Post on 27-Oct-2020
transcript
UNIVERSIDADE FEDERAL DO PARANÁ PRÓ-REITORIA DE PESQUISA E PÓS-GRADUAÇÃO PROGRAMA DE INICIAÇÃO CIENTÍFICA – 2013/2014
RELATÓRIO FINAL DE PESQUISA
JULIANA APARECIDA HIRAYAMA
INICIAÇÃO CIENTÍFICA – PESQUISA VOLUNTÁRIA – UFPR 2013-2014
PLANO DE TRABALHO:
Bioarquitetura: Princípios para a arquitetura saudável
Relatório final apresentado ao Grupo de Pesquisa em TEORIA E HISTÓRIA DO AMBIENTE
CONSTRUÍDO – THAC da UNIVERSIDADE FEDERAL
DO PARANÁ – UFPR por ocasião do desenvolvimento das atividades voluntárias de Iniciação Científica – Edital 2013-2014.
NOME DO ORIENTADOR:
Prof. Dr. Antonio Manoel Nunes Castelnou, neto
Departamento de Arquitetura e Urbanismo
TÍTULO DO PROJETO:
Casa Saudável: Elementos de Qualidade Ambiental em
Interiores e Design
BANPESQ/THALES: 2009023513
CURITIBA PR
2014
1
1 TÍTULO
Bioarquitetura: Princípios para a arquitetura saudável
2 RESUMO
Entre as discussões sobre arquitetura contemporânea, um dos temas que vem se
ampliando diz respeito à relação dos espaços com a nossa saúde e com o meio ambiente, assim
como os ideais de uma sociedade mais sustentável e saudável, preservando a vida do planeta em
seus diversos ecossistemas. Nesse contexto, surge a chamada Bioarquitetura, a qual busca
integrar conceitos biopsicológicos à arquitetura, por meio de investigações voltadas à maneira
como as edificações influem na saúde de seus usuários, seja por agentes físicos, químicos,
naturais ou psicológicos. Esta pesquisa em iniciação científica, de caráter exploratório e cunho
teórico-conceitual, pretende introduzir o tema a partir de uma revisão web e bibliográfica, que
defina, contextualize e caracterize essa atual prática arquitetônica, além de fazer o estudo de um
caso que exemplifique essa postura, descrevendo-o e permitindo traçar alguns princípios de
atuação na direção da arquitetura saudável.
3 OBJETIVOS
De modo geral, esta pesquisa tem como objetivo, com o auxílio de uma revisão teórica,
conceituar Bioarquitetura, apontando as suas principais características, proposições e elementos,
de modo a destacar quais são os seus pressupostos visando ambientes arquitetônicos mais
sustentáveis e saudáveis. De modo específico, busca-se montar um quadro geral de diretrizes
para o projeto bioarquitetônico e analisar 01 (um) caso em particular, em termos funcionais,
técnicos e estéticos.
4 INTRODUÇÃO
Desde o tratado vitruviano e suas reinterpretações no decorrer da história, passando pela
tradição clássica até a Era Contemporânea, Firmitas, Utilitas e Venustas (resistência,
funcionalidade e beleza) representam os três pilares teóricos sobre os quais se cimentou a
arquitetura até hoje. Em termos gerais, ela é considerada a arte ou a ciência de projetar e
construir edifícios perduráveis, segundo determinadas regras e objetivos precisos, isto é, tem
como principal meta a criação de obras adequadas ao seu propósito, funcionais para a vida e
capazes de inspirar um prazer estético, sejam moradias, fábricas, escolas, hotéis, templos ou
aeroportos. Para sua concretização, deve-se levar em conta a escolha adequada dos materiais,
sua adaptação ao sítio natural e sua utilização na obra, além da disposição estrutural das cargas e
o papel fundamental dos usos para os quais está destinado o edifício, já que a quê se presta uma
edificação compõe seu programa de necessidades que, por sua vez, leva a condicionantes
espaciais e tecnológicas, as quais, conforme os pressupostos do Movimento Moderno (1915/45),
constituem os fatores fundamentais para a efetiva criação do espaço arquitetônico.
2
A partir da segunda metade do século passado e, mais precisamente, com o Despertar
Ecológico que se processou principalmente entre as décadas de 1960 e 1970 – provocado por
inúmeras publicações, grandes eventos e crises internacionais, com destaque a energética –,
passou-se a questionar o modelo difundido pela arquitetura moderna, baseado na padronização e
na industrialização, mas, além disso, fundamentado em uma ideia de domínio sobre a natureza,
até então concebida como recurso inesgotável. Os impactos ambientais da produção arquitetônica
passaram a ser observados e estudados, quantitativa e qualitativamente, o que fez nascer o
conceito de sustentabilidade, o qual, a partir dos anos 1980, começaria a permear todas as
propostas de intervenção sobre o espaço natural, das quais o design, a arquitetura e o urbanismo
fazem parte.
O conceito de sustentabilidade – e a concepção de desenvolvimento sustentável, dele
decorrente – foi aos poucos ampliado, estendendo-se de uma definição estritamente econômica,
quando formulado pelo Relatório Brundtland (1987), até atingir outras dimensões da sociedade,
destacando-se a política e a socioambiental, já caracterizadas por ocasião da Eco’92, assim como
nas conferências internacionais que se seguiram. Quanto precisamente à arquitetura, em 21 de
junho de 1993, em um congresso em Chicago, a UNIÃO INTERNACIONAL DOS ARQUITETOS – UIA, em
conjunto com o AMERICAN INSTITUTE OF ARCHITECTURE – AIA, estabeleceu a Declaração de
Interdependência para um Futuro Sustentável, que colocaria a sustentabilidade socioambiental
como o centro de responsabilidade profissional, convocando todos para a prática da chamada
Green Architecture (WINES, 2000).
Visando produzir edificações que se adéquam, ao mesmo tempo, às condições ecológicas e sociais de um determinado lugar, a Green Architecture usa tecnologias “verdes” e preocupa-se fundamentalmente com o impacto ambiental. Em suma, tem a intenção de conciliar a tradição e as possibilidades modernas, em especial através da aplicação de tecnologias “limpas”, que garantam a eficiência energética, a adequada especificação de materiais e a proteção da natureza (CASTELNOU, 2010, p.166).
Desde então, arquitetos do mundo todo têm buscado incluir a questão socioambiental em
seus projetos, o que levou a muitos voltarem suas atenções àquela produção arquitetônica que
foi, por séculos, negligenciada pela academia, mas, mesmo assim, prosseguiu seu percurso
empírico de evolução com base na tradição e conhecimento popular. A arquitetura vernácula é
muito importante para nos ensinar como é possível adaptar uma edificação às condições naturais,
tornando-a agradável e confortável, através do uso de materiais mais simples e mão-de-obra
artesanal, apropriando-se de elementos do local onde a obra está inserida, assim como de valores
particulares de identidade e cultura. Retomando várias características dessa arquitetura
tradicional, no limiar deste novo milênio, nasceu a Bioarquitetura, a qual procura reconceituar o
espaço humano de modo holístico, substituindo a ideia moderna da “máquina-de-morar” pela de
um “organismo vivo”, que, além dos já citados pontos, preocupa-se em manter um planeta mais
saudável para as futuras gerações através da autossuficiência energética e maior sustentabilidade
socioambiental.
3
5 REVISÃO BIBLIOGRÁFICA
Pode-se dizer que as edificações são nossa terceira pele. Desde os nossos ancestrais
nômades até os povos da atualidade, as edificações vernaculares vêm se desenvolvendo ao
longo do tempo para usar da melhor forma possível os materiais e as condições locais, visando
oferecer abrigo adequado para as populações que habitam até mesmo os climas mais inóspitos
do mundo, construindo moradias mais resistentes que protegem tanto do calor do deserto como
do frio intenso das regiões nórdicas (ROAF, FUENTES et THOMAS, 2006).
De acordo com Saunders (2002), tentamos criar o meio ambiente social e físico perfeito;
uma utopia que satisfizesse todas as nossas necessidades materiais, emocionais, intelectuais e
espirituais. E isto pode ser exemplificado pelas nossas cidades e construções, que refletem os
valores políticos, sociais, econômicos e espirituais de cada época. Porém, durante o decorrer do
tempo, ocorreram as grandes guerras que causaram a destruição de vastas áreas de cidades da
Europa e da Ásia, posteriormente reconstruídas com a frieza do vidro e das selvas de concreto
que, desde então, provaram ser a causa de muitos dos problemas da sociedade do nosso tempo
– alerta terrível de que reina sobre nós um estéril “Admirável Mundo Novo”, no qual a natureza e
as coisas essenciais não têm lugar, deixando para trás aquelas preciosas técnicas aperfeiçoadas
com o tempo, advindas da tradição, do vernáculo e da própria sobrevivência.
O aumento da população mundial gera uma necessidade crescente de uso da terra para a
construção de novas cidades, as quais frequentemente são muito pouco adequadas para se viver.
A escassez de locais apropriados para erguê-las tem se agravado ainda mais por causa das leis
de planejamento e por restrições de governos. Falta de espaço, superpopulação e questões
econômicas têm resultado na construção de casas em terras poluídas por resíduos industriais
tóxicos, as quais foram usadas originalmente como depósitos de lixo, em que dejetos são
comprimidos e cobertos com uma fina camada de terra na esperança inútil de se evitar a emissão
de gases nocivos. Além do uso desses solos naturalmente perigosos à saúde, devido a emissões
de gás natural, há ainda os riscos ligados ao emprego de amianto e de compostos orgânicos
voláteis, além da influência de campos eletromagnéticos e radiações terrestres (SAUNDERS,
2002).
Tudo isso, inevitavelmente, ainda segundo o mesmo autor, propiciou o surgimento de
doenças e alergias estranhas aos novos habitantes. Hoje em dia, existem milhares de hectares de
terras tóxicas nas quais se planeja construir residências, locais de trabalho e até mesmo hospitais,
e em muitos casos a poluição do solo não será completamente eliminada. Contudo, em
contrapartida, desejamos que nossas construções sejam ao menos agradáveis e livres de
doenças, sendo, de preferência, estimulantes para se viver. Desejamos ainda que elas tenham
uma “alma”, ou seja, que se tornem um verdadeiro lar, acolhedor, belo e saudável; e que sejam
práticas e causem menos dano possível ao meio ambiente local e global. Enfim, todos os seres
humanos almejam uma arquitetura saudável e de qualidade, segura e durável.
4
A maioria das pessoas, ainda conforme Saunders (2002), é altamente receptiva à
arquitetura inovadora e vanguardista. Queremos que os nossos arquitetos sejam originais e
inventivos, mas, ao mesmo tempo, desejamos que eles nos assegurem de que a moderna
tecnologia e seus constantes aperfeiçoamentos não tenham, em longo prazo, um impacto
negativo em nossa saúde e nossa qualidade de vida.
Atualmente, planejadores, arquitetos e engenheiros parecem focados em construir prédios
“contemporâneos”, com alta tecnologia e grande efeito visual. Edificações essas que servem
como escudos sólidos para proteger o nosso conforto físico, sem se importar com o impacto que
suas criações poderão ter na nossa saúde orgânica e espiritual. Nossa relação com a natureza e
a interligação com a psique humana não são levadas em consideração. E isto tem se refletido em
nossa vida cotidiana: há alguns anos, tornamo-nos conscientes dos efeitos dessa distorção no
meio ambiente e na ecologia do planeta, mas agora estamos assistindo ao efeito dela em nosso
próprio ambiente pessoal e em nossa saúde. A raiz desse fenômeno é a concepção unilateral e a
crença de que o materialismo e o corpo físico são as únicas “realidades”, excluindo a mente e o
espírito como conceitos que não têm lugar no mundo contemporâneo, no qual tudo – doenças,
desastres naturais, produção de alimentos, aquecimento global e catástrofes ambientais – pode
ser superado pelo avanço da tecnologia. No entanto, muitos, senão todos esses problemas
surgiram porque estamos em guerra constante com a natureza (CORRADO, 1999).
As doenças da civilização moderna – dos cânceres fatais às alergias crônicas e aos males
que debilitam – multiplicaram-se nos últimos cem anos, estando a origem da maioria delas, de
acordo com esse autor, no hábito ocidental de se erguer construções em áreas poluídas, além das
características das próprias construções, em nossas demanda insaciável pela geração de
eletricidade artificial e na exploração ilimitada da natureza. Desprezamos e não tentamos
compreender os efeitos danosos das energias negativas da Terra. Logo, é preciso estar ciente do
fato de que o ambiente modificado pelas construções contribuiu significativamente para o
surgimento das doenças da civilização ocidental.
Apesar de nos sentirmos angustiados por saber que estamos cada vez mais envoltos por
esse problema, ainda nos recusamos a abrir mão da mais recente invenção eletrônica e
precisamos possuir o próximo aparelho de alta tecnologia que, acreditamos, irá contribuir para o
nosso prazer, conforto pessoal e conveniência. Exigimos o mesmo das indústrias farmacêuticas e
da medicina, esperando que elas, sem questionamentos, continuem a descobrir drogas
maravilhosas e novas maneiras de curar doenças em boa parte criadas por nós mesmos. Os
perigos estão se tornando mais aparentes a cada dia, mas simplesmente fingimos ignorar. Essa
condição é conhecida como a Síndrome do Sapo Cozido (SAUNDERS, 2002):
Um sapo pula dentro de uma panela com água que está sendo gradualmente aquecida. À medida que a água vai esquentando, o sapo vai adaptando a temperatura de seu corpo à da água, e continua a adaptá-la quando a água esquenta ainda mais, até que, finalmente, o sapo é cozido vivo (p. 1).
5
Para Saunders (2002), assim como o sapo, continuamos nos adaptando aos crescentes
riscos à saúde para satisfazer nossas expectativas e ambições, assim como nossa busca por
mais conforto, maior comodidade e uma vida mais fácil. Entretanto, apesar do materialismo
ocidental, poucas pessoas parecem satisfeitas e realizadas. Enquanto continuamos a encorajar os
profissionais da construção civil a atender nossas demandas por edifícios e produtos quase sem
questionamentos, reclamações ou críticas, os registros do passado mostram que tem havido
pouca ou nenhuma vontade política para eliminar ou reduzir os riscos. Nem as autoridades, nem
os médicos e os arquitetos esforçam-se para exercer um controle efetivo e no momento certo.
Frequentemente optam por ignorar as evidências epidemiológicas e aquelas contidas em relatos
de casos. Talvez, se os médicos e os arquitetos se comunicassem entre si, usando uma
linguagem comum, surgissem oportunidades de se entender esses efeitos nocivos.
Foi a partir desse contexto que vem crescendo cada vez mais o interesse pela
Bioarquitetura, a qual pode ser definida como um ramo atual da arquitetura que busca nas
edificações o respeito à vida e ao meio ambiente, partilhando dos ideais de uma sociedade mais
sustentável e saudável, a qual preserve a vida do planeta em seus diversos ecossistemas. Sua
prática baseia-se essencialmente na compreensão de que a dinâmica da vida está relacionada
com um contexto que vai da sociabilidade, do consumo, dos avanços tecnológicos, do
crescimento desordenado das cidades e da falta de profissionais sensíveis a um panorama cada
vez mais amplo e holístico, no qual o processo de concepção, planejamento e construção, quer
seja em obras públicas ou particulares, de uso coletivo ou individual, não comprometa o nosso
meio ambiente e a nossa frágil saúde.
A Bioarquitetura trata de uma ciência que nasceu por volta de 1960, comprometida com o
desenvolvimento global, na qual todos os processos de sua cadeia de produção são
cuidadosamente analisados. De modo interdisciplinar, sua evolução conceitual desde então
caminha de mãos dadas e colabora com o progresso de outras áreas, sejam elas sociais,
econômicas, culturais, educacionais e ambientais. Em termos gerais,
[...] engloba as construções ecológicas, as construções sustentáveis e bioclimáticas (adaptadas ao clima) e, para além disto, engloba as diversas expressões artísticas e culturais inspiradas não só na beleza das formas e ritmos da natureza, como também na milenar sabedoria construtiva dos povos orientais e ocidentais. Por sua vez, ao optar pela utilização de uma técnica e um material construtivo, considera não apenas seus aspectos técnicos e estéticos finais, mas analisa toda a cadeia produtiva ao qual perpassam, desde a extração e manejo da matéria-prima até as distâncias percorridas em seu trajeto, os processos de transformação e incorporação de substâncias e, para além disto, a durabilidade, degradação e sua reintegração à natureza (COLÉGIO DE ARQUITETOS, 2014, p. 01)
Ainda segundo a mesma fonte, a Bioarquitetura analisa o ciclo de vida dos materiais,
obtendo-se dados sobre os impactos que causam à natureza e à saúde humana, sendo possível
tomar decisões conscientes e comprometidas com o meio ambiente e com as gerações atuais e
futuras. Respeitando os parâmetros de sustentabilidade, tem como princípios o aproveitamento
6
passivo dos recursos naturais (iluminação natural, ventilação e microclimas) e a obtenção da
eficiência energética do edifício, sendo um ramo da arquitetura que busca construir imóveis em
harmonia com a natureza, com baixo impacto ambiental e custos operacionais reduzidos. Dessa
forma, a Bioarquitetura preocupa-se com a vida, seja qual for a sua modalidade; e com a função
de um edifício saudável, que seria a de geração e preservação da saúde do ser humano que a
usufrui e para seus descendentes, sendo assim gerador de qualidade de vida.
Os adeptos do conceito bioarquitetônico, conforme Leão (2014), priorizam o emprego de
técnicas sustentáveis – tijolo em adobe, cimento queimado ou taipa de pilão, por exemplo – e
matérias-primas naturais, recicláveis e de fontes renováveis, as quais não possam ser
aproveitadas integralmente, tais como bambu, palha e madeira reflorestada, ou proveniente de
manejo certificado, enquanto o alumínio, por exemplo, deve ser evitado devido ao grande impacto
ecológico de sua fabricação. Além disso,
[...] dá preferência à mão-de-obra e produtos locais, pois essa é uma forma de incentivar a economia da região e minimizar a necessidade de transporte – o que reduz o custo da construção e a emissão de poluentes. Os empreendimentos são pensados para serem sustentáveis também depois de prontos. Assim, adotam-se sistemas de iluminação e ventilação naturais e equipamentos de energia renovável, como painéis solares para aquecimento da água dos chuveiros, além de sistemas de captação de água de chuva e de reuso de água (LEÃO, 2014, p.01).
Segundo o relatório do WORLD WILDLIFE FUND – WWF, divulgado em Genebra no dia 10 de
julho de 2002, citado no site do Colégio dos Arquitetos (2014), o consumo de recursos naturais já
supera em 20% por ano a capacidade do planeta de regenerá-los. Já não há como ignorar a
necessidade de um novo modelo de desenvolvimento para a construção civil, atualmente
responsável pelo consumo de 15% a 50% dos recursos naturais do mundo. Cerca de 2/3 da
madeira natural extraída é consumida pela construção civil, sendo que a maioria das florestas não
recebe manejamento adequado. Outras matérias-primas, a exemplo do cobre e zinco, têm
reservas mapeadas escassas, suficientes apenas para 60 anos. Além disto, a produção de
materiais de construção também gera poluição atmosférica.
A indústria do cimento responde por cerca de 7% da emissão anual de gás carbônico
(CO2) na atmosfera (terceira maior no setor industrial). Na produção de cada tonelada de cimento
(200 sacos) são lançadas 0,6 tonelada de CO2 no ar. Somente o Brasil, com uma produção anual
de 38 milhões de toneladas de cimento Portland (comum) libera para a atmosfera
aproximadamente 22,8 milhões de toneladas/ano de gás carbônico. Outros materiais usados em
grande escala têm problemas similares1 (COLÉGIO DE ARQUITETOS, 2014).
1 Certamente a construção civil é a área de maior geração de resíduos de toda a sociedade. Somente em São Paulo, o volume de
entulho gerado é de 2.500 caminhões por dia (o dobro do lixo sólido urbano), sendo que a maioria destes resíduos é depositada em aterros clandestinos que acabam por obstruir córregos e drenagens, o que vem colaborar com enchentes, favorecendo a proliferação de mosquitos e outros vetores, a degradação das edificações e estruturas urbanas, etc. Isto leva boa parte das prefeituras a gastarem grande quantidade de recursos públicos na sua retirada e em atuações emergenciais nas enchentes (COLÉGIO DE ARQUITETOS, 2014).
7
Para os bioarquitetos, a cidade ou a casa não são “máquinas de morar”, mas organismos
vivos que, como tais, também nascem, vivem, adoecem ou morrem. Isto se refere a uma mudança
radical do pensamento arquitetônico do último século, introduzindo à discussão arquitetônica
novos parâmetros de pesquisa e análise, incluindo incursões em outras disciplinas consideradas
por muitos “alternativas” ou “não-ortodoxas”. Basicamente, além de promover a sustentabilidade
socioambiental, no que se refere ao usuário, a Bioarquitetura tem dois objetivos primordiais: o
conforto e a saúde, os quais merecem aqui serem descritos.
Segundo Lúcia Mascaró (1985), conforto ambiental pode ser entendido como a soma das
condições físicas que propiciam ao organismo um melhor desempenho com menor gasto de
energia e consequente sensação psicofísica de bem-estar. Já para Adam (2001), as condições de
conforto e qualidade de vida são parte de situações mais amplas de salubridade ambiental e
segurança, dentro das quais se estabelecem padrões de garantia da integridade física e mental
das pessoas e de seus direitos à saúde, ao bem-estar e a um ambiente seguro, tanto física como
socialmente; dai concluir-se, que meios desconfortáveis são insalubres e perigosos (Fig. 01).
FIGURA 01 – Desconforto Ambiental e Qualidade de Vida (ADAM, 2001).
8
Adam (2001), portanto, amplia a questão de conforto, incluindo outros níveis a partir da
análise prévia dos sentidos humanos e das percepções decorrentes destes sentidos, uma vez que
o ser humano interage em níveis subjetivos e objetivos com o meio que o circunda. Logo, é
possível indicar o grau de complexidade para atingirmos uma faixa de conforto e qualidade de
vida diante de grande quantidade de variáveis envolvidas (Fig. 02).
FIGURA 02 – Estímulos Psicossenroriais (ADAM, 2001).
Entretanto, além do conforto e bem-estar, a Bioarquitetura também está relacionada à
saúde de seus usuários. A própria origem do termo – derivada da expressão alemã bau-biologie
(“biologia da construção”), segundo Adam (2001) – diz respeito ao relacionando entre a edificação
e a vida, ou seja, ao impacto das construções na saúde humana e à integração ecológica entre a
vida humana e outros tipos de vida, visando o bem-estar global. Nestes termos, é importante
observar que tal objetivo é inerente ao próprio fazer arquitetônico, já que a arquitetura tem como
um de seus princípios básicos a qualidade do espaço criado por e para os seres humanos.
9
Vale aqui lembrar a Carta do Habitat, estabelecida pela UNIÃO INTERNACIONAL DE
ARQUITETOS – UIA e segundo a qual:
Todo o ser humano, individualmente ou em família, tem o direito inalienável de dispor de um espaço habitável, para seu uso exclusivo, favorável à sua saúde e a seu bem-estar, bem como à liberdade de escolha de seu lugar de residência, dentro do quadro das condições econômicas, sociais e culturais de seu meio [...] O homem deve participar o mais diretamente possível de toda decisão referente a seu quadro geral de vida. A escala humana autêntica deve garantir a intimidade e a dignidade do homem no seu habitat, bem como as relações naturais necessárias à sua vida social (HALFELD et ROSSI, 2002, p.01).
Desde 1982, a ORGANIZAÇÃO MUNDIAL DE SAÚDE – OMS classifica como Síndrome do
Edifício Enfermo (SEE) a patologia na qual um edifício é fator comprovado de risco para a saúde
de seus usuários. Esta doença corresponderia a um conjunto de sinais e sintomas originados
pelos ambientes corporativos, estes provocados principalmente por: má ventilação, existência de
cargas iônicas e eletromagnéticas, partículas em suspensão, alteração de temperatura, gases e
vapores de origem química e outros agentes (OLIVEIRA, 2009). Recentemente, uma nova e
arrojada edificação da sede da companhia de gás de Barcelona foi classificada como edifício
enfermo, uma vez que a permanência dos funcionários em suas dependências estava causando
moléstias comuns: mais de 120 funcionários foram internados com os mesmos sintomas
(DUARTE, 2010).
FIGURA 03 – Esquema geral da casa saudável (original em espanhol).
10
Mais recentemente passou-se a empregar a expressão “casa saudável” para designar uma
habitação com propriedades benéficas à saúde de seus usuários (Fig. 03). Outro termo que
também teve seu uso ampliado foi biocompatibilidade, o qual já era amplamente utilizado em
biomateriais para a área médica, mas vem sendo aplicado também na arquitetura para definir a
simbiose que deveria sempre existir entre homem, edifício e natureza, ou seja, entre construção e
vida (OLIVEIRA, 2009). Por sua vez, denomina-se biohabitabilidade a inter-relação saudável entre
o ser humano e o espaço natural e/ou construído em que ele desenvolve suas atividades durante
a vida (BUENO, 1995; 1997; 2013).
Para Saunders (2002), dentre os focos de contaminação que podem determinar a
insalubridade de um ambiente, tem-se:
Poluição do ar
Poluição eletromagnética
Ruim ou inexistente iluminação e ventilação natural
Má localização do edifício
Existência de falhas geológicas, veios subterrâneos de água e redes geomagnéticas nos cômodos de permanência prolongada
Poluição sonora
Alterações do campo magnético terrestre
Materiais de construção e acabamentos insalubres
Terrenos com altos índices de radioatividade
Terrenos contaminados
Emissões de gás natural
Amianto e envenenamento por chumbo;
Água contaminada
Compostos orgânicos voláteis (COV’s)
Projetos e especificações arquitetônicas e de engenharia deficientes;
Administração inadequada de recursos.
Qualquer uma dessas fontes, ou combinações entre elas, pode ser a causa direta de
doenças, males debilitantes ou colapso do sistema imunológico do organismo. Sob esse ponto de
vista, pode-se dizer que uma casa adoece. Irritação, acordar cansado, dor de cabeça, problemas
respiratórios seriam, portanto, os sintomas mais frequentes e comuns de usuários de um ambiente
doente, podendo adoecer o seu morador (SAUNDERS, 2002; IKEDA, 2005).
O estudo da relação entre os espaços e a saúde humana denomina-se Geobiologia – ou
Medicina do Habitat (MAYA, 1994) –, que, aplicada à bioconstrução ou biologia das construções,
conduz ao conceito já citado da “casa saudável”. Seus defensores, entre os quais o médico Allan
Lopes Pires (PERSONARE, 2013), são por eles próprios descritos da seguinte maneira:
[...] Nos preocupamos em olhar a casa como fonte de saúde e não de doenças. Passamos a ver nossa habitação como uma terceira pele, das cinco que temos. Nossa primeira pele é a orgânica, que cobre nosso corpo, a segunda são as nossas vestimentas, que devem ser tão seletivamente permeáveis quanto a primeira. A terceira pele é a nossa casa; a quarta, nossa cidade, vila, lugarejo ou casa no campo; e a quinta e mais abrangente a nossa Terra, casa em que todos habitamos.Todas estas cinco peles ou organismos devem trabalhar em conjunto e são partes de um único organismo (CASA SAUDÁVEL, 2014; p.01).
11
Há muitos profissionais brasileiros que se enveredam nessa proposta, podendo-se citar
Mirian Menezes (MENEZES, 2007) e Marcela Aureliano (AURELIANO, 2013), entre vários, que se
apresentam em sites próprios com a proposta desse tipo de arquitetura, mesmo não sendo
formados nessa área. Há ainda inúmeros blogs que giram em torno dessa problemática (MINHA
CAUSA SAUDÁVEL, 2014), mas ainda predomina mais especulação do que propriamente
conhecimento científico. Talvez os autores mais divulgados – e respeitados – ainda sejam Bueno
(1995; 1997) e Saunders (2002). Ambos concordam que uma edificação serve como uma espécie
de terceira pele, regulando trocas de calor, iluminando espaços, abrindo visuais, protegendo;
enfim, confortando os seres humanos.
Assim, seguindo este pensamento, as paredes constituiriam o envoltório humano e
conformariam os espaços internos; seus acabamentos instigariam os sentidos; e suas formas
criariam usos, visuais e sensações, assim como suas modulações produziriam ritmos e facilitariam
a compreensão do espaço. Papaneck (1995), por sua vez, alerta para as construções atuais que
negam parte dos sentidos humanos, neutralizando estímulos orgânicos. Segundo ele, o homem
experimenta os espaços de uma forma multissensorial e parte desta experiência fica em camadas
subconscientes da mente, as quais deveriam ser consideradas (ADAM, 2001; OLIVEIRA, 2009).
Entre as recomendações apontadas pelo Dr. Allan Lopes Pires (PERSONARE, 2013;
PIRES, 2013; MINHA CASA SAUDÁVEL, 2014), citam-se as seguintes:
1. Iluminação: A iluminação natural é responsável pela produção de Vitamina D, cuja função é a absorção de cálcio e fósforo, além da produção de serotonina, que é o hormônio responsável por atividades cognitivas e regulação do ciclo circadiano (dia e noite), atuando diretamente nos estados de bem-estar e bom humor humanos. Já a iluminação artificial falha em prover o componente amarelo da luz que desencadeia os processos citados. Além disso, pode emitir raios ultravioletas, aumentando os riscos de se contrair câncer de pele. A falta de iluminação em determinadas ocasiões também é importante. À noite, permanecer em um quarto escuro é fundamental, já que nosso corpo é adaptado ao ciclo de dias e noites. Romper esse ciclo faz com que o nosso organismo deixe de funcionar da maneira adequada e assim abrimos o caminho para doenças e mau funcionamento do nosso organismo;
2. Qualidade do ar: A contaminação dá-se por meio de toxinas presentes no ar, como benzeno e tolueno, entre outras. A origem destas substâncias é variada, podendo vir dos materiais de construção, como tintas e vernizes; ou do mobiliário, que pode liberar substâncias de colas, vernizes e materiais sintéticos no ambiente. O conjunto dessas substâncias presentes em acabamentos e mobiliários normalmente é chamado pelo nome genérico Composto Orgânico Volátil. Tem-se também o tabaco, substâncias geradas por aparelhos de fax, copiadoras e impressoras e toxinas do próprio ser humano, eliminadas pelo organismo por meio do suor, poeira, íons, fungos, bactérias e pequenos animais. A atuação destas toxinas em geral no nosso organismo pode ser desde uma simples irritação na pele ou nas mucosas até severas complicações respiratórias, alergias e outros sintomas;
3. Campo eletromagnético: Este é gerado por linhas de transmissão de alta tensão, antenas de rádio, televisão e telefonia celular, aparelhos eletroeletrônicos e disposição dos fios dentro de uma residência, além das radiações cosmo-telúricas;
4. Perturbações geobiológicas: Águas subterrâneas, falhas geológicas, perturbações na radioatividade basal e fortes alterações geológicas geram uma influência na superfície que repercute verticalmente e tem a capacidade de alterar o funcionamento celular, levando a um desequilíbrio metabólico. É de vital importância, portanto, evitar situar sobre esses pontos camas e mesas de escritório, macas de terapia ou qualquer outro móvel que seja utilizado por mais de duas horas diárias;
12
5. Umidade: Quanto mais úmido o ambiente maior a probabilidade de ter fungos, bactérias e outros organismos. Em contrapartida, quanto mais seco, tem-se um ar ionicamente carregado. Uma umidade natural e mediana é o ideal para nosso organismo;
6. Temperatura: No calor, a edificação deve estar fresca; e, no inverno, que esteja cálida. Nosso organismo necessita que tenhamos uma temperatura agradável para que gaste sua energia com outros processos que não apenas a manutenção da temperatura ambiental;
7. Som: Buscar uma edificação com sons naturais, como os de pássaros, insetos e da própria natureza, é muito importante, devendo-se evitar grandes áreas de trânsito terrestre e aéreo, longe das buzinas, freadas e pousos e decolagens de aviões, já que isto é fundamental para que nosso sono seja perfeito, que nosso cérebro esteja descansado e atento e que se mantenha o estresse baixo. Quando isso não é possível, pode-se investir em equipamentos antirruídos;
8. Radioatividade: Alguns materiais de construção podem conter radioatividade, principalmente os de origem róchea, como concreto e algumas pedras de acabamento. É possível fazer as medições adequadas do concreto ou da pedra específica para saber o nível de radioatividade e dizer se é um material saudável ou não, pois a radioatividade pode causar danos físicos ao nosso organismo e levar a doenças degenerativas como o câncer.
9. Ergonomia: Possui uma relação direta entre o mobiliário e problemas do sistema motor, conhecidos como LER (Lesão por Esforço Repetitivo);
10. Materiais de Construção: Determinam o nível de contaminação do ar, maior ou menor quantidade de ruídos, a intensidade e quantidade de iluminação natural, a integridade do campo magnético e até mesmo as formas da edificação, dependendo da sua plasticidade. Portanto, uma escolha de materiais tendo em vista a sua salubridade é fundamental quando se deseja uma Casa Saudável.
6 MATERIAIS E MÉTODOS
De caráter exploratório e cunho teórico-conceitual, a pesquisa em questão foi concebida
por meio de investigação web e bibliográfica de assuntos e teorias relacionadas à bioarquitetura e
construção saudável, permitindo a iniciação científica no tema. Através da coleta, seleção e
transcrição de citações diretas e indiretas formulou-se os textos presentes neste relatório, de
modo a introduzir o assunto que mantém relação com a atual discussão sobre sustentabilidade
das construções e busca por ambientais com maior conforto, bem-estar e salubridade. Após a
revisão teórica, fez o estudo de um caso que permitisse constatar na prática alguns dos pontos
salientados anteriormente, o que é apresentado na sequência. Ao final, conclui-se com algumas
observações em relação à arquitetura mais sustentável e saudável.
6 RESULTADOS E DISCUSSÃO
Derivado a partir do Despertar Ecológico (1960/1970) e difundido mundialmente a partir
dos anos 1980, o conceito de ecovillage (ecovilas) constitui-se em um ótimo exemplo de
como a Bioarquitetura pode ser desenvolvida e aplicada na sociedade. De acordo com
Castelnou (2005), um dos principais estopins para isto ocorrer foi a publicação em 1991 de
Ecovillages and sustainable communities (Ecovilas e comunidades sustentáveis), de Robert
Gilman (1945-).
Gilman pode ser considerado um visionário da sustentabilidade e, junto à sua esposa,
Diane, propôs-se a pesquisar e escrever sobre ecovillages, fundamentando o caminho a que
13
comumente se passou a chamar de Global Ecovillage Network, ou seja, uma rede internacional de
ecovilas baseadas na ideia de uma vida comunitária em harmonia com a natureza. Segundo
Gilman et Gilman (1991) apud Castelnou (2005), os princípios que caracterizam uma ecovillage
podem ser aplicados tanto em assentamentos rurais como urbanos, assim como em países
desenvolvidos ou não.
Dever-se-ia buscar uma independência da infra-estrutura e também um modo de vida sustentável – como, por exemplo, a simplicidade voluntária – para seus habitantes com um mínimo de troca com a área local exterior ou ecoregião. As comunidades rurais seriam geralmente baseadas na agricultura orgânica, na permacultura
2 e em outras atividades que permitam a biodiversidade e a função
ecossistêmica. Algumas “ecovilas” englobariam os princípios de “cohabitação”, porém com maior foco ecológico e um processo permacultural típico mais “orgânico”. Além disso, devem reunir capital de infraestrutura “verde”, edificações autônomas e alojamentos agrupados para evitar desperdício ecológico, assim como empregar energia renovável. Sua organização igualmente dependeria de capital instrutivo e de códigos morais, através de uma ciência cívica mínima que será denominada de “eco-anarquista”: produção e distribuição local de alimento; trocas internas para promover a economia local; incentivo moral para evitar consumo objetivo; governo baseado no consenso; e escolhas que respeitem a diversidade (p.298).
Em outras palavras, as chamadas ecovilas são comunidades de pessoas que
buscam integrar um ambiente social assegurador com um estilo de vida de baixo impacto
ecológico. Elas surgem de acordo com as características de suas próprias biorregiões e
englobam tipicamente quatro dimensões: a social, a ecológica, a cultural e a espiritual,
combinadas em uma abordagem que estimula o desenvolvimento comunitário e pessoal.
Em 1998, elas foram nomeadas oficialmente na lista da ORGANIZAÇÃO DAS NAÇÕES UNIDAS
–ONU como uma das 100 melhores práticas para o desenvolvimento sustentável, sendo
modelos excelentes de vida sustentável. Para tanto, de acordo com o site da Ecovila
Clareando (2014), uma ecovila deve seguir os seguintes princípios:
Produção local e orgânica de alimentos;
Utilização de sistemas de energias renováveis;
Utilização de material de baixo impacto ambiental nas construções – bioconstrução
Criação de esquemas de apoio social e familiar;
Diversidade cultural e espiritual;
Governança circular e empoderamento mútuo, incluindo experiência com novos processos de tomada de decisão e consenso;
Economia solidária, cooperativismo e rede de trocas;
Educação transdisciplinar e holística;
Sistema de Saúde integral e preventivo;
Preservação e manejo de ecossistemas locais;
Comunicação e ativismo global e local.
Tendo-se isto em considerações, optou-se em estudar um caso específico inserido em
uma ecovila no Brasil, mais precisamente no interior do Estado de São Paulo.
2 Criada pelos ecologistas australianos Bill Mollison e David Hilmgren, na década de 1970, permacultura consiste em um método
holístico de planejamento ecológico, o qual visa atingir uma “cultura permanente”, esta entendida tanto em sentido humano como agronômico. É um tipo de agricultura que permite projetar ecossistemas humanos, a um só tempo equilibrados e produtivos, socialmente justos e financeiramente viáveis (CASTELNOU, 2005).
14
ESTUDO DE CASO Casa Terracota – Ecovila Clareando
(2004, Piracaia SP) Monika Grond
Localização: Município de Piracaia, São Paulo (Brasil) Endereço: Zona Rural, a 14 km da cidade, na Serra da Mantiqueira Área do terreno: 1.000 m2 Data: 2004 Autoria: Monika Grond Proprietários: Sandra e Edson Hiroshi
A Ecovila Clareano consiste em um condomínio rural localizado em plena Serra da
Mantiqueira, entre os Municípios de Piracaia e Joanópolis, ocupando cerca de 23 hectares da
Floresta Atlântica. Fundada em 2004, possui dois hectares de mata nativa, quatro nascentes e
muita diversidade biológica, contando com araucárias, tucanos, esquilos e macacos bulgio, entre
outros. É composta por 97 lotes de 1.000 a 1.400 m² (Fig. 04), além de pomar e ampla área de
preservação: A grande bacia hídrica conhecida como Sistema Cantareira é berço das principais
represas que abastecem a Capital de São Paulo e foi considerada uma Área de Proteção
Ambiental (APA), o que motivou uma rigorosa fiscalização, impedindo o desmatamento e a
instalação de indústrias poluidoras naquela região (ECOVILA CLARIANO, 2014).
A ideia da ecovila surgiu quando integrantes do Acampamento Franciscando – um grupo
motivacional que existe há mais de 25 anos – quiseram dar continuidade às reuniões que faziam
em datas especiais, o que promoveu originalmente a constituição do condomínio, onde cada
família integrante ainda se envolve em atividades ligadas à permacultura, apicultura, horticultura e
construção com materiais alternativos, entre outras. A área destinada para moradias constitui-se
de um imenso pasto aberto que conta com a infra-estrutura de ruas, rede elétrica e saneamento.
Também houve um reflorestamento permacultural, com árvores frutíferas e floríferas nativas, para
atrair a fauna e criar um microclima agradável.
De acordo com o site da Ecovila Clariano (2014), por meio de convênios e intercâmbios
tecnológicos com a USP, UNICAMP, UNESP e empresas privadas, foi possível aplicar na
construção de suas edificações diversas técnicas, entre as quais: solo-cimento com mini-colunas
embutidas; telhado em arco romano de tijolo modular de solo-cimento; telhado em arco romano
armado com treliçado de bambu e revestido de ferro-cimento laminar; e casas pré-fabricadas com
madeira de reflorestamento. Para o presente estudo de caso, optou-se em abordar a Casa
Terracota, situada na Rua Um do condomínio, que foi construída priorizando-se o baixo impacto
ambiental com a utilização de recursos naturais e materiais reciclados de forma inteligente. Foram
empregados tijolos de adobe ou solo-cimento, pau-a-pique, estrutura de toras de eucalipto,
acabamento em terra-esterco, pintura de terracal, forros térmicos de lona e bambu e vidros
reaproveitados (Fig. 05). Além disso, a residência possui sistemas de captação de água da chuva,
tratamento de esgoto e aquecimento solar.
15
FIGURA 04 – Planta geral da Ecovila Clareando (Piracaia SP).
FIGURA 05 – Vistas gerais da Casa Terracota (Ecovila Clareando).
16
Logo ao avistar a casa, pode-se notar a sua cor predominantemente salmão claro e as
telhas curvas marrom avermelhadas oriundas dos tons da terra, além de algumas partes da
varanda estarem em adobe aparente, mostrando sua composição e textura. Toda a casa foi
edificada com 4.000 tijolos de barro cru e reboco de terra-esterco. O material foi escolhido por
promover o menor impacto ambiental possível, visto que é constituído de terra, subsolo, areia e
esterco; facilmente encontrados na região e tendo baixo custo. Esses elementos são misturados e
colocados em formas de madeira retangular para a secagem (Figs. 06 e 07), sendo algumas
paredes em tijolos aparentes, criando uma dinâmica de texturas, além de exporem o bonito
aspecto do tijolo natural (Fig. 08). Por fim, o reboco foi feito com terra-esterco, pois o esterco
impede que o acabamento trinque (Fig. 09).
FIGURAS 06 E 07 – Fabricação de tijolos em adobe e Edson Hiroshi, proprietário da casa.
FIGURAS 08 E 09 – Paredes de adobe aparente e com reboco em terra-esterco.
Excelente reguladora de umidade, a terra tem a propriedade de expelir e armazenar água
devido à alta capilaridade de suas moléculas, além de ser um material muito poroso. Assim,
construções em barro podem absorver até 30 vezes mais umidade do que uma feita com tijolos
cozidos. Deste modo, ambientes sob paredes de barro tornam-se mais salubres, pois há pouca
variação de umidade, normalmente estabilizando-se em 50% o ano todo, além de ser um ótimo
isolante térmico (ECOVILA CLARIANO, 2014).
17
A estrutura da casa foi feita com o emprego de toras de eucalipto de reflorestamento que,
devido à forma do corte, possui alta resistência e durabilidade (Figs. 10 e 11). Aplicou-se na
madeira, óleo queimado de carro com a finalidade de conservá-la e evitar cupins. A pintura utiliza
tinta de terracal, confeccionada com a adição de cal à terra local, a qual possui cinco tonalidades,
a saber: amarelo, salmão, vermelho, bege e branco. Ela é hidrofugante, ou seja, ao mesmo tempo
em que “respira”, não deixa penetrar água; característica esta inexistente às tintas em látex. No
lado externo, foi aplicada baba de cacto para impermeabilizar a parede.
FIGURAS 10 E 11 – Vistas da estrutura em toras de eucalipto reflorestado.
Para o piso, houve o reaproveitamento de madeira de demolição e, na sala e dormitórios,
aplicou-se madeiras nobres já descartadas. Quanto ao telhado, observa-se a existência de telhas
de papelão e resina asfáltica. Apesar de serem industrializadas, elas são ecológicas no sentido de
que foram fabricadas a partir de papelão reciclado (Fig. 12). Aplicou-se ainda uma manta
aluminizada, com a função de proteger a casa contra vazamentos e refletir o calor. O telhado tem
como acabamento o forro de bambu, que também ajuda na função térmica, além de dar uma
aparência mais agradável ao interior (ECOVILA CLARIANO, 2014).
FIGURA 12 – Vistas, em sentido horário, do piso em madeira de demolição, do forro e do telhando e seus detlahes em telha de papelão reciclado.
18
De acordo com o site da Ecovila Clareando 92014), o telhado da Casa Terracota recebe
mais de 180.000 litros de água limpa por ano. Se esta água não for coletada, pode causar erosão
nos terrenos logo abaixo da ecovila. Sendo assim, está sendo construído um interessante sistema
de captação de água de chuva. Um pequeno lago artificial, logo na frente da varanda, receberá
quase toda a água que cai nas telhas na parte da frente da residência. Existe ainda um
reservatório subterrâneo com um sistema que filtra a água captada, permitindo seu uso para
descarga, lavagem de carros, irrigação de pequenas hortas, entre outras aplicações.
Nas palavras de Edson Hiroshi, idealizador da ecovila e proprietário da Casa Terracota:
[...] não é uma volta ao passado, é a utilização de técnicas que são imortais, como o adobe, diminuindo a queima de madeira e produção de CO2 [...] e a combinação de alguns princípios básicos: quatro técnicos (água, energia, construção, agricultura) e dois sociais e humanos (parcerias e intercâmbio). Fazendo isso, a sociedade vai dar certo, essa é a salvação, porque como está, não tem jeito, está tudo errado (ECOVILA CLARIANO, 2014; p.01).
Analisando a obra descrita, percebe-se que ela atende todos os requisitos para ser
classificada como uma casa saudável e uma construção sustentável. Embora não tenha sido
aplicado nenhum dos inúmeros sistemas de avaliação e certificação de obras no mundo, pode-se
dizer que a residência em questão, de modo geral, respeita as nove diretrizes para uma obra mais
saudável e sustentável, os quais são descritas por Márcio Augusto Araújo (2014), consultor do
INSTITUTO PARA O DESENVOLVIMENTO DA HABITAÇÃO ECOLÓGICA – IDHEA, como sendo as
seguintes:
1. Planejamento Sustentável da obra
2. Aproveitamento passivo dos recursos naturais
3. Eficiência energética
4. Gestão e economia da água
5. Gestão dos resíduos na edificação
6. Qualidade do ar e do ambiente interior
7. Conforto termoacústico
8. Uso racional de materiais
9. Uso de produtos e tecnologias ambientalmente amigáveis
7 CONCLUSÃO
Este trabalho de iniciação científica buscou conceituar a Bioarquitetura, identificando suas
principais características e preocupações em busca da produção de um ambiente arquitetônico
mais saudável e sustentável, revelando que para fazê-lo é necessário planejar desde o tipo de
material de construção e a forma como ele foi produzido, até a análise comportamental do edifício
na pós-ocupação. Longe de querer esgotar o assunto, como pesquisa preliminar, permitiu uma
introdução ao tema que, embora vasto e complexo, constitui-se em um campo cada vez maior de
estudo e aplicação no design, arquitetura e planejamento urbano. Tudo indica que a arquitetura
deste século caminhará em direção de uma prática socioambientalmente mais consciente.
19
Por meio do estudo de caso, no qual se descreveu e analisou a Casa Terracota, situada na
Ecovila Clareando (Piracaia SP), foi possível reconhecer as características bioarquitetônicas
voltadas à sustentabilidade, embora não tenha havido a oportunidade de se aprofundar sobre os
aspectos que proporcionariam um ambiente mais saudável. De qualquer forma, o exemplo
paulista possibilitou ilustrar como a sustentabilidade construtiva e a preservação ambiental podem
ser aliadas na autoconstrução de uma residência que seja, ao mesmo tempo, mais econômica,
ecológica e saudável, respeitando os princípios básicos de conforto ambiental, emprego de
materiais naturais e reutilização de elementos industrializados.
Por fim, esta pesquisa desempenhou também um importante papel de agente
conscientizador, possibilitando que a autora entrasse em contato com os aspectos relativos à
discussão da sustentabilidade aplicada à arquitetura e construção civil, incorporando os ainda
incipientes conceitos de arquitetura saudável, mas que apontam para o objetivo comum em
melhorar a qualidade de vida e preservar o meio ambiente.
8 REFERÊNCIAS
ADAM, R. S. Princípios do ecoedifício: Interação entre ecologia, consciência e edifício. São Paulo: Aquariana, 2001.
AURELIANO, M. Casa saudável (2013). Disponível em: <http://marcelaaurelianocriacoes.wordpress. com/casa-saudavel/Acesso em: 14.nov.2013.
BUENO, M. O grande livro da casa saudável. São Paulo: Roca, 1995.
_____. Salud-Hábitat-Consciencia. Disponível em: <http://www.mariano-bueno.com/>. Acesso em: 13.nov.2013.
_____. Viver em uma casa saudável. São Paulo: Roca, 1997.
CASTELNOU, A. M. N. Ecotopias urbanas. Curitiba: Tese de Doutorado (Meio Ambiente e Desenvolvimento), Universidade Federal do paraná – UFPR, 2005.
COLÉGIO DE ARQUITETOS. Bioarquitetura. Disponível em:<http://colegiodearquitetos.com.br/portal/ tag/bioarquitetura/>. Acesso em: 17.jan.2014.
CORRADO, M. La casa ecológica: manual de arquitectura bioclimática. Barcelona: De Vecchi, 1999.
DUARTE, F. Edificação saudável (2002). Disponível em: <http://flavioduarte.webnode.com/novidades/ edifica%C3%A7%C3%A3o%20saudavel/>. Acesso em: 17.jan.2014.
ECOVILA CLAREANDO. Disponível em: <http://www.clareando.com.br>. Acesso em: 20.mar.2014.
HALFELD , F. B.; ROSSI, A. M. G. A sustentabilidade aplicada a projetos de moradias através do conceito de habitabilidade. NUTAU'2002. São Paulo, 2002. p. 973-979.
IKEDA, H. Curar a casa: Do Poltergeist ao Feng Shui, a moradia como um organismo vivo. São Paulo: Planeta, 2005.
LEÃO, A. Casa saudável. Disponível em:<http://planetasustentavel.abril.com.br/noticia/casa/ conteudo_271284.shtml>. Acesso em: 17.jan.2014.
MASCARÓ, L. Energia na edificação. São Paulo: Parma, 1985.
MAYA, J. L. Medicina da habitação. São Paulo: Roca, 1994.
20
MENEZES, M. Geobiologia: Viver em casa saudável (2007). Disponível em: <http://mirianmenezes. wordpress.com/2007/11/28/geobiologia-viver-em-casa-saudavel/Acesso em: 14.nov.2013.
MINHA CASA SAUDÁVEL. Disponível em: <http://minhacasasaudavel.blogspot.com.br/>. Acesso em: 14.nov.2013.
OLIVEIRA, C. N. de. O paradigma da sustentabilidade na seleção de materiais e componentes para edificações. Florianópolis: Dissertação de Mestrado, Universidade Federal de Santa Catarina – UFSC, 2009.
_____. Sustentável casa saudável: Estudo da biocompatibilidade dos sistemas de vedação vertical (2009). Disponível em: <http://soniaa.arq.prof.ufsc.br/ arq1001metodologiacinetificaaplicada/20063/Trabalhos/CarineNathOliveira/SUSTENTaVELCASASAUDaVELfinal.pdf>. Acesso em: 14.nov.2013.
PERSONARE. Médico de casas ensina a manter lar saudável (2013). Disponível em: <http://www.personare.com.br/entrevista-com-allan-lopes-m4100>. Acesso em: 14.nov.2013.
PIRES, A. L. Harmonização de ambientes. Disponível em: <http://www.brasilholistico.com.br/ report.asp?cod_report=148>. Acesso em: 13.nov.2013.
SAUNDERS, T. Sua saúde e o ambiente que construímos: A síndrome do sapo cozido. São Paulo: Cultrix, 2000.
ROAF, S.; FUENTES, M.; THOMAS, S. Ecohouse: A casa ambientalmente sustentável. Porto Alegre: Bookman, 2006.
9 FONTES DE ILUSTRAÇÕES
Figura Disponível em: Acesso em:
1 e 2 ADAM, R. S. Princípios do ecoedifício: Interação entre ecologia, consciência e edifício. São Paulo: Aquariana, 2001.
-
3 http://www.mariano-bueno.com/wp-content/uploads/2011/06/grafico-Casas-Biocompatibles-La-Vanguardia.jpg
20.mar.2014
4 a 12 http://www.clareando.com.br 20.mar.2014