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Atitudes Sociais dos Portugueses Colecção dirigida por Jorge Vala e Manuel Villaverde Cabral

Volumes publicados:

1 Trabalho e Cidadania Organização: Manuel Villaverde Cabral, Jorge Vala e João Freire

2 Religião e Bioética Organização: José Machado Pais, Manuel Villaverde Cabral e Jorge Vala

3 Desigualdades Sociais e Percepções de Justiça Organização: Manuel Villaverde Cabral, Jorge Vala e André Freire

4 Ambiente e Desenvolvimento Organização: Luísa Lima, Manuel Villaverde Cabral, Jorge Vala e Alice Ramos

5 Valores Sociais: Mudanças e Contrastes em Portugal e na Europa Organização: Jorge Vala, Manuel Villaverde Cabral e Alice Ramos

6 Contextos e Atitudes Sociais na Europa Organização: Jorge Vala e Anália Torres

7 Família e Género em Portugal e na Europa Organização: Karin Wall e Lígia Amâncio

8 Ética, Estado e Eonomia: Atitudes e Práticas dos Europeus Organização: Luís de Sousa

9 Trabalho e Relações Laborais Organização: João Freire

10 Tempos e Transições de Vida: Portugal ao Espelho da Europa Organização: José Machado Pais e Vítor Sérgio Ferreira

11 Identidade Nacional, Inclusão e Exclusão Social Organização: José Manuel Sobral e Jorge Vala

Acesso à base de dadosOs dados que serviram de suporte aos capítulos que constituem o presente volumesão de acesso livre e podem ser obtidos através do seguinte endereço electrónico:www.atitudessociais.org

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Os Portuguesese o Estado-Providência

Uma Perspectiva ComparadaFilipe Carreira da Silva

(organizador)

Atitudes Sociais dos Portugueses 12

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Imprensa de Ciências Sociais

Instituto de Ciências Sociaisda Universidade de Lisboa

Av. Prof. Aníbal de Bettencourt, 91600-189 Lisboa – Portugal

Telef. 21 780 47 00 – Fax 21 794 02 74

www.ics.ul.pt/imprensaE-mail: [email protected]

Capa e concepção gráfica: João SeguradoÍndice remissivo: Marta Castelo Branco

Revisão: Soares de AlmeidaImpressão e acabamento: Gráfica Manuel Barbosa & Filhos, Lda.

Depósito legal: 362050/13 1.ª edição: Julho de 2013

Instituto de Ciências Sociais — Catalogação na PublicaçãoOs portugueses e o Estado-providência : uma perspectiva comparada /

org. Filipe Carreira da Silva. - Lisboa : ICS. Imprensa de Ciências Sociais, 2013. - (Atitudes sociais dos portugueses ; 12 )

ISBN 978-972-671-320-3CDU 36

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Em memória de António Ornelas (1951-2012), colega e amigo

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Índice

Agradecimentos . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 17

Os autores . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 19

IntroduçãoO modelo português de Estado-Providência: análise

e perspectiva . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 23Filipe Carreira da Silva

Parte IO Estado social em Portugal: políticas sociais e história institucional

Capítulo 1Portugal: a construção do Estado-Providência em contexto

desfavorável . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 45†António Dornelas

Capítulo 2As (des)igualdades face ao Estado: atitudes e representações

sociais na Europa . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 85Renato Miguel do Carmo e Nuno Nunes

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Parte IIA sociedade portuguesa: estrutura e clivagens sociais

Capítulo 3A relação dos portugueses com o sistema educativo. . . . . . . . . . . 109

Pedro Abrantes e Cristina Roldão

Capítulo 4Avaliação e atitudes perante os sistemas de saúde europeus

numa perspectiva comparada europeia . . . . . . . . . . . . . . . . . . 131Pedro Alcântara da Silva e Maria Helena Pestana

Capítulo 5O terceiro sector e o Estado-Providência em Portugal . . . . . . . . . 161

Sílvia Ferreira

Capítulo 6O envelhecimento contra o Estado-Providência . . . . . . . . . . . . . . 197

Fernando Ribeiro Mendes e Sara Paralta

Capítulo 7O Estado social em causa: instituições, políticas sociais

e movimentos sócio-laborais no contexto europeu . . . . . . . . . 225Elísio Estanque

Índice remissivo . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 265

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Índice de quadros e gráficos

Quadros

1.1 Ciclos políticos e resultados da concertação social............................... 731.2 Conteúdos dos acordos de concertação social em Portugal

(1986-2008) ............................................................................................... 751.3 Principais problemas das relações laborais em Portugal....................... 812.1 Atitudes igualitárias no contexto europeu (k-means cluster analysis)....... 993.1 Nível de escolaridade atingido e percepções dos cidadãos sobre

o estado da educação, serviços de guarda de crianças, segundo o país (ESS 2008 e 2002) ......................................................................... 111

3.2 Satisfação com o estado da educação segundo a intensidade de acesso aos diferentes meios de comunicação social, ESS 2008...... 114

3.3 Relação entre a escolaridade da família de origem e dos respondentes (activos) e trajectória de mobilidade educativa intergeracional por escolaridade da família de origem em Portugal e na UE27, ESS 2008 (%) ........................................................................ 115

3.4 Relação entre a escolaridade da família de origem e dos respondentes (activos) segundo o nascimento antes ou depois de 1970 em Portugal, ESS 2008 (%) ..................................................................... 117

3.5 Relação entre a trajectória intergeracional de mobilidade educativa segundo o nascimento antes ou depois de 1970 em Portugal, ESS 2008 (%)............................................................................................ 117

3.6 Relação entre a categoria sócio-profissional do pai e a escolaridade dos respondentes segundo o nascimento antes ou depois de 1970, ESS 2008 (%)............................................................................................ 117

3.7 Relação entre o nível de escolaridade e a categoria sócio-profissionalsegundo o nascimento antes ou depois de 1970, ESS 2008 (%) ......... 120

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3.8 Relação entre a categoria sócio-profissional dos respondentes e dos pais segundo o nascimento antes ou depois de 1970, ESS 2008 (%)............................................................................................ 120

3.9 Percepções sobre a educação segundo as características sócio--demográficas, escolares, profissionais, a pertença religiosa e o partidovotado nas últimas eleições em Portugal, ESS 2008 (médias) ............. 123

4.1 Tipologia de sistemas de saúde dos países membros da OCDE que fazem parte do ESS .......................................................................... 135

4.2 Satisfação com os serviços de saúde (média)......................................... 1364.3 Eficiência da prestação dos cuidados de saúde (média) ....................... 1384.4 Responsabilidade do Estado em garantir os cuidados de saúde

adequados (média) ................................................................................... 1434.5 Responsabilidade do Estado em garantir os cuidados de saúde

adequados segundo os indicadores sócio-demográficos e atitudinais (modelo de regressão ordinal) ................................................................. 150

4.6 Sector mais importante onde o governo deve investir mais recursos financeiros em 2001 e 2008..................................................................... 153

4.7 Forma de financiamento para pagar os cuidados de saúde em 2008.. 1544.8 Opinião sobre a utilização gratuita do serviço público de saúde

restrita às pessoas com recursos económicos baixos em 2001 e 2008.. 1555.1 Comparação entre actividades, financiamento e trabalho no terceiro

sector em países desenvolvidos e em transição ..................................... 1696.1 Despesas de protecção social e de educação em Portugal

(2001-2007) ............................................................................................... 2096.2 Utilidade dos benefícios sociais para precaver a pobreza em Portugal,

Espanha e Grécia: distribuição de frequências (%) e total de frequência por faixa etária .................................................................. 212

6.3 Benefícios sociais segundo o estado civil, a satisfação da vida e o interesse pela política em Portugal: distribuição de frequências (%) e total de frequências ........................................................................ 215

6.4 Opinião sobre a utilidade dos benefícios sociais em termos de justiça social, atracção a viver no país e tornar as pessoas menos activas: distribuição de frequências (%)............................................................... 216

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6.5 Variáveis independentes ou regressores.................................................. 2176.6 Razão de probabilidades dos benefícios sociais para precaver

a pobreza................................................................................................... 2197.1 Percentagem de respostas abaixo (entre 0 e 4) e acima

(entre 6 e 10) do ponto médio da escala na medida do ESS de atitudes relativas aos serviços de saúde no país................................ 247

7.2 Percentagem de respostas abaixo (entre 0 e 4) e acima (entre 6 e 10) do ponto médio da escala na medida do ESS de atitudes relativas ao estado da educação no país................................... 247

Gráficos

1.1 Pensionistas e beneficiários do subsídio de desemprego (milhares).... 481.2 Despesa total em protecção social

(% do PIB; acréscimo entre 1998 e 2009).............................................. 491.3 Benefícios sociais per capita (total; paridades do poder de compra) .... 511.4 Acréscimo dos benefícios sociais per capita (1997 a 2008; total) .......... 511.5 Despesa pública em políticas do mercado de trabalho

(total das políticas activas e passivas; % do PIB; 2009) ........................ 531.6 Desemprego (benefícios sociais per capita; % de aumento entre 1997

e 2008)....................................................................................................... 531.7 Taxas líquidas de substituição dos rendimentos em diferentes

pontos do período de desemprego (média ao longo de cinco anos de desemprego)......................................................................................... 54

1.8 Cobertura dos trabalhadores flexíveis por subsídio de desemprego ... 541.9 Doença e cuidados de saúde (benefícios sociais per capita;

paridades do poder de compra) .............................................................. 551.10 Velhice (benefícios sociais per capita; paridades do poder

de compra)................................................................................................ 561.11 Velhice (benefícios sociais per capita; % de acréscimo entre 1997

e 2008)....................................................................................................... 56

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1.12 Sobrevivência (benefícios sociais per capita; paridades do poder de compra)................................................................................................ 57

1.13 Sobrevivência (benefícios sociais per capita; acréscimo de 1997 a 2008)......................................................................................... 57

1.14 Pessoas em risco de pobreza depois de transferências sociais (%) ....... 591.15 Variação da percentagem de pessoas em risco de pobreza após

transferências sociais (entre 1999 e 2008) .............................................. 591.16 Trabalhadores em risco de pobreza (%; 2005 e 2009) .......................... 601.17 Famílias e crianças (benefícios sociais per capita; paridades

do poder de compra) ............................................................................... 611.18 Famílias e crianças (paridades do poder de compra; % de acréscimo

entre 1997 e 2008).................................................................................... 611.19 Combate à exclusão social (benefícios sociais per capita; paridades

do poder de compra) ............................................................................... 621.20 Combate à exclusão social (paridades do poder de compra;

% de acréscimo entre 1997 e 2008) ........................................................ 621.21 Efeitos das prestações sociais no comportamento individual.............. 641.22 Efeitos económicos e efeitos sociais das prestações sociais.................. 651.23 Nível de vida dos reformados ................................................................. 661.24 Nível de vida dos desempregados .......................................................... 661.25 Serviços infantis para os pais que trabalham......................................... 671.26 Oportunidades para os jovens encontrarem o primeiro emprego ...... 671.27 Sustentabilidade financeira do Serviço Nacional de Saúde

dentro de dez anos .................................................................................. 681.28 Sustentabilidade financeira das pensões dentro de dez anos ............. 681.29 Desempregados e à procura de trabalho há três semanas ou mais ..... 691.30 Reduzir o tempo de trabalho para tomar conta da família.................. 701.31 Não ter dinheiro suficiente para cobrir as necessidades do agregado

familiar ..................................................................................................... 701.32 Não receber os cuidados de saúde de que realmente necessita ........... 712.1 Desigualdade de rendimento (S80/S20) e assunção

das responsabilidades do Estado nos países europeus.......................... 91

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2.2 Desigualdade de rendimento (S80/S20) e confiança institucional nos países europeus.................................................................................. 93

2.3 Confiança institucional e assunção de responsabilidades do Estado nos países europeus .............................................................. 94

2.4 Concordância com a importância dos apoios sociais do Estado para a construção de uma sociedade mais igualitária nos países europeus (percentagens) .......................................................................... 95

2.5 Concordância com a necessidade de intervenção do governo na redução das diferenças de rendimentos nos países europeus (percentagens)........................................................................................... 97

2.6 Concordância com a relativa igualdade dos níveis de vida para uma sociedade ser justa nos países europeus (percentagens) ........................ 97

2.7 Não aceitação das desigualdades económicas para recompensar diferenças de capacidade e de esforço nos países europeus (percentagens)........................................................................................... 98

2.8 Atitudes igualitárias pelos clusters apurados (distância em relação à média) .................................................................................................... 100

2.9 Atitudes igualitárias, desigualdade social e confiança institucional (distribuição dos clusters) ......................................................................... 101

2.10 Atitudes igualitárias e representações sociais do Estado (distribuição dos clusters) ......................................................................... 101

5.1 Satisfação com a qualidade dos serviços sociais, de saúde e de educação (%) .................................................................................... 181

5.2 Voluntariado formal/informal e sociabilidade ...................................... 1855.3 Confiança nas instituições e nas pessoas .............................................. 1876.1 Rendimento, despesa e poupança das famílias em 2005-2006 ........... 2067.1 Indicador de percepções de responsabilidade social do Estado .......... 2447.2 Percentagem de respostas abaixo do ponto médio da escala

(entre 0 e 4) na medida de satisfação com a actuação do governo do ESS....................................................................................................... 245

7.3 Percentagem de respostas abaixo do ponto médio da escala (entre 0 e 4) na medida de confiança nos políticos do ESS ............... 245

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AgradecimentosGostaria de aproveitar esta oportunidade para agradecer à Fundação

para a Ciência e Tecnologia todo o apoio prestado [projectos: «AtitudesSociais dos Portugueses»; «Promessas por Cumprir: as Origens Políticasda Desigualdade Sócio-Económica em Portugal, 1960-2010» (PTDC/CPJ--CPO/101290/2008)], bem como, e de forma muito especial, aos autoresdeste volume colectivo. Desde o Outono de 2010, altura em que decor-reu a primeira apresentação pública dos dados preliminares do módulosobre o «Estado-Providência» do ESS 2008, até ao envio, sensivelmenteum ano depois, da primeira versão do manuscrito, todos foram, sem ex-cepção, inexcedíveis na forma como responderam a todas as minhas so-licitações. Uma palavra de sincero agradecimento é também devida aoJorge Vala, que me endereçou o convite para organizar este volume e queacompanhou diligentemente todas as fases da sua produção, e à AliceRamos, que corrigiu pacientemente todas as análises estatísticas. Final-mente, uma palavra de apreço pelos úteis comentários e sugestões do re-feree anónimo da Imprensa de Ciências Sociais, a quem estendo, de igualforma, os meus agradecimentos.

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Os autores

Pedro Abrantes é membro do Centro de Investigação e Estudos deSociologia (CIES) do Instituto Superior de Ciências do Trabalho e da Em-presa – Instituto Universitário de Lisboa (ISCTE-IUL), onde tem partici-pado em diversas pesquisas sobre educação, juventude e desigualdadessociais. Tem leccionado no referido instituto, bem como na UniversidadeAberta e no Instituto Politécnico de Leiria, tendo colaborado em algunsprogramas do Ministério da Educação. É investigador visitante no Centrode Investigación y Estudios Superiores en Antropología Social (México).

Renato Miguel do Carmo é doutorado em Sociologia. Actualmente éinvestigador auxiliar do CIES do ISCTE-IUL e do Observatório das De-sigualdades. Autor de diversos livros e artigos (publicados em revistas na-cionais e internacionais), versando principalmente as temáticas das desi-gualdades sociais e territoriais, globalização, mobilidade espacial e capitalsocial. Recentemente, organizou os livros Entre as Cidades e a Serra: Mobili-dades, Capital Social e Associativismo no Interior Algarvio (Editora MundosSociais, 2011), Desigualdades em Portugal: Problemas e Propostas (Edições70/LeMonde Diplo matique, 2011) e, com Charlotta Hedberg, Translocal Rura-lism: Mobility and Connectivity in European Rural Spaces (Springer, 2012).

†António Dornelas foi professor auxiliar convidado no ISCTE--IUL, onde leccionou entre 2005 e 2012. Foi também presidente da di-recção do Instituto para as Políticas Públicas e Sociais (IPPS-IUL) e in-vestigador do CIES do ISCTE-IUL. Entre 2005 e 2011 foi consultor es-pecial dos ministros do Trabalho e Solidariedade Social dos XVII e XVIIIGovernos Constitucionais (José Sócrates). Anteriormente foi secretáriode Estado do Trabalho e Formação do XIV Governo Constitucional (An-

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tónio Guterres, 2001-2002) e assessor do Presidente da República para oTrabalho e Assuntos Sociais (Jorge Sampaio, 1995-2001).

Elísio Estanque é professor auxiliar na Faculdade de Economia daUniversidade de Coimbra (FEUC) e investigador do Centro de EstudosSociais (CES) da mesma universidade. Ensina, investiga e publica sobretemas como classes e desigualdades sociais, sociologia da empresa e dasrelações laborais, sindicalismo, juventude e movimentos sociais.

Sílvia Ferreira é professora auxiliar de Sociologia na FEUC e inves-tigadora do CES e do Centro de Estudos Cooperativos e de EconomiaSocial da FEUC. É doutorada em Sociologia pela Universidade de Lan-caster (RU). A sua investigação tem focado a reforma da segurança social,o terceiro sector e as políticas sociais, o papel das organizações do terceirosector na promoção da igualdade entre sexos, o empreendedorismo socialno terceiro sector e na economia social em Portugal e na Europa. A suainvestigação mais recente recorre às abordagens da complexidade paraobservar a relação paradoxal entre o terceiro sector e o Estado na gover-nação através de parcerias locais.

Fernando Ribeiro Mendes é economista, tendo realizado os estudossuperiores em Portugal e em França. Doutorou-se em Ciências Econó-micas no Institut d’Études Politiques de Paris. Tem exercido diversos car-gos e funções públicas, nomeadamente as de secretário de Estado da Se-gurança Social entre 1995 e 1999. Ensina no Instituto Superior deEconomia e Gestão de Lisboa e tem publicado diversos trabalhos sobretemas de segurança social.

Nuno Nunes é investigador do CIES do ISCTE-IUL e membro doObservatório das Desigualdades. As desigualdades sociais, a análise de clas-ses, a acção colectiva e a mudança social são os seus principais interesses deinvestigação.

Sara Paralta é professora na Universidade Atlântica. Doutorou-se emEconomia pela Université Paris-Dauphine e pelo Instituto Superior deEconomia e Gestão de Lisboa.

Maria Helena Pestana é professora auxiliar de Estatística e Análisede Dados do Departamento de Métodos Quantitativos do ISCTE-IUL.É autora do primeiro livro em Portugal sobre a complementaridade do

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Os autores

SPSS na análise de dados estatística. Os seus trabalhos actuais desenvol-vem-se principalmente no domínio da criação de novos modelos esta-tísticos aplicados às ciências sociais e da saúde. Tem ainda desenvolvidoinvestigações aplicadas a outros domínios, tais como a sustentabilidadedas IPSS.

Cristina Roldão é assistente de investigação no CIES do ISCTE-IULe doutoranda em Sociologia no ISCTE-IUL. Tem-se dedicado à análisedas desigualdades sociais através de duas linhas de pesquisa, uma que seprende com as desigualdades no sistema educativo e outra que remetepara os processos de integração de imigrantes na sociedade portuguesa.

Pedro Alcântara da Silva é doutorado em Sociologia pelo ISCTE--IUL. É investigador de pós-poutoramento no Instituto do Envelheci-mento – Universidade de Lisboa e investigador associado no Institutode Ciências Sociais da Universidade de Lisboa (ICS-UL). Os seus actuaisinteresses de investigação centram-se nos domínios da sociologia dasaúde e da medicina, da sociologia do envelhecimento e da sociologiada comunicação e mass media. O envelhecimento da população é outradas áreas de investigação a que se tem dedicado nos últimos anos, no-meadamente sobre aspectos relacionados com a saúde, o bem-estar e aqualidade de vida.

Filipe Carreira da Silva é investigador auxiliar no ICS-UL e professorauxiliar no Departamento de Sociologia da Universidade de Cambridge(2012-2013). Sobre a problemática das funções sociais do Estado, coor-dena actualmente o projecto «Promessas por Cumprir: as Origens Polí-ticas da Desigualdade Sócio-Económica em Portugal, 1960-2010»(PTDC/CPJ-CPO/101290/2008). Sobre este tema, publicou, com Mó-nica Brito Vieira, O Momento Constituinte. Os Direitos Sociais na Constituição(Almedina, 2010) e, mais recentemente, O Futuro do Estado Social (Fun-dação Francisco Manuel dos Santos, 2013).

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Filipe Carreira da Silva

Introdução

O modelo português de Estado-Providência: análise e perspectiva

O presente livro versa sobre as atitudes dos cidadãos portugueses (eeuropeus) perante o Estado-Providência. A actualidade e a relevânciacientífica deste tema são, hoje em dia, inquestionáveis. A braços comuma das mais graves crises económicas e financeiras das últimas décadas,muitos têm sido os países a ser obrigados a reequacionar a sustentabili-dade e justiça social relativa dos respectivos sistemas públicos de segu-rança social, educação e saúde (Silva 2013). Portugal não é excepção. In-teressa, pois, saber o que pensam as respectivas populações sobre estetema.

Este tema foi objecto de um módulo rotativo na quarta vaga do In-quérito Social Europeu (ou European Social Survey, ESS), realizada em 2008,e cujos resultados preliminares foram anunciados entre nós em Novem-bro de 2010 nas instalações do Instituto de Ciências Sociais da Univer-sidade de Lisboa (ICS-UL). Este módulo sobre o Estado-Providênciafornece-nos um retrato rigoroso e detalhado das atitudes dos portuguesesem perspectiva comparada sobre as funções sociais do Estado. É tendopor base este módulo, bem como outros inquéritos de opinião sobre amesma temática, que os autores dos sete capítulos que compõem estevolume se propõem explicar o que pensam os portugueses sobre estamatéria. Fá-lo-ão confrontando estas opiniões e representações com asatitudes dos cidadãos dos restantes países da União Europeia relativa-mente a um dos pilares da construção europeia, o chamado «modelosocial europeu».

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A problemática do Estado-Providência 1

Nesta secção é apresentada sumariamente a problemática do Estadosocial. Recuperando uma tese originalmente publicada em Onde Pára oEstado, uma colectânea organizada em resposta à crise financeira de 2008e aos concomitantes desafios políticos e sociais por ela levantados, de-fende-se a ideia segundo a qual o «Estado-Providência» corresponde aum modelo de organização do Estado normativamente definido e his-toricamente circunscrito. Como tal, pressupõe-se a existência de outrosmodelos de Estado, para além do «Estado-Providência», a possibilidadede coexistência entre este modelo e outros modelos em cada período his-tórico, bem como a multiplicidade de formas de implementação de cadaum deles. Desta perspectiva, o desafio colocado aos cientistas sociais é ode traçar a história destes vários modelos de Estado e correspondentesprincípios normativos e projectos de implementação concreta, bemcomo o de analisar a sua evolução em resposta às pressões exercidas pelosprocessos de mudança societal.

No que se segue irei debruçar-me brevemente sobre as sucessivas me-tamorfoses que a concepção do Estado sofreu no decurso da era políticamoderna. Irei começar por referir-me à passagem do modelo de Estadoliberal-constitucional do século XIX ao modelo de Estado social que lhesucedeu entre o final desse século e a segunda metade do seguinte e àtransmutação deste no modelo de Estado neoliberal, que se consolidouno final do século XX. Este último, também designado por Estado regu-lador, será o meu próximo objecto de discussão, começando por apre-sentar a narrativa que o legitima e o aparelho conceptual que lhe serviude suporte, para em seguida discutir algumas das razões do seu actualquestionamento. O derradeiro ponto desta introdução é a apresentaçãodos vários capítulos que compõem este livro. Em todos eles é visível atensão entre as representações que os cidadãos têm deste modelo de Es-tado (quer de áreas gerais de intervenção do Estado, como a saúde, a edu-cação ou a segurança social, quer de desafios concretos, como, por exem-plo, os colocados pelo envelhecimento da população) e os indicadoresconstruídos pelas ciências sociais para o medir, avaliar e, em certa medida,legitimar. A isto acresce o facto de que aquelas não são independentesdo labor social científico; pelo contrário, as representações que aqui seatribuem aos «portugueses» são o produto de um inquérito por questio-nário, ele próprio guiado por questões normativas e considerações me-

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1 Esta secção usa material originalmente publicado em Silva (2009).

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Introdução

todológicas, que lhes confere o estatuto de «construções sociais científi-cas» comparáveis às dos demais indicadores respeitantes à actuação doEstado-Providência. É importante não perder este facto de vista sobre-tudo em casos como este, em que se analisam as representações dos por-tugueses sobre o Estado-Providência, ele próprio uma realidade a umtempo normativa e concreta. Uma realidade que, por isso mesmo, re-flecte os diferentes tempos históricos e as diferentes formações sociaisem que tem sido implementada. É desses reflexos, e das reflexões que osportugueses deles fazem, que este livro trata.

Comecemos por apresentar a estratégia teórica por detrás da nossaanálise aos diferentes modelos de Estado. A estratégia teórica aqui seguidaé crítica do paradigma racionalista e individualista cartesiano e dos mo-delos e metodologias deste tributários, da teoria da escolha racional aobehaviorismo, passando pelo presentismo metodológico. É, por conse-guinte, sensível ao carácter histórico e ideológico dos conceitos e modelosteóricos, sobretudo daqueles que se apresentam como «apolíticos», «neu-tros» ou «racionais». Como Albert Hirschman demonstrou em The Rhe-toric of Reaction, o ideário conservador, que acompanhou cada uma dasmetamorfoses do Estado que irei discutir neste ensaio, é tão consistentequanto pouco inovador. As soluções que os autores neoliberais prescre-veram para a reforma do Estado no final do século XX apresentam clarosparalelos com as razões apresentadas, século e meio antes, pelos seus an-tecessores liberais para resistirem às tendências de democratização do Es-tado liberal oitocentista (Hirschman 1991). Em complemento à recons-trução diacrónica da retórica conservadora encetada por Hirschman, asociologia do conhecimento de Karl Mannheim e o historicismo da cha-mada «escola de Cambridge» ilustram bem a função crítica que a históriadas ideias pode desempenhar.2 A crítica aqui ensaiada ao modelo de Es-tado regulador tem, assim, um cariz claramente historicista. Rejeita-se,portanto, a ilusão platónica de que os modelos, designadamente os mo-delos de Estado, podem ser construídos, independentemente da realidadeque visam analisar, em favor de uma visão que assume o inevitável con-fronto entre a normatividade e a facticidade, procurando dele retirar li-ções para melhor explicar uma realidade em que factos e normas inelu-tavelmente se cruzam. Estabelecidos os parâmetros da discussão,passemos à noção em torno da qual ela gira, a ideia de Estado.

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2 V., por exemplo, Mannheim (1972 [1932]) e Skinner (1969); v. igualmente Silva(2004).

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Em bom rigor, deveríamos começar por assinalar que o «Estado» nãoexiste. Como Thomas Hobbes, o primeiro grande teórico do Estado, la-pidarmente o colocou, o Estado é a ficção que corporiza os nossos maisfundamentais interesses.3 Não uma ficção inerte, antes uma ficção vital,personificada pelo governo e sustentada pela nossa responsabilidade co-lectiva. Poucos hoje tomarão literalmente os mecanismos heurísticos dopassado, em que o Estado surgia como uma entidade supra-individual,dotada de vontade própria, constituída por um acordo fundador entreos cidadãos, que in abstracto definia as suas competências, responsabili-dades e direitos. Embora o Estado seja um nome de continuidade e semostre inseparável do exercício de certas funções essenciais à vida emcomunidade, ele é também uma realidade histórica mutável, em cons-tante redefinição. Enquanto realidade normativa, o Estado refere-se, so-bretudo, a um modelo jurídico-político de organização da nossa vida co-lectiva. Trata-se, por isso mesmo, de uma organização historicamentesingular e estruturalmente específica da dominação de indivíduos sobreoutros indivíduos (Dusza 1989, 71). Uma das coisas que distinguem umEstado de outros tipos de associação, como um sindicato ou um partido,é o carácter indisponível da pertença ao Estado – não se muda de nacio-nalidade com a mesma facilidade com que se muda de cidade, clube defutebol ou confissão religiosa. Pela sua pretensão à representação da co-munidade política no seu todo, e como um todo, pela corporização dosseus interesses mais fundamentais, o Estado tem um ascendente sobre as«associações» parciais com expressão político-constitucional no conceitode soberania. Isto significa também, como reverso da moeda, que a ac-tuação do Estado necessita de legitimidade acrescida. Os cidadãos espe-ram do Estado um grau de protecção, segurança, bem-estar económicoe social (educação, saúde, protecção social) que não exigem, nem podemlegitimamente exigir, de nenhuma outra instituição. Enquanto realidadehistórica, o Estado refere-se, pois, ao modo irrepetível como esse modelonormativo se concretiza num determinado território, época histórica equadro cultural. O Estado passa aqui a ser uma realidade com rosto, atri-butos e idade. Se, por exemplo, as imagens por satélite permitem repre-sentar cartograficamente o território de um Estado, as estatísticas descre-vem as actividades nele desenvolvidas, a sua lei fundamental define ostermos – normas, valores, instituições e procedimentos – em que se fundaa aliança cívica dos seus habitantes e a história fornece uma narrativa queserve de base à cultura e identidade nacionais.

3 V., por exemplo, Vieira (2009) e Skinner (2011).

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Introdução

Claro está que erraríamos se pensássemos que estes dois planos, onormativo e o histórico, são planos autónomos e prosseguem existênciasseparadas. Pelo contrário, estamos a falar de planos que se entrecruzama cada momento. A categoria «Estado» é redefinida a cada instante pelaacção concreta dos agentes que actuam em seu nome, pelas percepçõesque dela têm os cidadãos afectados por decisões emanadas de agentespúblicos, bem como pela panóplia de acções e valores que, produzidosem esferas de acção não estatais, a condicionam e afectam significativa-mente. A actual crise financeira, cujo início remonta ao Verão de 2008,é exemplo desta dinâmica. Um vasto conjunto de decisões tomadas poragentes económicos diversos e não cabalmente reguladas por opção pró-pria do Estado (sobretudo o norte-americano, mas não só) veio revelar--se desastroso para a economia mundial, vindo a questionar-se, em re-sultado, o sistema de regulação pública dos mercados financeiros e o pró-prio modelo do «Estado regulador», dominante nas últimas décadas.

A circunstância de que o módulo do ESS aqui em análise foi aplicadono terreno em 2008, nas vésperas da maior convulsão económico-finan-ceira mundial desde a grande depressão dos anos 30, não pode ser aquiignorada. As atitudes dos portugueses sobre o Estado-Providência devem,pois, ser lidas a esta luz. Recoloco, pois, aqui a questão que já havia le-vantado, em 2009, em Onde Pára o Estado? Em que medida a actual crisedos mercados financeiros, causada pela falha da regulação pública, po-derá levar a uma reformulação do modelo de Estado até aqui dominantenos países desenvolvidos, a saber, o chamado «Estado regulador», que seseguiu ao Estado social keynesiano, que havia predominado entre o finalda Segunda Guerra Mundial e a crise fiscal dos anos 70? Nesse ensaio, aminha resposta apontava para a emergência de um novo modelo de Es-tado – que apelidei na altura de «Estado neo-social» –, que iria sucederao modelo neoliberal, tal como este havia sucedido ao modelo de Estadosocial do pós-guerra, reinventando o modelo de Estado liberal clássicodo século XIX. Aqui interessa-me antes explorar a sucessão e coexistênciadestes vários modelos de modo a fazer luz sobre a realidade histórico--normativa perante a qual os respondentes portugueses ao ESS de 2008foram confrontados – as múltiplas funções sociais desempenhadas ousupervisionadas pelo Estado português, isto é, o Estado-Providência por-tuguês.

Considere-se o percurso que esta categoria «Estado», a um tempo nor-mativa e histórica, tem vindo a trilhar desde o final do século XVIII,aquando da emergência da modernidade política com as RevoluçõesFrancesa e Americana. A reflexão sociológica é, desde logo, um valioso

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recurso para perceber as várias metamorfoses por que o Estado passounos últimos dois séculos. Tal como a passagem do Estado liberal ao Es-tado social no Ocidente motivou a sociologia legal de Max Weber,4 e apassagem do Estado social keynesiano ao Estado neoliberal tem sido umapreocupação subjacente aos escritos políticos de Jürgen Habermas,5 o de-safio com que hoje nos confrontamos é o de teorizar, política e sociolo-gicamente, os contornos da passagem do Estado neoliberal ao Estadoneo-social do século XXI. Cada um destes modelos define-se pela formacomo procura gerir os diversos imperativos sistémicos, nomeadamentede ordem económica, política, cultural e ambiental.6 Assim, o Estado li-beral-constitucional deu prioridade ao imperativo económico de garantiros direitos civis e, maxime, o direito de propriedade, sustentadores dossistemas de prática legal e económica, vulgarmente designados por «ca-pitalismo». Fundado sobre a tradição do positivismo jurídico, de que ateoria constitucional de Hans Kelsen é a expressão culminante, este mo-delo de Estado dá prioridade à validade formal da lei, e a intervenção doEstado é limitada, selectiva, dir-se-ia, orientando-se para a resolução deproblemas concretos.7 Gradualmente, embora a concretização históricadesta passagem tenha sido tão diversa quanto as estruturas sócio-econó-micas e culturais de cada país, este modelo de Estado deu lugar a ummodelo mais intervencionista, o Estado social. Este modelo de Estadoincorpora dentro de si submodelos que partilham o objectivo (moder-nista) de intervir nas respectivas sociedades de forma muito mais vincadado que no passado, independentemente da sua democraticidade: porexemplo, o corporativismo, que marcou o Estado social em Portugal du-rante a ditadura de Salazar e Caetano, tinha um perfil claramente auto-ritário.8 Já o chamado Estado-Providência ou de bem-estar assentou sobreuma noção de «cidadania social», em que o imperativo de estabilidade

4 Weber (1978 [1920]), 880-889; v. também, por exemplo, Neumann (1957 [1937]),Scheuerman (1994), Caldwell (1997) e McCormick (2007).

5 V., entre outros, Habermas (1976 [1973], 1991 [1981], 1996 [1992], 2001 [1998]).Para uma crítica à análise de Habermas a esta transição paradigmática, v., por exemplo,Held (1982). Uma perspectiva sociológica alternativa à de Habermas encontra-se em Luhmann (1990).

6 Sobre a teoria dos sistemas políticos, v. Easton (1953, 1965a, 1965b). Sobre a apli-cação funcionalista da teoria dos sistemas em sociologia, v. Durkheim (1987 [1895], 1993[1893]), Parsons (1979 [1951]), Luhmann (1982), Habermas (1991 [1981]) e Bailey (1994).Para uma análise desta última corrente, v. o capítulo 2 de Baert e Silva (2009).

7 Sobre a tradição do positivismo jurídico, v. Kelsen (2008 [1934]), Hart (1983) e Raz(1986). Para uma crítica, v. Dworkin (1986).

8 V. sobre o modelo corporativo, por exemplo, Royo (2002).

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Introdução

económica se associou intimamente a imperativos de justiça social e de le-gitimidade democrática. Independentemente da sua democraticidade, oEstado social tendeu a ignorar questões identitárias e ambientais porqueou ainda não se colocavam com acuidade (no caso das últimas) ou porqueeram reprimidas (no caso das primeiras).9 Como Weber temia, o interven-cionismo do Estado social não cessou de aumentar ao longo do século XX.A acção do Estado, já não limitada a responder a problemas pontuais,orienta-se agora para a prossecução de objectivos gerais – combater a in-justiça social, por exemplo –, o que a torna potencialmente constante eininterrupta. A crise fiscal do final dos anos 70 e a eleição de MargaretThatcher em 1979 e Ronald Reagan em 1981 marcam o fim do compro-misso entre a solidariedade social e a acumulação capitalista, bem assimcomo o nascimento de um novo modelo de Estado, o Estado regulador.Nas últimas décadas do século XX, este novo modelo de Estado volta a darprioridade ao imperativo económico, em detrimento do político, isto é, à«eficiência», em detrimento da «solidariedade».10 Ele coexiste também coma emergência da centralidade política da questão das identidades, tantosubnacionais (por exemplo, étnicas ou de género) como supranacionais(por exemplo, religiosas), e com passagem da sustentabilidade ambientaldo modelo de produção económica para o epicentro da agenda política.

Nos últimos trinta anos, fenómenos como a crise fiscal dos anos 70, oprocesso de globalização económica das duas décadas seguintes e a disso-lução do modelo socialista de economia planificada contribuíram parauma mudança dos modelos de organização do Estado ao sabor de impe-rativos de ordem económica. Passou-se assim de um Estado keynesiano,orientado para a redistribuição da riqueza, no âmbito de uma concepçãode cidadania social, para um modelo schumpeteriano, em que o Estadose retira de vários sectores de governação, dando lugar a uma pluralidadede actores não estatais, desde o chamado «terceiro sector» (incluindoONGs, fundações, mutualidades, cooperativas e associações; v. capítulo6, neste volume) às empresas privadas. Tal como as três vagas de direitoshumanos descritas por T. H. Marshall e a teoria económica de John May-nard Keynes contribuíram para legitimar o welfare state, o Estado schum-peteriano, para além da teoria económica neoclássica do autor de Capita-

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9 Um texto fundador deste modelo de Estado é Marshall (1977 [1950]). Da literaturasobre as mais recentes evoluções deste modelo de Estado, destacamos Pierson (2001).Sobre o caso norte-americano, v. Sunstein (1990).

10 Sobre a genealogia desta noção de «solidariedade» da Antiguidade clássica ao Es-tado-Providência e aos novos movimentos sociais, v. Karagiannis (2007).

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lism, Socialism and Democracy, assenta sobre a teoria da regulação. Partindoda premissa de que o capitalismo é um modo de produção inerentementeinstável, esta última visa explicar como é que tal sistema não só subsistiu,mas foi capaz de se tornar dominante nas últimas décadas.11

A expressão «Estado regulador» deriva da noção de «auto-regulaçãodos mercados». Se os mercados se auto-regulam naturalmente, ao Estadocompete apenas intervir para garantir as condições do seu bom funciona-mento, nomeadamente assegurando a livre concorrência e evitando oschamados «abusos de mercado» (monopólios, cartéis, etc.). À luz do mo-delo regulatório, ao Estado já não compete produzir e distribuir bens eserviços públicos directamente, mas tão-somente regular, supervisionar efacilitar a produção e distribuição destes mesmos bens por parte de ter-ceiros, incluindo as empresas privadas. Foram três os principais eixos emtorno dos quais se procedeu à reestruturação do Estado social num Estadoregulador, ainda que, em muitos países, aquele ainda tivesse uma imple-mentação incipiente. Em primeiro lugar, o Estado viu a sua escala de ac-tuação descentrada, quer para níveis subnacionais (regionais e locais), quersupranacionais (por exemplo, a UE). Em segundo lugar, verificou-se a pas-sagem do «welfare ao workfare», em que a distribuição de benefícios porparte do Estado passou a ter como contrapartida a obrigatoriedade de par-ticipação em acções de formação profissional, estágios em empresas ouinstituições públicas, etc. (Jessop 1993). Por último, deu-se a passagem da«governação à governança», visível sobretudo ao nível do poder local, emque o contracting out foi visto neste período como a resposta mais eficienteà crise fiscal que se seguiu ao crescimento económico excepcionalmentelongo e elevado dos «trinta gloriosos» (1945-1975).12 O aparelho concep-tual deste paradigma, também designado por «consenso de Washington»,é conhecido. Em seu resultado, noções como as de «governança», «gover-

11 A literatura produzida no âmbito deste paradigma é abundante [v., por exemplo,Noll (1985), Young e Wallace (2000), Meier (1985), Meiners e Yandle (1989), Mackay,Miller III e Yandle (1987), Wilson (1980) e Black (2002)]. Entre nós, as referências sãobem mais recentes [v., por exemplo, Moreira e Maçãs (2003), Morais, Ferreira e Anastácio(2009), Moreira e Marques (2008 [2003]), Feitosa (2007), Marques, Almeida e Forte (2005)e Moreira, Jalali e Alves (2008)].

12 O neologismo «governança» refere-se à transição ocorrida nas últimas décadas deuma forma de governação à escala nacional para um modelo em que a soberania se dis-tribui por múltiplos níveis, reservando-se a designação de «governança» para os váriosdomínios que escapam à escala do território nacional: desde a regulação transnacionalde fluxos financeiros (transnational governance), à gestão de empresas (corporate governance)ou municípios e áreas metropolitanas (urban governance). Sobre este tema da reestruturaçãoescalar do Estado, v., por exemplo, Brenner (2004).

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Introdução

nação multinível», «regulação», «captura do Estado» por grupos de inte-resses e «globalização» têm ganho incontornável importância, quer na li-teratura que estuda a acção do Estado em ciência política, economia egestão, direito, etc., quer no próprio vocabulário legitimador usado porvárias instituições (Banco Mundial, FMI, OCDE)13 e actores que aplicam,disseminam e concretizam o modelo regulatório (v., por exemplo, Bevir2007). Porque o estabelecimento de um paradigma é também, e sobre-tudo, uma luta simbólica, os proponentes deste modelo de Estado nãodeixaram de procurar encontrar fontes adicionais de legitimação na his-tória das ideias (um exemplo é McCraw 1984).

Este modelo de Estado caracterizou-se, portanto, por um claro favo-recimento dos imperativos de crescimento económico em detrimentode imperativos de legitimação social, e mesmo política, da governação.Ainda assim, o Estado regulador trouxe vários contributos importantespara a vivência democrática em sociedades desenvolvidas, salientando--se, deste ponto de vista, a rejeição do paternalismo de Estado, a maiortransparência, a exigência de eficiência e responsabilização (accountability)dos serviços públicos, a crítica a instituições hierárquicas tradicionais (par-tidos políticos, sindicatos, Igreja, etc.), em favor de instituições e formasde actuação colectiva mais flexíveis e igualitárias, um traço essencial dacultura política pós-materialista que acompanhou este modelo de Estado.O reverso da medalha é, porém, não só o excessivo individualismo, quecoloca em perigo os valores sustentadores da solidariedade cívica, comoas tendências de tecnificação da política (já identificada por Habermasnos anos 60) e de desideologização (Bell 1965), em parte responsáveispela crescente abstenção eleitoral na generalidade das democracias oci-dentais durante o período de vigência do Estado regulador.

Todos estes modelos de Estado, em suma, exprimem certos princípiosnormativos sobre as relações entre a sociedade, a economia e o aparelhodo Estado e exprimem-se através de políticas concretas, com efeitos du-radouros e profundos sobre as populações. No caso do nosso país, a su-cessão e entrecruzamento dos vários modelos de Estado disponíveis con-funde-se com a história do Estado desde, pelo menos, o início do séculoXIX. O modelo de Estado corporativo, que imperou durante o EstadoNovo, confere ao caso português uma configuração particular, sobretudovisível no domínio das suas funções sociais. Entre nós, e ao contrário doque sucedeu em muitos outros países do Norte da Europa, os primeiros

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13 Sobre esta última, que lançou em 1998 um «programa para a reforma regulatória»,v. OCDE (1997, 2000).

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passos no sentido da construção de um «Estado social», no início da dé-cada de 60, foram dados, não por democracias preocupadas em encontraruma via media entre o capitalismo e o comunismo, mas antes por umaditadura que se procurava legitimar e conter a revolta social através depolíticas assistencialistas orientadas para grupos sócio-profissionais espe-cíficos.14 Este legado corporativo, em reacção ao qual se lançaram as basesdo Estado-Providência no pós-25 de Abril, mas cujo lastro não se deixade fazer sentir até hoje, é um dos aspectos que tornam o caso portuguêsparticularmente interessante de analisar do ponto de vista da história eda sociologia das políticas sociais. Foi com base neste legado, e por in-termédio de uma transição revolucionária para a democracia, que se lan-çaram as fundações para o desenvolvimento do Estado-Providência emPortugal a partir de 1974-1975. Ironia da história, foi igualmente a partirdos anos 70 que se verificou a ascensão do modelo de Estado neoliberal,primeiro no mundo anglo-saxónico, mais tarde um pouco por todo olado: enquanto, por exemplo, em Portugal se começava gradualmente aconstruir um sistema nacional de saúde geral, universal, unificado e gra-tuito, como resposta às promessas de Abril, na Inglaterra de MargaretThatcher começava-se a questionar seriamente os fundamentos e propó-sitos do modelo de Estado social do pós-guerra. É, por conseguinte, atra-vés da sucessão e coexistência, raras vezes pacífica, entre diferentes mo-delos de organização que se vai traçando a genealogia do Estadomoderno.

Os portugueses nas vésperas da crise: descrição da obra

Outros entendimentos sobre esta genealogia e outrossim sobre a me-lhor forma de se estudar o Estado e as suas relações com a sociedade e aeconomia têm guiado a pesquisa empírica em Portugal sobre estes temas.É o caso, por exemplo, da teoria de médio alcance, que, fazendo eco datese habermasiana da modernidade como um «projecto inacabado» (Ha-bermas 1997 [1981]), sugere que Portugal é uma sociedade com uma mo-dernidade inacabada (Machado e Costa 1998). Uma outra perspectiva,desenvolvida por Boaventura de Sousa Santos desde os anos 80, coloca

14 V., por exemplo, Lucena (1982), Guibentif (1985), Pereira (2009) e Vieira e Silva(2010).

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Introdução

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o nosso modelo de relações entre o Estado e a sociedade numa posiçãode «semiperiferia» face a esse mesmo projecto da modernidade ocidental(Santos 1985).

Sucede que, com a possível excepção do último capítulo, os autoresdeste volume optaram por não adoptar nenhuma destas grelhas analíti-cas, mas antes a tipologia desenvolvida por Gøsta Esping-Andersen emThe Three Worlds of Welfare Capitalism (1990). Esta tipologia visa especificaras principais formas como o modelo de Estado social, acima exposto, temvindo a ser implementado em diferentes partes do globo. Concreta-mente, Esping-Andersen propõe-nos identificar os diferentes tipos de Estado social à luz do seguinte critério: em que medida o respectivo Es-tado-Providência foi concebido e actua para substituir o mercado, ou,pelo contrário, para o apoiar? Por detrás deste critério está a premissa deque existe um antagonismo essencial entre o Estado-Providência e o mer-cado, sendo os direitos sociais e as políticas sociais, em geral, uma con-quista das classes trabalhadoras face aos interesses do capital e do patro-nato. À luz deste critério, Esping-Andersen identifica três grandes tipos,ou famílias, de Estados-Providência. Numa destas famílias predomina alógica de mercado, isto é, o Estado social existe fundamentalmente paraapoiar o mercado e a iniciativa privada. É o chamado «Estado-Providên-cia liberal», em que o Estado encoraja modalidades privadas de assistênciasocial (por exemplo, seguros privados de saúde), tende a oferecer apoiossociais relativamente modestos, cuja atribuição é muitas vezes condicio-nada pelo nível de rendimentos dos beneficiários (o chamado means tes-ting). Países que ilustram esta família «liberal» de Estados-Providência se-riam os Estados Unidos da América, o Reino Unido ou a Austrália. Numoutro tipo de Estado-Providência a lógica é a oposta: o Estado social, emvez de existir para apoiar o mercado, existe para o substituir tanto quantopossível. Nesta família de Estados-Providência «sociais-democratas», deque são exemplos os países escandinavos, como a Noruega ou a Suécia,o Estado é o principal garante da realização dos direitos sociais de todosos cidadãos. Mais do que assegurar as necessidades básicas de todos, aideia aqui é a de garantir a todos o mais alto nível de vida, bem-estar esegurança. De igual importância neste tipo de Estado social é o objectivode se garantir o pleno emprego, na medida em que é a melhor maneirade se assegurar que todos contribuem para o esforço de financiamento(através dos seus impostos e contribuições) de um Estado-Providênciafortemente universalista, igualitário e solidário. Um terceiro grupo depaíses não é liberal (os seguros privados são residuais e os direitos sociaisnunca foram pomo de discórdia) nem universalista (os direitos sociais

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não têm um propósito redistributivo), mas antes «corporativista» ou «con-servador». Os Estados-Providência corporativistas, típicos de países daEuropa continental, como a Alemanha, a França ou a Áustria, expressamos valores culturais do catolicismo e de poderosas corporações: em vezde universais e orientados para a redistribuição dos rendimentos, nestespaíses os direitos sociais correspondem e sustentam diferentes classes oucorporações. Em resultado disto, apesar de a despesa social ser usual-mente elevada, esta família de Estados-Providência não é igualitária: éantes estratificada, e o Estado-Providência foi desde sempre concebido eimplementado não em torno do indivíduo (como no caso dos regimesliberais, ou sociais-democratas), mas em torno da família, como unidadebásica da sociedade.

Onde fica Portugal nesta tipologia? Esta questão foi colocada por crí-ticos de Esping-Andersen, os quais tiveram em conta outros critérios (an-tiguidade do Estado social, valores culturais) para identificar um quartotipo de Estado-Providência, característico do «Sul da Europa» ou da «orlalatina» da Europa.15 Para além do nosso país, esta família inclui casoscomo o grego, o espanhol ou o italiano. Caracteriza-se por Estados sociaisrelativamente recentes e pouco desenvolvidos, baseados em esquemasde protecção social anteriores criados pela Igreja Católica e/ou por regi-mes autoritários. Caracteriza-se igualmente por combinar fortes compro-missos políticos em matéria social (por exemplo, por ter constituiçõesque obrigam à implementação de direitos sociais), sistemas políticosclientelares (onde se incluem partidos, sindicatos, ordens profissionais eoutros grupos de interesses) e um aparelho de Estado relativamente fracoe vulnerável.

Este foi o ponto de partida para vários dos textos que se incluem nestelivro, como é o caso do primeiro capítulo, da autoria de António Dor-nelas. Num texto certeiramente intitulado «Portugal: a construção do Es-tado-Providência em contexto desfavorável», Dornelas traça as origens ea evolução das políticas sociais no período democrático. Para o autor, aorigem do Estado-Providência no nosso país, quer devido ao número debeneficiários, quer devido aos montantes em questão, deve ser recondu-zida, não às primeiras políticas sociais dos anos 60, mas antes a 1974--1975, altura em que se constitucionalizaram os direitos sociais e econó-

15 V. a este respeito, por exemplo, Leibfried (1993) e Ferrera (1996). Esping-Andersen,numa obra posterior, incorpora estas críticas e passa a incluir no seu modelo um tipo«mediterrânico» de Estado-Providência (1999, 139). Uma problematização deste modelo«mediterrânico» encontra-se em Gunther, Diamandouros e Sotiropoulos (2006).

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Introdução

micos que estariam na origem dos sistemas públicos universais e geraisde segurança social, saúde e educação que seriam regulamentados poucosanos depois. Este é o ponto de partida de um capítulo em que nos é ofe-recida uma visão panorâmica da evolução das políticas sociais nas últimasdécadas. Trata-se, a meu ver, de uma contribuição imprescindível para acompreensão da experiência dos portugueses neste domínio. Esta visãode conjunto da evolução das políticas sociais é tanto mais importantequanto pensarmos na sua diversidade e variação ao longo do tempo:desde políticas de apoio na doença e no desemprego a políticas no âm-bito da educação e na segurança social, são muitas as facetas da acção so-cial do Estado português que António Dornelas nos sintetiza com rigore clareza neste primeiro capítulo.

O capítulo que se segue, igualmente orientado pelo modelo de Es-ping-Andersen, é da autoria de Renato Miguel do Carmo e Nuno Nunese tem o título de «As (des)igualdades face ao Estado: atitudes e represen-tações sociais na Europa». Nele, os autores propõem-nos aquilo que de-signam por «perspectiva relacional do Estado», querendo com isto dizeruma análise das relações deste último com os domínios da economia, dasociedade e da cultura. Em particular, propõem-se analisar as relaçõesentre o Estado-Providência, a desigualdade e a cidadania – em que me-dida a desigualdade sócio-económica se reflecte em alguns casos, parado-xalmente, na construção simbólica de valores e representações igualitários.Os resultados a que chegam são extremamente interessantes. Os autoresconcluem que a maioria dos europeus subscreve uma concepção de jus-tiça social em que o Estado cumpre uma função central na correcção dasdesigualdade sociais, preferindo, portanto, uma opção redistributiva, emdetrimento de uma opção liberal. Mas em países como Portugal, subli-nham, tal responsabilização do Estado no combate às desigualdades so-ciais vai a par dos menores níveis de confiança nas instituições públicas.Este paradoxo, já detectado por Wilkinson e Pickett no seu famoso Espí-rito da Igualdade, 16 é aqui reconfirmado, figurando entre os resultadosmais interpelantes deste volume.

Na parte II, o tema comum aos cinco capítulos que a compõem é arelação entre o Estado-Providência e a sociedade portuguesa, nomeada-mente a estrutura e algumas das principais clivagens sociais que a defi-nem. Nela são discutidas, respectivamente, as atitudes dos portugueses

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16 V., sobre este livro, a acutilante recensão de David Runciman na London Review ofBooks: http://www.lrb.co.uk/v31/n20/david-runciman/how-messy-it-all-is (acedido pelaúltima vez em 10 de Março de 2013).

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face aos sectores da educação, da saúde e do chamado «terceiro sector»,bem como os desafios colocados ao Estado-Providência português doponto de vista de dois grupos etários bem distintos, os jovens e os idosos.

Em «A relação dos portugueses com o sistema educativo», PedroAbrantes e Cristina Roldão oferecem-nos uma análise, em comparaçãocom as dos restantes europeus, do que pensam os portugueses da escola.Neste capítulo não só se analisa esta relação à luz de vários factores con-textuais (nível de escolaridade, área geográfica, nível de rendimentos, ocu-pação profissional e orientações políticas e culturais), como se explora,em sentido inverso, de que modo o percurso educativo dos respondentesinfluencia as respectivas atitudes perante a educação. A conclusão queos autores retiram da sua análise aos dados do European Social Survey de2008 sobre este tema é a de uma «adesão desencantada» dos portuguesescom o sistema educativo no nosso país: por outras palavras, nas últimasdécadas, os portugueses têm vindo a frequentar a escola durante cadavez mais tempo, embora esta crescente adesão seja acompanhada de ní-veis de crítica e de descrença também crescentes – é como se os portu-gueses, à medida que vão aprendendo com o sistema e como ele fun-ciona, mais cépticos e críticos dele se tornassem. A percepção que osportugueses tinham da escola em 2008 era, portanto, a de um mundofechado e pouco acessível. Face ao agudizar da crise entretanto verificado,não é difícil imaginar que este «desencantamento» com a escola se tenha,entretanto, agravado de forma significativa, uma hipótese certamente aexplorar em trabalhos futuros.

O capítulo seguinte, «Avaliação e atitudes perante os sistemas desaúde numa perspectiva comparada», é da autoria conjunta de Pedro Al-cântara da Silva e Maria Helena Pestana. Os autores abordam as atitudesdos portugueses e dos restantes povos europeus face aos respectivos sis-temas de saúde de uma forma diferente da privilegiada por Pedro Abran-tes no capítulo anterior sobre a educação. Aqui é introduzida uma va-riável institucional – a natureza pública, mista ou privada dos sistemasde saúde de cada país – para mediar as atitudes individuais sobre o sectorda saúde e as respectivas determinantes económicas, sociais e culturais.São três as principais conclusões deste capítulo sobre a saúde em Portu-gal e as representações que dela fazem os portugueses. Em primeirolugar, a arquitectura institucional demonstrou ser um factor importantena mediação que desempenha entre as atitudes dos cidadãos e as váriasdeterminantes económicas, sociais e culturais. Concretamente, são ossistemas públicos de saúde os que melhor se saem quando avaliadospelos cidadãos europeus, sendo igualmente nos países com este tipo de

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Introdução

sistema onde os indivíduos tendem a atribuir maior responsabilidadeao Estado pela garantia do direito à saúde. Em Portugal, porém, os re-sultados são menos favoráveis ao desempenho do SNS quando avaliadopelos utentes do que nos restantes países europeus com sistemas públi-cos de saúde, talvez fruto de uma percepção generalizada da iniquidadeno acesso à saúde no nosso país. Em segundo lugar, os cidadãos euro-peus tendem, em geral, a atribuir uma grande responsabilidade ao Es-tado na prestação dos cuidados de saúde, uma tendência particular-mente pronunciada nos países com sistemas públicos de saúde. Comefeito, no caso destes países, entre os quais se encontra Portugal, o apoiopúblico à intervenção do Estado na saúde é ainda mais elevado do quenos países com sistemas mistos, como a França ou a Alemanha, e doque nos países com sistemas tendencialmente privados, como a Holandae a Suíça. Em terceiro lugar, a saúde surge aos olhos dos portuguesescomo a principal prioridade da intervenção do Estado em matéria depolíticas sociais. Numa altura em que a agenda política se encontra do-minada pela necessidade de reformar e cortar os apoios sociais do Estado,o «consistente apoio público» ao sistema de saúde que os autores en -contram levanta uma das perguntas mais interessantes de todo o livro –como é que os nossos governantes irão gerir esta contradição entre umapoio popular significativo ao SNS e a necessidade imperiosa de se con-trolar a despesa pública neste sector? Será o apoio popular suficiente-mente forte ao ponto de imunizar este sector dos cortes, ou serão estesfeitos de forma sub-reptícia, longe das câmaras da televisão e dos debatespúblicos, como no caso da reforma da segurança social? E como evo-luirá o «consistente apoio público» ao SNS à medida em que cortes nou-tros sectores venham a ser realizados e a sua inevitabilidade interiori-zada?

O quinto capítulo, «O terceiro sector e o Estado-Providência em Por-tugal», é da autoria de Sílvia Ferreira. Fazendo uso do modelo de Es-ping-Andersen, a autora começa por definir o «terceiro sector» comouma área mista entre o Estado, o mercado e a sociedade – voluntárioem relação ao sector público, não lucrativo em relação ao mercado, eintermediário entre a sociedade e o Estado –, propondo-se discutir a re-lação entre este terceiro sector e o Estado-Providência em Portugal. É de salientar a interessante análise da literatura sobre o Estado-Provi-dência da perspectiva das dificuldades que esta encontra em lidar comsectores híbridos, como o «terceiro sector». Igualmente digna de nota éa metáfora da «enxertia»: ao longo do tempo têm sido «enxertados» eadoptados múltiplos modelos sociais de forma mais ou menos casuís-

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tica, o que terá dado origem a um sistema híbrido distintamente portu-guês. Mas a principal conclusão que importa aqui assinalar, complemen-tando-se o que é dito nos casos da educação e da saúde, é o desfasa-mento entre as expectativas criadas relativamente à provisão e qualidadedos serviços de bem-estar e a realidade destes, sem que o «terceiro sector»seja capaz de colmatar as insuficiências da acção do Estado nesta maté-ria. Conclui a autora, e a meu ver justificadamente, que no presente con-texto, em que se verifica uma forte retracção do Estado-Providência, adebilidade da sociedade civil no nosso país não augura perspectivas po-sitivas quanto à capacidade desta em acolher o choque da presente criseeconómico-financeira.

No sexto capítulo, «O envelhecimento contra o Estado-Providência»,Fernando Ribeiro Mendes e Sara Paralta discutem os desafios que a evo-lução demográfica de sociedades como a nossa colocam à sustentabili-dade financeira do Estado-Providência, um tema da maior actualidadenos dias que correm. Os autores começam por discutir o problema doenvelhecimento da perspectiva do consumidor individual: em que me-dida os padrões de consumo variam ao longo do «ciclo vital», é a questãoque abordam logo no início da sua análise e que lhes permite introduzira relação entre o envelhecimento e a poupança (será que poupamos deforma diferente à medida que vamos envelhecendo, é aqui a questão).Isto permite-lhes, de seguida, analisar a relação entre o envelhecimentoe a sustentabilidade do Estado-Providência. Usando dados de 2007, su-blinham a reduzida dimensão do investimento sócio-demográfico nasgerações mais jovens em favor da protecção aos mais velhos em Portugal:apenas cerca de 9% do PIB é investido em prol das crianças e jovensinactivos (dos quais 5% em educação) contra os cerca de 14% em pro-veito da geração mais velha. Concluem o capítulo com uma análise auma questão do módulo do ESS em particular – se servem ou não osbenefícios sociais para prevenir a difusão da pobreza – da perspectiva daproblemática do envelhecimento anteriormente gizada. Os resultados aque chegam, comparando os casos de Portugal, da Espanha e da Grécia,permitem lançar uma questão que será desenvolvida no capítulo seguinte.Com efeito, se em todos os três países os indivíduos com idade com-preendida entre os 31 e os 64 anos acreditam nos efeitos positivos dosbenefícios sociais no combate à pobreza, já os jovens portugueses (15-30anos) são mais cépticos do que os seus pares espanhóis ou gregos quantoà eficácia de medidas políticas desse tipo. Este cepticismo ou desencan-tamento dos jovens portugueses para com o Estado-Providência é umdos temas explorados no capítulo que fecha este volume.

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Introdução

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No sétimo e último capítulo, «O Estado social em causa: instituições,políticas sociais e movimentos sócio-laborais no contexto europeu», Elí-sio Estanque discorre sobre a longa história da teorização sobre o Estado,de Maquiavel ao neo-marxismo de Nicos Poulantzas, para melhor en-quadrar a sua discussão dos desafios com que o modelo do Estado-Pro-vidência se confronta hoje em dia. Num interessante complemento aocapítulo anterior, Elísio Estanque explora os problemas decorrentes daincapacidade do Estado-Providência em responder às necessidades e an-seios dos jovens, organizados colectivamente, já não em movimentos es-tudantis ou culturais, como nos anos 60, mas em movimentos sócio-la-borais. Situados entre um Estado em vias de falência e um mercado detrabalho incapaz de os acolher, os jovens europeus encontram-se numa«encruzilhada de insatisfação», que constitui, para o autor, um desafiopremente para partidos, sindicatos e governos.

O conjunto destes textos, e com isto termino, oferece ao leitor umavisão de conjunto singular sobre o que pensam os portugueses do Es-tado-Providência, das suas diversas valências (da segurança social à saúdee à educação), bem como dos seus principais desafios. Realizado nas vés-peras da crise, em 2008, e agora vindo a público, o módulo sobre o Es-tado-Providência do Inquérito Social Europeu permite, pela sua naturezacomparada, confrontar as atitudes dos portugueses com as dos demaispovos europeus. Numa altura em que o nosso país, e a Europa no seuconjunto, enfrentam uma das piores crises económicas das últimas dé-cadas, para já não falar numa crise de representação política,17 não é ne-cessário sublinhar o quão importante é auscultar as populações sobre umdos pilares da construção europeia – o modelo social europeu. Talvezseja devolvendo a voz aos utentes e financiadores deste último que me-lhor se compreendam as linhas com que a necessária reforma, se nãomesmo redefinição, daquele se possa vir a coser.

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Filipe Carreira da Silva

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Parte I O Estado social em Portugal:

políticas sociais e história institucional

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António Dornelas

Capítulo 1

Portugal: a construção do Estado-Providência em contexto desfavorável*

Introdução

O Estado-Providência que hoje existe em Portugal é o resultado dasinovações e do desenvolvimento que este conheceu nas décadas que me-deiam entre o fim da ditadura, a opção pela democracia representativa epela economia de mercado, consagradas na Constituição da Repúblicade 1976, e a integração na União Europeia, que decorreu da adesão dePortugal à Comunidade Económica Europeia, solicitada em 1977 e con-cretizada em 1986.

Ao contrário do que aconteceu com a generalidade dos países euro-peus ocidentais que hoje integram a União Europeia, Portugal e Espanhaconheceram várias décadas de ditadura durante a segunda metade do sé-culo XX (Rhodes 2010) e, muito embora existissem esboços de sistemasde protecção social durante as ditaduras espanhola e portuguesa, foi ape-nas com a institucionalização da democracia que o desenvolvimento doEstado-Providência teve lugar, quer num país, quer noutro.

Tal facto político teve como consequência que a construção do Es-tado-Providência ocorreu em Portugal num contexto económico muitodiverso do da generalidade dos Estados membros da União Europeia.Neste novo contexto ocupam lugar de relevo os dois primeiros choquespetrolíferos, a crise da estagflação que se lhes seguiu e a afirmação cres-

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* São devidos agradecimentos a Alice Ramos e a Susana Lavado, ambas do ICS-UL,pelo apoio recebido na análise estatística. O presente texto retoma parcialmente um outroartigo publicado pela revista Finisterra em 2009.

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cente do chamado consenso de Washington (Held et al. 2005), três vec-tores estratégicos de condicionamento das opções políticas nos países de-senvolvidos durante as duas últimas décadas do século passado.

Assim, os contextos de afirmação e desenvolvimento do Estado-Pro-vidência da generalidade dos países europeus – isto é, as décadas ditasdos «trinta gloriosos» anos do fordismo – caracterizaram-se pelo cresci-mento económico forte e sustentado, pelo crescimento da indústria trans-formadora, pela soberania fiscal dos Estados-nações e por uma articulaçãovirtuosa entre o crescimento económico, o tendencial pleno empregomasculino, a afirmação crescente dos direitos laborais e a expansão dosdireitos sociais. Pelo contrário, no período cujo início se referencia fre-quentemente aos choques petrolíferos da década de 70, as democraciaseuropeias foram marcadas por períodos de reduzido crescimento econó-mico e, por vezes, de recessão, pela terciarização das economias, pelo au-mento da competição internacional, pela pluralização dos modelos fa-miliares, pela presença crescente das mulheres no mercado de trabalho,pelo duplo envelhecimento das sociedades europeias e pela perda departe da soberania macroeconómica dos Estados-nações democráticos edesenvolvidos, em particular dentro da União Europeia.

No plano nacional, o desenvolvimento do Estado-Providência incluium período revolucionário (1974-1975), durante o qual Portugal foi go-vernado por cinco dos seis governos provisórios que o país conheceuapós 1974, pôs fim ao último império colonial europeu e integrou meiomilhão de cidadãos nacionais retornados das antigas colónias. Ao períodorevolucionário seguiram-se a aprovação da Constituição da República de1976 e de oito revisões constitucionais (1982, 1989, 1992, 1997, 2001,2004, 2005 e 2010) e dezoito governos constitucionais cujas orientaçõesquanto ao desenvolvimento das políticas sociais e de regulação do mer-cado de trabalho estiveram frequentemente longe do consenso mínimo.

Desde 1976, Portugal conheceu três crises nacionais de endividamentoexterno, cuja gravidade levou a outros tantos pedidos de intervenção doFundo Monetário Internacional (1977, 1983 e 2011), institucionalizou aconcertação social (1984) e foi parte activa de uma integração europeiacujo processo de construção condicionou, positiva e negativamente, aagenda e as opções viáveis das políticas públicas nacionais desde os finaisda década de 70 do século passado até ao presente.

O texto que se segue articula duas dimensões, uma horizontal e outravertical.

A dimensão horizontal apresenta as principais características da insti-tuição dos direitos sociais e analisará a evolução das regras referentes à

António Dornelas

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Portugal: a construção do Estado-Providência em contexto desfavorável

protecção social (i) dos desempregados, (ii) dos doentes e acidentados,(iii) dos reformados, (iv) da parentalidade e (v) do combate aos riscos deexclusão social.

A dimensão vertical, na senda da proposta de Mozzicafreddo, distingueentre três dimensões estruturais do Estado-Providência: uma primeira, que«representa um programa de acção reorganizador das regras do mercado[...] [que visa] (i) diminuir o grau de incerteza social, [...] (ii) instituir, paratodos os cidadãos, um nível de serviços sociais e procedimentos de igual-dade de oportunidades que funciona como complemento à realização dobem-estar pessoal; (iii) assegurar [...] um patamar mínimo de rendimentosindependentemente dos resultados do mercado; [...] (iv) integrar na matrizinstitucional do Estado os mecanismos que dão seguimento à lógica da ci-dadania»; a segunda dimensão corresponde ao desenvolvimento das polí-ticas públicas destinadas a potenciar a eficiência económica da sociedade;a terceira dimensão constitutiva do Estado-Providência respeita à institu-cionalização da concertação social «em torno de objectivos, necessidadese interesses que podem situar-se num quadro de referência comum» (Moz-zicafreddo 1997, 20-21), para o que se apresenta uma análise sucinta daevolução da legislação laboral e da regulação dos mercados de trabalho.

À luz das conclusões quanto à evolução das políticas sociais e de re-gulação dos mercados de trabalho, formulam-se hipóteses de interpreta-ção dos resultados obtidos no European Social Survey (ESS).

A construção do Estado-Providência em Portugal: principais fases

É certo que a origem do Estado-Providência se pode referenciar adatas anteriores à da democracia resultante do 25 de Abril de 1974. Masé também inegável que é à democracia em que vivemos que há que cre-ditar o mérito da unificação dos regimes de protecção social e, sobretudo,do seu desenvolvimento quantitativo e qualitativo.

O gráfico 1.1 evidencia dois dos traços fundamentais desta evolução.Em primeiro lugar, mostra-se que, embora abrangendo um númeromuito reduzido de pessoas, o direito a pensões de reforma é anterior a1974, enquanto a protecção social no desemprego foi criada em 1975,mas só ganha expressão significativa dez anos depois. Em segundo lugar,que a expansão do sistema de protecção social, ilustrado pela evoluçãode qualquer das prestações sociais aqui representadas, é posterior à insti-tucionalização da democracia.

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A terceira característica desta evolução é dada pela evolução da des-pesa pública decorrente desta expansão do sistema de segurança social.Tal acréscimo da despesa pública, que traduz o custo da convergência dasegurança social em Portugal com os padrões europeus, está actualmenteconfrontado com um duplo desafio quanto à sua sustentabilidade futura.O primeiro desafio é o da sustentabilidade social, isto é, o da adequaçãodo esforço público de protecção à estrutura actual dos riscos sociais e aoscritérios de equidade social. O segundo desafio é o da sustentabilidadefinanceira do sistema, sem o que qualquer estrutura de direitos corre orisco de não passar de uma promessa registada na areia da beira-mar, oque, evidentemente, abrange o desafio da sustentabilidade social.

Assim, a despesa total em protecção social representaria, respectiva-mente, 3,6% e 8,0% do PIB em 1970 e 1980 (Maia), mas, de acordo como Eurostat, era já de 14,6% do PIB em 1990 e de 21,0% em 1995. Deentre os países estudados, o crescimento com a despesa pública em pro-tecção social, expressa em percentagem do produto interno bruto, con-tinuou a um ritmo comparativamente muito elevado durante os anosanalisados.

É, portanto, imprescindível deixar desde já vincado que o crescimentoda despesa pública com a protecção social foi particularmente rápidoentre a entrada em vigor da Constituição da República (1976) e a primeiradécada da integração de Portugal nas instituições comunitárias, iniciadaem 1986.

Ora, se a despesa pública cresceu a ritmos elevados em ambas as dé-cadas referidas, as características da institucionalização do sistema de pro-tecção social são bem distintas nos primeiros e nos segundos dez anos

António Dornelas

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Gráfico 1.1 – Pensionistas e beneficiários do subsídio de desemprego (milhares)

Fontes: Maia (1985), CLBSS (1988) e MTSS – segurança social.

30002500200015001000500

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Portugal: a construção do Estado-Providência em contexto desfavorável

em consideração. De fato, entre 1974 e 1984, data da primeira Lei deBases da Segurança Social, as principais alterações verificadas consistiramnuma dupla expansão das medidas em vigor, que, por um lado, passarama ser aplicáveis a um número crescente de pessoas e de grupos sociais e,por outro lado, passaram a cobrir riscos sociais não considerados pelosistema assistencialista que caracterizava a previdência social até ao der-rube da ditadura. A segunda década é, diferentemente da primeira, umadécada em que, embora progressivamente, se vai dando corpo ao preceitoconstitucional que, desde 1976, encarregou o Estado de «organizar, coor-denar e subsidiar um sistema de segurança social unificado e descentra-lizado».1 Em consequência, entre 1984 e 2011 foram publicadas quatroleis de bases da segurança social,2 que alteraram os princípios organiza-dores da segurança social, mas mantiveram o sistema com uma duplafonte de financiamento. O primeiro regime é, como na generalidade dosregimes de segurança social da Europa continental e meridional, baseadona quotização dos empregadores e dos trabalhadores. O segundo regime,dito não contributivo, é financiado por transferências do Orçamento doEstado. Além disso, apesar de a norma constitucional e as reformas efec-tuadas nas duas últimas legislaturas fazerem convergir os regimes de re-lações laborais e de protecção social aplicáveis na administração públicacom os que vigoram no sector privado, o regime social unificado conti-

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Gráfico 1.2 – Despesa total em protecção social (% do PIB; acréscimo entre 1998 e 2009)

Fonte: Eurostat.

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84%

1 Constituição da República, 1976, artigo 63.º, n.º 22 Lei n.º 28/84, de 4 de Agosto (governo Soares); Lei n.º 17/2000, de 8 de Agosto

(governo Guterres); Lei n.º 32/2002, de 20 de Dezembro (governo Barroso); Lei n.º 4/2007, de 16 de Janeiro (governo Sócrates)

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nua por completar, muito embora esteja actualmente em concretizaçãoprogressiva.3

É neste quadro que podem distinguir-se três fases principais na estru-turação do sistema de segurança social que vigora em Portugal. A primeiracorresponde ao período que vai do fim da ditadura até às vésperas dainstitucionalização da concertação social (1984) e à adesão de Portugalàs Comunidades Europeias (1986) e, que com já ficou dito, é uma épocade expansão do sistema, quer do ponto de vista das eventualidades co-bertas, quer do ponto de vista da inclusão de fracções crescentes da po-pulação. A segunda fase, que corresponde à estruturação do sistema nasenda do universalismo e às preocupações crescentes com a sua susten-tabilidade financeira, conhece a primeira tentativa consistente de unificaros regimes de protecção social e dura até 2009. A fase actual, que não seabordará neste texto, dada a data em que o trabalho de campo teve lugar,caracteriza-se pela crise da sustentabilidade financeira do Estado-Provi-dência decorrente da crise financeira do Estado português e pela submis-são das políticas de promoção da igualdade social aos ditames da disci-plina orçamental e da empregabilidade de curto prazo.

Para contextualizar a evolução verificada em Portugal compara-se aevolução verificada entre nós com a que teve lugar em dois países habi-tualmente classificados no modelo nórdico ou social-democrata (a Di-namarca e a Suécia), outros dois do modelo anglo-saxónico ou liberal (aIrlanda e o Reino Unido), igual número do modelo dito continental oucorporativo (a França e a Alemanha). Foram ainda analisados os indica-dores referentes à Espanha, à Grécia e a Portugal, três países4 que, apesardas especificidades de cada um, são frequentemente incluídos no modelode welfare da Europa do Sul (e. g., Silva 2002 e Guillén, Álvarez e Silva2005), muito embora sejam conhecidas outras classificações (Esping-An-dersen 1990; Esping-Andersen e Palier 2008; Kuhnle e Sander 2010).

A avaliação do esforço público feito nos diferentes países está sinteti-zada no gráfico 1.3 e mostra que, globalmente, expresso em paridadesde poder compra, e tal como se assinala na generalidade da literatura, oconjunto dos benefícios sociais por habitante de Portugal, Espanha eGrécia é inferior ao dos países incluídos em qualquer dos restantes trêsmodelos de Estado-Providência existentes na Europa.

Porém, os indicadores sugerem que, visto o acréscimo verificado noschamados «países da coesão», tomado no seu conjunto e no período ana-

António Dornelas

50

3 V., por exemplo, o Decreto-Lei n.º 117/2006, de 20 de Junho.4 Não se incluiu a Itália em virtude de os dados não estarem ainda disponíveis.

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Portugal: a construção do Estado-Providência em contexto desfavorável

lisado, se verificou uma convergência tendencial entre os níveis de pro-tecção social dos nove países analisados.

De seguida, apresentam-se alguns indicadores para a caracterizaçãodo esforço financeiro público feito no conjunto de domínios sociais es-pecíficos acima mencionados, bem como na educação e na saúde, e paraa caracterização dos resultados obtidos.

51

Gráfico 1.3 – Benefícios sociais per capita (total; paridades do poder de compra)

Fonte: Eurostat.

Gráfico 1.4 – Acréscimo dos benefícios sociais per capita (1997 a 2008; total)

Fonte: Eurostat.

20 000,0018 000,0016 000,0014 000,0012 000,0010 000,008 000,006 000,004 000,002 000,00

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António Dornelas

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A protecção social no desemprego

A avaliação da protecção dos cidadãos em situação de desempregoinvoluntário deve incluir, para a além do esforço feito na substituiçãodos rendimentos perdidos pelo trabalhador por esse facto, quer o custodos esforços feitos pelos serviços públicos de emprego tendentes à rein-serção profissional do desempregado, quer também o custo das chamadaspolíticas activas de emprego, em que avultam os custos públicos com aformação profissional.

De acordo com o Eurostat, entre 2005 e 2009, Portugal gastou com oconjunto das políticas de mercado de trabalho uma percentagem do PIBque representa 95,6% da despesa média na UE27. Entre 1999 e 2009, a des-pesa pública em políticas activas de mercado de trabalho passou de 0,36%para 0,63% do PIB, o que representa um acréscimo de 75% e confirma,neste domínio específico, a convergência com a média comunitária.

Por outro lado, a revisão do Código do Trabalho feita em 2009 tra-duziu a maior redução do indicador global da OCDE referente à legis-lação de protecção do emprego (LPE), pondo termo à situação de excep-ção vivida até então, que colocava o país no extremo da rigidez dalegislação sobre a liberdade patronal de contratar e de despedir na áreada OCDE (Castles et al. 2010).

Todavia, se se tiver presente que Portugal tinha, em 2009, a segundapercentagem mais elevada (68,1%)5 da UE27 (média, em 2009: 27,3%)de adultos com baixos níveis de escolarização e que, entre 1999 e 2009,este indicador conheceu uma redução de 12,8%, pode compreender-semelhor que a despesa pública em educação tenha representado 5,3% doPIB em Portugal, um valor que compara com 4,6%, a média da OCDE.

A legislação sobre protecção social no desemprego conheceu múlti-plas alterações legislativas6 entre 1975 (data da criação do subsídio de de-semprego) e 2009, o último ano analisado. Em consequência dessas su-cessivas alterações, foram variando os tipos de emprego cobertos, os

5 Isto é, ISCED 2 ou inferior, o que corresponde ao conjunto dos níveis de escolari-zação inferior ao secundário superior.

6 Decreto-Lei n.º 169-D/75, de 31 de Março; Decreto-Lei n.º 269/76, de 10 de Abril;Decreto-Lei n.º 183/77, de 5 de Maio; Decreto-Lei n.º 128/78, de 3 de Junho; Decreto--Lei n.º 445/79, de 9 de Novembro; Decreto-Lei n.º 297/83, de 24 de Junho; Decreto--Lei n.º 20/85, de 17 de Janeiro; Lei n.º 50/88, de 19 de Abril; Decreto-Lei n.º 79-A/89,de 13 de Março; Decreto-Lei n.º 418/93, de 24 de Dezembro; Decreto-Lei n.º 57/96, de 22 de Maio; Decreto-Lei n.º 119/99, de 14 de Abril; Decreto-Lei n.º 186-B/99, de 31 de Maio; Decreto-Lei n.º 326/2000, de 22 de Dezembro; Decreto-Lei n.º 150/2009,de 30 de Junho; Decreto-Lei n.º 324/2009, de 29 de Dezembro.

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Portugal: a construção do Estado-Providência em contexto desfavorável

prazos de garantia que conferem o direito ao subsídio, o indexante dovalor do subsídio, a percentagem dos rendimentos substituída pelo sub-sídio de desemprego, a duração máxima do subsídio e a relação entreesta prestação social e a maior ou menor facilitação da pré-reforma. Em1995 foi criado o subsídio social de desemprego, o que tornou esta pres-tação social ao regime não contributivo.

53

Gráfico 1.5 – Despesa pública em políticas do mercado de trabalho (total das políticas activas e passivas; % do PIB; 2009)

Gráfico 1.6 – Desemprego (benefícios sociais per capita; % de aumento entre 1997 e 2008)

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Fonte: Eurostat.

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A despesa pública com a protecção social no desemprego aumentoufortemente em Portugal no período estudado, o que reflecte, simultanea-mente, a evolução dos rendimentos salariais e do sistema de protecçãodesses mesmos rendimentos em caso de desemprego.

Em síntese, pode afirmar-se que Portugal tem hoje um nível de pro-tecção social no desemprego superior à média da OCDE (gráfico 1.7)

António Dornelas

54

Gráfico 1.7 – Taxas líquidas de substituição dos rendimentos em diferentes pontos do período de desemprego (média ao longo de cinco anos de desemprego)

Fonte: OCDE, 2009.

Gráfico 1.8 – Cobertura dos trabalhadores flexíveis por subsídio de desemprego

Fonte: Alphametrics, 2009.

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2003 2007 Variação

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Portugal: a construção do Estado-Providência em contexto desfavorável

para o conjunto dos trabalhadores que o recebem, mas, simultanea-mente, uma baixa taxa de cobertura para os desempregados oriundos doschamados empregos flexíveis (gráfico 1.8). De notar que o subsídio dedesemprego não é aplicável aos que procuram o primeiro emprego.

Assim, há que concluir que, em Portugal, o subsídio de desemprego,que reflecte a natureza predominantemente contributiva do sistema deprotecção social, tende a discriminar negativamente os não contribuintese os que contribuem durante curtos períodos, entre os quais avultam osjovens à procura do primeiro emprego e os que trabalham em regimesprecários de emprego.

Protecção social em caso de doença ou acidente

A despesa pública com a saúde, quando comparada com a média daOCDE, teve uma acréscimo comparativo muito elevado em Portugalentre 1990 e 2006. Assim, enquanto o acréscimo médio da despesa nospaíses membros daquela organização foi de 28,1% entre aqueles doisanos, o valor correspondente para Portugal foi 89,5%.

Por outro lado, as transferências sociais, em dinheiro ou em espécie,aumentaram 44,7% (gráfico 1.9).

Protecção social na velhice e sobrevivência

Como é bem sabido, as pensões constituem a maior parcela da des-pesa pública em protecção social. No caso português, o fenómeno é

55

Gráfico 1.9 – Doença e cuidados de saúde (benefícios sociais per capita; paridades do poder de compra)

Fonte: Eurostat.

3500

3000

2500

2000

1500

1000

500

0

Port

ugal

Gré

cia

Esp

anha

UE

27

Din

amar

ca

Rei

no U

nido

Suéc

ia

Ale

man

ha

Fran

ça

Irla

nda

1997 2008

704,

7

1881

,3

1275

,2

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ainda mais relevante do que na generalidade dos países europeus, poisao acréscimo da esperança média de vida vieram juntar-se um cresci-mento relativamente rápido das remunerações e os efeitos da maturaçãoprogressiva do sistema, isto é, o aumento gradual da proporção das car-reiras contributivas longas.

António Dornelas

56

Gráfico 1.10 – Velhice (benefícios sociais per capita; paridades do poder de compra)

Fonte: Eurostat.

4000

3500

3000

2500

2000

1500

1000

500

0

Irla

nda

Esp

anha

Port

ugal

UE

27

Gré

cia

Rei

no U

nido

Ale

man

ha

Fran

ça

Din

amar

ca

Suéc

ia

1997 2008

815,

1

2479

,9

2017

,3

Gráfico 1.11 – Velhice (benefícios sociais per capita; % de acréscimo entre 1997 e 2008)

200,0%

160,0%

120,0%

80,0%

40,0%

0,0%

Rei

no U

nido

Din

amar

ca

Esp

anha

Ale

man

ha

Suéc

ia

Fran

ça

Gré

cia

Port

ugal

Irla

nda

1997 2008

147,5

%

Fonte: Eurostat.

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Portugal: a construção do Estado-Providência em contexto desfavorável

Os gráficos 1.10 e 1.11 espelham essa evolução quanto às pensões develhice, que se traduziu numa aproximação mais rápida à média da UE27em Portugal do que em Espanha e na Grécia.

O gráfico 1.11 mostra também que, no conjunto dos nove países emapreço, foi apenas noutro dos chamados «países da coesão», a Irlanda,que as pensões cresceram mais rapidamente do que em Portugal. Note-

57

Gráfico 1.12 – Sobrevivência (benefícios sociais per capita; paridades do poder de compra)

Gráfico 1.13 – Sobrevivência (benefícios sociais per capita; acréscimo de 1997 a 2008)

Fonte: Eurostat.

Fonte: Eurostat.

800

600

400

200

0

Din

amar

ca

Rei

no U

nido

Suéc

ia

Irl

anda

Port

ugal

UE

27

Gré

cia

Esp

anha

Fran

ça

Ale

man

ha

1997 2008

168,

8

395,

2

332,

1

500,0%

400,0%

300,0%

200,0%

100,0%

0,0%

–100,0%

Rei

no U

nido

Din

amar

ca

Ale

man

ha

Suéc

ia

Fran

ça

Irla

nda

Port

ugal

Esp

anha

Gré

cia

96,7

%

01 Estado-Providência Cap. 1_Layout 1 7/11/13 11:04 AM Page 57

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António Dornelas

58

-se que, em Portugal e desde 2007,7 a legislação sobre pensões passou aincluir um «factor de sustentabilidade» que relaciona a idade de referênciapara a reforma com o montante da pensão e a esperança média de vida.Em consequência do crescimento, os candidatos a uma pensão podemoptar entre o prolongamento da vida activa e uma pensão de menor valorpara o mesmo número de anos de contribuições, pelo que é de esperarum crescimento mais lento da despesa pública com pensões.

No que respeita às pensões de sobrevivência, a evolução está sinteti-zada nos gráficos 1.12 e 1.13.

Assinale-se que, neste domínio, em que existem países com variaçãonegativa, em Portugal o crescimento da despesa foi notoriamente menordo que com as pensões de velhice.

Mas, apesar do desenvolvimento da protecção social, Portugal – como muitos outros países da área da OCDE – conheceu, de meadosda década de 80 a meados da década seguinte, fortes aumentos da desi-gualdade na distribuição dos rendimentos e um aumento da pobreza8

(OCDE 2008), pelo que a situação representada no gráfico 1.14 – a ter-ceira maior percentagem entre os nove países estudados – nada tem desurpreendente.

Note-se, todavia, que os indicadores do Eurostat confirmam que apobreza monetária aumentou em quatro dos nove países estudados, en-quanto diminuiu nos restantes seis, entre os quais se conta Portugal.

Muito embora a pobreza atinja sobretudo os idosos, o mundo do tra-balho não está isento deste problema, que atinge em Portugal o terceirovalor mais elevado entre os nove países em estudo. De notar, contudo,que apenas em Portugal, no Reino Unido e na Irlanda diminuiu a per-centagem de trabalhadores pobres.

Protecção social da parentalidade

A primeira intervenção legislativa sobre prestações familiares posteriorao 25 de Abril de 1974 foi feita no mesmo diploma que criou o saláriomínimo nacional9 e foi publicada em 27 de Maio desse ano.

Desde então, as prestações familiares foram objecto de um número alar-gado de alterações legislativas, que alteraram os destinatários, as condições

7 Lei n.º 4/2007, de 16 de Janeiro.8 Percentagem de pessoas com rendimento equivalente disponível inferior a 60% do

rendimento mediano do respectivo país.9 Decreto-Lei n.º 217/74, de 27 de Maio.

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Portugal: a construção do Estado-Providência em contexto desfavorável

59

Gráfico 1.14 – Pessoas em risco de pobreza depois de transferências sociais (%)

Gráfico 1.15 – Variação da percentagem de pessoas em risco de pobreza após transferências sociais (entre 1999 e 2008)

25

20

15

10

5

0

Gré

cia

Port

ugal

Esp

anha

Rei

no U

nido

Irla

nda

Fran

ça

Ale

man

ha

Din

amar

ca

Suéc

ia

1999 2008

18,5

21

Fonte: Eurostat.

60,00%

50,00%

40,00%

30,00%

20,00%

10,00%

0,00%

–10,00%

–20,00%

–30,00%

Suéc

ia

Ale

man

ha

Din

amar

ca

Esp

anha

Rei

no U

nido

Gré

cia

Port

ugal

Fran

ça

Irla

nda

–11,

905%

Fonte: Eurostat.

01 Estado-Providência Cap. 1_Layout 1 7/11/13 11:04 AM Page 59

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António Dornelas

60

Gráfico 1.16 – Trabalhadores em risco de pobreza (%; 2005 e 2009)

16,00

14,00

12,00

10,00

8,00

6,00

4,00

2,00

0,00

Gré

cia

Esp

anha

Port

ugal

Suéc

ia

Ale

man

ha

Fran

ça

Rei

no U

nido

Din

amar

ca

Irla

nda

2005 2009

10,3

0011,9

00

Fonte: Eurostat.

de recursos e demais condições de aplicação, os respectivos montantes eos princípios organizadores da prestação.10 Em consequência, até às inter-venções fundamentadas na necessidade de reduzir a despesa pública.

Os gráficos 1.17 e 1.18 sintetizam, quanto à protecção social da pa-rentalidade e da criança, a evolução verificada nos nove países em apreço.

Também neste domínio, impõe-se concluir que, apesar do cresci-mento relativamente rápido que este tipo de prestações sociais conheceuem Portugal nos últimos anos, Portugal continua a ocupar a pior posiçãona ordenação dos países segundo o valor destas prestações sociais.

Combate à exclusão social

Apesar de existirem outras medidas destinadas ao combate à exclusãosocial e à promoção da inclusão social, a medida simultaneamente maisemblemática e politicamente mais controversa deste domínio foi e é a

10 Para além do já mencionado, os seguintes: Decreto-Lei n.º 269/74, de 21 de Junho;Decreto-Lei n.º 197/77, de 17 de Maio; Decreto-Lei n.º 170/80, de 29 de Maio; Decreto--Lei n.º 503/80, de 20 de Outubro; Lei n.º 4/84, de 5 de Abril; Decreto-Lei n.º 136/85,de 3 de Maio; Decreto-Lei n.º 154/88, de 29 de Abril; Decreto-Lei n.º 40/89, de 1 de Fe-vereiro; Decreto-Lei n.º 333/95, de 23 de Dezembro; Decreto-Lei n.º 133-B/97, de 30 deMaio; Decreto-Lei n.º 347/98, de 9 de Novembro; Decreto-Lei n.º 77/2000, de 9 de Maio;Decreto-Lei n.º 250/2001, de 21 de Setembro; Decreto-Lei n.º 77/2005, de 13 de Abril;Decreto-Lei n.º 89/2009, de 9 de Abril; Decreto-Lei n.º 91/2009, de 9 de Abril.

01 Estado-Providência Cap. 1_Layout 1 7/11/13 11:04 AM Page 60

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Portugal: a construção do Estado-Providência em contexto desfavorável

criação do rendimento mínimo garantido,11 cuja designação foi poste-riormente alterada para rendimento social de inserção e que conheceu

61

Gráfico 1.17 – Famílias e crianças (benefícios sociais per capita; paridades do poder de compra)

Gráfico 1.18 – Famílias e crianças (paridades do poder de compra; % de acréscimo entre 1997 e 2008)

Fonte: Eurostat.

Fonte: Eurostat.

1600

1200

800

400

0

Port

ugal

Gré

cia

Esp

anha

Rei

no U

nido

Fran

ça

Ale

man

ha

Suéc

ia

Irla

nda

Din

amar

ca

1997 2008

251,

1

116,

8

500,0%

400,0%

300,0%

200,0%

100,0%

0,0%

Rei

no U

nido

Fran

ça

Ale

man

ha

Suéc

ia

Din

amar

ca

Gré

cia

Port

ugal

Irla

nda

Esp

anha

115,

0%

11 Lei n.º 19-A/96, de 29 de Junho.

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António Dornelas

62

nova alteração de regime de aplicação durante o ciclo político dos go-vernos Sócrates.12

Gráfico 1.19 – Combate à exclusão social (benefícios sociais per capita; paridades do poder de compra)

Gráfico 1.20 – Combate à exclusão social (paridades do poder de compra; % de acréscimo entre 1997 e 2008)

Fonte: Eurostat.

Fonte: Eurostat.

300

250

200

150

100

50

0

Ale

man

ha

Rei

no U

nido

Port

ugal

Esp

anha

UE

27

Fran

ça

Gré

cia

Irla

nda

Suéc

ia

Din

amar

ca

1997 2008

55,2

613

,36

87,3

7

400,0%

300,0%

200,0%

100,0%

0,0%

–100,0%

Din

amar

ca

Suèc

ia

Ale

man

ha

Rei

no U

nido

Fran

ça

Irla

nda

Esp

anha

Gré

cia

Port

ugal

313,7%

12 Sem contar com os vetos do Presidente da República e com os acórdãos do TribunalConstitucional, referenciámos seis alterações legislativas a respeito deste instituto: De-creto-Lei n.º 164-A/97, de 27 de Junho; Decreto-Lei n.º 196/97, de 31 de Julho; Decreto-

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Portugal: a construção do Estado-Providência em contexto desfavorável

63

Os indicadores disponibilizados pelo Eurostat referentes às outras for-mas de combate à exclusão social não incluídas nas demais prestaçõesmostram duas características da evolução desta prestação em Portugal. Emprimeiro lugar, em termos de paridades do poder de compra, Portugal si-tuava-se nitidamente abaixo da média da UE27. Em segundo lugar, tam-bém neste domínio, a variação da prestação conheceu uma expressão for-temente positiva e o maior acréscimo entre os nove países estudados.

Portugal no European Social Survey 2008: expectativas reduzidas e avaliações críticas

Do vastíssimo leque de questões inquiridas, optou-se por tratar as res-postas obtidas nos nove países já mencionados quanto ao comportamentodos beneficiários perante a protecção social recebida13 e quanto à avaliaçãoque fazem dos benefícios recebidos para quem deles efectivamente ca-rece.14 As médias das respostas obtidas são apresentadas no gráfico 1.21 ea diferença entre as médias é significativa15 em cada um dos países consi-derados. Os indicadores foram recodificados de modo que as pontuaçõesmais elevadas correspondessem a maior concordância.16

As respostas obtidas parecem espelhar a contradição de interesses queé inerente às políticas sociais e que se traduz numa avaliação pelos res-pondentes que concorda com a existência do chamado «risco moral» quealguns autores associam à institucionalização de direitos sociais. A se-gunda variável grafada, respeitante à avaliação da suficiência das respostassociais existentes, é tanto mais negativa da suficiência das prestações so-ciais quanto menos desenvolvido é o sistema de protecção social do res-pectivo país, o que é bem ilustrado pelas respostas obtidas em Portugal,na Grécia e em Espanha.

Feita uma análise das componentes, esta revelou a existência de duascomponentes principais: a primeira, que se designou por «efeitos econó-micos», associa as respostas obtidas que atribuem às políticas sociais um

Lei n.º 84/2000, de 11 de Maio; Lei n.º 13/2003, de 21 de Maio; Decreto-Lei n.º 283/ 2003, de 8 de Novembro; Decreto-Lei n.º 42/2006, de 23 de Fevereiro.

13 «E em que medida concorda ou discorda que os serviços e apoios sociais em Por-tugal tornam as pessoas preguiçosas?»

14 «Os benefícios em Portugal são insuficientes para ajudar as pessoas realmente ne-cessitadas».

15 p < 0,001 para todos, excepto a Irlanda (p < 0,01).16 As escalas variavam entre 1 e 5 (concordância máxima).

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António Dornelas

64

efeito de sobrecarga da economia e da carga fiscal;17 a segunda, que sedesignou como «efeitos sociais», agrupa as questões sobre a capacidadede as políticas sociais impedirem o aumento da pobreza, conduzirem auma sociedade mais igualitária e facilitarem a conciliação entre o trabalhoe a vida familiar.18 As médias das respostas obtidas estão representadasno gráfico seguinte. Os resultados obtidos são estatisticamente significa-tivos para todos os países, com excepção da Irlanda.19

Com escalas análogas às do gráfico 1.22, parece inescapável a conclu-são de que as médias calculadas significam que os respondentes de todosos países concordam maioritariamente com a existência de ambos os efei-tos, muito embora essa concordância seja mais vincada no que respeitaaos efeitos sociais. De notar ainda a posição intermédia ocupada pelosrespondentes inquiridos em Portugal e em Espanha, o que já não acon-tece no caso grego.

Gráfico 1.21 – Efeitos das prestações sociais no comportamento individual

Fonte: Eurostat.

5,0

4,0

3,0

2,0

1,0

0,0

Suéc

ia

Din

amar

ca

Ale

man

ha

Gré

cia

Fran

ça

Esp

anha

Irla

nda

Port

ugal

Rei

no U

nido

Méd

ia

Tornam as pessoas preguiçosas São insuficientes/não chegam a quem precisa

2,9

2,5

2,9

2,6

3,3

2,8

3,8

2,9 3,

43,

0

3,7

3,1 3,

43,

2

3,9

3,2 3,4

3,4

3,4

3,0

17 «[...]em que medida concorda ou discorda das afirmações de que os serviços eapoios sociais em Portugal» «[...] sobrecarregam muito a economia» e «[...] representamuma sobrecarga em taxas e impostos para as empresas».

18 «[...]em que medida concorda ou discorda das afirmações de que os serviços eapoios sociais em Portugal [...] impedem o aumento da pobreza [...] conduzem a umasociedade mais igualitária [...] facilitam a conciliação entre o trabalho e a vida familiar».

19 p < 0,001 para todos os países, com excepção do Reino Unido (p < 0,01) e da járeferida Irlanda.

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Portugal: a construção do Estado-Providência em contexto desfavorável

65

Usando uma escala de 0 (muitíssimo mau) a 10 (muitíssimo bom), oquestionário utilizado pretendia avaliar a qualidade para os utilizadoresde quatro dos efeitos desejáveis dos sistemas de protecção e segurançasocial.20

Os resultados, que estão sintetizados nos gráficos 1.23, 1.24, 1.25 e1.26, parecem confirmar que a opinião dos utilizadores avalia diferente-mente os serviços em cada país e que essa avaliação parece relacionadacom o modelo de welfare em que o país se enquadra.

Assim, as avaliações mais negativas ocorrem em países do modelomediterrânico ou do modelo anglo-saxónico; o nível de vida dos pen-sionistas só tem avaliação positiva na Dinamarca, Irlanda21 e Alemanha;a Dinamarca é o único país em que a avaliação do nível de vida dos de-sempregados e as oportunidades de os jovens encontrarem um empregoa tempo inteiro obtêm uma avaliação positiva; só na Dinamarca e naSuécia é positiva a avaliação positiva dos serviços de apoio às criançascujos pais trabalham; quando comparadas com as realizadas noutrospaíses, as avaliações feitas em Portugal são particularmente críticas, co-

Gráficos 1.22 – Efeitos económicos e efeitos sociais das prestações sociais

5,0

4,0

3,0

2,0

1,0

0,0

Din

amar

ca

Gré

cia

Suéc

ia

Ale

man

ha

Port

ugal

Esp

anha

Rei

no U

nido

Fran

ça

Irla

nda

Méd

ia

Efeitos económicos Efeitos sociais

3,6

2,8 3,

52,

9

3,6

3,0 3,

43,

1 3,4

3,2 3,4

3.2 3,3

3,3 3,5

3,4 3,5

3,5

3,5

3,2

Fonte: Eurostat.

20 «[...] o que pensa, em geral, do nível de vida dos pensionistas e reformados? [...] oque pensa do nível de vida dos desempregados, em geral? [...]o que pensa, em geral, daoferta de serviços de cuidados às crianças, a preços acessíveis, para pais trabalhadores?[...] o que pensa, em geral, das oportunidades de primeiro emprego a tempo inteiro paraos jovens em Portugal?».

21 O que constitui a excepção à regra anterior.

01 Estado-Providência Cap. 1_Layout 1 7/11/13 11:04 AM Page 65

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locando o país na última ou na penúltima posição do conjunto dos paí-ses analisados.

A avaliação crítica da situação em Portugal parece coerente com onível de desempenho do Estado-Providência em Portugal. De facto, naprimeira parte deste texto mostrou-se que, apesar da evolução positiva erápida verificada nas últimas décadas, Portugal continua a ter uma elevada

António Dornelas

66

Gráfico 1.23 – Nível de vida dos reformados

Gráfico 1.24 – Nível de vida dos desempregados

Fonte: Eurostat.

Fonte: Eurostat.

8,0

6,0

4,0

2,0

0,0

Port

ugal

Gré

cia

Rei

no U

nido

Fran

ça

Suéc

ia

Esp

anha

Din

amar

ca

Irla

nda

Ale

man

ha

Méd

ia

4,3 4,4

2,7 2,

8

5,4

5,6

4,7 5,0

5,6

4,5

8,0

6,0

4,0

2,0

0,0

Gré

cia

Port

ugal

Esp

anha

Fran

ça

Ale

man

ha

Suéc

ia

Irla

nda

Rei

no U

nido

Din

amar

ca

Méd

ia

3,7 3,8

2,3 3,

0

4,6 4,7

3,8 4,2 5,

1

3,9

01 Estado-Providência Cap. 1_Layout 1 7/11/13 11:04 AM Page 66

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Portugal: a construção do Estado-Providência em contexto desfavorável

percentagem de pobres entre os idosos e mesmo entre os trabalhadorescom emprego e que o sistema de emprego discrimina negativamente osjovens, quer no acesso a empregos de qualidade a tempo inteiro, querno que respeita à protecção social no desemprego, que não cobre a pro-cura do primeiro emprego e, devido às regras sobre prazos de garantia,uma parte dos empregos precários.

67

Gráfico 1.25 – Serviços infantis para os pais que trabalham

Gráfico 1.26 – Oportunidades para os jovens encontrarem o primeiro emprego

Fonte: Eurostat.

Fonte: Eurostat.

8,0

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Os respondentes foram também questionados sobre a sustentabili-dade financeira das duas políticas sociais mais dispendiosas, a saúde e aspensões. Os gráficos 1.27 e 1.28 restituem a média das respostas obtidasnos nove países.

António Dornelas

68

Gráfico 1.27 – Sustentabilidade financeira do Serviço Nacional de Saúde dentro de dez anos

Gráfico 1.28 – Sustentabilidade financeira das pensões dentro de dez anos

Fonte: Eurostat.

Fonte: Eurostat.

100%

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Não se conseguirá manter Poderá melhorarPoderá manter, mas não melhorar

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Não se conseguirá manter Poderá melhorarPoderá manter, mas não melhorar

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Portugal: a construção do Estado-Providência em contexto desfavorável

As principais ilações a retirar das respostas parecem ser as seguintesque, num caso, como noutro, um pouco mais de 40% dos respondentesconsidera que é possível manter, mas não melhorar, quer o nível de des-pesa com o Serviço Nacional de Saúde, quer com as pensões, e que emambos os casos, em qualquer dos países, as percentagens de respondentesque estimam que não será possível manter os actuais níveis de despesasão sempre superiores às do que pensam que esta poderá aumentar. Poroutro lado, a avaliação da sustentabilidade financeira é globalmente maispessimista quanto às pensões do que quanto ao Serviço Nacional deSaúde, enquanto a Dinamarca, a Suécia e a Espanha parecem os paísesmais optimistas quanto à sustentabilidade do Serviço Nacional de Saúde,lugar que é ocupado pela Dinamarca, Espanha e Irlanda quanto às pen-sões, enquanto os países com padrões de resposta mais pessimistas são,em ambos os casos, a Alemanha, a França e o Reino Unido. Note-se quePortugal e a Grécia ocupam, em ambos os casos, posições intermédias.

Por último, apresentam-se os resultados da inquirição quanto à pro-babilidade de se verificarem na vida pessoal dos respondentes quatro fac-tos relevantes. Os resultados obtidos estão sintetizados nos quadros 1.29,1.30, 1.31 e 1.32.

Com a escala utilizada, as médias superiores a 2 traduzem uma con-cordância.

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Gráfico 1.29 – Desempregados e à procura de trabalho há três semanas ou mais

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Fonte: Eurostat.

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Assim sendo, em Portugal, na Grécia, na Irlanda, no Reino Unido eem Espanha regista-se uma concordância quanto à possibilidade de osrendimentos não serem suficientes para cobrir as necessidades do agregadofamiliar. Por outro lado, na Irlanda, em Portugal, na Grécia e em França,os respondentes mostraram a sua concordância com a hipótese de, es-tando desempregados, continuarem a procurar, sem êxito, um emprego.Em terceiro lugar, a possibilidade de não receber os cuidados de saúde

António Dornelas

70

Gráfico 1.30 – Reduzir o tempo de trabalho para tomar conta da família

Gráfico 1.31 – Não ter dinheiro suficiente para cobrir as necessidades do agregado familiar

Fonte: Eurostat.

Fonte: Eurostat.

4,0

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Portugal: a construção do Estado-Providência em contexto desfavorável

necessários só é admitida pelas médias das respostas calculadas para Por-tugal e para a Irlanda. Por último, em nenhum dos países em estudo foiobtida uma média que indique a concordância quanto à possibilidade dereduzir a duração do trabalho remunerado para tomar conta da família.

A concertação social e as políticas públicas em Portugal

A tentativa de institucionalizar um Estado de direito democrático tevelugar num contexto de profunda crise económica e empresarial, em queas consequências do primeiro choque petrolífero, a descolonização e aexplosão reivindicativa que se seguiu ao derrube da ditadura levaram mui-tos empresários a abandonar o país e as empresas.

Foi nesse contexto que, com um forte intervencionismo estatal, secriou uma rede alargada de direitos e deveres contratuais colectivos que,em conjunto com uma legislação laboral então publicada, contribuiupara estabilizar a situação social, tornando a economia de mercado com-patível com a democracia política. O efeito combinado das reticênciaspatronais à intervenção sindical nas empresas, de uma intervenção go-vernamental forte mas desfavorável ao desenvolvimento da autonomiacontratual colectiva e a redução progressiva do poder sindical decorrentedo pluralismo sindical politicamente competitivo levaram a que o po-

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Gráfico 1.32 – Não receber os cuidados de saúde de que realmente necessita

Fonte: Eurostat.

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António Dornelas

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tencial regulador da negociação colectiva fosse sacrificado à produção rá-pida de uma rede de convenções colectivas de tipo sectorial cujos con-teúdos reproduzem frequentemente a legislação da época.

Boa parte destas convenções colectivas de trabalho está, ainda hoje,parcialmente em vigor, apesar da negociação dos acordos de empresa,iniciada no final da década de 70 no sector empresarial do Estado. Porém,com a privatização da generalidade das empresas públicas, a direita po-lítica, então no poder, optou deliberadamente por uma estratégia de re-lações laborais que esvaziou de relevância económica e social a negocia-ção de empresa, criando a situação actual em que uma rede deconvenções colectivas de trabalho sectorial de elevada taxa de coberturacoexiste com um largo predomínio do unilateralismo patronal a nível deempresa, promovendo a adaptação das empresas à mudança pelo usoextensivo da flexibilidade externa e da ilegalidade na gestão dos recursoshumanos.

De facto, o conteúdo das convenções colectivas de trabalho em vigoré, frequentemente, obsoleto – por exemplo, quanto à duração e à orga-nização do tempo de trabalho e quanto aos sistemas de classificação pro-fissional –, enquanto a almofada salarial que separa as tabelas salariaisdas convenções colectivas de trabalho dos salários totais é elevada e semanteve praticamente estável (Dornelas 2006). Esta reduzida capacidadede regulação da contratação colectiva facilita a manutenção da situaçãoactual, em que quatro quintos dos trabalhadores declaram que os seussalários, as suas categorias profissionais e os seus horários de trabalho sãofixados sem que se façam sentir os efeitos da contratação colectiva de tra-balho ou qualquer forma de intervenção das suas estruturas de represen-tação colectiva (Dornelas 2009).

Assim, as relações laborais em Portugal podem ser definidas comoum sistema em que uma contratação colectiva com uma taxa de cober-tura próxima da média da União Europeia coexiste com uma lógica derelacionamento laboral marcada pelo adversarialismo da CGTP, com afortíssima competição política entre esta confederação sindical e a UGTe com o predomínio do unilateralismo patronal e a individualização dasrelações laborais na empresa.

A institucionalização da concertação social e os seus impactos

O Conselho Permanente de Concertação Social (CPCS) foi criado,em 1984, como um primeiro passo da estratégia de reforço da governa-bilidade da sociedade portuguesa julgada indispensável para permitir a

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Portugal: a construção do Estado-Providência em contexto desfavorável

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adesão do país à Comunidade Económica Europeia (Lopes 1993; Dor-nelas 1999).

A sobrecarga das reivindicações patronais e sindicais, a necessidadede reduzir a inflação e de pôr os aumentos salariais portugueses em fasecom os dos restantes países europeus, a procura de um modelo socialcapaz de conjugar melhor o aumento da competitividade empresarial, ocrescimento sustentável dos salários e a melhoria das condições de tra-balho levaram a que o CPCS, inicialmente criado como órgão de con-sulta do governo, se tenha transformado, apesar das reticências iniciaisda CIP e da CGTP, numa instância relevante de negociação tripartida.

O quarto de século que o CPCS tem de existência pode ser divididoem quatro ciclos políticos, cada um deles correspondente a um ciclo par-lamentar de natureza distinta.

O primeiro ciclo político, que corresponde ao início da concertaçãosocial propriamente dita em Portugal, inicia-se com os acordos tripartidosque fizeram da moderação salarial a regra predominante da negociaçãosalarial em Portugal, inclui a maior greve geral de sempre em Portugal(1988) e, subsequentemente, o primeiro acordo tripartido sobre a regu-lação do mercado de trabalho (1990), os dois primeiros acordos triparti-

Quadro 1.1 – Ciclos políticos e resultados da concertação social

Ciclo político PSD PS PSD/CDS-PP PS (Cavaco Silva) (António Guterres) (Durão Barroso; (José Sócrates) 1985-1995 1995-2002 Santana Lopes) 2005-2009

2002-2005

Questões principais Adesão à CEE Conformidade Crise orçamental e dívida externa e integração com os critérios Crise económica e aumento europeia de Maastricht do desemprego

Acordos tripartidos 1986; 1990; 1996 2006

sobre política salarial 1992

Outros acordos 1991 1996; 2001 2006; 2007; 2008

tripartidos ad hoc

Acordos bipartidos 2004 2005

Acordos globais sobre a regulação do emprego, da protecção social

1990 1996 2008

e do mercado de trabalho

Fonte: Elaboração do autor.

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dos ad hoc (1991), e termina com duas tentativas falhadas de negociaçãotripartida sobre a política de rendimentos e sobre a regulação do mercadode trabalho.

O ciclo político correspondente aos governos de António Guterresconstitui uma tentativa de responder à crise da concertação social verifi-cada no fim do ciclo precedente com o relançamento e o aprofunda-mento da lógica neocorporativista, tentando ultrapassar quer os proble-mas procedimentais, quer os problemas substantivos herdados doprimeiro ciclo. Entre as questões de procedimento avultam, desde então,dois problemas: primeiro, o do momento óptimo para a celebração deacordos tripartidos, que os parceiros sociais tentaram localizar no inícioda legislatura e os governos de Cavaco Silva preferiram fazer aproximardo extremo oposto do seu mandato; segundo, a questão da unanimidadeentre os parceiros sociais, abordada adiante.

O terceiro e o quarto ciclos correspondem a duas estratégias gover-namentais diferentes de resposta a problemas análogos: a desconformi-dade das contas públicas com os critérios do Pacto de Estabilidade eCrescimento. Assim, no ciclo dos governos PSD/CDS-PP verifica-se aperiferização da concertação social, o que se traduziu na ausência dequalquer acordo de concertação social e na assinatura do primeiro dosdois acordos bipartidos (2005) até agora assinados em Portugal. O quartociclo corresponde aos governos PS de José Sócrates, inclui o segundoacordo bipartido, o único acordo unânime sobre a política de rendi-mentos até agora obtido em Portugal (2006), quatro acordos tripartidos ad hoc (2006, 2007 e 2008) e o recente compromisso social tripartidosobre a política de emprego, a protecção social e a regulação do mercadode trabalho.

Ora, como no terceiro ciclo político não foi formalizado qualqueracordo tripartido, há que retirar duas conclusões: primeira, que os go-vernos e os ciclos político-parlamentares têm influência relevante na ac-tividade de concertação social; segunda, que o ciclo Durão Barroso-San-tana Lopes, como, aliás, o governo Cavaco Silva até à greve de 1988,influenciaram negativamente o desenvolvimento da concertação social.

Acresce que a síntese dos temas constantes dos acordos de concerta-ção social constante do quadro 1.2 mostra que as escolhas políticas e aorientação ideológica dos actores do triângulo neocorporativo – e, emparticular, da CGTP, dada a representatividade daquela confederação sin-dical – constituem traços relevantes da caracterização do topo do sistemade relações laborais e ajudam a compreender a frequente ausência deconsenso quanto à renovação da agenda da negociação colectiva.

António Dornelas

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Portugal: a construção do Estado-Providência em contexto desfavorável

Uma análise horizontal de três dos temas acima mencionados parececonfirmar esta tese, sugerindo que, mesmo que a agenda temática da con-certação social seja modulada para obter, sempre que possível, a unani-midade dos parceiros sociais, tal não garante, por si só, que os resultadossejam transpostos para a contratação colectiva de trabalho.

75

Quadro 1.2 – Conteúdos dos acordos de concertação social em Portugal (1986-2008)

Ano Temas Acordo Impacto Papel dos parceiros sociais na implementação

1986 1990

Moderação salarial Maioria ElevadoForte e generalizado,

1992 apesar da oposição

1996da CGTP

1996 Criação do rendimento Unanimidade Elevado Reduzido

mínimo garantido ex post

2006Reforma do subsídio

Unanimidade Elevado Reduzidode desemprego

Aumento sustentado 2006 do salário mínimo Unanimidade Elevado Reduzido

nacional

Direito individualà formação; reconhecimento e Unanimidade Elevado

2001certificação das em 2001; quanto Reduzido

2007qualificações adquiridas maioria em 2007 ao RVCCno exercício da profissão (RVCC)

1991Quadro legal da

2001segurança, higiene Unanimidade Reduzido Reduzido e saúde no trabalho

2001Quadro legal da proteção social

Unanimidade Elevado Reduzido

2001Aumento da

2006sustentabilidade Maioria Elevado Reduzidoda segurança social

1990Acordos globais sobre 1990: elevado;

1990 e 1996:

1996a regulação do emprego, 1996:

reduzido, forte

2008da proteção social e Maioria tendencialmente

oposição da CGTP;do mercado reduzido;

2008: ?de trabalho 2008: ?

Fonte: Elaboração do autor.

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No que respeita às políticas salariais, o caso português sugere que,uma vez adoptada na concertação social a decisão de alterar os critériosde actualização das tabelas salariais, e decorridos alguns anos de aplicaçãoda decisão, pode não ser necessário que ela volte a ser validada no topotripartido do sistema para que os salários se mantenham sob o controlounilateral dos empregadores, mesmo que a maior confederação sindicalse pronuncie reiteradamente contra essa abordagem. De facto, desde quea almofada salarial que separa as tabelas salariais dos salários efectiva-mente recebidos seja suficientemente grande e a inflação se mantenhabaixa, existem equivalentes funcionais aos acordos de concertação socialsobre políticas de rendimentos. O aumento do salário mínimo nacionale os aumentos dos vencimentos dos funcionários públicos são exemplosdesses equivalentes funcionais. Porém, se se pretender alterar o modusoperandi estabelecido por acordo – ainda que não unânime – e confir-mado por anos de aplicação na negociação colectiva, pode ser necessárioum novo acordo que garanta a legitimação da mudança.

Foi o caso com o acordo de 2006 quanto ao aumento sustentado dosalário mínimo nacional. O acordo, neste caso unânime, estipula que osalário mínimo nacional deve ter um acréscimo de 30% em cinco anos,um valor significativamente superior aos aumentos que, mesmo antes daactual crise global, eram expectáveis para as tabelas salariais das conven-ções colectivas de trabalho. A solução encontrada baseia-se no controlodos efeitos colaterais indesejados por qualquer dos três vértices do triân-gulo neocorporativo: os empregadores obtiveram a garantia de que o au-mento do salário mínimo nacional não teria efeitos de bola de neve quepusessem automaticamente em causa os baixos salários de alguns sectoreseconómicos; os sindicatos obtiveram uma vitória altamente simbólicacom impactos efectivos – mas não automáticos! – na parte inferior dossectores de trabalho intensivo e baixo nível de remunerações; o governomanteve a possibilidade de controlar a despesa pública com as prestaçõessociais, desindexando as prestações sociais do valor do salário mínimonacional.

Além disto, é forçoso reconhecer que é limitado o entendimentocomum dos problemas a resolver pelo acordo. De facto, no texto respec-tivo não há qualquer referência formal ao princípio da moderação sala-rial, aceite pela UGT desde 1986, mas ainda hoje formalmente recusadopela CGTP; os empresários obtiveram uma redução da pressão para oaumento dos salários dos trabalhadores pobres sem terem de abrir umdebate global sobre a política salarial e a desigualdade; o governo pôdeadoptar um instrumento de política laboral e social de grande impacto

António Dornelas

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Portugal: a construção do Estado-Providência em contexto desfavorável

sem induzir um efeito de contaminação das prestações sociais, umaopção totalmente inviável no contexto orçamental da época.

A política sobre a duração e organização do tempo de trabalho cons-titui outra ilustração relevante da relação problemática entre os acordosde concertação social e a contratação colectiva de trabalho. O AcordoEconómico e Social (1990) estabeleceu o princípio de que a redução dotempo de trabalho seria realizada pelo uso convergente da legislação eda contratação colectiva de trabalho. Nos termos então previstos, a le-gislação reduziria, como reduziu, de 48 para 44 horas a duração semanaldo período normal de trabalho, devendo a redução das 44 para as 40horas ser completada, em cinco anos, por negociação colectiva, que de-veria regular igualmente as formas de adaptabilidade do tempo de traba-lho a aplicar em cada sector. Porém, em 1995, em consequência do de-sacordo verificado em inúmeras unidades negociais quanto ao modo decombinar a redução da duração com o aumento da adaptabilidade dotempo de trabalho, continuava a haver mais de 1 milhão de trabalhadorescom horários superiores a 40 horas. O governo da época, adepto públicoda concertação social, optou pela única solução possível para sair do im-passe: promoveu a negociação do Acordo de Concertação Social deCurto Prazo (ACSCP), que assinou em 1996 com todos os parceiros so-ciais, excepto a CGTP, e, em consequência desse acordo, publicou a le-gislação que dava força vinculativa ao compromisso tripartido revalidado.Os resultados são conhecidos: uma vaga de greves sectoriais, particular-mente no sector dos têxteis e confecções, problema que só foi resolvidocom a intermediação do primeiro governo Sócrates.

A evolução no domínio da protecção social é diferente, o que, indi-rectamente, confirma a tese que se vem sustentando. Em primeiro lugar,porque uma das medidas mais inovadoras desde meados dos anos 90 – a criação, em 1996, do rendimento mínimo garantido – foi adoptadacom uma participação menor dos parceiros sociais. O mesmo aconteceu,em 2006, com a criação do complemento solidário para idosos. Em se-gundo lugar, apenas em 2001 a protecção social começou a ser tratadacomo questão autónoma na concertação social. Em terceiro lugar, e aocontrário do que vem acontecendo noutros domínios, a larguíssimamaioria das medidas adoptadas desde 2001 ou já está a ser aplicada oufoi substituída por medidas julgadas mais adequadas à situação presente,como aconteceu recentemente com a introdução do chamado «factor desustentabilidade» das pensões. Apesar destas especificidades, desde o úl-timo governo de António Guterres que o papel dos parceiros sociais nadeterminação da agenda é suficientemente relevante para que o conteúdo

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dos acordos de concertação sobre protecção social seja modelado paratentar obter o consenso da CGTP no maior número de matérias possí-veis. Foi o que aconteceu quer em 2001, quer em 2006, com a diferençade que, ao contrário do que se passou em 2001, na data mais recente ogoverno não conseguiu obter o acordo unânime, que também agora de-sejava.

A análise dos acordos globais sobre a regulação do emprego, da pro-tecção social e do mercado de trabalho parece confirmar que continuampor resolver de forma consistente quatro problemas principais.

O primeiro problema é o da legitimidade e da utilidade de acordosde concertação social que não incluam todas as confederações patronaise sindicais com um papel activo na concertação social. Se a questão dalegitimidade se põe independentemente do maior ou menor papel dacontratação colectiva de trabalho na aplicação do acordo, o problemada utilidade dos acordos não unânimes é potencialmente mais grave noscasos em que a negociação colectiva constitui um instrumento muitoimportante para a realização dos compromissos tripartidos alcançadosna concertação social. Ainda assim, a experiência das duas décadas e meiade concertação social sugere que o poder de veto das confederações comassento na concertação social, sendo relevante, não é sempre absoluto enão parece ser definitivo, tal como se mostrou acima quanto à políticasalarial e quanto ao tempo de trabalho.

A segunda questão, directamente relacionada com a anterior, é a dacapacidade de as entidades subscritoras de acordos – bipartidos ou tri-partidos, unânimes ou apenas maioritários – celebrados com os parceirossociais os transporem para a negociação colectiva realizada pelas organi-zações que ali representam. Pelo menos até agora, essa capacidade tem-se mostrado muito limitada.

O terceiro quesito é o das fronteiras que podem ou devem limitar aconcertação social, ou, se se preferir, a definição dos temas em relaçãoaos quais é aceitável entender as confederações sindicais e patronais comointerlocutores preferenciais do governo.

A quarta dúvida respeita aos modos de tornar compatíveis os consen-sos tripartidos obtidos na concertação social com as competências espe-cíficas de outros órgãos do Estado de direito democrático, especialmentequando os acordos de concertação social incluem medidas da compe-tência reservada da Assembleia da República.

António Dornelas

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Portugal: a construção do Estado-Providência em contexto desfavorável

Desenvolvimentos recentes (2005-2009)

No início da legislatura de 2005-2009, Portugal estava fora dos limitesfixados pelo Pacto de Estabilidade e Crescimento (PEC); o PIB per capitatinha estagnado globalmente entre 2000 e 2005; a convergência com amédia comunitária dos níveis de vida tinha sido substituída pela tendên-cia oposta; o desemprego total estava a crescer e o desemprego de longaduração tinha aumentado de 1,7% da população activa no ano 2000 para3,8% em 2006; entre 1995 e 2005 os custos reais unitários do trabalhocresceram sempre acima da média da UE25; a produtividade por horatrabalhada (63% da média da UE15 em 2000) deixou de convergir paraa média comunitária desde então.

Tendo em conta a necessidade de repor o país dentro dos limites fi-xados pelo PEC – problema que já se punha nos governos de Durão Bar-roso e de Santana Lopes –, o primeiro governo Sócrates adoptou umaestratégia de reforma estrutural que englobou a administração pública eo sector privado da economia e que incluiu medidas quer do lado daprocura, quer do lado da oferta, e promoveu o desenvolvimento da con-certação social.

No que respeita à administração pública, as medidas aprovadas in-cluíram reformas visando a consolidação fiscal, o controlo dos custos daadministração pública, especialmente através da racionalização da estru-tura organizativa desta, a simplificação dos procedimentos administrati-vos e a convergência do sistema de emprego e de protecção social da ad-ministração pública com os padrões do sector privado (OECD 2008).Tais medidas motivaram um aumento da conflitualidade laboral e polí-tica na administração pública que envolveu quer os sindicatos da CGTP,quer os da UGT. Porém, enquanto o conflito para o regime geral termi-nou com um acordo com os sindicatos da UGT, os sindicatos da CGTPrecusaram esse acordo e mantiveram as manifestações de protesto polí-tico contra o governo. No sector da educação, apesar de um memorandode entendimento assinado a meio do percurso contestatário com os sin-dicatos da CGTP e da UGT, o conflito manteve-se.

Quanto ao sector privado, a estratégia de reforma do governo de entãoestruturou-se em três vectores principais: reduzir os baixos níveis de qua-lificação da população, aumentar a sustentabilidade financeira da segu-rança social pública e reformar o sistema de regulação dos mercados detrabalho. Assim sendo, as políticas escolhidas basearam-se na mesma aná-lise da situação feita anteriormente e no reforço de medidas que não seafastaram das que foram anteriormente consagradas pelos acordos unâ-

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nimes de 1991 e de 2001. Porém, em 2007, a CGTP recusou subscrevero acordo de concertação que as consagrou.

O aumento da sustentabilidade financeira da segurança social com-preende dois programas gémeos, a convergência dos direitos e deveresdos trabalhadores da administração pública com os padrões em vigor nosector privado e a modificação das regras de cálculo das pensões do sectorprivado, ligando a idade de referência para a reforma à esperança médiade vida. Para além da alteração do subsídio de desemprego, feita na se-quência de um acordo tripartido unânime (2006), os conteúdos dos acor-dos de concertação seguem uma modulação análoga à que, em 2001,permitiu ao governo da época obter o acordo da CGTP para todos eles,excepto o que respeitava à eventual introdução de limites opcionais paraas contribuições para a segurança social (2001). Em 2006, de forma aná-loga ao que se verificou quanto aos acordos mais recentes sobre a edu-cação e a formação, a CGTP recusou subscrever qualquer deles.

A reforma do enquadramento regulador das relações laborais baseou--se no acordo tripartido de 2008. Comparado com o Acordo de Concer-tação Estratégica (ACE, 1996) e com o Código do Trabalho de 2003, oacordo de 2008 revela diferenças relevantes.

O compromisso tripartido de 2008 distingue-se dos anteriores acordosglobais sobre a regulação do mercado de trabalho (1990; 1996), quer porrazões metodológicas, quer por razões substantivas.

O acordo de 2008 distingue-se do Código do Trabalho de 2003, querdo ponto de vista metodológico, quer do ponto de vista substantivo. Doponto de vista metodológico, porque se baseia numa identificação maisrigorosa dos problemas para, com base nela, construir, ao contrário doque aconteceu em 2003, um compromisso tripartido para a reforma. Doponto de vista substantivo, porque a lógica das medidas adoptadas é aoposta: em vez da redução do poder sindical na negociação colectivapromovida pelo Código de 2003, o Código de 2009 reequilibra os po-deres das partes contratantes e permite a submissão da recusa de negociara procedimentos de mediação e de arbitragem; em vez da estratégia deflexibilização externa através da facilitação do emprego precário adoptadaem 2003, o Código de 2009 baseia-se na promoção da adaptabilidadeinterna, na redução – pela legislação laboral e pelo diferencial dos custosnão salariais – das formas precárias de emprego. Dito de outro modo, oCódigo de 2009 substitui a estratégia de «flexibilização na margem» (Re-gini 2003) adoptada pelo governo Barroso por uma estratégia de desseg-mentação dos mercados de trabalho, de contenção da flexibilização ex-terna mediante a promoção da adaptabilidade interna negociada, pela

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regulação da mudança mediante a criação de possibilidades de combi-nação virtuosa da legislação com a contratação colectiva de trabalho epelo reforço da protecção da mobilidade interna e externa. Ainda assim,a posição da CGTP foi a de recusar o compromisso tripartido.

Põe-se, portanto, a questão de saber o que concluir, antes da crise glo-bal que assola actualmente as economias e as sociedades do mundo in-teiro, sobre os sistemas de relações laborais e de protecção social actual-mente existentes em Portugal.

Apesar dos enormes progressos sociais realizados nas últimas três dé-cadas, Portugal permanece um país de baixos padrões laborais (Crouch1994 e 1996) e, como se mostrou no início deste texto, um país em queos padrões sociais seguem a mesma lógica dos padrões laborais. Não es-panta, pois, que a concertação social seja um processo de geometria va-riável e resultados incertos, em que o principal actor é o governo, ondeos parceiros sociais exercem, quando as opções governamentais buscame favorecem o compromisso tripartido, um papel relevante na definiçãodas políticas públicas, mas um papel residual na sua aplicação.

Esta incoerência sistémica caracterizar-se-ia pela coexistência de ele-mentos com lógicas distintas e conflituantes entre si nos diferentes níveispotenciais de regulação. Assim: ao nível de empresa, predominaria o uni-lateralismo patronal combinado com a individualização das relações la-borais; ao nível sectorial, o traço fundamental do sistema seria a existênciade uma contratação colectiva com elevada taxa de cobertura mas umabaixa capacidade de regulação; o nível interconfederal seria principal-mente marcado pela preponderância do papel dos governos e, quando

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Quadro 1.3 – Principais problemas das relações laborais em Portugal

Elemento Problema

Sistema de representaçãoElevada fragmentação

de interesses Forte competição política entre sindicatos e entre associações patronais

Predomínio do relacionamento antagonista

Negociação colectiva Ausência de coordenação entre níveis de decisão

Obsolescência progressiva dos conteúdos

Circunscrita ao topo

Concertação social Reduzida influência na contratação colectiva de trabalho

Agenda e papel submetidos aos ciclos políticos

Fonte: Elaboração do autor.

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os governos favorecem esta forma de governança, pelo papel dos parcei-ros sociais na definição da agenda da concertação social e no condicio-namento das soluções viáveis, mas não na aplicação das políticas públicasdecorrentes das decisões constantes dos acordos ou na transposição des-ses acordos para a contratação colectiva de trabalho.

Dado o diferencial de poder dos governos em relação aos parceirossociais e a preponderância do antagonismo nas relações entre as confe-derações patronais e sindicais, as posições, quer de umas, quer de outras,na concertação social enquadrar-se-iam particularmente bem com a hi-pótese de Hirschman (1970), segundo a qual o descontentamento e a rei-vindicação perante o governo (voice) predominariam face à participaçãoconvicta (loyalty), de modo a evitar um abandono (exit) cujas consequên-cias poderiam ser particularmente nocivas para uma organização de in-teresses forçada a competir quer com os seus pares, quer com os repre-sentantes dos poderes e dos interesses adversários.

As conclusões acima esboçadas parecem consistentes com alguns re-sultados da literatura sobre a matéria. Assim, no que respeita à concerta-ção social, Mozzicafreddo (1992) assinalou há quase duas décadas a exis-tência de estratégias contraditórias no desenvolvimento do welfareportuguês. Em 2002, Silva suscitou a questão de saber se, dadas as taxasde actividade e o padrão de funcionamento do mercado de trabalho, ainclusão de Portugal no modelo de welfare da Europa do Sul não punhaem causa a consistência deste. Por outro lado, mostrou-se recentemente(Dornelas 2010) que o trabalho não declarado em Portugal é predomi-nantemente motivado por razões económicas e realizado em comple-mento de trabalho declarado e que existe uma marcada assimetria de gé-nero na repartição dos usos do tempo de trabalho remunerado e nãoremunerado e que essa assimetria discrimina negativamente as mulheres(González 2010). Também recentemente, Pedroso (2010) sustentou aideia de que, em virtude do alargamento da União Europeia, a excepçãoliberal anglo-saxónica se transformou num arco periférico que junta aoReino Unido e à Irlanda os países bálticos, a Polónia, a Eslováquia e Por-tugal, admitindo que Portugal poderia evoluir para qualquer dos três mo-delos da tipologia de Esping-Andersen.

Mas, assim sendo, tendo presente que os principais actores neocor-porativos continuam a ser os governos, visto que a alteração da legislaçãoé frequente e estamos plenamente perante o trilema dito das economiasde serviços (Iversen e Wren 1998), parece razoável predizer que os direitossociais em Portugal têm larga probabilidade de estarem no centro dasagendas política e social dos próximos tempos.

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Portugal: a construção do Estado-Providência em contexto desfavorável

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Renato Miguel do CarmoNuno Nunes

Capítulo 2

As (des)igualdades face ao Estado:atitudes e representações sociais na Europa

Introdução

As relações entre a sociedade e o Estado assumem uma enorme ac-tualidade no contexto europeu. Historicamente, a Europa foi palco, prin-cipalmente a partir do fim da Segunda Guerra Mundial, do aumento dopapel do Estado e das suas infra-estruturas institucionais, que se revelaramdecisivas na configuração, estruturação e desenvolvimento das sociedadeseuropeias. Actualmente, os Estados europeus enfrentam novos e acresci-dos desafios (nacionais e transnacionais), de natureza económica, política,social e cultural.

Nas esferas económica e política são sobretudo vividas tensões quantoao grau de regulação nas relações entre a economia e o Estado (Pinto2008), cujas consequências reais se reflectem nas estruturas produtivas edistributivas das sociedades, com efeitos diferenciados nos quadros dasatitudes e das representações sociais dos cidadãos.

O Estado é o resultado inacabado de formações políticas construídassob clivagens sociais e mediador de posicionamentos sociais que se in-terpenetram nos diversos sistemas de relações sociais e de conflitualidadesocial, estes, por seu turno, geradores de disposições e de atitudes em re-lação ao poder e ao funcionamento do Estado em concreto (Jessop 2008).As relações entre o Estado e a sociedade são também, mas não só, nasactuais sociedades complexas, relações de representação (Fernandes 1997).Considerando o Estado como actor institucional central nas sociedadescontemporâneas, compreendendo-o não apenas em relação com a acti-vidade económica mas também com as estruturas sociais e culturais, a

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análise sociológica poderá, igualmente, procurar interpretar os sistemasde significação das posições sociais que se reportam ao Estado e à avalia-ção que fazem dos seus mecanismos directos e indirectos de intervençãosocial.

O objectivo deste texto é o de problematizar sobre as relações estabe-lecidas entre as desigualdades e um conjunto de atitudes e representaçõessociais face às funções asseguradas pelo Estado social. Para o efeito iremos,num primeiro momento, medir até que ponto as percepções relativas àconfiança institucional e às responsabilidades desenvolvidas pelo Estadovariam com o nível de desigualdade de rendimentos vigentes nos paísesem causa. Na segunda parte do capítulo realizaremos uma análise de clus-ters tendo por base o posicionamento médio de cada país em relação a di-ferentes atitudes de carácter mais ou menos igualitário. Ou seja, pretende--se saber até que ponto a desigualdade de rendimentos interfere com aconstrução simbólica de atitudes e representações sociais igualitárias.

Esboço de uma perspectiva relacional do Estado

Nos países europeus, o papel crescente do Estado na vida económicae social, com objectivos de igualdade sócio-económica, através dos seusmecanismos de redistribuição e protecção social com vista a uma inte-gração social cada vez mais ampla, institucionalizou um conjunto de ex-pectativas e de direitos sociais múltiplos, configuradores dos moldes ac-tuais da cidadania e que sedimentaram nos europeus atitudes erepresentações sociais de carácter mais ou menos igualitário. Os disposi-tivos de igualização das oportunidades e de correcção das desigualdadessociais – com vista ao aumento da equidade social – constituíam não sóum ingrediente da prosperidade económica das sociedades democráticas,como também a base material da sua legitimação política (Cabral 1997).

A este respeito, a tipologia de Estados-Providência (ou Estados so-ciais)1 proposta por Esping-Andersen (1991) tornou-se uma referência notipo de análises sobre as lógicas de funcionamento institucional quevisam a protecção e segurança social. O conceito-chave fundamental uti-lizado pelo autor para caracterizar cada modelo, estabelecendo as dife-

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1 Embora sejam conceitos semelhantes, podem ter, no entanto, dimensões um poucodistintas. De qualquer modo, ao longo do texto utilizaremos similarmente os conceitosde Estado-Providência e de Estado social.

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As (des)igualdades face ao Estado: atitudes e representações sociais na Europa

renças fundamentais, é o de desmercadorização, que pretende medir a ca-pacidade que as pessoas adquirem para viver sem dependerem directa-mente dos recursos provenientes do mercado, isto é, a autonomia asse-gurada em relação às incertezas provocadas pelas lógicas do mercado(Mendes 2008; Silva 2013).

A tipologia considera a existência na Europa de três tipos: os Estadosliberais (ou anglo-saxónicos), os corporativos (ou continentais) e os so-ciais-democratas (ou escandinavos). Não cabe aqui caracterizarmos de-talhadamente cada um deles, mas aquele que apresenta níveis mais ele-vados de universalização de cobertura dos riscos e uma relevante funçãoredistributiva é o social-democrata. Para autores como Bo Rothstein (2005)este modelo não só promove uma maior igualização social, como incre-menta, ao mesmo tempo, a generalização da confiança social e institu-cional no seio da sociedade. Já o modelo liberal é o que mais se afastadas funções abrangentes e universalizantes de protecção e segurança so-cial, detendo níveis baixos de desmercadorização. Por seu turno, o modelocorporativo apresenta um grau intermédio de desmercadorização, designa-damente promovendo regimes de protecção direccionados para distintosestatutos profissionais tendencialmente mais protegidos (insiders), relati-vamente aos grupos mais precários e vulneráveis (outsiders).

Sendo característico dos países nórdicos, o Estado social social-demo-crata não pode ser linearmente comparado com outras realidades, na me-dida em que estas apresentam diferentes especificidades institucionais,económicas, sociais e até geográficas. Por exemplo, no que diz respeitoaos países do Sul da Europa, tem sido muito debatido até que pontoestes poderão corresponder a um quarto tipo acrescentado à tipologiaanterior (Ferrera 2000; Silva 2002).

As estruturas sociais não contemplam apenas a produção material dassociedades, mas igualmente os fenómenos de produção cultural e os seusefeitos de hierarquização e classificação social sobre os processos de for-mação das classes sociais. Sob a suposta individualização das sociedadesocultam-se socialmente subculturas, padrões e identidades culturais, éti-cas e ideologias sociais, ethos e perfis sociais de índole mais ou menos in-dividual ou colectiva (Atkinson 2010).

Terão as desigualdades sociais influência sobre a construção de atitu-des igualitárias e concomitantes representações sociais sobre o Estado?Wilkinson e Pickett (2010) sugerem que se encare a escala das desigual-dades materiais numa sociedade como o esqueleto à volta do qual se for-mam as diferenças de classe e as diferenças culturais. Ou seja, que as di-ferenças materiais fornecem o contexto para o desenvolvimento de

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distinções sociais, através das quais os actores poderão considerar a desi-gualdade como socialmente desagregadora.

Os sistemas de disposição e de classificação culturais dos cidadãos (ouhabitus) constroem igualmente representações sociais sobre a economia,as instituições políticas e o Estado (Bourdieu 2001; Lahire 2003). É a par-tir de determinada posição social e dos respectivos códigos sociais e cul-turais accionados pelos actores perante as interpelações da vida social(decorrentes das suas trajectórias sociais individuais e colectivas) que sãoconstruídas as percepções sobre a eficácia/legitimidade das políticas dis-tributivas, sobre a igualdade de oportunidades e a justiça social.

A nível europeu, estas atitudes são construídas pelos cidadãos de umaforma diferenciada resultante de factores muito diversificados tanto deordem objectiva como subjectiva. Na verdade, ao compararmos as atitu-des face ao Estado social, devemos ter em linha de conta que, como jáfoi demonstrado, não existe um único tipo de Estado social na Europae que mesmo dentro de cada modelo existem variantes consideráveis.Esta ressalva é importante no sentido de alertar para os riscos decorrentesda análise comparativa, na medida em que as atitudes identificadas sãoconstruídas tendo por referência realidades distintas, quer no que con-cerne aos sistemas de protecção social vigentes em cada país, como às di-ferentes condições de vida dos indivíduos e respectivas populações.

Apesar da ressalva, utilizaremos para efeitos analíticos a tipologiaadaptada de Esping-Andersen, de maneira a perceber se as atitudes cons-truídas tendem a confirmar a orgânica e o conteúdo da tipologia emcausa ou se, pelo contrário, provocam uma reconfiguração dos seus pres-supostos analíticos. Será que se estabelece uma decorrência entre a geo-grafia dos países, definida segundo a tipologia dos modelos de Estadosocial, e a geografia das atitudes e representações sociais veiculadas peloscidadãos europeus? Ou, questionando de maneira mais concreta, seráque as atitudes e os valores mais igualitários serão preponderantes nospaíses correspondentes aos Estados sociais de cariz mais universal?

O European Social Survey (ano de 2008) fornece instrumentos que per-mitem um apuramento extensivo das atitudes sociais subjacentes às orien-tações perante as desigualdades prevalecentes em cada sociedade euro-peia. O inquérito mede as atitudes e as representações que os inquiridospossuem dos sistemas de estratificação sócio-económica (em termos deoportunidades e recompensas) dos seus países e respetivo grau de tole-rância perante essas desigualdades.

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Enquadramento metodológico: uma análise comparativa e transnacional

O desenvolvimento metodológico de uma perspectiva relacional doEstado prefigura a articulação de indicadores de desigualdade social, con-fiança institucional, representações sociais sobre o Estado e atitudes igua-litárias.

Procura-se avançar com a hipótese de que as atitudes e representaçõessociais sobre o Estado (grau de responsabilidades que deve assumir e aimportância dos apoios sociais), no plano estrutural, são condicionadas,nas sociedades nacionais, pelas desigualdades sociais (desigualdades derendimentos)2 e pela confiança institucional (dimensão de capital social)dos seus cidadãos (Carmo e Nunes 2012).

Quanto às representações sociais sobre o Estado, foi perguntado aoseuropeus em que medida os serviços e apoios sociais no seu país condu-zem a uma sociedade mais igualitária e qual o grau de responsabilidadeque o Estado deve assumir num conjunto de atribuições sociais.3

Em termos de atitudes sociais igualitárias, inquiriram-se os cidadãos:se os seus governos nacionais deviam tomar medidas para reduzir as di-ferenças de rendimentos; se aceitam as desigualdades económicas pararecompensar diferenças de capacidade e de esforço; se concordam coma igualdade dos níveis de vida para uma sociedade ser justa.

A partir destas variáveis iremos realizar uma análise de clusters entreos países. O agrupamento em clusters foi elaborado através do métodonão hierárquico (k-means), utilizando o software de estatística SPSS. Noalgoritmo usado pelo SPSS são identificados, no início do processo, vá-rios centróides, ou centros de cluster, sendo que recorremos previamenteao agrupamento hierárquico como meio de sugestão do número de clus-ters a definir. O processo começa com um conjunto inicial de k médiase os casos são classificados com base na distância euclidiana relativamente

2 Como variável de desigualdade de rendimento utilizaremos o índice S80/S20, de-finido como o rácio entre a proporção do rendimento total recebido pelos 20% da po-pulação com maiores rendimentos (quintil 5) e a parte do rendimento auferido pelos20% de menores rendimentos (quintil 1). Este indicador é calculado tendo por base osresultados do ICOR (Inquérito às Condições de Vida e Rendimento) referentes ao ano de2008.

3 Nas políticas de emprego, em garantir cuidados de saúde adequados aos doentes,em garantir um nível de vida digno aos idosos e desempregados, em assegurar serviçosde cuidados às crianças para os pais que trabalham e em proporcionar dias de licençapagos aos que têm de tomar conta de familiares doentes.

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a essas médias, passando por um processo de iteração (recálculo das mé-dias e da pertença de cada caso aos clusters face às novas médias), comvista a optimizar a pertença de cada caso a um dos k-clusters.

As sociedades nacionais constituem o referente metodológico privi-legiado para comparar as estruturas de rendimentos (desigualdades so-ciais) e observar empiricamente os países relativamente à evolução dassuas instituições políticas e realidades económico-sociais do Estado, ospadrões sociais e culturais, os sistemas institucionais e a sua cultura cívica.É sobretudo reportando-se à sociedade nacional que são simbolicamenteerigidas as atitudes de igualdade sócio-económica e quanto à intervençãodo Estado. Os indivíduos respondem tendo como referência a sua reali-dade nacional, que será diferente de país para país.

A compreensão de muitos fenómenos sociais contemporâneos, comotambém relativamente às relações entre a desigualdade social e a institui-ção «Estado», poderá ser favorecida por uma análise sociológica que ar-ticule as escalas de análise nacional e transnacional. Não só as compara-ções internacionais (entre países) mantêm a sua validade analítica, comoa constituição da sociedade dá-se também, em larga medida, directa-mente a escalas transnacionais (Costa, Machado e Almeida 2007, 8). Estadupla assunção estratégico-metodológica permitiu o desenvolvimentoanalítico da tipologia de Estados de Esping-Andersen, comparando asregularidades nas relações entre a desigualdade, a confiança institucionale a importância do Estado, bem como visando delimitar as atitudes trans-nacionais europeias de igualdade social.

Desigualdade, confiança institucional e a importância do Estado

A relação entre o nível de desigualdade social de uma dada sociedadee as responsabilidades que os seus cidadãos atribuem ao Estado (gráfico2.1) poderá clarificar não só os efeitos sobre as atitudes sociais que terá adesigual distribuição dos rendimentos, como ainda avaliar, indirecta-mente, os respectivos impactos das políticas redistributivas dos Estadoseuropeus.

Na generalidade dos países, os cidadãos europeus atribuem um grauelevado de responsabilidades ao Estado (gráficos 2.1 e 2.3). Mas esta von-tade colectiva expressiva em todos os países europeus é ainda mais refor-çada se estivermos perante sociedades com níveis elevados de desigual-dade social. Quanto mais elevada é a desigualdade social, mais acentuada

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As (des)igualdades face ao Estado: atitudes e representações sociais na Europa

é a tendência para uma maior assunção das responsabilidades do Estado.A percepção social da desigualdade social induz a interiorização da maiorimportância do papel dos Estados, porventura como mecanismo corretordessas mesmas desigualdades sociais.

Com os maiores níveis de desigualdade social na Europa, os cidadãosque pertencem a Estados da Europa do Sul e a alguns dos países da Eu-ropa oriental são os que atribuem maior grau de responsabilidades aoEstado (gráfico 2.1). Ou seja, é o caso dos cidadãos da Bulgária, Letónia,Estónia, Polónia, Grécia, Portugal e Espanha.

Nos países com modelos de Estado corporativo e social-democrata,onde as desigualdades sociais são tendencialmente mais reduzidas, atri-buem-se menores responsabilidades, em termos relativos, ao Estado. Talverifica-se em todos os países da Europa do Norte e ocidental.

O Reino Unido (onde predomina o modelo liberal de Estado social),com uma estrutura de rendimentos mais desigual, é dos países europeusque menos responsabilidade atribui ao Estado, revelando representaçõessociais de maior responsabilização individual.

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Gráfico 2.1 – Desigualdade de rendimento (S80/S20) e assunção das responsabilidades do Estado nos países europeus*

* Escala de 0 a 10, em que 0 significa que o Estado não deve ter qualquer responsabilidade, e 10,que o Estado deve ter total responsabilidade.

9,00

8,50

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7,50

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6,503 3,5 4 4,5 5 5,5 6 6,5 7

Desigualdade de rendimento (S80/S20)

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Renato Miguel do Carmo e Nuno Nunes

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Os países do Leste europeu com menores desigualdades sociais, a Es-lováquia, a República Checa e a Eslovénia, são precisamente os que atri-buem menos responsabilidades ao Estado, destoando das atitudes dosrestantes países da Europa oriental. Nestes três países, o grau de transfor-mações que as suas economias e Estados estarão a sofrer não produziuelevadas desigualdades sociais, como está a acontecer noutros países destaregião europeia.

Na maioria das sociedades europeias, quanto mais elevada é a desi-gualdade social, menor é a confiança institucional 4 (gráfico 2.2). Em so-ciedades desiguais torna-se muito mais difícil construir a confiança, a coe-são social é mais reduzida, uma vez que as partes possuem diferenciadascondições de troca e de reciprocidade social. Perante relações (e recursos)desiguais, a confiança é muito mais difícil de desenvolver entre as partes(Herreros 2009). Os mesmos processos sociais transpõem-se para a esferadas relações dos cidadãos com o Estado e a inerente criação da confiançainstitucional.

Como referem Rothstein e Uslaner (2005) e Herreros (2009), o Estadopode ser um promotor de confiança na sua performance por sociedadesmais equitativas. O seu desempenho para a igualdade de oportunidades(sociais e económicas) contribui, indirectamente, para a criação de con-fiança, à medida que também assim aumenta a confiança institucionaldos cidadãos, dotando estes, cumulativamente, de maiores recursos so-ciais, quer nas suas relações com o Estado, quer no desenvolvimento dasua cidadania.

Vivendo em sociedades com desigualdades sociais mais baixas, os ci-dadãos escandinavos são os que possuem maior confiança nos seus Es-tados e instituições públicas. Seguem-se os holandeses, franceses e belgas(modelo de Estado continental), a Eslovénia e a Eslováquia.

Nos restantes países da Europa oriental e nos países da Europa doSul, com exceção do Chipre e da Espanha, a confiança institucional émais reduzida, quer a desigualdade social seja mais elevada (o que acon-tece nos países mediterrâneos), ou mais reduzida (no casos da Croácia,Hungria e República Checa).

É igualmente possível apurar a existência da relação entre a confiançainstitucional e o grau de responsabilidades atribuídas ao Estado (gráfico2.3). No panorama europeu é possível diferenciar quatro universos depaíses, reveladores das representações sociais que os europeus manifestam

4 Indicador compósito que agrega a confiança dos cidadãos no parlamento, no sis-tema jurídico, na polícia, nos políticos e nos partidos políticos.

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As (des)igualdades face ao Estado: atitudes e representações sociais na Europa

perante o Estado: constituído pela generalidade dos países da Europa doLeste (com excepção da República Checa e da Eslováquia) e da Europado Sul (com excepção do Chipre), a mais reduzida confiança institucio-nal parece apelar a uma maior responsabilização do Estado; os paísesnórdicos possuem uma elevada confiança institucional e atribuem umgrau elevado de responsabilidades ao Estado; nos modelos anglo-saxó-nico e continental da tipologia de Esping-Andersen, comparativamentecom os restantes países europeus, revela-se uma maior confiança institu-cional e uma menor atribuição de responsabilidades ao Estado, mas aHolanda surge como um caso isolado de tendência para uma aindamenor responsabilização do Estado.

A criação de condições, por parte dos Estados, que permita o au-mento da confiança institucional não significa necessariamente que oscidadãos atribuam depois aos seus Estados um maior papel de responsa-bilização social. O Estado pode, precisamente, constituir um agente ins-titucional catalisador de autonomia individual entre os cidadãos, auto--reconfigurando-se e atribuindo a si novos papéis de regulação: parece

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Gráfico 2.2 – Desigualdade de rendimento (S80/S20) e confiança institucional nos países europeus*

* Escala de 0 a 10, em que 0 significa nenhuma confiança e 10 toda a confiança.

7,00

6,00

5,00

4,00

3,00

2,00

1,003,00 3,50 4,00 4,50 5,00 5,50 6,00 6,50 7,00 7,50 8,00

Desigualdade de rendimento (S80/S20)

Con

fianç

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stitu

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R2 = 0,284

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ser esta a actuação que se verifica nos modelos de Estado liberal e conti-nental, com efeitos sobre as representações sociais dos seus cidadãos. Nocaso dos países da Europa oriental e da Europa do Sul, revela-se a neces-sidade de uma actuação mais interventora e eficaz não só na esfera socialmas igualmente económica. Relativamente ao modelo social-democrata,a associação positiva que se verifica entre a confiança institucional e aatribuição de responsabilidades ao Estado revela os níveis de coesão sociale de maior estabilidade na relação entre os cidadãos e as suas instituiçõespolítico-administrativas.

Naturalmente que factores económicos, culturais, políticos e sociais,com implicações institucionais e de desenvolvimento, e de ordem estru-tural e/ou conjuntural, interferem na relação entre a confiança institu-cional e o grau de responsabilidades atribuídas aos Estados, o que obri-garia a um maior aprofundamento analítico.

Se é expectável que um Estado mais eficiente e universalista construirápatamares mais sólidos de confiança institucional (Rosthein 2005; Her-reros 2009), tal influirá sobre as representações sociais dos cidadãos eu-ropeus quanto à importância que atribuem aos apoios sociais dos seusEstados na construção de uma sociedade mais igualitária (gráfico 2.4).

Renato Miguel do Carmo e Nuno Nunes

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Gráfico 2.3 – Confiança institucional e assunção de responsabilidades do Estado nos países europeus

9,00

8,50

8,00

7,50

7,00

6,501,00 2,00 3,00 4,00 5,00 6,00 7,00 8,00 9,00 10,00

Confiança institucional

Res

pons

abili

dade

s do

Est

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R2 = 0,279

LV

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UA

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As (des)igualdades face ao Estado: atitudes e representações sociais na Europa

O Chipre é o país europeu que confere maior importância aos apoiossociais do Estado (mais de 70% dos seus cidadãos assim o consideram).Seguem-se todos os países dos modelos de estado escandinavo e conti-nental (com excepção da Alemanha), onde mais de metade dos seus ci-dadãos concorda com a importância do Estado social na construção deuma sociedade mais igualitária. Igualmente acima dos 50% estão a Espa-nha e Portugal. No Reino Unido (modelo liberal), cerca de 40% dos bri-tânicos aludem à importância dos apoios sociais do Estado. Mais abaixona importância que confere aos apoios sociais do Estado na construçãoda igualdade social está a maioria dos países da Europa oriental, o que érevelador da eficácia social que os seus cidadãos atribuem aos respectivosEstados, quando são precisamente os que maior grau de responsabiliza-ção lhe atribuem.

As desigualdades sociais, a confiança institucional e o grau de respon-sabilidades conferidas ao Estado naturalmente que se reflectem sobre asrepresentações sociais sobre a legitimidade e/ou eficácia dos Estados so-ciais europeus.

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Gráfico 2.4 – Concordância com a importância dos apoios sociais do Estado para a construção de uma sociedade mais igualitária nos países europeus (percentagens)*

* Cidadãos europeus que responderam que «concordam totalmente» ou «concordam» que os servi-ços e apoios sociais dos seus países conduzem a uma sociedade mais igualitária.

80%

70%

60%

50%

40%

30%

20%

10%

0%

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Atitudes de igualdade social

As atitudes de igualdade social que se propõem à análise sociológica– a concordância da intervenção da governação na diferença de rendi-mentos, a aceitabilidade das grandes diferenças de rendimentos para re-compensar diferenças de capacidade e de esforço, tal como a considera-ção de que para a sociedade ser justa as diferenças entre os níveis de vidadevem ser pequenas – permitem uma abordagem sócio-cultural das per-cepções das desigualdades sociais, nos contextos sociais e quadros de va-lores das sociedades europeias.

Em praticamente todas as sociedades europeias mais de 50% dos seuscidadãos concordam com a necessidade de o Estado (pela via do governo)intervir na redução das diferenças de rendimentos (gráfico 2.5). Nos paísesclassificados de Europa do Sul, na maioria dos países da Europa do Lestee ainda na Finlândia, em mais de 70% dos seus cidadãos, predomina aorientação cultural favorável à intervenção da governação na correcçãodas desigualdades económicas. Seguem-se os restantes países da Europaocidental. Apenas na Dinamarca se verifica descoincidência perante a ten-dência dominante, com cerca de 40% dos seus habitantes a concordaremcom a intervenção do governo na diferença de rendimentos.

Ao inquirirem-se os europeus sobre se concordam (ou discordam) se«para uma sociedade ser justa as diferenças entre os níveis de vida daspessoas devem ser pequenas» foi posta em saliência – para além do âm-bito valorativo da igualdade económica – uma moral social (in)igualitaristaarreigada a valores «transituacionais» culturais e sociais interiorizadospelos indivíduos (Almeida, Machado e Costa 2006).

Mais de 70% dos gregos, cipriotas, portugueses, espanhóis, búlgaros,croatas e letónios revêem-se na percepção social da igualdade dos níveisde vida para uma sociedade ser justa (gráfico 2.6). Entre os 50% e 70%situam-se os cidadãos dos restantes países europeus, com excepção doReino Unido, República Checa, Holanda e Dinamarca, estes abaixo dos50%.

Quando se questiona se concordam (ou discordam) que «as grandesdiferenças de rendimentos entre as pessoas são aceitáveis para recompen-sar diferenças de capacidade e de esforço», o cenário social altera-se (grá-fico 2.7): as desigualdades económicas são relativamente toleradas pararecompensar diferenças de capacidade e de esforço. Apenas na Hungriae Finlândia mais 40% dos indivíduos não aceitam as desigualdades eco-nómicas para recompensar diferenças de capacidade e de esforço. NoReino Unido, Alemanha, Polónia, Ucrânia, Estónia, Dinamarca, Letónia,

Renato Miguel do Carmo e Nuno Nunes

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As (des)igualdades face ao Estado: atitudes e representações sociais na Europa

República Checa, Grécia e Roménia, menos de 20% dos seus cidadãosnão concordam com as desigualdades económicas como contrapartidasocialmente justa.

97

Gráfico 2.5 – Concordância com a necessidade de intervenção do governo na redução das diferenças de rendimentos nos países europeus (percentagens)*

* Cidadãos europeus que responderam que «concordam totalmente» ou «concordam» que o seugoverno devia tomar medidas para reduzir as diferenças de rendimentos.

* Cidadãos europeus que responderam que «concordam totalmente» ou «concordam» que para umasociedade ser justa as diferenças entre os níveis de vida das pessoas devem ser pequenas.

Gráfico 2.6 – Concordância com a relativa igualdade dos níveis de vida para uma sociedade ser justa nos países europeus (percentagens)*

100%90%80%70%60%50%40%30%20%10%0%

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A concordância com a intervenção governativa na redução da dife-rença de rendimentos (gráfico 2.5) e com a igualdade dos níveis de vidapara uma sociedade ser justa (gráfico 2.6) não colide com a tolerância dasdesigualdades económicas se elas servirem para recompensar diferençasde capacidade e de esforço: esta matriz cultural é sobretudo visível naGrécia, Roménia e Letónia.

Os resultados empíricos para o conjunto da Europa mostram que pa-rece vir ao de cima uma ética de índole meritocrática associada ao valordo trabalho, este revelador de capacidades e esforços considerados dife-renciados. O princípio da igualdade de acesso a posições desigualmenterecompensadas tem estado estreitamente ligado à noção de mérito, detal modo que as diferenças de resultados são vistas como um reflexo dasdiferentes capacidades (abilities) dos intervenientes para conquistar as po-sições sociais de mercado mais vantajosas (Marshall 1997; Cabral 2003).

Estes resultados empíricos reflectem as diferentes interpretações quenos países europeus os indicadores de atitudes suscitaram, o que tambémé sociologicamente revelador das percepções sociais imperantes e dosproblemas sociais e económicos mais prementes sentidos pelos cidadãosnos respectivos países.

Renato Miguel do Carmo e Nuno Nunes

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Gráfico 2.7 – Não aceitação das desigualdades económicas para recompensar diferenças de capacidade e de esforço nos países europeus (percentagens)*

* Cidadãos europeus que responderam que «discordam totalmente» ou «discordam» de que as gran-des diferenças de rendimentos entre as pessoas são aceitáveis para recompensar diferenças de capa-cidade e de esforço.

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As (des)igualdades face ao Estado: atitudes e representações sociais na Europa

Foi realizada uma análise de clusters, com vista a interpretar conver-gências e divergências, homogeneidades e heterogeneidades das atitudesigualitárias existentes nos diferentes países da Europa, suficientementecapaz de vislumbrar determinadas configurações transnacionais euro-peias.

A análise permitiu apurar quatro clusters agregadores da diversidadedos diferentes países da Europa relativamente às atitudes igualitárias ma-nifestadas pelos seus cidadãos (quadro 2.1 e gráfico 2.8). O cluster 1 é for-mado pela Finlândia, Hungria e Eslovénia. O cluster 2 é composto peloReino Unido, Holanda e República Checa. O cluster 3 integra a Suécia ea Noruega, relativamente ao Norte da Europa, a Bélgica, a Alemanha, aFrança e a Suíça e, com a localização geográfica na Europa do Leste,fazem parte a Polónia, a Eslováquia, a Estónia, a Federação Russa e aUcrânia. O cluster 4 é constituído pelos países situados no Sul da Europa,Espanha, Portugal, Grécia e Chipre, pelos países do Sudeste da Europa,Bulgária, Croácia e Roménia, e pela Letónia, que se situa mais a nordeste.

O cluster 1 é o agregado de países mais igualitário da Europa (gráfico2.8): é aquele que menos aceita as desigualdades económicas para recom-pensar diferenças de capacidade e de esforço, o mais igualitário na inter-venção da governação (conjuntamente com o cluster 4) e perto do valormédio na aceitação da igualdade dos níveis de vida para uma sociedadeser justa. Segue-se o cluster 4, que se salienta por ser o que mais defendea igualdade dos níveis de vida e uma acção igualitária por parte do Es-tado; na aceitação das desigualdades económicas, o seu quadro de atitu-des aproxima-se dos clusters 2 e 3. O cluster 3 é homogéneo nos vários in-dicadores sociais, com valores menos distantes das médias. O cluster 2 é

99

Quadro 2.1 – Atitudes igualitárias no contexto europeu (k-means cluster analysis)

Cluster 1 Cluster 2 Cluster 3 Cluster 4

FinlândiaHungriaEslovénia

República ChecaDinamarcaReino UnidoHolanda

BélgicaAlemanhaEstóniaFrançaNoruegaPolóniaSuéciaEslováquiaSuíçaFederação RussaUcrânia

BulgáriaChipreEspanhaGréciaCroáciaLetóniaPortugalRoménia

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o mais inigualitário, quer na intervenção do Estado, na igualdade dos ní-veis de vida na construção de uma sociedade justa, tolerando mais as de-sigualdades económicas e a correlativa valorização das capacidades e es-forços.

Valerá a pena, igualmente, observar de que modo a distribuição dasatitudes igualitárias pelos países se conjuga com a desigualdade social, aconfiança institucional e as representações sociais do Estado.

Haverá relação entre uma desigualdade social «objectiva», medida peladesigualdade de rendimentos, e uma desigualdade social «subjectiva»(Chauvel 2001 e 2004), ou seja, o conjunto de atitudes perante essas mes-mas desigualdades predominantes em cada sociedade e individualmentepercepcionadas?

O cluster 4, de pendor igualitário mas tolerante perante as desigualda-des económicas, é formado por países com elevada desigualdade sociale reduzida confiança institucional (gráfico 2.9). Nestes países, a desigual-dade elevada convive socialmente com atitudes igualitárias e uma resig-nação a essas mesmas desigualdades económicas.

Os países do cluster 1 possuem desigualdades sociais reduzidas e maiorconfiança institucional. Neste cluster a desigualdade social reduzida podesignificar mais intensas atitudes igualitaristas, reforçada por uma menortolerância das desigualdades económicas.

Os clusters 2 e 3 têm características próximas, em termos de estruturade desigualdades e confiança institucional, sendo os clusters que defendemuma maior desigualdade económica ou revelam uma maior indiferen-ciação cultural igualitária.

Renato Miguel do Carmo e Nuno Nunes

100

Gráfico 2.8 – Atitudes igualitárias pelos clusters apurados(distância em relação à média)

1,25

1,00

0,75

0,50

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0,00Igualitários na acção

do governoNão aceitação das desigualdades

económicasIgualdade dos níveis

vida

Cluster 1 Cluster 2 Cluster 3 Cluster 4

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As (des)igualdades face ao Estado: atitudes e representações sociais na Europa

Relativamente aos clusters mais igualitários, os clusters 1 e 4, neles sãoconferidas elevadas responsabilidades ao Estado, mas é menor a impor-tância atribuída aos apoios sociais do Estado na construção de uma so-ciedade mais igualitária (gráfico 2.10). Nos clusters 2 e 3, o seu menor

101

Gráfico 2.9 – Atitudes igualitárias, desigualdade social e confiança institucional (distribuição dos clusters)

Gráfico 2.10 – Atitudes igualitárias e representações sociais do Estado (distribuição dos clusters)

5,5

5,0

4,5

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3,0

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Desigualdade social (S80/S20)

Cluster 1

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8,5

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Importância atribuída aos apoios sociais do Estado

Cluster 1

Cluster 2

Cluster 3

Cluster 4

0,40 0,45 0,50 0,55

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Renato Miguel do Carmo e Nuno Nunes

102

igualitarismo condu-los à assunção de menores responsabilidades do Es-tado, mas não deixam de considerar importantes os apoios do Estadosocial.

Pode inferir-se que as atitudes igualitárias conferem maiores respon-sabilidades aos Estados (e vice-versa), enquanto as percepções sociaissobre a importância dos apoios sociais parecem depender principalmenteda eficácia dos respectivos Estados europeus.

Conclusão

Este texto detém um carácter experimental, não havendo a preocu-pação da nossa parte em explicitar pontos conclusivos bem definidos edelimitados, mas sim a estipulação de eixos de reflexão para futuros es-tudos. Trata-se de uma primeira abordagem, que não pretende esgotar atemática em causa, na medida em que esta carece de aprofundamentos,tanto conceptuais como metodológicos, necessários para contemplar rea-lidades mais pormenorizadas que ultrapassem a comparação entre paísese o apuramento de configurações transnacionais. A opção em compararpaíses e em estabelecer regularidades relativamente à Europa como umtodo, sem enquadrar outros níveis de diferenciação geográfica e social,contém sérios riscos que devem ser sublinhados. De facto, consideramosque esta não cobre, muito longe disso, a heterogeneidade social, econó-mica e cultural composta por cada unidade nacional. Nem por seu in-termédio poderemos contemplar plenamente a complexidade inerentea toda a diversidade europeia.

De qualquer modo, e tendo em conta esses riscos, consideramos quea um certo nível de análise a comparação entre países e a perspectivatransnacional europeia podem fazer sentido. Este exercício torna-se par-ticularmente esclarecedor no que concerne à problemática das desigual-dades sociais e à relação que os indivíduos estabelecem com os seus Es-tados, mais especificamente com a organização e funcionamento doEstado social. Neste sentido, a unidade «país» significa mais do que umaunidade territorial; por exemplo, esta pode representar um dado sistemade protecção e de segurança social cujas características remetem para cer-tas tipologias nas quais se identificam tipos relativamente bem definidosde Estados-Providência. Por este motivo, partimos da conhecida tipologiade Esping-Andersen (1991) para desenvolver uma estratégia analítica que,ultrapassando os horizontes fundacionais da própria tipologia, a poderáheuristicamente enriquecer, acrescentando-lhe perspectivas relacionais

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As (des)igualdades face ao Estado: atitudes e representações sociais na Europa

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sobre o lugar e a importância do Estado quanto ao problema das desi-gualdades sociais nas sociedades contemporâneas.

Assim, por intermédio da análise, observa-se: que, de uma forma geral,as atitudes de justiça social manifestadas pela maioria dos europeus, nosrespectivos países, atribuem ao Estado a função e a obrigação institucio-nal de correcção das desigualdades sociais; que a opção redistributiva pre-domina sobre a opção liberal; que a legitimidade cultural expressa peloseuropeus aponta para uma integrada responsabilização colectiva (porparte do Estado) e individual, assentes numa ética meritocrática secularagudamente sensível à desigualdade social. Estes são, sem dúvida, os nú-cleos mais marcantes do estudo efectuado e que comprovam a impor-tância conferida, por parte dos inquiridos, ao Estado social como umelemento insubstituível para o bom funcionamento das instituições na-cionais e europeias, significando um dos pilares imprescindíveis na cons-tituição das próprias sociedades.

O Estado social está arraigado na consciência colectiva e isso é tantomais acutilante no que se refere à sua responsabilidade reparadora na ate-nuação das desigualdades sociais. Esta função é particularmente vincadanos países mais desiguais, nos quais se depreende uma maior exigênciaface ao Estado. Mas também é nestes países, onde se encontra Portugal,que se identificam os menores níveis de confiança em relação às institui-ções públicas. Ou seja, são as sociedades que demonstram menor con-fiança em relação ao Estado aquelas que mais tendem a responsabilizaro Estado face ao problema das desigualdades. Gera-se assim uma corre-lação, já identificada noutros estudos (Wilkinson e Pickett 2010), entre adesigualdade de rendimento e o aumento da falta de confiança institu-cional, que se reflecte numa maior valorização da responsabilização doEstado como factor de igualização social.

A tipologia de Esping-Andersen permite vislumbrar dinâmicas diver-gentes entre estruturas de desigualdade, confiança institucional e represen-tações sociais sobre o Estado social. No que diz respeito à construção deatitudes sociais igualitárias no contexto europeu, as configurações transna-cionais apuradas, para além de mostrarem uma relativa convergência entreos países da «Europa do Sul» e os países do «Sudeste da Europa», revelamtambém as características segmentares e heterogéneas dos impactos insti-tucionais dos modelos de Estado liberal, corporativo e social-democrata. A este respeito, é interessante verificar uma certa irregularidade na geografia,designadamente no que se refere aos quatros países nórdicos, que se situamdiferentemente na configuração analítica dos clusters, identificando-se posi-cionamentos distintos face às atitudes e valores de índole mais igualitária.

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Renato Miguel do Carmo e Nuno Nunes

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Estes dados interpelam-nos directamente para a necessidade de se es-tudar mais aprofundadamente as diferentes dimensões da confiança ins-titucional (e também da confiança social) e a relação que se pode estabe-lecer com as funções do Estado social, em níveis distintos de desigualdadeespacial e territorial.5

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5 A este respeito, v. o estudo desenvolvido por Carmo e Santos (2011) sobre doisconcelhos do interior algarvio.

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As (des)igualdades face ao Estado: atitudes e representações sociais na Europa

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Parte II A sociedade portuguesa:

estrutura e clivagenssociais

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Pedro AbrantesCristina Roldão

Capítulo 3

A relação dos portugueses com o sistema educativo

Introdução

O presente capítulo discute a relação dos portugueses com o sistemaeducativo, entendido como elemento central do Estado-Providência. A partir dos dados do European Social Survey (ESS), analisa-se a evoluçãorecente do acesso dos cidadãos à educação e formação, bem como assuas representações face ao «estado da educação», em comparação coma situação observada nos restantes países europeus.

Esta relação com o sistema educativo será analisada em diferentescontextos sociais, à luz de variações como o nível de escolaridade, o nívelde rendimentos, a ocupação profissional, a área geográfica, as orientaçõespolíticas e culturais. Numa perspectiva dialéctica, o objectivo é não ape-nas explorar a influência das condições e orientações dos indivíduos nasua atitude perante a educação, mas também, em sentido inverso, com-preender como o percurso educativo define o estatuto e as representaçõesdos cidadãos. Recorre-se, a título complementar, aos resultados de algunsestudos recentes em escolas de diferentes contextos sociais, de forma acompreender, com maior profundidade, a relação dos cidadãos com di-ferentes segmentos do sistema educativo.

Em pano de fundo, procuraremos contribuir para a discussão teóricaacerca da função actual do sistema educativo na reprodução ou transfor-mação das sociedades e, em particular, na redução ou legitimação dasdesigualdades sociais em Portugal e na Europa.

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Pedro Abrantes e Cristina Roldão

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Uma breve comparação europeia

Uma análise da relação das populações com o sistema educativo nãopode deixar de equacionar, em primeiro lugar, as profundas desigualdadesno acesso à educação, colocando Portugal num lugar de contraste relati-vamente aos seus congéneres europeus (Martins 2005). No nosso país, apercentagem da população inquirida que não foi além do ensino básicoé de 74,5% (entre os participantes no ESS, este nível só é comparável aoda Turquia), enquanto este valor é inferior a 40% na maioria dos paíseseuropeus (quadro 3.1). Isto é, enquanto a maior parte dos cidadãos adul-tos na Europa obteve um diploma (profissional ou universitário), a ex-periência da maioria dos portugueses no sistema de ensino foi curta e li-mitou-se à base generalista do sistema, o que é um pesado fardo na lutapela competitividade tanto no mercado único europeu como a nível glo-bal. Esta constitui, aliás, uma das consequências mais graves do adia-mento durante décadas do Estado-Providência em Portugal, quando erajá uma realidade consolidada em quase todo o continente, e da sua ex-pansão em décadas de instabilidade política (nacional) e de domínio neo-liberal (internacional).1

É verdade que a diferença geracional é enorme, o que comprova osavanços realizados nas últimas décadas: a percentagem de jovens (18-30anos) sem acesso à escola ou apenas com o 1.º ciclo do ensino passou aser residual (1,5%), sendo a situação típica entre a população maior de30 anos (53,5%). Só que muitos destes jovens portugueses abandonaramainda a escola no 2.º ou no 3.º ciclo do ensino básico (12,8% e 30,4%,respectivamente), enquanto, a nível europeu, os jovens não deixaramigualmente de aumentar a sua escolaridade face às gerações adultas, sendohoje reduzido o segmento que não concluiu o ensino secundário.

Um olhar sobre as percepções dos europeus sobre o estado da educa-ção 2 permite destacar uma grande variação entre países3 (quadro 3.1),possível de interpretar à luz dos diferentes modelos educativos em vigorno continente e que, aliás, parecem pouco permeáveis aos processos deconvergência observados noutros sectores. Neste caso, Portugal situa-se

1 Informação recolhida a partir da pergunta do ESS 2002 e 2008: «Qual o nível maiselevado de estudos que atingiu?»

2 Informação referente à questão do ESS 2008: «O que pensa do estado da educaçãono país na actualidade?».

3 A diferença entre países nas percepções sobre o estado da educação (p < = 0,001; r = 0,14), mas também sobre os serviços de guarda de crianças, é estatisticamente signi-ficativa (p < = 0,001; r = 0,11).

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A relação dos portugueses com o sistema educativo

entre os países em que os cidadãos têm, em média, uma visão mais ne-gativa do seu sistema educativo (apenas superior ao valor registado naGrécia e na Bulgária), ainda que este indicador tenha melhorado entre2002 e 2008.

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Quadro 3.1 – Nível de escolaridade atingido e percepções dos cidadãos sobre o estado da educação, serviços de guarda de crianças, segundo o país (ESS 2008 e 2002)*

Bélgica 67,6% 83,2% 67,1% 6,57 +0,19 (n. s.) 4,98Bulgária 68,0% 73,8% 69,0% 3,88 n/d – 4,11Chipre 71,5% 94,9% 65,0% 5,76 n/d – 6,35Rep. Checa 85,8% 82,1% 91,6% 6,40 +0,62 *** 5,11Alemanha 85,5% 75,4% 89,9% 4,49 –0,14 *** 4,34Dinamarca 78,3% 73,9% 82,2% 7,47 +0,15 (n. s.) 5,45Espanha 41,5% 65,1% 36,5% 5,23 +0,34 *** 4,31Finlândia 68,5% 84,4% 68,3% 7,72 –0,12 (n. s.) 6,58França 67,7% 84,4% 67,1% 5,02 –0,02 (n. s.) 4,93Reino Unido 57,3% 70,9% 55,4% 5,75 +0,42 *** 4,46Grécia 61,5% 86,3% 57,3% 3,60 –0,89 *** 4,3Hungria 38,0% 46,9% 37,0% 4,57 –0,64 *** 5,71Irlanda 64,3% 88,9% 60,8% 6,01 –0,33 (n. s.) 4,25Países Baixos 61,4% 76,6% 61,0% 5,79 +0,10 (n. s.) 5,53Polónia 73,6% 82,3% 75,1% 5,64 +0,69 *** 4,87Portugal 25,5% 55,3% 19,8% 3,97 +0,23 ** 3,93Roménia 65,4% 70,7% 65,5% 4,53 n/d – 3,69Suécia 59,1% 87,4% 55,6% 5,69 +0,42 *** 6,4Eslováquia 87,6% 90,6% 88,4% 5,35 n/d – 4,20Eslovénia 71,7% 85,2% 71,0% 5,56 +0,13 (n. s.) 5,11Estónia 72,7% 71,1% 75,9% 5,86 n/d – 5,37Letónia 76,0% 78,6% 77,8% 4,62 n/d – 4,38

* O European Social Survey não reúne informação sobre cinco dos países da UE27: Áustria,Itália, Lituânia, Luxemburgo, Malta.(a) Os inquiridos situaram a sua percepção numa escala de 0 (extremamente mau) a 10(extremamente bom). (b) Os inquiridos situaram a sua percepção num escala de 1 (concordam totalmente) a 5(discordam totalmente). (c) p = * < 0,05; ** < 0,010; *** < 0,001; n. s. (d) A intensidade da diferença entre 2002 e 2008 é fraca em todos os países analisados (r < = 0,2).

Total 18-30 anos > 30 anos 2008 Evolução 2002-2008 (c) (d)

População com ensino secundárioou superior (ESS 2008)

Estado da educação(ESS 2002 e 2008) (a)

Serviços de guarda de crianças

(ESS 2008) (a)

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Em termos gerais, esta comparação europeia evidencia uma maior sa-tisfação com a educação nos Estados escandinavos, sobretudo a Finlândiae a Dinamarca, países em que o Estado-Providência está mais consolidado,incluindo um sistema educativo «qualificado» (segundo a tipologia deMartins 2010), universal e pouco selectivo, com um forte investimentodo Estado e uma intervenção estruturante dos municípios na organizaçãoe gestão dos serviços escolares. Esta apreciação positiva alarga-se tambémaos serviços de guarda de crianças.4 São sistemas tradicionalmente sociais--democratas, em que o Estado tem uma forte intervenção na educação(ainda que descentralizada) e em que praticamente todos os jovens con-cluem o ensino secundário, sem nunca terem passado pela experiência dareprovação (OCDE 2007 e 2008). Trata-se de uma constatação especial-mente importante num período em que poderosos interesses empresariaistêm procurado promover a privatização da educação, alegando uma maiorqualidade dos sistemas privados sobre os públicos.

Por seu lado, os sistemas educativos da Europa do Sul, com valoreselevados de reprovação e abandono escolar, recolhem apreciações poucopositivas da maioria dos cidadãos. Surpreende, particularmente, a poucasatisfação revelada pelos franceses, com um sistema que foi outrora con-siderado de referência em diferentes latitudes e longitudes. Por um lado,é verdade que são países em que o investimento público em educação,ao longo das últimas décadas, tem ficado muito aquém do verificado nospaíses nórdicos não apenas em valores absolutos, mas, inclusive, em per-centagem do produto interno bruto (OCDE 2008). Por outro lado, o ca-rácter altamente centralizado e burocrático destes sistemas, conferindopouca autonomia (e responsabilidade) aos actores e comunidades locais,parece introduzir tensões, desperdícios e bloqueios no seu funciona-mento (OCDE 2007), sendo menos «amigável» para as populações e maisvulnerável às imagens negativas transmitidas pelos media, bem como aosconflitos entre o Ministério da Educação e os movimentos sindicais (Fer-nández Enguita 2002; Abrantes 2009).

Um aspecto interessante é a influência sobre as atitudes dos europeusexercida pelos resultados de comparações internacionais recentes, comoas providenciadas pelos relatórios PISA (OCDE 2004, 2007 e 2008): aFinlândia e a Dinamarca têm-se situado entre os países do mundo emque os adolescentes revelam melhores desempenhos nas provas de Ma-temática, Língua Materna e Ciências, conferindo-lhes um estatuto de

4 Informação referente à questão do ESS 2008: «O que pensa sobre a oferta de servi-ços de guarda de crianças a preços acessíveis para os pais que trabalham?».

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A relação dos portugueses com o sistema educativo

exemplaridade, enquanto os países da Europa do Sul têm obtido resul-tados bastante modestos, alimentando um questionamento permanentena opinião pública sobre a qualidade educativa. De salientar aqui o casoalemão, no qual o fraco desempenho dos alunos nas comparações inter-nacionais e as atitudes de grande apreensão expressas no European SocialSurvey (reforçadas em 2008, face a 2002) parecem não coincidir com avitalidade económica e cultural, tendo gerado, nos últimos anos, umaceso debate interno sobre a necessidade de reformas educativas. Efecti-vamente, em sociedades altamente dinâmicas e imprevisíveis, como asactuais, é possível que o carácter precocemente estratificado do sistemaeducativo alemão – no qual os alunos aos 12 anos de idade são colocadosnuma de três vias educativas (académica, tecnológica e vocacional) – nãoseja o mais ajustado para promover as competências dos jovens e paracorresponder às aspirações dos cidadãos, algo que deve fazer pensar tam-bém os mais apologistas do neoprofissionalismo.

Outro aspecto relevante é que os países escandinavos são aqueles emque a população menos concorda com a afirmação «a escola deve ensinaras crianças a obedecer à autoridade», ideia mais comum entre as popula-ções da Europa do Sul e do Leste. Ou seja, ao contrário das vozes maissaudosistas do ensino tradicional e autoritário (Feito Alonso 2002; Al-meida e Vieira 2006), os melhores desempenhos nas provas internacio-nais e a maior satisfação dos cidadãos com os sistemas educativos tendema surgir em sistemas educativos em que existe um menor enfoque sobreas questões disciplinares, sustendo uma visão pedagógica mais centradana inclusão, participação e desenvolvimento do sentido crítico.

Convém, contudo, notar que as percepções (abstractas) sobre o sistemaeducativo, como um todo, podem não coincidir com as percepções sobrea escola local, baseadas na experiência de vida de cada indivíduo. Efectiva-mente, uma sondagem realizada em Espanha mostrou que a maioria dapopulação considera que o sistema educativo é medíocre, mas que a escolaque frequentam os seus filhos é boa (Feito Alonso 2002). De igual forma,em Portugal, um estudo recente realizado em territórios educativos de in-tervenção prioritária permitiu constatar que a maioria dos pais dos alunosavalia positivamente a escola, a sua direcção e os seus profissionais, mesmoquando os resultados académicos alcançados são muito fracos (Abranteset al. 2011). Esta aparente contradição mostra até que ponto, sobretudo emsistemas educativos muito centralizados, as representações acerca do sis-tema educativo se baseiam, mais do que na experiência pessoal, num sensocomum dominante, muito influenciado hoje em dia pelos meios de co-municação de massas, em particular a televisão.

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A este propósito, podemos observar no quadro 3.2 como aqueles queusam primordialmente a televisão para se colocarem a par das notíciastêm percepções mais negativas da educação, em comparação sobretudocom aqueles que usam com maior frequência a internet, tanto na médiaeuropeia como no caso português. É igualmente interessante observar,neste quadro, uma curva de satisfação com a educação segundo a inten-sidade do acesso aos meios de comunicação social. Assim, o maior de-sencanto com o sistema educativo encontra-se em ambos os extremos:tanto entre aqueles que não acedem aos media como entre aqueles queo fazem de forma muito intensa. Se entre os primeiros pode dar-se umfenómeno de descrença e afastamento generalizados face às instituições(mediáticas, políticas, educativas, etc.), no caso dos segundos o que pareceocorrer é a adesão a um discurso mediático frequentemente negativo re-lativamente ao sistema educativo (Abrantes 2009). É, aliás, significativoque esta curva seja particularmente pronunciada no caso da televisão,meio mais massivo de difusão da informação na sociedade actual. Pelocontrário, no acesso à internet, aqueles que acedem com maior frequên-cia revelam percepções mais positivas do sistema educativo.

Sistema educativo e estrutura social

Sendo um alicerce do Estado-Providência, assente nos princípios dacidadania e da igualdade de oportunidades, o sistema educativo tem sidocaracterizado, no âmbito sociológico, pela sua função de reprodução e

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Quadro 3.2 – Satisfação com o estado da educação segundo a intensidade de acesso aos diferentes meios de comunicação social, ESS 2008*

UE27 Portugal

TV (a) Rádio (b) Jornais (c) Internet (d) TV (a) Rádio (b) Jornais (c) Internet (d)

Nulo** 4,99 5,11 5,03 5,04 3,82 4,08 3,93 3,93Esporádico** 5,32 5,47 5,37 5,28 4,16 4,03 4,11 4,03Frequente** 5,39 5,43 5,43 5,50 4,02 3,87 3,83 4,18Intenso** 5,14 5,28 5,29 5,46 3,79 4,06 4,05 4,06

* Não foi possível reunir informação sobre cinco dos países da UE27: Áustria, Itália, Lituânia, Lu-xemburgo, Malta.** No caso de exposição diária às notícias em televisão, rádio e jornais utilizámos a seguinte escala:nulo; menos de meia hora (esporádico); entre meia e uma hora (frequente); mais de uma hora (in-tenso). No caso do acesso à internet, infelizmente não há informação relativamente a acesso a no-tícias, em específico, pelo que usámos outra escala: nunca acede (nulo); acede até uma vez por se-mana (esporádico); acede várias vezes por semana (frequente); acede todos os dias (intenso).

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A relação dos portugueses com o sistema educativo

legitimação das desigualdades sociais (Bourdieu e Passeron 1970; Bowlese Gintis 1975; Apple 1989). Como compreender esta duplicidade?

Uma análise deste tipo implica comparar a geração anterior com ados inquiridos (quadro 3.3), pressupondo determinadas opções metodo-lógicas.5 A este propósito, é significativo que 61,4% das famílias de ori-gem tenham filhos com um nível de habilitações semelhante ao seu, oque é um indicador forte de reprodução sócio-educativa. Dos restantes,apenas 2,6% viram os seus descendentes alcançar um patamar escolar in-ferior ao seu, enquanto 36% observaram um aumento da escolarização

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Quadro 3.3 – Relação entre a escolaridade da família de origem e dos respondentes (activos) e trajectória de mobilidade educativa intergeracional por escolaridade da família de origem em Portugal e na UE27, ESS 2008 (%)*

Origem sócio- Respondentes (b) Trajectória de mobilidade

-educativa (a)educativa (c) e (d)

Bás. inc. Bás. Sec. Sup. Total Reprod. Total

Portugal Básico inc. 65,0 17,1 11,3 6,6 100 65,0 35,0 0,0 100 Básico 9,5 26,5 39,2 24,8 100 26,5 63,9 9,5 100 Secundário 5,9 14,8 26,4 53,0 100 26,4 53,0 20,7 100 Superior 7,8 11,6 21,6 59,0 100 59,0 0,0 41,0 100

Total 58,0 17,3 13,6 11,1 100 61,4 36,0 2,6 100

UE27 Básico inc. 35,5 24,0 25,6 14,9 100 35,5 64,5 0,0 100Básico 3,1 28,3 45,8 22,7 100 28,3 68,5 3,1 100Secundário 1,4 9,8 59,9 28,9 100 59,9 28,9 11,3 100Superior 2,3 6,7 28,8 62,2 100 62,2 0,0 37,8 100

Total 13,8 17,3 40,2 28,7 100 46,6 42,8 10,6 100

* Não foi possível reunir informação sobre cinco dos países da UE27: Áustria, Itália, Lituânia, Lu-xemburgo, Malta.(a) Para operacionalizar a escolaridade da família de origem atribuiu-se à família o nível de escolari-dade do membro (pai ou mãe) melhor posicionado desse ponto de vista.(b) Portugal (p < 0,001; r = 0,43); UE27 (p < 0,001; r = 0,38).(c) Variável construída pelos autores e que sintetiza a trajectória de mobilidade educativa entre ashabilitações da família de origem e o nível de escolaridade dos inquiridos.(d) Portugal (p < 0,001; r = 0,28); UE27 (p < 0,001; r = 0,002).

5 A amostra utilizada no ESS 2008, assim como nas anteriores edições deste inquérito,é desenhada com base nas características da população portuguesa actual. Na análise inter-geracional que aqui fazemos (mobilidade educativa e social) confrontam-se, com objectivosexplicativos, duas gerações: a dos inquiridos e a dos seus pais, não havendo para este últimosegmento garantias de que represente bem a população a que diz respeito. Considerou-se,contudo, que, do ponto de vista analítico, seria mais interessante que a análise, mesmocom a referida fragilidade, assumisse uma abordagem explicativa intergeracional, isto é, par-tindo-se daquilo que eram as características dos pais para explicar as dos filhos.

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na geração seguinte, destacando-se 6,6% por um aumento acentuado(pais com o básico incompleto, filhos licenciados).

Em termos mais específicos, a maioria dos pais que não concluíram oensino básico (9.º ano actual, 5.º ano antigo) viu os seus filhos seguir omesmo caminho (65%), enquanto a maioria daqueles que possuíam umdiploma universitário viu os seus filhos licenciarem-se (59%). Assim, umfilho de um licenciado tem nove vezes mais possibilidades de obter umalicenciatura do que outro cujo pai não terminou o ensino básico (59%,face a 6,6%). Nos níveis intermédios nota-se maior flutuação, com tónicaascendente – a tendência dominante entre os filhos de indivíduos com oensino básico foi concluir o secundário, assim como a maioria dos des-cendentes de diplomados do ensino secundário obteve a licenciatura. Osdados europeus indicam uma mesma tendência reprodutiva, emboramenos acentuada do que em Portugal (46,6% e 65%, respectivamente), ecom duas características distintas: menos pronunciada nas camadas comhabilitações reduzidas (35,5% vs. 65%), isto é, o abandono escolar precocedos pais parece menos determinante no destino escolar dos filhos; maissignificativa no nível secundário (54% dos pais com o ensino secundárioviram os seus filhos obter o mesmo diploma, enquanto em Portugal essevalor é de 26,4%), provavelmente em consequência da maior importânciaem muitos países deste nível de ensino e, em particular, das suas vias pro-fissionalizantes. Outro dado interessante remete para as trajectórias esco-lares descendentes, que parecem ser bem menos prováveis de ocorrer emPortugal (2,6%) do que no conjunto da UE27 (10,6%).6

No caso português, ao diferenciarmos por idades, apercebemo-nos deque essa relativa «estabilidade educativa» apenas é dominante entre a po-pulação mais velha (70,9%), uma vez que, entre aqueles cujos filhos nas-ceram depois de 1970, 62,2% viram o nível de escolaridade aumentar nageração seguinte (quadros 3.4 e 3.5). A comparação dos dados apenas re-lativos a este segmento mais jovem – e, portanto, ingressado no sistemaeducativo já no período democrático – permite explorar as tendênciasmais recentes. Esta análise indica que, como já referido, na maioria dasfamílias existiu um aumento das qualificações na geração dos filhos, masa evolução seguiu um padrão «em escada», não propiciando grandestransformações na estrutura social. Isto é, nas famílias com o básico in-

6 Confirmando estudos anteriores (Grácio 1997), tanto na Europa como no caso por-tuguês, esta correlação entre o nível de habilitações entre gerações é um pouco mais forterelativamente às habilitações da mãe, em comparação com as habilitações do pai, prova-velmente por uma preponderância da primeira na socialização primária e por haver umapercentagem significativa de crianças que são criadas apenas pela mãe.

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A relação dos portugueses com o sistema educativo

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Quadro 3.4 – Relação entre a escolaridade da família de origem e dos respondentes (activos) segundo o nascimento antes ou depois de 1970 em Portugal, ESS 2008 (%)

Origem Antes de 1970 (a) Depois de 1970 (b)

sócio-educativa Bás. inc. Bás. Sec. Sup. Total Bás. inc. Bás. Sec. Sup. Total

Básico inc. 74,1 13,7 7,6 4,6 100 30,9 30,1 24,8 14,3 100Básico 8,0 14,6 43,8 33,7 100 10,5 33,8 36,3 19,4 100Secundário 11,7 19,5 22,5 46,4 100 0,0 9,9 30,4 59,7 100Superior 6,0 12,8 23,2 58,0 100 9,7 10,4 20,0 60,0 100

Total 69,3 13,8 9,3 7,6 100 24,6 27,7 26,3 21,4 100

(a) p < 0,001; r = 0,4.(b) p < 0,001; r = 0,31.

Quadro 3.5 – Relação entre a trajectória intergeracional de mobilidade educativa segundo o nascimento antes ou depois de 1970 em Portugal, ESS 2008 (%)

Antes de 1970 Depois de 1970 Total

Reprodução 70,9 33,1 61,4Ascendente 27,1 62,2 36,0Descendente 2,0 4,7 2,6

Total 100 100 100

a) p < 0,001; r = 0,33.

Quadro 3.6 – Relação entre a categoria sócio-profissional do pai e a escolaridade dos respondentes segundo o nascimento antes ou depois de 1970, ESS 2008 (%)

Categoria Antes de 1970 (a) Depois de 1970 (b)sócio-profissional(pai) Bás. inc. Bás. Sec. Sup. Total Bás. inc. Bás. Sec. Sup. Total

Quadros superiores de administração e 16,1 35,7 28,1 20,1 100 – 23,5 6,9 69,6 100gestores (QSAG)

Ocupações profissionais 6,1 17,8 24,2 51,9 100 – – 9,3 90,7 100e técnicas (OPT)

Empregados dos serviços e vendas 37,6 22,5 20,0 19,9 100 10,0 19,0 36,4 34,7 100 (ESV)

Operários (O) 66,1 16,9 11,8 5,3 100 24,1 31,3 26,7 17,9 100

Ocupações desqualificadas 85,5 8,7 2,6 3,2 100 40,3 28,9 20,9 9,9 100(OD)

Total 68,6 14,4 9,3 7,7 100 24,3 27,0 26,6 22,2 100

(a) p < 0,001; r = 0,28.(b) p < 0,001; r = 0,26.

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completo os filhos tenderam a não ir mais longe do que o básico (61%);boa parte de filhos de indivíduos apenas com o ensino básico conclui osecundário (36,3%), mas não se licencia. É verdade que o indicador dedesigualdades na obtenção de licenciatura referido anteriormente diminuide 9 para 4, enquanto a nível europeu se reduz de 4 para 3.

A correlação dos níveis de escolaridade com a posição sócio-profis-sional 7 dos pais confirma esta mudança a partir dos anos 70 (quadro 3.6).Enquanto na larga maioria das famílias operárias ou com trabalhos des-qualificados, antes de 1970, os filhos nem sequer completavam o ensinobásico (66% e 85,5%, respectivamente), esta situação passou a ter umpeso bem menor (24,1% e 40,3%) quando as suas possibilidades de co-locar um descendente na universidade quase triplicaram (passaram de5,3% e 3,2% para 17,9% e 9,9%).

Alguns autores têm argumentado que este padrão de evolução edu-cativa «em escada» produz igualmente um fenómeno de «desvalorizaçãodos diplomas», frustrando as esperanças de mobilidade social (Bourdieue Passeron 1970; Grácio 1997). Por exemplo, o facto de o pai ter a 4.ªclasse e o filho o 9.º ano, situação de alguma forma típica no Portugalactual, pode não significar uma melhoria na posição social, uma vez que,entretanto, o ensino básico (unificado) passou a dar acesso apenas às ac-tividades laborais mais desqualificadas.

Em todo o caso, a análise da relação entre a escolaridade e a categoriasocioprofissional dos pais dos respondentes mais velhos (nascidos antesde 1970) mostra também muitas incongruências, o que coloca em causaa tese anterior, pelo menos, no seu sentido mais linear e longo no tempo.Ainda assim, o que se pode advogar é que a correlação entre as qualifi-cações educacionais e a estrutura sócio-profissional atingiu o seu augenos anos 60-70, tendo enfraquecido para aqueles que entraram no mer-

7 Utilizou-se para a construção da variável «categoria sócio-profissional» a informaçãorecolhida pelo ESS 2008, que permitia a comparação entre pais e filhos, obrigando issoa optar por uma via menos sofisticada de operacionalização da posição sócio-profissional.Assim, foram considerados na categoria «quadros superiores de administração e gestores»os «representantes dos poderes legislativo e executivo e directores e gestores» (grupo 1,ISCO88); na categoria «ocupações profissionais e técnicas» agregaram-se os «especialistasdas actividades intelectuais e científicas» e «técnicos e profissionais de nível intermédio»(grupos 2 e 3, ISCO88); na categoria «empregados dos serviços e vendas» foram incluídoso «pessoal administrativo» e o «pessoal dos serviços e vendas» (grupos 4 e 5, ISCO88);entre os «operários» foram considerados os «trabalhadores qualificados da agricultura eda pesca», «artífíces e trabalhadores similares» e «operadores de instalações e máquinas etrabalhadores da montagem» (grupos 6, 7 e 8, ISCO88); por fim, as «ocupações desqua-lificadas» correspondem aos «trabalhadores não qualificados» (grupo 9, ISCO88).

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A relação dos portugueses com o sistema educativo

cado de trabalho a partir dos anos 80. De facto, se compararmos os por-tugueses nascidos a partir de 1970 (entrada no mercado de trabalho a par-tir de 1985 e com maior incidência nos anos 90) com aqueles que nasce-ram antes dessa data, nota-se que, para os mais jovens, a probabilidadede passar por uma experiência de desemprego (pelo menos, três meses)se torna independente das habilitações literárias (qui-quadrado n. s. p > 0,05) e que, com semelhantes qualificações escolares, o acesso às clas-ses dominantes se torna mais difícil (quadro 3.7).

O mesmo ocorre a nível europeu apenas para o acesso à categoria dosquadros superiores da administração e gestores, não se notando mudan-ças no acesso às ocupações profissionais e técnicas. Esta constatação écoincidente com um estudo recente (Comissão Europeia 2009) que mos-tra que, face à geração anterior, os jovens portugueses licenciados têmuma crescente dificuldade para alcançar postos de técnicos superiores,algo que não se observa noutros países, pois em parte a geração anteriorde licenciados portugueses teve facilidades também inusitadas no quadroeuropeu. Ainda assim, devemos aqui considerar duas questões: por umlado, não se trata de uma transformação drástica, mantendo-se a corres-pondência entre as qualificações educacionais e a estrutura social; poroutro, é possível que uma parte dos inquiridos nascidos antes de 1970 sótenha acedido às classes dominantes depois dos 35 anos, podendo ocor-rer o mesmo a um segmento dos jovens actuais. Ou seja, ao comparar asituação escolar e profissional de diferentes gerações, torna-se difícil dis-tinguir se estamos perante uma «desvalorização dos diplomas» ou um«efeito de carreira» (Hamel 2003).

Uma análise geracional da correlação entre as categorias sócio-profis-sionais de pais e filhos mostra duas tendências divergentes, que se expli-cam pela mudança na própria estrutura sócio-profissional (mobilidadeestrutural) e pela expansão dos padrões de escolaridade (quadro 3.8). Porum lado, reforça-se o carácter reprodutivo nas ocupações profissionais etécnicas, sugerindo canais de acesso a estes empregos que se baseiam nãoapenas no diploma académico. Dito de outra forma, se a possibilidadede os filhos de operários ou trabalhadores desqualificados se licenciaremquase triplicou, as suas chances de ingressarem em ocupações profissionaise técnicas não conheceram a mesma abertura. Por outro lado, nas classesdesfavorecidas, a geração nascida depois de 1970 conheceu mais oportu-nidades de mobilidade social, com algumas trajectórias típicas: os filhosde empregados dos serviços e vendas que passam a profissionais e técni-cos; os filhos de operários ou trabalhadores desqualificados que se con-vertem em empregados dos serviços e vendas.

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Por fim, o European Social Survey também confirma as dinâmicas débeisde aprendizagem ao longo da vida no mercado de trabalho português,bem como a sua forte vinculação aos níveis de escolaridade dos indivíduos(Ávila 2005). Assim, apenas 3% dos adultos que não comple taram a es-colaridade básica frequentaram acções de formação nos doze meses ante-riores à aplicação do inquérito, em contraste com os 26% de licenciados

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Quadro 3.7 – Relação entre o nível de escolaridade e a categoria sócio-profissional segundo o nascimento antes ou depois de 1970, ESS 2008 (%)

Antes de 1970 Depois de 1970

QSAG OPT ESV O OD Total QSAG OPT ESV O OD Total

Portugal Básico inc. 1,8 1,2 23,6 50,6 22,8 100 0,7 0,0 30,5 45,2 23,6 100(a) Básico 3,3 8,2 55,1 26,5 6,9 100 3,2 3,4 35,2 38,2 20,0 100

Secundário 4,1 32,7 48,2 12,1 3,0 100 1,4 16,6 55,9 19,6 6,5 100Superior 6,7 87,1 4,0 1,7 0,4 100 2,1 81,3 12,9 3,7 0,0 100

Total 2,6 12,3 29,2 39,2 16,6 100 1,9 21,8 35,0 28,1 13,3 100

UE27 (b) Básico inc. 7,2 4,0 20,4 40,6 27,8 100 3,9 3,5 19,2 29,8 43,5 100Básico 7,6 10,7 27,4 34,1 20,1 100 4,9 7,2 31,0 33,5 23,4 100Secundário 8,8 24,2 31,1 28,2 7,8 100 4,6 20,1 36,1 29,5 9,7 100Superior 17,6 61,1 12,0 7,1 2,1 100 11,3 62,1 18,1 6,5 2,0 100

Total 10,7 28,5 23,5 25,6 11,7 100 6,9 31,2 28,4 22,5 11,0 100

Legenda: QSAG – quadros superiores da administração e gestores; OPT – ocupações profissionaise técnicas; ESV – empregados dos serviços e vendas; O – operários; OD – ocupações desqualifica-das.Qui-quadrado significativo em ambas as gerações (p < 0,001), com um nível moderado de associação(r = 0,48 e r = 0,46).Qui-quadrado significativo em ambas as gerações (p < 0,001), com um nível moderado de associação(r = 0,34 e r = 0,35).

Quadro 3.8 – Relação entre a categoria sócio-profissional dos respondentese dos pais segundo o nascimento antes ou depois de 1970, ESS 2008 (%)

Antes de 1970 Depois de 1970Filho

QSAG OPT ESV O OD Total QSAG OPT ESV O OD TotalPai

QSAG 17,7 37,3 34,5 5,1 5,4 100 8,5 50,6 40,9 0,0 0,0 100OPT 4,9 56,9 36,0 2,3 0,0 100 7,4 75,1 14,7 0,0 2,7 100ESV 5,5 26,3 41,7 17,0 9,5 100 1,5 39,9 33,3 16,5 8,8 100O 1,6 11,1 30,1 45,9 11,3 100 0,8 20,8 33,2 34,3 10,9 100OD 1,1 6,5 23,0 45,5 23,9 100 2,1 9,3 42,9 29,2 16,5 100

Total 2,4 13,0 29,1 39,2 16,2 100 1,6 23,7 35,3 27,9 11,6 100

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A relação dos portugueses com o sistema educativo

(um valor ainda assim baixo, considerando as rápidas mudanças nomundo). É revelador que a associação com a classe social, embora sejatambém significativa (p < = 0,001), destacando-se as práticas de formaçãocontínua nas «ocupações profissionais e técnicas» (20%), não é tão fortecomo a anterior (r = 0,19 e r = 0,28), o que reflecte o carácter acumulativodas experiências educativas: quem tem mais educação busca (e tem acessoa) mais educação.

Em suma, considerar o sistema educativo como parte do Estado-Pro-vidência implica aceitar que este último inclui igualmente mecanismosestruturais de reprodução e legitimação das desigualdades sociais. Esta di-mensão surge mais pronunciada em Portugal do que noutros países euro-peus, o que se associa, provavelmente, a padrões de desigualdade tambémmais vincados do que na maioria das sociedades europeias (Carmo 2010).Em todo o caso, os dados mostram também que o carácter reprodutivodo sistema educativo português diminuiu para as gerações mais jovens, oque se associa à transição de uma sociedade tradicional com um regimeautoritário para outra moderna e com um sistema democrático, o que sig-nificou para os jovens das classes desfavorecidas mais oportunidades efec-tivas não apenas de estudo, mas também de mobilidade social.

As percepções dos portugueses face à educação

Se os portugueses têm, em geral, uma posição bastante crítica face aoestado da educação e aos serviços de guarda de crianças (ainda que me-lhorando de 2002 para 2008), como se viu nas páginas iniciais, devemosnotar que esta posição apresenta algumas variações entre segmentos dapopulação.

Desde logo, os mais jovens (nascidos depois de 1970) apresentam umaperspectiva mais optimista dos serviços educativos em ambos os parâ-metros, tendendo também a concordar menos com a ideia de que as es-colas actuais devem incutir a obediência face à autoridade 8 (quadro 3.9).

O maior pessimismo da geração mais velha pode associar-se a ummaior desconhecimento das realidades escolares actuais ou a uma estra-tégia de desvalorização de um sistema educativo que os desvaloriza, nosentido em que, no seu tempo, o acesso aos níveis secundário e superior

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8 Referimo-nos à questão do ESS 2008: «Quanto concorda ou discorda da seguinteafirmação: a escola deve ensinar as crianças a obedecer à autoridade?»

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estava muito condicionado. Ao sentir que esses níveis educativos se abri-ram às gerações mais novas, com ganhos materiais e simbólicos conse-quentes no mercado de trabalho, constituindo uma ameaça efectiva aostatus conquistado, um segmento alargado das gerações mais velhas podereagir de forma a menosprezar o sistema educativo e a valorizar a «escolada vida», sustentados por uma ideologia saudosista amplamente difun-dida pela comunicação social. Trata-se, aliás, de um mecanismo que visaa conservação da estrutura social, num cenário de profunda transforma-ção educativa, económica e cultural (Abrantes 2008 e 2009).

Um segundo aspecto (e que reforça o anterior) é o facto de a intensi-dade da crítica ao sistema educativo ser mais forte entre os «quadros su-periores da administração e gestores», que são os mais pessimistas quantoao estado da educação, enquanto os trabalhadores desqualificados sãoaqueles que apresentam uma visão mais positiva, embora as diferençasnão sejam estatisticamente significativas. Um estudo recente em territó-rios socialmente marginalizados, no âmbito do programa TEIP, confirmaque a maioria da população tem uma perspectiva positiva relativamenteà escola e aos seus profissionais, reconhecendo melhorias nos últimosanos e imputando aos filhos a principal responsabilidade pelas situaçõesde insucesso (Abrantes et al. 2011).

É curioso, contudo, que o sistema educativo português não deixa depropiciar maiores oportunidades aos «herdeiros» das classes dominantes,não apenas de percursos longos e valorizados no sistema (como vimosno ponto anterior), mas também de aprendizagens efectivas nas discipli-nas nucleares (OCDE 2007). A desvalorização da escola (nomeadamentea pública) por parte das classes dominantes é, pois, uma estratégia de fe-chamento social (Parkin 1979) e de dominação simbólica (Bourdieu1979).9 Mais interessante é que a correlação entre percepções da educaçãoe níveis de escolaridade é fraca, o que significa que não é a maior expe-riência no sistema educativo que induz o sentido crítico. Pelo contrário,são os agentes sociais com níveis de escolaridade mais baixos no seio dasclasses sociais favorecidas aqueles que mais advogam a tese da decadênciado sistema educativo.

Se não existem diferenças importantes entre homens e mulheres naapreciação do estado da educação, no que toca aos serviços de guarda de

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9 Um estudo recente em colégios privados de elite mostra como estes tendem a gerarum forte sentimento de comunidade e de identificação entre famílias e estabelecimento,muitas vezes preservado ao longo de várias gerações e sustentado num ethos de excelênciaque passa também pela inferiorização do sistema público (Quaresma 2010).

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crianças, elas já se mostram menos satisfeitas. Nota-se também uma di-ferença significativa em termos da região do país no que diz respeito aosserviços de guarda de crianças, sendo a população do Algarve acentua-damente mais pessimista. Outro aspecto interessante é que a populaçãoque não nasceu em Portugal é claramente mais positiva quanto ao estado

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Quadro 3.9 – Percepções sobre a educação segundo as características sócio-demográficas, escolares, profissionais, a pertença religiosae o partido votado nas últimas eleições em Portugal, ESS 2008(médias)

Estado da Serviços de guarda «A escola deve ensinareducação de crianças a obediência» (a)

Geração Antes de 1970 3,84 *** 3,85 *** 1,80 ***Depois de 1970 4,25 (r = 0,1) 4,11 (r = 0,06) 1,95 (r = 0,09)

Sexo Masculino 3,99 n. s. 4,08 ** 1,85 n. s.Feminino 3,96 3,84 (r = 0,06) 1,84

Norte 4,01 4,14 1,79Centro 4,04 ** 4,17 *** 1,82 ***

Região Lisboa 3,99 (r = 0,06) 3,74 (r = 0,16) 1,97 (r = 0,17))Alentejo 3,49 3,86 1,80Algarve 3,68 2,52 1,29

Naturalidade Portuguesa 3,89 * 3,91 1,85Outra 5,18 (r = 0,15) 4,26 n. s. 1,84 n. s.

Nível de Básico inc. 4,03 * 3,99 * 1,77 *escolaridade Básico 3,75 (r = 0,06) 3,87 (r = 0,04) 1,90 (r = 0,12)

Secundário 4,10 3,95 1,99Superior 3,87 3,70 1,94

QSAG 3,55 4,47 1,83Categoria OPT 3,85 3,73 1,84sócio- ESV 3,95 n. s. 3,91 n. s. 1,84 **-profissional O 4,00 3,93 1,81 (r = 0,06)

OD 4,20 3,90 1,71

Pertença Sim 3,97 n. s. 3,95 n. s. 1,83 **religiosa Não 3,97 3,83 1,99 (r = 0,07)

BE 3,89 3,57 1,82CDS/PP 4,01 3,21 1,59PCP-PEV 3,28 3,53 1,80

Partido votado PCTP-MRPP 2,67 4,53 1,51nas últimas PND 1,99 *** 3,19 1,66eleições PNR 6,22 (r = 0,19) 5,59 n .s. 2,00 n. s.legislativas PSD 3,82 3,83 1,86

PS 4,32 4,00 1,77Voto em branco/nulo 3,73 3,20 1,67

*p < 0,05; **p < 0,010; ***p < 0,001; n. s.(a) A escala em «estado da educação» e «serviço de guarda de crianças» varia entre 0 e 10, sendo 10o grau máximo de satisfação. No que diz respeito ao dever de a escola ensinar a obediência, a escalavaria entre 1 e 5, sendo 5 o grau máximo de discordância.

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da educação (com uma média de 5,18 na escala 0-10, em contraste comos 3,89 verificados entre os naturais do país), possivelmente pelo maiorcontacto com sistemas educativos de outros países.

Também a orientação política parece ter algum efeito nestas aprecia-ções. Assim, os votantes do Partido Socialista, no governo em 2008, re-velaram-se mais positivos quanto ao estado da educação e aos serviçosde guarda de crianças, em contraste com os apoiantes do PCP e do PSD(sobretudo, no estado da educação) e do CDS-PP (nos serviços de guardada infância). Aliás, há uma correlação significativa (p <= 0,001; r = 0,38)entre as apreciações do estado da educação e o grau de satisfação com ogoverno. Este dado é mais um indicador de que a educação constitui umtema altamente politizado, sendo as percepções dos indivíduos condi-cionadas pelas suas ideologias e filiações, assim como pelo debate polí-tico-mediático (Abrantes 2009).

Observa-se igualmente, embora tenha pouca relevância estatística,uma tendência para que as pessoas não religiosas sejam mais críticas re-lativamente à educação e aos serviços de cuidados das crianças, o quenão deixa de surpreender, sendo o sistema educativo público assumida-mente laico. Trata-se, provavelmente, de um segmento da população queé mais reticente a aderir às instituições, sejam educativas ou religiosas,denotando níveis mais avançados de «individualismo institucionalizado»(Beck e Beck-Gernsheim 2003). Pelo contrário, é o segmento mais reli-gioso da população que mais afirma que a escola deve incutir a obediên-cia, indiciando uma maior adesão a valores tradicionais e/ou autoritários.

Por fim, as percepções acerca do sistema educativo parecem não sermuito influenciadas pelas orientações de vida. Ainda assim, é possívelvislumbrar que as pessoas mais materialistas são tendencialmente maiscríticas relativamente ao sistema educativo (p > = 0,001; r = 0.14),10 oque poderá dever-se a à sua apologia de um sistema orientado por valoreshumanistas e igualitários. Ainda assim, esta representação não coincidetotalmente com a realidade, sendo uma construção em grande medidaideológica e mediática, tendo em conta a correlação objectiva entre osníveis de escolaridade, a categoria sócio-profissional e o rendimento doagregado doméstico.

10 Referimo-nos à questão do ESS 2008 em que se pedia que os inquiridos se auto-posicionassem quanto à seguinte questão: «É importante ser rico, ter dinheiro e coisascaras». Os inquiridos situaram a sua autopercepção numa escala de 1 (muito parecidocomigo) a 6 (nada parecido comigo).

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Conclusões

Num estudo anterior utilizou-se a expressão «adesão distanciada» paracaracterizar a relação dos estudantes actuais com a escola secundária(Abrantes 2003), podendo hoje adaptá-la para «adesão desencantada», nosentido de caracterizar a relação da generalidade da população portuguesacom o sistema educativo, em função dos dados do European Social Survey.Isto é, existe uma adesão crescente à escolarização (os jovens frequenta-ram o sistema educativo muito mais tempo do que os pais), sem focosde resistência consideráveis (aliás, as classes sociais mais desfavorecidas emenos escolarizadas são aquelas que mais confiam na escola), mas comníveis de crítica e até descrença bastante generalizados e, provavelmente,superiores a outros períodos históricos. Aliás, já nos anos 80 Sérgio Grá-cio (1986) havia caracterizado a transição para uma nova etapa de «pro-cura desencantada» da educação.

A reflexão apresentada ao longo deste capítulo permite extrair algumasconclusões para uma análise do sistema educativo, bem como para o de-senvolvimento de políticas públicas neste domínio. Ressaltamos cincoaspectos.

Em primeiro lugar, as percepções e atitudes dos cidadãos relativa-mente aos sistemas educativos surgem fortemente influenciadas, em Por-tugal tal como no resto da Europa, por dinâmicas político-mediáticas.Ao nível internacional, por exemplo, é clara a correspondência entre asrepresentações do estado da educação e os resultados de comparaçõesinternacionais com forte cobertura nos media, como os relatórios PISA(OCDE 2004 e 2007). Por um lado, este fenómeno revela uma opiniãopública informada, procurando basear as suas representações em estudoscredíveis e objectivos, preocupada com a «produtividade» do sistema edu-cativo nacional, em comparação com os restantes países. A educação éentão entendida como um instrumento importante para a competitivi-dade económica e o prestígio social dos Estados-nações. Por outro lado,esta fixação nos rankings internacionais encerra o risco de estandardizare reificar os processos educativos, sobretudo porque o debate público secentra apenas em resultados absolutos, raramente problematizando oscontextos sociais, os pressupostos metodológicos e as correlações de va-riáveis em que assentam estes estudos. Assim, pode haver uma certa ten-dência para, por exemplo, usar os dados para defender uma maior priva-tização do sistema, quando os relatórios PISA mostram claramente queos melhores resultados das escolas privadas estão diretamente associadosa disporem de um «público» social e economicamente mais favorecido.

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A nível nacional, observamos igualmente a vinculação das percepçõessobre o estado da educação ao «jogo» político-mediático, o que resultade uma forte politização e mediatização dos fenómenos educativos (Melo2009). Para um desenvolvimento sustentado do sistema educativo seriaconveniente que o poder fosse mais disseminado pelos diversos territó-rios e agentes e que a nomeação de cargos de chefias técnicas (como asdirecções-gerais e as direcções regionais) não estivesse tão dependente dasvoláteis conjunturas políticas, baseando-se em critérios técnico-adminis-trativos, conferindo uma maior autonomia ao campo educativo. Tam-bém, em termos mediáticos, seria importante um maior diálogo com acomunidade educativa e científica, de forma a melhorar a qualidade dainformação veiculada.

Em segundo lugar, importa realçar que a Finlândia e a Dinamarca sãoos países que, no contexto europeu, apresentam uma taxa mais elevadade satisfação por parte das populações. Trata-se de países com uma amplarede pública de instituições de ensino, um investimento forte há váriasdécadas no sector, um ensino primário e secundário unificado, em queuma grande parte dos processos educativos é gerida a nível municipal. A competição e a reprovação dentro do sistema são muito mitigadas,existindo equipas locais de especialistas que acompanham, orientam eencaminham os alunos com dificuldades de aprendizagem. Pelo contrá-rio, nos países em que as escolas privadas têm grande expressão (com fi-nanciamento parcialmente público) e/ou os alunos são precocementedistribuídos por diferentes fileiras educativas não se registam representa-ções dos cidadãos tão favoráveis. É claro que existem factores económicose culturais que nos afastam da Escandinávia, mas seria de pensar se algu-mas das características dos seus sistemas educativos não podem ser apro-priadas em Portugal, de modo a melhorar a eficácia e a equidade do sis-tema nacional, bem como a sua democratização interna e a satisfaçãodos cidadãos.

Em terceiro lugar, a análise mostrou claramente que a educação con-tinua a ser um factor decisivo para o acesso a condições favoráveis, emtermos sociais, culturais e económicos. Sendo verdade que existe um seg-mento crescente de jovens licenciados que passa por experiências de de-semprego ou de trabalho desqualificado, o acesso às classes sociais do-minantes nunca esteve tão dependente do título académico. Ao contráriode certas ideias do senso comum, a correlação entre habilitações literáriase rendimentos líquidos mantém-se forte. É importante sublinhar estaideia, uma vez que muitos autores têm atribuído uma suposta «crise daescola» à incerteza sobre o valor dos diplomas no mercado de trabalho

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(Grácio 1997; Pais 2001; Alves e Canário 2004). Se essa ideia transpareceentre alunos e professores, minando o valor do seu próprio trabalho, comse tem observado em pesquisas qualitativas, a verdade é que os dados ob-jectivos a desmentem. Utilizando os termos clássicos de Berger e Luckman(1998), trata-se de uma incongruência entre o «mundo subjectivo» e o«mundo objectivo», resultante – acrescentamos – de uma (de)formaçãodo senso comum perpetrada por certos grupos de interesses.

Em quarto lugar, enquanto instrumento do Estado-Providência, o sis-tema educativo português continua a proporcionar oportunidades e cre-denciais muito desiguais. Apesar de uma significativa democratização dosistema, visível na comparação entre a população nascida antes e depoisde 1970, a ideia de que hoje em dia todos os jovens se licenciam é facil-mente refutada quando observamos que quase 50% dos portugueses nas-cidos depois de 1970 apenas apresentam a escolaridade básica como ha-bilitação literária, o que constitui uma autêntica excepção à escalaeuropeia. Em termos sociais, e apesar da evolução inegável nas últimasdécadas, é significativo que um filho de licenciados tenha quatro vezesmais possibilidades de obter uma licenciatura do que um jovem cujospais não concluíram a escolaridade básica, sendo esta proporção de 3/1a nível europeu. Estes dados apontam para a necessidade de reforçar oinvestimento em educação e, simultaneamente, criar mecanismos quetornem o sistema educativo mais inclusivo e equitativo.

Por fim, em quinto lugar, apesar do referido carácter reprodutor dosistema educativo português, o estudo mostra que os portugueses dasclasses dominantes são aqueles que apresentam uma visão mais críticaacerca do estado da educação no país. Explicamos esta aparente contra-dição não apenas devido à recente evolução democratizante do sistema,mas também por uma reacção defensiva e conservadora (em parte, in-consciente) em relação a este processo, como forma de fechamento sociale de dominação simbólica, com vista à preservação de um estatuto favo-recido, em termos culturais, políticos e económicos. Seja pela compara-ção realista com um passado ainda mais severo ou pela ausência de ummovimento de reivindicação de cariz popular, a verdade é que as classesdesfavorecidas parecem conformadas com um sistema educativo que,sendo público, oferece mais às classes que já têm mais.

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Pedro Alcântara da SilvaMaria Helena Pestana

Capítulo 4

Avaliação e atitudes perante os sistemas de saúde europeus numa perspectiva comparada

Introdução

A organização e o acesso ao sistema de saúde de cada país configuramcomportamentos, geram expectativas e influenciam as atitudes dos cida-dãos relativamente às políticas de saúde e aos serviços que prestam cui-dados médicos, assim como a própria concepção, individual e colectiva,de saúde e doença. Por outro lado, esses comportamentos e atitudes nãose definem apenas pelas características específicas e desempenhos de umdado sistema de saúde, mas também por determinantes sociais, políticas,económicas e culturais numa perspectiva alargada.

O European Social Survey (ESS), na sua edição de 2008, disponibilizadados de um conjunto de indicadores atitudinais específicos sobre asaúde, a par de outros, relacionados com as diversas áreas constitutivasdo Estado social, que permitem realizar comparações entre países comdiferentes modelos de organização de sistemas de saúde. Apesar da com-plexidade dos sistemas de saúde em vigor em cada país, o recurso a umatipologia clássica para classificar os vários países na perspectiva da pres-tação de serviços de saúde proposta pela OCDE, como a que é aquiadoptada (Paris, Devaux e Wei 2010), que divide os países entre aquelesque têm serviços de saúde públicos, os que têm serviços de saúde mistose os que têm serviços de saúde privados, permite identificar e analisarpadrões de atitudes significativos, tendo em conta as características maisimportantes de cada tipo de sistema.

A investigação tem demonstrado existir uma relação entre a arquitec-tura institucional dos diferentes sistemas de saúde e as atitudes públicas

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manifestadas (Jordan 2010). Estes estudos inserem-se numa ampla linhade investigação sobre as consequências políticas do Estado-Providênciaque tem procurado analisar em que medida essas políticas que o inte-gram, sejam sectoriais ou globais, quando institucionalizadas, informame estruturam as atitudes públicas através da reconfiguração do debate po-lítico, da emergência de novos grupos de beneficiários dessas políticas eda forma como os indivíduos e os grupos de interesses interpretam assuas preferências. Tais efeitos não são, porém, uniformes em todos os paí-ses. De facto, as variações nas características estruturais de cada Estado--Providência tendem a criar padrões únicos de apoio público, tanto emsectores específicos como na sua globalidade, podendo favorecer o seuaprofundamento ou limitar a sua expansão (Rothstein 2002). Mais con-cretamente, a variabilidade do impacto do Estado-Providência na opiniãopública dependerá das diferentes estratégias de redistribuição e de incor-poração dos cidadãos nas diversas áreas que o constituem, ainda que sejamobservados resultados contraditórios quanto ao sentido dessa influência(Andre e Heien 2001; Arts e Gelissen 2001; Bean e Papadakis 1998; Ble-kesaune e Quadagno 2003; Edlund 1999 e 2007; Jager 2006; Larsen 2008;Svallfors 1997 e 2004).

A saúde é uma das áreas constitutivas do Estado-Providência mais im-portantes, embora não exista uma sincronia evidente entre as tipologias desistemas de saúde e os diferentes modelos de Estado-Providência mais con-vencionais, com excepção dos países de matriz social-democrata, ondetodos adoptaram serviços de saúde públicos (Bambra 2005). Uma das ca-racterísticas dos Estados sociais da Europa do Sul é combinarem sistemasde segurança social fundamentalmente assentes numa lógica contributivae bismarckiana, como os países da Europa continental, com um sistemanacional de saúde universal financiado via imposto, como nos países dematriz beveridgiana (sejam nórdicos, sejam anglo-saxónicos) (Ferrera 1996).

Para além da experiência que todos os cidadãos terão, em menor oumaior grau, enquanto utentes dos serviços que prestam cuidados desaúde, o sector é dos que obtêm maior visibilidade política e mediática,ao qual é dirigida grande atenção pública (Cabral e Silva 2009; Silva2011), sendo por isso uma das áreas sobre a qual os indivíduos têm maiorconhecimento, com influência directa nas suas representações e atitudes.

O presente estudo começa por analisar as tendências atitudinais globaisentre países no que se refere à avaliação dos serviços de saúde e ao apoiopúblico atribuído à intervenção do Estado na prestação de cuidados desaúde, procurando identificar factores latentes que, para além do desem-penho do sistema, possam estar associados a essas avaliações, bem como

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Avaliação e atitudes perante os sistemas de saúde europeus numa perspectiva comparada

situar as disposições manifestadas sobre o sector da saúde relativamente aoutras áreas constitutivas do Estado social. De seguida, procede-se à iden-tificação de preditores de saúde, demográficos, sócio-económicos e polí-ticos, associados ao apoio declarado relativamente ao nível de responsa-bilidade que o Estado deve assumir na saúde, de acordo com os sistemasde saúde em vigor. Finalmente, a maior atenção que vem sendo atribuídaa Portugal no decorrer da análise comparativa europeia é focalizada ex-clusivamente no apoio público manifestado ao Serviço Nacional de Saúdeportuguês com base em estudos nacionais enquanto área prioritária de in-tervenção do governo na globalidade das políticas públicas, nas modali-dades de financiamento preferenciais e na equidade percepcionada.

Classificação dos sistemas de saúde

A análise comparativa contempla quinze países que fazem parte doconsórcio European Social Survey da edição de 2008, que são simultanea-mente países membros efectivos da OCDE, por forma a garantir umatipologia de sistemas de saúde consolidada e amplamente testada emcomparações internacionais (Paris et al. 2010). A classificação adoptadapara organizar os sistemas de saúde dos diversos países em análise é efec-tuada na perspectiva da prestação dos serviços (Escoval 1997; Paris et al.2010), podendo ser divididos em três grandes grupos 1 (quadro 4.1):

a) Os países que têm principalmente prestadores de serviços públicosde saúde financiados através de impostos, com cobertura universale automática, que tanto podem ser organizados à escala nacionalcomo local. O controlo do sistema de saúde centraliza-se no Estado,com o objectivo de proporcionar a igualdade de acesso a todos oscuidados de saúde, através de financiamento público, para todos oscidadãos, independentemente do seu estatuto sócio-económico (gra-tuito no ponto de acesso à prestação dos cuidados de saúde). O sec-tor privado tem muito pouca expressão, sendo uma alternativa aosutentes que queiram exercer a sua liberdade de escolha ou enquantocomplemento aos cuidados de saúde do sector público.

b) Os países que combinam prestadores de serviços públicos e priva-dos, sendo a subscrição de um seguro social de saúde obrigatória

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1 Para uma discussão sobre as diferentes propostas de classificação dos sistemas desaúde, v. Wendt, Frisina e Rothgang (2009).)

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para toda, ou quase toda, a população; a cobertura está frequente-mente associada à ocupação profissional de cada indivíduo no de-correr da sua vida activa e é extensível aos seus familiares. O finan-ciamento dos prestadores é assim feito através de um sistema desegurança social, embora essas receitas, oriundas de contribuiçõessociais, sejam frequentemente complementadas com receitas fiscaisdo Orçamento do Estado.2 Em alguns destes países podem aindaexistir programas específicos que garantam o acesso a cuidados desaúde aos mais pobres.

c) Os países que têm maioritariamente prestadores de serviços priva-dos financiados por um sistema misto de seguros privados e segu-rança social. O seguro de saúde é obrigatório para todos os cida-dãos, embora não sejam inteiramente financiados através decontribuições associadas à ocupação profissional ou ao rendi-mento, sendo adquiridos no mercado concorrencial de fundos deseguros privados de saúde. A actividade das seguradoras está sujeitaa uma forte regulação, na tentativa de garantir o acesso universalaos seguros de saúde, procurando assim corrigir as desigualdadesque os mecanismos de mercado originam. As seguradoras de saúdenão podem negar a cobertura a beneficiários, existindo para o efeito«instrumentos de ajustamento de risco» que gerem os custos e osriscos de saúde associados a cada caso individual. Nesse sentido,os seguros de saúde nestes países são muitas vezes designados por«seguros sociais de saúde», em vez de «seguros privados de saúde».

Refira-se que nenhuma tipologia consegue ser completamente exaus-tiva e exclusiva, uma vez que cada país pode apresentar uma combinaçãode características pertencentes a cada um dos três tipos de sistemas, noque diz respeito tanto à forma como o sector público se organiza e se fi-nancia como ao peso que o sector privado pode assumir. Nesse sentido,a classificação dos sistemas de saúde, seja qual for a tipologia adoptada,define-se pela componente dominante em vigor. É visível alguma des-proporcionalidade da distribuição dos países pela tipologia adoptada, no-meadamente o pequeno grupo com serviços de saúde privados, que re-flecte a forma como a maioria dos países europeus arquitectaram os seus

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2 Neste modelo, a Alemanha tem a particularidade de permitir o opting-out, isto é, osindivíduos com rendimentos mais elevados podem optar por subscrever um seguro desaúde privado, em detrimento de um seguro social de saúde, situação que abrange 15%da população (Paris et al. 2010).

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Avaliação e atitudes perante os sistemas de saúde europeus numa perspectiva comparada

sistemas de saúde, isto é, são maioritariamente países com prestadorespúblicos de saúde com acesso universal e automático, financiados porimpostos, ou mistos, com prestadores públicos e privados, baseados emsistemas de segurança social.

Satisfação com os serviços de saúde

De acordo com os resultados obtidos (quadro 4.2), a satisfação médiacom os serviços de saúde varia significativamente no conjunto dos quinzepaíses em análise.3 Globalmente, podem ser observadas três tendências:(1) níveis baixos de satisfação e inferiores à média nos países com sistemasde saúde mistos, que combinam prestadores públicos com privados esão financiados por um sistema de segurança social, onde, com excepçãoda França e da Bélgica, com níveis de satisfação elevados, os restantespaíses, Grécia, Polónia, Hungria e Alemanha, são os mais descontentes;(2) níveis intermédios de satisfação nos países com serviços de saúde pú-blicos, sem diferenças significativas entre si, embora Portugal revele umgrau de satisfação menor do que a média global, situando-se globalmenteno 4.º lugar entre os mais descontentes; (3) níveis elevados de satisfaçãonos países com serviços de saúde privados, com a Suíça a posicionar-seem segundo lugar e a Holanda em quarto do ranking global.4

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Quadro 4.1 – Tipologia de sistemas de saúde dos países membros da OCDE que fazem parte do ESS*

Serviços de saúde públicos Combinação de

Serviços nacionais Serviços locaisserviços de saúde Serviços de saúde privados

de saúde de saúdepúblicose privados

Portugal Dinamarca Alemanha HolandaReino Unido Espanha Bélgica SuíçaSuécia Finlândia França

Noruega GréciaHungriaPolónia

* A República Checa, a Eslováquia, a Turquia, a Eslovénia e a Estónia foram excluídas da análisepor não terem modelos de sistemas de saúde totalmente consolidados, encontrando-se em todaselas em fase de transição. Para a Irlanda, a Áustria, a Itália e Israel não existiam dados disponíveis àdata do início da presente análise (ESS4-e03).

3 Teste F do one-way anova para p ≤ 0,01 (Pestana e Gageiro 2005).4 Testes t dos contrastes para p ≤ 0,05 (Pestana e Gageiro 2008).

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A avaliação de sistemas de saúde, ou de outros sistemas igualmentecomplexos, através de um único indicador genérico e abstracto é sempredifícil de interpretar. Existem resultados que indiciam que a satisfaçãocom os serviços de saúde não depende tanto dos seus desempenhos efec-tivos, mas antes de outros factores, que não são fáceis de captar, tão di-versos como a caracterização sócio-política e histórica de cada um dossistemas, bem como o estado de desenvolvimento do sistema de saúdede cada país a fim de compreender os contextos, mas também as expec-tativas que os indivíduos criam relativamente a eles nos seus diferentesníveis (cuidados de saúde primários e especializados), baseadas ou nãona experiência pessoal, para além da conjuntura política e social de cadapaís no momento da aplicação do inquérito.

Outro factor importante deriva do facto de esta pergunta não ter sidofeita num módulo de saúde, juntamente com outras questões que ajudas-sem a reflectir sobre essa avaliação, mas sim no módulo da política, nomeio de perguntas idênticas agrupadas numa única bateria de indicadores,enunciadas de forma semelhante e com a mesma escala avaliativa, sobreoutros sistemas, como a educação, a economia, a democracia, o desempe-nho do governo e a satisfação com a vida em geral, o que pode gerar umefeito de contágio entre a avaliação dos vários tipos de sistemas, levando a

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Quadro 4.2 – Satisfação com os serviços de saúde (média)

Média Desvio-padrão

Bélgica 7,41 a* 1,565Suíça 6,99 b 1,857Finlândia 6,64 c 1,972Holanda 6,18 d 1,818Espanha 6,12 de 2,097Suécia 6,05 de 2,077França 6,02 de 2,107Noruega 6,01 de 2,030Reino Unido 5,95 de 2,209Dinamarca 5,81 e 2,231Alemanha 4,70 f 2,308Portugal 4,33 g 2,187Hungria 3,79 h 2,529Polónia 3,78 h 2,290Grécia 3,36 i 2,317

Total 5,39 2,400

* Grupos que são significativamente diferentes entre si (testes t dos contrastes e Tukey HSD, para p ≤ 0,05); a mesma letra identifica os países que são semelhantes.A escala varia entre 0 (extremamente mau) e 10 (extremamente bom).Fonte: ESS 2008.

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Avaliação e atitudes perante os sistemas de saúde europeus numa perspectiva comparada

que o desempenho do sistema de saúde seja avaliado mais em termos po-líticos do que em termos dos cuidados de saúde propriamente ditos.

No contexto em que a pergunta surge neste questionário do ESS de2008, verifica-se, afinal, que a avaliação que os inquiridos fazem, emmédia, do sistema educativo, do estado da economia, da actuação do go-verno e do funcionamento da democracia não é dissonante da que é en-contrada na área da saúde, apresentando estes indicadores um conside-rável grau de consistência entre eles 5 e com níveis de correlação positivosmoderados de cada um com o conjunto dos restantes,6 o que significaque cada item tem uma parte que é comum aos restantes, mas que tam-bém explica algo de específico. As maiores correlações verificam-se pre-cisamente entre a satisfação com o desempenho do governo e com ofuncionamento da democracia, o que evidencia a importância da latênciada dimensão política associada a todas as avaliações e, portanto, tambémem relação ao grau de satisfação com o sistema de saúde, enquanto a sa-tisfação com a vida em geral apresenta a correlação mais baixa, porven-tura remetendo para aspectos mais individualizados do quotidiano.

Quando questionados sobre a eficiência da prestação de cuidados desaúde, verifica-se que as opiniões também são distintas entre os países(quadro 4.3) 7 e, embora se observe uma correlação positiva entre a satis-fação com os serviços de saúde e a avaliação da eficiência da prestaçãode cuidados de saúde,8 esta é apenas razoável em países como a Espanha,Portugal, o Reino Unido e a Finlândia e fraca nos restantes, em particularna Grécia, Alemanha, Holanda e Noruega, que são os países que apre-sentam menor concordância. Com efeito, em média, os inquiridos ten-dem a avaliar de forma um pouco mais positiva a eficiência da prestaçãodos cuidados de saúde, e, ainda que seja um indicador igualmente gené-rico, talvez reflicta uma avaliação mais aproximada do desempenho dosistema de saúde, porventura menos difusa e com menor efeito de con-tágio de outras variáveis, embora, tal como na satisfação, os factores emequação sejam bastantes e o nível de abstracção elevado. Estes resultados,apenas em parte coincidentes, confirmam a dificuldade de medir as ati-

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5 Alfa de Cronbach = 0,80.6 Avaliação do governo: r = 0,643; avaliação da democracia: r = 0,615; avaliação da

economia: r = 0,591; avaliação do sistema de educação: r = 0,474; avaliação do sistemade saúde: r = 0,469; avaliação da vida em geral: r = 0,384 (Pestana e Gageiro 2008).

7 Teste F do one-way anova para p ≤ 0,01.8 Valores de kappa de Cohen: Espanha = 0,265; Portugal = 0,219; Reino Unido = 0,209;

Finlândia = 0,201; Suécia = 0,193; Hungria = 0,192; Bélgica = 0,191; Polónia = 0,181;Suíça = 0,18; França = 0,179; Dinamarca = 0,176; Noruega = 0,164; Holanda = 0,162;Alemanha = 0,137; Grécia = 0,107.

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tudes sobre sistemas complexos recorrendo apenas um simples indicadorque condensasse todas as determinantes em jogo.

Tal como na satisfação com os serviços de saúde, os países com serviçosde saúde públicos tendem a não registar diferenças entre si no que respeitaà avaliação da eficiência da prestação de cuidados, observando-se na No-ruega uma avaliação mais negativa da eficiência comparativamente como nível médio de satisfação apresentado. A maior parte dos países comsistemas mistos de saúde avaliam ambos os indicadores abaixo da médiaglobal, embora a Grécia e a Alemanha avaliem a eficiência de forma sig-nificativamente superior à satisfação. Já nos dois países com serviços desaúde privados, apenas a Suíça mantém valores idênticos para ambas asavaliações, enquanto a Holanda revela uma satisfação superior à eficiência.

Constata-se assim que os níveis de satisfação global com os serviçosde saúde dos países não estão apenas relacionados com a percepção deníveis de eficiência ou de desempenho do sistema de saúde, existindo,de facto, muitas outras variáveis latentes nessa avaliação genérica difíceisde captar, pelo que as avaliações atitudinais globais e simplificadas devemassim ser relativizadas. Na última década foram realizados dois estudosem Portugal que mostram precisamente que a conclusão global sobre osserviços de saúde é sempre mais imprecisa do que uma avaliação dife-

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Quadro 4.3 – Eficiência da prestação dos cuidados de saúde (média)

Média Desvio-padrão

Bélgica 7,06 a* 1,58Suíça 6,93 a 1,86Finlândia 6,78 ab 1,89França 6,59 bc 1,82Espanha 6,29 cd 1,99Suécia 6,16 de 1,96Dinamarca 6,11 de 2,13Reino Unido 5,96 ef 2,07Holanda 5,70 fg 1,94Noruega 5,45 gh 1,97Alemanha 5,27 h 2,12Portugal 4,73 i 2,11Grécia 4,4 j 2,28Hungria 4,15 j 2,36Polónia 4,09 j 2,20

Total 5,68 2,21

* Grupos que são significativamente diferentes entre si (testes t dos contrastes e Tukey HSD, para p ≤ 0,05); a mesma letra identifica os países que são semelhantes.A escala varia entre 0 (extremamente mau) e 10 (extremamente bom).Fonte: ESS 2008.

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Avaliação e atitudes perante os sistemas de saúde europeus numa perspectiva comparada

renciada segundo indicadores específicos e segundo a experiência efectivaenquanto utentes dos cuidados de saúde (Cabral e Silva 2009; Cabral,Silva e Mendes 2002). Com efeito, foram observadas diferenças estatisti-camente significativas nas avaliações que os portugueses faziam dos váriosníveis da prestação dos cuidados de saúde entre aqueles que tinham ex-periência directa do sistema, isto é, que recorriam efectivamente a essescuidados, e aqueles que não possuíam qualquer experiência de utilização(quer os próprios, quer através de familiares próximos), assumindo estesúltimos uma atitude muito mais crítica em relação ao funcionamentodos diversos serviços de saúde do que os primeiros, os quais manifesta-vam níveis de satisfação superiores. Nestes dois estudos, os resultadosevidenciavam uma avaliação dos vários níveis de cuidados de saúde ba-seada na experiência pessoal de cada inquirido, sempre satisfatória, so-bretudo do médico de família, do centro de saúde e do internamentohospitalar, que recolhem um maior conjunto de avaliações positivas(cerca de três quartos dos inquiridos), enquanto as consultas externashospitalares e os serviços de urgência revelam maior insatisfação, masainda assim avaliações também maioritariamente positivas.

As avaliações situam-se, na realidade, em níveis distintos, não neces-sariamente coincidentes, com níveis de exigência e rigor diferentes, reve-lando-se a «avaliação global» e a avaliação de quem não tem experiênciado sistema mais sujeitas à influência da conjuntura política e económica,bem como aos efeitos mediáticos, tendo em conta a crescente visibilidadeconferida pelos mass media ao sector da saúde e a imagem acentuada-mente negativa que globalmente transmitem, em especial do serviço pú-blico de saúde (Silva 2011).

Apesar da multiplicidade de factores latentes que podem estar emequação, é de referir que a visão geral das opiniões públicas sobre os sis-temas de saúde está também frequentemente correlacionada com o nívelde equidade subjectivo que lhe é atribuído, observando-se que, quantomenor é a equidade percepcionada, pior é avaliado o sistema de saúde emais as opiniões públicas nacionais se dividem quanto à necessidade dereforma do sistema e quanto à orientação das mudanças nas políticas desaúde, como acontece tipicamente nos Estados Unidos (Schoen et al.2000).9 Perante a equidade do acesso ao Serviço Nacional de Saúde, ape-nas um terço dos portugueses considera o sistema justo (33,9%), existindo

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9 Esta correlação tem sido amplamente confirmada, ao contrário de outras hipóteses alicerçadas em indicadores mais objectivos, como a hipótese segundo a qual a satisfaçãocom os sistemas de saúde estaria relacionada com a despesa total em saúde (Mossialos 1998),que tem sido rejeitada empiricamente pela literatura especializada (Schoen et al. 2000).

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igual percentagem que adopta uma posição neutra, nem justo nem in-justo (33,7); menos numerosos são os inquiridos que o consideram in-justo (25%) (Cabral e Silva 2009).10 Embora sem dados que nos permitamfazer uma comparação entre países com serviços de saúde públicos, estapercepção relativamente à equidade pode contribuir para que Portugalseja o país mais insatisfeito de todos, em parte pelo peso considerávelque o financiamento privado assume através dos co-pagamentos e dospagamentos directos realizados pelos utentes (out-of-pocket payments) (Bar-ros e Simões 2007),11 que em 2008 ascenderam a 27,2% do total da des-pesa em saúde, valor que é um dos mais elevados entre os países daOCDE.12 Segundo dados objectivos e subjectivos recolhidos no estudoO Estado da Saúde em Portugal (Cabral e Silva 2009), a iniquidade noacesso aos cuidados de saúde persiste através de dois mecanismos fun-damentais:13 por um lado, as listas de espera para consultas de especiali-dade e cirurgias no serviço público são responsáveis pelo encorajamentoao recurso ao sector privado para esse tipo de cuidados de saúde por partedas pessoas com meios para os pagarem, introduzindo assim um factorde iniquidade no sistema em benefício das classes de rendimento maiselevadas; por outro lado, verificou-se que a iniquidade pode também serintroduzida no sistema através de dificuldades acrescidas no acesso a de-terminados bens de saúde, como os medicamentos ou certos tratamentosinsuficientemente comparticipados pelo SNS, dificuldades essas que, nolimite, podem levar as pessoas com menores rendimentos a renunciarema cuidados de que necessitam.14

10 7,8% não assumem nenhuma posição.11 Ainda que, de acordo com dois estudos realizados em 2001 e 2008 (Cabral e Silva

2009; Cabral et al. 2002), a utilização do Serviço Nacional de Saúde por via directa apre-sente um acréscimo significativo (de 84,8% para 89,9%), assistindo-se, em termos gerais,a uma diminuição de utentes que declaram aceder a cuidados de saúde através de sub-sistemas de saúde. Registe-se a baixa percentagem de portugueses que acedem mais fre-quentemente a cuidados médicos do sistema privado, os quais, não obstante terem so-frido um acréscimo significativo entre os dois anos considerados, não ultrapassam 1,9%em 2008 (em 2001 eram de 0,8%). A percentagem de indivíduos detentores de segurosde saúde mantém-se estável no período considerado (11,2% em 2001 e 11,8% em 2008).

12 A média da OCDE em 2008 situa-se nos 20% (este valor não inclui a Áustria, aGrécia, a Holanda e a Turquia por indisponibilidade de dados).

13 A literatura sobre a equidade em saúde distingue, por um lado, as desigualdades deacesso aos cuidados de saúde e, por outro lado, as desigualdades sociais ante a mortalidade(para Portugal, v., por exemplo, Ferreira e Silva 2007 e Santana 2005) e a própria morbili-dade, cuja equidade não só terá melhorado pouco, mesmo com os sistemas públicos desaúde, como poderá ter, inclusivamente, piorado em alguns casos (Marmot 2007).

14 Num estudo sobre a adesão terapêutica em Portugal realizado pelos mesmos auto-res, 33% dos doentes crónicos declararam abster-se com alguma frequência de adquirir

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Se é verdade que a equidade em saúde é maior em sociedades ondevigoram serviços públicos de saúde universais, na exacta medida em queestes prevalecem sobre a oferta de cuidados privados (Schoen et al. 2000),acompanhada por uma percepção sobre a equidade também mais favo-rável, o que pode ajudar em parte a explicar as avaliações positivas e ho-mogéneas entre si que a generalidade desses países faz dos seus serviçosde saúde (Jordan 2010), a introdução de co-pagamentos e de pagamentosdirectos significativos, a par do incremento de seguros privados e moda-lidades mutualistas, pode gerar iniquidades efectivas no acesso, que, porsua vez, se reflectem em opiniões mais negativas. Com efeito, estudossobre saúde e desigualdade de rendimentos têm demonstrado que a de-sigualdade de acesso é tanto maior quanto maior for a mercadorizaçãodos cuidados de saúde: «em geral, as experiências de cuidados são maisdesiguais em países [...] cujos sistemas dependem mais dos seguros desaúde privados e dos mercados» (Schoen et al. 2000, 68). Assim, em paísessem acesso universal automático, as desigualdades no acesso à saúde,mais dependentes das modalidades de financiamento do acesso aos cui-dados de saúde através de seguros sociais de saúde e/ou privados emvigor nesses países, bem como do nível de desigualdades perante o ren-dimento, podem ajudar a explicar níveis avaliativos tão diferentes entrepaíses com serviços de saúde mistos e privados, tendo em conta a corre-lação que possa existir com a equidade percepcionada do sistema desaúde por parte das populações.

Isso mesmo tem sido concluído em estudos sobre o impacto do Es-tado-Providência na opinião pública que observam que os países queadoptam estratégias universalistas no acesso a serviços ou a programassociais financiados por impostos tendem a gerar maior apoio público eatitudes mais coincidentes entre si do que aqueles que se baseiam em sis-temas de segurança social associados à ocupação e ao rendimento, onde

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medicamentos prescritos por falta de recursos financeiros, sendo esse grupo maioritaria-mente constituído por pessoas idosas com baixo estatuto sócio-económico (Cabral eSilva 2010). A existência de taxas moderadoras é uma da modalidades de co-pagamentointroduzidas no acesso ao SNS português: se é certo que não registámos renúncias signi-ficativas no acesso aos cuidados de saúde por incapacidade de pagar as respectivas taxas,o que se deverá também à extensão das isenções (Cabral e Silva 2009), nem por isso é deprestar menos atenção às recomendações de Schoen et al. (2000, 84) segundo as quais énecessário «reconhecer até que ponto os mais pequenos níveis de co-pagamento e detaxas a pagar pelos utentes podem levar a uma ruptura na solidariedade social». Por con-seguinte, tudo o que for feito no sentido da gratuitidade e, concretamente, da comparti-cipação máxima nos medicamentos para doenças crónicas terá efeitos positivos na equi-dade do acesso aos cuidados de saúde.

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a redistribuição de recursos das classes de maior rendimento para as demenor rendimento possa ser mais perceptível (Rothstein 2002).

Responsabilidade do Estado na prestação de cuidados de saúde

De uma forma geral, em grande parte das democracias mais próspe-ras,15 muito em particular na Europa, os Estados estabeleceram sistemasnacionais de saúde capazes de garantir, de alguma forma, um acesso uni-versal aos cuidados médicos (Freeman 1999; Jordan 2010; Wessen 1999).Apesar desse compromisso com o universalismo, existe, como vimos,uma variação substancial na forma como os Estados organizam os siste-mas de saúde, através da articulação de um conjunto complexo de polí-ticas de saúde, no que respeita à prestação de cuidados, aos modelos definanciamento adoptados e à regulação do sector nas suas inúmeras ver-tentes que garantam, por um lado, esse universalismo no acesso e, poroutro lado, a qualidade dos serviços prestados, o que necessariamenteoriginará diferenças atitudinais importantes perante o papel do Estadona saúde e relativamente à forma como os cidadãos incorporam esse uni-versalismo consoante o modelo de sistema de saúde adoptado nos seuspaíses (Jordan 2010).

Dada a centralidade desse universalismo, independentemente daforma como se concretiza, é compreensível que seja muito elevado oapoio público europeu a que o Estado tenha uma forte responsabilidadeem garantir cuidados de saúde adequados (média global de 8,54), emboraa intensidade desse apoio varie significativamente entre os países, con-forme o quadro 4.4.16 Tal como a satisfação geral com os serviços desaúde, também este é um indicador genérico e relativamente ambíguoque não nos permite identificar em que se traduz para os inquiridos essagarantia em concreto, sobretudo tendo em conta os diferentes tipos desistemas de saúde que vigoram pela Europa, onde, em todos os países,existe uma forte intervenção estatal, quer no que se refere à prestação decuidados com acesso universal e automático e ao financiamento directoatravés de impostos ou por sistemas de segurança social, quer em termosde regulação no acesso aos cuidados que assegurem também esse univer-salismo, mesmo nos sistemas de saúde mais privatizados com base emseguros de saúde individuais.

15 Os EUA são um exemplo de entre vários países onde tal não acontece.16 Teste F do one-way anova para p ≤ 0,01 (Pestana e Gageiro 2008).

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Avaliação e atitudes perante os sistemas de saúde europeus numa perspectiva comparada

Desde logo, por um lado, observa-se que os países que revelam menorsatisfação com os serviços de saúde e que avaliam pior a eficiência dos cui-dados prestados, como a Grécia, a Hungria e a Polónia (todos com sistemasde saúde mistos), estão entre os que apelam a uma maior responsabilidadedo Estado em garantir cuidados de saúde. Nestes países parece assim existirum misto de maior descontentamento com os sistemas de saúde vigentese com a prestação dos governos destes países (ou com o funcionamentodo Estado, de uma forma geral), que se traduz em atitudes que invocamum maior comprometimento e eficiência do Estado relativamente aos cui-dados de saúde. Por outro lado, todos os países que têm sistemas de saúdepúblicos reconhecem essa responsabilidade do Estado em garantir cuida-dos de saúde, com apoios públicos acima da média e relativamente ho-mogéneos entre si, enquanto os países que organizam os seus cuidados desaúde com base em prestadores de saúde privados ou também mistos, masque têm uma forte componente privada, tendem a desvalorizar essa inter-venção estatal, com apoios públicos abaixo da média.

Estas diferenças atitudinais evidentes confirmam a capacidade que ainstitucionalização de uma dada arquitectura de sistema de saúde possui

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Quadro 4.4 – Responsabilidade do Estado em garantir os cuidados de saúde adequados (média)

Média Desvio-padrão

Grécia 9,21 a* 1,39Hungria 9,05 ab 1,66Espanha 9,02 ab 1,23Noruega 8,96 bc 1,33Polónia 8,92 bc 1,53Dinamarca 8,85 bcd 1,37Finlândia 8,75 cd 1,24Portugal 8,74 cd 1,77Reino Unido 8,72 cd 1,48Suécia 8,66 d 1,41Alemanha 8,29 e 1,73Holanda 8,25 ef 1,3França 8,05 ef 1,71Bélgica 8,03 f 1,47Suíça 7,65 g 1,98

Total 8,54 1,61

* Grupos que são significativamente diferentes entre si (testes t dos contrastes e Tukey HSD, para p ≤ 0,05); a mesma letra identifica os países que são semelhantesA escala varia entre 0 (o Estado não deve ter qualquer responsabilidade) e 10 (o Estado deve ter

total responsabilidade).Fonte: ESS 2008.

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para moldar as percepções públicas em função da sua trajectória histórica,bem como das políticas e soluções institucionais consolidadas e legitima-das, que, por sua vez, não só constrangerão a amplitude das opções polí-ticas posteriores, mas também limitarão a diversidade das atitudes globaisdos cidadãos relativamente ao modelo existente e a alterações futuras(Geva-May e Maslove 1999; Giamo 2001; Immergut 1992 e 1998; Peters1999; Pierson e Skocpol 2004). Cada tipo de sistema de saúde produz,assim, padrões de comportamento e de experiência dos utentes e modelaa acção dos grupos de interesses e o debate político gerado, bem como acobertura mediática do sector, factores que, em conjunto, originam repre-sentações e matrizes de disposições atitudinais específicas nas populações(Rothstein 2002; Silva 2011), nomeadamente no que se refere ao nível daintervenção do Estado no sector e na garantia do universalismo.

Com efeito, o universalismo tem sido precisamente apontado comoum factor determinante para a existência de atitudes mais favoráveis emais consistentes entre países com sistemas de saúde públicos, devido àamplitude e transversalidade da população beneficiária no acesso aos cui-dados de saúde, independentemente do nível sócio-económico, o quetende a gerar um maior sentimento de interesse comum. A dissociaçãoentre contribuições e benefícios através do financiamento da prestaçãodos cuidados de saúde por via de impostos e com acesso gratuito aos ser-viços tende a reduzir ou, pelo menos, a tornar menos perceptíveis as di-ferenças ideológicas e políticas, bem como os conflitos de interesse entregrupos sociais, em particular nas classes média e baixa, reforçando assima solidariedade social. Comparativamente, os sistemas com prestadoresmistos e privados geram maiores divisões internas na população benefi-ciária, uma vez que o papel das seguradoras e dos fundos de doença se-miprivados salienta as distinções de classe e torna mais visível o processode redistribuição dentro do sistema de saúde, assim como os custos fi-nanceiros dos cuidados recebidos (Jordan 2010).

Apesar da elevada concordância sobre a responsabilidade que o Es-tado deve assumir enquanto garante da prestação de cuidados de saúde,algumas tendências e diferenças sócio-demográficas importantes podemser observadas nos diversos países e tipos de sistemas de saúde, conformeo quadro 4.5. Na grande maioria dos países com serviços de saúde pú-blicos ou mistos, os mais velhos, independentemente do género, sãoquem manifesta um maior apoio a que a saúde tenha uma forte inter-venção do Estado, embora apenas seja estatisticamente significativo emPortugal e na Bélgica, inversamente ao que ocorre no Reino Unido, naFinlândia, na Grécia e na Hungria, onde são os inquiridos mais novos a

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demonstrar esse apoio; apenas em França as mulheres revelam maiorapoio estatal na saúde de forma significativa. Nos dois países com serviçosde saúde privados, os mais velhos, independentemente do género, ten-dem a exprimir uma opinião contrária, no sentido de o Estado dever teruma menor intervenção, embora tal só tenha relevo estatístico e de formafraca na Suíça.

O nível de escolaridade contribui igualmente para a existência de di-ferenças atitudinais estatisticamente significativas a este respeito em Por-tugal, com os menos escolarizados a valorizarem mais uma intervençãodo Estado na saúde, tal como acontece em três dos países com serviçosde saúde mistos (Alemanha, Hungria e Polónia), por oposição à Finlândiae à Noruega, onde os mais escolarizados são quem mais valoriza essa in-tervenção (ambos com serviços de saúde públicos).17

De uma forma geral, quando se comparam os diferentes níveis de es-tatuto sócio-económico com a «burguesia», verifica-se que são os inqui-ridos com menor estatuto sócio-económico que tendem a manifestarmaior apoio a uma intervenção do Estado na saúde, relação estatistica-mente significativa apenas em Portugal e na Finlândia, com serviços desaúde públicos, bem como na Alemanha, em França e na Polónia, comserviços de saúde mistos. Em oposição, os inquiridos com um estatutosócio-económico mais elevado são quem mais defende a intervenção doEstado na saúde em países tão diferentes como a Suécia e a Grécia.

Globalmente, quem trabalha no sector público valoriza mais umamaior responsabilidade do Estado na garantia dos cuidados de saúde,em particular na Suécia, no Reino Unido, na Dinamarca e na Noruega,países com serviços públicos de saúde, bem como na Alemanha, na Bél-gica e em França, países com serviços de saúde mistos, onde as diferençassão estatisticamente significativas. Portugal, a Grécia e a Holanda são osúnicos países onde quem trabalha no sector privado tende a defenderuma maior intervenção do Estado na saúde.

Estes resultados apontam Portugal como um dos países que apre-sentam maiores clivagens demográficas e sócio-económicas no apoio auma maior intervenção do Estado na saúde, a par da Suécia e da Fin-lândia, seguidos pela Alemanha e pela Grécia, por nestas populações seregistarem maiores diferenças significativas pelos diversos atributos emanálise. Já os dois países com serviços privados de saúde revelam maior

17 Para a Noruega, o modelo que melhor se ajusta aos dados é a regressão logísticamultinomial para analisar as diferenças segundo o nível de escolaridade e o sector ondeos inquiridos trabalham (Pestana e Gageiro 2009).

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unanimidade relativamente ao papel do Estado na saúde, atribuindo--lhe menor responsabilidade do que em países com sistemas públicosde saúde. Ainda que os resultados apenas o evidenciem em alguns dospaíses com sistemas de saúde mais universalistas, essas diferenças atitu-dinais significativas podem indiciar, tal como nota Pierson (1996), quea evolução das políticas em Estados-Providência mais amadurecidos,num contexto de resiliência perante as crescentes pressões políticas, eco-nómicas e demográficas para a contenção ou redução da despesa, ten-derá a agravar as clivagens ideológicas e políticas entre beneficiários econtribuintes, que transformam a base de apoio mais transclassista dosperíodos anteriores depois da instituição dos diferentes modelos. Aindaassim, o surgimento dessas clivagens ocorre sempre num contexto glo-bal de atitudes mais favoráveis para com os sistemas públicos de saúde,comparativamente com o apoio público dado a outros tipos de siste-mas, que tende a ser inferior e menos consistente entre os diversos países(Jordan 2010).

Por fim, o estado de saúde subjectivo assumido pelos inquiridosexerce uma influência muito importante nestas disposições atitudinais,uma vez que, na quase totalidade dos países, os inquiridos que declarampior estado de saúde são quem manifesta maior apoio à intervenção doEstado na saúde, em particular nos países com serviços de saúde mistose privados, onde esse apoio é estatisticamente significativo, com excepçãona Grécia. Constata-se assim que são os mais vulneráveis, isto é, os in-quiridos mais velhos, os menos escolarizados, os que auferem menoresrendimentos e com pior estado de saúde que tendem a defender umamaior responsabilidade do Estado em garantir cuidados de saúde ade-quados, sobretudo se esses países não tiverem serviços de saúde públicos.O interesse pessoal enquanto beneficiários pode assim influenciar aforma como os indivíduos estruturam as suas atitudes e perspectivas ideo-lógicas (Edlund 1999; Svallfors 1997); em países com serviços de saúdepúblicos esse interesse está mais associado ao risco de doença, enquantoem países cujo acesso aos cuidados de saúde não é universal à preocupa-ção com a doença surgem outros factores associados com o desempregoou a pobreza (Oorschot 2000).

Para além destas características sócio-demográficas e do estado desaúde subjectivo, existem outras disposições atitudinais que podem con-tribuir para definir o maior ou menor apoio à intervenção do Estado nasaúde. Desde logo, o posicionamento político, observando-se na quasetotalidade dos países um maior apoio a uma intervenção do Estado nasaúde de quem se autodefine como sendo politicamente de esquerda,

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em particular na Suécia, Finlândia, Espanha, França, Alemanha e Suíça,onde essas diferenças são significativas. Apenas na Hungria se observa atendência contrária (quadro 4.5).

Quando se analisa a relação entre o pagamento de impostos para fi-nanciar os serviços e apoios sociais (cuidados de saúde, pensões e segu-rança social) e a intervenção do Estado na saúde verifica-se, de forma sig-nificativa, que na totalidade dos países com serviços de saúde públicos(exceptuando em Espanha), os inquiridos que mais defendem que o go-verno deveria aumentar os impostos e gastar muito mais em serviços eapoios sociais são quem mais apoia a ideia de que o Estado deve respon-sabilizar-se em garantir cuidados de saúde, confirmando assim o apoiogenérico positivo e consistente dado aos sistemas de saúde públicos, umavez que o financiamento via impostos é um dos princípios basilares dasua arquitectura. Nos países com serviços de saúde mistos, apenas a Bél-gica e a França apresentam a mesma tendência, a par de um dos paísescom serviços de saúde privados, a Suíça (a Hungria manifesta mais umavez opinião contrária).

A identificação das consequências que os serviços e apoios sociaispodem ter na sociedade e na economia contribui para modelar o apoiopúblico que é dado à existência de um Estado social mais ou menos ins-titucionalizado e, autonomamente, aos diferentes sectores que o com-põem, como o da saúde. De um conjunto de seis consequências coloca-das aos inquiridos para que referissem o seu grau de concordância,18

foram encontradas duas dimensões latentes que organizam o seu pensa-mento relativamente aos impactos que a existência de serviços e apoiossociais pode provocar.19 A primeira dimensão ou factor reflecte os bene-fícios ou impactos sociais positivos que o Estado social proporciona, en-cabeçado pela ideia de que esses serviços e apoios sociais conduzem auma sociedade mais igualitária, a que se juntam as afirmações de que im-pedem o aumento da pobreza e facilitam a conciliação entre o trabalho

18 1 = concorda totalmente; 2 = concorda; 3 = nem concorda nem discorda; 4 = discorda; 5 = discorda totalmente. Em média, os inquiridos tendem a concordarcom todas as afirmações.

19 A análise factorial com rotação Varimax mostra que existe uma correlação razoávele estatisticamente significativa entre as variáveis (KMO = 0,616; teste de Bartlet para p ≤ 0,01), as quais, pelo critério de Kaiser e segundo a maior inclinação do scree plot, cor-roboram a redução para dois factores que explicam 56,4% da variação dos dados. As cor-relações positivas entre as variáveis de cada factor mostram concordância nas suas classi-ficações, onde os elevados (baixos) níveis de um item estão, em média, associados aoselevados (baixos) níveis dos outros itens que compõem o factor (Pestana e Gageiro, 2008).

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e a vida familiar; 20 a segunda dimensão ou factor salienta os custos eco-nómicos e financeiros que o Estado social provoca, liderado pela afirma-ção de que a existência de serviços e apoios organizados pelo Estado re-presenta uma sobrecarga em taxas e impostos para as empresas e para aeconomia.21

Relacionando as duas dimensões latentes com o apoio que os inqui-ridos dão a uma maior intervenção do Estado na saúde, observa-se, porum lado, que na quase totalidade dos países os que mais concordam comos benefícios do Estado social são quem mais considera que deve existiruma maior responsabilidade do Estado em garantir cuidados de saúde,particularmente em Portugal, Suécia, Dinamarca, Finlândia, Bélgica, Gré-cia, Polónia e Holanda, onde essa tendência é significativa (ao contráriodo que ocorre na Hungria, onde a relação é inversa); esta associação ge-neralizada aponta para um entendimento de que a saúde é uma área ful-cral do Estado social e que uma maior responsabilidade do Estado emgarantir os cuidados de saúde adequados é determinante para uma so-ciedade mais igualitária, isto é, menos sujeita ao impacto das desigualda-des sociais, seja especificamente na saúde, seja noutras dimensões da vidacolectiva.

Por outro lado, a maioria dos países associa a maior intervenção doEstado na saúde a um peso económico e financeiro acrescido para a so-ciedade provocado pela generalidade dos serviços e apoios sociais, muitoem particular em países com serviços de saúde mistos ou privados, ondeessa associação é estatisticamente significativa (Alemanha, França e Po-lónia, bem como Holanda e Suíça). Apesar de essa tendência ser tambémmaioritária nos países com serviços de saúde públicos, apenas na Dina-marca e na Finlândia é significativa, enquanto em Portugal e em Espanhavai no sentido inverso, embora estatisticamente significativa apenas nesteúltimo. Este menor reconhecimento de impactos económicos e finan-ceiros negativos associados a países com sistemas públicos de saúde tra-

20 Este primeiro factor explica 30,4% da variação e é composto pelas três variáveis re-feridas, que apresentam uma razoável consistência interna (alfa de Cronbach = 0,7). Estefactor está muito dependente da afirmação de que os serviços e apoios sociais conduzema uma sociedade mais igualitária; se a eliminarmos, a consistência interna passa de razoá-vel a inadmissível.

21 Este segundo factor explica 25,9% da variação e é composto pelas duas afirmaçõesreferidas, juntamente com a afirmação de que esses serviços e apoios sociais incentivama imigração; as três variáveis, em conjunto, apresentam uma consistência interna inad-missível (alfa de Cronbach = 0,5). Porém, eliminando esta última variável, a consistênciainterna passa a ser razoável (alfa de Cronbach = 0,7), o que indica que a variável deste factornão foi interpretada da mesma forma que as restantes.

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duz a maior interiorização da responsabilidade do Estado na prestaçãode cuidados de saúde como um direito adquirido que integra as compe-tências/deveres do Estado e, em última instância, da sociedade, indepen-dentemente do nível de redistribuição e do custo financeiro que possarepresentar, sendo por isso menos entendido como uma sobrecarga paraa economia.

Enquanto os sistemas de saúde públicos de matriz social-democratatêm por base a solidariedade social e o universalismo, sendo o Estado ogarante da igualdade de acesso para todos os cidadãos através da gratui-tidade, os sistemas mistos e privados tendem a realçar as diferenças entreos grupos sócio-económicos e a criar divisões claras na população bene-ficiária. Nesse sentido, como refere Jordan (2010), «differences in contri-bution rates and benefit levels increase opportunities for conflicts of in-terest between differently situated beneficiary groups. Moreover, theprovision of benefits on the basis of social status may erode solidarityand highlight value – and interest – based conflicts between higher andlower status recipients». A maior interiorização de custos financeiros eeconómicos relacionados com a intervenção do Estado na saúde porparte das opiniões públicas nestes países poderá estar, assim, associada aessas clivagens sociais e à erosão da solidariedade, sendo o papel do Es-tado entendido apenas como complementar em termos de financia-mento para o acesso a cuidados de saúde a quem não está coberto porseguros sociais de saúde ou seguros privados e enquanto regulador dofuncionamento dos serviços de saúde e no acesso aos cuidados.

Se se situar a saúde no conjunto das áreas de intervenção que consti-tuem o Estado social, tais como o apoio à criação de emprego e aos de-sempregados, a responsabilidade em garantir reformas e pensões para osmais idosos e o apoio à família através da criação de creches ou da exis-tência de dias de licença pagos para quem trabalha e tem de tomar contade familiares doentes,22 constata-se que, no conjunto dos países, as atitu-des individuais são homogéneas, revelando a análise factorial apenas umfactor,23 com uma forte consistência interna.24

Conforme a análise do índice de apoio genérico ao Estado social, emtodos os países a saúde assume assim a mesma importância que as res-

22 O sistema de educação não fez parte desta bateria de indicadores no questionáriodo ESS.

23 KMO = 0,83; Bartlett com p ≤ 0,01 (Pestana e Gageiro 2008).24 Alfa de Cronbach = 0,82. Esta homogeneidade verifica-se ainda mais em Portugal

(alfa de Cronbach = 0,88), na Grécia (alfa de Cronbach = 0,87) e em Espanha (alfa deCron bach = 0,85).

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tantes áreas de intervenção do Estado, verificando-se que quem mais(menos) apoia uma maior responsabilidade do Estado na saúde tambémmanifesta maior (menor) apoio ao Estado social.25 A saúde bem comoas pensões e as reformas, são as áreas com as médias de apoio mais ele-vadas (8,54 e 8,19), seguindo-se o apoio à família através de creches e delicenças com vencimento para prestar cuidados a familiares doentes (7,55e 7,49) e, por fim, o subsídio aos desempregados e à criação de emprego(6,59 e 6,45).26

Atitudes perante o SNS português: prioridade política, financiamento e universalidade

Especificamente em Portugal, a saúde tem sido, de facto, na últimadécada, o sector mais importante para os cidadãos enquanto prioridadepolítica de intervenção do governo (Cabral e Silva 2009; Cabral et al.2002). Conforme o quadro 4.6, em 2001, a saúde deveria ser a primeira eprincipal prioridade de investimento público para cerca de metade dosportugueses (49,4%), opinião reforçada em 2008 (55,1%). O incentivo àcriação de empregos seria o sector mais importante para onde deveria sercanalizado mais financiamento público apenas para 16,3% dos inquiridosem 2001, que, apesar de merecer maior atenção em 2008 (24,4%), conti-nua muito longe da principal preocupação, que é a saúde. De 2001 para2008, as reformas e pensões deixam de ser uma preocupação tão premente(decrescem de 15,5% para 6,7%), tal como a educação (de 8,1% para 5,9%)e a habitação (de 5,9% para 2,1%). A segurança pública e o apoio às em-presas mantêm-se com baixos níveis de preocupação enquanto sectoresprioritários para onde o governo deve canalizar financiamento (3,6% e0,8% em 2001 e 3,2% e 1,1% em 2008, respectivamente).

As segundas escolhas apresentam também algumas diferenças (quadro4.6): a saúde mantém-se como o segundo sector onde o governo devereforçar o financiamento (26,3% em 2001 e 26,2% em 2008), mas a edu-cação e a criação de empregos são alvo de uma preocupação crescente(de 17,7% e 12,7% em 2001 para 22,6% e 20,5% em 2008). As reformase pensões, bem como a habitação, deixaram de ser consideradas tão im-portantes, mesmo como segundas escolhas (de 23,6% e 10,1% em 2001

25 Regressão logística ordinal com p ≤ 0,01 (Pestana e Gageiro 2009).26 A escala varia entre 0 e 10 em cada um dos itens (0 = o Estado não deve ter qual-

quer responsabilidade; 10 = o Estado deve ter total responsabilidade).

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Avaliação e atitudes perante os sistemas de saúde europeus numa perspectiva comparada

para 13,1% e 4,3% em 2008), enquanto a segurança pública e o apoio àsempresas se mantêm estáveis como sectores pouco relevantes (8,0% e0,7% em 2001 e 9,8% e 1,4% em 2008).

Ao longo desse período de tempo, para cerca de metade dos portu-gueses (47,6% em 2001 e 51,2% em 2008), deveria mesmo existir muitomais investimento do Estado na saúde e, para pouco mais de um terço,um pouco mais de investimento (35,8 em 2001 e 36,7% em 2008), con-firmando assim a defesa dessa clara intervenção prioritária (Cabral e Silva2009; Cabral et al. 2002).

A saúde enquanto prioridade política é mais importante para as mu-lheres, para os inquiridos com mais de 65 anos e para os menos escola-rizados, correspondendo, em suma, ao perfil sócio-demográfico das pes-soas com pior estado de saúde e que, de uma forma geral, mais recorremao SNS (Cabral e Silva 2009).

Conforme o quadro 4.7, em 2008, para a maioria dos portugueses(62,3%), o financiamento do sector da saúde deve ser feito sobretudoatravés da diminuição das despesas do Estado noutras áreas. O reforço ea afectação de impostos específicos sobre o tabaco e o álcool são umasolução apontada por um grupo significativo de inquiridos (15,4%).Como segundas opções de financiamento, surge, em particular, um con-junto de três medidas: o aumento de impostos específicos sobre o tabacoe o álcool, a diminuição da despesa com outros sectores e mais seguroscolectivos (21,1%, 17,3% e 16,9%, respectivamente). A compra de segurosprivados individuais, o aumento das taxas moderadoras e o agravamento

153

Quadro 4.6 – Sector mais importante onde o governo deve investir mais recursos financeiros em 2001 e 2008

2001 2008

1.º sector 2.º sector 1.º sector 2.º sectormais importante mais importante mais importante mais importante

n % n % n % n %

Criação de empregos 412 16,3 323 12,7 731 24,4 614 20,5Saúde 1253 49,4 666 26,3 1653 55,1 787 26,2Reformas e pensões 394 15,5 599 23,6 201 6,7 393 13,1Habitação 149 5,9 255 10,1 63 2,1 130 4,3Educação 206 8,1 450 17,7 178 5,9 679 22,6Segurança das pessoas 92 3,6 203 8,0 95 3,2 294 9,8Apoio as empresas 20 0,8 17 0,7 33 1,1 41 1,4NS/NR 10 0,4 25 1,0 46 1,5 63 2,1

Total 2537 100,0 2537 100,0 3000 100,0 3000 100,0

Fonte: Cabral e Silva (2009); Cabral et al. (2002).

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dos impostos são opções inaceitáveis para a esmagadora maioria da po-pulação como formas possíveis de financiar os serviços de saúde (princi-pais ou secundárias).

Assim, o financiamento do sector da saúde e a procura de maioresreceitas devem continuar a ser feitos por via do Estado através da reafec-tação de recursos libertos de outras áreas ou, numa menor dimensão,através de uma sobrecarga de impostos sobre determinados bens, comoo tabaco e o álcool, cujo consumo constitui um comportamento de riscopara a saúde dos consumidores.

Quaisquer soluções que passem pelo aumento de impostos ou pormais financiamento privado, como o incremento de co-pagamentos nasaúde ou o recurso a seguros de saúde individuais, têm muito pouca acei-tação entre a população.

Por fim, a universalidade e a gratuitidade no acesso em sistemas pú-blicos de saúde são dois dos princípios gerais alvo de debate em momen-tos de crise financeira, sendo defendido por alguns sectores político-par-tidários que os cuidados de saúde gratuitos deveriam estar reservadosapenas às pessoas com recursos económicos baixos.27 Em Portugal, estaideia recolhe maior apoio em 2008 do que em 2001, tendo aumentadode 55% para 69,3%; por oposição aos que discordam, que caíram quasepara metade, diminuindo de 31,4% para 16,9% (quadro 4.8).

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Quadro 4.7 – Forma de financiamento para pagar os cuidados de saúde em 2008

2008

1.ª opção 2.ª opção

n % n %

Aumentar os impostos 17 0,6 29 1,1Aumentar as contribuições sociais 87 2,9 76 2,9Aumentar os impostos específicos sobre o tabaco e o álcool 463 15,4 555 21,1Aumentar as taxas moderadoras a pagar pelos utentes 36 1,2 58 2,2Mais seguros privados pagos pelos utentes 39 1,3 141 5,4Mais seguros colectivos (empresas, sindicatos, etc.) 121 4,0 444 16,9Diminuir as despesas do Estado noutras áreas 1869 62,3 455 17,3NS/NR 367 12,2 874 33,2

Total 3000 100,0 2633 100,0

Fonte: Cabral e Silva (2009).

27 A noção de acesso gratuito é, obviamente, aqui utilizada em sentido comum, nãoomitindo o facto de os serviços públicos de saúde (ou quaisquer outros serviços públicos)serem indirectamente financiados pelos seus utentes efectivos e potenciais através dosimpostos e contribuições, o que a OMS designa por pré-pagamento (OMS 2000).

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Avaliação e atitudes perante os sistemas de saúde europeus numa perspectiva comparada

A magnitude desse apoio à mercadorização parcial do sistema públicode saúde e a sua evolução podem ser, no entanto, mais aparentes do quereais, como ficou demonstrado no estudo realizado em 2001 (Cabral etal. 2002). Estas respostas, quando controladas por uma segunda perguntadestinada a qualificar a noção de «recursos económicos baixos» ou, ge-nericamente, de «pobreza», indicam que a maioria de dois terços dos por-tugueses se coloca abaixo de um rendimento mínimo que eles própriosconsideram socialmente aceite (limiar de pobreza relativa).28 Tal significaque estes portugueses estariam, eles próprios, abrangidos pela gratuitidadedos serviços públicos de saúde, os quais apenas deveriam ser pagos, naprática, por uma minoria de pessoas com rendimentos «altos».29 Por ou-tras palavras, os inquiridos tendem sempre a incluir-se, em função dopróprio rendimento, entre os beneficiários potenciais da gratuitidade dosistema, tudo levando a crer, portanto, que o apoio formalmente conce-dido à mercadorização parcial do sistema é bastante mais mitigado doque parece.

A esta rápida evolução de opiniões favoráveis não será alheia a criseeconómica e financeira que o país atravessa desde há uns anos e a am-

155

Quadro 4.8 – Opinião sobre a utilização gratuita do serviço público de saúde restrita às pessoas com recursos económicos baixos em 2001 e 2008

2001 2008

n % n %

Concordo totalmente 556 21,9 874 29,1Concordo 841 33,1 1207 40,2Não concordo nem discordo 244 9,6 366 12,2Discordo 531 20,9 373 12,4Discordo totalmente 265 10,5 135 4,5NS/NR 100 3,9 46 1,5

Total 2537 100,0 3000 100,0Média 2,63 2,22

Fonte: Cabral e Silva (2009); Cabral et al. (2002).

28 Este mínimo refere-se, convencionalmente, ao rendimento líquido mensal parauma família de quatro pessoas residente na localidade do inquirido.

29 Previsivelmente, as noções de pobreza e riqueza variam de forma significativa se-gundo a condição social dos inquiridos, sendo os limiares tanto mais baixos quanto maisbaixo é também o seu estatuto sócio-económico e, concretamente, o seu próprio rendi-mento: quanto mais baixo é este último, mais baixo se situa também o limiar da po-breza.

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pliação que a comunicação social poderá estar a fazer deste e de outrosdebates relacionados com novas formas de racionamento, enquanto es-tratégias de redução de custos e de financiamento do sector, à semelhançado que tem acontecido noutros países com sistemas de saúde públicos,nomeadamente no Reino Unido (Hodgetts e Chamberlain 2004; Rose-mary, Hunt e Kitzinger 2004; Silva 2011).

Conclusão

A análise realizada entre os quinze países europeus com diferentesmodelos de sistemas de saúde demonstra que as populações beneficiáriasde serviços de saúde públicos tendem a manifestar atitudes mais positivase homogéneas entre si. Com efeito, apresentam globalmente maior sa-tisfação geral com os serviços de saúde e com a eficiência da prestaçãode cuidados, ainda que este tipo de indicadores genéricos seja de difícilinterpretação pelo nível de abstracção que encerra e pelos factores latentesque lhe estão associados. Portugal é, no entanto, o único dos países comsistemas públicos de saúde a apresentar avaliações abaixo da média; nãosendo possível aqui encontrar uma explicação com os dados europeusdisponíveis, avançamos, contudo, a hipótese de que tal poderá estar re-lacionado com uma percepção menos favorável da equidade no acessoaos cuidados de saúde no nosso país. Os países com serviços mistos ouprivados, por seu turno, tendem a apresentar maior variação de resultadosavaliativos, alguns deles abaixo da média global.

Todos os países em análise atribuem uma elevada responsabilidade aoEstado na prestação de cuidados de saúde, o que deverá ficar a dever-se àgarantia de universalismo formal existente pela Europa, ainda que exercidade forma diferenciada, de acordo com o modelo de sistema de saúde emvigor, reflectindo-se assim de forma igualmente distinta nas atitudes pú-blicas. Com efeito, os países com serviços públicos de saúde, incluindoPortugal, tendem, globalmente e com menos diferenças entre si, a mani-festar maior apoio público à intervenção do Estado na saúde. Em asso-ciação com outros preditores políticos e ideológicos, os resultados apon-tam para uma estabilidade e coerência de atitudes relativamente à formacomo estes sistemas de saúde estão organizados, isto é, com prestadorespúblicos de cuidados e financiados via impostos, com acesso universalautomático e gratuito no momento da utilização dos serviços de saúde.Nesse sentido, os sistemas de saúde públicos parecem colher maior apoiopúblico do que os restantes sistemas, que apresentam resultados menos

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Avaliação e atitudes perante os sistemas de saúde europeus numa perspectiva comparada

consistentes, com maiores diferenças entre si e mais mitigados. No con-junto das áreas que constituem o Estado social, a saúde não assume umaimportância diferente, concluindo-se que, em qualquer país, quem maisapoia uma maior responsabilidade do Estado na saúde também manifestamaior apoio à intervenção do Estado nos diversos sectores.

Concretamente, em Portugal, a saúde tem sido o sector mais impor-tante para os cidadãos enquanto prioridade política de intervenção dogoverno, considerando que deveria mesmo existir muito mais investi-mento do Estado na saúde, sobretudo através da diminuição das despesasnoutras áreas ou através de uma sobrecarga de impostos sobre determi-nados bens associados a comportamentos de risco para a saúde dos con-sumidores, como o tabaco e o álcool; o aumento de co-pagamentos nasaúde ou o recurso a seguros de saúde individuais não são aceites pelaesmagadora maioria da população como alternativas de financiamentodos cuidados de saúde. Estas atitudes sobre a intervenção do Estado nasaúde e o desejo de mais investimento no sector, associado à concordân-cia generalizada com o modelo de financiamento existente, bem comoaos níveis de satisfação positivos dos diferentes serviços de saúde quandoanalisados em concreto e individualmente pelos utentes, revelam assimum consistente apoio público à arquitectura do sistema de saúde portu-guês, não obstante a percepção da equidade manifestada e alguma per-missividade em relação ao princípio do universalismo, que, como vimos,é mais aparente do que real.

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Avaliação e atitudes perante os sistemas de saúde europeus numa perspectiva comparada

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Sílvia Ferreira

Capítulo 5

O terceiro sector e o Estado-Providência em Portugal

Introdução

Desde a década de 70 que, em termos internacionais, a referência aoterceiro sector está ligada às discussões sobre o Estado-Providência, ouseja, sobre o papel do Estado e da sociedade civil na integração social eno bem-estar das populações. De facto, é aqui que o terceiro sectoremerge enquanto sector, no contexto da crítica e crise do Estado-Provi-dência, não deixando de ser também resultado da expansão deste, defi-nido como a assunção pelo Estado da responsabilidade pelo bem-estar eintegração social das populações.1 Este sector é parte da transformaçãodo fordismo para o pós-fordismo (Jessop 2002), associado à ênfase nainovação, flexibilidade e empreendedorismo, à preferência pela proximi-dade e pela autogovernação, em detrimento das estruturas burocráticashierárquicas da administração pública, das grandes empresas fordistas ouaté das grandes organizações da economia social. Hoje o sector é fre-quentemente convocado em muitas das dimensões das transformaçõesdo Estado-Providência por contribuir para o empreendedorismo e a ino-vação social, para a economia e o emprego, para a governação infra e su-pranacional ou até para a democracia, para a solidariedade e para o re-forço das comunidades.

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1 Obviamente, já existiam muitas destas organizações e elas foram precursoras da in-tervenção no bem-estar das populações, mas não enquanto sector. Uso aqui o conceitode terceiro sector enquanto sinónimo de outros, como economia social, sector voluntário,sector não lucrativo, etc. Ainda que cada um destes exprima aspectos específicos, nãome detenho aqui nestes aspectos, antes assinalando que a utilização do termo «terceirosector» se deve ao facto de este ter surgido no contexto histórico da discussão sobre o Es-tado-Providência (S. Ferreira 2009).

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O significado relacional que assume entre o Estado e a economia demercado e a comunidade, ou o outro lado que aponta, como não lucra-tivo em relação à economia de mercado, voluntário em relação ao sectorestatal, intermediário entre o Estado e a sociedade (ou cidadãos), exprimeas fronteiras que se redefinem entre o político, o económico e o social(S. Ferreira 2009) nas três discussões actuais assinaladas por Anheier(2009), que dizem respeito: (1) ao papel do terceiro sector na economiamista do bem-estar e no papel proeminente que tem vindo a assumir nanova gestão pública como parte das transformações no modo como sãogovernados, fornecidos e financiados os serviços de bem-estar; (2) ao con-tributo do terceiro sector e da participação das suas organizações na cria-ção de capital social; (3) ao papel do terceiro sector enquanto instru-mento de vigilância sobre as instituições públicas, numa perspectiva deprestação de contas. Porém, a literatura, sobretudo europeia, insiste tam-bém no carácter híbrido ou na alternativa que este terceiro sector ofereceem termos de uma concepção do mundo que ultrapassa (ou articula) asseparações modernas entre o Estado, o mercado e a sociedade, quer cha-mando a atenção para a natureza contextual destas separações (Lipietz2001), quer enfatizando a particularidade destas organizações em inte-racção com diversas racionalidades, modos de governação, princípioseconómicos, etc. (Evers e Laville 2004; Enjolras 1998; S. Ferreira 2009).

Neste artigo observa-se o terceiro sector na sua relação com as trans-formações do Estado-Providência e, em particular, procura-se perceberas características específicas desta relação no contexto do Estado-Provi-dência português. Resenham-se estudos que associaram as característicasdos diferentes Estados-Providência ao terceiro sector, muito em especialtomando os modelos de bem-estar associados a diferentes regimes de ter-ceiro sector. Com a caracterização dos diferentes tipos de regimes debem-estar e terceiro sector evidencia-se a articulação entre os aspectos so-ciais, económicos e políticos destas relações. Num segundo momentodiscute-se esta relação à luz dos contributos que os estudos e debatessobre o capital social trazem, procurando-se ultrapassar a dificuldade quea utilização de quadros analíticos – e normativos – desenvolvidos parasociedades muito diferentes coloca à compreensão da sociedade portu-guesa. Articula-se uma análise comparativa das atitudes e valores em re-lação ao Estado-Providência com outros dados que procuram contextua-lizar o terceiro sector português na Europa, reflectindo-se sobre as suascaracterísticas a partir de uma compreensão do seu papel e posição noEstado-Providência. O uso das tipologias de Estado-Providência e de ter-ceiro sector prende-se com o seu valor heurístico, realçando-se para uma

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O terceiro sector e o Estado-Providência em Portugal

melhor compreensão das realidades específicas não só os aspectos decongruência em relação a tipos-ideais, mas também os desvios. Colocam--se, assim, o Estado-Providência e o terceiro sector portugueses em pers-pectiva e em diálogo com os estudos internacionais para uma compreen-são desta relação no contexto da sociedade portuguesa.

Regimes de terceiro sector nos Estados-Providência

Não deixa de ser surpreendente a resiliência da tipologia elaboradapor Esping-Andersen (1990 e 1999) sobre os modelos de Estado-Provi-dência, sendo possível encontrar argumentos que associam esta resiliênciaà dos próprios Estados-Providência. Cedo criticada por muitos autorespelas suas lacunas (v. Powell e Barrientos 2011), esta tipologia não deixouainda de ser uma referência na literatura comparativa e, mesmo quandose opta alternativamente por uma perspectiva analítica de clusters de paí-ses, são notáveis as semelhanças (Castles e Obinger 2008). Apesar de tersido construída para explicar a emergência dos Estados-Providência e emreferência a um modelo industrial de Estado-Providência keynesiano, asua capacidade explicativa parece ainda ser pertinente no contexto dasalterações por que passa este tipo de Estado (Darnforth 2010). Algunsautores argumentam que assistimos a uma mudança de um Estado-Pro-vidência para um Estado de investimento social articulado com a novaeconomia do conhecimento e pós-industrial (Midgley e Tang 2001;Room 2002). Estes autores encontram características distintivas e padrõesde evolução diferentes nos diferentes tipos de Estado-Providência, exis-tindo autores que argumentam que estes modelos se têm vindo a reforçar(Powell e Barrientos 2004). As tipologias do Estado de investimento socialidentificam um modelo social-democrático com um elevado grau de in-vestimento social, promovendo a educação, a saúde e a participação dasmulheres no mercado de trabalho, um modelo liberal igualmente orien-tado para a activação e participação no mercado de trabalho, mas ondeo acesso à educação e à saúde de qualidade depende dos recursos das fa-mílias, e um modelo da Europa continental, apresentado como sendo ode mais fraco investimento social, com menos incentivo à participaçãono mercado de trabalho, peso relevante das chamadas medidas passivas(protectoras) e beneficiando as pessoas no centro do mercado de trabalho(Bernard e Boucher 2007). Nas tipologias sobre modelos de provisão deserviços sociais, cuja importância recente está também associada às suas

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características de investimento social, distingue-se o modelo social-de-mocrata, baseado em serviços públicos profissionalizados, do modelo daEuropa continental (conservador), informal e suportado pela família, en-quanto no modelo liberal o mercado fornece resposta a quem pode pagar(Danforth 2010).

Uma das insuficiências da tipologia de Esping-Andersen e da literaturasobre o Estado-Providência é a marginalização do contributo de outrasfontes de bem-estar. É certo que o papel da família assume agora umamaior centralidade num dos modelos da tipologia de Esping-Andersen(1999), em parte como resposta às críticas feministas em relação à sua pro-posta original (1990), que, focando apenas a dependência em relação aomercado (grau de desmercadorização), ignorava a dependência em relaçãoà família (grau de desfamiliarização). Todavia, são ainda ignoradas outrasdimensões (e produtores) do que se descreve como o welfare mix, como osseguros privados e outras formas de promoção do bem-estar nas empresas,o bem-estar promovido por via fiscal e o que é promovido pelas organiza-ções do terceiro sector (OTS), sendo largamente ignorada a combinaçãoentre estes nos diferentes Estados-Providência (Powell 2007). Além disso,focalizando--se a atenção nos mecanismos de redistribuição do Estado--Providência, existem também lacunas analíticas ao nível da análise dosmodos de regulação da produção e reprodução do bem-estar (Jessop 1999).

Foi efectuada uma aproximação dos estudos sobre o terceiro sector aosmodelos de Estado-Providência com base nos dados do projecto compa-rativo internacional sobre o terceiro sector sediado na Universidade JohnsHopkins (Salamon e Anheier 1998; Salamon et al. 2000). Segundo estesautores, o terceiro sector e o Estado-Providência co-evoluíram no contextodas relações entre classes e das instituições sociais existentes. A partir deindicadores sobre a dimensão, as actividades, as fontes de financiamentoe, mais tarde, o voluntariado (Salamon e Sokolowski 2001), a «teoria dasorigens sociais» propõe a existência de regimes de terceiro sector, articu-lando um papel específico do Estado e um lugar particular do terceirosector no bem-estar. Os regimes de terceiro sector identificados corres-pondem, em grande medida, à tipologia de Esping-Andersen: um regimesocial-democrata, um regime continental, um regime liberal e um regimeestatista – este ausente da tipologia de Esping-Andersen. Com alguma cor-respondência com estes regimes, Archambault (2009) fez uma propostade identificação de cinco clusters do terceiro sector na Europa, incluindoa informação quantitativa relativa a níveis de protecção social e de despesapública, as origens dos recursos do terceiro sector e o peso do terceiro sec-tor em termos de emprego e voluntariado. Incluiu ainda outras variáveis

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qualitativas, como a estrutura do governo e o nível de impostos, a religião,o mercado de trabalho, as parcerias com o governo, a estrutura da econo-mia social e as áreas de actividade.

A partir destas análises e dos dados deste projecto, é possível retomaraqui o paralelismo com as tipologias sobre o Estado-Providência e comos regimes de terceiro sector, actualizando-se um exercício de organizaçãoem clusters iniciado anteriormente (S. Ferreira 2006). O quadro 5.1 dis-tingue o peso relativo, por país, das actividades de provisão de serviços(educação, saúde, serviços sociais, desenvolvimento local e habitação)das actividades expressivas (culturais, desportivas, recreativas e de advo-cacia ou militância), lógica dominante de financiamento, e a dimensãoe o peso do voluntariado na força de trabalho. Imediatamente ressaltauma tendência para, nos Estados-Providência mais desenvolvidos, as ac-tividades de serviços darem lugar a um maior papel do financiamentopúblico e a uma maior profissionalização, enquanto as actividades ex-pressivas recolhem mais fundos privados. Já nos Estados-Providênciaonde o mercado ou a debilidade do Estado prevalecem, apesar de o pesodos serviços ser dominante, as organizações dependem de fundos priva-dos para financiamento de serviços de bem-estar, especialmente em pa-gamentos dos utilizadores, o que corresponde a uma resposta mercantilàs necessidades de bem-estar. Estas distinções são perceptíveis em cincoclusters de países desenvolvidos e em transição.2

No «cluster» dos países corporativos, um terceiro sector de elevada di-mensão possui uma relação de parceria com o Estado na provisão debem-estar, predominando as actividades de fornecimento de serviços e ofinanciamento público, sendo o terceiro sector instrumento de políticapública (Salamon e Sokolowsky 2001). São sobretudo os países associa-dos ao modelo conservador-corporativo de Estado-Providência (França,Alemanha, Holanda e Bélgica), mas surge também na Irlanda, frequen-temente descrita como pertencendo ao modelo liberal. Na maioria destespaíses, e por diferentes razões, o princípio da subsidiariedade é impor-tante e o terceiro sector possui um papel relevante, participando na ela-boração de políticas, sobretudo ao nível local, onde possui fortes relaçõescom os governos locais. Streeck e Shmitter (1985) designam este modode governação como private interest government, chamando a atenção parao facto de que, em vez de competição e interesses privados, existe uma

2 Em trabalho anterior (S. Ferreira 2006) foram identificados quatro clusters; porém,considerou-se que, dadas as especificidades, se justificava separar um dos clusters em dois,distinguindo os países do Sul da Europa em relação aos EUA e à Austrália.

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devolução da responsabilidade pública para estas organizações, pois as-sume-se que elas servem o interesse geral. O carácter corporativo destemodelo de bem-estar reflecte-se também nas relações entre as OTS e oEstado, com a organização em federações, que possuem um papel im-portante na formulação de políticas, e a intermediação entre o governoe as OTS. Neste sentido, a ideia de parceria com o Estado não é uma no-vidade nos países corporativos, como é nos liberais (Rodrigues e Stoer2001; Bode 2011). Já no que diz respeito à França, este é, de todos ospaíses do modelo conservador-corporativo, aquele em que o terceiro sec-tor possui o maior peso nas actividades expressivas, encontrando-se nafronteira com o modelo social-democrata.

Archambault (2009) evidencia a articulação com o Estado-Providênciaao assinalar que a crescente participação das mulheres no mercado detrabalho tem levado ao desenvolvimento do terceiro sector na área doscuidados infantis e dos dependentes e o seu desenvolvimento em áreasde apoio à inclusão no mercado de trabalho responde aos elevados níveisde desemprego. Tal também ajuda a explicar a presença, em muitos destespaíses, da semântica da economia social e da temática do papel do ter-ceiro sector na resolução do desemprego ou da falta de acesso ao mercadode trabalho (S. Ferreira 2009).

Outra das características que se evidenciam neste cluster é o peso dosprofissionais na força de trabalho em relação aos voluntários, o que estáassociado ao peso das actividades de serviços e ao papel destas organiza-ções na política pública. No estudo comparativo sobre o voluntariado,Salamon e Sokolowski (2001) identificaram como típico deste modeloum peso importante do voluntariado nos serviços, mas encontraram vá-rios casos (Alemanha, França e Holanda) em que este peso se verificavanas actividades expressivas, o que estava relacionado com os movimentossociais desde as décadas de 60 e 70.

Conforme se verifica no quadro 5.1, o Reino Unido é um caso defronteira, partilhando a relevância dos serviços, mas com um peso relativodas actividades expressivas e um peso elevado do financiamento privado.De facto, o terceiro sector neste país evoluiu de complemento à protecçãopública, advocacia e monitorização do governo, aquando da criação domodelo beveridgiano universalista, para um papel crescente na provisãode serviços com contratualização dos serviços sociais, saúde e educaçãoem articulação com os governos locais (Lewis 1999), vindo a ser usadopara evitar a expansão dos serviços públicos ou mesmo para diminuir aprovisão pública desde a era Thatcher, mantendo-se a responsabilidadepública circunscrita.

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No «cluster» dos países liberais, o terceiro sector desempenha um papelrelevante como complemento da insuficiente provisão pública na áreada provisão de serviços sociais, de saúde e educação, mas com fundosmaioritariamente privados. Salamon (1987) referiu-se à relação do ter-ceiro sector com o Estado-Providência nos EUA como «governo porterceira parte», onde existe uma clara separação entre o Estado e a socie-dade civil e uma apetência reduzida da sociedade em relação à interven-ção estatal, o que faz com que o governo use as OTS para desempenhartarefas públicas. Esta aversão pela intervenção pública é o aspecto maismarcante da diferença entre os EUA e os países europeus, conforme temsido referido na literatura sobre o terceiro sector (Evers e Laville 2004;Archambault 2009). No que se refere ao papel do voluntariado, Salamone Sokolowsky (2001) argumentam que este surge como uma forma deresposta à ausência de recursos, dado o escasso apoio do Estado, peloque o desenvolvimento destes depende da capacidade de mobilizar ovoluntariado.

Distinguindo-se do grupo anterior apenas no que se refere à dimensãodo terceiro sector, os países da Europa do Sul constituem um «cluster» depaíses familialistas, que não são evidenciados na teoria das origens sociais.Aqui tanto o Estado como o terceiro sector são insuficientes no que serefere à provisão de bem-estar, sendo comparativamente mais reduzida adimensão do sector e reduzido o peso do voluntariado na força de tra-balho (FT). Os países da Europa do Sul são, a par com os do modelo li-beral, aqueles em que o voluntariado tem maior predominância nos ser-viços (Salamon e Sokolowski 2001), mas os níveis de voluntariadodivergem substancialmente. Existe nos países do Sul da Europa uma fortepressão para a profissionalização, o que também se prende com o papeldestas organizações na provisão pública.3 Nas discussões sobre o Estado--Providência, este grupo de países costuma ser descrito como aquele ondeas relações de família e de vizinhança – e sobretudo o trabalho informalda mulher nos cuidados – desempenham um papel importante que col-mata as lacunas do Estado (Hespanha et al. 2000). O financiamento doterceiro sector depende, em grande medida, de filantropia na área expres-siva ou de pagamentos de serviços pelos utilizadores. A entrada das mu-lheres no mercado de trabalho está associada grandemente ao desenvol-vimento dos serviços sociais e também à própria profissionalização do

3 Por exemplo, no caso português, a regulação do sector fornecedor de serviços deacção social é no sentido de fazer depender a celebração de acordos de cooperação daexistência de profissionais (S. Ferreira 2010).

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sector (V. Ferreira et al. 2008). Archambault (2009) refere que o terceirosector nestes países se encontra no centro do conflito entre o Estado e aIgreja Católica, sendo também que o governo central é caracterizadocomo fraco e os governos locais poderosos. Predomina nestes países oprincípio da subsidiariedade, segundo o qual os problemas sociais devemser resolvidos pelos que estão mais próximos deles, o que deriva da dou-trina social da Igreja. Diferentemente de alguns países do modelo con-servador corporativo, existe uma só igreja dominante nos países do Sul,enquanto em países como a Alemanha ou a Holanda existem várias igre-jas concorrendo entre si e estruturando parcialmente o terceiro sector pordenominação religiosa.

Note-se, porém, que neste cluster se deve incluir também o terceirosector do Japão, dada a proximidade estatística com os países da Europado Sul. Salamon et al. (2000) colocam o Japão num regime estatista deterceiro sector, em que este pode ser apoiado para compensar as insufi-ciências da provisão pública de bem-estar, enquanto as actividades expres-sivas são desencorajadas na medida em que podem constituir mecanismosde oposição ao governo, ameaçando a sua hegemonia. A trajectória his-tórica dos países do Sul da Europa e a sua marca repressiva no que dizrespeito ao associativismo podem também contribuir para a reduzida di-mensão do sector.

No quarto cluster, dos países sociais-democratas, existe predominâncianas actividades expressivas, financiamento privado e um elevado pesodo voluntariado. É reconhecido que nestes países o terceiro sector de-sempenha um papel diferente, contribuindo para a construção do Es-tado-Providência social-democrata, desempenhando muitas vezes o papelde movimento social, inovando em determinados serviços e pressio-nando para a assunção de responsabilidades públicas e a provisão uni-versal pelo Estado. No que diz respeito às actividades expressivas, elasincluem a defesa de direitos, a cultura, o desporto e o lazer. Os papéisdesempenhados por este terceiro sector incluem voz, prestação de contas,peritagem, vanguarda e sociabilidade (togetherness) (Matthies 2006). Apesarda tradicional baixa visibilidade enquanto sector, recentemente temvindo a assumir uma visibilidade crescente em resultado de reformas po-líticas para um papel acrescido do terceiro sector na provisão de bem--estar (Wijkström e Zimmer 2011).

O quinto cluster, dos países pós-comunistas, distingue-se do anterior pelalimitada dimensão do terceiro sector, mas nota-se igualmente um pesorelativamente importante das actividades expressivas, possuindo um im-portante financiamento internacional (governos, fundações e organiza-

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ções intergovernamentais). Este grupo não havia sido identificado na teo-ria das origens sociais, mas a sua especificidade é evidente. Archambault(2009) refere que, tradicionalmente, o terceiro sector actua na cultura erecreio, mas tem vindo a crescer na provisão social. Actualmente, as OTSestão em competição com o sector lucrativo pela privatização dos servi-ços sociais, da saúde e da educação. Neste modelo, o voluntariado tam-bém tem maior presença nos sectores relacionados com a dimensão ex-pressiva, como são os casos da República Checa e da Eslováquia(Sala mon e Sokolowski 2001).

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Quadro 5.1 – Comparação entre actividades, financiamento e trabalho no terceiro sector em países desenvolvidos e em transição

França 55,9 36,9 57,8 7,5 34,6 7,6 48,7Dimensão elevada; RU 61,9 31,7 46,7 8,8 44,6 8,5 42,4provisão de serviços; Alemanha 61,0 25,8 64,3 3,4 32,3 5,9 39,0financiamento Holanda 74,6 22,1 59,0 2,4 38,6 14,4 35,4governamental Bélgica 85,6 12,1 76,8 4,7 18,6 10,9 21,1

Irlanda 85,0 11,9 77,2 7,0 15,8 10,4 20,2

Dimensão elevada;EUA 78,8 14,9 30,5 12,9 56,6 9,8 35,7

provisão de serviços; Austrália 66,8 27,0 31,2 6,3 62,5 6,3 30,2

financiam. privado

Dimensão reduzida;Japão 75,0 6,7 45,2 2,6 52,1 4,2 23,8

provisão de serviços;Espanha 71,1 24,1 32,1 18,8 49,0 4,3 34,9

financiam. privadoItália 62,5 28,1 36,6 2,8 60,6 3,8 39,5Portugal 59,0 18,0 40,0 12,0 48,0 4,0 29,0

Dimensão elevada; Finlândia 42,6 50,1 36,2 5,9 57,9 5,3 52,8actividades expressivas; Noruega 35,5 48,1 35,0 6,9 58,1 7,2 61,1financiam. privado Suécia 22,6 57,8 27,8 9,1 62,3 7,1 71,8

Dimensão reduzida; Rep. Checa 42,3 45,4 39,4 14,0 46,6 2,0 35,0actividades expressivas; Polónia 49,4 35,4 24,1 15,5 60,4 0,8 25,0 financiam. privado Eslováquia 33,5 49,8 21,9 23,3 54,9 0,8 25,0

Nota. Elaborado a partir dos dados disponibilizados pelo Comparative Nonprofit Sector Project da Uni -versidade Johns Hopkins, publicados em Salamon et al. (2004) e acessíveis em <http://ccss.jhu.edu/wp-content/uploads/downloads/2011/10/Comparative-Data_2004_FINAL.pdf> (acesso em Feve-reiro de 2012). Dados de 1990 a 1995 para diferentes países. Os dados sobre Portugal foram reco-lhidos do estudo efectuado no âmbito deste projecto (Franco et al. 2005), sendo datados de 2002.

Aspectos dominantes País

Educação,saúde,serv. sociais,desenv.,habitação

Cultura,militân-cia, am-biente

Governo Filantr. Pagam.

% FTna pop.activa

% volunt.na FT

Financiamento

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Para uma compreensão multidimensional do terceiro sector

Da discussão anterior resulta evidente que as características do terceirosector nos diferentes países dificilmente podem ser consideradas indepen-dentemente das instituições existentes, sendo íntima a ligação com as fun-ções de protecção e inclusão sociais do Estado. Um dos problemas paraa compreensão do terceiro sector, nas suas especificidades nacionais, nassuas articulações com o Estado-Providência e no seu carácter relacional,é a ausência de dados comparativos e de quadros analíticos abrangentesque dêem conta destes seus diferentes papéis entre o Estado, a comuni-dade e o mercado. Estes implicam um modelo analítico descentrado doEstado e do enfoque privilegiado nos indicadores de despesas e condiçõesde elegibilidade no acesso ao bem-estar que tem tipificado as análises doEstado-Providência. Porém, é possível enriquecer esta discussão com osestudos internacionais sobre os valores e as atitudes que se têm debruçadosobre a articulação entre a participação e o bem-estar. Uma destas áreas éa da prolífica literatura que tem vindo a discutir o terceiro sector a partirdo conceito de capital social.

O capital social é constituído pelos laços individuais e redes e as nor-mas de reciprocidade e confiança que daí resultam são vistas como re-cursos para a democracia e o desenvolvimento económico (Putnam1993). É habitual a distinção entre dois tipos de capital social – bondinge bridging. O primeiro está associado à definição tradicional de comuni-dade, relativa às relações face a face em grupos homogéneos que parti-lham um conjunto de valores e normas, o segundo está associado à res-ponsabilidade cívica e à criação de pontes entre grupos e comunidades,orientando-se para a resolução de problemas sociais de larga escala (Wuth-now 2002). É neste último sentido que o conceito possui um aspectomais político, podendo emergir como alternativa ao papel centralizadordo governo através do autogoverno descentrado (Evers 2003, 16).4 Já oconceito de civicness dá uma ênfase à dimensão «pública» do terceiro sec-tor no sentido em que indica um bem comum. Civicness inclui uma di-mensão social, em que os cidadãos são vistos como iguais, uma dimensãopessoal, que implica respeito e tolerância mútuos, e uma dimensão po-

4 Jochum et al. (2005) acrescentam a dimensão linking social capital para defender orestabelecimento da ligação do terceiro sector ao sistema político e a participação nas de-cisões políticas que a discussão do capital social de ênfase comunitarista tende a menos-prezar.

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lítica, implicando a participação activa na governação (Brandsen et al.2010). Como se verá a seguir, a dimensão política e a referência ao papeldo Estado são cruciais para entender os indicadores sobre o capital socialdo European Social Survey (ESS).

A discussão sobre o capital social inspirada por Putnam (1993) recu-pera os argumentos de Tocqueville (1889) sobre o contributo das asso-ciações voluntárias ou não lucrativas para a democracia, daqui derivandotambém uma das acepções actualmente mais comuns de sociedade civil(Dekker 2010).

A hipótese do chamado crowding out effect argumenta que um Estadoforte (em termos da burocracia e das despesas em bem-estar) tende a fo-mentar uma sociedade civil fraca, assumindo tarefas que deviam ser de-sempenhadas por OTS, pelas relações informais de cuidados ou pelasredes sociais, bem como a auto-ajuda e a reciprocidade. Porém, esta hipó-tese é refutada não só na Europa, em que existe uma tradição de relaçãopróxima entre o Estado-Providência e o terceiro sector (Evers e Laville2004), mas também nos Estados Unidos (Salamon e Sokolowski 2001).5

Procurando ligações entre o nível de desenvolvimento do Estado-Provi-dência e os indicadores de capital social, van Oorschot e Arts (2005) en-contram uma correlação entre muitos indicadores de capital social em Es-tados-Providência desenvolvidos, mas não conseguem clarificar a direcçãoda relação causal. Van der Meer (2009) conclui que em Estados-Provi-dência com maiores níveis de segurança social as pessoas tendem a par-ticipar mais em termos cívicos (voluntariado) e que em Estados onde osdireitos civis estão garantidos existe maior participação activa em volun-tariado e donativos. Este autor argumenta que mesmo em Estados comburocracias centralizadas se verificam elevados níveis de voluntariado ede donativos. Ou seja, a segurança e confiança na esfera pública são con-dições im portantes para a participação. Van Oorschot e Arts (2005), apartir de dados do European Values Study, refutam a hipótese do crowdingout, concluindo que é nos Estados-Providência mais desenvolvidos (commaior nível de despesas sociais) que a confiança nas instituições e a parti -cipação activa e passiva6 são mais elevadas, sendo também aqui que as

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5 Aliás, revendo as várias teorias sobre a emergência do terceiro sector, a partir daideia de fracasso do Estado ou do mercado, Salamon (1987) contrapôs a hipótese de vo-luntary failure para explicar como o Estado veio a assumir crescentes responsabilidadesno bem-estar, em substituição das formas filantrópicas e familiares de ajuda, dando origemao Estado-Providência.

6 No primeiro caso inclui ser membro activo ou fazer voluntariado; no segundo casoinclui ser membro sem actividade ou doar dinheiro.

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pessoas passam mais tempo e dão mais importância aos amigos. Em paísesmais desiguais, as pessoas têm menos confiança mútua, são mais activasem organizações voluntárias (em comparação com a participação passiva)e mais orientadas para a família. Finalmente, estudos a partir do ESS 2006também não confirmaram a hipótese de que baixos níveis de voluntariadoformal corresponderiam a níveis mais elevados de outras formas de ajuda,como o voluntariado informal; pelo contrário, verificou-se uma correlaçãopositiva entre os dois tipos de voluntariado (Plagnol e Huppert 2009).Plagnol e Huppert (2009) encontraram uma correspondência positivaentre a integração social (frequência de encontros sociais com amigos, fa-miliares ou colegas, participação em actividades sociais, participação emserviços religiosos) e o voluntariado formal.

Relacionando as características do capital social com o Estado-Provi-dência, van Oorschot e Arts (2005) indicaram que a dimensão do envol-vimento político parecia ser mais fraca nos países do modelo liberal e daEuropa do Sul, a confiança nas instituições era mais importante nos paí-ses escandinavos, os amigos eram mais importantes nos países dos mo-delos continental e liberal e a família era mais importante nos Estados--Providência do modelo continental e da Europa do Sul.

Nos estudos comparativos internacionais que medem algumas das pro-postas teóricas e normativas sobre a relação entre o capital social e o terceirosector tende-se a contabilizar as várias formas de participação em OTS, asvárias dimensões da participação política e outras variáveis, como a confiançanas instituições. Por exemplo, Dekker et al. (2003) encontraram uma relaçãoestatística positiva entre a participação em OTS, a confiança social e o en-volvimento político, mas não puderam concluir se existem causalidades entreestas variáveis ou se se verifica um efeito de auto-selecção: as pessoas maispredispostas a confiar são também as mais predispostas a participar, etc.

Esta discussão traz-nos outro debate importante que decorre nomundo do capital social e que se prende com o significado da diferen-ciação interna do terceiro sector, muito em especial a distinção não sóentre as actividades de produção de serviços e de expressão, mas também,neste grupo, a distinção entre as organizações mais activas na cultura, nodesporto e no recreio e as organizações ditas de advocacia ou de militân-cia na área ambiental, de expressão política e defesa de direitos, sindicatose associações profissionais e empresariais. Van der Meer e van Ingen(2009) argumentam que existe uma correlação mais forte entre a partici-pação política e a consciência cívica (interesse na política, confiança so-cial, ausência de cinismo político, interesse pela política nos media) e aparticipação em associações activistas e promotoras de interesses do que

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O terceiro sector e o Estado-Providência em Portugal

em associações onde a interacção social é mais intensa, como as associa-ções de lazer, portanto falsificando uma das hipóteses da literatura sobreo capital social relativa aos efeitos de socialização destas últimas comocontribuindo positivamente para um maior espírito cívico.

Da presença de múltiplos modelos de Estadoe de terceiro sector em Portugal

Para vários autores (Silva 2002; Andreotti et al. 2001; Ferrera et al. 2001),Portugal encontra-se num quarto tipo de regime de Estado-Providência,dito da Europa do Sul, e não é confundível com o regime conservador--corporativo em que Esping-Andersen (1999) inclui os países da Europado Sul como expressões subdesenvolvidas do referido regime. O modelodo Sul possui como características a predominância de uma única religião,o subdesenvolvimento de uma burocracia moderna e relações clientelistase paternalistas entre o Estado e a sociedade, baixos níveis de despesas so-ciais e elevados níveis de desigualdade e pobreza (Andreotti et al. 2001).Opielka (2003, apud L. V. Ferreira 2008) considera que o catolicismo é omecanismo principal que molda os valores no bem-estar no Sul da Eu-ropa. A Igreja Católica tem demonstrado uma capacidade importante paradefinir e difundir a ideologia familialista (Portugal 2008) e o papel do ter-ceiro sector (S. Ferreira 2010). Todavia, diferentemente do que se passanos países do modelo conservador-corporativo, apesar de o fazerem emtermos discursivos, as políticas não promovem o papel da família no bem-estar nem o papel das mulheres como cuidadoras (Andreotti et al. 2001).Muitas OTS em Portugal, apesar de possuírem um discurso alinhado como princípio da subsidiariedade e os valores familialistas, desempenham,através da oferta de serviços de apoio à família e de possibilidades de em-prego, um papel fundamental no que se refere à possibilidade de partici-pação das mulheres no mercado de trabalho em índices próximos dospaíses da Europa do Norte – ou até ultrapassando alguns no que diz res-peito a mães –, mas em condições muito mais precárias em termos de re-muneração, qualidade e apoios às tarefas de reprodução familiar (Santose Ferreira 2002; Portugal 2008).

Estas contradições são sintomas de um dos aspectos mais relevantesdo Estado-Providência português – a mistura de modelos de bem-estarinscritos nas suas instituições (Santos e Ferreira 2002) em resultado da ar-ticulação de condições estruturais e influência e mimetismo dos modelosinternacionais. Estes diferentes modelos são encontrados em diferentes

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partes do Estado-Providência, criando frequentemente uma situação deimpasse e gerando expectativas divergentes. Isto resulta de uma trajectóriahistórica que inclui vários momentos:

• O autoritarismo do Estado Novo perante um projecto corporativistafracassado, em que se estabeleceu uma aliança com a Igreja Católicae as organizações de caridade para o fornecimento de serviços sociaise de saúde e apoio aos pobres, ao mesmo tempo que constrangeufortemente a expressão política da sociedade civil. Nos últimos anosdo Estado Novo, este misto de corporativismo e autoritarismo foimatizado pelo papel de uma tecnocracia estatal que trouxe elemen-tos modernizadores para o Estado-Providência, mas que, ao mesmotempo, implicou que se tenham lançado as bases de um Estado-Pro-vidência moderno por uma burocracia isolada da pressão da socie-dade civil (Schmitter 1999) e sem sustentação no pacto capital/tra-balho que tipifica o Estado-Providência keynesiano (Holman 1987;Schmitter 1999). Daqui resultou um sistema de segurança social queé dos mais unificados e centralizados entre os países da Europa doSul, mas também com uma forte ênfase laborista típica dos modelosconservadores corporativos e lacunas na protecção das pessoas ex-cluídas do mercado de trabalho (Santos e Ferreira 2002).

• No momento pós-revolução de 1974 verifica-se a presença de elemen-tos inspirados no modelo dos países sociais-democratas, como, porexemplo, um sistema nacional de saúde universal, um sistema edu-cativo universal e tendencialmente gratuito, a incipiente tentativade proteger os grupos não inseridos no seguro social e a incorpora-ção dos serviços sociais na segurança social. A articulação da res-ponsabilidade pública pelo bem-estar com a manutenção das orga-nizações da sociedade civil [o primeiro estatuto das instituiçõesparticulares de solidariedade social (IPSS) descreve-as como parteda segurança social]7 e a valorização da proximidade às populações

7 As IPSS possuem um estatuto de utilidade pública especial que é reconhecido pelos serviços que tutelam a área social, sendo diversas as suas formas jurídicas e organizacionais –associações de solidariedade social, associações de voluntários de acção social, associaçõesde socorros mútuos, misericórdias, fundações de solidariedade social e ainda centros so-ciais paroquiais e outros institutos criados por organizações da Igreja Católica ou por ou-tras organizações religiosas. Existem ainda as organizações equiparadas a IPSS, como ascooperativas de solidariedade social e as casas do povo. A atribuição do estatuto dependeda prossecução de determinados fins sociais. É na Direcção-Geral da Segurança Socialque se faz o registo das IPSS com fins de acção social e também das de saúde, ainda queneste último caso deva existir um parecer do Ministério da Saúde.

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pode ser indicativo de uma tentativa de construir o que para os paí-ses do modelo social-democrático foi descrito como encastramentodo Estado na sociedade (Schofer e Fourcade-Gourinchas 2001).

• A interrupção desta trajectória deu-se logo no início da década de80, quando foram introduzidos elementos típicos do modelo libe-ral, nomeadamente avançando-se para aspectos de um modelo deseparação entre o Estado e a sociedade, considerada necessária nocontexto da herança autoritária. As tensões que foram enformandoas relações entre o Estado e as IPSS em torno do seu estatuto e dademais regulamentação das IPSS convoca, por um lado, o fantasmado autoritarismo recente e, por outro, reacende a tensão entre o Es-tado e a Igreja Católica que havia tido a sua expressão eloquente naI República. Na década de 80 ainda o Estado-Providência não setinha constituído e já alinhava no discurso internacional da suacrise, justificando misturas público-privadas na saúde e no sistemade educação e uma perspectiva residual na protecção com vista anão desencorajar a participação no mercado de trabalho (Leibfried1992). Por outro lado, reforçaram-se aspectos corporativos no quediz respeito ao papel activo do Estado na construção selectiva dosparceiros sociais com quem negociar o pacto social, desde os tradi-cionais sindicatos e associações patronais às organizações de cúpulado terceiro sector (Santos 1990; Hespanha et al. 2000). A misturaentre elementos liberais e corporativos explica as características pas-sivas do princípio da subsidiariedade notadas por vários autores(Andreotti et al. 2001; Trifiletti 1999).

• Já a integração no modelo social europeu, com mais evidência a partirde meados da década de 90, teve também um impacto substancialno sentido do reforço da assunção pelo Estado de um papel de res-ponsabilidade pública, sendo visível um aumento das despesas coma protecção social superior ao dos outros países da Europa do Sul(Pereirinha e Carolo 2009), em convergência com os países centrais.É neste contexto que se legitimam medidas como a do rendimentomínimo garantido (agora rendimento social de inserção, reformu-lado para uma natureza mais residualista), o qual aponta para umaperspectiva universalista da protecção social, bem como o reconhe-cimento da existência da pobreza (Rodrigues 1999), e se dá umacrescente integração na política social europeia através dos múltiplosmecanismos institucionais desta, desde o Fundo Social Europeu aométodo aberto de coordenação em várias áreas e outros instrumen-tos da governação europeia (Guillén et al. 2003). Têm lugar medidas

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onde se identificam elementos do chamado Estado de investimentosocial, com forte aposta na educação, nos serviços sociais e nas po-líticas activas de emprego. Assume-se a chamada mudança do go-verno para a governação, com preferência pela governação local emrede.

• No momento mais recente, com mais ênfase na década de 2000, acen-tuou-se a orientação para a introdução de elementos do que Jessop(2002) denominou Shumpeterian workfare post-national regimes, masnuma perspectiva mais residualista e adepta de soluções que o mer-cado oferece, sem implicar a privatização. Verifica-se uma ênfase nainovação e no empreendedorismo individual, elimina-se o carácteruniversalista de certas prestações sociais – como o RMG –, intensi-fica-se a transferência de papéis do Estado para o TS, substitui-separcialmente a supervisão estatal pela certificação de qualidade eaprofunda-se a nova gestão pública, quer nos organismos públicos,quer no terceiro sector. Este momento foi agora interrompido como agravamento das crises nacional e europeia, desenhando-se oscontornos de uma viragem para um novo tipo de Estado nas medi-das de austeridade em curso.

• As medidas de ajustamento têm tido as políticas sociais como umdos seus principais alvos, o que, combinado com os elevados níveisde desemprego, gera uma enorme pressão sobre a provisão bem--estar. As políticas sociais tendem a assumir cada vez mais um ca-rácter de emergência, estruturando-se uma oferta ao nível das ne-cessidades básicas (por exemplo, cantinas sociais, apoio alimentarnas escolas, etc.) que se julgava ultrapassada com o Estado-Provi-dência, regressando a ideia de que a solidariedade filantrópica (La-ville 2009) é preferível à intervenção estatal. Além disso, as OTStêm ainda os seus problemas próprios. Muitas OTS que fizeram for-tes investimentos em equipamentos sociais 8 ao abrigo de programaspúblicos de investimento em equipamentos sociais, com uma fortecomponente de financiamento bancário, estão agora ameaçadas derotura financeira, num contexto em que se combina a diminuição

8 Por exemplo, foi criado, em 2006, o PARES (Programa de Alargamento da Rede deEquipamentos Sociais) no âmbito de um esforço organizado pelo Estado de reforço daprestação de serviços de apoio à família e de melhoria da sua qualidade. Porém, ao con-trário do que se passou em anteriores formas de apoio à construção de equipamentos so-ciais, onde estes foram feitos com recurso substancial a fundos públicos (nomeadamenteatravés do PIDDAC), o Estado assumiu apenas 50% do apoio financeiro, tendo as OTSde recorrer a linhas crédito bancário na ausência de receitas próprias.

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da capacidade financeira das famílias, a redução da procura de ser-viços sociais de apoio à família e a suspensão de novos acordos decooperação com a segurança social. Também as OTS necessitaram,em 2012, de uma solução estatal, que passou pela criação de umalinha de crédito de apoio à economia social para as organizaçõesem ruptura iminente. De facto, trata-se de uma solução que apenasvai adiar e agravar o problema. A posição do responsável da maiorconfederação do sector, o padre Lino Maia, é que, perante este con-texto, o Estado deve deixar de fazer concorrência com os serviçosdas OTS através dos seus próprios serviços e deve entregar equipa-mentos sociais ao terceiro sector.9

Esta trajectória ajuda a compreender a natureza particular do Estado--Providência em Portugal e a sua relação com a sociedade e a persistênciade tensões numa sociedade fragmentada. Por exemplo, relativamente àquestão familiar, Portugal (2008) identificou uma tensão entre um discursoconservador, de matriz católica, sobre o papel da família e um discursode esquerda, herdeiro da revolução, que observa a família como locus deopressão e dependência. Teodoro e Aníbal (2007), a partir de Afonso(1998), identificam na educação a partir de 1980 uma tensão entre umavisão da educação associada à expansão do Estado-Providência, atravésda democratização e igualdade de acesso, e outra que abre caminho à ini-ciativa privada, também não totalmente realizada, enquanto discursiva-mente também se confrontava uma visão da educação como emancipaçãoou como acesso ao mercado de trabalho (Stoer e Magalhães 2005). Noque diz respeito à área dos serviços sociais, existe também uma tensão ins-crita na história do sistema de protecção social entre a consideração dosmesmos como uma área de direitos e uma responsabilidade pública oucomo uma responsabilidade privada, remetida às famílias sob o princípioda subsidiariedade através da intermediação das OTS (S. Ferreira 2005).Estes são alguns exemplos das contradições entre diferentes racionalidades,princípios de bem-estar, modos de coordenação ou de governação incor-porados nas instituições do Estado-Providência e que, não sendo únicasdo caso português (Offe 1984), parecem ser particularmente intensas nosentido em que não se constitui uma coerência e domínio de nenhumadelas durante longos períodos, não estando nem totalmente activadasnem totalmente latentes, mas frequentemente em impasse.

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9 Editorial do Jornal Solidariedade, de 7 de Julho de 2012 < http://www.solidariedade.pt/sartigo/index.php?x=4981>.

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A esta oscilação corresponde um terceiro sector heterogéneo que tam-bém não se tem conseguido constituir enquanto sector, dada a diversi-dade e tensões internas, resultantes da presença de diferentes subsectoresnos diferentes momentos, com lógicas e formas de articulação com o Es-tado muito diferentes em diferentes áreas e que se passam a descrevermuito brevemente. Assim, num primeiro momento as OTS ocuparamum lugar proeminente na provisão social, tendo esta área sido deixada aseu cargo pelo Estado Novo, ao mesmo tempo que se reprimiam as or-ganizações de origem ou inspiração operária. Num segundo momentodeu-se a emergência de um conjunto muito vasto e diverso de organiza-ções no contexto da presença de velhos e novos movimentos sociais du-rante o período pós-revolução. Na década de 80 reforçou-se o papel dasorganizações fornecedoras de serviços sociais e organizou-se a sua relaçãocom o Estado a partir das organizações de cúpula, enquanto nas margensdo apoio estatal ficaram as chamadas organizações não governamentaisde defesa de direitos ou as que se encarregavam dos públicos marginali-zados da protecção social, ficando remetidas para a relação com o poderlocal, sem interlocutor nacional, as organizações de cultura, desporto,lazer, etc. Com o impacto das políticas europeias e a necessidade de res-ponder a problemas de reestruturação económica, cresceu também umsector orientado para a promoção do emprego e do desenvolvimentolocal, com articulações privilegiadas às instituições europeias. Presente-mente, observa-se o emergir de um novo tipo de organizações e umanova semântica orientada para reproduzir o prestígio que a gestão privadapossui na sociedade portuguesa e para a ideia de empreendedorismo so-cial lado a lado com uma outra semântica que aponta para alternativas àeconomia mercantil sob a designação de economia solidária, particular-mente dinâmicas no contexto actual de crise e na busca de soluções. Estesdiferentes tipos de organizações não encontram uma identidade comum,sendo demonstrativo, e típico da relação do Estado com a sociedade,que a organização existente para o sector, a Cooperativa António Sérgiopara a Economia Social (CASES), seja uma iniciativa do Estado, que,mais uma vez, organiza corporativamente a sociedade civil.10 São tam-

10 A CASES tem a forma de uma régie cooperativa, apresentando-se como uma par-ceria entre o Estado e as organizações representantes do sector da economia social emPortugal. Integra o Estado como accionista maioritário e as seguintes organizações: As-sociação Portuguesa para o Desenvolvimento Local (ANIMAR); Confederação Coope-rativa Portuguesa (CONFECOOP); Confederação Nacional das Cooperativas Agrícolase do Crédito Agrícola de Portugal (CONFAGRI); Confederação Nacional das Institui-ções de Solidariedade (CNIS); União das Misericórdias Portuguesas (UMP); União dasMutualidades Portuguesas (UMP).

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bém expressão das tentativas governamentais de produzir um terceirosector com uma identidade comum a Lei de Bases da Economia Social(2011), o Conselho Nacional para a Economia Social (2010), o Programade Apoio ao Desenvolvimento da Economia Social (2010) ou a ContaSatélite da Economia Social, do Instituto Nacional de Estatística.

Não surpreende, pois, que, se atendermos à participação do terceirosector nos vários tipos de bens e serviços do Estado-Providência, se en-contre uma heterogeneidade que segue a presença de vários modelos debem-estar e, portanto, de regimes de terceiro sector. Segundo o estudoportuguês do Comparative Nonprofit Sector Project (Franco et al. 2005),48% da força de trabalho do terceiro sector encontra-se nas organizaçõesfornecedoras de serviços sociais, apenas 8% na educação, 2% na saúde e1% no desenvolvimento/habitação.11 No que se refere ao financiamento,verifica-se que o financiamento público é dominante nas receitas dasOTS de saúde e de educação (82% e 66%, respectivamente), mas nos ser-viços sociais os recursos provêm sobretudo de receitas próprias (66%),em especial através dos pagamentos de comparticipações dos utilizadores.Ou seja, seguimos um modelo misto liberal/corporativo nos serviços so-ciais, mas social-democrático na saúde e na educação. Igualmente, talcomo nos países sociais-democratas, o financiamento das actividades ex-pressivas é sobretudo proveniente de receitas próprias ou quotizações nasorganizações de advocacia (73%) ou de cultura e lazer (55%), sendo queestas últimas são aquelas onde a filantropia possui o maior peso (29%).O peso destas no terceiro sector é de 8% e 10%, respectivamente (Francoet al. 2005).

Schofer e Fourcade-Gourinchas (2001) descreveram os países da Eu-ropa do Sul como detendo um elevado estatismo e um baixo corporati-vismo. O estatismo indica um aparelho de Estado altamente centralizado,com uma elite burocrática bem desenvolvida, e totalmente autónomo,que desconfia e exerce a supervisão administrativa sobre a sociedade, en-quanto o baixo corporativismo aponta para uma baixa incorporação dosactores sociais na política (legitimidade para a representação de interesses),individualmente ou em grupos organizados, constituindo o canal para aactividade política dos cidadãos. Esta descrição corresponde a uma des-crição da sociedade civil portuguesa como fraca no que se refere à suacapacidade de influenciar a política, mas forte no que se refere à sua au-

11 Dados actualizados no âmbito deste projecto para 2006 apontam para 52% nosserviços sociais, 11% na educação e 7% na saúde, integrando a percentagem de 72% deorganizações prestadoras de serviços (Salamon et al. 2012).

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tonomia em relação ao controlo estatal, enquanto o Estado se descrevecomo fraco no que se refere à sua eficácia, mas forte em termos da suacapacidade de penetrar na sociedade (Andreotti et al. 2001). Esta situaçãocontraditória descreve bem os impasses das instituições de bem-estar edemocracia em Portugal e os desafios que se colocam à compreensão doterceiro sector no bem-estar.

Um Estado-Providência e um terceiro sector paradoxais: nem Estado, nem sociedade

Analisando a evolução das despesas sociais em Portugal, Pereirinha eCarolo (2009) verificaram uma tendência para uma convergência crescentecom os países centrais europeus, tendo-se, inclusive, aproximado da Suéciarelativamente ao peso da saúde no PIB (6,4%), mas também em termosdos indicadores de qualidade, nomeadamente na taxa de mortalidade in-fantil. Esta tendência, resultante de uma trajectória que havia sido, até hápouco tempo, de crescente investimento público nos serviços de bem--estar, encontra-se, porém, desfasada em relação às expectativas criadas re-lativamente à provisão e qualidade dos serviços de bem-estar. Os dadosdo ESS 2008 vêm confirmar este desfasamento se tivermos em conta aavaliação que é feita sobre os serviços sociais infantis, de saúde e de edu-cação em Portugal a partir das respostas positivas (somatório das percen-tagens em sentido positivo, de 6 a 10 na escala de 0 a 10 entre a avaliaçãomais negativa e a mais positiva) às seguintes perguntas deste inquérito:

• «O que pensa, em geral, da oferta de serviços de cuidados às crianças,a preços acessíveis, para pais trabalhadores?»;

• «Utilizando a seguinte escala, diga, por favor, como avalia, no geral,o estado da educação em Portugal hoje em dia?»;

• «Relativamente aos serviços de saúde, em geral, qual o seu grau desatisfação com os serviços de saúde em Portugal hoje em dia?».

Como indicador das percepções sobre a capacidade de resposta aos gru-pos sociais mais desfavorecidos, geralmente descritos como sofrendo lacunasde protecção social no Estado-Providência português, foi considerada a dis-cordância («discorda» e «discorda totalmente») em relação à questão:

• «Os benefícios em Portugal são insuficientes para ajudar as pessoasrealmente necessitadas».

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O terceiro sector e o Estado-Providência em Portugal

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Como se verifica no gráfico 5.1, apesar do carácter tendencialmenteuniversalista da saúde e da educação – com uma mistura crescente defornecedores públicos e privados –, a avaliação que é feita sobre a quali-dade destes sistemas em Portugal é muito inferior à que é feita nos paísessociais-democratas (Suécia, Dinamarca, Finlândia e Noruega). Igual-mente, a despeito do forte investimento nas dimensões de investimento

Gráfico 5.1 – Satisfação com a qualidade dos serviços sociais, de saúde e de educação (%)

Fonte: Elaborado a partir do ESS 2008.

Eslováquia

R. Checa

Polónia

Portugal

Espanha

Grécia

Irlanda

RU

Suécia

Dinamarca

Finlândia

Noruega

Holanda

França

Alrmanha

Bélgica

23,0 7,4 47,5 31,4

41,3 19,2 68,5 50,7

36,2 3,1 52,6 21,6

20,7 6,1 20,3 28,1

28,9 12,6 47,1 63,8

25,6 5,1 17,9 16,6

23,5 21,0 63,2 31,4

27,2 25,6 57,2 61,4

66,5 38,9 56,4 62,8

48,1 40,7 56,485,2

72,4 17,9 91,4 75,3

61,7 28,7 71,5 62,6

52,4 48,7 62,1 70,6

34,1 23,8 40,9 61,9

26,9 27,5 30,4 34,8

40,3 23,7 75,7 88,4

Cuidados infantis Apoio a pessoas em necessidade real

Estado da educação Estado dos serviços de saúde

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social do Estado-Providência, a satisfação com o fornecimento de cuida-dos infantis a preços acessíveis para os trabalhadores é a mais reduzidado grupo de países presentes no gráfico, o que reflecte o facto de estesserem financiados fortemente pelas comparticipações dos utentes nasOTS – ainda que através de mecanismos redistributivos, aplicados pelaspróprias OTS, com pagamentos que variam em função dos escalões doIRS, segundo regulamentação estatal.

Os serviços sociais não pertencem ao núcleo do Estado-Providênciamoderno, como a segurança social, a saúde ou a educação, mas a viragempara o Estado de investimento social deu-lhes proeminência. Bahle (2003)nota um aumento do financiamento público e do controlo do Estadosobre a contratação de fornecedores, controlo político crescente sobre oterceiro sector através de descentralização e parcerias e estandardizaçãodos serviços. A expansão dos serviços infantis é feita sob a ideia de queos pais, e sobretudo as mães, devem ser ajudados a participar no mercadode trabalho e numa lógica de investimento social na futura mão-de-obra(Evers et al. 2005). Em Portugal, este desenvolvimento ocorre na sua quasetotalidade a partir da provisão privada, mesmo quando existe financia-mento público. Em 2005, 76% do orçamento da acção social das contasda segurança social eram dedicados a acordos de cooperação com orga-nizações do terceiro sector e estas eram 71,5% dos produtores destes ser-viços, seguidos de empresas (26,5%) (S. Ferreira, 2010).

Verificando a distribuição interna da provisão de serviços sociais, estesreproduzem as debilidades do Estado-Providência português no que dizrespeito à protecção dos grupos excluídos ou com dificuldades de inser-ção no mercado de trabalho, pelo que também aqui se justifica a avalia-ção negativa que se faz do apoio às pessoas em necessidade real. Em2005, os serviços de apoio a idosos ou à infância representavam 88% eos de apoio a pessoas com deficiência 5,3%, o que significa que os servi-ços orientados para situações geradoras ou de manifestação de pobrezae exclusão social, como os vários tipos de serviços de apoio à comuni-dade, à toxicodependência, à doença mental e ao VIH/sida, tinham umpeso muito reduzido (S. Ferreira 2010). Neste contexto, existe um clarodesfasamento entre as expectativas e a real provisão pública, o que cor-responde à ideia de que, regra geral, a uma apreciação negativa de umaparte substancial dos serviços de bem-estar e a elevados níveis de desi-gualdade se associa a defesa de uma maior redistribuição (Finseraas 2009).Todavia, tem sido muito fraca a mobilização do terceiro sector, enquantosociedade civil, para colmatar esta lacuna, quer directamente, quer fa-zendo exigências ao Estado.

Sílvia Ferreira

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O terceiro sector e o Estado-Providência em Portugal

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A presença de uma forte sociedade-providência (que poderíamos fazercorresponder à dimensão do bonding do capital social) foi associada ao pesorelativo do mundo rural e das relações do espaço urbano com o mundorural (Santos 1990), mas também foram identificados aspectos de insufi-ciência nestas redes de suporte (Wall et al. 2001; Hespanha e Portugal 2002),falhando nas famílias e pessoas mais vulneráveis. Segundo Wall et al.(2001), o mercado e o Estado (e o terceiro sector, poderíamos acrescentar)não conseguem colmatar as lacunas do apoio informal, o que Salamon(1987) designa como voluntary failure e caracteriza como consistindo eminsuficiência de recursos, particularismo, amadorismo e paternalismo.

Estudos a partir do ESS põem em causa a ideia de que uma socie-dade-providência forte pode compensar as insuficiências do Estado oucriar capital social. Atendendo ao caso português, e a partir dos dadosdo ESS, parece verificar-se que uma sociedade-providência forte tambémdepende de um Estado-Providência forte. Recuperam-se aqui alguns des-tes dados no sentido de tornar mais visíveis as características do Estado--Providência e da sociedade em Portugal. O gráfico 5.2, com dados doEuropean Social Survey de 2006, reúne indicadores relativos ao volunta-riado formal, informal,12 à participação comunitária e à sociabilidade nasquestões:

• Voluntariado formal: «Nos últimos doze meses, com que frequênciacolaborou com organizações de caridade ou de voluntariado?»;

• Voluntariado informal: «Sem contar com o apoio à família, com oque faz no trabalho ou em organizações de voluntariado, com quefrequência ajudou activamente alguém nos últimos doze meses?»;

• Participação comunitária: «E, ainda nos últimos dozes meses, cola-borou ou participou em actividades organizadas na sua área de re-sidência?»;13

• Sociabilidade: «Com que frequência convive com amigos, familiaresou colegas de trabalho?» (nunca, menos de uma vez por mês, uma

12 V. também Plagnol e Huppert (2009) para esta classificação. Ainda que estas questõessejam tratadas frequentemente como dizendo respeito ao voluntariado, elas podem signi-ficar outro tipo de participação em OTS, o que explica a discrepância entre estes valores eos do voluntariado formal presentes, por exemplo, no Eurobarómetro (12% para 2011, co-locando Portugal no penúltimo lugar dos 27 países membros) (Parlamento Europeu 2011).

13 Para as várias questões foram consideradas possibilidades de resposta para as se-guintes frequências: pelo menos uma vez por semana, pelo menos uma vez por mês,pelo menos uma vez em cada três meses, pelo menos uma vez em cada seis meses, aindamenos do que isso, nunca. Foi realizado o somatório da percentagem de respostas queassinalaram qualquer tipo de frequência.

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vez por mês, várias vezes por mês, uma vez por semana, várias vezespor semana, todos os dias).

O indicador do voluntariado formal mostra que é relativamente baixaa percentagem de pessoas que nos últimos doze meses, à data do inquérito,se envolveram em OTS, sendo apenas superior à Eslováquia, à Polónia e àSuécia. Estamos perante uma sociedade civil organizada fraca, com baixoenvolvimento das pessoas em organizações do terceiro sector. Como já sereferiu anteriormente, a vinculação do terceiro sector ao fornecimento deserviços sociais no núcleo do sistema de bem-estar está associada a umaforte profissionalização, sendo reduzido o peso do voluntariado e limitadaa capacidade das organizações do terceiro sector para o promover.

Portugal possui também a mais baixa percentagem de pessoas queajudaram outra pessoa, que não familiar ou colega, ou estiveram envol-vidas em OTS e ainda a segunda percentagem mais baixa de pessoas quenos doze meses precedentes ao inquérito assistiram ou se envolveramem actividades locais.14

Ou seja, a escassez de voluntariado formal não é compensada pelovoluntariado informal ou pela participação na comunidade, confir-mando-se algumas discussões acima apontadas relativamente às própriasdebilidades da sociedade-providência e à confirmação da ideia de queexiste uma correlação entre o voluntariado formal e o voluntariado in-formal.

Neste panorama pouco animador, no que diz respeito ao volunta-riado e à participação comunitária, ressalta a dimensão da sociabilidade,patente na elevada frequência com que em Portugal as pessoas se encon-tram socialmente com amigos, familiares ou colegas, contradizendo a su-gestão de Plagnol e Huppert (2009) de que existe uma relação positivaentre o voluntariado e a sociabilidade. Esta sociabilidade como forma deintegração social parece ser um dos elementos presentes nas OTS nospaíses nórdicos, em que, a par com outros papéis, existe também umadimensão de «estar juntos», ou seja, o terceiro sector é um lugar onde aspessoas se encontram (Matthies 2006). Este «estar juntos», no caso por-tuguês, tem lugar na esfera privada dos amigos, colegas e familiares.

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14 O Ano Europeu das Actividades Voluntárias que Promovam Uma Cidadania Ac-tiva, em 2011, a par com a emergência do voluntariado enquanto política pública e apresença de outras entidades da infra-estrutura do voluntariado em Portugal, podem vira ter um impacto positivo no que diz respeito ao aumento do voluntariado, em particularno que ocorre fora do enquadramento do terceiro sector tradicional.

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O terceiro sector e o Estado-Providência em Portugal

Van Oorschot et al. (2006) argumentam que a sociedade civil equivaleà contraparte das comunidades locais ao nível nacional, pelo que tam-bém cria capital social:

Não só as normas de reciprocidade, cidadania e confiança estão incrus-tadas em redes de associações cívicas, como são também positivamente in-fluenciadas por estas. Uma sociedade civil forte e vibrante caracterizada por

185

Gráfico 5.2 – Voluntariado formal/informal e sociabilidade

Fonte: Elaborado a partir do ESS 2006.

Eslováquia

Polónia

Irlanda

RU

Portugal

Espanha

Finlândia

Dinamarca

Suécia

Holanda

França

Alemanha

Bélgica

Encontra-se socialmentecom amigos, familiaresou colegas todos os dias

Ajudou ou assistiu a actividadeslocais organizadas duranteo último ano

Ajudou outros, que nãofamília, trabalho, OTS,durante o último ano

Trabalhou com OTSdurante o último ano

0 10 20 30 40 50 60 70 80 90 100

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uma infra-estrutura social de redes densas de relações face a face que atraves-sam as actuais divisões sociais sustentará um governo forte e sensível, umaeconomia forte e resiliente e um Estado-Providência sustentável [van Oors-chot et al. 2006, 152; tradução livre da autora].

Mas o inverso também pode ser verdade, na medida em que não estáclarificada a relação causal patente na forte correlação entre um Estado--Providência forte e elevados níveis de capital social nas suas diferentesdimensões.

No que se refere à participação política, tem também vindo a ser evi-denciada não só a relação entre a participação em OTS e a participaçãopolítica, mas também a relação entre estas, os níveis de bem-estar e a exis-tência de um institucionalismo capaz de criar condições para a partici-pação (van der Meer 2009). É difícil construir um argumento sobre opapel positivo do terceiro sector para o capital social num panorama emque as correlações identificadas apontam para baixos níveis de capital so-cial e de bem-estar. Isto explica, em parte, a ausência, em Portugal, deum discurso público que enfatize estas dimensões ou as dificuldades deancoragem de discursos sobre o papel do terceiro sector no aprofunda-mento da democracia, na governação ou no bem-estar (S. Ferreira 2010).

Não existe nenhum efeito de crowding out em Portugal, mas um re-forço mútuo entre o Estado e a sociedade civil, em que se verifica que àfraqueza de um Estado-Providência moderno corresponde a fraqueza deuma sociedade civil moderna. Associa-se aqui a noção de sociedade civilmoderna à trajectória de transformação da esfera pública nas sociedadeseuropeias modernas até uma esfera pública mais ampla, envolvendo aparticipação de grupos sociais subordinados e a presença de múltiplospúblicos (Fraser 1990) orientados para esse espaço público que se cons-titui a partir da comunicação entre pessoas privadas, frequentemente as-sociadas, sobre questões públicas ou de interesse comum. Trata-se tam-bém de dar ênfase à dimensão pública, para que aponta o conceito decivicness, como forma de valorização da dimensão «pública» do capitalsocial.

O gráfico 5.3 retoma a discussão sobre a relação entre a confiança so-cial e a participação, evidenciando a fraqueza deste espaço público, le-vantando dúvidas sobre se se pode sequer falar de uma esfera públicapara a generalidade dos portugueses. O gráfico retrata a percentagem depessoas que se orientam positivamente, no que diz respeito à confiançainterpessoal e à confiança política, a partir do European Social Survey de2008, confirmando a correlação positiva entre a confiança social e a con-

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O terceiro sector e o Estado-Providência em Portugal

fiança política (Zmerli e Newton 2008). Mede-se a confiança a partir dosomatório da percentagem de cada uma das respostas de sentido positivo

187

Gráfico 5.3 – Confiança nas instituições e nas pessoas

Fonte: Elaborado a partir do ESS 2008.

Eslováquia

Rep. Checa

Polónia

Portugal

Espanha

Grécia

Irlanda

RU

Suécia

Dinamarca

Finlândia

Noruega

Holanda

França

Alemanha

Bélgica

24,1 17,3 12,4 18,2

14,4 9,8 36,9 45,9

11,03,4 26,0 36,3

18,9 6,6 19,7 36,2

41,0 15,7 38,0 44,3

21,7 7,6 24,1 19,5

23,0 15,3 49,6 59,3

30,0 17,1 46,6 54,0

56,6 34,3 66,7 74,2

67,9 53,5 81,575,4

63,3 42,4 69,6 76,4

54,5 33,1 73,3 77,8

58,4 50,5 63,1 71,7

Confiança no parlamento Confiança nos políticos

A maioria das pessoasé de confiança

A maioria das pessoastenta ser justa e não aproveitar

30,2 14,9 29,2 54,8

32,3 15,4 38,7 55,0

34,0 25,9 45,7 59,4

A maioria das pessoasé prestável, em vez de cuidarapenas de si

16,5

30,8

18,0

18,8

29,7

15,7

60,0

52,1

62,5

62,3

55,8

60,4

54,5

29,1

38,7

35,6

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(6-10) na escala de 0 a 10, entre o mais negativo e o mais positivo, nas se-guintes questões, relativas quer à confiança política:

• «Diga-me, por favor, qual a confiança pessoal que tem em cada umadas instituições que lhe vou dizer: na Assembleia da República?;nos políticos?»;

quer à confiança interpessoal:

• «De uma forma geral, acha que todo o cuidado é pouco quando selida com as pessoas ou acha que se pode confiar na maioria das pes-soas?»;

• «Acha que a maior parte das pessoas tenta aproveitar-se de si sempreque pode, ou pensa que a maior parte das pessoas é honesta?»;

• «Acha que, na maior parte das vezes, as pessoas estão preocupadascom elas próprias ou acha que tentam ajudar os outros?».

Evidencia-se que os portugueses e as portuguesas possuem um dosmais baixos níveis de confiança no parlamento e nos políticos (e, na ver-dade, nas demais instituições de governação), mas também nos seus se-melhantes, sendo baixa a percentagem daqueles que consideram que amaioria das pessoas tenta ser justa e não se aproveitar e ainda mais baixaa percentagem dos que acreditam que a maioria das pessoas é prestável,em vez de cuidar apenas de si – o que é coerente com as atitudes indivi-duais.15 Neste contexto, podemos interpretar os baixos níveis de volun-tariado e participação comunitária acima evidenciados como uma dasexpressões da dificuldade de referência a um espaço público ou cívico.

Assim, sugiro que quer o tipo de Estado, quer o tipo de sociedade (aque está presente no conceito de subsidiariedade), possuem elementospré-modernos, ou de uma modernidade inacabada, no dizer de Machadoe Costa (1998), no que se refere à ausência de referência a um espaço pú-blico, pois nem o Estado consegue actuar integralmente enquanto ga-rante do interesse geral que garante a confiança dos cidadãos, nem a co-munidade produz as relações sociais próximas que exprimem o deverdos indivíduos e organizações em relação ao bem-estar dos outros alémda esfera doméstica, nem a sociedade civil constitui um espaço de refe-rência e mobilização em relação a um (ou vários) interesse(s) geral(is). De

15 Portugal é o país onde uma menor percentagem da população ajudou outras pes-soas pelo menos uma vez no último ano, depois dos países da Europa central e do Leste(Plagnol e Huppert 2009).

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O terceiro sector e o Estado-Providência em Portugal

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facto, dadas as interdependências entre estas diferentes dimensões queaqui se abordaram, estamos perante o défice das qualidades de civicness(Brandsen et al. 2010). Verifique-se no gráfico 5.3 o contraste entre as di-mensões de confiança institucional e de confiança social entre os paísesdo modelo social-democrata, ou os valores da Holanda, onde se verificamos níveis mais elevados de associativismo e voluntariado na Europa, e estasdimensões nos países da Europa do Sul – com excepção da Espanha – ouda Europa central. Assinalem-se, por outro lado, os baixos níveis de con-fiança nas instituições políticas presentes nos países do modelo anglo-sa-xónico – Reino Unido e, parcialmente, a Irlanda – e também nos do mo-delo conservador-corporativo na Europa continental, a par de elevadosníveis de confiança social. Remetendo para o gráfico 5.1, trata-se de paísesonde o terceiro sector possui uma dimensão elevada, forte presença naprovisão de serviços, em substituição deste papel do Estado, e responsa-bilidade financeira governamental.

Neste contexto, é possível identificar elementos de uma versão pré--moderna do princípio da subsidiariedade e que funciona para colocaras relações entre fornecedores e recipientes de bem-estar numa esfera pri-vada longe do controlo do Estado e que este instrumentaliza para torneara contradição entre a pressão das elevadas expectativas sobre o seu papelno bem-estar e a incapacidade de corresponder a estas expectativas.

Conclusão

Neste capítulo procedeu-se a uma discussão do lugar do terceiro sectorno Estado-Providência português, adoptando-se uma perspectiva relacio-nal que procurou retomar, para a compreensão do caso português, as trêsdiscussões assinaladas por Anheier (2009). O papel do terceiro sector naeconomia mista do bem-estar foi discutido através de uma revisão das ti-pologias internacionais de bem-estar e do terceiro sector que serve depano de fundo para o aprofundamento sobre o Estado-Providência e oterceiro sector em Portugal, quer no âmbito dos países do Sul da Europa,quer na evidência da permanência de elementos de diferentes modelosde bem-estar. Uma breve descrição da evolução histórica sustenta o ar-gumento segundo o qual existe uma mistura de modelos de bem-estarinscritos nas instituições do Estado-Providência português e na relaçãoentre o Estado e o terceiro sector. Mostra-se também que, ao mesmotempo que se verifica uma dificuldade de articulação entre os diferentesactores e subsectores do terceiro sector, cuja organização depende do papel

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activo do Estado, uma parte substancial desse terceiro sector está envol-vida na provisão de serviços sociais no núcleo do Estado-Providência, oque torna o Estado dependente destes mesmos actores sociais.

A discussão sobre o contributo do terceiro sector para a criação decapital social foi enquadrada pelos estudos que têm procurado compreen-der a relação entre o Estado-Providência e o capital social nas suas dife-rentes dimensões. Vários autores apontam para fortes correlações entreelevados níveis de bem-estar, maior participação cívica, maiores níveisde ajuda informal e maior confiança institucional e social.

Assinala-se a importância dada à família nos países do Sul da Europa,em detrimento de outros tipos de capital social e dos baixos níveis debem-estar. Estes aspectos são aprofundados a partir de dados do ESS queprocuram saber, por um lado, sobre a satisfação e expectativas dos por-tugueses em relação ao welfare mix e, por outro, sobre o seu envolvimentoem espaços formais ou informais de produção do interesse geral oucomum. No contexto de baixos níveis de voluntariado e associativismoe de uma evidente preferência pela sociabilidade entre amigos e familia-res, desenvolvem-se fracos laços de confiança, quer nas instituições polí-ticas, quer interpessoais.

É importante ter presente o terceiro debate identificado por Anheier(2009), correspondente a uma dimensão política do papel do terceirosector no Estado-Providência. Não só se verifica que o número de orga-nizações de advocacia e militância é escasso e fracamente apoiado peloEstado, tal tem sido a proximidade com funções de bem-estar centraisdo Estado de investimento social, como é baixa a probabilidade de talpapel ser suportado por cidadãos envolvidos na esfera pública.

Verifica-se que em Portugal se dá a enxertia de elementos do modelosocial-democrata num contexto que difere em termos da cultura e dasinstituições políticas assinaladas por Schofer e Fourcade-Gourinchas(2001) para estes países, de baixo estatismo – no sentido em que o Estadotem um papel importante na economia e na sociedade, mas não se apro-pria da soberania política (o Estado representa a sociedade) – e de elevadocorporativismo – no sentido em que o Estado possui um papel ativo napromoção da representação de interesses, usando-os para promover umconsenso sobre a ordem económica e política ou social.

As políticas sociais-democratas, que exigem um consenso alargadosobre a redistribuição, não possuem em Portugal as bases de sustentaçãoao nível dos actores sociais que as podem promover. Neste sentido, a per-sistência de lacunas de protecção e as vicissitudes das medidas que procu-raram introduzir o universalismo (como o rendimento mínimo garantido)

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O terceiro sector e o Estado-Providência em Portugal

são o reflexo desta «rejeição», não encontrando a expectativa da sociedadeportuguesa de melhor qualidade dos serviços de bem-estar uma expressãona organização dos interesses e da provisão próxima do Estado.

Dá-se também a enxertia de elementos típicos do modelo liberal, ondese cultiva a separação entre o Estado e a sociedade civil, se está perantebaixos níveis de estatismo e de corporativismo e a confiança social parececompensar os baixos níveis de confiança institucional. Em Portugal, o es-tatismo produz a «rejeição» das políticas de matriz liberal, na medida emque o Estado não resiste a exercer um controlo apertado sobre os actoressociais, nos quais delega funções públicas, mas muitas vezes sem a trans-ferência da respectiva capacidade financeira e frequentemente descon-fiando destes para o desempenho deste papel. Tal tem sido uma das maio-res áreas de tensão entre o Estado e as OTS, com a curiosidade de quealgumas organizações de cúpula mais próximas do núcleo das políticassão também aquelas que publicamente assumem um discurso de con-frontação e separação liberal entre o Estado e a sociedade (S. Ferreira2010), o que, por outro lado, entra em contradição com o isomorfismodesenvolvido com os serviços públicos, quer por via da natureza da regu-lação desta provisão (acordos de cooperação típicos), quer por via do ele-vado grau de profissionalização nas OTS ao nível do trabalho no social.

Por fim, ainda que sejam importantes os elementos de corporativismona relação entre o Estado e a sociedade civil, com um Estado forte, coor-denando a representação selectiva de interesses, não existe uma sociedadecom a capacidade de se organizar corporativamente em torno de umavisão de um Estado-Providência moderno ou, pelo menos, de uma so-ciedade que assuma colectivamente a responsabilidade pelo bem-estar.É neste pano de fundo que se desenvolvem as recentes iniciativas gover-namentais de promoção/invenção da economia social, sendo de assinalarque o significado e as realidades que o conceito recobre possuem maisafinidades com a Europa continental do que com o mundo anglo-saxó-nico (S. Ferreira 2009).

No presente contexto, em que se verifica uma forte retracção do Es-tado-Providência e da economia, e tendo presente a relação próximaentre elevados níveis de capital social e de bem-estar, os indicadores quepossuímos sobre o capital social não antecipam perspectivas positivas noque diz respeito à capacidade de a sociedade acolher o choque desta crise,sendo mais previsível que se dê um ainda maior recuo da esfera pública,quer na dimensão estatal, quer na dimensão social.

A história tem demonstrado que a retracção do Estado tem um im-pacto ambíguo no terceiro sector, podendo levar à redução da sua mar-

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gem de intervenção nas áreas que correspondem às estratégias das políticaspúblicas, como é o caso dos serviços sociais, saúde, educação, etc. – aque-las em que é mais importante o terceiro sector português. Esta retracçãopoderá significar uma reorientação para outro tipo de actividades querespondam às situações de emergência social para o desenvolvimento deacções de solidariedade filantrópica. Por outro lado, confrontadas como impacto do desemprego e reconhecendo crescentemente uma identi-dade enquanto economia social, muitas OTS estão também a consideraro potencial de intervenção direta na economia, através do desenvolvi-mento de actividades económicas que gerem um rendimento comple-mentar e da promoção de formas não mercantis e não monetárias deeconomia ou de promoção do microempreendedorismo. Estes são sinaisde que estamos num momento de bifurcação entre o aprofundamentoda privatização do bem-estar social e uma filosofia de solidariedade fi-lantrópica e o surgimento de um novo modo de relação entre o Estado,a economia e a sociedade, com a afirmação de um sector da economiamais vinculado ao bem-estar social, numa segunda desmercadorizaçãodo Estado-Providência (Gough 2010). Apesar de esta trajectória se afigu-rar dependente dos níveis de confiança institucional e social, que estãoausentes da sociedade portuguesa, devemos considerar que os elevadosníveis de profissionalização das OTS poderão constituir uma importantebase para o desenvolvimento desta trajectória.

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Fernando Ribeiro MendesSara Paralta

Capítulo 6

O envelhecimento contra o Estado-Providência

A análise do Estado-Providência nas sociedades contemporâneas vemconferindo importância crescente à dimensão do envelhecimento dasrespectivas populações.

Muitas vezes tal atenção está concentrada exclusivamente nos impac-tos decorrentes do envelhecimento macrodemográfico, isto é, da altera-ção da estrutura etária das populações resultante da queda sustentada dafecundidade das mulheres e da longevidade crescente dos seus membros.A redução do número de jovens e o aumento do número de indivíduosem idade sénior, em consequência do aumento crescente da longevidade,desencadeiam um processo de envelhecimento da sociedade que trazenormes consequências políticas e económicas. É o que nos habituámosa considerar como o problema da sustentabilidade de longo prazo doEstado-Providência. A revisão das condições de atribuição e dos mon-tantes dos benefícios sociais é uma das consequências desta evolução,sendo frequente a redução das condições de elegibilidade dos beneficiá-rios potenciais e, ao nível das prestações, especialmente das pensões develhice, a adopção de novas fórmulas de cálculo da prestação que con-trariam as expectativas anteriormente criadas.

No entanto, isso é apenas parte da questão. Outros níveis de análisepodem e devem focalizar-se noutras tantas dimensões do envelheci-mento. Desde logo, as relacionadas com o ciclo de vida individual, quepodem determinar muito da evolução das atitudes e comportamentosde cada pessoa ao longo da sua vida. Se a atitude de miopia económicaprevalecer face à necessidade de poupar para o período pós-actividadelaboral, os mais jovens serão especialmente atingidos, pois não usufruirãodo mesmo nível de benefícios sociais que a geração anterior, continuandoembora a contribuir para o sistema, e não aforrarão convenientementepara eles próprios.

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Outras dimensões a considerar resultam da interactividade dos con-temporâneos de diferentes idades, num duplo plano:

• Enquanto membros de gerações distintas, determinadas pelo res-pectivo intervalo temporal de nascimento e pelas referências viven-ciais que lhes correspondam, que influenciam muitos comporta-mentos e atitudes individuais dentro de cada geração;

• Enquanto co-participantes nos processos de mudança social, nosquais se influenciam mutuamente, dadas as origens e os percursosdiferenciados de cada um.

Nas secções seguintes iremos desenvolver a discussão de várias destasdimensões do envelhecimento e de alguns dos seus impactos sobre osarranjos institucionais da sociedade portuguesa actual a que damos a de-signação de Estado-Providência, onde, para além da redução dos benefí-cios sociais na reforma, outros associados à doença, aos cuidados desaúde, de longa duração e ao desemprego passam por redefinições quesupõem mudanças de estilos de vida dos indivíduos. Que implicaçõesterão estas tendências ao nível das atitudes das diferentes gerações quantoàs políticas públicas? Existirão atitudes idênticas entre as diferentes gera-ções face ao Estado-Providência? Em que medida é afectado o seu graude satisfação com a vida em geral?

As respostas a estas questões são suportadas pela análise parcial do In-quérito Social Europeu, ESS – European Social Survey, onde uma amostra deindivíduos se pronunciou sobre o contributo dos benefícios sociais parauma sociedade com menos pobreza e igualitária num módulo sobre oEstado-Providência.

A problemática do envelhecimento

Nas sociedades contemporâneas habituámo-nos a gerir cuidadosa-mente o que consideramos ser a esfera privada da nossa existência. É neste plano que mais desejamos afirmar a nossa própria identidade,cultivando estilos de vida cada vez mais diferenciados. Nesta perspectiva,o envelhecimento surge-nos à partida como representação da progressãotemporal da existência de cada um de nós, que desejamos levar tão longequanto o destino nos consinta, marcando-a com a nossa individualidade.E devemos partir deste nível de análise para compreendermos tambémmuito do que se passa em termos agregados, no conjunto da população,da economia e da sociedade.

Fernando Ribeiro Mendes e Sara Paralta

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O envelhecimento contra o Estado-Providência

Envelheço, logo poupo

Há uma longa, embora muitas vezes contestada, tradição intelectualque nos representa como seres conscientes que se realizam através dassuas escolhas racionais. Como introduzir nesta visão o tema do envelhe-cimento dos indivíduos?

Cada pessoa nasce, vive a sua vida e morre. No decurso deste ciclovital evidencia mudanças a nível fisiológico e psicológico e quanto aoestatuto social e económico que detém na sociedade. Tais mudanças de-correm, em alguma medida, do envelhecimento singular de cada indiví-duo enquanto puro efeito de idade, visto que o correspondente processobiológico o impulsiona ao longo de uma curva de aprendizagem, deslo-cando-o para patamares superiores de consciência, que estabilizam e re-gridem a partir de certo momento.

Ao formar-se a nossa consciência individual da duração finita da vida,com passado, presente e futuro de termo incerto, erguemo-nos a um pa-tamar superior de auto-análise e decisão consciente em que não nos im-porta apenas a actualidade. Em cada momento procuramos abarcar opassado e o futuro na construção de representações alicerçadas no queexperimentámos anteriormente e que projectam as nossas escolhas ac-tuais no que virá a seguir. Ao mesmo tempo, o suporte neurológico in-dividual de todo este processo evolui no tempo, pelo que importa avaliaro puro efeito da idade sobre a decisão tomada por cada indivíduo cons-ciente, sujeito que está à usura do tempo que passa.

Consideremos a tomada de decisão individual acerca do consumo eda poupança. Tendo consciência do horizonte temporal da duração pro-vável das nossas vidas, podemos analisar o processo de decisão à luz dahipótese do «rendimento permanente de ciclo de vida», segundo a qualos indivíduos procuram maximizar a utilidade em todo o horizonte tem-poral das suas vidas, sendo-lhes dadas oportunidades de troca intertem-poral. Assim, o consumo num determinado período não depende apenasdos apetites e meios de os satisfazer no momento; leva em conta todo oconjunto de recursos do ciclo de vida e as preferências de cada um, ex-pressas em elasticidade de substituição intertemporal e taxas de descontodo futuro, bem como as taxas de juro dos mercados. Se introduzirmos aincerteza no raciocínio, o risco entrará também como determinante derelevo do consumo individual, medindo a incerteza pela variância asso-ciada a um certo valor esperado da decisão (Attanasio et al. 2008).

Nesta perspectiva, em que consiste o processo de tomada racional dedecisão? É a escolha reflectida de uma linha de acção baseada na avalia-

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ção do benefício esperado, que se compara ao de outras alternativas pos-síveis de acção e incorpora quer o nosso desejo pelo benefício (as nossaspreferências), quer a medida da incerteza do resultado que achamos su-portável para o alcançar (a nossa atitude face ao risco). Envelheço, logopoupo se e quando a qualidade que quero dar ao meu futuro provávelsupera as vantagens de que posso desfrutar no presente.

Durante muito tempo julgou-se que o processo de tomada de decisãoracional não seria afectado em si mesmo pela progressão existencial dodecisor no respectivo ciclo de vida. Uma vez formado o seu sistema depreferências, só as restrições de rendimentos, preços de bens de consumoe anos por viver evoluiriam no tempo. A neurociência veio desafiar estaideia, estudando os processos bioquímicos de suporte neurológico à de-cisão, que resultam em comportamentos particulares associados à adiçãoa drogas e ao envelhecimento biológico. Em especial, tem sido estudadoo papel do sistema dopaminérgico na tomada de decisão e o impacto doenvelhecimento biológico neste sistema de transmissão neuronal. Estesavanços científicos são da maior importância na compreensão da decisãoconsciente de risco, por exemplo, a da aplicação de poupanças, na me-dida em que indiciam padrões de comportamento aforrador diversos as-sociados à idade do decisor.

O declínio do sistema dopaminérgico no cérebro envelhecido parecetraduzir-se em maior variabilidade na antecipação do benefício «devidoa défices na neuromodulação» independentes da variância actual do ren-dimento esperado (nas carteiras de investimento, por exemplo), pelo que«os mais idosos podem ter maior dificuldade em avaliar o risco relativoentre diferentes opções». Consequentemente, os mais velhos «podemnão ser suficientemente sensíveis aos resultados das escolhas suboptimaisde modo a fazerem ajustamentos adaptativos aos níveis neurofuncionale comportamental» (Li et al. 2007, 108).

Embora a relevância empírica desta abordagem, nos seus desenvolvi-mentos mais recentes, não esteja definitivamente firmada, ela traz umpotencial contributo para o conhecimento da realidade do consumo eda poupança nas sociedades actuais e para a concepção das políticas pú-blicas que pretendem influenciar os comportamentos dos cidadãos.

Quando as populações envelhecem

É geralmente aceite entre os estudiosos que são expectáveis certas mu-danças na estrutura do consumo das famílias em resultado do envelhe-cimento da população (Martins et al. 2005). No consumo das famílias

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O envelhecimento contra o Estado-Providência

pesam cada vez mais as necessidades dos mais idosos, que são em maiornúmero na maior parte delas. E aqueles tendem a consumir menos pro-dutos manufacturados (automóveis, electrodomésticos, etc.) e desejam,por outro lado, mais serviços de proximidade. Tal comportamento deconsumo acentua-se em situações de dependência frequentes em idadesavançadas.

Nos países em processo de envelhecimento demográfico acelerado,como Portugal, podemos esperar uma alteração significativa da estruturado consumo agregado, em detrimento dos bens manufacturados e emfavor dos serviços não transaccionáveis, como sejam os cuidados desaúde, de longa duração e a assistência ao domicílio. Repare-se que osserviços de proximidade não são importáveis nem exportáveis, devendoser produzidos e consumidos localmente. Com o envelhecimento danossa população, é previsível que a procura interna inclua proporcio-nalmente mais serviços não transaccionáveis do que produtos manufac-turados. Daqui resultam efeitos estruturais que ultrapassam a esfera de-mográfica. Em serviços como os de proximidade, os ganhos deprodutividade são inferiores aos da indústria, implicando, em termosagregados, uma tendência de desaceleração da produtividade. Para aspequenas economias, como a portuguesa, o crescimento passa a depen-der essencialmente do sector exportador, onde os bens e serviços tran-saccionáveis terão de superar os concorrentes em mercados cada vezmais globalizados.

Efeitos agregados

O envelhecimento demográfico implica, pois, a alteração do com-portamento de consumo dos indivíduos e das famílias. E, quanto à pou-pança, em que medida irá afectar a taxa de poupança das famílias?

Segundo a teoria tradicional do rendimento permanente do ciclo devida (Modigliani 1986), os indivíduos poupam durante a vida activa, dei-xando de poupar quando param de trabalhar, no seu período da reforma.Nesta ordem de ideias, nas sociedades que conheceram o chamado ba-byboom, entre 1945 e 1965, terá havido uma maior poupança quando osbabyboomers chegam e enquanto permanecem no mercado de trabalho,seja através da poupança forçada da segurança social, seja através doaforro privado das famílias. Quando deixam de trabalhar e passam à re-forma, a partir do início do século XXI, começam a gozar as suas pensõespúblicas, que complementam, usando as suas poupanças privadas, pelavenda dos activos que acumularam antes da reforma.

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Ora, os babyboomers foram os primeiros beneficiários do aumento sus-tentado da longevidade, traduzida num período alongado de reformasubsidiada pela segurança social pública, a qual, no entanto, conhece asprimeiras reformas (de 1990 em diante), que vêm limitar a generosidadedos benefícios concedidos. Isso deverá ter implicado mais poupança co-locada de lado pelos indivíduos, se considerarmos que a reforma é o pe-ríodo de excelência para se usar o capital acumulado durante a vida pro-fissional. Ao considerarmos a crescente longevidade segundo a teoria dociclo de vida, a poupança deveria aumentar. Mas também o consumo,pois todas as pessoas vivem mais tempo. A questão reside então em saberqual o efeito que domina, em termos agregados: o aumento do consumo(uso da poupança) pelos reformados ou o aumento da poupança dos ac-tivos devido ao prolongamento expectável das suas vidas.

Existe um relativo consenso na literatura académica relevante de que,a médio prazo, o efeito do aumento do consumo prevalece (Disney 1996;Attanasio et al. 2010). É uma fonte de preocupação para os mercados fi-nanceiros, receosos de que muitas pessoas procurem, ao mesmo tempo,vender os activos acumulados, sendo provável que a procura de aplica-ções financeiras pelas novas gerações activas não seja suficiente para sa-tisfazer a oferta de activos dos reformados, que querem convertê-los emmeios para financiar o seu consumo na reforma. Como consequênciadeste fenómeno, teme-se a queda dos preços dos activos financeiros.

Deve assinalar-se, nesta altura, que as políticas públicas podem mo-dificar com razoável eficácia muitos comportamentos individuais, mu-dando as restrições financeiras e a informação dos consumidores. (Umexemplo corrente é o do agravamento fiscal dos preços do tabaco, queafecta o respectivo consumo.) Além disso, as políticas podem interferirnos processos cognitivos dos consumidores, ao imporem fortes mensa-gens dissuasoras do consumo (como se generalizou nas embalagens dotabaco), mesmo sem alterarem as restrições financeiras dos consumidores.

A poupança, por seu turno, responde às variações das taxas de juroinfluenciadas por políticas públicas. Certos mecanismos, como o das op-ções automáticas (default options), em que, se o visado nada fizer, entraránum determinado plano de pensões, têm também impacto comporta-mental, contrariando a ideia restritiva de que as escolhas dos consumi-dores só dependem das respectivas preferências, da informação e das res-trições que as condicionam (Bernheim et al. 2005).

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O envelhecimento contra o Estado-Providência

Envelhecimento e Estado-Providência

Pelas razões invocadas atrás e outras, o mundo desenvolvido discutehá muitos anos as consequências do envelhecimento demográfico sobreo Estado-Providência, tal como foi edificado após a Segunda GuerraMundial. No coração das preocupações dos governos e dos cidadãosestão as despesas sociais, designadamente com a saúde e, principalmente,com as pensões de velhice, de que o factor demográfico se tornou umacelerador descontrolado.

Reforma dos sistemas de pensões e poupança

Na Europa, as políticas públicas encararam o problema desde o iníciodo século, assumindo-se entre todos os Estados membros da UE umcompromisso de elevação gradual da idade efectiva de reforma, no qua-dro das novas estratégias de envelhecimento activo então adoptadas. As-sistimos de então para cá ao desenvolvimento de reformas dos sistemasde pensões, cujos objectivos gerais são:

• Assegurar aos idosos um nível de vida decente e permitir-lhes par-ticipar activamente na vida pública, social e cultural, garantindopensões adequadas para todos;

• Garantir um elevado nível de emprego, tal que a taxa de dependên-cia possa ser a mais favorável possível;

• Incentivar a permanência em actividade dos mais idosos;• Controlar a despesa pública com pensões, fixando-a numa percen-

tagem do PIB compatível com o Pacto de Estabilidade e Cresci-mento;

• Atingir um equilíbrio equitativo entre activos e reformados, atravésde ajustamentos adequados dos níveis de contribuição e impostose dos montantes das pensões auferidas.

• Assegurar, através da actividade reguladora dos Estados, a viabili-dade dos esquemas de pensões privadas;

• Compatibilizar os sistemas de pensões com os requisitos de flexibi-lidade, segurança e mobilidade dos mercados de trabalho.

Incentiva-se a introdução de esquemas de capitalização para articularo montante do benefício recebido com a demografia e o desempenhoda economia. A ideia é limitar a pensão de benefício definido a um mon-tante máximo, relativamente pouco elevado. Haverá depois uma segunda

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pensão, esta de contribuição definida, cujo montante deve ser determi-nado de forma sustentável face às flutuações da demografia, da economiae dos mercados financeiros.

A delicadeza das reformas em causa advém, em boa medida, da im-portância da pensão no rendimento disponível dos pensionistas e suasfamílias. Estudos da OCDE sobre o tema indicam que, na generalidadedos países da UE, entre 50 e 75% do rendimento disponível dos idososé assegurado por transferências públicas – pensões e outros benefíciossociais. Em Portugal, tal percentagem ronda os 60% (OCDE 2009).

Na perspectiva da sustentabilidade da segurança social, as reformasdos sistemas de pensões colocam principalmente os problemas de ordemcomportamental que discutimos na secção anterior: como suscitar a mo-tivação individual e colectiva certa numa população cada vez mais enve-lhecida para a criação de mais reservas através de poupança, aceitandoao mesmo tempo os aumentos indispensáveis dos níveis de contribuiçãosocial e/ou da carga fiscal, tudo com o objectivo de diferir, de uma ma-neira ou de outra, maiores parcelas de rendimento para a longa terceiraidade das gerações sucessivas.

Quanto a Portugal, o que sabemos sobre a poupança das famílias,quando relacionada com a idade dos seus membros, levanta muitas in-quietações. Em trabalho recente divulgado pelo Banco de Portugal podeobservar-se que o rendimento das famílias portuguesas apresenta «um per-fil em forma de bossa (figura do lado esquerdo do gráfico 6.1) ao longodo gradiente etário, com o maior rendimento familiar a ser registado paraos escalões entre os 45 e os 54 anos, [e] a poupança aumenta até ao escalãoetário de 55 a 64 anos e diminui posteriormente» (Alves et al. 2010, 54).

Os limites deste estudo, que são sublinhados pelos autores, decorremdo facto de que se comparam pessoas de diferentes gerações e, portanto,em diferentes fases do ciclo vital respectivo, sem que nada garanta queos mais novos terão no futuro comportamento semelhante ao chegaremà idade dos mais velhos do momento de observação. O efeito de idadeestá misturado com o efeito de coorte e apenas podemos especular sobreo impacto de um e outro.

Não obstante tais limitações, é sugestivo que o estudo revele a quedada despesa nos escalões etários mais elevados, provavelmente associadaa despesas que deixam de ser realizadas na idade de reforma (transportespara o local de trabalho, restauração...), bem como ao facto de os indi-víduos tenderem a não poupar o suficiente para a fase não activa doseu ciclo de vida, obrigando à redução do nível de consumo, o quepode dever-se a miopia económica e à edificação do nosso sistema uni-

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O envelhecimento contra o Estado-Providência

versal de segurança social, que prometeu mais do que está a dar efecti-vamente.

Ao mesmo tempo, evidencia-se uma associação muito estreita entreo consumo e o rendimento ao longo do ciclo vital, contrariando a ideiado rendimento permanente do ciclo de vida, em que os indivíduos ali-sam o nível de despesa no decurso das suas vidas, como a teoria estipula.Tal pode dever-se a um efeito de período em resultado das alterações nacomposição dos agregados familiares associadas ao envelhecimento de-mográfico (mais adultos longevos e menos crianças e jovens em cada mo-mento), como é sugerido, por o perfil em forma de bossa desaparecerquando o rendimento e a despesa são transformados pela escala de equi-valência da OCDE (atribuindo um peso de 1 ao primeiro adulto do agre-gado familiar, 0,5 aos restantes adultos e 0,3 a cada criança – figura dolado direito do gráfico 6.1).

Em suma, o que vimos discutindo sobre o comportamento individuale das gerações em perspectiva do ciclo vital não é isolável do tempo his-tórico em que cada indivíduo vive a sua vida, onde ocorrem simultanea-mente o puro efeito de coorte, partilhado com os que nasceram no mesmointervalo de tempo, e o puro efeito de período, comum a todos os pre-sentes no período de observação, seja qual for a geração a que pertençam,para além do puro efeito de idade que o modelo de ciclo de vida procuraanalisar isoladamente.1

O momento em que cada indivíduo nasce

Cada pessoa partilha com os que nasceram no mesmo intervalo detempo, a sua geração, referências que são constitutivas da sua própriapersonalidade e do modo de vida que vai experimentando entre contem-porâneos – através da família, da escola, do trabalho, das instituições pú-blicas, do convívio social, etc. Cada geração envelhece de modo próprio,isto é, diferentes gerações podem envelhecer diversamente, ainda que,em cada uma delas, os seus membros, ao percorreram o ciclo vital res-pectivo, desenvolvam comportamentos e atitudes que são marcados pelafase irrepetível de vida que experimentam no tempo em que as suas vidassão vividas.

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1 Por isso, o facto empírico de a taxa de poupança continuar a ser positiva até ao finaldo ciclo de vida pode relacionar-se com a possibilidade de ocorrerem despesas inesperadas(motivo de precaução) ou com o desejo de deixar heranças aos descendentes (motivo di-nástico), o que obriga a tornar mais complexo o modelo tradicional de rendimento per-manente do ciclo de vida.

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As representações sociais sobre as diversas fases do ciclo vital indivi-dual são estruturantes do modo como as sociedades e os seus membros,individualmente considerados, se vêem a eles próprios. As atitudes e com-portamentos socialmente preestabelecidos (valores e regras codificados)para as crianças, os jovens, os adultos e, muito especialmente, os senioressão parte essencial da cultura de cada sociedade.

A sociedade portuguesa parece estar a viver uma mudança importantea respeito da velhice, que consiste na passagem de uma representaçãounidimensional dominante da «terceira idade», caracteristicamente asso-ciada à inactividade e reforma (iniciada simbolicamente com os 65 anosda idade legal de reforma), para representações plurais da velhice que in-cluem o «envelhecimento activo» (acima dos 65 anos, com a aberturalegal do direito à pensão de reforma), a «quarta idade» dos muito idosos(acima dos 75 ou 80 anos), onde mais incidem as doenças típicas das ida-

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Gráfico 6.1– Rendimento, despesa e poupança das famílias em 2005-2006

Fonte: Alves et al (2010, 54).

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Rendimento Despesa Poupança

Rendimento, despesa e poupança totaisdas famílias

Rendimento, despesa e poupançatransformados pela escala de equivalênciamodificada da OCDE (1,0 – primeiro adulto do agregado familiar,0,5 – restantes adultos e 0,3 – cada criança)

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O envelhecimento contra o Estado-Providência

des mais avançadas (por exemplo, as demências) e as dependências pro-longadas, para além de muitas situações intermédias e correspondentesrepresentações fragmentárias. O que arrasta um efeito de período quepoderá ser significativo.

A contemporaneidade de diferentes gerações presentes, cujos mem-bros vivem no seu tempo próprio as diversas fases do ciclo vital, leva aque haja representações da velhice ainda mais variadas em cada mo-mento, em resultado da perda de predomínio da representação unidi-mensional da velhice como terceira idade. Ao efeito de período pode,assim, juntar-se o efeito de coorte, que irá conjugar-se com o puro efeitode idade, marcando as decisões colectivas mais importantes a respeitodas políticas públicas sobre a educação, o trabalho, a protecção social ea saúde, através da dialéctica intergeracional, que influencia a formaçãoda opinião pública e o voto nas eleições.

Riqueza e risco

As sociedades contemporâneas estão organizadas em torno de doisgrandes processos colectivos, um relativo à riqueza e o outro ao risco.

Criar e distribuir riqueza é um processo social cooperativo e, aomesmo tempo, conflituante em que os indivíduos participam em cadamomento segundo a coorte a que pertencem, influenciados pelas repre-sentações sociais prevalecentes a este respeito. Na segunda metade do sé-culo XX firmou-se o estereótipo das «três idades», que marcou as repre-sentações dominantes:

• Crianças e jovens inactivos (durante cada vez mais anos): benefi-ciários líquidos da criação/distribuição de riqueza, enquanto ob-jecto do investimento social em saúde, educação e formação paraelevar a criação de riqueza futura;

• Adultos em actividade: contribuintes líquidos, enquanto sujeitosdo processo actual de criação/distribuição da riqueza, que devemantecipar a incerteza do seu próprio envelhecimento em duas di-recções – investindo nos jovens inactivos e, ao mesmo tempo, to-mando precauções para sobreviverem por si próprios a partir domomento em que não possam continuar a criar riqueza;

• Velhos inactivos (com o início desta idade cada vez mais tardio):beneficiários líquidos da criação/distribuição da riqueza, através dasprecauções próprias (tomadas na fase activa) e das solidariedades in-tergeracionais para sobreviverem na fase final do ciclo vital.

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Enfrentar riscos tem também uma evidente dimensão social, falando--se, a este propósito, de «sociedade de risco» como paradigma das socie-dades actuais (Beck 1992), em que certas eventualidades de ocorrênciaincerta, antes sofridas individualmente por cada pessoa e/ou família, sãogeridas colectivamente como riscos calculados, designadamente atravésdo Estado-Providência e dos sistemas de protecção e políticas sociais.

A posição de cada indivíduo na sociedade contemporânea tende a de-finir-se cada vez mais por duas coordenadas: (1) a parte de riqueza a queacede e (2) a protecção dos riscos de que goza. Os estereótipos unidimen-sionais do passado recente (ricos/pobres ou velhos/novos) perdem opera-cionalidade para compreendermos o mundo, que nos confronta com novosestereótipos da situação face à criação da riqueza e aos riscos sociais simul-taneamente (pessoas e gerações activas/inactivas e protegidas/excluídas).

Ao mesmo tempo, o estereótipo das três idades face à actividade/inac-tividade económica entra em dissolução, pois a relação dos indivíduoscom a actividade deixa de seguir o velho padrão. Agora pode haver en-tradas e saídas do mercado de trabalho, mergulhos na educação e forma-ção (aprendizagem ao longo da vida), experiências de segundas e terceirascarreiras profissionais e prestação de trabalho voluntário à sociedade emtodas as fases do ciclo vital, que baralham a antiga ordem.

Em termos agregados, as tendências que se manifestam nos comporta-mentos sobrepostos de diferentes gerações presentes têm resultados sobre autilização dos recursos públicos, marcados pelo peso numérico e pelas re-presentações sociais de cada uma. No caso português, atente-se na evoluçãode certas despesas públicas no século XXI, que figuram no quadro 6.1.

A despesa total de protecção social subiu desde 2000 em dois pontospercentuais, atingindo os 25% do produto, e as pensões passaram de 45%para metade da despesa total. Em contraponto com esta evolução, subli-nhe-se a estabilização, ou ligeiro recuo, dos gastos totais com o sistemaeducativo, confirmada na primeira década do século.

O envelhecimento demográfico em Portugal, que resultou da quedacontinuada da fecundidade e do aumento sustentado da longevidade dosindivíduos (com mais ou menos perturbações migratórias), recolocou emnovos termos o posicionamento dos indivíduos e das gerações no sistemade coordenadas de riqueza e protecção contra riscos sociais. É este enve-lhecimento que cria a tensão e a potencial fractura entre as gerações pre-sentes, que vivem contemporaneamente fases distintas do ciclo vital:

• Os velhos inactivos actuais (pertencendo a gerações sucessivas cadavez mais numerosas, à medida que o tempo passa) tendem a resistir

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O envelhecimento contra o Estado-Providência

para preservar os níveis de protecção elevados que o Estado-Provi-dência lhes proporcionou através da solidariedade intergeracionalaté agora;

• Os jovens inactivos actuais (de gerações sucessivas cada vez menosnumerosas) solicitam mais investimento nas suas qualificações,constatando muitas vezes que elas são mal adaptadas aos mercadosde emprego;

• Os activos actuais (de gerações cada vez menos numerosas, tambémeles) reagem ao esforço contributivo crescente que lhes é exigido.

Em perspectiva transversal, observando diversas coortes no mesmo pe-ríodo de tempo, com atitudes e comportamentos sociais que evoluemsegundo as fases do ciclo vital e que são influenciados pelo tempo histó-rico em que tudo se passa (combinação de efeitos de idade e de período),os alinhamentos geracionais que resultem da adesão das diversas coortesa diferentes representações sociais sobre a velhice podem ter impacto de-cisivo quando é tomada uma decisão colectiva.

No ano de 2007, as despesas de protecção de segurança social, os cui-dados de saúde e as políticas de educação dão o seguinte panorama dadialéctica intergeracional condicionante da decisão colectiva sobre polí-ticas sociais em Portugal (Mendes 2011), observando-se que:

• Em proveito da geração mais jovem, de crianças e jovens inactivosforam mobilizados cerca de 9% do PIB, dos quais 5% relativos àeducação;

• Em proveito da geração idosa foram financiados benefícios e cui-dados que totalizaram cerca de 14% do PIB;

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Quadro 6.1 – Despesas de protecção social e de educação em Portugal (2001-2007)

AnosDespesas de Pensões de velhice Doença e

protecção social e sobrevivência cuidados de saúde Despesas de educação

(em % PIB) (em % despesas (em % despesas (em % PIB)de protecção social) de protecção social)

2001 22,7 45,8 31,3 5,62002 23,7 45,4 30,9 5,52003 24,1 46,2 28,8 5,62004 24,7 47,1 30,7 5,32005 25,4 48,0 30,1 5,42006 25,4 49,2 29,2 5,32007 24,8 50,1 28,3 5,3

Fonte: Eurostat, The Social Situation in the European Union, 2009.

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• Os fluxos entre elementos das gerações activas retêm 8% do PIB.

É, pois, relativamente reduzida a dimensão do investimento sócio--demográfico nas gerações jovens perante a parcela mais substancial daprotecção dos seniores (por comparação, refira-se que o Estado-Provi-dência na Suécia investe nas crianças e jovens inactivos e nos idosos idên-ticas fracções do PIB, de cerca de 13%).

Além disso, o legado institucional a que poderão aspirar as geraçõesvindouras (não presentes) está onerado pela elevada dívida pública cons-tituída, a que acrescem outras despesas com que o Estado se comprome-teu entretanto, relativas a investimentos infra-estruturais em regime deparceria público-privada, bem como as consequências do endividamentodas próprias famílias.

Percepções sobre o Estado-Providência

Definido o quadro de preocupações no vasto tema das relações entreo envelhecimento das populações e o Estado-Providência, nesta secçãoanalisam-se algumas das principais respostas do Inquérito Social Europeude 2008, ESS – European Social Survey, cujas questões foram integradasno módulo sobre as atitudes perante o Estado-Providência.2

Nesta secção a análise incide sobretudo sobre a percepção dos indiví-duos face ao Estado-Providência em Portugal, procedendo-se, sempreque possível, à comparação com outros países participantes no inquérito,em especial com aqueles que são tradicionalmente incluídos no chamadomodelo social europeu mediterrânico, como a Espanha e a Grécia.

No módulo mencionado do inquérito foram colocadas diversas ques-tões sobre os efeitos dos benefícios e serviços sociais nas diferentes áreasda vida dos cidadãos, designadamente na protecção social relativa àdoença, nos cuidados de saúde, nas pensões e noutras coberturas de se-gurança social. As questões decisivas sobre a apreciação positiva ou ne-gativa dos benefícios sociais que eles fazem estão desdobradas em múl-tiplos aspectos reveladores das percepções e representações dos cidadãosa respeito do Estado-Providência.3

2 ESS, round 4. O Inquérito Social Europeu, ESS, foi realizado pela primeira vez emPortugal em 2008.

3 Esses múltiplos aspectos estão patentes no inquérito através de várias questões, no-meadamente: «Diga-nos em que medida concorda ou discorda dos benefícios e serviçossociais no seu país... (a) implicam um grande esforço na economia; (b) previnem a difusão

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Os portugueses face ao Estado-Providência

Em termos sintéticos, apresentamos de seguida o panorama que re-sulta da análise das respostas às questões seleccionadas entre várias domódulo (CARD 30) em Portugal, comparando-as com as respostas obti-das em Espanha e na Grécia.4

A maioria dos inquiridos em Portugal (1261 indivíduos, num totalde 2225), independentemente da faixa etária, concorda com a atribuiçãodos benefícios sociais para precaver situações de pobreza.5 Os benefíciossociais, isto é, as pensões, os cuidados de saúde e outros benefícios, sãovistos como medidas de prevenção da pobreza na sociedade por cercade 57% dos respondentes em Portugal. No entanto, a percentagem deindivíduos cuja opinião não é definida (21%) eleva-se quase ao mesmonível dos indivíduos que partilham a opinião discordante (22%), isto é,que consideram que tais medidas não contribuem para a redução da po-breza. O quadro 6.2 apresenta o total de distribuição de frequências dascinco categorias de resposta à questão sobre a concordância da utilidadedos benefícios sociais para precaver a pobreza (nas colunas), bem comoa distribuição das frequências segundo quatro faixas etárias (15-30; 31--64; 65-79; + 80 anos), que devem ser lidas em coluna, quer para Portugal,quer para a Espanha e a Grécia.

A situação em Portugal é sensivelmente idêntica à observada na Gré-cia, onde as opiniões concordantes são cerca de 58% do total dos inqui-ridos em cada país. Em Espanha há 53% do total dos inquiridos com amesma percepção positiva, observando-se neste país a maior percentagemde indivíduos cuja opinião é discordante – 29% dos respondentes dis-cordaram da afirmação de que os benefícios sociais previnem situaçõesde pobreza. A percentagem de indivíduos cuja opinião não é definidasitua-se em 18% em Espanha e 23% na Grécia, estando, portanto, o nossopaís numa posição intermédia quanto à indefinição de opinião.

Ao considerarmos a idade dos respondentes, observa-se em Portugal,tal como nos restantes países em análise, que a faixa etária dos 31-64 anos

da pobreza; (c) conduzem a uma sociedade mais igualitária; (d) incentivam as pessoas deoutros países a deslocarem-se e a viverem aí; (e) acarretam elevados custos às empresasdevido aos impostos e taxas associados; (f) tornam mais fácil conciliar o trabalho com avida familiar; (g) fazem as pessoas menos activas; (h) fazem com que as pessoas se preo-cupem menos com «o outro»; (i) fazem com que as pessoas tomem menos conta de sipróprias e das suas famílias?

4 Seguiu-se a metodologia comparativa usada por Vala et al. (2010).5 Questão D22.

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é aquela onde os indivíduos concordam em maior número com a atri-buição dos benefícios sociais para precaver a pobreza (28,5% de 2225 in-quiridos em Portugal, 29,8% de 2470 inquiridos em Espanha e 36% de2029 inquiridos na Grécia). Em Portugal, dos 22% dos respondentes (452+ 39) que discordam da utilidade dos benefícios sociais sobre a diminui-ção da pobreza, apenas 11% (252 sobre 2225) do total são da faixa etáriados 31-64 anos. Percentagens idênticas são também registadas na Gréciarelativamente aos indivíduos desta faixa etária que discordam da utilidadedos benefícios sociais para precaver a pobreza. No entanto, tanto em Es-panha como na Grécia a concordância ou discordância relativamente à

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Quadro 6.2 –Utilidade dos benefícios sociais para precaver a pobreza em Portugal, Espanha e Grécia: distribuição de frequências(%) e total de frequência por faixa etária

Faixa etária Concordam Concordam (4) Não concordam Discordam (2) Discordam Totalcompletamente (1) nem discordam (3) completamente (1)

Portugal15-30 14% 17% 18% 19% 13% 38931-64 52% 50% 49% 51% 51% 111865-79 29% 25% 26% 21% 33% 553+ 80 5% 7% 8% 9% 3% 165

Total 160 1101 473 452 39 2225

Espanha15-30 22% 22% 26% 26% 22% 58331-64 54% 57% 53% 56% 61% 138665-79 19% 15% 17% 15% 12% 384+ 80 5% 6% 4% 3% 6% 117

Total 214 1092 436 548 180 2470

Grécia15-30 22% 23% 21% 19% 30% 45331-64 64% 63% 61% 59% 61% 125465-79 12% 13% 15% 19% 8% 282+ 80 2% 1% 3% 3% 1% 40

Total 343 829 467 314 76 2029

Nota. O teste do qui-quadrado, em que se consideram as seguintes hipóteses: H0 – a concordânciaou discordância relativamente à questão colocada é independente do grupo etário; H1 – a concor-dância ou discordância relativamente à questão colocada não é independente do grupo etário, evi-dência que não pode rejeitar H0 para os dados de Portugal, pois o valor observado da estatística doteste x2 = 2,84 é inferior ao valor crítico a 95% de 7,81.. No entanto, o mesmo teste para os dadosda Espanha e da Grécia permite rejeitar H0, pois as estatísticas dos testes respectivos são superioresaos valores críticos da tabela do qui-quadrado a 95%. Fonte: ESS, round 4, e cálculos dos autores.

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questão colocada sobre se os benefícios sociais contribuem para a reduçãoda pobreza parece não ser independente do grupo etário, de acordo comevidência dos testes de qui-quadrado realizados e constantes do anexo.

Em Portugal são as faixas etárias mais jovens (15-30 anos) e muito ido-sas (80 e mais anos de idade) que apresentam as frequências de respostasmais baixas relativamente ao efeito positivo dos benefícios sociais na po-breza segundo a leitura das colunas (1 e 2) do quadro 6.2 relativas às ca-tegorias de respostas concordantes com a questão da utilidade dos bene-fícios sociais segundo as diversas faixas etárias. Em Espanha e em Françasão as faixas etárias mais idosas que mostram frequências de respostas in-feriores quanto a esse efeito. As pensões geralmente de montantes maisreduzidos dos indivíduos de idade superior a 80 anos pesam, provavel-mente, nesta avaliação subjectiva que fizeram do objectivo destes bene-fícios sociais nestes países. Em termos comparativos, constata-se que éem Portugal que os jovens inquiridos são menos peremptórios quantoao cumprimento do objectivo da prevenção da pobreza por via da atri-buição dos benefícios sociais (9,6% dos inquiridos, ou seja, 214 dos 2225inquiridos).

O que pode influenciar as atitudes?

A análise da opinião das diferentes gerações em relação aos efeitosdos benefícios sociais pode ser enriquecida com o cruzamento de outrasvariáveis, como sejam o estado civil, o grau de satisfação com a vida emgeral e o interesse pela política, que podem ser responsáveis por calibraras percepções reveladas no inquérito. Assim, no quadro 6.3 é apresentadoo perfil dos respondentes em termos de estado civil, satisfação com avida e o grau de interesse pela política, uma vez que se cruzam estes ele-mentos caracterizadores do perfil dos inquiridos com as categorias dasrespostas relativas à concordância com a utilidade dos benefícios sociaispara precaver a pobreza. As distribuições de frequências neste quadro sãoapresentadas em linhas de acordo com o perfil dos inquiridos (casados,satisfação extremamente elevada com a vida ou extremamente interes-sado pela politica), constando na última coluna as frequências do perfildos inquiridos.

Em Portugal cerca de 57,7% dos indivíduos inquiridos casados têmopinião concordante acerca dos efeitos positivos dos benefícios sociais(7,4% concordam completamente e 50,3% concordam). Os apoios sociaisconsubstanciados em benefícios fiscais, subsídios e abonos familiaresusufruídos durante a vida poderão estar na base dessa convicção.

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De referir que no quadro 6.3, em relação à variável «satisfação com avida», apenas se apresentaram as respostas referentes às três categorias(mais elevada, média e mais baixa). Apesar deste facto, a observação dasfrequências destas categorias parece indicar que, quanto maior o grau desatisfação com a vida em geral, maior o alinhamento dos indivíduos in-quiridos quanto à apreciação positiva dos efeitos dos benefícios sociaisna redução da pobreza. E, inversamente, quanto menor o grau de satis-fação com a vida em geral, menor esse mesmo alinhamento. No entanto,do total de indivíduos que afirmam ter uma satisfação com a vida média,a frequência é superior para aqueles que concordam com o efeito dosbenefícios sociais na precaução da pobreza.

Dos inquiridos extremamente interessados na política, é mais elevadaa frequência das respostas que concordam com o efeito dos benefíciossociais na prevenção da pobreza (57% dos inquiridos extremamente in-teressados na política, contra 31% que discordam da afirmação de queos benefícios sociais contribuem para a prevenção da difusão da pobreza).Porém, existe uma percentagem significativa de 69% de respondentesque se dizem dificilmente ou não interessados na política, mas que con-cordam com a afirmação de que os benefícios sociais contribuem para aprevenção da pobreza.

Justiça social, atractividade dos países e pro-actividade dos cidadãos

A atribuição de benefícios sociais aos cidadãos tem como finalidadenão só erradicar a pobreza, como também tornar a sociedade mais justa.Por outro lado, as características destes benefícios poderão fixar pessoasem determinados países para aí usufruírem dos mesmos. Noutros casospoderão ter a consequência de tornarem as pessoas menos activas e mais«subsidiodependentes».

Como mencionado anteriormente, no inquérito são colocadas diver-sas questões relativamente a estes ângulos de análise, perguntando-se aosinquiridos se concordam com a afirmação de que os benefícios sociaisconduzem a uma sociedade mais justa, se os mesmos funcionam comofactores de atracção para viverem no país e se a sua existência torna sim-plesmente as pessoas menos activas. No quadro 6.4 são apresentadas asdistribuições de frequências em linhas e para cada uma das categorias deresposta em colunas (1 – concordam completamente; 2 – concordam;... ;5 – discordam completamente).

Uma análise comparativa das respostas em Portugal, Espanha e Gréciamostra que é em Portugal que os respondentes concordam menos com

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a afirmação de que uma sociedade será mais justa pelo facto de existirembenefícios sociais (54%). Em Espanha e na Grécia encontramos distri-buições de frequências superiores, 56% e 60%, respectivamente. É tam-bém nestes dois países que os respondentes julgam que os benefícios so-ciais aliciam mais os indivíduos para viverem nos respectivos países (57%e 41% dos respondentes concordam completamente ou concordam coma ideia). Portugal apresenta apenas 41% de respostas favoráveis relativa-mente a esta perspectiva.

Quanto à influência dos benefícios sociais na pró-actividade dos ci-dadãos, Portugal apresenta uma percentagem de respondentes mais ele-vada do que os restantes países quanto ao efeito de os benefícios sociaisimplicarem um comportamento menos activo dos indivíduos. Enquanto42% dos respondentes concordam, 33% discordam em Portugal. Em Es-panha o número dos respondentes que concordam é quase idêntico ao

Quadro 6.3 – Benefícios sociais segundo o estado civil, a satisfação da vida e o interesse pela política em Portugal: distribuição de frequências (%) e total de frequências

Concordam Concordam (2) Não concordam Discordam (4) Discordam Totalcompletamente (1) nem discordam (3) completamente (5)

Estado civilCasado 7,4% 50,3% 22,6% 18,4% 1,4% 1247Separado 3,7% 55,6% 14,8% 22,2% 3,7% 27Divorciado 8,1% 48,6% 14,2% 27,0% 2,0% 148Viúvo 7,5% 49,2% 20,9% 20,2% 2,2% 321Solteiro 6,5% 47,4% 20,8% 23,1% 2,3% 477

Satisfação com a vida Extremamente elevada

10,9% 60,9% 15,6% 12,5% 0,0% 64

Média (5) 6,9% 48,9% 24,1% 18,1% 2,0% 403Extremamente baixa

16,3% 57,1% 12,2% 10,2% 4,1% 49

Grau de interesse na políticaExtramente interessado

10,9% 46,4% 11,8% 25,5% 5,5% 110

Interessado 7,0% 51,2% 20,7% 19,7% 1,4% 588Dificilmente interessado

5,6% 46,6% 24,9% 21,6% 1,3% 712

Não interessado 8,3% 51,1% 19,8% 18,9% 2,0% 809

Nota. No teste do qui-quadrado, relativamente aos dados do estado civil, da satisfação com a vidae do grau de interesse na política, o valor observado da estatística do teste e p-value não permitemrejeitar H0.Fonte: ESS, round 4, e cálculos dos autores.

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dos que discordam, uma vez que 40% dos respondentes concordam e38% discordam. Na Grécia, a situação é oposta, pois 61% dos inquiridosdiscordam da ideia de que os benefícios sociais fazem as pessoas menosactivas e apenas 18% concordam com o efeito de menor pró-actividadepelo facto de existirem benefícios sociais.

Quadro 6.4 – Opinião sobre a utilidade dos benefícios sociais em termos de justiça social, atracção a viver no país e tornar as pessoas menos activas: distribuição de frequências (%)

Questões

Concordam (2) Discordam (4) Totalinquiridas Concordam Não concordam Discordam(D23, D24 completamente (1) nem discordam (3) completamente (5)e D27)

PortugalA existência de benefícios sociais conduz a uma sociedade mais justa

7,24% 46,42% 23,69% 20,32% 2,32% 100%

A existência de benefícios sociais atrai pessoas a viverem no país1,97% 39,19% 23,69% 29,9% 5,25% 100%

A existência de benefícios sociais implica que as pessoas sejam menos activas6,48% 35,79% 24,53% 28,64% 4,56% 100%

EspanhaA existência de benefícios sociais conduz a uma sociedade mais justa

10,41% 45,65% 20,16% 18,41% 5,37% 100%

A existência de benefícios sociais atrai pessoas a viverem no país20,69% 46,45% 17,73% 14,6% 0,53% 100%

A existência de benefícios sociais implica que as pessoas sejam menos activas10,79% 29% 21,99% 30,29% 7,93% 100%

GréciaA existência de benefícios sociais conduz a uma sociedade mais justa

19,86% 40,61% 20,85% 14,51% 4,16% 100%

A existência de benefícios sociais atrai pessoas a viverem no país11,96% 39,3% 28,39% 17,19% 3,17% 100%

A existência de benefícios sociais implica que as pessoas sejam menos activas3,55% 14,5% 21,01% 41,96% 18,98% 100%

Nota. O teste do qui-quadrado (H0: grupos homogéneas de proporção igual a 20%; H1: grupos deproporção diferente de 20%) permite rejeitar H0 para todos os países em relação à questão de a exis-tência de benefícios sociais conduzir a uma sociedade mais justa. Em relação à questão de os bene-fícios sociais atraírem as pessoas a viverem no país, apenas para os dados da Espanha se rejeita a H0.Para a questão sobre a existência de benefícios sociais implicar que as pessoas sejam menos activas,o teste não permite rejeitar H0 de que os grupos são homogéneos.Fonte: ESS, round 4, e cálculos dos autores.

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Percepção da eficácia dos benefícios sociais

Para aprofundarmos a análise procedemos à construção de um mo-delo que toma a variável dependente como a percepção da eficácia dosbenefícios sociais para precaver situações de pobreza 6 e ensaia como va-riáveis independentes ou explicativas as seguintes características dos in-divíduos, usadas como regressores (quadro 6.5).

Quando a variável dependente é discreta e ordenada, não é correctoutilizar a regressão linear estimada pelo método dos mínimos quadradospara estimar o modelo. Por conseguinte, aplica-se nesta secção uma me-todologia apropriada, que se baseia no método de máxima verosimi-lhança por via da aplicação de proportional odds model.

O modelo é construído a partir de uma relação linear entre uma va-riável latente contínua, Yi

* , e um vector de regressores, xi– (k x 1):

Yi* = βτxi

– + εi

em que β é um vector de parâmetros (k x 1), εi é o termo de erro e i=1, ... N.Apesar de não se conseguir observar Yi

*, estimamos as categorias se-guintes das respostas:

Quadro 6.5 – Variáveis independentes ou regressores

Variável Descrição

Activos 3164 Dummy - idade entre os 31 e os 64 anos (população activa)Reformados 65-80 Dummy - idade entre os 65 e os 80 anos (terceira geração)Reformados + 80 Dummy - idade superior a 80 anos (quarta geração)Educação Número de anos de educaçãoHomem Dummy - masculino (1)Satisfação vida Dummy - grau máximo de satisfação com a vida (1)Esquerda Dummy - filiação ideológica a um partido da esquerda (1)

6 A variável usada como variável dependente resulta do inquérito (Sbprvpv).

1 se y* ≤ e12 se e1 ≤ y* ≤ e23 se e2 ≤ y* ≤ e34 se e3 ≤ y* ≤ e4

...J se e5j–1 ≤ y*

y =

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em que os ej (j = 0,..., J –1) são limites desconhecidos dos intervalos quevão ser estimados juntamente com o vector β.

Foram calculados logaritmos naturais da razão de probabilidades 7

(odds ratio) para os países analisados, Portugal, Espanha e Grécia,8 e tam-bém para o conjunto dos países participantes no inquérito.

Considerando os resultados de Portugal, a probabilidade da eficáciados benefícios sociais para precaver situações de pobreza poderá tendera aumentar em 5% quando os inquiridos pertencem à faixa activa e em20% quando os inquiridos são masculinos. A probabilidade de opiniãomais positiva entre estes dois elementos é superior em 0,37 vezes ou 0,85para os indivíduos que estão mais satisfeitos com a vida em geral ou seconsideram mais ligados a um partido político de esquerda, respectiva-mente, considerando as restantes variáveis constantes.

Na Espanha e na Grécia, a probabilidade da eficácia dos benefíciossociais para precaver situações de pobreza diminui comparativamente aPortugal quando se considera a faixa da população activa. É na Gréciaque se regista um maior aumento da probabilidade quando se considerao grau de satisfação dos indivíduos em relação à satisfação com a vida eda sua filiação ideológica à esquerda.

A probabilidade é superior em Espanha e em Portugal, quando seconsidera o contributo de um maior número de anos de educação, com-parativamente com a Grécia.

Quando se aplica o modelo a todos os países participantes no inqué-rito, ele apresenta melhores resultados em termos de significância das va-riáveis analisadas. Os factores que mais contribuem para o aumento daprobabilidade de percepção positiva relativamente aos efeitos dos bene-fícios sociais na prevenção da pobreza são o grau de satisfação com avida e a filiação ideológica a um partido da esquerda. Sem embargo, noconjunto de indivíduos em idade activa entre 31 e 65 anos de idade, aprobabilidade de uma resposta concordante aumenta em 5%, conside-rando as restantes variáveis como constantes.

No modelo, com todos os dados dos países inquiridos, as razões deprobabilidades mais elevadas nas faixas etárias dos 31-64 anos, face às ra-

7 A razão de probabilidades tem uma interpretação sugestiva. Num modelo binomi-nal, se as probabilidades dos acontecimentos Y = 1 e Y = 0 fossem, respectivamente, 0,8e 0,2, dir-se-ia que «as chances são de 4 para 1» em favor da verificação do acontecimentoa que corresponde Y = 1.

8 No caso dos países individualmente, a amostra de dados reduzida condiciona a ob-tenção dos resultados do modelo, devendo os odds ratios ter uma interpretação meramenteindicativa devido à reduzida significância estatística para algumas variáveis.

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zões das faixas etárias dos 65-80 anos e da faixa etária mais idosa (80 emais anos), mostram que a probabilidade de uma resposta mais positivaquanto ao efeito dos benefícios sociais para combater a difusão da pobrezatende a decrescer com o avanço da idade. Os seniores apresentam-se, pro-vavelmente, mais cépticos a respeito dos benefícios mencionados do queos detentores de menos idade na perspectiva da erradicação da pobreza.

Este resultado sugere que o envelhecimento da população será umfactor importante na percepção dos efeitos dos benefícios sociais e quea positividade da representação destes quanto ao impacto na prevençãoda pobreza tende a ser reduzida, em termos agregados, com o aumentodo peso relativo dos grupos etários mais idosos. A sobreposição de efeitosde idade e de período na população analisada aconselha, porém, umainterpretação prudente dos resultados desta abordagem de coortes devidoà própria dimensão da amostra associada a cada país.

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Quadro 6.6 – Razão de probabilidades dos benefícios sociais para precaver a pobreza

PaísesPortugal Espanha Grécia Paises Todos

mediterrânicos os paises

Odds P-value Odds P-value Odds P-value Odds P-value Odds P-valueratio ratio ratio ratio ratio

Activos 1,056 0,70 0,941 –0,60 0,903 0,40 0,921 0,23 0,933 0,00Reformados 65-801,037 0,83 0,912 –0,61 1,053 0,76 0,961 0,66 0,863 0,00Reformados + 80 1,195 0,41 0,751 –1,25 1,228 0,53 0,985 0,91 0,802 0,00Educação 1,012 0,31 1,012 1,21 0,969 0,02 1,001 0,90 0,984 0,00Homem 1,201 0,06 1,176 1,95 1,004 0,96 1,126 0,02 0,952 0,01Satisfação 0,372 0,02 1,033 0,07 2,031 0,05 0,974 0,91 1,365 0,00Esquerda-direita 0,853 0,73 0,690 –1,36 1,642 0,18 0,978 0,91 1,105 0,09

/cut1 –2,349 –2,200 –1,950 –2,063 –2,541/cut2 0,517 0,288 –0,063 0,258 –0,038/cut3 1,521 1,026 1,086 1,185 0,950/cut4 4,334 2,861 2,948 3,186 2,926

L –1875,6 –2728 –2362,6 –7084 –62012Numero de obs. 1505 1970 1677 5152 46005Wald chi2 (7) 11,9 10,17 20,32 7,1 98,68Prob > chi2 0,10 0,18 0,00 0,42 0,00Pseudi R2 0,0035 0,0019 0,0045 0,0005 0,0009

Nota. Interpretação dos valores dos odd-ratio: para cada valor adicional na variável explicativa (xk),a razão de probabilidades (odds-ratio) modificar-se-á por um factor de exp(βk), considerando todasas outras variáveis constantes. Fonte: Calculatória usando o ESS, round 4.

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Conclusão

A crescente longevidade dos indivíduos projecta-se como esperança devida, cujo aumento se relaciona de forma cada vez mais problemática coma actividade económica e a robustez das instituições políticas nas nossassociedades. Por outro lado, o progresso registado em matéria de longevidadeacabou por ultrapassar a melhoria da taxa de morbilidade, de tal modo queos mais idosos entre os idosos são cada vez em maior número e estão ex-postos a doenças crónicas e incapacidades funcionais prolongadas.

Com as reformas dos sistemas de pensões das duas últimas décadas,em Portugal, como em grande parte dos Estados mais desenvolvidos, osrespectivos benefícios passaram a ser ajustáveis à evolução da esperançade vida. As pensões podem, por isso, vir a revelar-se insuficientes paragarantir vida condigna ao beneficiário que enfrenta os novos riscos dalongevidade. Neste contexto, o relacionamento entre as gerações mudainevitavelmente e novos desafios à justiça social são colocados por talmudança.

Ao longo deste capítulo discutimos estas grandes questões que desa-fiam o Estado-Providência e analisamos algumas percepções face ao Es-tado-Providência reveladas no âmbito do Inquérito Social Europeu, ESS,destacando-se Portugal, cujos dados do inquérito foram comparados comos obtidos principalmente em Espanha e na Grécia. Servirem ou não osbenefícios sociais para prevenir a difusão da pobreza foi a questão prin-cipal em análise, de entre as questões colocadas no inquérito.

Os indivíduos com idades compreendidas entre os 31 e os 64 anospossuem uma expectativa predominantemente positiva quanto aos efei-tos dos benefícios sociais na prevenção da pobreza, tanto em Portugalcomo em Espanha e na Grécia. Entre os idosos acima dos 65 anos a per-cepção sobre a eficácia dos benefícios sociais é menos acentuada.

A aplicação do modelo proportional odds (ordered logit) apresentou me-lhores resultados quando se utilizou a amostra com todos os países in-quiridos no Inquérito Social Europeu. A avaliação da percepção dos even-tuais efeitos dos benefícios sociais, especialmente na prevenção da difusãoda pobreza, permitiu evidenciar que eles são influenciados pelo envelhe-cimento demográfico, entre outros factores, como sejam o número deanos de educação, o género, o grau de satisfação com a vida em geral ea filiação ideológica partidária.

Existe uma discrepância clara entre as percepções moldadas pela pas-sagem do tempo no ciclo de vida individual, a qual afecta negativamentea eficácia esperada pelos indivíduos relativamente aos benefícios sociais,

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O envelhecimento contra o Estado-Providência

e a efectiva dimensão do sobreesforço, em termos agregados, da economiae da sociedade para suportar o Estado social quando as populações enve-lhecem. O crescimento da dívida pública explícita e, sobretudo, implícita(relativa às pensões a pagar aos idosos reformados no futuro) e os desafiosque tal tendência coloca à ideia de justiça entre gerações são acompanha-dos, como analisámos neste capítulo, por uma propensão crescente paraa desconfiança sobre a eficácia do Estado social no combate à pobrezaditada pela dimensão de ciclo individual do envelhecimento.

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Anexo

Testes do qui-quadrado

Questão: pensa que os benefícios sociais contribuem para a reduçãoda pobreza: concorda ou discorda?

Teste do qui-quadrado para verificar a independência das variáveis

H0: a concordância ou discordância relativamente à questão colo-cada é independente do grupo etário.

H1: a concordância ou discordância relativamente à questão colo-cada não é independente do grupo etário.

Estatistica Graus Valor crítico P-value Decisão (5%)dos testes de liberdade a 95%

Portugal 2,840 3 7,815 41,69% não rejeitar H0Espanha 8,092 3 7,815 4,41% rejeitar H0Grécia 8,653 3 7,815 3,43% rejeitar H0

Questão: a existência de benefícios sociais conduz a uma sociedademais justa?

Distribuição aproximadamente normal

H0: p < = 50%H1: p > 50%

Se prop. Z-value Alfa Valor crítico Decisão P-value

Portugal 0,010672 3,436 0,01 2,326 rejeitar H0, p > 50% 0,00Espanha 0,010081 6,008 0,01 2,326 rejeitar H0, p > 50% 0,00Grécia 0,011128 9,414 0,01 2,326 rejeitar H0, p > 50% 0,00

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O envelhecimento contra o Estado-Providência

Questão: a existência de benefícios sociais atrai pessoas a viverem nopaís?

Distribuição aproximadamente normal

H0: p < = 50%H1: p > 50%

Se prop. Z-value Alfa Valor crítico Decisão P-value

Portugal 0,010971 –8,053 0,01 2,326 não rejeitar H0, p < = 50% 1Espanha 0,010071 17,020 0,01 2,326 rejeitar H0, p > 50% 2,9E-65Grécia 0,011208 1,121 0,01 2,326 rejeitar H0, p < = 50% 0,131

Questão: a existência de benefícios sociais implica que as pessoassejam menos activas?

Distribuição aproximadamente normal

H0: p < = 50%H1: p > 50%

Se prop. Z-value Alfa Valor crítico Decisão P-value

Portugal 0,010569 –7,31 0,01 2,326 não rejeitar H0, p < = 50% 1Espanha 0,010034 –10,17 0,01 2,326 não rejeitar H0, p < = 50% 1Grécia 0,011103 –28,78 0,01 2,326 não rejeitar H0, p < = 50% 1

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Elísio Estanque

Capítulo 7

O Estado social em causa: instituições, políticas sociais e movimentos sócio-laborais no contexto europeu

Introdução

Num momento em que a Europa atravessa uma situação particular-mente difícil procura-se neste texto revisitar – e se possível repensar – al-gumas das (velhas e novas) discussões em torno do Estado. Porém, o ob-jectivo não é tanto o de traçar uma abordagem abstracta do assunto, ousequer uma síntese de natureza sociológica ou filosófica, mas sim o de re-colocar a reflexão em torno de uma perspectiva de análise que ao mesmotempo contribua para (re)pensar o Estado, na sua relação com a sociedadeno quadro da história europeia, e questionar o seu papel, o seu potenciale os seus limites no actual contexto de austeridade que estamos a atraves-sar. A profunda crise que está a atingir a Europa levou-me a tentar rein-terpretar o legado «social» e histórico à luz da realidade presente e das per-plexidades que se nos colocam em relação ao futuro das políticas sociais– da possível revitalização ou desconstrução do Estado-Providência – pe-rante os riscos que hoje ameaçam o modelo social europeu que (ao longodo século XX) foi a principal referência emancipatória das classes trabalha-doras das sociedades industriais. Na encruzilhada em que nos encontra-mos, perante medidas de austeridade que atingem em cheio as classes mé-dias e os trabalhadores em geral, não pode esperar-se total passividade econformismo dos cidadãos, em especial em países como Portugal, em quea relativa estabilidade e coesão social se deveu sobretudo ao papel do Es-tado social. Daí que seja indispensável prestar atenção aos novos movi-

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mentos sócio-laborais que se reconfiguram na fronteira entre um Estadofragilizado e um mercado de trabalho onde grassa a precariedade e ondeos direitos laborais estão a «desfazer-se no ar».

Concepções e contradições do Estado moderno

O Estado e o seu significado sociológico permanecem intimamenteligados à história do Ocidente, onde, como é sabido, a Europa ocupaum lugar central. A génese do Estado remete para o poder, sendo queeste reside, em última instância, na força, a começar pela força militar.Nessa medida, é nos exércitos, nos dotes de chefia dos seus líderes e nasua capacidade estratégica que repousa o domínio dos grandes impériosou das cidades-estados mais influentes da era clássica. Faz sentido remeterpara essas fórmulas originárias do exercício do poder para reflectirmossobre o Estado e a sociedade. Todavia, até hoje o conceito de «Estado»permanece discutível quanto à sua origem e ao seu significado. O termofoi usado pela primeira vez por Maquiavel (O Príncipe, 1532), mas o nas-cimento do Estado moderno é posterior, sendo, em geral, situado no Tra-tado de Paz de Vestefália (1648), com o reconhecimento de governos so-beranos sobre uma dada área territorial. Com uma Europa centraldevastada por guerras religiosas, que duraram várias décadas, a paz foimuito dificilmente conseguida, ocorrendo num período de profunda vi-ragem na correlação de forças entre as diversas potências europeias. O Estado-nação emerge das ruínas da cristandade medieval, resultado dadesagregação dos grandes impérios: «A universalidade política medieval,na sua unicidade e pouca diferenciação, sob a autoridade suprema dopapa e do imperador, deu lugar a um sistema de Estados nacionais devariadas unidades políticas, soberanas e nacionais, que tinham de enfren-tar e resolver o problema das relações com a Igreja, que permanecia uni-versal e transnacional» (Cruz 1992, 829). A autoridade dos Estados tra-duziu-se então num consenso alargado em torno da soberania de cadaterritório e das funções imputadas ao Estado, isto é: (a) uma forma degoverno dotada de instituições e meios para impor a sua lei; (b) um povoque aceita submeter-se a esse governo e com ele partilha determinadosvalores; (c) um território com fronteiras bem delimitadas.

Na famosa obra de Thomas Hobbes, Leviatã, o «estado de natureza»terá sido aquele em que, dadas as diferenças de poder e de inteligênciaentre os homens, e dado que os recursos são sempre escassos, a ausência

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O Estado social em causa: instituições, políticas sociais e movimentos sócio-laborais

de um poder dissuasor tende a suscitar uma guerra de todos contra todos.Ora, sendo a guerra permanente uma situação insustentável, é urgentecontê-la ou preveni-la. E é justamente pela necessidade de assegurar a pazque os homens tomam consciência da necessidade de promoverem umcontrato, um compromisso, controlado por uma força centralizadora àqual a sociedade deve submeter-se. Embora, como este clássico reconhe-ceu, o Estado seja em larga medida «uma ficção», ele transporta uma«vontade própria», mas que representa e incorpora a vontade colectivados cidadãos, criando e manuseando os mecanismos activos que preser-vam os direitos e deveres de cada um.

Mas à visão hobbesiana de uma autoridade centralizada imposta peloEstado outros pensadores, como John Locke, contrapõem uma ideia desoberania, igualmente representada pelo Estado, mas consentida pelosindivíduos, por cujas liberdades e direitos de propriedade aquele devevelar; caso contrário, o poder de Estado perde legitimidade e os cidadãostêm o direito de se revoltarem. A perspectiva lockiana pressupõe um pro-cesso de consolidação de uma racionalidade aliada ao sentido de tole-rância e respeito pelas liberdades e à ideia de governo pelo consenti-mento, o que proporcionou e deu solidez ao conceito de contrato socialcomo base fundamental de governação, de justiça e de progresso das so-ciedades. O estatismo de Hobbes e o liberalismo de Locke seriam aindacontrariados por um dos autores mais influentes do século das luzes:Jean-Jacques Rousseau.

Segundo Rousseau, a natureza e o ser humano induziram um direitonatural que a sociedade perverteu. Antecipou a visão sociológica segundoa qual a origem das desigualdades entre os homens resulta da própria so-ciedade, da divisão do trabalho e da propriedade privada, sem, no en-tanto, descurar o papel da racionalidade. Só através da razão pode sercriado um «pacto» capaz de permitir a passagem do estado natural ao es-tado «civil», passagem essa que teve consequências nefastas, como aguerra e o egoísmo. Compete, portanto, ao Estado promover o contrato,apoiando-se na inteligência dos indivíduos, no seu pensamento racional--moral, e promovendo leis que sejam expressão dessa vontade geral, afim de suprir a tendência para a desordem instigada pelo sistema socialemergente. Porém, só o povo pode conferir legitimidade ao governo, quepressupõe o respeito pela liberdade, justiça e igualdade, considerados osprincipais garantes do contrato social entre os súbditos e os soberanos,cujas relações são de reciprocidade.

Embora as reflexões filosóficas em torno do Estado remontem aoberço da civilização ocidental, é sobretudo com a emergência do capita-

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lismo moderno que se desenham as principais concepções a seu respeito,perante o triunfo da nova sociedade ocidental, e é a partir delas que im-porta entender – e se possível reformular – a natureza complexa e con-traditória do aparelho de Estado na sua relação com a economia e a so-ciedade em geral. Autores clássicos das ciências sociais, como Max Webere Émile Durkheim, pensaram o papel do Estado moderno enquanto ins-tância fundamental de racionalidade política e de organização da ordemsocial e moral da sociedade. Já Karl Marx desenvolveu todo um edifícioteórico em que o Estado capitalista é visto sobretudo como aparelho dedominação associado à ordem económica e ao poder do capital nas so-ciedades industriais. O que estes pensadores tiveram em comum e quenos pode ajudar a compreender os problemas actuais foi a sua percepçãode que o Estado e a economia são dimensões inscritas na sociedade e nasua estrutura sócio-económica.

Na verdade, o mais importante é atentar na natureza contraditória,plural e complexa da sociedade moderna, cuja conflitualidade ganhouum carácter estrutural logo no seu processo de gestação. Desde finais doséculo XVIII que as guerras civis, os movimentos camponeses, a revoluçãoburguesa e o movimento operário marcaram a Europa ocidental com su-cessivas convulsões sociais e políticas, a provar como a consolidação dasnações modernas esteve longe de ser um processo harmonioso. Daí queas preocupações com a lei, a ordem e a moral tivessem acompanhado asgrandes correntes teóricas e filosóficas do pensamento social, muito em-bora, paradoxalmente, o triunfo da racionalidade ocidental tenha cami-nhado lado a lado com a instabilidade, o conflito e a luta entre classes.

É neste ponto que importa realçar a sagacidade de Marx ao antever anatureza eminentemente contraditória do capitalismo moderno e a suapropensão para aprofundar essas contradições, que até agora tem osciladoentre a tentação autodestrutiva e a capacidade regeneradora. Nesta pers-pectiva, o Estado, ainda que se imponha como uma instância superior eacima da sociedade, nunca se despe das relações de classe e, nesse sentido,assume-se como o principal veículo de legitimação e reprodução das for-tes desigualdades sociais e económicas por que se rege a sociedade capi-talista. Do ponto de vista conceptual, as referências de Marx ao Estadosão dispersas, pouco aprofundadas e por vezes contraditórias, estandomais presentes nos seus escritos históricos. Marx vê o Estado como umadimensão do sistema de dominação de classes, considerando-o uma ins-tituição «parasita» que serve os interesses da burguesia e dos altos fun-cionários, um «epifenómeno» das relações de propriedade, sobressaindoainda no seu pensamento uma noção de «Estado-instrumento» (cf. Bob-

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O Estado social em causa: instituições, políticas sociais e movimentos sócio-laborais

bio 1979), noção esta que é particularmente realçada por Lenine. As aná-lises marxistas mais elaboradas sobre a complexidade e as tensões internasque atravessam o Estado capitalista surgiram mais tarde (Poulantzas 1978;Wright 1978; Evens et al. 1985; Jessop 1990).

As concepções e controvérsias acerca do Estado são tantas e tão di-versas que não cabem nesta breve reflexão. Desde os defensores do laissezfaire, do Estado mínimo, que apenas reconheciam o seu papel de «vigi-lante», garante da paz, dos direitos de propriedade e pouco mais, às teo-rias do estatismo mais abrangente, o Estado-sujeito ou o hobbesiano Le-viatã, passando pela referida concepção leninista do Estado-instrumento,as premissas e conceitos em torno do Estado são difíceis de elencar.

Um traço decisivo para a afirmação do Estado é o equilíbrio dinâmicoentre a lei e a ordem, de um lado, e a acção política dos cidadãos «livres»num dado território, do outro. No que respeita ao papel político do Es-tado, poder-se-á dizer, com Samuel Huntington, que «na ausência totalde conflito social as instituições políticas são desnecessárias, na ausênciatotal de harmonia são impossíveis». Daí que, no quadro democrático, oEstado seja, por excelência, o terreno da política, o qual, aliás, só tem sen-tido enquanto espaço plural, de liberdade, de diálogo, de compromisso ede conflitualidade. Prende-se com isso a permanente tensão entre a acti-vidade «interna» do Estado e a sua actividade «externa», sendo que o termo«interna» tanto pode referir-se à esfera das sua próprias instituições comoao território nacional, enquanto a dimensão «externa» pode remeter querpara a acção diplomática e da defesa perante os inimigos exteriores, querpara a esfera que fica de fora do sistema político-jurídico-administrativodo Estado, isto é, para a sociedade civil. Deste modo, faz sentido afirmarque a eficácia do Estado se mede não tanto pelo seu funcionamento in-terno, mas mais pelo maior ou menor sucesso na relação que estabelececom o que lhe é exterior. Por isso, as alianças, os jogos de poder e a acçãoestratégica que definem os actores da arena política que operam no seiodo Estado ou em relação directa com ele os levam a lutar permanente-mente por reforçar e reinventar as suas fontes de legitimidade política atra-vés da persuasão e do compromisso em torno de interesses (tacticamente)comuns. Como afirmou o autor de O Contrato Social, «o forte nunca é su-ficientemente forte para ser sempre o senhor, a menos que transforme aforça em direito e a obediência em dever» (Rousseau 2000 [1762]).

Para Weber, o Estado é, por definição, a esfera da política e das insti-tuições da governação, que devem – através da lei – prevenir o risco deexcessivo intervencionismo na economia e na sociedade. Sendo o deten-tor do monopólio da violência legítima, deve velar pela ordem social (le-

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gítima), promovendo os meios legais para regular os conflitos, rever-tendo-os em «lutas pacíficas», isto é, criando uma saudável competiçãoindividual que leve a sociedade a premiar os mais aptos, dando lugar aum sistema estratificado que reflicta a distribuição diferencial do poder.Assim, o Estado social emergente não deveria exceder os limites de um«Estado regulador», ou seja, assumir-se como o principal garante do mo-delo liberal. Compete ao Estado e ao mercado desenvolver e aperfeiçoara racionalidade, promovendo leis e formas administrativas assentes emsistemas impessoais e burocráticos capazes de consolidar essa mesmaordem, sendo esta apoiada em formas legítimas de consentimento – fun-dadas na tradição, na legalidade ou no carisma do líder – e não na coer-ção. Na perspectiva weberiana, assume particular importância o papeldos funcionários e técnicos, especializados na gestão do direito formalque o Ocidente apropriou do legado do Império Romano e que influen-ciou a burocracia estatal moderna, sem a qual o capitalismo não poderiaconsolidar-se. O aumento da complexidade a isso obrigava, se bem queWeber reconhecesse os problemas daí advindos para o funcionamentoda democracia. Entre outros, o autor de Economia e Sociedade assinala acrescente tensão entre soberania crescente (controlo dos governos pelosgovernados) e soberania decrescente (controlo dos governados pela bu-rocracia), enquanto factores favoráveis à emergência de um duplo perigo:a «jaula de ferro» da administração e as acções emotivo-passionais insti-gadoras de novos poderes carismáticos (Santos e Avritzer 2003, 41).

Já Durkheim, preocupado com a ordem moral e a integração dos in-divíduos numa sociedade caracterizada pela «solidariedade orgânica»,considerou o Estado como inerente ao carácter complexo e plural dassociedades «políticas», ou seja, ele só existe em sistemas diferenciadoscuja composição interna agrega distintos grupos secundários. Impõe-seenquanto autoridade, não pela força, mas através da moralidade, insti-gando os indivíduos a participar, sobretudo através do associativismocorporativo, no exercício das profissões, na edificação de uma normati-vidade onde o colectivo tem a primazia sobre o individual, sem, no en-tanto, oprimir os indivíduos. O Estado é então «a sede de uma consciên-cia mais elevada» que, sem se confundir com a colectividade mais geral,constitui o seu sistema nervoso central, «o órgão encarregado de elaborarcertas representações que valem para toda a colectividade, que se distin-gue das outras representações colectivas pelo grau mais elevado de cons-ciência e reflexão» (Durkheim 1983).

Se o Estado veio a conquistar uma tão evidente centralidade nomundo ocidental – e em especial na Europa –, foi não apenas por via do

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O Estado social em causa: instituições, políticas sociais e movimentos sócio-laborais

seu papel político, mas sobretudo porque a economia de mercado, quedominou as sociedades industriais a partir do século XIX, deu lugar a for-tíssimas rupturas sociais e conduziu a um desmantelamento violento dasvelhas formas de organização económica e de coesão cultural das comu-nidades tradicionais. A economia das sociedades humanas está submersaem relações sociais, como afirma Polanyi (1980), e a produção era nassociedades tradicionais uma função directa da organização social, a qualdesenvolveu as suas actividades e relações de troca na base dos princípiosda reciprocidade, da dádiva e da redistribuição e onde a ideia de lucro,ou mesmo de riqueza, do ponto de vista individual, esteve ausente. To-davia, foi justamente o domínio avassalador do princípio do mercadoque fez despoletar a necessidade social de mecanismos de regulação, afim de minimizar ou prevenir os excessos do capitalismo selvagem quenessa época se instalou na Europa, em especial em Inglaterra. Daí o pa-radoxo do Estado, tendo em conta que – como ilustram as ideias de J.-J. Rousseau – o mesmo vive há vários séculos no dilema de lutar pelarealização da comunidade política ao mesmo tempo que se debate coma crescente fragmentação das identidades colectivas de base local, dandolugar, não poucas vezes, ora a formas elitistas de democracia mitigada,com escassa participação popular, ora a regimes nacionalistas, onde asmassas se tornaram mera força instrumentalizada por chefes autoritários.O sonho de construção de uma comunidade política alargada para níveisque recuperassem o velho sentido (rousseauniano) da comunidade na-tural foi uma utopia por cumprir, mesmo depois da experiência europeiado contrato social, apesar de esta ter sido a fórmula que – na vigência doEstado-Providência – mais se aproximou da referida utopia (Morris 1996).

Se a actividade económica é sempre social, tal não invalida reconhe-cer-se a distinção analítica entre os dois domínios. Para além de que, ape-sar das implicações recíprocas entre a economia e a sociedade, se tratade dimensões que encerram tensões e lógicas conflituantes, sobretudo sea esfera económica é dominada pelo princípio do mercado. Na verdade,uma análise mais abrangente do papel do Estado que nos permita ensaiaruma abordagem integrada do seu significado social e político requer umesforço de reflexão em que tais princípios terão de estar presentes.

Embora os marxistas tenham olhado para o Estado capitalista sobre-tudo enquanto «superestrutura» – expressão de uma realidade económicafundada em relações de classe e formas de exploração –, a visão estrutu-ralista e dicotómica perdeu actualidade à medida que novos desenvolvi-mentos teóricos foram surgindo, inclusive no seio do campo marxista,por exemplo, a partir dos contributos de Nicos Poulantzas. Nesta linha

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de reflexão, é consensual a ideia de que o Estado tem como principalfunção societal, no capitalismo, organizar as classes dominantes en-quanto «bloco-no-poder», conferindo coerência e aproximando os dife-rentes interesses entre fracções específicas da burguesia, função essa quesó pode ser cumprida na medida em que a «relativa autonomia» das ins-tituições seja assegurada. Dito de outra forma, para que o Estado consigacumprir um tal desígnio, isto é, para realizar a sua função reprodutiva eassegurar a coesão da ordem sócio-económica vigente, terá de se afirmar«acima» de cada fracção e sempre que necessário agir em benefício (realou aparente) do povo e das classes trabalhadoras, por exemplo, legislandocontra os interesses (imediatos) dos grupos privilegiados. É em larga me-dida devido à actividade redistributiva do Estado que a sua função ideo-lógica e discursiva ganha eficácia no apaziguamento da conflitualidadesocial e consequente preservação do status quo. Efectivamente, o Estadosó pode assegurar a sua força política enquanto controlar ou regular a ri-queza económica produzida na sociedade, em particular ao assegurar ascondições de crescimento e acumulação de riqueza que sustente a políticafiscal de que depende. Importa, por isso, recusar a noção de absoluta au-tonomia ou de mera instância normativa para o Estado moderno.

O Estado tem um fundamento económico, enquanto a economiatem um fundamento político (Burawoy 1985 e 2010). Por um lado, ofundamento económico refere-se à sua capacidade política para intervirna economia. Por outro lado, a economia tem um fundamento políticono sentido em que o modo como cada um dos agentes económicos par-ticipa no sistema produtivo (e no mercado) obedece a relações de podere dominação orientadas por critérios e formas de retribuição e de recom-pensa profundamente desiguais, mas suportadas por lógicas de consen-timento que naturalizam as desigualdades e formas de exploração. Emsuma, é na sua tripla função – económica, ideológica e política – que oEstado realiza o seu papel de produção e de revitalização permanentedos ingredientes que cimentam a sociedade no seu conjunto. Todavia,esse é um trabalho que está longe de ser isento de contradições.

Embora o Estado constitua a «ossatura» (Poulantzas 1978) da socie-dade e funcione como o «destilador» da luta de classes, não deixa de abri-gar no seu seio as inevitáveis tensões e conflitos inscritos nos jogos deinteresses e nas alianças que os seus agentes permanentemente promo-vem, seja de dentro para fora, seja de fora para dentro. Trata-se de umsistema onde as componentes institucional, formal e jurídica podem es-conder uma parte das relações e disputas concretas que circulam no seuseio, ou seja, pode falar-se, em certos contextos, como já foi apontado

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no caso da sociedade portuguesa, de um Estado dual, ou Estado paralelo(Santos 1990 e 1994), que tanto actua por acção como por omissão nasua articulação tensa e complexa com a sociedade, na sua função simul-taneamente reguladora, normativa e de dominação. A linguagem e os ri-tuais do Estado são sempre adornados com as vestes mais coloridas, evi-denciando desse modo a sua vocação ideológica, usando reiteradamenteas formas cerimoniais e os meios discursivos de comunicação ao seu dis-por para dissimular ou esconder perante os olhares públicos as tramasque operam paralelamente nos subterrâneos dessa teia densa e labirínticade instâncias e de interesses que alimentam o Estado ou dele se alimen-tam (Poulantzas 1971 e 1978; Burawoy 1985; Ruivo 1999).

Sociedade, mercado e Estado social

A partir de formulações desenvolvidas por Boaventura de Sousa San-tos (1994) pode considerar-se que o Estado, o mercado e a comunidadeconstituem princípios centrais na organização das sociedades ao longoda modernidade, jogando a sua articulação um papel dinâmico na orga-nização do sentido histórico que, em momentos diferentes, marcou associedades europeias nos últimos duzentos anos. Tais dinâmicas são, por-tanto, expressão das contradições estruturais que em contextos particu-lares – e sob a forma de políticas governativas, movimentos sociais, lutasde classe ou outras forças organizadas – assumem orientações concretas,empurrando, por assim dizer, a sociedade ora numa direcção progressistae emancipatória (melhorando os padrões de vida e bem-estar dos seus ci-dadãos), ora para a reprodução e reforço de opressões e injustiças sociais(prolongando os factores de atraso ou regredindo nos seus padrões dedesenvolvimento).

Como atrás referi, fazendo referência aos estudos de Karl Polanyi(1980), a chamada economia «de mercado» só se tornou dominante nopós-revolução industrial, tendo, na verdade a Europa do século XIX assis-tido a um domínio avassalador do mercantilismo, que, ao longo da fasemais «selvagem» do capitalismo moderno, obrigou à construção de me-canismos de regulação, designadamente através do Estado. Quer istodizer que – em contracorrente com o pensamento económico neoliberalque dominou o mundo desde os anos 80 do século passado – o papeldos «mercados», enquanto entidades ou «forças» capazes de se imporemàs sociedades, foi sempre rejeitado pelos modelos tradicionais de organi-zação económica nas sociedades de economia agrária e nas culturas ru-

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rais, pelo que, como aconteceu no século XIX, o liberalismo desreguladogerou compreensíveis resistências sociais e políticas, pressionando os go-vernos e as instituições públicas a criar meios para limitar e regular os ex-cessos do mercantilismo.

É neste quadro que importa situar o problema a fim de compreen-dermos alguns dos fundamentos sociológicos do Estado social na Europae as razões por que a sua eventual extinção ou falência significaria umgolpe profundo nas expectativas dos cidadãos europeus (como adianteveremos), cujas consequências poderiam ser devastadoras. O Estado, en-quanto relação de forças condensada, veste-se das roupagens do positi-vismo durkheimiano para produzir normatividade e ao mesmo tempocria uma ficção de unidade, a «comunidade imaginada» (Anderson 1991),usando os seus diferentes aparelhos e políticas para promover formas du-radouras de consentimento, seja através da acção e do discurso, seja atra-vés de opacidades e silêncios selectivamente controlados. Os seus objec-tivos passam, portanto, por tentar conjugar três dimensões fundamentais:(a) o património histórico, cultural e linguístico do respectivo território,onde é o garante da soberania; (b) as experiências, identidades, interessesde classe, lutas e conflitos do passado e do presente; (c) a organização so-cial e institucional concreta, imprimindo-lhe uma estratégia racional eum projecto de futuro (Burawoy 1985). Acresce que estas dimensões, nassuas diferentes conjugações, dão lugar em cada momento histórico a for-mas e regimes de regulação particulares que é necessário entender numaperspectiva dinâmica.

Nos últimos duzentos anos é possível conceber a existência de diversosregimes de acumulação. Numa primeira fase, um regime despótico, demercado, que vingou no período do capitalismo «selvagem», suscitandorespostas e movimentos sociais anti-sistémicos, com destaque para o mo-vimento operário e para as convulsões e movimentos republicanos, anar-quistas e socialistas que assumiram uma força decisiva na viragem do sé-culo XIX para o século XX. Entretanto, a consolidação de novas técnicas eracionalidades burocráticas aplicadas à economia conduziu ao aperfeiçoa-mento de um regime disciplinar na produção, caracterizado pela rápidaacumulação e crescimento (modelo taylorista), o que, apesar disso, nãoevitou a grande instabilidade social e política que passou por intensos con-flitos, guerras e revoluções – desde a Primeira Guerra Mundial à revoluçãobolchevique e que três décadas depois culminou na Segunda Guerra Mun-dial – na primeira metade do século XX. Só posteriormente, já no períododo pós-guerra, se afirmou um regime hegemónico, coincidente com o ad-vento do welfare state, no qual a integração e o consentimento foram ob-

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jecto de uma negociação e compromissos sociais realizados à sombra dofordismo e das políticas sociais promovidas pelo Estado. Finalmente,desde a década de 80 do século passado assistimos a uma nova viragem,de sentido liberal, mas agora à escala global, o que leva a que se fale daemergência de uma nova forma de despotismo, o despotismo global, oudespotismo hegemónico, coincidente com as últimas décadas de hege-monia neoliberal, em que a regulação se realizou através das múltiplas co-nexões transnacionais dinamizadas pela globalização e pelo capitalismofinanceiro, apoiados nas redes informáticas e nas novas tecnologias da co-municação (Burawoy 1985 e 2001; Castells 1999).

Pode, pois, afirmar-se que ao longo dos últimos três séculos aqueles re-gimes operaram sobre os despojos da velha sociedade pré-industrial, ondeas estruturas da sociedade – ou, mais correctamente, da comunidade –comandavam a economia. Na linha de autores já referidos (Santos 1994;Polanyi 1980), pode dizer-se que o modo como se combinaram ao longode todo este tempo dependeu sempre da forma como os princípios dacomunidade, do mercado e do Estado se foram estruturando na geometriado território e na organização colectiva das sociedades. Com maior oumenor articulação entre os princípios do Estado, do mercado e da comu-nidade, permaneceu uma tensão constante, na qual se inscreveram os pro-cessos de sentido mais progressista e emancipatórios, ou o seu contrário,as forças mais normalizadoras ou os sistemas mais conservadores e auto-ritários. Até finais do século XIX foi o princípio de mercado que se sobre-pôs aos restantes, mas o mesmo induziu – sobretudo devido ao papel daluta de classes – um esforço de reconstrução do princípio da comunidade. O movimento operário e as ideologias mais radicais que o penetraram(em especial o anarquismo e o marxismo) foram portadores de uma lin-guagem, de um projecto político que, de certo modo, transportaram umreforço do princípio da comunidade, ou, dito de outra maneira, projec-taram um discurso classista e comunitarista que, além da sua marca eman-cipatória, reinventaram a identidade colectiva dos oprimidos em tornoda noção de classe. Ainda que em parte ficcionada, essa foi uma subjecti-vidade que, por um lado, resistiu ao princípio do mercado e, por outrolado, foi decisiva para a emergência do Estado social. Tal processo acaboupor conduzir à primazia do princípio do Estado sobre os princípios domercado e da comunidade, tornando-se hegemónico, em especial após aSegunda Guerra Mundial, com o triunfo e consolidação do Estado-Pro-vidência. Mas, como é sabido, a partir da década de 70 foi de novo o mer-cantilismo que se reergueu e desde então é novamente o papel do Estado– e os seus programas sociais, assistenciais e solidários – que recua e se

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tem vindo a submeter cada vez mais à economia de mercado, agora numaescala mais ampla, sob a batuta da globalização neoliberal.

Em diversos momentos desde o nascimento das sociedades industriaismodernas, mas em especial nas últimas quatro décadas, os mercados cres-ceram de uma forma avassaladora, mantendo a sua oposição ao prota-gonismo estatal. Se, durante muitos séculos, os mercados foram apenasacessórios dos sistemas sociais, agora passou a ser a produção e distribui-ção que se viriam a submeter cada vez mais aos mercados e as transacçõesmonetárias e a motivação pelo lucro ganham primazia sobre as relaçõesde troca e reciprocidade. Até certo ponto, a sociedade, no seu conjunto,regressa à situação que já experimentara no século XIX, isto é, a uma su-jeição generalizada às leis do mercado. Segundo Polanyi, o trabalho, aterra e o dinheiro, sendo parte do sistema económico, são organizadosatravés do mercado, mas não são mercadorias, dado que nenhum delesfoi criado para venda, pelo que «a descrição do trabalho, da terra e dodinheiro como mercadorias é inteiramente fictícia» (Polanyi 1980, 85).Sendo uma tendência antiga, que este autor remete para finais do séculoXVIII, não há duvidas de que o recrudescimento do princípio do mercadocomo ideologia dominante suscitou algum paralelismo com o que acon-teceu na Europa desde há duzentos anos, levando a economia de mer-cado a ganhar ascendente sobre as actividades produtivas de base comu-nitária e solidarista (Laville e Roustang 1999).

O campo laboral foi, sem dúvida, aquele em que os impactos deses-truturadores da globalização têm sido mais problemáticos. As consequên-cias disso mostraram-se devastadoras para milhões de trabalhadores dediversos continentes. E a Europa é o continente onde as alterações emcurso representam o mais flagrante retrocesso perante conquistas alcan-çadas desde o século XIX. Com efeito, os impactos da globalização têmvindo a induzir novas formas de trabalho cada vez mais desreguladas,num quadro social marcado pela flexibilidade, subcontratação, desem-prego, individualização e precariedade da força de trabalho. Assistiu-se auma progressiva redução de direitos laborais e sociais e ao aumento dainsegurança e do risco, num processo que se vem revelando devastadorpara a classe trabalhadora e o sindicalismo desde os finais do século XX

(Castells 1999; Beck 2000; Antunes 2006). Embora se saiba que não existe um modelo europeu único, pode, ge-

nericamente, considerar-se que os traços que guiaram as principais eco-nomias europeias ao longo do chamado modelo fordista passaram porum equilíbrio entre o Estado e o mercado, conjugado com um contínuocrescimento económico com políticas económicas keynesianas de pro-

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cura do pleno emprego e um equilíbrio entre a produção industrial e aredistribuição. Tal sistema estimulou o aumento do poder de compra ea sustentabilidade das políticas de segurança e protecção social, configu-radas no Estado-Providência, que se apresentou ao mundo como o prin-cipal modelo de sucesso económico e de bem-estar geral. O Estado-Pro-vidência europeu tornou-se uma espécie de contraparte do modelo de«socialismo soviético», um e outro com pretensões a servir de «farol» deprogresso e emancipação dos trabalhadores e da humanidade ao longodo período entre 1945 e 1975, por isso mesmo já baptizado pelos «glo-riosos trinta anos» de bem-estar social.

A Europa (particularmente os países da Região Norte) reunia as van-tagens dos EUA, com todos os seus avanços tecnológicos e cultura de-mocrática com políticas sociais protectoras dos mais desapossados. Efec-tivamente, a relação salarial fordista de produção, que se generalizou nopós-guerra – embora, evidentemente, segundo dinâmicas nacionais muitodistintas, consoante as regiões e os regimes de cada país –, é indissociáveldo papel do Estado, pois ela traduziu a passagem de uma relação de tra-balho concorrencial e puramente mercantil para um modelo juridica-mente regulado, dando lugar à ideia de que «a garantia de emprego e anoção de emprego – o contrato indeterminado – e a protecção socialestão na origem da chamada cidadania social na Europa ocidental dopós-guerra» (Oliveira e Carvalho 2010, 27).

O choque petrolífero de 1973-1974 provocou receios sérios de umadoença súbita e preocupante para a Europa: a «euroesclerose», relacio-nada com a perda de confiança no modelo e seu futuro prospectivo (Cra-vinho 2007), já então com as economias asiáticas em pano de fundo,mostrando os primeiros riscos de desmantelamento do modelo e dandolugar a um discurso que passou a secundarizar o papel das empresas e daindústria em benefício da economia financeira e do monetarismo. Comoassinalou João Cravinho, o olhar passou a centrar-se na percepçãocomum, «quase exclusivamente no lado social do modelo, representadopelo Estado social, acompanhado pelas políticas de redistribuição finan-ciadas pela elevada taxação» (Cravinho 2007, 14). Esta leitura assentavana ideia de que o desempenho económico da Europa era francamentedeficitário por referência aos EUA e, ao que se supunha, por maioria derazão o seria perante as economias emergentes do continente asiático as-sentes nos baixos salários. A crescente pressão que se foi exercendo sobreas atribuições sociais do Estado – fortemente potenciadas pelo triunfopolítico do modelo neoliberal consubstanciado nas vitórias de RonaldReagan e Margaret Thatcher – deu lugar a novas fórmulas e propostas

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para a redução da intervenção estatal na economia, suscitando novas li-nhas de argumentação, em que o chamado «princípio da subsidiarie-dade», isto é, a ideia de restringir ao mínimo indispensável a intervençãodo Estado, quer na actividade empresarial, quer mesmo nos programasassistencialistas, apenas se justificava enquanto complemento da socie-dade e dos agentes económicos, ou seja, apenas nos casos em que a ini-ciativa privada se revelasse incapaz de cumprir as funções consideradasfundamentais para o interesse público.

Como atrás foi apontado, os modelos «sociais» ou de regulação quemarcaram a Europa passaram por ciclos muito distintos e revelaram ten-sões e conexões muito complexas, não obstante a presença dominantede uma dada fórmula em relação a outras. Nesse processo sempre osci-laram tendências contrárias ou complementares entre a primazia dos mer-cados e a do Estado. É importante não esquecer que o que ocorreu nocontinente europeu e no Ocidente, em geral, não foi, de modo nenhum,um processo uniforme e simultâneo em todos os países. Muito emboraa economia de mercado tenha começado a aumentar a sua força peranteos Estados soberanos (o desequilíbrio de poderes, a força política, militar,tecnológica, etc., de cada Estado), bem como a solidez das suas institui-ções e o nível geral de qualificações e capacidade competitiva no xadrezinternacional, daí resultaram dinâmicas muito discrepantes. Podem, porexemplo, fazer-se distinções muito claras entre o modelo das sociais-de-mocracias vigente nos países nórdicos, a tradição corporativista de paísescomo a Alemanha, a França e a Itália e o modelo mais liberal vigente noReino Unido (e nos EUA), sendo, no entanto, de destacar que já desdeos anos 90 se vem colocando em causa a ideia de que o modelo neoli-beral seja o desenlace inevitável da crise do Estado-Providência (Jessop1993; Esping-Andersen 1996; Santos e Ferreira 2001). Não se trata, por-tanto, de pensarmos em termos de uma simples viabilidade ou inviabi-lidade do «Estado social», mas antes no quadro das transformações sócio--económicas e políticas mais profundas que marcam a mudança histórica,em particular nos últimos dez anos. Sendo o capitalismo um sistema do-tado de grande complexidade e dinamismo, o modo como a sua infra--estrutura económica se combina com o sistema democrático (a demo-cracia formal) tem obedecido sempre a contradições e compromissosmais ou menos instáveis, sendo hoje duvidoso até quando e em que con-dições a democracia e o capitalismo constituem um binómio compatívelcom o crescimento das forças produtivas ou se, pelo contrário, intensifi-cam os seus antagonismos e nos conduzem a rupturas radicais e impre-visíveis (Santos 2005 e 2011). Seja como for, a história mostra-nos que

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não há modelos monolíticos que se seguem uns aos outros, mas sim so-luções sempre compósitas, transitórias e de duração indefinida.

Num período como o que temos vivido nos últimos anos no con-texto europeu, de atrofiamento do welfare state, vimos como o modelokeynesiano foi deixando espaço para, de novo, reemergir um conceitode «Estado regulador», inspirado no princípio shumpeteriano segundoo qual os mercados são dotados de uma capacidade «natural» de auto-re-gulação, cabendo ao Estado sobretudo assegurar as condições da boaconcorrência. Essa passagem, apesar das suas particularidades em paísesdiferentes, traduziu-se em três traços fundamentais: a descentralizaçãoda acção estatal para as escalas local ou transnacional; a maior focalizaçãona esfera laboral, nomeadamente nas políticas de formação profissionale na flexibilização (lean production); a aposta na «governança», em geralacompanhada por processos de privatização e subcontratação em diver-sos sectores e serviços públicos (Silva 2009).

O que vem sucedendo na Europa nas últimas décadas prende-se igual-mente com um conjunto de processos e tendências extremamente diversos,apesar de, no seu conjunto, se tratar de transformações arrastadas pelas mes-mas forças que têm vindo a fustigar as economias e os Estados desde osanos 80 do século passado. O fraco crescimento e a recessão económica, odéfice público, o endividamento externo e o envelhecimento demográficosão alguns dos aspectos que tornaram insustentável o modelo de Estadosocial na maioria dos países europeus e estão a empurrar alguns para a ruína.

Nestas condições, parece evidente a impossibilidade de um regressoà velha matriz do Estado-Providência tal como existiu no passado. O que está em curso é uma mudança profunda e estrutural, tornandoimpossível o retorno à situação dos «gloriosos trinta anos». As opçõespolíticas a adoptar terão de escolher entre a intensificação do mercanti-lismo «selvagem», correndo o risco de fazer explodir as desigualdades, amiséria e as injustiças sociais, com a consequente generalização da con-flitualidade, ou dar continuidade à tradição humanista e solidária inscritana história da Europa, reerguendo um modelo social adequado à novarealidade. Perante o agravamento da actual crise, o modelo neoliberal(ainda hegemónico) perdeu legitimidade em face dos resultados desas-trosos do poder financeiro e do mercantilismo global, o que, associadoàs incongruências das políticas da UE, colocou perigosamente em causao projecto europeu e conduziu alguns dos Estados mais antigos (comoPortugal e a Grécia) ao risco de falência e perda de soberania. Por issoaumentam a cada dia que passa as vozes a diagnosticar a crescente fragi-lidade da própria democracia liberal representativa, embora se trate de

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um risco que pode ser travado a tempo, como consequência de uma pre-visível repolitização da sociedade – cujos indícios já começam a surgir,nomeadamente através do revigoramento dos movimentos sociais –, di-namizando novas modalidades de acção e abrindo novas perspectivas deexercício de cidadania. Filipe Carreira da Silva sugere um cenário de re-criação da fórmula antiga, referindo-se a um «Estado neo-social», cenárioque, a confirmar-se, passará pela emergência de um novo paradigma quepoderá inspirar-se, «quer em ideologias do passado, entretanto reformu-ladas, quer híbridas, mais ou menos consistentes, quer até em propostasrealmente originais [que] poderão vir a ser esgrimidas no espaço públiconum futuro mais próximo do que muitos julgariam possível apenas háuns meses atrás» (Silva 2009, 38). Seja como for, o caso português ofe-rece-se como um exemplo particular, um case study que merece ser pen-sado à luz das suas especificidades.

Portugal e o Estado social A valorização do Estado social por parte dos europeus e dos portu-

gueses é inquestionável, mas a sua importância reflecte ao mesmo tempoas debilidades estruturais da sociedade portuguesa. Essa é uma realidadeque pode ser observada quer no plano concreto, quer no plano das re-presentações subjectivas. Como é sabido, em Portugal o Estado-Provi-dência surgiu muito tardiamente e não chegou a atingir uma robustezque o situasse num padrão semelhante ao que vigorou nos países doNorte da Europa. A industrialização tardia e a fragilidade de uma econo-mia pequena e atrasada, sob o controlo apertado de um regime repressivoe avesso a qualquer modernização, ou seja, a condição periférica em quenos encontramos, teria de constituir um quadro de dificuldades acresci-das para os projectos de desenvolvimento que o país pretendeu abraçarem 25 de Abril de 1974. Sem esquecer o entusiasmo colectivo e a impor-tância das experiências de democracia participativa no período revolu-cionário – num contexto em que a fragilidade ou paralisação das insti-tuições do Estado abriu espaço para projectos de mobilização,associativismo e cooperação entre trabalhadores, moradores, sindicatos,etc. –, nomeadamente no próprio desenhar dos contornos do modelode Estado social que posteriormente se procurou edificar, o certo é queas condições sócio-económicas do nosso país não foram as mais favorá-veis. No início da década de 80, quando o nosso Estado-Providência co-meçou a ser construído, estávamos ainda a «digerir» a ressaca da utopiarevolucionária, que ficcionámos tão rápida como ingenuamente. Então

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uma parte dos actores políticos com maiores responsabilidades na gover-nação presumiu que o crescimento económico seria imparável e que, por-tanto, as políticas públicas teriam uma sequência de natural consolidaçãorumo a um «socialismo democrático» onde as políticas redistributivas po-deriam satisfazer os cidadãos, levando o país a recuperar em poucos anoso atraso ancestral que tinha. A outra parte foi mais céptica quanto às vir-tudes do Estado na economia e estimulou ao máximo a iniciativa indivi-dual e o papel do mercado, muito embora nunca deixasse de controlar osrecursos públicos para satisfazer as suas clientelas e permanecer, se não nogoverno, pelo menos na zona de influência (e de «alternância») que per-mitisse manter algum poder e beneficiar dos recursos públicos em cadanovo ciclo político. Em todo o caso, o que aqui importa destacar é que,dadas as circunstâncias históricas e sócio-políticas em que se iniciou o pro-cesso de construção do nosso Estado social, ele surgiu já em contraciclocom o que estava a ocorrer nos países europeus avançados. Com duasagravantes: não tínhamos nem uma cultura democrática consolidada nemum potencial económico e tecnológico que garantissem de facto um ciclode crescimento que nos aproximasse desses países.

A adesão à Comunidade Económica Europeia (actual UE) constituiu,na verdade, um impulso importante que, objectivamente, estimulou osinegáveis avanços que em todas as áreas sociais alcançámos nas últimastrês décadas. No entanto, e em contrapartida, a «promessa» da Europa ea ficção montada pelo discurso dominante levaram os portugueses a crerque, com a entrada dos fundos estruturais, a competência «técnica» doprimeiro-ministro Cavaco Silva e da sua entourage e as condições inter-nacionais favoráveis, iríamos, enfim, por um lado, corrigir os excessos eaplacar o sonho socialista e, por outro, meter nos carris uma economiaque nos traria o sucesso e o bem-estar, desde que mostrássemos ser «bonsalunos» perante a Europa. Apaziguar a contestação e apostar nas oportu-nidades e nas carreiras individuais, deixando-nos guiar por um professorde inquestionável competência seria pretensamente a condição infalívelpara atingir «o pelotão da frente». Muito embora sejam inegáveis os re-sultados da primeira década após a adesão – tanto no plano do cresci-mento como nas infra-estruturas e na melhoria de muitos indicadores«sociais» –, as contradições e injustiças sociais não terminaram, obvia-mente, assim como não terminaram as ilusões acerca do potencial do«Estado-de-recursos-ilimitados», enquanto as «reformas estruturais» per-maneceram eternamente adiadas até aos dias de hoje.

Seja como for, um aspecto que não pode ser ignorado é a especifici-dade da sociedade portuguesa nesta matéria, revelando muitas vezes for-

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mas próprias de conjugação e mistura entre lógicas institucionais e sociais,que noutros países desapareceram há muito. Por exemplo, o fenómenoda «economia solidária» – muitas vezes também designada por «terceirosector», «sector não lucrativo», «economia comunitária», «economia civil»ou «economia de comunhão» – tem desempenhado no nosso país umimportante papel no plano das sociabilidades ou solidariedades «primá-rias», conjugando o Estado, o mercado e a comunidade, onde o social eo económico se misturam, abrindo espaço a formas alternativas de orga-nização produtiva e deste modo escapando do modelo económico im-posto pela exclusiva racionalidade capitalista (Ramos 2011, 83). Mesmoadmitindo que o Estado-Providência português não chegou a passar deum «semi-Estado-Providência», a sua relativa eficácia reguladora e distri-butiva (pelo menos até aos anos 90) ficou a dever-se ao modo como asdinâmicas da sociedade minimizaram as lacunas e a fraqueza do Estadoenquanto instância providencial. Assim, cito de novo Boaventura deSousa Santos para retomar a sua ideia de que a capacidade de aceitaçãoe a ausência de rupturas e conflitos fortes na nossa sociedade justificamem parte a ineficiência ou carências das prestações públicas – em especialnessa primeira fase –, supridas por uma providência enraizada na própriasociedade, isto é, «em Portugal, um Estado-Providência fraco coexistecom uma sociedade-providencia forte» (Santos 1994, 46).

Ainda que este possa ser um tópico controverso, vem a propósito sa-lientar a importância das subjectividades, no sentido em que, como refereo mesmo autor e eu próprio subscrevo, as condições em que esta pro-messa de uma «boa sociedade» foi assimilada pela consciência colectivados portugueses, a ideia de um processo em marcha segura rumo aos pa-drões de vida europeus mais avançados da época, reforçaram significati-vamente os níveis de aceitação e de tolerância perante as dificuldades,tornando-as suportáveis, na medida em que foram vividas como transi-tórias, o que ajudou a «despolitizar» parte dos problemas, uma vez quesucessivas medidas menos populares podiam ser justificadas como ine-vitáveis, em nome das exigências da integração europeia. Deste modo, aforma política do Estado poderia, assim, ser considerada um «Estado-como-imaginação-do-centro» (Santos 1994, 51).

A relevância do Estado e das políticas sociais

Os traços que acabei de referir, apesar de contraditórios, não nos im-pedem de assinalar, como já foi apontado, o efectivo crescimento do Es-tado e das políticas sociais em Portugal, quer no período do pós-25 de

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Abril de 1974, quer ainda durante o Estado Novo. O emprego público,por exemplo, revelou, desde os anos 60, uma tendência de crescimentoconstante até ao início dos anos 90, nomeadamente, como assinalou JoãoFreire, no que se refere ao pessoal afecto às funções sociais do Estado,sobretudo nos sectores da educação e da saúde, um aumento que vemde antes da referida data histórica, o que não deixa de ser ilustrativo decomo esse processo é antigo. Porém, o volume de funcionários nessessectores era baixo até finais da década de 70 (situando-se nos 20% dototal da administração pública), tendo crescido muito rapidamente nasdécadas seguintes (cerca de 68% da administração pública) e mantendo-se estável até 2008 (Rosa e Chitas 2010; Freire 2011).

O número total de assalariados na administração pública rondava os523 119 em 2009. Desde 2005 que esse valor tem vindo a diminuir, tendoo sector público perdido pessoal de forma muito significativa sobretudoentre 2005 e 2010, com uma redução de cerca de 80 000 funcionários.Consequentemente, e como mostram os dados mais recentes, as despesascom o pessoal da administração pública em Portugal decresceram muitosignificativamente. Por comparação com a média dos países da UE27, «opeso das remunerações da administração pública no PIB para Portugaltraduz variações negativas de 10,1% em relação ao ano 2000 e de 11,8%em comparação com o ano 2005, enquanto o mesmo indicador para amédia dos países da UE apresenta variações positivas de 4,8% relativa-mente a 2000 e de 2,4% em comparação com 2005» (BOEP 2011, 1). É claro que o peso relativo da administração pública tem sido apontado,desde há pelo menos uma década, como a principal causa do agrava-mento da despesa pública e do respectivo défice, com isso justificandoum vasto conjunto de medidas (adoptadas pelos últimos governos) nosentido de reformar o Estado, tendência que, como é sobejamente co-nhecido, se tem vindo a agravar com o aproximar da crise e da austeri-dade que enfrentamos neste momento.

Alguns resultados do European Social Survey Programme

Para além do peso relativo do Estado social na economia, importa re-ferir outros indicadores, nomeadamente os que se prendem com as ati-tudes subjectivas dos cidadãos. Algumas das bases de dados recolhidasperiodicamente nos países da UE e em Portugal permitem atestar a cen-tralidade que o Estado social ocupa nas representações das pessoas, per-

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Gráfico 7.1 – Indicador de percepções de responsabilidade social do Estado

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mitindo-nos daí induzir os impactos reais das políticas sociais. Por exem-plo, olhando o inquérito de 2008 do European Social Survey (ESS) – quepermite comparar dados de quatro inquéritos, de 2002 a 2008 (Vala et al.2010) –, fica desde logo clara a importância atribuída pelos inquiridos àresponsabilidade social do Estado, visto que, na média dos países consi-derados (excepto Portugal), atribuem uma importância média de 7,7, naescala entre 0 (mínima) e 10 (máxima).1 No caso português, a classificaçãoé de 8,12 na mesma escala, posicionando-se assim o nosso país entre ogrupo dos que atribuem maior importância ao papel do Estado social (v.gráfico 7.1).

Vale a pena ainda referir outros aspectos mais específicos e igualmenterelacionados com o funcionamento das instituições estatais. Por exemplo,a quebra dos níveis de satisfação dos cidadãos perante a democracia e aconfiança nas instituições ou as atitudes perante o estado da educação eos serviços de saúde.

Assim, os resultados do ESS (medidos na escala de 0 = extremamenteinsatisfeito e 10 = extremamente satisfeito) revelam que ao longo da pri-meira década do presente século os portugueses se mostraram modera-damente satisfeitos com as suas condições de vida (v. abaixo referência à«felicidade subjectiva»), mas com percentagens de satisfação claramenteabaixo da média dos países da UE, resultados que se acentuam quando

1 Este indicador refere-se a um índice criado a partir da média das respostas relativasa opiniões sobre qual deve ser o papel do Estado em seis áreas distintas.

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Gráfico 7.2 – Percentagem de respostas abaixo do ponto médio da escala (entre 0 e 4) na medida de satisfação com a actuação do governo do ESS

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Gráfico 7.3 – Percentagem de respostas abaixo do ponto médio da escala (entre 0 e 4) na medida de confiança nos políticos do ESS

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comparados com os países nórdicos (Vala et al. 2010). No caso da situaçãoeconómica do país, os níveis de insatisfação são bem mais evidentes ecom tendência para o agravamento à medida que foram sendo recolhidos

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os sucessivos resultados dos quatro inquéritos aplicados ao longo da dé-cada. Quanto ao grau de satisfação perante a forma como o governo estáa actuar, os resultados oscilaram um pouco ao sabor dos ciclos políticos(com maiores índices de insatisfação nos anos de 2004 e 2008), mas, deum modo geral, evidenciaram avaliações negativas em valores mais acen-tuados do que a média da amostra, sendo que o somatório de percenta-gens negativas (entre 0 e 4) é sempre superior a 60%, atingindo os 83,2%em 2004 e os 66,6% em 2008 (v. gráfico 7.2).

Esta insatisfação com a actuação do governo só é superada quandose trata de avaliar o grau de confiança nos «políticos» (v. gráfico 7.3). Nestecaso, somando os valores negativos (entre 0 e 4 da escala), obtemos para2004 uma percentagem de 86,5% e para 2008 de 81,3%, além de que osresultados negativos são bem mais acentuados em Portugal do que namédia dos restantes países.

Refira-se ainda, a propósito da fraca confiança na «classe política»,que o indicador «nenhuma confiança» obteve em 2002 uma percentagemde 17,2% de respostas (contra 11,8% da média dos outros países), evo-luindo depois para 25,3%, 25,7% e 29,4%, respectivamente, nos anos2004, 2006 e 2008, mantendo-se cerca de 10 pontos acima da média. É de referir ainda que essa baixa confiança (no governo e nos políticos)se estende também à confiança social (interpessoal e no altruísmo dosoutros) e institucional (parlamento nacional). Conforme se refere numestudo comparativo de âmbito europeu, os países escandinavos (Dina-marca, Finlândia, Noruega, Suécia) e a Suíça revelam os mais elevadosníveis de confiança nesses dois planos, enquanto Portugal, a Espanha eos países do Leste da Europa (em especial a Polónia, a Hungria e a Eslo-vénia) revelam resultados opostos, mostrando níveis de confiança muitobaixos (Correia Silva 2011, 51-57).

Para concluir este tópico, vale a pena uma referência às representaçõesdos portugueses quanto a dois sectores fundamentais: a saúde e a educa-ção. De acordo com as mesmas bases de dados, a apreciação subjectivados portugueses no campo da saúde aponta para uma avaliação, emmédia, negativa ao longo da década, embora com tendência para umacrescente moderação, ou seja, se em 2002 as respostas entre 0 e 4 (namesma escala de 0 a 10) somavam 70,1%, nos inquéritos de 2004 e 2006revelaram um decréscimo para 66,1% e 65,4%, respectivamente, bai-xando ainda de forma mais vincada nos dados de 2008 para 52,0% deavaliação negativa dos serviços de saúde (v. quadro 7.1).

Já no caso da educação (v. quadro 7.2), as respostas obtidas ilustramigualmente uma percepção pouco satisfatória, evoluindo as respostas

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O Estado social em causa: instituições, políticas sociais e movimentos sócio-laborais

– usando o mesmo critério – de 62,3% de opiniões negativas em 2002para 59,1% em 2004, 53,6% em 2006 e 57,2% em 2008, revelando, nestecaso, um agravamento no último período (Vala et al. 2010).

Sendo as atitudes negativas bastante mais vincadas do que nos res-tantes países, isso quer dizer que, pelo menos do ponto de vista subjec-tivo, estes serviços não conseguiram responder às expectativas dos cida-dãos, pelo que, apesar de denotarem um ligeiro abrandamento, serevelaram factores de preocupação e stress psicológico.

A felicidade subjectiva dos cidadãos

Procurando medir a felicidade dos cidadãos a partir de modelos da psi-cologia social (Easterlin 2001 e 2005; Veernhoven e Hagerty 2006; Veer-nhoven 2011), um estudo recente conduzido por Rui Brites da Silva mos-trou que, em termos do índice de bem-estar subjectivo, os portuguesesocupam uma posição sofrível na segunda metade da tabela. No rankingde Veernhoven para o período de 2000-2009, Portugal ocupa a 79.ª posi-ção (com 5,7 pontos na escala de 0 a 10) entre 149 países, empatado coma Bielorrússia, Jibuti, Egipto, Mongólia, Nigéria e Roménia. Os primeiroslugares são ocupados pela Costa Rica (1.º, com 8,5 pontos na mesma es-cala), Dinamarca (2.º), Islândia (3.º), Canadá (4.º), Finlândia (5.º). Para

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Quadro 7.1 – Percentagem de respostas abaixo (entre 0 e 4) e acima (entre 6 e 10) do ponto médio da escala na medida do ESS de atitudes relativas aos serviços de saúde no país

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Portugal 70,1 14,9 66,1 17,0 65,4 19,1 52,0 28,4UE pré-alargamento 36,9 47,5 33,7 51,0 33,2 52,1 29,1 56,1Países nórdicos 29,0 57,1 27,0 60,0 21,1 65,4 22,0 64,1

Quadro 7.2 – Percentagem de respostas abaixo (entre 0 e 4) e acima (entre 6 e 10) do ponto médio da escala na medida do ESS de atitudes relativas ao estado da educação no país

2002 2004 2006 2008

% 0-4 % 6-10 % 0-4 % 6-10 % 0-4 % 6-10 % 0-4 % 6-10

Portugal 62,3 17,5 59,1 20,0 53,6 23,9 57,2 20,2UE pré-alargamento 38,3 42,9 38,2 42,9 37,6 45,0 36,8 45,6Países nórdicos 19,7 69,2 16,7 72,2 14,8 74,4 16,1 73,3

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além disso, aquele estudo, que se apoiou não só nestes indicadores, masainda no relatório da comissão Stiglitz, apresenta resultados do índice debem-estar subjectivo, tentando conjugar as dimensões subjectiva e objec-tiva da felicidade. Apesar das suas limitações, os critérios utilizados reve-laram uma significativa consistência com a avaliação subjectiva dos in-quiridos espelhada nos dados do ESS acima referidos. Além disso, foipossível, com base nisso, concluir que o bem-estar subjectivo dos portu-gueses diminui de Norte para Sul do país, que os índices de felicidade sãomaiores nos homens do que nas mulheres e ainda que os mais baixos ín-dices de bem-estar subjectivo se encontram entre as camadas etárias maisvelhas, em particular as do sexo feminino (Silva 2011, 200-205).

Estas indicações, nomeadamente no que respeita à condição femi-nina, têm sido assinaladas em vários outros estudos e são de certo modocoerentes com os dados estatísticos reveladores de que as mulheres tra-balham mais em actividades não remuneradas, trabalham mais horas noespaço doméstico e também continuam a ser vítimas de discriminaçãosalarial e de segregação noutros domínios da vida social (Carmo 2010;Ferreira 2010), como adiante será mencionado. Por outro lado, o factode os segmentos mais jovens evidenciarem resultados menos negativosno plano das subjectividades deverá prender-se com outras variáveis as-sociadas ao critério geracional, que não aquelas que dependem directa-mente da situação sócio-laboral da juventude. O mundo do trabalho é,portanto, um dos temas que merecem atenção, tanto por aquilo que re-presenta do ponto de vista sociológico como pela sua implicação com aquestão do Estado social.

Reforma do Estado, precariedade e desigualdades sociais

Tem sido repetidamente sublinhado que o sector onde as grandes mu-danças do neoliberalismo global têm tido um alcance mais evidente epreocupante é o campo laboral. Por isso mesmo, diversas abordagenstêm tentado destacar a importância da centralidade do trabalho e, comisso, procurado mostrar como a esfera económica não pode continuar aser pensada separadamente da esfera social (Santos 2003; Silva 2007; Fer-reira 2009; Boavida e Naumann 2007; Oliveira e Carvalho 2010; Estan-que e Costa 2011). A actual tendência de precarização das relações detrabalho, de dissociação entre condições profissionais e vínculos laborais,está de facto a pôr em causa os velhos critérios e formas de diálogo, os

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O Estado social em causa: instituições, políticas sociais e movimentos sócio-laborais

valores de solidariedade e, no fundo, o modelo de contrato social inspi-rado pela filosofia iluminista e consolidado desde o pós-guerra. Não éde mais sublinhar que nos últimos vinte anos as transformações ocorridasno mercado de trabalho fustigaram de forma dramática os direitos e aqualidade do emprego. O moledo produtivo que até aos anos 80 do sé-culo passado pôde sustentar uma classe média que parecia em expansãosofreu, entretanto, convulsões profundas que abalaram abruptamente assuas expectativas mais risonhas. O aumento e a diversificação da preca-riedade laboral passaram a constituir um dos principais traços de recom-posição do mercado de trabalho tanto em Portugal como nos outros paí-ses da União Europeia. Vimos assistindo a uma «tendência que traduz oestilhaçar da homogeneização e estabilidade em que assentava o padrãomodal do emprego quanto à natureza do vínculo laboral, ao tempo detrabalho e ao estatuto social do trabalhador» (Gonçalves 2010, 184).

Na última década, os postos de trabalho em regime de contratos per-manentes diminuíram ao mesmo ritmo em que aumentaram os contratosa termo certo. Aliás, o crescimento das situações precárias – ou o que ou-trora se designava como situações «atípicas» no campo do emprego –tem evoluído para uma profunda alteração do velho padrão de estabili-dade, obedecendo hoje a uma multiplicação de situações e de percursosprofissionais, bem como no plano subjectivo e das vivências, quer doemprego, quer do desemprego, numa reconfiguração permanente, quejustifica novos questionamentos sobre essas novas formas de prestação detrabalho que podem designar-se por novas «patologias da democracia la-boral» (Ferreira 2009, 76). Os valores do emprego precário (se somarmosos contratos a termo, os recibos verdes, os trabalhadores temporários e otrabalho a tempo parcial) aproximam-se já dos 28% a 30% do emprego.Este tipo de contratos aumentou progressivamente e em todas as faixasetárias, sendo a referida geração (hoje popularizada pelo nome de «geraçãoà rasca») a que mais sofre com isso, o que acontece, de resto, em muitospaíses europeus, como, por exemplo, a Espanha, a Alemanha, a Suécia ea França, onde, tal como em Portugal, mais de 50% dos trabalhadoresdesta geração já se encontram em situação precária (Gonçalves 2010). O desemprego de jovens licenciados tem vindo a agravar-se nos últimosanos, atingindo os 55 000 casos (em 2010), embora se saiba – e convémrealçá-lo – que os licenciados auferem salários mais elevados e permane-cem menos tempo em situação de desemprego, ou de trabalho precário.Em todo o caso, quer o desemprego, quer os contratos não permanentes,atingem especialmente o segmento mais jovem. E isso aconteceu deforma drástica, estando 37,6% dos trabalhadores com idades entre 15 e

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34 anos em situação laboral de contratos a prazo, e, considerando apenaso segmento etário dos 15 aos 24 anos, essa percentagem já se aproximavaem 2010 dos 50% (INE 2007; Inquérito ao Emprego; Carmo 2010).

Para além disso, convém ainda lembrar que nos últimos dois anos,sobretudo com o pedido de resgate e a entrada da troika no nosso país,os números do desemprego se agravaram drasticamente – colocando--nos entre os três países de maior desemprego da UE, apenas atrás da Es-panha e da Grécia –, subindo para 15,8% no 3.º trimestre de 2012, en-quanto o segmento mais jovem (15 a 24 anos) atingiu o valor record de39,0% de desempregados (INE 2012, relatório do 3.º trimestre).

No caso das mulheres, apesar de possuírem um elevado peso no mer-cado de trabalho português (56,2% é a taxa de actividade feminina, umadas mais elevadas da Europa) e de a sua presença ser maioritária entre apopulação empregada que completou o ensino secundário e superior,continuam a ser vítimas de segregação no campo profissional, o que secomprova pela sua menor presença nas categorias profissionais mais qua-lificadas. Considerando as percentagens segundo o sexo por referênciaao respectivo peso entre os trabalhadores com níveis de educação maiselevados, verifica-se que, enquanto 71,6% dos homens nessa condiçãopertencem àquelas categorias (quadros médios e superiores), apenas54,6% das mulheres se encontravam em posições idênticas em 2005(Rosa 2008). Além disso, as diferenças salariais entre homens e mulherespermanecem acentuadas, sendo que a desigualdade salarial se agrava àmedida que consideramos os segmentos profissionais com habilitaçõesescolares mais elevadas.

Os fluxos de mobilidade social ascendente foram reais durante algumtempo, mas oscilaram sempre ao sabor de deslizes e variações em queos ganhos e perdas de meios materiais e status profissionais se anulavammutuamente. A classe média possui um peso escasso e uma duvidosa so-lidez, se comparada com as sociedades avançadas da Europa. O sistemade ensino superior, geralmente considerado um dos principais canais depromoção da mobilidade – apesar de ter crescido massivamente nas úl-timas três décadas e acolher hoje um volume significativo de estudantesprovenientes dos estratos da classe média-baixa e trabalhadora –, debate--se com indefinições diversas e muitos jovens que o frequentam vêem-se perante a impossibilidade de acederem a uma profissão que lhes ga-ranta um estatuto social substancialmente superior ao das suas famíliasde origem.

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O Estado social em causa: instituições, políticas sociais e movimentos sócio-laborais

Impactos sobre a classe média

O Estado e o mercado constituem desde sempre instâncias de eleiçãoenquanto factores de racionalidade dos sistemas sociais, pelo que as po-líticas de regulação – da economia e da sociedade – se apoiam necessa-riamente na interligação entre essas duas esferas da vida social. A estru-turação da actividade produtiva pode obedecer a uma intervenção directaou indirecta do Estado e ocorre através de uma diversidade de canais,constituindo exemplos disso o investimento em novas tecnologias e emconhecimento científico, a capacidade de promover instituições de re-gulação dos conflitos laborais ou as políticas educativas, entre outros.Assim, as políticas sociais e laborais coordenadas pelo Estado reflectem--se não só na estruturação do mercado de trabalho, em geral, mas tam-bém, e desde logo, no maior ou menor peso da administração públicana oferta de emprego. Por exemplo, a regulação administrativa nos cam-pos da saúde, da educação, da segurança social, etc., promoveu durantedécadas o aumento de sectores profissionais qualificados, funcionáriosadministrativos, técnicos e especialistas de diversos tipos.

O caso português parece, de facto, indicar não só o importante pesodo Estado na estruturação da «classe média», como os efeitos do processomais geral de recomposição e mudança estrutural (Estanque 2012). Noentanto, uma parte significativa dos funcionários e empregados do sectorterciário (quer no privado, quer na administração pública) debate-se comproblemas inerentes a uma condição de facto vulnerável, isto é, a cons-trução da classe média portuguesa, além de incompleta, deu lugar a umamiragem que hoje vive perante a ameaça de a todo o momento se esfu-mar. Para aferirmos mais em concreto o risco de vulnerabilidade que emPortugal já toca várias franjas da classe média é conveniente ter presenteo modo como a questão do endividamento se conjuga com a evoluçãodas desigualdades. Para tal é necessário ter presentes as estatísticas da po-breza e da distribuição da riqueza no país.

As instituições e programas de solidariedade existentes no país paradar assistência aos mais carenciados têm dado conta de um fenómeno,que parece estar em crescimento, de pobreza envergonhada, o qual se re-laciona directamente com o endividamento das famílias. Como é sabido,a percentagem de portugueses em risco de pobreza (considerado comocritério o limiar dos 60% do salário mensal médio, ou seja, cerca de 414euros) tem decaído ligeiramente nos últimos dez anos, mas mantém-seainda nos 18% (em 2003 era de 20,4%, segundo o INE), isto após astransferências sociais (antes delas o valor dispararia para mais de 40%).

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Entre 2006 e 2009 aumentou em 36% o número de pessoas abrangidaspelo rendimento social de inserção (RSI), que em finais do ano passadoabrangia 804 000 indivíduos. Os valores do incumprimento no créditoà habitação situam-se, segundo os últimos dados, nos 1957 milhões deeuros, cerca de 2% do total da dívida, e, no caso do crédito ao consumo,esse montante é de 1232 milhões de euros, o equivalente a 7% do total.

De acordo com a informação disponibilizada por instituições como oBanco Alimentar contra a Fome, a Amnistia Internacional (AMI), a Ca-ritas ou as Misericórdias, as situações de pobreza acentuam-se e cresce apobreza envergonhada: «as pessoas pedem comida, ajuda para pagar oslivros dos filhos, a mensalidade da casa, a conta da farmácia. Pedem, so-bretudo, que não lhes divulguem o nome, porque nunca se imaginaramna posição de quem faz o gesto de estender a mão a pedir ajuda; [...] sãopessoas que comem [nas cantinas comunitárias] viradas para a parede,têm vergonha de ser vistas ali, se lhes perguntarem o nome fogem [...]»(entrevista a Manuel de Lemos, presidente da União das MisericórdiasPortuguesas, citado no jornal Público, 7-11-2010).

Os processos de sobreendividamento acompanhados pela DECO –Associação de Defesa do Consumidor aumentaram sistematicamente aolongo da última década, atingindo 2837 processos em 2010, mas comum número de pedidos bem maior (17 372). A comparação entre os úl-timos quatro anos pode ser feita a partir dos processos entrados nos pri-meiros dois meses de cada ano, sendo que no 1.º trimestre de 2011 jáhaviam dado entrada 612 processos (mais 110 do que no mesmo períododo ano anterior), e, se considerarmos também os pedidos que não deramlugar a processos, em Janeiro e Fevereiro de 2011 foram 2329 contactos,o que corresponde a uma média de 40 por dia. Os motivos apontadossão em primeiro lugar, o desemprego (33,5%), seguido de motivos dedoença (20,8%) e da deterioração das condições laborais (19,9%). Se-gundo uma responsável daquela organização, para além dos motivosapontados, começa já a notar-se o efeito dos cortes salariais da funçãopública para os salários acima dos 1500 euros, referindo uma situaçãopreocupante «com o actual contexto económico e com a subida das taxasde juro, a nossa perspectiva é que o número de famílias sobreendividadasaumente este ano, e aumente significativamente» (Público, 20-3-2011).

A maior dificuldade indicada para combater com eficácia este pro-blema prende-se com facto de o sobreendividamento traduzir não só osimpactos destrutivos do desemprego, da doença e da crise, em geral, masainda o ciclo vicioso em que estas famílias se deixam enlear, somandovários créditos em simultâneo e muitas vezes contraindo novos emprés-

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timos para fazer face aos antigos. Segundo os dados da DECO, 42,2%dos processos referem-se a um número de 1 a 3 créditos, mas 39,8%dizem respeito a um número de 4 a 7 créditos e cerca de 18% correspon-dem a um número de 8 ou mais créditos. Em suma, estes fenómenosdeixam transparecer a angústia de famílias inteiras afogadas em dívidas,que, de acordo com as fontes citadas, entram em processo de descontroloe falência, pois tendem a procurar ajuda já numa fase de aceleração im-parável de afundamento no redemoinho do endividamento. Na maioriadas vezes, os pedidos chegam quando já não é possível socorrerem-se daretaguarda familiar.

Estas indicações em torno da pobreza e do endividamento pretendemevidenciar alguns dos novos contornos que estes fenómenos têm vindoa adquirir entre nós e que já começaram a atingir alguns segmentos daclasse média. Sem deixar de reconhecer a urgência em dar combate aoflagelo da pobreza, nomeadamente através dos programas de solidarie-dade, que desde os primórdios da era moderna foram mobilizados, querpor organizações filantrópicas e caritativas da sociedade civil, quer pelosprogramas assistencialistas do Estado, é inquestionável que tais problemasterão de ser entendidos no quadro estrutural de funcionamento do sis-tema económico capitalista. Nessa medida, o enfoque aqui adoptadopretende olhar as desigualdades económicas e a sua dinâmica, não comodistorções ou anomalias transitórias, mas enquanto parte dos processosde recomposição social mais vastos, inerentes às próprias contradiçõesestruturais do sistema.

Nesse sentido, pode dizer-se que, tal como acontece na escala global,o enriquecimento dos sectores e grupos sociais privilegiados tem comoconsequência o empobrecimento dos grupos sociais mais carenciados.Assim, o agravamento das desigualdades e da pobreza – na fase de criseaguda em que hoje estamos mergulhados – é, sem dúvida, indissociáveldo papel central do mercado e da economia financeira enquanto centrosde poder nas sociedades ocidentais. É por isso mesmo, aliás, que a acçãoreguladora e redistributiva do Estado continuará a ser a pedra-de-toquede uma Europa que pretenda recuperar a coesão e o equilíbrio perdidos,ainda que – é forçoso reconhecê-lo – esse papel só possa ser eficaz se forpossível redefinir novas formas de racionalização que assegurem uma ri-gorosa gestão de custos e garantam a efectiva viabilidade financeira daspolíticas públicas.

A acentuada desigualdade na distribuição da riqueza em Portugal temsido revelada por diversos estudos como um problema estrutural difícilde combater (Eurostat 2006; Carmo 2010). A diferença entre o rendi-

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mento médio dos 20% mais bem pagos e os 20% pior remunerados era7,4 vezes a favor dos primeiros em 1995, tendo desde aí decaído lenta-mente para 6,8 vezes em 1998, valor que passou a 6,9 no ano 2005, para6,5 em 2007, e no ano seguinte situou-se em 6,1 (dados do INE 2008;Carmo 2010). Note-se ainda que a disparidade das desigualdades de ren-dimento aumenta se restringirmos os segmentos em comparação: entreos 10% com salários mais elevados e os 10% que auferem salários maisbaixos a diferença era, em 2006, de cerca de 12 vezes mais. Esta situação,como muitas outras, é bem mais grave em Portugal do que na média dospaíses da União Europeia (na UE15, o diferencial era, no mesmo ano,de 4,8 vezes) e é ainda mais contrastante se a compararmos com um paíscomo a Dinamarca, onde essa discrepância era, no mesmo ano, de apenasde 3,5 vezes.

Os dados mais recentes comprovam que as desigualdades se acentua-ram entre 1995 e 2005, diminuindo a partir daí, embora muito ligeira-mente. Esta tendência tem sido confirmada por diversas escalas de me-dição, como, por exemplo, o coeficiente de Gini, que revelou umagravamento de 34,4 em 1995, para 35,1 em 2005, tendo subido para 36em 2008, ano em que Portugal se colocou entre os três países mais desi-guais da UE27 (CLBRL 2007, 42-43; INE 2009). Os elevados valores dadesigualdade na distribuição do rendimento juntam-se ao facto de cercade 18% da população viver ainda no limiar da pobreza, um risco que éainda maior no caso dos reformados (20%), dos restantes inactivos (28%)e dos desempregados (35%), sem esquecer que as desigualdades salariaise de género permanecem muito vincadas. Os diagnósticos disponíveistêm vindo a reiterar a persistência de uma situação muito preocupanteneste campo, sendo as melhorias verificadas nas últimas duas décadasquase insignificantes.

Em sectores específicos, como os jovens e as mulheres, as diferençasde oportunidades continuam a ser flagrantes, sendo, portanto, categoriassociais através das quais as novas desigualdades têm vindo a consolidar--se, o que é manifesto em indicadores como os índices de desemprego,de precariedade, as diferenças entre os níveis salariais e as oportunidadesde emprego. Segundo os últimos relatórios do Observatório das Desi-gualdades do ISCTE-IUL, entre os trabalhadores com o ensino básico adiscrepância salarial entre géneros é de 13,5% (em benefício dos homens),evoluindo para 26,5% nos que possuem o ensino secundário completoe subindo para 27,2% na camada da força de trabalho com frequênciado ensino superior (Carvalho 2011). Isto evidencia bem como os pro-cessos de mudança, apesar das importantes conquistas que alguns deles

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trouxeram consigo (por exemplo, no plano das qualificações escolares ecompetências sócio-profissionais), são, em geral, indutores de novas di-nâmicas de desigualdade, que parecem obedecer a uma permanente rea-daptação, mas ao mesmo tempo são dotados de grande capacidade deresiliência.

Juventude e novos movimentos sócio-laborais

O crescimento económico do pós-guerra permitiu sustentar um Es-tado social que favoreceu importantes transformações e conquistas, masao mesmo tempo procurou programar o futuro, contribuiu, paradoxal-mente, para proporcionar uma viragem de paradigma que fez emergir di-versas perversões e entropias no sistema, dando lugar a novos protago-nistas e movimentos anti-sistémicos que, embora clamando por um«futuro agora», acrescentavam novas incertezas que mais tarde culmina-ram na «crise do futuro» (Leccardi 2005).

Foi nesse quadro que a juventude se impôs como actor social, inti-mamente associada à expansão do sistema de ensino e do Estado de bem--estar. Mas, se o acesso à educação e o progressivo aumento da escolari-dade levaram a um alargamento cada vez maior do período de formaçãoe, portanto, da fase de transição para a vida adulta, tal não implicou umaabsoluta homogeneidade entre os jovens. Paralelamente, o processo demassificação dos bens materiais compaginou-se com o poder cada vezmais uniformizador das indústrias da cultura e dos mass media, cujo im-pulso decisivo foi, em boa medida, suscitado a partir da invenção e de-mocratização da radiodifusão, primeiro (anos 30), e da televisão, maistarde (anos 50), fabricando audiências intermináveis de públicos ávidosde entretenimento e de um consumismo desenfreado. Esta tendênciaatingiria o seu auge nos finais dos anos 60, ajudando a despoletar as lutascontra o consumismo e a alienação do homem unidimensional (Marcuse1967). Muito embora «a juventude» jamais tenha sido um actor homo-géneo, os seus segmentos mais escolarizados, com maior capital culturale mais politizados – no contexto de uma perigosa corrida aos armamen-tos entre as duas superpotências da «guerra fria» e de uma guerra do Viet-name que colhia milhares de vidas aos jovens dessa geração –, animadospor essa nova torrente de valores e opções estéticas, culturais, musicais,etc., foram engrossando os movimentos estudantis que vinham cres-cendo e cantando a liberdade nos campus das universidades da Europa edos EUA, ao som dos Beatles, Rolling Stones, Beach Boys, Led Zepelin

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e tantos outros, aumentando o tom da crítica sistémica e ganhando umacrescente força política, cujo momento culminante terá sido o Maio de68 em Paris. Mas o auge da irreverência dos estudantes parisienses deixouno ar algum sabor amargo, na medida em que saiu frustrada essa ingénuaexpectativa de união «revolucionária» com o movimento operário. Po-derá a história ser reescrita a este respeito? Isto é, quatro décadas depois,fará sentido admitir que a componente culturalista e simbólica que, emgeral, se inscreve nas culturas juvenis e universitárias possa voltar a reu-nir-se com a acção colectiva oriunda do mundo «social» e do campo la-boral?

O legado dos sixties revelou-se de grande significado, em particularno terreno sócio-cultural, por ter conseguido evidenciar o esgotamentode uma moral convencional e de um modelo de democracia formal queestava a pôr em evidência os seus limites por via do activismo radicaldos filhos das classes médias ocidentais. É possível que os novos repor-tórios introduzidos pelos novos movimentos sociais na agenda políticamundial e as fissuras que eles ajudaram a revelar no sistema económicoe nas democracias liberais tenham contribuído para intensificar o abalopolítico que a crise petrolífera da década seguinte veio a provocar nostatus quo do capitalismo ocidental. Curiosamente, os filhos do Estadosocial tornaram-se os principais críticos do sistema que o gerou e lhedeu viabilidade. Quanto mais a economia crescia, e com ela o poder decompra das classes trabalhadoras, mais estas reforçavam as hordas deconsumidores atraídos pela «sociedade da abundância» e formatandoos seus padrões de gosto pelos da classe média. E, entretanto, foram osfilhos das elites que mais se mostraram entediados com a paz social, aprevisibilidade de um «futuro» assegurado e a hipocrisia do discurso po-lítico. Aqueles que já estavam a caminho de engrossar a elite rejeitaramos seus padrões, enquanto os que cresciam nos bairros operários aspira-vam a entrar num ensino superior que lhes negava o acesso. Por outraspalavras, as universidades públicas legitimavam a «meritocracia» dos fi-lhos das elites, enquanto as novas gerações da classe operária desistiamda revolução, preferindo frequentar os shoppings, e sonhavam em com-prar um automóvel.

Os movimentos de há quarenta anos introduziram rupturas que aindahoje se repercutem em múltiplos domínios. Tiveram uma influência mar-cante, quer no plano cultural, quer no plano político, contaminando osmodos de vida de sucessivas gerações e as formas de acção colectiva develhos e de novos movimentos, abrindo espaço a novas concepções, lin-guagens e referências ideológicas no plano social e institucional (Eagleton

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1991; Cohen e Arato 1992; Eyerman e Jamison 1991; Melucci 1996; Eder1993; Touraine 1985 e 2006). Pode dizer-se que os padrões de gosto de-sencadeados a partir dos movimentos juvenis dos anos 60 no Ocidente – no plano estético, no vestuário, na música, nos interesses literários e in-telectuais, na expressão da sexualidade, etc. – não só alteraram o quoti-diano e os modos de vida das gerações seguintes, como desenharam novoscontornos na esfera pública e política, em geral. A importância da cha-mada crítica artística (Boltanski e Chiapello 2001) inseriu-se no processode desconstrução culturalista que esses movimentos imprimiram, alte-rando até certo ponto a própria natureza do capitalismo, apesar das res-postas que se seguiram – ou por causa delas – sob a acção canibalizadoradas instituições e do mercado, abrindo caminho a novos valores e novasmodalidades de acção colectiva não apenas no mundo desenvolvido, masà escala internacional (Holzmann e Padrós 2003; Cardoso 2005).

Entretanto, sobretudo após a queda do muro de Berlim e o conse-quente colapso do império soviético, esbateram-se largamente as ideolo-gias que durante mais de um século inspiraram os principais movimentossociais sob formas de acção colectiva inspiradas em modelos utópicos decariz emancipatório. No quadro deste processo, as novas tendências docapitalismo global estimuladas pelo neoliberalismo colocaram novos obs-táculos e desafios à acção colectiva, em larga medida esgotando os «ve-lhos» movimentos e ao mesmo tempo estimulando novas redes e formasmais fluidas de «alterglobalização» e de activismo no «ciberespaço», ondeimportantes segmentos juvenis intervêm permanentemente (Ribeiro2000; Waterman 2002; Santos 2004, 2005 e 2011; Estanque 2006).

Mais recentemente, o mundo tem vindo a assistir a uma nova ondade protestos e movimentos, em diferentes contextos e de consequênciassócio-políticas ainda difíceis de aferir de modo contundente, mas que dei-xam antever que a rebelião das massas não desapareceu, embora hoje aforma como se manifestam – em especial as camadas mais jovens – obe-deça a lógicas diferentes e seja apoiada por recursos e meios essencialmentedistintos dos que animaram os movimentos juvenis dos anos 60 e 70 doséculo passado. Basta lembrar as convulsões do último ano em vários paí-ses do mundo árabe, nomeadamente na bacia mediterrânica, para se per-ceber como os movimentos de cidadãos podem resultar em autênticas re-voluções políticas quando a mobilização se generaliza e ousa enfrentarregimes despóticos. Nos mais improváveis contextos culturais e religiosos– inclusive no mundo islâmico, que alguns, após o 11 de Setembro de2001, apressadamente consideraram ser um mundo em «choque» civili-zacional com o Ocidente –, as revoltas que emergiram no ano passado

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na Tunísia, no Egipto, na Líbia, na Argélia, no Bahrein, na Síria, no Iémen,apesar das particularidades de cada uma delas, foram amplamente parti-cipadas pelas camadas mais jovens e mais escolarizadas das «classes mé-dias» desses países. Ainda que o futuro seja uma incógnita e a «primaveraárabe» não possa ainda confirmar que se tratou de um desfecho vitoriosoda democracia (muito menos se ela for entendida como mero sinónimodo modelo ocidental), parece consensual que foram experiências eminen-temente democráticas, participativas e de consequências emancipatóriaspara cada um desses povos. Os novos canais de comunicação ligados àsnovas tecnologias, à internet, telemóveis, facebook e outras redes sociais,foram elementos de novidade muito presentes, se não mesmo decisivospara o impacto dessas revoltas, tal como nos movimentos laborais e juve-nis que têm atingido a Europa nos últimos anos.

Se optei por concluir com este tópico acerca dos movimentos sócio--laborais, é porque entendo que ele pode fornecer uma leitura diferenteem torno da relação entre o Estado e a sociedade civil. Uma relação quesempre foi problemática e – sabemo-lo bem – denuncia uma divisão queé, ela própria, questionável desde a sua origem. Sendo eminentementeanalítica, essa divisão pode ajudar a clarificar algumas das tensões e am-bivalências da actuação do Estado, seja no plano político e institucional,quando o Estado usa a sua legitimidade para regular a organização dasociedade, seja no plano das relações entre o Estado e os interesses pri-vados, que por vezes penetram no seu seio e o controlam, não raro con-dicionando e pervertendo a própria legitimidade democrática. Ou seja,em Portugal «temos um Estado dócil entre os poderes fácticos e forte earrogante ante as classes populares, de quem se espera docilidade e obe-diência» (Santos 2011, 109).

Conclusão

Para concluir, vale a pena formular uma linha de reflexão que exprimeuma outra faceta do presente tema, a saber: até que ponto a centralidadeque o Estado social continua hoje a ocupar no imaginário colectivo doscidadãos europeus joga um papel fundamental no futuro da Europa?

Uma hipótese explicativa a explorar pode colocar-se nos seguintes ter-mos: o ataque de que tem vindo a ser (e está a ser) alvo o Estado socialeuropeu constitui um factor decisivo para a instabilidade e conflituali-dade que pode generalizar-se na Europa nos próximos tempos. Boa partedas questões que estão na agenda perante a actual crise passa por resolver

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o dilema entre uma Europa com mais cidadania, em que o vasto patri-mónio construído ao longo do século XX pode continuar a inspirar es-tratégias de futuro sem deitar por terra os valores da justiça social, daigualdade e da solidariedade, continuando em busca de programas viáveise eficazes de redistribuição, ou se, em vez disso, insiste num modelo quevá apenas no sentido do aprofundamento do anterior, isto é, que persistano reforço da hegemonia da economia neoliberal e no triunfo irreversíveldos mercados, em detrimento da sociedade e do Estado.

Ora, sabendo nós a importância que o Estado social assumiu nas po-líticas redistributivas e ao mesmo tempo no imaginário dos cidadãos,como se viu atrás, e tendo presente a intensificação das desigualdades es-truturais em sociedades onde o princípio liberal e o individualismo sãoincipientes (na Europa continental pelo menos), é de admitir que a solidezdo sistema e a coesão social possam colapsar se o próprio Estado socialvier a colapsar. A reforçar esta ideia está o facto de que, ao contrário dospaíses anglo-saxónicos, nas sociedades do Sul da Europa, como Portugal,de forte tradição católica, com laços comunitários e culturas paroquiaismuito intensos, e que viveram longas ditaduras de matriz estatal, as novasclasses médias (assalariadas) foram estruturadas muito tardiamente. Nocaso português, foi sobretudo no período democrático que tal processoteve lugar e muito à sombra do (frágil) Estado-Providência entretantocriado, ou seja, são quase insignificantes os segmentos sociais da classemédia (assalariada e mesmo empresarial) que se regem pelos princípiosmeritocráticos. Foram principalmente a estabilidade e os horizontes deuma carreira segura e previsível, oferecida em primeira instância pela ad-ministração pública (em especial os sectores da educação, da saúde e daadministração central e local), que serviram de suporte à classe média,pelo que, atingidos tão fortemente como estão a ser na actual situação deausteridade, tais sectores venham a inverter muito rapidamente a tendên-cia anterior, enfrentado agora os buracos e vazios nessa rede protectora (oEstado) que até há poucos anos acalentou o sonho da classe média urbana.

Há cerca de dez anos fazia sentido falar-se de um «efeito classe média»(Estanque 2003), resultante dessa aura de ilusões que induziu franjas sig-nificativas das nossas famílias trabalhadoras a julgarem-se membros daclasse média. Mas hoje essa fantasia de quem se julgava à beira de umstatus respeitável e de uma condição económica desafogada – fortementeestimulada pela aparente facilidade de crédito – esbarra com uma reali-dade bem mais dura, que nos revela uma «classe média sitiada» (Santos2011), colocada no limiar de uma inesperada proletarização. Nestas con-dições, é de esperar que a classe média e os seus descendentes comecem

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de facto a revoltar-se contra um sistema que os sugou e agora os pretendedescartar sem qualquer recompensa (Estanque 2012).

De certo modo, é isso que exprimem alguns dos actuais movimentossócio-laborais. Ao contrário dos movimentos estudantis e culturais dosanos 60 e 70, os actuais protestos de jovens, organizados através das redesdo ciberespaço e alheios a ideologias políticas, situam-se na fronteira entreum Estado em vias de falência e um mercado de trabalho que se limitaa prolongar a instabilidade e a defraudar todas as expectativas de se al-cançar um emprego digno e qualificado. De um lado, uma juventude es-tudantil que se afastou da militância (política e associativa), sacrificandoo seu tempo livre, primeiro, no lazer consumista (anos 80 e 90), depois,investindo na sua formação «técnica» com a mira nos objectivos profis-sionais; do outro lado, as diversas camadas etárias (que não apenas jo-vens) do campo profissional que vêm engrossando o sector dos precáriosao longo da última década estão «em guarda». Ambos os sectores pare-cem encontrar-se nesta encruzilhada de insatisfação, resultante de umbalão em vias de esvaziamento: a promessa de uma classe média artifi-cialmente insuflada por um Estado social cuja sustentabilidade a prazovinha há muito sendo questionada. Perante todas as dificuldades estru-turais enunciadas anteriormente, e dado o acentuar da crise económicaque temos pela frente, parece cada vez mais claro que as actuais elites eu-ropeias (e nacionais), bem como as instituições da União Europeia, serevelam incapazes de encontrar as respostas adequadas a problemas tãoprementes, pelo que deve perguntar-se: restará à Europa, como últimofôlego, uma resposta radical da sua juventude e dos cidadãos, em geral,que já sofrem intensamente na pele os efeitos da austeridade? Se os mo-vimentos sociais não são em si mesmos (como nunca foram) «a solução«,eles constituem um barómetro fundamental que urge interpretar comhumildade e inteligência. Quem o fizer – governos, instituições, sindica-tos ou partidos políticos – e souber passar à acção poderá estar a abrir ca-minho às novas lideranças de que a Europa tanto carece.

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11 de Setembro de 2001, 257

Aabstenção eleitoral, 31Acordo de Concertação Estratégica

(ACE, 1996), 80Acordo Económico e Social (1990), 77acordos bipartidos (política salarial),

73-74, 78acordos de cooperação, 167, 177, 182,

191acordos de empresa: v. empresa acordos tripartidos (política salarial,

mercado de trabalho e política derendimentos), 73-74, 78

activismo e ciberespaço, 257, 260activismo radical, 256, 260actores não estatais: v. empresas priva-

das, terceiro sectoracumulação capitalista: v. capitalismoadministração pública, 161

assalariados na administração pú-blica, 243

conflitualidade laboral e políticana, 79

cortes salariais na função pública,252

funcionários públicos, 76, 243nova gestão pública, 162, 176reforma da, 79

regime de protecção social da, 49,79-80

adolescentes, 112adultos activos, 11, 115, 117, 202-203,

207, 209, 217, 219 agentes económicos, 27, 232, 238Alemanha, 34, 37, 49, 51, 53-57, 59, 61-

-62, 64-71, 95-99, 111,134-138, 143,145, 147-148, 151, 165-166, 168--169, 185, 187, 238, 244, 249

ambiente (questões ambientais, susten-tabilidade), 28-29, 169, 172

Amnistia Internacional (AMI), 252Ano Europeu das Actividades Volun-

tárias (2011): v. voluntariadoanos 60, 31, 34, 39, 118, 243, 255-257,

260Antiguidade clássica, 29aplicações financeiras, 202 apoios sociais: ver protecção socialArgélia, 258Assembleia da República, 78, 92, 187-

-188, 246 Associação Portuguesa para o Desen-

volvimento Local (ANIMAR), 178associações, 26, 29

activistas, 172cívicas, 185de lazer, 173de socorros mútuos, 174

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Índice remissivo

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de solidariedade social, 174de voluntários de acção social, 171,

174empresariais, 172patronais, 81, 175 profissionais, 172

associativismo, 19, 168, 189-190, 230,240, 260

atraso económico (Portugal), 233, 240--241

austeridade, 176, 225, 243, 259-260v. crise, Pacto de Estabilidade eCrescimento (PEC), troika,

Austrália, 33, 54, 165, 169, Áustria, 34, 54, 111, 114-115, 135, 140, autoritarismo, 28, 34, 113, 121, 124,

174-175v. ditadura, Estado Novo, educa-

ção

Bbabyboom, 201-202 Bahrein, 258 Banco Alimentar contra a Fome, 252 Banco de Portugal, 204 Banco Mundial, 31 Barroso, José Manuel Durão, 49, 73-74,

79, 80, behaviorismo, 25Bélgica, 54, 95, 97-99, 111, 135-138,

143-145, 147-148, 165, 169, 181,185, 187, 244

bem-estar:despesa em serviços de, 12, 170-

-171, 173, 175, 180, 203, 208--209

e catolicismo na Europa do Sul,173, 259

e fiscalidade, 63-64, 164, 204e integração social, 86, 161, 172,

184, 230, e terceiro sector, 38, 162, 164-168,

170-171, 177, 179-180, 184,186, 189-190, 192

económico e social, 26, 33, 192,237, 241

índices de bem-estar subjectivospara as mulheres, 248

modelos de, 162, 173, 179, 189nas empresas, 164níveis de, 33, 190-191, 233papel da família como promotora

de, 164, 171papel da sociedade civil como pro-

motora de, 175, 188, 191pessoal, 47serviços de bem-estar, 38, 165, 180,

182, 184, 191subjectivo, índice de, 247-248

v. ranking de Veernhoven, co-missão Stiglitz, Estado-Provi-dência

benefícios sociais: v. protecção socialbenefícios sociais enquanto atractivo

para se viver num país, 12, 214-216Bielorrússia, 247, bonding (conceito de), 170, 183 (v. so-

ciedade-providência)bridging (conceito de), 170Bulgária, 91, 95, 97-99, 111, 244burocracia, 171, 173-174, 230

CCaetano, Marcelo, 28Canadá, 54, 247, cantinas comunitárias, 252cantinas sociais, 176capital, 33, 174, 202, 228capital cultural, 255capital social, 19, 89, 162, 170-173,

183, 185-186, 190-191, v. bonding e bridging, terceiro sector

capitalismo, 28-30, 32-33, 228-235,238, 242, 253, 256-257

carisma, 230Caritas, 252casas do povo, 174

Os Portugueses e o Estado-Providência

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Índice remissivo

categorias sociais e profissionais, 72,119, 250, 254

catolicismo: v. Igreja Católicacentros sociais paroquiais, 174CGTP (Confederação Geral dos Tra-

balhadores Portugueses): v. sindica-tos

Chipre, 92-93, 95, 97-99, 111, 244choques petrolíferos (década de 70),

45-46, 71, 237, 256cidadania, 35, 47, 86, 92, 114, 185, 240,

259cidadania activa, 184 cidadania social, 28-29, 237 civicness (v. terceiro sector), 170,

186, 189 consciência e cultura cívicas, 26,

31, 90, 172, 190responsabilidade cívica (v. terceiro

sector), 170cidadãos:

acção política dos, 179, 190, 229atitudes e satisfação em relação aos

serviços de saúde, 36-37, 69,131-134, 139, 142-144, 152,156-157, 203, 244

atitudes em relação ao Estado, 26--27, 36, 89-97, 100, 103, 227

atitudes em relação ao Estado-Pro-vidência, 23-24, 27, 39, 132,141, 162, 203, 210, 234

atitudes em relação ao «modelo so-cial europeu», 23, 88, 234, 258--259

atitudes sobre o Estado enquantoagente promotor da igualdadesocial, 86, 89-90, 95-99, 133,149, 170-171

atitudes/percepção sobre o sistemaeducativo, 36, 109-113, 125--126, 244, 247

confiança institucional dos, 92-93,188

conformismo dos, 225

direitos sociais dos, 33, 47, 52, 63,149, 211, 214-215, 233

factores que influenciam as repre-sentações dos, 36, 85-90, 94,98, 103, 109, 112, 124, 131--132, 142-144, 146, 156, 197--198, 200, 212-213,

movimentos de, 257, 260pro-actividade dos, 214-215retornados das ex-colónias portu-

guesas, 46 satisfação dos, 126, 241, 244v. felicidade subjectiva dos, 243,

247ciência política, 31, classe política, 92, 187-188, 245-246classes sociais, 20, 34, 87, 122, 144, 164,

228classe média, 144, 225-256, 258-

-259classe média-baixa, 144 classes dominantes, 119, 122, 126-

-127, 140, 142, 232 classes populares, 258

classes trabalhadoras, 33, 225,232, 256luta de classes, 228, 232, 235

classes sociais desfavorecidas, 119,121, 125, 127, 142

classificação profissional, 72coeficiente de Gini, 254,coesão social, 92, 94, 225, 232, 253,

259comissão Stiglitz, 248companhias seguradoras (regulação

das), 134compromisso social tripartido, 74 comunidade, 26, 161-162, 170, 182,

184, 188, 231, 233, 235, 242, comunidade, sentimento de, 122Comunidade Económica Europeia

(CEE), 45, 48, 50, 73, 241v. União Europeia (UE)

«comunidade imaginada», 234

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«comunidade natural» (Rousseau, J. J.),227, 231

comunidade política, 26, 231 comunidade política alargada: v. «co-

munidade natural»comunidades locais, 112, 185comunismo, 32concertação social, 11, 46-47, 50, 71-

-82Acordo de Concertação Social de

Curto Prazo (ACSCP, 1996),77

Conselho Permanente de Concer-tação Social (CPCS), 72

Confederação Cooperativa Portuguesa(CONFECOOP), 178

Confederação Nacional das Coopera-tivas Agrícolas e do Crédito Agrí-cola de Portugal (CONFAGRI),178

Confederação Nacional das Institui-ções de Solidariedade (CNIS), 178

confederações patronais, 78, 82 confederações sindicais: v. sindicatosconfiança:

interpessoal, 170, 172, 186-188,190, 246

na classe política, 15, 188, 245-246 no altruísmo dos outros, 246social, institucional e política, 15,

35, 86-87, 89-90, 92-95, 100--101, 103-104, 171-172, 185--192, 244-246

conflitualidade laboral, 79, 112, 251 conflitualidade social, 85, 144, 228-

-230, 232, 234, 239, 242, 258 Conselho Nacional para a Economia

Social (2010), 179 consenso de Washington, 30, 46, consolidação fiscal, 79 consumo:

consumismo, 255 crédito ao, 252das famílias, 200-201

de produtos de risco (tabaco e ál-cool), 153-154, 157, 202

individual, 199, 201, 204padrões e comportamentos relati-

vos ao, 38, 199-202, 204-205 poder de compra, 13-14, 51, 55, 57,

61-63, 237, 256preços dos bens de, 200v. DECO, endividamento e sobre-

endividamentocontas públicas, 74conta satélite da economia social, 179 contrato social, 227, 229, 231, 249Cooperativa António Sérgio para a

Economia Social (CASES), 178, cooperativas de solidariedade social,

174 corporativismo, 28, 174, 179, 190-191 Costa Rica, 247, crédito:

à habitação (incumprimento do),252

ao consumo (incumprimento do),252

linha de crédito à economia social,177

recurso ao crédito bancário, 176,253, 259

crianças:benefícios sociais a favor das crian-

ças e jovens inactivos, 38, 207,209-210

cuidados infantis (serviços sociaisinfantis), 65, 89, 124, 180

cuidados infantis e terceiro sector,166, 181-182

e famílias, 14, 61serviços de guarda de crianças, 11,

65, 110-112, 121, 123-124, 180socialização primária (em Portu-

gal), 116 v. educação, envelhecimento de-

mográfico, taxa de mortalidadeinfantil

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Índice remissivo

crise: da concertação social, 74da escola, 126 da estagflação, 45, de endividamento externo, 46, 73,

239de representação política, 39, de sustentabilidade financeira do

Estado-Providência, 50, 161,175, 225, 238,

económica e empresarial, 71, económica e financeira, 23-24, 27,

32, 36, 38-39, 50, 73, 154-155,176, 178, 191, 225, 239, 243,252-253, 258, 260

fiscal (dos anos 70), 27, 29-30global, 76, 81v. austeridade, choques petrolíferos

(década de 70), grande depres-são dos anos 30

cristandade medieval, 226 Croácia, 92, 95, 97-99, 244

Ddádiva, 231 debate político, 124, 132, 144DECO (Associação de Defesa do

Consumidor), 252-253 democracia, 32, 45-47, 71, 136, 170-

-171, 180, 186, 230-231, 238, 244,249, 256, 258avaliação do funcionamento da,

137, 142, 161e abstenção eleitoral, 31 participativa, 240, 258patologias da democracia laboral,

249 representativa, 45, 239 transição revolucionária para a (em

Portugal), 32democratização, 25, 126-127, 177,

255desconstrução culturalista, 256-257

desemprego:aumento do, 73, 79, 166, 176, 250,

252, 254de jovens licenciados, 119, 126,

249-250de longa duração, 70, 79 na União Europeia, 250 nível de vida dos desempregados,

14, 65-66, 89, 254 papel do terceiro sector na resolu-

ção do, 166, 192 protecção social aos desemprega-

dos, 35, 47, 52-54, 149, protecção social no desemprego de

trabalhadores precários, 55, 67,236

subsídio de, 13, 47-48, 52-53, 55,67, 75, 80, 152

subsídio social de desemprego, 53 desfamiliarização (grau de), 164, desigualdade:

atitudes perante a desigualdade, 35,86-89, 91-93, 96-101, 182

de género, 82, 248, 250, 254 de rendimentos, materiais e sala-

riais, 58, 76, 86-87, 89-91, 93, 97--101, 141, 250, 253-254

desigualdade social «objectiva»,100

desigualdade social «subjectiva»: v.atitudes perante a desigualdade

e mortalidade, 140 e sistema de saúde, 37, 134, 140-

-141, 148e sistema educativo, 109-110, 118,

121, 254legitimação das desigualdades so-

ciais, 109, 115, 121, 228, 232Observatório das Desigualdades

(ISCTE-IUL), 19-20, 254 papel do Estado no combate à, 35,

86, 90-91, 95-96, 100-104, 148,259

socialmente desagregadora, 88

269

08 Estado-Providência Índice_Layout 1 7/11/13 10:44 AM Page 269

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sócio-económica, 14-15, 17, 19-21,35, 86-87, 89-93, 95-103, 109,121, 148, 173, 182, 227-228,239, 248, 251, 253-255, 259

territorial, 104,v. coeficiente de Gini, índice

S80/S20, desmercadorização (conceito de), 87,

164, 192despesa:

das famílias, 15, 206, 210 e peso da administração pública,

243, em políticas de mercado de traba-

lho, 13, 52-53 pessoais, 204-205pública:

com a expansão da segurançasocial, 48

com doença e cuidados desaúde, 37, 55, 69, 139-140,203, 209

com pensões de reforma, 55,58, 203, 208

com pensões de sobrevivência,209

em educação, 12, 52, 209em protecção social (geral), 13,

34, 48-49, 76, 171, 173, 175,180, 203, 208-210

em protecção social no desem-prego, 54

redução/controlo da despesa,60, 69, 76, 146, 153-154,157, 203

despesas sociais: v. despesa públicadespotismo global ou hegemónico,

235 Dinamarca, 49-51, 53-57, 59-62, 64-71,

95-99, 111-112, 126, 135-138, 143,145, 148, 181, 185, 187, 244, 246--247, 254

direito: a pensões de reforma, 47, 206,

à saúde, 37, 149, ao subsídio de desemprego, 53 de propriedade, 28, 227, 229individual à formação, 75 natural, 227 direitos, defesa de, 168, 172, 178,

227direitos civis, 28, 171direitos do Estado, 26, direitos e deveres dos trabalhadores

da administração pública, 80 direitos humanos (três vagas), 29 direitos laborais, 46, 226, 236, 249direitos sociais, 21, 33-34, 46, 63,

71, 82, 86, 177ditadura:

em Espanha, 45, 121, 259em Portugal, 28, 32, 45, 49-50, 71,

259, Durkheim, Émile, 28, 228, 230, 234

Eeconomia, 31-32, 35, 64, 88, 92, 136-

-137, 147-149, 161, 186, 192, 198,201, 203-204, 210, 221, 228, 231--232, 234-235, 239-241, 251agrária, 233 civil, 242 comunitária, 242 crescimento económico, 30-31, 46,

201, 232, 234, 236, 238-239,241, 255-256

de comunhão, 242 de mercado, 45, 71, 162, 178, 231,

233, 236, 238, 253 do conhecimento e pós-industrial,

163economias asiáticas, 237 economias de serviço, 82 economias europeias, 236 efeito das políticas sociais sobre a,

64, 148-149, 243 estabilidade económica, 29financeira, 237, 253

Os Portugueses e o Estado-Providência

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Índice remissivo

mercantil, 178 mista do bem-estar, 162, 189, 192mundial, 27neoliberal, 259pensamento económico neolibe-

ral, 233 planificada, 29 prosperidade económica das socie-

dades democráticas, 86 recessão económica, 46, 81, 191 regulação das relações entre a eco-

nomia e o Estado, 85, 92, 162,190, 192, 228-229, 232, 236,238, 241, 251

sector privado da, 79social, 161, 165-166, 177-179, 191,

192v. terceiro sector (sector volun-

tário, sector não lucrativo),linha de crédito à economiasocial, conta satélite da eco-nomia social, legislação: leide base da economia socialsolidária, 178, 242

tercearização da, 46 educação:

abandono escolar, 112, 116 alunos com dificuldades de apren-

dizagem, 126apoio alimentar nas escolas, 176aprendizagem ao longo da vida,

120, 208 atitudes dos cidadãos perante o sis-

tema educativo, 36, 109-114,121-126, 244, 247

chefias técnicas, nomeação de, 126competitividade e sistema educa-

tivo, 110, 125decadência do sistema educa-

tivo/«crise da escola», 122, 126 despesas com a, 12, 52, 112, 126-

-127, 209desvalorização do sistema educa-

tivo e dos diplomas escolares

(v. media), 111-114, 118-119,121-122, 126

diplomas escolares (profissional, se-cundário, universitário), 110,116, 118-119, 126

ensino básico, frequência do, 110,115-118, 120, 123, 126-127, 254

ensino secundário, frequência do,52, 110-112, 115-118, 120-121,123, 126, 250

ensino superior, 111, 115-121, 123,126-127, 249-250, 254, 256

ensino tradicional e autoritário,113, 121, 124

escola e mobilidade educativa in-tergeracional/trajectória inter-geracional de mobilidade edu-cativa e social, 11, 115, 117-119,121, 125, 250

escola inclusiva, participativa e pro-motora do sentido crítico, 113,122

escolarização, 52, 115, 125, 127,255

«estado da educação»: v. atitudesdos cidadãos perante o sistemaeducativo

formação, acções de, 120-121, 208 formação profissional, 30, 52, 75,

239, 260 habilitações literárias e rendimen-

tos líquidos, 126 investimento público na educação:

v. despesas com a educaçãojovens sem acesso à, 110 Ministério da Educação, 112municípios na gestão e organização

dos serviços escolares, 112, 126 neoprofissionalismo,113 padrão de evolução educativa «em

escada», 116, 118percepção da população que não

nasceu em Portugal sobre a es-cola, 123-124

271

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privatização da, 112, 122, 125-126,169, 175

produtividade do sistema educa-tivo, 125

relatórios PISA, 112, 125reprodução sócio-educativa, 109,

114-115, 117, 121reprovação escolar, níveis de, 112,

126 sistema educativo alemão, 113 sistema educativo escandinavo,

112-113, 126 sistema educativo francês, 112sistema educativo na Europa do

Sul, 112 sistemas educativos centralizados,

113 territórios educativos de interven-

ção prioritária, 113, 122trajectórias escolares, 116-119, 127

«escola de Cambridge», 25eficiência:

da prestação de cuidados de saúde,137-138, 143, 156

económica, 29, 38, 47, 88, 94, 217--218, 220

v. Estado, eficiência do Egipto, 247, 258emigração (perturbações migratórias),

208 empreendedorismo, 20, 161, 176, 178,

192 emprego:

acordos de regulação do, 73, 75, 78apoio estatal à criação de emprego,

149, 152-153e terceiro sector (OTS), 161, 164,

173, 176, 178empregabilidade, 50 emprego público (funcionários pú-

blicos), 79, 243, 251empregos flexíveis/precários, 55,

67, 80, 249empregos temporários, 249

jovens e emprego, 65, 67, 209, 254,260

legislação de protecção do em-prego (LPE), 52, 80

pleno emprego, 33, 46, 237políticas activas de emprego, 52,

176políticas de emprego, 70, 74, 89,

203, 237, 249 primeiro emprego, 14, 55, 65, 67, v. compromisso social tripartido,

desemprego, precariedade, tra-balho

empresas:acordos de empresa, 72 apoio às, 152, 153apoios sociais como sobrecarga

para as, 64, 148, 211bem-estar nas, 164 competitividade empresarial, 73 e terceiro sector, 182 estágios em, 30 fordistas, 161 gestão de, 30intervenção sindical nas, 71privadas, 29-30públicas, 72 seguros colectivos, 154 unilateralismo do patronato nas, 72

endividamento:das famílias, 210, 251, 253sobreendividamento, 252 v. crise, taxas de juro

envelhecimento: activo, 203, 206 biológico, 199-200, 207, 221consequências para o Estado-Pro-

vidência, 10, 38, 197-198, 203,208, 210, 221

demências, 207 dependências prolongadas, 207 e alteração dos padrões de con-

sumo, 38, 200-201e poupança, 38, 200-206

Os Portugueses e o Estado-Providência

272

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Índice remissivo

populacional (e macrodemográ-fico), 24, 38, 46, 197-198, 201,205, 208, 210, 219-220, 239

sociologia do, 21v. esperança média de vida, Estado-

-Providência, sustentabilidadedo, idosos, quarta idade, saúde,terceira idade

escalas de análise (global, internacio-nal, local, nacional, transnacional),90, 133, 235, 239, 253, 257

Escandinávia (países escandinavos),33, 87, 92, 95, 112-113, 126, 172,246

esfera privada, 184, 189, 198esfera pública/espaço público/espaço

cívico, 171, 186, 188, 190-191, 240,257

Eslováquia, 82, 92-93, 95, 97-99, 111,135, 169, 181, 184-185, 187, 244

Eslovénia, 92, 95, 97-99, 111, 135, 244,246

Espanha, 12, 38, 45, 49-51, 53-71, 91--92, 95, 97-99, 111, 113, 135-138,143, 147-149, 169, 181, 185, 187,189, 210-216, 218-220, 222-223,244, 246, 249-250

esperança média de vida, 56, 58, 80,220

Esping-Andersen, Gøsta (tipologias doEstado-Providência), 33-35, 37, 50,82, 86, 88, 90, 93, 102-103, 163--165, 173críticas feministas à tipologia de Es-

ping-Andersen, 164 Estado:

agente de conflitualidade, 85, 229,232

aparelho estatal, 31, 34, 179, 228,234

capitalista: v. capitalismoconfiança institucional no Estado,

15, 86, 89-90, 92-95, 100-101,103-104, 189-192

corporativo (Portugal), 28, 31-32de investimento social, 163-164,

176, 182, 190dual ou Estado paralelo (Portugal),

233 e poder militar, 226, 238eficiência do, 29, 31, 94-95, 102,

143, 180, 221, 229, 242, 253 Estado Novo (Portugal), 28, 174-

-175 Estado social, 9-10, 21, 24, 28-30,

32-34, 39, 43, 86-88, 91, 95,102-104, 131, 133, 147-149,152, 157, 221, 225, 230, 233--235, 237-241, 243-244, 248,256, 258-260do pós-guerra, 27, 32, 255keynesiano/modelo industrial

de Estado-Providência key-nesiano, 27-29, 163, 174,239

funções do, 86, 104, 148-149,225, 244

Estado-instrumento, 228-229Estado-Leviatã, 226, 229 Estado-nação, 46, 125, 226Estado-Providência (ou de bem-

-estar, v. estado social, welfare),23-25, 27-29, 33-39, 46-47, 86,102, 109, 112, 114, 121, 127,132, 141, 146, 161-167, 170-172,174, 176, 179, 182-183, 186,190-192, 197, 203, 208, 210, 220,225, 235, 237-239Estado-Providência, sustentabi-

lidade do, 38, 50, 186, 197,238

Estado-Providência anglo-saxó-nico ou liberal, 32-35, 50,65, 82, 87, 91, 93-95, 103,132, 163-165, 167, 172, 175,189, 191, 238, 259

Estado-Providência continentalou corporativista, 34, 49-

273

08 Estado-Providência Índice_Layout 1 7/11/13 10:44 AM Page 273

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-50, 87, 91-95, 103, 132,163-164, 172, 174, 189, 191,259

Estado-Providência escandi-navo: v. Estado-Providênciasocial-democrata

Estado-Providência mediterrâ-nico (da Europa do Sul ouda orla latina da Europa),34, 50, 65, 82, 87, 91-92, 96,103, 132, 167, 172-174, 189,220

Estado-Providência nórdico: v.Estado providência social-democrata

Estado-Providência português,27, 32, 34-38, 45-47, 50, 66,110, 127, 161-163, 173, 175,177, 179-180, 182, 189, 197--198, 209-211, 220, 240,242, 259

Estado-Providência social-de-mocrata, 33-34, 50, 87, 91,93-95, 103, 112-113, 132,149, 164, 166, 168, 172,189-190, 210, 238, 245, 247

Estado-sujeito, 229intervenção e responsabilidade do

Estado (na redução das dife-renças de rendimentos, nasaúde, nas políticas sociais),12, 14-15, 24, 26, 37, 85-86, 89--95, 101-103, 132-133, 142--146, 148-150, 152, 156-157,161, 168, 171, 174-175, 177,189, 191, 225, 228, 231, 235,237, 244

liberal-constitucional, 24-25, 27-28mínimo, 229, 238natural: v. Hobbes, T. neoliberal, 24, 27-28, 32, 110, 235,

237-239neo-social, 27-28, 32, 240 Orçamento de Estado, 49, 134

parceria com o, 165-166, 175, 178,182, 210

paternalismo de Estado, 31 princípio do, 235 reforma do, 25, 37, 39, 203, 241,

243, 248regulador, 24-25, 27, 29-31, 230,

239v. mercados (auto-regulação dos)

schumpeteriano, 29segundo E. Durkheim, 230-231segundo K. Marx, 228-229segundo M. Weber, 229 território, 26, 30, 226, 229, 234-

-235universalista, 33, 94, 141, 146, 166,

175, 181v. Esping-Andersen, Gøsta (tipolo-

gias do Estado-Providência), v.políticas redistributivas do Es-tado

Estados Unidos da América (Estadonorte-americano, EUA), 27, 29, 33,54, 139, 142, 165, 167, 169, 171,237-238, 255

estatismo, 179, 190-191, 227, 229 estatística, 17, 20-21, 26, 45, 64, 89,

110, 122, 124, 139, 144-148, 168,172, 179, 212, 215, 218, 222, 251

estatutos profissionais, 87estilos de vida, 198 Estónia, 91, 95-99, 111, 135, 244Europa, 35, 39, 50, 85, 87-88, 98-99,

102, 109-110, 116, 125, 142, 156,162, 164, 171, 189, 203, 225-226,230-231, 233-234, 236-239, 241,250, 253, 255, 258-260central, 188-189, 226continental, 34, 49, 132, 163-164,

189, 191, 259 de Leste, 93, 96, 99, 113, 188, 246 do Norte, 31, 91, 99, 173, 237, 240 do Sul (orla latina da, meridional),

34, 49-50, 82, 87, 91-94, 96, 99,

Os Portugueses e o Estado-Providência

274

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Índice remissivo

103, 112-113, 132, 165, 167--168, 172-175, 179, 189-190,259

ocidental, 91, 96, 228, 237 oriental, 91-92, 94-95Sudeste da, 99, 103

exclusão social, 14, 47, 60, 62-63, 182

Ffamília, 11, 14-15, 34, 46, 58, 61, 64,

70-71, 89, 115-118, 122, 134, 139,148-149, 152, 155, 163-164, 167,171-173, 176-177, 183-185, 190,200-201, 204-206, 208, 210-211,213, 250-253, 259v. desfamiliarização (grau de)

fecundidade: v. mulheresFederação Russa, 95, 97-99felicidade subjectiva, 244, 247-248

v. comissão Stiglitzfilantropia: v. terceiro sectorFinlândia, 54, 95-99, 111-112, 126,

135-138, 143-145, 147-148, 151,169, 181, 185, 187, 244, 246-247

flexibilidade, 72, 161, 203, 236flexibilização (lean production), 239fordismo (e pós-fordismo), 46, 161,

235-237 França, 34, 37, 49-51, 53-57, 59-62, 64-

-71, 95, 97-99, 111, 135-138, 143,145, 147-148, 165-166, 169, 181,185, 187, 213, 238, 244, 249

funcionalismo, 28fundações, 29, 168fundações de solidariedade social, 174 Fundo Monetário Internacional

(FMI), 31, 46Fundo Social Europeu, 175

G«geração à rasca», 249 globalização, 19, 29, 31, 201, 235-

-236, 239, 248, 253, 257alterglobalização, 257

governação (e autogovernação, infra-nacional, local em rede, suprana-cional, multinível), 20, 29-31, 96,99, 161-162, 165, 171, 175-177, 186,188, 227, 229, 241

governança, 30, 82, 239governo(s), 12, 15, 26, 39, 73-74, 76-82,

89, 96-97, 100, 124, 133, 136-137,143, 147, 152-153, 157, 165-170,176, 186, 203, 226-227, 230, 234,241, 243, 245-246, 260contitucionais em Portugal, 46 locais, 165-166, 168provisórios (período revolucioná-

rio em Portugal), 46 PS (Portugal, governo Soares, go-

verno Guterres, governos Só-crates), 49, 62, 74, 77, 124

PSD e PSD/CDS-PP (Portugal, go-vernos de Cavaco Silva, go-verno Barroso, governo de San-tana Lopes), 49, 74, 79-80

grande depressão dos anos 30, 27 Grécia, 12, 38, 49-51, 53-57, 59, 60-71,

91, 95, 97-99, 111, 135-138, 140,143-146, 148-149, 181, 187, 210--212, 214-216, 218-220, 222-223,239, 244, 250

greve geral, 73greves, 74, 77grupos de interesses, 31, 34, 81, 112,

127, 132, 144, 228, 232, 234guerra(s):

civis na Europa, 228do Vietname, 255 fria, 255 Primeira Guerra Mundial, 234 religiosas (na Europa central), 226 Segunda Guerra Mundial, 27, 32,

85, 203, 234-235, 237, 249, 255Guterres, António, 49, 73-74, 77

HHabermas, Jürgen, 28, 31-32

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habitação:apoio à habitação, 152-153, 165,

169, 179 incumprimento do crédito à, 252

história das ideias, 25, 31 historicismo, 25 Hobbes, Thomas, 26, 226-227, 229Holanda, 93, 95-99, 135-138, 140, 143,

145, 148, 151, 165-166, 168-169,181, 185, 187, 189, 244,

Hungria, 37, 49, 54, 92, 95-99, 111,135-138, 143-145, 147-148, 151,244, 246

II República (Portugal), 175, 234identidades (questões identitárias, na-

cionais, subnacionais, supranacio-nais), 26, 29, 87, 178-179, 192, 198,231, 234-235

ideologia(s), 25, 74, 124, 144, 146, 156,217-218, 220, 232-233, 235, 240,256-257, 260 anarquismo, 235conservadora/saudosista, 122 desideologização, 31e princípio do mercado, 236familialista, 173neoliberalismo, 233, 248, 257,

259 marxismo e neomarxismo, 39, 229,

231, 235sociais, 87 v. despotismo geral ou global,

Igreja Católica, movimentossociais

idosos (velhos, idade sénior), 13, 36,38, 55-58, 116, 121-122, 144, 149,197, 200-201, 203- 210, 219, 220--221 complemento solidário para ido-

sos, 77 e recurso a serviços de proximidade

e assistência no domicílio, 182

e sistema de saúde, 144-146 nível de vida dos, 55-58, 89, 203-

-204 pobres, 58, 67, v. envelhecimento, pensões, quarta

idade, terceira idadeIémen, 258 Igreja Católica, 31, 34, 168, 173-175,

177, 226, 259igualdade, 15, 35, 227, 259

atitudes e valores igualitários(moral social igualitarista), 11,15, 35, 86-89, 96, 99-103, 124,140

de acesso à educação, 126, 177de acesso a posições desigualmente

recompensadas, 98 de acesso aos cuidados de saúde,

133, 139-141, 149, 156-157de oportunidades, 47, 86, 88, 92,

114dos níveis de vida, 15, 89, 96-100equidade social (igualdade social,

igualização social, países iguali-tários, sociedades igualitárias),31, 33-34, 48, 50, 64, 86-88, 90,94-96, 99, 103, 147-148, 198, 211

v. desigualdadeimpério colonial, 46, 71impostos (carga fiscal, contribuições),

33, 64, 133-135, 141-142, 144, 147--148, 150, 153-154, 156, 165, 202--204, 211 IRS, escalões de, 182

inclusão social, 50, 60, 113, 170 índice S80/S20 (definição), 89 individualismo, 31, 124, 259individualização (das relações laborais,

das sociedades), 72, 81, 87, 237indústria, 46, 201, 237inflação, 73, 76injustiça social, 29, 233, 239, 241 inovação social, 161 (v. empreendedo-

rismo)

Os Portugueses e o Estado-Providência

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Índice remissivo

Inquérito às Condições de Vida e Rendi-mento (ICOR), 89

Inquérito Social Europeu (European SocialSurvey, ESS), 11-13, 15, 17, 23, 27,36, 38-39, 47, 63, 88, 109-113, 115,118, 120-121, 124-125, 131, 133,135, 137, 149, 171-172, 180--181, 183, 185-187, 190, 198, 210,219-220, 243-245, 247-248

instituições, 10, 15-26, 30-31, 35, 39,48, 88, 90, 92, 94, 103, 114, 124,126, 162, 164, 170-173, 177-178,180, 187-190, 205, 220, 225-- 226, 229, 232, 234, 238, 240, 244,251-252, 257, 260instituições particulares de solida-

riedade social (IPSS), 174 Instituto Nacional de Estatística (INE),

179 integração social, 86, 161, 172, 184internet/redes informáticas/facebook,

114, 235, 258 v. activismo e ciberespaço, massmedia

Irlanda, 50-1, 53-71, 82, 111, 135, 165,169, 181, 185, 187, 189, 244

Islândia, 54, 247Israel, 135, 244Itália, 34, 50, 54, 111, 114-115, 135,

169, 238

JJapão, 54, 168-169jovens, 36, 197, 205-207, 209

acesso à escola, 110, 112-113, 121,125, 127, 209, 258

atitudes face ao Estado-Providên-cia, 38-39, 213, 248

desemprego, 119, 126, 249, 254e capacidade de poupança, 197 emprego, 14, 39, 55, 65, 67, 209,

248, 254, 260investimento sócio-demográfico

nas gerações, 38, 210,

juventude (enquanto actor social),255

licenciados (Portugal), 119, 126--127, 249, 250

mobilidade social, 119, 121, 250movimentos sociais, 255, 257-258,

260Jibuti, 247justiça social/sociedade justa, 12, 23,

29, 35, 88, 100, 103, 214, 216, 220,259

KKelsen, Hans, 28, 41Keynes, John Maynard, 27-29, 163,

174, 236, 239

Llaissez faire, 229legislação:

Constituição da República Portu-guesa, 3, 44-46, 48-49

laboral, 47, 71-72, 77, 80-81Código do Trabalho (2003), 80Código do Trabalho (2009), 52,

80legislação de protecção do em-

prego (LPE), 52 lei de base da economia social,

179 lei fundamental, 26 leis de bases da segurança social, 49Orçamento de Estado: v. Estado

sobre pensões, 58 sobre protecção social no desem-

prego, 52 legitimação política, 31, 86 legitimidade política, 26, 29, 78, 88, 95,

227, 229, 239, 258Lenine, Vladimir, 229 Letónia, 91, 95-99, 111, 244liberalismo, 227, 234

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Líbia, 258Locke, John, 227longevidade: v. esperança média de vidaLopes, Pedro Santana, 73-74, 79

MMaastricht, critérios de, 73 Maia, Padre Lino, 177, Maio de 68, 39, 256-257, 260 Maquiavel, Nicolau, 39, 226 Marshall, T. H., 29Marx, Karl, 228, mass media/meios de comunicação de

massa, 21, 37, 113-114, 139, 235,251, 255v. internet, redes informáticas e fa-

cebookmercado, 30, 33, 37, 87, 98, 134, 141,

155, 162, 164, 170, 176, 183, 199,201, 230, 232-236, 238-239, 242,251, 253, 255, 257, 259 abusos de mercado (monopólios,

cartéis), 30 auto-regulação dos mercados, 30,

239 de trabalho, 13, 39, 46-47, 52-53,

73-75, 78-80, 82, 119-120, 122,126, 163, 165-167, 173-175, 177,182, 201, 203, 208-209, 226,249-251, 260

economia de: v. economia de mer-cado

lógicas do, 33, 47, 87, 233, 241mercado único europeu, 110 mercados financeiros, 27, 199, 202,

204, 236, 253princípio do, 231, 235-236v. desmercadorização

mercantilismo, 233-235, 239 meritocracia, 98, 103, 256, 259misericórdias, 174, 178, 252 mobilidade, 19, 81, 203

estrutural, 119

social, 115, 118-119, 121, 250, social e educação: v. educação

modelo proportional odds (ordered logit),217, 220

modelo schumpeteriano (Estadoschumpeteriano, Schumpeterian work-fare post-national regimes), 29, 176

modelo social europeu, 23, 39, 175,210, 225, 236-237, 239

modelo socialista de economia plani-ficada, 29

modelo taylorista, 234modelos de provisão de serviços so-

ciais (tipologia), 163 modernidade, 27, 33, 233modernidade inacabada, 32, 188 modo de produção: v. capitalismoMongólia, 247 morbilidade, 140, 220, 233-234 movimentos sociais (militância, acti-

vismo), 20, 29, 127, 166, 178, 240,255-257, 260movimento operário na Europa,

228, 234-235, 256movimentos anarquistas, 234 movimentos camponeses na Eu-

ropa, 228 movimentos de cidadãos, 257 movimentos de militância ambien-

tal, 169, 172movimentos estudantis, 39, 255-

-256, 258movimentos juvenis dos anos 60,

39, 256-258, 260v. Maio de 68

movimentos republicanos, 234 movimentos sindicais e educação,

112 movimentos socialistas, 234 movimentos sócio-laborais, 10, 39,

225, 255, 258, 260v. activismo, ideologias

mudança societal/social, 24, 29, 76,118-119, 121, 139, 163, 198,

Os Portugueses e o Estado-Providência

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Índice remissivo

200, 206, 220, 238-239, 248,251, 254

mulheres, 123discriminação, segregação social,

salarial e laboral, 82, 248, 250,258

fecundidade das mulheres, quedada, 197

índices de bem-estar subjectivos,248

no mercado de trabalho, 46, 163,166-167, 173, 250

sistema de saúde, 145, 153 trabalho informal nos cuidados so-

ciais, 167, 173

Nneurociência, 200Nigéria, 247 Noruega, 33, 54, 95, 97-99, 135-138,

143, 145, 169, 181, 187, 244, 246

OOCDE (Organização de Cooperação

e de Desenvolvimento Econó-mico), 12, 31, 52, 54-55, 58, 112,122, 125, 131, 133, 135, 140, 204--206,

OMS: v. saúde, Organização Mundialde Saúde

Orçamento do Estado: v. Estadoorganizações de caridade: v. terceiro

sectororganizações intergovernamentais: v.

terceiro sectororganizações não governamentais de de-

fesa de direitos: v. terceiro sectororganizações operárias: v. terceiro sec-

torOTS: v. terceiro sector

PPacto de Estabilidade e Crescimento

(PEC), 74, 79, 203

países:anglo-saxónicos, 65, 189, 259corporativistas ou conservadores,

34, 173, 238de matriz beveridgiana/modelo be-

veridgiano universalista, 132,166

desenvolvidos, 27, 46, 169, 241europeus, 23, 31, 34, 37, 45, 56, 73,

86, 90-99, 102-103, 109-115,121, 125-126, 131-135, 137--138, 180, 183, 188, 204, 219,237, 239, 240-241, 243-247, 249--250, 254

familialistas ou da Europa do Sul(v. Europa do Sul), 65, 172--175, 179, 189-190, 259

liberais, 33, 50, 172 «países da coesão», 51, 57 pós-comunistas, 168sociais-democratas, 33, 50, 172,

174-175, 179, 181, 184, 189parceiros sociais, 74-75, 77-78, 81-82,

175PARES (Programa de Alargamento da

Rede de Equipamentos Sociais),176

parlamento: v. Assembleia da Repú-blica

participação (activa, cívica, comunitá-ria, passiva, política), 82, 162, 170--172, 179, 183-184, 186, 188, 190,231.

partidos políticos (Portugal), 49, 62, 73--74, 77, 79-80, 123-124

patronato, 33, 52, 71-73, 78, 81-82, 175Paz de Vestefália, tratado de (1648),

226 pensionistas (reformados), 13, 47-48,

65-66, 202-204, 217, 221, 254, pensões, 14, 68, 147, 149, 152, 210-

-211, 213, 220de reforma (idade de, pré-reforma),

14, 47, 53, 55, 58, 65, 68-69,

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149, 152-153, 201-204, 206,208, 210, 213, 221

de sobrevivência, 14, 55, 57-58, 209 de velhice (despesas com as, fór-

mulas de cálculo das), 57-58,80, 149, 197, 203, 209

default options, 202 factor de sustentabilidade das, 58,

77 reforma do sistema das, 204, 220

produto interno bruto (PIB) e despesasem protecção social, 13, 38, 48--49,52-53, 79, 180, 203, 209-210, 243

PIDDAC, 176pobreza, 12-14, 38, 58-60, 64, 146-147,

155, 173, 175, 182, 198, 211-214,217-222, 251-253 envergonhada, 251, 252limiar da probreza relativa, 155, 254

Polanyi, Karl, 231, 233, 235-236políticas:

assistencialistas (Estado Novo), 32de mercado de trabalho, 10, 13, 52-

-53, 76, 89, 236-237, 239, redistributivas do Estado, 29-30,

34-35, 86-88, 90, 103, 132, 142,149, 164, 182, 190, 232, 237,241-242, 253, 259

sociais/públicas (doença, desem-prego, educação, segurança so-cial), 9-10, 31-35, 37, 39, 43, 46--47, 50, 63-64, 68, 71, 81-82,125, 131, 133, 139, 142, 146,165-166, 173, 176, 190-192,198, 200, 202-203, 207-209,225, 235, 237, 239, 241-242,244, 251, 253

Polónia, 54, 82, 91, 95-99, 111, 135--138, 143, 145, 148, 151, 169, 181,184-185, 187, 244, 246

Portugal, 9-12, 17, 23, 28, 32, 34-38, 43,45-75, 79, 81-82, 91, 95, 97-99, 103,109-123, 125-126, 133, 135-138,140, 143-145, 148-149, 152, 154,

156-157, 161, 169, 173, 177-178,180-191, 201, 204, 208-216, 218--220, 222-223, 225, 239-240, 242--247, 249, 251, 253-254, 258-259

pós-fordismo: v. fordismopositivismo jurídico, 28Poulantzas, Nicos, 39, 229, 231-233poupança (aforro privado/individual,

das famílias), 15, 38, 197, 199-206precariedade laboral (em Portugal): v.

emprego, trabalhopré-reforma: v. pensõespresentismo metodológico, 25 prestações familiares: v. protecção so-

cialprestações sociais: v. protecção socialprimavera árabe, 258princípio da subsidiariedade, 165, 168,

173, 175, 177, 188-189, 238 private interest government, 165privatização (dos serviços de protecção

social), 33, 36-37, 72, 112, 122, 125--126, 131, 133-135, 138, 140-149,151, 153-156, 165, 167-169, 175--178, 181-182, 189, 192, 210, 238--239, 258

proletarização, 259 protecção social:

a crianças e jovens inactivos, 38,65, 181-182, 209-210

à parentalidade e à criança, 47, 58,60, 149, 152, 181, 213

aos desempregados, 35, 47-48, 52--55, 67, 75, 80, 89, 149, 152,198, 236

aos doentes e acidentados, 35, 37,47, 55, 77, 89, 132, 141, 144,147, 152, 181-182, 198, 206-207,209-210, 220

aos idosos, 38, 77, 89, 149, 182,201, 203-204, 206, 210, 220

aos reformados, 47, 49, 65-66, 75,147, 149, 152-153, 198, 202--204, 217, 220-221

Os Portugueses e o Estado-Providência

280

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Índice remissivo

apoio a pessoas com necessidadereal, 181-182

despesas com a, 150 no combate aos riscos de exclusão

social, 47psicologia social, 247

Qquarta idade, 206, 217queda do muro de Berlim, 257

Rranking de Veernhoven (v. bem-estar

subjectivo), 247 Reagan, Ronald, 29, 237 recessão económica: v. economiaredistribuição: v. políticas redistributi-

vas do Estadoreforma, idade de: v. pensõesreforma do Estado: v. Estadoreformas estruturais (em Portugal), 241 regime autoritário (v. ditadura portu-

guesa e Estado Novo)regime contributivo da segurança so-

cial: v. segurança socialregime não contributivo da segurança

social: v. segurança socialregime social unificado: v. segurança

socialReino Unido, 33, 49-51, 53-62, 64-71,

82, 91, 95-99, 111, 135-138, 143--145, 156, 166, 189, 238, 244

relatórios PISA: v. educaçãorendimento mínimo garantido

(RMG), 61, 75, 77, 175rendimento social de inserção (RSI),

61, 175-176, 190, 252 v. rendimento mínimo garantido(RMG)

rendimentos (diferenças de, dos pen-sionistas, insuficientes, patamar mí-nimo, permanente do ciclo devida, políticas de, salariais), 13-15,

34, 36, 47, 52-54, 58, 70, 74, 76, 86,89-91, 93, 96-98, 100, 103, 109,124, 126, 134, 140-142, 146, 155,192, 199-201, 204-206, 254

rendimentos dos beneficiários deapoios sociais (nível de) (means-tes-ting), 33

República Checa, 92-93, 95-99, 111,135, 169, 181, 187, 244

responsabilidade cívica: v. cidadaniaresponsabilidade colectiva, 26, 31, 71-

-72, 103, 191, 230, 235responsabilidades sociais do Estado: v.

Estado, intervenção e responsabili-dade do

responsabilização individual, 91, 103revolução americana, 27 revolução burguesa na Europa, 228 revolução bolchevique, 234 revolução de 25 de Abril de 1974 (pe-

ríodo revolucionário e pós-revolu-cionário), 174, 177-178

Revolução Francesa, 27 revolução industrial, 233riqueza (criação e distribuição de, ní-

veis de), 29, 155, 207-208, 231-232,251, 253

risco(s):atitude face ao, 199, 200, 207-208de e para a saúde, 134, 146, 154,

157 de exclusão social, pobreza, cresci-

mento das desigualdades e in-segurança, 47, 59-60, 236, 251,254

de falência do modelo social euro-peu, 225, 236-237

de perda da soberania, 239-240«moral», 63 sociais, 48-49, 208, 220 sociedade de risco, 208 universalização da cobertura dos,

87 Roménia, 95, 97-99, 111, 44, 247

281

08 Estado-Providência Índice_Layout 1 7/11/13 10:44 AM Page 281

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Os Portugueses e o Estado-Providência

282

Rousseau, Jean-Jacques, 227, 229, 231

Ssalários (cortes nos, crescimento sus-

tentável dos, da função pública,dos licenciados, dos trabalhadorespobres, negociação salarial, princí-pio da moderação salarial, no con-tinente asiático, tabelas salariais),54, 72-73, 75-76, 78, 80, 237, 243,248-252, 254, 259

salário mínimo nacional, 58, 75-76 Salazar, António de Oliveira, 28 Santos, Boaventura de Sousa, 32, 233,

242 saúde:

acesso universal, automático e gra-tuito à, 12, 32, 132-135, 141--142, 144, 146, 149, 152, 154--157, 166, 174, 181

adesão terapêutica, 140 apoio à doença mental, 182apoio à toxicodependência, 182apoio aos portadores de VIH/sida,

182 apoio social a pessoas com defi-

ciência, 182 centro de saúde, 139 cirurgias, 140 consultas de especialidade, 140 consultas externas hospitalares, 139 cuidados de saúde primários e es-

pecializados, 12-14, 37, 55, 70--71, 89, 132-134, 136-150, 154,156-157, 198, 201, 209-210

despesas com cuidados de saúde,37, 55, 69, 139-140, 203, 209

doentes crónicos, 140-141financiamento dos cuidados de

saúde, 12, 132-134, 140-142,144, 147, 149, 152-154, 156--157, 179,

fundos de doença semiprivados,144

internamento hospitalar, 139 licenças pagas para tomar conta de

familiares doentes, 89, 149, 152 listas de espera, 140 medicamentos, acesso aos, 140-

-141médico de família, 139 mercadorização dos cuidados de

saúde, 141Ministério da Saúde, 174

Organização Mundial deSaúde (OMS), 154

preditores de, 133 prestadores de serviços mistos de

saúde, 36, 131, 133-135, 141,143-149, 156, 175, 210

prestadores de serviços privados desaúde, 36, 131, 134-135, 138,140-141, 143-149, 151, 153--154, 156

prestadores de serviços públicos desaúde, 36, 131-133, 135, 138,140-141, 144-147, 150-151, 155--156

seguro privado de saúde, 33, 134,140-141, 149, 153-154, 157,164, v. welfare mix

seguro social de saúde, 133-134,141-142, 149, 174,

Serviço Nacional de Saúde (SNS),14, 32, 37, 68-69, 133, 139-141,152-153

serviços de urgência hospitalar, 139 taxas moderadoras (out-of-pocket

payments), 141, 153-154 tipologias de sistemas de saúde,

133-135 utentes dos serviços de saúde, 37,

39, 132-133, 139-141, 144, 154,157

v. Estado, responsabilidade dosector não lucrativo: v. terceiro sector,

OTS

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Índice remissivo

283

sector privado, 29-30, 33, 36, 49, 79--80, 112, 131, 133-135, 138, 140--141, 143-149, 151, 153-156, 164--169, 175, 177-178, 181-182, 203,210, 238, 251, 258,

sector voluntário: v. terceiro sector,OTS

século XVII, 19 século XVIII, 19, 27, 228, 236 século XIX, 24, 27, 31, 231, 233-236século XX, 24-25, 29, 45, 207, 225, 234,

236, 259 século XXI, 28, 201, 208segurança pública, 152-153segurança social:

acordos de cooperação com asOTS, 167, 177, 182, 191

despesa pública com a, 48, 209--210

Direcção-Geral da Segurança So-cial, 174

em Portugal (evolução), 50, 204--205

leis de bases da segurança social, 49 orçamento da acção social da, 182 poupança forçada da, 201reforma da, 37regime contributivo da, 49, 55-56,

58, 80, 132 regime não contributivo da, 49, 53 regime social unificado, 49 sistema de segurança social, 23-24,

35, 39, 49-50, 65, 86-87, 102,132, 13-135, 141-142, 147, 171,174, 177, 182, 202, 205, 210,251

sustentabilidade financeira da segu-rança social pública, 75, 79-80,204

v. Estado, acção social do, idosos,protecção social, pensões, ren-dimento mnimo garantido(RMG), rendimento social deinserção (RSI)

seguro privado de saúde: v. saúde ewelfare mix

seguro social de saúde: v. saúdeseguros colectivos, 153-154 semiperiferia, 33 SNS: v. saúde, sistema nacional de

saúdeserviços:

de bem-estar, 38, 162, 165-169,177, 179-180, 182, 184, 189-191

de guarda de crianças, 11, 14, 65,67, 89, 110-112, 121-124, 180

de saúde, 12-15, 68-69, 131-142,144-151, 154-157, 180-181, 244,246-247v. saúde

não transaccionáveis, 201 públicos, 30-31, 52, 164, 166, 191,

239, sector dos, 82 sociais, 15, 47, 63-65, 89, 95, 147-

-148, 151, 163, 165-166, 169,172-174, 176-182, 184, 189--190, 192, 210

Silva, Aníbal Cavaco, 73-74, 241 sindicatos:

CGTP (Confederação Geral dosTrabalhadores Portugueses), 72--81

UGT (União Geral de Trabalhado-res), 72, 76, 79

Síria, 258 sistema dopaminérgico (e tomada de

decisão), 200 sistemas políticos clientelares, 34, 173,

241soberania, 26, 30, 46, 190, 226-227,

230, 234 risco de perda da, 46, 239

sociabilidade (togetherdess), 15, 168, 183--185, 190, 242

socialismo democrático, 241 socialismo soviético, 237

08 Estado-Providência Índice_Layout 1 7/11/13 1:24 PM Page 283

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Os Portugueses e o Estado-Providência

284

sociedade civil, 38, 161, 167, 171, 174,178-179, 182, 184-186, 188, 191,229, 253, 258,

«sociedade da abundância», 256 sociedade de risco: v. riscosociedade-providência, 183-184, 242sociedades tradicionais, produção nas,

231 sociologia do conhecimento, 25 sociologia do direito (legal), 28 Sócrates, José, 19, 49, 62, 73-74, 77, 79solidariedade:

filantrópica, 176, 192intergeracional, 207, 209orgânica, 230programas de, 251, 253 social, cívica, 29, 31, 141, 144, 149,

161, 174, 249, 259subsídio de desemprego: v. desem-

pregosubsídio social de desemprego: v. de-

sempregoSuécia, 33, 49-51, 53-57, 59-62, 64-71,

95, 97-99, 111, 135, 136-138, 143,145, 147-148, 169, 180-181, 184--185, 187, 210, 244, 246, 249,

Suíça, 37, 54, 95, 97-99, 135-138, 143,145, 147-148, 151, 244, 246,

Sustentabilidade:ambiental, 29 financeira (da segurança social pú-

blica, das IPSS, do Estado-Pro-vidência, do SNS, 14, 21, 23,38, 48, 50, 58, 68-69, 73, 75-77,79-80, 197, 204, 237, 255, 260

social, 48

Ttaxa de mortalidade infantil, 180 taxas de juro, 199, 202, 252tecnificação da política, 31 teoria constitucional, 28

v. Kelsen, Hans teoria da escolha racional, 25

teoria da regulação, 30 teoria do ciclo de vida, 202teoria dos sistemas políticos, 28terceira idade (envelhecimento activo,

inactividade), 203-204, 206-208v. envelhecimento, idosos, quarta

idadeterceiro sector (OTS), 10, 12, 29, 36-

-37, 161-173, 175-180, 182-187, 189--192, 242 actividades expressivas (culturais,

desportivas, recreativas, advoca-cia ou militância), 165-166,168-169, 172, 178-179

associações, 29, 171-175, 178, 185,252

cooperativas, 29, 174, 178crowding out effect, 171, 186donativos, 171, filantropia, 167, 171, 176, 179, 192,

253fundações, 29, 32, 168, 174misericórdias, 29, 174, 178, 252mutualidades, 29, 141, 178nova gestão pública, 162, 176organizações do (de caridade, filan-

trópicas, intergovernamentais,não governamentais de defesade direitos, operárias, voluntá-rias), 20, 23, 161-162, 164-169,172, 174-175, 177-179, 182-184,188, 190-191, 253,

ONGs, 29, 178Schumpeterian workfare post-national

regimes, 176 terceiro sector, regimes de (social-

-democrata, continental, libe-ral, estatista), 162-169

Universidade Johns Hopkins (pro-jecto sobre o terceiro sector),164, 169

v. cidadania (civicness, responsabi-lidade cívica), economia so-cial, Estado de investimento

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Índice remissivo

285

social, Maia, Padre Lino, paí-ses corporativos, países libe-rais, países sociais-democratas,países pós-comunistas, Uniãodas Miseri córdias Portuguesas(UMP), União das Mutualida-des Portuguesas (UMP), vo-luntariado

território: v. EstadoThatcher, Margaret, 29, 32, 166, 237 tipologia de Esping-Andersen: v. Es-

ping-Andersen, GøstaTocqueville, Alexis, 171 tomada racional de decisão, processo

de, 199-200trabalho:

a tempo inteiro, 65, 67a tempo parcial, 249 categoria sócio-profissional, 11-12,

72, 117-120, 123-124, 250, 254conciliação entre trabalho e vida fa-

miliar, 64-65, 70, 89, 112, 121,123-124, 147, 180

contratação colectiva de trabalho,72, 75, 77-78, 81-82

contratos a termo certo e a prazo,249-250

contratos permanentes, 249 convenções colectivas de trabalho,

72, 76divisão do, 227gestão ilegal de recursos humanos,

72 mercado de trabalho: v. mercado

não declarado, 82precário, 54-55, 67, 80, 87, 173, 203,

226, 236, 248-249, 254, 260 relações laborais, 11, 49, 72, 74, 80-

-81subcontratação, 236 tempo de trabalho, regulação do,

14, 70, 72, 77-78, 82, 249trabalhadores a recibos verdes, 249

trabalhadores da administraçãopública, 76, 79-80, 243, 251,259

trabalhadores desqualificados ounão qualificados, 117-120, 122,126

trabalhadores de serviços e vendas,119

trabalhadores do sector privado,79-80

trabalhadores pobres e em risco depobreza, 14, 58, 60, 76

trabalhadores temporários, 249 v. Acordo Económico e Social

(1990), acordos bipartidos,acordos tripartidos, concerta-ção social, desemprego, em-prego, geração «à rasca©, legis-lação

Tribunal Constitucional, 62troika, 250Tunísia, 258Turquia, 54, 110, 135, 140, 244

UUcrânia, 95-99, 244 UGT (União Geral de Trabalhadores):

v. sindicatosUMP (União das Misericórdias Portu-

guesas), 178, 252UMP (União das Mutualidades Portu-

guesas), 178universalismo, 32, 50, 87-88, 94, 112,

132-135, 141-142, 144, 146, 149,152, 156-157, 166, 168, 174-176,181, 190

União Europeia (UE), 11, 23, 30, 45--46, 48, 50-52, 54-55, 57, 62-63, 72--73, 79, 82, 111, 114-116, 175, 203--204, 239, 242-244, 249-250, 254,260

utentes dos serviços de saúde/benefi-ciários: v. saúde

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Vvalores, 26-27, 31, 96, 162, 170, 206,

226, 249, 255, 257, 259valores autoritários/tradicionalistas,

124valores culturais do catolicismo,

34, 173valores familialistas, 173 valores humanistas e igualitários,

35, 88, 103, 124, 259valores materialistas, 124

vanguarda, 168velhice, 13, 55-58, 197, 203, 206-207, 209vizinhança, 167voluntariado, 37, 161-162, 164-169,

171, 183-184, 188-190

Ano Europeu das Actividades Vo-luntárias (2011), 184

associações de voluntários de acçãosocial, 174

voluntariado formal e informal, 15,172, 183-185, 188

voluntary failure, 171, 183v. terceiro sector

WWeber, Max, 28-29, 228-230welfare, 29-30, 33, 50, 65, 82, 234,

239welfare mix, 164, 190 workfare, 30, 176

Os Portugueses e o Estado-Providência

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