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54º CONUNE: A crise existencial da UNE

Date post: 25-Jul-2016
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Trabalho de Conclusão de Curso de Lucas César Ramos e Marcos Costa para o curso de Jornalismo da UNESP. Cobertura do 54º Congresso Nacional da União Nacional dos Estudantes, realizado em junho de 2015.
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54º CONUNECongresso Nacional da UNE

Baruru 2015

A crise existencial da União Nacional dos Estudantes:Congresso Nacional que ocorreu em Goiânia expõe uma entidade sem brilho e que ainda busca a mesma representatividade de décadas atrás

Valério Arcary, um dos fundadores do PSTU, afirma que UNE se tornou apenas um anexo do Ministério da Educação

"Não se pode servir a dois senhores ao mesmo tempo":

Conheça a nova presidenta eleitapara representar os estudantes

brasileiros nos próximos dois anos

Quem é Carina Vitral?

Veja alguns dos coletivos que marcaram presença no último congresso da UNE

Os movimentos:

Projeto de Conclusão de Curso produzido por: Lucas César Ramos e Marcos CostaOrientador: Maximiliano Martin Vicente e diagramação: Letícia Panichi

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Murilo Tomaz

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54º CONUNE:A crise existencial da União Nacional dos Estudantes

Congresso Nacional da UNE no começo de Junho em Goiânia traz às vistas uma entidade de comportamento difuso, quando lembramos de sua importância históricaLucas César RamosMarcos Costa

Praça Universitária Honestino Guimarães. A localidade escolhida para abrigar os primeiros dias de evento não poderia ser mais sugestiva. O 54º Congresso Nacional da União Nacional dos Estudantes (CONUNE) escolheu Goiânia como sua casa, a exemplo de 5 das 8 edições anteriores. De 3 a 7 de Junho, feriado de Corpus Christi, estudantes do Brasil inteiro - estima-se que mais de 6000 - se reuniram na capital goiana para tocar as atividades do Congresso, que acontece de dois em dois anos e tem por objetivo discutir a conjuntura nacional sob a ótica do movimen-to estudantil, traçar os rumos da UNE para o próximo biênio e eleger a nova diretoria da entidade para esse período. Na sua 54ª edição, o barulho começa em uma praça que tem o nome de um dos maiores mártires da história da UNE, que já comemora seu 77º aniversário, e do movimento estudantil brasileiro.

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A “Praça Universitária”, como é abre-viadamente chamada, está localizada no Setor Universitário, bairro tradicional goianiense, e agrega ao seu redor as mais diversas faculdades e cursos da UFG (Universidade Federal de Goiás) e da PUC-GO (Pontifícia Universidade Católica de Goiás). Nesses prédios foram realizados diferentes debates e ativida-des do 54º CONUNE do dia 3 ao dia 5, primeira fase do congresso, antes das plenárias finais. Apesar de novas pautas, novas discussões e novos estudantes, a praça parece um lugar confortável para os jovens participan-tes do evento, muitos já experientes de outras edições realizadas em Goiânia.

O clima antes do início era de confraternização. A cerimônia de abertura foi realizada na noite da quar-ta-feira (3). Antes dela, os estudantes se reuniam na praça, ocultando, por enquanto, os enfrentamentos internos da UNE que seriam observados no decorrer dos dias seguintes. Nem todos haviam chegado ain-da. Muitos estudantes chegariam na quinta ou até na sexta, principalmente os opositores à direção hegemô-nica da UNE, que se fazem mais presentes nos mo-mentos de real confronto de ideias e se mantém à parte quando se trata de cerimônias burocráticas da entidade. Esse, aliás, é um conflito histórico recente dentro da União Nacional dos Estudantes: a presença de uma “oposição de esquerda” que luta por uma entidade que, segundo eles, é “pelega” e abre mão das lutas desde que Lula assumiu o poder, comportando-se como capa-cho do governo federal. “Precisamos deter a direita histórica que está babando para retomar o poder nesse país”. O historiador e blogueiro da Carta Capital Douglas Belchior, um dos presentes na mesa de abertura do 54º CONUNE, mediada pela até então presidenta Virgínia Barros, endossou uma das principais preocupações da UNE so-bre a política nacional. A guinada conservadora no Congresso Nacional - Eduardo Cunha, Projeto de Lei da Terceirização, bancada ruralista, evangélica, da bala e por aí vai - foi um dos principais temas da abertura e dos 5 dias de congresso, junto ao não à redução da maioridade penal. Douglas, Vic Barros (como é chamado cari-nhosamente a ex-presidenta da UNE), Bruno Elias (Secretário de Movimentos Populares do PT), Bárba-ra Melo (presidenta da UBES - União Brasileira dos Estudantes Secundaristas) e outros militantes davam, neste momento, o pontapé inicial ao 54º CONUNE. No teatro de arena montado na praça universitária, este início acontecia com uma plateia restrita a membros da UJS (União da Juventude Socialista, ligada ao PcdoB - Partido Comunista do Brasil) e outros braços aliados da “majoritária” da UNE, como são chamadas as par-tes que governam a entidade há mais de 20 anos - vinculados ao PcdoB e ao PT, em sua maioria.

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Se é possível esperar de uma UNE tão ligada ao governo oposição às medidas de Dilma Rousseff que atacam os direitos dos trabalhadores e das minorias - o ajuste fiscal, por exemplo - Douglas Belchior nos disse, ao final da abertura, que acha que o PT se es-gotou enquanto instrumento de representação popular. “Eu acho que a gente tem que explorar a contradição deles. O governo diz que é contra a redução da maioridade penal, por exemplo. É preciso cobrar, para além do verbo, a ação. Cabe a nós explorar essa contradição. Cabe aos grupos organizados fazer a luta e reunir for-ças para lutar contra esses retrocessos. Estamos lidan-do com o que há de pior nesse país que é a direita

histórica e esse grupo que dirige o Congresso Nacional, inclusive muitos ligados ao governo.” A presidenta da UBES - versão secundarista da UNE - nos disse que eles não esperam nada de governo nenhum. Para ela, o governo do PT assumiu uma estrutura burguesa de po-der que fez aliados direitistas e está atacando os traba-lhadores. Esse mesmo governo de estrutura burguesa é, em contrapartida, o principal patrocinador da UNE e da própria UBES. O pedido de coesão e união dentro da União Nacional dos Estudantes era a súplica de um Orlando Silva que mal conseguia falar diante dos gritos de guerra da Oposição de Esquerda no debate sobre

Marcos Costa

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o ajuste fiscal promovido no auditório de Educação da UFG na manhã do segundo dia de congresso, dia 4 de junho. “Devemos permanecer unidos. Quem é de esquerda no Brasil tem que apoiar o governo Dilma!”, bradava o ex-ministro e atual deputado federal. Qualquer sinal de apoio ao governo federal no CONUNE já era suficiente para exaltar os ânimos da oposição, que é formada basicamente por membros do PSOL (Partido Socialismo e Liberdade). Os brados an-ti-Dilma eram respondidos pela “majoritária” da UNE à altura e, muitas vezes, os debates viravam guerras de tor-cida, com direito a gritos ensaiados, bandeiras e apitos. “Ir contra o PT é fazer coro à direita!”, tentava argumentar o ex-ministro, ao passo que os oposito-res, sem deixar ninguém falar por mais de 30 segun-dos, puxavam algum de seus gritos de guerra, como “PCdoB, não tô brincando, no Maranhão o seu vice é tu-cano!”, que se refere ao vice do governador Flávio Dino (PcdoB) no Maranhão, Carlos Brandão, do PSDB. O apelo popular da UJS era sentido durante a noite, após o fim do ciclo estafante de debates do dia. O braço jovem do PCdoB tinha uma tenda particular de festas montada na praça universitária, abrigando a balada noturna dos congressistas situacionistas. Nela, estudantes da majoritária se divertiam ao som de músi-ca sertaneja ao vivo e muita bebida. Para os membros da oposição, as festas da UJS fazem parte da sua in-tenção de angariar massa de manobra para manter sua hegemonia dentro do movimento estudantil brasileiro e da UNE. Moradores de Goiânia também se faziam presentes, aproveitando a festa gratuita na praça. Na balada do primeiro dia, um jovem chegou a ser esfa-queado após uma briga e, depois de ser atendido pelo SAMU, não apresentou maiores complicações. O ba-rulho alto dos estudantes foi a única menção da TV Anhanguera (filiada da TV Globo) ao 54º CONUNE nos cinco dias de evento, em um quadro de reclamação de moradores de Goiânia no jornal do horário de almoço.

“Não ousem chamar de ‘pelego’ quem está lutando há décadas por um Brasil dos trabalhadores e por melhores condições para o povo brasileiro!”. Exaltada, uma militante do PT esbravejava ao microfone, no momento em que as falas foram aber-tas a quem quisesse falar, na tarde da sexta-feira (5). Depois do debate de tema “Atual realidade e valorização do trabalhador da educação brasileira”, que contou com a participação de Luciana Genro, a guerra de torcidas ficava mais evidente ainda. A oposição de esquerda - representada ali massivamente pelos coletivos Juntos! e Vamos à Luta - venerava e tietava Genro à base de gritos de guerra. A base aliada do governo - PCdoB e petistas - defendia com unhas e dentes as conquistas do governo federal utilizando-se de um comportamento igualmente efusivo. A oposição é uma ala que se nega a se aliar ao PT - a “antiga esquerda” - para barrar os avanços conservadores na política nacional, porque entende que eles traíram os princípios da esquerda e do socialismo, se aliando a banqueiros e deixando os trabalhadores de lado. Se existe uma maneira de entender a “esquerda desunida”, é indo ao CONUNE. A partir de sábado (6), o Congresso se deslo-ca para o Arena Goiânia, moderno ginásio multiuso inaugurado em 2002. Na arena, que abrigou uma edi-ção do UFC (Ultimate Fighting Championship) no fim de semana anterior ao CONUNE, são realizadas, no sábado e no domingo, as plenárias finais. No sábado, os delegados votam nas propostas para as posições e atitudes da UNE no próximo biênio. Nessa ocasião, as votações ocorrem por contraste visual, ou seja, os de-legados levantam seus crachás nas votações de cada proposta. No domingo, a nova diretoria da UNE é eleita, e, aí, os votos são computados através de urnas, onde cédulas impressas são depositadas com a opção de cada delegado.

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Em tese, o atual sistema eleitoral da União Nacional dos Estudantes é marcado por duas etapas básicas: na primeira, as universidades elegem uma chapa composta por delegados que terão direito de voto durante o congresso da instituição, ou seja, o pro-cesso eleitoral é indireto. Cada universidade tem direito de eleger um delegado para cada mil estudantes matri-culados. Depois, quando as propostas já estiverem de-batidas e discutidas entre os alunos, estes delegados seguem então para o CONUNE para a segunda etapa da eleição, onde poderão votar na chapa e nas propos-tas que melhor os representem.

Para a eleição de delegados, existem duas mo-dalidades: ensino presencial ou ensino à distância. Na presencial, as eleições são tocadas pelo Diretório Central Acadêmico (DCE) da universidade, que deve estar ca-dastrado junto à CNECO - Comissão Nacional de Eleição, Credenciamento e Organização da UNE. É possível a criação de uma Comissão de Dez Alunos para rea-lizar as eleições quando a instituição de ensino supe-rior não possui DCE, não credenciou seu diretório no Coneg (Conselho Nacional de Entidades Gerais), per-deu o prazo para credenciamento ou é uma instituição de ensino à distância.

AS ELEIÇÕES

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Segundo dados oficiais da própria União Nacional dos Estudantes, foram eleitos 6452 delegados para este congresso. Da plenária final do último dia, momento em que ocorre a votação para a escolha do novo presidente, participaram 4071 delegados - 63% do total de inscritos. Carina Vitral, 26 anos, ex-presidenta da União Estadual dos Estudantes de SP, estudante de Economia da PUC-SP e militante da UJS foi eleita a nova comandante da UNE pela chapa “O movimento estudantil unificado contra o retrocesso em defesa da democracia e por mais direitos”, que obteve 2367 vo-tos - 58% do total. Em segundo lugar figurou a chapa do Campo Popular, “Campo popular que vai botar a UNE para lutar”, com 724 dos votos, e, em terceiro, a “Oposição de Esquerda”, do coletivo homônimo, com 704 votos. Conhecido o resultado final, a direção da UNE é formada proporcionalmente pelas chapas que se candidataram, de acordo com o número de votos que receberam. O presidente eleito é o correspondente à chapa que obteve mais votos. Em 2015, a chapa vencedora congregou mais de oito movimentos, entre eles os coletivos Abre Alas, Kizomba, Movimento Para Todos e Enegrecer, além de outros de menor porte. Juntos, estes grupos totalizam quase 60% de todos os 4071 delegados presentes em Goiânia. Tendo Carina Vitral como líder, porta-voz e candidata à presidência, a UJS chegou até a eleição com a proposta de lutar pelos 10% do PIB para a edu-cação, pela expansão da universidade para além da sala de aula e também contra os cortes nos programas sociais do governo. As duas outras grandes coligações - Campo Popular e Oposição de Esquerda - lutam a cada dois anos para assumir o comando da UNE, sempre permanecendo muito atrás no número de delega-dos e, portanto, no número de votos. A Oposição de Esquerda, que tem maior envergadura histórica, é hoje tocada por movimentos como o Juntos!, RUA - Juventude Anticapitalista, Domínio Público, Vamos à Luta e outros menores. A coligação foi criada em 2004 por estudantes que discordavam da postura da direção majoritária durante o projeto de reforma universitária do governo. Para eles, a reforma universitária do ex-Ministro da Educação de Lula, Tarso Genro, desmon-

tava o tripé pesquisa-ensino-extensão e a criação do Prouni ainda favorecia as grandes oligarquias do ensi-no superior privado no país. Os 10 anos seguintes à sua fundação trouxe-ram um pouco mais de flexibilidade à Oposição de Esquerda (OE) que, embora ainda faça confronto incisi-vo ao atual governo do PT e à UJS, já admite o sucesso do PROUNI na integração dos mais pobres ao ensino superior. Hoje, o grupo busca realizar uma revolução interna dentro da UNE, ou seja, uma mudança da insti-tuição para que ela “volte a ser perigosa”. Carregando consigo muitas críticas ao atual modelo eleitoral, a OE segue crescendo ano após ano. Apesar da caminhada vagarosa até seu objetivo, o grupo ainda refuta a ideia de abrir mão de sua luta dentro da UNE para se juntar à ANEL (Assembleia Nacional dos Estudantes - Livre), entidade criada há seis anos por jovens militantes que já não acreditavam mais na representatividade da União Nacional dos Estudantes. A ANEL também organizava seu congresso nacional (3ª edição) durante o feriado de Corpus Christi, em Campinas, São Paulo. Para o CONUNE de 2015, a Oposição de Esquerda foi representada por uma chapa de igual nome, trazendo propostas para recolocar a UNE de volta nas ruas, com a radicalização das lutas e também pela greve geral da educação, contra o ajuste fiscal e a precarização da educação. A rivalidade com a UJS só se transformou em poesia quando o bandeirão an-ti-redução da maioridade penal - uma enorme colcha de retalhos com a inscrição “Redução é Roubada” que figurava nas atividades do congresso desde o primeiro dia - circulou em todo o perímetro das arquibancadas da Arena Goiânia, passando e sendo exibida pelas mãos de todos os coletivos e coligações ali presentes no sábado, 4º dia de congresso. Era a sinalização bo-nita e inconteste de uma das poucas pautas unânimes no 54º CONUNE. Antes terceira maior corrente dentro da UNE, a coligação do Campo Popular chegou à capital de Goiás fazendo muito barulho e com a promessa de lutar para integrar mais ainda as minorias ao ensino su-perior no Brasil. Os militantes dessa força, formada basi-camente pelos coletivos Levante Popular da Juventude, Movimento Mudança, Quilombo e Reconquistar a

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UNE, ultrapassaram pela primeira vez a OE e assumiram a 2ª posição em número de votos na plenária final. Com a chapa “Campo popular que vai botar a UNE pra lutar”, a vertente reivindicava, entre outras propostas, uma maior paridade de gêne-ro dentro da diretoria da entidade e, além disso, cobrava uma maior integração entre a União Nacional dos Estudantes e gru-pos populares como a Central Única dos Trabalhadores (CUT) e o Movimento dos Trabalhadores Sem Terra (MTST). O Campo Popular é criticado pela Oposição por ser conivente com o apoio governista da direção majoritária da UNE, tendo votado em várias propostas pró-governo no primeiro dia de plená-ria. Os militantes do Campo, por sua vez, acusam certa falta de ação de uma Oposição que não quer assumir a entida-de para si. O estudante de Economia da UFMG, Felipe Rodrigues, 24, membro do Levante Popular da Juventude, nos escla-receu que o Campo Popular reconhece os avanços obtidos pelo governo petista: “A Oposição de Esquerda tem algu-mas críticas justas, mas ela não assu-me a responsabilidade de fazer o que a Direção Majoritária não faz. A OE não quer assumir a UNE para si, diferente de nós. Além disso, eles ainda não reconhecem os processos de democratização da universi-dade nos últimos anos. Criticam, dizem que está precarizado e esta não é bem a nossa opinião. Temos consciência que nos últimos dez anos houve uma grande me-lhora neste aspecto no Brasil”.

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Além dessas chapas, estavam na disputa as menores “Contra os cor-tes. Coragem para lutar”, do movimento Mutirão (PPL), “Reinventar a UNE” (PDT), “Eu acredito que você vai gritar junto” (juventudes do PMDB e do PSDB) e a “Alvorecer”, da União da Juventude Comunista, que retirou a sua candidatura em protesto a atual conjuntura da UNE, orientando seus delegados a votarem na chapa da Oposição de Esquerda, mesmo não fazendo parte da coligação. Às 16h19 de um domingo ensola-rado em Goiânia, a mesa organizadora finalmente deu início à plenária final para a votação da nova diretoria. Para muitos ali presentes, já não havia motivos para permanecer na Arena. Restava-lhes de-positar sua cédula nas urnas, dirigirem-se aos seus respectivos ônibus e partir para a cidade de origem. Há mais de 20 anos, as eleições da UNE são pedra cantada. A UJS e o PCdoB dominam o pleito por-que sempre levam muito mais delegados. Essa burocratização e engessamento da União Nacional dos Estudantes se con-trapõe ao passado histórico da entidade. O anúncio da eleição de Carina Vitral foi dado somente por volta das 9 horas da noite, em um ginásio quase vazio, onde os funcionários - terceirizados - já iniciavam a limpeza da quadra e das arquibancadas, abarrotadas de panfletos.

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HISTÓRIA E POLÍTICA ATUAL A União Nacional dos Estudantes foi fundada em 1937 com o intuito de funcionar como instância repre-sentativa dos estudantes de ensino superior do país, classe que começava a crescer no momento em que o Brasil se industrializava e se desenvolvia. Desde sua fundação, a UNE foi personagem importante em vários episódios da política nacional. Foi assim na década de 40, quando a entidade pressionou o governo Getúlio Vargas a tomar o posicionamento anti-nazista/fascista e entrou em confronto direto com os apoiadores do In-tegralismo. A UNE também foi protagonista durante a campanha “O Petróleo é Nosso” e endossou a Cam-panha da Legalidade, iniciativa de resistência para que João Goulart fosse empossado na década de 60. Durante os 21 anos de mortes e perseguições na Ditadura Militar, a União Nacional dos Estudantes também teve papel crucial no combate à opressão dos militares. Em 1964, ano inicial do regime, os estudantes politizados já foram colocados na ilegalidade pelos di-tadores, através da lei Suplicy de Lacerda, que proibia toda e qualquer atividade política do movimento estu-dantil. Em 23 de setembro de 1966, o regime militar re-primiu com violência os estudantes da UNE na faculda-de de medicina da UFRJ, no episódio conhecido como Massacre da Praia Vermelha. Na madrugada, a polícia invadiu os prédios que abrigavam os jovens e desmon-tou a reunião com violência ostensiva, ferindo centenas de militantes. Nos anos seguintes, a ditadura torturou e assas-sinou diversos estudantes, ganhando notabilidade os casos de Edson Luis de Lima Souto, Helenira Resende e e Honestino Guimarães. Em 12 de outubro de 1968, soldados da PM e do DOPS desmontaram totalmente o 30º Congresso da UNE, realizado em Ibiúna, interior de São Paulo. Na ação, os militares prenderam mais de mil estudantes, entre eles figuras conhecidas como o ex-ministro da Casa Civil, José Dirceu, e o ex-ministro da Comunicação Social, Franklin Martins. Pouco mais de uma década depois, em 1979, foi realizado o histó-rico congresso de reconstrução da UNE, em Salvador, instante em que a entidade começa a renascer e se re-colocar como protagonista da política nacional em uma ditadura já agonizante.

A União Nacional dos Estudantes voltou à lega-lidade em 1985, depois de ter participado ativamente da campanha “Diretas Já” e apoiado a candidatura de Tancredo Neves à presidência da república. Em 1992, a campanha “Fora Collor” teve na organização estudantil um dos principais pontos de ação e sustentação. Os “caras pintadas”, liderados pelo hoje deputado federal Lindbergh Farias, foram uma iniciativa da UNE para lu-tar pelo impeachment de Collor, imerso em uma admi-nistração falida e personagem de inúmeros escândalos de corrupção. Após este período turbulento, o Brasil passou por 8 anos de governo de Fernando Henrique Cardoso e a UNE, durante o mandato do peessedebis-ta, permaneceu do lado dos estudantes e dos traba-lhadores, ocupando as ruas na tentativa de barrar as políticas neoliberais do governo, caracterizadas princi-palmente pelas privatizações de empresas públicas. Em 2002, com a eleição de Lula, a UNE retoma pela primeira vez o diálogo aberto com o governo fede-

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ral após Jango e, a partir daí, a entidade fortalece sua luta pela reforma educacional no Brasil e pelo acesso democrático a educação superior tendo no PROUNI e no REUNI, ambos criados no governo do PT, vitórias históricas dos estudantes. Ao final de seu governo, Lula inaugurou a pedra fundamental para as obras de re-construção do prédio da UNE na Praia do Flamengo, destruído pelos militares durante a ditadura. No século XXI, a União Nacional dos Estudantes adéqua suas pautas às reivindicações das minorias, in-tensificando suas lutas em parcerias com os movimen-tos negro, LGBT e feminista, além de fortalecer sua militância através da cultura, realizando Bienais cultu-rais de grande porte de dois em dois anos. A entidade apoiou a eleição de Dilma Rousseff em 2010, assim como sua reeleição quatro anos mais tarde. Nessa oca-sião, é conquistada a aprovação no Plano Nacional de Educação, tendo como meta principal a conquista dos 10% do PIB para a área.

O fato do governo Lula ter sido o primeiro go-verno de esquerda do Brasil depois de décadas de do-mínio da classe dominante resultou em uma simpatia inevitável da UNE com o governo. A entidade cresceu e foi amparada pelo governo federal com concordância ideológica, na maioria das pautas, e patrocínio maciço. No 51º CONUNE, por exemplo, custou mais de R$ 920 mil aos cofres da União, segundo a próprio UNE. Desse montante, R$ 100 mil eram da Petrobras. Com esse apoio, a organização conseguiu con-quistas expressivas para os estudantes e a sociedade brasileira, mas caiu em uma armadilha perigosa para o movimento estudantil: a parceria inconteste com o governo federal. Contando com essa aliança, a UNE fica de mãos atadas quando tem de discordar do governo e, dessa forma, não cumpre, muitas vezes, seu papel transformador. Essa é a principal contestação da Oposição de Esquerda, ansiosa por uma UNE que “vol-te a ser perigosa”. Desde que o ex-sindicalista chegou ao poder em 2002, estreitaram-se sobremaneira os laços da base aliada do governo com a chapa majoritária da UNE, representada em sua maioria pela UJS (União da Juventude Socialista), braço jovem do PCdoB, par-tido aliado ao governo petista. Essa aproximação tão íntima acabou criando uma relação de mimetismo en-tre as duas partes que, em tese, não deveriam estar tão estritamente ligadas. Ao patrocinar e liberar verba para eventos organizados pela UNE, o governo petis-ta mantém rédeas curtas em relação a uma instituição tão poderosa como essa. É um movimento eficiente, que arrefece, utilizando a concordância ideológica, quaisquer ímpetos antigovernistas de uma entidade que já protagonizou lutas históricas ao longo de sua existência, inclusive contribuindo na derrubada de presidentes. Já a UNE, com receio de perder a verba que recebe, e que lhe é prometida, de estatais como a Caixa Econômica Federal, Banco do Brasil e principalmente da Petrobras, se mostra cada vez mais apática e sem forças para questionar as medidas mais controversas tomadas pelo governo de Dilma Rousseff. “O que é trágico na experiência da UNE é que ela foi incapaz de ter uma posição firme de in-dependência em relação ao governo enquanto o Ministério da Educação, através do Prouni, era o principal Marcos Costa

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responsável pela expansão do ensino superior em uma escala que nós nunca tínhamos visto antes no país”. Valério Arcary, professor de história do IFSP (Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia), militante do PSTU (Partido Socialista dos Trabalhadores Unifica-do) e delegado em Congressos da UNE nas décadas de 70 e 80, analisa dessa maneira o panorama de uma organização estudantil que já não tem mais protago-nismo hoje. Em relação ao patrocínio governamental, o ex-presidente da UNE na gestão 2009-2001, Augusto Chagas, declarou que é dever do governo patrocinar os estudantes. “Sempre recebemos ajuda do governo por meio de emendas parlamentares e isso não influencia nossas posições”, se defendeu Chagas. Essa pauta repercutiu no 54º CONUNE nas dis-cussões da Oposição de Esquerda, que é encabeçada pelo PSOL. “Os partidos vinculados ao PT e os sindi-catos se transformam em braços do governo desde o início do governo petista. Vocês sabem muito bem como isso acontece aqui na UNE!”, bradou a ex-candi-data à presidência Luciana Genro a uma Oposição de Esquerda inflamada na mesa cujo tema era “A atual realidade e a valorização do trabalhador na educação brasileira”, na sexta-feira, 5 de junho. Genro reclama de um governo petista que, segundo eles, se coloca como agente de aplicação dos interesses do capital desde seu início, com o presidente Lula, agindo a favor de banqueiros e se chocando, assim, com a classe tra-balhadora, apesar de ser considerado um governo de esquerda. A atual distância das ruas e dos movimentos populares fizeram a UNE perder o protagonismo de anos atrás. Agora, em 2015, com um dos congressos mais conservadores das últimas décadas e um governo petista fragilizado e sem a representação popular de outrora, acusado de deixar de lado as causas dos tra-balhadores, o momento para a instituição se fazer mais presente entre os estudantes brasileiros não poderia ser mais propício. O ano de 2015 já é marcado por acontecimen-tos marcantes e guinadas reacionárias que colocam em xeque os direitos conquistados pelos trabalhado-res e pelas minorias. No dia 29 de abril, professores em greve foram massacrados em Curitiba pela Polícia Militar do governo Beto Richa, em um cenário de guerra civil que deixou mais de 200 feridos. No mesmo mês, o

Projeto de Lei 4330 (terceirização), que promete deixar os patrões à vontade para explorar os trabalhadores, também foi aprovado na Câmara dos Deputados, em Brasília. Esse mesmo plenário aprovou também, em julho, a assustadora Proposta de Emenda Constitucional da redução da maioridade penal, em uma manobra espúria de Eduardo Cunha, depois que estudantes foram agredidos covardemente pela polícia em uma sessão de uma comissão especial que discutiu a PEC no congresso algumas semanas antes. Além destas questões, há ainda outras pautas controversas do próprio governo Dilma Rousseff, como o ajuste fiscal do ministro Joaquim Levy. Escolhido pela presidenta para ser o novo Ministro da Fazenda, Levy não demorou muito para mostrar toda a sua vocação liberal ao propor um corte de mais de R$70 bilhões no orçamento para conter os gastos e amenizar a atual crise econômica. Inevitavelmente, essa tesourada vai rapidamente se refletir em áreas fundamentais na estrutura brasileira, entre elas a saúde, segurança e, é claro, a educação. Tal corte na verba pública pode agravar ainda mais a situação das escolas e universi-dades públicas espalhadas pelo Brasil, podendo piorar uma situação já bastante preocupante, através da dimi-nuição de investimentos e da precarização da situação de seus funcionários. No ano de 2015, a oferta de vagas para o Pronatec (Programa Nacional de Acesso ao Ensino Técnico e Emprego) deve cair 60%. Para a constru-ção de creches e pré-escolas, R$ 3 bilhões devem ser economizados. As regras para admissão no FIES tam-bém serão dificultadas. Segundo o MEC, o número de contratos novos cairá dos atuais 731 mil para 314 mil. Esse corte de verba também poderá ter seus reflexos em pesquisa, laboratórios e nas políticas de assistência e permanência estudantil, incluindo bolsas estudantis, restaurantes universitários e moradias. O Fundo de Financiamento ao Estudante do Ensino Superior (FIES) e o Programa Universidade para Todos (PROUNI) foram dois dos principais carros--chefes na eleição de Dilma e Lula em suas campanhas presidências. A primeira plataforma, destinada a finan-ciar o curso superior de estudantes pobres matriculados em instituições privadas, foi criada em 1999 ainda na gestão de FHC, mas foi no governo petista que tomou um outro significado, ao ser amplamente aprimorado e

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difundido. Já em 2004, para aumentar ainda mais esta política de inclusão social, o PROUNI foi concebido com o objetivo conceder bolsas de estudo em cursos de graduação e pós-graduação em instituições priva-das de ensino superior. Com o apoio de centenas de universidades pri-vadas espalhadas pelo Brasil, os dois programas foram fundamentais para criar um ambiente de inclusão para milhares de estudantes pobres que antes não tinham acesso às universidades no país. Agora, com a iminente crise econômica e de identidade do governo, o reajuste de Levy está deixando estes estudantes preocupados e sem boas perspectivas em relação ao futuro. O corte de verba do FIES e do Prouni poderá deixar alunos caren-tes sem a possibilidade de renovarem suas matrículas e, pior que isto, deixá-los em uma situação de endivi-damento, os forçando a ter que abandonar a faculdade e a possibilidade de um futuro mais promissor. Todos esses acontecimentos demandam um volume altíssimo de lutas para serem barrados. Não seria aí que a UNE entraria para reivindicar os direitos dos estudantes que representa?

A União Nacional dos Estudantes nega o “pe-leguismo” do qual é acusada. “A oposição de es-querda é muito engraçada. Eles dizem que somos governistas, mas somos nós, e não eles, que esta-mos lutando em Brasília contra o ajuste fiscal e os ataques aos diretos dos trabalhadores.” Tony Silva, estudante de Direito da Universidade Federal Pará, vice-presidente da UNE Pará/Amapá e membro da UJS/Movimento Abre Alas se incomoda com uma Oposição de Esquerda que, segundo ele, está mais preocupada em agredir o governo do que realmente ir às ruas para lutar por uma educação de qualidade. Perguntado sobre o apoio do Abre Alas ao governo Dilma, Tony ponderou: “Nós apoiamos somente as propostas coerentes do Governo Dilma, as propostas que são a favor dos estu-dantes e dos trabalhadores. Somos contra o ajuste fis-cal e a redução da maioridade penal. É um governo de muitos acertos, mas de erros também. Estaremos em Brasília lutando quando o governo for contra os nossos ideais.”

Murilo Tomaz

Murilo Tomaz

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ELEIÇÕES FRADULENTAS? As vitórias repetidas e ininterruptas da UJS no pleito da UNE faz com que essa hegemonia tão dura-doura seja cada vez mais questionada e se transforme em alvo de inúmeras denúncias de fraudes eleitorais. No Congresso Nacional de 2011, que também acon-teceu em Goiânia, alunos do DCE da Universidade Federal de Goiás denunciaram a Comissão de Dez Alunos (supostamente formada por estudantes ligados à corrente PCdoB/PT/UJS) que foi formada dentro da instituição. Segundo o DCE, a comissão não realizou as eleições dentro da universidade e, mesmo assim, credenciou delegados para votar no Congresso. Nesse mesmo ano, ganhou notoriedade na internet o vídeo de alunas da PUC-RS sendo agredidas por membros do Diretório da universidade ao questionarem o processo de tiragem de delegados para o evento. Em 2004, uma subcomissão da Assembleia Legislativa do Rio Grande do Sul já havia sido especialmente criada para investigar os procedimentos irregulares envolvendo esse DCE. As

práticas irregulares do diretório envolviam censura pré-via a manifestações estudantis, contribuição compulsó-ria para a manutenção do Diretório e suposta formação de quadrilha com violência física, ameaças e coação moral contra estudantes. Logo após o 54º CONUNE, ganhou notorie-dade o caso do estudante Lucas Laux, 20 anos, es-tudante de Publicidade na particular UniRitter (Centro Universitário Ritter dos Reis), em Porto Alegre - RS. Passado o Congresso, Lucas resolveu denunciar seu caso, que aconteceu no congresso anterior, em 2013, também em Goiânia. No dia 9 de Junho, contou em sua página do Facebook o aliciamento que sofreu em 2013 pela UJS do Rio Grande do Sul. Segundo Laux, tudo começou quando ele fez uma visita a Petrópolis, Rio de Janeiro, e conheceu a fi-lial da União da Juventude Socialista de lá. A visita des-pertou nele algum interesse em conhecer melhor o mo-vimento. Em seguida, um amigo indicou-lhe algumas

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lideranças da UJS em sua cidade, Porto Alegre. Após conhecer virtualmente e por telefone alguns membros da entidade, o estudante foi convidado e convencido a participar do 53º CONUNE. Conheceu alguns membros já no ônibus que ia para Goiânia e, enquanto acreditava ser um mero visitante e observador da situação, Laux recebeu, quando o ônibus chegou à capital goiana, a orientação de que precisava se passar por um estudan-te da UNOPAR - Universidade Norte do Paraná. “Não precisa ficar falando, é só se alguém te perguntar algo. Não comenta com mais ninguém.” Quem teria pas-sado a orientação é Giovani Culau, 21, estudante de Ciências Sociais na UFRGS, militante da UJS e recém--eleito presidente da UNE no estado do Rio Grande do Sul. Lucas deveria se passar por estudante da UNOPAR porque estava cadastrado, sem saber, como delegado no Congresso, representando essa universidade. Des-sa forma, ele funcionava como “delegado fantasma” no 53º Congresso Nacional da UNE, figurando como mas-sa de manobra e somando mais um voto para a UJS no pleito. Em algumas votações, Lucas votou pessoal-mente com seu crachá, e, em outras, outras pessoas o usaram para votar. Para provar o ocorrido, o estudante publicou também fotos do seu crachá de delegado e do seu certificado de conclusão do ensino médio. Laux provou que concluiu o seu ensino médio em setembro de 2013 pelo EJA (Educação de Jovens e Adultos), em Alvorada - RS. O Congresso se deu em maio/junho desse mesmo ano, estando assim o gaúcho impossibi-litado de participar, já que não havia concluído o ensino médio ainda. O crachá de delegado - número 0004243 - o nomeava estudante de Educação à Distância da UNOPAR de Caxias do Sul - RS. Laux nos contou que, depois que fez a denúncia, recebeu uma ligação anô-nima o ameaçando de agressão, além de contatos de 4 presidentes regionais da UJS. Ele diz que demorou tanto tempo pra denunciar o ocorrido porque não tinha maturidade política para entender a gravidade do epi-sódio, além de ter esperado um período pós-congresso para obter maior visibilidade. Procurado por nossa reportagem, Giovani Culau negou as acusações e afirmou que, com o fim do Congresso, começa uma grande tentativa de deslegi-timação das vitórias da UJS por parte da Oposição de

Esquerda, ultrapassada pela primeira vez pelo Campo Popular, perdendo seu posto de segundo lugar dentro da UNE: “Definimos internamente que não valorizaríamos essa denúncia feita pelo Lucas, por termos certeza que essa seria a postura que mais agradaria a Oposição de Esquerda: nos amarrar em uma discussão de legitimidade, o que para nós é indiscutível”. Para Culau, os 155 delegados eleitos no Rio Grande do Sul - o triplo da segunda maior força - nas mais variadas universida-des já evidenciam a legitimidade e a força da UJS no estado. Sobre as provas apresentadas por Laux, o recém-eleito presidente da UNE gaúcha se defen-de dizendo que a sua responsabilidade sempre fo-ram as delegações presenciais de Porto Alegre e não está envolvido com os trâmites de Caxias do Sul, cidade apontada no crachá do delegado fantasma. Sobre Lucas Laux ainda estar cursando o ensino médio quando foi delegado no 53º CONUNE, Culau atenua dizendo que isso é um problema recorrente: “Isso é um erro, um problema que volta e meia surge em outras organizações e que nós consideramos exceção e não regra. Não utilizamos esse erro como ferramenta de ataque a outras organizações, pois isso enfraquece o Movimento Estudantil e temos certeza que ele é maior que isso tudo”.

Marcos Costa

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COBERTURA E MEMÓRIA “Eu nem sabia que ia acontecer isso aqui, fi-quei sabendo por causa de uns amigos da feirinha em que eu trabalho aqui perto. Isso aqui não é apoiado, tanto é que não tem polícia fazendo segurança aqui. E estou vendendo muito pouco, o Brasil está em crise”. O vendedor de churros Romualdo Rocha, 32, estava presente com o seu carrinho na noite do segundo dia do 54º CONUNE, na Praça Universitária em Goiânia. Uma multidão de estudantes se reunia, no momento, para encerrar o dia de atividades assistindo a uma ba-talha de MC’s no palco montado na praça. Apesar da importância da UNE e da quantidade de pessoas en-volvidas, Romualdo não ficou sabendo do evento por causa da parca ou quase nula cobertura das grandes mídias goiana e nacional sobre o congresso. Era impro-vável que os estudantes quisessem mais policiamento no evento. Porém, a pouca presença da PM reflete a falta de apoio governamental para o CONUNE. Durante o Congresso, não foi observada sim-plesmente nenhuma matéria - nos impressos ou nos portais - dos grandes Folha de São Paulo e O Estado de São Paulo sobre o que acontecia em Goiânia, tampouco nas grandes emissoras de televisão Rede Globo, Bandeirantes e Rede Record, a nível nacional. Na TV Anhanguera, filial da Rede Globo, o CONUNE só foi mencionado no QVT - quadro interativo “Quero Ver na TV” - do Jornal Anhanguera 1ª Edição. Nele, mora-dores do Setor Universitário, bairro goianiense que abri-gou o Congresso durante seus 3 primeiros dias, recla-mavam do barulho que os estudantes estavam fazendo. O jornal O Globo noticiou a eleição da nova presidenta Carina Vitral no dia seguinte ao término do Congresso. A Folha publicou no seu portal um perfil de Carina no dia 17 de junho, 10 dias depois. Os jornais impressos locais Diário da Manhã e O Popular apresentaram uma cobertura ligeiramente mais ampla do evento, e a única rede de TV presente nos cinco dias de congresso foi a contra-hegemônica TVT, mantida pelo Sindicato dos Metalúrgicos do ABC e pelo Sindicato dos Bancários e Financiários, de São Paulo, Osasco e Região. A falta de atenção da grande mídia é um proble-ma enfrentado desde sempre pelo movimento estudan-til. O assunto foi abordado especialmente no segundo

dia de discussões, na mesa de debate conjuntural so-bre Regulação, Democracia e Direito Social na Mídia Brasileira. Pedro Rafael Vilela, Secretário Executivo do FNDC (Fórum Nacional pela Democratização da Comunicação), atribui esse comportamento ao oligopó-lio midiático que impera no Brasil: “O sistema de comu-nicação do Brasil é altamente concentrado em poucos grupos econômicos dominantes, formando um verda-deiro oligopólio, tanto em âmbito nacional quanto re-gional. São empresas privadas com finalidade lucrativa e que se associam aos interesses do grande capital, tanto nacional como internacional. Desse modo, não há interesse nenhum em repercutir a pauta nem as ações das organizações e movimentos sociais que fazem jus-tamente o contraponto ao modelo econômico e político que sustenta e é sustentado por esses grupos de mídia, como é o caso da UNE.”. Segundo Vilela, essa forma de agendamento da grande mídia influencia sobremaneira as opiniões da população sobre os mais diversos temas. A mídia empresarial, assim, inviabiliza a ação de vários mo-vimentos sociais e, quando não o consegue, tenta deslegitimá-los ou desqualificá-los, a exemplo do qua-dro da TV Anhanguera sobre o incômodo causado pela presença dos estudantes, feito quase sem mencionar a verdadeira intenção e razão política do Congresso. As discussões sobre o tema também puxaram a pauta da “Descomemoração” dos 50 anos da Rede Globo. A jornalista Laura Capriglione, fundadora do recém-criado Jornalistas Livres, chamou a atenção para a cobertura ostensiva da emissora sobre as manifestações conservadoras pró-impeachment da presidenta Dilma Roussef, realizadas nos dias 15 de Março e 12 de Abril deste ano. Enquanto as manifes-tações grevistas dos professores do estado de São Paulo aconteciam no mesmo momento e com muito mais manifestantes, a Rede Globo direcionava seus esforços para cobrir as passeatas pró-impeachment, usando, na maioria das vezes, a câmera aérea de he-licópteros para realizar sua cobertura, abdicando das entrevistas por terra. “A Globo não cobria as passeatas por terra porque haviam espetáculos bizarros de fas-cismo nas ruas naqueles dias. Vi sujeitos com trajes do Integralismo e da Revolução Constitucionalista de 1932, além de vários carros de som pregando interven-ção militar no país”. O Jornalistas Livres foi criado em

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2015 justamente para combater a manipulação política da mídia tradicional, ostensiva após as últimas elei-ções, através de coberturas colaborativas e narrativas independentes. O Secretário do FNDC (Fórum Nacional pela Democratização da Comunicação) Pedro Rafael Vilela explicou os principais motivos da “Descomemoração”: “A história da Rede Globo se confunde com a própria história política do país ao longo dos últimos 50 anos. A Globo sempre teve muita intimidade com o Poder (Estado, governos, políticos) e se beneficiou disso constituindo um império midiático ao arrepio da lei, influenciando e pressionando os governos de plantão para manter seu status quo, a ponto de se dar ao luxo até de violar as leis brasileiras, a exemplo dos famo-sos casos de sonegação fiscal e as possíveis revela-ções sobre as relações espúrias com entidades como a FIFA. Apoiou e se beneficiou da ditadura militar, atuou como verdadeiro partido político do capital em todas as eleições presidenciais após a redemocratização, sendo o caso da edição manipulada do debate Lula e Collor em 1989 o exemplo mais emblemático. ”Em contrapartida, um dos pontos mais controversos da história da UNE é uma parceria feita com a Globo. Em 2007, a entidade lançou as duas maiores obras de me-mória da sua história. “Ou ficar a pátria livre ou morrer pelo Brasil” e “O afeto que se encerra em nosso pei-to juvenil” são dois documentários dirigidos por Silvio Tendler sobre a história da UNE e do movimento estu-dantil brasileiro, patrocinados pela Petrobras e resulta-do da parceria da União Nacional dos Estudantes com a Fundação Roberto Marinho, o Museu da República e a TV Globo. Ambos fazem parte de um projeto fruto dessa parceria, o “Memória do Movimento Estudantil”, que também resultou em um livro. O primeiro é um do-cumentário histórico e cronológico focado na história da UNE e o segundo aborda a face mais subjetiva do movimento estudantil ao longo de sua história, seus aspectos culturais e comportamentais. Ambos têm a narração do global Cássio Gabus Mendes e depoimen-tos de dezenas de figuras importantes da história da UNE como Aldo Arantes, José Serra, Ferreira Gullar, Orlando Silva, José Dirceu, José Serra, Ruy Cézar, Javier Alfaya, Jean Marc von der Weid e outros. A preocupação com a memória é uma pauta da UNE desde o final da década de 60 e a década de 70, especialmente após o fim do período de ilegalida-

de da entidade. A primeira obra publicada com a inten-ção de construir uma memória da União Nacional dos Estudantes é “O Poder Jovem”, de Arthur Poerner, lan-çado em 1968 e com reedições em 1973, 1979, 1995 e 2004. Em 1977, o investimento no setor de memória e propagação da história da UNE se elevou a programa político oficial da instituição. A partir daí, revistas como a Memorex (1978), A Volta da UNE (1979), Movimento (periódico que voltou a ser editado pela UNE em 1981) e a histórica “Histórico UNE 60 anos a favor do Brasil” se encarregaram dessa missão, além de livros como A história da UNE - Volume I, de Nilton Santos (1980) e projetos acadêmicos como Fontes para a História do Movimento Estudantil e Contribuição à História do Movimento Estudantil Brasileiro, ambos realizados na Unicamp na década de 80. A parceria com a Rede Globo, por sua vez, se faz controversa por se tratar da empresa que detém o maior monopólio de comunicação do país e tem alian-ça histórica com a ditadura militar, além de responsá-vel por vários episódios de manipulação de informa-ção na história recente do país. O pesquisador Otávio Luiz Machado, publicou, junto a Michel Zaidan Filho e no mesmo ano de lançamento dos documentários de Silvio Tendler, a obra “O Movimento Estudantil Brasileiro e a Educação Superior” e considera a parce-ria com a Fundação Roberto Marinho um desrespeito à história do movimento estudantil brasileiro: “As gestões da UNE que fomentaram essa parceria infelizmente quebraram a tradição do movimento estudantil em fa-zer alianças com setores progressistas com esse em-preendimento. Não é de bom tom que a documentação do movimento estudantil esteja sob a guarda de uma fundação que foge ao espectro dos grupos afins ao mo-vimento estudantil.” O projeto da Fundação Roberto Marinho conta com um pouco mais de 100 entrevistas, ao passo que o livro de Machado e Zaidan Filho tem depoimentos de mais de 300 pessoas ligadas ao movimento estudantil e à sua luta durante o período da ditadura militar. Essa cessão da UNE à Globo é simbólica: representa o silenciamen-to de uma entidade que já foi histórica, uma aliança com uma fundação que já foi sua inimiga e inimiga dos brasileiros e, acima de tudo, o enfraquecimento de um movimento estudantil que, perante a população, parece que nem existe mais.

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OS MOVIMENTOSOposição de Esquerda

Vamos à LutaEziel Duarte, 19 anos, Geografia - UFPA

“Várias universidades do país já estão em greve por causa da precarização da educação imposta pelo ajuste fiscal. É necessário que a UNE rompa com o governo federal. É preciso também unificar os protestos que estão explodindo em várias universidades do Brasil através de uma greve geral nacional da educação, englobando alunos, professores e funcionários, pois as pautas não são mais específicas de cada instituição, são centralmente contra o ajuste fiscal, o Projeto de Lei 4330 e a precarização da educação nos seus mais diversos níveis. A UNE deveria ser protagonista nisso, e reverter essa situação é essa a missão do Juntos e da Oposição de Esquerda.”

Juntos!Nathalia Bittencurt, 24 anos, Jornalismo - UFRGS

“Já se passaram 2 anos desde junho de 2013. No momento em que as universidades preci-sam de mais mobilização e agito nos Diretórios Centrais e Centros Acadêmicos, a UNE se mantém alheia e distante dos estudantes. A sua direção e as suas instâncias burocratizadas não estão colabo-rando em nada com o movimento estudantil. Temos que barrar o ajuste fiscal e chamar a greve geral unificada das universidades públicas e privadas brasileiras. Apesar de a UNE não estar exercendo seu papel corretamente, o movimento estudantil não está preso somente a uma entidade hoje, felizmente. Lutamos também pelas eleições diretas para a diretoria da entidade.”

RUA - Juventude AntiCapitalistaLarissa Rehmeier, 24 anos, Direito da UFPR - Diretora da UNE pela Oposição de Esquerda

“Nós vivemos um momento impar na conjuntura brasileira com a atual crise econômica. A pre-sidenta Dilma responde a isso com o ajuste fiscal e cortes em diversas áreas sociais, sobretudo na educação, que sofreu uma tesourada de 9 bilhões de reais. Nas públicas, os salários dos servidores ter-ceirizados e as bolsas já se encontram atrasados e muitas faculdades já se encontram com o orçamento do segundo semestre comprometidos. Nas universidades privadas, os programas em que o governo federal apostou também sofreram um grande impacto. Muitos estudantes que entraram nas faculdades pelo FIES não conseguiram ter seus contratos renovados. O RUA quer, nessa edição do CONUNE, reunir estes jovens para as próximas lutas, pois só conseguiremos derrubar o ajuste e a retirada dos direitos dos trabalhadores e estudantes indo para as ruas, lutando e sugerindo saídas para a crise pela esquerda, contra os lucros dos banqueiros e grandes empresários. Não temos perspectiva de assumir o comando da UNE, mas trabalhamos na base para construir diálogos diários nas universidades e não nos aproximarmos delas somente a dois meses do congresso, apenas para tirar delegados, o que é a prática da direção majoritária.”

Facebook/ Vamos à Luta

Facebook/Juntos

Marcos Costa

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Campo Popular

Levante Popular da JuventudeFelipe Rodrigues, 24 anos, estudante de Economia da UFMG

“O Levante acredita que a UNE precisa, hoje, de mais mobilização. A entidade precisa resga-tar sua função histórica e se comportar como movimento social, não como braço do governo. A União Nacional dos Estudantes obteve muitas mudanças e avanços quando próxima ao governo federal, mas o PT está se esgotando quanto à sua representatividade popular, cedendo à reação conser-vadora no Brasil. Enxergamos que existe uma indisposição da direção majoritária em reagir a isso. O governo petista foi um bom para o país, mas não podemos deixar seus retrocessos avançarem. Defendemos a luta em Brasília contra os cortes na educação e acreditamos na Reforma Política em parceria com a CUT, o MST e outros movimentos sociais através de uma Constituinte. Ao contrário da Oposição de Esquerda, desejamos assumir o comando da UNE e reconhecemos os avanços que as últimas gestões obtiveram, apesar da atual burocratização e estagnação da entidade.”

Movimento MudançaDavid Almansa, 24 anos, Ciências Sociais PUC-RS

“ Já reivindicamos eleições diretas para a presidência da UNE há mais de três congressos. Queremos uma maior imersão da instituição dentro da Universidade, dentro do dia-a-dia dos estudan-tes. Lutamos para que o CONUNE não seja como é hoje, um espaço eleitoral, mas um espaço para debates e discussão de ideias. Também reivindicamos a paridade de gênero na diretoria da UNE e uma nova cultura política do movimento estudantil, pois existem muitos movimentos por aí que fazem as eleições de forma duvidosa, trazendo muitos delegados para cá sem dialogar e sem debater, achando que se trata de uma festa. Deve ser feito um trabalho diferente, que reúna os estudantes passando nas salas de aula das universidades, recolhendo pautas, realizando pré-CONUNEs antes dos congressos. Em suma, lutamos por uma nova cultura no movimento estudantil brasileiro.”

Reconquistar a UNERafaella Dresch, 19 anos, estudante de Psicologia da Universidade Federal de Santa Maria

“Somos uma vertente interna do Partido dos Trabalhadores que existe desde 1995. Neste CONUNE estamos juntando as forças com os outros movimentos do Campo Popular. Nossas pro-postas vão contra a Direção Majoritária e sua falta de combatividade e também contra a Oposição de Esquerda, que geralmente traz muitas críticas mas nenhuma proposta concreta, sem mobiliza-ção e diálogo, o que é preocupante. Não trouxemos muitos delegados, mas o pouco que trazemos é extremamente envolvido com as questões políticas dos estudantes e dos trabalhadores e esse relacionamento que construímos com os outros movimentos é um dos principais orgulhos do Re-conquistar. Tentamos garantir isso ao máximo, por meio de nossas teses, propostas e ações.”

Murilo Tomaz

Facebook/Movimento Mudança

Facebook/Reconquistar a UNE

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Direção Majoritária

Movimento Abre-AlasTony Silva, 26 anos, estudante de Direito da UFPA, Vice-Presidente Pará/Amapá da UNE

“O Movimento Abre-Alas é uma força que consegue atingir todos os cantos do Brasil porque dialoga com vários grupos políticos, além da UJS. Nós somos os estudantes que lutaram pelo FIES, pelo PROUNI e pelo REUNI. Tivemos várias conquistas dentro da UNE nos últimos tempos, e precisa-mos nos reinventar depois de junho de 2013, que foi histórico. Todos sabem que nós, a UJS, coman-damos a União Nacional dos Estudantes há mais de 20 anos, e estamos sempre nos renovando para conquistar mais pelos jovens. Esse congresso está sendo muito bonito. Foi lindo quando o bandeirão contra a redução da maioridade penal circulou pelo plenário. Quanto ao governo Dilma, apoiamos apenas suas ações que são a favor dos estudantes e dos trabalhadores. Somos contra o ajuste fiscal e a redução da maioridade penal. É um governo de muitos acertos, mas de erros também. Estaremos em Brasília lutando quando o governo ferir nossos ideais, ao contrário da Oposição de Esquerda, que se preocupa somente em fazer críticas sem partir para a prática. A Oposição é engraçada: dizem que somos governistas, mas somos nós, e não eles, que lutamos em Brasília contra o ajuste fiscal e os ataques aos direitos dos trabalhadores.”

EnegrecerMarcela Ribeiro, 25, recém-graduada em direito na UCSAL e estudante de comunicação na FDC. Salvador, Diretora de Combate ao Racismo da UNE

“Nascemos em 2007, não necessariamente como um coletivo geral da juventude negra, mas como um braço de movimento negro do Kizomba. Acreditamos que temos que militar para além da Universidade porque a maioria da juventude negra não está no ensino superior. Somos aliados da UJS e da direção majoritária da UNE. Nossa principal conquista é a realização do ENUNE (Encontro dos es-tudantes negros e cotistas da UNE). A última edição quebrou paradigmas, reunindo o maior número de jovens negros e negras da história do encontro. Estamos rumando para que a questão racial seja cen-tral no Brasil junto com a UNE, assim como foi o Fora Collor, por exemplo. O Enegrecer vê no governo Dilma um governo de coalisão, que está sendo tensionado tanto à direita como à esquerda. O nosso pa-pel é tensioná-lo à esquerda. Viemos ao CONUNE trazer a questão racial para o centro das discussões.”

KizombaIngrid Figueiredo, 22, Direito - UFRJ

“O Kizomba veio para este congresso com uma ideia bastante sólida e nítida de que, en-quanto movimento estudantil, devemos ser radicalmente contra os retrocessos que este congresso nacional vem colocando em prática, congresso este que foi eleito em 2014 e que é contra todas as conquistas alcançadas nas últimas gestões da UNE. Nos baseamos em um tripé de ideologias políti-cas. A primeira é a radicalização da democracia: somos um movimento que luta por uma democracia socialista, vendo nela um meio e não um fim. Também defendemos a ampliação dos debates para que as divergências possam ser resolvidas por meio de um denominador comum, refletindo em todas as pautas políticas do movimento. Além disso, temos outras frentes que são relacionadas com opressões como o machismo, racismo e a LGBTfobia.”

Murilo Tomaz

Facebook/Enegrecer

Facebook/Kizomba

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Estopim Felipe Bruno, 22 anos, Psicologia do Centro Universitário Estácio da Bahia

“O Estopim nasceu há sete anos com estudantes do interior da Bahia que passaram a se organizar melhor para reivindicar melhores recursos para a permanência estudantil. Nós achamos que a UNE, a partir de um certo tempo, começou a ficar engessada em relação às suas eleições e aos seus congressos. De tal forma, a instituição não consegue mais dialogar com as massas como acon-tecia antigamente, precisando, hoje, retomar urgentemente as suas origens. Os CONUNEs acabaram virando espaços eleitorais, que de dois em dois anos reúnem os estudantes apenas para decidir quem vai comandar a entidade na próxima gestão. Isso desmobiliza os jovens e, consequentemen-te, a classe trabalhadora. Temos que retomar aquela luta combativa, como foi na ditadura militar.”

Independentes

Movimento Mutirão (Chapa Contra os cortes, coragem para mudar)*Leonardo Varela, 21 anos, Rádio e TV - Anhembi Morumbi

“O Mutirão já é um movimento antigo. Viemos lá de 1991, e fomos a primeira força política a defender o PROUNI dentro do CONUNE. Na atual conjuntura, entendemos que o governo Dilma já não satisfaz a necessidade do povo brasileiro. Tirar dinheiro da educação para dar para banqueiros deixa o setor sucateado. Hoje, a educação pública está abandonada e o setor privado, com suas grandes empresas estrangeiras, acaba roubando o dinheiro que iria para programas como o FIES, que está sofrendo com inúmeros cortes e deixando os estudantes sem apoio e com enormes mensa-lidades para pagar. Apoiamos o governo Dilma até onde deu, quando percebemos que ele se tornou um governo em disputa, deixando de ser progressista. É inadmissível que um governo de esquerda coloque Katia Abreu, uma escravagista da agricultura, como ministra da pasta. Temos que denunciar publicamente Dilma Rousseff pelos cortes na educação. Quem está com a tesoura na mão é ela e não Joaquim Levy, pois Levy foi por ela nomeado.”

Juventude do PMDBPablo Rezende, 28 anos, Presidente Nacional da Juventude do PMDB

“A JPMDB está crescendo muito, buscando estar presente em todas as universidades do país, dialogando também com os secundaristas. Nossas principais bandeiras neste CONUNE são o não à redução da maioridade penal a defesa do FIES. Estamos sempre abertos ao diálogo e conversamos com todas as correntes ideológicas a fim de instigar a cobrança dentro do nosso próprio movimento. No entanto, por estarmos hoje dentro do governo, não deixamos de apontar as críticas que achamos pertinentes. Repudiamos os cortes na educação e o ajuste fiscal. O PMDB é tido hoje como um partido de centro que dialoga com todas as correntes. Somos muito abertos. Apoiamos Eduardo Cunha na presidência da Câmara dos Deputados, pois ele foi eleito democraticamente pela maioria dos deputados. O Cunha não vota, ele apenas conduz a vota-ção. Cabe a todos os deputados reunidos ali traduzir a vontade do povo. Ele está cumprindo o papel dele. Havia na Câmara projetos de até 15 anos que estavam engavetados na mesa sem votação. Se a vontade do povo é a redução da maioridade penal, isso tem que ser discutido. Se a vontade do povo é a reforma política, isso tem que ser discutido também, e por aí vai.”

*O Movimento Mutirão compunha a Direção Majoritária até o 53º CONUNE, mas rompeu a aliança por divergências ideológicas, principalmente em relação ao apoio ao governo Dilma Rousseff.

Facebook/Estopim

Facebook/Mutirão

Murilo Tomaz

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“Não se pode servir a dois senhores ao mesmo tempo”

Entrevista - Valério Arcary Fundador do PSTU lamenta o governismo da UNE e não crê em uma entidade que possa servir ao governo e aos estudantes simultaneamente

Coletivo Foque

Valério Arcary não se deixa enganar pelo PROUNI. Para ele, a entrada de estudantes de baixa renda nas universidades particulares mascara a política neoliberal do governo petista, que insiste em se aliar a empresas e banqueiros em prol do capital. “Um re-formismo quase sem reformas” é o título da sua “críti-ca marxista do governo Lula em defesa da revolução brasileira”, lançada em 2013. Um dos fundadores do PSTU (Partido Socialista dos Trabalhadores Unificado), professor de História do Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia de São Paulo (IFSP) e doutor em História Social pela USP, Arcary já foi filiado ao PT, mas se desligou do partido por divergências ideológicas.

O historiador de 59 anos participou do 30º CONUNE em Salvador em 1979, como delegado eleito pela PUC--SP e candidato à diretoria da entidade. Em mais outros três congressos, ele também figurou como participan-te de chapas e não economiza críticas em relação à UNE. O líder do PSTU nos recebeu em sua casa para uma conversa sobre a política do governo petista e a situação da União Nacional dos Estudantes nesse con-texto. Para o marxista, uma entidade que se liga tanto ao governo não é capaz de representar com justiça os estudantes e a classe trabalhadora. Tratamos de ten-tar entender logo essa parceria com o governo, tão criticada pelo PSTU e pelas chapas da Oposição de Esquerda da UNE.

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Marcos Costa/Lucas César - Como se deu e o quanto é perigosa essa aproximação da UNE com o governo federal do PT?

Valério Arcary - Todas as organizações, sejam de trabalhadores, da juventude, de movimentos popu-lares ou de qualquer outro segmento, estão perma-nentemente lutando por reformas na sociedade. A luta por reformas sempre corre o risco de ser cooptada por quem está no governo. O poder é muito atrativo: pode negociar reformas e também pode aliciar os dirigentes dos movimentos para que eles cumpram um papel de ponte entre o Estado e esses mesmos movimentos. O que o governo do Partido dos Trabalhadores faz é co-optar os líderes dos movimentos e a tragédia da UNE - e creio que não é exagero utilizar esse termo - foi a sua conversão em um apêndice do Ministério da Educação. Essa transformação destrói sua capacidade enquanto instrumento de luta por mudanças no ensino superior brasileiro. O governo petista não apresentou um projeto de educação que represente uma transformação de fato, ao contrário do que se pensa. Eles fizeram um acor-do com o ensino privado em troca de anistia fiscal, o PROUNI, que deu uma turbinada no ensino superior privado como nunca aconteceu na história do Brasil. Então, pulamos para o número de sete milhões de es-tudantes matriculados em cursos pós-secundários. Isso foi feito em um intervalo relativamente pequeno, mas a grande maioria desses cursos de ensino privado ape-

nas vendem a ilusão de que a pessoa entrou no ensino superior e isso mudará sua vida, sem representar uma mobilidade social significativa e efetiva. A UNE foi incapaz de ter uma posição firme e independente em relação a essa atitude. Hoje, as gran-des empresas do ensino superior brasileiros passaram a ser voluptuosamente desejadas por fundos de inves-timentos internacionais que descobrem a possibilidade de lucros através da educação superior. A mercantili-zação da educação foi potencializada em uma escala que seria impensada antes do governo Lula. A União Nacional dos Estudantes apoiou essa mercantilização e é, hoje, muito frágil nas universidades públicas e tam-pouco se construiu dentro das universidades privadas como um instrumento eficaz de luta. É uma organiza-ção artificial, ou seja, sua existência seria quase invisí-vel sem o apoio do governo. Neste exato momento, por exemplo, vivemos uma greve de professores universitários nas institui-ções federais e não sabemos se a UNE terá a decência de se posicionar defendendo as bandeiras que os pro-fessores e os alunos assumem, bandeiras fundamen-tais para a defesa do futuro da universidade pública do país. Isso se explica porque a força política dirigente da entidade é ligada ao PCdoB, um dos partidos de coali-zão que apoiam o governo Dilma para aplicar o ajuste fiscal, sucateando o ensino público. Portanto, a lealda-de da UNE é maior ao governo do que aos estudantes e isto, evidentemente, produz um divórcio, pois não se pode servir a dois senhores ao mesmo tempo.

Portal do PSTU

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“A tragédia da UNE foi a sua conversão em apêndice do Ministério da Educação”

MC/LC - Então podemos concluir que você é contra os programas educacionais do governo (PROUNI e FIES)?

VA - Sim. Sou contra esses programas e os considero medidas populistas. Acho que não deveria haver ensino pago no Brasil, pois a educação supe-rior é um direito que não pode ser mercantilizado. Nem tudo pode ser transformado em mercadoria, nem tudo pode ser vendido ou comprado. As universidades hoje em dia pipocam em todos os lugares. Eu não acho que uma igreja deva ter uma universidade, como acontece hoje em dia, e isso não significa que eu sou contra o Vaticano. Não acho que a Igreja Universal deva ter uma universidade e também não acho que o Palmeiras deva ter uma universidade, e olha que eu sou palmeirense, muito palmeirense. Pior ainda quando fundos interna-cionais compram ações de uma empresa que é uma fá-brica de diplomas. A educação é um dos temas centrais de um projeto de nação e não está recebendo a devi-da atenção. A prova do fracasso desse modelo vigente de educação superior é que os médicos não querem mais que se abra escolas de medicina privadas e os advogados não querem mais que se abra escolas de direito privadas, devido à falta de qualidade no ensino dessas instituições. Há certas coisas que não deveriam ser vendidas. Sou a favor, sim, da expansão do ensino superior público e de mais verba para a educação no Brasil.

MC/LC - Não pesam os casos dos jovens ne-gros, pobres e de periferia que tiveram, pela primei-ra vez, acesso à universidade?

VA - A maioria dos jovens negros, pobres e de periferia que hoje estão estudando em universidades particulares - que gosto de chamar de fábricas de diplo-mas - estão sendo enganados tanto pelo Estado quanto pelos donos dessas mesmas faculdades. Esses jovens

estão vivendo esta ilusão sem plena consciência da tra-gédia que é investir quatro ou cinco anos de suas vidas em algo que não dá certo. Na maioria das vezes, eles desistem no meio do curso, e se concluem, penduram o diploma na parede de suas casas para não utilizá-los mais. Não sou a favor desse modelo. Acho que todo ensino deveria ser público, logo financiado pelo Estado, com todos os jovens tendo acesso ao ensino superior. Isso é possível no Brasil. O que não é possível é fazer essa transição de maneira indolor. Se os capitalistas não pagarem mais impostos, se os realmente muito ri-cos não pagarem uma parte de suas riquezas, não há como promover essa transformação. Obviamente, eles não farão isso de bom grado, pois preferem a situação atual, onde o setor privado investe em educação para ganhar dinheiro e trocam o benefício fiscal, que é con-cedido pelo governo, por matriculas. Mesmo que estes jovens da periferia estejam embriagados nesta ilusão é preciso dizer que só a verdade é emancipadora, e a mentira é sempre alienação. Para se entrar em uma experiência genuína de ensino superior, é preciso lutar, mas o governo vende a ilusão de que não é necessário: “é sem luta”, “é indolor”, “nós já negociamos com os do-nos das universidades particulares”, “você vai estudar e não vai pagar”. Quem paga por isso é o povo brasileiro, porque os empresários da educação não estão pagan-do impostos. Quem o está fazendo é o povo.

MC/LC - Qual é a saída para que UNE retome seu papel combativo, lidando com uma influência governista tão forte?

VA - Não sei se a UNE é um instrumento que possa ser recuperado para a luta estudantil. Não é impossível, mas é muito difícil. A entidade teria que experimentar uma verdadeira revolução democráti-ca para recuperar sua legitimidade histórica diante do movimento estudantil. Acho que a tendência é que ela continue como uma organização que vive em uma

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marginalidade política e social, sem qualquer tipo de protagonismo. A UNE foi incapaz de assumir um papel importante em junho de 2013 e não creio que a próxima onda de lutas passará por ela. Vejo que a atual direção da organização, ao invés de estar construindo a entida-de, está sepultando-a. Uma revolução democrática seria inserida em novo contexto, em uma onda de lutas do movimento es-tudantil que levasse 20 ou 30 mil estudantes a um con-gresso. Aí, o aparato burocrático seria varrido porque surgiria uma grande massa de militantes que não aceita o governismo, derrubando dirigentes. Isso já aconteceu no passado. Na grande greve do ABC paulista em 1979, os trabalhadores realizavam assembleias nas quais os próprios presidentes dos sindicatos não poderiam falar. Essa revolução democrática seria interna. Eu acho du-vidoso que uma futura onda de organização estudantil ainda venha a se expressar por meio da UNE. A ANEL [Assembleia Nacional dos Estudantes - Livre, organi-zação estudantil criada em 2006 por estudantes que já não acreditavam na representatividade da UNE] talvez possa representar isso. Acredito que a ANEL possa vir a ser um elemento dentro de um processo mais amplo que levará a essa reorganização.

MC/LC - Isso quer dizer que a ANEL está con-seguindo cumprir o papel que a UNE cumpria an-tes?

VA - É uma experiência interessante tentar orga-nizar uma frente única que é independente do estado, e de fato a ANEL é uma organização que tenta cum-prir o papel que a UNE deixou de cumprir. A alternativa mais inteligente seria transformar a União Nacional dos Estudantes por dentro, por questão de tática política. No entanto, parece muito difícil derrotar a frente gover-nista nos CONUNEs e me parece que as energias do movimento estudantil não podem ser desperdiçadas em lutas internas sem resultados efetivos. Quando as energias são poucas, elas precisam ser orientadas da

forma mais eficaz possível. O que aconteceu com a UNE aconteceu com os sindicatos também, pois grande parte deles são instru-mentos dóceis do Ministério do Trabalho, que financia suas atividades. Hoje, é mais difícil para o governo con-trolar o conjunto sindical do que a UNE. Basta olharmos para a quantidade de greves que estão explodindo nos últimos anos. Os trabalhadores passaram por cima dos sindicatos, fizeram assembleias com dezenas de milha-res de pessoas e decidiram entrar em greve. Por vezes, fizeram mais que isso: destruíram toda uma estrutura montada pelas grandes empreiteiras. No entanto, é bem mais difícil organizar os estudantes. A ANEL vem cumprindo um bom papel no que se refere à luta estu-dantil.

MC/LC - A atual onda conservadora do con-gresso nacional tem alguma relação com esse com-portamento menos combativo que a UNE assumiu de uns tempos para cá?

VA - Claramente há uma forte relação. Se não surge uma oposição à esquerda de uma forma mais forte, surge uma oposição pela direita, inevitavelmente. E isso não deve nos surpreender em um país como o Brasil e nas circunstâncias em que esse governo de coalizão liderado pelo PT se encontra, com tantos es-cândalos de corrupção. Nessas circunstâncias, a oposi-ção de direita está se aproveitando da legítima luta pela corrupção para desgastar o governo. O que presenciamos ao longo do governo petis-ta foi a colaboração das forças sindicais – em especial a Central Única dos Trabalhadores (CUT) – com o go-verno. Ao longo do mandato do PT, os trabalhadores não entraram em cena. Na luta de classes não existe vácuos. Se os trabalhadores não exercem seu prota-gonismo, a classe média os substitui e toma conta do palco. O fato de que a UNE, os sindicatos e a CUT es-tarem na órbita do governo debilitou os trabalhadores e deseducou, em grande medida, a juventude.

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Facebook/ Valerio Arcary

MC/LC - Você afirmou que o movimento estu-dantil é bem fraco nas universidades privadas. Você acha que a UJS (União da Juventude Socialista) se aproveita disso para se perpetuar no comando da UNE, visto que as eleições na entidade são indiretas?

VA - Sim, claro. A UNE é um aparelho e, como todo aparelho, tem o objetivo de se reproduzir e aqueles que nela ocupam funções de comando querem se per-petuar no poder. A UJS não se atreve a fazer eleições diretas porque tem medo de perder. Se houvesse uma eleição direta na UNE - e se a maioria dos estudantes votassem - o resultado seria imprevisível pois a grande maioria dos jovens universitários não fazem parte de nenhum movimento estudantil. No entanto, a democra-cia de um processo eleitoral depende muito das circuns-

tâncias. Eleições diretas podem ser mais democráticas que indiretas e vice-versa. Na atual situação, uma elei-ção direta seria uma revolução democrática dentro da UNE. A eleição indireta é antidemocrática dentro do atu-al contexto, pois a maioria das reitorias das universida-des públicas e privadas apoiam o governo. Além disso, o próprio CONUNE é bancado por dinheiro do governo. Então, os delegados que vão para estes congressos ten-dem a referendar a atual direção. Foi criado um sistema fechado que faz dos congressos da UNE espaços mui-to controlados, onde a possibilidade de expressar um descontentamento em relação ao governo é pequena.É muito impressionante o governo com menor apro-vação desde Collor não enfrentar nenhuma dificul-dade em reeleger a força política que o apoia dentro da UNE. Há um filtro muito eficiente que conseguiu

1990: Reunião que fundou o Foro de São Paulo, na qual estava presente a Executiva Nacional do PT. Arcary é o primeiro à direita da primeira fila

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transformar a minoria em ampla maioria, então te-mos uma UNE que é dirigida por quem apoia o go-verno, embora a maioria dos estudantes não o façam. Enfim, esse paradoxo é a expressão da força do Esta-do brasileiro. Esta força é tão poderosa que mantém a organização prisioneira de sua órbita. Eu duvido que a UNE seja maioria dentro do movimento estudantil.

MC/LC - Em 1943, Gustavo Capanema, en-tão ministro da Educação, tentou criar a Juventude Brasileira, entidade estudantil governista de oposi-ção à recém-criada União Nacional dos Estudantes. A UNE de hoje é a Juventude Brasileira do passado?

VA - (Risos) É uma bela analogia histórica. Nós, marxistas, adoramos analogias históricas, mas toda analogia histórica tem limites. Eu acho impossível o go-verno controlar o movimento estudantil do país e junho de 2013 já mostrou que há uma potencialidade na ju-ventude brasileira que nenhum comando irá controlar. A UNE é um aparelho, uma organização que recebe di-nheiro do estado e que, portanto, possui uma existência material inequívoca, mas o movimento estudantil está longe de ser resumido pela UNE. Não creio que seja possível estatizar o movimento estudantil brasileiro, não

é possível controlá-lo dessa maneira em pleno século XXI. Infelizmente, ele está muito concentrado nas uni-versidades públicas. Uma investigação séria que mere-ce ser feita é sobre a razão de haver tão pouco movi-mento estudantil nas faculdades particulares. No Chile, todo ensino superior foi privatizado e isso não impediu que existisse um movimento estudantil extraordinário.Junho de 2013 mostrou as caras de uma nova ju-ventude, embora não tenha essencialmente sido um movimento da juventude universitária. Porém, da-queles milhões que foram as ruas, boa parte eram universitários que estavam perdendo a virgindade política. O que junho também mostrou foi que essa nova geração de jovens não foi para rua como mo-vimento estudantil e sim pela articulação das redes sociais, com níveis de consciência política muito in-feriores daqueles que existiam no final dos anos 70.

“Na luta de classes não existem vácuos. Se os traba-lhadores não exercem seu protagonismo, a classe mé-dia os substitui e toma con-

ta do palco”

GGN

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PERFIL

Nova presidenta da UNE, paulista de 26 anos quer o fim das disciplinas online e uma UNE que dê mais atenção às faculdades particulares

Marcos Costa

Depois de sete longas horas de votação na cida-de de Goiânia, os milhares de estudantes presentes no 54º CONUNE (Congresso Nacional da União Nacional dos Estudantes) finalmente conheceram o rosto daque-la que terá a tarefa de lhes representar durante os dois próximos anos à frente da entidade. Após as 19 ho-ras do domingo (7/6), poucos ainda tinham pique para acompanhar a apuração das urnas. As almas presentes no ginásio da Arena Goiânia ou estavam limpando o local ou faziam parte da chapa “O movimento estudantil unificado contra o retrocesso em defesa da democracia e por mais direitos”, a grande vencedora desta edição, com 58,14% dos votos. Dentre os rostos já cansados pela maratona, aquele que se destacava com uma ale-gria estonteante era o de Carina Vitral, a nova presi-dente eleita pela União da Juventude Socialista (UJS). Nascida em Santos e estudante de Economia da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC--SP), Vitral será a primeira a suceder outra mulher no

comando da UNE. Para levar a entidade após o man-dato da pernambucana Virgínia Barros, Carina se diz pronta para dar mais atenção à situação das universi-dades particulares brasileiras, que vivem um momento em que a qualidade de ensino não cresce proporcio-nalmente ao grande número de matrículas. Em relação a esse problema, a estudante disse em entrevista ao próprio portal da UNE que defende uma maior fiscali-zação do Estado sobre os grupos educacionais do en-sino superior, que, apesar do crescimento da receita, ainda não investem o suficiente para modernizar as instituições. “Ao todo, 40% das vagas do ensino par-ticular são atualmente subsidiadas pelo Estado, mas não há nenhum controle ou garantia sobre a qualida-de desse ensino”, disse a estudante. ”A universida-de particular no Brasil precisa mudar urgentemente”. Entre outras bandeiras defendidas pela ges-tão de Vitral, também estão o não à privatização da Petrobras, a reforma do ensino superior do país o fim

Quem é Carina Vitral?

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Bauru 2015 | 54º CONUNE

junho de 2013. Seu início de mandato na UNE já se mos-trou turbulento. Em Comissão Especial da Câmara dos Deputados para a discussão sobre a Proposta de Emenda Constitucional da redução da maioridade penal, no dia 10/06 - 3 dias após o fim do 54º CONUNE -, Carina Vitral e dezenas de estudantes chegaram ser agredidos física e verbalmente por seguranças e até mesmo deputados presentes durante a manifestação contra a redução. Vitral tem o desafio, nessa gestão, de de-finir a identidade de uma União Nacional dos Estudantes frente a uma grande ofensiva conservadora do Congresso Nacional e uma hostilidade notável da população em relação à presidenta Dilma Rousseff. A UNE não é, mais, a única organização representativa do movimento estudantil do Brasil e a gestão da pau-lista deve entender essa situação e dialogar com as diferentes frentes da juventude. “Não vou ficar agrade-cendo o governo Dilma. Não preciso ficar agradecendo o resto da vida por um direito”. A militante da PUC-SP festejou as conquistas do governo do PT à Folha de São Paulo, mas diz que a UNE não depende do go-verno para existir e lutar. Essa independência deve ser mostrada e aplicada se Vitral desejar uma UNE representativa, visto que as políticas neoliberais e o ajuste fiscal do governo Dilma são as principais críti-cas de estudantes que lamentam uma “pátria educa-dora” que sucateia, progressivamente, sua educação.

Vitor Vogel

das disciplinas online, que, segundo a estudante, é uma medida que precariza ainda mais os cursos no país. “Nas universidades privadas, o ensino a distân-cia nos cursos presenciais funciona como uma me-dida para reduzir os custos e isso necessariamente resulta em uma redução da qualidade, resultando em uma precarização muito grande”, disse a presiden-ta da UNE em entrevista ao site Rede Brasil Atual. Apadrinhada pelo Partido Comunista do Brasil (PCdoB), Carina Vitral chegou até o posto de presidente da maior organização estudantil do país com uma grande experiência dentro do movimen-to estudantil. A militante já era figura carimbada do movimento da cidade de Santos, mas o que a levou a alçar voos maiores e se aproximar da União da Juventude Socialista foi sua participação no Fórum Social Mundial de 2006, em Caracas, Venezuela. Lá, ela conheceu alguns militantes da UJS para, a partir daí, integrar-se à organização para pavimentar com mais vigor sua trajetória no cenário estudantil brasileiro. Em 2011, quando ainda cursava Economia na Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC), Vitral ocupou o cargo de diretora de universidades públicas da UNE, se afastando dois anos depois, quando foi eleita presidente da União Estadual dos Estudantes de São Paulo (UEE-SP). No período, Carina enfim pediu transferência para a PUC-SP e este-ve à frente da militância da instituição nos protestos de

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