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2012 Penal Processo Penal Campos Plea Bargaining

Date post: 24-Sep-2015
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1. Introdução – 2. Nota prévia: o processo penal como instrumento de política criminal – 3. A experiência norte-americana da plea bargaining – 4. O modelo de Justiça Criminal introduzido no Brasil pela Lei dosJuizados Especiais (Lei no 9.099/95) – 5. A Justiça Criminal Consensual, a diversificação de formas processuais e os “espaços de consenso” no processo penal – 6. Princípio da obrigatoriedade vs. princípio da oportunidade – 7. Propostas de ampliação do “espaço de consenso” no processo penal brasileiro e (in)compatibilidade do modelo da plea bargaining com o ordenamento jurídico nacional – 8. Conclusões
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PLEA BARGAINING E JUSTIÇA CRIMINAL CONSENSUAL: ENTRE OS IDEIAIS DE FUNCIONALIDADE E GARANTISMO Gabriel Silveira de Queirós Campos Especialista em Ciências Penais pela Universidade Anhanguera-UNIDERP, Procurador da República no Estado do Paraná e membro da International Association of Prosecutors. SUMÁRIO: 1. Introdução – 2. Nota prévia: o processo penal como instrumento de política criminal – 3. A experiência norte-americana da plea bargaining – 4. O modelo de Justiça Criminal introduzido no Brasil pela Lei dos Juizados Especiais (Lei nº 9.099/95) – 5. A Justiça Criminal Consensual, a diversificação de formas processuais e os “espaços de consenso” no processo penal – 6. Princípio da obrigatoriedade vs. princípio da oportunidade – 7. Propostas de ampliação do “espaço de consenso” no processo penal brasileiro e (in)compatibilidade do modelo da plea bargaining com o ordenamento jurídico nacional – 8. Conclusões 1. Introdução O processo penal, compreendido como importante instrumento de implementação de política criminal, encontra-se constantemente diante de uma encruzilhada: dependendo do rumo que tome, pode ir ao encontro de um modelo denominado “garantista” (L. FERRAJOLI), mais preocupado – por vezes em excesso – com o respeito aos direitos e liberdades individuais; pode, ao revés, dirigir-se a um modelo “eficientista”, com enfoque maior na eficiência e funcionalidade dos aparelhos estatais incumbidos do tratamento penal. A linha-mestra de condução do presente trabalho, nesse panorama, é o equilíbrio, nem sempre trivial, de tais modelos, com o exame dos mecanismos de justiça criminal consensual existentes no ordenamento jurídico brasileiro (e propostas em curso), tendentes, em nossa opinião, à obtenção de maior eficácia do sistema penal, sem grande prejuízo a direitos e garantias da pessoa acusada. Será examinada a experiência norte-americana da plea bargaining, apontada pelos próprios Página 1 de 26
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  • PLEA BARGAINING E JUSTIA CRIMINAL CONSENSUAL:

    ENTRE OS IDEIAIS DE FUNCIONALIDADE E GARANTISMO

    Gabriel Silveira de Queirs CamposEspecialista em Cincias Penais pela Universidade Anhanguera-UNIDERP,

    Procurador da Repblica no Estado do Paran e membro da International Association of Prosecutors.

    SUMRIO: 1. Introduo 2. Nota prvia: o processo penal como instrumento de poltica criminal 3. A experincia norte-americana da plea bargaining 4. O modelo de Justia Criminal introduzido no Brasil pela Lei dos Juizados Especiais (Lei n 9.099/95) 5. A Justia Criminal Consensual, a diversificao de formas processuais e os

    espaos de consenso no processo penal 6. Princpio da obrigatoriedade vs. princpio da oportunidade 7. Propostas de ampliao do espao de consenso no processo penal brasileiro e (in)compatibilidade do modelo da plea

    bargaining com o ordenamento jurdico nacional 8. Concluses

    1. Introduo

    O processo penal, compreendido como importante instrumento de implementao de poltica

    criminal, encontra-se constantemente diante de uma encruzilhada: dependendo do rumo que tome,

    pode ir ao encontro de um modelo denominado garantista (L. FERRAJOLI), mais preocupado por

    vezes em excesso com o respeito aos direitos e liberdades individuais; pode, ao revs, dirigir-se a

    um modelo eficientista, com enfoque maior na eficincia e funcionalidade dos aparelhos estatais

    incumbidos do tratamento penal.

    A linha-mestra de conduo do presente trabalho, nesse panorama, o equilbrio, nem sempre

    trivial, de tais modelos, com o exame dos mecanismos de justia criminal consensual existentes no

    ordenamento jurdico brasileiro (e propostas em curso), tendentes, em nossa opinio, obteno de

    maior eficcia do sistema penal, sem grande prejuzo a direitos e garantias da pessoa acusada.

    Ser examinada a experincia norte-americana da plea bargaining, apontada pelos prprios

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  • estudiosos dos Estados Unidos da Amrica como instrumento principal de soluo das lides penais

    daquele pas, passvel, contudo, de crticas.

    Feita a anlise da prtica de negociaes entre as partes no processo penal estadunidense,

    passaremos ao modelo de justia criminal introduzido no Brasil pela Lei dos Juizados Especiais

    Cveis e Criminais (Lei n 9.099/95), apontando-se a grande inovao que as medidas

    despenalizadoras da transao penal e da suspenso condicional do processo representaram.

    A abordagem da justia criminal consensual, no Brasil, passar, ainda, pelo exame do

    fenmeno da diversificao (diverso) de formas e ritos processuais; a discusso sobre a dicotomia

    entre espaos de consenso e espaos de conflito no processo penal; e o debate sobre o

    tradicional princpio da obrigatoriedade da ao penal (pblica) e os novos contornos trazidos ao

    sistema jurdico pelo princpio da oportunidade.

    O trabalho ainda examinar o Anteprojeto de Cdigo de Processo Penal atualmente em trmite

    no Congresso Nacional (PLS n 156/2009), o qual pretende ampliar os espaos de consenso no

    processo penal brasileiro, com a introduo de um novo instrumento de negociao entre as partes e

    se tal instrumento se aproxima, e em que aspectos, do modelo norte-americano da plea bargaining.

    2. Nota prvia: o processo penal como instrumento de poltica criminal

    A ttulo de esclarecimento inicial, deve-se ressaltar que a premissa do presente trabalho a de

    que o processo penal constitui importante instrumento de poltica criminal, o que significa afirmar

    deva ele prprio contribuir para a obteno das finalidades do Direito Penal.

    Com respaldo nas lies de Fernandes (2001, pp. 10-11), pode-se sustentar que, na atualidade,

    existem dois modelos bsicos de tratamento da chamada questo penal: um primeiro, denominado

    garantista ou garantidor, para o qual o Direito Penal serve como instrumento de defesa no s

    social e dos interesses do acusado e da vtima, mas tambm como instrumento de defesa e limite das

    interferncias do poder estatal na questo penal, atravs da sua sujeio s regras constitucionais

    asseguradoras de direitos, garantias e liberdades individuais; por outro lado, um segundo modelo, a

    que se poderia chamar eficientista, com maior preocupao na eficincia e funcionalidade dos

    aparelhos estatais incumbidos do tratamento penal.

    A inteno do estudo ora apresentado demonstrar a possibilidade de equilbrio entre os

    modelos garantista e eficientista, atravs da introduo de mecanismos de diversificao (ou

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  • diverso) no processo penal, fundados em consenso entre as partes ou na mitigao do dogma da

    legalidade processual (princpio da obrigatoriedade), sem que se possa falar, contudo, na violao

    de direitos e garantias essenciais do acusado.

    Trata-se, em ltima anlise, de sustentar a viabilidade da introduo no processo penal de

    mecanismos tendentes obteno de sua maior eficcia, partindo-se da compreenso de que, em um

    Estado de Direito, tambm a administrao funcional da justia relevante valor a ser perseguido

    (FERNANDES, 2001, pp. 61-62).

    Para tanto, ser analisado o instituto processual da plea bargaining, largamente utilizado na

    experincia forense criminal dos Estados Unidos da Amrica, embora no isento de profundas

    crticas. Posteriormente, examinar-se-o, de forma sucinta, institutos processuais anlogos

    existentes no ordenamento brasileiro, quais sejam, a transao penal e a suspenso condicional do

    processo (Lei n 9.099/95). Por fim, tambm merecer exame a proposta de introduo, por conta

    do anteprojeto de Cdigo de Processo Penal atualmente em trmite no Congresso Nacional, de um

    novo mecanismo de consenso, cujo ineditismo reside na possibilidade de aceitao, pelo ru, de

    pena de privao de liberdade.

    3. A experincia norte-americana da plea bargaining

    Nos Estados Unidos da Amrica, pas cujo sistema jurdico faz parte da chamada Common

    Law, as prticas e procedimentos criminais foram desenvolvidos de forma consuetudinria,

    apresentando significativas variaes de acordo com a jurisdio (federal, estadual e do Distrito de

    Columbia). De maneira geral, contudo, pode-se apresentar, com Chemerinsky e Levenson (2008,

    pp. 5-11), uma espcie de passo-a-passo do procedimento criminal mais comum, que se inicia com

    a priso do infrator, seguida do oferecimento de uma acusao (complaint) que contenha a

    demonstrao de justa causa (probable cause), submetida apreciao de um magistrado.

    Posteriormente, designada uma data para comparecimento do acusado perante o juiz (first

    appearance ou arraignment on complaint), para que seja cientificado das acusaes a ele feitas e

    advertido de seu direito a ser assistido por um advogado, bem como possa tentar ser libertado com o

    pagamento de fiana.

    Em seguida, a acusao formalizada contra o infrator submetida anlise pelo Grande Jri

    (grand jury), que ouvir, em audincia, as provas apresentadas pela acusao e decidir se h justa

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  • causa para que o ru v a julgamento. Aceitando a acusao, o Grande Jri faz o que, nos Estados

    Unidos da Amrica, denomina-se indiciamento (indictiment), fixando as acusaes que sero

    levadas a julgamento.

    Superada essa etapa, o ru chamado a comparecer a uma nova audincia (arraignment on

    indictment), na qual ser indagado como ele se declara, culpado ou inocente (plea of guilty or not

    guilty), alm de advertido sobre as acusaes. A corte, ento, agendar uma data para julgamento,

    dentro de padres constitucionais de rpido julgamento (speedy trial).

    Passa-se fase de confronto da prova (discovery), na qual cada parte procura examinar as

    evidncias que seu adversrio pretende utilizar no julgamento. Nessa etapa, bastante frequente que

    as partes apresentem peties (pretrial motions) sobre uma variedade de temas, tais como a

    supresso de provas ilicitamente obtidas, dentre outras possveis nulidades procedimentais.

    Antes do julgamento, pode ocorrer a chamada plea bargaining, que consiste em um processo

    de negociao entre a acusao e o ru e seu defensor, podendo culminar na confisso de culpa

    (guilty plea ou plea of guilty) ou no nolo contendere, atravs do qual o ru no assume a culpa, mas

    declara que no quer discuti-la, isto , no deseja contender. Costuma-se mencionar que cerca de

    90% (noventa por cento) de todos os casos criminais no chegam a ir a julgamento.

    Por meio da plea bargaining, o Estado pode oferecer uma reduo das acusaes ou da sano

    a ser aplicada na sentena em troca da confisso de culpa por parte do acusado.

    Se o acusado decide confessar a culpa (guilty plea), agendada uma audincia para que ele

    manifeste sua deciso perante um magistrado. A guilty plea , ao mesmo tempo, uma admisso de

    cometimento do delito e uma renncia aos direitos que o ru teria caso decidisse ir a julgamento.

    Por isso mesmo, na audincia, o juiz deve advertir o acusado sobre seus direitos assistncia por

    advogado, produo de provas, a ir a julgamento e no-autoincriminao, dentre outros.

    Tambm deve ser avaliada a voluntariedade da deciso, bem como a ausncia de coero sobre o

    acusado. Apenas caso a deciso do ru seja consciente e voluntria que o juiz aceitar sua

    confisso de culpa.

    Por sua vez, o nolo contendere possui o mesmo efeito da confisso de culpa, ou seja, o ru ser

    imediatamente sentenciado no mbito criminal. A nica distino que, enquanto a guilty plea

    serve igualmente de confisso no campo da responsabilidade civil, o nolo contendere no produz

    qualquer efeito sobre eventual ao civil de reparao dos danos causados pelo crime.

    No havendo confisso de culpa ou nolo contendere, o caso vai a julgamento, que pode dar-se

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  • perante um magistrado togado (bench trial) ou perante um jri (jury trial). A 6 Emenda

    Constituio norte-americana prev o direito ao julgamento pelo jri (right to jury trial) para todas

    as infraes graves, definidas pela Suprema Corte como aquelas passveis de punio com priso

    superior a 6 (seis) meses. As partes, entretanto, podem optar por levar o caso a um juiz singular,

    renunciando a seu direito constitucional.

    Se o acusado for condenado pelo jri, ele ser sentenciado pelo juiz togado, normalmente em

    uma audincia prpria para a leitura da sentena (sentencing hearing).

    Contra a sentena de condenao, o acusado pode apresentar apelao (appeal), incumbindo-

    lhe provar que no teve um julgamento justo (fair trial) ou que a prova era insuficiente para

    sustentar o veredicto condenatrio do jri. Paralelamente, o ru tambm pode invocar violaes

    constitucionais atravs de uma petio de habeas corpus.

    Para os fins do presente trabalho, entretanto, interessa examinar uma fase especfica desse iter

    procedimental, qual seja, o processo de plea bargaining.

    A plea bargaining consiste em um processo de negociao atravs do qual o ru aceita

    confessar culpa em troca de alguma concesso por parte do Estado, que pode ser de dois tipos

    bsicos: (1) reduo no nmero ou na gravidade das acusaes feitas contra o ru; e (2) reduo da

    pena aplicada na sentena ou na recomendao de sentena feita pela acusao (CHEMERINSKY,

    LEVENSON, 2008, p. 648).

    Amplamente utilizado nos dias atuais, a plea bargaining comeou a ser observada apenas no

    sculo dezenove, pois, at ento, os julgamentos criminais eram to simples e rpidos que no se

    fazia necessria a adoo de qualquer procedimento diverso (LANGBEIN, 1979). At meados do

    sculo dezoito, o procedimento dos julgamentos pelo jri era sumrio, apresentando elevado nvel

    de eficincia, por algumas razes bsicas: (1) a dispensa de profissionais com formao jurdica

    para os papis de acusao e defesa, eliminando, assim, a procrastinao causada por peties e

    manobras judiciais; (2) a ausncia do chamado privilgio contra a autoincriminao, o que, em

    outras palavras, significa dizer que o ru era ouvido como uma simples testemunha, obrigado a falar

    sobre os fatos que, melhor do que ningum, presenciou; (3) as regras de apresentao das provas e

    de interrogatrio das testemunhas eram mais simples e no permitiam a demora do sistema

    adversarial moderno; (4) a inexistncia de regras de excluso de provas (exclusionary rules of

    evidence), evitando a apresentao de impugnaes por parte do acusado; e (5) a ausncia de

    recursos nos julgamentos criminais (LANGBEIN, 1979).

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  • A plea bargaining, contudo, consiste em um dos aspectos mais controversos do sistema de

    justia criminal dos Estados Unidos da Amrica.

    A crtica mais grave formulada contra o instituto a de inconstitucionalidade por supresso de

    direitos fundamentais do acusado. Na doutrina especializada, Lynch (2003, pp. 24-27) recorda que o

    Bill of Rights norte-americano estabelece uma srie de salvaguardas para o acusado, incluindo o

    direito de ser informado das acusaes, o direito de no se autoincriminar, o direito a um

    julgamento pblico e rpido, o direito a um julgamento em um jri imparcial no local do crime, o

    direito a questionar as testemunhas de acusao e o direito assistncia por advogado. A plea

    bargaining, segundo ele, a principal tcnica utilizada pelo Estado para superar as garantias

    institucionalizadas nos julgamentos criminais. Ele questiona: legtimo que o Estado use seus

    poderes de acusao e sentenciamento (charging and sentencing powers) para pressionar o acusado

    a renunciar a seus direitos?

    Alm dessa feroz oposio, mencionem-se tambm os seguintes argumentos contrrios a plea

    bargaining (CHEMERINSKY, LEVENSON, 2008, pp. 649-651): (a) ela pode pressionar um

    inocente a confessar culpa para evitar ser condenado por uma acusao mais grave. Por esse

    argumento, guilty pleas seriam as principais causas de condenaes equivocadas; (b) embora o

    processo de plea bargaining seja normalmente encarado como um contrato ou acordo entre

    acusao e defesa, na verdade h uma grande disparidade de poderes nessa negociao; (c) por

    ocorrer em um cenrio privado, fora do alcance dos olhos do pblico, reduz-se a confiana da

    sociedade de que a Justia foi feita; (d) ela permite que o acusado deixe de ser responsabilizado

    por todos seus atos, recebendo um desconto da Justia, reduzindo-se o efeito dissuasrio da

    punio; (e) a frustrao das expectativas da vtima do crime, que no participam do processo e

    podem no concordar com a sentena mais favorvel ao acusado confesso; e (f) tratamento

    supostamente desigual entre rus, conforme a jurisdio e sua situao econmica (e capacidade de

    suportar os nus de um julgamento regular).

    Um de seus maiores crticos, Langbein (1978, pp. 3-22) chega a traar um curioso paralelo

    entre a plea bargaining e a prtica europeia medieval da tortura nos procedimentos criminais. Ele

    relembra que, entre os sculos treze e dezoito, diversas leis autorizavam o emprego judicirio da

    coero fsica contra o acusado para dele extrair uma confisso de culpa. Tinha-se um sistema de

    provas com pesos ou valores prefixados, em cujo pice residia a confisso. Em geral, porm, a

    admisso da tortura limitava-se a casos com grande probabilidade de condenao e a crimes graves

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  • (punidos com morte ou mutilao fsica). E a prtica tinha como objetivo eliminar a margem de

    discricionariedade judicial na valorao dos indcios e provas, exigindo do julgador a adeso a

    critrios objetivos.

    Langbein (1978, pp. 3-22) menciona que, atualmente, na prtica criminal estadunidense, o

    sistema de plea bargaining coage o acusado a confessar sua culpa, tornando praticamente

    impossvel que ele invoque seu direito constitucional garantia de um julgamento. Ameaa-o com

    uma sano substancialmente mais severa caso decida se valer de seu direito e, ao final, for

    condenado. Plea bargaining e tortura significam, em ltima anlise, coero.

    Por outro lado, os defensores da plea bargaining costumam alegar que o mecanismo traz

    benefcios tanto para a acusao como para o acusado. Para a acusao, garante-se a condenao,

    diminuem-se os custos estatais e evita-se expor a vtima experincia de testemunhar em juzo.

    Alm disso, permite-se que os acusadores concentrem esforos em casos mais graves e complexos.

    De outra sorte, para o ru, reduzem-se os gastos com o prosseguimento do processo e assegura-se

    maior certeza sobre o desfecho de seu caso. O acusado tambm seria dispensado de sofrer as

    agruras tpicas de um processo judicial (CHEMERINSKY, LEVENSON, 2008, p. 649).

    Na defesa do instituto, Sandefur (2003, pp. 28-31) rechaa a alegada inconstitucionalidade da

    plea bargaining. Filiando-se teoria contratual que v no mecanismo um acordo atravs do qual o

    Estado oferece lenincia (prosecutorial leniency) ao acusado em troca de sua confisso de culpa ,

    o autor entende que o direito a um julgamento pelo jri, assegurado pela 6 Emenda Constituio

    norte-americana, no inalienvel por essncia, diversamente de direitos naturais como o direito

    vida, liberdade e busca pela felicidade.

    Discusses parte, a Suprema Corte dos EUA tem avalizado a prtica da plea bargaining,

    considerando-a constitucional, porm fixando alguns requisitos procedimentais (formais), visando,

    sobretudo, a coibir a m conduta da acusao, como nos casos Bordenkircher v. Hayes, 434 U.S.

    357 (1978); Brady v. United States, 397 U.S. 742 (1970); Boykin v. Alabama, 395 U.S. 238 (1969);

    Henderson v. Morgan, 426 U.S. 637 (1976); Gannet Co. Inc. v. De Pasquale, 443 U.S. 368 (1979),

    dentre outros.

    Parece claro, todavia, que a plea bargaining estadunidense encontra sua justificativa sobretudo

    em razes relacionadas ao eficientismo/utilitarismo do sistema punitivo estatal, com relativa

    abdicao de direitos e garantias do acusado. Pode-se dizer, assim, que, naquele pas, a prtica

    criminal , ao menos no aspecto da soluo consensual dos conflitos penais, mais prxima de um

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  • modelo eficientista ou funcionalista do sistema penal, em detrimento de reflexes prprias ao

    garantismo penal.

    4. O modelo de Justia Criminal introduzido no Brasil pela Lei dos Juizados Especiais (Lei n

    9.099/95)

    No Brasil, embora tambm seja notria a sobrecarga de trabalho de membros do Ministrio

    Pblico e da magistratura, no existem mecanismos to amplos de negociao no processo penal.

    Nesse ponto, no h como deixar de registrar que, desde a dcada de noventa do sculo

    passado, particularmente aps a edio da Lei n 8.072/90 (Lei dos Crimes Hediondos), o modelo

    poltico-criminal brasileiro caracteriza-se como progressivamente dissuasrio, aproximando-se dos

    chamados Movimentos de Lei e de Ordem (PINHO, 1998, pp. 18-19). De acordo com Grinover

    et al (2002, p. 43), as notas marcantes desse modelo so: aumento das penas, corte de direitos e

    garantias fundamentais, tipificaes novas (avano, e no retrao, do Direito Penal), sanes

    desproporcionais e endurecimento da execuo penal.

    No mbito de estudo da criminologia, pode-se considerar vigente no Brasil um modelo

    essencialmente dissuasrio ou repressivo, a conferir especial relevncia pretenso punitiva do

    Estado e ao justo e necessrio castigo do delinquente. O castigo (quanto mais severo, melhor), alis,

    o objetivo primrio cuja satisfao produziria um saudvel efeito dissuasrio e preventivo na

    comunidade (MOLINA, GOMES, 2008, p. 418).

    Rompendo com tal sistema, a Lei n 9.099, de 26 de setembro de 1995, que dispe sobre a

    criao dos Juizados Especiais Cveis e Criminais, buscou introduzir no ordenamento jurdico

    brasileiro um novo modelo de justia criminal, fundado na ideia de consenso. Para tanto,

    disciplinou quatro medidas despenalizadoras (medidas penais ou processuais alternativas pena de

    priso), assim classificadas por Grinover et al (2002, p. 46): (1) nas infraes de menor potencial

    ofensivo de iniciativa privada ou pblica condicionada, havendo composio civil, extingue-se a

    punibilidade (art. 74, nico); (2) no havendo composio civil ou tratando-se de ao pblica

    incondicionada, a lei prev a possibilidade de transao penal consistente na aplicao imediata de

    pena alternativa (restritiva de direitos ou multa), por proposta do Ministrio Pblico (art. 76); (3) as

    leses corporais culposas ou leves passaram a exigir representao da vtima (art. 88); e (4) os

    crimes cuja pena mnima no seja superior a 1 (um) ano permitem a suspenso condicional do

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  • processo (art. 89).

    Para a presente pesquisa, interessam de forma especial dois desses institutos: a transao penal,

    aplicvel s chamadas infraes penais de menor potencial ofensivo (art. 61 da Lei n 9.099/95), e a

    suspenso condicional do processo, cabvel nos casos de infraes de mdio potencial ofensivo.

    A transao penal consiste, por opo legislativa, na proposta, feita pelo rgo de acusao, de

    aplicao imediata (isto , antes da instaurao formal do processo) de pena restritiva de direitos ou

    de multa. Jamais, portanto, implicar a imposio de pena de privao do status libertatis. medida

    que substitui o oferecimento da denncia criminal, evitando que sequer seja iniciada a ao penal

    tradicionalmente concebida.

    Semelhantemente plea bargaining estadunidense, a transao penal suscita acaloradas

    discusses doutrinrias, cujo enfrentamento, infelizmente, no ser feito no estudo proposto, por

    suas prprias limitaes: (1) sobre se constitui direito pblico subjetivo ( liberdade do acusado) ou

    em poder discricionrio do Ministrio Pblico; (2) acerca de malferir direitos fundamentais do

    acusado, como o devido processo legal, a ampla defesa, o contraditrio, a presuno de inocncia e

    o postulado nulla poena sine judicio; (3) quanto natureza negocial e concessria do instituto; (4)

    sobre a colocao do mecanismo entre os princpios da obrigatoriedade (legalidade) e da

    oportunidade; e (5) acerca da natureza da sentena judicial que chancela a transao feita entre as

    partes e, consequentemente, as consequncias de o beneficiado no cumprir a pena restritiva ou

    inadimplir o pagamento da multa.

    Outra relevante medida despenalizadora da Lei dos Juizados Especiais Criminais, a suspenso

    condicional, por sua vez, permite que, aps formalizada a acusao (oferecida a denncia), sempre

    com a concordncia do acusado, interrompa-se a marcha normal do processo, passando-se

    diretamente execuo das condies assumidas, sobretudo a obrigao de indenizar a vtima

    (GIACOMOLLI, 2009, p. 199).

    poca da promulgao da Lei n 9.099/95, a iniciativa do legislador ao instituir a suspenso

    condicional do processo recebeu, de imensa parcela da doutrina, incontveis elogios. Chegou-se a

    consider-la revolucionria, por atingir a to esperada desburocratizao da justia criminal, ao

    mesmo tempo em que permite pronta resposta estatal ao delito, alm da imediata (na medida do

    possvel) reparao dos danos vtima e a ressocializao do infrator (GRINOVER et al, 2002, p.

    45).

    Como observa Lima (2005, p. 175), a suspenso condicional do processo , tambm, uma

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  • transao, na medida em que tanto o Ministrio Pblico como o acusado cedem: o primeiro dispe

    sobre o prosseguimento da persecuo criminal, o segundo, sobre uma parcela de seus direitos e

    garantias.

    No obstante as divergncias que acarretam, a adoo de mecanismos transacionais ou

    negociais revela, inequivocamente, a opo do legislador por um modelo consensual de justia

    criminal, que, a depender do sistema jurdico que se estude, prope a soluo dos conflitos penais

    atravs de formas como a conciliao, a mediao e a negociao.

    A transao penal e a suspenso condicional do processo do ordenamento jurdico brasileiro

    caracterizam, claramente, instrumentos de negociao no processo penal. Necessrio investigar, em

    seguida, se tais mecanismos so adequados a todo o fenmeno criminolgico, isto , a toda e

    qualquer espcie de infrao penal ou, ao contrrio, se existem limites atuao da justia criminal

    consensual.

    5. A Justia Criminal Consensual, a diversificao de formas processuais e os espaos de

    consenso no processo penal

    J se tornou corrente a afirmao segundo a qual o sistema penal encontra-se em crise. Ao

    nvel do senso comum, percebe-se que a durao excessiva dos processos criminais leva a opinio

    pblica a experimentar o sentimento de impunidade; por outro lado, a ausncia de recursos,

    materiais e humanos, de rgos como as polcias e o Ministrio Pblico traz populao a ntida

    sensao de que o sistema penal seletivo, deixando-se de investigar e punir inmeros infratores,

    por critrios no esclarecidos.

    Na doutrina, Fernandes (2001, pp. 96-103) constata que a crise penal revela dois aspectos: 1)

    inflao legislativa em matria penal, com excessiva criminalizao e consequente hipertrofia de

    todo o sistema, levando ao enfraquecimento da eficcia intimidatria da sano; e 2)

    congestionamento processual, com a deletria consequncia de morosidade na tramitao dos

    processos e, como decorrncia, diminuio do efeito de preveno geral do sistema penal.

    Como resposta (ou proposta de soluo) crise do sistema penal, em um ambiente de crescente

    massificao da criminalidade especialmente a pequena e de consequente sobrecarga das

    instncias estatais de represso penal, surge a inevitvel discusso sobre o estabelecimento de um

    modelo consensual de justia criminal. Como j visto, a Lei n 9.099/95 introduziu, no ordenamento

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  • jurdico nacional, mecanismos de negociao no processo penal, como a transao penal e a

    suspenso condicional do processo, de modo que j se pode afirmar, sem receio de incorrer em erro,

    que a justia criminal consensual mais que mero projeto: uma realidade.

    O estudo desse novo modelo de justia penal no dispensa, contudo, alguns comentrios sobre

    sua legitimao. Fernandes (2001, pp. 141-164) assevera que a justia criminal consensual se

    legitima em um duplo fundamento: filosfico e criminolgico. Do ponto de vista filosfico,

    poderiam ser invocadas a teoria do utilitarismo, da resultando um sistema punitivo estatal

    orientado para suas consequncias, centrado na metodologia do output, ou seja, do maior

    rendimento possvel; a teoria do agir comunicativo, de Jrgen Habermas, cuja ideia central seria a

    de criao de uma situao ideal de comunicao, em que a deciso seja o produto de uma

    discusso livre e isenta de coao, fundamentada pela via do discurso; e a teoria da legitimao

    atravs do processo, de Niklas Luhmann, embora, quanto a esta ltima, seja difcil aceitar um

    consenso intra-processual, mas apenas anterior ao prprio processo, no sentido de aceitao, pelos

    futuros sujeitos processuais, da vinculao de suas pretenses deciso judicial.

    J do ponto de vista criminolgico, ainda de acordo com a lio de Fernandes (2011, pp. 141-

    164), o fundamento da justia penal consensual seria a teoria do labeling approach, que volta a

    anlise no para a pessoa do criminoso ou para o fato delituoso, mas sim para o prprio sistema de

    controle. Essa teoria preocupa-se com a seleo informal realizada pelas instncias formais de

    represso penal e, por conseguinte, vislumbra na justia consensual a busca de solues alternativas

    com vista a evitar o efeito estigmatizante do sistema formal de justia penal.

    A perspectiva da labeling approach, sem dvida, lana sria descrena sobre o ideal

    ressocializador do sistema penal. Isto devido, entre outras razes, ao mencionado carter

    estigmatizante das penas, que pode potencializar, em ltima anlise, um efeito multiplicador da

    delinquncia.

    Avanando um pouco mais no estudo de criminologia e poltica criminal, pode-se concluir,

    com apoio em Torro (2000, pp. 115-121), que a justia criminal consensual reflexo de um indito

    rumo poltico-criminal, assentado na interveno mnima do direito punitivo. Trata-se de obter, com

    os novos mecanismos de soluo do conflito penal, maior eficcia de todo o sistema penal e, como

    consequncia, propiciar as finalidades de preveno geral (vetor funcionalidade).

    Torro (2000, p. 117) enfatiza a relevncia do novo paradigma de processo penal, litteris:

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  • Torna-se, deste modo, urgente promover formas de reaco penal que busquem, na medida do possvel, dois objectivos fundamentais. O primeiro prende-se com a necessidade de emprestar celeridade e eficcia ao sistema penal no sentido da sua credibilizao aos olhos dos cidados, potenciando-se o almejado efeito de uma preveno geral integradora. O segundo respeita necessidade de evitar os conhecidos efeitos crimingenos e dessocializadores da tradicional sano penal traduzidos no carcter estigmatizante da pena e na perigosa habituao vida carcerria que desadapta e desenraza o indivduo de uma vivncia livre em sociedade.

    A justia criminal consensual, com seus pilares de utilitarismo e eficincia, entretanto, recebe

    inmeras crticas. Um de seus mais ferrenhos opositores, Lopes Jr. (2002, p. 114) sustenta a

    incompatibilidade desse paradigma de justia com o sistema acusatrio previsto implicitamente na

    Constituio Federal de 1988, especialmente por violao aos seguintes princpios: (a)

    jurisdicionalidade, (b) inderrogabilidade do juzo, (c) separao das atividades de acusar e julgar,

    (d) presuno de inocncia, (e) contradio, e (f) fundamentao das decises judiciais.

    Tambm encontram-se vozes na doutrina alertando para a impossibilidade de renncia, por

    parte da pessoa acusada, de seus direitos fundamentais defesa e ao julgamento por um juiz

    imparcial, vista de provas e por meio de sentena fundamentada, em um processo de

    patrimonializao do Direito Penal, igualmente censurado (PRADO, 2006, p. 224).

    Tais posicionamentos, refratrios s ideias de consenso e de oportunidade no processo penal,

    integram uma corrente do pensamento jurdico que poderia ser caracterizada como puramente

    garantista. Contrape-se a outras teorias, ditas funcionalistas, que aparentam relativizar a legalidade

    e transformar o consenso em um negcio sobre a pena. H, todavia, que se encontrar uma

    composio entre eficientismo, funcionalidade e garantismo no sistema penal. Embora seja dever do

    Estado de Direito garantir os direitos dos cidados, tambm lhe incumbe a misso de promover o

    bem da coletividade. Consequncia disso a exigncia de racionalizao, eficincia e celeridade do

    processo penal (ESSER apud FERNANDES, 2001, pp. 59-61).

    Tratam-se, a funcionalidade e a garantia (justia), de fins a serem perseguidos pelo processo

    penal, de modo a tornar imprescindvel a identificao de um difcil, mas possvel, equilbrio

    (ponderao) entre tais vetores, afinal:

    [] como no se pode tolerar a adoo de um processo penal gil, pronto a atender s necessidades de deflao do sistema de justia criminal, mas destitudo de garantias processuais, no se admite um apego desmedido sua tradicional funo de garantia, sacrificando, desse modo, a exigncia de se prestar uma justia clere. (SANTANA, 2010, p. 153)

    Defende-se, no presente trabalho, o modelo de justia criminal consensual introduzido no

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  • ordenamento jurdico brasileiro atravs da Lei dos Juizados Especiais Criminais, com a adoo de

    mecanismos de negociao no to amplos como a plea bargaining vigente nos Estados Unidos da

    Amrica, e com a diversificao de ritos procedimentais que acelerem a soluo dos conflitos

    penais, mormente no mbito da criminalidade considerada pequena e mdia (critrios de poltica

    criminal).

    De fato, no h como abordar o tema da justia criminal consensual sem tratar, tambm, das

    formas de diversificao de ritos processuais, que implicam, em sntese, a adoo de procedimentos

    mais cleres que conduzam ao ideal de economia processual1.

    Os modernos debates sobre a diversificao de ritos no processo penal culminaram na adoo

    de um novo princpio nessa rea da cincia jurdica: o princpio da adequao. De acordo com

    Fernandes (2001, pp. 135-136), seguido, na doutrina brasileira, por Santana (2010, p. 162), o

    mencionado princpio traduz a necessidade de implementao de diferentes ritos e procedimentos,

    adequando-os gravidade do delito sob o qual incida a persecuo.

    Com efeito, na moderna criminologia, h uma forte tendncia metodolgica a separar a

    criminalidade de acordo com seu potencial ofensivo, dando-se a cada faceta do fenmeno criminal

    uma resposta adequada. Cabe ao ordenamento jurdico prever, para cada espcie de

    criminalidade, respostas penais quantitativa e qualitativamente distintas, com instrumentos e

    procedimentos prprios (MOLINA, GOMES, 2008, pp. 507-508). Alm disso, dentro de um novo

    modelo de justia criminal, devem ficar bem delimitados os espaos de consenso (associados

    pequena e mdia criminalidade) e os espaos de conflito (criminalidade grave).

    Os espaos de consenso esto voltados ressocializao do condenado e podem admitir, para

    respeitar o princpio da autonomia da vontade, o uso voluntariamente limitado de certos direitos e

    garantias fundamentais, tais como o da presuno de inocncia, o da ampla defesa e o do

    contraditrio. J os espaos de conflito esto marcados pelo antagonismo e exigiriam o respeito a

    todos os direitos e garantias constitucionais (MOLINA, GOMES, 2008, p. 508).

    no mbito da criminalidade pequena ou mdia que se insere o modelo de justia criminal

    consensual, com a utilizao de penas ou medidas alternativas e tcnicas procedimentais que

    permitem o que Molina e Gomes (2008, p. 508) denominam deliberado recuo no uso de direitos

    1 Nesse sentido, a diversificao de ritos processuais constituiria espcie do gnero diverso, compreendida como programa que busca alternativas para a soluo dos conflitos de natureza penal diversas do modelo tradicional, seja atravs de mecanismos situados fora do sistema formal de aplicao da justia (desjudicionarizao), seja, em uma abordagem menos radical, dentro dos aparelhos formais de controle, por meio de mero desvio ou diversificao (FERNANDES, 2001, pp. 133-134).

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  • constitucionalmente garantidos (ampla defesa e contraditrio, p.ex.).

    A Lei dos Juizados Especiais Criminais brasileira, ao abrir campo no ordenamento processual

    penal para o consenso, fez nascerem alguns interessantes debates, como aquele relacionado

    adoo do princpio da oportunidade na seara criminal, em contraposio ao tradicional princpio da

    obrigatoriedade (legalidade).

    Essa discusso, a rigor, est intimamente ligada aquela sobre a existncia de espaos de

    consenso no processo penal. Com efeito, oportunidade e consenso, embora no sejam expresses

    sinnimas, trazem o mesmo efeito prtico: a criao de mecanismos de negociao entre os polos da

    relao processual penal, acusao e defesa, visando alcanar o trmino do procedimento ou do

    processo.

    6. Princpio da obrigatoriedade vs. princpio da oportunidade

    De maneira geral, a doutrina nacional adota a regra da obrigatoriedade no exerccio da ao

    penal pblica, normalmente associando-a ao princpio da oficialidade da acusao e ideia de

    legalidade dos atos do Poder Pblico.

    A respeito desses princpios, alis, existe alguma dissonncia ou mesmo dificuldade de

    conceituao. Giacomolli (2006, p. 47) identifica o princpio da legalidade, no processo penal, com

    o interesse pblico a ele subjacente, concluindo que, na instrumentalizao do direito penal

    material, no se admite atuao fora dos ditames legais. Mirabete (1995, p. 110) utiliza

    indistintamente os termos legalidade, obrigatoriedade e necessidade, referentes ao penal (de

    natureza pblica). Torro (2000, p. 125) define legalidade como o princpio segundo o qual a

    entidade titular da ao penal est obrigada a promov-la sempre que tiver adquirido a notcia de

    um crime e desde que tenha verificado a existncia de indcios suficientes da prtica da infrao e

    de quem seriam seus autores. Parece considerar a obrigatoriedade, por conseguinte, como uma

    vertente do princpio da legalidade.

    No obstante as oscilaes de referncias tericas, com Fernandes (2001, p. 90) que

    asseveramos ter a legalidade suas razes histricas na poca do Iluminismo, explicitado como

    instrumento de garantia atribudo ao cidado como decorrente da necessidade da conteno do

    arbtrio estatal, sobretudo o judicial. De toda forma, no campo do processo penal, o princpio da

    legalidade comporta ao menos duas expresses: 1) excluso de qualquer discricionariedade no

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  • exerccio da ao penal, com a consequente obrigao, por parte do Ministrio Pblico, de

    promover a ao penal pblica; e 2) excluso do poder do Ministrio Pblico de dispor da ao

    penal j proposta (FERNANDES, 2001, p. 91). Nessa linha, obrigatoriedade e indisponibilidade, ou

    imutabilidade da acusao pblica, como prefere Torro (2000, p. 127), seriam princpios

    decorrentes da ideia de legalidade.

    Teixeira (2006, pp. 34-35) prope que o princpio da oportunidade deva ser definido por

    referncia ao da legalidade, de maneira que o reconhecimento de espaos de oportunidade no

    ordenamento necessita passar pela compreenso dos efeitos processuais da legalidade e do

    monoplio do Estado na promoo da ao penal. Da ser to importante o exame do princpio da

    obrigatoriedade da ao penal pblica e sua contraposio ao princpio da oportunidade23.

    2 De maneira geral, pode-se dizer que, no direito comparado, o princpio da legalidade (e a consequente obrigatoriedade da ao penal pblica) caracterstico dos pases de cultura jurdica romano-germnica, como, por exemplo, Portugal, Espanha, Itlia, Alemanha e Brasil. Por outro lado, o modelo da oportunidade adotado em pases de tradio anglo-sax, como a Inglaterra e os Estados Unidos da Amrica. A distino acima proposta, na esteira da lio de Teixeira (2006, pp. 127-130), apresenta dois fundamentos bsicos. Em primeiro lugar, do ponto de vista da forma como se cria e aplica o Direito, a tradio romano-germnica assenta em um mtodo de caractersticas dedutivas, com leis gerais e abstratas elaboradas de forma apriorstica, pelo que a funo do aplicador resumir-se- a uma tarefa de subsuno do caso concreto a uma previso normativa. A cultura anglo-saxnica, por sua vez, mais habituada ao mtodo indutivo de resoluo de casos concretos, implicando que as normas gerais se definem a posteriori, a partir da deciso judicial (regra do precedente). Facilmente se pode compreender que, nos pases de tradio romano-germnica, a entidade judicial exercita menos sua discricionariedade no ato de decidir, em comparao ao que se passa no sistema da common law. Da ser natural que, no campo do processo penal, aqueles pases (civil law) se mostrem mais vocacionados para a adoo do princpio da obrigatoriedade da ao penal. Em segundo lugar, deve-se entender que o direito processual penal constitui ramo do Direito Pblico, de modo que a relao jurdica material subjacente ao processo penal engloba, de um dos lados, a defesa do interesse pblico, traduzido na necessidade de reposio dos bens jurdicos eventualmente ofendidos. Nos pases de cultura romano-germnica, existe forte tendncia a limitar a atuao dos sujeitos processuais quando em causa est a salvaguarda do interesse pblico, do que resultam as regras da obrigatoriedade na promoo da ao penal e da indisponibilidade do objeto processual. Inversamente, nos pases de tradio anglo-sax, toda a cultura jurdica assenta em base liberal-individualista, o que implica que, mesmo quando em jogo esto interesses da comunidade, existe a crena de que mesmo aquele que representa esses interesses deva se comportar como se defendesse os seus prprios interesses privados, da resultando a reflexa proteo do interesse pblico. Compreende-se, pois, a proximidade do processo penal da common law com a estrutura do processo civil de jurisdio contenciosa, onde, por excelncia, resolvem-se os conflitos de interesses privados. Da se considerar ser este o sistema adversarial ou acusatrio puro, verdadeiro processo de partes, com vigncia do princpio dispositivo e maior abertura ao princpio da oportunidade.

    3 Em interessante trabalho, Teixeira (2006, pp. 18-22) observa que a oportunidade, em uma perspectiva das entidades depositrias de seu exerccio, pode estabelecer-se em vrios nveis. Em primeiro lugar, ao nvel da interveno poltico-legal do poder poltico. Trata-se do estabelecimento de um programa criminal orientado pela oportunidade, por meio de solues legislativas a incidir sobre a seletividade do objeto processual (seleo dos tipos penais) e sobre a diversidade e simplificao dos meios processuais, neste caso basicamente em torno do (no) exerccio da ao penal e do uso de ritos judiciais cleres. Um segundo nvel de posicionamento do exerccio da oportunidade o da interveno poltico-administrativa do governo. Nesse nvel, a fim de conduzir efetivamente a poltica criminal, trata-se da adoo de medidas governamentais de ndolo concreta (guidelines, diretiva, medidas administrativas etc), que visem impor prioridades de tratamento de certas matrias penais, ou implementar uma determinada estratgia de investigao criminal, ou privilegiar certo procedimento em detrimento de outro. Outro nvel o da interveno de um organismo especfico ou intermdio, com a concentrao da iniciativa e da gesto da poltica criminal em rgo criado especialmente para tal tarefa (Conselho Judicirio), a quem incumbiria a definio concreta dos macro-objetivos no combate ao crime, o estabelecimento de interpretaes s leis e aos conceitos abertos (p.ex., a justa causa para o oferecimento de denncia criminal) etc. Por ltimo, o nvel em que normalmente se posiciona o debate sobre o exerccio da oportunidade o da interveno do titular da ao penal (Ministrio Pblico). Em tal debate que mereceria um estudo prprio , colocam-se problemas como o da

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  • Desde logo, ressalte-se que o posicionamento defendido no presente trabalho o de que o

    princpio da obrigatoriedade da ao penal pblica, embora seja a regra, no absoluto, podendo

    ceder espao, em prol da oportunidade, desde que razes de interesse pblico autorizem o no-

    exerccio da ao penal por parte de seu titular (Ministrio Pblico).

    Com efeito, embora no exista, seja na Constituio Federal, seja no Cdigo de Processo Penal,

    disposio expressa adotando o princpio da obrigatoriedade, costuma-se inferir sua vigncia da

    regra contida no artigo 24 do Codex processual, segundo o qual, nos crimes de ao pblica, esta

    ser promovida por denncia do Ministrio Pblico.

    A concluso, todavia, parece equivocada.

    A disposio do artigo 24 do CPP, em sua dico literal, apenas pretende atribuir a uma

    instituio especfica (o Ministrio Pblico) a titularidade para a promoo da ao penal pblica,

    excluindo a possibilidade de que o prprio ofendido (particular) exera a persecuo penal. Idntica

    soluo foi adotada pela vigente Constituio Federal, em seu artigo 129, I, ao considerar funo

    institucional do Parquet a promoo, com privatividade, da ao penal pblica.

    Ao contrrio do sustentado pela doutrina, no h qualquer imposio, no artigo 24 ou em

    qualquer outro dispositivo do Cdigo de Processo Penal, de que o Ministrio Pblico promova a

    ao penal pblica de forma obrigatria (compulsria), como se fosse um autmato oferecedor de

    denncias.

    A adoo do princpio da obrigatoriedade como regra geral, portanto, parece decorrer de uma

    tradio histrica, ao menos nos pases de cultura jurdica romano-germnica, de apego

    legalidade, com consequente excluso de qualquer discricionariedade por parte do titular da ao

    penal pblica4.

    Na linha do brilhante estudo feito por Gazoto (2003), sustentamos que a legalidade, no

    processo penal, no significa obrigatoriedade no exerccio da ao penal pblica, mas sim

    indisponibilidade do interesse pblico depositado nas mos do titular da persecutio criminis (o

    Ministrio Pblico). Por via de consequncia, e reconhecendo a existncia de diversas situaes em

    uniformizao de tratamento dos casos iguais (isonomia), da margem de discricionariedade usada na avaliao dos casos concretos, do alargamento dos fundamentos vlidos para o no-exerccio da ao penal, da adoo de solues de oportunidade no previstas na lei (equidade), do necessrio controle jurisdicional e, sobretudo, da determinao dos critrios de oportunidade.

    4 J parece bvio concluir que, por outro lado, o princpio da obrigatoriedade no vigora nos Estados Unidos da Amrica, embora no Ttulo 28, Parte II, Captulo 35, 547, o U.S. Code estabelea a seguinte regra: Except as otherwise provided by law, each United States Attorny, within his district, shall (1) prosecute for all offenses against the United States [...]. A regra, todavia, no interpretada como se exigisse a atuao da promotoria (princpio da obrigatoriedade), mas apenas esclarecendo o carter pblico da ao penal, deferindo-a exclusivamente ao Ministrio Pblico (ALBERGARIA, 2007, p. 54).

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  • que o interesse pblico recomenda o no-exerccio da ao penal (inutilidade da sentena

    condenatria por inevitabilidade da prescrio retroativa, excesso de demanda dos servios

    judicirios com a necessidade de eleio de prioridades na formulao das acusaes etc.),

    conclumos, de lege ferenda, pela possibilidade de atuao ministerial submetida ao princpio da

    oportunidade, como exceo regra geral de obrigatoriedade5.

    Como leciona Giacomolli (2006, p. 68), o princpio da oportunidade autoriza o acusador oficial

    a iniciar ou no a ao penal, a incluir todos os fatos possivelmente delitivos ou excluir alguns, e a

    pedir a aplicao de todas as sanes cabveis ou limit-las, segundo lhe convenha. Tambm o

    autoriza a manter ou no a acusao durante o desenvolvimento do processo, podendo pedir a

    absolvio ou a condenao por um delito menos grave, mesmo quando a prova conduz a outra

    soluo.

    Necessrio distinguir, ainda, a oportunidade pura, que no encontra qualquer limite legal, da

    denominada oportunidade regrada (GIACOMOLLI, 2006, p. 70). Nesta, o prprio sistema prev

    requisitos para que o rgo de acusao ou, eventualmente, o rgo jurisdicional, possam atuar por

    critrios de oportunidade. Trata-se, em ltima anlise, do princpio da legalidade operando com a

    peculiaridade de autorizar a atuao da acusao com uma certa dose devidamente regulamentada

    de oportunidade (discricionariedade).

    As formas de consenso no processo penal podem ser ilimitadas a plea bargaining ou

    ocorrer uma autorizao legal para que tenham eficcia sistema continental , com ou sem

    controle jurisdicional, a depender do ordenamento jurdico (GIACOMOLLI, 2006, p. 72).

    Sendo inegvel que a plea bargaining da tradio anglo-saxnica e as medidas

    despenalizadoras da legislao brasileira dos Juizados Especiais Criminais refletem um certo

    modelo de justia criminal (consensual), h que se considerar as significativas diferenas entre eles.

    Em primeiro lugar, nos Estados Unidos da Amrica a negociao admitida amplamente, no se

    restringindo criminalidade de pequena ou mdia gravidade. Alm disso, pelo instituto da plea

    bargaining a atuao da acusao irrestrita, pois vigora naquele pas o princpio da oportunidade,

    5 No se trata de defender a oportunidade e a disponibilidade da ao penal em termos absolutos. Mas entendemos que a persecuo criminal em juzo se submete avaliaes como a da necessidade/utilidade (interesse de agir), cujo resultado pode autorizar a inrcia do Ministrio Pblico. A natureza eminentemente administrativa da atividade ministerial significa sua submisso ao princpio constitucional da eficincia (art. 37, caput, da CF/88, com a redao dada pela EC n 19/98), o que traz para a instituio a exigncia de conferir tratamento racional e eficiente dos casos penais, com a melhor gesto possvel de recursos escassos em um ambiente de sobrecarga de trabalho e de demanda judiciria (GAZOTO, 2003). O exerccio desse poder discricionrio, contudo, deve ser exercido com elevada dose de parcimnia, na medida em que as decises tomadas pela instituio no se sujeitam a qualquer controle poltico e a fracos controles judicial e institucional (interno).

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  • sob a forma de discricionariedade pura. Ainda, esse tipo de negociao implica reconhecimento de

    culpa (guilty plea), e oferta de alguma vantagem (acusao por crime menos grave ou nmero

    menor de crimes) para se obter a confisso, o que no ocorre no modelo brasileiro de transao

    penal, ao menos nos moldes atuais6 (ZANATTA, 2001, pp. 29-30).

    Mencione-se, tambm, que os mecanismos de consenso no rito procedimental dos Juizados

    Criminais, no Brasil, tm lugar em audincia judicial, em ato pblico, realizado ao alcance dos

    olhos da sociedade, ao passo que a plea bargaining ocorre em ambiente privado, em conversas

    informais entre a acusao, o ru e seu defensor, o que, segundo alguns, reduz o controle popular

    sobre a atuao dos acusadores e contribui para a percepo, muitas vezes equivocada, de que no

    se fez Justia (CHEMERINSKY, LEVENSON, 2008, pp. 649-651).

    No se pode negar, entretanto, que a previso expressa da transao penal e da suspenso

    condicional do processo significa a consagrao, ao menos parcial, do princpio da oportunidade em

    nosso sistema jurdico. Tem-se, ento, o reconhecimento, de lege lata, de certa discricionariedade

    por parte do Ministrio Pblico no exerccio da ao penal.

    Evidentemente, aqui no se trata de discricionariedade pura, mas regrada (regulamentada).

    Com efeito, no concebvel que o representante da acusao possa negar-se a oferecer os

    benefcios da Lei n 9.099/95 ao seu alvedrio, por critrios absolutamente pessoais e arbitrrios,

    nem mesmo possa faz-lo sem deixar expressas as razes para a negativa. O Ministrio Pblico no

    possui um total poder de disposio dos institutos da transao penal e da suspenso condicional do

    processo e, via de consequncia, da prpria ao penal (ZANATTA, 2001, p. 115). No pode optar

    livremente por qual via seguir, despenalizante ou condenatria, conforme sua convenincia de

    ordem poltico-criminal.

    A formulao das propostas de transao penal e de sursis processual, portanto, caracterizam-

    se como atos de discricionariedade regrada, o que significa dizer que, presentes os requisitos legais,

    descritos nos artigos. 76 e 89 da Lei n 9.099/99, o Ministrio Pblico tem o dever (poder-dever) de

    oportunizar pessoa acusada os benefcios despenalizadores prprios do rito sumarssimo dos

    Juizados Especiais Criminais.

    esse o entendimento atualmente consolidado no Superior Tribunal de Justia, sustentando

    que o titular da ao penal s pode negar o oferecimento dos benefcios da Lei dos Juizados por

    6 Como se ver adiante, em tpico prprio, o Anteprojeto de CPP, atualmente em trmite no Congresso Nacional (PLS n 156/2009), prev um novo mecanismo de consenso, mais amplo que a transao penal e a suspenso condicional do processo, condicionado ao reconhecimento de culpa pela pessoa acusada, porm permitindo a aplicao de pena at mesmo abaixo do patamar mnimo legal.

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  • razes concretas que revelem o no-preenchimento dos requisitos legais (vide, p.ex., o HC n

    83.828/SP, Min.. JANE SILVA 5 Turma, julgado em 4/10/2007, DJ 22/10/2007, p. 334).

    7. Propostas de ampliao do espao de consenso no processo penal brasileiro e

    (in)compatibilidade do modelo da plea bargaining com o ordenamento jurdico nacional

    Os contributos doutrinrios ora analisados, tanto no Brasil como no exterior, revelam forte

    tendncia a limitar os mecanismos de consenso no processo penal a uma determinada faceta do

    fenmeno criminolgico infraes de pequeno e mdio potencial ofensivo , e sob as mais

    variadas condies.

    Avanando em relao s inovaes trazidas pela Lei n 9.099/95, o Anteprojeto de Cdigo de

    Processo Penal em trmite no Congresso Nacional (PLS n 156/2009) pretende introduzir uma nova

    forma de diversificao de ritos processuais, com sumarizao do procedimento (antecipao do

    juzo condenatrio) e negociao entre as partes.

    Trata-se, com efeito, de medida restrita aos crimes cuja sano mxima no ultrapasse o limite

    de 8 (oito) anos de pena privativa de liberdade, no mbito do processo comum sumrio.

    Inegavelmente, est-se diante de nova alternativa, diversa do procedimento ordinrio, prpria

    mdia criminalidade, claramente com o intuito de obter maior celeridade processual e atender, de

    forma eficaz e funcional, forte e crescente demanda pelos servios judicirios.

    Nos termos do PLS n 156/2009, tanto o Ministrio Pblico quanto o acusado, este por seu

    defensor, podero requerer, at o incio da audincia de instruo, a aplicao imediata de pena,

    inclusive privativa de liberdade (art. 283, caput). Para tanto, contudo, deve haver confisso, total ou

    parcial, em relao aos fatos imputados na pea acusatria (art. 283, 1, I). Alm disso, havendo

    acordo, ficar a pena fixada no mnimo de cominao legal (art. 283, 1, II), podendo ainda ser

    diminuda em at 1/3 (um tero), se as condies pessoais do agente e a menor gravidade das

    consequncias do crime o indicarem (art. 283, 3, em claro benefcio do acusado.

    Na exposio de motivos do anteprojeto de lei, a comisso de juristas responsvel pela

    elaborao do texto, coordenada por Hamilton Carvalhido, Ministro do Superior Tribunal de

    Justia, e sob a relatoria de Eugnio Pacelli de Oliveira, Procurador Regional da Repblica, deixou

    assente sua inteno de introduzir no ordenamento processual penal um novo rito de imediata

    aplicao de pena mnima ou reduzida, quando confessados os fatos e ajustada a sano entre

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  • acusao e defesa.

    O ineditismo da nova alternativa, denominada pelo futuro CPP simplesmente de processo

    sumrio, mas talvez mais bem denominado como procedimento abreviado ou, como a prpria

    comisso elaboradora o identificou, rito de imediata aplicao de pena mnima ou reduzida,

    reside na imposio de pena privativa de liberdade sem o tradicional devido processo legal

    condenatrio. Adotado o novo rito, e havendo confisso quantos aos fatos e ajuste entre as partes (e

    o magistrado), haver juzo condenatrio, porm nos limites mnimos que poderiam ser atingidos no

    modelo de rito tradicional. Para tanto, evidentemente, exige-se a confisso de culpa e a dispensa,

    pelas partes, da produo de provas.

    A pretendida modificao legislativa, fatalmente, ser alvo de inmeras crticas, sobretudo por

    parte daquele setor do pensamento jurdico identificado por Fernandes (2001, pp. 10-11) como

    garantista ou garantidor, que enxerga no Direito Penal um instrumento de defesa e limite das

    interferncias do poder estatal na questo penal, atravs da sua sujeio s regras constitucionais

    asseguradoras de direitos, garantias e liberdades individuais.

    Possivelmente ser dito, inclusive, que a inteno do legislador foi aproximar o processo penal

    brasileiro do modelo de plea bargaining tpico dos Estados Unidos da Amrica. No nos parece,

    todavia, ser essa a melhor concluso. E nem mesmo seria possvel a introduo, no ordenamento

    processual ptrio, da plea bargaining estadunidense, ao menos no no atual estgio de

    desenvolvimento da instituio do Ministrio Pblico.

    Naquele pas, a ampla negociao admitida, basicamente, porque ao titular da ao penal se

    assegura discricionariedade quase irrestrita sobre a persecuo criminal. Submete-se, claro, a

    controle judicial, por vezes fraco, e, sobretudo, a controle poltico7.

    No Brasil, por outro lado, no dispe o Ministrio Pblico de to ampla discricionariedade,

    franqueando-se instituio certa margem de liberdade de ao, porm nos estritos termos da

    autorizao legislativa respectiva (v.g., a Lei n 9.099/95).

    Sob outro vis, a plea bargaining , em geral, obtida aps o emprego, pela acusao, de alguma

    dose de coero. A prpria possibilidade, assegurada aos promotores estadunidenses, de acusarem o

    7 O tema bastante interessante e talvez merecesse um estudo a ele dedicado com exclusividade. Nos limites do presente trabalho, porm, no poderamos deixar de observar que o Ministrio Pblico norte-americano apresenta traos essenciais bem distintos de seu congnere brasileiro. No que diz respeito ao chamado controle poltico, certo que, naquele pas, a forma de provimento dos membros do Ministrio Pblico mais verificada a eletiva. Da decorrem duas srias consequncias: (1) os promotores respondem a seu eleitorado, possuindo responsabilidade poltica; e (2) so os eleitores, atravs do pagamento de tributos, que do suporte financeiro s atividades do MP (aos offices). Essas caractersticas influem diretamente no trabalho dirio dos prosecutors, positiva ou negativamente (ALBERGARIA, 2007, pp. 35-38).

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  • Sob outro vis, a plea bargaining , em geral, obtida aps o emprego, pela acusao, de alguma

    dose de coero. A prpria possibilidade, assegurada aos promotores estadunidenses, de acusarem o

    ru por crime mais grave caso no aceitem a proposta, ou de recomendarem a aplicao de pena

    mais severa o que no existe no Brasil , por certo funciona como forte presso sobre a deciso a

    ser tomada pela pessoa acusada. Para agravar o quadro, a plea bargaining normalmente se obtm

    em ambiente privado, em reunies com a presena exclusiva das partes (acusao, ru e defensor),

    longe dos olhares do pblico em geral, o que dificulta a compreenso pela sociedade dos

    mecanismos de funcionamento da justia.

    No modelo proposto pelo PLS n 156/2009, seguindo a tradio iniciada pela Lei dos Juizados

    Especiais Criminais, no haver margem de manobra to grande por parte do Ministrio Pblico,

    que dever formular a acusao de acordo com os elementos de prova de que dispuser. Ao contrrio

    do que ocorre nos Estados Unidos da Amrica, no poder imputar fato mais grave, a fim de

    facilitar a barganha processual. A discricionariedade exercida nos exatos limites da legalidade

    (discricionariedade regrada). E, ressalta-se, em audincia pblica, com a presena do juiz.

    Talvez o ponto de maior aproximao entre os modelos seja a exigncia de reconhecimento de

    culpa, sem o que, obviamente, no se poderia admitir a imposio (e aceitao pelo infrator) de

    pena de privao de liberdade.

    Mais uma vez, trata-se de medida benfica ao acusado, por redundar na aplicao da sano no

    mnimo legal ou at mesmo abaixo de tal patamar. Inexiste violao ao due process of law, desde

    que se tenha em mente que, por opo legislativa, o processo sumrio seja uma nova modalidade de

    devido processo legal condenatrio8. E no se alegue significar a imposio de pena privativa de

    liberdade sem formao de culpa, pois esta ser confessada pelo prprio acusado, em um ambiente

    espera-se propcio a que ele compreenda as consequncias de sua deciso, o que, alis, aumenta

    a importncia, nesse iter dialogal, da figura do advogado.

    8 Sem fugir s limitaes do presente estudo, pode-se afirmar que, no Brasil, h uma resistncia muito intensa, tanto na doutrina como na jurisprudncia, aceitao da renncia a direitos fundamentais como o devido processo legal, ao passo que, nos EUA, aceita-se a renncia (waive of rights) como exerccio da autonomia da vontade individual. Parece que, enquanto o due process of law encarado, nos EUA, como direito do cidado, portanto renuncivel (v.g., quando reconhece culpa e renuncia ao direito a ser julgado pelo Jri), no Brasil o devido processo legal, embora tambm enunciado como direito/garantia, assume caractersticas de dever do Poder Pblico, irrenuncivel pelo indivduo. Essa distino pode ser explicada, com recurso a estudos das cincias sociais, a partir das diferentes percepes, nos EUA e no Brasil, acerca do papel do Estado na defesa dos direitos dos cidados: em linhas gerais, enquanto naquele pas valoriza-se a autonomia individual, mantendo-se o Estado em posio de retrao relativamente esfera particular, no Brasil espera-se uma tutela estatal por vezes excessiva. No campo do processo penal, essa viso tipicamente brasileira sobre a funo do Poder Pblico se refletiria na assertiva de que o cidado (acusado) no teria autonomia para renunciar ao direito ao devido processo legal, aceitando a aplicao imediata de pena (sem, mas sobretudo com confisso de culpa).

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  • No se pode deixar de elogiar o anteprojeto de CPP, que, sem abandonar a perspectiva

    garantista do processo penal, colabora com a busca por maior celeridade dos procedimentos e

    eficcia de todo o sistema penal.

    Um ltimo ponto a ser objeto de consideraes no presente estudo diz respeito possibilidade

    de adoo, no processo penal brasileiro, da figura da plea bargaining tal qual utilizada nos Estados

    Unidos da Amrica. Em outras palavras, indaga-se: poderia a acusao dispor da persecuo

    criminal de forma ampla, negociando com o acusado os termos da imputao e da (futura) sentena,

    em troca da confisso de culpa? Poderia desistir da ao penal j iniciada (nolle prosequi) ou

    diminuir a gravidade da acusao formulada?

    Embora complexa a questo, no nos parece vivel, ao menos no atual momento, a concesso

    de amplo poder de barganha ao Ministrio Pblico, quando da formulao da imputao criminal.

    Em primeiro lugar, porque a conformao dada pela Constituio vigente ao Ministrio

    Pblico, mantendo a tradio nacional, exclui qualquer forma de controle poltico sobre a atuao

    efetiva de seus membros. E tal ocorre, sobretudo, em razo da regra de provimento dos cargos nas

    carreiras do Ministrio Pblico por concurso pblico de provas e ttulos (merit system), em

    substituio a processo democrtico de eleio, como ocorre nos Estados Unidos da Amrica9.

    Com a ausncia de controle poltico, resta atuao do membro do Ministrio Pblico

    brasileiro apenas o controle judicial, exercido pelos magistrados, via de regra de maneira bastante

    comedida (judicial self-restraint), o que pode se explicar, em parte, por uma espcie de reverncia a

    uma instituio (o Ministrio Pblico) equiparvel constitucionalmente, em termos de direitos e

    garantias, ao prprio Poder Judicirio10; de outra banda, e mantendo o foco na persecuo criminal,

    9 O provimento dos cargos de prosecutor por procedimento democrtico de eleio, ao menos em tese, aumentaria as chances de que esses profissionais guiassem sua atuao pelos interesses e valores de seu eleitorado (pblico). Na doutrina norte-americana, e mesmo ao nvel do senso-comum, defende-se que, quanto maior a discricionariedade exercida pelo agente pblico, maior deve ser a accountability (expresso de difcil traduo, associada responsabilizao e ao dever de prestao de contas) a que deveriam estar sujeitos. WRIGHT (2009) defende, entretanto, que, em termos prticos, o regime eleitoral dos chief prosecutors norte-americanos pouco ajuda no controle poltico exercido pelo eleitorado. Segundo seu estudo, as campanhas eleitorais dos prosecutors praticamente no discutem os valores e prioridades de poltica criminal encampados pelos candidatos; apenas fazem propaganda do sucesso estatstico do candidato reeleio, v.g., ou enfocam as solues exitosas de poucos casos famosos. Alm de sugerir, como soluo, a melhora dos parmetros de debate da qualidade de suas atividades, o autor tambm defende a submisso dos prosecutors a regras administrativas de publicidade e transparncia, v.g,, exigncias de divulgao de dados estatsticos de produtividade da persecuo criminal.

    10 No sistema legal norte-americano, mais fcil justificar essa posio passiva do Poder Judicirio, quanto s atividades do rgo de acusao, com fundamento na doutrina da separao dos poderes estatais. De fato, a imputao atividade exercida exclusivamente pelo Ministrio Pblico, integrante do Poder Executivo (ALBERGARIA, 2007, p. 97). A escolha de quem deve ser processado e em que situaes processar cabe aos prosecutors, somente a eles podendo caber decidir sobre a mais eficiente alocao dos recursos da acusao MILLER, WRIGHT, 2007, p. 367). J no Brasil, embora exera funes tipicamente administrativas, h certa

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  • tambm se percebe claramente uma quase absoluta aquiescncia por parte dos juzes s

    manifestaes processuais do Ministrio Pblico, ocasionada por razes bastante pragmticas. Por

    que revisar, v.g., as razes de arquivamento invocadas pela acusao se isso diminuir a quantidade

    de processos judiciais?

    Em segundo lugar, porque um dos princpios institucionais do Ministrio Pblico brasileiro,

    nos termos da Constituio vigente, o da independncia funcional (art. 127, 1, da CRFB/88). A

    independncia funcional, embora constitua importante garantia do membro do Parquet, sem dvida

    dificulta a uniformizao da atuao da instituio, impedindo que o Ministrio Pblico se torne

    verdadeiro gestor de poltica criminal.

    Com efeito, o atual estgio de desenvolvimento da instituio no permite imaginar o

    Ministrio Pblico como formulador e, ao mesmo tempo, executor de uma poltica criminal segura.

    A ausncia de guidelines ou orientaes vinculantes emanadas dos rgos superiores da instituio,

    aliada falta de hierarquia prpria de sua estrutura organizacional, por vezes pe em xeque a noo

    de unidade, outro princpio institucional (art. 127, 1, da CRFB/88).

    Com esse desenho institucional, no h condies para franquear ao Ministrio Pblico

    maiores poderes de negociao no processo penal, salvo aqueles criteriosamente regulamentados

    por disposio legal. Mais ainda que nos Estados Unidos da Amrica, a justia criminal negociada,

    com algo mais prximo plea bargaining, traria ao ordenamento jurdico nacional srias

    dificuldades em termos de isonomia no tratamento de casos iguais, na medida em que, no Brasil, o

    representante da acusao senhor quase absoluto de suas decises, sujeitando-se apenas, como

    tantas vezes repetido na doutrina, lei e suas prprias convices1112.

    8. Concluses

    relutncia em posicionar o Ministrio Pblico como rgo de qualquer um dos Poderes da Repblica.11 MAZZILLI (2000, pp. 142-143), comentando o princpio da independncia funcional, observa, litteris: No se pode

    impor um procedimento funcional a um membro do Ministrio Pblico, seno fazendo recomendao sem carter normativo ou vinculativo, pois a Constituio e a lei complementar, antes de assegurarem garantias pessoais aos membros do Ministrio Pblico, deram-lhes garantias funcionais, para que possam servir aos interesses da lei, e no aos dos governantes. Em outra passagem, o autor registra, textus:Mas nenhum procedimento ou manifestao podem impor os rgos de administrao superior no tocante a matrias cuja soluo dependa da deciso e da convico do membro da instituio, garantido por irrestrita independncia funcional.

    12 Veja-se que o argumento ora defendido no ataca diretamente o princpio da independncia funcional, imprescindvel garantia de iseno na atuao do membro do Ministrio Pblico. Apenas se quer demonstrar que, em um modelo de justia criminal verdadeiramente negociada (plea bargaining), o risco do subjetivismo injustificvel e da arbitrariedade s seria diminudo caso a instituio fosse fortemente estruturada em termos de unidade, com relativa mitigao da independncia funcional em prol da observncia de orientaes claras de poltica criminal, seja emanada de rgos superiores da prpria instituio (Procurador-Geral, v.g.), seja provenientes de rgo ou entidade externo, a quem fosse incumbida a formulao de tal poltica (Conselho Nacional do Ministrio Pblico, p. ex.).

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  • Partindo da premissa de que o processo penal configura importante instrumento de poltica

    criminal, contribuindo para o atingimento das finalidades do Direito Penal, defendeu-se, no

    presente artigo, a possibilidade de equilbrio entre garantismo e funcionalismo (eficientismo), com a

    introduo de mecanismos de diversificao (ou diverso), fundados em consenso entre as partes ou

    na mitigao da legalidade processual (obrigatoriedade), sem, contudo, violao a direitos e

    garantias essenciais do acusado. Parte-se da ideia de que, em um Estado de Direito, tambm a

    administrao funcional da justia revelante valor a ser perseguido, inclusive para que se

    alcancem finalidades de preveno geral do sistema.

    A justia criminal consensual reflexo claro de uma orientao poltico-criminal de

    interveno mnima do direito (e sistema) punitivo, preocupada em extrair maior eficcia de todo o

    sistema penal, e, por conseguinte, propiciar as finalidades de preveno geral (vetor

    funcionalidade).

    Entende-se que o sistema penal deve perseguir, ao mesmo tempo, a funcionalidade (eficincia)

    e a garantia (justia), pois, se no se deve negar que ao Estado incumbe garantir os direitos dos

    cidados, tambm cabe a ele promover o bem da coletividade, da se impor a exigncia de

    racionalizao, eficincia e celeridade do processo penal.

    Mostrou-se que a justia criminal consensual se fundamenta na distino dos chamados

    espaos de consenso e espaos de conflito, conforme o tipo de criminalidade em questo. Os

    espaos de consenso (pequena e mdia criminalidade) esto voltados ressocializao do

    condenado e admitem o uso voluntariamente limitado de direitos e garantias fundamentais, como a

    presuno de inocncia e a ampla defesa, p.ex. J os espaos de conflito (criminalidade grave) so

    marcados pelo antagonismo e exigem o respeito integral a todos os direitos e garantias

    constitucionais.

    No sistema norte-americano, a negociao consistente na plea bargaining ampla, no se

    restringindo criminalidade pequena e mdia. A acusao tem poderes irrestritos, atuando com

    inteira discricionariedade (oportunidade pura). Alm disso, a plea bargaining exige o

    reconhecimento de culpa (guilty plea), com a renncia, pelo ru, de alguns direitos fundamentais

    (p.ex., devido processo legal).

    No obstante apresente caractersticas diversas, o modelo de justia criminal consensual

    introduzido pela Lei dos Juizados Especiais reconhece, ao menos parcialmente, a vigncia do

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  • princpio da oportunidade em nosso sistema jurdico. Trata-se, contudo, de discricionariedade

    regrada, na medida em que a lei impe requisitos para o no-exerccio da ao penal, em seus

    moldes tradicionais, pelo Ministrio Pblico.

    O Anteprojeto de Cdigo de Processo Penal em tramitao no Congresso Nacional (PLS n

    156/2009) pretende introduzir uma nova forma de diversificao de ritos processuais, com

    sumarizao do procedimento (antecipao do juzo condenatrio) e negociao (limitada) entre as

    partes. Trata-se de medida aplicvel aos crimes com sano mxima no superior a 8 (oito) anos

    (mdia criminalidade), denominada processo sumrio.

    Pela nova medida, o Ministrio Pblico e o acusado poder requerer, antes da audincia de

    instruo do processo, a aplicao imediata de pena, inclusive privativa de liberdade, desde que o

    ru confesse sua culpa. Havendo acordo, a pena ser fixada no mnimo legal, ou mesmo abaixo

    desse patamar, se as condies pessoais do agente e a menor gravidade do crime forem favorveis.

    O processo sumrio trazido pelo Anteprojeto de CPP no se confunde com a plea bargaining.

    No h, na proposta, exerccio de discricionariedade pura pela acusao, mas sim de oportunidade

    regrada, sujeita s limitaes previstas no texto legal.

    O maior ponto de aproximao entre os modelos (do Anteprojeto de CPP e da plea bargaining

    estadunidense) a exigncia de reconhecimento de culpa, pressuposto lgico da imposio (e

    aceitao) de pena privativa de liberdade. Trata-se de medida benfica ao acusado, por resultar na

    aplicao de sano no mnimo legal ou mesmo abaixo desse patamar. No h violao ao due

    process of law, desde que se compreenda o processo sumrio como uma nova modalidade de devido

    processo legal condenatrio. Outrossim, o reconhecimento da culpa ocorrer em ambiente propcio,

    sob os olhares de um juiz, sem a forte presso (coero) imposta pela plea bargaining dos Estados

    Unidos da Amrica.

    A proposta de diversificao do rito processual trazida pelo Anteprojeto de CPP, portanto,

    merece mais elogios que crticas, na medida em que, sem abandonar a perspectiva garantista do

    processo penal, colabora na busca por maior celeridade dos procedimentos e eficcia de todo o

    sistema penal.

    Ao longo do presente estudo, defendeu-se a inviabilidade de adoo da figura da plea

    bargaining no sistema jurdico brasileiro, principalmente em razo do desenho institucional do

    Ministrio Pblico, fortemente estruturado a partir do princpio da independncia funcional (art.

    127, 1, da Constituio da Repblica) e no submetido a qualquer controle poltico, como seu

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  • congnere estadunidense.

    A ausncia de hierarquia e de diretrizes (guidelines) internas elaboradas por rgos superiores

    da prpria instituio tornam difcil imaginar o Ministrio Pblico como verdadeiro formulador e

    executor de uma poltica criminal segura. Em decorrncia, sustentou-se a impossibilidade de

    franquear instituio maiores poderes de negociao no processo penal, salvo aqueles

    expressamente regulamentados por lei, sob pena de srio risco de prticas discricionrias

    (oportunidade pura) e anti-isonmicas.

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