No último quartel do século, direta ou indiretamente ligados à conjuntura
da mineração local, emergem personagens centrais do cenário econômico e político:
Quintino Soares da Rocha, Francisco Dias Coelho, Antônio de Souza Benta, Horácio
de Queiroz Matos e primeiros integrantes da família Dourado, atraídos pelas
oportunidades do recém-criado município. Tem-se, assim, o segundo período da
análise da trajetória história da política morrense: poder político subsidiado pela
mineração. As dificuldades à expansão do comércio local concentram-se na falta, à
época, de estradas de ferro e de outras de rodagem mais modernas, que
conectassem o município a mercados mais dinâmicos do estado. (LEITE, 2009;
SAMPAIO, 2009).
Além de Feira de Santana, pela motivação do comércio de gado bovino,
Jacobina exerce forte ligação com Morro do Chapéu. Jacobina à época concentra as
viagens, serviços de correios, encomendas e o escoamento de produtos para
Salvador, algumas das operações comerciais e de transporte do gado. Essas
operações são intensificadas a partir da operacionalização de ramal ferroviário da
Leste Brasileiro, a partir de 1920. Por Jacobina, expande-se as atividades
econômicas com outros municípios da Chapada Diamantina (a exemplo de Rio de
Contas, Lençóis e Mucugê, antiga Santa Isabel do Paraguaçu); com as porções
centro-norte e sul da Bahia e com outros estados, Sergipe e os já citados Goiás e
Piauí. (LEITE, 2009).
193
Na segunda metade do século XIX, as secas (1857-61) impactaram fortemente
as lavouras e criações em Morro do Chapéu. Foram interrompidos os comércios de
farinha de mandioca, arroz, feijão e milho. Reduz-se o tradicional comércio de gado
bovino, pela criação impossibilitada pela falta d’água e pela deterioração dos
acessos ao município. A atividade mineradora ganha espaço – registrando-se
conflitos entre posseiros mineradores e proprietários de terras –, mas não
exatamente com ouro e diamantes – que exigem água em volumes consideráveis
em suas lavras e sofriam com conjunturas político-econômicas externas à região –
mas sim de mineral chamado carbonado, muito duro, não lapidável e utilizado
principalmente como parte de brocas industriais.
A escassez de água impossibilitou a lavragem do cascalho naincessante busca das preciosas pedras. O colapso da extração deDiamantes tornou-se inevitável, uma vez que muitos donos degarimpo se retiraram para a região cacaueira ou capital do estadopara nessas regiões investirem suas economias. Não bastasse isso,os diamantes encontrados nos campos do Transvaal na África do Sulpossibilitaram o predomínio da União Sul-Africana neste comércio,principalmente pela proximidade geográfica com os compradores epela qualidade superior das suas pedras. Por fim, os conflitosarmados entre a França de Napoleão III e um conjunto de estadosgermânicos liderados pela Prússia ocasionaram fortes quedas nopreço do diamante, tornando, de vez, inviável a atividade no alto daChapada. (LEITE, 2009, pp. 45-6).
A exploração do carbonado, embora de valor inferior ao diamante, intensifica-
se com o crescimento da demanda de mercados industriais europeus, em expansão
infraestrutural na passagem para o século XX. A lavra e comercialização do
carbonado aliviam a economia em Morro do Chapéu, debilitada com a seca.
Retome-se que, é a partir das rendas do carbonado que novos personagens
emergem na história morrense. O destaque, indubitavelmente, recai sobre o Coronel
Francisco Dias Coelho (1864-1919), grande comerciante local do minério e que se
tornaria chefe político do município. A economia do carbonado duraria até 1930,
quando a produção artificial do composto na Alemanha intensificou a crise da
produção local. Some-se à seca de 1932, o êxodo daqueles que possuíam rendas
para Salvador e outras regiões da Bahia e o declínio de distritos outrora importantes,
como o Arraial do Ventura (FERREIRA, 2014; LEITE, 2009).
194
Nas décadas seguintes ao declínio da mineração o município enfrenta
processo de esvaziamento demográfico, com a economia retornando basicamente
às atividades agropecuárias, comércio e serviços. Na política, observam-se os
desdobramentos dos herdeiros das disputas entre correligionários do Cel. Dias
Coelho, pejorativamente conhecidos como coquís – em alusão a pássaro negro
encontrado na Chapada Diamantina – e partidários da família Dourado, os memés –
referindo-se aos caprinos brancos criados na região, cor da pele predominante dos
Dourados. Nesse terceiro período da política, o poder retorna gradualmente a ser
subsidiado por atividades agropecuárias e comércios. Nos anos 1970 a construção e
conclusão das obras da rodovia BA-052, conhecida como “Estrada do Feijão”,
potencializa a economia especialmente a partir do dinamismo das lavouras do feijão
e pecuária em Irecê. Outras atividades começam a fazer parte do mosaico local ao
final do século XX e início do XXI: turismo, energia eólica e lavouras de clima
temperado (uvas, morangos).
Nas áreas semiáridas, mamona, feijão, milho (associados ou de sequeiro),
mandioca e as criações (bovinos, ovinos e caprinos) destacam-se. Entre 2003 e
2008 as principais lavouras apresentam resultados positivos de produção, conforme
IBGE (Gráfico 22). Para as criações, verificam-se oscilações coincidentes com os
períodos de seca mais intensa, nos primeiros anos das décadas de 1980, 1990 e
2000. Aparentemente, a histórica pecuária bovina encontra-se em recuperação,
simultaneamente à estabilidade das criações de caprinos e ovinos (Gráfico 23).
Lavouras irrigadas, tomate e cebola ganham espaço aproveitando as oscilações de
preços nos mercados regionais e nacionais (IBGE, 2016). No Quadro 16 tem-se a
síntese da trajetória histórica de Morro do Chapéu, essencial ao entendimento do
sistema agrário local.
195
Gráfico 22 – Produção das principais lavouras em Morro do Chapéu, 1990-2015
Fonte: IBGE (2016)
Gráfico 23 – Efetivo das principais criações em Morro do Chapéu, 1974-2015
Fonte: IBGE (2016)
2.000
4.000
6.000
8.000
10.000
12.000
14.000
16.000
18.000
20.000
Cebola
Feijão (em grão)
Mamona (baga)
Mandioca
Milho (em grão)
Tomate
10.000
20.000
30.000
40.000
50.000
60.000
70.000
CaprinoOvinoBovino
196
Quadro 16 – História, economia e política em Morro do Chapéu (síntese)SÉCULO PERÍODO FATOS HISTÓRICOS FATOS SOCIAIS FATOS ECONÔMICOS FATOS POLÍTICOS FATOS AMBIENTAIS
SÉ
Cs.
XV
I-X
VII
1560
-170
0
SÉ
C.
XV
III
1701
-180
0
SÉ
C.
XIX
1830
-184
018
50-1
900
Incursões de sertanistas, com registros iniciais de 1591, a
exemplo de Gabriel Soares de Sousa e Robério Dias,
desbravam as terras. Há relatos da presença de jesuítas
explorando as terras das cabeceiro do rio Paraguaçu.
Expansão da pecuária gera conflitos com grupamentos
indígenas que ocupam a região, como Tupinaê,
Maracás e Kiriri.
Expansão da pecuária em direção às cabeceiras do rio
Paraguaçu
Terras conquistas juntos aos indígenas conferem a Antônio Guedes de Brito o status de primeira liderança político-
econômica da região.Fauna e flora diversas em geral preservadas;
primeiros desmatamentos para a
exploração da atividade pecuária bovina de corte.
Ocupação a partir de incursões sertanistas, principalmente
Romão Gramacho, dá origem ao povoado Gameleira, futura
vila de Morro do Chapéu. Sistema de sesmarias objetiva
o povoamento da região.
Primeiros assentamentos de famílias vindas do Recôncavo baiano;
Agricultura (policultura) principalmente visando a produção de alimentos.
Primeiras fazendas de gado bovino, particularmente para
corte;
Chegadas de negros escravos e/ou agregados
libertos nesses agrupamentos.
Início da mineração do salitre, matéria-prima para pólvora.
Agricultura de subsistência. Abertura do acesso ligando
Jacobina ao rio São Francisco impulsiona o povoamento
local.
Estabelecimento da família de origem portuguesa Dourado no norte da Chapada Diamantina, no antigo distrito morrense de Novo Mundo, atual América
Dourada. Mateus Nunes Dourado, bandeirante
português, se estabelece na região ao final do século.
Ascensão da família Dourado explorando a pecuária bovina de corte.
Elevação do povoado Gameleira á condição de
freguesia de Nossa Senhora da Graça do Morro do Chapéu,
com território desmembrado de Jacobina (junho 1838).
Aumento da migração em virtude da descoberta de
diamantes.
Aumento da atividades econômicas, principalmente com a criação e engorda de
gado bovino de corte nas pastagens dos tabuleiros
morrenses;
Famílias Miranda, Souza Lemos, Pereira de Souza,
Soares da Rocha e Barbosa de Souza exercem o domínio político em Morro do Chapéu.
Clima do município gera as alcunhas de
“terra do frio” ou “cidade do frio” para Morro do Chapéu.
Primeiros registros da descoberta de diamantes no povoado do Ventura (1840).
Poderes político e econômico concentrados no Coronel
Quintino Soares da Rocha e Dona Umbelina Adelaide de Miranda, o casal Soares da Rocha. Senhores de terra,
gado, escravos, ex-escravos e um séquito de agregados
livres ou libertos. Proprietários, entre muitas
outras, da fazenda Gurgalha.
1855-1856. Epidemia de cólera morbus na Bahia e secas
dificultam a obtenção de mão-de-obra, mesmo a escrava.
Morro do Chapéu vai em sentido contrário, de
crescimento da população e econômico.
Pecuária bovina faz surgir personagens com
importância social e econômica no município: criadores, comerciantes,
atravessadores e vaqueiros. Esses últimos, não raro,
formados por negros escravos ou ex-escravos.
Engorda de gado bovino de forma extensiva, oriundos do Piauí e Goiás. Destina-se ao abastecimento de Salvador e
outros municípios do Recôncavo baiano.
Comercialização da farinha de mandioca e borracha.
1857-1861.Registro de seca severa
impactando as atividades
agropecuárias.
Emancipação da freguesia e criação do município de Morro do Chapéu, ainda atrelado ao município de Jacobina (maio
1864).
Sociedade basicamente formada por senhores de terras e gado, homens
brancos livres e pobres, comerciantes e escravos e
alforriados.
Instalação de importante feira de gado, caminho para os
rebanhos que deslocados para Feira de Santana.
Exploração e comercialização crescentes de pedras preciosas (diamante)
Nascimento de Francisco Dias Coelho, filho de negros agregados da Fazenda
Gurgalha, um dos principais líderes políticos e econômicos
do município (1864).
1860-70. Queda da produção de diamantes e da
agropecuária. Seca intensa reduz a água disponível para as lavouras, criações e lavras
do diamante. Relatos de cultivos de algodão
impulsionados pela conjuntura internacional favorável e roças de subsistência (policultura).
1850-60. Registros de lutas pelas terras entre posseiros e
proprietários de terras na disputa por destinadas às atividades agrícolas, em virtude da expansão da atividade mineradora.Nascimento em Brotas, futura
Brotas de Macaúbas, do Cel. Antônio de Souza Benta,
amigo, companheiro político e sucessor de Dias Coelho
(1868).
1870. Queda da produção de algodão devido á retomada das lavouras dos Estados
Unidos.1880-1900. Expansão da exploração do carbonado
(lavrita), como alternativa ao declínio do diamante e das
atividades agrícolas.
197
Quadro 16 – continuação
(continua)
SÉCULO PERÍODO FATOS HISTÓRICOS FATOS SOCIAIS FATOS ECONÔMICOS FATOS POLÍTICOS FATOS AMBIENTAIS
SÉ
C.
XX
1901
-192
019
30-1
950
1951
-199
0
Elevação da freguesia à condição de cidade sede do
município de Morro do Chapéu (agosto 1909). Comarca
desmembrada de Jacobina em 1915.
Reurbanização do município, promovida por Dias Coelho no intuito de
adequação a normas sanitárias do estado.
Medidas tomadas após surtos de doenças como a
varíola.
Auge da exploração do carbonado, usado em processo industriais.
Atividades agropecuárias em segundo plano.
Ascensão de Dias Coelho, consequência do sucesso
como comerciante de carbonado. Intenções
políticas subjacentes às relações com o Conselho Municipal (empréstimos) e
com o comércio local. Compra da patente de
Coronel em 1902.
Caracterização do sistema agrário
regional de gado-policultura, de acordo com as observações da trajetória histórico-
econômica do município.
1903. O major Pedro Celestino Barbosa é, até então, a maior liderança
política morrense, eclipsando Dias Coelho e Souza Benta.
1912. O Cel. Dias Coelho é conduzido ao cargo de
intendente do município, que ocuparia até sua morte, em
1919.Ascensão política da família
Dourado na região, especialmente a partir de
Herculano Dourado e do Cel. Teotônio Marques Dourado
Filho (Cel. Teozinho).1915. Divergência política sobre a emancipação do
Arraial do Ventura em relação a Morro do Chapéu. Opõem-
se representantes dos Dourados (a favor) e o Cel.
dias Coelho (contra).
Morte do Cel. Dias Coelho (fevereiro 1919)
As divergências políticas crescentes com os Dourados
geram denominações populares aos grupos políticos. Assim, são
chamados de coquís os correligionários ligados a
Dias Coelho e Souza Benta e memés, ao ligados à família
Dourado.
Morte do Cel. Antônio de Souza Benta (fevereiro 1946).
Início e intensificação da emigração local devido ao
aprofundamento da crise do carbonado. Abandono de
distritos outrora dinâmicos, como o Ventura.
1930. Declínio da economia do carbonado com a
descoberta da técnica de produção artificial do minério
na Alemanha.
Tensão política entre coquís e memés não raro envolve
ações armadas e coercitivas, típicas do coronelismo no Nordeste e na Bahia. Da
disputa, tem-se a divisão do município, em 1926, com as terras do distrito de Arraial de
Carahybas, futura Irecê, ficando com os memés e a
sede morrense com os coquís. Irecê seria reanexado a Morro do Chapéu em 1931
e definitivamente desmembrado em 1933.
Desmatamento intenso para a ocupação de
terras com atividades agrícolas. Feijão, milho
e mamona consorciados são os
destaques. Nas criações, têm-se as
tradicionais bovinocultura de corte e caprinovinocultura. Criação do Parque
Nacional da Chapada Diamantina (1985).
Desmembramentos do município: Utinga (1953);
Canarana (1962); Cafarnaum (1962); Mulungu do Morro
(1989, antigo distrito de Várzea do Cerco). Criação do Parque Estadual de Morro do Chapéu
(1973).
Conclusão da estrada do feijão (BA-052) pelo DERBA
confere novas esperanças de crescimento ao município
(1978).
Poder político subsidiado por atividades agropecuárias e
comércios. Dourados, Gomes e Cunegundes são famílias que (re) aparecem
nesse momento.
198
Quadro 16 – continuação
Fontes: De Mattos (2013); Ferreira (2014); Leite (2009); IBGE (2016); Oliveira (1919);Sampaio (2009)
SÉCULO PERÍODO FATOS HISTÓRICOS FATOS SOCIAIS FATOS ECONÔMICOS FATOS POLÍTICOS FATOS AMBIENTAIS
SÉ
Cs.
XX
-XX
I
1991
-200
420
05-2
015
Efetivação do Parque Estadual de Morro do Chapéu (1998).
Adaptação do agricultor à condição de
empobrecimento: sem as lavouras provedoras de
alimentos e com oscilações na lavoura de sobrevivência por excelência: a mamona.
Programas de créditos estatais produziu uma geração
de agricultores endividados, sem produção e em processo
de descapitalização, consequência das perdas com
as estiagens. Declínio da lavoura de feijão. Ecoturismo como atividade econômica
com potencial de geração de rendas.
Cooperativas de agricultores familiares utilizadas como base para projetos político-partidários individuais e de grupos políticos aliada a
problemas de gestão frustram expectativas de
agricultores. Caso emblemático da COOPAF é
exemplo da perda de confiança do agricultor quando se misturam
interesses individuais/de grupos e os da coletividade.
Intensificação da perfuração de poços artesianos para as
atividades agrícolas irrigadas, com
destaque para o tomate e a cebola. Uso
intensivo de maquinário agrícola
compactando os solos. Com o Parque
Estadual, objetiva-se a preservação de
atrativos turísticos como cachoeiras,
sítios arqueológicos e espeleológicos.
Implantação das primeiras ações do PNPB (2004).
Relatos de exploração predatória de pequenos agricultores a partir da
aquisição e/ou arrendamento de terras por
grandes produtores de tomate e cebola oriundo de outras regiões do estado,
especialmente Irecê e Lapão.
Chegada do (agro) biodiesel de mamona promete a redenção do agricultor,
particularmente o familiar com a promessa do
estabelecimento de canais de comercialização, fim do atravessador e preços garantidos. Parte das
promessas não se concretiza.Necessidade de cooperativas fortes para a manutenção da primeira fase de assistência técnica da PBio esbarra em
estabelecimentos endividados,
descapitalizados e com desvio de funções políticas
de assistência técnica.
Seca altera os sistemas de produção locais. O tri-consórcio cede lugar às lavouras solteiras, em virtude
das perdas, especialmente em relação à mamona.
Expansão da lavouras irrigadas, com
utilização em larga escala de
agroquímicos. Exploração de madeira
da caatinga, caça predatória de animais
silvestres.
Crédito e incentivos à produção da oleaginosa e
condições climáticas favoráveis geram grandes colheitas, com impactos
negativos sobre o preço. Após elevação da produção, tem-se
queda brusca em 2009. Instalação de lavouras
alternativas (flores, uvas, morangos e outras frutas de
clima temperado). Na indústria destaca-se o potencial de geração de energia eólica, com a instalação de torres
geradores na área do município.
199
5.2 PROCEDIMENTOS METODOLÓGICOS E CONDIÇÕES INICIAIS DA
PESQUISA
A pesquisa de campo com agricultores e informantes-chave em Morro do
Chapéu ocorreu em duas etapas. A primeira entre os meses de outubro e dezembro
de 2015; a segunda, no mês de junho de 2016. Como recurso metodológico e
visando à otimização dos trabalhos, adotou-se a aglutinação de povoados do
município em três roteiros de pesquisa. Justifica-se pela extensão territorial do
município – aproximadamente 5.800km², segundo o IBGE (2016) – e pelas
condições de deslocamento, em estradas frequentemente “de chão”, pouco
conservadas e sem pavimentação. Foram reunidos povoados em três grupos
básicos. No Grupo 01, tem-se os povoados de Malhada da Areia, Velame, Ouricuri I
e II, Queimada Nova; no Grupo 02, tem-se os povoados de Icó e Brejões; e,
finalmente, no Grupo 03, tem-se o povoado de Olhos D'Água (Figura 28). Foram
entrevistados 45 agricultores nos três Grupos. A necessidade de maior volume de
entrevistas diminui à medida em que os sistemas de produção se repetem nas
entrevistas. Isso demostra certa homogeneidade dos sistemas de produção nos
povoados selecionados. Reafirma-se o objetivo em se estudar as ocorrências e
combinação entre os subsistemas de cultivo, criação e transformação e as
implicação a partir da alternativa do agrodiesel. Após as impressões iniciais,
concentrou-se o detalhamento nos agricultores representativos de tipos de sistemas
de produção mais comuns observados localmente, conforme instruções
apresentadas no Capítulo 02.
Durante a primeira etapa parcela significativa dos agricultores encontra-se em
processo final de colheita da mamona, ensacagem e comercialização; outros, em
início de preparação dos solos para a próxima colheita. A expectativa com as chuvas
de final de ano gera alguma esperança à continuidade das lavouras. Entretanto, o
relato geral é de estiagem severa, com temperaturas próximas aos 30ºC médios
durante o dia e chuvas irregulares no ano. Não raro, agricultores pontuam perdas
totais nos principais subsistemas de cultivo nos povoados selecionados para esta
pesquisa: milho, feijão e mamona. As lavouras de milho e feijão aparentemente
sofreram mais intensamente com a estiagem em 2015. A mamona, por suas
características agronômicas, resiste por mais tempo, mas com baixos resultados
produtivos para muitos agricultores.
200
Na segunda etapa mencionam-se as chuvas que ocorreram de forma contínua
durante o mês de janeiro de 2016. Ainda em junho, alguns períodos de chuvas e
temperaturas mais baixas são observados, com amplitude térmica entre 15ºC e 25ºC
no inverno da Chapada Diamantina (Figura 27). As chuvas animaram o agricultor
aos tratos culturais iniciais da lavoura: aragem, gradagem, plantio e a “raleação”,
desbaste ou destoca da mamona – a limpeza das leiras, retirando plantas que
vingaram com deficiência tornando-se potenciais competidoras da planta principal.
As lavouras encontram-se em crescimento e aparentemente os resultados com a
produção podem ser melhores daqueles observados na safra anterior, em 2015.
Figura 27 – Precipitações em Morro do Chapéu, out-2015/jul-2016
Fonte: Inmet (2016)
201
Foto 3 – Paisagem árida. Morro do Chapéu, outubro 2015
Fonte: Alynson dos Santos Rocha em trabalho de campo (2015).
Figura 28 – Morro do Chapéu. Localização da pesquisa de campo, out-2015/jul-16
Fonte: elaboração própria, com base em IBGE-Cidades (2016).
202
Durante o procedimento inicial de leitura de paisagem observa-se que a
lavoura de mamona figura com algum destaque dentre os sistemas de produção
típicos do município. Embora sejam detectados avanços de culturas irrigadas,
especialmente a cebola, praticamente todos os agricultores mantém áreas
reservadas à baga. São percebidas as lavouras de sisal e pequenas criações,
caprinos principalmente com ocorrências de ovinos e bovinos. Reforça-se a
característica do sistema agrário local: gado-policultura. Nos povoados visitados, a
movimentação mais intensa em junho deveu-se ao período de comercialização da
mamona, no qual os agricultores fazem as etapas de pesagem das sacas
armazenadas e carregamento dos caminhões – sob a supervisão do técnico da
empresa compradora, nesse caso a BioÓleo –, para transporte e fechamento do
processo de compra e posterior pagamento.
Fotos 4 e 5 – Povoados (Icó, Queimada Nova). Morro do Chapéu
Fonte: Alynson dos Santos Rocha em trabalho de campo, outubro, 2015.
203
Completando as informações gerais sobre a pesquisa de campo tem-se a
qualificação dos entrevistados. As informações sobre os sistemas de produção
foram coletadas junto a agricultores dos diversos povoados do município, sendo
complementadas por entrevistas a técnicos da Embrapa atuantes na região; o
representante da principal empresa compradora da mamona no período, a BioÓleo;
representantes de cooperativas e de organizações de agricultores, notadamente o
Sindicato de Trabalhadores Rurais de Morro do Chapéu. Esses agentes são, de
acordo com o previsto no conjunto de procedimentos da metodologia ADSA, os
informantes-chave que auxiliam a caracterização dos agricultores, dos sistemas de
produção e dos itinerários técnicos e suas alterações ao longo do tempo, permitindo
melhor compreender as dinâmicas produtivas locais, antecedentes e consequências
com a chegada do biodiesel como alternativa econômica.
5.3. PERFIS DOS AGRICULTORES PRODUTORES DE MAMONA NO MUNICÍPIO
Em relação às características das famílias de agricultores pode-se destacar a
conformação usualmente observada: a presença do casal de agricultores, em idades
mais avançadas – não raro acima dos 60 anos – com netos e, ocasionalmente,
mulheres jovens agregadas. Para filhos homens adultos tem-se o frequente
deslocamento para outras regiões em busca de ocupações remuneradas –
consequência direta da escassez de oportunidades em atividades agrícolas,
fundamentalmente em virtude da seca. O “êxodo” em direção aos estados de Goiás,
São Paulo e Minas Gerais geralmente tem por objetivo o trabalho nas colheitas da
cana-de-açúcar e outras lavouras/criações além de atividades não-agrícolas.
Embora seja de conhecimento que eventuais remessas de recursos para aqueles
que ficaram na Bahia interferem na composição dos orçamentos familiares, essas
informações não foram captadas para este trabalho, contribuindo à baixa
pluriatividade das famílias dos agricultores entrevistados. Poucos são os relatos de
agricultores cujos filhos estão ocupados em atividades distintas da
agricultura/pecuária29. Em geral, desempenham atividades como a prestação de
29 Entende-se por pluriatividade a divisão do tempo de trabalho do agricultor em atividades agrícolas(lavouras, criações e suas transformações) e atividades não-agrícolas (comércio varejista,funcionalismo público, trabalho doméstico, prestação de serviços diversos, etc.). A pluriatividadeem regiões mais atrasadas economicamente, como grande parte do semiárido nordestino, estáligada a estratégias de sobrevivência do agricultor e sua família, no processo de composição emanutenção das suas rendas. O agricultor gradualmente torna-se um agente pluriativo e não
204
serviços em outras unidades produtivas, de complementação aos tratos culturais das
lavouras.
Especificamente à lavoura de mamona, permanece a percepção de sua
tradicionalidade entre os agricultores. São famílias que informam o trato com a
lavoura por períodos frequentemente próximos aos 30 anos, que não abandonam
completamente a produção da baga, mesmo com as estiagens que atingem a
região, além das oscilações de preços que alteram as expectativas de composição
das rendas familiares. O discurso pela não desistência da mamona dos agricultores
mais velhos vem acompanhado da resistência inicial às novas técnicas e tecnologias
incorporadas aos tratos culturais, fruto da herança das práticas de avós, pais e
outras referências parentais.
Na questão da escolha das sementes da oleaginosa para plantio esse embate
fica mais visível. Segundo representante de associação de agricultores locais, existe
a defesa das chamadas semestre crioulas, como a variante sangue de boi, que
apresenta ciclo produtivo mais estendido, chegando a três anos, dependendo do
ciclo de chuvas. As sementes “novas” – o representante cita nominalmente a BRS
Energia, mas o grupo inclui ainda as variantes Nordestina e Paraguaçu – possuem
ciclo produtivo mais curto, de aproximadamente 70 dias para a Energia e entre 200 e
250 dias para as demais. A suposta vantagem para o agricultor desfaz-se com a
necessidade de máquinas (trator) e custos com insumos direcionados aos tratos
culturais da lavoura. Aos impactos econômicos negativos citados juntam-se
questões ambientais como a compactação dos solos e a disseminação de pragas, a
exemplo da cigarrinha da mamona (Empoasca cramer) e o percevejo verde (Nezara
viridula). Aparentemente as variantes “novas” da mamona são mais produtivas,
portanto mais difundidas por técnicos atuantes na região.
As características agronômicas da mamona, sua conhecida resistência a
períodos de estiagens e a capacidade de produzir rendas imediatas ao agricultor
reforçam o argumento pela manutenção das lavouras. No entanto, em 2015, as
chuvas irregulares do primeiro semestre (Figuras 26 e 27), aliado à conjuntura
desfavorável de preços da mamona (Gráfico 11) produziram quatro perfis básicos de
agricultores produtores de mamona no município de Morro do Chapéu:
apenas agricultor stricto sensu, voltado exclusivamente às atividades agrícolas. As diferentesabordagens da pluriatividade, suas consequências e transformações no espaço rural têm sidoestudadas no Brasil mais intensamente a partir dos anos 1990. Destacam-se, entre outros,GRAZIANO DA SILVA (1996; 1999), SACCO DOS ANJOS (2003) e SCHNEIDER (2003; 2006).Na Bahia destacam-se COUTO (1996) e MACHADO (2004).
205
i) Agricultores com perdas totais da lavoura. A situação mais comum,
especialmente para os pequenos produtores, menos capitalizados e com baixa
integração entre os subsistemas de cultivo e criação. Aqui as estratégias de
sobrevivência invariavelmente oscilam (ou se complementam) entre a venda de
animais (caprinos, ovinos e bovinos) e, principalmente, o recebimento de
transferências de rendas, notadamente aposentadorias e programas sociais;
ii) Agricultores com baixa produção e comercialização imediata do produto.
Com a produção de mamona reduzida pela adversidade climática, resta ao agricultor
a comercialização – seja pelos canais oficiais, a exemplo de cooperativas e
empresas (BioÓleo, nesse caso) ou pelo canal não oficial, o atravessador. Esse
personagem da engrenagem produtiva da mamona na região, suas ações e
repercussões positivas e negativas em relação à lavoura são analisadas nas seções
seguintes;
iii) Agricultores com produção de mamona, mas em estoque à espera da
melhoria dos preços. Nesse caso, o agricultor e sua família apresentam outros
subsistemas de produção e atividades compensadores em termos de rendas. Por
exemplo, agricultores proprietários de trator utilizado na comercialização de serviços
de aragem, gradagem e limpeza em outras unidades produtivas, gerando rendas
adicionais;
iv) Agricultores produtores de mamona, mas com esforços significativos em
lavouras irrigadas. As olerícolas tomate e cebola absorvem esses esforços. São
lavouras não generalizadas na região, pois demandam gastos elevados,
especialmente com a abertura e manutenção de poços artesianos (bombas d’água,
canos, canaletas, energia elétrica), além de gastos com tratos culturais, sementes,
adubação de solos, das plantas e utilização de agroquímicos. São lavouras com
conjunturas favoráveis de preços ao período de condução desta pesquisa de campo,
justificando a estratégia dos agricultores.
Ressalte-se que, embora fortemente observadas no primeiro perfil de agricultor,
não se descartam as vendas de animais e o recebimento de transferências de
206
rendas nos outros perfis de agricultores. É o comportamento esperado diante da
severidade dos efeitos da irregularidade das chuvas e da confirmação subjacente de
perdas em outros subsistemas outrora consorciados à mamona: feijão e milho. Em
2015, os resultados das lavouras de sequeiro em Morro do Chapéu, observados
para a quase totalidade dos agricultores, suscitaram alternativas econômicas de
sobrevivência, como analisadas a partir da identificação e descrição dos sistemas de
produção e atividades no município.
5.4. SISTEMAS DE PRODUÇÃO: AGRO-GEO-ECONOMIA
Ao longo da pesquisa de campo identificam-se seis tipos principais de sistemas
de produção que apresentam mamona como subsistema de cultivo nos povoados
selecionados em Morro do Chapéu. Reafirma-se o objetivo em se pesquisar apenas
agricultores produtores da oleaginosa, direta ou indiretamente ligados ao agrodiesel,
estabelecendo ligações comerciais com cooperativas, com a Petrobras
Biocombustíveis (PBio) e/ou com a empresa privada (BioÓleo) responsável pela
compra de significativas parcelas da mamona produzida no município.
Simultaneamente, são identificados três tipos básicos de famílias de agricultores, de
acordo com o patrimônio familiar e atividades desenvolvidas e composição adicional
de rendas. Obedecendo aos grupos de pesquisa apresentados na Seção 5.2 tem-se
a seguinte tipologia de sistemas de produção a seguir. Note-se que os tipos de
sistemas de produção identificados não são exclusivos de cada roteiro. O
procedimento de grupos foi adotado por questões de logística, transporte e
racionalização da pesquisa, uma vez que o Município de Morro do Chapéu possui
extensa área geográfica. Dessa forma, no Grupo 03, por exemplo, podem ser
observados os demais tipos identificados, além daquele peculiar à área.
207
1) Tipologia de sistemas de produção observada nos diferentes roteiros:
1.1) Tipo I: Quintal + Mamona + Mandioca + Sisal + Palma + Caprinos e Ovinos;
1.2) Tipo II: Quintal + Mamona + Milho + Feijão + Maracujá + Ovinos;
1.3) Tipo III: Quintal + Mamona + Milho + Sisal + Cebola + Galinhas;
1.4) Tipo IV: Quintal + Mamona + Feijão + Milho + Sisal + Capim + Gado bovino
(corte);
1.5) Tipo V: Quintal + Mamona + Feijão (associados) + Sisal + Milho;
1.6) Tipo VI: Quintal + Mamona + Cebola + Tomate + Ovinos + Gado bovino (leite);
2) Tipologia de famílias agrícolas encontradas nos diferentes roteiros:
2.1) Família agrícola capitalizada com aposentadoria;
2.2) Família agrícola com baixa capitalização, aposentadoria e bolsa família;
2.3) Família agrícola de baixa capitalização e sem aposentadoria.
OBS. A capitalização aqui está diretamente relacionada ao patrimônio da família. Diz
respeito à propriedade, por exemplo, de trator e outras máquinas e equipamentos
utilizados nos subsistemas de produção.
208
SISTEMA DE PRODUÇÃO TIPO I:
O agricultor cultiva em sua unidade produtiva a tradicional mamona (da
variedade Paraguaçu) em paralelo à mandioca, sisal, milho e palma. O cultivo do
feijão é mencionado, mas devido à estiagem não se observam colheitas revertidas
em vendas ou consumo (perdas completam, frisam os agricultores). Como
subsistema de criação, tem-se a criação de caprinos e ovinos, sendo
comercializados em 2015 apenas ovinos. A mamona é cultivada na forma solteira
(não associada a outros cultivos, como feijão e milho) e de sequeiro (obedecendo à
ocorrência natural das chuvas). Do ponto de vista agronômico, segundo os
agricultores, a falta de chuvas não incentiva a associação das culturas, permite a
retirada das plantas que não vingaram (milho e feijão, principalmente) e proporcionar
o bom desenvolvimento da mamona, resistente a estiagens. A integração entre os
subsistemas ocorre com o aproveitamento das palhas do milho e, eventualmente,
das cascas da mamona na complementação alimentar dos animais. No Quintal têm-
se galinhas e algumas hortaliças para o consumo da família.
Observa-se que neste tipo de sistema de produção o agricultor diversifica suas
fontes de renda agrícolas com a manutenção de área de sisal. Segundo agricultores
que perfazem o sistema identificado, a cultura da fibra apresenta, desde 2013, um
bom retorno monetário para aqueles que já possuem as áreas – a planta do sisal
começa a produzir comercialmente entre três e quatro anos após o plantio – e que
não suprimiram o cultivo em função da necessidade imediata de novas áreas de
cultivo/criação.
Para a Conab, o preço da fibra de sisal na Bahia alcança o patamar de
R$3,08/kg em dezembro de 2015, aproximadamente US$1,00/kg ao câmbio da
época, ante a R$1,00/kg, em 2010 (CONAB, 2016). Essa oscilação corresponde a
alta de até 30% comparando-se aos anos anteriores. O aumento animou agricultores
– não raro, elevando o sisal à categoria de principal fonte de renda agrícola, em
virtude das perdas verificadas com a mamona, feijão e milho, devido à seca intensa
– e a comercialização das fibras ganha intensidade no município. Os agricultores
entrevistados relataram que vendem o sisal a interessados que se dispõem a
realizar o trabalho de colheita e primeiro beneficiamento das fibras (motor de sisal,
batedor ou máquina desfibradora) em uma espécie de terceirização da fase final
desse subsistema. A principal desvantagem nesse método e que o agricultor recebe
209
uma renda única independente da qualidade da fibra extraída. Sabe-se que a fibra
do sisal é classificada normalmente pelo comprimento da fibra e pela apresentação
do produto. Essa classificação, e eventuais ganhos decorrentes, são apropriados
pelo comprador do sisal, não pelo agricultor proprietário das terras30.
Foto 6 – Subsistema de cultivo mamona. Sistema de produção Tipo I
Fonte: Alynson dos Santos Rocha em trabalho de campo, outubro, 2015.
Os cultivos de milho e palma destinam-se quase que exclusivamente à
produção de ração para os animais. No caso do grão, essa destinação é
consequência da perda da produção em virtude da seca. São frequentes os relatos
de agricultores – não apenas neste tipo de sistema de produção, mas em outros que
apresentam o milho como subsistema de cultivo – a realocação do resultado
produtivo para os animais pelo não atingimento da quantidade e qualidade à
comercialização e/ou alimentação da família. Situação semelhante também
observada àqueles que possuem áreas de mandioca. Trata-se de pequenas áreas
(2,5tarefas ou 1,1ha) cuja produção, depois de colhida, é oferecida aos animais.
Menciona-se também a existência de áreas separadas de caatinga, que os
30 Segundo a Embrapa Algodão a fibra do sisal é classificada como longa, com comprimento acima0,90 cm; média, comprimento entre 0,71 e 0,90 cm; e curta, entre 0,60 e 0,70 cm. Quanto àqualidade as fibras são classificadas de Tipo 1 ao Tipo 3, de acordo com a umidade, impurezas,cor das fibras, brilho, etc.(EMBRAPA, 2016).
210
agricultores chamam de reserva de madeira, prestando-se também ao pastoreio dos
caprinos. Os animais funcionam como reserva de valor ao agricultor, sendo
comercializados em momentos de necessidade de complementação de rendas.
Geralmente as famílias encontradas para este tipo de sistema de produção
apresentam maiores gastos, pela demanda por cercas específicas para os caprinos;
manutenção de galpões de ferramentas (enxada, enxadete, capinadeira, facão) e
curral dos animais. A dinâmica produtiva/rendas é sintetizada na Figura 29.
Figura 29 – Fluxograma da dinâmica do sistema de produção Tipo I
Fonte: Trabalho de campo, out/2015 jul/2016.OBS. O pontilhamento sinaliza perdas totais de colheita no subsistema; ohachuramento sinaliza (baixa) produção do subsistema geralmente não voltada para omercado.
Importante observar que, na quase totalidade dos entrevistados, as famílias
encontradas compunham-se apenas do agricultor e agricultora (com a participação
de filhos adultos em alguns casos). Essas constatações repercutem na distribuição
das unidades de trabalho familiar (UTFs) e na composição e distribuição das rendas
MAMONA solteira
sequeiroMANDIOCA
SISAL
MILHOsolteiro
PALMA
CAPRINOS/OVINOS
Aragem; gradagem
Venda da bagas
Venda
Palhas
“Cortado” de palma
FEIJÃOsolteiro
Sementes
Ração complementar;Medicamentos e vacinas
ÁREA DE CAATINGA
APOSENTADORIA
QUINTAL
Reserva de madeira e areia de pastoreio
TRABALHO DOMÉSTICO
Venda
Comercialização das fibras
Consumo
211
familiares. De maneira geral, nos subsistemas de produção pesquisados, o homem
despende maior parcela de tempo – especialmente nos sistemas de cultivo. A
mulher ocupa-se dos afazeres domésticos e participa nas criações de menor porte. A
distribuição das UTFs para o Tipo I pode ser visualizada no Quadro 17:
Quadro 17 – Distribuição das UTFs no sistema de produção Tipo I
Subsistemas/atividades
Homem MulherTotal por
subsistema
Quintal 0,1 0,1 0,2
Mamona 0,2 0,1 0,3
Mandioca 0,2 0,1 0,3
Sisal 0,05 0,0 0,05
Milho 0,1 0,0 0,1
Feijão 0,1 0,0 0,1
Palma 0,1 0,0 0,1
Caprinos/Ovinos 0,1 0,1 0,3
Trabalho doméstico
0,05 0,6 0,65
Total UTF 1 1 2
Fonte: trabalho de campo, out/2015 – jul/2016.
OBS. De acordo com as observações em campo, pode-se afirmar que o agricultordespende 30% da sua jornada de trabalho no subsistema mamona; a mulher, 10% eassim sucessivamente.
A análise da dinâmica econômica desse agricultor revela a composição das
suas rendas agrícolas a partir da comercialização da mamona; do sisal; e dos
ovinos. Refirma-se que, durante a pesquisa de campo não foram relatadas rendas
dos subsistemas palma (destinado à complementação da alimentação) e milho
(devido à seca). O agricultor em questão comercializou 300 sacos (60kg cada) de
mamona, ao preço de R$120,00/saco. Gerou-se, dessa forma, uma receita bruta
anual de R$36.000,00. Note-se que, parte da mamona estava armazenada pelo
agricultor a espera de melhores preços. Prática bastante comum, especialmente
entre os agricultores mais capitalizados e com outras fontes de renda, que poderiam
aguardar eventuais oscilações positivas de preços por mais tempo. O agricultor, ao
confirmar a técnica de sequeiro e plantio da mamona de forma solteira, afirma a não
212
utilização de quaisquer insumo no subsistema. Os custos de produção, dessa forma,
concentração nas etapas de aragem, gradagem e outros tratos culturais.
O sisal (Foto 7), como visto anteriormente, foi comercializado a partir da cessão
da área pelo agricultor ao interessado em cortar das folhas e processar, e
transportar as fibras. Nesse expediente o agricultor alcançou, em outubro de 2015
(última colheita), R$7.000,00. A mandioca gerou rendimentos de R$1.500,00. Parte
da colheita da euforbiácea é destinado à alimentação dos animais.
Foto 7 – Subsistema de cultivo sisal. Morro do Chapéu, outubro, 2015
Fonte: Alynson dos Santos Rocha em trabalho de campo (2015).
Para o subsistema de criação ovinos, foram comercializadas 30 ovelhas em
2015, totalizando aproximadamente 450kg ou 30 arrobas (@). Ao preço médio de
R$210,00/@ no município, perfazendo uma renda bruta de R$6.300,00. Considera-
se aqui as rendas obtidas pelo trabalho doméstico como renda oculta, que não é
percebida pelo agricultor de fato. Estima-se ao menos o valor monetário do salário-
mínimo vigente no momento da pesquisa (R$788,00). Note-se que esse valor é
adotado para efeito de padronização do exercício das análises desta seção e pela
importância do trabalho doméstico no cômputo geral das atividades da familiares,
especialmente quando exercido pelas mulheres. É de amplo conhecimento que,
213
diante da realidade das remunerações do trabalho doméstico no semiárido
nordestino e, em particular do baiano, dificilmente esse valor é conferido localmente,
sendo, portanto, bastante variável. No entanto, esse valor traduz-se no custo de
oportunidade entre empregar-se e exercer a função doméstica. Machado (2012)
afirma que:
Há uma dualidade na ideia da renda oculta, pois é uma renda quenão existe de fato, porquanto os membros da família não recebempelo trabalho incorporado, não é monetária, mas ela, ao mesmotempo, está omitida, pois há trabalho incorporado da família narealização das atividades domésticas. Em geral, são as mulheresagricultoras que mais tempo dedicam às atividades domésticas, emrelação aos seus companheiros, realizando-as juntamente com (sic)as atividades dos quintais (MACHADO, 2012, p. 137).
No cômputo das rendas não agrícolas e/ou transferências tem-se uma
aposentadoria do agricultor, totalizando R$10.244,00 (considerando-se o salário-
mínimo de R$788,00 em 2015). O total bruto das rendas do agricultor entrevistado
(rendas brutas agrícolas e não agrícolas somadas) alcançou R$61.044,00. Ressalte-
se que esse valor se deve especialmente à comercialização de estoques de
mamona e, principalmente, pela venda de caprinos, tornado os dois subsistemas
essenciais na composição das rendas do agricultor. Computando-se o trabalho
doméstico, esse total alcança R$71.288,00. A disposição das rendas agrícolas do
agricultor está demonstrada na Tabela 5.
Na Tabela 6 tem-se a distribuição dos rendimentos do agricultor considerando-
se a Unidades de Trabalho Familiar (UTFs) e as áreas declaradas em cada
subsistema. É possível obter uma primeira percepção das intensidades dos
resultados econômicos na unidade produtiva. Essas informações subsidiam a
construção do gráfico (Gráfico 24) no qual visualiza-se, a partir das inclinações das
curvas representativas dos subsistemas, a maior ou menor utilização de mão-de-
obra ou da terra na produção. A disposição das curvas no gráfico obedece a ordem
de intensividade do uso da mão-de-obra em relação à área dos subsistemas
(SA/UTF): dos subsistemas mais intensivos aos subsistemas menos intensivos.
Tabela 5 – Rendimentos familiares do sistema Tipo I
Fonte: trabalho de campo, out/2015 – jul/2016.OBS.: RNA = renda não agrícola; excetuando-se a área declarada, as demais medidas são expressas em reais (R$).
Tabela 6 – Rendimentos por UTFs e área dos subsistemas produtivos (Tipo I)
Fonte: trabalho de campo, out/2015 – jul/2016.
Subsist./ atividades SA (ha) SA (tarefas) % (ha) PB CI D Sal Imp Jur RF Sub
Mamona 26,4 60 0,35 36.000,00 26.100,00 659,63 0,00 0,00 0,00 0,00 0,00 9.240,37Mandioca 1,1 2,5 0,01 1.500,00 487,50 27,48 0,00 0,00 0,00 0,00 0,00 985,02Sisal 22 50 0,29 7.000,00 0,00 549,69 0,00 0,00 0,00 0,00 0,00 6.450,31Milho 13,2 30 0,18 0,00 5.100,00 329,82 0,00 0,00 0,00 0,00 0,00 -5.429,82Feijão 8,8 20 0,12 0,00 3.400,00 219,88 0,00 0,00 0,00 0,00 0,00 -3.619,88Palma 2,5 5,7 0,03 0,00 142,05 62,47 0,00 0,00 0,00 0,00 0,00 -204,51Caprinos/Ovinos 0,88 2 0,01 6.300,00 1.311,75 521,99 0,00 0,00 0,00 0,00 0,00 4.466,26Subtotal agrícola xxxxx xxxx xxxx 50.800,00 36.541,30 2.370,96 0,00 0,00 0,00 0,00 0,00 11.887,75RNA xxxxx xxxx xxxx 10.244,00 xxxxx xxxxx xxxxx xxxxx xxxxx xxxxx xxxxx 10.244,00TOTAL 74,88 170,18 1,00 61.044,00 36.541,30 2.370,96 0,00 0,00 0,00 0,00 0,00 22.131,75Trabalho doméstico xxxxx xxxx xxxx 10.244,00 xxxxx xxxxx xxxxx xxxxx xxxxx xxxxx xxxxx 10.244,00
RA/RNA/ outras rendas
Subsistema/ atividades UTF RA RA/UTF SA SA/UTF RA/SAMamona 0,3 9.240,4 30.801,2 26,40 88,0 350,0Mandioca 0,3 985,0 3.283,4 1,10 3,7 895,5Sisal 0,1 6.450,3 129.006,1 22,00 440,0 293,2Milho 0,1 -5.429,8 -54.298,2 13,20 132,0 -411,3Feijão 0,1 -3.619,9 -36.198,8 8,80 88,0 -411,3Palma 0,1 -204,5 -2.045,1 2,50 25,0 -81,8Caprinos/Ovinos 0,3 4.466,3 14.887,5 0,88 2,9 5.075,3RNA 0,0 10.244,0 0,0 0,0 0,0 0,0Trabalho doméstico 0,7 10.244,0 15.760,0 0,0 0,0 0,0
215
Conforme as Tabelas 5, 6 e o Gráfico 24 é possível perceber que os
subsistemas de cultivo Milho, Feijão e Palma apresentam resultados negativos
quanto a geração das rendas ao agricultor. Os resultados são intensificados quando
se observa a relação entre rendas e unidades de trabalho familiares utilizadas em
cada subsistema (RA/UTF). Nessa situação é possível afirmar que o agricultor não
encontra outra alternativa para sua sobrevivência e de sua família que a venda da
produção dos outros subsistemas, notadamente o sisal e a mamona. Aqui, o
agricultor, constatando os resultados adversos da produção de alimentos,
comercializa a mamona de forma a produzir resultados (rendas) imediatas, com
pouca ou nenhuma preocupação em relação à destinação das bagas. Não raro, os
atravessadores são os destinatários da produção da oleaginosa: desde os pequenos
volumes em latas até caminhões, após aquisição de diversos agricultores. Em
termos de intensividade de rendas em relação às áreas (RA/SA), destaca-se o
subsistema Mandioca (R$895,50). Isso significa que o subsistema é o mais eficiente
cultivo na geração de rendas por unidade de área. No entanto, o subsistema
Mamona, apesar de apresentar menor relação de renda por área, registra
rendimentos gerais maiores. Reforça-se, assim, a importância da lavoura de
mamona para o agricultor. Esses aspectos, conjuntamente à conjuntura de preços
da oleaginosa, são determinantes à definição das estratégias de plantio dos
agricultores, especialmente diante das perspectivas de agudização das estiagens.
216
Gráfico 24 – Renda por Unidade de Trabalho Familiar (RA/UTF) em relação às áreas por UTFs (SA/UTF) dos subsistemas de produção, Tipo I.
Fonte: trabalho de campo, out/2015 – jul/2016.
O subsistema Sisal é o que apresenta maior relação de renda por UTF. A pouca
necessidade de mão-de-obra familiar, uma vez que a área foi cedida para cultivo,
resulta na combinação de rendas percebidas – retomando-se a conjuntura positiva,
em 2015, dos preços da fibra –, baixa destinação de UTF e depreciação, composta
basicamente das cercas que circundam os 22ha do subsistema. Tem-se no Sisal a
maior relação entre área e mão-de-obra da unidade produtiva (SA/UTF) refletindo-se
na maior inclinação positiva de curva representativa dentre todos os subsistemas
analisados para esse Tipo. Note-se que o Sisal, a Mamona e os animais melhoram
substancialmente a composição das rendas do agricultor. Não foram geradas rendas
exatamente naqueles subsistemas de cultivo mais susceptíveis à seca (Milho e
Feijão). Entretanto, gastos foram registrados, resultando em rendas negativas. A
0,00
100,
00
200,
00
300,
00
400,
00
500,
00
600,
00
700,
00
800,
00
900,
00
0,00
20.000,00
40.000,00
60.000,00
80.000,00
100.000,00
120.000,00
140.000,00
SA/UTF
RA
/UT
F
Milho
Feijão
Palma
Sisal
Mamona
Caprinos/Ovinos
Mandioca
RNA + Trabalho doméstico
217
Palma registrou apenas gastos nos tratos culturais, pois a produção não se destina à
venda, mas para a alimentação dos animais.
O subsistema de criação Caprinos/Ovinos apresenta maior relação de renda
por unidade de área (R$5.075,30/ha), além de elevada relação entre renda por UTF.
Considerando-se apenas a estratégia econômica pura e simples, para esse
agricultor representativo do Tipo I, a melhor opção produtiva, portanto, seria a
combinação dos cultivos de Mandioca e Mamona com a criação de Caprinos/Ovinos.
Mas a integração entre os subsistemas visando a menor dependência possível do
provimento via mercado – típica da agricultura familiar – reforça a importância da
palma e de parte da mandioca, na complementação da alimentação dos animais. No
âmbito das chamadas rendas não-agrícolas, o recebimento de uma aposentadoria
declarada, além da renda implícita do trabalho doméstico não possuem suas
dinâmicas associadas a áreas da unidade produtiva, motivo pelo qual a reta
representativa é vertical, conforme Gráfico 24.
SISTEMA DE PRODUÇÃO TIPO II:
Nesse sistema de produção o agricultor combina em sua unidade produtiva a
mamona (solteira, de sequeiro e da variedade Paraguaçu), além do milho (solteiro).
Cultivado em pequena área de 2 tarefas (0,88ha) a lavoura de milho gerou apenas
60kg em 2015, sendo destinado à alimentação dos animais. Tem-se ainda pequena
roça de maracujá irrigado (0,44ha). A irrigação é garantida pela presença de poço
artesiano de uso do agricultor. Implantado pela Companhia de Engenharia Hídrica e
de Saneamento da Bahia (CERB) em parceria à Codevasf em 2015, o poço não
representou custos iniciais de implantação, com a manutenção também a cargo das
companhias estatais. A vazão do poço, superior a 3.100l/h permite a irrigação do
maracujá, ainda não colhido (no momento da pesquisa de campo). Segundo o
agricultor parte da produção terá como destino a comercialização.
O feijão também é mencionado como subsistema de cultivo, porém em
pequena área (menor que uma tarefa ou 0,44ha) segundo o agricultor e destinado
especialmente para o consumo da família. Nos subsistemas de criação destaca-se a
ovinocultura. No Quintal relata-se o plantio de abóbora e alface, para consumo da
família. A integração dos subsistemas se dá pelo aproveitamento das palhas do
218
milho e das espigas e grãos não desenvolvidos para a criação. A dinâmica
produtiva/atividades é sintetizada na Figura 30.
Uma característica importante observada é a inclusão de uma área
complementar de 7 tarefas (3,08ha) arrendada ao plantio de mamona. Em processo
de finalização da colheita e tratos iniciais da baga no primeiro semestre de 2016, o
agricultor ainda não realizou o pagamento ao proprietário das terras – em dinheiro
ou produto, de acordo com a dinâmica dos preços no momento do pagamento. Do
ponto de vista agronômico, chama atenção a resistência do agricultor em utilizar
adubos no cultivo da mamona. Isso reacende o debate sobre a utilização das
“novas” técnicas proferidas pelos técnicos e demais agentes com a chegada do
agrodiesel no município. Nesse caso específico, a utilização da torta de mamona
como adubo não foi aceita pelo agricultor que cita a redução da produtividade e da
qualidade da mamona colhida. Reforçam-se, portanto, os tratos culturais para a
mamona citados para o tipo anterior.
Figura 30 – Fluxograma da dinâmica do sistema de produção Tipo II
Fonte: trabalho de campo, out/2015-jul/2-016.
MAMONA solteira
sequeiroMARACUJÁ
irrigado
MILHOsolteiro
CAPRINOS/OVINOS
Aragem; gradagem
Venda da bagas
Venda
Palhas/grãos
FEIJÃOsolteiro
Sementes
Ração complementar;Medicamentos e vacinas
TRABALHO DOMÉSTICO
QUINTAL
Consumo
Abobora; alface
MAMONA área arrendada
APOSENTADORIA + BOLSA FAMÍLIA
Consumo
Área 02
Área 01
Aragem; gradagem
Venda da bagas
219
Foto 8 – Subsistema de criação caprinos. Morro do Chapéu, outubro, 2015
Fonte: Alynson dos Santos Rocha em trabalho de campo (outubro, 2015).
Semelhantemente ao observado no Tipo I, aqui também se encontram as
ferramentas básicas utilizadas nas lavouras e criações (capinadeira, enxada,
enxadete, plantadeira, facão). Em relação à composição familiar tem-se o casal de
agricultores, aposentados, e a presença de uma criança (neto do agricultor)
significando o recebimento de recursos de programa de transferência de renda
estatal (Bolsa Família). Repete-se o observado no Tipo I: as atividades agrícolas
sendo conduzidas essencialmente pelo homem, com a mulher a cargo dos trabalhos
domésticos. No Quadro 18 tem-se a distribuição das UTFs.
220
Quadro 18 – Distribuição das UTFs no sistema de produção Tipo II
Subsistemas/atividades
Homem MulherTotal por
subsistema
Quintal 0,1 0,1 0,2
Mamona 0,3 0,0 0,3
Maracujá 0,2 0,0 0,2
Feijão 0,1 0,0 0,1
Milho 0,1 0,0 0,1
Caprinos/Ovinos 0,2 0,2 0,4
Trabalho doméstico 0,0 0,7 0,7
Total UTF 1 1 2
Fonte: trabalho de campo, out/2015-jul/2016.
Apesar de menos diversificado que o tipo de sistema de produção anterior, no
Tipo II a origem das rendas do agricultor provém basicamente das mesmas fontes:
mamona e comercialização de animais. No caso da mamona foram comercializadas
em 2015 30 sacos/60 kg, ao preço de R$115,00/saco, perfazendo uma renda bruta
de R$3.450,00. Aparentemente esse agricultor não tem condições de estocar
mamona para posterior comercialização, preferindo a venda da produção, obtendo
rendas imediatas. Isso pode ser explicado também pela necessidade de pagamento
das terras arrendadas a terceiros, impedindo a adoção de estratégia semelhante
observada no Tipo I. Nas criações, foram comercializadas 15 ovelhas em 2015,
totalizando 225kg ou 15arrobas (@), ao preço de R$200,00/@ perfazendo uma
renda bruta de R$3.000,00. A disposição das rendas do agricultor está demonstrada
na Tabela 7. No cômputo das rendas não agrícolas e/ou transferências de rendas
tem-se as aposentadorias, R$20.488,00 e os rendimentos provenientes da Bolsa
Família do neto do agricultor, R$468,00 em 2015 (considerando o valor da bolsa em
R$39,00/mês na modalidade Variável de 0 a 15 anos). O total de rendas não
agrícolas anuais para esse agricultor alcança R$20.956,00; e o total dos
rendimentos brutos alcança R$27.406,00.
Tabela 7 – Rendimentos familiares do sistema Tipo II.
Fonte: trabalho de campo, out/2015-jul/2016.
Tabela 8 – Rendimentos por UTFs e área dos subsistemas produtivos (Tipo II)
Fonte: trabalho de campo, out/2015-jul/2016.
Subsistema/ atividades UTF RA RA/UTF SA SA/UTF RA/SAMamona 0,3 -2.674,32 -8.914,41 5,28 13,2 -506,50Maracujá 0,2 -1.127,86 -5.639,30 0,44 1,47 -2.563,32Feijão 0,1 -477,86 -4.778,60 0,44 4,4 -1.086,05Milho 0,1 -690,72 -6.907,21 0,88 8,8 -784,91Caprinos/Ovinos 0,4 263,44 658,60 0,88 1,76 299,36RNA 0,0 20.956,00 0,00 0,00 0,00 0,00Trabalho doméstico 0,7 10.244,00 17.073,33 0,00 0,00 0,00
Subsist./ atividades SA (ha) SA (tarefas) % (ha) PB CI D Sal Imp Jur RF Sub
Mamona 5,28 12 0,67 3.450,00 5.070,00 814,32 0,00 0,00 240,00 0,00 0,00 -2.674,32Maracujá 0,44 1 0,06 0,00 820,00 67,86 0,00 0,00 240,00 0,00 0,00 -1.127,86Feijão 0,44 1 0,06 0,00 170,00 67,86 0,00 0,00 240,00 0,00 0,00 -477,86Milho 0,88 2 0,11 0,00 315,00 135,72 0,00 0,00 240,00 0,00 0,00 -690,72Caprinos/Ovinos 0,88 2 0,11 3.000,00 860,84 1.635,72 0,00 0,00 240,00 0,00 0,00 263,44Subtotal agrícola xxxxx xxxx xxxx 6.450,00 7.235,84 2.721,49 0,00 0,00 1.200,00 0,00 0,00 -4.707,33RNA xxxxx xxxx xxxx 20.956,00 xxxxx xxxxx xxxxx xxxxx xxxxx xxxxx xxxxx 20.956,00TOTAL 7,92 18,00 1,00 27.406,00 7.235,84 2.721,49 0,00 0,00 1.200,00 0,00 0,00 16.248,67Trabalho doméstico xxxxx xxxx xxxx 10.244,00 xxxxx xxxxx xxxxx xxxxx xxxxx xxxxx xxxxx 10.244,00
RA/RNA/ outras rendas
222
Complementando a dinâmica das rendas relate-se a tomada de financiamento
agrícola no âmbito do Pronaf na alínea Pronaf B (“Pronafinho”). Os recursos foram
utilizados para aquisição de insumos para a produção (algumas ferramentas,
sementes e medicamentos para os animais). O pagamento, em 24 parcelas de
R$100,00 encerra-se em 2016. O agricultor, em 2015, encontra-se em situação de
devedor do programa estatal de crédito para a agricultura familiar.
Na Tabela 8 tem-se a distribuição dos rendimentos do agricultor considerando-
se a Unidades de Trabalho Familiar (UTFs) e as áreas declaradas em cada
subsistema. Assim como observado para o Tipo I e demais tipos, esse exercício
permite a construção do gráfico (Gráfico 25) no qual visualiza-se as intensidades da
utilização de mão-de-obra ou da terra na produção.
Gráfico 25 – Renda por Unidade de Trabalho Familiar (RA/UTF) em relação às áreas por UTFs (SA/UTF) dos subsistemas de produção, Tipo II.
Fonte: trabalho de campo, out/2015-jul/2016.
0,00
5,00
10,0
0
15,0
0
20,0
0
25,0
0
30,0
0
35,0
0
-30.000,00
-25.000,00
-20.000,00
-15.000,00
-10.000,00
-5.000,00
0,00
5.000,00
10.000,00
15.000,00
SA/UTF
RA
/UT
F
Milho
Feijão
Mamona
Caprinos/Ovinos
RNA
Maracujá
Trabalho doméstico
223
Esse agricultor, representativo de um grupo de produtores com semelhante
organização de sistemas de produção, reforça a difícil situação da maioria da
agricultura familiar do semiárido baiano em 2015. Todos os subsistemas de cultivo
foram impactados negativamente pela seca. A tradicional mamona apresenta os
piores valores em termos de geração de rendas por unidade de área (RA/UTF),
resultado de baixas colheitas – ainda que apresente R$3.450,00 de renda bruta
(PB). Entretanto, descontando-se os custos intermediários (CI) e desembolsos com
a depreciação (D), inverte-se o sinal da renda do subsistema (Tabela 7). A baixa
dependência de mão-de-obra por unidade de área (SA/UTF) se reflete na inclinação
curva representativa do subsistema de cultivo Mamona, como pode ser visualizadas
no Gráfico 25. Para os subsistemas Milho e Feijão o quadro é mais agudo. Não são
registradas rendas provenientes desses subsistemas e, computando-se custos e
depreciações, têm-se rendimentos negativos aos cultivos de grãos pelo agricultor. O
Maracujá encontra-se em implantação e, embora os custos sejam reduzidos como,
por exemplo, a utilização da caatinga como fornecedora das hastes para o
espaldeiramento (estrutura suporte para as plantas), significam algum gasto para o
agricultor. A expectativa é que nos anos seguintes do ciclo a comercialização dos
frutos possa atenuar os custos por ora registrados.
Nesse cenário, apenas a já bastante conhecida “poupança” dos criatórios
consegue aliviar a situação econômica do agricultor. De fato, os resultados do
subsistema de criação Caprinos/Ovinos conseguem inverter a tendência negativa
das rendas verifica com os demais subsistemas. Como esperado, as criações
requerem maior quantidade de mão-de-obra por unidade de área (SA/UTF), com
1,76ha por UTF (Tabela 8), abaixo apenas do Maracujá, cuja relação é de 1,47ha
para UTF. Desse modo, a reta representativa das criações ascende positivamente
(Gráfico 25). As aposentadorias do casal de agricultores complementam – sendo,
neste caso, essenciais – as rendas auferidas do sistema de produção/atividades.
Note-se que, com as transferências estatais, a família aproxima-se da estabilidade
econômica, fornecendo argumentos favoráveis à manutenção dessas ações,
argumentando-se pela sobrevivência do agricultor e sua família diante da conjuntura
adversa.
224
SISTEMA DE PRODUÇÃO TIPO III:
Compõem esse tipo de sistema de produção os subsistemas mamona (solteira,
de sequeiro e da variedade Paraguaçu), feijão (sequeiro), milho (irrigado), sisal e
cebola irrigada. Some-se área de 20 tarefas (8,8ha) de capim na qual pretende-se
criar ovinos. Esse agricultor em particular enfrentou no ano anterior situação comum
a outros agricultores em relação ao cultivo de feijão: apesar de relatar o plantio de
aproximadamente 30 sacos/60 kg de feijão-carioca desde o final de 2014 – volume
considerável comparando-se aos demais produtores – as perdas foram totais,
devido a seca intensa. Em relação ao sisal, a área de 20 tarefas reservadas ao
subsistema ainda não gerou colheita. A expectativa do agricultor é que se possa
fazê-lo em 2017/18. Registre-se também área arrendada (100 tarefas, 44ha) com
mamona, feijão e milho solteiros e de sequeiro. Segundo o agricultor, essas lavouras
ainda não produziram, com expectativas de perdas (particularmente no feijão e
milho), inviabilizando o pagamento de rendas ao proprietário das terras. No Quintal
são criadas galinhas que absorvem a produção do milho sob a forma de ração.
A peculiaridade desse sistema de produção é a presença da cebola irrigada,
exigindo estrutura produtiva mais onerosa ao agricultor. Tem-se inicialmente o poço
artesiano (também utilizado no subsistema milho) e a necessidade de adubos
químicos complementares nos tratos culturais da lavoura. Ocupando uma tarefa
(0,44ha) e em fase de colheita e comercialização, o agricultor espera colher
1.800sacos/20 kg de cebola em 2016. Estimulado pela elevação dos preços em
2015 – o preço da saca de 20kg alcança os R$75,00 na região de Irecê (CEPEA,
2016; SEAGRI, 2016;), devido às fortes chuvas no Sul do país e secas no Nordeste
que impactaram negativamente a produção – o agricultor incorreu nos custos de
manutenção do poço e agroquímicos na expectativa de preços superiores aos
R$10,00/saco/20kg, gerando uma renda bruta de R$18.000,0031. A variação dos
preços da cebola pose ser visualizada no Gráfico 26. A dinâmica produtiva/rendas é
sintetizada na Figura 31.
31 Segundo o site HortifutiBrasil (HFBRASIL, 2016), mantido pela Escola Superior de Agricultura Luizde Queiroz (Esalq/Cepea/USP) os preços da cebola amarela, saca de 20 kg, em Irecê (referênciaregional de preços para a olerícola) alcançaram média de R$ 25,00 em dezembro de 2015. Emjunho desse ano os preços ultrapassam a barreiras dos R$ 75,00. Em maio de 2016, os preçosrecuam ao patamar de R$ 47,00/20Kg. Com a retomada da produção em diversas regiões dopaís, os preços recuaram para aproximadamente R$ 12,50/20Kg em julho de 2016. De acordocom a Secretaria de Agricultura e Irrigação da Bahia (SEAGRI, 2016) os preços da cebola emjulho de 2016 encontram-se em R$ 10,00/20Kg.
225
Gráfico 26 – Variação de preços da cebola (praça Irecê) 2015
Fonte: Cepea (2016); HfBrasil (2016); Seagri (2016)
Entre os agricultores pesquisados no Grupo 01, esse em particular se
apresenta mais capitalizado. Além dos instrumentos de produção usualmente
observados, tem-se a propriedade de pequeno trator com o qual o agricultor trabalha
em suas áreas e vende horas de trabalho em outras unidades produtivas. Esse é um
aspecto importante da composição das rendas do agricultor e tem implicações na
percepção do biodiesel de mamona, como será analisado nas seções seguintes.
Embora esse perfil de agricultor não seja generalizado pelo roteiro, o tipo de sistema
de produção praticado pode representar uma tendência produtiva local pela
presença do sisal (mais comum) e, principalmente, pela incursão na lavoura de
cebola irrigada (Foto 9). A oscilação abrupta para cima dos preços da olerícola em
2015 incentivou o cultivo. Entretanto, a demanda pela estrutura de irrigação (poço,
bomba, canos, mangueiras de gotejamento) e as exigências em agroquímicos
aparentemente restringem a lavoura aos agricultores com rendas auxiliares
(especialmente originárias da mamona) que permitam o investimento.
0,00
10,00
20,00
30,00
40,00
50,00
60,00
70,00
80,00
226
Figura 31 – Fluxograma da dinâmica do sistema de produção Tipo III
Fonte: trabalho de campo, out/2015-jul/2016.
Foto 9 – Subsistema de cultivo cebola irrigada. Morro do Chapéu, outubro, 2015
Fonte: Alynson dos Santos Rocha em trabalho de campo (2015).
MAMONA solteira
sequeiro
CEBOLAirrigada
MILHOsolteiro, irrigado
QUINTALGalinhas
Venda da bagas
Venda
Grãos em ração
FEIJÃOsolteiro
Sementes
APOSENTADORIA
VENDA HORAS/TRATOR
Venda
Medicamentos
TRABALHO DOMÉSTICO
SISAL Venda
MAMONAFEIJÃOMILHO
Área 01
Área 02
Venda da bagas
Aragem; gradagem
227
No Quadro 19 tem-se a distribuição das unidades de trabalho familiar para o
agricultor pesquisado destacando-se a destinação de maior quantidade de trabalho
para o subsistema cebola. Justifica-se. A olerícola necessita de tratos culturais
diários, como a irrigação, limpeza das leiras, aplicação de adubos, entre outros. A
criação de galinhas também demanda cuidados diários, especialmente com a
distribuição da ração de milho para a alimentação. Os demais subsistemas seguem
de forma semelhante ao observado nos tipos anteriores.
As rendas agrícolas desse agricultor são formadas especialmente pela
comercialização da mamona. No conjunto das 250 tarefas (110ha) plantadas,
incluindo a área própria e a área arrendada, o agricultor comercializou
1.100sacos/60 kg da baga, ao preço médio de R$102,00/saco. Tem-se uma renda
bruta de R$112.200,00. Note-se o total de sacas comercializadas em 2015
corresponde ao armazenamento de 2 anos consecutivos. A justificativa deve-se
sobretudo à espera pela melhoria da conjuntura de preços da baga – independente
da demanda para o biodiesel ou mesmo dos atravessadores. Sendo cultura
basicamente de sequeiro, o consumo intermediário desse subsistema é mínimo,
com os serviços de aragem e gradagem sendo realizados pelo próprio agricultor,
possuidor de trator e arado.
Quadro 19 – Distribuição das UTFs no sistema de produção Tipo III
Subsistemas/atividades
Homem Mulher Total por
subsistema
Quintal 0,0 0,1 0,1
Mamona 0,2 0,1 0,3
Feijão 0,1 0,0 0,1
Milho 0,1 0,1 0,2
Cebola 0,3 0,0 0,3
Sisal 0,1 0,0 0,1
Galinhas 0,1 0,1 0,2
Horas-trator 0,1 0,0 0,1
Trabalho doméstico
0,0 0,6 0,6
Total UTF 1 1 2Fonte: trabalho de campo, out/2015-jul/2016.
228
Excepcionalmente para esse agricultor são considerados os resultados da
cebola no cômputo geral das rendas, uma vez que a lavoura se encontra em fase de
comercialização. Os custos envolvidos no subsistema incluem a manutenção do
poço e mangueiras de gotejamento, perfazendo gastos de R$3.750,00. Adubos,
fertilizantes químicos (do grupo NPK) e sulfato de potássio totalizam gastos de
R$3.500,00 na safra. Foram comercializadas 50 galinhas no período, gerando renda
bruta de R$1.250,00. A alimentação das aves tem sua origem no subsistema milho.
As rendas não-agrícolas e transferências de rendas são compostas por uma
aposentadoria (R$10.244,00) e a venda de horas-trator para outros agricultores
locais, perfazendo rendas brutas aproximadas de R$18.000,00 em 2015.
Observando as Tabelas 9, 10 e o Gráfico 27 tem-se, a exemplo do observado
no Tipos I e II, os subsistemas Feijão e Milho apresentam resultados negativos na
geração de rendas em função majoritariamente da seca severa que atinge o
Semiárido Nordestino em geral e o município de Morro do Chapéu em particular.
Nesse caso específico, a propriedade de um trator pelo produtor permite a
diversificação das atividades, vendendo horas-trator em complementação (e
compensação) das rendas não auferidas com os subsistemas afetados pela
estiagem. Essa característica do agricultor – em conjunto ao recebimento de
aposentadoria – também permitiu o armazenamento da mamona por dois anos para
comercialização posterior, aproveitando a melhor conjuntura de preços da
oleaginosa. Essas estratégias resultam em desempenho global de rendas bastante
expressivo em comparação aos demais agricultores pesquisados. É preciso
ressaltar que o armazenamento da mamona por tanto tempo não é ação frequente
entre os agricultores locais. As necessidades de recursos impelem as vendas por
rendas imediatas para gastos igualmente imediatos. Esse, de fato, é o
comportamento comumente observado. As ressalvas apontadas explicam a
inclinação da reta representativa do subsistema Mamona.
Tabela 9 – Rendimentos familiares do sistema Tipo III
Fonte: trabalho de campo, out/2015-jul/2016.
Tabela 10 – Rendimentos por UTFs e área dos subsistemas produtivos (Tipo III)
Fonte: trabalho de campo, out/2015-jul/2016.
Subsist./ atividades SA (ha) SA (tarefas) % (ha) PB CI D Sal Imp Jur RF Sub
Mamona 110,00 250,0 0,71 112.200,00 15.250,00 7.659,04 0,00 0,00 0,00 0,00 0,00 89.290,96Feijão 13,20 30,0 0,09 0,00 1.500,00 919,08 0,00 0,00 0,00 0,00 0,00 -2.419,08Milho 22,00 50,0 0,14 0,00 2.500,00 1.531,81 0,00 0,00 0,00 0,00 0,00 -4.031,81Cebola 0,44 1,0 0,00 18.000,00 15.270,00 30,64 0,00 0,00 0,00 0,00 0,00 2.699,36Sisal 8,80 20,0 0,06 0,00 500,00 612,72 0,00 0,00 0,00 0,00 0,00 -1.112,72Galinhas 0,00 0,0 0,00 1.250,00 0,00 2.000,00 0,00 0,00 0,00 0,00 0,00 -750,00Subtotal agrícola xxxxx xxxxx xxxxx 131.450,00 35.020,00 12.753,29 0,00 0,00 0,00 0,00 0,00 83.676,71RNA xxxxx xxxxx xxxxx 10.244,00 xxxxx xxxxx xxxxx xxx xxxxx xxxxx xxxxx 10.244,00Horas trator xxxxx xxxxx xxxxx 18.000,00 0,00 2.000,00 xxxxx xxx xxxxx xxxxx xxxxx 16.000,00TOTAL 154,44 351,00 1,00 159.694,00 35.020,00 14.753,29 xxxxx xxx xxxxx xxxxx xxxxx 109.920,71Trabalho doméstico xxxxx xxxxx xxxxx 10.244,00 xxxxx xxxxx xxxxx xxx xxxxx xxxxx xxxxx 10.244,00
RA/RNA/ outras rendas
Subsistema UTF RA RA/UTF SA SA/UTF RA/SAMamona 0,3 89.290,96 297.636,54 110,0 366,7 811,74Feijão 0,1 -2.419,08 -24.190,84 13,2 132,0 -183,26Milho 0,2 -4.031,81 -20.159,04 22,0 220,0 -183,26Cebola 0,3 2.699,36 8.997,88 0,4 1,5 6.134,92Sisal 0,1 -1.112,72 -11.127,23 8,8 88,0 -126,45Galinhas 0,2 -750,00 -3.750,00 0,4 2,2 -1.704,55Horas-trator 0,1 16.000,00 160.000,00 0,0 0,0 0,00RNA 0,0 0,00 0,00 0,0 0,0 0,00Trabalho doméstico 0,7 10.244,00 14.634,28 0,0 0,0 0,00
230
Gráfico 27 – Renda por Unidade de Trabalho Familiar (RA/UTF) em relação às áreas por UTFs (SA/UTF) dos subsistemas de produção, Tipo III
Fonte: trabalho de campo out/2015-jul/2016.
Apesar dos custos intermediários elevados, o subsistema Cebola se destaca
como o mais eficiente na geração de renda por unidade de área (RA/SA). Também é
o subsistema mais intensivo na utilização de mão de obra por unidade de trabalho
familiar (SA/UTF), com apenas 1,47ha/UTF – o subsistema Mamona, para efeito de
comparação, apresenta a relação de 366,67ha/UTF. Os tratos culturais diários
exigidos pela lavoura de cebola irrigada justificam os resultados observados. Os
preços da saca de 20kg da olerícola, em elevação durante todo o primeiro semestre
de 2015, conforme Gráfico 26, são motivações ao plantio da lavoura, estratégia
seguida por diversos agricultores, particularmente os que dispunham de poço (s)
artesiano (s). No cômputo geral, as rendas agrícolas são capitaneadas pela
0,00
100,
00
200,
00
300,
00
400,
00
500,
00
600,
00
700,
00
800,
00
900,
00
0,00
50.000,00
100.000,00
150.000,00
200.000,00
250.000,00
300.000,00
350.000,00
400.000,00
450.000,00
SA/UTF
RA
/UT
F
Milho
Sisal Galinhas
Mamona
FeijãoCebola
Horas-trator + RNA + Trabalho doméstico
231
tradicional mamona e pela “conjuntural” lavoura de cebola, com participação de
rendas de outras atividades (venda de horas-trator) e aposentadoria.
SISTEMA DE PRODUÇÃO TIPO IV:
Esse tipo de sistema de produção é composto pela mamona (solteira, de
sequeiro e da variedade Paraguaçu); milho (solteiro); feijão (sequeiro); palma; área
de pastagem (capim). Some-se ao sisal em área iniciada em 2016 e ainda em
espera de maturação da lavoura. O subsistema de criação é formado por gado
bovino para corte, aspecto diferenciador em relação aos anteriores. O agricultor
possui duas áreas sob sua gestão e de filho homem adulto, totalizando 80 tarefas
(35ha). Na primeira área de aproximadamente 12ha tem-se os subsistemas de
cultivo mamona (4,4ha); capim (5,6ha); feijão (1,0ha) e milho (1,0ha). O gado bovino
permanece nessa área em virtude do capim e do milho. Na segunda área (23ha)
encontram-se os subsistemas mamona (8,8ha); “terra nua” (8,8ha); sisal (4,4ha) e
palma (0,88ha).
A dinâmica produtiva nesse sistema é semelhante ao observado nos demais
tipos. Em relação à mamona, 100sacos/60kg foram colhidos em 2013/2014,
resultado analisado como positivo pelo agricultor. Em 2015, tem-se a colheita de 20
sacos de mamona, queda acentuada em virtude da seca e dos insuficientes tratos
culturais. Para 2016, espera-se que as chuvas concentradas no mês de janeiro e
demais precipitações ao longo do ano sejam suficientes à manutenção das plantas
até a colheita. O plantio de feijão resultou em 40kg em 2015, destinados ao
consumo da família.
Os subsistemas milho, palma (Foto 10) e a área de capim estão ligados à
criação do gado. O pouco milho colhido e não qualificado para a comercialização foi
destinado à alimentação dos animais, assim como o capim e a palma. A área
denominada “terra nua”, sem quaisquer cultivos, está reservada para eventual
ampliação da criação de animais, com a expansão do capim para pastejo. O
agricultor comercializou 10 cabeças de gado em 2015, compondo as rendas
agrícolas, como será analisado e seguir. No Quintal são criadas algumas galinhas
para consumo da família, além de frutas e hortaliças. Na Figura 32 tem-se a síntese
dessa dinâmica produtiva/rendas.
232
Figura 32 – Fluxograma da dinâmica do sistema de produção Tipo IV
Fonte: trabalho de campo, out/2015-jul/2016.
Foto 10 – Subsistema de cultivo palma. Morro do Chapéu
Fonte: Alynson dos Santos Rocha em trabalho de campo, março, 2016.
MAMONA solteira
sequeiro
QUINTALGalinhasHortaliças
Venda da bagas
Consumo
FEIJÃO
Venda
Medicamentos
CAPIM
MILHO
Aragem; gradagem
MAMONA solteira
sequeiroPALMA
SISAL
TERRA NUA
GADO BOVINO corte
Venda da bagas
Aragem; gradagem
Área 01
Área 02
TRABALHO DOMÉSTICO
233
As atividades agrícolas nessa família são distribuídas especialmente entre o
agricultor e seu filho, que desempenha atividades em todos os subsistemas, como
mostrado no Quadro 20. Pode-se afirmar que essa família apresenta as
características usualmente observadas em termos de capitalização produtiva:
ferramentas básicas para o cultivo e a criação, compra de serviços de aragem e
gradagem no trato com a lavoura de mamona, criação de animais com estrutura
mínima. A baixa capitalização é citada como aspecto principal na decisão de não
investir em olerícolas, apenas nos subsistemas mais tradicionais. Essa situação
coloca esse tipo familiar em posição mais fragilizada em ralação aos tipos
anteriores, pois além da baixa capitalização, não foi relatado o recebimento de
aposentadorias, nem a participação em programas de transferência de renda (bolsa
família).
Quadro 20 – Distribuição das UTFs no sistema de produção Tipo IV
Subsistemas Homem Mulher Filho adultoTotal por
subsistema
Mamona 0,3 0,1 0,3 0,7
Feijão 0,2 0,1 0,1 0,4
Milho 0,1 0,1 0,1 0,3
Capim 0,1 0,0 0,1 0,2
Sisal 0,1 0,0 0,1 0,2
Palma 0,1 0,0 0,1 0,2
Gado bovino 0,1 0,1 0,2 0,4
Terra nua 0,0 0,0 0,0 0,0
Trabalho doméstico
0,0 0,6 0,0 0,6
Total UTF 1 1 1 3
Fonte: trabalho de campo, out/2015-jul/2016.
As rendas agrícolas do agricultor são formadas pela comercialização da
mamona e pela venda de gado bovino. Em relação à baga, após os bons resultados
de 2013/2014, foram vendidos apenas 20 sacos/60kg da baga em 2015, perfazendo
um rendimento de R$1.600,00 (R$80,00/saco). De acordo com o entrevistado
234
tentou-se utilizar como adubo as cascas da mamona secas e trituradas. Justifica-se
pelo custo praticamente nulo e expectativa de melhoria da produtividade da lavoura.
Aparentemente, a tentativa não surtiu resultado esperado e a iniciativa foi
abandonada para 2016. Têm-se como gastos básicos a aragem e gradagem das
terras e procedimento de limpeza antes da constatação das perdas das lavouras.
Dez cabeças de gado foram vendidas em 2015, ao preço médio de R$140,00/@,
totalizando renda bruta de R$14.000,00 (média de 100@ comercializadas). O custo
principal no subsistema corresponde às vacinas e demais medicamentos utilizados
nos animais. Como apontado anteriormente, a alimentação é basicamente com a
palma, o capim e restolhos das subsistemas milho e, eventualmente, do feijão.
Some-se à complementação (esporádica) com sal mineral.
Ressalte-se a decisão do agricultor em iniciar a cultivo do sisal. Existe,
igualmente em outros agricultores do município, a expectativa de continuidade de
preços favoráveis da fibra em 2016, compensando os investimentos e a espera
pelas primeiras produções.
Conforme observado nas Tabelas 11, 12 e no Gráfico 28 todos os subsistemas
de cultivo deste agricultor representativo do Tipo IV apresentaram resultados
negativos para o agricultor. À exceção do subsistema Sisal (ainda em implantação),
a estiagem prolongada combinada à falta de tratos culturais são as justificativas
apontadas pelo agricultor para esses resultados. Os subsistemas de cultivo Feijão,
Milho e Palma são os mais dependentes de mão-de-obra nesse arranjo produtivo,
conforme relação entre área e unidade de trabalho familiar incorporada (SA/UTF). As
lavouras de grãos, pela maior susceptibilidade à seca, não registram rendas no
período, contribuindo aos resultados gerias observados. O subsistema Mamona é o
que apresenta renda negativa mais expressiva, considerando-se o valor absoluto (-
R$ 5.901,18), em virtude dos gastos com os tratos culturais, quanto nas relações de
renda por UTF (RA/UTF). A pouca receita gerada com a mamona evitou resultados
ainda piores ao agricultor em 2015. Também pertence ao subsistema Mamona a pior
relação entre renda e unidade de áreas (RA/SA) dentre os subsistemas analisados (-
R$ 447,06), refletindo-se na acentuada inclinação negativa de sua reta
representativa.
Tabela 11 – Rendimentos familiares do sistema Tipo IV
Fonte: trabalho de campo, out/2015-jul/2016.
Tabela 12 – Rendimentos por UTFs e área dos subsistemas produtivos (Tipo IV)
Fonte: trabalho de campo, out/2015-jul/2016.
Subsist./ atividades SA (ha) SA (tarefas) % (ha) PB CI D Sal Imp Jur RF Sub
Mamona 13,2 30,0 0,51 1.600,00 6.784,00 717,18 0,00 0,00 0,00 0,00 0,00 -5.901,18Feijão 1,0 2,3 0,04 0,00 386,36 54,33 0,00 0,00 0,00 0,00 0,00 -440,70Milho 1,0 2,3 0,04 0,00 386,36 54,33 0,00 0,00 0,00 0,00 0,00 -440,70Sisal 4,4 10,0 0,17 0,00 250,00 239,06 0,00 0,00 0,00 0,00 0,00 -489,06Palma 0,9 2,0 0,03 0,00 51,14 48,90 0,00 0,00 0,00 0,00 0,00 -100,03Gado Bovino + Capim 5,6 12,7 0,21 14.000,00 3.689,00 1.054,26 0,00 0,00 0,00 0,00 0,00 9.256,74Subtotal agrícola xxxxx xxxxx xxxxx 15.600,00 11.546,86 2.168,06 0,00 0,00 0,00 0,00 0,00 1.885,08RNA xxxxx xxxxx xxxxx 0,00 xxxxx xxxxx xxxxx xxx xxxxx xxxxx xxxxxx xxxxxTOTAL 26,10 59,32 1,00 15.600,00 11.546,86 2.168,06 xxxxx xxx xxxxx xxxxx xxxxxx 1.885,08Trabalho doméstico xxxxx xxxxx xxxxx 10.244,00 xxxxx xxxxx xxxxx xxx xxxxx xxxxx xxxxxx 10.244,00
RA/RNA/ outras rendas
Subsistema UTF RA RA/UTF SA SA/UTF RA/SAMamona 0,7 -5.901,18 -8.430,25 13,20 18,86 -447,06Feijão 0,4 -440,70 -1.101,74 1,00 2,50 -440,70Milho 0,3 -440,70 -1.468,98 1,00 3,33 -440,70Sisal 0,2 -489,06 -2.445,30 4,40 22,00 -111,15Palma 0,2 -100,03 -500,17 0,90 4,50 -111,15Gado bovino + Capim 0,4 9.256,74 23.141,86 5,60 14,00 1.652,99Terra nua 0,00 0,00 0,00 8,80 0,00 0,00RNA 0,00 0,00 0,00 0,00 0,00 0,00Trabalho doméstico 0,60 10.244,00 17.073,33 0,00 0,00 0,00
236
Gráfico 28 – Renda por Unidade de Trabalho Familiar (RA/UTF) em relação às áreas por UTFs (SA/UTF) dos subsistemas de produção, Tipo IV
Fonte: trabalho de campo, out/2015-jul/2016.
O subsistema de criação Gado Bovino é o único no qual são registradas rendas
significativas ao agricultor. De fato, diante da seca e do baixo (ou nulo) desempenho
das lavouras, a venda de animais consolida-se como a estratégia econômica por
excelência do agricultor. É a comercialização dos animais que garante o resultado
final positivo da unidade produtiva, compensando os demais subsistemas. A maior
renda agrícola gerada pelo subsistema de criação, combinada à quantidade de
trabalho familiar incorporada (UTF) e à área (SA) resultam em inclinação positiva
bastante acentuada da reta representativa, a maior relação entre renda e unidade de
área, conforme Gráfico 28. O subsistema de criação também é o mais eficiente na
geração de renda por UTF, superando os R$ 23mil em 2015, a partir das
declarações do agricultor. Gado Bovino, Mamona e Sisal são os subsistemas menso
dependentes de mão-de-obra, conforme relação SA/UTF. A renda implícita do
0,00
10,0
0
20,0
0
30,0
0
40,0
0
50,0
0
60,0
0
70,0
0
-15.000,00
-10.000,00
-5.000,00
0,00
5.000,00
10.000,00
15.000,00
20.000,00
25.000,00
30.000,00
SA/UTF
RA
/UT
F Milho
Mamona
Sisal
Feijão
Palma
Gado Bovino + Capim
Trabalho doméstico
237
Trabalho Doméstico, representado por uma reta vertical, por não apresentar área
associada, reforça a importância da criação de gado bovino como salvaguarda
fundamental à sobrevivência do agricultor.
SISTEMA DE PRODUÇÃO TIPO V:
Nesse sistema de produção o agricultor combina a mamona (de sequeiro e da
variedade Nordestina), sisal, feijão e milho. Apesar da semelhança de subsistemas
observando-se os demais tipos identificados, tem-se aqui a peculiaridade das
lavouras de mamona e feijão consorciadas. Outrora dominante, segundo relatos dos
informantes locais, a associação entre cultivos (mamona, milho e feijão) tornou-se
menos comum em Morro do Chapéu. Entre os entrevistados nos diversos roteiros,
apenas um registro de plantio consorciado. Aparentemente, a associação produtiva
representa forma (possivelmente) em extinção, sendo relevante seu registro e
análise.
Em uma área total de 250 tarefas (110ha), das quais 150 tarefas (66ha) estão
(em 2015 e perdurando em 2016) sem cultivo devido à falta de condições financeiras
do agricultor, a mamona e o feijão consorciados ocupam 50 tarefas (22ha); o sisal 45
tarefas (20ha); e o milho 5 tarefas (2ha). A disposição isolada dos subsistemas de
cultivo e a inexistência de um subsistema de criação – no Quintal apenas algumas
galinhas para consumo familiar – impedem qualquer integração entre lavouras e
criações, refletindo-se na composição das rendas geradas. Nesse caso em especial,
registra-se a comercialização em mamona em 2015 (100 sacos/60 kg); de milho e
da fibra do sisal. Na lavoura de feijão o agricultor enfrentou frustração de colheita,
situação observada em outros sistemas, e o pouco colhido foi destinado ao consumo
da família. A exemplo de outros agricultores, tem-se aqui o acúmulo de mamona de
safras passadas para a comercialização em momento considerado positivo em
relação aos preços da baga. Reforce-se que essa característica importante
repercussão sobre a relação do agricultor com a PBio, BioÓleo, atravessadores e o
biodiesel como alternativa de rendas. Na Figura 33 sintetiza a (pouca ou nenhuma)
dinâmica do sistema de produção Tipo V.
238
Foto 11 – Subsistema de cultivo mamona e feijão associados, Tipo V
Fonte: Alynson dos Santos Rocha em trabalho de campo, outubro, 2015.
O agricultor apresenta-se capitalizado em comparação aos demais tipos,
aproximado-se do quadro observado no Tipo III. O conjunto de bens destinado à
produção agrícola inclui, além das ferramentas rotineiras, trator e arado, utilizados
nas atividades de aragem e gradagem das terras. Justifica-se, assim, a não
contratação desses serviços pelo agricultor. Horas-trator em outras unidades
produtivas foram comercializadas, compondo as rendas familiares. As atividades
agrícolas são distribuídas entre os homens da família (agricultor e dois filhos
adultos), como pode ser visualizado no Quadro 21, com a alocação das UTFs entre
os subsistemas. Considera-se nesse exercício que o “pousio forçado” da área de 66
ha não recebeu trabalho algum no período, não sendo computadas unidades
familiares para tal. Adicione-se nessa aproximação do perfil familiar a informação de
que o agricultor e sua esposa recebem aposentadorias, com reflexos na composição
das rendas; não foram relatadas atividades não agrícolas desenvolvidas, reforçando
a aspecto da baixa pluriatividade entre os agricultores da localidade.
239
Figura 33 – Fluxograma da dinâmica do sistema de produção Tipo V
Fonte: Trabalho de campo, out/2015-jul/2016.
Quadro 21 – Distribuição das UTFs no sistema de produção Tipo V
Subsistemas/atividades
Agricultor Mulher Filho
adulto 01Filho
adulto 02Total por
subsistema
Mamona/feijão 0,4 0,1 0,3 0,3 1,1
Milho 0,4 0,1 0,3 0,3 1,1
Sisal 0,2 0,0 0,2 0,2 0,6
Horas-trator 0,0 0,0 0,2 0,2 0,4
Terra nua 0,0 0,0 0,0 0,0 0,0
Trabalho doméstico 0,0 0,8 0,0 0,0 0,8
Total UTF 1 1 1 1 4
Fonte: trabalho de campo, out/2015-jul/2016.
MAMONAFEIJÃO
Consorciados
SISAL
MILHOsolteiro
QUINTALGalinhas
Venda da bagas
HORAS-TRATOR
TERRA NUA
Venda Venda
TRABALHO DOMÉSTICO
APOSENTADORIA
Aragem; gradagem; limpeza
Aragem; gradagem; limpeza
Aragem; gradagem; limpeza
Consumo
240
As rendas desse agricultor são fundamentalmente agrícolas, oriundas de
transferências estatais (aposentadorias) e da venda de horas-trator para outras
unidades produtivas (serviços de aragem e gradagem). No conjunto das rendas
brutas agrícolas, como mencionado anteriormente, formam comercializados em
2015, 100 sacos/60kg de mamona. Com a cotação em R$80,00/saco, o rendimento
bruto do agricultor alcançou R$8.000,00. O subsistema de cultivo milho gerou R$
1.800,00, sendo vendidas 50 sacas de milho ao preço de aproximadamente R$
35,00 saco/60kg. Com a fibra do sisal foram arrecadados R$1.400,00, completando
as rendas agrícolas. Reforça-se a não observação de rendas com o feijão. A falta de
chuvas nos momentos adequados prejudicou a lavoura de sequeiro. Os tratos
culturais dispensados para as lavouras são a aragem, gradagem entre outros
realizados pelo próprio agricultor, proprietários dos meios necessários (trator e
arado).
Semelhante aos demais agricultores pesquisados, não foram declaradas
atividades e portanto rendas não agrícolas, sendo as outras rendas formadas por
aposentadorias. Dois benefícios percebidos totalizaram rendimentos de R$
20.488,00 em 2015. Nesse sistema de produção com características mais
tradicionais (particularmente a associação entre as lavouras de mamona e feijão) a
transferência de rendas ocupa parcela preponderante na composição das rendas
dos agricultores. Na Tabela 13 sintetiza-se a distribuição dos rendimentos familiares.
Tabela 13 – Rendimentos familiares do sistema Tipo V
Fonte: trabalho de campo, out/2015-jul/2016.
Tabela 14 – Rendimentos por UTFs e área dos subsistemas produtivos (Tipo V)
Fonte: trabalho de campo, out/2015/jul-2016.
Subsist./ atividades SA (ha) SA (tarefas) % (ha) PB CI D Sal Imp Jur RF Sub
Mamona/Feijão 22,0 50,0 0,50 8.000,00 12.500,00 770,29 0,00 0,00 0,00 0,00 0,00 -5.270,29Milho 2,0 4,5 0,05 1.800,00 772,73 70,03 0,00 0,00 0,00 0,00 0,00 957,25Sisal 20,0 45,5 0,45 1.400,00 1.136,36 700,27 0,00 0,00 0,00 0,00 0,00 -436,63Subtotal agrícola xxxxx xxxxx xxxxx 11.200,00 14.409,09 1.540,59 0,00 0,00 0,00 0,00 0,00 -4.749,68RNA xxxxx xxxxx xxxxx 20.488,00 xxxxx xxxxx xxxxx xxxxx xxxxx xxxxx xxxxx 20.488,00Horas trator xxxxx xxxxx xxxxx 18.000,00 0,00 2.000,00 xxxxx xxxxx xxxxx xxxxx xxxxx 16.000,00TOTAL 44,00 100,00 1,00 49.688,00 14.409,09 3.540,59 xxxxx xxxxx xxxxx xxxxx xxxxx 31.738,32Trabalho doméstico xxxxx xxxxx xxxxx 10.244,00 xxxxx xxxxx xxxxx xxxxx xxxxx xxxxx xxxxx 10.244,00
RA/RNA/ outras rendas
Subsistema/ atividade UTF RA RA/UTF SA SA/UTF RA/SAMamona/feijão 1,1 -5.270,29 -4.791,18 22,0 20,0 -239,56Milho 1,1 957,25 870,22 2,0 1,8 478,62Sisal 0,6 -436,63 -727,72 20,0 33,3 -21,83Horas-trator 0,4 16.000,00 40.000,00 0,0 0,0 0,0Terra nua 0,0 0,00 0,00 0,0 0,0 0,0Trabalho doméstico 0,8 10.244,00 12.805,00 0,0 0,0 0,0
242
Gráfico 29 – Renda por Unidade de Trabalho Familiar (RA/UTF) em relação às áreas por UTFs (SA/UTF) dos subsistemas de produção, Tipo V
Fonte: trabalho de campo, out/2015-jul/2016.
Para esse agricultor, representativo do Tipo V, a análise econômica dos
subsistemas de produção apresenta semelhanças ao observado para os demais
tipos. A lavoura de Mamona e Feijão consorciada gerou renda ao agricultor. Esta,
entretanto, não supera os custos intermediários (CI) com os tratos culturais e a
Depreciação dos equipamentos utilizados (D) em função da área do subsistema
(22ha). Apesar da validade das mesmas explicações para o cultivo Sisal, ressalte-se
que a lavoura exige menor volume de recursos para os tratos culturais, conforme
registros das Tabelas 13 e 14. Dessa forma, a lavoura da fibra corresponde ao
subsistema menos intensivo na utilização de mão-de-obra familiar por unidade de
área (SA/UTF) – menos dependente desse fator de produção, portanto – nesse
arranjo, superando os 33ha/UTF. O Milho, que apresenta a maior relação SA/UTF
0,00
10,0
0
20,0
0
30,0
0
40,0
0
50,0
0
60,0
0
-10.000,00
0,00
10.000,00
20.000,00
30.000,00
40.000,00
50.000,00
60.000,00
SA/UTF
RA
/UT
F
Mamona + Feijão Milho
Sisal
Horas-trator + Aposentadorias + Trabalho doméstico
243
com 1,8ha/UTF – maior dependência de mão-de-obra dentre os subsistemas – é o
único com renda positiva, contribuindo à condição de mais eficiente da geração de
renda por unidade de área (RA/SA), com R$478,62 por hectare. Os resultados
modestos para as lavouras, comparando-se aos demais Tipos, explicam as
inclinações suaves das curvas representativas, visualizadas no Gráfico 29.
No cômputo geral, a atividade com maior geração de renda para o agricultor é
a comercialização de Horas-Trator. A posse do equipamento possibilita essa
atividade. Compõem ainda a reta vertical representativa as aposentadorias e renda
implícita do Trabalho Doméstico. Esse agricultor também tem nas rendas não-
agrícolas e outras rendas o protagonismo dos ganhos. Aparentemente, esse
protagonismo explica a pouca diversidade dos subsistemas de produção do
agricultor. Sugere-se que a percepção das perdas nas lavouras concentra os
esforços do agricultor e família nessas rendas alternativas à produção agrícola,
estratégia de sobrevivência somente acessível aos agricultores mais capitalizados.
SISTEMA DE PRODUÇÃO TIPO VI:
Nesse sistema de produção o agricultor combina os subsistemas de cultivo da
mamona (da variedade Paraguaçu), cultivada em regime de sequeiro e não
consorciada (solteira). Em áreas distintas, planta-se milho e feijão de corda/de
arranque. Esses cultivos, tal como em outros tipos analisados, apresentam perdas
consideráveis devido à estiagem e à má distribuição das chuvas na região. Nos
subsistemas de criação, ovinos e vacas de leite. Reportam-se ainda algumas
galinhas criadas no Quintal (para consumo da família). A integração entre os
subsistemas se dá pelo aproveitamento dos restolhos de milho para a alimentação
das galinhas e pela manutenção de área com pastagens para os animais de maior
porte (85 tarefas, 37ha aproximadamente). Por falta de recursos, o agricultor não
recorreu a suplementos alimentares tradicionais (a base de grãos, soja e milho),
sendo o sal mineral o único complemento declarado.
Localizado no povoado do Velame (área remanescente quilombola) o agricultor
tem acesso às águas subterrâneas, viabilizando a manutenção de poço artesiano
usado para a irrigação das lavouras de cebola e tomate. Nesse caso específico, o
agricultor destina pequenas áreas às olerícolas: 1 tarefa (0,44ha) de cebola e 1,5
244
tarefa (0,65ha) de tomate, da variedade TY 200632. O entusiasmo com a cebola
arrefeceu com a oscilação para baixo dos preços, ainda no segundo semestre de
2016. A expectativa de continuidade preços elevados, como vistos ao final de 2015 e
início do ano seguinte, não se confirma e, combinando-se com os altos custos
envolvidos reduzem essa possibilidade de rendas para os pequenos agricultores.
Aparentemente, o retorno da produção de cebola no Centro-Sul do país –
particularmente em Santa Catarina –, reservou aos agricultores de Morro do Chapéu
e região o abastecimento dos mercados locais e regionais (Nordeste), concentrando
os maiores ganhos especialmente nos grandes produtores (Foto 14) – geralmente
sem vinculação com a produção de mamona ou agrodiesel, praticando o
arrendamento ou compra de terras locais, somado à perfuração de poços e
canalização das águas –, mais capitalizados e com capacidade de incursão em
custos mais elevados com a lavoura (Fotos 12 e 13).
Foto 12 (a) – Subsistema de cultivo de tomate. Sistema de produção Tipo VI. Foto 13 (b) – Tomate TY 2006.
(a) (b)
Fontes: (a) Alynson dos Santos Rocha em trabalho de campo, julho, 2016;
(b) Hortosertão (2016)
32 “A inovação no cultivo de tomate na região de Irecê – Lapão, Ibititá, Canarana, João Dourado,América Dourada, Jussara, Morro do Chapéu e Cafarnaum – começou há alguns anos, quandoas plantações eram cultivadas a partir de sementes OP (polinização aberta). Prejudicados com aocorrência do TYLCV (geminivírus), doença que, de acordo com especialistas, reduzdrasticamente a produtividade, os produtores locais migraram para o cultivo do tomate, com o usode sementes híbridas, que apresenta resistência. […] Em Irecê, a liderança do plantio de tomatesé exercida pela cultivar TY 2006, que absorve cerca de 90% da área do mercado de híbridosregional.” (TOMATE, 2008)
245
Foto 14 – Grande produção de cebola. Povoado Velame (Morro do Chapéu, Bahia)
Fonte: Alynson dos Santos Rocha em trabalho de campo, julho, 2016.
As características gerais da lavoura de cebola para o agricultor do Tipo VI
são semelhantes ao observado ao Tipo III: diversidade de tratos culturais ao longo
de todo o ciclo produtivo, destacando-se o preparo e adubação inicial do solo para o
recebimento das mudas-sementes, a manutenção da lavoura, com os períodos de
irrigação e de pulverização de agrotóxicos. Isso significa que, para o cultivo da
cebola, exige-se do agricultor relação mais próxima com o mercado para o
fornecimento dos insumos requeridos à produção, diferentemente do que ocorre
com a mamona. Para o tomate valem as mesmas observações feitas ao cultivo da
cebola. Entretanto, por ter um ciclo produtivo composto por três colheitas (“panhas”)
e por ser um cultivo mais susceptível a pragas, o tomate exige maiores cuidados dos
agricultores, refletindo-se na distribuição do trabalho nos subsistemas. O relato do
agricultor sugere maiores parcelas do tempo utilizadas nos cultivos irrigados,
reservando-se menor tempo aos demais subsistemas, especialmente os de criação,
pastagens, além da mamona, feijão e milho. A dinâmica produtiva de um agricultor
do Tipo VI é sintetizada na Figura 34.
246
Figura 34 – Fluxograma da dinâmica do sistema de produção Tipo VI
Fonte: trabalho de campo, out/2015-jul/2016.
A presença de dois subsistemas de cultivos irrigados (cebola e tomate) exige
do agricultor a manutenção de estrutura compatível com a necessidade das
lavouras. Reitera-se o uso do poço artesiano e da estrutura subjacente: tanque (Foto
15), bomba, mangueiras e canos para distribuição da água. Nos demais
subsistemas se observa estrutura semelhante aos mesmos subsistemas em outros
sistemas de produção. As atividades agrícolas são distribuídas entre o agricultor e
filho adulto, cenário comum encontrado na região, visualizado no Quadro 22.
Importante ressaltar que o agricultor possui aposentadoria, de significativa
importância na composição das rendas totais familiares. A exemplo de tipos
anteriores, não foram relatadas atividades não agrícolas desenvolvidas pelo
agricultor ou membros de sua família.
MAMONASequeiroSolteira
FEIJÃOsolteiro
MILHOsolteiro
QUINTALGalinhas
APOSENTADORIA
PASTAGENS
OVINOS
GADO DE LEITE
CEBOLA IRRIGADA
TOMATE IRRIGADO
Venda
Venda
Vacinas, sal, medicamentos – restolhos para
complementação alimentar
Sementes, adubos, agrotóxicos, serviços de
aragem e gradagem, manutenção do poço
Serviços de aragem e gradagem
Serviços de aragem e gradagem,
batedeira manual
TRABALHO DOMÉSTICO
Consumo
247
Foto 15 – Tanque de irrigação para lavoura de tomate
Fonte: Alynson dos Santos Rocha em trabalho de campo, julho, 2016.
Quadro 22 – Distribuição das UTFs no sistema de produção Tipo VI
Subsistemas/atividade
Agricultor Mulher Filho
adulto Total por
subsistema
Mamona 0,1 0,1 0,1 0,3
Milho 0,05 0,0 0,05 0,1
Feijão 0,05 0,0 0,05 0,1
Cebola 0,25 0,0 0,25 0,5
Tomate 0,3 0,0 0,3 0,6
Gado de leite 0,1 0,1 0,1 0,3
Ovinos 0,1 0,1 0,1 0,3
Pastagens 0,05 0,0 0,05 0,1
Trabalho doméstico
0,0 0,7 0,0 0,7
TOTAL UTF 1 1 1 3
Fonte: trabalho de campo, out/2015-jul/2016.
248
As rendas desse agricultor são compostas primordialmente pela vendas das
olerícolas. Os subsistemas Tomate e Cebola irrigados consomem grandes parcelas
do tempo dedicado de trabalho do agricultor e sua família em virtude da irrigação e
pela conjuntura de preços (ainda) favorável. As rendas brutas para esses
subsistemas alcançaram aproximadamente R$45.000,00. A venda de animais
alcança R$1.000,00 no mesmo período. Reforça-se, aqui, a percepção do caráter de
“poupança” especialmente dos ovinos, situação semelhante não apenas em Morro
do Chapéu, mas em outras regiões do Semiárido nordestino. Nesse cenário, a
mamona desempenha menor papel. A perda completa da lavoura da oleaginosa em
decorrência da seca gerou apenas custos com os tratos culturais da lavoura,
igualmente ao observado para o feijão e milho. Compõe ainda as rendas do
agricultor um benefício de aposentadoria, em um total de R$ 10.244,00 em valores
de 2015. Na Tabela 15 visualiza-se a distribuição das rendas familiares do agricultor
Tipo VI.
Tabela 15 – Rendimentos familiares do sistema Tipo VI
Fonte: trabalho de campo, out/2015-jul/2016.
Tabela 16 – Rendimentos por UTFs e área dos subsistemas produtivos (Tipo VI)
Fonte: trabalho de campo, out/2015-jul/2016.
Subsist./ atividades SA (ha) SA (tarefas) % (ha) PB CI D Sal Imp Jur RF Sub
Mamona 2,0 4,5 0,04 0,00 886,36 73,69 0,00 0,00 0,00 0,00 0,00 -960,06Milho 4,4 10,0 0,09 0,00 1.352,27 162,12 0,00 0,00 0,00 0,00 0,00 -1.514,40Feijão 3,5 8,0 0,07 0,00 25,00 128,96 0,00 0,00 0,00 0,00 0,00 -153,96Cebola irrigada 0,4 1,0 0,01 15.000,00 9.440,00 16,21 0,00 0,00 0,00 0,00 0,00 5.543,79Tomate Irrigado 0,7 1,5 0,01 20.000,00 15.373,64 23,95 0,00 0,00 0,00 0,00 0,00 4.602,41Gado de leite + Ovinos 37,0 84,1 0,77 1.000,00 1.795,47 3.238,32 0,00 0,00 0,00 0,00 0,00 -4.033,79Subtotal agrícola xxxxx xxxxx 1,00 36.000,00 28.872,74 3.643,27 0,00 0,00 0,00 0,00 0,00 3.483,99RNA xxxxx xxxxx xxxxx 10.244,00 xxxxx xxxxx xxxxx xxx xxx xxxxx xxxxx xxxxxTOTAL 47,99 109,07 1,00 46.244,00 28.872,74 3.643,27 xxxxx xxx xxx xxxxx xxxxx 13.727,99Trabalho doméstico xxxxx xxxxx xxxxx 10.244,00 xxxxx xxxxx xxxxx xxx xxx xxxxx xxxxx xxxxx
RA/RNA/ outras rendas
Subsistema/ atividade UTF RA RA/UTF SA SA/UTF RA/SAMamona 0,3 -960,06 -3.200,19 2,0 6,67 -480,03Milho 0,1 -1.514,40 -15.143,98 4,4 44,00 -344,18Feijão 0,1 -153,96 -1.539,63 3,5 35,00 -43,99Cebola 0,5 5.543,79 11.087,58 0,4 0,88 12.599,52Tomate 0,6 4.602,41 7.670,69 0,7 1,08 7.080,64Gado de leite + Ovinos 0,6 -4.033,79 -6.722,99 37,0 61,67 -109,02Pastagens 0,1 0,0 0,00 0,0 0,0 0,00Trabalho doméstico 0,7 10.244,00 12.805,00 0,0 0,0 0,00
250
Gráfico 30 – Renda por Unidade de Trabalho Familiar (RA/UTF) em relação às áreaspor UTFs (SA/UTF) dos subsistemas de produção, Tipo VI
Fonte: trabalho de campo, out/2015-jul/2016.
Gráfico 31 – Preços do tomate, 2015 – praça Chapada Diamantina (BA)
Fonte: Cepea (2016); HFBrasil (2016)
0,00
10,00
20,00
30,00
40,00
50,00
60,00
70,00
80,00
-30.000,00
-25.000,00
-20.000,00
-15.000,00
-10.000,00
-5.000,00
0,00
5.000,00
10.000,00
15.000,00
20.000,00
SA/UTF
Milho
Gado de leite + Ovinos
MamonaFeijão
Cebola
Tomate
RNA + Trabalho doméstico
251
Retome-se a peculiaridade desse agricultor que justifica sua inclusão em um
tipo distinto de sistema de produção. Tem-se aqui os subsistemas com os produtos
de maior variação para cima de preços em 2015. Tanto o tomate quanto a cebola
experimentam elevações de preço em mercados locais, regionais e mesmo
nacionais que incentivam a ampliação das lavouras. Entretanto, o plantio não é
generalizado por todo o município: é preciso que o agricultor tenha à disposição
poço (incorrendo em custos de abertura e manutenção, especialmente com bombas
d’água, canos, reservatórios e energia elétrica) e os tratos culturais diários. Isso se
reflete na utilização das UTFs – as relações da utilização do trabalho familiar por
unidade de área (SA/UTF) para a cebola e o tomate são de 0,88ha e 1,08ha,
respectivamente, as mais intensivas dentre os subsistemas para esse agricultor
(Tabela 16). As inclinações das curvas representativas – quase retas verticais – são
reflexos dessas afirmações (Gráfico 30). Note-se que as olerícolas apresentam as
maiores rendas por unidade de área (RA/SA), os únicos cultivos com rendas
positivas, ressalte-se.
Os cultivos tradicionais – subsistemas Feijão e Milho – não geraram rendas ao
agricultor, apesar da ocorrência de custos e depreciações associadas (Tabela 15).
Aparentemente, a percepção de perdas iminentes reduz a destinação de mão-de-
obra aos subsistemas. Essa interpretação pode ser ilustrada com a baixa
intensividade do uso de UTF por unidade de área para o Milho e Feijão (44ha e 35ha
por UTF, respectivamente). Mesmo as criações – Gado bovino e Ovinos – apenas
atenuam os gastos rotineiros com os animais. Nesse cenário, reafirma-se a baixa
importância relativa da mamona. As atenções estão voltadas à cebola e ao tomate
que, mesmo com elevados gastos, a conjuntura favorável de preços (Gráficos 26 e
31, respectivamente) mantém expectativa do agricultor com relação aos resultados
(rendas) potenciais.
252
5.5. DINÂMICA DOS PROCESSOS PRODUTIVOS LOCAIS
Consultando-se o Gráfico 22 é possível perceber que a produção das principais
lavouras em Morro do Chapéu segue em ciclos (alternando momentos virtuosos com
outros deprimidos), aparentemente obedecendo a disposição e volume das chuvas.
Mandioca, feijão e milho, tradicionais lavouras de sequeiro, após período de bons
resultados entre 2003 e 2008, apresentam reduções drásticas de produção, com
alguns resultados positivos pontuais. Esses resultados, no entanto, não sinalizam
retorno das lavouras aos níveis de produção anteriores a 2008. Para a mamona têm-
se as mesmas observações. As oscilações de produção – confrontadas à dinâmica
de preços de mercado – impactam a relação do agricultor mediante a destinação da
oleaginosa. Note-se que, geralmente, o agricultor produtor de mamona resiste,
mesmo enfrentando estiagens severas, à erradicação da lavoura. É possível afirmar
que o agricultor tem consciência de perdas econômicas com a lavoura. No entanto,
além de obter rendas imediatas para gastos cotidianos, como afirmando
anteriormente, os agricultores praticam o plantio de mamona há duas, três ou mais
décadas, herdando de pais e avós a cultura. Criam-se articulações entre agentes,
definem-se papéis e canais de comercialização, muitos consolidados, agora
confrontados com a (nova) dinâmica do agrocombustível, com agentes, papéis e
práticas por vezes distintas ao cenário local.
Considerando a abordagem agronômica dos subsistemas de cultivo locais, é
possível identificar três grupos de análise, que se traduzem em transformações no
itinerário técnico, expostas com a chegada do agrodiesel: a) utilização generalizada
de maquinário (tratores, arados e grades) durante os tratos culturais das lavouras; b)
resistências à adoção das técnicas e tecnologias trazidas pelos agentes ligados ao
(agro) biodiesel, como a discussão sobre as variedades de sementes de mamona a
serem utilizadas e os embates nas formas de plantio; c) redução do sistema de
consorciamento das lavouras de mamona, feijão e milho; d) avanço das culturas
irrigadas.
Todos os agricultores pesquisados relatam a utilização maior de tratores,
arados e grades, particularmente nos tratos iniciais da lavoura de mamona. A
limpeza, aragem e gradagem dos solos para o plantio é feito por tratores, alegando-
se a necessidade de rapidez na conclusão dos tratos. Ressalte-se que a lavoura de
sequeiro obedece ao calendário pluviométrico esperado para o município. Portanto é
253
preciso estar com o solo preparado à espera das primeiras chuvas – no caso da
mamona aguardadas a partir de outubro mas que, segundo agricultores e técnicos
consultados, têm se concentrado no mês de janeiro. Esse cenário cria uma série de
desdobramentos determinantes à condução das lavouras e dos resultados da
produção em geral:
a.1) Agricultores proprietários de tratores. Confirme visto nos Tipos III e V esses
agricultores, além dos tratos culturais em suas próprias unidades produtivas,
vendem horas-trator para outros agricultores que podem adquirir o serviço;
a.2) Agricultores que adquirem os serviços de aragem, gradagem e limpeza.
Nesse caso, o acesso ao maquinário é realizado a partir dos agricultores do grupo
anterior ou pelas cooperativas;
a.3) Agricultores dependentes das transferências dos mediante intervenção
pública. Aparentemente é a situação mais comum. São agricultores que relatam o
atrelamento da produção da mamona ao fornecimento dos serviços de maquinário.
Com a chegada da dinâmica do agrodiesel na região e das primeiras liberações de
recursos públicos destinados aos tratos culturais iniciais de parcelas dos
agricultores, criou-se a expectativa positiva da manutenção das ações, que não se
concretiza. De fato, após as primeiras ações do PNPB, ainda vivenciando a euforia
do Programa, observa-se trajetória declinante da produção de mamona em Morro do
Chapéu (Gráfico 25). Os depoimentos dividem responsabilidades entre as
irregularidades das chuvas e a redução dos repasses aos tratos culturais da
mamona.
Note-se que a evolução dos custos dos tratos culturais iniciais da mamona tem
sido apontada como fator de restrição ao plantio e manutenção das lavouras.
Segundo técnico agrícola atuante na região, nos anos 1980 dois sacos de mamona
compensavam o óleo necessário ao funcionamento do trator para a etapa de aração
das lavouras – trator entre 60-65 cavalos-vapor, comum na área rural local. Essa
relação passou, de acordo com a conjuntura dos preços do óleo diesel mineral, a
aproximadamente seis sacos da oleaginosa por tonel (200 litros)33 – utilizados em
33 Segundo o mesmo técnico agrícola, em 1985 um saco de 60 kg de mamona alcança CR$42.000,00, com o tonel de diesel custando em média CR$ 85.000,00. Ou seja, são necessários 2sacos de mamona para cobrir o gasto com 200 litros de óleo mineral. Em 2015, o preço médio do
254
35-40 tarefas de aragem/gradagem. Torna-se necessário mais agricultores
demandando o uso do trator para compensar os custos. Entretanto, com os baixos
resultados da produção, tem-se quadro bastante complexo resultando, não raro, em
situações de endividamento – para aqueles que adquirem o serviço dos agricultores
proprietários de tratores –; de espera pela liberação de recursos públicos que direta,
ou indiretamente, permitam a etapa produtiva; ou simplesmente a não requisição do
serviço, deixando o agricultor de plantar a mamona.
A utilização generalizada de tratores – e, em menor grau, o trânsito contínuo de
caprinos, ovinos e bovinos pelas terras – é apontada como causa do problema de
compactação dos solos em Morro do Chapéu. Efeito negativo bastante conhecido
dessas práticas, a compactação do solo tem como solução mais imediata a
utilização de subsolador para revolver o solo mais endurecido, permitindo o melhor
desenvolvimento radicular das plantas e facilitando a penetração da água das
chuvas nas camadas inferiores do solo. A solução foi apontada como essencial à
retomada da produção mais dinâmica da mamona no município. O equipamento é
constantemente incluído no rol das demandas dos agricultores direcionado aos
órgãos de fomento, cooperativas e sindicatos de trabalhadores rurais. Como fatores
limitantes ao uso do subsolador são apontados os custos do equipamento, variando
entre R$1.500,00 e R$5.000,00 (a preços de 2016) de acordo com estado de
conservação, número de hastes/garras, etc., a necessidade de constante
manutenção, as dificuldades de transporte pelas estradas locais, além da
recomendação em se refazer o serviço em períodos de 2-3 anos, após determinação
do grau de compactação dos solos da unidade produtiva.
óleo diesel é de R$2,88 (ANP, 2016). Dessa forma, o tonel de óleo diesel custa aproximadamenteR$ 576,00. Os preços da mamona em 2015 atingem um máximo de R$95,00 no mês de setembro(Gráfico 11). Assim, são necessários 6,1 sacos de mamona para cobrir os gastos com um tonelde óleo diesel para o trator. Evidentemente, não se pode desprezar o efeito inflacionário em geralnem as oscilações dos preços dos derivados do petróleo em particular, mas trata-se deconstatação das alterações dos preços relativos entre os produtos que precisam ao menos seremlembradas na análise da cadeia produtiva da mamona.
255
Foto 16 – Subsolador
Fonte: Viarrural (2016)
A demanda pelo subsolador inclui-se nos desdobramentos da trajetória do
itinerário técnico da lavoura de mamona no município. Não raro, relatam-se
resistências dos agricultores na adoção das técnicas. A escolha das sementes a
serem plantadas e as formas de plantio são duas situações que exemplificam essas
ocorrências. A variante crioula sangue de boi é defendida particularmente por
agricultores mais antigos na lavoura, apesar de um ciclo produtivo mais longo.
Outras variantes crioulas citadas são a Maringá, Coty, Fígado de Cágado e Mamona
Couro. Os cultivares introduzidos e/ou incentivados como resultado das ações para
o agrodiesel apresentam vantagens e críticas. Agronomicamente, a variante BRS-
Energia apresenta os melhores resultados em termos de rendimentos físicos e teor
de óleo incorporado às sementes (Tabela 17). O cultivar, desenvolvido pela
Embrapa, em parceria com a então Ebda e a Emparn (Quadro 11) tem a preferência
dos técnicos, sendo o cultivo apontando como solução aos problemas de baixos
rendimentos físicos e, por conseguinte, econômicos da lavoura. No entanto, sua
adoção apresenta resistências dos agricultores, concentradas nas características
agronômicas da planta e econômicas da produção.
256
Tabela 17 – Rendimentos físicos e teor de óleo em cultivares de mamona, 2016
Fonte: Lacerda e colaboradores (2016).
O cultivar BRS-Energia produz frutos indeiscentes. Isso significa que a
semente somente pode ser extraída com o auxílio de máquinas (ou com força
manual). As duas opções significam mais custos para o agricultor, além da
necessidade do maquinário e ferramentas específicas para a extração. Paraguaçu e
Nordestina possuem frutos semi-indescentes, que se abrem espontaneamente sem
a necessidade de máquinas após amadurecimento da planta, colheita e exposição
ao sol. Segundo agricultores, a Energia também não apresenta boa produtividade
em consorciamento com feijão e/ou milho, sendo melhores os resultados obtidos
com a lavoura solteira. A limpeza das roças é feita somente de forma manual, pela
maior proximidade das leiras – definindo o patamar de produtividade.
Diferentemente da Paraguaçu e Nordestina, onde se permite o uso do trator para
essa atividade. Some-se ao fato de que, com o ciclo produtivo mais curto, são
necessárias mais etapas de preparação e tratos culturais. São aspectos que
encarecem e dificultam a manutenção da lavoura com a Energia, sendo preterida
pelo agricultor.
Cultivar Rendimento (Kg/ha) Teor de óleo (%)BRS-Energia 1.850,0 55,14Paraguaçu 1.310,0 51,30Nordestina 1.444,5 53,37
257
Foto 17 – Mamona (Paraguaçu) exposta ao sol para secagem
Fonte: Alynson dos Santos Rocha em trabalho de campo, março, 2016.
A forma de plantio da mamona também foi alvo de confronto entre agricultores,
técnicos e representantes de empresas compradoras. Quando as primeiras ações
visando ao agrodiesel chegam ao município, a partir de 2006, já estavam
consolidados os plantios semi-mecanizado (com a “matraca”) e mecanizado da
mamona, com a utilização de trator. O plantio manual era observado apenas de
forma marginal, em poucas unidades produtivas, sendo mais frequentemente
observado até os anos 1980. A criação de mudas em viveiros para posterior
transplantio causou estranheza aos agricultores, que receberam a sugestão como
retrocesso das práticas. De forma geral, e observando-se as dinâmicas produtivas
da tipologia de sistemas de produção construída, os principais tratos culturais da
lavoura de mamona em Morro do Chapéu são mecanizados. Significa que,
invariavelmente, os agricultores incorrem em custos crescentes para esses tratos,
nem sempre consonantes aos preços da saca da oleaginosa.
Aponta-se a redução das lavouras de mamona consorciadas ao feijão e/ou
milho como principal alteração técnica na região. As causas não estão
necessariamente ligadas à chagada do agrodiesel, mas a uma combinação adversa
de seca prolongada e preços em queda do produto. Segundo relatos de informantes-
chave locais, o plantio associado era prática comum – e de amplo conhecimento nos
diversos estudos no âmbito da Embrapa, por exemplo – aproveitando-se as
características agronômicas e tempos culturais de cada lavoura visando a troca de
258
nutrientes e minerais entre as plantas e aproveitamento dos espaços ao cultivo de
alimentos básicos na alimentação humana/animal e, principalmente, a geração de
excedentes comercializáveis.
Nesse cenário, determinado entre o início dos anos 1980 até aproximadamente
1995, a regularidade e volume das chuvas permitiu alçar os cultivos de feijão e milho
ao primeiro plano de importância ao agricultor. A mamona é posta como lavoura
complementar, fornecedora de recursos para a cobertura dos gastos cotidianos e
das lavouras principais. A partir de 1996, relata-se a gradual inversão dessa relação.
As sucessivas perdas de feijão e milho tiraram o protagonismo dessas lavouras,
restando a mamona como renda de sobrevivência para o agricultor. Note-se que,
mesmo considerando-se as oscilações produtivas, em 2015 a situação é
semelhante: muitos produtores afirmam a preferência por lavouras solteiras, uma
vez que, caso sejam detectadas perdas, a etapa da limpeza e nova preparação dos
solos pode ser postergada, o que não aconteceria na associação. Esse conjunto de
observações ajudam a explicar por que apenas no Tipo V identifica-se subsistema
de cultivo de mamona consorciada ao feijão. Aparentemente a associação de
lavouras está em declínio. Pode-se inferir que, caso haja novamente regularidade
pluviométrica, a prática local possa retornar em novas bases técnicas, agronômicas
e econômicas.
A queda das lavouras outrora principais inaugurou um período de
aproximadamente 10 anos (1995-2005) no qual os agricultores passam por
“adaptações à pobreza”, nas palavras de técnico agrícola atuante na região. A
década foi marcada essencialmente pela falta de recursos, forçando a venda de
máquinas e equipamentos agrícolas pelos agricultores para viabilizar as plantações
e saldar dívidas junto a instituições financeiras. Some-se a dificuldades enfrentadas
na lavoura de mamona, elevada à condição de fornecedora primeira dos recursos
para a subsistência do agricultor e sua família. Existe ainda a estratégia dos
subsistemas de criação (carpinos, ovinos e bovinos), mas geralmente atrelada aos
resultados da mamona. A chegada do (agro) biodiesel, em 2006, proporciona novas
esperanças aos agricultores, particularmente com relação à liberação de recursos
para a lavoura. No entanto, o receio de crescente endividamento em um cenário de
incertezas produtivas faz com que produtores comprometam áreas plantadas
menores no momento de fechamento de contratos de financiamento da lavoura.
259
A partir de 2010 têm-se resultados melhores na trajetória recente da mamona,
relatam agricultores e técnicos, pois a Petrobras, por meio da PBio e instituições, a
exemplo do Banco do Nordeste do Brasil (BNB), viabilizaram financeiramente – e,
principalmente, em sincronia ao calendário agrícola da lavoura – as etapas de
aragem, gradagem e plantio mecanizados, dinamizando a produção da baga.
Entretanto, o aumento da produção resultou em queda dos preços e,
simultaneamente ao encerramento das atividades da Comanche em 2011,
crescimento do endividamento dos agricultores. As esperanças retornam em 2013 e
2014, biênio também descrito como positivo à lavoura. Em 2015, a restrição de
recursos repercute negativamente em várias unidades produtivas (redução da
distribuição de sementes), contribuindo a perdas totais da mamona e não geração
de rendas. É possível relacionar a redução dos recursos à suspensão dos
investimentos da estatal de petróleo e gás em várias áreas (inclusive
biocombustíveis) e suas subsidiárias, em virtude do aprofundamento das
investigações sobre desvios de recursos públicos, corrupção, etc., no âmbito da
operação Lava-jato da Polícia, Ministério Público Federais.
A situação em Morro do Chapéu intensificou a presença das lavouras de
olerícolas irrigadas, particularmente o tomate e a cebola. Contribui a essa
movimentação produtiva a conjuntura de preços e a perda de participação de alguns
mercados tradicionais no fornecimento desses produtos. O abastecimento de cebola
por produtores de Santa Catarina e Rio Grande do Sul reduz-se entre 2011 e 2014
em virtude do excesso de chuvas, elevando os preços e aumentando o plantio na
Bahia. Reitera-se a observação de as olerícolas exigem estrutura de irrigação e
manutenção constantes, além de grandes aplicações de fertilizantes e outros
agroquímicos. Essas exigências acabam por restringir a lavoura não apenas
espacialmente – apenas nas áreas com potencial hídrico – quanto economicamente,
pelos custos envolvidos.
O avanço das olerícolas gera desdobramentos os mais diversos, produtivos,
econômicos, sociais e ambientais. Três deles são apresentados: d.1) aumento da
perfuração de poços tubulares, não raro, de forma clandestina, com relatos de
redução da vazão de poços artesianos, pelo aumento da irrigação das grandes
plantações; d.2) utilização generalizada de agroquímicos, frequentemente sem a
devida orientação técnica; d.3) intensificação do processo de deslocamento de
260
pequenos produtores, que arrendam suas terras a produtores mais capitalizados
para o plantio de cebola.
A constante de irrigação imprescindível ao cultivo do tomate e da cebola elevou
a perfuração de poços e Morro do Chapéu. A prática é complementada com a
contração de reservatórios para a distribuição da água nas lavouras. Some-se à
necessidade da bomba elétrica, canos e mangueiras para o sistema de irrigação,
essencialmente por gotejamento. Como pode ser visto nos Tipos III e VI, a
manutenção dessas lavouras requer volume de recursos – com maquinário,
acessórios e, principalmente, energia elétrica –, nem sempre disponíveis aos
pequenos agricultores. Segundo agricultores e técnicos atuantes na região, a
fiscalização não é rígida – nos âmbitos do Ministério das Minas e Energia ou da
Companhia de Engenharia e Recursos Hídricos da Bahia (CERB) – e torna-se
constante o encontro com equipamento em pleno funcionamento (Fotos 18 e 19).
Fotos 18 e 19 – Máquina de perfuração de poço artesiano. Morro do Chapéu
Fonte: Alynson dos Santos Rocha em trabalho de campo, março, 2016.
261
Um efeito negativo relatado é a redução da vazão nas unidades produtivas de
pequenos agricultores. A explicação está na perfuração de poços nas áreas mais
baixas dos povoados. A água é transportada, via bombeamento, para as lavouras de
cebola em áreas mais elevadas. Identifica-se nos grandes produtores locais e
aqueles vindos de Irecê e entorno – já tradicional produtor de olerícolas irrigadas,
como analisa Machado (2012) – os responsáveis pela prática potencialmente
danosa. Aparentemente está em curso na região – ainda sem o dimensionamento
dos efeitos – conflito pelo uso da água, algo semelhante ao observado na região de
Irecê na primeira década dos anos 2000. Resumidamente, o conflito pelo uso das
águas da barragem de Mirorós, especialmente devido ao aumento das lavouras
irrigadas de olerícolas (cebola, tomate, cenoura e beterraba), resultou na
intervenção, em 2008, de diversas entidades correlacionadas, como a Codevasf
(Companhia de Desenvolvimento dos Vales do São Francisco e do Parnaíba),
EMBASA (Empresa Baiana de Águas e Saneamento), INGA (Instituto de Gestão das
Águas e Clima da Bahia), CERB e UNIPPI (União das Prefeituras do Platô de Irecê),
sob a mediação da Agência Nacional de Águas (ANA). Entre diversas ações de
infraestrutura, a intervenção objetiva o uso racional das águas e definição de papéis
com ações para pequenos, grandes agricultores e demais usuários. (BRASIL, 2012).
Além da perfuração descontrolada de poços tubulares, o uso generalizado de
agroquímicos é apontado como outro desdobramento da expansão do tomate e
cebola em Morro do Chapéu. Registre-se o uso de adubos e fertilizantes durante os
tratos culturais iniciais, na preparação do solo para o transplantio das mudas e
adubação de cobertura. As lavouras são bastante susceptíveis a fungos, larvas,
traças e outros insetos. Para combatê-los rapidamente os produtores fazem em
média duas aplicações de agrotóxicos, herbicidas e fungicidas. A medida da
gravidade da situação emerge dos depoimentos dos próprios produtores no
momento de responder a seguinte questão: quantas aplicações de agrotóxicos são
feitas ao longo dos ciclos produtivos das lavouras? As afirmativas são diversas, mas
variam entre “perdi as contas” ou ainda “não tenho coragem de comer o tomate que
planto”. Existem ainda relatos da não obediência às carências pós-aplicação dos
agrotóxicos para a destinação dos alimentos ao consumo e de casos extremos de
uso de produtos veterinários de combate a fungos e carrapatos, com restrições ou
proibições de uso. Trata-se de quadro frequentemente constatado em outras regiões
262
produtoras da Bahia e do país, sugerindo estudos que aprofundem as
consequências para o homem e meio ambiente nas distintas de tempo.
A consequência mais direta do avanço das olerícolas em relação à mamona diz
respeito ao deslocamento de agricultores em virtude da procura por terras para o
plantio da cebola e do tomate. De fato, com a conjuntura favorável de preços desses
produtos, aliado aos resultados pouco significativos da mamona e demais culturas
de sequeiro, os pequenos agricultores que possuem poços tubulares em suas
unidades produtivas, mas não os utilizam de forma plena devido à falta de recursos
para manutenção, tendem a arrendar suas terras (ou mesmo vendê-las) a grandes
produtores, atraídos pela possibilidade de lucros rápidos, apoiados nos ciclos
relativamente curtos das lavouras. A prática mais comum consiste na oferta de
recursos aos proprietários das terras compensando todos os gastos com a
manutenção dos poços, dos tratos culturais iniciais, plantio, pulverizações de
agroquímicos, colheita. Geralmente nesses casos, o agricultor fornece a mão-de-
obra. Com os resultados da lavoura (faturamento) após a comercialização, o
produtor retira a parte destinada aos gastos e procede a divisão dos lucros com o
proprietário das terras. Os maiores risco da atividade estão atrelados à
susceptibilidade das lavouras a insetos e fungos, além dos altos custos envolvidos.
263
Foto 20 – Lavoura de cebola irrigada. Povoado Malhada da Areia, Morro do Chapéu
Fonte: Alynson dos Santos Rocha em trabalho de campo, julho, 2016.
Relata-se a redução das áreas plantadas de mamona, com a destinação de
parcelas das terras (nos povoados com potencial de águas subterrâneas,
especialmente o Velame e Malhada da Areia) aos cultivos das olerícolas. Ocorre,
portanto, processo de substituição das lavouras de sequeiro tradicionais pelas novas
lavouras irrigadas. O agricultor transforma-se em fornecedor de mão-de-obra ou se
desloca para outras unidades produtivas de sua propriedade que não apresentam
disponibilidade de recursos hídricos passíveis de exploração. Nestas, os
subsistemas de cultivos cedem gradualmente espaço aos subsistemas de criação
(caprinos, ovinos e bovinos) capazes de gerar rendas rapidamente, com a mamona
desempenhando papel de provedora dos recursos para custeio das criações. Não
raro, esse movimento de aquisição de terras promove a expulsão do pequeno
agricultor da região. A opção limite ocorre após sucessivas perdas de produção,
crescente endividamento e restrição de acesso às linhas de crédito estatal para as
lavouras.
264
Essas observações são importantes pois sugerem falhas na execução do
programa estatal de biodiesel e suas implicações nas lavouras da mamona no
semiárido baiano. É opinião consolidada entre técnicos agrícolas, agricultores e
gestores de cooperativas de agricultores familiares que a manutenção da
regularidade dos dispêndios direta ou indiretamente geridos pela Petrobras (PBio)
no custeio da mamona funcionaria como importante contraponto à expansão das
olerícolas irrigadas. Evidentemente, os resultados são melhores com ações
sincronizadas aos períodos favoráveis de chuvas, particularmente como ocorrido em
2013 e 2014 (distribuição de sementes, viabilização dos serviços com trator para
parte dos agricultores, sacaria). Entretanto, em 2015, como exposto, tem-se a
interrupção dessas ações – além da estiagem mais intensa a partir do segundo
semestre do ano anterior –, desestimulando o plantio da oleaginosa. Outras
demandas para tentar arrefecer o declínio das lavouras de mamona são de natureza
mais duradoura, a exemplo de ações para perenizar os principais rios da região: os
rios Verde e Jacaré; acompanhamento dos processos de compactação dos solos.
Mesmo o mecanismo de preços mínimos não consegue reverter esse quadro.
Segundo a Conab (2016) o preço mínimo para a saca de 60kg da mamona (praça
Irecê) em 2015 foi estabelecido em R$63,47. Esse preço não cobre os gastos com
aragem, gradagem e demais tratos culturais por hectare, como se pode extrair ao
analisar as tabelas informativas para a tipologia de sistemas de produção
identificada e apresentada no capítulo anterior. Em uma conjuntura de produção
restringida pela seca, preços do óleo diesel e demais insumos em elevação, é de
esperar que os custos por saca aumentem, contribuindo ao desestímulo do plantio.
A lacuna deixada pela redução da participação da Petrobras na liberação de
recursos para a lavoura de mamona contribui à permanência de personagem bem
conhecido e atuante na região: o atravessador. Esse agente tem sua atuação
restringida com a chega do agrodiesel, pelo estabelecimento de canais formais de
fomento e comercialização (bancos, empresas privadas e cooperativas de
agricultores familiares) mediados pela PBio. Trata-se da tentativa de desconstruir
relação operando a décadas na região. No entanto, os canais que, inicialmente,
funcionam como alternativa para o agricultor, revelam-se engessados pelas
formalidades dos trâmites relacionados à produção. Essa situação permite e mesmo
amplia a atuação do atravessador.
265
De fato, a disponibilização de recursos de forma imediata aos agricultores, sem
exigências documentais, no momento da preparação dos solos e dos tratos culturais
iniciais confere vantagens ao trâmite informal quando comparado à necessidade da
intermediação de bancos oficiais – frequentemente distantes da residência ou
unidade produtiva do agricultor. Tratando-se de agricultor ou comerciante com livre
trânsito ou residindo nos povoados e/ou distritos – portanto conhecidos dos
agricultores –, as negociações para a liberação dos recursos, prazos e formas de
pagamentos são feitas pessoalmente e com bastante agilidade. Muito diferente dos
prazos negociados em agências bancárias oficiais, com gerentes e administradores
pouco habituados às realidades e peculiaridades locais, somado ao tempo para
aprovação de crédito, depósito em conta e finalmente acesso do agricultor.
Esse quadro também é observado no momento de beneficiamento da mamona.
A proximidade do atravessador facilita o fornecimento do maquinário necessário (a
batedeira) para a separação das sementes após a secagem. Gera-se o
compromisso, informal evidentemente, entre o agricultor “fidelizado” e o
atravessador. Na etapa de comercialização observa-se quadro semelhante. Ao
trabalhar com pagamentos em moeda corrente e com capacidade de recolhimento
rápido da produção – devido ao pleno conhecimento das estradas e suas condições
de rodagem –, o atravessador provém a liquidez desejada pelo agricultor, que assim
pode realizar seus gastos cotidianos. No trâmite formal, é preciso aguardar a
decorrência de prazos das ordens de pagamento da PBio – em média 72 horas, com
alguns relatos de até 7 dias, no caso das cooperativas –, nem sempre em sincronia
ao cronograma de gastos do agricultor.
Com relação aos preços é possível destacar dois comportamentos do
atravessador. Aproveitando-se da necessidade de recursos de parcela significativa
de produtores, relata-se a pressão para baixo dos preços pagos pela saca de
mamona. Com a chegada do agrodiesel, cria-se a necessidade de considerar os
preços oficiais. Assim, o segundo comportamento remete à prática de oferecer
preços mais elevados objetivando desviar a produção com venda “comprometida”
formalmente para o circuito informal de comercialização. Note-se que,
aparentemente não há preocupação, pelos produtores, com relação ao destino da
mamona produzida (agrodiesel ou ricinoquímica). A necessidade de recursos
imediatos em cenário adverso (seca) catalisa essa observação. Os agricultores que
não enfrentaram perdas totais das lavouras e não conseguem armazenar a
266
produção buscam a venda com objetivo de saldar gastos cotidianos da família.
Mesmo na situação de contratos firmados, como obrigações definidas, têm-se
vendas aos atravessadores. Os agricultores que conseguem armazenar sacas de
mamona e aguardam melhoria da conjuntura de preços para alçarem maiores
rendimentos apresentam alguma resistência, celebrando vendas formais ou
informais, desde que com preços julgados favoráveis. Essa condição, porém, não é
acessível a todos os agricultores, reservando-se apenas aos mais capitalizados,
geralmente com outras fontes de renda (inclusive não-agrícolas).
A alternativa produtiva do agrodiesel de mamona não foi capaz de eliminar a
presença do atravessador do circuito produtivo em Morro do Chapéu. Exercendo as
funções de banco, provendo recursos à lavoura; de cooperativa, ao fornecer
maquinário para o beneficiamento da produção; e captando a produção
espacialmente dispersa, sem as exigências, prazos e carências das instituições
oficiais, o atravessador consegue sobreviver. Ainda que as instituições formais
forneçam recursos, assistência técnica, máquinas e equipamentos, não possuem a
agilidade nos momentos cruciais da venda e pagamento, sendo frequentemente
preteridas em favor da comercialização informal. O atravessador dessa forma,
dependendo da conjuntura de preços e condições de pagamento, pode
comercializar a mamona adquirida tanto para a indústria ricinoquímica quanto para a
produção de agrodiesel, sendo apontado como o agente concentrador dos reais
ganhos com a produção. Na Figura 35 resume-se a presença e atuação do
atravessador no circuito produtivo da mamona em Morro do Chapéu.
267
Figura 35 – O atravessador no circuito produtivo da mamona em Morro do Chapéu
Fonte: trabalho de campo, out/2015-jul/2016.
5.6. ATUAÇÃO DAS COOPERATIVAS DE AGRICULTORES FAMILIARES
É possível identificar dois momentos distintos da atuação das cooperativas de
agricultores familiares em Morro do Chapéu e região no contexto do agrodiesel de
mamona. Em um primeiro momento, até 2013, as cooperativas são responsáveis
pela intermediação da comercialização da mamona entre agricultores e empresas
processadoras e, principalmente, pelo provimento da assistência técnica agrícola
aos cooperados. A partir de 2014, a Petrobras Biocombustíveis (PBio) passa a
operar com o sistema de Unidade Técnicas de Demonstração (UTDs, analisadas na
seção seguinte). As cooperativas, muitas passando por dificuldades financeiras, com
problemas de gestão e de (re) construção de identidade junto aos agricultores – o
sistema de comprovação de assistência fornecida por meio de laudos assinados, por
Produção de agrodiesel
Indústria ricinoquímica
Atravessador
Agricultores
Contratos formais
268
vezes sem o efetivo serviço prestado, é crítica citada durante as entrevistas –,
intermedeiam compras e vendas de mamona, mas agora simultaneamente à ação
mais intensiva e ágil de empresas privadas. Situação bastante comum observada
durante a pesquisa de campo, a atuação direta de funcionários de empresas
privadas compradoras de mamona junto aos agricultores nos diversos povoados
negociando preços, quantidades e condições de entrega e transporte da mamona,
aparentemente ocupando o papel das cooperativas. Note-se que essas negociações
são feitas também com a participação dos atravessadores, que podem estocar as
quantidades de mamona adquiridas e, aproveitando a conjuntura favorável de
preços, vender às empresas.
As cooperativas na região (nesse caso também incluindo a praça Irecê) tomam
contato com o agrodiesel de forma mais intensa no biênio 2009-2010 quando são
efetuadas reuniões entre gestores, cooperados e a PBio objetivando implantar
metodologia, definir agentes, papéis e ações para iniciar a produção. As primeiras
são de ordem organizacional, (re) cadastrado os cooperados e incluindo novos
membros, entre pequenos agricultores familiares possuidores da DAP, exigência
básica para participação no programa estatal. Os compromissos estabelecidos são o
fornecimento de sementes (Nordestina e Paraguaçu) pela PBio e a venda da
produção exclusiva à empresa pelos agricultores cadastrados. Os custos com
assistência técnica (pagamentos dos técnicos agrícolas) são cobertos PBio,
encarregando-se a cooperativa da contratação e execução das ações técnicas junto
aos agricultores. Em síntese, essas são as articulações identificadas nos momentos
iniciais do agrodiesel de mamona.
Os sinais de dificuldades desse modelo aprecem quando se constata que, o
pequeno agricultor, mesmo com o compromisso firmado com a PBio, não tem como
fornecer as quantidades de mamona contratadas (em sacas de 60kg). A produção,
não raro, é de pequenas quantidades para parcelas de agricultores (uma lata, duas
latas de 5/10kg). Some-se a forte presença do atravessador. Como visto
anteriormente, esse personagem atua muitas vezes financiando as áreas plantadas
de mamona. Ao fazê-lo, gera vínculo do produtor com o atravessador em detrimento
do contrato firmado com a PBio. Reforça-se que essa situação permanece devido ao
acesso prejudicado às linhas de crédito oficiais pelo histórico de endividamento
generalizado dos agricultores, relatado pelos informantes-chave. Inclusive, cita-se a
aprovação da Medida Provisória 733 (convertida em Lei nº 13.340 de 29 de
269
setembro de 2016), que autoriza a renegociação das dívidas de crédito rural, com
rebates (até 95%) e carências (até 2020) como decisão na tentativa de alterar
positivamente esse quadro (BRASIL, 2016).
As cooperativas gradualmente não conseguem fazer as compras junto aos
agricultores e honrar os acordos com a PBio. O agricultor pela necessidade de
rendas imediatas comercializa o produto, sem preocupações com o destino da
mamona, como observado após as análises da composição das rendas nos seis
tipos de sistemas de produção identificados. Esse fato gerou a necessidade das
cooperativas estabelecerem acompanhamento do processo de compra de forma
mais próxima às áreas produtoras, criando em alguns locais uma espécie de
entreposto/atravessador diretamente ligado às associações locais de produtores e
estas às cooperativas. O objetivo é garantir mamona e cumprir quantidades e prazos
contratados. Os recursos para as compras, liberados pela PBio, são repassados às
cooperativas que, posteriormente efetuam as compras. Nesse momento, outro
problema é citado como importante e definidor da atuação das cooperativas. Os
recursos liberados antecipadamente pela PBio baseiam-se em preços que,
frequentemente, não correspondem ao praticado em campo. Exemplificando essa
situação, têm-se recursos liberados considerando o preço da saca de 60kg em
R$72,00. No momento das compras junto aos agricultores, verificou-se que o preço
oscilou para R$80,00. O compromisso de entrega força a cooperativa a assumir a
diferença, gerando endividamento que, segundo entrevistados, algumas
cooperativas enfrentam ainda em 2016. O estabelecimento de contratos a partir das
quantidades entregues, e não de preços fixos para a saca de mamona, evitaria as
discrepâncias de preços – além de neutralizar a ação dos atravessadores que
pagam preços correntes – e não impactariam negativamente as disponibilidades
financeiras das cooperativas, causa primeira do endividamento que afeta o
desempenho de suas funções.
Consequência direta desse endividamento, a redução do contato mais próximo
com o agricultor para a compra fortalece a ação do atravessador. O custo para
recolher a mamona em localidades distantes – o povoado Olhos D’Água em Morro
do Chapéu, por exemplo, dista 80 km da sede do município, onde geralmente estão
os armazéns das cooperativas. Passou a não compensar o deslocamento para
recolher baixas quantidades de mamona. A logística primária emerge como entrave
à dinâmica do agrodiesel.
270
O grau de limpeza da mamona entregue também é gerador de prejuízos para
as cooperativas. Relata-se que o índice de impurezas aceitável pela PBio oscila
entre 5-10% em peso. Esse índice é superado facilmente pois muitos agricultores
não possuem o maquinário necessário à etapa de “bateção” (separação e limpeza
das sementes) da mamona. A baixa quantidade de mamona pré-processada não
justificaria a aquisição dessas máquinas individualmente. Some-se ao fato da prática
usual de secar a mamona ao sol e no chão da unidade produtiva antes da “bateção”,
aproveitando deiscência da Nordestina ou da Paraguaçu. Assim, o produto chega às
cooperativas com terra, fragmentos de galhos, folhas e cascas, pedras pequenas e
grandes – estas muitas vezes adicionadas para interferir no peso final da saca e,
supostamente, gerar mais rendas ao produtor. Torna-se necessário refazer a limpeza
da mamona antes da entrega. Máquinas e equipamentos são adquiridos para a
tarefa, comprometendo os balanços contábeis das cooperativas. Situação extrema
do nível de impureza acima do permitido, o retorno de caminhões carregados de
mamona de Feira de Santana, gerou dois efeitos: o primeiro, mais imediato, é o não
pagamento pela carga e mais gastos com o transporte sendo absorvidos pela
cooperativa; outro, mais dilatado no tempo, é o registro negativo da cooperativa
junto às empresas compradoras da mamona, com eventuais descontos nos preços
praticados pela saca.
A perspectiva do agrodiesel simultaneamente à irregularidade de chuvas
reforçou nas cooperativas a orientação pelo fim do consorciamento entre lavouras. A
tradicional associação de culturas (mamona, feijão e milho) é substituído por
lavouras solteiras. Aparentemente o feijão, constatando-se perdas significativas de
produção, não mais figura entre os objetivos do agricultor. Na tipologia de sistemas
de produção identificada e estudada, a lavoura de feijão aparece invariavelmente
atrelada a perdas totais ou baixa produção, descartando-se a comercialização. O
associação apenas entre mamona e milho é inviável do ponto de vista agronômico,
pela competitividade por nutrientes e umidade do solo entre as lavouras. Logo, tem-
se a orientação para áreas distintas de mamona e de milho, pois ainda se observam
subsistemas de criação (galinhas) para o qual se destina a produção do grão. Há um
relativo consenso entre informantes-chave de que a partir de 2010 a produção de
sequeiro de mamona, milho e feijão entra em declínio em toda a região, eliminando
a prática da “plantação no pó”, semeadura antes do período das chuvas,
normalmente iniciado em outubro e seguindo até dezembro, alcançando a floração
271
das lavouras. A então certeza da regularidade pluviométrica provém a confiança do
agricultor. Com as chuvas concentrando-se em janeiro, essa confiança se reduz
drasticamente a ponto da suspensão dos plantios, especialmente de feijão e milho.
É importante ressaltar que tais alterações nas técnicas de plantio não são
imediatamente absorvidas pelos agricultores. Segundo representante de
cooperativas, resistências são observadas na adoção das “novas” práticas. O
objetivo primordial da produtividade diante das exigências de volume de produção e
regularidade de entrega no contexto do agrodiesel, estipuladas nos contratos, é
confrontado com hábitos de produtores, herdados ao longo de décadas de plantio.
Citam-se a necessidade de “raleação”/desbaste da mamona, deixando apenas uma
planta desenvolvida por cova, evitando a competição por nutrientes, possibilitando
aumentar a produtividade da lavoura; e a obediência ao espaçamento entre leiras e
plantas. A variedade Nordestina, por exemplo, exige espaçamento de
aproximadamente 2m entre as leiras e entre 1,1m e 1,5m entre plantas, pelos
mesmos motivos e com os mesmos objetivos anteriores. Some-se à necessidade de
conhecimento mais profundo do grau de comprometimento da fertilidade e
compactação dos solos destinados às lavouras, direcionando ações de subsolagem
e, consequentemente, dimensionando as demandas pelos equipamentos.
O pousio de terras, prática bastante conhecida, enfrenta resistências na
medida em que inviabiliza a produção em momentos de maior necessidade de
geração de rendas pelo agricultor, no cenário de seca prolongada, como em Morro
do Chapéu. O ateamento de fogo aos restos culturais da mamona, condenado pelos
técnicos ligados às cooperativas, ainda é praticado alegando-se o elevado custo de
oportunidade (tempo) na transformação e uso desses restos como adubo para a
própria lavoura. Note-se que, essa prática é reforçada pela percepção de que o
adubo produzido a partir dos restos culturais (e/ou do processamento) da mamona
não se traduz em melhorias à produtividade da lavoura. No depoimento do agricultor
representativo do Tipo II, a observação é colocada. Ressalte-se a diminuição dessas
práticas por intervenção dos técnicos das cooperativas. A quebra das resistências
também se dá pelo interesse dos agricultores em participar do programa estatal de
agrodiesel. A distribuição de semestres e recursos para os tratos culturais pela PBio
facilitou a adoção das orientações técnicas.
Portanto, pode-se afirmar que no contexto do agrodiesel, alterações nas
técnicas de plantio foram capitaneadas pelas cooperativas, aproveitando-se do
272
interesse inicial dos agentes pelo programa agroenergético estatal. As dificuldades
financeiras enfrentadas pelas cooperativas, simultaneamente às dificuldades da
própria PBio na continuidade das ações, gradualmente reduzem a relação do
agricultor com o agrodiesel, reforçando o desinteresse pelo destino da mamona e
restringido preocupações exclusivamente à questão do preço pago por saca
produzida da oleaginosa. As cooperativas atuam como indicadoras de produtores
com mamona a serem adquiridas por empresas privadas, em Morro do Chapéu e
região (incluindo Irecê) basicamente a BioÓleo. Sem recursos para custear a
logística e o transporte da mamona das lavouras dos povoados distantes, as
cooperativas indicam agricultores e intermedeiam a relação de compra e venda
entre agricultores e empresas. Estas, aparentemente possuem a estrutura
necessária (caminhões de pequeno e médio porte além de técnicos) para coleta da
mamona nas unidades produtivas e/ou armazéns locais, pagamento e posterior
transporte da produção à Feira de Santana.
Com as operações envolvendo mamona comprometidas, relata-se o reforço em
outras ações das cooperativas junto a agricultores familiares. Tem-se a compra de
produtos no âmbito do Programa Nacional de Aquisição de Alimentos (PNAE);
auxílio jurídico em processos de renegociação de dívidas dos cooperados;
facilitação do acesso e renovação da DAP e programas como o Garantia Safra,
coordenada pela Superintendência Baiana de Assistência Técnica e Extensão Rural
(Bahiater), instituição vinculada à SDR. São funções que buscam, adicionalmente,
reforçar a identidade de agricultor cooperado. As exigências do agrodiesel (técnicas,
produtivas contratuais) e a formalização das práticas de comercialização da
mamona, segundo agricultores, intensificam a mercantilização das relações,
afastando a percepção mais tradicional da mamona como lavoura capaz de gerar
rendas ao longo de todo o ano. Reitera-se que, para tanto, as mudanças são mais
profundas, como o retorno das variedades de sementes crioulas, de ciclo produtivo
mais longo, em detrimento de variedades de ciclo curto, específicas para a produção
de agrodiesel. A diversificação das atividades das cooperativas buscam contornar
essas dificuldades mais abstratas, desencadeadas a partir da destinação da
mamona para a produção de agrocombustível.
273
5.7. AS UNIDADES DE TESTE E DEMONSTRAÇÃO (UTDs)
Com o objetivo de aumentar a produtividade das oleaginosas plantadas no
semiárido (mamona incluída) e destinadas ao agrodiesel, a PBio, em parceira com a
Embrapa e supervisão do MDA, implantam, a partir de 2014 (safra 2013-14) o
projeto Unidades de Teste e Demonstração, ou simplesmente UTDs. As UTDs são
apresentadas como resposta à baixa incorporação técnica em geral verificada nas
lavouras, somada à incipiente organização técnico-administrativa dos agricultores.
Subsidia esse quadro a constatação dos variados problemas de gestão,
endividamento e desvio de função das cooperativas, como relatados na seção
anterior. Trata-se, simultaneamente, da tentativa de estabelecimento de canal de
comercialização diretamente com a PBio, contornando ou mesmo anulando a
presença dos atravessadores e da indústria ricinoquímica. As motivações da escala
produtiva, regularidade, qualidade e fidelidade das entregas das matérias-primas
norteiam a nova abordagem capitaneada pela PBio. O modelo de Astec indireta para
o fornecimento de assistência técnica aos agricultores, com basilar participação das
cooperativas, cede lugar ao modelo de Astec direta a partir das UTDs.
As UTDs são espaços de transferências de tecnologias, de forma prática e
coletiva, apresentando novas formas de condução das lavouras, desde o preparo
dos solos, da utilização das sementes e demais tratos culturais, até a finalização dos
ciclos produtivos com o beneficiamento primário da produção e sua comercialização.
O projeto, a partir de experiências no sudoeste asiático, conduzidos pela FAO nos
anos 2000, aponta no semiárido nordestino um total de 90 UTDs (Figura 36),
destacando na Bahia as unidades (implantadas) dos povoados de Malhada da Areia
e Olhos D'Água, ambos em Morro do Chapéu (Figura 37 e Foto 21). Em cada UTD
tem-se um agricultor selecionado para ser a Matriz e outros 20 agricultores,
designados UTDs filiais. A premissa é considerar as peculiaridades de solos e climas
em cada localidade e, com os testes na Matriz e a replicação dos melhores
resultados nas filiais, os demais agricultores adotem as técnicas, dinamizando
positivamente a produção (IBRAGEC, 2016).
274
Uma UTD consiste em um campo de experimentação a céu abertoinstalado na propriedade de um agricultor, que “cede” [estabelecendocontratos com a produção pertencendo ao agricultor] as terras para aatividade dos técnicos. Na área, são testadas formas de cultivo damamona que envolvem não só a utilização de diferentes dosagensde fertilizantes, mas também de variedades de sementes e dediversas técnicas de consorciamento da oleaginosa com outrasculturas, sobretudo milho e feijão. A ideia é descobrir, empiricamente,as maneiras mais eficientes de se cultivar a oleaginosa no semiáridoe, ao mesmo tempo, repassar o conhecimento para os produtores(BARROS, 2014).
Os critérios de escolha dos agricultores para serem matrizes ou filiais oscilam
entre o tamanho da unidade produtiva, necessário à condução/replicação dos
diversos experimentos e a capacidade do agricultor e dar continuidade aos testes,
adotando as orientações dos técnicos da Embrapa/PBio. O agricultor matriz, por
exemplo, tem que possuir área suficiente para rotacionar as culturas de mamona
nos diversos testes conduzidos. A localização geográfica dos agricultores incorpora
os critérios de seleção das UTDs Matrizes. Esses são chamados de nucleados, por
estarem em posição relativamente central na comunidade/povoado, em tese
facilitando o deslocamento dos técnicos e demais agricultores, ampliando o alcance
das ações. Geralmente são os agricultores mais produtivos da base cadastrada
junto ao SISDAGRI. Somem-se características mais subjetivas, como a boa
comunicação e relação do agricultor matriz na comunidade/povoado.
A assistência técnica é exercida diretamente por técnicos agrícolas, vinculados
à PBio, em parceria com a Embrapa, BioÓleo e contratos pela Fundação Arthur
Bernades (FUNARBE) ligada à Universidade de Viçosa (MG). As formas de plantio
da mamona testadas incluem as lavouras solteiras, com as variedades Paraguaçu,
Nordestina e a Energia; as lavouras consorciadas, particularmente com o feijão; as
possibilidades de mecanização dos tratos culturais; o beneficiamento mecânico
(batedeira elétrica) ou manual; as aplicações de agroquímicos. Todas as etapas
produtivas são devidamente registradas, sendo exigida do agricultor a pesagem dos
produtos ao final de cada etapa, para efeito de comparação das produtividades,
eficiências dos tratos culturais, etc. As informações pluviométricas em cada UTD são
de fundamental importância ao acompanhamento dos resultados produtivos. Em
eventos “Dias de Campo” os agricultores reúnem-se com os técnicos e a trajetória e
resultados dos testes são apresentados em etapa de convencimento e absorção de
conhecimento.
Figura 36 – Projeto UTDs no semiárido brasileiro
Fonte: extraído de Ibragec (2016).
276
Figura 37 – UTDs em Morro do Chapéu
Fonte: elaboração própria com base em IBGE-Cidades (2016).
Foto 21 – UTD Matriz. Povoado Olhos d’Água. Morro do Chapéu, 2015
Fonte: Elói Falcão (2015)
277
Foto 22 – UTD Matriz. Povoado Malhada da Areia. Morro do Chapéu, 2015
Fonte: Elói Falcão (2015).
Embora no âmbito dos técnicos e responsáveis a avaliação das UTDs
seja positiva, críticas são tecidas ao modelo ou podem ser extraídas diante da
posição dos agricultores familiares locais. Os testes e eventual implantação da
semente BRS-Energia é a principal crítica na abordagem agronômica, enquanto que
os dias de campo são criticados como forma de difusão das técnicas e tecnologias.
Reforce-se o argumento colocado anteriormente que é fonte de resistências do
agricultor em utilizar a variante Energia como semente para lavoura de mamona.
Mais produtiva, a variante apresenta restrições de manejo, tanto técnicas quanto
econômicas:
[…] existem alguns fatores que limitam a popularização da Energiaentre os agricultores familiares. Em primeiro lugar, a semente é maisdependente de fertilizantes para germinar do que as variedadesNordestina e Paraguaçu, cultivadas em áreas de sequeiro [...], semqualquer tipo de insumo. Além disso, a colheita manual da mamonaproduzida pela Energia é praticamente inviável, já que as sementesdos cachos não “estalam” e nem caem no chão, como se diz nosemiárido [o atributo da deiscência]. Assim, para gerar eficiência naprodução da semente Energia, o plantio necessitaria de uso maisintenso de insumos e a colheita precisaria ser mecanizada, o queobviamente extrapola a capacidade de investimento dos agricultoresfamiliares do sertão (BARROS, 2014).
278
Os dias de campo também enfrentam críticas. A programação
generalizada para diversos povoados e concentrada não surte os efeitos desejados.
Segundo represente dos agricultores, entre credenciamentos, acomodações,
palestras e coffeebreaks, pouco tempo é, de fato, destinado à difusão das técnicas.
A centralidade geográfica da UTD Matriz é compensada negativamente pela
dificuldade de deslocamento de agricultores residentes nos povoados mais
distantes. As atividades precisam ser encerradas ainda à luz do sol, permitindo o
retorno desses agricultores aos povoados. São aspectos que reduzem a percepção
do alcance das ações. Sugere-se, observando-se a viabilidade dos custos, dos
eventos em cada comunidade e em mais ocasiões (e não apenas duas vezes ao
ano) no sentido de manter a motivação do agricultor. Preconiza-se a participação
mas ativa do agricultor na função de transmissão do conhecimento, conjuntamente
aos técnicos. As ações motivações poderiam fazer parte do cotidiano do agricultor e
de sua família, expandindo-se para escolas, associações, sindicatos rurais e outros
espaços de reunião comunitários. Trata-se de programa de ações mais amplo e
contínuo, fortalecendo a lavoura de mamona e as famílias dos produtores, mesmo
diante das adversidades consequentes da estiagem prolongada.
A defesa da lavoura de mamona, a tradição e importância do plantio na
região invariavelmente estão atrelados aos desejos de êxito para as UTDs. No
entanto, desconfianças surgem pelo histórico de programas que geram expectativas
junto aos agricultores e cujos resultados estão bastante aquém dessas expectativas.
Após período identificado como positivo, até 2014, a redução das ações da PBio
aparentemente já são incluídas nesse grupo. Contribui a decisão de encerramento
das UTDs Filiais em 2015/16, ficando a difusão do conhecimento a cargo apenas
das UTDs Matrizes. A redução da Astec Direta das UTDs em um quadro de baixa
participação das cooperativas – apenas como intermediárias nas vendas – são
vistos como aspectos contribuintes à perda de credibilidade do agrodiesel de
mamona como fator de inclusão econômica e social dos agricultores familiares em
Morro do Chapéu. A primeira edição do “Dia de Campo”, ainda em 2014, conseguiu
mobilizar agricultores e técnicos, repercutindo positivamente, segundo entrevistas.
As adversidades observadas em 2015 – principalmente a situação da própria PBio –
inicia processo de desmobilização dos agentes locais, afetando especialmente as
UTDs pelos custos de manutenção dos técnicos. Esses fatos ganham maiores
279
repercussões em um cenário de agravamento da seca e, portanto, da necessidade
de acompanhamento anual dos seus efeitos sobre as lavouras de sequeiro.
A credibilidade gerada inicialmente, a partir das pesquisas e da
assistência técnica fornecida (incentivando o plantio) gradualmente é substituída
pela frustração pela constatação de continuidade do quadro anterior ao agrodiesel,
permanecendo os mesmos agentes e canais de comercialização. A crítica
permanece, mesmo reconhecendo-se a melhoria dos tratos culturais, das técnicas
de plantio e manejo das lavouras – apesar do recrudescimento da cigarrinha-verde
(Empoasca kraemeri) e do percevejo-verde (Nezara viridula), principais pragas que
atacam a mamona na região – e a incorporação de novas variedades de sementes,
proporcionada com a implantação das UTDs.
Fotos 23 e 24 – UTD Matriz. Povoado Olhos D’Água. Dia de campo, 2015
Fonte: Elói Falcão (2015)
280
Aponta-se um eventual retorno das cooperativas ao fornecimento de
assistência técnica aos agricultores, com o declínio das UTDs. Aparentemente, as
questões de custos, de proximidade e identidade com o agricultor são elencadas
como passíveis de solução no âmbito das cooperativas. O retorno em produção para
a PBio e/ou BioÓleo depende primordialmente da fidelidade das entregas da
mamona pelo produtor, algo pouco observado diante do quadro analisado. Parece
haver um consenso entre técnicos e agricultores de que, mesmo com avanços do
modelo implantado a partir do agrodiesel em Morro do Chapéu, dos tratos culturais à
comercialização e gestão das unidades produtivas, com as UTDs Matrizes e Filiais e
a Astec direta, não foi possível desconstruir a estrutura de agentes e práticas
consolidadas em décadas de plantio lavouras de mamona na região.
5.8. CONSIDERAÇÕES PARCIAIS
Durante a pesquisa de campo, realizada para o ano safra 2015/2016, foi
possível captar momento bastante complexo da dinâmica produtiva dos sistemas de
produção com mamona em Morro do Chapéu. O prolongamento da estiagem
contribui aos resultados negativos nos seis tipos representativos de sistemas de
produção identificados. Para pequenos produtores – essencialmente em pequenas
áreas, como atesta a dinâmica agrária do município – , com baixa capitalização, a
situação de perdas totais das lavouras é bastante comum; aos agricultores que
conseguem algum resultado produtivo nas lavouras de mamona, a venda imediata,
independente dos compradores, sejam formais ou informais (atravessadores),
objetiva auferir rendas necessárias à condução dos gastos cotidianos. Para
agricultores proprietários de de trator, por exemplo, existem as alternativas de
ganhos com a venda de horas-trator e da estocagem da mamona à espera por
melhoria dos preços. A produção irrigada de olerícolas, tomate e cebola, não é
acessível a todos, pelos custos envolvidos, particularmente de perfuração e
manutenção de poços artesianos. No entanto, revelou-se fonte de renda diante do
declínio de outros subsistemas de cultivo, sobretudo diante da conjuntura favorável
de preços nos mercados local/regional e nacional.
Feijão e milho, consorciados ou não à mamona, exerciam papel preponderante
no fornecimento de alimentos aos agricultores. A associação de culturas, inclusive,
281
pode ser considerado como característica agronômica essencial em toda a região
até o início dos anos 1990. Esse papel gradualmente é reduzido em virtude das
sucessivas perdas das lavouras, sendo os poucos resultados revertidos à
alimentação animal, não passíveis de comercialização. A produção de sequeiro,
obedecendo ao regime das chuvas, é reduzida significativamente, agudizando a
situação econômica dos agricultores, já bastante impactada por endividamentos de
programas de créditos anteriores. Observa-se período no qual agricultores se
desfazem de máquinas e equipamentos para reverter os recursos nas lavouras e
criações. Consequentemente, as rendas oriundas de aposentarias e programas
sociais estatais ganham importância por serem, não raro, as rendas que conseguem
reverter o quadro negativo geral da composição das rendas dos agricultores. Os
gráficos apresentados para cada um dos tipos representativos dos sistemas de
produção confirmam essa observação. De fato, a manutenção dessas fontes de
rendas tem sido apontada como fundamental à sobrevivência de agricultores e suas
famílias. Os subsistemas de criação, tradicionais “poupanças” do agricultor também
são frequentemente acionados, sinal de severidade dos efeitos da seca.
Nesse cenário tem-se a alternativa do agrodiesel de mamona. As ações do
PNPB em Morro do Chapéu apresentam dois momentos distintos. Um primeiro
momento, de entusiasmo nos anos iniciais do Programa, com a liberação de
recursos para sementes, tratos culturais e assistência técnica gera expectativas
positivas junto aos agricultores, que destacam o período de 2009/10 até os anos de
2013/14 como positivo, ainda que sob os efeitos da seca. A continuidade da
produção está vinculada à regularidade das chuvas, melhoria dos preços e,
principalmente, ao fornecimento dos tratos culturais, parte das ações de fidelização
do agricultor e sua produção de mamona destinada ao agrodiesel. Relata-se a
participação das cooperativas, no modelo de Astec indireta, capitaneado pela PBio,
em parceria com a Embrapa, MDA e a empresa BioÓleo, principal compradora da
mamona na região. As ações mais importantes conseguem alterar o itinerário
técnico local, a partir da introdução de cultivares de mamona de maior produtividade
em relação às variantes crioulas.
O caso da BRS-Energia é emblemático. Entretanto, são relatadas resistências,
especialmente pela característica agronômica da Energia, que implica maiores
custos de beneficiamento mesmo com o ciclo produtivo mais curto. Resistências
também são observadas pois as técnicas implantadas exigem, por vezes, o
282
abandono de práticas reproduzidas por famílias de produtores em décadas de
plantio da mamona. Obediência aos espaçamentos entre plantas e leiras, o correto
plantio e a etapa do desbaste da mamona, importante ao desenvolvimento da
planta, são citados como exemplo do trabalho de convencimento de agricultores a
adotarem novas técnicas. Some-se à necessidade de correção dos efeitos da
compactação dos solos, visando ao aumento da produtividade. Nesse caso, o uso
de subsoladores é apontado como solução que, devido aos custos do maquinário,
não estará disponível sem o provimento de recursos por instituições relacionadas ao
agrodiesel (públicas e/ou privadas).
A formalização das relações, exigidas pela nova atividade, demanda a
fidelidade do produtor nas entregas da produção. A liberação de recursos segue
trâmites que envolvem contratos, agências bancárias oficiais e prazos nem sempre
condizentes à necessidade imediata do agricultor por recursos. Essa situação
permite a continuidade das ações dos atravessadores, que provém recursos de
forma ágil e rápida aos produtores, além de se estabelecerem como canais de
comercialização igualmente rápidos, com acordos firmados no âmbito das relações
interpessoais, sem formalizações, papelórios, etc. A chegada do agrodiesel não
conseguiu desconstruir essa estrutura bastante consolidada do circuito produtivo da
mamona em Morro do Chapéu.
A atuação das cooperativas no período envolve, além da intermediação das
compras e vendas da mamona entre agricultores e empresas processadoras, o
fornecimento da assistência técnica às lavouras. Ao histórico de dificuldades
gerenciais e contábeis enfrentadas, dos casos da utilização das cooperativas como
plataforma para projetos político-partidários pessoais de parte dos coordenadores e
dirigentes, some-se o impacto dos compromissos de entrega da mamona à PBio
diante da liberação de recursos insuficientes com as oscilações para cima dos
preços da saca da oleaginosa. O relato de crescentes dívidas das cooperativas
revela que a estratégia de pagamento oficial antecipado pelas sacas frequentemente
dissocia-se do que ocorre em campo.
Ademais, a produção reduzida e pulverizada de parte dos agricultores (latas de
5 a 10 litros em lugar de sacas de 60kg) para fazer jus aos volumes requisitados ao
processamento requer estrutura logística de pagamento, recolhimento da produção,
transporte e armazenamento além das possibilidades financeiras das cooperativas.
Sobressaem-se empresas privadas e atravessadores – que continuam contactados
283
pelas cooperativas, que informam a disponibilidade da mamona – responsáveis por
toda a logística envolvida. As restrições das cooperativas no trato com a mamona
geram desconfianças e mesmo a perda da identidade de cooperado. Compra de
outros alimentos para o PNAE, fornecimento de documentos (a exemplo da DAP) e
auxílios jurídicos, são ações alternativas das cooperativas na manutenção de sua
função primordial de suporte aos agricultores.
A partir de 2014 altera-se o cenário para o agrodiesel de mamona em Morro do
Chapéu. A PBio modifica a forma de fornecimento da assistência técnica
implantando o projeto das UTDs. A Astec indireta das cooperativas e substituída pela
Astec direta das UTDs, com a atuação de técnicos vinculados à PBio, Embrapa e
BioÓleo. Nas UTDs matrizes são executados diversos testes visando ao aumento
dos rendimentos físicos da lavoura de mamona, detectado como principal questão a
ser enfrentada na dinâmica produtiva local. A partir das UTDs filiais tem-se a difusão
do conhecimento dos melhores resultados, considerando a seleção entre os
agricultores mais produtivos (critério técnico), centralizados geograficamente nos
povoados, com bom trânsito e comunicabilidade entre os demais agricultores.
Avaliadas positivamente, as UTDs enfrentam as críticas especialmente na questão
das sementes, com resistências à BRS-Energia e à pouca efetividade do dia de
campo, evento maior para a difusão das informações na concepção do projeto.
Essas críticas ganhariam maiores contornos com a redução das ações de
distribuição de sementes e assistência técnica, em 2015/16.
Atrelada ao agravamento da situação da Petrobras e seu iminente
encerramento das atividades no ramo dos agrocombustíveis, a redução das ações
na região contribui à perda de credibilidade do agrodiesel e da sua real consolidação
como alternativa de rendas aos agricultores. A incerteza da continuidade do
fornecimento dos tratos culturais e da compra da mamona mantém a atuação dos
atravessadores e, simultaneamente, das empresas privadas de processamento.
Para o agricultor o sentimento de despreocupação com relação ao destino da
mamona é reforçado, desfazendo quaisquer compromissos de entrega da produção.
A característica da lavoura de mamona, como fornecedores de recursos imediatos
para gastos correntes permanece delatando a resistência do agricultor e sua família
no plantio da oleaginosa, exatamente como seus antepassados, apesar dos ganhos
– particularmente em rendimentos físicos da lavoura – catalisados pelos técnicos da
PBio, Embrapa, empresas, cooperativas e correlacionados.
284
6. CONSIDERAÇÕES FINAIS
As bioenergias e seus subconjuntos, as agroenergias, resultam da busca do
homem por alternativas aos usos quase infindáveis do petróleo e subprodutos como
matérias-primas e insumos energéticos contemporâneos. De fato, o óleo mineral não
renovável é base para uma série de produtos em praticamente todos os segmentos
das sociedades modernas, inclusive a alimentação. O contínuo desenvolvimento de
técnicas e tecnologias permite essa amplitude do alcance dos produtos de base
petróleo, com repercussões e/ou contestações nos planos social (discussão da
relação das sociedades com a energia); econômico (transformações estruturais das
forças controladoras dos processos produtivos e mercados energéticos); e
ambientais (recorrentes casos de poluição e degradação dos recursos naturais,
direta ou indiretamente ligados ao óleo mineral). As agroenergias ganham espaço e
atenções dos segmentos econômicos, políticos e de pesquisa ao serem
apresentadas como parte da solução a esses desafios da produção e consumo de
energia ao longo do final do século XX e início do século XXI.
O estudo dos agrocombustíveis, subconjunto das agroenergias, tem relação
imediata com a dinâmica das agriculturas; o prefixo agro sugere não apenas à
observação dos aspectos técnicos da conversão de matérias-primas agrícolas em
combustíveis – químicos, físico-químicos, termoquímicos, produção, novas fontes
primárias e aproveitamento de subprodutos e resíduos, comuns às bioenergias e
biocombustíveis em geral –, mas às relações dos agricultores com o produto, seu
papel e formas de inserção na cadeia produtiva nas diversas escalas de análise e
perpassando diversas áreas do conhecimento. Apresentam-se argumentos
defensáveis aos agrocombustíveis, invariavelmente versando sobre benefícios
ambientais, redução da emissão de poluentes e contribuição à redução do efeito
estufa. No entanto, as críticas mais incisivas estão na produção das matérias-primas
– e não necessariamente nos usos dos agrocombustíveis.
São argumentos que vaticinam o aumento da exploração das terras para a
produção de agroenergéticos, reduzindo a produção de alimentos – debate sobre as
conexões entre segurança e soberania alimentar e energética; aumento dos usos de
agroquímicos nas lavouras; exploração intensiva de recursos hídricos e perdas de
biodiversidade. Os propalados ganhos no uso dos agrocombustíveis seriam
negativamente compensados quando se observa as repercussões sobre as
285
lavouras. Some-se ao domínio das cadeias produtivas pelos mesmos agentes
dominantes em segmentos energéticos não renováveis. Reforçando essas
observações, neste trabalho defende-se o uso dos termos agrodiesel, para
biocombustíveis derivados de oleaginosas, incluindo a mamona; e agroetanol, para
biocombustíveis produzidos a partir da cana-de-açúcar, milho, beterraba, batata-
doce, mandioca, etc. Gramíneas, raízes e/ou tubérculos cujos açúcares são
transformados em combustíveis. São diversas agendas de pesquisas suscitadas
pela temática que aparentemente conduzem a uma nova ordem energética, mas
conservando-se ou mesmo ampliando o papel de antigos agentes.
Na perspectiva mais ampla de análise dos agrocombustíveis, constata-se o
domínio da produção no Brasil por grandes complexos agroindustriais, formados por
grupos econômicos de capitais privados nacionais e internacionais, organizados
logisticamente e de alcance a mercados, não raro, globais. A capacidade de
atendimento às demandas com a ampliação dos agrocombustíveis na matriz
energética brasileira alçou a soja e a cana-de-açúcar como principais matérias-
primas ao agrodiesel e agroetanol no país, respectivamente. Para os segmentos
sojicultor e sucroalcooleiro, os agrocombustíveis potencializam a pesquisa e
desenvolvimento de técnicas de plantio, processamento e extração do óleo; a
concentração de capitais na indústria e fundiária no campo; intensificação do uso
dos recursos naturais com a expansão das lavouras, observando a oscilações dos
preços do grão, farelo e óleo comestível, no caso da soja; e açúcar, para a cana.
Em 2004, no âmbito do PNPB, programa energético estatal federal que reúne
conjunto bastante diverso de agentes e instituições em torno dos biocombustíveis –
não raro assimétricos e/ou conflitantes sobre as medidas, papéis, inserções, apoios,
financiamentos, mesmo entre instituições representativas de agricultores –, tem-se
um programa de ações que atinge os diversos segmentos da cadeia produtiva: das
lavouras, produção industrial, distribuição, à comercialização dos produtos.
Subsídios positivos aos debates, a conhecida capacidade da agricultura brasileira na
produção das matérias-primas; da pesquisa, destacando-se instituições como
Embrapa, Ceplac na Bahia com o Dendiesel, universidades e outros centros
públicos e privados atuantes desde as primeiras décadas do século XX, quando são
registrados os primeiros testes com bio e agrocombustíveis no Brasil; e do segmento
industrial no processamento. Entretanto, diferentemente da experiência do ProÁlcool
nos anos 1970/80, o PNPB destaca-se pelas iniciativas de inclusão econômica dos
286
agricultores, especialmente os familiares. A conjuntura favorável ao debate –
elevação dos preços do petróleo, nova orientação político-partidária em tese voltada
aos interesses dos agricultores familiares – contribuem ao estabelecimento das
medidas, incluindo o cronograma de adição obrigatório de biocombustíveis
(biodiesel) aos combustíveis minerais (diesel) gerando demanda, mercados e
consolidando os combustíveis alternativos no Brasil.
Some-se a manutenção do sistema de leilões de biodiesel dispersos
geograficamente pelo país e do conjunto de benefícios e desonerações fiscais
incentivadoras aos segmentos processadores. O SCS, suas prerrogativas e
execução definitivamente diferenciam o PNPB pelos objetivos sociais incorporados
simultaneamente aos aspectos produtivos e econômicos. Os parâmetros e requisitos
diferenciados exigidos para a compra de matérias-primas da agricultura familiar
direcionam os maiores esforços na inclusão socioeconômica de agricultores
familiares do Norte, Nordeste, particularmente do Semiárido (incluindo norte de
Minas Gerais). Complementam as ações, o fornecimento de assistência técnica,
garantias de preços e apoio às cooperativas. Essas medidas, conduzidas pela
Petrobras e sua subsidiária criada especificamente para esse mercado, a PBio, além
da própria Embrapa, MDA e ANP pareciam conduzir a melhores resultados,
sobretudo aos agricultores.
Após uma década de implantação do programa agroenergético federal,
constatou-se que os objetivos iniciais de inclusão socioeconômica de agricultores
familiares não foram plenamente alcançados. Algum resultado positivo pode ser
observado aos agricultores familiares ligados à soja no centro-sul do país.
Consolidam-se os domínios da soja e da cana-de-açúcar, de acordo com os
resultados oficiais dos leilões da ANP. O cronograma de adições de biocombustíveis
e as alterações da legislação do SCS a partir de reforçam essas observações. No
semiárido nordestino, as expectativas de consolidação de alternativa
sócioeconômico-produtiva aos agricultores foram frustradas. Na Bahia, isso pode ser
observado pela gradual redução das compras de matérias-primas originárias da
agricultura familiar e do número de famílias nos arranjos do SCS. A situação se torna
mais complexa pois a mamona é selecionada carro-chefe do PNPB no Nordeste.
Diante das inúmeras alternativas de matérias-primas aos agrocombustíveis,
com especificidades e limitações técnicas, agronômicas e/ou econômicas –
destacando-se caroço de algodão, babaçu, pinhão-manso, mandiocaba, crambe,
287
etc., – a mamona tem importância por estar fortemente ligada à agricultura do
semiárido nordestino e, em particular à agricultura familiar local. Aspectos favoráveis
à lavoura, têm-se as características agronômicas, a conhecida resistência a
estiagens prolongadas, os diversos usos do óleo de mamona – especialmente pela
indústria ricinoquímica; aspecto limitante ao uso do óleo puro como combustível, a
viscosidade reduz o alcance da oleaginosa como alternativa energética, apesar do
aproveitamento da glicerina na indústria de cosméticos e da torta de mamona que,
destoxificada, pode ser utilizada como complemento da alimentação de animais.
Projetos que serviriam de vitrine para demonstrar o funcionamento e a
capacidade de inclusão socioeconômica do PNPB não alcançaram esses objetivos –
a exemplo da Fazenda Santa Clara, no Piauí –, revelando a prematuridade e
celeridade das ações do Programa sem o conhecimento profundo das realidades
agrícolas, agrárias, do agricultor, da sua família na escala local e as
interdependências com as demais escalas; da sazonalidade das chuvas e as
repercussões sobre a produção; do grau de participação do estado na viabilização
do Programa, pelo financiamento contínuo dos tratos culturais das lavouras e pelo
estabelecimento de canais de comercialização da produção junto aos agricultores
e/ou cooperativas. A experiência da Petrobras, ancorada na produtividade,
regularidade e formalidade do petróleo e gás, e mesmo após a operação da PBio,
choca-se com a realidade por vezes informal, de baixa produtividade, baixo
conteúdo técnico e irregularidade da produção agrícola no semiárido. Para sanar
essas dificuldades, as ações de assistência técnica (e sua continuidade) são
demandados como fundamentais por agricultores e demais agentes diretamente
relacionados às lavouras.
Especificamente para a Bahia, programas e ações de fomento à cadeia do
biodiesel (RBB, Probiodiesel Bahia, Agroenergia Familiar e Bahiabio), em
complementariedade ao PNPB, reforçam os objetivos gerais do programa federal.
Entretanto, pouco alteraram a realidade da produção da mamona no semiárido e de
atuação dos agentes relacionados (agricultores, indústria processadora,
atravessadores, cooperativas). As oscilações produtivas das lavouras de mamona,
fortemente impactadas por períodos prolongados de seca, repercute na queda das
aquisições da matéria-prima, limitando os objetivos de inclusão econômica da
agricultura familiar no âmbito do PNPB. Tem-se, portanto, que as realidades
agronômicas, econômicas e geográficas dos agricultores produtores de mamona no
288
semiárido transformam o entusiasmo inicial com o agrodiesel em frustração. Apesar
de melhorias nos tratos culturais das lavouras, mantêm-se as relações comerciais
entre agentes; a continuidade da entrega da mamona – mesmo com a celebração de
contratos formais entre PBio, cooperativas e/ou agricultores – aos atravessadores,
com pouca preocupação com a destinação final da produção é revelador das
limitações dos objetivos do PNPB.
Essas limitações são observadas em Morro do Chapéu, Chapada Diamantina,
no semiárido baiano. Subsidiada pelas características históricas, econômicas,
geográficas e pela dinâmica agrária do município – conjunto de informações reunido
sob o entendimento de sistema agrário – , durante a pesquisa de campo permitiu
identificar seis tipos de sistemas de produção, onde se tem a mamona como
subsistema de cultivo. Nos sistemas de produção identificados é possível analisar as
repercussões do agrodiesel (e das ações do PNPB) enquanto alternativa produtiva
aos agricultores familiares. É preciso reforçar que no período da pesquisa de campo,
na safra inciada em outubro de 2015 e prolongando-se até a colheita, a partir de
março de 2016 o município e região em geral padecem de aguda seca, com
importantes impactos sobre as lavouras e criações e, principalmente, na relação do
agricultor com comercialização da mamona. Agricultores com perdas totais nas
lavouras de milho, feijão e, inclusive de mamona – a despeito da resistência da
planta –, são comuns; em outra situação, tem-se agricultores que conseguiram
resultados produtivos da mamona, comercializando de forma mais imediata,
independente dos contratos de entrega com as empresas no circuito oficial do
agrodiesel. Nesse caso, a necessidade de rendas orientam vendas da mamona ao
conhecido canal de comercialização dos atravessadores.
Esse personagem, de atuação reduzida nos primeiros anos do PNPB,
consegue sobreviver devido as consequências da seca e redução dos suportes
financeiros aos agricultores para os tratos culturais das lavouras e assistência
técnica pela PBio, após período apontado como positivo nesse aspecto entre 2009 e
2014 – sobretudo após os desdobramentos das investigações sobre denúncias de
desvios de recursos públicos na Petrobras, afetando a subsidiária de
biocombustíveis. Essa lacuna continua ocupada pelos atravessadores que, pela
proximidade aos agricultores, ausência de formalidades e agilidade na liberação de
recursos e compra da produção – comparando-se aos trâmites burocráticos oficiais
– exerce forte concorrência às ações dos agentes do PNPB. As cooperativas, no
289
modelo de assistência técnica (Astec) indireta poderiam servir de contraponto aos
atravessadores. Entretanto, dificuldades gerenciais, contábeis e logísticas limitam
sua atuação, transformando-as em intermediárias na comercialização da mamona
entre agricultores (não descartando os atravessadores) e as empresas
processadoras.
Situação menos comum, agricultores que conseguem estocar mamona por
algumas safras e aproveitar melhor conjuntura de preços também é observada.
Geralmente, são agricultores com maior grau de capitalização, proprietários de
tratores com os quais obtém rendas com a comercialização de serviços de limpeza
das áreas, aragem e gradagem. Aparentemente para esses agricultores as formas
de comercialização da mamona (PBio, empresas privadas, cooperativas e/ou
atravessadores) e o destino da produção (agrodiesel ou ricinoquímica) tem pouca
relevância desde que os preços da saca da oleaginosa superem os custos e
proporcionem lucros. Em caso contrário, a composição das rendas agrícolas e não-
agrícolas permite a espera por melhores preços da mamona. Ressalte-se a
importância das transferências e programas estatais no cômputo das rendas dos
agricultores familiares locais. A análise econômica revelou que essas rendas,
frequentemente, compensam os resultados negativos dos subsistemas de produção.
Analisando-se agronomicamente os tipos representativos, identificam-se três
grandes alterações nos subsistemas de cultivo em Morro do Chapéu: a) redução dos
cultivos consorciados; b) introdução de novos cultivares de mamona; c) expansão
das olerícolas irrigadas. A redução dos cultivos consorciados é atribuída à
agudização da seca, particularmente a partir da segunda metade dos anos 1990. A
associação entre as lavouras de feijão, milho e mamona é substituída por lavouras
solteiras, em virtude das perdas de feijão e milho (menos resistentes) e da
consequente necessidade de limpeza das leiras. Em parcelas separadas, as áreas
de feijão e milho são deixadas sem cuidados até o reinicio dos tratos para a safra
seguinte. A pouca produção de grãos é destinada à alimentação animal. Nesse
quadro, a mamona, outrora lavoura complementar, reverte-se em principal provedora
de rendas, assim como os subsistemas de criação (caprinos, ovinos e bovinos). A
redução das associações de lavouras pode apontar a um novo segmento do
itinerário técnico em Morro do Chapéu. Sugere-se a observação dessa mudança em
eventual retorno da regularidade pluviométrica na região.
290
A introdução do cultivar de mamona BRS-Energia é apontada como medida
para incrementar a produção e produtividade da oleaginosa na região. Mais
produtiva e de ciclo produtivo mais curto, o cultivar seria a solução para as questões
de regularidade e volume de produção, necessários ao atendimento das entregas
para o agrodiesel. No entanto, resistências à adoção do cultivar são detectadas,
pelos maiores custos dos tratos culturais – implicando, por vezes, a substituição de
técnicas conhecidas por novas técnicas de cultivo – e do beneficiamento da
produção. Note-se que nos tipos de sistemas de produção identificados, todos
continham os cultivares Paraguaçu e Nordestina. A Energia é defendida pelos
técnicos contratados junto à PBio, Embrapa e empresas processadoras atuantes em
Morro do Chapéu. Existe, de forma restrita, a defesa de cultivares crioulas,
tradicionais e adaptadas à região, porém de ciclo mais longo.
A conjuntura de preços da cebola e do tomate no período 2014/16 incentivou a
expansão das lavouras dessas olerícolas. A necessidade de irrigação, exigindo a
perfuração e/ou a manutenção de poços, restringe as lavouras a poucos agricultores
e a áreas com disponibilidade de águas subterrâneas passíveis de exploração. Os
efeitos mais visíveis estão na redução dos cultivos de sequeiro em outros
subsistemas; perfuração de poços tubulares clandestinamente, sem o controle dos
órgão oficiais relacionados; aumento da pressão sobre agricultores familiares para
cederem as terras ou trabalho para grandes agricultores produtores das olerícolas.
Sob o viés econômico, as olerícolas representam, apesar dos custos elevados,
rendas maiores por unidade de área aos agricultores que as cultivam, reduzindo a
participação da mamona nessa análise.
Essas observações são corroboradas quando se analisam os tipos de sistemas
de produção identificados nos povoados pesquisados. Para o Tipo I, por exemplo, os
resultados econômicos dos subsistemas de produção Milho e Feijão sugerem que o
agricultor comercialize a mamona e outros produtos de forma mais imediata, de
forma a auferir rendas destinadas à sobrevivência da família. Dessa forma, reduz-se
consideravelmente a preocupação com a destinação da mamona, agrodiesel ou
indústria ricinoquímica. Igualmente, poucas são as preocupações com o comprador
da mamona: se agente a serviço de empresas processadoras da oleaginosas –
direta ou indiretamente ligado à PBio –, cooperativas ou atravessadores. Os relatos
de agricultores, técnicos e demais informantes-chave em Morro do Chapéu
sinalizam ao predomínio de atravessadores nessa etapa da cadeia produtiva local
291
da mamona. É importante reforçar o papel das transferências de rendas,
representadas por aposentadorias e/ou programas assistenciais estatais. Não raro,
são rendas que amenizam adversidades dos agricultores nas lavouras e criações.
Para o grupo representado pelo sistema de produção do Tipo II, os resultados
dos subsistemas de produção de alimentos (Milho e Feijão) são semelhantes
àqueles observados no Tipo I. Entretanto, também o subsistema Mamona apresenta
resultados negativos. Aqui, a estratégia do agricultor está na comercialização de
animais, caprinos e ovinos. É de amplo conhecimento que a criação de animais
funciona como poupança aos agricultores, a ser utilizada em momento de mair
dificuldade econômica. As perdas com a mamona alijam o agricultor de qualquer
relacionamento com o agrodiesel. Descartam-se completamente as exigências de
cumprimento de contratos, quantidades e regularidade da entrega de mamona
nesse situação. A preocupação primordial é a sobrevivência e as rendas de
aposentadorias reforçam sua importância. Essas observações são semelhantes para
o sistema de produção Tipo IV, apernas diferenciando-se pela presença do gado
bovino como subsistema de criação.
O sistema de produção Tipo III apresenta como diferencial a lavoura de cebola,
cuja conjuntura de preços favorável incentivou o plantio na região. Evidentemente, o
cultivo da olerícola não é generalizado, ocorrendo nos povoados com disponibilidade
de recursos hídricos subterrâneos e cujos agricultores possuem recursos para a
perfuração e manutenção dos poços tubulares. Para esse grupo de agricultores,
constata-se a propriedade de máquinas e equipamentos destinados às lavouras
irrigadas, além de trator que permite a diversificação das rendas com a venda de
horas-trator a outros agricultores. Em melhor situação econômica comparativamente
aos agricultores representativos dos demais sistemas de produção, o agricultor do
Tipo III consegue armazenar sacas de mamona para posterior comercialização, à
espera de preços melhores. A relação com o agrodiesel é mais próxima aos canais
oficiais, pela capacidade de armazenamento e diversificação das rendas (com a
cebola e horas-trator).
O sistema de produção do Tipo V tem sua importância pelo fato de ser o único,
dentre os identificados para esta Tese, que apresenta a associação das lavouras de
maona e feijão como subsistema de cultivo. Entretanto, semelhantemente ao
observado no Tipo III, as rendas do agricultor concentram-se particularmente na
venda de horas-trator e em aposentadorias. Aparentemente, a associação de
292
lavouras está em declínio em Morro do Chapéu. A complementação deste estudo
com a análise em futuros anos-safra poderá confirmar (ou não) essa afirmação. Os
sistema de produção Tipo VI caracteriza-se pelos subsistemas de cultivo cebola e
tomate. As olerícolas irrigadas apresentam rendimentos significativos aos
agricultores devido aos preços favoráveis e conjuntura adversas em áreas
tradicionais de produção. As exigências peculiares às lavouras restringem os cultivos
e deflagram a ocupação terras por grandes produtores, em busca pelas
oportunidades de ganho geradas. Aqui, a mamona desempenha papel secundário –
e, por conseguinte, o agrodiesel –, com o agricultor concentrando os esforços nas
lavouras irrigadas.
A atuação das cooperativas poderia reverter essas percepções em relação à
mamona e ao agrodiesel, especialmente para os agricultores desprovidos de
máquinas, equipamentos e tratores em suas pequenas produções. De fato, as
primeiras ações da PBio no âmbito do PNPB no semiárido baiano preconizam as
cooperativas como instituições que fazem a intermediação das operações de
compras e venda de mamona, além do provimento de assistência técnica aos
agricultores familiares. Entretanto, dificuldades gerenciais, endividamentos e mesmo
desvios de objetivos das cooperativas, aliadas à rigidez dos contratos e formalismos
nos processos de liberação de recursos, diminuem o alcance dessas instituições.
Em 2014, o modelo de Astec direta das UTDs busca a difusão mais rápida dos
conhecimentos técnicos das lavouras de mamona, na tentativa de dinamizar a
produção local. Nas chamadas UTDs matrizes – selecionadas entre agricultores
mais produtivos, bem localizados nos povoados e de fácil interação com os demais
agricultores – são desenvolvidos diversos experimentos com cultivares,
agroquímicos, lavouras consorciadas, solteiras, técnicas de cultivo e beneficiamento.
Os melhores resultados são replicados nas UTDs filiais e, a partir dessas,
repassados aos demais agricultores nos dias de campo. Apesar de contribuírem
positivamente com alterações nas técnicas e tecnologias de cultivo da mamona e
outros subsistemas (feijão e milho), percebe-se relativo consenso entre técnicos
agrícolas e representantes de agricultores que as UTDs não alteraram as relações
existentes entre os agentes na cadeia produtiva da mamona em Morro do Chapéu,
mesmo com resultados iniciais aparentemente promissores. Esse quandro tende a
agravar-se com as notícias da retirada da Petrobras do segmento de
agrocombustíveis, ampliando desconfianças e incertezas junto aos agricultores.
293
Conclui-se o agrodiesel de mamona, seus condicionantes nas distintas escalas
de análise, agentes e consequências, não alteram as dinâmicas estabelecidas nos
sistemas de produção de mamona em Morro do Chapéu. A atuação da PBio,
empresas privadas, cooperativas e, posteriormente, das UTDs, combinadas à
conjuntura da própria Petrobras conseguem modificar aspectos técnicos, mas não
eliminam, por exemplo, a ação do atravessador. Sua atuação vai ao encontro da
requisitada fidelidade do agricultor ao programa agroenergético federal no momento
de entrega da produção da oleaginosa. A prolongada seca, a necessidade de rendas
e o baixo interesse em relação ao destino da mamona potencializam esse
comportamento.
As informações decorrentes da pesquisa de campo para este trabalho
subsidiam a principal crítica ao PNPB no semiárido nordestino: o aparente
desconhecimento dos formuladores e executores do Programa das realidades
peculiares da agricultura familiar local. Note-se que dentre os grupos formadores do
Grupo de Trabalho Interministerial que deram origem ao Programa, agricultores
familiares encontram-se representados. Instrumentos como o SCS e suas
exigências em relação à agricultura familiar – particularmente para o Norte e
Nordeste do país –, apontam explicitamente ao entendimento da importância desses
produtores. Aqui tem-se aspecto positivo do Programa.
Entretanto, as articulações entre agricultores e demais agentes produtivos
locais e a constante alteração das prioridades dos agricultores em relação ao
destino das sua produções, diante das necessidade prementes – especialmente em
momento de estiagem prolongada – foram pouco consideradas, a despeito do
volume expressivo de análises ao longo de décadas de pesquisas em instituições
como Embrapa, Universidades nordestinas, centros de estudos voltados ao
semiárido, etc. Antecedentes e consequências da decisão do agricultor entre
comercializar a mamona no circuito oficial da PBio e empresas associadas ou para o
atravessador – mantendo estruturas e agentes muitas vezes consolidados
localmente – devem estar na base das discussões, subsidiando mecanismos que
mantenham as ações quando a conhecida conjuntura da seca dificultar o alcance
dos objetivos iniciais, sejam econômicos ou sociais.
São observações que reforçam críticas ao estabelecimento de programas
estatais, aos moldes do PNPB, sem a devida e profunda observação às
especificidades do semiárido. Os resultados desta pesquisa apontam ao
294
esmaecimento do agrodiesel de mamona como alternativa aos agricultores
familiares do semiárido baiano, especialmente em Morro do Chapéu. O agrodiesel
de mamona converte-se, assim, em ideia efêmera, de pouca repercussão para o
agricultor. Retome-se as afirmações do Professor Marc Dufumier, concluindo que
“[…] não pode haver intervenções eficazes para a transformação da agricultura sem
um conhecimento científico prévio das realidades agrárias nas quais pretende-se
intervir.” Esse conhecimento é possível abordando-se o sistema de produção e o
sistema agrário para além dos aspectos puramente agronômicos das lavouras e
criações. As relações sociais dos agricultores, suas articulações e
interdependências com os demais agentes das cadeias produtivas devem ser
fortemente considerados. São propostas que reforçam o entendimento
transdisciplinar da questão dos agrocombustíveis e seus impactos no semiárido da
Bahia.
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