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181-651-4-PB

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hidro
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DOI: 10.5418/RA2011.0701. 0008 Revista da ANPEGE, v. 7, n. 1, número especial, p. 81-97, out. 2011. ISSN 1679-768 X © 2003, Associação Nacional de Pesquisa e Pós-Graduação em Geografia. Todos os direitos reservados. CATEGORIZAÇÃO DE USOS MÚLTIPLOS DOS RECURSOS HÍDRICOS E PROBLEMAS AMBIENTAIS Categorization of Multiple Uses of Water Resources and Environmental Problems Profº Flávio Rodrigues do Nascimento Universidade Federal Fluminense - Programa de Pós Graduação em Geografia Instituto de Geociências - s. 506 Campus da Praia Vermelha, CEP: 24210-240 - Niteroi, RJ - Brasil Tel: (+55 21) 26295950 - [email protected] Resumo O trabalho trata sobre a gestão de bacias hidrográficas considerando a degradação da qualidade hídrica, a partir dos usos múltiplos das águas. Neste contexto, as bacias foram consideradas como unidade de gerencia- mento integrado dos recursos naturais, diante das alterações na dinâmica ambiental, respostas hidrológicas e nos conflitos por recursos hídricos. Palavras-chave: Bacia hidrográfica, usos múltiplos das águas e conflitos por recursos naturais. Abstract The paper deals about the management of river basin considering the degradation of water quality from the multiple uses of water. In this context, the basins were worked as a unit of integrated management of natural resources in the face of conflicts over natural resources, dynamic changes in environmental and hydrological responses, as well as water quality. Key words: River basin, multiple uses of water and conflicts over natural resources. Resumen El artículo se ocupa de la gestión de las cuencas hidrográficas teniendo en cuenta la degradación de la ca- lidad del agua de los múltiples usos del agua. En este contexto, las cuencas se trabajó como una unidad de gestión integrada de los recursos naturales frente a los conflictos sobre los recursos naturales, los cambios dinámicos en las respuestas ambientales e hidrológicos, así como la calidad del agua. Palabras clave: la cuenca hidrográfica, usos múltiples del agua y los conflictos por los recursos naturales. aaaaa aaaaa
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  • DOI: 10.5418/RA2011.0701. 0008

    Revista da ANPEGE, v. 7, n. 1, nmero especial, p. 81-97, out. 2011.

    ISSN 1679-768 X 2003, Associao Nacional de Pesquisa e Ps-Graduao em Geografia. Todos os direitos reservados.

    CATEGORIZAO DE USOS MLTIPLOS DOS RECURSOS HDRICOS E PROBLEMAS AMBIENTAIS

    Categorization of Multiple Uses of Water Resources and Environmental Problems

    Prof Flvio Rodrigues do Nascimento Universidade Federal Fluminense - Programa de Ps Graduao em Geografia

    Instituto de Geocincias - s. 506 Campus da Praia Vermelha, CEP: 24210-240 - Niteroi, RJ - BrasilTel: (+55 21) 26295950 - [email protected]

    ResumoO trabalho trata sobre a gesto de bacias hidrogrficas considerando a degradao da qualidade hdrica, a partir dos usos mltiplos das guas. Neste contexto, as bacias foram consideradas como unidade de gerencia-mento integrado dos recursos naturais, diante das alteraes na dinmica ambiental, respostas hidrolgicas e nos conflitos por recursos hdricos.

    Palavras-chave: Bacia hidrogrfica, usos mltiplos das guas e conflitos por recursos naturais.

    AbstractThe paper deals about the management of river basin considering the degradation of water quality from the multiple uses of water. In this context, the basins were worked as a unit of integrated management of natural resources in the face of conflicts over natural resources, dynamic changes in environmental and hydrological responses, as well as water quality.

    Key words: River basin, multiple uses of water and conflicts over natural resources.

    ResumenEl artculo se ocupa de la gestin de las cuencas hidrogrficas teniendo en cuenta la degradacin de la ca-lidad del agua de los mltiples usos del agua. En este contexto, las cuencas se trabaj como una unidad de gestin integrada de los recursos naturales frente a los conflictos sobre los recursos naturales, los cambios dinmicos en las respuestas ambientales e hidrolgicos, as como la calidad del agua.

    Palabras clave: la cuenca hidrogrfica, usos mltiples del agua y los conflictos por los recursos naturales.

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    NASCIMENTO, F. R. do

    INTRODUO

    Com a concepo do ambiente, em grande parte, exterior existncia humana, os recursos hdrCom a concepo do ambiente, em grande parte, exterior existncia humana, os recursos h-dricos so apreendidos somente como um recurso natural a ser explorado. Entretanto, h sinais de degradao que ameaam a segurana hdrica em diversas bacias hidrogrficas, no que se refere escassez da gua doce, principalmente associada s vicissitudes climticas. Isso indica a necessidade de se mudar o padro de vida de agrupamentos sociais que beira a exausto.

    Em regies semiaridas, como no Nordeste brasileiro (NEB), estes problemas so agravados por conta de seu quadro geoambiental vulnervel, no qual, principalmente os recursos de gua, solo e geobotnico so consumidos e exauridos vorazmente, aumentado assim a susceptibilidade s contingncias climticas, sobretudo termopluviomtricas. A reduo da biodiversidade, a eroso dos solos e a diminuio espaciotemporal e quali-quantitativa das guas interiores, dos recursos de solo e vegetao, s para citar os mais prejudicados, do sinais de profunda degradao ambiental na regio fisiogrfica dos sertes.

    Com uma vocao histrica agropastoril desde os primrdios da colonizao do Brasil, aliada s condies climticas desfavorveis, com as consecutivas e cclicas secas, h um agravamento dos problemas de degradao ambiental nas paisagens sertanejas, sobretudo nas reas de bacias hidrogrficas semiridas, em que a sustentabilidade dos recursos naturais baixa, com base em eco-dinmica instvel e nveis de criticidade hdrica comprometedores. Nada obstante, as representaes espaciais das bacias hidrogrficas na condio de unidades funcionais de planejamento resguardam paisagens, no qual ocorrem interaes ambientais, colaborando para que sejam eleitas unidades de planejamento territorial/ambiental adequadas para extrapolar o simples gerenciamento dos recursos hdricos. Uma bacia de drenagem denota caractersticas geoambientais, formando unidade natural indissocivel e interatuante, podendo facilitar o ordenamento territorial/ambiental, contribuindo para melhor aproveitamento da capacidade de suporte dos recursos naturais.

    Ratifique-se que essa unidade um sistema complexo dado o nmero de elementos e va-riveis-, interligados por meio de ciclos de transformao, auto-ajuste, dissipao e novamente auto-organizao com produo de entropia. As relaes mtuas entre seus elementos possibilitam a anlise integrada do ambiente, auxiliando em uma acurada avaliao dos aspectos fsicos, eco-nmicos e sociais. Neste contexto, considerando a bacia hidrogrfica (doravante b.h) na condio de unidade de interveno e planejamento, o objetivo deste trabalho destacar os principais usos dos recursos hdricos e dos ambientes hidromrficos nas bacias hidrogrficas do Cear (Figura 1), considerando as alteraes na higidez das guas por meio dos pontos potenciais de poluio, mudanas hidrolgicas, bem como na reduo da resilincia espaciotemporal deste elemento vital.

    A bacia como unidade de gerenciamento integrado dos recursos naturais, sobretudo dos ma-nanciais, com fins de seu aproveitamento, coloca os recursos hdricos como elemento indispensvel vida e como insumo s atividades produtivas, pois os usos pelas populaes, para irrigao, in-dstrias, atividades de lazer, dentre outros empregos mltiplos dos recursos hdricos, requer fontes em qualidade e quantidade saudveis e seguras. Com essa necessidade, o Estado do Cear, que tem como agravante ao aproveitamento dos recursos naturais a semiaridez foi um dos primeiros da Federao a elaborar plano de recursos hdricos; isso em 1992, por meio da Lei N 11.99.

    A partir de ento, o quadro hidrogrfico do Estado individualiza bacias hidrogrficas e con-juntos de bacias, que perfazem o montante de 11 grandes bacias hidrogrficas. Dessas, a bacia do rio Jaguaribe (74.621 km) foi compartimentada em 5 bacias e a bacia Metropolitana (15.085 km) formada a partir do agrupamento de 16 bacias independentes. Essas unidades de planejamento, associadas ou no, so: Alto Jaguaribe (24.538 km), rio Salgado (12.216 km), Mdio Jaguaribe (10.509 km), rio Banabui (19.810 km) e Baixo Jaguaribe (4.970 km) que so subdivises da bacia do Jaguaribe; Parnaba (composto pelos afluentes Poti, Macambira e o conjunto de sub-ba-cias Long-Pirangi (16.901 km), Curu (9.000 km), Corea (10.500 km) e Acara (14.560 km)

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    complementao a compartimentao hidrogrfica cearense. Neste contexto, a bacia do Jaguaribe, compreende 50% de todo o Estado, drenando reas ocupadas por 50% da populao estadual, ou seja, drena reas de municpios com mais de quatro milhes e cinqenta e trs mil habitantes.

    Figura 1 - Bacias Hidrogrficas do Cear. Fonte. COGERH

    Tais bacias, (com exceo bacia do Parnaba, que pertence a Regio Hidrogrfica Hom-nima) pertencem ao grupo de bacias do Atlntico Nordeste Oriental bacias hidrogrficas de rios que desguam no Atlntico trecho nordeste, estando limitada ao oeste pela bacia do Parnaba, ao norte e ao leste pelo Atlntico e ao Sul pela regio hidrogrfica do So Francisco. Estas apresentam regime fluvial de enchentes durante as chuvas de vero-outono, sendo, a 3. em vazo, com 4,45 l/s/hm (MMA/SRH, 2004), com vulnerabilidade natural s secas e criticidade de escassez hdrica, o que pode potencializar os conflitos pela gua, inferior a 1/5 da vazo especfica mdia nacional que de 21l/s/km (ABRH, 1987 in VIEIRA, 2002).ademais, outra questo de destaque , segundo o Plano Nacional de Recursos Hdricos, que as bacias do semirido cearense so parte integrante da rea Especial de Planejamento no contexto da desertificao.

    DINMICA AMBIENTAL E RESPOSTAS HIDROLGICAS EM BACIAS HIDROGRFICAS

    Os cursos dgua desempenham funes especficas dentro de cada ecossistema. Os rios, riachos e lagoas propiciam a formao de vegetao ribeirinha, diminuindo a requeima foliar e a caduciofolia atravs de um feedback de diminuio da evaporao e evapotranspirao e, manuseio da biodiversidade. Alm disso, para o diagnstico do meio fsico de bacias hidrogrficas, as con-dies climticas, a natureza dos terrenos, os aspectos morfopedolgicos, os geobotnicos e os de uso/ocupao do solo, influenciam diretamente os recursos hdricos de superfcie. O escoamento fluvial e as reservas terrestres implicantes na dinmica ecossistmica que formam os geoambientes so, portanto, influenciados, como destaca o Quadro 1, com fatores que necessitam de observao no planejamento dos recursos hdricos.

    Como destacou Cunha (1995), mudanas significativas em qualquer desses elementos, podem ocasionar efeitos e/ou impactos a jusante da bacia, bem como nos fluxos energticos de output ou input de slidos e substncias dissolvidas, que em funo da escala ou intensidade, dos tipos de leitos e de canais, a morfologia da drenagem pode ser modificada.

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    Quadro 1 Atributos geoambientais incidente sobre os recursos hdricos superficiais

    Elementos Implicaes ambientais

    Clima Distribuio espacial do volume de da freqncia de chuvas, renovao das reservas hdricas, temperaturas e evapotranspirao Influncias sobre o balano hdrico.

    Natureza do terreno e litotipos

    Condies geolgicas e das formaes superficiais, em terrenos impermeveis, favorecem o adensamento dos cursos dgua e das depresses lacustres, evaporao. Com zonas permoporosas, a alimentao do lenol fretico favorecida.

    G e o l o g i a -Geomorfologia

    Processos de escoamento. Caractersticas dos perfis longitudinais e transversais dos rios e vales. Velocidade do escoamento ou reteno, capacidade de inciso para escavar vales e competncia das condies de transporte de sedimentos e detritos, esto associados ao relevo, sua topografia e nveis de declividade.

    U n i d a d e s Vegetacionais

    Papel protetor das formaes superficiais. Uma maior ou menor densidade vegetacional, em seqncia, magnificam ou atenuam o escoamento superficial nos interflvios com vegetao densa influenciando o efeito splash e o escoamento. Menor cobertura vegetacional no meio urbano provoca mudanas microclimticas.

    Uso/ocupao da terra

    Efeitos ambientais, diretos e indiretos, no exutrio podem ser assinalados: diretamente a retificao, a dragagem do rio e os barramentos indevidos alteram as condies naturais. Concorrem para as mudanas indiretas o desmatamento, a impermeabilizao de superfcies e as mudanas no uso da terra. reas impermeabilizadas favorecem o escoamento. No meio urbano, a lavagem de superfcies carreia poluentes lquidos e slidos. No meio rural, os agrotxicos e o decapeamento vegetal comprometem a recarga de aqferos. Esses fatores em conjunto podem provocar modificaes nas propriedades fsicas e estruturais dos solos, na precipitao e temperatura.

    O escoamento fluvial, com alimentao irregular e deficiente, apresenta pequena capacidade de entalhe, grosso modo, em todo o Cear. Como conseqncias desse entalhe, ocorrem amplitu-des altimtricas insignificante entre os interflvios e os fundos de vales. Cabe exceo aos rios da Bacia do Parnaba que drenam terrenos sedimentares do Planalto da Ibiapaba, no extremo oeste do Estado. Os rios, em grande parte, apresentam gradientes pouco inclinados e perfis transversais com vertentes planas ou ligeiramente cncavas. Sua rede potamogrfica reflexo direto das con-dies meso-climticas. Por isso nas secas os rios cortam com exceo dos leitos perenizados dos maiores rios, que somam 1.948 km de vales midos. O arranjo, em planta, dos exutrios e dos principais tributrios no semirido cristalino, condiz com padres de drenagem com distribuio espacial do seguinte modo: dendrtica ou arborescente, retangular dendrtica (atribuda aos fenmenos tectnicos), paralela, anastamosada ou cataclinal. Os sistemas hidrogrficos em causa apresentam caractersticas de drenagem intermitente sazonal exorrica, tpica de regio semirida intertropical.

    Nos sertes, o padro de drenagem dendrtica a subdentrtica de textura aberta, fortemente controlado por fatores estruturais sob efeito de fraturamentos, originando modelo atual de vales com orientao conforme se faam sentir tais efeitos, demando seus nveis de base local, isto , seus exutrios e tomando-se por referncia o nvel de base geral Oceano Atlntico. No obstante, as chuvas, atingido a superfcie, tendem a escoar e a no infiltrarem. Ao escoar, como nos terrenos impermeveis ou de pouca porosidade dos sertes, alimentam os rios e vo ter com os talvegues. Assim, a hierarquia das drenagens adensada em ordens de grandeza. Em parte, a gua que no escoa e no evapora ou evapotranspira, retm-se no solo ou percola, alimentando o lenol fretico conforme as variaes faciolgicas dos solos.

    Nos macios e cristas residuais a drenagem dentrtica e/ou subdentrtica fechada, predomi-nantemente pinada, formando canais retilneos e entrelaados, de quando em quando, originado meandros com declinao inferior a 5 de declividade (3-8%). A depender da altitude e expresso arreal passam a exibir brejos de cimeira em suas vertentes de barlavento. Esse padro de drenagem colabora com a intensificao da dissecao do relevo em feies colinosas convexas.

    Nas pores pr-litorais a drenagem tem canais paralelos nos tabuleiros - com declnio dis-creto demandando os nveis de base, conforme esquema retromencionado -, e anastomosada na plancie fluviomarinha (litoral). Sendo que nas coberturas sedimentares da Ibiapaba a drenagem cataclinal, com leve caimento topogrfico para Nordeste. Ocorre a, garganta epignica/boqueiro pela superimposio do rio Poti demandando seu exutrio, Parnaba. Na Chapada do Araripe ocor-rem os brejos de encostas e ps-de-serras, em razo de ressurgncias, formando espraiamentos de

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    sucessivos vales nos sops dos contrafortes da Chapada, ao tempo que denunciam a exigidade ou mesmo inexistncia de rios no plat. Por seu turno, a Chapada do Apodi cngere ao Araripe neste contexto, de certo que forma micro-bacias, a exemplo da Malhada Vermelha no Municpio de Tabuleiro do Norte, como tributrias dos rios Quixer e Juaguaribe. Em sntese, na Ibiapaba ocorrem rios obsequntes, a exemplo do Ipussaba e outros no Parque Nacional de Ubajara, bem como aqueles entre os municpios de Graa e Ibiapina, formando belas quedas dgua. Ao passo que no Araripe e Apodi os rios no formam rios conseqentes e nem obsequntes, originando rios subseqentes alimentandos por nascentes, em nveis topogrficos mais rebaixados.

    Os rios do Nordeste, em determinadas pocas do ano, atingem o mar tratando-se de um dos fatores de originalidade dos sistemas hidrogrficos e hidrolgicos regionais, que ao contrrio de outras regies semiaridas do mundo, em que as drenagens convergem para depresses fechadas, os rios dessa regio vo ter com o Atlntico. Por isto, no semirido em geral, e no Cear em Particular, os rios so de carter intermitente, com drenagem exorrica, que em grande escala no permite a formao de solos originalmente salinos, principalmente nas vertentes e interflvios. Os sais dis-solvidos da litologia cristalina, predominante na meso-estrutura, e aqueles provenientes das chuvas carregadas de guas evaporadas do oceano, vo ter com o nvel de base aps arraste pelo fluxo hdrico das torrentes. Pela capacidade de eroso, transporte e deposio, ademais, os rios so os principais agentes transformadores da paisagem, modelando o relevo. Neste contexto, processos fluviais como processos aluviais, compreendendo a eroso, transporte e sedimentao em leques aluviais e rios, ajudam a explicar a ocorrncia de minrios como o urnio fosfatado a despeito das Sub-bacias do rio Groaras (2.917,3km) em Santa Quitria, contribuinte do rio Acara, com a mina Itataia.

    Em termos qualitativos, as caractersticas da rede de drenagem, segundo Oliveria e Ferreira (2001), podem ser definidas atravs de particularidades chamadas caractersticas fundamentais ou qualitativas (Quadro 2). Observamos, dentre outros aspectos, relevo acidentado pela assimetria das vertentes, influncias tectnicas-rupturais na orientao da drenagem e forte integrao dos canais de drenagem, colaborando para um desenho, em planta, da rede de drenagem de muitas ramificaes na maioria das bacias hidrogrficas do Cear.

    Os elementos qualitativos e as caractersticas naturais dos vales fluviais, demonstrados, no prximo quadro, so importantes no gerenciamento de recursos hdricos. Todavia, uma caracteri-zao hidrolgica mais rica passa por apreciao genrica da geomorfologia fluvial regional, no que se refere s caractersticas naturais dos rios e canais. Neste sentido, alm dos tipos de padro de drenagem, escoamento e sua gnese, os vales fluviais podem ser entendidos luz dos tipos de leitos e dos tipos de canais. De vez que cada uma dessas fisionomias apresenta dinmica peculiar das guas correntes, associadas geometria hidrulica especfica, originada pelos processos ero-sivos, de transporte hidrossedimentolgico e agradacionais. Desta feita, o Quadro 3 generaliza as caractersticas naturais dos vales fluviais no Cear.

    No que se refere s potencialidades hidrogeolgicas, reservatrios subterrneos diversos, desde zonas fraturadas ou de rochas intemperizadas do substrato geolgico Pr-Cambriano at depsitos quaternrios aluviais, ocorrem nas depresses sertanejas. Os depsitos de aluvies apresentam dimenses variadas, geralmente reduzidas, contendo volumes de gua acumulados que podem remontar s origens de suas formaes geolgicas. Sua disponibilidade pode ter potencial hdrico ainda no usado pelos homens, podendo as reservas ser acrescidas, se alguma demanda socioeco-nmica assim exigir. A capacidade de armazenamento dgua subterrnea fornecida por arranjos estruturais, localizados nos contatos geolgicos, por falhas e no manto de alterao. As fissuras e fraturas, como porosidade secundria, no qual a gua circula, apresenta condutibilidade hidrulica no com base em porosidade primria das rochas, como no caso de aqferos clsticos, mas pelos efeitos dos componentes estruturais alimentados por precipitao atmosfrica, rede hidrogrfica e as aluvies. Em regra, as guas subterrneas do domnio cristalino so limitadas. A vazo mdia em poos tubulares nfima, da ordem de 5 m/h, e salinidade mdia da ordem de 2 mil mg/L, o

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    que pode comprometer sua potabilidade. Dada a falta de fiscalizao das atividades de perfurao e uso de poos, estima-se que no Nordeste existem aproximadamente 50 mil, e pouco mais de 20 mil esto em operao por motivos tcnicos e/ou polticos (REBOUAS, 2002). Na regio hidrogrfica Atlntico nordeste oriental, essa situao pode ser agravadas pela baixa vazo mdia com 2m/h.

    Quadro 2 Caractersticas qualitativas da bacia de drenagem do Acara

    Caractersticas Qualitativas Descrio Respostas qualitativas da rede de drenagem

    Grau de integrao Caminho dos canais entre dois pontos. Quanto mais curto o caminho maior a integrao

    No integrada os canais no se ligam ( )

    Pouco integrada poucos canais se ligam( )

    Integrada todos os canis se ligam ( X )

    Grau de uniformizao Repetio das formas da rede de drenagem num curto espao

    No uniforme ( )

    Pouco uniforme ( )

    Uniforme ( X )

    Orientao Direo predominante dos drenos

    No orientada ( )

    Pouco orientada ( )

    Fortemente orientada ( X )

    Grau de controle Fatores que alteram o sentido da drenagem

    No controlada ( )

    Controlada ( X )

    Altamente controlada ( )

    Angularidade Mudana na direo dos leitos

    Baixa ( X )

    Mdia ( )

    Alta angularidade ( )

    ngulos de juntura ngulo formado na foz de um tributrio com seu receptor

    Reto ( X )

    Agudo ( )

    Muito Agudo ( )

    Simetria das vertentes Correspondncia em grandeza, forma e orientao relativa

    Simtrica ( )

    Assimtrica ( X )

    Fonte: Adaptado com base em Oliveria e Ferreira (2001)

    Nas reas pr-litorneas, costeiras, sedimentares e aluviais esto os maiores aportes de guas subterrneas, mas exigindo rigores tcnicos em suas explotaes, assim como usos mais coletivos deste recurso valioso to valioso.

    Com ndices de evaporao crticos na regio favorecedores de balano hdrico deficitrio, as guas subterrneas se encontram mais bem protegidas, com uma parcela de perda hdrica con-sideravelmente menor do que aquela perdida por mananciais de superfcie. Portanto, comportam--se como reservas hdricas que podem ser importantes principalmente durante as estiagens, para o aproveitamento prioritrio humano, dessedentao de animais e outros. Por isso, desde j, as demandas para tal fim devem ser garantidas, em qualquer cenrio considervel, conservando e distribuindo equilibradamente aportes deste recurso vital, em quantidades e qualidades mnimas, preferencialmente aos usos mais nobres da gua.

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    Quadro 3 - Caractersticas naturais dos vales fluviais

    Bacias de drenagem Tipo de leito Tipo de canais

    Tipo de padro de drenagem

    Escoamento Gnese Geometria

    BaciasLeito menor, de varzante, maior excep-cional

    Meandrante, anastomosado na plancie fluviomarinha

    ExorricaConseqente, obseqente, subseqente.

    Dendrtica e sub-dendrtica (mdio e alto curso), paralelo (baixo curso)

    Prinicipais Sub-bacias

    Leitos menor, de varzante, e maior excepcional

    Retilneo parealelo e meandrante irregular

    Endorrica

    Conseqente, obseqente, subseqente inseqente

    Dendrtica, Sub-dendrtica.

    GESTO DE BACIAS, DEMANDAS E USOS

    Pela necessidade que representa a gua - como insumo produtivo, composio da paisagem, interferncia em processos biogeoqumicos, para vida humana etc -, os recursos hdricos so utili-zados para mltiplos fins. Ocorre desde a retirada de gua das colees hdricas, promovendo perda entre derivao e o que retorna ao corpo hdrico, alterando sua quantidade, e perdas de qualidade por causa de finalidades subseqentes, a usos no consuntivos, quando no se tem necessidade de retirar as guas de suas colees, isto , o uso in situ. Nesse espectro, a Lei de Recursos Hdricos do Cear (n 11.99, de 24/07/1992) prev alguns instrumentos legais, como outorga de direito de uso dos recursos hdricos, o licenciamento para obras hdricas e a cobrana pelo uso da gua bruta. No prisma de recursos hdricos e convivncia com o fenmeno da seca e combate desertificao, ao passo que alguns dos principais problemas do semirido brasileiro cabem referenciar a definio e caracterizao das principais funes, com as respectivas subfunes em termos da gesto, oferta e conservao das guas das bacias hidrogrficas cearenses.

    Os usos no consuntivos no demandam padres rgidos de qualidade, embora no se possa dispensar um mnimo de qualidade e de caractersticas estticas, sobretudo em relao sua funo paisagstica. Assim, esto condicionados a recreao e lazer, transporte, navegao e diluio de dejetos. Ao passo que, isso, os usos consuntivos exigem melhores padres de qualidade da gua em virtude de englobarem o abastecimento pblico e industrial e agroindustrial (instalao de tanques para carcinicultura, por exemplo), agroplos (Baixo Jaguaribe, Baixo Acara, Cariri, Centro Sul, Ibiapaba e Metropolitano), dessedentao de animais e o mais nobre dos usos da gua, o consumo/abastecimento humano.

    Dentre as demandas por gua observadas em Heller e Casseb (1995) no plano nacional, E Nascimento (2006 ) em relao a Regio Nordeste do Brasil, algumas podem ser constadas como ocorrentes nas Bacias cearenses, no abastecimento das populaes, setores produtivos e em outras demandas de usos, variando desde os mais nobres aos menos urgentes. Anotamos que, quanto maiores os ncleos urbanos e a atividades agrcolas, mais intensos so os consumos dgua. As-sim, os ncleos urbanos das cidades e as atividades agroindustriais demandam os maiores aportes desses recursos e, conseqentemente, ocosionam o maior volume de efluentes, entre eles: esgotos domsticos e industriais, graxas, guas compostas por defensivos qumicos, raes e antibiticos para aqicultura, partculas em suspenso, dentre outros poluentes, quais sejam:

    . Pblico - rega de logradouros, parques e jardins, chafarizes, poos, edifcios pblicos, piscinas pblicas e recreao, escolas, hospitais, mercado pblico, pesca, paisagismo dentre outros;

    . Domstico - higiene corporal, descarga de sanitrios, preparo de alimentos, bebidas, lavagem de roupa e automotores, rega de jardins e quintal, limpeza em geral etc;

    . Comercial - restaurantes, bares e lanchonetes, lojas, postos de gasolina, frigorficos, escolas, sales de beleza, dentre outros;

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    . Agrcola e pecuria - irrigao e agroplos, lavagem de currais, instalaes de tanques para clube pesque-e-pague, abastecimento de audes;

    . Industrial/agroindustrial - gua como matria-prima, consumida no processo, utilizada para resfriamento e lavagem, necessria para a instalao de sanitrios, refeitrios, enchimento de tanques para carcinicultura.

    . Especial - combates a incndios, instalaes desportivas, estaes rodovirias e aerovirias, diluio de dejetos etc.

    Quadro 4 Funes do sistema da gesto de gua e demais sistemas, consideradas no Plano de Recursos Hdricos do Cear em 1992

    Gesto Planejamento; administrao; regulamentaoOferta Nucleao artificial; represamento; poos; cisternas

    U

    s

    o

    Consuntivo Abastecimento, irrigao, abastecimento industrial, aqicultura, abastecimento urbano.

    No Consuntivo Gerao hidreltrica, navegao fluvial, lazer, pesca e piscicultura extensiva, assimilao de esgotos.

    Preservao Lazer, turismo, manuteno do ciclo hidrolgico e higidez hdrica, recarga de aqferos, manuteno microclimtica e da biodiversidade.

    Complementares Cincia e tecnologia, meio ambiente, planejamento global, incentivos econmicos, defesa civil

    Fonte: Adaptado de Campos (2002).

    No podemos deixar de mencionar as demandas pelas atividades de engenharia com barra-gens (audagem) e perenizao de sees dos rios, alm daquelas voltadas ao turismo, ocupaes ldicas e de balneabilidade, pesca, piscicultura, maricultura, abastecimento animal, abertura de poos, principalmente nos sertes, e as necessidades de gua da prpria natureza, como a recarga de aqferos. Nestes processos, ocorrem perdas na aduo, no tratamento, na rede de distribuio e nos prprios domiclios, alm dos eventuais desperdcios nos pontos de tratamento.

    A pesca, recreao e contato primrio, dessedentao de animais, diluio de dejetos, abaste-cimento pblico e irrigao ou uso residencial esto entre as principais modalidades de explorao dos recursos hdricos. Vale ressaltar que os corpos dgua se constituem como grande atrativo cni-co, em que se praticam esportes nuticos, e que propiciam a preservao da comunidade aqutica. Os crregos, riachos e audes so usados para higiene, lavagem de roupas, irrigao de lavouras de subsistncia e para o banho das comunidades carentes no meio rural, ao passo que o meio ur-bano os poluem com resduos slidos e dejetos. A demanda por gua intensificada nos meses de agosto e setembro, exatamente quando a evaporao mais elevada, acarretando a diminuio da quantidade e qualidade hdrica, piorando as condies de vida destas comunidades e aumentando os conflitos por gua.

    reas de colvios, permetros irrigados, margens ribeirinhas, faixa de periferia das represas, serras com seus brejos e as reas de chapadas, apresentam melhores condies edafoclimticas no cerne dos sertes secos como reas de exceo. A rigor, os usos dos recursos hdricos podem ser diferenciados ao longo do espao conforme as unidades geoambientais, preferencialmente destacan-do alguns ambientes hidromrficos, que se configuram como se fossem osis dos desertos quentes, atenuam as contingncias termopluviomtricas dos sertes semiridos.

    Nos litorais, as plancies fluviomarinhas possibilitam a pesca artesanal, a maricultura e o turismo, bem como o desenvolvimento de estudos cientficos e a conservao compulsria. Entre-tanto, estes geoambientes sofrem problemas de degradao pela mobilizao artificial das dunas, desmatamentos, urbanizao e, principalmente, pelo definhamento de fontes de gua, a montante nas bacias. Com o desenvolvimento da carcinicultura, a demanda por guas estuarinas crescente,

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    o que pode diminuir o fluxo fluvial das camboas, interferindo e desregulando a compensao da salinidade do esturio. As reas que outrora foram salinas, naturalmente recolonizadas por apicuns (vegetao haloftica herbcea), quando o mangue no tenha se regenerado, constituem-se como reas alagveis e descampadas prximas barra dos exutrios, que so ocupadas pela pecuria extensiva e extrao de crustceos, alm de algumas representarem zona de litgio e conflitos entre comunidade tradicional e carcinicultores, com destaque as reas potamais do oeste cearense - co-munidade de Curral Velho, por exemplo, na plancie fluviomarinha do Acara.

    As vrzeas, tpicas das plancies fluviais, inundadas somente em tempos de chuvas expressi-vas, esto presentes em todos os setores das Bacias - com exceo das serras cristalinas residuais e inselbergs -, comumente formando ecotnos com outros ambientes. Embora degradadas, so aproveitadas com a agricultura de vazantes e agropecuria extensiva. Do mesmo modo, em pores mais deprimidas da Depresso Sertaneja, distribuem-se, dispersamente, pelos sertes as reas de acumulao inundveis (baixios), que acumulam gua ao final do perodo chuvoso, podendo originar pequenas lagoas, oferecendo-se como fontes opcionais para as comunidades.

    As reas de segurana dos audes, ou seja, suas margens forjam ambientes hidromrficos. Com o perodo de escassez de chuvas e reduo significativa de seu uso timo, como tambm durante a sangria desses reservatrios, condies edafolgicas de maior umidade so atrativas a mais para o cultivo de policulturas, por pequenos proprietrios e at mesmo por grandes proprietrios - que tm reas de audes pblicos em suas terras. Em todos os casos, os riscos de contaminao por fertilizantes defensivos qumicos e transporte de sedimentos so potencializados para o interior das colees hdricas, podendo provocar eutrofizao, principalmente os maiores audes do Estado, tais como Castanho (Mdio Jaguaribe) e Ors (Alto Jaguaribe), Banabui (Bacia de mesmo nome), Pentecoste (Bacia do Curu), Edson Queiroz, Acara Mirim e Varjota (Acara), Jaburu I (Bacia do Parnaba) alm dos outros mais de 120 monitorados pela Companhia de Gesto de Recursos Hdricos do Cear.

    Em meio s precrias condies de saneamento, algumas reas de acumulaes inundveis ou mesmo lagoas ou plancies fluviolacustres so contaminadas com guas servidas em alguns Mu-nicpios, a exemplo de Mucambo, Sobral, Groaras, Santana do Acara e Cruz (Bacia do Acara), Granja e Camocim (Bacia do Corea), Mobama e Milh (Bacia do Banabui), Chor e Itapina (Sub-bacia do Chor/Bacia Metropolitana) formando as popularmente denominadas capineiras. Constituem formas alternativas para criao de pastos alimentao de gado bovino por pequenos criadores.

    Os audes, mesmo com todos os problemas, sobretudo os pblicos, as passagens molhadas - pequenos barramentos que retm nfimos volumes dgua temporariamente , e as cisternas de placas so alternativas para o acesso gua das comunidades mais carentes. Cabe dizer que os ambientes hidromrficos quanto s formas de uso dos recursos hdricos, em conjunto, ajudam a compor os arranjos de uso/ocupao agrossocioeconmica (campos cultivados com desenvolvimento agrossilvopastoril), que de per si, demanda estudos analticos aprofundados. Entrementes, triste constatar a contaminao dos recursos hdricos e as possveis mudanas hidrolgicas.

    Convm lembrar que um forte debate hoje sobre o abastecimento de gua no Nordeste, mor-mente nos Estados setentrionais do Cear, Rio Grande do Norte, Paraba e Pernambuco, concentra--se na convenincia, ou no, de promover a transposio no So Francisco. Essa questo remonta metade do sculo XIX (1847), porm, at os anos de 1980, era um projeto tido como invivel em razo da falta de energia para o bombeamento demandado. Nesse perodo, dentre outras pro-postas, foi elaborado o primeiro projeto de transposio para vazo de 300mm/s. O projeto atual prev vazo mdia de 64 m/s, para abastecimento rural, consumo humano e usos agrcolas difu-sos, abastecimento urbano e industrial e estmulo ao desenvolvimento de agricultura irrigada de alto valor agregado. Com isto, segundo o Governo Federal, as reas irrigadas seriam ampliadas, a agroindstria e a indstria minero-metalrgica seriam dinamizadas e outros servios modernos

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    restariam fortalecidos. Tecnicamente, esse projeto prope uma sucesso de canais, tneis, reserva-trios e aquedutos que tero origem em duas2 tomadas dgua a jusante da barragem Sobradinho. Com ramificaes de aproximadamente 700 km de extenso, h 2 (dois) conjuntos de eixos, com duas fontes de captaes dgua: uma tomada para o eixo norte, com instalao nas proximida-des de Cabrob-PE; outra para o eixo leste, saindo do reservatrio de Itaparica; prev dois eixos, tomando-se por base Sobradinho, partindo para oeste (Piau) e para Sul (Bahia, indo para Sergipe atravs do rio Vaza Barris).

    Apesar de pequena proporo de vazo mdia do rio nos pontos de derivao, alm da com-plexidade inerente de um projeto de transposio em termos tcnicos e poltico, so conflitantes outros interesses dos 10 Estados envolvidos. Ganham, portanto, efervescncia temas envoltos em: negociao e soluo de conflitos, abordagens econmico-financeiras, propostas para elaborao do projeto, aspectos institucionais, questes ambientais e sociais.

    Para o Cear, a agroindstria para exportao, a siderurgia no Porto do Pecm e a Regio Metropolitana de Fortaleza (RMF) sero os beneficirios diretos da transposio no contexto da articulao com o Projeto Cinturo das guas no Cear. Este ter como coletor o seguinte sistema: captao em Cabrob (PE) aude Atalho, no rio Cuncas; em Brejo Santo, Cear rio Salgado e Jaguaribe, at o aude Castanho, e como um dos distribuidores, o Canal da Integrao. Contudo, desses setores econmicos e pores do territrio beneficiado, a transposio mostra-se seletiva e excludente. Privilegia o grande capital e a RMF, em detrimento dos pequenos produtores, pequenas e mdias cidades sertanejas.

    Isto em face de uma perspectiva de reestruturao produtiva, com implicaes territoriais, engendradas pelos Governos em suas trs esferas administrativas, aliadas ao capital agroindustrial, petroqumico e siderrgico, por exemplo. Decorre da uma srie de conflitos territoriais, onde o elemento gua assume conotao importante. Ao tempo que as territorialidades, neste contexto, urgem enquanto estratgias dos agentes envolvidos na questo, em face de conflitos territoriais ambientais. A saber:

    . Pequenos produtores x agroindstria,

    . Preservao x atividades produtivas, especialmente agroindstrias.

    . Urbanizao x usos mltiplos dos recursos hdricos.

    Todavia, para o momento convm ao menos levantamos algumas hipteses sobre a questo posta, as quais necessitariam de comprovao em pesquisas futuras:

    a. At que ponto o Canal da integrao e o Aude Castanho, no contexto do Cinturo das guas, se comportam como principais objetivos de suporte reestruturao produtiva e terri-torial na concepo poltica e prtica do Governo do Estado?

    b. Estes equipamentos hdricos esto no cerne da questo considerando os deslocamentos de produtores rurais, os conflitos por recursos naturais, sobretudo os hdricos?

    c. A migrao compulsria e os deslocamentos de produtores rurais, aliado aos conflitos por recursos naturais, sobretudo os hdricos, esto relacionados ao que poderamos chamar de hidroterritrios?

    At que ponto, no se poderia ventilar em tratar processos de desterritorializao e reterritoria-lizao a partir das nuances que envolvem o Cinturo das guas no Cear, com drsticos problemas ambientais, socioeconmicos e culturais para os pequenos produtores rurais?

    Alm do mais, pouco se sabe a respeito dos impactos sobre a desertificao, alm dos riscos de

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    salinizao por irrigao e o possvel agravamento de conflitos pela terra e usos dgua. Apenas as sub-bacias do Mdio e Baixo Jaguaribe, em articulao com bacias da Regio Metropolitana esto inclusas no projeto, no havendo preocupao neste sentido em relao s demais bacias do Estado. No mais, essa bacia poder sofrer como de resto outras regies do Cear, efeitos proeminentes da no-tecnificao do territrio e alocao de recursos em reas no consideradas estratgicas para o setor empresarial e industrial, conforme perspectiva estadual.

    ALTERAES NA HIGIDEZ DAS GUAS: PONTOS DE POLUIO, MUDANAS HIDROLGICAS E DIMINUIO DA RESILINCIA ESPACIOTEMPORAL

    A gua, recurso natural renovvel, porm exaurvel, impactada por aes socioeconmicas que lhe conferem degradabilidade, reduzindo-lhe a higidez utilizvel em intervalos espaciotem-porais freqentemente mais curtos. As formas de utilizao da gua, ao contrrio do que ocorre com a maioria de outros recursos naturais que desaparecem com o uso, produzem modificaes sensveis em seus aspectos quali-quantitativos. Desta forma, a contaminao dos recursos hdricos compromete a resilincia das guas e a geodinmica das Bacias, competido para agravar o estado de conservao dos recursos naturais.

    Os principais tipos de poluio (pontuais ou difusos) esto vinculados a diversos fatores e vetores, dentre eles a dificuldade de acesso tecnolgico, o baixo nvel de conscincia humana e a falta ou carncia de investimentos em saneamento ambiental. Dentre os principais citam-se:

    . Esgotos domsticos e comerciais - principais introdutores de matria orgnica e demais compostos biodegradveis e/ou no-biodegradveis nos ecossistemas aquticos contribuem para o a depleo de O2 e favorecem processos de eutrofizao;

    . guas servidas dos trabalhos agropecurios e de matadouros - os fertilizantes e defensivos agrcolas, em geral, podem ser transportados pelas guas da chuva, favorecendo processos de eutrofizao, ou se infiltrarem no subsolo, acumulando nitratos e nitritos nas guas, deletrios sade humana. A lavagem de matadouros e o estouro de fossas spticas contribuem para a poluio por matria orgnica, reduzindo a concentrao de oxignio dissolvido nos corpos receptores;

    . Os despejos industriais/agroindustrias e hospitalares - principalmente ocasionados pelas olarias e indstrias, especialmente, de transformao espalhadas pelas Bacias, quando so lanados a cu aberto, incorporam-se rede de drenagem quando no so diretamente despejados in natura nas colees dgua. Podem variar conforme o porte da indstria, em composio e volume. Os permetros irrigados podem contaminar as guas subterrneas com sais, exemplo do Tabu-leiro de Russas, Chapada do Apodi, Ic Lima Campos no Vale do Jaguaribe, Curu-Paraipaba no vale do rio Curu, Varjota e Baixo Acara, no Vale homnimo. A despesca da carcinicultura lana aos recursos hdricos grandes cargas de poluentes, incluindo restos de rao e antibiti-cos, que podem provocar aumento da turbidez, depleo de O2, comprometimento da biota e eutrofizao. As guas servidas dos hospitais so de alto risco sade pblica, pois so ricas em substncias patognicas que vo ter com as drenagens, quase sempre sem tratamento.

    Convm registrar que na RMF, em Sobral e no Crajubar (Crato-Joazeiro-Barbalha) ocorrem as maiores concentraes industriais de todo o Estado, e por conseqncia, os maiores problemas em relao s guas servidas de suas atividades. Nada obstante, os agroplos se destacam como os maiores utilizadores do produto gua, merecendo igualmente ateno especial sobre sanitaridade ambiental e conflitos por utilizao dos recursos naturais.

    . Deficincia na coleta sistemtica de lixo e falta de aterros sanitrios - parte do lixo produzido depositada a cu aberto - por vezes, prximo aos veios fluviais e terrenos mais permopo-

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    rosos. A disposio de lixo nos terraos mais baixos facilita a ao do chorume, induzindo o escoamento e/ou percolao de substncias poluidoras. Um subproduto altamente txico que comum na produo das cermicas e olarias o cdmio. Em todo o Cear a exigidade de aterros sanitrios, menos de uma dezena, lastimvel. A RMF dispe de aterros sanitrios em Caucaia, Fortaleza (em processo desativao) e Aquiraz. Em toda regio norte, para se ter uma idia, o aterro de Sobral o nico, em consrcio com outros Municpios da Meruoca; embora sua localizao seja na vertente ocidental da Serra do Jordo.

    . guas urbanas de escoamento superficial - representam foco de poluio hdrica, no momen-to em que so transportados detritos e volumes poluentes de toda sorte pelas guas e ventos.

    Segundo Campos (2002), o ambiente contaminando com substncias orgnicas, inorgnicas e txicas (metais pesados, cidos, pesticidas etc), sais no txico (cloreto de sdio e sulfato de po-tssio) e substncias antiestticas. Em razo dos problemas sanitrios envolvendo esses poluentes, s temperaturas elevadas e a diminuio da quantidade das colees hdricas no segundo semestre de cada ano associando-se deposio de dejetos e aos hbitos da populao - as chances de surgimento de enfermidades veiculadas pela gua exigem maiores cuidados pelas autoridades com-petentes. O maior problema sanitrio diz respeito s doenas provocadas pelos esgotos. Quando as guas em quantidade so insuficientes para higiene pessoal e/ou esto contaminadas podem causar doenas. Certamente, as fontes de poluio podem provocar o aumento de incidncia de doenas de veiculao hdrica, - como malria, mal-de-Chagas, febre amarela, febre tifide, tracoma, es-cabiose, lepra, conjuntivite, dermatites dentre outras -, tencionando a relao estreita entre gua e sade pblica. Pode, ainda, elevar o teor de matria orgnica nos lenis subterrneos e colees dgua de superfcie, tornando a qualidade da gua imprpria para usos mltiplos.

    importante lembrar que, alm dos problemas de sade humana, a contaminao das guas afeta a qualidade e a diversidade biolgica, ao passo que as atividades produtivas ficam comprome-tidas. Por isso que a gesto dos recursos naturais, nesse caso preferencial, os hdricos, urgente e - os Comits de bacias tm papel preponderante para integrar institucionalmente os diversos inte-resses, pois seus poderes consultivos e deliberativos, de instncia mais importante de participao e integrao do planejamento e das aes relacionais aos recursos hdricos, so imprescindveis na mediao dos conflitos, advindos das polticas econmicas e atividades sociais uso e ocupao do solo (estrutura fundiria, urbanizao etc) demografia, industrializao, impactos ambientais, macroprojetos etc. obviamente, resguardam as devidas propores de atuaes e responsabilidades das trs esferas governamentais.

    A ttulo de exemplificao, foram visitados diversos pontos potenciais de poluio em 25 municpios na Bacia do rio Acara, no centro-norte cearense, considerando tambm as Estaes de Tratamento de gua (ETAs) e Estaes de Tratamento de. Esgoto (ETEs). Em maioria, as estaes no apresentam condies ideais de funcionamento, cabendo s ETEs os maiores problemas. Nes-te sentido, mister melhor-las, porque, conforme Campos (2002), elas representam sistemas de tratamento econmico e tm potencial para produzir efluentes isentos de helmintos, protozorios, bactrias e vrus, possveis de uso para irrigao.

    O processo de desenvolvimento deflagrado, nada obstante, provoca elevao na demanda pelos recursos naturais, sem proporcionalmente sequer promover melhoria na qualidade de vida da populao residente. As atividades regionais desenvolvidas modificam os usos mltiplos da gua e seus aspectos espaciotemporais, desfigurando as paisagens - amalgama dos componentes do quadro biofsico das Bacias-, reduzindo sua biodiversidade. Tendo como referncia a comple-xidade que so as bacias hidrogrficas, seus canais fluviais e o escoamento das guas, podemos dizer que ocorrem formas diversificadas e desregradas de ocupao do solo em seus domnios, em que emergem conflitos e impactos de variadas etiologias. Exemplo disto o que se verifica com as tipologias de uso e ocupao da terra.

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    Conforme o uso e ocupao do solo podem ocorrer impactos ambientais diretos e indiretos nos exutrios das bacias. Sobre os impactos diretos, assinalamos: retificao, dragagem do rio e barramentos indevidos. Por outro lado, no que diz respeitos aos impactos indiretos, possvel en-contrar: desmatamento, impermeabilizao de superfcies e mudanas no uso da terra; e, at mesmo ocorrer modificaes nas propriedades fsicas e estruturais dos solos, na precipitao e temperatura.

    A depender das obras de engenharia e das sucessivas retificaes dos rios, os impactos sobre b.hs, principalmente a montante de reservatrios, no prprio reservatrio e em sua periferia, bem como a jusante da barragem podem ser de vrias etiologias: hidrolgicos, microclimticos, geo-morfolgicos e biticos (CUNHA, 1995). Em especial, a canalizao, que pode ser observada nos permetros irrigados e em alguns centros urbanos como Russas (Vale do Jaguaribe) e Crato (Vale do Salgado), Pacuj, Morrinhos e principalmente em Sobral (Vale do Acara), representam obras de engenharia desenvolvidas no sistema fluvial, envolvendo direta modificao da calha do rio e ocasionando impactos diretos no canal e na plancie de inundao. O sinergismo das atividades socioeconmicas altera o equilbrio dos canais, promovendo mudanas no ciclo hidrolgico e nos processos fluviais. Ademais, sobre as caractersticas e problemas de canais retificados, pode ser produzido um arquivo de informaes, para perspectivas de anlises. Como exemplo, o Quadro 05 sumaria esses aspectos, como reflexo das atividades socioeconmicas e da dinmica biofsica no riacho Mucambinho em Sobral, margem esquerda do Acara e do rio Granjeiro, na cidade do Crato, Bacia do Salgado no extremo sul do Estado, bem como no rio Maranguapinho, na RMF, um dos mais alterados do Estado, com poluio e retificaes de canais.

    Interferncias humanas na geomorfologia fluvial afetam a bacia e seus canais constituintes, por isto o homem pode ser considerado um agente geomorfolgico influenciador, por exemplo, da morfodinmica. Os usos mltiplos dgua, com usos consultivos e no consultivos nas atividades rurais e urbanas alteram as condies naturais dos rios em foco, principalmente da sua dinmica fluvial, com conseqncias de causa e efeito, podendo provocar impactos irreparveis.

    As transformaes ambientais observadas na ocupao das mais diversas b.hs, no campo e na cidade, apontam para uma crescente presso social sobre os recursos naturais disponveis. Os recursos hdricos, por exemplo, tiveram sua demanda elevada em face da diversificao dos seus usos mltiplos e do incremento urbano e agroindustrial geralmente resultando em impactos ambientais que determinam um descenso nos ndices de desenvolvimento social. Como se no bastasse, a compactao dos solos e ablao, desmatamentos, sobretudo da mata ciliar, compactao de vrzeas pela pecuria extensiva, anos de secas, com corte do fluxo hdrico, so agravados pela intermitncia da alimentao do regime fluvial. Esse fato compromete at a perenidade dos leitos dos audes, desestabilizando a geomorfologia fluvial e a agropecuria nesses trechos. O barramen-to de cursos dgua rompe a dinmica dos sistemas em seqncia - mostrando o relacionamento entre vrios subsistemas - modificando o input de gua na bacia de drenagem, impulsionadora das interaes sistmicas, influenciando no balano de energia e matria, comprometendo a geodin-mica e a renovao hdrica. Os fatores da explorao biolgica so degradados, comprometendo a teia de relaes naturais e o manuseio da biodiversidade. Com efeito, as feies topogrficas, os processos morfogenticos e morfodinmicos atuantes precisam ser considerados para o uso do solo agrcola e/ou urbano; isto em uma ateno mais globalizante, no diagnstico das condies ambientais, colaborando para (re) orientar os assentamentos humanos e as atividades produtivas do ordenamento territorial. O mais grave de tudo isso, e sem respaldo legal, a privatizao das guas, impedindo o acesso da populao a esse bem pblico universal e inalienvel. Mesmo porque, no se pode negligenciar que os rios ainda condicionam a vida.

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    Quadro 5 - Caractersticas e problemas na retificao do canal do riacho Mucambinho (Sobral) e dos rios Granjeiro (Crato) e Maranguapinho (Fortaleza)

    Aspectos do canal Caracterizao

    rea ao redor/ocupao Estrutura de concreto preservado a pouco deteriorada. Formao de bancos de areias povoados por vegetao. Lanamento de esgotos.

    Margens

    Ocupao com terrenos e loteamentos, sem eroso aparente. Vegetao herbcea e arbustiva ao fundo. Pequeno trecho de rea permevel. Avenida asfaltada lindeira ao rio. Ocupao urbana densa em trechos do rio Granjeiro, mdio-baixo Mucambinho. Altssima densidade de ocupao nas vrzeas e leito menor do Maranguapinho, com srios problemas ambientais deflagrados. Fluxo acentuado de veculos e pessoas. Proteo do canal com paraleleppedos e mureta. Ajardinamento para paisagismo e permeabilizao para urbanizao em Sobral.

    Sedimentos de fundo Areias e formao de bancos arenosos, blocos de concreto (rejeitos de construo) seixos.

    Morfologia Uniforme, obedecendo a um padro meandrntico.

    Fluxo Uniforme, com soleiras e depresses.

    No contexto da geormorfologia fluvial, destacando os cursos dgua, em seus processos fluviais e formas resultantes dos escoamentos das guas, das principais caractersticas que condicionam o regime hidrolgico, os rios ainda promovem certo estdio de resilincia dos aspectos biticos e abiticos. Decerto, o poder de autodepurao dos veios fluviais, bem ou mal, ainda latente, pela bioprodutividade da vegetao remanescente. Assim a resilincia espaciotemporal ainda se ajunta a outros fatores, como destacou Campos (2002): os efeitos dos raios solares, a precipitao de particulados e a reaerao da gua.

    Concomitantemente, a poluio e o barramento dos recursos hdricos e as estiolaes dos fato-res de explorao biolgica magnificam os conflitos decorrentes do uso e ocupao da terra. Nesse caso, podem desencadear usos potencialmente competitivos pela gua, utilizaes complementares, empregos que competem entre si, ditos vinculados e competitivos, e aplicaes concomitantemente complementares dependentes e competitivas (CHRISTOFIDIS, 2002). Conflitos entre uso doms-tico/pblico e comercial e agropecurio e industrial/agroindustrial e turismo e lazer e conservao compulsria e especial so corriqueiros.

    As alteraes ambientais vm tornando gua que ocorre em diferentes estados e formas - recurso natural renovvel, porm esgotvel -, cada vez mais escassa para seus diversos usos. Em razo de usos consuntivos, no consuntivos e conflitos emergentes, Christofidis (2002) assinala que a escassez de gua produz uma reduo de sua disponibilidade, manifestada tanto na crise atual da sade quanto no problema de mdio prazo da alimentao bsica, agravando os ndices de qualidade de vida, de hoje e das futuras geraes, no contexto regional. Faz-se mister, urgentemente, evitar litgios (atuais e futuros) para alcance dos usos conjuntivos associados aos partilhados dos recursos hdricos, definindo prioridades e eliminando os riscos de conflitos pelo uso da gua. Igualmente, sem adequar o domnio dos usos e usurios da gua, suas funes, categorizao e escala de neces-sidades, no haver melhoria nos ndices de mensurao da qualidade de vida da populao local e contgua (Quadro 6). Para tanto, esses fatores podem ser mitigados paras as Bacias no Cear e, servir de base aos Comits de Bacias constitudos e operantes.

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    Quadro 6 - Usos, funes e utilizadores do produto gua associados a aspectos de imprescindibilidade, possibilidade de substituio e feitos a jusante em Bacias Hidrogrficas

    Usos Funes Utilizador final/associado

    Imprescindibili-dade

    (I)

    Possibilidade de substituio

    (S)

    Efeito a jusante

    (J)

    Bebida e alimentao

    Biolgica/

    consumo

    Homem/entidade conces-sionria, empresas de guas minerais, Animal/agropecuarsta; Fauna/meio ambiente, Culti-vos/irrigantes

    5,2,5,5 B,B,B,B (-)

    Higiene/

    Limpeza

    Conduo/

    diluio/solvente

    Homem/entidade concession-ria, Animal/agropecuarsta, Ho-mem/produtor; Industrial/agro-indstrial

    5,5,4 B,B,C (-)

    Produtor industrial/

    agroindustrial

    Uso da gua no processamento/meio

    de produo

    Homem/produtor/

    industrial/agroindustrial3 B/C (-)

    NavegaoTransporte/

    turismoHomem/empresrios do turismo 1 B (0)(-)

    RefrigeraoTemperatura/

    conservaoIndstria/agroindstria/comrcio 2 B (-)

    Sustentao vida Consumo (biolgica) Biodiversidade/humano 5 B (-)

    Lazer e Desporte Suporte/esttica Homem/clubes/pesque e pague 3 B (-)

    Destinao final (rejeio) Diluio/solvente Homem/fauna e Flora 5 B (+)(-)

    Obs: (I) indica a possibilidade existente com a tecnologia atual de alcanar a mesma finalidade com usos alternativos; (S) Reflete a existncia de outro produto que possa substituir o produto gua, total ou parcialmente, em algumas de suas funes. Adotou-se indicar se Existe Possibilidade (A), ou No Existe (B) ou Parcialmente substituvel por algum outro produto (C); (J) Decorrentes da retirada de quantidade e/ou lanamento de resduos, so indicados como Negativo (-), Positivos (+) ou nulos (0). Fonte: Adaptado de Frade e Alves (1991) in Christofidis (2002).

    CONSIDERAES FINAIS

    A materializao deste trabalho pode subsidiar adequados modos de utilizao de ambientes semiridos, em especial ao disciplinamento de uso e ocupao do solo, tomando uma bacia hidro-grfica como unidade tarefa no estudo e planejamento geoambiental, em face da degradao dos recursos naturais, preferencialmente os hdricos e da gesto ambiental com conseqncias nefastas ao estiolamento das guas superficiais.

    A investigao da b.hs como unidade natural e do gerenciamento calcada na questo dos recursos hdricos e degradao ambiental, sob o prisma de um contexto amplo de planejamento ambiental, permitir a execuo de trabalhos holsticos na abordagem sobre os recursos hdricos. Concorrendo para destacarmos algumas das vantagens da concepo da bacia hidrogrfica como unidade de estudo e interveno poltica, eis que:

    . Em seu mbito, possvel subsidiar o desenvolvimento de parcerias e resoluo de conflitos para usos dos recursos naturais, como ainda analisar a degradao ambiental tomando-se por base sistemas fluviais;

    . Estimula e permite a participao popular, democraticamente, com relao ao poder p-blico, organizaes no governamentais (ONGs) e entidades privadas; no que descentraliza os trabalhos de conservao e proteo ambiental, estimulando as integraes comunitria e institucional;

    . Comporta-se como uma unidade fisiogrfica indissocivel possvel de ser compartimentada em trabalhos geoambientais integrados;

    . Possibilita uma forma racional de organizao de banco de dados, alm de garantir opes para o uso dos mananciais e de seus recursos naturais;

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    Revista da ANPEGE, v. 7, n. 1, nmero especial, p. 81-97, out. 2011.

    NASCIMENTO, F. R. do

    . Evidencia o estado de degradao ambiental pela eutrofizao, bem como pelo assoreamento dos corpos hdricos; e

    . Apresenta um arcabouo jurdico-ambiental bem consubstanciado para o combate degra-dao ambiental/desertificao, nas reas Susceptveis Desertificao (ASDs).

    Com a concepo de Bacia Hidrogrfica como unidade de manejo geoambiental, auxilia-se tambm na gesto ambiental, para administrao do espao em tarefa, com maior grau de eficincia para o gestor designado.

    Via de regra, as tipologias de uso/ocupao da terra reunidas pelos recursos agrossocioeconmi-cos, urbano-industrial e usos mltiplos dos recursos hdricos e ambientes hidromrficos, produzem alteraes ambientais, nas b.hs. Dentre os principais, registramos a expanso urbana desordenada, com concomitante crescimento desordenado dos ncleos populacionais; concentrao de renda no campo e na cidade; emprego de tcnicas agrossilvopastoris inadequadas; desmatamentos, queimadas, degradao pedolgica; minerao clandestina; carcinicultura; ocupao de reas de Preservao Permanente; problemas oriundos do turismo e da agropecuria; poluio dos recursos hdricos e mudanas hidrolgicas; aumento expropriador dos Complexos Agroindustriais e privatizao das guas; problemas originrios da industrializao e reduo da biodiversidade etc.

    Convm registrar que a fruticultura em alguns permetros irrigados, como nos baixos cursos do Acara e Jaguaribe, mantm relao direta com os mercados globais, no entanto, as salinizaes e a sodificao induzidas pelo manejo equivocado da irrigao constituem srio problema que en-volve os agroplos. O elevado grau de desperdcio dos recursos hdricos e a degradao dos solos na irrigao comprometem a gerao de riquezas e melhores nos ndices de qualificao sociais no mundo rural.

    Uma classificao dos corpos hdricos com diretrizes ambientais para o seu enquadramento, assim como estabelecimento das condies e padres de lanamento de efluentes, conforme a Reso-luo CONAMA n 357 (17/03/2005), sendo suas outras diretrizes, tambm necessrias. Por todos esses motivos, importante se considerar as mudanas no ambiente fluvial, no espao e no tempo, desencadeadas pelas interferncias humanas e suas resultantes sobre o ambiente; ao menos, que os agentes organizadores do espao ponham em prtica os preceitos da Agenda 21, especialmente o Captulo 18, que trata da proteo, qualidade e abastecimento dos recursos hdricos, imbricado ao Captulo 12.2, que considera o semirido e a desertificao por este ser um dos maiores problemas ambientais dos sertes como um todo.

    Esses captulos advogam o fato de que mister: integrar medidas de proteo e conservar mananciais; desenvolver tcnicas de partio do pblico nas decises; mobilizar recursos hdricos, em especial nas zonas ridas e semiaridas; desenvolver ao abastecimento dgua (dessalinizao, reuso e reposio de aqferos etc.); e que, no manejo de ecossistemas frgeis em face da luta contra a desertificao e a seca considere-se a degradao da explorao biolgica associada s ativida-des socioeconmicas, incidentes sobre os recursos hdricos, a destacar: a degradao hidrolgica superficial, pela perda da cobertura vegetal e a degradao das guas subterrneas, por alterao das modificaes nas condies de recarga. Esta questo ganha maior evidncia quando se trata de um dos mais pobres Estados da Federao, tem nas contingncias do semirido, ecozona que perfaz aproximadamente 92% de seu territrio, ou pouco mais de 136.000 km, um forte entrave ao aproveitamento dos recursos naturais, com destaque aos hdricos, associado s polticas no crastinatrias, piegas e pelegas, historicamente arroladas.

    Entrementes, segundo Rebouas (2002), a crise de gua no Pas, sobretudo no Nordeste de-corre no geral de: um crescimento rpido e desordenado das demandas; degradao da qualidade dos mananciais normalmente utilizados em nveis inimaginveis; pela baixa eficincia dos servios de saneamento bsico; produo de reas de risco; e agravamento dos efeitos da seca. Isto con-seqncia da urbanizao e da industrializao, da histria rural de aproveitamento extensivo do

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    Categorizao de Usos Mltiplos dos Recursos Hdricos e Problemas Ambientais

    potencial hdrico do solo; do baixo nvel tecnolgico/organizacional, no plano primitivo de uso e ocupao do meio rural, ocasionando desmatamentos, contribudo para eroso, empobrecimento das pastagens nativas, reduo das reservas de gua do solo e conseqente queda progressiva da sua produtividade natural. Urge, como necessria, a gesto ambiental de bacias de drenagem como unidades de planejamento para minorar ou reverter o estado atual de degradao das paisagens, que reflete, direta ou indiretamente, seus efeitos deletrios na prpria qualidade de vida dos povos.

    Com esta realidade, concebendo a Bacia Hidrogrfica como unidade territorial de planejamen-to, torna-se urgente reler os paradigmas de desenvolvimento regionais que, atrelados ao nacional e ao internacional, ante a globalizao, determinam padres degradadores e comprometedores de manejo das atividades produtivas, com destaque para as campesinas, em meio a reestruturaes produtivas e territoriais seletivas, excludentes e elitistas e para os assentamentos humanos precrios nas periferias urbanas.

    REFERNCIAS BIBLIOGRFICAS

    CAMPOS, Nilson. Gesto de guas: novas vises e paradigmas. In: CAMPOS, N.; STUDART, T. (orgs.). Gesto de guas: princpios e prticas. Porto Alegre: ABRH, 2002. p.17-24.CHRISTOFIDIS, Demetrios. Consideraes sobre conflitos e uso sustentvel em recursos hdricos. In: THEODORO, Suzi (org.). Conflitos e uso sustentvel dos recursos naturais. Rio de Janeiro: Garamond, 2002. p. 13-28.CUNHA, Sandra B. da. Impactos das obras de engenharia sobre o ambiente biofsico da Bacia do rio So Joo (Rio de Janeiro/Brasil). Rio de Janeiro: Edio do autor, 1995. 415p.HELLER, L. e CASSEB, M.M. Abastecimento de gua. In: Manual de saneamento e proteo ambiental. Belo Horizonte: DESA/GTZ, 1995.NASCIMENTO, Flvio R. do. Degradao ambiental e desertificao no Nordeste Brasileiro: o contexto da bacia hidrogrfica do rio Acara CE. (Tese de doutorado). Niteri: UFF, 2006. 332p.MINISTRIO DO MEIO AMBIENTE (MMA).e Secretria de Recursos Hdricos (SRH). Documento de Introduo. Plano Nacional de Recursos Hdricos. Iniciando um processo de debate nacional. Braslia:MMA/SRH, 2004. 51p. OLIVEIRA, Alcinone de e FERREIRA, Elisabeth. Caracterizao de Sub-bacias hidrogrficas. Lavras: UFLA/FAEPE, 2001. p. 26-38.REBOUAS, Aldo da C. In: REBOUAS, A. da C.; BRAGA, B.; e TUNDISI, J. G. (orgs.). guas doces no Brasil: capital ecolgico, uso e conservao. 2 edio. So Paulo: Escrituras Editora, 2002. p. 151-199.VIEIRA, Vicente P.P.B. gua Doce no Semi-rido. In: guas Doces no Brasil: capital ecolgico, uso e conservao. 2 edio. So Paulo: Escrituras Editora, 2002. p. 507-530.

    Trabalho enviado em agosto de 2011Trabalho aceito em outubro de 2011


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