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DE PASSAGEM... DESLIZES
1 - Sobre a Questão da Inteligência 2 - O Nascimento do Poeta
3 - O Brasil de Hoje 4 - Em um Certo Reino...
5 - Poetando 6 - Atualizando Dante 7 - Moçoilas em Flor
8 - Gertrudes 9 - Função Social
10 - No Bar do Português 11 - Deslizes
12 - Só 13 - Vida
14 - No Ato 15 - Impasse 16 - Novelo
17 - Buena Vista Social Club 18 - Encontro 19 - Diálogo
20 - Comemorando 21 - XXII de Abril
22 - Abismo 23 - Luz
24 - Devaneios 25 - Fiat
26 - O Vampiro 27 - A Escrava 28 - Circulando 29 - No Fundo
30 - O Vôo 31 - A Noite Negra 32 - O Negociador
33 - A Onça e o Homem 34 - Destino
35 - De Passagem 36 - A Conquista
(4)
SOBRE A QUESTÃO DA INTELIGÊNCIA
Querem filhos-gênios... e fazem inseminações com semens “geniais”...
e demonstram, assim, a sua própria estupidez genial! pois “inteligência”, seja lá o que for... existe... independente de pai, mãe...
e outros fatores probabilísticos, aleatórios...
Se todos fossem... gênios... nossa sociedade se tornaria um perfeito... caos!
Pois é preciso que hajam inteligências maiores, médias e menores... para que cada estrato funcione a contento...
É preciso que muitos acreditem no statu quo... e não mergulhem muito fundo
e nem tentem entender muito...
Foi Ouspensky quem disse que o amor existe no Universo independente do ser humano?
Amor ou o que quer que se queira chamar, quem realmente se aproxima, pouco que seja, dessa fonte inesgotável
de amor, inteligência, integridade... através da sua própria experiência, compreensão,
tateando no caos, nas trevas, na luz do seu próprio ser e dos demais seres...
começa a ser... um ser inteligente sem nenhuma salvaguarda, honra ao mérito, prêmio ou título...
continua débil e indefeso, como os seus semelhantes... embora sentindo que caminhou um pouco...
e que ainda tem muito a caminhar... na intricada complexidade
em que se constitui a existência.
(5)
O NASCIMENTO DO POETA (baseado no filme “Orfeu”, dirigido por Jean Cocteau)
O poeta atravessa o espelho... ele fora atraído pela princesa,
no bar, frente ao qual outro poeta (amante da princesa) fora atropelado... e morrera.
O poeta, seduzido pela princesa, entra em seu carro em que ela conduz o corpo do outro poeta.
No castelo, ele observa, assombrado, quando a princesa ressuscita o outro poeta
para o outro mundo e o conduz através do espelho!
Ele a segue... e se depara com um outro mundo... estranho... com outros dimensões... e um vento que não para de soprar...
ele tem que morrer e renascer... para se tornar um autêntico poeta.
Ele se apaixona pela princesa que já está apaixonada por ele...
mas... a princesa é a Morte! Ela é julgada (pelos juízes do outro mundo)
por ter se esquecido do seu dever! Por haver se apaixonado pelo poeta!
(6)
Voltando ao mundo, o poeta escuta pelo rádio do seu carro a poesia pura que vem da fonte perene da poesia...
Ele é morto pelos que o acusam da morte do outro poeta!
E é levado pelo guia, através do espelho, ao outro mundo...
onde poderá viver com a princesa em plena poesia!
Mas a princesa se vê forçada a devolvê-lo ao seu mundo
e a responder pela sua falha! Ele retorna...
sentindo em seu coração a pungente dor da nostalgia pela perda irreparável, que lhe servirá sempre de inspiração
em seu inconsciente... em seus sonhos...
(7)
O BRASIL DE HOJE
Invariável... impermeável...
lusco-fusco... musgo... burlesco...
espera! Aumento? Da carga!
Ora, direis, mormente agora!
O golpe... a morte... deslizando até...
o profundo abismo! Impropérios... arrepios,
estrangulando... ejaculando!
Metralhando!
O índio, perfilando,
no céu de verão, em vão.
Enchente! Quanta gente...
desprezada! Olvido...
(8)
A invasão dos selvícolas?
Não, mas sim Do “money” que entra...
e sai! E a bela morena? E a bela negra?
Exportadas! É o nosso povo...
que procura trabalho... e morre desarvorado!
O nosso “paraíso”... se perdeu!
Urge encarar os novos tempos,
com promissoras perspectivas... para os sibaritas!
(9)
EM UM CERTO REINO...
Todavia, quem comprometeria o “inocente”, que parecia, mas não era demente,
em sua inculta razão de ser... Os vassalos, que promiscuíam-se?
As modernas damas, inveteradas corruptoras? Ou os falsos cavaleiros, que esnobavam a progênie?
Tudo parecia perdido naquele reino
ignoto, nas imensidões tropicais! Quem o salvaria?
Algum cavaleiro andante, de passagem? Como um Don Quixote, visionário, alucinado? Ou um Galahad, um Lancelote, um Percival,
impregnados de sublimes ideais e boas intenções? Ou ainda um Merlin, com poderes indescritíveis de magia?
Inevitavelmente, não havia salvação!
Os cavaleiros e os magos já haviam passado desta para melhor... no sentido estrito.
Os tempos haviam mudado tanto... que para vencer, tinha-se que ser “pragmático”,
no pior sentido: levar de roldão tudo e todos para se alcançar o que se elegera como louvável, poder para manipular; angariar e gerir fundos
e alcançar o maior espaço em contatos físicos ou cibernéticos...
(10)
Enquanto isso, o reino desmantelava-se a olhos vistos!
Ninguém, em sã consciência, nos outros reinos... considerava-o digno de confiança!
Pois o seu rei não o era... nem a sua corte. O tempo passava... e o povo desse reino
permanecia esquecido e abandonado à sua própria sorte. Muitos ficavam doentes
e não tinham a quem recorrer... Muitos tentavam trabalhar
para sustentar as suas famílias, mas nada encontravam.
Enquanto a maior parte dos recursos do reino
era destinada ao pagamento de dívidas colossais contraídas com outros reinos mais poderosos e mais ricos,
os pobres e desvalidos buscavam auxílio na fé, engrossando as filas nas igrejas
e nos locais de peregrinação, idealizando uma ajuda que não existia
em seu mundo de abandono e dor. Muitos tentavam explicar o seu sofrimento
como castigo por suas culpas, faltas e pecados...
(11)
Enquanto isso, os ricos acumulavam sempre maiores riquezas, e o rei aumentava cada vez mais os impostos
cobrados sobre o povo, não sobre os ricos e influentes, para conseguir pagar os juros crescentes das dívidas,
remunerar o seu círculo de fiéis vassalos, damas e cavaleiros, e permanecer no poder por um número infindável de anos, divulgando sempre, através dos seus prestativos arautos, promessas vazias de dias melhores para os seus súditos...
(12)
POETANDO
Poetando... encontrando na poesia uma lucidez,
que segue o rumo único do viço intangível, além do volúvel, corriqueiro.
Ali, em um ponto infinito, perdido além do espaço, onde os deuses espreitam a passagem dos poetas,
que vagam na dimensão etérea, ignorada por aquele estado
do exausto perde-ganha das transações... .
O poeta perde-se nesse vazio, pleno de constrastes, que conduz
a um sentido completo; pois o raiar da sua lucidez
o manterá à beira daquela loucura conhecida daqueles que,
imanentemente, buscam o que se encontra
na essência mesma da vida; além da estéril sofreguidão que borbulha permanentemente...
(13)
ATUALIZANDO DANTE
Nos abomináveis círculos e fossas infernais, descritos pela genialidade de Dante, quedavam os simoníacos prelados e tantos outros
danados! Já pensou “cair” lá?
No entanto, outros dizem que o inferno é aqui mesmo,
que a gente não precisa ficar na expectativa
de que “o dia“ vai chegar!
Dante e Virgílio percorreram o inferno.
Eu sigo pelos meus caminhos diários,
tentando entender como proceder
na atual conjuntura!
Se nosso caro Dante aqui retornasse,
encontraria farto material para muitos
outros “Infernos” mais!
(14)
MOÇOILAS EM FLOR
A quantas andam as telúricas donzelas endeusadas! Sem elas
a vida ficaria insípida...
Entre altos e baixos, sigo o meu caminho
desbravador, ousando atrair e conquistar
as moçoilas em flor...
Tão lindas, agitadas, passando apressadas, empinadas, balançando
os seus cabelos morenos, louros, lisos, crespos,
a cada passo acelerado!
(15)
Pois todas procuram cumprir os seus destinos
de estudantes, profissionais, mães, esposas, namoradas,
noivas, empresárias, jornalistas, escritoras,
comerciárias, professoras, garotas de programa,
apresentadoras de televisão, atrizes, escultoras, pintoras, vendedoras, pesquisadoras,
lutadoras, inovadoras!
Eu as admiro, belas que são, em sua exuberância juvenil,
dignas dos meus olhares apreciadores e sensuais! (escrevi este poema há
muitos anos atrás)...
(16)
GERTRUDES
O que vai acontecer com Gertrudes,
indócil e esbelta?
Seus seios, durinhos, sua pele, queimando, seu sexo, ardendo.
Deitou-se no feno,
enrolou-se com o namorado, sentiu dor misturada com gozo.
Sonha em sair da fazenda,
ganhar a cidade e a sua vida, voltar rica e famosa!
Acabou se casando com o namorado.
E sua vida se integrou, de vez, ao ritmo rural: cuidando dos filhos,
vacas, cabras; produzindo queijos, frutas, legumes;
seu sonho foi se esfumaçando...
(17)
O tempo foi passando... Trabalhou bastante,
administrou bem seus negócios, junto
com o marido, é claro; acabou tornando-se
rica fazendeira.
Organizou rodeios, entrou em contato
com a mídia, comprou até uma rádio,
e começou a produzir shows de música
sertaneja e a compor para uma dupla famosa.
Nas horas de folga
escreve um livro contando a sua vida,
e não pensa mais em ir para a capital...
(18)
FUNÇÃO SOCIAL
Linda conquistadora, ia de cama em cama, cumprindo a sua sina, permitindo que tantos e tantas extravasassem seus orgasmos,
emoções, repressões, frustrações. Atraía com seus olhares e
seu belo corpo jovem, bem torneado, malhado, “sarado”, bronzeado.
Quem poderia lhe recriminar?
A não ser aquelas que lhe queriam ocupar o lugar... Era uma função social,
diria o sociólogo e o antropólogo, observando-a, exigentes e carentes.
Todos se admiravam com sua sedutora aparência e vocação para a conquista,
enquanto ela, sem se preocupar com esses detalhes, ia e vinha, dava e gozava,
comprava o que podia, enquanto tinha.
Consumia e era consumida, tão presente e atuante em sua desdita,
despercebida, que a engolia, dia a dia, sorrateiramente.
(19)
NO BAR DO PORTUGUÊS
Infarto fulminante do miocárdio, você foi ao enterro?
De noite estava lá deitado, de manhã tava lá, esquisito, perdemos um grande amigo...
Conversa de bar ...
Entro no “Bar do Português”, ele está sentado numa mesa, eu vou primeiro ao banheiro.
Resolvo, então, me sentar,
escolho uma mesa, ele se levanta, me pergunta: brama? Eu respondo: brama.
Um sujeito entra e se senta
na mesa em frente. Bem depois, outro se senta com ele, e começam o bate papo.
(20)
O bar é espaçoso, confortável, com muitas mesas. Outro sujeito
já entrou pra trás do balcão, contando que sua prima está
há vinte dias com o olho aberto, morte cerebral. Nas paredes, uma imagem de Santo Antônio,
azulejos com dizeres divertidos: se tens inveja do meu viver, trabalha, malandro. A minha
sogra é uma santa, só é uma pena não estar no céu. Freguês
educado não cospe no chão, não pede fiado, não diz palavrão.
Acendem as luzes (são cinco horas).
Lembra do Célio, um veado magrinho? Falar em Célio, ele está preso de novo, né?
A mulher pergunta (de óculos e cabelo curto). Graças a Deus! - responde o sujeito do balcão.
O português, a essa altura,
já se levantou da mesa e se dirigiu para os fundos do bar.
Além da mesa ocupada à minha frente, há cinco mulheres em outra mesa,
lá perto da TV (que tem canais da Net), que já estavam lá quando eu cheguei.
(21)
Devem trabalhar por perto, parecem funcionárias de alguma loja
ou parentes do português. Perto dos azulejos, um relógio,
marcando cinco e dez.
Chegam uns tipos interessantes: este último chegou empertigado,
como um “gentleman”, meneou levemente a cabeça para os dois
que conversam sem parar na mesa em frente. Sentou-se, após pedir uma cerveja
e dar uma olhada nos salgados.
Chega a segunda cerveja. Resolvo comer alguma coisa, dou uma olhada nos salgados,
acabo pedindo um “peixe à escabeche”, após o garçom me explicar o que é:
sardinhas feitas no azeite, com molho, tomate.
O tal “gentleman” vai pagar a conta, mas, nisto, aparece um sujeito
“bem nutrido” e ele muda de idéia. Aponta a sua mesa para o recém chegado,
parecem ser velhos conhecidos, sentam-se e começam o papo.
(22)
O sujeito do balcão (acho que é filho do português)
parece ser conselheiro da mulher de óculos, lhe dá informações sobre um curso
que ela pretende fazer e lhe diz que tinha uma colega de setenta anos
quando dele participou.
Um dos sujeitos da mesa em frente conversa sobre branco, preto,
só ele que fala, o outro escuta, atento: os holandeses são muito claros, na África todo mundo é preto...
Estou ouvindo apenas pequenos
trechos desconexos da conversa... São seis e doze agora , o tempo urge,
estou terminando a minha brama. Peço a conta, pago e vou embora.
(23)
DESLIZES
Suaves contornos, deslizes...
Na curva da sua cintura, no suave declive que descia até
os cabelos negros que emolduravam
o talho do seu sexo, eu me perdia, eu me perco,
embriagado, sonolento, depravado, cansado...
(24)
SÓ
Homeopáticas doses tomava, a cada dia,
de melancolia, que extravasava
de sua vida.
Olhava, vislumbrava o que vinha e teimava
em se permitir ultrapassar cada minuto
no infinito orquestrado pelo guardião.
Ele, um ponto frente à vastidão!
Putas, donzelas,
o cercavam no delírio dos sentidos.
Vertical, encontro de todas as forças; circular, o espírito, sem princípio e fim;
e ele, equilibrando-se? Tentando...
(25)
Pois pensava entender a linguagem das estrelas,
mas, se enganava. Não entendia a terra,
que era também uma estrela a desabrochar...
(26)
VIDA
Pulula a esfera controversa em hediondos e lúgubres espasmos.
Mortíferos raios quilométricos atingem as montanhas, onde explodem vulcões,
espargindo cinzas nas alturas, cobrindo rios, lagos, florestas,
tudo arruinando!
A calamidade é pouca, está só no início,
especialistas comentam... Estrelas, sóbrias, observam de longe sem se imiscuir; a lua, cansada, não quer saber de mais nada...
O sol, opulento,
lança uma explosão como bilhões de bombas
de hidrogênio para ajudar a acelerar o processo, já
que não tem mesmo mais jeito!
(27)
Eu observo tudo em meu sonho: perplexo, vejo, da minha janela,
uma enorme bomba em forma de prédio que cai verticalmente sobre a cidade, de ponta!
A destruição se alastra, quarteirão após quarteirão! Eu saio do prédio,
caminho entre a multidão desvairada, meu coração bate
acelerado, o pânico é meu companheiro!
(28)
Torno-me o ar poluído, a água fervente, a terra se abrindo em fendas
que se espalham, tragando pessoas desesperadas, animais atônitos, prédios e carros!
Acompanho a explosão da esfera
em trilhões de partes e partículas: minha consciência se multiplica
e sinto a dor de cada um, misturada à sensação de que tudo se acabou...
E, ao mesmo tempo, de que a vida continua
reproduzindo-se e espalhando-se pelo espaço, procurando novas formas de manifestação.
Começo a entender que, mesmo assim, valeu pena a ter vivido, continuar vivendo
ainda que sob uma nova forma e consciência, tentando de novo, destruindo e construindo,
como todos os outros elementos da natureza múltipla.
Mergulho no mais profundo negror central onde reside a origem; sou agora parte
de um crescer original em busca de novos caminhos, novos erros, novos descaminhos,
em novos universos que se desdobram nas noites e manhãs infindáveis do espaço/tempo.
(29)
NO ATO
Erecto, me expando, vigoroso, e penetro em você, gruta macia e quente,
molhada e perfumada, sentindo um prazer crescente!
Aperto as suas mãos nas minhas,
o meu corpo comprime o seu corpo. As minhas mãos acariciam os seus seios,
a sua cintura, as suas coxas bem torneadas.
Os meus lábios brincam no seu rosto, no seu pescoço, nos seus seios, no seu ventre,
em toda você! Os seus olhos brilham e sua pele macia troca mensagens
carinhosas com a minha.
As suas pernas me enlaçam, os seus calcanhares me alcançam as costas,
você pulsa de prazer junto comigo.
(30)
Sinto o cheiro forte e erótico do seu desejo crescendo, se expandindo pelo ar.
Nossos suores se misturam, beijo seus lábios com gosto de sal e minha língua se enrosca na sua.
Os meus olhos se encontram com os seus
e chegam lá dentro da sua alma, que se abre para mim e se reflete na minha.
O prazer cresce cada vez mais, até que transborda! Pela cama, quarto, casa, rios, florestas,
correntezas, cachoeiras, mares, ar, sol, lua, estrelas, planetas!
A minha semente inunda de vida
a sua gruta quente, que responde, agradecida, com espasmos de prazer.
Por segundos chegamos ao clímax, ao segredo do universo, da criação.
As nossas almas e corpos, apaziguados, suados, extenuados, param no tempo,
permanecem no vácuo, esquecidos de tudo, absortos no mistério do encontro.
(31)
IMPASSE
Enviesado, olhava o trono e se debatia à espera
de novas oportunidades que nunca surgiam,
pois o impreterível momento nunca chegava;
e assim o tempo passava.
Obtuso ele era, o sabia, e constatava, cada vez mais,
o desleixo. Matilde o avisara
do princípio do fim; nunca a ouvira, porque agora?
E, ainda assim,
pensava na derrama detrás dos montes.
(32)
Árvores provectas observavam o horizonte belo, escuro, inviável;
se Trancoso ali estivesse, mas se fora...
Normas o impediam de agir na direção
do seu coração sibilante, ofegante.
A virgem o inspirava a sorver em nacos
sua concupiscência; bela e tristonha,
carregando o fardo da sua peçonha.
Sorumbático,
tecera comentários impublicáveis
aos subordinados, que de nada entendiam.
(33)
Porfiava em ensandecer os ousados ouvidores que não acreditavam
ser ele capaz.
Nas ondas, jangadas e navios, presentes e passados,
passavam ante seus olhos, antes efusivos,
agora distorcidos pelo espanto do ostracismo
antecipado.
Nas minas nada mais havia a não ser buracos, as vias cruzadas
conduziam a nada.
(34)
Produções de bananas oferecidas ao seu preço
renderiam alguns trocados? - perguntava-se e entreolhava-se.
Sucumbira, sim, mas
a vertente fatal estava longe do seu fim.
(35)
NOVELO
Flores belas, sudanêsas, o esperavam, para o seu conforto,
e o entretinham com chá, noz moscada e iguarias originais.
Lia os jornais e esperava a chegada;
ela demorava como sempre, reticente, envolvendo-o em um novelo sem fim,
não sabia se lia ou se previa...
Suava com o calor que subia: lembrava-se do último encontro
entre as pernas dela se envolvera demais, cada vez mais...
Sussurrava para si mesmo
que a esqueceria para sempre; mas se lembrou, quando a viu com o olhar perdido, bonito...
Chamando-a para si, suspirou
com seu perfume, seus cabelos, com sua coxa encostando na sua e seu hálito cálido e sensual...
(36)
BUENA VISTA SOCIAL CLUB (baseado no filme homônimo, dirigido por Wim Wenders)
Grandes músicos inspirados, esquecidos, abandonados,
redescobertos, redespertos de sono de muito tempo despontam para o mundo com sua verve, talento,
humor, presença, após longo sofrimento em humildes condições
perdidos nas ruas de Havana; alguns quase centenários
emocionam aos que os ouvem com suas belas melodias de ritmos "calientes"; platéias holandesas,
do Carnegie Hall, deliram deslumbradas; contam suas histórias
humildes e tristes:
(37)
o pianista exímio desistira de tocar alegando artrite o cantor famoso não mais cantava
pois nada ganhava; até que, por sinal
do destino, ressurgem das penumbras sorrateiras;
um deles tem como padroeiro Lázaro, mendigo, de quem
conserva um amuleto, protetor dos esquecidos.
(38)
ENCONTRO
Querida amiga, só espero que entendas que te quero
mais que tudo no mundo e aguardo no vão de entrada que me recebas com graça,
me convides a entrar em sua casa e me sirvas
bebidas, salgados e doces e me seduzas, em seguida,
com sorrisos íntimos olhares capilares
toques suaves risos nervosos de garganta límpida.
Nesse envolvente encontro,
dancemos enlaçados ritmos variados
modernos e antigos até nos sentirmos
comprometidos como cupidos enamorados;
(39)
nos beijemos, apaixonados, tropecemos em nossas roupas,
e nossas bocas e mãos se encontrem pelos caminhos
dos nossos desejos sem freios; nada mais importa,
o gozo alcança o momento, difuso e amplo;
cabelos, ardor, suor, cheiro, tudo se entrelaça e se completa
num caos eterno e visceral; nos perdemos e nos encontramos
na cama ampla e incerta que alcovita o nosso prazer efêmero, total, descomunal.
(40)
DIÁLOGO (baseado em uma charge de Duke)
Bispos pedem perdão aos índios que, cansados de promessas vãs,
respondem com retumbante "não"; no ato, recebem duro golpe da tropa de plantão e, já no chão,
ouvem do FHC e do bispo que lhes apontam os dedos:
essa é pra aprender a aceitar pedido de perdão!!!
(41)
COMEMORANDO
Na festa dos 500 anos jovem índio corajoso
ajoelha frente à tropa que tropeando continua
sobre o seu maxilar, bombas não lhe deixam respirar;
o Grecca se ri atôa até da "nau capitânia"
e o meu dinheiro se escoa; bem longe o povo observa a festa, comendo broa.
(42)
Cronograma com a data: vinte e dois de abril.
XXII DE ABRIL
Xi! a coisa está preta, dizia o pataxó, Xingaram e bateram na gente sem dó!
Ilustres presidentes congratulavam-se, sorridentes, Igualmente alheios, com prosaicos anseios de abril outonal bem diferente do atual.
(43)
ABISMO
Do fundo do abismo ressoa e reboa o grito incandescente e atroz de quem busca por nós,
alhures, algures, perdido em sua rota
rumo ao infinito, degenerou-se, degradou-se, sucumbiu ao bem e ao mal
em uma luta desigual contra tudo e todos; perdeu sua essência,
amesquinhou-se, amarfanhou-se,
caindo de degrau em degrau, de mundo em mundo,
traído, perdido; sabe que nenhuma alma
o alcançará;
(44)
estão, levadas pelo vento da insensatez,
atrás do gozo e da glória, tênues, leves,
sem a sua consistência; sabe que está banido,
conspurcado, mas ainda conserva
a lucidez, seu esplendor e sua perdição,
que o atormenta, cada instante de um tempo
que não existe para ele, engolfado
em seu tormento.
(45)
LUZ
(dedicado ao romancista, poeta, teatrólogo e homem político Victor Hugo, cujas últimas palavras foram: "Vejo a luz negra!")
Luz negra, tu existes? ou és a sombra da luz branca?
de onde vens? do paraíso, do inferno ou de lugar nenhum?
habitavas o caos, antes do som inicial?
ou te perdestes pelo espaço tal como Lilith
procurando seu par, perdido nas imensidões abissais?
de onde vens, quem sois? estás no centro do centro
do planeta, do átomo, da esfera, do sol, da estrela, da galáxia,
do buraco negro, guardando a sete chaves
(46)
o segredo, o inominado, o obscuro, o criador,
o destruidor, o restaurador, a fonte de todos os bens
e de todos os males, o regente da sublime música das esferas,
que destrói nossos ossos e cria e recria nosso feto
e o das estrelas? Luz negra, eu te procuro no recôndito do meu ser,
com ardor e pavor de me perder e me encontrar.
(47)
DEVANEIOS
Com todos esses momentos em que os meus pensamentos
se esvaem ao céu, de déu em déu, ou penetram no profundo terreno
em que piso, alcançando até o magma incandescente
e todo um mundo interior, superior, com o seu sol e o seu disco voador...
Lentamente, entendo fenômenos estranhos
manifestados em cavernas ou nos oceanos e montes; ou que nosso multiverso com muitas dimensões
pode ter uma base comum: já dizem os cientistas,
calculando matematicamente, não são dementes.
(48)
Olhando e pensando nas sextavadas dimensionadas partículas anexadas às nossas, tridimensionais; que existem em nosso universo, recluso
e incluso em outros, maiores!
Não sou matemático: a poesia me leva até
os recantos mais estranhos do tempo, cujas alternativas
se abrem para todos nós, a cada momento,
em paralelos universos; cada ação conduz a
um deles, entre mínimas diferenças...
E lá vou eu...
(49)
FIAT
Na semeadura, uma semente caiu na pedra e cresceu na pouca terra
sobre aquela, o quanto pode, aproveitando ao máximo
as gotas de chuva que formavam barro,
e os raios do sol: tornou-se um pequeno arbusto.
Apanhou muita poeira,
xixi de cachorro, quase esmagada
por carros em disparada; sobreviveu, com seu exemplo, aos pessimistas e oportunistas
que sequer a percebiam.
De suas flores minúsculas abelhas levaram seus germens
que frutificaram em outras paragens. Amén!
(50)
O VAMPIRO
Sentia o intenso gosto do sangue ao morder a suave garganta, dilacerando as suas veias:
a energia penetrava em seu corpo, que vibrava - estava salvo!
- até a próxima vítima - seguiria a sua sina para sempre
até o findar do mundo, levando a peste, a dor, o sofrimento,
a todos os lugares onde pisasse e executasse o seu macabro ritual, fatal;
a menos que deparasse com um mortal genial
que lhe pusesse termo; sucumbiria assim e sua alma negra
para sempre sofreria nas fossas da dor,
agrilhoada no fundo de um mar de sangue nauseabundo e podre,
regurgitando em sua garganta; como pobre mortal
sem direito à morte...
(51)
A ESCRAVA
Sussurros pingando um a um em seu ouvido iam lhe adormecendo
sentindo os braços dela e ainda assim, entrava no sono, sonhando:
bebericava saboroso vinho ela, sua escrava, o servia
bela como agora... o bobo divertia a corte
espalhada por uma mesa sem fim uvas, doces, faisões...
dançarinas fluíam no salão a espada, descansada,
a música, ondulava entre as conversas, gargalhadas, olhares, piscares...
ele sorria para a dama, do seu lado, com cabeleira crespa e loura
dentes brilhantes em boca ampla olhos redondos, grandes, fundos...
seios apertados, saltados, ancas completas, soberbas,
descobertas pelo seu olhar...
(52)
e a sua escrava voltava a lhe servir, com suas pernas morenas e rápidas, sabores orientais especiais
que deglutia com sabedoria... imperceptivelmente, acordando,
sentiu que ela, a escrava, ali estava sobre ele, agora, esposa,
cumprindo os seus deveres, servindo-o com prazeres
mais carnais, em doses tão doces e apetitosas quanto no sonho...
(53)
CIRCULANDO (cientistas conseguem romper a velocidade da luz)
O círculo envolve o ponto o ponto envolve o círculo
o tempo é um círculo presente e eterno
a luz já não é a mais veloz ela mesma se ultrapassa
a si mesma, se deixando lá pra trás se dividindo em mais de uma o efeito antecede a causa
viajamos no tempo e nem sabemos circulamos no círculo do tempo
estivemos e estamos na antiga Índia estaremos e estamos no futuro mundo
neste e em outros universos paralelos: navegantes, andantes, falantes,
pedantes, inconscientes de nosso fluxo e refluxo, ao sabor das marés
da luz, do tempo, do espaço.
(54)
NO FUNDO
Tromba, trompa, toca de lebre,
de esquilo, de raposa, de lobo, de loba,
sumindo, indo ao fundo negro
na pedra, na água, imerso, nada vê.
Caminha pro fundo mais e mais desce,
longo corredor, entra na gruta:
o grande diamante a deusa, o deus,
lado a lado.
Se prostra, pequeno, humano, com o seu animal, que o guia
com força, com mestria, agradece com prece, se ergue e prossegue.
(55)
Encontra a sua criança perdida, sem rumo,
entre outras, na escuridão.
Soergue-se com prumo encontrando o seu rumo sai do fundo do mundo
com sua missão.
A ligação estreita, escorreita, do mundo de cima
com o mundo do meio com o mundo de baixo.
(56)
O VÔO
Lulu escorregou e caiu: se esborrachou,
zuniu pelo espaço além; por auri-verdes
campos; procelas, arminhos, doninhas, giocondas amadas; sumiu até a bolha estratosférica,
brilhante, quimérica; podia viver e respirar,
mas não ousar dali sair.
Sons, músicas esféricas, imortais, ouvia.
Também via sua dona, ousadia...
Sim, era o seu paraíso, conquistado e merecido.
(57)
A NOITE NEGRA
Via a situação perder o controle: a miséria dominando, o desespero, o crime,
energias sugadas para fora;
tudo virou mercadoria: corpo, mente, alma,
trabalho, sexo, prazer. Lá de fora vinham as ordens
cumpridas com prazer pelos que não acreditavam em sua gente, em sua raça,
em sua cultura, em seu trabalho. Retornavam ao passado
de celeiro dos ricos. Vendiam tudo barato,
abriam para eles e tudo nosso se ia
para sempre...
(58)
Ficava o deserto, a dor, a fome,
a penúria, a prostituição. Violência na cidade,
no campo, massas gritavam. Tropas avançavam
contra a liberdade... Crises, crises,
vulneráveis, sem proteção, indefesos, a espera do próximo golpe,
irremediável, fatal!
A noite negra chegara: sem fôlego,
tentava perplexo uma saída,
que estava fechada para ele
e para muitos outros.
(59)
O NEGOCIADOR
Vil, de perfil ou de frente, inconsciente, inconseqüente;
sutil seu plano, burilado, cada fase, procedente
do seu cérebro arraigado.
Recebeu a comissão, elaborou a negociação,
convenceu todos, sorridente; foi-se
para o paraíso dos ricos.
Comprou mansão, avião, iate, quadros de arte;
sua mulher, bela se tornou, esculpida
com esmero pelo doutor.
(60)
Até ele perdeu a barriga, que depois encontrou... Julgado, enquadrado, seu advogado provou
sua boa intenção em todos seus atos,
quase beatos, por fim escapou.
Lá em Miami
navega, pesca, joga, recebe, aplica, conquista,
equilibrista em altas rodas.
Exemplo presente, de sempre, seguido
de perto por alunos sagazes, vorazes, do nosso rincão.
(61)
A ONÇA E O HOMEM
A onça avançou de frente encontrou os ombros de quem estático olhava a penumbra entre as folhagens úmidas
flores avermelhadas com pontos amarelos miquinhos engraçadinhos serpentes esverdeadas formigas esforçadas
tatus em seus buracos troncos redondos galhos divididos
raízes destacadas.
(62)
Tudo o que a onça queria era matar sua fome,
e esse homem sem renome rastrear um destino incerto
perdido entre paredes, prédios, ruas, avenidas, trilhas,
ribanceiras, rios, córregos, árvores, cipós, pedras,
como uma borboleta fugaz, tangenciando a curva noturna
do seu limite extremo, supremo, audaz como um cavaleiro sereno,
que lutou, buscou um prêmio esvoaçado, que lhe fugiu,
e em seu lugar restou a dúvida.
(63)
DESTINO
Cada semente se ajeitava, apertando-se uma contra a outra
no espaço concentrado cercado pela casca;
cada uma olhava a vizinha, parecida com ela, vermelhinha, e perguntava: - companheira,
sabes para onde vamos? qual o nosso destino?
uma respondia: - para a boca de algum demente!
outra: - para um delicioso prato de doce!
e ainda outra: - apodrecer e acabar no lixo!
mas nenhuma imaginava que seu destino glorioso
seria servir de meio para “simpatias” de amigas
no Dia de Reis...
(64)
DE PASSAGEM
De súbito encontrou-o, alijado de qualquer contato
e lhe perguntou se era aquela mulher que lhe pertencera, e que perdera,
mas ele não respondeu. Cismado estava e continuou
em seu estado.
Tantos anos de lutas lhe marcaram o rosto, a alma
e sua palma calosa. A curvatura da espinha,
inclinada, expunha sua pena, cumprida em obscura sina.
Seus cabelos, rareados
no confronto com os ventos do seu destino.
A sua pele, encrespada, curtida, ensolarada.
Seus dentes, mambembes, se sustinham, indispostos.
(66)
A CONQUISTA
O sapo se enamorou: pulou no poço, buscou a bola
da bela, se libertou do feitiço, se transformou
em lindo príncipe; no castelo do seu reino
ele e sua amada se amavam, dos ataques inimigos se defendiam;
na conquista de novas terras se lançou; cresceu em poder: singrou mares, baías penetrou com seus navios,
lutou em rudes batalhas e se tornou célebre, admirado.
O tempo passou, nas intrigas da corte foi traído por amigos,
em quem confiou.