Date post: | 06-Nov-2015 |
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Universidade de Braslia
Faculdade de Comunicao FAC
Departamento de Jornalismo
PRODUO DO JORNALISMO CULTURAL EM RDIOS
PBLICAS: ANLISE DE PROGRAMAS DA EDUCADORA
FM (BA) E DA FM CULTURA (RS)
MONIQUE SILVA RODRIGUES
Braslia, DF
2015
1
Universidade de Braslia
Faculdade de Comunicao FAC
Departamento de Jornalismo
PRODUO DO JORNALISMO CULTURAL EM RDIOS
PBLICAS: ANLISE DE PROGRAMAS DA EDUCADORA
FM (BA) E DA FM CULTURA (RS)
MONIQUE SILVA RODRIGUES
Monografia apresentada Faculdade de
Comunicao da Universidade de Braslia
como requisito final para obteno do ttulo de
Bacharela em Comunicao Social com
habilitao em Jornalismo, sob orientao do
professor Carlos Eduardo Esch.
Braslia, DF
2015
2
ATA DE DEFESA PBLICA DE PROJETOS EXPERIMENTAIS
MONOGRAFIA
Data: 23/01/2015 Local: UnB Semestre: 2/2014
Nomes do projeto: Produo do jornalismo cultural em rdios pblicas: anlise de programas da Educadora FM
(BA) e da FM Cultura (RS)
Executor
Nome: Monique Silva Rodrigues
Matrcula: 10/0049974
Professor Orientador (Presidente da Banca Examinadora):
Carlos Eduardo Esch
1 Membro da Banca Examinadora: Nelia Rodrigues del Bianco
2 Membro da Banca Examinadora: Srgio de S
Membro Suplente: Paulo Paniago
AVALIAO
Item avaliado:
Coerncia
Importncia
Seleo de mtodos
Apresentao do trabalho
MDIA FINAL
MENO
Braslia, 23 de janeiro de 2015.
Orientador Membro Membro
3
Agradecimentos
Sempre e em primeiro lugar a Deus, criador de todas as coisas.
minha famlia pai, me, irmos, avs, tios e primos pelo apoio, incentivo e
compreenso. Em especial mame que, alm do colo, deu uma fora com as tabelas.
Ao Pedro, grande amor da minha vida e porto seguro, por tudo o que j passou, pelo hoje e
pelo amanh.
Chiara Lubich, que deu luz ao Movimento dos Focolares, por me mostrar que o amor a
base de tudo e que sempre possvel recomear. s minhas queridas Gen, ponto de apoio
fundamental, que doaram tempo e ouvidos para escutar meus desabafos. Pela unidade que
construmos, pela fora que me passaram e pelo imenso amor recproco. Um agradecimento
particular Gleice, pela ajuda com as transcries das entrevistas.
Aos grandes amigos-irmos: Danielle, Brbara, Isabella, Saulo, Victor, Bianca, Stephanie,
Carla e Rodrigo.
s minhas espanholas preferidas Sandra e Irene e aos meus mexicanos preferidos Ivonne,
Veronica, Ashley, Jhocelyne, Ricardo, Ivan, Jorge e Raul.
Ana Caroline e Rassa, companheiras para todas as horas ao longo desses cinco anos de
jornada.
Ao Elefacto e a tudo o que ele representa. s pessoas maravilhosas com quem eu
compartilhei dois anos e um ms dos mais importantes da minha vida: Marcella, Brenda,
Benini, Felipe Malta, Izabela, Dario, Daphne, Otvio, Mirella, Max, Gabriela, Nathalia, Julia,
Iasminny, Las (em memria), Carol, Eduardo, Gabriel, Karoline, Henrique e Pedro, nos
nomes dos quais agradeo a todas as outras pessoas que passaram pela Facto.
A todos os colegas de turma, pela alegria e pelo prazer da convivncia nesses ltimos anos.
Em especial aos grandes amigos Gabi (mais uma vez), Pedro e Andr.
4
Aos meus colegas de trabalho pela compreenso da importncia desse momento e pelo
aprendizado dirio.
Aos mestres, todos fundamentais ao longo da minha vida. professora Gabriela de Freitas,
que j no primeiro semestre colocou na minha cabea a importncia de ter muitas referncias.
Ao professor Pedro Russi, que me apresentou o universo da pesquisa, at ento distante e
desconhecido, e me mostrou que ele pode ser sim apaixonante. professora Dione Moura
pela humanidade, pelo apoio, pela disponibilidade e por mostrar aos alunos um lado sensvel
dos docentes, que se revelou to essencial. professora Clia Matsunaga, por me conquistar
com as altas doses de alegria e empolgao aliadas a um enorme conhecimento no ensino do
planejamento grfico.
Ao professor Paulo Paniago, pelos quatro semestres seguidos de aprendizado constante, pelos
erros e acertos, por me possibilitar descobrir uma jornalista em mim mesma. Ao professor
Srgio de S por dar um outro tom ao jornalismo e por resgatar o gosto por apurar e escrever.
Aos professores Nlia Del Bianco e Carlos Eduardo Esch que me introduziram ao encantador
universo do rdio e por todas as oportunidades que eles me deram.
Reforo o agradecimento ao professor, e tambm meu orientador, Cadu, pela pacincia,
persistncia, sabedoria e tranquilidade, e por revelar seu lado psiclogo.
Aos funcionrios da FAC, sempre to atenciosos. Ao seu Isaias pelos bons dias e boas tardes.
Ao Rogrio, ao Edson e Chris, em nome dos quais agradeo aos demais colaboradores da
universidade.
Este trabalho e, consequentemente, a concluso do curso s foram possveis por todos vocs.
Muito obrigada!
5
Nada do que feito por amor pequeno
Chiara Lubich
Que todos entendam e que os eruditos respeitem
Tobias Peucer (1696)
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Resumo
Este trabalho pretende investigar a produo do jornalismo cultural em duas rdios do campo
pblico brasileiro a partir do estudo dos programas Multicultura (Educadora FM/BA) e
Estao Cultura (FM Cultura/RS). Para tanto, foi escolhido o mtodo da anlise temtica,
considerando a anlise de contedo definida por Laurence Bardin. Alm disso, foram
realizadas entrevistas semiestruturadas com a equipe dos programas. A pesquisa busca
elementos que possibilitem entender quais so os temas mais abordados em tais programas, de
que forma a estrutura pensada, quais so as condies de produo existentes e de que
maneira colaboram com os princpios de universalidade, diversidade, independncia e
diferenciao, estabelecidos pela Unesco para o fortalecimento da natureza pblica dessas
emissoras.
Palavras chave: jornalismo cultural, radiodifuso, rdio, jornalismo pblico
7
Abstract
The present work intends to investigate cultural journalism production in two public radio
stations in Brazil as from the study of the Multicultura (Educadora FM/BA) and Estao
Cultura (FM Cultura/RS) programs. To that end, we chose the theme analysis method, taking
into account the content analysis as defined by Laurence Bardin. Moreover, semi-structured
interviews were carried out with the team of both programs. The research work herein looks
for elements that help to understand which are the themes that appear more on those
programs, how they are structured, what are the production conditions available and how they
relate to the principles of universality, diversity, independence and differentiation as
established by Unesco as to strengthen the public nature of this broadcasters.
Keywords: journalism, broadcast journalism, radio, public journalism
8
SUMRIO
APRESENTAO ................................................................................................................. 10
CAPTULO 1 .......................................................................................................................... 12
Contexto do estudo ................................................................................................................. 12
1.1 O princpio: Jornalismo ................................................................................................ 12
1.1.1 Jornalismo como forma de conhecimento ............................................................ 13
1.2 Cultura como objeto do jornalismo .............................................................................. 15
1.2.1 Histrico ............................................................................................................... 20
1.3 Rdio: um espao para produo jornalstica ............................................................... 25
CAPTULO 2 .......................................................................................................................... 30
Jornalismo cultural radiofnico como objeto de estudo ..................................................... 30
2.1 Objeto ........................................................................................................................... 30
2.2 Objetivos ....................................................................................................................... 30
2.2.1 Objetivo geral ....................................................................................................... 30
2.2.2 Objetivos especficos ............................................................................................ 31
2.3 Locus ............................................................................................................................ 31
2.4 Corpus ........................................................................................................................... 34
2.5 Mtodo .......................................................................................................................... 35
2.6 Categorias de anlise .................................................................................................... 35
CAPTULO 3 .......................................................................................................................... 39
Os dados falam: levantamento e anlise de contedo ......................................................... 39
3.1 Tema ............................................................................................................................. 39
3.2 Formato ......................................................................................................................... 41
3.3 Tipos de fontes ............................................................................................................. 44
3.4 Linguagem e recursos sonoros ..................................................................................... 45
9
3.5 Recursos sonoros .......................................................................................................... 47
CAPTULO 4 .......................................................................................................................... 48
Os personagens falam: entrevistas ........................................................................................ 48
4.1 Estrutura de produo ................................................................................................... 49
4.2 Contedo dos programas .............................................................................................. 50
4.3 Pblico e interatividade ................................................................................................ 53
4.4 Desafios ........................................................................................................................ 55
CONCLUSO ......................................................................................................................... 58
REFERNCIAS BIBLIOGRFICAS ................................................................................. 63
APNDICES ........................................................................................................................... 65
10
APRESENTAO
A especializao em cultura est presente em todos os tipos de veculos de
comunicao, ainda que em alguns, como jornais impressos e revistas, tenha formato e
contedo melhor definidos. No rdio, o jornalismo cultural uma realidade, especialmente
presente nas emissoras pblicas, mas tem sido, cada vez mais, reduzido a grandes listas que
apresentam a agenda cultural ou aparece mesclado programao de entretenimento. Este
trabalho pretende resgatar e compreender os espaos do jornalismo cultural em um ambiente
tomado por dificuldades e controvrsias.
Para realizar a anlise do radiojornalismo cultural no campo pblico brasileiro, foram
escolhidos os programas Multicultura, da Educadora FM da Bahia, e Estao Cultura, da FM
Cultura do Rio Grande do Sul. A partir disso, foi feita a audio de edies referentes a um
perodo preestabelecido, a fim de recolher material para compor a anlise temtica. Tambm
foram feitas entrevistas com as equipes dos programas, com o intuito de complementar a
anlise, especialmente com informaes de bastidores e com a viso dos produtores sobre o
trabalho que realizam.
No primeiro captulo desta pesquisa, ser retomado o contexto do jornalismo, as
controvrsias que envolvem a definio de cultura e a especializao jornalstica cultural, a
fim de entender a formao histrica e as implicaes na sociedade. Tambm sero abordadas
as caractersticas do jornalismo pblico: sua funo, o espao de que dispe e as dificuldades,
particularmente no que tange a radiodifuso.
A metodologia ser tradada no segundo captulo, que apresentar o processo de
construo do recorte desta monografia e as definies de objeto, objetivos geral e especfico,
locus, corpus, mtodo de anlise temtica e das entrevistas, alm das categorias de anlise.
Por fim, os captulos 3 e 4 daro espao anlise propriamente dita. Respectivamente,
dialogaro com os dados obtidos nas audies e com informaes coletadas nas entrevistas
feitas com a equipe dos programas.
O interesse em tratar o tema partiu das experincias adquiridas ao longo da graduao.
Desde que entrei para o curso de Jornalismo, me voltei ao estudo e prtica do jornalismo
cultural. Alm disso, quando estava no terceiro semestre, tive o primeiro contato com o
estudo da linguagem radiofnica, que me despertou muito interesse.
11
J o contato inicial com as particularidades do jornalismo pblico aconteceu quando
me tornei bolsista de iniciao cientfica do Observatrio da Radiodifuso Pblica na Amrica
Latina, vinculado ao Laboratrio de Polticas de Comunicao da Ps-graduao em
Comunicao da UnB. Durante o perodo de pesquisa, pude conhecer melhor diversas
emissoras pblicas brasileiras, perceber como construda a programao e quais so as
diferenas em relao maioria das emissoras comerciais. Tambm pude entender algumas
de suas dificuldades especialmente em relao aos baixos recursos financeiros e falta de
conhecimento sobre quem a audincia.
Alm da afinidade com o tema, uma das questes que mais me estimulou a
desenvolver a pesquisa, foi o certo ineditismo no estudo; so poucas as referncias
encontradas sobre jornalismo cultural no ambiente radiofnico. Portanto, este trabalho tem
um papel relevante ao contribuir para o debate acerca do assunto no mbito da pesquisa em
comunicao.
12
CAPTULO 1
Contexto do estudo
O jornalismo cultural est presente em todos os tipos de veculos de comunicao, em
alguns aparece em maior quantidade e com contedo mais bem definido, em outros acaba
inserido discretamente no meio dos programas. No geral, o ramo tem mais destaque em
publicaes impressas, especialmente revistas especializadas e de variedades. Mas, antes de
adentrar nas particularidades da especializao em cultura, fundamental enxergar o
jornalismo a partir de uma leitura geral e compreender de que forma se insere na sociedade.
1.1 O princpio: Jornalismo
O jornalismo est submetido aos princpios de formar, informar e entreter. Ao buscar
um entendimento analtico sobre o ofcio, Luiz Costa Pereira Jnior aponta, na introduo de
A Apurao da Notcia, o jornalismo como uma disciplina da verificao, que tem o resgate
social e humano como elemento fundamental. A prtica se expressa como leitor e intrprete
do mundo, faz uma seleo dos fatos e busca organizar o que h de relevante.
Em termos mais objetivos, o jornalismo tem como misso acrescentar dados para a
reflexo, pautar discusses, levantar assuntos polmicos ou obscuros, denunciar os
descalabros (Jorge, 2008, p. 27). Presta servio sociedade, assegura a transparncia das
instituies e processos de interesse comum, serve como ferramenta para que a comunidade
conhea seus direitos e o universo ao seu redor.
Consciente dessa misso, o jornalista faz uma leitura sobre os fatos da realidade e os
expe. O processo que envolve o fazer jornalstico pode ser composto por vrias aes, entre
as quais: transformar informao em notcia, que envolve classificar, hierarquizar, incluir,
excluir, adaptar, expor etc; traduzir, ou seja, adequar linguagens tcnicas para o entendimento
de todos; e criticar, de maneira a procurar problemas e apont-los com o intuito de gerar
melhorias para a populao. As mdias de massa se inserem nesse contexto para dar
visibilidade ao trabalho jornalstico.
Pereira Jnior (2010, p. 75) descreve, ainda, que a natureza da atividade envolve
conhecer o pblico para o qual se escreve e, em consequncia, fazer comunicao a partir
desse entendimento. Tambm tm importncia fundamental para a prtica os aspectos ticos
13
que se referem ao respeito a essa audincia e realidade testemunhada por ela, alm, claro, da
tcnica que pressupe trabalhar com o verificvel.
1.1.1 Jornalismo como forma de conhecimento
A fim de compreender os resultados gerados pela prtica jornalstica, relevante
entrar na discusso acerca do jornalismo como forma de conhecimento ideia lanada, em
1940, pelo jornalista e socilogo Robert Ezra Park no artigo A notcia como forma de
conhecimento. Ao construir a reflexo sobre a notcia1, Park se baseia nos conceitos de
conhecimento de e conhecimento acerca de, elaborados por um de seus tutores, o
psiclogo pragmatista Willian James, em 1896.
O conhecimento de est relacionado ao senso comum, ao conhecimento que se
adquire no cotidiano e institui uma espcie de memria ou hbito social. J o conhecimento
acerca de corresponde ao racional, sistemtico e analtico. A notcia se localiza entre esses
dois conceitos, pois no revela os fatos adquiridos nem proporciona conhecimento
sistemtico; seu papel de apenas fazer aluso a um acontecimento.
relevante observar que nenhum dos dois conceitos reflete o real em absoluto, so
formas de diz-lo e interpret-lo, j que os fatos sofrem a mediao da linguagem. Isabelle
Anchieta, em estudo sobre o artigo de Park, explica que, mais do que um artifcio, o autor
percebe a linguagem como um elemento que participa e integra a realidade, influenciando, em
contrapartida, no curso dos acontecimentos (ANCHIETA, 2007, p. 6).
De acordo com o socilogo, o conhecimento acerca de mais recorrente em trs
formas: Filosofia e Lgica (interesse por ideias), Histria (interesse por acontecimentos) e
Cincias Naturais ou de classificao (interesse por coisas). Nesse contexto, a modalidade que
mais se aproxima do Jornalismo a Histria, j que ambas se interessam pelos
acontecimentos. A singularidade de cada prtica est na maneira como tratam os fatos. Park
explica que a notcia
no histrica porque, em primeiro lugar, se refere, em conjunto, a acontecimentos
isolados e no procura relacion-los nem com sequncias causais nem com
sequncias teleolgicas. A histria no s descreve os acontecimentos, mas tambm
procura coloc-los no lugar que lhes cabe sucesso histrica. (PARK, 1976, p. 174
apud ANCHIETA, 2007, p. 6)
1 Ao longo do artigo, Robert Park usa o termo notcia como sinnimo de jornalismo, o que se justifica, em
parte, pelo contexto histrico do perodo, em que a empresa jornalstica ainda era incipiente e no havia uma
distino bem estabelecida dos gneros jornalsticos (ANCHIETA, 2007, p. 4).
14
A notcia como prtica singular se diferencia, portanto, na ateno dada ao
acontecimento ela busca apenas apresent-lo e descrev-lo, enquanto a Histria quer
localiz-lo e interpret-lo. Alm disso, o Jornalismo se centra no presente, s recorre a tempos
passados ou ao futuro quando estes esto relacionados aos fatos atuais, para dar mais riqueza
s informaes e para explic-los. Sobre esse aspecto, Park observou que o interesse do
pblico efmero, a partir do momento em que uma informao foi publicada e reconhecida,
as pessoas deixam de ter curiosidade sobre ela e comeam a se interessar por um novo
episdio. O acontecimento que o pblico j conhece passa a integrar o campo histrico.
Ao observar as primeiras dcadas do sculo XX, contexto no qual se inseria, o
estudioso ressaltou que a fixao pelo presente foi consequncia do momento de mudanas
gerado pelas descobertas e avanos tecnolgicos daquele perodo como a descoberta da
penicilina, a inveno do avio, o desenvolvimento da televiso, entre vrios outros. Para
Park, o mundo moderno parecia ter perdido a perspectiva histrica em razo das constantes e
rpidas mudanas, o que deu mais importncia ao papel do Jornalismo.
Apesar de essa reflexo ter sido feita no incio do sculo passado, perceptvel que o
processo de fixao pelo presente se estende para os dias atuais, uma vez que o mundo segue
em constantes e expressivas mudanas. Sobre aquele perodo, Park afirmou: Parece que a
nossa a poca da notcia, e um dos acontecimentos mais importantes da civilizao norte-
americana foi o surgimento do reprter (PARK, 1976, p. 185 apud ANCHIETA, 2007, p. 8).
A partir do entendimento de jornalismo como forma de conhecimento, razovel
afirmar que ele faz parte da sociedade, contribui para a construo dos valores e auxilia na sua
ordenao e no seu funcionamento. O saber no pode ser simplesmente transmitido, ele
constitui um processo de aprendizagem que envolve o reconhecimento de uma informao
comunicada por uma pessoa a outra.
Em reflexo acerca do tema, o pesquisador Eduardo Meditsch entende que o
jornalismo sim uma forma de conhecimento, mas destaca que a aprendizagem implica
numa operao cognitiva, onde quem aprende tem um papel to ativo quanto quem ensina
(MEDITSCH, 1997, p. 5). Essa ideia refora a importncia do jornalista no processo de
transmisso de informaes, entretanto deixa claro que ele no est s: a aprendizagem no
depende apenas dele, mas tambm do receptor seja leitor, ouvinte ou telespectador , o que
caracteriza a recriao do conhecimento nos atos de aprender e ensinar. Meditsch segue:
Desta forma, pode-se afirmar que o conhecimento no se transmite, antes se reproduz
(idem).
15
Portanto, a reflexo apresentada por Meditsch mostra que a aprendizagem est sujeita
a diferentes interpretaes. As informaes recebidas por um indivduo so processadas,
classificadas e contextualizadas e podem sofrer a interferncia de vrios fatores, a exemplo da
emoo. Com base nesse entendimento, vale destacar a observao de Robert Park de que o
jornalismo est para o pblico da mesma forma que a percepo est para os indivduos. Ou
seja, a notcia tem a funo de informar, mas tambm de orientar, assim como a viso que
temos dos acontecimentos do dia a dia guiam nossas aes.
Considerando esse contexto, em que o jornalismo surge como forma de conhecimento
a partir da curiosidade do pblico sobre o presente, a cultura se materializa como pauta e
como rea de especializao. Ela tem particularidades a serem consideradas especialmente
quando tratada no mbito radiofnico , como ser abordado a seguir.
1.2 Cultura como objeto do jornalismo
Definir jornalismo cultural no uma tarefa fcil, j que o prprio termo cultura
bastante controverso e pode ser aplicado a diferentes contextos e a questes com naturezas
distintas. Cultura pode ser entendida, por exemplo, como um conjunto de valores e saberes
intrnsecos a um grupo de pessoas, que gera uma identidade, ou tambm como prticas e
costumes transmitidos por geraes e estabelecidos em um espao geogrfico determinado.
Podemos nos referir cultura de certo povo como a cultura brasileira determinada pela
nacionalidade comum, mas tambm cultura proveniente da herana religiosa a exemplo da
cultura judia , que atravessa limites territoriais.
Alm disso, como discorre o professor espanhol Mario Prades Vilar, o termo pode
determinar certas expresses da sociedade, como a cultura clssica, que corresponde a um
saber especfico grego e romano localizado em determinada poca da histria; a alta
cultura, geralmente relacionada s artes e literatura, que so do alcance apenas de classes
ditas elevadas; ou a cultura popular, que agrega uma srie de expresses artsticas
erroneamente entendidas como opostas erudio (VILAR, 2011, p. 5).
importante destacar que, com o advento das indstrias culturais e com a nova
relao tempo-espao dada pela expanso das tecnologias, a cultura ganhou novo sentido na
sociedade contempornea. Partindo desse princpio, a pesquisadora Isabelle Anchieta, na
tentativa de chegar a uma definio sobre o termo e, portanto, sobre os assuntos abordados
16
pelo jornalismo cultural , retoma conceito de cultura definido na Conferncia Mundial sobre
Polticas Culturais, realizada no Mxico em 1982:
Conjunto dos traos distintivos sejam materiais, espirituais, intelectuais ou afetivos que caracterizam um determinado grupo social. Alm das artes, da literatura, contempla, tambm, os modos de vida, os direitos fundamentais do
homem, os sistemas de valores e smbolos, as tradies, as crenas e o imaginrio
popular. (Conferncia Mundial sobre Polticas Culturais apud ANCHIETA In:
AZZOLINO, 2009, p. 57)
Essa definio mostra que a cultura extrapola a ideia fechada de que est ligada
unicamente ao erudito, a produes artsticas. Tambm Prades Vilar segue na linha de que
todos os sentidos da cultura so importantes para a construo da informao jornalstica.
Ainda assim, o pesquisador destaca um conceito que, para ele, encaixa-se melhor no universo
do jornalismo especializado: cultura como um conjunto de saberes adquiridos pelas pessoas a
fim de conhecer melhor o mundo.
Tal ideia, descrita por Francisco Rodrguez Pastoriza no livro Periodismo Cultural,
posiciona o foco sobre a funo da cultura e no sobre o seu contedo propriamente dito. A
partir disso, entende-se que o jornalista tem o papel de comunicar o acontecimento cultural e
torn-lo acessvel. Arte, religio, literatura, humanidades em geral, podem ser vistas como
formas de conhecimento do mundo por parte do homem e, portanto, como facetas da cultura
que dizem respeito ao jornalista cultural (VILAR, 2011, p. 6, traduo livre2).
Cida Golin (In: AZZOLINO, 2009, p. 28) entende que o uso corrente do termo
jornalismo cultural pela mdia referente s manifestaes artsticas, marca do tempo de
lazer pouco respondeu dimenso antropolgica alcanada pelo conceito de cultura durante
o sculo XX. Ela cita a definio dada por Ulpiano Bezerra de Meneses, que versa sobre um
universo mais amplo e refora os demais conceitos apresentados at aqui:
A cultura engloba tanto aspectos materiais como no materiais e se encarna na
realidade emprica da existncia cotidiana: tais sentidos, ao invs de meras
elucubraes mentais, so parte essencial das representaes com as quais
alimentamos e orientamos nossa prtica (e vice-versa) e, lanando mo de suportes
materiais e no materiais, procuramos produzir inteligibilidade e reelaboramos
simbolicamente as estruturas materiais da organizao social, legitimando-as,
reforando-as ou as contestando ou transformando. V-se, pois, que antes de um
refinamento ou sofisticao, a cultura uma condio de produo e reproduo da
sociedade. (MENESES, 1996, p. 89 apud GOLIN In: AZZOLINO, 2009, p. 28)
2 Trecho original: Arte, religin, literatura, humanidades en general, pueden ser vistos como modos de conocimiento del mundo por parte del hombre y, por tanto, como facetas de la cultura que ataen al periodista
cultural.
17
Uma vez explicitado o contexto polissmico do termo cultura, fica claro o papel do
jornalismo cultural para alm da cobertura de eventos e produtos (como lanamentos de CDs,
livros, filmes, exposies etc). Na realizao de seu trabalho, importante que o jornalista
esteja atento anlise e interpretao dos fatos culturais e de tudo que est por detrs dos
mesmos, a fim de compreender o sentido das coisas, de explorar as implicaes das obras e de
captar expresses da sociedade. Como afirma Anchieta, demanda-se, para isso, uma postura
mais reflexiva, democrtica e menos preconceituosa (In: AZZOLINO, 2009, p. 57), o que
quer dizer deixar de lado a ideia de que o erudito no pode ser apresentado a todos e de que o
popular no tem valor artstico.
A autora destaca, ainda, que a singularidade do jornalismo cultural est baseada em
dois aspectos: democratizao do conhecimento e carter reflexivo. Em relao ao primeiro
tpico, existe uma necessidade de tornar os saberes acessveis a todos de maneira irrestrita e o
jornalismo cultural se apresenta com esse papel social. A atividade , tambm, caracterizada
pela capacidade de anlise crtica; enquanto outras editorias apenas do luz, noticiam os
acontecimentos da sociedade, compete especializao em cultura fazer uma reflexo acerca
deles.
A partir da contextualizao da prtica como democrtica e reflexiva, Anchieta define
trs eixos temticos com os quais o jornalista cultural se depara atualmente. So eles:
abordagem de temas clssicos como poltica e economia, entre outros por meio de um
olhar cultural e reflexivo; incluso de novas temticas, que ganham status cultural (objetos,
design); moda, comportamento, culinria e os diversos objetos da indstria cultural, que
devem ser tratados sem preconceito e com objetividade (In: AZZOLINO, 2009, p. 55).
Como contribuio a esse debate a respeito da especializao em cultura,
interessante destacar que Piza defende que o jornalismo , ele mesmo, personagem
importante dessa era de reprodutibilidade tcnica, como dizia o pensador Walter Benjamin
(2011, p. 44), o que demonstra o cenrio de mudanas pelo qual tambm a prtica passa. Vale
ressaltar que Benjamin o mais aberto dos filsofos da Escola de Frankfurt3, por se revelar
um pouco otimista em relao indstria cultural colaborou bastante para tais discusses
3 Fundado em 1923, o Institut fr Sozialforschung era um importante centro de estudos alemo conhecido pelo
grupo de investigadores que o frequentava. Os intelectuais desenvolveram ali a teoria crtica, que representou
uma contracorrente maioria da communication research. Em 1950, passado o conturbado perodo do nazismo,
quando o instituto teve que ser fechado, os estudiosos retomaram suas atividades prosseguindo na atitude terica que o tinha distinguido desde o incio e que motivara a sua originalidade, isto , na tentativa de fundir o
comportamento crtico nos confrontos com a cincia e a cultura com a proposta poltica de uma reorganizao
racional da sociedade, de modo a superar a crise da razo (WOLF, 2009, p.82).
18
mostrando que a sociedade est carregada de valores simblicos em todas as suas expresses
culturais.
O pensador entendia que, em parte, a arte havia perdido sua aura4, sua autenticidade
e tradio, com as indstrias culturais. Para ele, a obra de arte, em geral, deixava de ter o
carter nico, passando a ser reproduzido em srie, e, dessa forma, tornava-se apenas produto
para consumo, sem capacidade de gerar reflexo. Ainda assim, ele considerava o poder de
reproduo de contedos pelos meios de comunicao de massa algo positivo, no sentido de
facilitar a apropriao da cultura pela comunidade.
Observando tais reflexes, entendemos que essa viso sobre a perda da aura
limitada, uma vez que muitos produtos culturais de massa tm qualidade, so to densos,
carregados de smbolos e significados, e produzidos por meio de tcnica apurada, como em
outras civilizaes e tempos. Alm disso, a indstria cultural no est to dependente das
variaes do poder econmico, uma prova que tem se tornado cada vez mais segmentada e
variada, e obras duradouras tm ganhado mais destaque.
Exemplo disso pode ser encontrado com uma observao rpida a respeito da bossa
nova e de seus produtos. Amplamente reproduzido no mundo inteiro e apropriado das formas
mais diversificadas desde o seu surgimento, no final da dcada de 1950, o gnero conquistou
um lugar especial na histria da msica brasileira e tambm internacional. At os dias de hoje,
mantm a autenticidade, o valor artstico e intelectual, reconhecido tanto por leigos como por
estudiosos da rea.
Daniel Piza complementa a discusso sobre a prtica na atualidade com uma crtica
atuao do jornalista de cultura. Ele considera que o profissional no tem sido bem sucedido
no cumprimento da funo de observar o mercado cultural, avaliar seus produtos e tendncias.
Segundo o autor, vrias questes tm levado a essa falha, como a dificuldade de avaliar uma
produo em razo dos diversos critrios que a envolvem.
O jornalismo, que faz parte dessa histria de ampliao do acesso a produtos
culturais, desprovidos de utilidade prtica imediata, precisa saber observar esse
mercado sem preconceitos ideolgicos, sem parcialidade poltica. Por outro lado,
como a funo jornalstica selecionar aquilo que reporta (editar, hierarquizar,
comentar, analisar), influir sobre os critrios de escolha dos leitores, fornecer
elementos e argumentos para sua opinio, a imprensa cultural tem o dever do senso
crtico, da avaliao de cada obra cultural e das tendncias que o mercado valoriza
por seus interesses, e o dever de olhar para as indues simblicas e morais que o
cidado recebe. (PIZA, 2011, p. 45)
4 Benjamin caracteriza o conceito de aura pela autenticidade, que envolve os elementos temporais e espaciais da
obra de arte e permite reconhecer sua essncia, e pela unicidade, que atesta o carter tradicional da obra,
fundamentado na sacralizao e no ritualstico e confere, portanto, um valor nico. Nesse sentido, a produo da
cultura seria uma atividade para poucos.
19
Entre os pontos problemticos destacados pelo autor est a polarizao que se d na
ainda existente dualidade entre elitismo e populismo, tambm entre os cadernos culturais de
variedades e especializados, e na dicotomia entre a divulgao de produtos nacionais e
internacionais. fundamental reconhecer que essas questes existem e discuti-las a fim de
produzir uma anlise crtica sobre os produtos jornalsticos, identificar problemas e
abordagens que podem melhorar.
Sobre o primeiro aspecto, percebe-se que muitas pessoas pobres, por exemplo, ainda
tm medo das obras artsticas, associam-nas a atividades intelectuais, complicadas e
intangveis. O que no se observa, que essa ideia oposta democratizao da cultura, to
pregada atualmente por estudiosos e, at mesmo, por pessoas do meio artstico. Outro ponto
que tal concepo se mostra incoerente com o contexto histrico em que foram revelados
muitos artistas excepcionais de origem humilde, como o aclamado Pixinguinha. Aqui o
jornalista precisa assumir seu papel na traduo das linguagens artsticas e lev-las a todos,
fato que esbarra na prxima questo: a forma de tratar as pautas.
Essa diferena na escolha e no tratamento dos temas entre os cadernos de variedades,
normalmente presentes nos jornais dirios, e as publicaes especializadas, acaba por destacar
o popular em uns e o universo fechado da erudio em outros. O erro est em acreditar que o
pop no exija conhecimentos mais aprofundados e que o contedo especializado no tenha
apelo instantneo. Jornalismo dosagem. Temas ditos eruditos podem ser tratados com
leveza, sem populismo; e temas ditos de entretenimento podem ser tratados com sutileza, sem
elitismo (PIZA, 2011, p. 58).
O outro ponto que gera complicaes para o bom andamento do jornalismo cultural
a falsa ideia de que abordar temas internacionais ser submisso. O profissional que trabalha
com esse setor precisa ter um equilbrio: estar sempre atualizado sobre novidades e produo
local e, ao mesmo tempo, antenado aos grandes clssicos e referncias que vm de fora. Isso
enriquece a pauta, permite a apresentao de informaes mais embasadas e colabora para
gerar maior conhecimento ao pblico.
A partir da viso dos pesquisadores citados at aqui, entendemos que grande parte dos
veculos mediticos necessita retomar a postura reflexiva sobre o que foi e est sendo
produzido, fazendo uma avaliao do caminho que tem tomado. Alm disso, os jornalistas
precisam resgatar a viso reflexiva e analtica tambm sobre as pautas culturais, entender
como os assuntos tm sido abordados, a fim de torn-las acessveis a todos e contribuir para a
construo de valores e para o processo de aprendizagem.
20
Antes de passar para o prximo tpico, importante apresentar os gneros
jornalsticos que normalmente tratam da cultura, ainda que no haja um consenso ou uma
determinao especfica a respeito deles. Essa questo ser vista, de forma prtica, com a
anlise dos programas realizada neste trabalho, quando ser mostrado que inexiste uma
frmula sobre a produo do jornalismo cultural.
Ao abordar o jornalismo em termos gerais, Cremilda Medina, por exemplo, afirma que
a prtica se realiza na reportagem, em qualquer que seja sua expresso. E acrescenta: a
informao de servio fundamental desde que o jornalismo existe, mas, por outro lado,
sempre houve necessidade da voz individual, da voz da opinio (In: LINDOSO, 2007, p. 33).
Para ela, essa voz vem da crtica, das resenhas e dos ensaios, gneros tradicionalmente
reconhecidos dentro do universo do jornalismo de cultura.
J Andrs Szant (in: LINDOSO, 2007, p. 40), ao tratar mais especificamente sobre o
jornalismo cultural, apresenta a existncia de dois tipos de abordagem: tradicional e de
servio. Na primeira, o editor considerado especializado, portanto tem competncia para
escolher as pautas. Apesar de ser considerado um modelo elitista, permite maior
aprofundamento por meio da realizao de matrias e reportagens. J na abordagem de
servio, o leitor visto como crtico, no sentido de que decide o que quer saber. Nesse caso,
as informaes tm carter de utilidade e se materializam em listas de programao.
O jornalismo cultural pode ser verificado em todos esses gneros (reportagem, crtica,
resenha, ensaio, servio/agenda). O que veremos que cada veculo ou programa (no caso do
rdio, por exemplo) decide como utiliz-los e quais deles se encaixam melhor em cada
realidade, seja em relao ao que o pblico deseja consumir ou no que tange as condies
existentes para a produo.
1.2.1 Histrico
Para compreender mais a fundo os desafios que encontramos no jornalismo cultural
hoje e, em consequncia, nos dois programas analisados neste trabalho, fundamental
entender como se deu a formao da prtica. Portanto, resgatar a histria nos ajuda a ter uma
viso de como se chegou ao cenrio com o qual nos deparamos e nos mostra, principalmente,
que o processo no est estagnado, segue em constantes mudanas.
Segundo Daniel Piza (2011), a histria do jornalismo cultural no tem incio exato,
mas pode-se determinar um marco a partir da fundao da revista The Spectator, em 1711,
21
pelos ensastas ingleses Richard Steele (1672-1729) e Joseph Addison (1672-1719). Eles
decidiram lanar a publicao a fim de levar a filosofia a diversos lugares, como clubes,
assembleias e cafs, fazendo com que as discusses extrapolassem o mbito das bibliotecas,
escolas e faculdades.
Nessa poca, j se entendia a atividade cultural como motivo de reflexo e se percebia
a necessidade de ampliar o debate de ideias e lev-lo ao morador das cidades. Isso se
materializou em produes artsticas carregadas de sentidos e que manifestavam aes
inspiradas no cotidiano. O teatro elisabetano, por exemplo, que tem em William Shakespeare
seu principal expoente, apresentava temas recorrentes na sociedade, retomava questes
histricas e abordava, inclusive, interpretaes sobre o estrangeiro, estimuladas pelas viagens
de descobrimento dos sculos XVI e XVII.
Ao longo das dcadas, o jornalismo cultural esteve presente nas mais diversas
situaes, muitas delas de cunho poltico. Como exemplo, Piza destaca que o jornalismo
cultural britnico alimentou ideias que deram origem ao movimento iluminista5 por meio dos
textos publicados em pasquins e panfletos distribudos pelas ruas que serviram de
combustvel aos ideais revolucionrios.
O autor ilustra exemplo do filsofo francs Voltaire, que, em viagem Inglaterra,
encantou-se pelo clima de liberdade no pas estimulado pelas reflexes jornalsticas e
posteriormente declarou que seus pensamentos sobre justia e independncia foram inspirados
na mentalidade inglesa. Nesse contexto, inclusive, o escritor ingls Samuel Johnson (1709-
1784) tornou-se o primeiro grande crtico cultural.
No auge da industrializao do sculo XIX, ensaios e crticas tinham papel de
destaque, assim como quem os escrevia. Nesse perodo, surgiram nomes como John Ruskin
(1819-1900), grande crtico de arte que marcou poca e influenciou o reconhecido escritor
francs Marcel Proust, e Sainte-Beuve (1804-1869), chamado por especialistas de papa
francs da crtica oitocentista.
Sainte-Beuve, por sua vez, foi responsvel por estabelecer um padro para o
jornalismo cultural, com coluna no Le Constitutionnel, que se tornou precursora de um
formato muito usado por anos no Brasil e ainda empregado em outros pases: os rodaps
5 O Movimento Iluminista ocorreu entre os sculos XVII e XVIII e teve seu pice com a Revoluo Francesa,
em 1789. um perodo que inaugura a idade contempornea da histria intelectual e cultural do Ocidente. Foi
caracterizado por grande efervescncia de ideias e revoluo nas reas da cincia, filosofia e poltica.
22
literrios6. Com os grandes expoentes da poca, Piza conta que se iniciava uma era de ouro
do jornalismo europeu, to influente na modernidade quanto as revolues polticas, as
descobertas cientficas, a educao liberal ou o romance realista (2011, p. 13).
Ainda no sculo XIX, o jornalismo cultural efervesceu nos Estados Unidos. O grande
expoente por l foi Edgar Allan Poe (1809-1849), com suas crticas literrias publicadas em
jornais e revistas, ainda que, atualmente, seja mais conhecido por contos e poemas de
mistrio. Logo, na segunda metade do sculo, houve um boom no nmero de crticos e
ensastas que acompanhou o crescimento do pas e, em consequncia disso, a expanso do
horizonte da cultura.
J no Brasil, o gnero ganhou fora apenas no final do sculo XIX, especialmente com
Machado de Assis (1839-1908), que iniciou a carreira como crtico de teatro e polemista
literrio. Havia, ainda, a proximidade de vrios outros escritores brasileiros com o jornalismo
cultural. Entre os grandes expoentes estavam Jos Verssimo (1857-1916), Silvio Romero
(1851-1914) e Araripe Jnior (1848-1911), que faziam parte da chamada gerao de 1870 e
formavam a trade de crticos mais importantes do perodo, como destaca a Enciclopdia Ita
Cultural de Arte e Cultura Brasileiras.
Com a grande movimentao artstica e agitao intelectual do inicio do sculo XX
fruto da exploso das vanguardas artsticas europeias7 e da chegada do movimento modernista
ao Brasil , a sociedade, e tambm o jornalismo, passou por mudanas. Alguns intelectuais
modernistas e os jornalistas mais conservadores acabaram por utilizar os espaos dos jornais
como palco para debates. Esse contexto, em conjunto com a outorga da primeira lei de
imprensa do perodo republicano, em 1923, e da criao de cursos de Jornalismo entre as
dcadas de 30 e 40, contribuiu para o incio da profissionalizao da atividade. Com ela, veio
o destaque maior para reportagens e entrevistas.
A expresso mxima da especializao em cultura a partir da profissionalizao do
ofcio jornalstico veio com a criao da revista O Cruzeiro, em 1928. A publicao lanou o
6 Os rodaps literrios surgiram na imprensa oitocentista francesa e germnica nos folhetins que faziam as
vezes do que hoje conhecemos por segundos cadernos. Nesses espaos, normalmente localizados na parte
inferior da primeira pgina, eram publicados textos literrios: crnicas, poesias, ensaios e resenhas. No Brasil, o
formato, que ganhou fora em meados do sculo 20, foi adotado pelos grandes jornais para dar espao s crticas
literrias.
7 As vanguardas foram manifestaes artsticas, surgidas na Europa no incio do sculo XX, que buscavam
quebrar padres, romper com a tradio cultural do sculo anterior. Encabeadas por artistas e intelectuais
considerados frente de seu tempo, acabaram influenciando todo o mundo ocidental. As principais correntes foram: cubismo, futurismo, expressionismo, surrealismo e dadasmo. Essas ideias fomentaram o modernismo
brasileiro, que teve como pice a Semana de Arte Moderna de 1922.
23
conceito de reportagem investigativa e deu espao a importantes artistas e escritores, como
Jos Lins do Rego, Vincius de Moraes, Manuel Bandeira, Rachel de Queiroz e Mrio de
Andrade. Tambm reconhecida pelas inovaes grficas, teve suas ilustraes assinadas por
dois grandes representantes do modernismo: Di Cavalcanti e Anita Malfatti.
Entre os anos 30 e 40, O Cruzeiro foi a principal revista do pas e conseguia chegar a
todos os tipos de pblico. Ela e outras publicaes brasileiras do gnero valorizavam o crtico
enquanto profissional e priorizavam textos que tinham carter mais informativo, que
consideravam tambm o entorno e o contexto das obras, no apenas discorriam sobre o
produto em si.
O caderno cultural como seo obrigatria dos impressos surgiu a partir dos anos 50,
tendo como marco a criao do Caderno B pelo Jornal do Brasil em 1956. Foi o precursor
do moderno jornalismo cultural brasileiro, com crnicas de Clarice Lispector e Carlinhos de
Oliveira, crtica de teatro de Brbara Heliodora e outros trunfos (PIZA, 2011, p. 37).
Atualmente, o jornalismo cultural vem sofrendo uma crise marcada, principalmente,
pela rpida transformao dos produtos culturais e pelas mudanas sofridas pelo prprio
jornalismo. Intelectuais e crticos j no tem mais fora e no causam tanto impacto sobre a
opinio do pblico s vezes sequer da comunidade artstica , existe um domnio de
assuntos relacionados a celebridades e fenmenos de audincia tm se sobressado em
detrimento das pautas e dos formatos tradicionais em cultura.
Alm disso, os veculos em geral ainda no encontraram um modelo para acompanhar
a revoluo digital, o que gerou srias crises financeiras e, consequentemente, cortes de
pessoal e a degradao da profisso. Outro ponto que os jornalistas acabam, muitas vezes,
pautados (ou vetados) pelos interesses comerciais das empresas que os financiam h casos
em que matrias que criticam determinado setor deixam de ser publicadas para no entrar em
conflito com fontes publicitrias, ou ento iniciativas interessantes no so mostradas porque
foram realizadas por concorrentes dos patrocinadores.
H tambm uma queda na qualidade da apurao e dos textos causada, em parte, pelo
excesso de profissionais inexperientes nas redaes departamentos de pessoal tm recorrido
a jornalistas recm-formados e estagirios como alternativa para manter a alta produo e
baixos salrios. A massificao dos cursos de comunicao e suas consequentes decadncias
aparecem como mais uma dificuldade a ser superada.
Uma problemtica que afeta especialmente o jornalismo cultural que existe uma
falsa ideia dos donos de empresas de comunicao de que os temas de cultura tm menor
importncia. Portanto, os profissionais que o realizam encontram resistncia e tem seu espao
24
cada vez mais subaproveitado na hora de cortar contedo para dar lugar a uma publicidade,
os cadernos de cultura entram para a lista dos principais afetados. Andrs Szant aponta tal
questo e lamenta: Jornalismo cultural a especializao jornalstica de mais baixo status na
maioria das redaes [...] A verdade que as artes no constituem a rea que concentra a
ateno da maioria das empresas de comunicao (In: LINDOSO, 2007, p. 37).
Por essa razo, o enxugamento das redaes tambm chega primeiro editoria de
cultura. Em consequncia, como h pouco pessoal para produzir contedo mais elaborado e
analtico, o espao dedicado ao jornalismo cultural acaba sendo restringido funo de
apenas prestador de servios, sendo materializado em grandes listas que apontam a
programao do perodo. Nos veculos impressos, por exemplo, aparecem as colunas com
grandes roteiros de filmes, shows, festas etc. J nas emissoras de rdio, tambm so
frequentes os quadros com o servio a respeito de eventos ou as pequenas notas informativas
jogadas no meio da programao.
Apesar desse cenrio, possvel manter o entusiasmo em relao ao jornalismo
cultural. Mais do que nunca, bons jornalistas especializados, que saibam filtrar, selecionar e
organizar a informao so necessrios, porque os veculos precisam se diferenciar das tantas
outras fontes de informao viabilizadas pela internet.
[...] o conhecimento da histria escrita pelos grandes crticos e reprteres culturais
pode servir para dois lembretes: primeiro, essa histria no parou de ser escrita, e os
grandes nomes de hoje nada devem ao passado, embora proporcionalmente influam
menos; segundo, h espao para recuperar parte dessa influncia, pois o bombardeio
de dados e informaes da era eletrnica criou uma carncia ainda maior de anlises
e comentrios, que suplementam argumentos, perspectivas e contextos para o
cidado desenvolver senso crtico e conectar disciplinas. (PIZA, 2011, p. 31 e 32)
Como alternativa aos problemas pelos quais o jornalismo e, em especial, os veculos
de comunicao tradicionais esto passando, parte dos profissionais especializados tem
concentrado seu trabalho na publicao de livros, seja com coletneas de ensaios e crticas, ou
com projetos de reportagens pensados exclusivamente para esse formato, como tambm com
biografias, entre outros8. Piza destaca que tambm a internet serve de caminho alternativo
para o jornalismo cultural, com inmeros sites que se dedicam a falar sobre cultura e suas
manifestaes (2011, p. 31).
8 Na busca por reinventar a produo jornalstica, alguns profissionais, por exemplo, debruaram-se sobre o
prprio material j publicado para relan-lo em forma de coletneas, como o fez Ivan Marsiglia, editor-
assistente do Estado de S. Paulo, que publicou o livro de reportagens A poeira dos outros (Arquiplago Editorial,
2013), e tambm Fred Melo Paiva, colunista do Estado de Minas, que lanou recentemente Bandido raa pura
(Arquiplago Editorail, 2014).
25
Ainda existe um longo caminho para que o jornalismo e, em especial, a especializao
em cultura aprenda a lidar com a convergncia de mdias e encontre uma alternativa aos
problemas apontados. Como abordado acima, a dita crise afeta a produo, especialmente sua
qualidade, portanto preciso ousar, buscar a renovao e at a reestruturao. O jornalista
continua interferindo na produo cultural do futuro e preciso assumir a responsabilidade
sobre ela. Segundo Cremilda Medina, a cultura passa em todos os espaos e tempos do
jornalismo (In: LINDOSO, 2007, p. 32), portanto deve-se resgat-la.
1.3 Rdio: um espao para produo jornalstica
O nascimento do sistema de radiodifuso teve, na poca, peso que pode ser comparado
ao surgimento da internet. Ambos se estabeleceram como forma de colocar as pessoas em
contato com o mundo; alm de alterar a relao entre espao e tempo, permitiram que a
informao sobre eventos distantes chegasse de imediato ao pblico. No Brasil, a implantao
acontece nas primeiras dcadas do sculo XX, um perodo de muitas mudanas, como j
abordado em tpico anterior. Contudo, existem dvidas sobre quem realmente deu incio s
transmisses no Brasil: se a Rdio Clube de Pernambuco ou a Rdio Sociedade do Rio de
Janeiro.
Isso ocorre porque os pernambucanos de fato se reuniram em um primeiro momento,
em 1919, para se debruar sobre as possibilidades da nova tecnologia, mas h imprecises no
registro da data da transmisso propriamente dita. Relatos apontam que a primeira irradiao
da Rdio Clube pode ter ocorrido em fevereiro de 1923 ou em novembro de 1924, enquanto
que a Rdio Sociedade foi iniciada em abril de 1923.
De todos os modos, vamos nos ater emissora carioca, que teve um papel
determinante para a radiodifuso brasileira a partir do pioneirismo de seu fundador, Edgard
Roquette-Pinto. Em 1936, ele doou a Rdio Sociedade do Rio de Janeiro ao ento Ministrio
da Educao e Sade (MES), fato que marca o incio da histria das rdios pblicas
brasileiras. Em A histria do Rdio Pblico no Brasil: um resgate pela linha do tempo, Valci
Regina Mousquer Zuculoto explica:
Roquette-Pinto, fundador e proprietrio da emissora, negava-se a veicular
publicidade como as demais rdios da poca por considerar que tal prtica
desvirtuaria a Sociedade da sua misso voltada educao e cultura. Sem condies
de sustentao financeira da emissora, resolveu do-la ao MES, mediante a condio
de que mantivesse o perfil educativo-cultural. E assim se iniciou um dos sistemas da
radiodifuso brasileira que, por dcadas, se organizou sob a denominao de sistema
de rdio educativo e hoje se autoproclama rdio pblico. (2011, p. 2 e 3)
26
As emissoras pblicas tm a difcil e importante tarefa de produzir comunicao de
qualidade, com independncia editorial e financeira, autonomia em relao aos rgos
governamentais, pluralidade, diversidade, imparcialidade e transparncia. Muitas vezes
contam com vrios problemas no mbito da gesto e das finanas, em razo das baixas
verbas.
No Brasil, essa tarefa ainda mais difcil, uma vez que o setor das rdios pblicas tem
representatividade baixa enquanto nmero de emissoras e de audincia e, portanto, existe
pouca expressividade e fora. Dados de outubro de 2014 apresentados pelo Ministrio das
Comunicaes revelam que, dentre as 9 mil emissoras brasileiras, h apenas 422 rdios FM
educativas, o que representa 4,7% do sistema9.
Em teoria, o ambiente da radiodifuso pblica permite que haja uma ateno maior
para com a qualidade e abrangncia do contedo veiculado, uma vez que no h restries
impostas pelas empresas financiadoras e, consequentemente, pela busca incessante de ndices
de audincia. As emissoras assim classificadas deveriam se constituir como uma ferramenta
dirigida a todos, como aponta o texto La Radio y Televisin Pblica Por Qu? Cmo? do
Conselho Mundial de Rdio e Televiso da Unesco:
a rdio e televiso do pblico; se dirige a cada pessoa em sua qualidade de
cidado. Fomenta o acesso vida pblica e participao nela, desenvolve
conhecimentos, amplia os horizontes e permite que cada um se compreenda melhor
ao compreender ao mundo e aos demais [...].
Porque no est submetida a imperativos de rentabilidade, a rdio e televiso pblica
deve dar provas de audcia e inovar, correndo riscos. E quando consegue
desenvolver gneros ou ideias que lhe so prprios, pode impor normas elevadas s
demais emissoras, as quais d ento o tom. (2001, p. 7, traduo livre10
)
Bucci, Chiaretti e Fiorini partem do princpio de que uma emissora pblica pertence
ao pblico e administrada segundo critrios pblicos no estatais11 (2012, p. 21). Tais
emissoras so, portanto, entendidas por eles como independentes do Estado; podem se
9
Os dados do Ministrio das Comunicaes contabilizam as rdios com autorizao provisria de
funcionamento FM e AM comerciais, comunitrias, de Ondas Curtas e Ondas Tropicais, alm das FM
educativas.
10 Trecho original: Es la radio y televisin del pblico; se dirige a cada persona en su calidad de ciudadano.
Fomenta el acceso a la vida pblica y la participacin en ella, desarrolla los conocimientos, ampla los horizontes
y permite que cada uno se comprenda mejor al comprender al mundo y a los dems [...]. Porque no est sometida
a imperativos de rentabilidad, la radio y televisin pblica debe dar pruebas de audacia e innovar, corriendo
riesgos. Y cuando logra desarrollar gneros o ideas que le son propios, puede imponer normas elevadas a las
dems emisoras, a las cuales da entonces el tono.
11 Os autores especificam as emissoras estatais como de propriedade do Estado (por administrao direta ou
indireta), com dirigentes nomeados por rgos de um dos trs poderes e que se subordinam a limites
institucionais impostos. Elas se dividem em: governamental, legislativa e judiciria.
27
constituir como Organizaes da Sociedade Civil de Interesse Pblico (Oscip) ou fundaes
de direito privado fiscalizadas pelo poder pblico e tm como gestor um conselho
independente. A programao, por sua vez, deve ter autonomia e ser baseada na pluralidade e
experimentao, alm de no ter finalidades comerciais, partidrias, governamentais ou
religiosas. As emissoras comunitrias tambm entram nesse grupo. Sobre a vocao pblica
das emissoras estatais, eles discorrem:
possvel que uma emissora estatal conquiste, no curso de sua tradio, um alto
grau de autonomia editorial e administrativa, contando para isso com o apoio da
sociedade, que a legitima. Nesse sentido, possvel que boas emissoras estatais
desenvolvam uma vocao pblica, buscando, no limite, emancipar-se inteiramente
do jugo estatal. (BUCCI; CHIARETTI; FIORINI, 2012, p. 24)
Em 2011, a Organizao das Naes Unidas para Educao, Cincia e Cultura
(Unesco) definiu princpios que considera que devem ser observados pelas entidades de
radiodifuso pblica e nortear sua produo, como consta no documento do Conselho
Mundial de Radio e Televiso citado acima. So eles: diferenciao, diversidade,
universalidade e independncia. Tais critrios deveriam ser observados na elaborao e
execuo de contedos nessas emissoras, mas isso nem sempre ocorre.
Tanto a diferenciao quanto a diversidade tratam dos servios prestados pelas
emissoras. O primeiro aspecto indica que os servios de radiodifuso pblica devem ser feitos
por meio da programao diversificada e de qualidade, com olhar para a inovao, a criao
de novos espaos e gneros, alm de se mostrar como fonte de informao e estimular os
outros veculos. J o segundo princpio aponta que a programao deve refletir a diversidade
dos interesses do pblico considerando, pelo menos, a variedade de gneros emitidos (desde
noticirios a pequenos boletins e programetes), os espectadores a quem se destina e os temas
tratados.
A universalidade complementa essa ideia da relao com o pblico, uma vez que
busca colocar o conjunto de indivduos em um patamar de igualdade a partir do entendimento
de que rdio e televiso pblicas devem ser acessveis a todos os cidados em territrio
nacional dos pontos de vista tcnico, de linguagem e contedo. A independncia12
, por sua
12
Para garantir os recursos necessrios manuteno das emissoras, j que a independncia tambm esperada
em relao ao aspecto financeiro, existem formas determinadas de financiamento. No Brasil, por exemplo, so
permitidos patrocnios a programas, apoio cultural, publicidade institucional e legal, prestao de servio,
licenciamento e venda de produtos e servios. O Observatrio da Radiodifuso Pblica na Amrica Latina
aponta que o financiamento a parte mais complicada no sistema brasileiro; o Estado tradicionalmente o
principal financiador, mas existem alternativas estabelecidas por lei para diversificar o sustento das emissoras.
Disponvel em .
Acesso em 13 dez. 2014.
28
vez, constitui-se como princpio fundamental para manter a liberdade de expresso sobre a
qual a comunicao pblica se apoia de forma a concretizar-se como espao por onde
circulam informao, opinio e crtica.
Pesquisa realizada pelo Observatrio da Radiodifuso Pblica na Amrica Latina
mostra que algumas distores ainda acontecem no Brasil. Entre elas, est a falta de
participao pblica em algumas emissoras e a existncia de programao voltada
majoritariamente ao entretenimento, que no respeita a diferenciao e a diversidade13
.
O Manual de Jornalismo da Empresa Brasil de Comunicao (EBC), que agrega vrias
emissoras pblicas (como a Rdio Nacional e a TV Brasil), entende o jornalismo como um
espao pblico. Ao apresentar o guia, Nelson Breve, presidente da instituio, refora a
importncia do compromisso com a preciso, com a clareza, com o respeito aos fatos e aos
Direitos Humanos, com o combate aos preconceitos, com a democracia e com a diversidade
de opinies e pontos de vista (2013, p. 8). relevante destacar que as entidades
caracterizadas como pblicas tm de ter uma ateno especial para com essas questes.
Nesse universo, o jornalismo cultural encontra, em geral, um espao mais responsvel
e mais comprometido com a democratizao dos contedos e com a funo reflexiva que lhe
inerente. Isso porque, a partir do surgimento dos meios de comunicao de massa e com a
nova configurao estabelecida pelas indstrias culturais que permitia maior reproduo,
mas tambm maior acesso , o setor de entretenimento conseguiu alcanar um posto muito
promissor no ambiente radiofnico. Quando tal esfera descobriu o poder de propagao desse
meio, e tambm da televiso, o entendimento da comunicao passou a ter uma nova cara.
Alm do rdio, que no Brasil teve funo histrica ainda pouco estudada no s na distribuio de informaes, mas tambm na formao de um repertrio nacional
comum, como no caso das novelas , o cinema foi o principal veculo de arte de massa, crescentemente influente nos anos 20, 30 e 40. E a partir dos anos 50, com a
democratizao da TV, a produo de obras culturais em escala atingiu fora, uma
presena social, um impacto sobre os hbitos e valores de todas as classes que no
pode ser subestimado, como sabe qualquer brasileiro que se detiver sobre a histria
da Rede Globo desde sua fundao em 1965. (PIZA, 2011, p. 43)
A expanso de programas, especialmente nas emissoras comerciais, com grandes listas
de msicas e pouca produo de contedo reflexivo colaborou consideravelmente para a
13
Exemplo dessas distores o caso da Rdio Mximus FM, que fica em Rio Paranaba, Minas Gerais. A
emissora est listada como pblica, administrada por uma fundao de direito privado e recebe recursos da
prefeitura municipal, entretanto no inclui programas que atendam a finalidades educativas e culturais, alm de
ter programao focada em msicas de sucesso, sem vinculao com a cultura local e sem canais efetivos de
controle de qualidade.
29
homogeneizao do gosto musical. Tambm o foco na programao de entretenimento
propagou um padro comportamental inspirado, por exemplo, nas radionovelas, que
apresentavam personagens com papis sociais especficos e estereotipados.
Quando existe a preocupao em alcanar os princpios estabelecidos pela Unesco e
tambm a funo do jornalismo cultural na sociedade, o poder que o rdio tem de atravessar
fronteiras ganha outra dimenso e pode, inclusive, gerar aprendizado, alm de servir como
canal para compartilhamento de ideias. Portanto, percebe-se a fundamental importncia do
sistema pblico de radiodifuso, quando comprometido com os valores apontados ao longo do
captulo, no resgate programao de qualidade.
Assim sendo, ao longo dos anos, o meio se concretizou como um dos responsveis
pela difuso da cultura brasileira, processo coroado pela grande expressividade e capacidade
que o rdio tem de influir no imaginrio do ouvinte (CAVALCANTE; WITIUK, 2012).
Talvez hoje essa relao no se d mais da mesma forma como ocorreu nos anos de ouro do
rdio, mas ele ainda est diariamente presente na vida das pessoas. Esse cenrio de desafios e
discusses a respeito do jornalismo cultural e sua prtica no rdio pblico provocam uma
srie de reflexes que devem ser consideradas e merecem investigao. A partir dessa
conjuntura, foi proposto o estudo que segue.
30
CAPTULO 2
Jornalismo cultural radiofnico como objeto de estudo
2.1 Objeto
O objetivo deste trabalho compreender aspectos da produo do jornalismo cultural
em duas rdios do campo pblico brasileiro a partir do estudo dos programas Multicultura
(Educadora FM/BA) e Estao Cultura (FM Cultura/RS). Para tanto, a pesquisa busca
elementos que possibilitem entender quais so os temas mais abordados em tais programas, de
que forma a estrutura pensada, quais so as condies de produo existentes e de que
maneira colaboram com os princpios de universalidade, diversidade, independncia e
diferenciao, estabelecidos pela Unesco para o fortalecimento da natureza pblica dessas
emissoras.
importante ressaltar que o trabalho parte de um ambiente controverso gerado pelas
mltiplas interpretaes possveis do termo cultura e, portanto, prope-se, a entender o que
feito nas duas emissoras e no encontrar uma definio exata para o jornalismo cultural.
Alm disso, como abordado no primeiro captulo, a prtica jornalstica se encontra imersa em
uma crise gerada pela dificuldade de encontrar um modelo efetivo e rentvel que possibilite a
convivncia entre os meios de comunicao tradicionais e as novas tecnologias e, em
consequncia, pela falta de recursos financeiros.
Existe uma escassez de bibliografia especfica sobre o jornalismo cultural no universo
radiofnico, o que se converte em um motivo a mais para desenvolver um material que
contribua para uma reflexo a respeito da produo jornalstica de cultura. A prtica do
radiojornalismo tem caractersticas muito particulares que devem ser levadas em considerao
ao analisar a relao entre entretenimento e cultura.
2.2 Objetivos
2.2.1 Objetivo geral
Conforme demonstrado no contexto apresentado no captulo anterior, este trabalho
tem como objetivo geral investigar a produo do jornalismo cultural em duas rdios do
campo pblico brasileiro a partir do estudo dos programas Multicultura (Educadora FM/BA)
e Estao Cultura (FM Cultura/RS).
31
2.2.2 Objetivos especficos
- Buscar elementos relacionados ao contedo e linguagem dos programas da amostra
que possibilitem conhecer os temas culturais mais abordados em tais programas;
- Entender de que forma a estrutura desses programas pensada;
- Conhecer as condies de produo existentes;
- Verificar se os programas se aproximam e colaboram com os princpios de
universalidade, diversidade, independncia e diferenciao, estabelecidos pela Unesco
para o fortalecimento da natureza pblica dessas emissoras;
- Compreender a viso dos produtores a respeito dos programas;
- Entender quais so os desafios enfrentados pelas produes no dia a dia;
- Averiguar se existe relao com o pblico e como ela se d;
- Compreender a perspectiva da equipe desses programas sobre o que jornalismo
cultural.
2.3 Locus
O desenho da pesquisa comeou a ser desenvolvido no primeiro semestre de 2013
com orientao da professora Nelia Del Bianco. A ideia inicial partiu de uma curiosidade
sobre a configurao do jornalismo cultural no rdio e, especialmente, a relao que as
equipes de uma produo cultural tm com a sua audincia se as conhecem e se interagem.
Portanto, observou-se, nesse primeiro momento, a necessidade de fazer um mapeamento.
Para tanto, foi feito um levantamento inicial de emissoras pblicas brasileiras com
maior representatividade regional e que trouxessem uma variedade de formatos e estruturas
construo do trabalho. A partir da busca nos portais institucionais, chegou-se a 46
programas, entre oito rdios, que se apresentavam como produes jornalsticas de cultura
(APNDICE A).
Partindo desse levantamento, o processo de recorte seguiu a fim de entender a
caracterstica geral dos contedos divulgados. A partir da audio de, pelo menos, uma edio
de cada um dos programas, foram avaliados critrios como foco na programao musical, uso
de perspectiva histrica ou jornalstica, realizao de entrevistas e matrias. A disponibilidade
e facilidade de acesso aos udios tambm foi levada em considerao a Rdio Cultura do
32
Par, por exemplo, precisou ser retirada, pois os udios no estavam disponveis, o que
impossibilitaria a execuo do trabalho. Esse processo, concludo em julho de 2013, resultou
na escolha de 23 produes em sete emissoras (APNDICE B).
Depois de uma pausa entre o segundo semestre de 2013 e o incio do primeiro de 2014
(para realizao de intercmbio acadmico na Universidad Complutense de Madrid), j com
orientao do professor Carlos Eduardo Esch, foi feita a reviso da grade de programas para
identificar se ainda permanecia como tal. A partir disso e levando em considerao que
revistas radiofnicas multitemticas possibilitariam trazer tratamentos mais diversificados,
chegamos a cinco produes de cinco emissoras diferentes, com representantes das regies
Centro-Oeste, Nordeste, Sudeste e Sul (APNDICE C).
Para, por fim, definir as produes que compem a anlise, foi feita uma nova audio
de, pelo menos, duas edies de cada um dos cinco programas. Tambm foram feitas
tentativas de contato com os produtores para averiguar a disponibilidade para futuras
entrevistas e de acesso total aos udios. Chegamos, portanto, ao Multicultura, da rdio
Educadora FM da Bahia, e ao Estao Cultura, da FM Cultura do Rio Grande do Sul.
Tabela 1 - Sinopse dos programas da amostra
Estao Cultura
FM Cultura RS 107,7 MHz
A produo cultural do Rio Grande do Sul em
revista. Um programa de informao com agenda
cultural, reportagens e entrevistas sobre cinema,
teatro, msica, literatura e artes em geral.
Multicultura
Educadora FM BA 107,5 MHz
Revista cultural que discute o que de mais
interessante acontece em Salvador. Com a
presena de comentaristas e entrevistas ao vivo,
traz reportagens e informaes da agenda
cultural da cidade.
Multicultura
O Multicultura, da Educadora da Bahia, foi lanado em 2006 pela jornalista Marcia
Moreira, que continua at hoje frente do programa como editora e apresentadora. A proposta
inicial era criar um jornal para o horrio das 12h que seguisse a ideia do noticirio Jornal da
33
Educadora14
. Pensando na vocao pblica da emissora, que caminha junto promoo da
cultura, Mrcia props um programa que trouxesse as principais notcias do dia, mas tivesse a
cultura como princpio.
O programa passou por evolues ao longo dos anos e, hoje, veiculado de segunda a
sexta-feira, das 12h s 13h. A bancada sempre contou com dois apresentadores sendo que,
atualmente, trs jornalistas dividem a ancoragem com Mrcia Moreira, um em cada dia da
semana. Esse formato foi mais uma tentativa de testar novas possibilidades e dar mais
dinamicidade. A produo de J Demolier e as matrias so geralmente realizadas por
estagirios.
A grande maioria das edies analisadas tem duas entrevistas, que so normalmente
realizadas ao vivo no estdio, alm de agenda cultural, apresentada em duas partes, matrias
com as principais notcias do dia sobre temas diversos e de uma a trs colunas. Atualmente,
13 comentaristas colaboram com o programa, conforme tabela abaixo.
Tabela 2 - Comentaristas do Multicultura
Dia da semana Nome do quadro Nome do comentarista
Segunda-feira
Gastronomia Vev Bragana
Retratos da Bahia Carlos Barros
Esportes Gustavo Castelucci
Tera-feira Literatura
Claudius Portugal /
Aurlio Schommer
Msica e Mundo Paulo Lima
Quarta-feira
Conexes Nelson Pretto
Artes Visuais Ligia Aguiar / Justino
Marinho
Quinta-feira
Ponto G Eugenio Afonso
Moda Taya Novaes
Esportes Gustavo Castelucci
Sexta-feira Msica Messias Bandeira
Teatro Claudio Cajaba
Os quadros dirios existem desde o comeo do programa e tm a proposta de trazer
uma anlise mais aprofundada sobre as reas do jornalismo cultural. A lista de colunas mudou
14
O Jornal da Educadora o noticirio dirio da Educadora FM. Apresentado de segunda a sexta-feira, s
18h30, tem como proposta fazer um resumo dos principais acontecimentos da cidade de Salvador, da Bahia, do
Brasil e do mundo, mas no se restringe a notcias curtas, eventualmente apresenta reportagens especiais e
entrevistas.
34
bastante ao longo dos anos em razo da disponibilidade dos comentaristas e tambm das
oportunidades que surgiram. O quadro de esportes, por exemplo, ainda que no represente um
tema normalmente coberto pela cultura, foi lanado na poca da Copa do Mundo e acabou
agregado ao quadro fixo de colunas mesmo com o fim do mundial.
Estao Cultura
A FM Cultura teve incio em 1989 e, desde ento, o Estao Cultura compe a grade.
Atualmente, apresentado de segunda a sexta-feira, das 18h s 19h, e tem equipe formada
pelo produtor Alvaro Grohmann, pelo apresentador Gerson Pont e por uma estagiria. A base
do programa composta por um trip entre agenda cultural, msica e entrevista.
Na agenda, a prioridade a produo local, mas tambm pode haver destaque a
grandes eventos estaduais e, at, nacionais. Predominam programao musical e pequenas
notas divididas na agenda cultural, apresentada por Gerson Pont, que tambm faz o quadro
Notcias do Mundo da Cultura, alm do espordico Cursos e eventos, feito pela atual
estagiria Renata Pias.
Todas as edies analisadas do Estao Cultura contam tambm com entrevistas
realizadas, geralmente, ao vivo por telefone, mas algumas so gravadas pela estagiria. H
tambm participao da colunista Jaqueline Chala em quadro sobre cinema, apresentado duas
vezes por semana em edies que destacam, s teras-feiras, dicas do circuito alternativo e, s
sextas-feiras, de grandes estreias.
2.4 Corpus
A anlise foi composta com 20 edies do programa baiano e 18 edies do gacho15
.
O material corresponde a quatro semanas de programao divididas em dois perodos de
anlise: de 19 a 31 de maio e 14 a 25 de julho de 2014. Essa diviso ocorreu pela questo
prtica de que os udios do Multicultura foram enviados pela prpria produo, que s
conseguiu disponibilizar parte dos arquivos do ms de maio e a outra parte de julho. Alm
disso, foi possvel evitar interferncias do perodo atpico da Copa do Mundo, ocorrida entre
12 de junho e 13 de julho.
15
Apenas as edies de 22 e 26 de maio do programa Estao Cultura no estavam disponveis e julgamos que a
ausncia delas no causaria prejuzo para o resultado final do trabalho.
35
2.5 Mtodo
A metodologia usada para a construo do trabalho foi baseada na perspectiva de
Laurence Bardin sobre anlise de contedo, definida como um conjunto de tcnicas da
comunicao, que utiliza procedimentos sistemticos e objetivos de descrio do contedo
das mensagens (1977, p. 38).
Para este estudo, a anlise de contedo de natureza temtica foi a que melhor se
enquadrou dentre os diversos tipos definidos pela autora. Fazer uma anlise temtica
consiste em descobrir os ncleos de sentido que compem a comunicao e cuja presena,
ou frequncia de apario podem significar alguma coisa para o objetivo analtico escolhido
(BARDIN, 1977, p. 105). A partir da teoria apresentada, foram exploradas as dimenses
qualitativa e quantitativa do material.
Alm disso, a fim de complementar o material extrado da anlise, utilizou-se de mais
de uma tcnica de coleta de dados para a pesquisa. Foram realizadas entrevistas
semiestruturadas por telefone com Mrcia Moreira (idealizadora, editora e apresentadora do
Multicultura), Alvaro Grohmann (produtor do Estao Cultura) e Gerson Pont (atual
apresentador do Estao Cultura).
2.6 Categorias de anlise
Foram definidas cinco categorias baseadas em unidades de sentido: temas recorrentes,
formatos utilizados, linguagem, tipos de fontes e recursos sonoros. A categoria tema foi
subdividida de maneira a extrair resultados quantitativos com base na frequncia de apario
das seguintes subcategorias:
- Artes plsticas: sobre artes visuais, pintura, escultura, desenho, gravura, colagem,
entre outras linguagens artsticas que exploram elementos visuais; exposies, feiras,
entrevistas com artistas ou sobre artistas e suas obras, comentrios sobre o mercado e
o universo das artes plsticas;
- Cinema: lanamentos de filmes, festivais, produes em cartaz, entrevistas com
cineastas, atores, demais pessoas vinculadas produo audiovisual, ou sobre eles e
seus produtos, comentrios sobre o mercado e o universo audiovisual;
- Literatura: lanamentos de livros, feiras, entrevistas com autores ou sobre autores e
suas obras, comentrios sobre o mercado e o universo da literaura;
36
- Msica: shows, festivais, lanamentos, comentrios, entrevistas com artistas ou sobre
artistas e suas obras, comentrios sobre o mercado e o universo da msica;
- Teatro: estreias, espetculos em cartaz, festivais, entrevistas com artistas ou sobre
artistas e as produes das quais fazem parte, comentrios sobre o mercado e o
universo do teatro;
- Dana: estreias, espetculos em cartaz, festivais, entrevistas com artistas ou sobre
artistas e suas produes, comentrios sobre o mercado e o universo da dana;
- Fotografia: exposies, lanamentos de produtos relacionados fotografia,
entrevistas com fotgrafos, modelos ou sobre fotgrafos e seus produtos, comentrios
sobre o mercado e o universo fotogrfico;
- Diversos/geral/comportamento: atividades multitemticas, como semanas e feiras;
debates, seminrios, aes sociais, que abordam discusses de ideias; entrevistas a
esse respeito ou com participantes dessas ocasies;
- Manifestao religiosa: eventos e manifestaes de cunho religioso, entrevistas com
ou sobre personagens, comentrios sobre assuntos relacionados;
- Arquitetura: mostras, entrevistas com arquitetos ou sobre arquitetos e seus trabalhos,
implicaes da arquitetura na sociedade;
- Gastronomia: eventos gastronmicos, como festivais e feiras, dicas, entrevistas com
chefes, cozinheiros e demais pessoas vinculadas gastronomia, ou sobre elas,
comentrios sobre o mercado e o universo gastronmico;
- Moda: exposies, semanas de moda, entrevistas com estilistas e modelos ou sobre
eles, comentrios sobre o mercado e o universo da moda;
- Outros: temas no culturais, que no se encaixam em nenhum dos tpicos acima
como trnsito, transportes, sade, segurana pblica etc.
J a categoria formato revelou a frequncia de apario de: matrias, entrevistas,
links ao vivo, inseres em agenda ou notas de servio, notas informativas, destaques com
chamada e apresentao de sonora, comentrios ou colunas, que, para este trabalho, foram
considerados como:
37
- Matrias: contedo que aparece com uma chamada do apresentador para o reprter e,
normalmente, gravado. Sempre tem a presena de sonoras e costuma trazer vrias
informaes sobre a pauta em questo;
- Entrevistas: ao vivo ou gravadas tanto no estdio como por telefone, podem envolver
um ou mais convidados. Em geral, so conduzidas pelos apresentadores, mas tambm
aparecem em algumas situaes realizadas por reprteres;
- Links ao vivo: contedo que aparece com a chamada do apresentador para um
reprter que est cobrindo determinada pauta, normalmente um evento de destaque;
- Agenda ou notas de servio: contedo que apresenta informaes objetivas a respeito
de um evento e normalmente aglomerado em listas. Aparece tanto conduzido pelos
apresentadores, como por reprteres ou produtores. No caso das notas de servio, so
apresentadas informaes rpidas sobre trnsito ou condies climticas;
- Notas informativas: normalmente conduzidas pelos apresentadores, trazem
informaes rpidas sobre assuntos diversos (a exemplo do falecimento de artistas e
curiosidades sobre o universo cultural).
- Chamada e sonora: contedo que aparece com uma chamada feita pelos
apresentadores seguida de sonora com depoimento de um artista, produtor ou
especialista a respeito de determinado evento;
- Comentrios ou colunas: autoral, consiste na apresentao da opinio de
especialistas a respeito de assuntos variados (teatro, msica, moda etc). Normalmente
encaixadas em dias fixos da programao.
Na categoria tipo de fontes, foram registrados quantitativamente artistas ou
personagens, especialistas, produtores, pblico e outros, que apareceram como convidados
para entrevistas ou fontes para as sonoras. As demais categorias foram analisadas de acordo
com abordagem no quantitativa: verificou-se a linguagem empregada e a ausncia ou
presena de recursos sonoros.
Os dados obtidos correspondentes s categorias tema, formato e tipos de fontes
foram tratados por meio de tabelas que revelaram as frequncias das inseres e permitiram
colocar as informaes para interpretao em relevo. Algumas subcategorias foram definidas
inicialmente, mas, a partir das audies, sentiu-se a necessidade de acrescentar outras. Isso
38
porque foram registradas ocorrncias que no se encaixaram no que foi preestabelecido (a
exemplo de inseres classificadas como manifestao religiosa, moda e
geral/comportamento).
39
CAPTULO 3
Os dados falam: levantamento e anlise de contedo
Como explicado no captulo anterior, para realizar a anlise dos programas em
questo, foi feita a audio de 20 edies do Multicultura e 18 do Estao Cultura. Os dados
levantados foram organizados em tabelas divididas por categorias e subdivididas a partir das
ocorrncias encontradas, como ser visto a seguir.
3.1 Tema
Na categoria tema, foram encontradas 811 ocorrncias nos dois programas.
Msica como pauta, por exemplo, aparece majoritariamente, com 269 inseres, o que
representa 33,17% do total de inseres. O segundo tema cultural abordado mais vezes
teatro com 106 ocorrncias.
Esses dados refletem que as agendas so a principal fonte para esses programas, uma
vez que a frequncia de shows e apresentaes teatrais muito maior do que de exposies,
por exemplo. Ou seja, enquanto diferentes apresentaes podem acontecer a cada dia em uma
mesma casa, as mostras de artes plsticas costumam permanecer por vrios dias e at meses
ocupando um nico espao.
Estao Cultura
Nas edies analisadas, foram encontradas 337 ocorrncias temticas, que seguiram a
tendncia apontada na observao dos dados conjuntos dos dois programas: msica foi o
primeiro assunto mais tratado e teatro o segundo, como pode ser observado na tabela a
seguir. Nenhuma ocorrncia foi encontrada para manifestao religiosa, gastronomia e
moda.
Tabela 3 Ocorrncias de tema para o Estao Cultura
Nmeros absolutos Porcentagem
Msica 122 36,2%
Teatro 55 16,32%
40
Literatura 40 11,87%
Cinema 39 11,57%
Diversos / geral /
comportamento 25 7,42%
Outros 19 5,64%
Fotografia 14 4,15%
Artes plsticas 11 3,26%
Dana 11 3,26%
Arquitetura 1 0,3%
Multicultura
O programa baiano apresentou 474 ocorrncias de tema. importante observar que
os temas que extrapolam a cultura, como sade, segurana, educao, entre outros, aparecem
com muita frequncia no Multicultura. Eles ficaram em segundo lugar em nmero de
inseres, com 83 ocorrncias contabilizadas na subcategoria outros.
Aqui foi verificado que assuntos diversos, colocados em
diversos/geral/comportamento 16 , tiveram o terceiro maior nmero de ocorrncias, 54,
diferente do que ocorreu com o Estao Cultura. Por sua vez, teatro, o segundo tema mais
abordado em nmeros gerais, teve 51 ocorrncias nas edies analisadas do Multicultura.
Msica se manteve em primeiro lugar, com 147 inseres.
Tabela 4 - Ocorrncias de tema para o Multicultura
Nmeros absolutos Porcentagem
Msica 147 31,01%
Outros 83 17,51%
Diversos / geral /
comportamento 54 11,39%
Teatro 51 10,76%
Literatura 39 8,23%
Artes plsticas 33 6,96%
Cinema 21 4,43%
Manifestao
religiosa 16 3,38%
Dana 13 2,74%
16
Como explicado no captulo 2, foram includas na categoria diversos/geral/comportamento inseres que tivessem contedo a respeito de atividades multitemticas, como semanas e feiras; debates, seminrios, aes
sociais, que abordam discusses de ideias.
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