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A Arte de Homero e o Historiador- Observações Introdutorias- Jacome Neto

Date post: 07-Oct-2015
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A Arte de Homero e o Historiador- Observações Introdutorias- Jacome Neto
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 Romanitas   Revista de Estudos Grecolatinos, n. 2, p. 197-218, 2013. ISSN: 2318-9304. A arte de Homero e o historiador: observações introdutórias The art of Homer and the historian: introductory remar ks Félix Jácome Neto *  Resumo: Este artigo visa abordar algumas características literárias específicas dos poemas homéricos - Ilíada  e Odisseia  - sobre as quais uma abordagem histórica precisa estar plenamente consciente de modo a entender o tipo de registro discursivo com o qual trabalha, bem como o contexto cultural que informa a produção da épica homérica. A obscura e altamente debatida evidência sobre os estágios mais recuados da produção e da transmissão dos poemas, assim como os dispositivos estilísticos específicos de um texto derivado da oralidade, logo distinto da nossa experiência moderna de literatura, são desafios que o historiador precisa estar ciente de modo a formular suas hipóteses de trabalho de forma mais consistente. Desse modo, este artigo oferece uma visão geral destes temas, enquanto sugere leituras adicionais de aprofundamento.  Abstract: This article tends to summarize some specific literary features of the Homeric poems  Iliad  and Odyssey   in which a historical approach has to be in accordance with the type of discursive narrative which works in the cultural context that influences the production of Homeric epic. The obscure and highly disputed evidence on early stages about the production and transmission of the poems and also the specific stylistic dispositive from oral derived text distinct to our modern literature concept are challenges that the historian must be aware in order to formulate their hypotheses work more consistently. Thereby, this article offers an overview of these issues while suggests further reading for a more accurate deepening. ____________________________ Recebido em: 21/10/2013 Aprovado em: 30/11/2013 *  Doutorando em Estudos Clássicos  Mundo Antigo  pela Universidade de Coimbra. Bolsista CAPES. Palavras-chave: Homero; Teoria Oral; Poemas homéricos. Keywords: Homer; Oral Theory; Homeric poems. 
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  • Romanitas Revista de Estudos Grecolatinos, n. 2, p. 197-218, 2013. ISSN: 2318-9304.

    A arte de Homero e o historiador:

    observaes introdutrias

    The art of Homer and the historian: introductory remarks

    Flix Jcome Neto*

    Resumo: Este artigo visa abordar algumas caractersticas literrias

    especficas dos poemas homricos - Ilada e Odisseia - sobre as quais

    uma abordagem histrica precisa estar plenamente consciente de

    modo a entender o tipo de registro discursivo com o qual trabalha,

    bem como o contexto cultural que informa a produo da pica

    homrica. A obscura e altamente debatida evidncia sobre os

    estgios mais recuados da produo e da transmisso dos poemas,

    assim como os dispositivos estilsticos especficos de um texto

    derivado da oralidade, logo distinto da nossa experincia moderna de

    literatura, so desafios que o historiador precisa estar ciente de modo

    a formular suas hipteses de trabalho de forma mais consistente.

    Desse modo, este artigo oferece uma viso geral destes temas,

    enquanto sugere leituras adicionais de aprofundamento.

    Abstract: This article tends to summarize some specific literary

    features of the Homeric poems Iliad and Odyssey in which a

    historical approach has to be in accordance with the type of discursive

    narrative which works in the cultural context that influences the

    production of Homeric epic. The obscure and highly disputed

    evidence on early stages about the production and transmission of

    the poems and also the specific stylistic dispositive from oral derived

    text distinct to our modern literature concept are challenges that the

    historian must be aware in order to formulate their hypotheses work

    more consistently. Thereby, this article offers an overview of these

    issues while suggests further reading for a more accurate deepening.

    ____________________________

    Recebido em: 21/10/2013

    Aprovado em: 30/11/2013

    * Doutorando em Estudos Clssicos Mundo Antigo pela Universidade de Coimbra. Bolsista CAPES.

    Palavras-chave:

    Homero;

    Teoria Oral;

    Poemas homricos.

    Keywords:

    Homer;

    Oral Theory;

    Homeric poems.

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    Romanitas Revista de Estudos Grecolatinos, n. 2, p. 197-218, 2013. ISSN: 2318-9304.

    A arte de Homero e o historiador

    Se a outra cultura to completamente outra como a abordagem histrica

    parece insistir, ser que ela tornar-se- compreensiva para ns, em algum

    modo significativo?

    (PARRY, 1987, p. lviii).

    m dossi cujo tema Cultura e Sociedade em Homero traz em si

    dificuldades especficas ao historiador da antiguidade, pela razo que,

    diferentemente de outros textos antigos, no temos evidncias conclusivas

    sobre a datao, a autoria e as circunstncias de composio das obras atribudas a

    Homero que possumos.1 Dessa forma, faz-se necessrio algumas consideraes

    preliminares sobre o prprio entendimento do que o Homero cujo ttulo do

    dossi alude, fato que delimita o modo pelo qual ns possamos investigar algo como

    Cultura e Sociedade em Homero.

    Ns temos a Ilada e a Odisseia de Homero? Notas sobre a transmisso e a data

    dos nossos textos

    A primeira coisa a ser dita que o elemento seguro acerca do estatuto do

    texto da Ilada e da Odisseia que possumos que a coleo de manuscritos

    medievais dos textos, mais rica para a Ilada menos para a Odisseia, essencialmente

    uniforme e remonta, de forma muito prxima quanto ao texto, verso padro ou

    estvel, conhecida como vulgata,2 estabelecida por Aristarco de Samotrcia (cerca de

    216-145 a.C.), a partir de trabalhos prvios de seus antecessores na Biblioteca de

    Alexandria: Zendoto de feso (cerca de 325-270 a.C.) e Aristfanes de Bizncio

    (cerca de 257-180 a.C.). Aristarco delimitou os contornos do texto, padronizando a

    1 Eu chamo, neste artigo, Homero o autor da Ilada e da Odisseia por convenincia, isto no significa,

    necessariamente, conceber Homero como o autor individual e histrico que comps ambos os

    poemas. Sobre estas questes, abarcadas sob o termo Questo Homrica, a melhor sntese em

    portugus que conheo Pereira (2012, p. 49-67). Em ingls, Fowler (2004) muito elucidativo e

    informa a bibliografia fundamental sobre o tema. 2 Uma definio de referncia do termo vulgata pode ser encontrada em Stuart Jones (1902, p. 388):

    Como aplicada para livros impressos, a palavra denota um texto comercial reproduzido em

    sucessivas edies, que no est mais previsto sofrer reviso crtica. A caracterstica distintiva de tal

    texto , naturalmente, sua uniformidade. A uniformidade da vulgata evidenciada, substancialmente,

    pela comparao com os fragmentos homricos encontrados nos papiros: por volta do ano 150 a.C, e

    desde ento, os papiros apresentam menos discrepncias quanto ao texto homrico que possumos.

    pressuposto, pelos especialistas, que a incorporao desta verso padro no meio intelectual greco-

    romano em to rpido tempo implicaria algum comrcio de livros ativo que divulgou e popularizou a

    vulgata (cf. JENSEN, 1980, p. 109; WEST, 1988, p. 47-48).

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    quantidade e a sequncia dos versos, o que resultou na diminuio,

    vertiginosamente, das variantes textuais que marcaram as verses pr-alexandrinas

    dos textos de Homero.

    De forma mais precisa, Aristarco no fabricou o texto da vulgata, dado que as

    suas prprias divergncias com o texto que nos chegou so registradas em

    comentrios nas margens das pginas, os chamados esclios, que nos chegaram

    atravs dos manuscritos medievais. Nesses comentrios, Aristarco condena alguns

    versos, enquanto prope para outros verses alternativas que ele acredita serem

    mais apropriadas. Assim, o interessante deste trabalho que o fato de a vulgata ter

    incorporado to poucas sugestes de Aristarco, ou dos seus antecessores, mostra

    que ele estava trabalhando sobre manuscritos que, apesar de tudo, tinham respaldo

    enquanto textos fidedignos tradio.

    Ns sabemos que na poca helenstica (323-30 a.C.)3 circulavam exemplares

    da Ilada e da Odisseia conhecidos pelo termo grego ekdosis. Estes exemplares tm

    sido agrupados em trs grupos: a) alguns eram identificados pelo nome da cidade ou

    da regio de onde provinham (kata pleis), b) outros pelo nome do estudioso ou do

    dono do exemplar (kata andra), c) enquanto outros exemplares eram denominados

    de maneira genrica como obras comuns (koinai).4 Possivelmente, como sustenta o

    clssico estudo sobre a exegese alexandrina de Pfeiffer (1968, p. 110), j Zendoto,5

    Examinando manuscritos na Biblioteca, selecionou um texto de Homero, que

    parecia para ele ser superior que os demais, como seu guia principal; as

    deficincias deste texto ele poderia ter corrigido com leituras melhores de

    outros manuscritos bem como por suas prprias conjecturas.

    Antes dos alexandrinos, durante o perodo clssico (500-323), houve obras de

    exegese dos textos homricos motivadas pelo uso constante de Homero no meio

    3 As datas de pocas histricas no decorrer do artigo so anteriores a Cristo, salvo bvias indicaes

    em contrrio. 4 Alguns estudiosos hipotetizam que Aristarco trabalhou sobre uma verso oficial de Homero vinda

    da cidade de Atenas a partir da recenso de Pisstrato (cf. JENSEN, 1980, p. 109-111). Esta verso oficial

    pertenceria a este terceiro grupo das verses de Homero, portanto seria denominada de forma

    genrica, o que explicaria a ausncia de referncia explcita dos antigos a uma edio ateniense.

    Entretanto, para argumentos cticos em relao a existncia de tal manuscrito oficial ateniense vide o

    prprio Pfeiffer (1968, p. 110). 5 Essa tarefa poderia ter sido feita por Aristarco antes que Zendoto, como sugere Fowler (2004, p.

    231-2). Seja como for, Fowler concorda com esta metodologia exposta por Pfeiffer acerca do trabalho

    filolgico dos alexandrinos em relao a Homero.

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    escolar. Embora nenhuma dessas obras nos tenham chegado completas, as suas

    ressonncias podem ser percebidas nas argumentaes filolgicas dos alexandrinos

    sobre os sentidos das palavras e as variantes do texto homrico.

    Para alm disso, como resume Edwards (1987, p. 23-28), a evidncia para o

    texto de Homero antes do estabelecimento da vulgata provm, basicamente, de trs

    mbitos: a) as observaes dos escoliastas (comentadores) dos perodos romanos e

    bizantinos sobre os mtodos e as decises editoriais dos alexandrinos; b) os papiros

    ptolomaicos contendo fragmentos da Ilada e da Odisseia; c) as citaes de

    passagens de Homero por autores gregos dos sculos V e IV, como Herdoto, Plato

    e Aristteles.

    Naturalmente, grande importncia h na comparao das passagens

    mencionadas nestas evidncias com nossa edio de Homero baseada na vulgata do

    tempo dos alexandrinos, de modo a que se tenha ideia se o Homero do perodo

    clssico grego prximo ou distante do nosso. Embora a metodologia e as

    concluses de tal tarefa sejam objeto de disputa entre os especialistas, parece claro,

    como argumenta Janko (1994, p. 29), na introduo do seu comentrio Ilada, que,

    ao menos a nvel de dialeto, episdios e narrativas, as referncias pr-alexandrinas

    esto prximas da nossa verso da Ilada, em que pese eventuais discrepncias

    existentes no que diz respeito s palavras ou versos especficos, para alm de versos

    adicionais presentes em certos papiros.6

    Embora, como comenta S. West (1988, p. 41), seja impossvel saber

    exatamente a extenso das variaes entre as verses da poca clssica e o nosso

    texto, a considervel estabilidade dos elementos concernentes narrativa dos

    poemas homricos explicada porque houve, ainda, um momento anterior de

    relativa fixao da Ilada e da Odisseia. Quando recuamos para alm do sculo

    quinto, todavia, as informaes disponveis sobre a origem, a composio e a

    6 A mesma ideia sustentada por outros eminentes homeristas, por exemplo Edwards (1987, p. 23-28)

    e Fowler (2004). Jensen (1980, p. 106-11) pontua que as variantes encontradas nos textos pr-

    alexandrinos no so suficientes para que se possa falar em diversas verses autnomas da Ilada e da

    Odisseia ligadas ainda atividade dos rapsodos, de modo que os textos pr-alexandrinos seriam

    claramente representativos da mesma tradio de escrita que a vulgata (JENSEN, 1980, p. 108). Nesse

    sentido, a transmisso do texto de Homero distinta de outros picos advindos da poesia oral, como,

    por exemplo, o texto medieval intitulado A Cano de Rolando, que possui sete verses distintas e

    autnomas (cf. GILBERT, 2008). No caso de Homero, como argumenta Janko (1994, p. 29), em que

    pese as variaes de palavras ou versos diagnosticadas no decorrer de sua transmiso, ns no temos

    notcias de uma Ilada ou de uma Odisseia que fosse uma verso paralelamente distinta da nossa.

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    transmisso do texto homrico so esparsas e inconclusivas. O certo que, dado que

    temos afinal um texto escrito, em algum momento entre os sculos VIII e VI, as

    histrias contadas na Ilada e na Odisseia teriam adquirido uma verso escrita.

    Diante do cenrio precrio das informaes sobre a origem e a formao da

    pica no perodo arcaico grego, podem ser esboadas, em largas linhas, cinco

    hipteses sobre a data e o modo de composio da Ilada e da Odisseia que tm sido

    formuladas pelos estudiosos: A) Um poeta versado tanto na tradio oral como

    escrita teria fixado por escrito os poemas seja no sculo oitavo ou stimo (cf. WEST,

    2011 para a defesa da Ilada como sculo VII); B) um poeta oral teria ditado para um

    escriba (cf. JANKO, 1998, que defende que o ditado ocorreu no sculo VIII). Com isso,

    tanto num caso como no outro, o poeta teria tido tempo para refletir e melhorar sua

    composio, sem, contudo, influir demasiado no estilo e na dico dos poemas, o

    que explicaria as marcas da poesia oral presentes no nosso texto; C) haveria partes

    extensas do poema produzidas e transmitidas por via oral durante o perodo arcaico,

    mas s foram organizadas e compiladas com a recenso do tirano ateniense

    Pisstrato no sculo VI (cf. SEAFORD, 1994, p. 144154); D) Apesar da relativa tradio

    oral, os poemas foram compostos decisivamente j sob a forma escrita, mas apenas

    com a interveno de Pisstrato no sculo VI (cf. JENSEN, 1980); E) A tradio oral que

    comeou no perodo micnico encontrou formas fludas de tradio oral, com uma

    primeira sistematizao no sculo VI que, no entanto, no estabeleceu uma verso

    paradigmtica da obra homrica, antes os textos homricos continuaram multiformes

    e sujeitos as influncias das perfomances orais que no se extinguiram com a

    produo de uma verso escrita, antes persistiram durante o perodo clssico (cf.

    NAGY, 1996).

    Como comenta Cairns (2002) acerca da Ilada, os pesquisadores que defendem

    uma fixao tardia do texto (sculo VI) escapam de duas dificuldades: a primeira,

    explicar a passagem por escrito, por volta do sculo VIII ou VII, de um extenso poema

    pouco tempo aps a incorporao do sistema de escrita fencio dentro de um

    ambiente em que no haveria uma audincia de literatura escrita. Assim, no haveria

    motivao nem tecnologia para o texto escrito; a segunda dificuldade se refere aos

    estudiosos que, ao dispensarem a ideia de um texto oral extenso em um perodo to

    recuado, evitam a dificuldade de imaginar o contexto da performance de tal poema e

    a atribuio da autoria dos textos a algum autor individual.

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    Entretanto, as dificuldades encontradas por quem defende a fixao tardia da

    Ilada e, consequentemente, da Odisseia so, tambm, significativas. A comear pelas

    razes elencadas pelo prprio Cairns (2002): a linguagem da Ilada, bem como como

    tambm aOdisseia, em nossa opinio, representa um estgio mais arcaico da lngua

    em comparao com toda a literatura arcaica, incluindo Hesodo, que quase

    consensualmente um autor datado do sculo VII. Estes Argumentos tambm podem

    ser encontrados nos estudos estatsticos de Richard Janko sobre o grau de arcasmos

    na linguagem dos autores arcaicos que fundamenta a sua cronologia relativa dos

    textos do perodo arcaico: Ilada, depois Odisseia, depois Teogonia e, por fim,

    Trabalho e os Dias, estes dois ltimos de autoria de Hesodo.7 A Ilada, por razes

    lingusticas, precisa ser o texto mais antigo, logo uma fixao apenas no sculo

    VI desta obra faria com que a datao de todos estes textos tivesse que

    ser reorganizada a partir desse parmetro, o que contraria flagrantemente a

    evidncia disponvel.

    Recentemente, uma hiptese tradicional tem sido retomada: a de que

    Pisstrato, tirano de Atenas no sculo VI, ou seu filho Hiparco, teria encomendado a

    verso definitiva ou fixa dos poemas homricos de modo a ser recitada no festival

    ateniense das Panatenaicas, o que seria, segundo alguns, um arqutipo ateniense

    para todos os nossos manuscritos. No entanto, possivelmente a principal fonte antiga

    sobre o assunto, ao afirmar que Homero foi introduzido em Atenas pelo filho de

    Pisstrato, Hiparco, implica que os poemas j existiam previamente. Trata-se do

    dilogo Hiparco, cuja autoria atribuda a Plato (1930) duvidosa, nomeadamente na

    passagem 228b-c. Herdoto (1992), por sua vez, escrevendo na segunda metade do

    sculo V, na passagem 2.53.2 de suas Histrias, afirma que Homero viveu cerca de

    quatrocentos anos antes dele, portanto, bem antes da recenso de Pisstrato. O autor

    latino Ccero (2002), no livro De Oratore (Sobre a Oratria), passagem III 34.137,

    embora uma fonte latina do primeiro sculo antes de Cristo, sugere que a tarefa ficou

    a cargo do prprio Pisstrato. O relato de Ccero implica estabelecer ordem naquilo

    7 Sobre a sua metodologia, como tambm as suas concluses e respostas aos seus crticos ver, agora,

    seu texto em Janko (2012). Note, no seu captulo, a figura 1.2 que mostra o declnio da presena de

    arcasmos lingusticos de Homero para Hesodo. A principal crtica ao mtodo e as concluses de

    Janko que a discrepncia em relao ao uso dos arcasmos na literatura arcaica deve-se a questes

    de diferenas de gnero literrio, de escolhas estilsticas e de dialetos usados pelos poetas e no

    porque um seria mais recente e outro mais antigo. Sobre esta ltima posio, vide M. West (2012).

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    que estava confuso, abrindo a possibilidade para um trabalho de edio ou mesmo

    criao do pico sob encomenda de Pisstrato, como querem autores como Jensen

    (1980). A meu ver, no entanto, Ccero uma fonte secundria diante de Herdoto e

    do autor do texto Hiparco, que so gregos e mais prximos aos acontecimentos.8

    Do ponto de vista do historiador, aceitar que a fase definitiva e mais

    importante da formao da Ilada e da Odisseia tenha sido o sculo VI, levanta logo a

    questo de saber quais influncias especficas a cultura e sociedade deste perodo

    teriam produzido no texto? Neste tpico especfico, ou seja, acerca das evidncias

    extra-textuais que podem ser discernidas na pica homrica, as duas ltimas

    hipteses supra citadas (D, E) claramente esto em posio desfavorvel. Sintoma

    disto esta afirmao de Jensen (1980, p. 164):

    Uma inferncia de nossa leitura da Ilada e da Odisseia que ns precisamos

    interpret-las como expressivas de ideias e morais de Atenas da segunda

    metade do sculo sexto. Os poemas so dificilmente teis como fontes para

    instituies de perodos recuados.

    A tese histrica de Jensen (1980, p. 159-71), que o pico funcionaria como

    uma espcie de propaganda ideolgica de Pisstrato, fundamentada porque a

    deusa Atena tem um papel de relevo em Homero! Que as informaes histricas da

    segunda metade do sculo VI, quando Pisstrato governou, so estranhas ao mundo

    de Homero, a concluso da imensa e frutfera produo historiogrfica do perodo

    arcaico grego (700-500 a.C.). Sobre isso, basta estudar os livros de sntese

    historiogrfica sobre a histria da Grcia, como, por exemplo, Donlan et alii (1999).

    Claramente, no que diz respeito a este tpico de carter histrico, a tese que os

    nossos textos foram compostos substancialmente na segunda metade do sculo VI

    carrega o nus de ser responsvel por apresentar as provas.

    Qualquer que seja a data, certo que os poemas homricos so oriundos de

    uma longa e rica tradio de poesia oral feita a partir de temas mitolgicas das sagas

    da guerra de Troia e das aventuras em torno da cidade de Tebas. Contudo, o que

    propriamente significa Homero diante deste cenrio? O que ser um autor

    individual no mbito da poesia coletiva oral? Qual a natureza do texto que Homero

    8 Jensen (1980, p. 207-26) compila toda a evidncia antiga sobre a recenso de Pisstrato na lngua

    original.

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    Romanitas Revista de Estudos Grecolatinos, n. 2, p. 197-218, 2013. ISSN: 2318-9304.

    A arte de Homero e o historiador

    comps? Com estas questes, passamos a abordar outros tipos de problemas que se

    relacionam com os indcios que possumos no nosso texto do modo pelo qual

    Homero comps seus poemas e qual a repercusso disto para a anlise literria, bem

    como para o trabalho histrico.

    A arte de Homero e o Historiador

    Das repeties frmula, do texto escrito para o poema advindo da performance

    oral: as concluses da obra de Milman Parry

    Um leitor atento da Ilada e da Odisseia logo percebe, certamente com algum

    estranhamento, que os textos possuem duas caractersticas estilsticas peculiares: as

    constantes repeties, seja de palavras, versos, motivos ou cenas, bem como as

    flagrantes inconsistncias na histria apresentada pela narrativa.9 No que diz respeito

    s repeties, elas podem ser curtas, por exemplo, a expresso usada por Homero

    para denotar o amanhecer do dia sempre a mesma:

    '

    Quando surgiu a que cedo desponta, a Aurora de rseos dedos (Il. 1. 477 = Od. 2.1,

    etc.).10.

    Quando, por outro lado, o poeta precisa especificar qual o exato dia que est a

    amanhecer ou quando ele necessita contextualizar o amanhecer do dia com a ao

    especfica das personagens, ento ele muda levemente o verso:

    9 As incoerncias na narrativa foram especialmente destacadas pela escola analtica de interpretao

    dos poemas. Entre as mais significativas, esses autores tm destacado o motivo insuficente para a

    construo do muro aqueu na Ilada; o artigo dual, usado para duas pessoas, empregado para cinco

    pessoas na embaixada a Aquiles no canto nono da Ilada; a inautenticidade do canto dez da Ilada e

    vinte e quatro da Odisseia. Por razes de espao, este tema no ser desenvolvido no presente texto.

    O leitor, porm, pode consultar o captulo sobre a epopeia homrica em Lesky (1995), onde h uma

    didtica discusso acerca da escola analista e das incoerncias na narrativa do poema. 10 A traduo para o portugus tanto da Ilada como da Odisseia de Frederico Loureno em Homero

    (2005) e Homero (2003), respectivamente. A edio do texto grego utilizada neste artigo a

    estabelecida por Van Thiel em Homeri (2010), para a Ilada, e Homeri (1991), para a Odisseia.

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    Romanitas Revista de Estudos Grecolatinos, n. 2, p. 197-218, 2013. ISSN: 2318-9304.

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    Surgiu a Aurora de rseos dedos enquanto eles carpiam (Il. 23. 109)

    '

    Mas quando ao dcimo dia surgiu a Aurora de rseos dedos (Il. 6. 175)

    Nos exemplos acima, a parte em itlico mostra a estrutura que se repete para

    designar de forma genrica o amanhecer do dia, enquanto as palavras no

    destacadas so fabricadas ou aproveitadas pelo poeta especificamente para o verso.

    H, tambm, casos de longas repeties na pica, ou seja, todo um conjunto

    de versos que se repete da mesma forma ou com pequena variao. Assim, na

    Odisseia, a profecia de Tiresias para Odisseu no canto onze repetida quase do

    mesmo modo por este a Penlope no canto vinte e trs. Outro exemplo, dessa vez na

    Ilada, o catlogo dos presentes que Agammnon oferece a Aquiles de modo a

    convenc-lo a retornar guerra, cujos versos so quase os mesmos em duas

    passagens: na primeira, o rei de Micenas enumera os presentes (9. 121-161), na

    segunda, j diante de Aquiles, Odisseu relata as palavras de Agammnon (9. 262-

    299). Odisseu litealmente repete o que Agammnon havia dito? Sim e No! O rei de

    taca, conhecido por sua astcia e retrica, apesar de reiterar o que diz o comandante

    das tropas gregas, omite os ltimos quatro versos ditos por Agammnon:

    Que se domine (pois o Hades inapelvel e indomvel

    e por isso detestado pelos mortais e por todos os deuses)

    e se submeta a mim, pois sou detentor de mais realeza,

    alm de que declaro pela idade ser mais velho do que ele (9. 158-161).

    Como se pode notar, essa parte da fala de Agammnon, que se julga

    (9.160), ou seja, mais rei do que Aquiles, iria soar bastante provocativa

    para o irritado Aquiles e, sabiamente, Odisseu a eliminou no seu discurso que visava

    convencer o rei dos mirmides a voltar para a guerra. Ao invs da reafirmao de

    hierarquia presente nos versos finais do discurso de Agammnon, Odisseu preferiu

    apelar para a piedade de Aquiles diante do sofrido exrcito dos aqueus (9. 301-2).

    Tanto o verso usado por Homero para designar a mesma ideia essencial de

    amanhecer o dia, como as repeties mais extensas, funcionam como um recurso

    mnemnico para o poeta oral construir seus versos e compor mesmo enquanto

    recita, de modo que, diferentemente da nossa poesia ou mesmo da poesia grega do

    perodo clssico e helenstico, a unidade de composio do poeta do pico no

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    Romanitas Revista de Estudos Grecolatinos, n. 2, p. 197-218, 2013. ISSN: 2318-9304.

    A arte de Homero e o historiador

    propriamente a palavra, que ele escolheria livremente e adequaria ao metro do verso,

    mas sim a frmula, entendida como frases feitas ou grupos de palavras, com

    extenso de duas palavras at algumas linhas completas, j adaptadas ou

    instantaneamente adaptadas para o metro pelo poeta, formando, assim, uma

    linguagem especfica (cf. AUSTIN, 1975, p. 11).11

    Assim, a seminal obra de Milman Parry (1902-1935) demonstrou que o

    conceito de frmula justamente o que explica a lgica das repeties de palavras e

    versos que vemos em Homero, a partir, substancialmente, de um sistemtico estudo

    do uso do nome-epteto.12 O epteto uma palavra ou frase atributiva diretamente

    ligada a um nome, por isso, nome-epteto. Um exemplo polymetis Odisseus, que

    ocorre dezenas de vezes na Odisseia. Segundo a tese de M. Parry, os eptetos usados

    para os nomes so funcionais de acordo com o enquadramento mtrico que passam

    a ocupar no verso, de modo que o poeta tem algumas opes de epteto, por

    exemplo, para Odisseu, e vai us-los de acordo com a necessidade de preenchimento

    do metro no verso. Nesse sentido, o poeta pode usar em vez de polymetis Odisseus

    (o muito astuto Odisseu), a expresso dios Odisseus (divino Odisseu), uma forma

    metricamente mais curta, ou polytlas dios Odisseus (sofredor e divino Odisseu), se

    ele precisar de uma expresso mais alargada do ponto de vista da mtrica. Sendo

    assim, nestes exemplos a ideia essencial que o poeta quer transmitir seria, segundo

    M. Parry, Odisseu, e os eptetos entrariam em cena substancialmente por razes

    mtricas e no propriamente para conferir sentido ou significado ao verso.

    11 A definio de frmula de M. Parry (1987a [1971], p. 272) : um grupo de palavras que

    regularmente empregado sob as mesmas condies mtricas para expressar uma dada ideia essencial

    Esta ideia fundamental seria: o que essencial em uma ideia o que permanece depois que toda

    estilstica suprflua for retirada (PARRY, 1987b [1971], p. 13). 12 A grande novidade do trabalho de Milman Parry, cujas obras publicadas essenciais datam de 1928

    at 1935, ter logrado uma explicao satisfatria do padro que regia estas repeties, dado que a

    mera existncia das repeties nos poemas destacada destes os crticos da antiguidade. Que

    Homero teria vivido numa cultura oral e ele prprio poderia ser um poeta oral tampouco foi algo

    introduzido por M. Parry, antes remonta obra fundadora da moderna Questo homrica, a saber,

    Prolegomena ad Homerum ("Prolegmenos a Homero") de autoria de Friedrich August Wolf,

    publicada em 1795. Mas, como argumenta A. Parry (1987 [1971], p. xv-xvi), Wolf no fazia grande ideia

    de como trabalhava uma poesia oral. Assim, a revoluo nos estudos homricos trazida por Milman

    Parry foi provar linguisticamente as marcas da oralidade dos nossos textos de Homero. De forma

    complementar, as suas pesquisas de campo junto aos poetas orais da ex-Iugoslvia lanaram luz sobre

    como ocorreria a performance de um poema tradicional oral. O texto fundamental sobre a carreira de

    Milman Parry, contendo as fases das suas pesquisas e descobertas, a introduo feita pelo seu filho

    para o livro que compilou sua obra, a saber, A. Parry (1987 [1971]).

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    Romanitas Revista de Estudos Grecolatinos, n. 2, p. 197-218, 2013. ISSN: 2318-9304.

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    A preocupao mtrica de Homero na composio dos versos pode ser

    ilustrada, ainda, pela escassez de eptetos usados para Telmaco na Odisseia, em

    comparao para o frequente uso de eptetos para Odisseu. No canto primeiro da

    Odisseia, por exemplo, temos Telemakhos theoeides (divino Telmaco) no verso

    113 e, depois, o nome de Telmaco aparece sob duas formas neste Canto: isolado,

    sem epteto, como nos versos 156, 382, 384, 400, 420, 425, em que na maioria das

    vezes inicia o verso; ou ento com o epteto pepnumenos (prudente). Neste ltimo

    caso, as ocorrncias do nome-epteto para Telmaco no Canto primeiro vm em uma

    frase feita, que na verdade um verso inteiro: '

    . (A ela deu resposta o prudente Telmaco). Assim so os versos 230 e 306, j

    no verso 412, o poeta precisa adaptar levemente a frmula porque, dessa vez, a

    interlocuo de Telmaco com um homem, Eurloco, e no mais com a deusa

    Atena. Para tanto, feita apenas a mudana no gnero do pronome que comea o

    verso: ' , demonstrando, assim, a tendncia

    do poeta, apontada por M. Parry, em seguir as estruturas lingusticas j formadas e

    ser econmico nas alteraes.

    A explicao para a relativa pobreza de eptetos para Telmaco, um

    personagem to importante na Odisseia, no reside numa carncia de investimento

    do autor sobre este personagem, mas sim, como M. Parry (1987a [1971], p. 278, 318)

    destaca, porque a palavra Telmaco possui um valor mtrico que um obstculo

    para a criao de eptetos dentro do verso! Do ponto de vista da literatura moderna,

    e mesmo de boa parte da literatura grega e romana posterior a Homero, acostumada

    ao uso do epteto em textos narrativos como um contributo essencial na

    caracterizao da personagem no decorrer da histria, impactante que o epteto

    pode ser, muitas vezes, usado ou ocultado a servio da mtrica e no da construo

    da histria.13

    Da perspectiva da crtica literria bem como da investigao histrica, a

    natureza do nome-epteto nos poemas tem grande repercusso porque ele usado

    em muitas pesquisas como evidncia para a caraterizao das personagens e, de

    forma interligada, para refletir sobre temas relacionados forma como os poemas

    13 H nome-epteto que usado, inclusive, contra a histria, ou seja, no faz sentido no contexto em

    que utilizado. Por exemplo, na Odisseia 16. 4-5 lemos: Em torno de Telmaco saltaram os ces

    amigos de ladrar, / mas no ladraram sua chegada.

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    A arte de Homero e o historiador

    representam valores ou relaes sociais atravs das personagens. Este tipo de

    raciocnio quase sempre pressupe que o poeta est deliberadamente criando um

    epteto que traz um qualificativo para a personagem. A partir da, tanto o crtico

    literrio como o historiador constrem complexas problemticas de estudo e

    formulam diversas generalizaes. Como exemplo, pode ser citado um interessante

    texto de Froma Zeitlin, uma excelente estudiosa das relaes de gnero na literatura

    grega, intitulado Figuring Fidelity in Homer's Odyssey (Imaginando fidelidade na

    Odisseia de Homero). A autora afirma, em dado momento, que o tema da fidelidade

    na Odisseia no tanto uma questo de corao mas sim de mente, isto , de manter

    a pessoa amada sempre na memria. Para defender tal tese, ela usa, dentre outros

    argumentos, a semntica do epteto echephron, que significa propriamente ter bom

    senso por controlar-se, usado pelo poeta para Penlope em algumas ocasies no

    poema (e.g. 4.111; 13.406) como uma forma de relacionar a personalidade da esposa

    de Odisseu com o tipo de fidelidade representado pelo poema: o epteto de

    Penlope, echephron (manter o bom senso) no apenas atesta a sua inteligncia e

    perspiccia, mas tambm inclui a capacidade para permanecer inabalvel no noos

    [mente], mantendo seu marido sempre na mente (ZEITLIN, 1995, p. 151, n. 57).

    Alm de tpicos envolvendo a representao da sexualidade e das relaes de

    gnero, outra classe significativa de exemplos de nome-epteto para uma

    problemtica histrica o conjunto de eptetos utilizados para destacar a

    proeminncia de status social de certos personagens, bem como a liderana poltica

    exercida por alguns deles tanto na Ilada como na Odisseia. O epteto

    frequentemente usado poimeni laon (pastor de homens), por exemplo, alado a

    pilar central de argumentao do livro de Haubold (2000), com o intuito de defender

    que Ilada ficcionaliza a relao entre lder e povo atravs de um modelo de interao

    social baseado em hierarquias fludas, nas quais o chefe ou lder no tinha

    significativo poder coercitivo sobre seus seguidores e no podia garantir o

    permanente contentamento do seu povo. A relao entre o pastor (lder) e seu povo

    no era, assim, mediada por instituies estveis, de modo que lder estava sempre

    ameaado de perder seus homens.

    Claro que o livro de Haubold sobretudo acerca da representao potica da

    relao entre lderes e povo e no uma abordagem propriamente histrica, de

    modo que as suas concluses no podem ser meramente transpostas para classificar

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    Romanitas Revista de Estudos Grecolatinos, n. 2, p. 197-218, 2013. ISSN: 2318-9304.

    NETO, Flix Jcome

    a vida poltica de algum perodo especfico da Histria grega. Apesar disto, o tipo de

    metodologia, argumentos e concluses trabalhados por Haubold tem sido usado por

    outros autores cuja ambio de explicao histrica da sociedade homrica mais

    aguada e, desse modo, esses estudiosos tendem a pensar que essa representao

    fluda e efmera das relaes de poder que o poeta apresenta seria uma viso

    coerente de um perodo histrico especfico do mundo grego, geralmente associado

    a modelos antropolgicos de sociedades de chefaturas simples ou tribais.14 A

    questo que permanece at que ponto um nome-epteto como este, usado

    dezenas de vezes por Homero para vrios personagens, inclusive personagens de

    menor expresso nos poemas, pode ser uma janela para entender a vida poltica de

    algum perodo da histria da Grcia?

    O prprio Milman Parry, com efeito, preocupou-se com a questo da

    prioridade semntica ou mtrica do uso dos nomes-eptetos por Homero, tendo

    classificado os eptetos como ornamentais, quando cumpriam apenas ou sobretudo

    funo mtrica, e certos eptetos especializados ou particulares que, eventualmente,

    poderiam modificar ou criar novas frmulas por analogia de acordo com a

    necessidade de um contexto especfico.15 Apesar disso, dado que a defesa do carter

    tradicional do poeta consistiu justamente em mostrar que as frmulas estavam em

    todo lugar na dico dos poemas, logo, distinto do estilo que estamos habituados do

    autor-escritor moderno, a nfase dos estudos de Milman Parry foi sobre o poeta

    como um habilidoso produtor de versos hexmetros a partir de frmulas j feitas.

    Nesse sentido, sustenta M. Parry (1987a [1971], p. 324):

    E aqui, finalmente, que ns podemos ver porque no deveramos buscar

    na Ilada e na Odisseia o estilo prprio de Homero. O poeta est pensando

    em termos de frmulas. Diferentemente dos poetas que escreveram, ele

    pode colocar no verso apenas ideias que podem ser encontradas nas frases

    que esto em sua lngua, ou, no mximo, ele expressar ideias como essas

    das frmulas tradicionais que ele mesmo no poderia conhecer de forma

    independente. Em nenhum momento ele est buscando palavras para uma

    ideia que nunca tinha encontrado expresso antes, de modo que a questo

    da originalidade no estilo significa nada para ele.

    14 O autor mais importante que usa esta abordagem , sem dvida, Walter Donlan. Vide, por exemplo,

    Donlan (1989). 15 Para as observaes de M. Parry sobre os eptetos especializados vide, principalmente, M. Parry

    (1987b [1971], p. 21-3, 153-165).

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    Romanitas Revista de Estudos Grecolatinos, n. 2, p. 197-218, 2013. ISSN: 2318-9304.

    A arte de Homero e o historiador

    Com esta citao de M. Parry voltamos epgrafe que abre este artigo: como

    compreender um passado completamente outro sem abrir mo de nossos critrios

    estticos e literrios to enraizados? A intuio de M. Parry, desde seus estudos

    iniciais nos EUA, era que a dico da Ilada e da Odisseia era de um poeta

    completamente diferente do que estamos habituados, e ningum tinha conseguido

    explicar cientificamente onde residia o carter nico do registro lingustico e literrio

    de Homero. Como Adam Parry mostra na introduo obra de seu pai, esse tipo de

    sentimento foi justamente o que moveu toda a carreira acadmica e antropolgica

    de Milman Parry. nesse contexto da necessidade de afirmar o carter tradicional e

    oral de Homero que deve ser entendida esta categrica e exagerada citao.

    De todo modo, do ponto de vista das teorias literrias produzidas no sculo

    XX, a obra de M. Parry deixou-nos diante de um impasse: seria preciso ento

    criarmos conceitos para uma potica especfica adaptada a um poema oral de

    mltiplos autores ou poderamos tratar o texto como uma obra autnoma e aplicar

    os conceitos modernos de anlise literria?16 Que espcie de autor Homero: um

    nome genrico ou coletivo para um variado corpus de poetas inseridos dentro de

    uma tradio oral ou antes um poeta individual e histrico?

    Os estudos homricos ps-Parry: a relativizao da teses extremas da poesia oral e a

    incorporao de modernas teorias da literatura para o estudo de Homero

    Parte considervel dos homeristas nas dcadas seguintes a M. Parry,

    especialmente a partir dos anos setenta, tem reagido as elaboraes mais extremas

    da teoria oral que suprime ou minimiza o papel criativo e inovador do poeta da

    Ilada e da Odisseia. Estudos tm mostrado que o poeta afinal usava muito mais

    elementos no-formulares do que se pensava anteriormente e, portanto, tinha mais

    16 Como j sugere o prprio Milman Parry (1987b [1971], p. 21): ns estamos compelidos a criar uma

    esttica do estilo tradicional. To cedo quanto 1959, um sugestivo artigo intitulado Milman Parry and

    Homeric Artistry, de Combellack (1959), defendeu que o impacto da obra de Parry sobre a crtica

    literria moderna era devastadora, de modo que no poderamos mais comentar Homero como

    fazamos com Shakespeare ou Sfocles, dado que a gerao de crticos ps-Parry no teria como

    distinguir quando o poeta est usando a frmula por razes mtricas ou quando ele escolhe

    conscientemente uma palavra para o contexto particular. Como veremos, no entanto, o sucesso de

    abordagens recentes ao texto homrico que usam conceitos modernos relativizam o tom categrico

    de Combellack.

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    Romanitas Revista de Estudos Grecolatinos, n. 2, p. 197-218, 2013. ISSN: 2318-9304.

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    liberdade para inovar do que pensava Milman Parry, de forma que a dico homrica

    no seria completamente refm das expresses tradicionais.17 Para alm disso,

    crticos literrios tm usado, com considervel sucesso, conceitos advindos da teoria

    literria contempornea para comentar o texto homrico.

    Griffin (1986), por exemplo, identifica diferenas no vocabulrio entre as

    palavras do narrador principal e os discursos das personagens. Ele sustenta que

    muitos nomes abstratos, que denunciam julgamentos morais ou expresso de

    emoes, apenas ocorrem atravs das palavras das personagens. Alm disso, os

    eptetos depreciativos so prioritariamente reservados aos discursos das

    personagens. Assim, conclui Griffin (1986, p. 50), ao tornar mais subjetiva e avaliativa

    a fala das personagens, a linguagem de Homero uma coisa menos uniforme do

    que alguns oralistas tm tentado sugerir.

    A partir do final da dcada de 80, uma rea da teoria literria que vm

    fornecendo muitos frutos para a anlise do poema, e que, como veremos, abre uma

    gama de perspectivas para o historiador, a narratologia, tal como inicialmente

    desenvolvida por tericos como Grard Genette e Mieke Bal. O primeiro benefcio

    dessa abordagem, explicitamente aplicada aos poemas homricos pioneiramente por

    De Jong (2004 [1987]), foi ter colocado em dvida a interpretao corrente em

    muitos meios intelectuais de que o narrador da Ilada e da Odisseia teria um estilo

    objetivo, imparcial, ou seja, descreveria os acontecimentos da histria de forma

    distante, sem os comentar ou julgar, de maneira que os eventos se sucederiam quase

    que por conta prpria.18

    O narrador homrico trabalha de forma extradiegtica, ou seja, no est

    inserido dentro do mbito da histria, o que garante sua omniscincia acerca dos

    eventos do relato pico, inclusive daqueles passados e futuros. Caracteristicamente, o

    narrador homrico no se introduz regularmente na histria com sua prpria voz,

    tampouco faz comentrios pessoais ou de julgamento frequentemente de forma

    17 Vide, por exemplo, o primeiro captulo (the homeric formula) do livro de Austin (1975). 18 Uma defesa do estilo objetivo do narrador homrico pode ser vista no primeiro captulo A cicatriz

    de Ulisses do influente livro de Auerbach (1976). Bem entendido, esse tipo de avaliao tem usado

    como referncia a caracterizao do narrador homrico na Potica de Aristteles, especialmente a

    passagem 1460a 5-11, bem como a alegada retirada do poeta pico enquanto responsvel pela

    narrativa, que ficaria a cargo das Musas. Nem uma coisa nem outra, penso, necessita ser entendida em

    termos de rigorosa objetividade do narrador.

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    Romanitas Revista de Estudos Grecolatinos, n. 2, p. 197-218, 2013. ISSN: 2318-9304.

    A arte de Homero e o historiador

    explcita.19 No entanto, reconhecer o carter sutil ou discreto do narrador homrico

    diferente de entend-lo como neutro ou objetivo: ele possui vrias tcnicas

    indiretas ou implcitas para orientar a audincia e o leitor a seguir seu ponto-de-vista,

    como, por exemplo, a descrio de situaes hipotticas; prolepses e analepses;

    sumrios; pausas e comentrios indiretos.20

    O promio da Odisseia, ou seja, os primeiros versos do livro, sintomtico de

    como a histria contada em Homero articula elementos subjetivos ora de forma

    explcita, ora de modo indireto ou sutil. Apesar da invocao Musa no primeiro

    verso objetivar transferir a responsabilidade da narrao dos acontecimentos do

    poeta para Musa, conferindo uma confiabilidade adicional para o que vai ser

    contado, o modo pelo qual o narrador resume a histria da Odisseia subjetivo e

    claramente clama a simpatia do ouvinte para o personagem de Odisseu: os

    companheiros do rei de taca morreram durante a jornada de volta para casa por

    conta de sua loucura e insensatez de comerem o gado sagrado do deus Hlio.

    No promio, portanto, Odisseu inocentado de qualquer responsabilidade

    quanto morte dos seus companheiros. No entanto, quando lemos a narrativa deste

    episdio das vacas de Hlio no Canto 12. 262-452, a histria fica mais complexa e

    polifnica. Eurloco, um dos soldados de Odisseu, chama seu chefe de duro ou

    cruel por possuir uma alma de ferro, portanto, inflexvel (veja os versos 279-80

    deste Canto). Ainda neste Canto, ficamos sabendo que a deciso dos companheiros

    de Odisseu de comer o gado de Hlio foi uma escolha desesperada, feita em ltima

    instncia, porque estavam h um ms ancorados em terra (verso 325) e no havia

    mais comida nem ventos favorveis para continuarem a viagem pelo mar. Diante da

    situao calamitosa, Odisseu adormece (verso 338), o que um tpico potico

    recorrente que o narrador usa na Odisseia para indicar, entre outras coisas, a

    inabilidade de Odisseu como lder para resolver situaes delicadas e garantir o bem

    19 Note, no entanto, a apresentao demasiada subjetiva e avaliativa do narrador quando o

    personagem Tersites entra em cena na Ilada 2. 212-222. O fato de Tersites ser o nico personagem

    no pertecente elite dos herois da Ilada que discursa em contexto de assembleia e, ao mesmo

    tempo, receber esta apresentao incomum do narrador, muito significativo do ponto de vista

    histrico. Observaes nesta direo so feitas em Jcome Neto (2012). 20 O livro De Jong (2004 [1987]) uma tese que evidencia elementos subjetivos na apresentao da

    histria, tanto por parte do narrador como das personagens. Note especialmente as pginas 18-9,

    onde est resumida uma lista de dez categorias de elementos subjetivos na narrao da Ilada.

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    Romanitas Revista de Estudos Grecolatinos, n. 2, p. 197-218, 2013. ISSN: 2318-9304.

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    estar dos seus comandados.21 Eurloco, ento, sugere comer o gado e, para no

    trazer a ira divina, prope oferecer honras futuras ao deus Hlio (versos 346-7). Os

    demais homens aceitam: a deciso coletiva diante do impasse extremo. Para o

    narrador principal do poema nos versos iniciais da Odisseia, no entanto, trata-se

    apenas de loucura e insensatez do coletivo.

    Este exemplo da subjetividade do narrador no episdio do gado sagrado de

    Hlio na Odisseia leva-nos a outro contributo que os estudos baseados nos conceitos

    da narratologia tm trazido para a anlise da pica homrica. Trata-se da distino

    entre narrao, ou seja, quem conta a histria, e percepo, isto, quem v a histria.

    Este segundo elemento chamado pela narratologia de focalizao, ou seja, o

    ponto desde o qual a histria vista, ordenada e interpretada seja pelo narrador

    principal ou pela personagem. A crtica que Eurloco dirige a Odisseu mostra essa

    distino e, ao mesmo tempo, a complexidade da estrutura narrativa da Odisseia: o

    (externo) narrador-principal da histria, concede a narrao e a focalizao a

    Odisseu. Este, enquanto (interno) narrador-secundrio, narra o episdio do gado de

    Hlio aos feaces e, em dado momento, emerge Eurloco como narrador-focalizador

    incrustado na narrativa de Odisseu. Sendo assim, ns passamos a perceber a histria

    a partir da tica de Eurloco dentro de um relato que j em si a narrao e a

    focalizao de Odisseu, que se encontra na corte dos feaces a relatar suas

    aventuras.22

    A importncia destes dispositivos de apresentao da histria vital para o

    entendimento da narrativa. Como comenta De Jong (2004 [1987], p. 226), a

    apresentao da histria pelo personagem, como o caso de Odisseu e Eurloco,

    condicionada por sua prpria identidade, status, personalidade e emoes, o que

    21 Interpretao similar possui Werner (2005, p. 12-3, com nota n. 24). No mais, este artigo de Werner

    uma excelente leitura de aprofundamento para o tema da multifacetada construo da narrativa da

    relao entre Odisseu, enquanto lder, e seus comandados, que aqui se aborda brevemente. 22 Um recente texto de Bakker (2009), enquanto faz justos apontamentos sobre a limitao da

    abordagem narrotolgica, tendo em conta o carter de performance oral que deixa sua marca no

    texto de Homero e limita certas abordagens modernas dos papeis do narrador na histria, vai muito

    longe, ao meu ver, ao interpretar a narrativa de Odisseu entre os Cantos 9 e 12 da Odisseia como

    sendo do mesmo estatuto que a do narrador principal, eclipsando, assim, a distino feita entre

    narrador principal e Odisseu enquanto narrador secundrio. Associado a isto, a sua defesa de que a

    audincia original do poema encararia a narrativa de Odisseu como uma performance completamente

    nova (p. 128-36) e, logo, paralela e autnoma do narrador principal, pressupe uma audincia

    simplista e demasiada desconectada do conjunto da histria.

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    Romanitas Revista de Estudos Grecolatinos, n. 2, p. 197-218, 2013. ISSN: 2318-9304.

    A arte de Homero e o historiador

    confere subjetividade ao relato e, como foi apresentado no passo da Odisseia que foi

    discutido, traz inclusive percepes conflitantes sobre o significado dos

    acontecimentos dentro do relato: o fato dos companheiros se alimentarem do gado

    sagrado foi mera loucura dos homens ou foi um ato extremo influenciado pelas

    circunstncias e pela falta de resoluo do lder, Odisseu?23

    O potencial desse tipo de abordagem literria dos poemas homricos para o

    historiador imensa, principalmente se entendermos que a lgica social do texto

    literrio, como argumenta a medievalista Spiegel (1990, p. 84), comporta camadas de

    significados e silncios que muitas vezes so conflituosas entre si, funcionando como

    ligaes privilegiadas do texto com a realidade extra-textual. A partir do terico

    Pierre Macherey, ela v o texto literrio como:

    O lugar de mltiplas e frequentemente contraditrias realidades histricas

    que esto tanto presentes como ausentes na obra [] oferece [a viso da

    literatura de Pierre Macherey] um modo sugestivo de olhar para a natureza

    inextrincavelmente interligada das prticas sociais e discursivas, das

    realidades materiais e lingusticas que esto entrelaadas no tecido do texto,

    cuja anlise como um artefato historicamente determinado, por sua vez, nos

    permite acesso ao passado (SPIEGEL, 1990, p. 84-85).

    Assim, este tipo de perspectiva da relao entre literatura e histria, tem, a

    meu ver, o mrito de reconhecer o carter j simbolizado da evidncia histrica mas,

    ao mesmo tempo, no conclui disto que texto e contexto (ou literatura e histria)

    devam ser colapsados dentro uma nica unidade textualizada ou, em outras palavras,

    dentro de um mesmo sistema uno e homgeneo de cdigos lingusticos e simblicos

    que no referem a outra coisa seno a si prprios.

    Perceber a literatura como, entre outras coisas, uma ao simblica que busca

    resolver no plano do imaginrio contradies sociais reais, como pensa a abordagem

    da literatura de autores como Pierre Macherey e Fredric Jameson, pode nos fazer

    refletir sobre a relao do mundo ficcionalizado nos poemas homricos e a histria

    da Grcia atravs das conflitantes vises de mundo e ideologias que disputam a

    23 Com toda probabilidade, haveria uma conveno tradicional da narrativa, que a audincia do poema

    esperaria concretizar-se, segundo a qual Odisseu teria que chegar sozinho taca, sem os

    companheiros. No entanto, concordo com a abordagem de Werner (2005) de que o poeta poderia

    usar outros meios narrativos para lograr este final que no fosse culpabilizar os companheiros por

    suas mortes.

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    Romanitas Revista de Estudos Grecolatinos, n. 2, p. 197-218, 2013. ISSN: 2318-9304.

    NETO, Flix Jcome

    configurao do mundo simblico dentro do relato dos poemas,24 que podem ser

    vislumbradas com o auxlio de metodologias da anlise literria como os conceitos

    da narratologia.

    Pensar nestes termos a relao entre Homero e sua(s) poca(s) pode nos fazer

    reformular a espcie de coerncia da sociedade homrica e de plausibilidade

    histrica defendida no clebre livro de Moses Finley, The World of Odysseus (O

    mundo de Odisseu) que, ainda hoje, passados mais de meio sculo, a abordagem

    predominante nos estudos de carter histrico dos poemas homricos. A coerncia

    da sociedade homrica no pode ser pensada como o reflexo mais ou menos

    imediato de uma sociedade real que tenha existido na Grcia. Para citar um exemplo,

    as fronteiras sociais representadas nos poemas so extremamente simplificadas, ou

    se um homem livre (quase sempre poderoso) ou se um trabalhador dependente

    ou escravo. Setores intermedirios, como os camponeses livres e pequenos

    proprietrios de terra, esto quase ausentes das menes explcitas da narrativa tanto

    da Ilada como da Odisseia, apesar de com certeza serem um setor fundamental do

    mundo grego arcaico. A aparente coerncia de uma sociedade protagonizada por um

    grupo homogneo de herois lutando pela glria pessoal dentro de um alegado

    cdigo herico no um fenmeno histrico, apesar de Finley.

    Com isto, no se conclui que a sociedade homrica mero produto da

    fantasia potica completamente opaca ao trabalho do historiador, tampouco que as

    informaes com potencial histrico contidas em Homero seriam um amlgama

    irrecupervel e artificial de traos culturais da Idade do bronze para o perodo

    arcaico, embora, em certo grau, os poemas sejam fantasia potica e sejam um

    amlgama de pocas histricas distintas.25

    O texto homrico precisa ser estudado levando em considerao todas as

    particularidades estilsticas e lingusticas que debatemos no decorrer deste artigo e,

    ao mesmo tempo, a coerncia inicial ou superficial do poema, que Finley julgava ser a

    historicidade da sociedade homrica, precisa ser posta prova atravs de uma

    24 Para um estudo que desenvolve a validade do aporte terico de Pierre Macherey e Fredric Jameson

    para os estudos histricos do mundo homrico vide Jcome Neto (2012). 25 Por questo de espao e de objetivo no irei desenvolver, neste artigo, as hipteses que os

    especialistas das ltimas dcadas tm levantado sobre a historicidade da sociedade homrica, isto ,

    se a sociedade ficcionalizada em Homero tem plausibilidade histrica ou no e, caso afirmativo, qual o

    perodo da histria da Grcia a que corresponderia. Para um debate recente e pormenorizado destas

    hipteses, com vasta bibliografia relevante, vide Oliveira (2012).

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    Romanitas Revista de Estudos Grecolatinos, n. 2, p. 197-218, 2013. ISSN: 2318-9304.

    A arte de Homero e o historiador

    hermenutica que esteja atenta quilo que est implicado, ao que atpico ou

    embaraoso ao narrador e audincia dos poemas, ou mesmo o que silenciado ou

    no-dito. Temos, tambm, que estar sensveis s opinies contrastantes sobre o

    mesmo tpico entre as personagens da narrativa entre si e destas com a instncia

    narrativa, pois podem nos revelar modos distintos nos quais os sujeitos sociais

    buscam conferir coerncia simblica ao mundo que os cerca.

    Depois de tal empreitada, pode no nos restar uma histria dos eventos,

    coerente e ordenada para preenchermos um perodo da histria da Grcia, mas

    certamente os restos simbolizados do passado existentes em Homero nos faro

    refletir sobre as formas como o poeta do passado e sua audincia conceitualizaram

    seu(s) mundo(s) a partir de suas condies materias de existncia.

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