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ANA FANI ALESSANDRI CARLOS
O LUGAR NO/DO MUNDO
FFLCH
So Paulo, 2007
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ISBN: 978-85-7506-143-5Copyright Ana Fani Alessandri Carlos
Direitos desta edio reservados FFLCH
Av. Prof. Lineu Prestes, 338 (Laboratrio de Geografia Urbana)Cidade Universitria Butant05508-900 So Paulo Brasil
Telefone: (11) 3091-3714E-mail: [email protected]
http://www.fflch.usp.br/dg/gesp
Editado no BrasilTodos os direitos reservados. A reproduo no autorizada desta publicao, no todo ou em
parte, constitui violao do copyright (Lei n 5988)
1 edio 2007
Reviso do Original: Ana Paula Gomes NascimentoProjeto Editorial: Comisso Editorial Labur
Diagramao: Marcel Dumbra, Camila S. FariaFoto Capa: Carolina M. de Paula
Logo Labur: Caio SpsitoLogo GESP: Mayra Barbosa Pereira
Ficha Catalogrfica
CARLOS, Ana Fani Alessandri. O lugar no/do mundo. So Paulo:FFLCH, 2007, 85p.Inclui bibliografia
1. Geografia Urbana 2. Cidade 3. Lugar
Proibida a publicao no todo ou em parte; permitida a citao.A citao deve ser textual, com indicao de fonte conforme a ficha catalogrfica.
Disponibilizado em: http://www.fflch.usp.br/dg/gesp
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Para meus pais, Mrio e Adileta, pelo
incentivo ao longo da vida.
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...Pra encontrar algum ou alguma obra preciso
sair ao encontro...
Henri Lefebvre
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SUMRIO
Prefcio 11
Introduo 13
Definir o Lugar? 17
O lugar na era das redes 21
A guerra dos lugares 27
A natureza do espao fragmentado 35
Os lugares da metrpole: a questo dos guetos urbanos 41
A Rua: espacialidade, cotidiano e poder 51
A produo do no-lugar 61
A construo de uma nova urbanidade 75
Bibliografia 85
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PREFCIO
A primeira edio deste livro veio a pblico em 1997, esgotando-se em pouco tempo o nmero de
exemplares, sem que uma segunda edio fosse realizada. Ao longo destes ltimos anos muitas pessoas tm me
solicitado cpias xerogrficas do livro, o que significa que ele ainda suscita curiosidade. Alm de constatar essa
demanda, avalio que os temas aqui tratados no envelheceram e continuam ajudando a pensar o mundo
moderno a partir da Geografia, da a razo desta nova edio.
O tema da globalizao permeia nosso cotidiano de pesquisa, mas tambm nossa vida. Para alguns
pesquisadores, a globalizao se constitui como um novo paradigma para entender o mundo moderno; mas os
debates em torno da noo de globalizao revelam, fundamentalmente, a dimenso econmica do processo;
que por isso passa a ser visto como articulao de mercados, reunio de empresas, construo do mercado
mundial, etc. A esta noo contraponho aquela de mundializao, que aponta para uma outra direo ao
permitir que se reflita sobre a sociedade urbana em constituio, bem como sobre o contedo da construo
de novos valores, de um modo de vida e de uma outra identidade, agora mediada pela mercadoria.
Nesse aspecto, a sociedade contempornea mostra-se, tendencialmente, como uma sociedade urbana,
ao mesmo tempo objeto real e virtual, pois alm de caracterizar uma realidade ela aponta uma tendncia. Est
posta no horizonte, portanto, a produo da sociedade urbana e a constituio de um espao mundial que
revela novas articulaes entre os espaos, bem como entre as escalas. Repensar a relao entre o local e omundial torna-se, portanto, tarefa fundamental para entender o mundo moderno.
no plano do lugar que possvel, por exemplo, compreender a racionalidade homogeneizante inerente ao
processo de acumulao, que no se realiza apenas a partir da produo de objetos e mercadorias, mas liga-se cada
vez mais produo de um novo espao, de uma nova diviso e organizao do trabalho, alm produzir modelos
de comportamento que induzem ao consumo e norteiam a vida cotidiana.
A generalizao da urbanizao e da formao de uma sociedade urbana produz novos padres de
comportamento que obedecem a uma racionalidade inerente ao processo de reproduo das relaes sociais,
no quadro de constituio da sociedade urbana revelado na prtica scio-espacial. Ao lado da tendncia
homogeneizao, caminha progressivamente o processo de fragmentao do espao e da sociedade.
De acordo com este raciocnio, decidimos acrescentar nesta edio um novo captulo denominado A
mundializao do espao, o qual nos permitir caminhar da escala da reproduo do lugar que se manifesta
tambm no plano do vivido - para aquela da produo de um espao mundial.
So Paulo, maio de 2007.
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INTRODUO
O caminho da construo do pensamento crtico que permita pensar o seu papel no desvendamento do
mundo moderno, a partir do momento em que no se reduziria deliberadamente a um conjunto de temas. Ao
contrrio, deve vislumbrar a possibilidade de pensar o homem por inteiro em sua dimenso humana e social
que se abre tambm para o imprevisto, criando cada vez mais novas possibilidades de resistir/intervir no
mundo de hoje. O ser humano guarda mltiplas dimenses, seu processo de constituio, ou do nascimento do
diferente contraponto do normatizado. O saber pensar o espao apontado por Milton Santos como fundamental
para o Gegrafo, se coloca nesta perspectiva.
A anlise, para alm da busca de modelos de interpretao, direciona-se ao entendimento da realidade
urbana que se generaliza no mundo moderno, impondo a constituio de uma nova problemtica espacial. O
debate em torno do processo de globalizao remete-nos a uma discusso sobre o mercado mundial, e traz, na
sua esteira, como fundamento da anlise, as consideraes sobre as novas relaes espao/tempo.
Alguns autores vem nesse novo processo a desterritorializao do homem e de suas atividades. Aqui
nosso caminho radicalmente oposto. Cada vez mais o espao se constitui numa articulao entre o local e o
mundial, visto que, hoje, o processo de reproduo das relaes sociais d-se fora das fronteiras do lugar
especfico at h pouco vigentes. Novas atividades criam-se no seio de profundas transformaes do processo
produtivo, novos comportamentos se constroem sob novos valores a partir da constituio do cotidiano.Constatam-se, hoje, profundas e amplas transformaes espaciais, mas em vez da anulao do espao,
o que se revela, na anlise, a sua reafirmao, posto que cada vez mais importante dentro das estratgias da
reproduo, no momento atual, que se realizam no e atravs do espao. No espao se encontram a brecha
objetiva (scio-econmica) e a brecha subjetiva (potica). No espao se inscrevem, e ainda mais, se realizamas
diferenas, da menor extrema. Desigualmente iluminado, desigualmente acessvel, cheio de obstculos, obstculo
ele mesmo diante de iniciativas, modelado por elas, o espao torna-se o lugar e o meio das diferenas (...). Obra e
produto da espcie humana, o espao sai da sombra, como um planeta de um eclipse1.
Por sua vez, o tempo se transforma, comprimindo-se. O tempo do percurso outro, compactou-se de
modo impressionante, mas as distncias continuam, necessariamente, a serem percorridas por mercadorias,fluxos de capitais, informaes, etc. no importa se em uma hora ou em fraes de minutos; se nas estradas
de circulao terrestres convencionais auto-estradas que cortam visivelmente o espao marcado profundamente
a paisagem , ou se nas superhigways, os cabos de fibra tica, satlites, etc... O que presenciamos, hoje, a
tendncia eliminao do tempo. Na realidade, no se trata de sua abolio total o que seria ingnuo afirmar
mas de sua substancial diminuio, como conseqncia do espantoso desenvolvimento da cincia e da
tecnologia aplicados ao processo produtivo.
1Henri Lefebvre, Hegel, Marx, Nietzsche. Paris: Casterman, 1975, p.223.
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Por sua vez a globalizao materializa-se concretamente no lugar, aqui se l/percebe/entende o mundo
moderno em suas mltiplas dimenses, numa perspectiva mais ampla, o que significa dizer que no lugar se vive,
se realiza o cotidiano e a que ganha expresso o mundial. O mundial que existe no local, redefine seu
contedo, sem todavia anularem-se as particularidades.
A sociedade urbana que, hoje, se produz em parte de modo real e concreto, em parte virtual e possvel,
constitui-se enquanto mundialidade, apresentando tendncia homogeneizao ao mesmo tempo que permite
a diferenciao. O lugar permite pensar a articulao do local com o espao urbano que se manifesta como
horizonte. a partir da que se descerra a perspectiva da anlise do lugar na medida em que o processo de
produo do espao tambm um processo de reproduo da vida humana. O lugar permitiria entender a
produo do espao atual uma vez que aponta a perspectiva de se pensar seu processo de mundializao. Ao
mesmo tempo que o lugar se coloca enquanto parcela do espao, construo social. O lugar abre a perspectiva
para se pensar o viver e o habitar, o uso e o consumo, os processos de apropriao do espao. Ao mesmo
tempo, posto que preenchido por mltiplas coaes, expe as presses que se exercem em todos os nveis.
Tambm possvel perceber-se a fragmentao do mundo na dimenso do espao, do indivduo, da
cultura, etc.
Isto , o lugar guarda em si e no fora dele o seu significado e as dimenses do movimento da vida,possvel de ser apreendido pela memria, atravs dos sentidos e do corpo. O lugar se produz na articulao
contraditria entre o mundial que se anuncia e a especificidade histrica do particular. Deste modo o lugarse
apresentaria como ponto de articulaoentre a mundialidade em constituio e o local enquanto especificidade
concreta, enquanto momento.
Esta coletnea de textos realizadas nos ltimos trs e revista e ampliadas, neste momento, no uma
soma de trabalhos escritos indistintamente conforme a ocasio; ao contrrio, pontua momentos de reflexo a
partir de um tema que vem fazendo parte de minhas preocupaes com os caminhos que uma anlise espacial
permite abrir, para entender as transformaes que estamos vivendo e que so passiveis de ser entendidas no e
pelo lugar.
As anlises, aqui desenvolvidas, se revelam em trs planos. Inicialmente aquele do espao, posto que a
se pode ler os traos e inscries da produo humana. Divignaud2 chama ateno para o fato de que o espao
nos remete aos conjuntos vivos, nascidos da pratica e compostos pelo dinamismo de cada nova gerao, seja
em sua dimenso da imensidade nmade ou daquela da cidade ou ainda das toponmias, o espao se compe
de experincias alem de permitir a vida, lugar onde geraes sucessivas deixaram marcas, projetaram suas
utopias, seu imaginrio. Em seguida, articula-se o plano da anlise da metrpole onde a constituio de urbano
se revela enquanto modo de vida, de construo de uma cultura, hbitos, valores, produzindo um espao,
aquele da sociedade urbana, na qual a metrpole atual a sua forma mais acabada.
Finalmente mas no separado dos outros dois, o plano do lugar que se refere ao processo de constituio,
no plano do imediato, da vida revelando-a em suas mltiplas dimenses. Definido a partir do sujeito que se
revela nas formas de apropriao pelo corpo o lugar se completa pela fala, a troca alusiva a algumas senhas,
na convivncia e na intimidade cmplice dos locutores3.
Assim trata-se de uma articulao de textos que enfoca a possibilidade da anlise do lugar no mundo
moderno, mas tambm do mundo que se descortina no e atravs do lugar. A premissa que desenvolveremos
2Jean Duvignaud. Lieux et nom lieux. Paris: Ed. Galile, 1977.
3Marc Aug.No lugares, Campinas: Papirus, 1994, p. 73.
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refere-se ao fato de que a realidade do mundo moderno reproduz-se em diferentes nveis, no lugar encontramos
as mesmas determinaes da totalidade sem com isso eliminar-se as particularidades, pois cada sociedade
produz seu espao, determina os ritmos da vida, os modos se apropriao expressando sua funo social, seus
projetos e desejos.
O lugar guarda uma dimenso prtico-sensvel, real e concreta que a anlise, ao poucos, vai revelando.
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1Encontro Nacional realizado em Aracaj em setembro de 1995 , pela Associao Nacional de Ps- Graduao em Geografia.
Mesa Redonda A redefinio do lugar.
DEFINIROLUGAR?
Nas Cincias Humanas e na geografia, em particular, o problema da redefinio do lugar emerge como
uma necessidade diante do esmagador processo de globalizao, que se realiza, hoje, de forma mais acelerada
do que em outros momentos da histria. Nesse contexto, possvel, ainda pensar o lugar enquanto singularidade?
O lugar uma noo que e se desfaz e se despersonaliza diante da massacrante tendncia ao homogneo, num
mundo globalizado? Ou lugar ganha uma outra dimenso explicativa da realidade como, por exemplo enquanto
densidade comunicacional, informacional e tcnica, como afirma Milton Santos?
H hoje um debate muito profcuo sobre o sentido da noo de lugar. Podemos iniciar a reflexo com
Milton Santos1 que afirma que existe uma dupla questo no debate sobre o lugar. O lugar visto de fora a
partir de sua redefinio, resultado do acontecer histrico e o lugar visto de dentro, o que implicaria a
necessidade de redefinir seu sentido. Para o Autor o lugar poderia ser definido a partir da densidade tcnica
(que tipo de tcnica esta presente na configurao atual do territrio), a (densidade informacional (que chega ao
lugar tecnicamente estabelecido) a idia da densidade comunicacional (as pessoas interagindo) e, tambm em
funo de uma densidade normativa (o papel das normas em cada lugar como definitrio). esta definio
seria preciso acrescentar a dimenso do tempo em cada lugar que poderia ser visto atravs do evento no
presente e no passado.
Acredito, no entanto, que podemos acrescentar ao que foi dito pelo professor o fato de que h tambma dimenso da histria que entra e se realiza na prtica cotidiana (estabelecendo um vnculo entre o de fora e
o de dentro), instala-se no plano do vivido e que produziria o conhecido-reconhecido, isto , no lugar que
se desenvolve a vida em todas as suas dimenses. Tambm significa pensar a histria particular de cada lugar se
desenvolvendo ou melhor se realizando em funo de uma cultura/tradio/lngua/hbitos que lhe so prprios,
construdos ao longo da histria e o que vem de fora , isto o que se vai construindo e se impondo como
conseqncia do processo de constituio do mundial . Mas o que ligaria o mundo e o lugar?
O lugar a base da reproduo da vida e pode ser analisado pela trade habitante - identidade - lugar.A
cidade, por exemplo, produz-se e revela-se no plano da vida e do indivduo. Este plano aquele do local. As
relaes que os indivduos mantm com os espaos habitados se exprimem todos os dias nos modos do uso,nas condies mais banais, no secundrio, no acidental. o espao passvel de ser sentido, pensado, apropriado
e vivido atravs do corpo.
Como o homem percebe o mundo? atravs de seu corpo de seus sentidos que ele constri e se
apropria do espao e do mundo. O lugar a poro do espao aproprivel para a vida apropriada atravs
do corpo dos sentidos dos passos de seus moradores, o bairro a praa, a rua, e nesse sentido
poderamos afirmar que no seria jamais a metrpole ou mesmo a cidade latu sensua menos que seja a pequena
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vila ou cidade vivida/ conhecida/ reconhecida em todos os cantos. Motorista de nibus, bilheteiros, so
conhecidos-reconhecidos como parte da comunidade, cumprimentados como tal, no simples prestadores de
servio. As casas comerciais so mais do que pontos de troca de mercadorias, so tambm pontos de encontro.
evidente que possvel encontrar isso na metrpole, no nvel do bairro, que o plano do vivido, mas
definitivamente, no o que caracteriza a metrpole.
A trade cidado-identidade-lugar aponta a necessidade de considerar o corpo, pois atravs dele que o
homem habita e se apropria do espao (atravs dos modos de uso). A nossa existncia tem uma corporeidade
pois agimos atravs do corpo. Ele nos d acesso ao mundo, para Perec 2 o n vital, imediato visto, pela
sociedade como fonte e suporte de toda cultura. Modos de aproximao da realidade, produto modificado
pela experincia do meio, da relao com o mundo, relao mltipla de sensao e de ao, mas tambm de
desejo e, por conseqncia de identificao com a projeo sobre o outro. Abre-se aqui, a perspectiva da anlise
do vivido atravs do uso, pelo corpo.
Por outro lado a metrpole no lugar ela s pode ser vivida parcialmente, o que nos remeteria a
discusso do bairro como o espao imediato da vida das relaes cotidianas mais finas as relaes de
vizinhana o ir as compras, o caminhar, o encontro dos conhecidos, o jogo de bola, as brincadeiras, o percurso
reconhecido de uma prtica vivida /reconhecida em pequenos atos corriqueiros, e aparentemente sem sentidoque criam laos profundos de identidade, habitante-habitante, habitante-lugar. So os lugares que o homem
habita dentro da cidade que dizem respeito a seu cotidiano e a seu modo de vida onde se locomove, trabalha,
passeia, flana, isto pelas formas atravs das quais o homem se apropria e que vo ganhando o significado
dado pelo uso. Trata-se de um espao palpvel a extenso exterior, o que exterior a ns, no meio do qual
nos deslocamos. Nada tambm de espaos infinitos. So a rua, a praa, o bairro, espaos do vivido, apropriados
atravs do corpo espao pblicos, divididos entre zonas de veculos e a calada de pedestres dizem respeito ao
passo e a um ritmo que humano e que pode fugir aquele do tempo da tcnica (ou que pode revel-la em sua
amplitude). tambm o espao da casa e dos circuitos de compras dos passeios, etc.
Os percursos realizados pelos habitantes ligam o lugar de domiclio aos lugares de lazer, de comunicao,mas o importante que essas mediaes espaciais so ordenadas segundo as propriedades do tempo vivido.
Um mesmo trajeto convoca o privado e o pblico, o individual e o coletivo, o necessrio e o gratuito. Enfim
o ato de caminhar intermedirio e parece banal uma prtica preciosa porque pouco ocultada pelas
representaes abstratas; ela deixa ver como a vida do habitante petrificada de sensaes muito imediatas e de
aes interrompidas. So as relaes que criam o sentido dos lugares da metrpole. Isto porque o lugar s
pode ser compreendido em suas referncias, que no so especficas de uma funo ou de uma forma, mas
produzidos por um conjunto de sentidos, impressos pelo uso.
Qualquer que seja a organizao global dos usos ou o modo de produo do espao urbano, uma
racionalidade, cada vez mais necessria, parece reinar sobre o lugar a produo do construdo privilegia umacerta manipulao do espao fundado segundo uma lgica repetitiva e sob um princpio fundamental; produzir
inicialmente um habitat urbano, para em seguida, liber-lo para uso. Augoyard 3 afirma que a imperativa
planificao do espao urbano reduz os poderes de expresso do habitante, mas esta reduo ainda redobrada
pelo partido epistemolgico que d a totalidade como essencial e o fragmento por acidental ou acessrio.
2B. Perec, no livro Le corps ( ditions du Seuil, Paris, 1995 ).3Pas pas - essai sur le cheminement quotidien en milieu urbain. ditions du Seuil, Paris, 1979.
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Por outro lado o espao tem uma monumentalidade que pode ser entendida como elemento revelador
da histria de um determinado lugar. Mas o que se revela no lugar no apenas a histria de um povo, mas o
peso da histria da humanidade. O lugar tambm o espao do vazio que refere-se quele da monumentalidade
do poder. Alguns exemplos podem elucidar a questo.
No amplo espao que se descortina do alto dos degraus da Eglise de la Madaleine, em Paris, ao p de
suas colunas gregas gigantescas, o que se pode observar? Uma ampla rea formada pela rue Royale que
desemboca na place de la Concorde dominada pela obelisco egpcio trazido numa das campanhas de Napoleo,
encerrando-se na Assemblia Nacional , tambm ela apoiada em formosas colunas dricas. Da rue Royale,
entrando-se direita encontramos a Rue du Faubourg Saint Honor, pouco tempo depois nos deparamos
com o Palais de L lises, sede do governo francs. Guardas no grande porto de entrada, a calada da
Avenue de Marigny, que margeia a construo do palcio, devidamnente vigiada, fechada ao pedestre, interditadando
os passos, impedindo o acesso aos pedestres.
Esplanada dos Ministrios em Braslia: amplo, monumental e vazio. No caso do Palais de L lyse
havia a necessidade das correntes e dos guardas para assegurar o vazio em torno da construo do palcio, no
caso de Braslia tal atitude desnecessria. O espao j foi construdo de forma intencional para afastar, para
impedir os passos, para desviar os carros. A intencionalidade do vazio. O que diferencia esses exemplos? Amonumentalidade do espao do poder vazio, impeditivo.
Como esses exemplos podem nos ajudar a pensar definir o lugar? O lugar se refere de forma
indissocivel ao vivido, ao plano do imediato. E o que pode ser apropriado pelo corpo, como j afirmamos.
Ento o espao da monumentalidade impossvel de ser apropriado, pelo corpo, individualmente?
Voltemos glise de la Madaleine obra do conjunto da humanidade (de homens) espao monumental
no precisa ser necessariamente estranho ao homem. Apesar da Place de la Concorde ser completamente
inspita ao pedestre, a praa aonde se construiu na poca da revoluo francesa uma guilhotina, e que hoje
retrata o poder da conquista fria, cinza, transformada apenas em passagem. N de entroncamento de vias de
trnsito, sem bancos, sem nada que possibilite o parar vazia de vida ou de possibilidades, mas cheia de carrosrodando em alta velocidade. a que as pessoas no ficam, mas atravessam no ritmo dos semforos seguindo
as ordens impostas pelo tempo da circulao rodoviria.
Braslia Esplanada dos Ministrios aqui, ao contrrio os passos seno proibidos formalmente o
so pela sua morfologia e concepo do lugar. No h caladas passveis de serem percorridas pelo passo do
flneur, apesar de existirem caladas; o traado das avenidas, sua largura, a ausncia de faris a rapidez do
trnsito, dificulta a travessia, impedem o passo. Uma monumentalidade vazia, no h tantos carros transitando
eles esto parados nos estacionamentos dos prdios e anexos ministeriais. Mas as distncias e o uso do solo
desestimulam os passos, no sequer passagem, mas destino fixo daqueles que a trabalham.
A histria do indivduo aquela que produziu o espao e que a ele se imbrica por isso que ela pode ser
apropriada. Mas tambm uma histria contraditria de poder e de lutas, de resistncias compostas por
pequenas formas de apropriao.
O espao do poder enquanto espao do vazio o espao do interdito / interditado. Os espaos da
monumentalidade se cruzam, o espao do poder, e por isso do ver. O espao construdo em funo de
um tempo e de uma lgica que impe comportamentos, modos de uso, o tempo e a durao do uso.
Na metrpole paulista os exemplos so inmeros tanto que no se tem o hbito de andar pela cidade,
nem pelos bairros, fcil comprovar isso passando de carro pela cidade as ruas so vazias de pessoas, s as
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reas comerciais e de servios so animadas pelo movimento de pedestres e, com isso animam a rua. Porque
mesmo quando a morfologia no impede os passos a lgica do tempo/ atividade que o faz.
Praa Panamericana, prximo USP, to inspita ao pedestre quanto a Place de la Concorde ou ainda
mais, pois ela no usada nem para travessia de pedestre. quase impossvel acess-la, tambm com grande
dificuldade que um pedestre pode ir da at a Cidade Universitria a p (que fica h menos de 2 km) devido a
construo dos caminhos congestionados de carro, com caladas que terminam antes de se chegar a algum
lugar. Sem semforos adequados a quem est sem carro, isto porque, na realidade, uma rea para carros,construda com essa lgica. Do outro lado da ponte que cruza o rio Pinheiros temos a monumentalidade vazia
da Cidade Universitria com seus prdios premiados como smbolos de arquitetura, mas inspitos, posto que
vazios convivncia, representam, a meu ver o triunfo das formas, no da vida.
E a metrpole esta cheia destes lugares, vazios de sentido para o cidado comum, do ponto de vista das possibilidades
amplas do uso, mas sob o mesma concepo onde as formas se impem a apropriao.
O caminho que se abre anlise pensar o cotidiano onde se realizam o local e o mundial que
um tecido pelas maneiras de ser, conjunto de afetos, as modalidades do vivido, prprios a cada habitante
produzindo uma multiplicidade de sentidos. Podemos buscar o entendimento do lugar nas prticas mais banais
e familiares o que incita pensar a vida cotidiana segundo a lgica que lhe prpria e que se instala no insignificante,no parcelar, no plural.
Para Jos de Souza Martins a histria local a histria da particularidade embora ela se determine pelos
componentes universais da histria. Isto , embora na escala local raramente sejam visveis as formas e contedos
dos grandes processos histricos, ele ganha sentido por meio deles quase sempre ocultos e invisveis (...) no
mbito do local que a histria vivida e onde pois tem sentido4. preciso levar em conta que a histria tem
uma dimenso social que emerge no cotidiano das pessoas, no modo de vida, no relacionamento com o outro,
entre estes e o lugar, no uso.
A produo espacial realiza-se no plano do cotidiano e aparece nas formas de apropriao, utilizao e
ocupao de um determinado lugar, num momento especfico e, revela-se pelo uso como produto da diviso
social e tcnica do trabalho que produz uma morfologia espacial fragmentada e hierarquizada. Uma vez que
cada sujeito se situa num espao, o lugar permite pensar o viver, o habitar, o trabalho, o lazer enquanto situaes
vividas, revelando, no nvel do cotidiano, os conflitos do mundo moderno. Deste modo a anlise do lugar se
revela em sua simultaneidade e multiplicidade de espaos sociais que se justapem e interpem no
cotidiano com suas situaes de conflito e que se reproduz, hoje, anunciando a constituio da sociedade
urbana a partir do estabelecimento do mundial. O lugar o mundo do vivido, onde, se formulam os
problemas da produo no sentido amplo, isto , o modo onde em que produzida a existncia social dos
seres humanos.
As novas formas urbanas e os modos de apropriao do lugar aparecem no mido, no banal, no
familiar, refletindo e explicando as transformaes ou a sociedade urbana que se constitui nesse final de sculo.
O lugar aparece como um desafio anlise do mundo moderno exigindo um esforo analtico, muito grande
que tente abord-lo em sua multiplicidade de formas e contedos, em sua dinmica histrica.
4 Entrevista revistaMemria, Departamento Histrico da Eletropaulo, julho/dezembro de 1993, So Paulo.
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O LUGARNA ERADASREDES 1
Num mundo em constante processo de transformao, onde a globalizao afirma-se como tendncia
irreversvel, muitos Autores, em funo da constatao da queda das barreiras fsicas entre os estados, vem
questionando a existncia do territrio e, conseqentemente, do espao como elemento de anlise do mundo
moderno, mais do que isso negam simplesmente o espao. A questo, no entanto, parece muito mais complexa
do que a simples anulao do espao. Deste modo, no contexto do fim do estado-nao que coloca em
cheque a natureza e o sentido do territrio e na era das redes, como se situaria um debate sobre o lugar?
O desenvolvimento da tcnica vem implicando em profundas transformaes no processo produtivo,
as mudanas nos meios de comunicao ligando os espaos em redes de fluxos cada vez mais densas,
ultrapassando fronteiras coloca, antes de mais nada uma necessidade de repensarmos a natureza do espao
num momento em que uma relao espao-tempo se transforma de modo incontestvel. Na realidade o que
Harvey chama de compresso espao tempo no faz mais do que apontar uma tendncia de eliminao do
tempo e no do espao. O que se busca a diminuio do tempo do percurso e no do espao do percurso
que continua sendo um dado inquestionvel, os fluxos sejam eles materiais ou imateriais deslocam-se num
espao concreto a ser percorrido. O que efetivamente ocorre que o desenvolvimento das comunicaes
tornou o espao contnuo o que permite abolir o tempo.
As comunicaes diminuem as distncias tornando o fluxo de informaes contnuo e ininterrupto; comisso, cada vez mais o local se constitui na sua relao com o mundial. Nesse novo contexto o lugar se redefine
pelo estabelecimento e/ou aprofundamento de suas relaes numa rede de lugares. A primeira conseqncia
a necessidade de se relativisar a idia de situao. evidente que o lugar se define, inicialmente, como a identidade
histrica que liga o homem ao local onde se processa a vida, mas cada vez mais a situao se v influenciada,
determinada, ou mesmo ameaada, pelas relaes do lugar com um espao mais amplo.
Repensar a identidade do lugar cada vez mais dependente e construda no plano do mundial faz com
que, hoje, a histria do lugar passe cada vez mais pela histria compartilhada que se produz alm dos limites
fsicos do lugar, isto de sua situao especfica. Assim a situao muda na trama relativa das relaes que ele
estabelece com os outros lugares no processo em curso de globalizao que altera a situao dos lugares porquerelativiza o sentido da localizao.
Em segundo lugar preciso pensar na natureza e implicaes do lugar enquanto relao neste final de
sculo. Nesse contexto como se articularia, hoje, a relao entre ordem prxima o lugar e a ordem
distante o espao mundial?
O processo de reproduo das relaes sociais vem se realizando, hoje, no invalida o fato de que o lugar
aparece como um fragmento do espao onde se pode apreender o mundo moderno, uma vez que o mundial
1Trabalho apresentado no I Encontro Nacional: Territrio e Globalizao, setembro de 1995.
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no suprime o local. O lugar se produz na articulao contraditria entre o mundial que se anuncia e a especificidade
histrica do particular. Deste modo o lugarse apresentaria como o ponto de articulaoentre a mundialidade em
constituio e o local enquanto especificidade concreta, enquanto momento. no lugar que se manifestam os
desequilbrios, as situaes de conflito e as tendncias da sociedade que se volta para o mundial. Mas se a ordem
prxima no se anula com a enunciao do mundial, recoloca o problema numa outra dimenso, neste caso o
lugar enquanto construo social, abre a perspectiva para se pensar o viver e o habitar, o uso e o consumo, os
processos de apropriao do espao.
Ao mesmo tempo, posto que preenchido por mltiplas coaes, expe as presses que se exercem em
todos os nveis aponta para a fragmentao do mundo na dimenso do espao, do indivduo, da cultura etc.
que se gesta concomitante ao mundial.
O lugar produto das relaes humanas, entre homem e natureza, tecido por relaes sociais que se
realizam no plano do vivido o que garante a construo de uma rede de significados e sentidos que so tecidos
pela histria e cultura civilizadora produzindo a identidade, posto que a que o homem se reconhece porque
o lugar da vida. O sujeito pertence ao lugar como este a ele, pois a produo do lugar liga-se indissociavelmente
a produo da vida. No lugar emerge a vida, pois a que se d a unidade da vida social. Cada sujeito se situa
num espao concreto e real onde se reconhece ou se perde, usufrui e modifica, posto que o lugar tem usos esentidos em si 2 . O lugar guarda e revela uma idia cara a Geografia que Max Sorre 3 explicita atravs da
definio de Geografia Humana enquanto anlise da vida humana e que Duvignaud 4 expressa em outros
termos ao afirmar que a reflexo sobre o espao uma anlise da vida.
Assim a anlise do lugar envolve a idia de uma construo, tecida por relaes sociais que se realizam
no plano do vivido o que garante a constituio de uma rede de significados e sentidos que so tecidos pela
histria e cultura civilizatria que produz a identidade homem lugar, que no plano do vivido vincula-se ao
conhecido reconhecido.
A natureza social da identidade, do sentimento de pertencer ao lugar ou das formas de apropriao do
espao que ela suscita, liga-se aos lugares habitados, marcados pela presena, criados pela histria fragmentriafeitas de resduos e detritos, pela acumulao dos tempos, marcados, remarcados, nomeados, natureza
transformada pela prtica social, produto de uma capacidade criadora, acumulao cultural que se inscreve
num espao e tempo.
Isto , o lugar guarda em si e no fora dele o seu significado e as dimenses do movimento da histria
em constituio enquanto movimento da vida, possvel de ser apreendido pela memria, atravs dos sentidos.
Isto porque a realidade do mundo moderno reproduz-se em diferentes nveis sem com isso eliminar-se as
particularidades do lugar pois cada sociedade produz seu espao, determina os ritmos de vida formas de
apropriao expressando sua funo social, projetos, desejos.
O lugar contm uma multiplicidade de relaes, discerne um isolar, ao mesmo tempo em que apresenta-
se como realidade sensvel correspondendo a um uso, a uma prtica social vivida. Neste contexto o lugar revela
a especificidade da produo espacial global, tem um contedo social e s pode ser entendido nessa globalidade
que se justifica pela diviso espacial do trabalho que cria uma hierarquia espacial que se manifesta na desigualdade
e configura-se enquanto existncia real em funo das relaes de interdependncia com o todo, fundamentada
na indissocializao dos fenmenos sociais. Para Lefebvre os lugares tanto se opem como se completam ou
2Ana Fani Alessandri Carlos, O lugar : mundializao e fragmentao in Fim de sculo e globalizao. Hucitec So Paulo, 1993.3Max Sorre. Les fondements de la geographie Humaine, tomo III p. 6. Librairie Armand Colin . Paris 1952.4Jean Duvignaud, Lieux et non lieux. ditions Galile, Paris 1977, p. 9.
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se renem o que introduz uma classificao por topias, (isotopias, heterotopias, utopias, quer dizer lugares
contrastantes), mas tambm e, sobretudo, uma oposio altamente pertinente entre os espaos dominados e
apropriados 5 .
Nesse sentido a lugar sempre um espao presente dado como um todo atual com suas ligaes e
conexes cambiantes. Mas isto s pode ser entendido se se transcende a do lugar enquanto fato isolado o
que faz com que a vida de relaes ganhe impulso na articulao entre o prximo e o distante.
Hoje percebemos que cada vez mais distanciamo-nos s da idia do lugar visto apenas enquanto ponto delocalizao dos fenmenos, isto um ponto no mapa, visto apenas enquanto situao determinada por
coordenadas do traado geogrfico. Mas como para Sorre a permanncia apenas uma iluso o lugar
enquanto noo geogrfica transforma-se e ganha hoje novos enfoques pois o lugar ganhou contedo diverso.
Assim, concomitante ao desenvolvimento da cincia geogrfica a noo de lugar evolui e se transforma por
uma necessidade imposta pelas transformaes do mundo. Da Geografia como cincia dos lugares de Vidal
de la Blache idia de no-lugar h um longo percurso. H todo um percurso.
Em La Blache, Sorre e Le Lannou, a idia de lugar esta associada quela de localizao do fenmeno na
superfcie terrestre. A diversidade dos lugares que nunca deixou de despertar, segundo La Blache, a ateno dos
gegrafos aparece cada vez mais ameaada no mundo moderno onde a natureza aparece totalmente dominada,modificada e onde o problema da reproduo social no requer mais solues locais para o problema da
existncia como preconizava o Autor 6 . Na realidade no se coloca mais o problema das influncias do meio
expressando-se unicamente atravs de um amontoado de contingncias histricas, pois a acumulao da
tcnica tornou-se o elemento mais importante na anlise do lugar na produo das condies de existncia que
as condies naturais.
Sorre aponta para o fato de que desde que existe uma geografia humana pe-se em primeiro plano as
noes de situao e rea de extenso dos fenmenos. A situao pode ser absoluta, determinada pelas
coordenadas geogrficas (...) Enquanto a rea de extensoinclui o limite inseparvel dela que apresenta diversos
graus de determinao7 .
Por outro lado a vida de relaes que aparece em Le Lannou 8 associada idia de solidariedade
geogrfica superada por aquela de simultaneidade; uma determinao fundamental para entendermos hoje o
lugar; isto porque no lugar se imbricam uma srie de acontecimentos simultneos que na viso do Aleph de
Borges seria um lugar na terra onde se achariam todos os lugares, um espao ilimitado de simultaneidade e
paradoxo 9 , mas que no negaria tambm o fato da existncia de uma simultaneidade de eventos interligados
acontecendo em lugares diferentes. Significa dizer que a tica da simultaneidade mais do que determinar a
natureza do lugar, hoje, esclarece a articulao entre os diversos lugares do globo.
Aqui aponta-se para a co-presena, para a simultaneidade, a convergncia entre passado-presente-futuro,
entre o individual e o socializante. Neste contexto o espao passa a ser a forma geral da simultaneidade, lugar
de expresso dos conflitos, afrontamentos-confrontaes.
A nosso ver o lugar no seria definido apenas pela escala mas como parte integrante de uma totalidade
espacial fundamentada na diviso espacial do trabalho como produto direto morfologia social hierarquizada.
5Henri Lefebvre, La production de lespace. ditions Anthropus . Paris, p. 152.6Vidal de la Blache. Princpios de Geografia Humana.Lisboa: Edies Cosmos, 1921, p. 30.7 Max Sorre.El hombre en la tierra. Barcelona: Editorial Labor, 1967.8 La Geographie Humaine, Paris: Flammarion diteur, 1949.9Citado por Soja in Geografias ps-modernas, Rio de Janeiro: Editora Zahar. 1993, p. 8.
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Nessa perspectiva pode-se pensar o lugar definido a partir dos entrelaamentos impostos pela diviso (espacial)
do trabalho, articulado e determinado pela totalidade espacial; portanto no uma forma autnoma dotada de
vida prpria, uma vez que sua reproduo se acha vinculada ao carter social e histrico da produo do
espao geogrfico global. Revisitar a noo de lugar uma imposio hoje na medida em que de um lado as
relaes sociais de produo tm uma existncia social enquanto existncia espacial, isto projetam-se
concretamente no espao, depois porque temos diante de ns um mundo que parece encolher-se com o
desenvolvimento acelerado dos meios de comunicao e da informtica que diminui de forma impressionante
o tempo do percurso no espao. As redes de satlites parecem unir todos os pontos do planeta, produzindo
uma viso instantnea dos acontecimentos o que nos coloca diante de profundas mudanas de escala no que diz
respeito ao espao. Os meios de transportes rpidos pem qualquer capital no mximo ha algumas horas de
qualquer outra. Na intimidade de nossas casas, imagens de toda espcie transmitidas por satlites, captadas por
antenas que guarnecem os telhados das mais afastada de nossas cidadezinhas, podem dar-nos uma viso instantnea
e, as vezes simultnea de um acontecimento em vias de se. produzir no outro lado do planeta. Alem disso
preciso constatar que se misturam diariamente nas telas do planeta as imagens da informao, da publicidade e
da fico, cujo trabalho e cuja finalidade no so idnticos, pelo menos em princpio, mas que compe debaixo
de nossos olhos, um universo relativamente homogneo em sua diversidade 10.
O prximo e o distante ligam-se quase que instantaneamente pela mediao da mdia; mas no s dela
pois no podemos esquecer da tendncia flexibilizao do trabalho que faz emergir um novo personagem
que o ciberexecutivo que passa a maior parte do tempo fora da empresa mas a ela conectado pela comunicao
mvel baseada na telefonia celular nos micros computadores portteis. A isso se associa a idia do telecommutinge a
internet, onde uma gama cada vez mais diversificada e densa de servios on lineso oferecidos mudando o modo
como se realiza o trabalho no mundo moderno. Assim o lugar contem e diz respeito a uma ordem distante.
Trata-se, portanto de desvendar as relaes espao/tempo no mundo moderno cuja mediao dada
pela tcnica que implica em transformaes profundas na reproduo das relaes sociais provocadas pela
acelerao do tempo que transforma as condies histricas do territrio engendrando novas relaes sociaisproduzindo um espao regulador/ordenador que explode no seio do espao mundial que tende a estabelecer-se.
O lugar na era das redes traz a idia de que os novos processos de produo e de troca se do hoje de
outra forma no espao num momento em que as vias de transportes e de comunicaes mudam radicalmente
sua configurao que no passa somente pelas rotas terrestres tradicionais martimas, rodovirias, ferrovirias
mas cada vez mais areas, via satlites e atravs da ainda em instalao as superhighwayque criam a aparncia
de que se perde as bases territoriais. Na realidade a tendncia a anulao do tempo/distncia entre lugares no
espao do globo terrestre parece diminuir de tamanho articulando lugares agora atravs das redes de alta
densidade de trocas de informaes. Para Guehemo11 o essencial no mais dominar um territrio mas ter
acesso a uma rede. Estas transformaes explicam tambm como o homem voltou a ter mobilidade. Oprocesso de fixao num lugar dos ltimos sculos acabou e as migraes recomeam. Na realidade preciso
relembrar que se trata de migraes de todos os tipos pois junto com um densidade nunca vista de informaes
que se expandem e tomam o mundo nas redes de dados de alta velocidade, propiciando conexes acessveis
por meio de perifricos inteligentes conectados na tv ou mesmo em linhas telefnicas que dispensam at
mesmo o computador, temos uma massa sempre crescente de capital errante que giram pelo globo em velocidades
nunca vistas permitindo a captao de recursos e investimentos e aplicaes nos pontos mais remotos do planeta.
10Marc Aug,No lugares, Campinas: Papirus, 1994 p. 34..11Jean Marie Guehemo, O fim da democracia,Rio de Janeiro: Ed. Bretrand do Brasil, 1994, p. 22.
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Para Pierre Veltz12 o aspecto essencial a componente comunicacional das novas tcnicas, as possibilidades
que elas oferecem de interconectar as tarefas, os sistemas, as organizaes e a potncia dinmica de integrao
que da resulta. Para o autor a nova palavra de ordem uma soma tima de locais no cria um otimun global.
preciso integrar, sistematizar o ciclo desde a concepo at a distribuio Esta lgica se encontra tanto nas
grandes utopias de informatizao integrada do tipo Computer Integreted Manufacturing quanto na filosofia
da gesto em fluxo dojust in timeou gesto por projetos (.....). O conjunto compe uma paisagem na qual no se
sabe mais onde comeam e onde acabam as fronteiras da empresa que no limite no passa de uma fico jurdica.
A integrao de funes a partir de uma gesto informatizada, a modernizao do aparelho produtivo
permitem a racionalizao do processo produtivo e com isso uma nova localizao industrial posto que
dependente da acumulao tcnica no lugar, com a invaso do microprocessador implicou em novos processos
de trabalho, um nova diviso a do trabalho na industria, tanto interna quanto para fora dela. Com a gesto da
produo feita por computadores permite organizar o trabalho em sesses separadas e entre estabelecimentos
de uma mesma firma, entre firmas atravs da subcontratao tarefas autnomas e subordinadas que se
amplia cada vez mais indo da concepo a comercializao do produto. Isto produz no espao o fenmeno da
desintegrao vertical de grandes firmas em firmas especializadas que Lipietz13 trata com conseqncia da
automao flexvel e da gesto informatizada, que gesta uma rede de firmas especializadas que trabalha por
subcontratao para uma ou vrias firmas contratantes, mudando a relao do espao pois gera a desintegrao
espacial das unidades produtivas, o que requer uma maior articulao entre parcelas do espao, a partir de uma
rede de transportes eficiente e rpida, alm da comunicao via satlite para difuso imediata de decises num
espao cada vez mais amplo. Tudo isso significa que o controle total do fator tempo um elemento cada vez
mais importante do ciclo produtivo que produz uma rede de firmas especializadas articuladas num fluxo contnuo
de bens matrias e imateriais, com nfase nos servios e consultorias altamente especializados.
Esse novo estgio que se anuncia no processo de produo sob a gide do emprego macio e necessrio
da tcnica exige cada vez mais investimentos, aplicao em centros de pesquisa apoiados em conhecimento de
ponta num ambiente de grande competio internacional. Esse processo se de um lado, aprofunda a relaoentre os lugares como condio primeira da reproduo, por outro muda os requisitos e atributos do lugar, os
pases subdesenvolvidos, por exemplo perdem suas vantagens locacionais assentadas em matrias-primas e
energia abundantes e mo de obra barata. Em primeiro lugar a matria-prima est mudando e no se precisa
tanto de mo de obra alem do que esta deve ser cada vez mais especializada, por sua vez o ciclo de vida do
produto se v encurtado e o grau de competitividade aumenta, por fim h necessidade maior de investimentos. A
gesto integrada do tempo torna-se a varivel estratgica da competio e da regulao (...) o que significa que
os impactos espaciais passaro por lgicas temporais deferenciais do que por vantagens de custos diretos 14.
Assim, com base nas novas tecnologias, as localizaes industriais obedecem a um novo padro formando os
tecnopolos, as metrpoles policntricas, onde o processo em curso de desconcentrao do capital, alm daconcentrao de novas modalidades de atividades urbanas. Por outro lado o mercado cada vez mais mundial
dando ao produto nova mobilidade espacial. So elementos que apontam para uma mudana do sentido do lugar
mas sem esconder o fato de que o processo de globalizao realiza-se aprofundando as contradies entre o
local e o mundial, reafirmando e aprofundando a desigualdade espacial gestada no seio da produo capitalista.
12 Nouveuax modles dorganization de la production et tendences de leconomie territoriale in La dynamique spatiale delconimie contemporaine. La Garenne-Colombe: Sous la direction de G. Benko ditions de lespace European, 1990, p. 57-58.13Alain Lipietz. O ps fordismo e seu espao in Espao e Debate,nmero 25. So Paulo, 1988, p. 22.14Valtz. op cit., p. 60/61.
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Por outro lado a globalizao aponta para uma discusso de tendncias que nos coloca diante da perspectiva
de um processo ainda em realizao, enquanto possibilidade, tendncias que se gestam no presente e se abrem
para o futuro, numa sociedade mundial que se manifesta e se expressa no lugar.
Para Milton Santos15 o lugar permite ao mundo realizar-se, a oportunidade de uma histria que ao se
realizar muda, transforma, determina a ao, onde os homens esto juntos vivendo, sentindo, pulsando, e que
tem a fora da presena do homem. Esta para o Autor a abertura da Geografia neste final de sculo.
15Conferncia realizada no V Congresso Latino Americano de Gegrafos, Habana, Cuba, 31 de julho a 5 de agosto, 1995.
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A GUERRA DOS LUGARES 1
O Aleph? Sim o lugar onde esto sem se confundir todos os lugares do
mundo vistos de todos os angulos diferentes.
J.L.Borges
Como nos posicionarmos diante da idia de que existiria uma guerra dos lugares pela atividade? Ao nos
referirmos a uma guerra no estaramos atribuindo, erroneamente, o estatuto de sujeito ao espao ignorando o
papel dos atores sociais e mesmo do estado no seu processo de produo?
A espacialidade no se define em si, independente de um contedo real, o espao um produto do
trabalho humano, logo, histrico e social, e por isso mesmo, uma vertente analtica a partir da qual se pode
fazer a leitura do conjunto da sociedade.
Ao iniciarmos um debate sobre o tema proposto uma idia se impe. Alguns autores acreditam que, no
momento atual, o espao se esfuma. Segundo Harvey o progresso implica a conquista do espao, a derrubada
de todas as barreiras espaciais e a aniquilao ltima do espao atravs do tempo2 . Para Ianni, a globalizao
tende a desterritorializar coisas, gente e as idias (...) tudo tende a desenraizar-se mercadorias, moeda e capital.
Segundo o Autor, o processo de desterritorializao caracteriza o essencial da sociedade global 3 .
Mas a meu ver o que se assiste hoje com o grande e rpido desenvolvimento das cincias e da tecnologia
aplicada produo e o conseqente processo de globalizao que, longe de anularem o espao, impem umnova perspectiva para se pensar o espao. Isto porque, as condies de reproduo variam no tempo em
funo do estgio do desenvolvimento tcnico e cientfico aplicado produo o que produz mudanas
espaciais dos valores de cada lugar na reproduo geral da sociedade quando se articula os fixos no espao
e a rede de fluxos exigindo uma nova configurao espacial. tambm, necessrio, repensar o novo papel que
o Estado assume no mundo moderno o que d novos contornos ao processo em curso.
O Estado-Nao tornou-se impotente no sentido de poder definir independentemente, uma poltica
industrial, monetria ou cambial alm do que, mostra-se incapaz de assegurar benefcios como no passado
(como por exemplo, as polticas de bem-estar social). Por sua vez, o estgio monopolista, no sentido da escala,
perdeu o sentido. As fronteiras parecem perder a materialidade pois o capitalismo se desenvolve destruindofronteiras entre os estados e ultrapassando obstculos atravs do seu processo de mundializao.
O capital flui com incrvel rapidez e as atividades se articulam no espao global unidas pelo mercado
mundial e as tcnicas modernas tornam difcil o controle dos fluxos entre as naes. tambm indiscutvel a
disperso dos centros decisrios por diferentes lugares alem do encolhimento do mundo devido eficcia das
redes de telecomunicao e dos transportes.
1Trabalho apresentado no Encontro Internacional Lugar, Formao Socioespacial, Mundo em setembro de 1994. O ttulo sugesto dos professores Milton Santos e Maria Adlia Ap. de Sousa.2David Harvey,A condio ps-moderna, Edies Loyola, 1992, p. 190.3Otvio Ianni,A sociedade global, Rio de Janeiro: Editora Brasiliense, 1993, p. 92.
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Constata-se tambm, hoje, grandes transformaes no processo produtivo em funo do desenvolvimento
de novas tecnologias que produzem, incessantemente transformaes na organizao do trabalho e da produo
fato que produz uma nova articulao espacial. Antigas regies industriais perdem importncia em detrimento de
outros lugares criando uma desintegrao espacial porque o capital migra constantemente em funo das suas
necessidades de reproduo o que se traduz pela busca de novas vantagens locacionais. Com isso presenciamos
uma nova redistribuio espacial da atividade e do emprego.
Novas tecnologias oferecem novas possibilidades de organizao industrial graas gesto de fluxo de
informao e de produtos assistidos pelo computador, flexibilidade dos equipamentos a fabricao
automatizada de alta preciso, a concepo modular dos produtos e montagem automatizada do conjunto. A
segmentao em mdulos do processo de trabalho, a gesto integrada que permite as transformaes dos
processos seqenciais em processos de fluxo contnuo alm da produo contnua de bens diferenciados. gera
as firmas especializadas que pode se realizar espacialmente, segundo Lipietz 4 , atravs de uma integrao ou
exploso espacial. Deste modo o novo ponto de equilbrio em formao passa a ser a firma especializada
produzindo uma gama restrita de bens diferenciados que aprofundam a diviso do trabalho e criam uma, rede de
firmas especializadas.
A condio da localizao atual esta baseada na indstria de alta tecnologia que impe uma trajetria docrescimento intensiva em conhecimento e requer uma infra-estrutura de natureza diferente da anterior. As
telecomunicaes, por exemplo envolvem a instalao de fibras ticas, satlites espaciais, redes de comunicao
de dados e, operrios altamente qualificados. Esse processo se d com grandes distores pois as reas
beneficiadas so aquelas com melhor condio para incorporar novas tecnologias. No plano do espao mundial
os pases centrais so aqueles que nessa nova diviso do trabalho esto mais equipados o que aprofunda a
desigualdade do processo no espao mundial hierarquizando-o.
O Estado produz o espao regulador e ordenador que tende a estabelecer-se no seio do mundial
reproduzindo a oposio centro-periferia que se estende das grandes capitais e cidades mundiais at as regies
dos pases em desenvolvimento, o que significa a dominao de centros sobre o espao dominado que exercemcontrole do ponto de vista organizacional administrativo, jurdico, fiscal e poltico sobre as periferias, coordenando-
as e submetendo-as as estratgias globais do estado. Estratgias de poder fundados no aparelho estatal enquadram
territrios e populaes reproduzindo um espao de confrontos e conflitos. Firmas multinacionais operam em
escala planetria tecendo interaes complexas, regulaes e negociaes permanentes.
Desse modo o que se questiona hoje a existncia de um Estado-Nao que no tem mais sentido
pois os espaos das naes tendem a explodir. Para Lefebvre a realidade do mundo moderno se estabelece
como globalidade, o estado moderno generaliza-se, mundializa-se enquanto sistema de Estados. O processo
de globalizao cria a unificao do espao mundial onde a organizao se produz a partir de uma hierarquia de
estados que vo do centro periferia a partir de relaes de dominao-subordinao que tem como elementode articulao o mercado mundial.
O espao das empresas multinacionais descontnuo, o novo deste momento que estamos vivendo
a possibilidade de com as novas tecnologias superar essa situao. Mas, por outro lado deve-se considerar
o fato de que a hierarquizao espacial se acentua promovendo o aprofundamento da segregao espacial
urbana pois as diferenciaes na distribuio social dos servios populao aumentam com a reduo das
despesas pblicas e com a privatizao dos servios.
4Alain Lipietz. Laprs fordisme et son espace. Paris: CEPREMAP, s/d.
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5David Harvey. Los lmites del capitalismo y la teora marxista, Mxico: Editora Fondo de Cultura Econmica, 1990, p. 421.
Esboa-se assim uma nova diviso espacial do trabalho hierarquizada atravs da produo de espaos
capazes de incorporar a nova tecnologia baseada num sistema educacional, laboratrios, centros de pesquisa,
redes eficientes de comunicao e capacidade de absorver novas formas de produo, alm de recursos humanos.
Portanto, no espao, h o fenmeno de concentrao que envolve de redes articuladas a partir de estratgias definidas
pelo estado atravs de polticas de subveno e de investimentos aliado a criao da infra-estrutura.
A tendncia a concentrao geogrfica se ope a tendncia a disperso, e no h uma garantia de
equilbrio estvel entre elas. As foras que levam a aglomerao podem facilmente produzir uma concentrao
excessiva que se ope a acumulao anterior. As foras que levam a disperso podem, igualmente, sair do
controle. Ademais as revolues em tecnologia,em meios.de comunicao e de transporte na centralizao e
descentralizao de capital (incluindo o grau de integrao vertical) nas convenes monetrias e de crdito, nas
infra-estruturas sociais e fsicas, afetam materialmente o equilbrio das foras que esto em ao. Isto impe
fases ao capital algumas vezes simultneas outras sucessivas em que abundam e ampliam as configuraes
espaciais das foras produtivas e das relaes sociais. atravs dessa teoria que se pode entender melhor o
desenvolvimento acelerado das foras produtivas em um lugar e no outro. 5
A concentrao de novas tecnologias no espao forma o que se chama de tecnopolos que nada mais
do que uma forma avanada de implantao de estabelecimentos de pesquisa e tecnologia de ponta. No dizerde Droulers so cidades caracterizadas por centros de pesquisa de ponta, industriais inovadoras formao
superior que ultrapassa a concentrao urbana.
O que diferencia os lugares, do ponto de vista da sua competitividade no espao regional e nacional sua
capacidade de concentrar infra-estrutura necessria ao desenvolvimento do processo de reproduo. Assim a
infra-estrutura e as instituies sociais se coligam dentro de um sistema de relaes sociais. Nesse sentido e s
nesse contexto se pode falar que o lugar regula o intercmbio, o crdito, centraliza o capital assim como a
concorrncia entre capitalistas pelas condies mais favorveis de infra-estrutura, crdito, mo-de-obra. Alm
do que o lugar tambm concentra as condies de reproduo da fora de trabalho, da vida cultural dos meios
de vigilncia, administrao e a represso. Esses produzem o espao porque os atores sociais a se concentrame os capitais a se centralizam juntamente com o poder.
Nesse sentido o desenvolvimento tcnico e cientfico aplicado produo, o desenvolvimento do mercado
mundial e das empresas multinacionais, longe de anularem o espao, permitem sua mundializao pois, os
mecanismos espaciais repousam na justaposio entre o local, o regional e o nacional e, nesse sentido, o espao
inteiro torna-se o lugar da reproduo, que se realiza tendo como pano de fundo o mundial que se sinaliza nas
tendncias pela atenuao das fronteiras nacionais e na constatao de que o local se torna global e o global se
localiza no lugar.
A imaterialidade do processo de produo atual que se acentua, fundamentalmente, no desenvolvimento
dos circuitos informativos, o que aponta como tendncia o desenvolvimento das information super higways, rede
formada por cabos de fibra ticas conectadas a supercomputadores criadas pela fuso das telecomunicaes
e informtica e que vai colocar todos em contato com todos atesta que vai ser possvel num futuro no
muito distante comprar, operar um banco, assistir uma aula, ou quaisquer filmes sem sair de casa. Mas bom
no esquecer que as mercadorias compradas no shoppingvirtual so materiais e precisam chegar as mos do
consumidor, bem como o dinheiro para comprar miudezas, o que implica num percurso pelo espao. Isto
significa que o processo no perdeu toda a materialidade. O desenvolvimento das foras produtivas que agiliza
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6RevistaExame, N 11, ano 26, 1994.
a circulao de capitais, moedas, mercadorias, idias, trabalho e que tem no fluxo uma eventual limitao
no anula o fato de as condies de produo so tambm materiais cristalizam-se no plano da cidade, no
traado das ruas, na confluncia das vias de acesso.
As rotas se materializam espacialmente revelando estratgias concretas das empresas na fabricao/
criao de objetos materiais pois nem toda produo imaterial apesar de ser esta a tendncia. Podemos fazer
uma analogia com relao ao automvel ou mesmo com o avio. Eles permitiram maior locomoo, das
pessoas em escalas sempre maiores, ganhou-se enormemente em mobilidade. No caso do carro teve grande
importncia na reproduo de espao urbano permitindo a criao da cidade polinucleada, dos subrbios
residenciais as margens do stio da metrpole, mas o tempo de percurso que se ganhou com o carro, no
eliminou o espao a ser percorrido, mas apenas o tempo de locomoo. A information super higway, conectando
os mercados do mundo no vai conseguir eliminar a produo num determinado lugar. Para funcionar precisa
de uma rede instalada de fibras ticas e seu tamanho vai ser decisivo. O Brasil, por exemplo est atrs do Chile
com apenas 600 km de cabos instalados contra 5000 km, os USA tem 18 milhes de km de cabos ticos de
longa distncia.6
Assim o espao justaposio de fluxos, mas tambm, justaposio de unidades produtivas cuja produo
integra processos produtivos, centros de intercmbio, de servios, mo-de-obra, produzindo uma configuraoespacial prpria. Isto significa que o capital se concentra enquanto capital fixo sem todaviadeixar de ser essencialmente
circulante. Apesar das redes de transmisso eletrnica dos dados da produo, por satlites, a localizao das
empresas guarda concretude no lugar. Deve-se tambm pensar que as referncias so cada vez mais universais,
mas a vida se localiza, e ganha sentido no cotidiano. A relao espao-tempo, bem como a relao entre fixos
e fluxos assinalam a totalidade do processo que se realiza enquanto mundial, porm localizado.
Nesse contexto, a idia de lugar nico se recicla pois todos os lugares se articulam aos demais e a
sociedade se mundializa e se faz presente em cada lugar. Se a localizao concreta do lugar lhe d materialidade
especfica, sua existncia pontual no exclui o mundial.
O sentido do mundial aquele das redes de fluxos, das interrelaes pelos satlites dando um novosentido para o espao e para o tempo. Nova velocidade fruto da revoluo tcnica e do desenvolvimento da
informtica, das super highwaysproduto do desenvolvimento do binmio indstria-tecnologia que torna mais
flexvel a localizao e que requer a reconstituio dos lugares.
Permanece, por outro lado, as bases sobre as quais se estabelecem os elementos do crescimento. O que
se presencia no cenrio mundial a nova relao entre o estado e a economia que atravs de incentivos,
subvenes, proteo, reestruturao de indstrias maduras acabam produzindo uma nova relao espacial. As
reas de industrializao antiga tendem a sofrer fuga de capitais algumas so remodeladas com a introduo de
novas tecnologias e, de outro lado h o que Soja chama de uma re-industrializao seletiva que vem detendo o
declnio em algumas regies (caso da Nova Inglaterra) ou concentrando a expanso industrial em novos complexos
territoriais tipicamente na periferia das grandes reas metropolitanas. Ocorre tambm o fato de que as novas
atividades se realizam acompanhando, de certa forma, a antiga concentrao industrial.
Aqui pode ser citado o caso da metrpole paulista onde assistimos a um processo de desindustrializao
com o estancamento da localizao industrial no municpio de So Paulo, Santo Andr, So Caetano, Mogi das
Cruzes e Osasco com a mudana de estabelecimentos industriais apontando para um processo de terceirizao.
Tal situao recebe o incentivo das polticas pblicas que favorecem o processo de interiorizao criando infra-
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estrutura bsica para o desenvolvimento, das atividades econmicas no interior e direcionando os investimentos.
Configura-se nesse momento o que se convencionou chamar de macrometrpole ou complexo metropolitano
expandido (CME) ao longo de um espao de cerca de 150 a 200 km de raio do centro metropolitano um
complexo que forma o plo direcional produtivo e de pesquisa/tecnologia mais destacado no conjunto do
pas enquanto configurao espacial decorrente do processo de descentralizao na GSP e da relocalizao
das atividades fora dos limites da RMSP sustentados pela ampliao de infra-estrutura, principalmente no
campo das telecomunicaes e pela presena de facilidades de formao de mo-de-obra7.
Para Milton Santos8 , nas condies de passagem de uma para outra, somente a metrpole industrial tem
os meios para instalar as novas condies de comando, beneficiando-se dessas pr-condies para mudar
qualitativamente. A metrpole transnacional assenta sobre a metrpole industrial, mas j no a mesma metrpole.
Soja chama ateno para o fato de que nos USA e em outros lugares, a, acelerada mobilidade geogrfica
do capital industrial relacionado com a nova indstria deflagrou e intensificou uma concorrncia territorial entre
rgos governamentais por novos investimentos e pela manuteno das firmas existentes no lugar em que
esto. Essas guerras regionais por empregos e dlares abrem um volume crescente das verbas pblicas e
amide dominam o processo de planejamento urbano e regional9.
Podemos tambm citar o exemplo da Coria, onde o planejamento econmico assentado em planosqinqenais enfatiza desde os anos 80 as indstrias intensivas em tecnologia, sobretudo o complexo eletrnico.
A poltica coreana priorizou a formao de infra-estrutura bsica para o desenvolvimento de atividades de
pesquisa e desenvolvimento e utilizou tratamento pouco discriminatrio com relao ao capital estrangeiro,
alm do que estimulou importao de tecnologia que coloca disposio das empresas um conjunto de
incentivos fiscais e creditcios e uma poltica de compras governamentais realmente efetivos. Juntamente com
incentivos fiscais, a criao de mecanismos de financiamento de longo prazo constitui importante instrumento
de promoo a indstria local. Tonooka 10 chama ateno para o fato de que alm da importncia que cincia
e tecnologia ocupam no interior da estrutura estatal h o complexo de institutos pblicos de pesquisa montados
nos ltimos 20 anos. Os gastos do PIB com P&D elevaram-se de 0,3 em 1971 para 1,9 em 1989.Podemos dizer que o Estado pesa sobre a sociedade planificando-a racionalmente com a contribuio
do conhecimento e das tcnicas atravs de planos e programas. Nesse contexto ao mesmo tempo que produto
social e meio o espao tambm instrumento da ao meio de controle, logo de dominao e de poder que
produz uma hierarquia dos lugares centrado no processo de acumulao que produz a centralizao do poder.
O poder central assegura uma forte estabilizao do sistema territorial e refora sua capacidade de resistncia
mudana social pois a administrao formula a hierarquia e a demanda social atravs de processos de planificao e
organizao do territrio.
Assim o processo de valorizao-desvalorizao dos lugares depende de sua situao enquanto ponto
estratgico dentro do sistema de reproduo ampliada das relaes sociais enquanto lugares estratgicos
controlados por estruturas que permitem ao sistema mundial se manter e reproduzir.
A sociedade urbana caminha de forma inexorvel sua realizao global e a informao e as redes so
fatores importantes nesse processo. Um lugar contm sempre o global especfico e mundial, articula-se a uma
rede de lugares. Apoia-se numa rede de difuso de fluxos de informao, bens e servios processo que tem
7 Emplasa, Plano Metropolitano da Grande So Paulo, 1993-2010, So Paulo,1994, p. 126.8 Mitlon Santos,Economia Poltica da cidade, So Paulo: Hucitec - EDUC, 1994, p. 41.9Edward Soja, Geografias Ps-modernas. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editor, 1993, p. 225.10Eduardo Tonooka, Estudo e informtica: duas experincias internacionais e o Brasil. Revista So Paulo em Perspectiva,vol. 7,n 4. So Paulo, 1994, p. 50-54.
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11Ana Fani Alessandri Carlos O lugar: mundializao e fragmentao, in Fim de sculo e globalizao, So Paulo: Hucitec -ANPUR., 1993, p. 303.
como pano de fundo a mundializao da sociedade, da economia, da cultura e do espao que se constitui cada vez
mais num espao mundial articulado e conectado o que implica num novo olhar sobre o local.
Assim os fluxos cortam o espao, as rotas materializam-se espacialmente revelando estratgias concretas
de reproduo. evidente que se transcende fronteiras mas o que se deve repensar o papel do Estado e suas
novas relaes com o espao que assumem novos contornos. Os vnculos globais se desenvolvem e aprofundam-
se e as estratgias devem levar em conta o global. No nos parece correto confundir a tendncia s exploses
das fronteiras nacionais e dos Estados nacionais com o fim ou anulao do espao, pois significaria desenfocar
o centro da anlise que deve recair sobre as transformaes do papel do Estado na economia hoje e suas novas
formas de reproduo que envolvem a produo de um novo espao. Assim apagar fronteiras nacionais no
significa anular espao mas torn-lo contnuo, do ponto de vista da produo, essa a meu ver a revoluo que
se prepara.
O desenvolvimento da tcnica aplicada a produo ao diminuir o tempo de percurso, compactando a
distncia entre dois pontos, resolve o problema das descontinuidades espaciais um problema para a reproduo
do capital da poder falar-se em globalizao da produo.
O capitalismo, o estado e o espao mundializam-se, o mercado mundial permite a convergncia dos
fluxos de informao e de mercadorias. O capitalismo constitui-se em totalidade contornando, destruindo, eabsorvendo obstculos, destruindo fronteiras. No processo de globalizao o lugar ganha um novo contedo,
produz-se uma hierarquia diferencial dos lugares que aparece sob a forma de uma competio entre lugares
pelo investimento.
Essa hierarquia se baseia na ao do estado e dos poderes locais atravs de polticas de organizao do
espao que o normatizam. O Estado produz o espao regulador e ordenador que tende a estabelecer-se no
seio do mundial, pois transforma as condies histricas do territrio nacional engendrando novas relaes que
se articulam no plano de totalidades mais vastas. Afirma-se em todos os lugares produzindo uma hierarquia
espacial atravs de uma nova relao entre a produo e o saber fato este que confere novos poderes que
desenvolvem e controlam o processo de produo e organizao do trabalho atravs da planificaoracional que, longe de atenuar, aprofunda a desigualdade espacial mundial, hierarquizando o espao apesar de
uma forte tendncia homogeneizao.
A diferenciao entre os lugares aparece como produto da especializao e da diviso espacial e social
do trabalho onde as parcelas particulares participam de modo diferenciado da reproduo do sistema. Da o
sentido da planificao.
As diferenciaes espaciais cada lugar com sua posio e atributos sociais, econmicos, culturais,
fsicos produz uma gama de valores, logo de situaes.
Dentro desses parmetros s possvel o entendimento do mundo moderno a partir do lugar namedida em que este for analisador levando-se em conta um processo mais amplo - aquele que toma como
referncia a sociedade urbana em processo de constituio, apesar de ser no lugar que se manifestamos
desequilbrios, as situaes de conflito e as tendncias da sociedade urbana11 .
Deste modo a anlise do lugar enquanto fragmento, se revela em sua simultaneidade e multiplicidade
de espaos sociais que se justapem e interpe e que se reproduz, hoje, anunciando a constituio da sociedade
urbana a partir do estabelecimento do mundial.
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12Edmond Preteceille, Mutations Urbaines et politiques locaux. Paris: CSU, 1988.13Henri Lefebvre, Les temps des mprises. Paris: Editora Stock , 1975, p. 217.
O espao intervm na produo e organizao do trabalho produtivo, ao mesmo tempo em que
determina as relaes de produo tambm produtor e produto, suporte das ralaes sociais e, portanto tem
papel importante no processo de reproduo geral da sociedade, uma produo espacial que aparece nas
formas de apropriao, utilizao e ocupao de um determinado lugar, num momento especfico que se
revela no uso, como produto da diviso social e tcnica do trabalho que produz uma morfologia espacial
fragmentada e hierarquizada. Na realidade o que se tende a eliminar no o espao que cortado por um
complexo de redes e fluxos inmeros, e que fundamental para sua materializao. O que se tende a eliminar
o tempo atravs de sua compactao.
Para Lefebvre, a produo de um espao poltico mundial aparece como um devirdesigual cheio de
contradies com regresses, deslocamentos e saltos. Deste modo a ao do Estado engendra o espao da
tlscopageentre o pblico e o privado referentes ao choque entre duas prticas; uma logstica global, racional e
homogneo (vinculada s estratgias do Estado que produz a cadeia de equivalentes) e outra local, vinculada
aos interesses privados (aqueles dos promotores e dos agentes da produo do espao). Nesse embate consolida-
se um novo espao em escala nacional e supranacional.
As anlises referentes s transformaes espaciais hoje devem levar em conta as novas tendncias
presentes no processo de reproduo social que tem levado a uma nova redistribuio das atividades e com
isso mudando estruturas urbanas regionais e nacionais. Para Preteceille, as mudanas das estruturas urbanas
esto evidentes resta saber quais os mecanismos dessas transformaes identificadas seja a partir das
transformaes do processo de trabalho ligado difuso de novas tecnologias, seja nas perspectivas macro
econmicas ou macro sociais levando em considerao a nova DIT (Diviso Internacional do Trabalho) ou
mais recentemente as formas globais dos processos de acumulao do capital em suas relaes dominantes da
reproduo social. 12
As transformaes urbanas que se operam com a crise afetam, principalmente, a populao operria.
Diretamente por causa da diminuio do nmero dos empregos oferecidos provenientes das transformaes
do processo de trabalho na indstria e do papel decrescente que determinadas atividades nos processos de
reproduo atual. H no mundo moderno grandes transformaes demogrficas. As grandes aglomeraes
vm diminuindo sua populao, tendncia que j se esboa na Frana e Itlia desde a dcada de 70. As
migraes para os grandes centros se desaceleram, as mudanas na economia trazem uma menor mobilidade
por razes profissionais.
Cria-se um espao que tambm tem uma dimenso instrumental enquanto lugar e meio da reproduo
das relaes de produo que engloba a produo do espao em geral. Este no aparece na anlise enquanto
elemento abstrato, visto que organiza-se em funo da diviso do trabalho na escala planetria, assentadas em
estratgias mundiais. Resultado da superposio de diferentes nveis tanto econmicos quanto polticos. Produz-
se espacialmente uma morfologia estratificada hierarquizada enquanto imbricao de espaos dominados-dominantes, como conseqncia da hierarquia social.
A leitura do mundo de hoje passa pelo entendimento do processo de globalizao da cultura, da economia,
dos valores, do conhecimento, das idias. Mas o espao no se coloca em abstrato, o espao planetrio se
reorganiza em funo da nova DIT em funo de estratgias mundiais, que como afirma Lefebvre resulta da
superposio de nveis diferentes econmicos e estratgicos onde tudo converge para o problema do espao,
ele a primeira via para se chegar ao mundial.13
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Em Lefebvre onde espao aparece como campo de possibilidades concretas, categoria de anlise
importante para o desvendamento do mundo moderno encontramos uma contribuio importante para o
que estamos querendo dizer. Para o Autor a mundialidade do espao se manifesta claramente a partir do
momento histrico onde a reproduo das relaes sociais de produo ganham um outro sentido. O que h
de moderno no processo de produo, hoje, onde as foras sociais esto apoiadas na tcnica e no conhecimento
a interveno do Estado no espao atravs de instituies consagradas gesto e produo do espao. Tal
fato permitiria, para o Autor, reintegrar o espacial no pensamento poltico e, com isso, precisar a estratgia:
auto-gesto da base social e territorial, controle social da produo.
A mundialidade se estabelece, para o Autor, com a predominncia do espao sobre o tempo. Deste
modo o interesse se deslocaria das coisas no espao para a produo do espao. Assiste-se a uma reorganizao
do espao atravs do poder poltico que coloca o estado no centro da gesto das relaes sociais. No percurso
do processo de mundializao o modo de produo engendra um espao mundial. A anlise do mundial
aparece como uma necessidade para a compreenso do movimento do mundo que se desenvolve, criando
virtualidades. Nesse sentido a mundialidade estabelece a predominncia do espao sobre o tempo. No dizer de
Lefebvre, se verdade que o futuro se esclarece pelo passado, o futuro reserva surpresas, pois ele se define
pelo mundial (espao) e no pelo histrico (tempo) 14 .
14Henri Lefebvre. De L tat,vol. IV, cap. V. Paris: Union Gnrale d dittions, 1978, p. 10-18.
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A NATUREZADOESPAOFRAGMENTADO1
Lembrar-me de ti! Sim pobre espectro, enquanto a memria tiver
assento neste mundo enlouquecido.
Shakespeare
A metrpole aparece hoje, como manifestao espacial concreta de um fenmeno que est posto de
forma clara no mundo moderno, qual seja, o espao se reproduz a partir do processo de constituio da
sociedade urbana apoiado no aprofundamento da diviso espacial do trabalho, na ampliao do mercadomundial, na eliminao das fronteiras entre os estados, e na generalizao do mundo mercadoria. Este processo
produz profundas mudanas espaciais, criando uma nova identidade que escapa ao nacional, apontando para o
mundial como tendncia. Isto , o processo no diz mais respeito a um lugar ou a uma nao somente, estes
explodem em realidades supranacionais, apoiados nos grandes desenvolvimentos cientficos, basicamente o
desenvolvimento e transmisso da informao.
Generaliza-se pelo espao planetrio os fluxos de informao e mercadorias pois o capitalismo, num
primeiro momento, contorna as fronteiras nacionais para se reproduzir, hoje destruiu-as totalmente unificando
mercado, constituindo-o em mundial e hierarquizando espaos que vo do centro periferia assentadas em
slidas, mas camufladas, relaes de dominao subordinao. Nessa perspectiva o urbano no designamais a cidade nem a vida na cidade, mas passa a designar a sociedade que constitui uma realidade que engloba
e transcende a cidade enquanto lugar, pois tudo que existe entra em contato com o mundo todo, ligando
pontos isolados do planeta. A unio destes pontos d-se atravs de ns de articulao que determinam as
funes da metrpole, sede da gesto e da organizao das estratgias que articulam espaos.
A metropolizao, hoje, diz respeito a hierarquizao do espao a partir da dominao de centros que
exerce sua funo administrativa, jurdica, fiscal, policial e de gesto. A metrpole guarda uma centralidade em
relao ao resto do territrio, dominando-o e articulando reas imensas. Todos os lugares so mundiais,
escreve Milton Santos; o que torna um lugar mundial so os componentes que fazem de uma determinada
parcela do territrio o locusda produo e troca de alto nvel, conseqncia da hierarquizao que regulariza a
ao em outros lugares2.
A metrpole vista como um smbolo do mundo moderno, um centro onde a vida flui com incrvel
rapidez, o que impe um ritmo alucinante e a banalizao de tudo como produto direto do processo de
homogeneizao. A fluidez do tempo aparece como algo no natural, no dizer de Virilio, o tempo consciente se
1O presente trabalho , em sua quase totalidade foi publicado no livro Territrio, Globalizao e Fragmentao. So Paulo: Hucitec,
1994, p. 191/197.2A acelerao contempornea: tempo mundo, espao mundo. Conferncia de abertura do Simpsio O novo mapa do mundo.
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recolhe automaticamente, formando um tempo contnuo e sem cortes aparentes.3O ritmo da metrpole aquele
da velocidade contnua, de uma anamorfose que faz da fugacidade um espetculo de imagens sem sentido.
O carter da globalidade d um novo sentido produo latu sensu. Um novo espao tende a se criar na
escala mundial. O aprofundamento da diviso social e espacial do trabalho busca uma nova racionalidade, uma
lgica subjacente pelo emprego do saber e da tcnica, da supremacia de um poder poltico que tende a
homogeneizar o espao atravs do controle, da vigilncia, apoiado na mdia que reproduz uma realidade vivida
e imposta atravs da utopia da tecnologia que tende a programar e a simular o futuro.
A urbanizao coloca, hoje, problemas atuais, produz-se em funo das exigncias em matria de
comunicao, de deslocamentos os mais variados e complexos criando uma hierarquia de lugares. Os problemas
atuais postos pela urbanizao ocorrem no mbito do processo de reproduo da sociedade. Por isso mesmo
a globalizao tambm produz modelos ticos estticos, gostos, valores, moda, constituindo-se como elemento
fundamental da reproduo das relaes sociais, um cotidiano, ainda em formao, onde todas as relaes
sociais passam a ser mediadas pela mercadoria. Por isso mesmo o processo de mundializao da sociedade
urbana no elimina, mas aprofunda o processo de fragmentao contido no espao, na cincia, na cultura, na
vida do homem.
A globalizao e a fragmentao do-se no plano do indivduo, tanto quanto no espao. Na sociedadeessa fragmentao d-se atravs da dissoluo de relaes sociais que ligavam os homens entre si, na vida
familiar e social bem como na sua relao com novos objetos dentre eles a tv que banaliza tudo, da religio
poltica, atravs de seu poder hipntico extraordinrio que consegue transformar a guerra num aparato cmico
(como aquele que vimos na guerra do Golfo). A segmentao da atividade do homem massacrado pelo
processo de homogeneizao, onde as pessoas pasteurizadas tornam-se idnticas, presas ao universo do
cotidiano, submissas ao consumo e troca, capturadas pela mdia, encontram-se diante do efmero e do
repetitivo como condio da reproduo das relaes sociais.
No caso do espao no lugar , este aparece como produto de uma atividade dividida, onde a se
fragmentao ocorre enquanto produto do conflito entre o processo de produo socializado e sua apropriaoprivada. Esta fragmentao que se aprofunda divide o espao em parcelas cada vez menores, que so compradas
e vendidas no mercado, como produtos de atividades cada vez mais parceladas.
Mundializado, o espao fragmenta-se atravs de formas de apropriao para o trabalho, para o lazer,
para o morar, para o consumo, etc. Deste modo, o espao fragmenta-se em espaos separados, parcelas fixas,
como conseqncia de uma atividade parcelada fundada no trabalho abstrato. O espao aparece como
mercadoria, apesar de suas especificidades, produzido e vendido enquanto solo urbano, cujo contedo escapa
aos indivduos, posto que submissos troca e especulao uma troca que se autonomiza em relao ao uso
num processo de produo assentado na propriedade privada da terra que gera a apropriao diferenciada do
espao por extratos diferenciados da sociedade. Com isto transforma-se, constantemente o lugar e produz-se
o estranhamento do lugar com atravs da perda das referncias.
Essa fragmentao produz um constante movimento de atrao-expulso da populao do centro para
a periferia e vice versa. Produz tambm uma multiplicidade de centros que tende a dissipar a conscincia urbana
na medida em que o habitar hoje a metrpole tem um sentido diverso, mudando hbitos e comportamentos,
bem como formas de apropriao do espao pblico, alem da dissoluo de antigos modos de vida e relaes
entre as pessoas. Bairros inteiros foram descaracterizados ou mesmo destrudos pelas necessidades de expanso
3Paul Virilio.Esthtique de la dispersion, Paris: Balland, p. 9.
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desenfreada proveniente da acumulao de capital que reproduz o espao metropolitano mudando referenciais
e comportamentos. Os aparelhos de tv, por exemplo, substituram as cadeiras nas caladas de antigos bairros de
So Paulo, assim como, os vdeos-games substituem o outro nas brincadeiras infantis, colocando cada criana
sentada numa mesa diante de uma tela. As mercadorias substituram as relaes diretas entre as pessoas; at as
relaes de troca modificam-se formalmente distanciando os agentes da relao, as antigas vendas e mercearias,
por exemplo, foram substitudas pelos supermercados e as lojas de armarinho desapareceram.
Como conseqncia o estranhamento do indivduo diante do produto, a normatizao das relaes sociais,
desencantamento do mundo, rarefao dos lugares destinados s festas. A vida urbana impe conflitos e
confrontos e o processo de fragmentao aparece como justaposio de atividades parcelares cujo conjunto escapa
ao indivduo. Em decorrncia, a produo de um cotidiano onde a vida aparece atomizada, ao mesmo tempo que
super organizada. Campo da auto-regulao voluntria e planificada, o cotidiano aparece enquanto construo da
sociedade, que se organiza segundo uma ordem fortemente burocratizada; preenchido por represses e coaes.
Assim a produo do espao deve ser entendida sob uma dupla perspectiva, ao mesmo tempo que se
processa um movimento que constitui o processo de mundializao da sociedade urbana produzindo, como
decorrncia, um processo de homogeneizao do espao, produz-se e acentua-se o processo de fragmentao
tanto do espao quanto do indivduo. Este processo se manifesta no plano do vivido, no lugar onde se desenrolaa vida humana.
A cidade produzida liga-se a forma de propriedade que reproduz a hierarquia espacial enquanto
conseqncia da hierarquia social passvel de ser percebida na paisagem urbana atravs da segregao espacial
cuja dinmica conduz, de um lado a redistribuio do uso das reas j ocupadas levando a um deslocamento de
atividades e dos habitantes e, de outro, a incorporao de novas reas que criam novas formas de valorizao
do espao urbano.
Em Henri Lefebvre, o conceito de urbano hoje, permite pensar a idia do processo de imploso-
exploso da cidade, pois de um lado a centralidade se acentua, isto ,