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1 tcc pronto - Portal FMU

Date post: 06-Nov-2021
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1 SUMÁRIO Introdução . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 1. Das Astreintes 1.1. Conceito . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 1.2. Amparo legal . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 1.3. Finalidade e Natureza Jurídica . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 1.4. Requisitos para a aplicação . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 1.5. Faculdade do Magistrado . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 1.6. Termo “a quo” e “ad quem. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 1.6.1. Termo “a quo. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 1.6.2. Termo “ad quem” . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 1.7. Diferenças entre Astreintes x Multas x Danos . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 1.8. Multas dos artigos 475-J, 600 e 601 do CPC . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 1.9. Coisa julgada . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 1.10. Flexibilidade na fixação e alteração pelo Juízo . . . . . . . . . . . . . . . . . . 1.10.1. Efeito “ex tunc” e “ex nunc” . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 2. Efeitos das decisões finais e dos recursos em relação às Astreintes 2.1. Decisão final . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 2.2. Recursos . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 3. Execução das Astreintes 3.1. Momento processual adequado . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 3.2. Rito processual . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 3.3. Execução Provisória . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 01 03 05 09 10 13 15 15 16 18 19 22 23 26 27 33 35 37 38
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SUMÁRIO

Introdução . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .

1. Das Astreintes

1.1. Conceito . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .

1.2. Amparo legal . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .

1.3. Finalidade e Natureza Jurídica . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .

1.4. Requisitos para a aplicação . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .

1.5. Faculdade do Magistrado . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .

1.6. Termo “a quo” e “ad quem” . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .

1.6.1. Termo “a quo” . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .

1.6.2. Termo “ad quem” . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .

1.7. Diferenças entre Astreintes x Multas x Danos . . . . . . . . . . . . . . . . . . .

1.8. Multas dos artigos 475-J, 600 e 601 do CPC . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .

1.9. Coisa julgada . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .

1.10. Flexibilidade na fixação e alteração pelo Juízo . . . . . . . . . . . . . . . . . .

1.10.1. Efeito “ex tunc” e “ex nunc” . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .

2. Efeitos das decisões finais e dos recursos em relação às Astreintes

2.1. Decisão final . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .

2.2. Recursos . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .

3. Execução das Astreintes

3.1. Momento processual adequado . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .

3.2. Rito processual . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .

3.3. Execução Provisória . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .

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4. As Astreintes e o Ministério Público na defesa dos direitos difusos e coletivos .

Conclusão Crítica . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .

Bibliografia . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .

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INTRODUÇÃO

O Processo Civil Contemporâneo tem dado grande destaque à tutela específica,

procurando meios e instrumentos para atender quem procura, no Poder Judiciário, uma

solução para que seu direito seja efetivado da forma mais próxima possível à original.

Até pouco tempo atrás, antes da reforma trazida pela Lei nº 10.444/02, o

Judiciário encontrava-se de “mãos atadas”, principalmente no tocante às obrigações de

fazer e de não-fazer, nas quais prevalece a liberdade individual e física do devedor.

Na prática, o credor procurava a Justiça Pública em busca da efetivação do seu

direito e recebia, na maioria das vezes, como resultado final, o valor correspondente em

dinheiro, ou seja, o direito do credor era revertido em perdas e danos.

O descrédito começou a ameaçar o Judiciário, vez que não tinha instrumentos

suficientes e eficazes para atender o credor e fazer prevalecer seu direito de forma

específica.

Diante de tal ameaça, o Legislador encontrou uma solução: emprestar do

direito francês a chamada “Astreinte”, que grande semelhança possuía com a antiga “ação

cominatória” do direito brasileiro.

É este instituto, que no direito pátrio recebe a nomenclatura de “multa diária”,

que se pretende estudar nesta tese, analisando, cuidadosamente, seu conceito, natureza

jurídica, características, peculiaridades, exequibilidade e questões controvertidas na

doutrina e na jurisprudência.

Até o momento, grande maioria dos estudiosos do Direito brasileiro tem

abordado o tema de forma superficial e acessória, mencionando-o apenas como uma

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ferramenta auxiliar na busca da tutela específica, da tutela inibitória e da execução em si,

deixando de observar sua riqueza e complexidade.

Importante o estudo do instituto sob seu próprio e peculiar prisma, sendo esta

uma das pretensões da presente obra.

Especificamente, a execução das Astreintes é o foco principal desta

dissertação, porém, para tanto, faz-se necessário um estudo aprofundado do instituto em si

a fim de possibilitar a posterior análise de pontos controversos de sua execução.

Sendo assim, a tese terá como alicerce as características e peculiaridades das

Astreintes para sustentar o objeto final, que é a sua execução, passando, durante a

construção do raciocínio lógico-jurídico, por questões amplamente controversas e

sanando pontos obscuros ou omissos da legislação.

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1. DAS ASTREINTES

1.1. Conceito

A priori, a conceituação do instituto, sua natureza e alcance são

imprescindíveis tanto à compreensão das astreintes, como ferramenta jurídica, quanto a

seu implemento, via executiva.

A propósito, merecem colação conceitos elaborados por renomados

doutrinadores, todos empenhados em apontar características, ou peculiaridades e até

finalidades do instituto jurídico.

No entendimento de Guilherme Rizzo Amaral:

As astreintes constituem técnica de tutela coercitiva e acessória, que visa

a pressionar o réu para que o mesmo cumpra mandamento judicial,

pressão esta exercida através de ameaça ao seu patrimônio,

consubstanciada em multa periódica a incidir em caso de

descumprimento.1

Humberto Theodoro Júnior, por sua vez, analisa as Astreintes sob o prisma de

sua funcionalidade:

(...) o direito moderno criou a possibilidade de coagir o devedor das

obrigações de fazer e não fazer a cumprir as prestações a seu cargo

mediante imposição de multas. Respeitada a intangibilidade corporal do

devedor, criam-se, desta forma, forças morais e econômicas de coação

1 Guilherme Rizzo Amaral. As Astreintes e o processo civil brasileiro. Multa do artigo 461 do CPC e outras. p. 85.

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para convencer o adimplente a realizar pessoalmente a prestação

pactuada.2

Nas palavras de Luiz Guilherme Marinoni:

A multa, característica essencial da tutela inibitória, objetiva pressionar o

réu a adimplir a ordem do juiz, visando à prevenção do ilícito mediante o

impedimento de sua prática, de sua repetição ou de sua continuação.3

Observe-se, nos conceitos apresentados, o descuido de entremear a finalidade

na definição do instituto.

Metodologicamente, é pecaminosa a confusão da essência com o desígnio,

sendo confuso conceituar Astreinte como forma de coerção, só porque este seria seu

objetivo principal.

Cumpre, pois, buscar uma definição, que revele a essência das Astreintes,

considerando ser ela uma punição, a modalidade punitiva, condições de sua aplicação,

iniciativa e interesse, qual sua dimensão. Poder-se-ia, então sugerir o seguinte conceito:

Astreintes são sanções pecuniárias, periódicas, que incidem a partir do

descumprimento de ordem judicial, podendo ser fixadas a pedido da parte ou de ofício

pelo magistrado, em valor suficiente para pressionar, psicologicamente, o devedor a

cumprir o mandamento judicial.

Ressalte-se que a periodicidade da multa não é limitada ao espaço de tempo

denominado “dia”, podendo ser até mesmo horas, semanas, quinzenas etc.

2 Humberto Theodoro Júnior. Curso de Direito Processual Civil. Volume II. p. 267. 3 Luiz Guilherme Marinoni. Tutela Inibitória (individual e coletiva). 2ª Edição. p. 173-174.

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Tal questão é amplamente debatida, porém o §6º do artigo 461 do Código de

Processo Civil é claro, in verbis: o juiz poderá, de ofício, modificar o valor ou a

periodicidade da multa, (grifo nosso) caso verifique que se tornou insuficiente ou

excessiva.

Ora, se a periodicidade da multa fosse limitada ao dia, tal previsão legal seria

descabida, o que sugere fique esta a critério do magistrado.

1.2. Amparo Legal

As Astreintes estão previstas em diversas leis de nosso ordenamento jurídico,

sendo previstas no Código de Processo Civil, na Consolidação das Leis do Trabalho, na

Lei da Ação Civil Pública, no Código de Defesa do Consumidor, no Estatuto da Criança e

do Adolescente, entre outros.

O Código de Processo Civil prevê as Astreintes nos artigos 287, 461, §§ 4º, 5º

e 6º, 461-A, § 3º, e 645. Vejamos.

Art. 287. Se o autor pedir que seja imposta ao réu a abstenção da prática

de algum ato, tolerar alguma atividade, prestar ato ou entregar coisa,

poderá requerer cominação de pena pecuniária para o caso de

descumprimento (grifo nosso) da sentença ou da decisão antecipatória de

tutela (arts. 461, § 4º, e 461-A).

Art. 461. Na ação que tenha por objeto o cumprimento de obrigação de

fazer ou não fazer, o juiz concederá a tutela específica da obrigação ou, se

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6

procedente o pedido, determinará providências que assegurem o resultado

prático equivalente ao do adimplemento.

(...) § 4º O juiz poderá, na hipótese do parágrafo anterior ou na sentença,

impor multa diária ao réu, (grifo nosso) independentemente de pedido do

autor, se for suficiente ou compatível com a obrigação, fixando-lhe prazo

razoável para o cumprimento do preceito.

§ 5º Para a efetivação da tutela específica ou a obtenção do resultado

prático equivalente, poderá o juiz, de ofício ou a requerimento,

determinar as medidas necessárias, tais como a imposição de multa por

tempo de atraso, (grifo nosso) busca e apreensão, remoção de pessoas e

coisas, desfazimento de obras e impedimento de atividade nociva, se

necessário com requisição de força policial.

§ 6º O juiz poderá, de ofício, modificar o valor ou a periodicidade da

multa, caso verifique que se tornou insuficiente ou excessiva

Art. 461-A. Na ação que tenha por objeto a entrega de coisa, (grifo nosso)

o juiz, ao conceder a tutela específica, fixará o prazo para o cumprimento

da obrigação.

(...) § 3º Aplica-se à ação prevista neste artigo o disposto nos §§ 1º a 6º

do art. 461 (grifo nosso).

Art. 645. Na execução de obrigação de fazer ou não fazer, fundada em

título extrajudicial, o juiz, ao despachar a inicial, fixará multa por dia de

atraso no cumprimento (grifo nosso) da obrigação e a data a partir da qual

será devida.

Já na Consolidação das Leis do Trabalho (Decreto-Lei nº 5.452 de 1 de maio

de 1943), a previsão das Astreintes se dá em dois artigos, porém elas prevêem limitações

de valores a serem fixados pelo juiz.

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Art. 729 - O empregador que deixar de cumprir decisão passada em

julgado sobre a readmissão ou reintegração de empregado, além do

pagamento dos salários deste, incorrerá na multa de Cr$ 10,00 (dez

cruzeiros) a Cr$ 50,00 (cinquenta cruzeiros) por dia (grifo nosso), até que

seja cumprida a decisão.

Os valores mencionados neste artigo foram revistos pelas Leis nºs 6.986, de

1982 e 6.205, de 1975.

Art. 137 - Sempre que as férias forem concedidas após o prazo de que

trata o art. 134, o empregador pagará em dobro a respectiva remuneração.

§ 2º - A sentença dominará pena diária (grifo nosso) de 5% (cinco

por cento) do salário mínimo da região, devida ao empregado até que seja

cumprida.

O Código de Defesa do Consumidor (Lei nº 8078 de 11 de setembro de 1990),

por sua vez, determina o uso das Astreintes em seu artigo 84, in verbis:

Art. 84. Na ação que tenha por objeto o cumprimento da obrigação de

fazer ou não fazer, o juiz concederá a tutela específica da obrigação ou

determinará providências que assegurem o resultado prático equivalente

ao do adimplemento.

§ 4° O juiz poderá, na hipótese do § 3° ou na sentença, impor multa

diária (grifo nosso) ao réu, independentemente de pedido do autor, se for

suficiente ou compatível com a obrigação, fixando prazo razoável para o

cumprimento do preceito.

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O Estatuto da Criança e do Adolescente (Lei nº 8.069 de 13 de julho de 1990)

também reconheceu a eficiência e importância do instituto:

Art. 213. Na ação que tenha por objeto o cumprimento de obrigação de

fazer ou não fazer, o juiz concederá a tutela específica da obrigação ou

determinará providências que assegurem o resultado prático equivalente

ao do adimplemento.

§ 2º O juiz poderá, na hipótese do parágrafo anterior ou na sentença,

impor multa diária ao réu, (grifo nosso) independentemente de pedido do

autor, se for suficiente ou compatível com a obrigação, fixando prazo

razoável para o cumprimento do preceito.

§ 3º A multa só será exigível do réu após o trânsito em julgado da

sentença favorável ao autor, mas será devida desde o dia em que se

houver configurado o descumprimento.

A Lei da Ação Civil Pública (Lei nº 7.348, de 24 de julho de 1985), determina

que na busca da defesa dos interesses difusos e coletivos a Astreinte também é uma

aliada:

Art. 11. Na ação que tenha por objeto o cumprimento de obrigação de

fazer ou não fazer, o juiz determinará o cumprimento da prestação da

atividade devida ou a cessação da atividade nociva, sob pena de execução

específica, ou de cominação de multa diária, (grifo nosso) se esta for

suficiente ou compatível, independentemente de requerimento do autor.

Pelo exposto, observa-se que o instituto em estudo foi amplamente agasalhado

por todo o sistema jurídico pátrio, sendo que sua disseminação em diversas áreas do

direito, decididamente comprova sua importância, eficácia e eficiência.

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1.3. Finalidade e Natureza Jurídica

As Astreintes possuem duas principais finalidades que, a nosso ver, são

igualmente importantes: auxiliar na concreção da tutela específica e proteger a dignidade

do Poder Judiciário.

Na busca da tutela específica, a Astreinte é usada como instrumento coercitivo

na chamada “execução indireta”, onde pressiona psicologicamente o devedor, para que

ele tenha a iniciativa de cumprir a obrigação, desempenhando o papel de medida

processual com caráter público.

Da mesma forma, é utilizada como arma na proteção da dignidade do Poder

Judiciário que, além do artigo 14 do Código de Processo Civil, possui uma nova forma de

fazer com que sua decisão seja cumprida de forma voluntária, preservando o respeito à

jurisdição e evitando o desgaste causado pela aplicação da “execução direta”, onde o juiz

ataca incisivamente o patrimônio do devedor, para fazer cumprir sua determinação, sendo

que, por vezes, referida medida é ineficaz diante da natureza da obrigação sub judice.

Neste sentido manifesta-se Gilberto Antônio Medeiros:

As astreintes, assim, substituem a atividade ‘manu militari’ do Estado,

que seria inoperante e, talvez, poderia tornar-se violenta, porque, em

última análise, recairia diretamente sobre a pessoa do devedor, atentando,

possivelmente, sobre sua liberdade.4

Já Fabiano Carvalho ressalta o caráter coercitivo das Astreintes:

4 Gilberto Antonio Medeiros. As “Astreintes” no direito brasileiro. p. 124.

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A multa diária não é pena para sancionar o devedor pelo fato de não haver

cumprido a obrigação. Também não tem natureza de ressarcimento dos

danos. É meio de coação, de simples ameaça, que tem por escopo

constranger o devedor a cumprir a ordem judicial, com finalidade de obter

o resultado ideal.5

Em relação à natureza jurídica das Astreintes, vale ressaltar que há grande

divergência doutrinária a respeito, sendo que há quem diga que possui natureza

reparatória, repressiva, retributiva, ressociabilizadora, inibitória, obrigacional, entre

outras.

Cada uma dessas opções, isoladamente, é insuficiente para determinar a

natureza jurídica de tão complexo instituto, sendo que seria inaceitável dizer que as

Astreintes possuem natureza coercitiva e nada mais.

Em verdade, não seria adequado emprestar de outros institutos um molde para

identificação da natureza jurídica da Astreinte, que tem sua própria e peculiar natureza

jurídica, como figura própria e peculiar que o é.

Enquanto tal idéia não é disseminada, parece-nos mais razoável e compatível

com as características do instituto entender que as Astreintes possuem natureza jurídica da

cláusula penal, que pune eventual descumprimento de ordem judicial, pressionando

psicologicamente o obrigado a cumprir o mandamento e desestimulando outras eventuais

inadimplências.

1.4. Requisitos para a aplicação

5 Fabiano Carvalho. Execução da Multa (Astreintes) Prevista no Artigo 461 o CPC. p. 210.

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Para que seja possível a incidência das Astreintes, deve-se observar

atentamente a todos seus requisitos, razão porque se faz necessário o estudo de cada um

deles.

De plano, não se descuidará da competência, vez que apenas o juiz, que

preside o processo, poderá fixar as Astreintes, a pedido da parte ou ex officio6.

A fixação pode se dar em qualquer fase processual, nas decisões proferidas em

qualquer instância, pois sempre que houver uma decisão judicial, com um determinado

comando, haverá o risco do inadimplemento.

Será aplicável apenas nas obrigações onde não houver procedimento específico

para a efetivação do mandamento judicial, ou que não possa ser realizada por execução

direta, através do próprio judiciário.

Neste sentido, Rizzato Nunes afirma que:

Em rigor, a fixação da multa cominatória só tem sentido quando o

magistrado não pode tomar a medida diretamente e/ou quando o próprio

credor também não (com ou sem o auxílio ou autorização do juiz) ou,

ainda, quando um terceiro não possa fazê-lo.7

Luciano Marinho de Barros e Souza Filho disserta sobre a aplicabilidade das

Astreintes nas obrigações personalíssimas:

Diante de obrigações personalíssimas, as quais só o devedor pode

cumprir, não interessa a ninguém sua conversão em perdas e danos, opção

6 Tópico abordado no item 1.5 7 Guilherme Rizzo Amaral. As Astreintes e o processo civil brasileiro. Multa do artigo 461 do CPC e outras. p. 85.

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facultada exclusivamente aos credores, pelos artigos 633 e 461, parágrafo

1º, do CPC. Há mesmo que se impor pesadas multas, para compelir os

devedores a cumprirem no vencimento as obrigações que lhes ordenarem

a Justiça, evitando-se o desleixo e o descrédito institucional.8

Nota-se que a multa diária não é aplicável à execução por quantia certa, ou

seja, obrigação de dar pecúnia, bem como não será aplicável nos casos de adjudicação

compulsória, onde esta é determinada de ofício pelo juiz da causa.

Por outro lado é amplamente aplicável nas obrigações de fazer e de não fazer,

onde a liberdade individual e corporal do devedor deve ser respeitada, bem como nas

obrigações de dar, em que o objeto da obrigação não seja dinheiro em espécie.

O artigo 287 do Código de Processo Civil é claro ao mencionar as obrigações

em que caberão Astreintes, in verbis:

Se o autor pedir que seja imposta ao réu a abstenção da prática de algum

ato, tolerar alguma atividade, prestar ato ou entregar coisa, poderá

requerer cominação de pena pecuniária para o caso de descumprimento da

sentença ou da decisão antecipatória de tutela (arts. 461, § 4o, e 461-A).

Apesar de haver certa divergência doutrinária a respeito do cabimento das

Astreintes nas obrigações de dar, o artigo 461-A do Código de Processo Civil prevê

expressamente a sua aplicação:

Art. 461-A. Na ação que tenha por objeto a entrega de coisa, o juiz, ao

conceder a tutela específica, fixará o prazo para o cumprimento da

obrigação.

(…) § 3º Aplica-se à ação prevista neste artigo o disposto nos §§ 1º a 6º 8 Luciano Marinho de Barros e Souza Filho. Multa Astreintes: um instituto controvertido. p. 509.

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do art. 461

Essencial, ainda, a presença do “periculum in mora”, da irreparabilidade do

dano ou da “inocuidade do decisum”, pois sem eles a Astreinte perderia sua eficiência já

que tem como finalidade, dentre outras, impelir o devedor ao mais breve cumprimento da

obrigação.

Com efeito, a característica periódica do instituto se dá para que o devedor

cumpra a determinação judicial dentro do prazo estipulado, aumentando o montante a ser

pago de acordo com o tempo de atraso, buscando impedir a ocorrência de prejuízo ou

irreparabilidade do dano pela demora, bem como a ineficiência do mandamento judicial.

Posteriormente, deve-se observar se há possibilidade do cumprimento da

obrigação, vez que há casos em que não há mais como realizar a determinação judicial

nos exatos termos descritos na decisão.

Caso não seja possível cumprir a obrigação em seus exatos termos, não há

razão para aplicar as Astreites, pois a obrigação deverá ser revertida, desde logo, em

perdas e danos, sendo pago um valor correspondente em dinheiro, caso em que, como já

vimos, também não é aplicável Astreinte.

Por fim, deve-se observar se a multa diária é adequada para o caso concreto, se

a forma coercitiva é compatível com a situação sub examine, pois, dependendo da

situação concreta, a fixação da Astreinte pode resultar em maior desmoralização para o

judiciário ou até mesmo em uma dívida que jamais será paga.

1.5. Faculdade do Magistrado

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O Código de Defesa do Consumidor, de 11 de setembro de 1990, apresentou

em seu texto a possibilidade de fixação da Astreinte ex officio, vez que, até então, era

necessário o pedido da parte credora para que o juiz determinasse a sua incidência.

Referido codex trouxe a tendência da busca pela tutela específica, a qual foi

amplamente cingida pelo Código de Processo Civil, que, em 07 de maio de 2002, através

da lei nº 10.444, recebeu várias alterações neste sentido.

O CDC, em seu artigo 84, regulamenta a questão da faculdade do magistrado

da seguinte forma, in verbis:

Na ação que tenha por objeto o cumprimento da obrigação de fazer ou

não fazer, o juiz concederá a tutela específica da obrigação ou

determinará providências que assegurem o resultado prático equivalente

ao do adimplemento.

(...) § 4° O juiz poderá, na hipótese do § 3° ou na sentença, impor multa

diária ao réu, independentemente de pedido do autor, (grifo nosso) se for

suficiente ou compatível com a obrigação, fixando prazo razoável para o

cumprimento do preceito.

Sendo assim, a persecução da tutela específica, ou seja, a busca pelo

cumprimento da obrigação em sua forma originária, prevaleceu em relação ao princípio

da inércia do judiciário, que impede o juiz de tomar providências por conta própria.

Atualmente, o juiz natural que preside o processo pode adotar uma série de

providências independentemente do pedido da parte, merecendo as Astreintes certo

destaque, pois além de surtir o efeito coercitivo para que a obrigação seja cumprida

rapidamente, os valores recebidos são revertidos ao credor, beneficiando-o duplamente.

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15

1.6. Termo “a quo” e “ad quem”

1.6.1. Termo “a quo”

O termo inicial de incidência das Astreintes se dá de acordo com a natureza da

obrigação em questão.

Nas obrigações comissivas (dar e fazer), nas quais o devedor deve praticar

algum ato, o momento de incidência da Astreinte é o da citação do devedor no processo

de execução (para títulos extra-judiciais) ou da sua intimação da sentença de mérito do

processo de conhecimento que, com a nova forma processual sincrética, dá início

automaticamente à chamada “fase executiva”.

Já no caso das obrigações omissivas (não-fazer), as Astreintes só passam a

incidir quando o devedor, devidamente citado ou intimado, descumpre a determinação

judicial, praticando o ato do qual deveria abster-se.

Pelo exposto, observa-se a necessidade de ocorrer a efetiva execução da

obrigação, sendo que a citação no processo de conhecimento não é suficiente para

determinar que se principie a incidência da multa diária.

A jurisprudência é uníssona neste sentido, sendo que destaca-se, dentre as

demais, a seguinte decisão do Superior Tribunal de Justiça:

Da citação. Necessidade de processo de execução. Impossibilidade de

aceitar-se como termo inicial a citação no processo de conhecimento.

Exigência de ter havido descumprimento da sentença. Arts. 287 e 644,

CPC. Recurso provido.

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16

I - as "astreintes", originadas do direito francês, têm por objetivo coagir o

devedor, que foi condenando a praticar um ato ou abster-se da referida

prática, a realizar o comando imposto pelo juiz. Elas não correspondem a

qualquer indenização por inadimplemento e, portanto, somente são

incidíveis nas obrigações de fazer ou de não-fazer. II - A multa diária

somente pode ser cobrada a partir do descumprimento da sentença, o

qual, por sua vez, requer instauração do processo de execução e sua

regular formação, com a citação, impedindo entender-se que a

condenação "a partir da citação" seja a citação do processo de

conhecimento (grifo nosso).9

Por outro lado, eventual prazo para o cumprimento da determinação judicial

concedido pelo juiz deve ser respeitado.

Sendo assim, se o juiz, no momento da intimação ou citação, fixar prazo para

que a obrigação seja cumprida deve-se aguardar o seu esgotamento para que comece a

incidir multa periódica.

1.6.2. Termo “ad quem”

O instituto ora estudado possui característica peculiares que lhe são essenciais

para atingir a finalidade almejada.

A finalidade almejada, a primeira vista, é o cumprimento da determinação

judicial, sendo que enquanto a ordem não for cumprida a Astreinte não terá atingido seu

objetivo.

9 REsp 123.645/BA, Rel. Min.. Sálvio de Fiqueiredo Teixeira, Quarta Turma, julgado em 23/09/1998, DJ 18/12/1998 p. 360.

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Enquanto não atinge seu escopo, a Astreinte continua a incidir, buscando

sempre a efetividade do mandamento judicial.

Ora, pelo exposto, conclui-se facilmente que o termo “ad quem” da Astreinte

se dá no momento do cumprimento da obrigação.

Porém, houve um momento em que se levantou a seguinte questão: o que

acontece quando a obrigação não é cumprida e o valor da multa periódica fica tão alto que

acaba por gerar enriquecimento ilícito da parte credora?

Houve quem acreditasse na possibilidade da fixação de prazo final para a

incidência das Astreintes, com o objetivo de impedir que o valor ultrapassasse o limite da

sensatez.

No entanto, tal entendimento foi rechaçado pelos Tribunais, pois fixar referido

prazo seria o mesmo que incentivar o descumprimento da determinação judicial.

A solução encontrada é realmente simples.

Consiste na aplicação do §6º do artigo 461do Código de Processo Civil que

menciona, in verbis: “o juiz poderá, de ofício, modificar o valor ou a periodicidade da

multa, caso verifique que se tornou insuficiente ou excessiva”.

Exatamente nestes termos manifestou-se o Superior Tribunal de Justiça:

Processo civil - obrigação de fazer - Astreintes - fixação de termo final.

Impossibilidade. É lícito ao juiz modificar o valor e a periodicidade da

Astreinte (CPC, Art. 461, § 6º). Não é possível, entretanto, fixar-lhe

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18

termo final, porque a incidência da penalidade só termina com o

cumprimento da obrigação.10

Sendo assim, quando a multa demonstrar-se excessiva devido ao grande atraso

no cumprimento da obrigação, pode o magistrado, ex officio ou a pedido da parte, ajustar

e adequar o valor ao caso sub examine, porém, sem fixar um termo final para sua

incidência que não a data do cumprimento da obrigação.

1.7. Diferenças entre Astreintes x Multas x Danos

Na prática, há quem faça confusão entre as Astreintes, as multas e os danos.

Em verdade, os três institutos possuem certa semelhança, vez que todos

acabam sendo pagos pelo devedor ao credor em razão do inadimplemento de obrigação.

Por outro lado, suas características, origem e fundamentação legal são

completamente diferentes.

As Astreintes, conforme já estudamos, é uma multa periódica, imposta pelo

magistrado, para estimular o devedor a cumprir a determinação judicial.

A Multa, também conhecida por “cláusula penal”, por sua vez, é fixada pelo

particular nos contratos em que participa, como forma de evitar seu descumprimento.

Já o Dano é a forma pela qual se resolve uma questão judicial onde o

cumprimento da obrigação em si não é mais possível, momento em que é convertida para

10 Rel. Min Humberto Gomes de Barros – Recurso Especial nº 890.900 - SP (2006/0088695-0)

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19

a chamada “Perdas e Danos”, que corresponde ao valor da obrigação em dinheiro,

somado com os danos e com as perdas sofridas pelo credor.

Com efeito, essas diferenças trazem diversas consequências.

Quando o instituto em questão for a Astreinte ou a Multa, a obrigação principal

ainda será devida, sendo que em uma eventual execução ela também será cobrada.

Em compensação, quando tratar-se de Danos, a obrigação principal não será

cobrada, vez que o dano corresponde exatamente a esta obrigação que não pode mais ser

cumprida especificamente.

Note-se que a Multa é instituto bem próximo à Astreinte, porém inconfundível

com a mesma.

Ambas buscam desestimular o descumprimento de obrigação, porém a Multa,

além de não ser periódica e ser fixada pelo particular, possui limite estipulado em lei para

não se tornar abusiva (artigo 412 do Código Civil).

Por fim, em que pese as semelhanças apresentadas, inadmissível a confusão

entre institutos tão diferentes, vez que um estudo superficial é suficiente para notar as

gritantes discrepâncias existentes.

1.8. Multas dos artigos 475-J, 600 e 601 do CPC

Tomando como base a recém estudada confusão de alguns operadores do

direito, vale ressaltar a diferença entre as Astreintes e as multas dos artigos 475-J, 600 e

601, do Código de Processo Civil.

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Pela breve leitura da lei é possível notar as diversas diferenças entre as

Astreintes e a multa do artigo 475-J, do Código de Processo Civil.

Art. 475-J. Caso o devedor, condenado ao pagamento de quantia certa ou

já fixada em liquidação, não o efetue no prazo de quinze dias, o montante

da condenação será acrescido de multa no percentual de dez por cento e, a

requerimento do credor e observado o disposto no art. 614, inciso II, desta

Lei, expedir-se-á mandado de penhora e avaliação.

Referido artigo restringe a multa à execução por quantia certa, fixa o prazo

para pagamento do valor executado (15 dias), fixa o valor da multa (10% do valor da

execução) e determina que deve haver requerimento da parte.

Ora, a Astreinte é multa diária, sendo que o prazo para o início de sua

incidência e o seu valor são determinados pelo juiz, bem como o requerimento da parte é

dispensável, podendo o juiz fixá-la ex officio.

Observa-se que a função da multa do artigo 475-J é “de mera remuneração

moratória”11, ou seja, ela é uma forma de compensar do credor pela demora do devedor.

Em sentido completamente contrário vai a Astreinte, pois em momento algum

pretende compensar o credor pelo atraso no cumprimento, mas sim fazer com que a

obrigação seja cumprida de forma específica, resguardando a dignidade do Poder

Judiciário.

Outra diferença está no caráter acessório da multa do artigo 475-J, enquanto a

Astreinte é completamente independente do direito material sub judice.

11 Humberto Theodoro Júnior. Curso de Direito Processual Civil. Volume II. p. 53.

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Em relação ao artigo 600 e 601, dispõe o CPC, in verbs:

Art. 600. Considera-se atentatório à dignidade da Justiça o ato do

executado que:

I - frauda a execução;

II - se opõe maliciosamente à execução, empregando ardis e meios

artificiosos;

III - resiste injustificadamente às ordens judiciais;

IV - não indica ao juiz onde se encontram os bens sujeitos à execução.

IV - intimado, não indica ao juiz, em 5 (cinco) dias, quais são e onde se

encontram os bens sujeitos à penhora e seus respectivos valores.

Art. 601. Nos casos previstos no artigo anterior, o devedor incidirá em

multa fixada pelo juiz, em montante não superior a 20% (vinte por cento)

do valor atualizado do débito em execução, sem prejuízo de outras

sanções de natureza processual ou material, multa essa que reverterá em

proveito do credor, exigível na própria execução.

Parágrafo único. O juiz relevará a pena, se o devedor se comprometer a

não mais praticar qualquer dos atos definidos no artigo antecedente e der

fiador idôneo, que responda ao credor pela dívida principal, juros,

despesas e honorários advocatícios.

A multa prevista neste artigo, refere-se aos atos atentatórios à dignidade da

Justiça, fixa o quantum em até 20% do valor executado e determina que o valor será

revertido ao credor, prevendo, por fim, a possibilidade de relevar a pena.

Por sua vez, as Astreintes também procuram preservar a dignidade do

judiciário, porém através da efetividade do procedimento executivo.

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Nesta multa dos artigo 600 e 601, o valor também é limitado a uma

porcentagem do valor executado (assim como na multa do artigo 475-J) e o valor pago é

revertido ao exequente, diferentemente das Astreintes que não possui previsão legal sobre

a destinação do valor (o entendimento de que será revertida para o credor é

jurisprudencial) e não fixa um limite para o quantum.

Por fim, a grande diferença entre os artigos 600 e 601 e as Astreintes é a

possibilidade de relevar a multa, o que não ocorre em nenhuma das outras multas

estudadas, pontuando, mais uma vez, sua singularidade.

1.9. Coisa julgada

Quando tratarmos de Astreintes devemos sempre lembrar que ela jamais fará

coisa julgada formal ou material, podendo ser alterada a qualquer momento pelo

magistrado.

Importante deixar claro que a sentença que fixa a Astreinte submete-se aos

efeitos da coisa julgada, sendo que apenas as Astreintes podem sofrer alterações depois do

trânsito em julgado do mandamento judicial.

Referia peculiaridade se dá para evitar que o valor exceda a razoabilidade ou

que se torne insuficiente para coagir o devedor.

Como a multa é fixada para que a obrigação seja cumprida com brevidade, o

valor fixado costuma ser alto, de forma que o devedor prefira cumprir a obrigação do que

pagar a multa.

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Passado certo período após o início da incidência das Astreintes, o valor da

multa acumula-se, tornando-se, por vezes, exorbitante, trazendo enorme prejuízo para a

parte devedora que, dependendo da situação, não possui condições de pagar.

É este acúmulo de valores que procura-se evitar, deixando sempre disponível

ao juiz adequar o valor da multa à situação em exame.

Da mesma forma, busca-se a manutenção do valor da multa para valor mais

alto, pois sempre que o devedor preferir pagá-la ao invés de realizar o mandamento

judicial, significa que o valor é insuficiente, devendo ser aumentado de imediato.

1.10. Flexibilidade na fixação e alteração pelo Juízo

O magistrado possui ilimitada disponibilidade para a fixação das Astreintes,

vez que não há na legislação, ou mesmo na jurisprudência, regras rígidas ou valores

determinados que devam ser obedecidos no momento da estipulação do valor.

Referida flexibilidade é necessária em razão da peculiaridade que cada caso

apresenta, vez que uma padronização do valor descaracterizaria o instituto por completo.

Por outro lado, a falta de um parâmetro de comparação acaba por gerar, em

alguns casos, insatisfação das partes que consideram o valor muito alto ou muito baixo, de

acordo com o caso concreto.

Trata-se de questão subjetiva, em que compete ao juiz avaliar o processo e

determinar valor que entenda ser compatível, adequado e suficiente.

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Em relação à posterior alteração do valor, considerando que a Astreinte não se

submete aos efeitos da coisa julgada, esta pode ocorrer em qualquer momento, gerando,

por vezes, instabilidade jurídica.

Observe que a posterior mudança do valor, ou mesmo a mera expectativa de

mudança, gera incerteza que pode incentivar o devedor a não cumprir a obrigação na

esperança de que o valor seja alterado.

Da mesma forma, o credor pode sentir-se desestimulado a iniciar a execução

das Astreintes em razão da perspectiva de que o valor será aumentado ou mesmo pelo

receio de ter que devolver o dinheiro em caso de diminuição do valor.

Em que pese as questões ora expostas, os benefícios trazidos pela inexistência

de coisa julgada das Astreintes são infinitamente superiores à instabilidade jurídica que

pode gerar em alguns casos. Isso porque o valor fixado, até mesmo por não possuir

parâmetros rigorosos, é muitas vezes excessivo ou insuficiente e, se não alterado,

resultaria na inépcia da Astreinte.

Defendendo a total disponibilidade do juiz em alterar o valor das Astreintes,

manifesta-se Luciano Marinho de Barros e Souza Filho:

Por vezes, obrigações serão submetidas às astreintes mas, mesmo

assim, não serão cumpridas – e, por conseguinte, já consumadas, ou

seja, obrigações que conformam verdadeiros títulos de crédito –

tornar-se-ão astronômicas, forçando o magistrado, no caso concreto,

a viabilizá-las, impondo cláusulas como a ‘rebus sic stantibus’, ou

propondo acordos entre as partes quase que ‘compulsoriamente’, ou

ainda, diminuindo ex officio o quantum debeteur, a fim de evitar o

pretenso enriquecimento sem causa; contradiz a liquidez e

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executoriedade da dívida, a independência e o extremismo próprios

deste tipo de sanção, em grave detrimento à credibilidade e à

segurança jurídico-institucional.12

Ou seja, sempre que o valor demonstrar-se insuficiente ou excessivo, deve ser

alterado.

Ainda neste sentido manifesta-se Cândido Rangel Dinamarco:

Como a finalidade destas é persuadir, e o juiz verifica que o

obrigado ainda prefere pagar a multa a consumar o adimplemento, o

aumento do valor pode concorrer para a obtenção do resultado

desejado.13

Por fim, há, também, a questão do eventual enriquecimento sem causa do

credor nos casos em que as Astreintes são fixadas em valor elevado ou posteriormente

aumentado. No entanto, Luciano Marinho de Barros e Souza Filho põe fim a qualquer

discussão afirmando que:

A ‘limitação’ da multa nada tem a ver com o enriquecimento ilícito do

credor, porque não se trata de contraprestação de obrigação, nem tem

caráter reparatório. Possui, sim, um emblemático interesse de consecução

de obrigações pactuadas e/ou determinadas legal e judicialmente,

preservando e valorizando, destarte, a estabilidade, a eficácia e o caráter

cogente do ordenamento jurídico.14

12 Luciano Marinho de Barros e Souza Filho. Multa Astreintes: um instituto controvertido. p. 503. 13 Cândido Rangel Dinamarco. A reforma da reforma. p. 242. 14 Luciano Marinho de Barros e Souza Filho. Multa Astreintes: um instituto controvertido. p. 501-502.

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1.10.1. Efeito “ex tunc” e “ex nunc”

Quando o valor das Astreintes é alterado, o juiz deve determinar se o seu efeito

será “ex tunc” ou “ex nunc”.

Sempre que a mudança se der para aumentar o valor seu efeito será “ex nunc”,

pois o devedor deixou de cumprir a obrigação sob a coerção de determinado valor, sendo

inaceitável condenar-lhe a pagar valor mais alto que o estipulado naquela ocasião.

Por outro lado, quando a alteração se der para diminuir o valor essa deverá ter

efeito “ex tunc”, ou seja, deve possuir efeito regressivo, pois a diminuição implica na

declaração de que o valor anteriormente fixado era excessivo e, portanto, deveria ser

menor.

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2. EFEITOS DAS DECISÕES FINAIS E DOS RECURSOS EM RELAÇÃO

ÀS ASTREINTES

Conforme já abordado anteriormente, a Astreinte pode ser fixada a qualquer

tempo, em qualquer fase do processo e em qualquer grau de jurisdição.

Também já foi abordada a questão da imunidade da Astreinte em relação aos

efeitos da coisa julgada, sendo que apenas a sentença transita em julgado, podendo a

Astreinte ser modificada a qualquer tempo.

Diante destas duas assertivas, nota-se que surge um problema: o que acontece

com a Astreinte fixada anteriormente à nova decisão que julga improcedente o pedido?

Seria ela exigível?

É isso que estudaremos a seguir.

2.1. Decisão final

Em resposta à questão supra citada, surgiram duas correntes doutrinárias,

sendo que neste momento o conceito da Astreinte será determinante no posicionamento

de cada doutrinador.

A primeira corrente afirma que a Astreinte tem como função garantir o

cumprimento da decisão judicial e preservar a dignidade do Estado, interferindo na

vontade do devedor para que ele cumpra voluntariamente a obrigação determinada,

isentando-se do pagamento da multa diária.

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Consequentemente, entendem que a Astreinte não é uma obrigação assessória,

mas sim autônoma em relação ao direito subjetivo pleiteado pelo autor da demanda.

Sendo ela independente do direito subjetivo questionado na ação, não há

porque ser extinta em razão da sentença que julga improcedente o pedido do autor, afinal,

mesmo que errada, houve uma determinação judicial que foi descumprida.

Nas palavras de Lívia Cipriano Dal Piaz:

(...) não nos parece que descumprir uma ordem judicial seja

insignificante. Esta, uma vez publicada, enquanto vigente, ainda que

venha a ser modificada posteriormente, deve ser cumprida. Tal é a

finalidade da multa, coibir o cumprimento da ordem.15

Após mencionar o entendimento do autor Sérgio Arenhart de que o valor deve

ser cobrado independentemente da decisão final, conclui o raciocínio a autora:

Parece correto tal entendimento, uma vez que se o objetivo é dar

efetividade às decisões judiciais, assegurando a autoridade estatal que deu

a ordem. Caso contrario o devedor estaria desestimulado a cumprir a

ordem com a esperança de vê-la reformada em grau superior, libertando-

se da obrigação.16

No tocante à independência da multa em relação ao direito material disputado

no processo, Fabiano Carvalho apresenta a seguinte passagem:

A multa diária não se identifica com o direito material. As astreintes têm

natureza processual, com finalidade de forçar o devedor a cumprir a

15 Lívia Cipriano Dal Piaz. Os limites da atuação do juiz na aplicação das astreintes. p. 77. 16 Ibid., mesma página.

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decisão judicial que determinou a prestação de uma obrigação. Trata-se

de relação entre o Estado-juiz e o devedor.17

É neste sentido o entendimento de MARCELO LIMA GUERRA:

É forçoso reconhecer que o credor não tem, em princípio, direito a

receber nenhuma quantia em dinheiro, em razão direta do

inadimplemento do devedor, que não seja aquele correspondente às

perdas e danos. [...] Tendo o credor o direito à tutela específica de seu

direito, arma-se o juiz de meios para pressionar psicologicamente o

devedor com medidas coercitivas diversas, principalmente a multa diária.

A multa diária é, portanto, medida de caráter processual, não tendo

qualquer ligação direta com o direito substancial para o qual se pede a

tutela executiva.18

Sendo assim, inexistindo relação entre a obrigação determinada pelo juiz e a

multa fixada como forma de coerção, quando a Astreinte for fixada antes da sentença, na

antecipação de tutela, e a decisão final julgar improcedente a ação, ela não se extinguirá,

continuará exigível.

A temática foi levada ao STJ:

Há precedente do Superior Tribunal de Justiça no mesmo sentido ora

defendido: ‘[...] É claro que houve uma decisão liminar do juiz que tinha

que ser cumprida, a não ser que fosse suspensa, mas não se discutiu isso

aqui. O juiz concedeu a liminar, determinando que essa decisão fosse

cumprida e a parte não cumpriu. Se, posteriormente, chegou-se à

conclusão que não era o caso de cumprimento, que a ação foi julgada

improcedente, não importa no momento. O importante é que o juiz deu 17 Fabiano Carvalho. Execução da Multa (Astreintes) Prevista no Artigo 461 o CPC. p. 216. 18 Marcelo Lima Guerra. Execução Indireta. p. 207.

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uma liminar e a parte descumpriu, quando tinha que cumprir, sob pena de

prisão, porque estava desobedecendo uma ordem judicial.19

Sérgio Cruz Arenhart também compartilha do entendimento da primeira

corrente, levantando a problemática da instabilidade jurídica:

A parte, a quem incumbe o cumprimento da ordem, sabendo ser ela

passível de mudança com a sentença, não tem estímulo para o

cumprimento voluntário da ordem, já que: em cumprindo, não terá

nenhum benefício; em não cumprindo, sujeita-se à sorte de suas alegações

no processo e à eventualidade de sucesso em sua defesa. Põe-se por terra

todo o esforço do jurista no intuito da efetividade do processo.20

Também é defensor da primeira corrente Fabiano Carvalho:

É oportuno dizer que a imposição de multa diária diz respeito ao

cumprimento das decisões judiciais e em nada se identifica com o direito

material envolvido. De um lado esta o Estado, representado pelo juiz, de

outro o devedor. Este pensamento é representado por Luiz Guilherme

Bondioli: ‘Como se pode ver, são inerentes a instituição da multa aqueles

elementos já citados de coerção indireta e de respeito às decisões

emanadas do Estado-juiz. Assim, na relação por ela instituída, encontra-se

num dos pólos aquele em face de quem foi emitido dado comando

jurisdicional, a quem incumbe cumprir o dever jurídico contido em tal

comando; e, no outro pólo, o Estado-juiz, a quem interessa ver respeitadas

e prestigiadas as ordens por ele emitidas. A pessoa que ingressa em juízo

objetivando a imposição do cumprimento de dado dever jurídico não

integra diretamente essa relação. Não obstante tenha interesse em ver

observado o quanto disposto na ordem judicial (e a multa é fundamental

19 STJ, REsp 220.982 – RS, Rel. Min. José Delgado, j. 22.02.2000, RSTJ 134/118 20 Sérgio Cruz Arenhart. A tutela inibitória da vida privada. p.203.

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para isso como mecanismo indireto de pressão), ela efetivamente não

ocupa qualquer dos pólos na relação instituída pela multa; a multa não é

imposta conta si (o devedor é que sofrerá suas consequências) nem em

seu favor (ela não tem caráter indenizatório, ressarcitório ou reparatório; é

acima de tudo, um instrumento a serviço do prestigio das decisões

emanadas do Estado-juiz)’.21

Por outro lado, a segunda corrente entende que a Astreinte não possui a

finalidade de resguardar a dignidade da justiça, bem como entende que é obrigação

acessória ao direito questionado na ação e, portanto, dependente da obrigação principal,

devendo ser considerada extinta e inexigível quando a ação for julgada improcedente:

É neste sentido o entendimento de Eduardo Talamini:

Não é viável opor contra essa conclusão o argumento de que a multa

resguarda a autoridade do juiz – e não diretamente o direito pretendido

pelo autor –, de modo que, ainda que posteriormente se verificasse a falta

de razão do autor, isso não apagaria, no passado, o descumprimento, pelo

réu, da ordem judicial que recebera. A legitimidade da autoridade

jurisdicional ampara-se precisamente na sua finalidade de tutelar quem

tem razão. A tese ora criticada, se aplica, longe de resguardar a autoridade

jurisdicional, apenas contribuiria para enfraquecê-la: consagraria o culto a

uma suposta ‘autoridade’ em si mesma, desvinculada de sua razão de ser.

Tanto mais grave, quando se considera que o crédito da multa não

redunda em benefício ao Estado, mas do autor – o qual, na hipótese em

exame, não tem o direito que afirmara como seu22

Ao tratar do presente assunto, Guilherme Rizzo Amaral elabora o seguinte

raciocínio: 21 Fabiano Carvalho. Execução da Multa (Astreintes) Prevista no Artigo 461 o CPC. p. 212. 22 Eduardo Talamini. Tutela relativa aos deveres de fazer e de não fazer: CPC, art. 461; CDC, art. 84. p. 255.

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Cumpre indagar, entretanto, se a necessidade de confirmação das

Astreintes pela decisão final de mérito implicaria a ineficácia da medida

coercitiva em análise.[...] a ameaça exercida pela multa está na

possibilidade de alcançar o patrimônio do demandado. Afirma Marioni

que ‘o réu é coagido a fazer ou não fazer porque receia ter que pagar a

multa’. Neste particular é injustificada a preocupação daqueles que

propugnam pela exigência da multa independentemente da confirmação

da mesma em decisão final.23

Note-se que o raciocínio leva ao entendimento de que a função da Astreinte é

apenas coercitiva, sendo que a multa pecuniária seria aplicada somente nos casos em que

a sentença final desse procedência ao pedido.

Mas afinal, de que adianta uma ameaça sem a real possibilidade de acontecer o

fato temido? É o mesmo que ameaçar com uma arma de fogo que a vítima sabe não estar

municiada; é o mesmo que brandir uma espada sem gume.

Ademais, a expectativa de que a multa poderá ser eventualmente extinta de

acordo com o deslinde da demanda, gera instabilidade jurídica que, além de prejudicar a

eficiência da multa (por criar expectativa ao devedor de que não terá que pagá-la),

intimida o credor, que receará executá-la.

Neste sentido é o entendimento de Arenhart:

23 Guilherme Rizzo Amaral. As Astreintes e o Processo Civil Brasileiro. Multa do artigo 461 do CPC e outras. p. 163.

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Com esta ameaça, qual credor estará disposto a correr o risco de exigir a

multa e ver, posteriormente, seu patrimônio escorrendo pelo ralo, com a

indenização pela procedência da demanda?24

Se não bastasse, a afirmação de que a Astreinte é obrigação acessória e que

deve seguir a principal é descabida, afinal como poderia uma obrigação acessória não

submeter-se aos mesmos efeitos que a principal??

Note-se que este é o caso das Astreintes no que se refere aos efeitos da coisa

julgada. A obrigação principal determinada pelo juiz transita em julgado, mas a Astreinte

não se submete a tais efeitos, podendo, conforme já estudado, ser modificada a qualquer

tempo.

Por todas essas razões é que entende-se mais coerente, eficaz, bem como

condizente com a realidade processual e com a natureza da Astreinte a adoção da primeira

corrente, sendo que a Astreinte já fixada não será extinta quando houver decisão final de

improcedência da ação, permanecendo em vigor a sua exigibilidade.

Por fim, vale ressaltar que, nos casos em que a sentença der procedência ao

pedido, deverá ser fixada expressamente nova Astreinte (se adequado ao caso concreto),

vez que a multa fixada anteriormente jamais poderá ser “repristinada” à sentença final.

2.2. Recursos

Contra a decisão que fixa Astreinte cabe recurso, mas, enquanto o recurso é

processado pelos Tribunais, como fica a exigibilidade e incidência da multa?

24 Sérgio Cruz Arenhart. A tutela inibitória da vida privada. p.203.

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Em verdade, a questão não é tão complicada quanto aparenta, afinal basta

aplicar o raciocínio lógico-jurídico que se alcança uma regra geral.

Inicialmente, é evidente que o recurso, para surtir efeito em relação à Astreinte,

deve combatê-la especificamente, caso contrário ela permanecerá da forma como foi

fixada na decisão, sem haver qualquer alteração na sua incidência ou exigibilidade.

O recurso que guerreia a Astreinte, de acordo com o caso concreto, pode ser

recebido com efeito suspensivo, devolutivo ou, no caso de agravo de instrumento, efeito

retido.

Sendo assim, a incidência e exigibilidade da Astreinte seguirá o efeito do

recurso, ou seja, se o efeito for suspensivo, a multa estará suspensa, se for devolutivo ou

retido, a multa vigorará normalmente.

Importante ressaltar que, na hipótese de efeito suspensivo, quando a multa já

estiver incidindo no momento da interposição do recurso, o valor que já é devido

permanecerá, suspendendo apenas os débitos supervenientes, até o momento da decisão.

Para que não haja confusão, necessário deixar bem claro que a questão tratada

no item 1.10.1. refere-se à alteração do valor e não à questão de mérito do processo ou de

extinção da Astreinte como é o assunto ora debatido, sendo que cada situação deve

obedecer às circunstâncias que as compõem.

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3. EXECUÇÃO DAS ASTREINTES

3.1. Momento processual adequado

A Astreinte pode ser executada a qualquer tempo, sendo que quanto antes se

iniciar o procedimento executivo, maior efeito coercitivo ela produzirá no devedor.

Por outro lado, há o risco de, durante a execução provisória, o valor da multa

ser diminuído em razão de sentença referente à fase de conhecimento do processo,

gerando uma certa insegurança ao credor que pretende iniciar desde logo a execução.

Em verdade, existe enorme divergência doutrinária e jurisprudencial a esse

respeito, havendo quem entenda não ser possível a execução da multa antes do trânsito

em julgado da decisão que a fixou.

Fabiano Carvalho entende que é possível e necessária a execução da multa

antes do trânsito em julgado:

(...) toda vez que houver cominação de multa diária, com a finalidade de

constranger o devedor a satisfazer a obrigação, e esta multa não for

exigida desde logo, ou seja, antes do trânsito em julgado, pode-se ter a

certeza de que o meio coercitivo empregado será inócuo e o devedor

permanecerá inerte, aguardando o resultado final do processo.25

Também neste sentido é a decisão do Superior Tribunal de Justiça:

Fornecimento de energia elétrica. Interrupção. Decisão interlocutória.

Religamento. Descumprimento. Astreintes. Execução. Possibilidade.

25 Fabiano Carvalho. Execução da Multa (Astreintes) Prevista no Artigo 461 do CPC. p. 217.

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I - Trata-se de recurso especial interposto contra o acórdão que manteve

decisão interlocutória que determina a imediata execução de multa diária

pelo descumprimento da ordem Judicial(grifo nosso).

II - Considerando-se que a "(...) função das astreintes é vencer a

obstinação do devedor ao cumprimento da obrigação de fazer ou de não

fazer, incidindo a partir da ciência do obrigado e da sua recalcitrância"

(REsp nº 699.495⁄RS, Rel. Min. LUIZ FUX, DJ de 05.09.05), é possível

sua execução de imediato, (grifo nosso) sem que tal se configure

infringência ao artigo 475-N, do então vigente Código de Processo Civil.

III - "Há um título executivo judicial que não se insere no rol do CPC

475-N mas que pode dar ensejo à execução provisória (CPC 475-O). É a

denominada decisão ou sentença liminar extraída dos processos em que

se permite a antecipação da tutela jurisdicional, dos processos

cautelares, ou das ações constitucionais" (CPC comentado, Nelson Nery

Júnior e Rosa Maria de Andrade Nery, Editora Revista dos Tribunais, 9ª

ed, pág. 654).

IV - A hipótese em tela se coaduna com o que disposto no artigo 461, §

4º, do CPC, tendo em vista o pleno controle da recorrente sobre a

execução da ordem judicial.

V - Recurso especial improvido.26

Por outro lado, o Tribunal de Alçada do Rio Grande do Sul se manifestou

sobre o assunto no sentido da impossibilidade de execução antecipada:

Agravo de Instrumento. Ação cautelar inominada. Obrigação de fazer.

Cominação de multa diária pelo descumprimento. Astreintes. Execução

antecipada. Impossibilidade. Ainda que imposta liminarmente multa,

como meio coercitivo, pelo descumprimento desta decisão interlocutória

que estabelece obrigação de fazer, mister se faz a sua mantença, através

26 STJ, REsp. nº 885.737 - SE (2006⁄0201101-2). Rel. Min. Francisco Falcão, votado em 27.02.2007.

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de sentença transitada em julgado, que é título hábil a viabilizar sua

exigibilidade através de execução. Agravo improvido. Decisão mantida27

Entende-se mais correta e condizente com as características e finalidades do

instituto ora estudado, a primeira posição.

O Ministro Francisco Falcão, ao julgar o recurso especial nº 885.737 - SE

(2006⁄0201101-2) supra citado, menciona o seguinte trecho da decisão guerreada:

(...) O rol dos títulos executivos do art. 584 do CPC não pode ser tido como

exaustivo, sob pena de se deixar cair no vazio os tão comentados artigo 273 e

461 do CPC. De que adiantaria a fixação de multa por descumprimento de uma

obrigação de fazer ou não-fazer, se não pudesse ser executada?

(...)omissis.

Confunde a Agravante, quiçá movido por interpretação literal do art. 584, I,

CPC, sentença condenatória com eficácia condenatória. A rigor, desejou a Lei

Processual Civil exprimir que é a decisão de natureza condenatória que cria

título executivo judicial, não precisando ser, necessariamente, (1) sentença e (2)

condenatória (fls. 131⁄2).

Note-se que o trecho acima transcrito deixa evidente as desastrosas

consequências advindas da impossibilidade da execução parcial ou provisória das

Astreintes, sendo o entendimento predominante favorável à possibilidade.

3.2. Rito processual

27 Agravo de instrumento nº197183999, Primeira Câmara Cível. Tribunal de Alçada do RS, Relator: Dês. Teresinha de Oliveira Silva, julgado em 11/11/97.

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A Astreinte sempre se originará de um mandamento judicial, seja em acórdão,

sentença ou decisão interlocutória, portanto sua execução sempre será fundada em titulo

judicial.

Sendo assim, o crédito originado da multa seguirá a execução por quantia

certa, rito previsto no artigo 646 e seguintes do CPC.

Este entendimento é pacífico na jurisprudência, inexistindo qualquer dúvida

quanto ao rito a ser usado na execução.

Referindo-se ao rito processual adequado para a execução das Astreintes,

explica Humberto Theodoro Júnior: “Uma vez, porém, que se cuida de condenação de

natureza pecuniária, a forma obrigatória de sua execução é a da execução por quantia

certa”28

3.3. Execução provisória

Conforme já estudado no item 3.1., é possível, e até recomendável, a realização

da execução provisória das Astreintes.

Com efeito, a execução provisória será possível apenas quando houver recurso

pleiteando a diminuição do valor ou a extinção da própria Astreinte, vez que ela será

devida independentemente da decisão final referente ao direito material.

Regulamentada pelo artigo 475-O do CPC, a execução provisória corre por

conta e risco do exequente, que será obrigado a reparar eventuais danos sofridos pelo

executado nos casos de reforma da sentença (art. 475-O, I, CPC). 28 Humberto Theodoro Júnior. Medida Cautelar. Multa diária. Exequibilidade. p. 211.

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No correr da execução, desejando o credor levantar o valor depositado, alienar

propriedade, ou praticar outros atos que possam resultar grave dano ao executado, deverá

prestar caução idônea, arbitrada pelo próprio juiz (art. 475-O, III, CPC), sendo ela

dispensada apenas nos casos previstos no §2º do artigo 475-O do Código de Processo

Civil.

Quando parte da sentença for reformada, a execução ficará sem efeito apenas

em relação à matéria alterada, conservando-se no tocante ao direito mantido, por

exemplo, se for diminuído o valor da Astreinte, a execução não perderá totalmente seus

efeitos, mudará apenas o valor a ser executado.

No tocante à aplicação da multa do 475-J na execução provisória, é majoritário

o entendimento de impossibilidade, conforme expõe Humberto Theodoro Júnior:

A multa em questão é própria da execução definitiva, pelo que se

pressupõe sentença transitada em julgado. Durante o recurso sem efeito

suspensivo, é possível a execução provisória, como faculdade do credor,

mas inexiste, ainda, a obrigação de cumprir espontaneamente a

condenação para o devedor. Por isso não se pode penalizá-lo com a multa

pelo atraso naquele cumprimento.

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4. AS ASTREINTES E O MINISTÉRIO PÚBLICO NA DEFESA DOS

DIREITOS DIFUSOS E COLETIVOS

A lei da Ação Civil Pública (nº 7347/85) prevê a possibilidade de cominação

de multa diária (Astreintes) nos casos de obrigações de fazer e de não fazer, porém com

algumas regras específicas para sua destinação e exigibilidade.

Na questão da destinação, a jurisprudência tem entendido que o valor deve ser

revertido em favor do credor, mas, na ação civil pública, a lei específica prevê um fundo

onde o valor deve ser depositado. Vejamos:

Art. 13. Havendo condenação em dinheiro, a indenização pelo dano

causado reverterá a um fundo gerido por um Conselho Federal ou por

Conselhos Estaduais de que participarão necessariamente o Ministério

Público e representantes da comunidade, sendo seus recursos destinados à

reconstituição dos bens lesados.

Parágrafo único. Enquanto o fundo não for regulamentado, o dinheiro

ficará depositado em estabelecimento oficial de crédito, em conta com

correção monetária.

Observa-se que o valor resultante das Astreintes não é destinado a quem

ajuizou a ação, mas sim a um fundo que pode ser Federal ou Estadual.

Atualmente, este fundo corresponde ao FDDD (Fundo Federal de Desefa dos

Direitos Difusos), regulamentado pelo decreto nº 1306/94 e pela lei nº 9008/95, que criou

o Conselho Federal Gestor do FDDD.

Diante de referida previsão legal, nota-se ser descabida a alegação de alguns

operadores do direito de que ocorre enriquecimento ilícito do Ministério Público, parte

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legítima para propor a ação civil pública em defesa dos direitos difusos e coletivos,

quando fixada a Astreinte.

Ademais, conforme já estudado, não há que se falar em enriquecimento ilícito

da parte que recebe as Astreintes por não se tratar de contraprestação de obrigação e por

não possuir caráter reparatório.

No tocante à exigibilidade, a Lei da Ação Civil Pública é expressa ao prever

que a multa só será exigida no caso de procedência final da ação e após o trânsito em

julgado da sentença final (artigo 12, §2º).

Extremamente criticável a norma supra citada, vez que a limitação imposta

prejudica sobremaneira a efetividade e a eficácia da Astreinte, conforme abordagem do

item 2.1. desta tese.

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CONCLUSÃO CRÍTICA

Observadas as problemáticas apontadas no decorrer do trabalho, nota-se que

grande parte é solucionada pela doutrina e pela jurisprudência em razão da omissão

legislativa.

Por outro lado, algumas destas soluções merecem crítica, devendo ser

aprimoradas com o escopo de garantir a maior efetividade das Astreintes, como é o caso

da destinação do montante devido e do momento da execução do valor.

Em relação à legitimidade para a cobrança do valor devido, não há previsão

legal específica, por essa razão “a jurisprudência foi o remédio encontrado para

solucionar a omissão legislativa, firmando entendimento no sentido de que o valor da

multa deve ser revertido em favor do credor da obrigação”29, ignorando o disposto na Lei

da Ação Civil Pública que determina a criação de um “fundo gerido por um Conselho

Federal ou por Conselhos Estaduais de que participarão necessariamente o Ministério

Público e representantes da comunidade, sendo seus recursos destinados à reconstituição

dos bens lesados”30.

Por outro lado, a questão do momento da execução é controversa até hoje,

sendo que há quem defenda que deve ser aplicada a norma do artigo 11 da Lei da Ação

Civil Pública e há quem entenda que a execução deve ser iniciada desde o momento do

descumprimento do mandamento judicial.

Ora, deve-se entrar em um consenso sobre a aplicação, ou não aplicação, dos

artigos da Lei da Ação Civil Pública em relação às Astreintes previstas nas demais

legislações pátrias.

29 Fabiano Carvalho. Execução da Multa (Astreintes) Prevista no Artigo 461 o CPC. p. 212. 30 Artigo 13 da Lei nº 7347/85

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Recomenda-se, portanto, a não aplicação de referido instituto normativo, vez

que trata de direitos específicos que devem ser regidos de forma própria, usando-o, no

entanto, como base para uma nova perspectiva.

Através do Direito Comparado, sugere-se a adoção do sistema jurídico Alemão

em relação às Astreintes (artigos 888 e 89031), onde o valor resultante é revertido em

favor do Estado, harmonizando a destinação do montante com a finalidade jurídica da

multa.

31 888 Nicht vertretbare Handlungen (1) Kann eine Handlung durch einen Dritten nicht vorgenommen werden, so ist, wenn sie ausschließlich von dem

Willen des Schuldners abhängt, auf Antrag von dem Prozessgericht des ersten Rechtszuges zu erkennen, dass der

Schuldner zur Vornahme der Handlung durch Zwangsgeld und für den Fall, dass dieses nicht beigetrieben werden

kann, durch Zwangshaft oder durch Zwangshaft anzuhalten sei. 2Das einzelne Zwangsgeld darf den Betrag von

25.000 Euro nicht übersteigen. 3Für die Zwangshaft gelten die Vorschriften des Vierten Abschnitts über die Haft

entsprechend.

(2) Eine Androhung der Zwangsmittel findet nicht statt.

(3) Diese Vorschriften kommen im Falle der Verurteilung zur Eingehung einer Ehe, im Falle der Verurteilung zur

Herstellung des ehelichen Lebens und im Falle der Verurteilung zur Leistung von Diensten aus einem Dienstvertrag

nicht zur Anwendung.

890 Erzwingung von Unterlassungen und Duldungen

(1) Handelt der Schuldner der Verpflichtung zuwider, eine Handlung zu unterlassen oder die Vornahme einer

Handlung zu dulden, so ist er wegen einer jeden Zuwiderhandlung auf Antrag des Gläubigers von dem

Prozessgericht des ersten Rechtszuges zu einem Ordnungsgeld und für den Fall, dass dieses nicht beigetrieben

werden kann, zur Ordnungshaft oder zur Ordnungshaft bis zu sechs Monaten zu verurteilen. Das einzelne

Ordnungsgeld darf den Betrag von 250 000 Euro, die Ordnungshaft insgesamt zwei Jahre nicht übersteigen.

(2) Der Verurteilung muss eine entsprechende Androhung vorausgehen, die, wenn sie in dem die Verpflichtung

aussprechenden Urteil nicht enthalten ist, auf Antrag von dem Prozessgericht des ersten Rechtszuges erlassen wird.

(3) Auch kann der Schuldner auf Antrag des Gläubigers zur Bestellung einer Sicherheit für den durch fernere

Zuwiderhandlungen entstehenden Schaden auf bestimmte Zeit verurteilt werden.

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Referente ao momento da execução da multa, conforme já mencionado no

corpo desta tese, entende-se mais apropriada a adoção da corrente que defende ser

possível a execução desde o momento do descumprimento da determinação judicial.

Destas sugestões surge uma problemática: como o Estado realizaria, com toda

a sua morosidade, a arrecadação de referido valor?

É neste momento que se aconselha o uso do texto da Lei da Ação Civil Pública

como base, vez que a solução mais viável seria criar um Fundo Nacional onde o valor

seria depositado e destinado à educação, saúde e outros fins sociais, através da

administração de um Conselho Federal ou de Conselhos Estaduais dos quais participariam

o Ministério Público e os representantes da comunidade, os quais seriam parte legítima

para entrar com a ação de execução.

Evidente que tal questão deve ser estudada com maior profundidade,

analisando a viabilidade e funcionalidade prática da idéia, porém fica aqui uma proposta a

ser examinada e, quem sabe um dia, ser efetivamente aplicada no ordenamento jurídico

brasileiro.

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BIBLIOGRAFIA

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artigo 461 do CPC e outras. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2004.

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DINAMARCO, Cândido Rangel. A reforma da reforma. 4ª ed. Malheiros: São Paulo,

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MARINONI, Luiz Guilherme. Tutela Inibitória (individual e coletiva). 2ª Edição.

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THEODORO JÚNIOR, Humberto. Curso de Direito Processual Civil. Volume II. 42ª

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