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22 VSGonçalves et al web -...

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estudos & memórias 10 SINOS E TAÇAS JUNTO AO OCEANO E MAIS LONGE. ASPECTOS DA PRESENÇA CAMPANIFORME NA PENÍNSULA IBÉRICA BELLS AND BOWLS NEAR THE OCEAN AND FAR AWAY. ABOUT BEAKERS IN THE IBERIAN PENINSULA victor s. gonçalves (ed.) CENTRO DE ARQUEOLOGIA DA UNIVERSIDADE DE LISBOA FACULDADE DE LETRAS DA UNIVERSIDADE DE LISBOA
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estudos & memórias 10

SINOS E TAÇAS JUNTO AO OCEANO E MAIS LONGE.ASPECTOS DA PRESENÇA CAMPANIFORME NA PENÍNSULA IBÉRICA

BELLS AND BOWLSNEAR THE OCEAN AND FAR AWAY.ABOUT BEAKERS IN THE IBERIAN PENINSULA

victor s. gonçalves (ed.)

CENTRO DE ARQUEOLOGIA DA UNIVERSIDADE DE LISBOAFACULDADE DE LETRAS DA UNIVERSIDADE DE LISBOA

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sinos e taças Junto ao oceano e mais longe.

aspectos da presença campaniforme na península ibérica

Bells and Bowls near the ocean and far away.

about beakers in the iberian peninsula

victor s. gonçalves (ed.)

estudos & memórias 10

centro de arQueologia da uniVersidade de lisboafaculdade de letras da uniVersidade de lisboa

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estudos & memóriasSérie de publicações da UNIARQ (Centro de Arqueologia da Universidade de Lisboa)Direcção e orientação gráfica: Ana Catarina SousaSérie fundada por Victor S. Gonçalves.

10.GONÇALVES, V. S., ed. (2017) – Sinos e Taças. Junto ao Oceano e mais longe. Aspectos da presença campaniforme na Península Ibérica. estudos & memórias 10. Lisboa: UNIARQ/ FL-UL. 364 p.

Capa e contracapa: Victor S. Gonçalves e TVM Designers. Capa: vaso «campaniforme» do escultor Francisco Simões, Edição Multiface 1/1500. Produzido em 1988 no Atelier Vasconcelos. Francisco Simões nunca tinha visto um vaso campaniforme autêntico. Contracapa: detalhe da superfície externa do vaso proveniente da necrópole do Casal do Pardo, sem indicação de gruta. MNA 984.670.53. Fotos Victor S. Gonçalves.

Paginação e Artes finais: TVM designers Impressão: AGIR Produções Gráficas 300 exemplares

ISBN: 978-989-99146-5-0 / Depósito Legal: 435 925/17

Copyright ©, 2017, os autores.Toda e qualquer reprodução de texto e imagem é interdita, sem a expressa autorização do(s) autor(es), nos termos da lei vigente, nomeadamente o DL 63/85, de 14 de Março, com as alterações subsequentes. Em powerpoints de carácter científico (e não comercial) a reprodução de imagens ou texto é permitida, com a condição de a origem e autoria do texto ou imagem ser expressamente indicada no diapositivo onde é feita a reprodução.

Lisboa, 2017.

Volumes anteriores de esta série:

LEISNER, G. e LEISNER, V. (1985) – Antas do Concelho de Reguengos de Monsaraz. Estudos e Memórias, 1. Lisboa: Uniarch/INIC. 321 p.

GONÇALVES, V. S. (1989) – Megalitismo e Metalurgia no Alto Algarve Oriental. Uma aproximação integrada. 2 Volumes. Estudos e Memórias, 2. Lisboa: CAH/Uniarch/INIC. 566+333 p.

VIEGAS, C. (2011) – A ocupação romana do Algarve. Estudo do povoamento e economia do Algarve central e oriental no período romano. Estudos e Memórias 3. Lisboa: UNIARQ. 670 p.

QUARESMA, J. C. (2012) – Economia antiga a partir de um centro de consumo lusitano. Terra sigillata e cerâmica africana de cozinha em Chãos Salgados (Mirobriga?). Estudos e Memórias 4. Lisboa: UNIARQ. 488 p.

ARRUDA, A. M., ed. (2013) – Fenícios e púnicos, por terra e mar, 1. Actas do VI Congresso Internacional de Estudos Fenícios e Púnicos, Estudos e memórias 5. Lisboa: UNIARQ. 506 p.

ARRUDA, A. M., ed. (2014) – Fenícios e púnicos, por terra e mar, 2. Actas do VI Congresso Internacional de Estudos Fenícios e Púnicos, Estudos e memórias 6. Lisboa: UNIARQ. 698 p.

SOUSA, E. (2014) – A ocupação pré-romana da foz do estuário do Tejo. Estudos e memórias 7. Lisboa: UNIARQ. 449 p.

GONÇALVES, V. S.; DINIZ, M.; SOUSA, A. C., eds. (2015) – 5.º Congresso do Neolítico Peninsular. Actas. Lisboa: UNIARQ/ FL-UL. 661 p.

SOUSA, A. C.; CARVALHO, A.; VIEGAS, C., eds. (2016) – Terra e Água. Escolher sementes, invocar a Deusa. Estudos em Homenagem a Victor S. Gonçalves. Lisboa: UNIARQ/ FL-UL. 623 p.

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Sinos, taças e coisas assim, junto ao oceano e mais longe. 6 Algumas reflexões sobre a presença campaniforme em PortugalVICTOR S. GONÇALVES

O campaniforme de Alcalar no contexto do extremo sul 28ELENA MORÁN

Para uma leitura sociopolítica do campaniforme do Guadiana. 38 Longas viagens com curta estada no Porto das CarretasJOAQUINA SOARES

We are ancients, as ancient as the sun: Campaniforme, antas e gestos funerários 58 nos finais do 3.º milénio BCE no Alentejo CentralRUI MATALOTO

Approaching Bell Beakers at Perdigões enclosures (South Portugal): 82 site, local and regional scalesANTÓNIO CARLOS VALERA • ANA CATARINA BASÍLIO

O Barranco do Farinheiro (Coruche) e a presença campaniforme 98 na margem esquerda do baixo TejoVICTOR S. GONÇALVES • ANA CATARINA SOUSA • MARCO ANDRADE

O povoamento campaniforme em torno do estuário do Tejo: 126 cronologia, economia e sociedadeJOÃO LUÍS CARDOSO

Entre os estuários do Tejo e do Sado na 2.ª metade do III milénio BC: 142 o fenómeno campaniformeCARLOS TAVARES DA SILVA

Entre a Foz e a Serra: apontamentos sobre a cerâmica campaniforme 158 do povoado pré-histórico da Parede (Cascais)VICTOR S. GONÇALVES • ANA CATARINA SOUSA • MARCO ANTÓNIO ANDRADE • ANDRÉ PEREIRA

Ritmos de povoamento e cerâmica campaniforme 170 na área da Ribeira de Cheleiros (Mafra e Sintra, Lisboa)ANA CATARINA SOUSA

Campaniforme em Zambujal (Torres Vedras) 194MICHAEL KUNST

t á b u a

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Beakers in Central Portugal: social roles, confluences and strange absences 214ANTÓNIO CARLOS VALERA

A looking in view: cultural expressions of Montejunto Bell Beakers 230ANA CATARINA BASÍLIO • ANDRÉ TEXUGO

Bell beaker contexts in Portugal: the northern and the Douro region basin 238MARIA DE JESUS SANCHES • MARIA HELENA LOPES BARBOSA ALEXANDRA MARIA FERREIRA VIEIRA

El fenómeno campaniforme en el Sudeste de la Península Ibérica: 258 el caso del Cerro de la Virgen (Orce, Granada)FERNANDO MOLINA GONZÁLEZ • JUAN ANTONIO CÁMARA SERRANO ALBERTO DORADO ALEJOS • MARÍA VILLARROYA ARÍN

La cerámica campaniforme del Cerro de la Encina (Monachil, Granada). 276 Nuevas aportaciones al complejo cultural del SuresteALBERTO DORADO ALEJO • FERNANDO MOLINA GONZÁLEZ JUAN ANTONIO CÁMARA SERRANO • JESÚS GÁMIZ CARO

Producción y consumo de cerámica campaniforme en Valencina 288 de la Concepción 00(Sevilla, España): una propuesta interpretativa desde el análisis de los contextos de la calle TrabajadoresNUNO INÁCIO • FRANCISCO NOCETE • ANA PAJUELO PANDO PEDRO LÓPEZ ALDANA • MOISÉS R. BAYONA

Campaniforme y Ciempozuelos en la región de Madrid 302CORINA LIESAU VON LETTOW-VORBECK

Redefining Ciempozuelos. Bell-beaker culture in Toledo? 324PRIMITIVA BUENO-RAMÍREZ • ROSA BARROSO-BERMEJO • RODRIGO BALBÍN-BEHRMANN

La sal y el campaniforme en la Península Ibérica: fuente de riqueza, 342 instrumento de poder ¿y detonante del origen del estilo marítimo? ELISA GUERRA DOCE

A metalurgia campaniforme no Sul de Portugal 354ANTÓNIO M. MONGE SOARES • PEDRO VALÉRIO • MARIA FÁTIMA ARAÚJO • RUI SILVA

Workshop Sinos e Taças (campaniformes). Algumas imagens 364

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158 sinos e taças. Junto ao oceano e mais longe. aspectos da presença campaniforme na península ibérica

EntrE a Foz E a SErra: apontamentos sobre a cerâmica campaniforme do povoado pré-histórico da parede (cascais)victor s. gonçalvesUNIARQ – Centro de Arqueologia da Universidade de Lisboa (WAPS)[email protected]

ana catarina sousaUNIARQ – Centro de Arqueologia da Universidade de Lisboa (WAPS)[email protected]

marco antónio andradeUNIARQ – Centro de Arqueologia da Universidade de Lisboa (WAPS)Fundação para a Ciência e [email protected]

andré pereiraIUNIARQ – Centro de Arqueologia da Universidade de Lisboa (WAPS)[email protected]

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159victor s. gonçalves, ana catarina sousa, marco antónio andrade, andré pereira EntrE a Foz E a SErra: apontamentos sobre a cerâmica campaniforme do povoado pré-histórico da parede (cascais)

Resumo O povoado pré-histórico da Parede foi identificado e escavado na década de 50 do século passado, tendo revelado ocupações (não necessariamente contínuas) datá-veis de entre o último quartel do 4.º milénio e o último quartel do 3.º milénio a.n.e. Para além das ocupações relativas ao Neolítico final (cujas características da cultura material serviram de base à definição do «Parede Gruppe» de Konrad Spindler), revelou ocupa-ções atribuíveis ao Calcolítico inicial e ao Calcolítico final, tendo sido aparentemente abandonado durante o Calcolítico pleno. As ocupações referentes ao Calcolítico final caracterizam-se principalmente pelas cerâmicas campaniformes (contabilizando cerca de centena e meia de fragmentos), correspondendo já a uma etapa de destruturação do povoamento calcolítico datável do último terço do 3.º milénio a.n.e. – com um claro domínio dos estilos pontilhado e inciso geométrico, sendo relativamente escassos os elementos do estilo «marítimo» (nas variantes de bandas e linear). Pretende-se assim apresentar uma abordagem preliminar à última fase de ocupação do povoado da Parede, enquadrando-o crono-culturalmente nas ocupações coevas da baixa Península de Lis-boa, no contexto geral do Grupo Campaniforme do Baixo Tejo.

AbstRAct The prehistoric settlement of Parede, identified and excavated in the 1950’s, revealed occupations (not necessarily continuous) dating between the last quarter of the 4th millennium and the last quarter of the 3rd millennium BCE. In addition to the Late Neolithic occupations (which material culture was used as the basis for Konrad Spindler’s definition of the «Parede Gruppe»), it revealed also Early Chalcolithic and Late Chalcoli-thic occupations, being apparently abandoned during the Middle Chalcolithic. The Late Chalcolithic occupations are mainly characterized by the presence of bell beaker pottery (about 150 sherds), already corresponding to a destructurization stage of the Chalcolithic population networks during the last third of the 3rd millennium BCE – with a clear domi-nance of the geometric styles (stippled and incised), being relatively scarce the elements of the «maritime» style (in the banded and linear variants). The aim of this contribution is to present a preliminary approach to the last occupation phase of the settlement of Parede, framing it, in chronological and cultural terms, in the coeval occupations of the lower Lisbon peninsula and in the general context of the Bell Beaker Group of the Lower Tagus.

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160 sinos e taças. Junto ao oceano e mais longe. aspectos da presença campaniforme na península ibérica

1. intRoduçÃoO povoado pré-histórico da Parede, identificado e

escavado em meados do século passado, forneceu uma quantidade significativa de espólio arqueológico indi-cando ocupações (não necessariamente contínuas) que se estendem do último quartel do 4.º milénio a.n.e. até ao último quartel do seguinte.

Desde logo se assumiu como paradigma evidente das culturas do Neolítico final da Península de Lisboa, sendo precisamente usado como base por Konrad Spin-dler para a definição do seu «Parede Gruppe». Para além deste importante registo para a compreensão das anti-gas sociedades camponesas de finais do 4.º milénio a.n.e. da Estremadura portuguesa, salienta-se igualmente a sua importância historiográfica, tendo sido uma das primeiras escavações em Portugal onde, como afirmam os seus escavadores, se aplicou o método Wheeler.

A ocupação deste povoado foi aparentemente inter-rompida durante o Calcolítico pleno (evidente pela ausência de cerâmicas do grupo «folha-de-acácia»), voltando a ser ocupado pelas comunidades porta-doras de cerâmicas campaniformes do último terço do 3.º milénio a.n.e. O conjunto artefactual cerâmico, muito diversificado, inclui elementos dos estilos «marítimo», pontilhado geométrico, inciso e compó-sito (associação entre impresso e inciso), inscrevendo este sítio num dos principais grupos campaniformes ibéricos: o Grupo do Baixo Tejo.

Inclui-se assim numa malha de povoamento carac-terizada por sítios abertos, e espaços sepulcrais corre-lativos, implantados ao longo da margem esquerda da desembocadura do Tejo (distribuídos entre os conce-lhos de Cascais, Oeiras e Lisboa), paisagem económica e social que seria possivelmente gerida pelo povoado fortificado de Leceia.

Esta contribuição pretende assim ser uma aborda-gem preliminar à última fase de ocupação do povoado da Parede, enquadrando-o a nível cronológico e cultural nas ocupações coevas da baixa Península de Lisboa e no contexto geral do Grupo Campaniforme do Baixo Tejo.

2. o povoAdo pRé-históRico dA pARedeO povoado pré-histórico da Parede localiza-se no

«Bairro Octaviano», na freguesia homónima do conce-lho de Cascais, sendo a sua área central (localizada sob a Escola Básica n.º 2 da Parede) enquadrada pelas ruas Camilo Castelo Branco, Bernardim Ribeiro e Almeida Garrett.

Identificado em 1953 por Eduardo Prescott Vicente e Eduardo da Cunha Serrão, foi objecto de escavação nos anos de 1955, 1956 e 1957. Estes trabalhos foram diri-gidos pelos seus descobridores em colaboração com Afonso do Paço – sendo a última campanha dirigida

fiG. 1 À esquerda, situação do povoado da Parede no Extremo Ocidente peninsular. À direita, situação do povoado da Parede (indicado pelo círculo vazio) no contexto das ocupações campaniformes da baixa Península de Lisboa (apenas povoados); os círculos maiores correspondem a povoados fortificados (1 – Castelo; 2 – Moita da Ladra; 3 – Penedo do Lexim; 4 – Leceia; 5 – Penha Verde); base cartográfica: Google Maps, 2015.

fiG. 2 Localização do povoado da Parede na malha urbana do «Bairro Octaviano» (adaptado de Paço et al., 1957, p. 8).

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161victor s. gonçalves, ana catarina sousa, marco antónio andrade, andré pereira EntrE a Foz E a SErra: apontamentos sobre a cerâmica campaniforme do povoado pré-histórico da parede (cascais)

exclusivamente por este último, após afastamento dos primeiros por altercações com Afonso do Paço (nomea-damente, e entre outros motivos, a utilização de mem-bros da Mocidade Portuguesa nos trabalhos de escava-ção). Forneceu uma quantidade bastante expressiva de espólio arqueológico, enquadrado numa sequência estratigráfica significativa e numa série de estruturas de habitat, indicando ocupações (não necessariamente contínuas) que se estendem desde o último quartel do 4.º milénio a.n.e. até ao último quartel do seguinte, ofe-recendo uma suposta área de ocupação dispersa por cerca de 50 km2 (Serrão, 1983, p. 144) – extensão que nos parece excessiva, podendo corresponder não a uma única ocupação espacialmente contínua mas a vários núcleos, actualmente de difícil caracterização devido ao crescimento urbano.

Desde logo se assumiu como paradigma evidente das culturas do Neolítico final da Península de Lisboa, sendo precisamente usado por Konrad Spindler como base para a definição do seu «Parede Gruppe», de acordo com as associações artefactuais aí registadas (Spindler, 1976). Para além deste relevante registo para a compreensão das antigas sociedades camponesas de finais do 4.º milénio a.n.e. da Estremadura portu-guesa (ressalvando-se contudo a desconstrução deste modelo já realizada por um de nós; cf. Gonçalves, 2003), salienta-se igualmente a sua importância para a histo-riografia da Arqueologia nacional, tendo sido uma das primeiras escavações em Portugal onde, como afirmam os seus escavadores, se aplicou o método Wheeler.

Segundo Afonso do Paço, a ocupação do povoado da Parede dividir-se-ia em dois «horizontes culturais» (Paço, 1964): Parede I, com taças carenadas, recipientes de bordos denteados e copos canelados; Parede II, com cerâmica campaniforme.

Evidenciando as fragilidades deste modelo inter-pretativo simplista baseado apenas nos dados de 1957 (e ignorando a deslocação de espólio entre estratos), Eduardo da Cunha Serrão esboça três «horizontes cul-turais» alternativos com base na posição estratigráfica genérica do espólio (Serrão, 1983): Parede I, relativo ao Neolítico final; Parede II, relativo ao Calcolítico inicial; Parede III, relativo ao Calcolítico final. Teríamos assim, segundo Eduardo da Cunha Serrão (1983, p. 119), «dois povoados sobrepostos» (Parede I e Parede II), com uma «ocupação superficial campaniforme» (Parede III).

A ocupação deste povoado, iniciado no Neolítico final, terá sido, assim e aparentemente, interrompida ainda antes do Calcolítico pleno (evidente pela ausên-cia de cerâmicas do grupo «folha-de-acácia»), vol-tando a ser ocupado pelas comunidades portadoras de cerâmicas campaniformes do último terço do 3.º milénio a.n.e. Neste contexto, propomos (e um pouco de encontro à leitura de Eduardo da Cunha Serrão) o isolamento de conjuntos artefactuais genéricos para a caracterização das fases de ocupação do povoado da Parede, independentemente da sua posição estrati-gráfica:

3100-2900 a.n.e.: Neolítico final, com taças carenadas, recipientes de

bordos denteados e esféricos mamilados; 2900-2600 a.n.e: Calcolítico inicial, com copos e taças caneladas (não

necessariamente em sequência «cultural» directa com a fase anterior);

2300-2100 a.n.e.: Calcolítico final, com cerâmicas campaniformes e

potencialmente artefactos de cobre (apesar da sua atribuição estratigráfica não ser segura).

fiG. 3 Planta da escavação, com indicação das estruturas identificadas, do povoado da Parede (adaptado de Serrão, 1983, p. 126, fig. 3).

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162 sinos e taças. Junto ao oceano e mais longe. aspectos da presença campaniforme na península ibérica

Encontram-se disponíveis duas datações absolutas para o povoado da Parede, obtidas sobre artefactos de osso recolhidos durante a intervenção de 1957 – nome-adamente, Beta-190859: 4230±40 BP e Beta-188388: 4230±40 BP (Gonçalves, 2005, p. 70). Calibradas, forne-ceram os seguintes intervalos: 2900-2690 Cal BC 2σ e 2870-2500 Cal BC 2σ, respectivamente. Estas datações serão correspondentes ao horizonte Parede II de Cunha Serrão, referente ao Calcolítico inicial, sendo estatisti-camente idênticas àquelas obtidas para os níveis com copos e taças caneladas de Leceia (Cardoso, 1997) e Penedo do Lexim (Sousa, 2010).

3. A ceRâmicA cAmpAnifoRme do povoAdo pRé-históRico dA pARedeO conjunto isolado no âmbito deste estudo inclui

cerca de centena e meia de elementos, referindo-se exclusivamente a cerâmicas campaniformes decora-das – sendo apenas estes os componentes considera-dos para os dados apresentados abaixo. Será de con-siderar igualmente a hipótese óbvia da presença de cerâmicas campaniformes lisas, ainda não contabiliza-das com rigor e assim não abrangidas no tratamento estatístico.

A nível dos estilos decorativos, é evidente o domínio das cerâmicas decoradas com a técnica incisa (60,13% do conjunto), seguindo-se a técnica pontilhada (27,21% do conjunto) e a técnica compósita (2,53% do conjunto, aliando incisões com impressões pontilhadas). Os moti-vos decorativos (independentemente de serem impres-sos ou incisos) referem-se a composições geométricas, repartindo-se entre bandas preenchidas (incluindo fai-xas reticuladas), linhas simples, faixas e linhas zigue-zagueantes, composições triangulares ou losangula-res – sendo que em alguns elementos estes motivos se encontram associados num mesmo recipiente.

Regista-se igualmente a presença (não muito signi-ficativa) de métopes dispostas abaixo da linha do bordo (aplicada em recipientes do estilo inciso, como P.2945.56, e pontilhado, como P.02 e P.663.56), assim como deco-ração dos lábios com linhas reticuladas, linhas parale-las oblíquas, linhas concêntricas em relação à linha do bordo enquadrada por traços perpendiculares e ban-das de triângulos opósitos – sendo aplicada em taças de bordo plano com espessamento interno, nos estilos pontilhado e inciso.

Dever-se-á referir que alguns elementos incluídos no estilo inciso parecem apresentar decorações de tra-dição do Calcolítico pleno – nomeadamente, os motivos geométricos característicos das cerâmicas da famí-lia «folha de acácia», evidentes nos recipientes P.740, P.108.56 e P.2906.56. Não havendo registos desta fase cronológica no povoado da Parede, estes elementos

poderão ser encarados meramente como motivos deco-rativos supervivenciais.

O estilo «marítimo» encontra-se não tão expressi-vamente representado, dividindo-se entre as bandas impressas (6,33% do conjunto) e, minoritariamente, as bandas incisas (1,90% do conjunto, incluindo residual-mente a variante linear incisa).

Em relação às formas, e independentemente dos

estilos decorativos registados, estas estão maiorita-riamente representadas pelas taças de bordo plano com espessamento interno (taças de tipo Palmela, com decoração aplicada sobre o lábio) e vasos acam-panados ou pequenas caçoilas – ambos em proporções sensivelmente idênticas, correspondendo respectiva-mente a 35,71% e 39,28% do total dos elementos com

Gráfico 1 Relação percentual dos estilos decorativos da cerâmica campaniforme do povoado da Parede.

Marítimo (impresso)

Pontilhado geométrico

Compósito

Marítimo (inciso)

Inciso geométrico

Indeterminado

60,13% 27,21%

6,33%

2,53% 1,90%

1,90%

Gráfico 2 Relação percentual das formas da cerâmica campaniforme do povoado da Parede, com base nos elementos com forma reconhecível, distinguindo-se vasos acampanados (ou pequenas caçoilas), taças de bordo plana (taças de tipo Palmela), taças hemisféricas, esferoidais e grandes recipientes (possivelmente vasos bojudos de tipo «garrafa»). Os elementos com forma reconhecível correspondem a 35,44% do total dos elementos campaniformes recolhidos no povoado da Parede.

Marítimo Pontilhado Inciso Compósito

Vaso acampanado

Taça bordo plano

Taça hemisférica

Esferoidal

Grande recipiente

0% 5% 10% 15% 20% 25% 30% 35% 40%

Marítimo Pontilhado Inciso Compósito

Vaso acampanado

Taça bordo plano

Taça hemisférica

Esferoidal

Grande recipiente

0% 5% 10% 15% 20% 25% 30% 35% 40%

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163victor s. gonçalves, ana catarina sousa, marco antónio andrade, andré pereira EntrE a Foz E a SErra: apontamentos sobre a cerâmica campaniforme do povoado pré-histórico da parede (cascais)

forma reconhecível. Menos representadas, encon-tram-se formas como as taças hemisféricas (10,72% do total dos elementos com forma reconhecível) e os esferoidais (5,36% do total dos elementos com forma reconhecível). A presença de grandes recipientes tam-bém está atestada, pelo menos julgando pelas pare-des relativamente espessas de alguns recipientes (por exemplo: P.577.57, P.654.56 e P.1414.56), sendo contudo de morfologia indeterminável com rigor mas possi-velmente referentes a grandes vasos bojudos de tipo «garrafa» (8,93% do total dos elementos com forma reconhecível).

Apesar de a maioria dos elementos recolhidos no povoado da Parede (cerca de 64,56% do total dos ele-mentos campaniformes analisados) corresponderem a recipientes cuja forma é impossível de definir com rigor, dado a pequena dimensão dos fragmentos, as for-mas representadas parecem reflectir catálogos que se

fiG. 4 Campaniforme marítimo do povoado da Parede. P.2434 apresenta preenchimento a «pasta branca».

fiG. 5 Campaniforme do estilo pontilhado geométrico do povoado da Parede.

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164 sinos e taças. Junto ao oceano e mais longe. aspectos da presença campaniforme na península ibérica

fiG. 6 Campaniforme do estilo pontilhado geométrico do povoado da Parede. P.2945.56 apresenta preenchimento a «pasta branca». P.663.56 e P.2945.56 apresentam métopes abaixo da linha do bordo.

fiG. 7 Campaniforme do estilo pontilhado geométrico do povoado da Parede.

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165victor s. gonçalves, ana catarina sousa, marco antónio andrade, andré pereira EntrE a Foz E a SErra: apontamentos sobre a cerâmica campaniforme do povoado pré-histórico da parede (cascais)

repetem em outros sítios crono-culturalmente coevos nas Península de Lisboa e Setúbal. Refira-se contudo o interessante facto de, nos vasos acampanados (ou pequenas caçoilas) e nas taças de bordo plano, os pri-meiros apresentarem maioritariamente decoração de tipo pontilhado geométrico e as segundas apresenta-rem maioritariamente decoração de tipo inciso.

A pasta dos elementos analisados apresenta-se gene-ricamente compacta, de textura muito homogénea, com maior representatividade de cozeduras e arrefecimentos

oxidantes, com elementos não plásticos de calibre fino (maioritariamente calcários). As superfícies são maiori-tariamente alisadas, por vezes aproximando-se a polidas.

Refira-se ainda o facto de alguns dos elementos (cerca de 3,16% do conjunto) apresentarem preenchi-mento a «pasta branca», perceptível em recipientes dos estilos «marítimo» (P.2434 e 2886.56, por exemplo), pontilhado geométrico (P.02 e P.2945.56, por exemplo) e inciso (P.2904.56 e P.2924,56, por exemplo).

4. o povoAdo dA pARede no contexto dAs

fiG. 8 Campaniforme do estilo inciso geométrico do povoado da Parede.

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166 sinos e taças. Junto ao oceano e mais longe. aspectos da presença campaniforme na península ibérica

ocupAções cAmpAnifoRmes dA bAixA penínsulA de lisboASegundo Eduardo da Cunha Serrão, «os homens que

fabricavam o vaso campaniforme [...] deixaram os seus testemunhos sobre as ruínas do povoado, tudo levando a crer que mais esporadicamente do que os seus ante-cessores; na verdade, desta Parede III não ficaram estru-turas que testemunhassem uma ocupação persistente» (Serrão, 1983, p. 146).

O povoado da Parede corresponde assim a um sítio aberto, implantado em encosta suave, a cerca de 900 m do litoral. Inclui-se numa malha de povoamento carac-terizada por sítios de características idênticas implan-tados ao longo da margem direita da desembocadura do Tejo (e privilegiando o fácil acesso a este), entre a sua foz e a serra de Sintra, distribuídos entre os concelhos de Cascais (Estoril, Murtal, Trajouce, Talaíde, Arneiro, Freiria e Alto da Cidreira; cf. Cardoso, 1991; Cardoso et al., 2013; Sousa, 2005; Gonçalves e Sousa, 2010; Rebelo et al., 2013), Oeiras (Liceia; Leião, Carrascal, Carnaxide, Casal dos Barronhos e Monte do Castelo; cf. Andrade e Gomes, 1959; Cardoso, 1994, 1996, 1997, 1997-1998 e 2010-2011b; Cardoso e Cardoso, 1993; Cardoso et al., 1996 e 2015) e Lisboa (cf. Montes Claros, Vila Pouca, Alto das Perdizes, Casa Pia e Praça da Figueira; Jalhay e Paço, 1947; Jalhay et al., 1945; Cardoso e Carreira, 1995 e 1997).

Espaços funerários correlativos encontram-se igual-mente nesta área, destacando-se os casos de Porto Covo, Poço Velho, Alapraia, São Pedro do Estoril e Ponte da Laje – correspondendo basicamente a grutas naturais e grutas artificiais, intensamente utilizadas enquanto espaços sepulcrais durante a segunda metade do 3.º milénio a.n.e. (Jalhay e Paço, 1941; Paço, 1955; Leisner et

al., 1964; Leisner, 1965; Gonçalves, 2005, 2008 e 2009; Cardoso, 2013).

Os sítios de habitat referidos acima, enquadráveis no último terço do 3.º milénio a.n.e., (segundo as data-ções obtidas tanto para contextos habitacionais como funerários com características culturais idênticas às do povoado da Parede, cf. Cardoso, 2014b) poderão ser inse-ridos num período de destruturação do povoamento calcolítico pleno – sendo de notar a curiosa coincidên-cia espacial de muitos destes sítios com áreas habita-cionais anteriores (do Neolítico final), indiciando um retorno a estratégias de povoamento características de etapas cronológicas anteriores, definidas por uma malha mais disseminada.

É de destacar, neste sentido, a relativa escassez nes-tes sítios de estilos decorativos tradicionalmente assu-midos como mais antigos. Com efeito, aqui dominam os motivos decorativos incisos (como se comprova no caso do povoado da Parede) – contrapondo-se ao registado nos povoados fortificados da área, com uma significativa representatividade dos estilos marítimo e pontilhado geométrico. Neste contexto geográfico e crono-cultural específico, será de referir o caso de Leceia, que ainda marcaria económica e socialmente a paisagem ocupada (Cardoso, 1994, 1997, 1997-1998 e 2005).

Desta maneira, e a nível crono-cultural, o povoado da Parede enquadrar-se-á entre os últimos momentos do Calcolítico pleno (correspondendo ao advento das cerâmicas campaniformes de estilo «marítimo» nos povoados fortificados já demograficamente contraí-dos) e o Calcolítico final (caracterizado por um povoa-mento disperso, em áreas abertas, com uma presença

fiG. 9 Campaniforme do estilo compósito do povoado da Parede.

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167victor s. gonçalves, ana catarina sousa, marco antónio andrade, andré pereira EntrE a Foz E a SErra: apontamentos sobre a cerâmica campaniforme do povoado pré-histórico da parede (cascais)

densa de cerâmicas campaniformes do estilo geomé-trico inciso).

A comparação dos estilos decorativos presentes (por percentagem de frequência) nestes diversos sítios é assaz reveladora do contexto crono-cultural onde o povoado da Parede se enquadrará. Aparentemente, situar-se-á num episódio cronológico posterior às pri-meiras produções campaniformes presentes em sítios como Leceia (área intra-muros), Penha Verde e Moita da Ladra, com uma forte densidade do estilo «marítimo» (impresso e inciso, com predomínio do primeiro) e com datações dispostas entre o segundo e o terceiro quartel do 3.º milénio a.n.e. (seg. Cardoso, 2014b).

No povoado da Parede, apesar do claro domínio do estilo inciso, denota-se uma presença ainda significa-tiva do estilo pontilhado geométrico (e mesmo do estilo marítimo, também maioritariamente pontilhado), colocando-o talvez num patamar crono-cultural inter-médio entre as ocupações registada nas Casas FM e EN de Leceia (aproximando-se estatisticamente dos valo-res aí registados) e sensivelmente anterior a contextos mais tardios como Leião, Freria e Monte do Castelo (con-textos datados do último terço do 3.º milénio a.n.e., com valores basicamente centrados no seu último quartel, seg. Cardoso, 2014b), onde se regista tanto o predomínio do estilo geométrico inciso como a escassez ou mesmo

ausência de pontilhado geométrico (estando o estilo «marítimo» ausente ou resumido à variante incisa).

O povoado da Parede inclui-se assim, durante a sua ocupação campaniforme (atribuível ao último terço do 3.º milénio a.n.e.), numa vasta rede de povoamento modular que se «dispersa» pela Península de Lisboa após a destruturação das redes de povoamento carac-terísticas do Calcolítico pleno. Em termos particulares, inscreve-se num contexto de ocupações incidindo prin-cipalmente na área da desembocadura do Tejo, mas que será extensível a espaços mais interiores dos concelhos de Sintra, Mafra, Amadora e Loures (cf., por exemplo, Cardoso e Carreira, 1996; Carreira e Lopes, 1994; Sousa, 2010 e 2013). As particularidades que caracterizam estes sítios, lidas principalmente nas características específicas dos motivos decorativos e na morfo-tipolo-gia dos recipientes (destacando-se as taças de tipo Pal-mela), permitem precisamente encarar esta área como uma área com identidade própria dentro do contexto campaniforme pan-europeu, incluída num dos princi-pais grupos campaniformes ibéricos, desenvolvendo-se espontaneamente a a partir de meados do 3.º milénio a.n.e, centrado na região do baixo Tejo.

Lisboa, Inverno de 2017referências biblioGráficas

Gráfico 3 Relação percentual dos estilos decorativos da cerâmica campaniforme do povoado da Parede, em comparação com os povoados de Moita da Ladra (seg. Cardoso, 2014c), Leceia (área intra-muros, Casa FM e Casa EN, seg. Cardoso, 1997-1998), Penha Verde (seg. Cardoso, 2010-2011a), Leião (seg. Cardoso, 2010-2011b), Monte do Castelo (seg. Cardoso et al., 1996) e Freiria (seg. Cardoso et al., 2013). A quantificação do estilo «marítimo» inclui indistintamente as variantes pontilhadas e incisas.

Monte Castelo

Leião

Freiria

Leceia (EN)

Leceia (FM)

Leceia (fort.)

Penha Verde

Moita da Ladra

Parede

0% 10% 20% 30% 40% 50% 60% 70% 80% 90% 100%

Marítimo Pontilhado Inciso CompósitoMarítimo Pontilhado Inciso Compósito

0% 10% 20% 30% 40% 50% 60% 70% 80% 90% 100%

Monte Castelo

Leião

Freiria

Leceia (EN)

Leceia (FM)

Leceia (fort.)

Penha Verde

Moita da Ladra

Parede

Marítimo Pontilhado Inciso Compósito

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