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Aviolnciadacor:Sobreracismo,alteridadeeintolernciaARTICLEJANUARY2006
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JuniaVilhenaPontifciaUniversidadeCatlicadoRiode93PUBLICATIONS12CITATIONS
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02/12/2014 RevistaPsicologiaPolticaVol.6,N12(2006)
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RevistaPsicologiaPoltica>Vol.6,N12(2006) openjournalsystems
ARTIGO
AVIOLNCIADACOR:SOBRERACISMO,ALTERIDADEEINTOLERNCIA
JuniadeVilhena
PontifciaUniversidadeCatlicaRiodeJaneiro
Resumo: Este trabalho tem como objetivo discutir algumas dasconseqncias psquicas da intolerncia presente na contemporaneidade,tomando como fio condutor o preconceito racial, suas consonncias edissonncias no agenciamento da subjetividade. Partindo do pressupostoque a violncia racista do branco, assim como outras formasfundamentalistasdesegregao,exercida,antesdetudo,pela impiedosatendncia a destruir a identidade do sujeito, no caso do negro, atravs dainternalizao forada e brutal dos valores e ideais brancos, observamosque,frequentemente,esteobrigadoaadotarparasimodelosincompatveiscom seu prprio corpo o fetiche do branco, da brancura. Ao discutir ocarter ideolgicodoracismo,aautora,baseadaemHannaArendt,apontapara o poder de persuaso que fixa negros, trabalhadores pobres,desempregados,indigentes,loucos,mulheres,etc.emidentidadescoletivaseserializadas.
Palavraschaveintolerncia,racismo,ideologia,alteridade.
Theviolenceofcolour:onRacism,alterityandintolerance
Abstract: The article discusses some of the psychic consequences ofintolerance against the other, taking as an example racial prejudice, theirconsonances and dissonances in the process of the construction ofsubjectivity.Assumingthatdenialofalterity,somuchpresentinourcultureisexercised,mostly,bythemercilesstendencytodestroythesubject'sidentity,theauthorpointsouthowthebrutalinternalizationofwhitevaluesandidealsfrequently,forcesblackpeopletoadoptforthemselvesincompatiblemodelswith his/her own body the fetish of the white, and that of the whiteness.When discussing the ideological aspects of racism, the author, based onHannaArendtpointsoutthepowerofpersuasionthatreducesblackpeople,poor workers, unemployed, indigent, crazy, women, and others sociallyexcludedtoacollectiveandserializedidentity.
KeyWordsintolerance,racism,ideology,alterity.
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1.Introduo
Vivemosnumcampodeconcentrao/Somosolixo,abuchadocanho/DeumladoosAlvos,/brancos,tiranos/Senhorescarrascosmundanos/Dooutro,omedo,
ospretos,plebeus/Escravos,mulatos,ateus
MVBill
O que leva um ser humano a eleger como inferior tudo aquilo que deledifere?Comoentenderosofrimentodaquelequelevadoacrerquepornopertencer minoria privilegiada, que dita os chamados parmetros danormalidade,belezaesucesso,estfadado,noapenasaofracasso,como,sobretudo,justificativadesuainfelicidade?
Omomentoatualpareceagudizaradialticaentreaidentidadeealteridade,conduzindoaaumparoxismo(Pelbart,2003).OencontrocomoOutronomais uma possibilidade de deixarse afetar e de permitiremse novasinteraes, mas uma ameaa em potencial. Nos fundamentalismoscotidianos inventase e recriase o perigo e o inimigo bandido, favelado,traficante, negro, homossexuais eprostitutas paraque sepossaoferecerseguranaedefesaeailusodeordem.
IniciareiesteartigocomumafrasedeEnzenberger:
o homem o nico ser vivo que planeja, a extino daprpriaespcie.Osanimaislutam,masnofazemguerra.Ohomemonicoprimataqueplanejaoextermniodentrodesua prpria espcie e o executa entusiasticamente e emgrandesdimenses...(1995:9).
Ouseja,emseudomnio,naNatureza,oanimalcaaemataparacomer,para defenderse e por instinto de autopreservao. O Homem, em seudomnio, a Cultura, causa sofrimento tambm por convenincia, porintolernciaeporprazer.
Este trabalho tem como objetivo discutir algumas das conseqnciaspsquicas da intolerncia e da negao da alteridade no agenciamento dasubjetividade do sujeito contemporneo. Para tal, tomaremos como eixocondutor, uma das formas de intolerncia, bastante marcadas em nossasociedade,queopreconceitoracial,suasconsonnciasedissonnciasnoagenciamentodasubjetividade,bemcomoasrepercussesobservadasemnossaprticaclnica.
Longedepretenderesgotaro tema,oquebuscamosneste trabalho,comoem um caleidoscpio, apresentar uma dasmltiplas vises que possamespelharpartedosofrimentovividoportodoaqueleafetadopelaintolernciae pela discriminao. Neste sentido, se h um ponto comum que a todosafetada,tratarmosdediversasformasdeintolerncia,htambmalgodeespecficonocasodoracismo,ondemaisnosdeteremos.
Contudo, bom relembrar que no se trata de deixar de lado o que estreferidopatologiasocial,histria,sprticasvigentes,nemdeapagaras
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diferenasmassimdeestaratento irredutibilidadedosujeitoaqualquerregistro.
Sendoculturaooutrodosujeito,nohcomopensloforadela.Conformeafirmamosemumtrabalhoanterior
Diferentescdigos lingsticos,ethoserepresentaessoenunciadosdeumasingularidadedaquelequefalasejaelepobre ou rico , obedecendo a uma lgica prpria, doinconsciente, no podendo ser reduzidos a quaisquercategorias previamente estabelecidas. Tal afirmao, aocontrrio de negar diferentes determinantes de umaidentidade quesemdvidaalguma tambmsocialmenteconstruda , deslocanos de uma escuta etnocntricaremetendonosaoquenosparecetobvioquandoexercidoem nossa prtica privada: a escuta do desejo.Mais ainda,no ser inerente nossa prpria tarefa a escuta dediferentes sistemas simblicos? O desejo polissmico,poliglota, paradoxal. Coloca em cena o plural e o singular,numa relao dialgica de complementaridade (Vilhena &Santos,2000:166).
Emoutras palavras qualquer que seja o recorte escolhido psicolgico,antropolgico, sociolgico, histrico ou poltico este ser sempreinsuficiente,fragmentrio,umavezquenohcomoreduziroserhumanoemtodaasuacomplexidadeaapenasumacategoriarepresentacional.
Neste trabalho, utilizando os conceitos da clnica, que nos desvela osofrimento psquico dos sujeitos em pauta, no qual nos deteremos.Enfatizamos, como j afirmamos em trabalhos anteriores, que sempreimportantetermuitoclaroolugardeondefalamosestedefineosregistrosaosquaisnosatemoseosdeterminantesqueprivilegiamos.
2.Sobreanaturalizaodopreconceito
"TodasasespciesdeanimaisqueDeushaviacriadoforampreservadasnaarcadeNo.AsespciesmescladasqueDeusnocriou,equeforamoresultadode
amalgamas(misturaderaas),foramdestrudaspelodilvio.Desdeodilvio,temhavidoamalgama(misturaderaas)entresereshumanosebestas,comopodese
ver...emcertasraasdehomens"
EllenGWhite
A histria mostranos, atravs do racismo, do preconceito sexual e daindiferena face aos miserveis, a facilidade com que se desumaniza o"diferente" ou "inferior" sem que nos sintamosminimamente responsveis.Acreditandoqueestenosujeitomoralcomo"ns", todacrueldadepodesercometida.A famosa frasedeHitler ilustrabemoqueestouapontando:semdvidaalgumaosjudeussoumaraa,masnosohumanos.
AviolnciaaqualonegronoBrasilsempreestevesubmetidonoapenasadaforabruta.Aviolnciaracistadobrancoexercida,antesdetudo,pela
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impiedosa tendnciaadestruira identidadedosujeitonegro.Este,atravsdainternalizaoforadaebrutaldosvaloreseideaisdobrancoobrigadoaadotarparasimodelosincompatveiscomseuprpriocorpoofetichedobranco,dabrancura.Citemoscomoexemplosbanais:ocabelolisoeonarizfino.
Para o sujeito negro oprimido, os indivduos brancos, diferentes em suasrealidades psquicas, econmicas e sociais assumemum carter universalondesomentea"brancura"percebidaemitificada.Ainteriorizaodetaisideaispode,efreqentementeleva,comoveremosaseguir,alienaoenegaodaprprianaturezahumana,oferecendocomonica salvaooembranquecimentofsicoe/oucultural.
Ser diferente ser uma exceo ou seja, o negro "normal" marginal,ignorante.OdiscursoideolgicodasociedadeintrojetadoeassimiladopeloSuperEgo.NaformaodoseuIdealdeEgonolheescapanenhumadascaractersticasdomodeloopressor:serbranco,ricoeconsumidor!
Sernegroserviolentadocontinuamentedeformaconstanteecruel,comoapontaCosta:osujeitoviolentadooquesabeouvirasaber,senteouvirasentir que foi submetidoaumacoeroeaumadorabsolutamentedesnecessrios ao crescimento, desenvolvimento e manuteno de seubemestar,enquantoserpsquico(1984:77).
Abrancuratranscendeohomembranco.Nadapodemacularestabrancuraque, a ferro e fogo, cravouse na conscincia negra como sinnimo depureza artstica, nobreza esttica, majestade moral, sabedoria cientfica eetc.Obelo,obom,ojustoeoverdadeirosoosbrancos.
O branco foi e continua sendo a manifestao do Esprito, da Idia e daRazo. O branco e a brancura so os nicos legtimos herdeiros econstrutoresdoprogressoedesenvolvimentodohomem.Elessoaculturaeacivilizao,emumapalavraa"humanidade".Nestesentido,amaioriadapopulaobrasileira,negraintrojetouoidealdobranqueamentoquenoapenasinterferenoprocessodeconstruodeidentidadecomonaformaodaautoestimageralmentebaixssimaenasupervalorizao idealizadadapopulaobranca.
DurantetodaaIdadeMdiaatossculosdasLuzes,oimaginrioeuropeu,foi constitudo pela existncia de seres fantsticos que lhes geravamsimultaneamentemedoefascnio.Figurasmonstruosas,homenscomumpsoucomorelhasenormes,ocupavamlugarnasdescriesdafricaesiadesde aAntigidade, e figuravamna cosmografia renascentista.Ainda em1660, em uma gravura de Mazot representando a frica (F. Mazot, AsQuatroPartesdoMundo:africa.Paris,BibliotecaNacional)sepodiaveraimagemdeumdrago,sobrevoandooscus.(Santos,2002)
Na cultura ocidental, a cor negra est associada ora a um sentimento defascnioexticooraaumasensaodemedoouhorror,comoveremosmaisadiante.
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3.Desconstruindoumaidentidade
Quandoaspessoasgostamdemim,dizemqueistosedapesardeminhacor.Quandonogosta,afirmamquenadatemavercomaminhacor!
FrantzFanon
Afamlia(realousubstituta)oprimeiro lugarondeaaoconstituintedoIdeal doEgo se desenrola. Para recuperar o narcisismo original perdido preciso que haja ummodelo a partir do qual o sujeito possa se constituir,ainda que seja atravs de uma mediao idealizao dos pais ousubstitutos e ideais coletivos. O Ideal do Ego ento a instncia queestruturaosujeitopsquico,vinculandooLeieOrdemumaconexodanormatividadelibidinalcomacultural,comoapontaFreud(1914,1921).
Winnicott(1987),quesempreenfatizouaimportnciadaprovisoambientalsatisfatria,apontavadoisriscospossveis,enoexcludentes,paraaquelesquesofriamprivaesprecoces.Umadireoerarepresentadapelorouboea outra pela destrutividade. Durante um certo tempo estas manifestaespodem surgir e representar uma forma de solicitar uma mudana noambiente.
Contudo, elas s acontecem se e enquanto a criana tiver esperana.Esperana no s de ver suas necessidades atendidas,mas, tambm, depodercontarcomooutro,depoderseramada,depoderconstruirprojetosdevida.Depoisdeumtempo,senohrespostasfavorveis,aesperanadesaparece e a situao se cronifica tornando o seu manejo muito maisdifcil.
Em nosso imaginrio social, o negro sempre esteve associado ao que ruim, refletindosemesmo na linguagem: a coisa est preta, humor negro,umfuturonegroeetc...Comoser istovividoporele?Queconseqnciasteroemseuprocessodesubjetivao?
Nocasodonegro,eo trabalhodeNeuzaSantos (1983)magistralnestaavaliao,oqueiremosobservaraencarnaonocorponegrodosideaisdo homem branco, destruindo a sua identidade, levandoo a desejar eprojetar um futuro que redunda em sua prpria extino oembranquecimento.comdesprezoevergonhaquefalamdo"cabeloruim",da"bundagrande"oudo"beiogrosso".Ocorpo,assim,vividodeformapersecutria uma vez que o grande obstculo realizao de uma"identidadebranca"quefoicoagidoaaceitar.
Pelarepressooupelapersuasolevaseosujeitonegroadesejar,invejareprojetarumfuturocalcadoemumarealidadediferentedesuahistrianica,pessoaledeseucorpo.Todososseusideaisconvertemseemumidealderetornoaopassado,ondeelepoderiatersidobranco,ounaprojeodeumfuturo, onde seu corpo e identidade negros devero desaparecer(Santos,1983).
Adireomortferadessesideaistrgicacomoapontaaautora,onegro,no desejo de embranquecer, deseja nada mais nada menos, que a suaprpriaextino.Seuprojetodenofuturodeixardeexistirsuaaspiraoa
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denoserounotersido.
Aorepudiaracorrepudiaradicalmenteocorpo.comdesprezo,vergonhaou hostilidade que se refere ao "beio grosso", "nariz chato e grosso","cabeloruim","bundo"eassimpordiante.
"AreaoaopensamentodonegrofrenteviolnciadoIdealbranco no uma resposta ao desprazer da frustrao.Elemento perifrico do conflito, mas uma rplica dor. Osujeitonegro,diantedaferida"quearepresentaodesuaimagemcorporal,tenta,sobretudo,cicatrizaroquesangra.aestetrabalhodecercodoreregeneraodalesoqueopensamento se dedica... O tributo pago pelo negro espoliaoracistadoseudireito identidadeode terqueconviver com um pensamento incapaz de formularenunciados de prazer sobre a identidade do sujeito. Oracismotendeabanirdavidapsquicadonegrotodoprazerde pensar e todo pensamento de prazer..." (Costa,prefcioSantos,1983,p10).
Este o segundo trao da violncia racista. Estabelecer uma relao dedesqualificaoentreosujeitonegroeseucorpo.Sabemosqueaidentidadedo sujeito depende, emgrandemedida, da relao que o sujeito cria comseu corpo. Para criar uma estrutura psquica harmoniosa, necessrio,como aponta a psicanlise, que o corpo seja predominantemente vivido epensadocomolocalefontedeprazer.Quandotalnoacontece,tornaseumcorpoperseguidor,odiado,vistocomofocopermanentedeameaadedoredemorte.
O sujeito negro que abdica de seus direitos humanos, resignandose passivacondiodeinferior,vemasofrerumadramticacontradio.nomomento mesmo em que o negro reivindica sua condio de igualdadeperantea sociedade, quea imagemdeseucorpo surge comoum intruso,comoummalasersanado,diantedeumpensamentoqueseemancipaelutapelaliberdadeenfatizaCosta.
O que observamos em nossa clnica que um branco apenas orepresentantedesimesmo,umsujeitonosentidodapalavra,ondeacor,viaderegranoseconstituicomoumsignificantepostoemrelevo,coreraanofazemquestonaconstruodesuasubjetividade(Vilhena,2005b).
No caso do negro, freqentemente, observamos o inverso: um negrorepresenta uma coletividade racializada em bloco cor e raa so elesmesmo, os significantes que o definem como sujeitos quando de sujeitopodemosfalar,emvirtudedosimpassesdasingularizao.
Um dos elementos de expresso do racismo a infrahumanizao dasvtimas, as quais so percebidas como possuindo mais caractersticasnaturais ou naturalizadas do que culturais. Neste sentido, os gruposracializados (porexemplo,negros)soaproximadosdoplodanaturezae
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distanciados do plo da cultura em relao aos grupos no "racializados",porexemplo,brancos,comoapontaCohen(1980).
Daniel BarTal foi um dos pioneiros na anlise da infrahumanizao dosgruposminoritrios,aoanalisaromodocomojudeuserampercebidospeloregimenazista e afirmar quea infrahumanizaopodeocorrer atravs da"deslegitimao" da categoria ou grupo social com a atribuio decaractersticasextremamentenegativas:
A desumanizao envolve categorizar um grupo como nohumano, seja pelo uso de categorias de criaturas subhumanastaiscomoraainferiorouanimaisousejapelousodecategoriasnegativamenteutilizadascomosuperhumanas,tais como demnios, monstros e criaturas satnicas. Acaracterizao por traos se d atravs do uso decaractersticas vistas como extremamente negativas ou
inaceitveisemumadeterminadasociedade(1989:93)[1]
.
Moscovici e Prez (1999) argumentam que as representaes sociaisconstrudas sobre os grupos "racializados" podem estruturarse em doiseixos:oeixodostraosdenaturezaeoeixodostraosdecultura.Ostraos"naturais" so definidos como caractersticas que so usadas de maneiraindiferenciada nas descries de seres humanos e nas descries deanimais. J os traos "culturais" so aqueles tpicos dos seres humanos(Moscovici&Prez,1997).
Como aponta Carone (2003) o racismo, a despeito de todas as leisantidiscriminatriasapenassofreutransformaesformaisdeexpresso:
no posto nem dito, mas pressuposto nasrepresentaesqueexaltama individualidadeaneutralidaderacialdobrancoabranquitudereduzindoonegroaumacoletividade racializada pela intensificao artificial davisibilidade da cor e de outros traos fenotpicos aliados aesteretipos sociais e morais. As conseqncias soinevitveis: a neutralidade de cor/raa protege o indivduobrancodopreconceitoedadiscriminao raciaisnamesmamedida em que a visibilidade aumentada do negro o tornaalvo preferencial de descargas e frustraes impostas pelavidasocial(p.23).
O racismo que, atravs da estigmatizao do corpo, retira a dimenso deprazerdocorponegro,tambmperverteopensamentodosujeito,privandoodapossibilidadedepensaroprazeredoprazerdepensaremliberdade.Opensamentodonegro,comoapontaCosta(1984),umpensamentositiado,acuadoeacossadopeladordapressoracista.
Pensar, comodiziaHannaArendt (1951), intrinsecamenteumaatividadesubversivaporserumatoqueameaatodasasversesoficiaisdodireitoe
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da ordem questiona a "histria oficial". Por isto os sistemas totalitriosimpem a verdade nica e pensar livremente crime. Mas como pensar,senolivremente?
Oquemaisassustaaossereshumanosopnicodeperderosimblico,deno conseguir representar aquilo que vivido. Esse o campo daestranheza,dessealgoqueirrepresentvel,quevivenciadocomomedodedestruio,decastrao,comoumaameaa.aperdadapossibilidadedepensar.
Umadasformasdeadquirirseguranacontraessaameaanomela como algo que (fazendo parte de mim) externalizado como se no pertencesse [a mim], criase,destaforma,umduplo.Oduploum'outroeudemimprprio(Chnaiderman,1996:89).
Contudo,criadoparadarseguranaaoeucontraaquiloquehorroriza,nopodemaisserentendidocomoduploetomadocomoumoutrodiferenteeestranho.ComoapontaKristeva,daestranhezaaotemor,dacuriosidadeaomedo, do amor ao dio, o rosto do estrangeiro nos fora a manifestar amaneira secreta que temos de encarar o mundo, de nos desfigurarmostodos,atnascomunidadesmaisfamiliares,maisfechadas(1994:11).
Esse "estranhamente familiar" o aparecimento de algo que se precisouconstruiremumdeterminadomomentodavida,porangstia,pormedodeperda da identidade, por pnico do estilhaamento. Mas quando issoemerge,quandoissoquenosesabequeestdentroaparecefora,ocorreo"estranhamentefamiliar".(Chnaiderman,op.cit)
4.Ooutroeomal
Aprendemos a ser racistas, logo podemos tambm aprender a no
ser.Racismonogentico.Temtudoavercompoder.[2]
JaneElliot
Acusardedemonacasascrenasdeoutrospovos,paramanteraortodoxiade uma f, pratica que remonta aoAntigoTestamento. Tal comoocorrecom os cultos afrobrasileiros, e como j ocorria desde a Idade Mdia,semprequesebuscouimporumsaber,umafouumaprtica,demonizouse o Outro. (Vilhena & Medeiros, 2003). Designar aos negros atributosdemonacos possibilitou que a escravido fosse tomada como forma deredeno j que se fossem vtimas ou agentes de Sat os africanos nopoderiam ser abandonados sem a tentativa de livrlos da influncia doMaligno.
Masnemsosreligiosossoperseguidos.OqueFreud japontavaeraaquesto da intolerncia Para Freud, nos grupos humanos h sempre anecessidadedeseformarempequenoscrculosparadesignarcomoinimigosquem foradelesestiveresta seriaumaviadesoluoparaapulsode
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destruio.Algicadotraoidentificatriodiferencialregeriaaaversoqueseproduzentrecomunidadesvizinhasoumesmoaparentadasnarcisismodas pequenas diferenas como Freud denominou em O mal estar nacivilizao(1930[1929]).
Em Moises e o monotesmo [1939], em suas reflexes sobre o antisemitismo,Freudassinala comoa intolerncia semanifestamuitomaisnotocantespequenasdiferenasdoquenasdivergncias fundamentais odio ao quase semelhante. Neste caso, o dio encontra seu objetoprecisamentedocampodoprximo,dosemelhanteoprximoquesomossupostosdeamarcomonosensinaomandamento:amarsoprximocomoatimesmo.
ParaColleteSoller(citadaporCevascoeZafiropoulos,2001),aintolernciapresente no racismo, no pode ser entendida apenas como um repdio diferena baseado na problemtica da identificao: o racismo, segundo aautora, diz respeito a algo no discurso que no linguagem, quer dizer ogozo.
Lacan [19691970] no texto sobre agressividade, retoma a proposiofreudiana, ressaltandoquenesta pequenadiferenaarticulase tantoumafuno simblica, um trao que nos singulariza, quanto a miragem donarcisismo,queacenacomumhorizontedeeliminao:oueuouooutro.Tambm se jogam as diferenas entre identificao e identidade, nasubjetividade.
OdioparaLacandeve,emltimainstncia,estarreferidoaumaeconomiadogozo.Oracismoodioaogozodooutro.estasuposiodoGozodoOutrocomoprivativodemeuprpriogozoqueinstituioOutronolugardoestrangeiro, intruso,expropriadordemeusbens,demeupasoudeminhaf.
Em1921Freud,emPsicologiadasMassaseAnlisedoEgo,apontavaqueeraocupandoolugardeidealdeegodasmassasqueolderseconstituacomotal.apartirdestelugar,idealizado,quesetornapossvelaformaode uma fratria, de um coletivo, que em busca da aprovao deste pai,frequentementetirnicoedominador,excluiatodosquedelanoparticipam.
Para Zafiropoulos e Assoun (1995), a compreenso do dio, que ensejatanta intolerncia, e que se encontra na base da histria humana, estreferidaadoisgrandesmitos:um formuladonaBblia,eooutro formuladopor Freud emTotem e Tabu. O primeiro descreve o dio assassino entreirmos, diferenciados pelo olhar do DeusPai Todo Poderoso o mitoFreudiano fala do dio assassino dos irmos, frente a um Pai tirnicousurpadordetodososbensedetodasasmulheres.
Seja qual for a importncia da possesso dos bens, que est em jogo nocampodeenfrentamento social, o registrodogenocdio s sedesenvolve,completamente,namedidaemquemobilizaoquehdemaissagradonasocializaodosujeito:oNomedoPai,seuolharaprovadorea lembranaangustiante de uma ameaa de invaso do olhar maligno do Estrangeiroparecesermuitodifcildarcontadaslgicasdogenocdio(oudepurificao
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tnica) sem convocar o complexo paterno sobretudo em sua versoutilizadapelodiscursoreligioso(1995:10).
Como ressalta Santos (2002) se o horror, a duplicao do eu, oestranhamente familiar so os elementos de nossa psique, de nossoinconsciente,quepermitemaconstruodooutrocomoalgoameaadorequedeveserdestrudoeeliminado, nopodemosnosesquecerdequeoracismoumaideologiadedominaoaefetivaonoplanodahistria,noplanoda temporalidadee dapoltica, da submissodooutro.Por isso,para compreender e impossibilitar a repetio das ideologias racistas preciso,porumlado,entenderanecessidadedapersonificaodomaledonegativo que faz com que sejamos to facilmente persuadidos pelosdiscursosqueapresentamooutrocomototalmenteruim,e,poroutroladoprecisopensaroquefazcomqueosnegrostenhamsidoidentificadoscomomalecomanegatividadeouvistoscomodemnios,exticoseselvagens.
5.Nagaleriadosespelhos
Omedocoletivoestimulaoespritodemanada(ougrupo)etendeaproduzirferocidade
contraaquelespercebidoscomonopertencentesaogrupo[3]
.
BertrandRussell
OctviodeSouzaeMiriamChnaidermanconsideramque tantooexotismoquanto o racismo so dispositivos que as culturas utilizampara dominar oestranho.Paraqueapessoapossavencer,superaraestranhezaquelheoferecida tornase necessrio devolver ao sujeito o poder de dar, a partirdele prprio, significado para o outro. Em outros termos, eliminamos oestranhamentoquandotornamosooutroobjetodenossaaooferecemos,nsmesmos, uma lgica a ele, fazendoo, ento, objeto de nossa palavrasemaqualnadapodeser.
SegundoLacan[19591960],nenhumateoriadahistriaseriacapazdedarconta de uma explicao para o dio racista que ensejou a barbrie doholocausto.Somenteuma referncia tendnciahumanadecultuaroquechamou de deuses obscuros, seria capaz de fornecer algum tipo deexplicao.
Ahistriaestrepletadeexemplosdedesumanizaoededesqualificaodooutroenquantosemelhante.Paraosquecremqueonazismodeixounosalguma lio,citemosalgunsexemplosmais recentes:omassacreemRuanda, a guerra da Bsnia e o estupro contnuo das mulheresmuulmanas.
A anlise da violao das mulheres muulmanas pe em evidncia umverdadeirodelrioacercadapaternidade.Pelaprimeiravez,nahistriamilitarmoderna,aviolaofoiusadacomoumaarmadeguerrauminstrumentode limpeza tnica. Ao violar as mulheres, estariam, imaginariamente,interrompendo o futuro da religio do Outro, ao privlos de seus filhos como se o ideal religioso fosse transmitido geneticamente (Cevasco &
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Zafiropoulos,2001).
Deacordocomosautores,aanlisedoquepoderiaserodesejodovioladordenunciaodio,apaixomortferadonarcisismo.Aoanexarse,atravsdaviolao daMe, aos filhos daOutra religio, golpeia seu inimigo em seupontomaisntimosuadescendncia.
Em termos psicanalticos falamos de regresso e ciso no existemterritriosintermediriosentreoseguroeoameaador,entreobemeomalapenasvidaoumorte.
H um trao especfico nas violncias modernas oriundo dos ideais deigualdade,deindividualismoeautonomiaaintolernciaaooutro.Osfilhosdesse social encontramse perturbados procura desesperada de umarefernciaquelhesdumsentimentodepertencimento,deincluso.ComoapontaCalligaris (citado por Vilhena 2005a), sem a dimenso da filiao,exercer a prpria subjetividade muito difcil, restando ao sujeito, muitasvezes,apenasumdestinodesofrimentoeloucura(p.13).
O original trabalho de Vergne (2002) mostra como a histria oficial temreservado um lugar de excluso para as favelas e seus habitantes, emgrandenmeronegros.Hummodopredominantedeolharparaa favela,mesmodentrodaacademia:elaviolentaeviolentossoseusmoradores.Afavelaaparececomoumlugar,nasgrandesmetrpolesbrasileiras,ondeaestranhezanarelaocomooutrosurgedemodoinsistente.Omoradordafavela tido como perigoso, mesmo nos discursos que falam sobre orespeito diferena, ao reconhecimento da singularidade e busca deconhecermodosdevidadiferentes.Porqueissoocorre?
Nosendopossvelignorarafavela,aprendemosatemlaearejeitarseusmoradores,vistoscomomassauniformedeummonstrosubterrneoprestesadestruir nossomundo ordenadoe coerente.Construmos,assim,umarealidadedeumanicafaceta,semdiferenas,nuances,oucontrastes.Aomorador de favelas no permitida uma voz que seja diferente do quedesejamos escutar freqentemente sua diferena patologizada oucriminalizada.Oexticosubstituioldicoeacriatividade.
Odiscursodaguerracontraotrficopenaspginaspoliciais,enastelasdeteleviso,aimageminsistentedopolicialcomofuzilapontadoemdireoao morro. Os moradores so mostrados, constantemente, sem rosto.Enquantoisso,asmortesdiriasocorridasembairrospobresdacidade,poraodotrficoedapolcia,soignoradas.
OOutro sempre visto como ameaador e no tocante a esta populao,todaidentidadepresumidaetodasingularidadeprevisvelounegada.Negros, trabalhadores pobres, desempregados, indigentes, loucos,mulheres, homossexuais, criminosos, crianas, velhos, nordestinos,parabas, so fixados em identidades coletivas, prvisveis, onde todosentimentoviralamentoeondetodaexperinciacarncia(Zamora1999).
6.Concluso
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Estanoumareformasimples.,naverdade,umarevoluo.Sexoeraa,porquepossuemdiferenasvisveis,tmsidoaformaprincipaldeorganizarossereshumanoscomogrupossuperioresouinferioresenadesignaodetrabalhos
inferiores(barato)doqualestesistemaaindadepende.Estamosfalandodeumasociedadeondenohaverpapeisquenoaquelesescolhidosoumerecidamente
ganhos.Estamosfalando,emrealidade,dehumanismo[4]
GloriaSteinem
Oquefazcomquenumasociedadequepropagavaloresdemocrticos,aspessoasaceitemainjustiaeasprticasdedescriminao?
HannahArendt(1951)aodiscutirocarterdasideologiasconsideraqueelastm uma enorme fora de persuaso no por serem fundamentadascientificamente, mas por corresponderem exatamente s expectativas oudesejos,anecessidades imediatasque,aofinal,vobuscarnascinciasenos cientistas as doutrinas que as possam justificar. fundamentalconsiderar que essas necessidades e desejos tambm so construdoshistoricamente,filosoficamente.Ora,oracismoumaideologiae,comotal,tambm foi concebido como uma estratgia de poder em acordo com asexpectativasdepartedeumadeterminadasociedade.
Associedadesnosoentidadesemsimesmas.Pelocontrrio,sexistematravsdosindivduosqueasatualizamnoexercciodesuasvidaspessoaisrefiromeaosinmerosediferenciadosdiscursosquecirculamnumadadacultura.Almdisso,nenhumacultura,pormaissimplesqueseja,umtodocoerente e indiferenciado, mas uma trama, uma teia como chama Geertz(1978), mais ou menos articulada de discursos freqentementecontraditrios.
Aquestodadiferenanosecolocaassim,apenasentreculturas,masnointeriordecadaumadelas.Oquepromoveailusodeunidadeecoernciaofatodequetodaasociedadehierarquizaosseusdiscursos,conferindolhes maior ou menor legitimidade e elegendo aquele que ir reconhecercomoo"discursodacultura/dominante".
EmnossaculturaoureconhecemosnoOutroumsemelhante,enessecasoconferimosaeleosmesmosatributosdehumanidadequeencontramosemns ou vemos no diferente o sujeito portador de caractersticasdesabonadoras, menos humano do que ns e, portanto, passvel deviolnciaseatosquejustificamsuadiscriminao.
Pensarasociedadecomodesracializadapermiteaalgunsnegrosatriburema opresso que sofrem a outros fatores menos dolorosos do que o fatorracial. Preservase, tambm a crena de que o esforo individual reconhecido com imparcialidade. Em uma sociedade individualista e cujomoteosucessopessoalnodifcil imaginarasconseqnciasgeradaspelofracassovivido.
Convmrelembrarqueosujeitosabdicadedeterminadoslugaresporqueacultura lhe oferece algo em troca um lugar nomundodos homens.Umapossibilidadedecriarprojetosdevida,odireitodepertenceraumgrupo,de
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tercondiesdignasdesobrevivnciaeodireitodeservisto.Seoacordoqueestariaimplcitoparaoingressodohomemnaculturafalha,ousetornainsuficiente,correseorisco,dentreoutrascoisas,dareinstauraodaLeide Talio olho por olho, dente por dente, das apatias, do fanatismoreligioso,oudosofrimentodoentioqueexacerbaaquiloqueprpriodadordeexistir.(Vilhena,2002)
OsvriostextosdeFreudsobreonarcisismoeosprocessosdeidentificaocorroboraramestepensamento.Noeixodarelaoentreosujeitoeooutro,aoaumentodonarcisismoparececorresponderaexacerbaodaviolncia.
EmsuateorizaosobreoNarcisismoFreudsublinhaanecessidadedequecondiesmnimas de investimento libidinal sejam feitas sobre o corpo dacrianaparaqueelacrieumprojetodevidapossvelesereconheacomoparte da cultura. Contudo, permanece tambm o risco (que todoscontinuamosmantendopelavidaafora)dequeossujeitosseencurralemnosofrimentoatrozdaquiloqueFreudenuncioucomosendoonarcisismodaspequenasdiferenas.
Evitamos oOutro, porque ele irredutvel em trazer sua dessimetria, suadiferena.Elemostraquenoformamosumtodoharmnico,umatotalidade.O inaudito, o disruptivo, no pode ser esconjurado pela vida pacificada enemtampoucopoderserduradouraumapazquenopodeserconseguidasenoignorandoouabafandogritos.
Vimosqueaatitudedeoferecersignificadoaooutroapartirdesioqueoexotismo faz. essa leitura que permite a Edward Said considerar que oOcidenteinventaoOrientee,lanandomodestediscurso,projetasobreelesuasprpriasquestes.Umainvenonodeixadeserfacedadominaoj que, ao construir uma imagem do Oriente, se efetivam os valores queatraemeameaamoOcidente.Omesmoocorreemrelaofrica(Santos2002).
O racismoseoriginacomoestratgiadediferenciaonumasociedadenaqual as prprias estruturas e a prpria organizao social no mais seincumbemde estabelecer garantias e direitos para todos os grupos que acompem.Por isso, LiliaSchwarcz (1996)afirmaqueas teorias racistaseracialistas abortaram, noBrasil, a frgil discussoda cidadania namedidaemquea liberdadealcanadapor forada lei (apsa foradasrevoltasesublevaes) tornase incuadiantedeumdiscursocientficoqueafirmaereafirmaadiferenaeadeterminaodohomempelasraas.
Esse enfoque permite a Chnaiderman dizer que a questo principal doracismonoomedododiferente,masomedodoigual.Compreendaseoigual no s como aquele que, na verso psicanaltica nos remete aosnossosprprioshorrorescomotambm,naversopolticaesocial,aqueleque temacessoaosmesmosdireitosquens,ouseja,partilhadomesmopodere,conseqentemente,conoscocompete.
Assim,tornaseplenamentecompreensvelaafirmaodeArendtsegundoaqualapersuaso(apersuasodaideologiaracista)nopossvelsemqueoapelocorrespondasexpectativasoudesejosou,emoutraspalavras,a
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necessidadesimediatas.
Qualquer sinal de diferena, de risco de no satisfao, de noreconhecimento pode reconduzir experincia do desamparo primordial eaos becos sombrios e tenebrosos da violncia contra o outro que nosameaa. Em outras palavras, a ampliao dos mecanismos narcsicospotencializa os mecanismos de impotncia e desamparo constitutivos dosujeito, dificultando as prticas de solidariedade social. Seus efeitosacentuamasreaesdesegregao,oantagonismoeodioemrelaoaodiferente,tornandomaiorese insuportveisaspequenasdiferenasentreosujeitoeooutro.
Vemos, ento, quea partir da inclusoda realidade social e doambiente,tantonoprocessodeconstituiodosujeitoquantonocenriodaanlise,oestudo dos processos psquicos (nos campos terico e clnico) vaiadquirindo,cadavezmais,maiorcomplexidade.DesdeFreud,atosautorespsfreudianos modernos e contemporneos, esta questo se colocapermanentementecommaioroumenornfase.
A configurao do cenrio analtico constitui uma tarefa complexa. A redescrio da clnica tem sido uma questo importante para a psicanlisecontempornea. Percebemos, cada vez mais, a busca de dispositivosanalticos que possam atender a uma diversidade de situaes que acaracterizamatualmente,adespeitodesualocalizao.Sejanoconsultrioparticular, seja na comunidade, o psicanalista hoje se depara commuitosdesafios.
Um dos traos da especificidade da realidade brasileira a extraordinrialongevidade da cultura e das prticas autoritrias. A estrutura de poderpressupe a negao dos direitos da maioria da populao para que osistemadeexploraopossaserreproduzidosemacidentesmaiores.
NoBrasilaleijamaisserviuparainibiraaodosgovernantesouaprticada violncia ilegal. Como aponta Schmitter (1988), "no existe no mundopas com instituies democrticas que viole tanto as suas prprias leisquantooBrasil.odescontroledoEstado".Aqui,aleiserviuunivocamentecomoexpressodedominaosemoferecernenhumagarantiadedireitosfundamentaisparaamaioriadapopulao.
Se a lei tem de ser dura e temida para ser respeitada e incorporadasimbolicamente,estatemqueestar,primeiramente,submetidaaoamorejustia. Ora, nenhuma tirania capaz de anular completamente o desejomas nesse lugar onde o horror ocupa o lugar da Lei difcil falar decidadania:
"Vemosassim,quealeiaforadeumacomunidade.Aindaviolncia,prontaasevoltar contraqualquer indivduoquese lheoponha funcionapelosmesmosmtodosepersegueosmesmosobjetivos.Anicadiferenarealresidenofatodeque aquilo que prevalece no mais a violncia de umindivduo, mas a violncia de uma comunidade..."(Freud,1932:247).
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Nestecaso,aviolnciapostaaserviodapreservaodacomunidadeeda vida cultural e no do desejo instintivo de matar ou fazer sofrer osemelhante.
Maquiavel jnosapontavao terrordestasituao:ondeohomemcomumnomaissereconheceousevreconhecidoemsuacidadania,nosecriaum novo territrio para a existncia humana. Eis que a grande maioriacontinuaaconvivereaagirnormalmente,demonstrandopelosilncio,pelomedo, pela violncia oupelo cinismo, a incapacidadedatica emevitar airrupodabarbrie.ParaCosta(1984),abanalizaodaviolncia,talvez,umdosaliadosmaisfortesdesuaperpetuao.
O argumento histrico e sociolgico no basta. Um pai pode se sustentarcomopaipelaviolncia(eusoumaisforte)oupelaviasimblica(eusouseupai), ancorada na sua funo de introdutor da Lei. Onde a lei do pai imposta pela fora bruta os filhos no so sujeitos, so submetidos. Noexistecompromissooupactoexistesubmissoaomaisforteleiespriaeperversa. A lei existe, como dizia Pellegrino (1987), no para humilhar edegradar o desejo, mas para estruturlo, integrandoo no circuito dointercmbiosocial.
ComoapontaBenjamin(apudChomsky,1997),ahistriaoficialahistriadosvencedoresnoexisteumahistriadosvencidos.Sobestesseabateuma trplice violncia: a do seu silncio, paraqueo vencedor fale emseulugaradesuafigura,reduzidaarevoltosoouemnossocasodesajustadoe,finalmente,aprpriahistriadovencedor.
Assim,paracadasituaoderevoltavividaumanovaimagemsersemprecriadaparadesfazlaouocultla,numainversoideolgicaqueacabaporafirmaraculpadavtima,estigmatizandoa.
O pobre pobre porque no trabalha ou no poupa a favelada, meirresponsvel que no dispensou criana os cuidados com higiene ealimentao a menina estuprada porque provocadora ou prostituta empotencial,eotrombadinhaporque,comotodossabem,umperversopornaturezaquedevesereliminado.
O lao simblico do qual falvamos diz respeito ao que organiza nossasrelaes o que faz o reconhecimento do outro como semelhante e quepermiteavidaemcomunidade.Quandoeste lao rompido,ounopodeserconstrudo,rapidamenteaparecemassituaesondearelaopassaaserorientadapelodomnio,pelaforae,frequentemente,pelademonizaodooutro.Acreditamosnoserexageradoafirmarqueodescrditoatormentaosexcludostantoquantoafome.
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CONTATO:
JUNIADEVILHENA
email:[email protected]
Recebidoem02/10/2006Aprovadoem17/02/2007
[1]Dehumanizationinvolvescategorizingagroupasinhumaneitherbyusingcategoriesof
subhumancreaturessuchasinferiorracesandanimals,orbyusingcategoriesofnegativelyvaluedsuperhumancreaturessuchdemons,monsters,andsatans.Traitcharacterizationisdonebyusingtraitsthatareevaluatedasextremelynegativeandunacceptabletoagivensociety(1989:93).[2]
Welearntoberacist,thereforewecanlearnnottoberacist.Racismisnotgenetical.Ithaseverythingtodowithpower.[3]
Collectivefearstimulatesherdinstinct,andtendstoproduceferocitytowardthosewhoarenotregardedasmembersoftheherd.[4]
Thisisnosimplereform.Itreallyisarevolution.Sexandracebecausetheyareeasyandvisibledifferenceshavebeentheprimarywaysoforganizinghumanbeingsintosuperiorandinferiorgroupsandintothecheaplabourinwhichthissystemstilldepends.Wearetalkingaboutasocietyinwhichtherewillbenorolesotherthanthosechosenorthoseearned.Wearereallytalkingabouthumanism.
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RevistaPsicologiaPoltica.ISSN:1519549X.ISSNeletrnico:21751390