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A Estalagem

Date post: 25-Jul-2016
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Description:
A ESTALAGEM é uma obra de ficção e terror desenvolvida no estilo de narrativa dos Contos da Cantuária. A história ocorre quando vinte e três viajantes, vindos de diferentes pontos de uma região formada por pequenos vilarejos e cidades de médio porte, se reúnem em uma estalagem no meio de uma floresta. Eles são convidados a contarem as suas histórias enquanto passam uma tempestade aterradora. Cada história foca-se em um ou mais contos interligados, formando um grande pano de fundo que permeia todo o livro. Por meio desses contos, descobriremos quem são aquelas pessoas tão diferentes, seus crimes, suas motivações e a estranha necessidade de se cometer as mais terríveis atrocidades. Uma estalagem com regras próprias que parece sempre estar viva e saber tudo sobre cada um deles. E para completar, o mal caminha lá fora, aguardando o momento apropriado para entrar. Venha ser hóspede.
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Transcript
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ANY MORE

A ESTALAGEM

1ª Edição

2015

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Copyright © 2015 Any More

Todos os Direitos Reservados. Nenhuma parte desta obra pode ser reproduzida por qualquer processo eletrônico mecânico sem autorização expressa do autor.

Autor da Obra: Any More

Editoração: Any More

Montagem da Capa: Any More

(Baseadas em imagens de domínio público)

A Estalagem.

1ª Edição

Ano de Edição: 2015

Contato: [email protected]

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ÍNDICE

1. A RONDA MATINAL......................................................10

2. TORMENTA...................................................................16

3. PERSEGUIÇÃO.................................................................24

4. O BARMAN...................................................................32

5. OUTRO DIA FRIO............................................................41

6. O TEATRO DA DOR........................................................45

7. O TITEREIRO...................................................................60

8. FRAGMENTOS.................................................................79

9. AMANTES...................................................................83

10. O MONSTRO.................................................................100

11. UM DIA QUENTE........................................................114

12. CORAÇÃO PARTIDO.................................................118

13. O CHEF..................................................................132

14. DESEQUILÍBRIO..........................................................145

15. ANIMAIS..................................................................161

16. LOUCURA..................................................................176

17. A CAÇADA..................................................................179

18. METAMORFOSE..........................................................203

19. O ENTREGADOR.........................................................217

20. BRINQUEDOS...............................................................235

21. O NECROTÉRIO...........................................................240

22. CORTINA DE FUMAÇA.............................................261

23. GESSO E PORCELANA...............................................280

24. INIMIGO INTERIOR....................................................284

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25. O HOSPÍCIO..................................................................292

26. PESADELOS NAS PAREDES.....................................301

27. O HOMEM QUE VIU UM CRIME.............................305

28. BARULHO..................................................................316

29. O CAMINHO.................................................................320

30. O ACORDO..................................................................340

31. A TEMPESTADE...........................................................352

32. COVA RASA..................................................................355

33. O ANDARILHO APODRECIDO................................368

34. O LIVRO DE REGRAS.................................................371

35. ALICERCES DE SANGUE...........................................376

36. O MUNDO EXTERIOR................................................384

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A RONDA MATINAL

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frio intenso forçou o policial Radagásio a

vestir o casaco que sua esposa tricotou duran-

te todo o verão. O jovem sargento era atento,

determinado e muito dedicado ao trabalho. Ele quase sempre

começava a ronda matinal por volta das 06h30min da manhã.

Às vezes era escalado para a madrugada. O jovem policial

detestava esse horário, não por conta do frio ou do sono, mas

por ter que deixar o calor da esposa para trás. Gostava especi-

almente de caminhar à beira do rio que levava à floresta negra,

como era chamada a densa mata que cercava a região. Apesar

de nesta época do ano estar branquinha como a névoa que

pairava sobre suas árvores.

Radagásio começava a ronda no porto de pequenos

barcos e caminhava até próximo à entrada da floresta. O rio

afunilava entre uma espécie de caminho de pedras e sumia

floresta adentro. O policial caminhava esse percurso em uma

hora. Depois ele voltava e tomava um café reforçado no cais.

Ao aproximar-se das pedras, Radagásio pensou ter ou-

vido uma voz distante murmurar palavras irreconhecíveis. Ele

parou. Tentou escutar novamente achando que poderia ser

alguém precisando de ajuda. “Corra”, e depois “entre lá”. Foi

o que Radagásio ouviu.

— Quem está aí? — Gritou ele para o vazio em volta —

Precisa de ajuda? — Silêncio. De repente a frase “consequên-

O

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cias funestas” foi ouvida pelo policial. Radagásio olhou para

trás e viu algo vindo em sua direção pela margem do rio. Ele

desceu pelas pedras e ficou parado ali olhando o objeto mar-

rom crescer enquanto aproximava-se de si. Era uma espécie de

carro. Uma música estranha e triste chegava aos seus ouvidos,

cantada pelo motorista. Radagásio imaginou que as palavras

que ouvira a pouco vinham da cantoria daquele homem, arras-

tadas pelo vento. Quando o veículo estava a poucos metros,

ele fez sinal de parada. O carro fez um ruído estranho como se

fosse desmontar e parou.

— Pois não senhor policial? — Disse o homem grande

que dirigia o veículo. O carro tinha uma cabine feita de madei-

ra. Desenhos talhados ilustravam as portas. Eram símbolos e

círculos na forma de talos de flores e desenhos geométricos.

Não estava pintado. A carroceria também feita da mesma ma-

deira estava coberta com uma lona verde-oliva.

— Você sabia que não pode dirigir pela margem do

rio? — Perguntou Radagásio.

— Humm! Não senhor, eu não sabia.

— Para onde está indo?

— Em direção à floresta... — Disse o homem. Radagá-

sio o interrompeu:

— É perigoso lá. Ninguém deve entrar sem companhia

e desarmado.

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— Já estou acostumado. Eu moro lá dentro — Disse o

estranho homem com um sorriso sinistro no rosto.

— Você mora dentro da floresta negra? — Radagásio

demonstrou surpresa.

— Por que a surpresa, policial?

— Eu conheço essas redondezas desde que me entendo

de gente, e nunca soube de alguém que morasse no interior da

floresta. Qual o seu nome?

— É Badhu, senhor policial.

— Badhu de quê?

— Absirto Badhu. Seu criado. — O homem sorriu no-

vamente.

— Este veículo não pode trafegar. Está completamente

fora da lei...

— Mas senhor, é um transporte feito exclusivamente

para a floresta. — Radagásio, que era um homem bom, sorriu.

— Tudo bem, vai embora. Toma cuidado.

— Eu sou a coisa mais perigosa da floresta. — Disse

Badhu ao ligar o motor do carro e sair vagarosamente. Quan-

do andou cerca de cinco metros, Radagásio viu algo escorren-

do sobre os pneus gastos.

— Espere! — O carro parou.

— O que foi agora, policial? — Perguntou Badhu com

certa irritação.

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— Este líquido que está caindo da carroceria...

— Que líquido? — Enquanto Badhu se fazia de desen-

tendido, Radagásio usou o dedo para coletar um pouco do

líquido e o cheirou. Imediatamente ele constatou enquanto

puxava a arma:

— Senhor, saia do carro agora! Isso é sangue?

— Calma! Calma! Sim, é sangue. Mas não é de gente.

Pode erguer a lona. — Radagásio permaneceu com a arma

apontada em direção ao homem enquanto levantava uma pon-

tinha da lona. Ele toma um susto:

— O que é isso? — Um ronco ensurdecedor fez com

que Radagásio se afastasse do carro.

— São porcos. Porcos selvagens, policial. Eu estou le-

vando para a minha chácara. — Explicou Badhu.

— E esse sangue?

— Um deles está morto...

— Você é nojento, cara! — Disse o policial — O que são

essas coisas? — Apontou Radagásio para um local entre a ca-

bine e a carroceria.

— Ahh! São produtos de limpeza. Alvejantes, trapos,

vassouras e uma bebida — O policial olhou para Badhu por

alguns segundos e ordenou:

— Vai embora. E tome um banho! Você está fedendo.

— Ele observou o veículo desaparecendo entre as pedras até

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sumir totalmente na brancura que cobria a floresta negra. Ra-

dagásio olhou o sangue na areia lavada do rio e caminhou em

direção ao cais.

O jovem policial sabia que encontraria aquele homem

bizarro e sua caminhonete de madeira novamente. Esse tipo

de coisa já acontecera antes. Essa região era como uma roda,

todos os acontecimentos voltariam a ocorrer.

O policial que nasceu perto do lago chamado “Lago Se-

co”, era apaixonado pelas árvores, bosques e as casas isoladas

que pareciam pequenos castelos de tinta branca desbotada.

Mas na floresta negra ele não entrava sozinho e desarmado.

Radagásio sempre lembra que, quando criança, tentou seguir

os trilhos do trem que raramente eram usados, para ir em di-

reção ao interior da floresta até as montanhas do outro lado.

Mas seus amigos de aventuras desistiram enquanto Radagásio

continuou sozinho por alguns quilômetros. Ele passou doze

horas perdido. Para uma criança, isso foi uma experiência do-

lorosa. O menino foi encontrado pelo pai e alguns caçadores.

— Espero que hoje tenha panquecas na lanchonete. —

Disse ele ao retornar do devaneio.

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TORMENTA

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uando Enzo passou pelo quilômetro quarenta e oito

indo em direção a sua casa, colocou a cabeça para

fora do carro antigo e poluidor que ganhou o apeli-

do de Banheira. Estava gelado e com uma névoa branquinha

feito algodão rasgando o lugar. Apesar do frio cortante ele

queria sentir um pouco do ar e do cheiro da floresta que pare-

cia interminável do seu lado esquerdo e direito. A estrada de

asfalto já gasta pelo tempo e não por veículos, já que quase

ninguém viajava por estas bandas, parecia um infinito tapete

preto à sua frente. Quando olhou atrás, não dava para ver

mais nada a não ser a brancura da névoa no fim da tarde. Enzo

abriu a boca só por um instante e foi surpreendido por algum

inseto que entrou fazendo ele tossir e quase vomitar. O carro

ziguezagueou na estrada vazia chocando os pneus gastos nas

imperfeições do asfalto. O homem pisou firmemente no freio e

o cheiro de borracha queimada substituiu o da floresta gélida.

O carro parou ali mesmo no meio da estrada e Enzo saiu dele

tossindo e babando enquanto o inseto rasgava a sua garganta.

Depois de algum desespero breve, apoiou os braços na lateral

enferrujada do carro e tentou vomitar. Só conseguiu uma baba

amarela, misturada com cerveja barata. Após algum tempo,

enquanto ofegava, entrou no carro cambaleante e girou a cha-

ve devagar. No instante em que o motor rangia, Enzo pensou

em como um inseto pode ser incômodo e riu quando lembrou

Q

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em seguida de seu chefe Vitor, que era bastante incômodo,

pelo menos para ele.

Algumas horas antes, Enzo recebera uma carta na mesa

de madeira velha, pintada de azul que ficava na despensa em

que guardava o seu material de trabalho na fábrica de estrume

ensacado, exercendo a função de manutenção de tubulações.

Era uma carta de aviso de sua demissão. Os motivos alegados

eram constantes faltas e atrasos, chegando muitas vezes chei-

rando a cerveja velha. Não demorou nem quinze segundos

para ler e jogou a caixa de ferramentas no chão, abandonando

a sala, e em seguida, invadindo o recinto da frente, ocupado

por seu chefe imediato: Vitor.

— Seu desgraçado, o que significa isso? — Vitor tirou

as pernas do alto da mesa, ajeitou-se na cadeira, soltou a revis-

ta sobre pesca que lia e respondeu cinicamente:

— Significa sua demissão! Bêbados como você não me-

recem trabalhar aqui, nem mesmo com bosta! — Os olhos

vermelhos de Enzo fitaram o homem com ódio e desprezo,

mas nada comparado ao sorriso de canto de boca de Vitor.

Aquela expressão de quem simplesmente não reconhece o

outro como alguém. Enzo literalmente voou para cima de Vi-

tor, um homem de estatura alta, derrubando-o da cadeira e

fazendo um barulho oco quando o gerente bate a cabeça na

estante de troféus, ganhos pelo seu time de bocha nos jogos do

mês de abril. Rapidamente dois colegas de Enzo entram na

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A ESTALAGEM 21

sala e levantam os dois homens do chão. Enzo esbraveja e se

brasa ainda mais quando Vitor apenas sorri de desdém:

— Eu vou matar você, desgraçado! — Enquanto os

companheiros de Enzo o tiram dali puxando-o como um saco

grande de estrume.

— Cara, tu tá louco? — Pergunta o mais velho, de ócu-

los.

— Fui demitido, cara, fui demitido! — Dizia ele com

lágrimas nos olhos.

— Por quê? — Antes que Enzo possa responder, dá um

solavanco liberando as mãos do homem que o seguravam e

entra novamente em sua sala. Ali ele recolhe seus poucos per-

tences e sai batendo a porta. No caminho chutou cestos de lixo

e golpeou portas fechadas, chamando a atenção de outros fun-

cionários que dificilmente se lembram de tê-lo visto antes na-

quela Empresa. A mesma balbúrdia que Enzo bancava nos

corredores enquanto saía, já havia sido feita por ratazanas de

esgoto que circulavam livremente nos setores mais insalubres

daquele lugar malcheiroso. Entrou no velho carro estacionado

no pátio sem sol e saiu cantando pneus. Ninguém se importou

com isso.

Alguns pingos d’água trouxeram Enzo de volta dos

seus devaneios e ele observou que o tempo estava ficando es-

curo, e vinha uma tempestade enorme pela frente. Logo, ele

levantou os vidros e acelerou ainda mais, pois esperava encon-

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trar a bela esposa que por alguma razão obscura gostava de

perdedores como ele. Os arranhões na garganta ainda o inco-

modavam e ele tossia aqui e acolá.

Meia hora depois Enzo entrava na pequena cidade cer-

cada por grandes árvores. O temporal que se aproximava afu-

gentou os poucos moradores dali e todos certamente tomavam

alguma bebida quentinha dentro de suas casas. O carro encos-

tou devagar em frente à casa branquinha de Enzo. Enquanto

pegava suas coisas do porta-luvas, observou que a grama es-

tava com ramos quebrados e havia lama sobre ela. Pegadas

grandes e profundas demonstravam que não eram de sua deli-

cada esposa. Enzo não costumava receber visitas, quando sim,

eram mulheres da região, amigas de sua mulher. Quanto a ele,

não tinha amigos, apenas colegas de bares. Caminhou deva-

gar, aproximando-se da porta protegida por uma tela contra

mosquitos. Olhou pelo vidro escuro e molhado, e viu algumas

roupas jogadas pelo chão. Entrou e foi catando-as notando que

eram de sua esposa. Tentou dá um sorriso de canto de boca,

mas franziu a testa quanto encontrou roupas masculinas: era

uma calça. Pegou-a do chão e não reconheceu como sendo sua.

Era maior do que o seu manequim. Olhou para o alto da esca-

da e não queria imaginar nada. Subiu devagar passando a mão

sobre o corrimão de madeira lisinha. Conforme subia degrau

por degrau com as roupas na mão, apertava o corrimão com

força. Finalmente chegou ao topo e aproximou devagar da

porta com a fresta de luz amarela por baixo. Estremeceu

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quando ouviu ruídos e soluços. Encostou o ouvido na porta e

escutou os sussurros característicos queimando lá dentro. Não

havia mais dúvidas. A primeira coisa que fez quando desco-

briu que sua esposa o traía, foi sentar do lado de fora do quar-

to e chorar. Escutava os saltos e gritos que rasgavam seu corpo

por dentro. Enzo poderia ser um perdedor, mas amava a bela

esposa mais que qualquer coisa na vida. Subitamente, trans-

formou a tristeza em ódio. Limpou os olhos, levantou-se e vol-

tou até o canto abaixo da escada. Apanhou uma haste de ferro

usada para travar as portas e subiu mais rápido. Cada degrau

aumentava o grau de seu ódio e quando finalmente girou a

maçaneta da porta, já não existia ódio, e sim loucura. Viu o

lençol branco se mexer com as brincadeiras dos amantes lá

embaixo e correu com a haste de ferro na mão. Quando deu o

segundo passo, ele enroscou-se na camisa do homem e caiu

vergonhosamente no pé da cama, quebrando dois dentes da

frente da boca, os incisivos centrais. O susto do casal, enrolado

nos lençóis, foi grande. Sofia jogou o homem que amara agora

a pouco no chão ao lado da cama abaixo da janela do sobrado.

Enzo não conseguiu vê-lo enquanto se contorcia de dores com

o rosto no chão. Neste momento o amante pulou a janela, en-

rolado em lençóis, caindo quase em pé como um gato lá em-

baixo e fugindo em seguida sob a chuva do entardecer.

— Como pôde fazer isso comigo mulher? — Grita o

mancebo traído, agora sem os dentes da frente e gotejando

sangue. Sofia permanece parada de joelhos na cama, espanta-

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da com a insólita cena que se lhes mostrava. Enzo levanta-se

do chão e alça novamente a barra de ferro. Sofia dá-se conta

que ele está mesmo irado e disposto a feri-la. A bela mulher

esboça um semblante de lamentação enquanto a barra de ferro

acerta o seu lindo rosto suado. O ferimento é profundo e o

sangue jorra instantaneamente. Enzo leva às mãos à cabeça

enquanto a mulher se contorce de dor sobre a cama. Ele não

sabe exatamente o que fazer, pois nunca passara por nada pa-

recido. Mas o ódio de vê-la nua e saber que foi de outro ho-

mem, o consome como uma droga, e ele bate ininterruptamen-

te naquela que um dia foi tudo o que ele teve de valor. Não há

gritos.

Enzo fez um café enquanto a chuva lá fora castigava a

cidadezinha. Ele está calmo e caminha pela casa com a xícara

na mão. Está com todo o corpo respingado por sangue. Sobe

novamente até o quarto e fita a mulher alguns minutos en-

quanto sorve a bebida quente. Quando termina, joga a xícara

no chão e recolhe os lençóis sujos e enrola o corpo morto com

delicadeza. Ele leva o cadáver frio como a noite lá fora, com

dificuldade, até o carro olhando em volta de forma desconfia-

da. Vislumbra a janela do quarto acima de onde o amante pu-

lou e volta-se para o carro. Abre o porta-malas e joga o corpo

dentro. Ele volta mais uma vez até a casa e vasculha algumas

gavetas pegando roupas e uma lanterna. Sobe até o quarto e

limpa o chão. Recolhe as roupas dos amantes e as põem num

saco. Bate à porta da frente da casa e guarda a sacola na parte

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de trás do veículo. Dá mais uma olhada em volta, entra no

carro e some devagar na noite chuvosa.

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PERSEGUIÇÃO

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A ESTALAGEM 27

carro de Enzo cruzou os primeiros cinquenta qui-

lômetros em altíssima velocidade. O negrume da

noite e o peso da chuva eram como um manto para

esconder seu crime. Em sua mente, agora doentia, ele achava

que havia honrado seu nome, como se este tivesse algum va-

lor. Não tinha nenhum, como deixou claro: Vitor, Sofia e o

homem que amara sua mulher horas antes. A boca exalava o

cheiro do sangue dos seus dentes arrancados pela queda. Suas

roupas estavam manchadas de sangue como estampas de um

tecido muito brega. Pensou que pudesse esconder o corpo

numa distância segura de sua cidade. Quando alguém procu-

rasse por Sofia, ele poderia dizer que ela o havia deixado e

voltou para a capital para morar com os pais. É provável que

ninguém duvidasse. Afinal, muita gente se perguntava como

Sofia vivia com um homem como aquele. Ele sabia disso.

Havia um local de difícil acesso a menos de quarenta

quilômetros à frente e era lá que deixaria o corpo nu de sua

esposa repousar. Pigarreou algumas vezes ainda em decorrên-

cia do maldito inseto na garganta. Subitamente um brilho ain-

da delicado passou pelos seus olhos, refletido pelo retrovisor

de seu carro. Ele olhou para o espelho e gelou momentanea-

mente quando viu dois faróis de um veículo a certa distância.

Enzo nunca imaginou que dois carros rodando na mesma di-

reção, pudessem ocorrer naquele fim de mundo. Manteve a

calma e apertou o acelerador um pouco mais, tentando não

O

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chamar a atenção. Olhou novamente o retrovisor e constatou

que o brilho diminuía lentamente ficando ofuscado pela chu-

va. Até que em certo momento, ele desapareceu.

Depois de alguns minutos ele viu uma pequena placa

escrita em letras mal feitas, apontando para a esquerda, en-

trando numa estrada de terra, que dizia: “Lago Seco”.

— Háaa! Finalmente a entrada! — Ele então começa a

diminuir a velocidade e virar devagar para a esquerda. Se fos-

se direto naquela direção iria direto para a capital, apesar de

ele nunca ter ido lá, nem mesmo conhecia alguém que o tives-

se feito. Logo que entrou soltou um palavrão quando o carro

deu um solavanco enorme ao passar por uma lombada de

areia. Ele ouviu a pancada oca do corpo de Sofia, ao bater na

tampa do porta-malas. Olhou pelo espelho retrovisor como se

esperasse ver alguma coisa.

A chuva foi diminuindo e simultaneamente um vapor

branco subia do solo refletindo a luz dos faróis do carro. A

visibilidade reduziu ainda mais e o limpador de para-brisa

não era suficiente. De repente, outro solavanco, e mais outro:

— Merda! Que estrada desgraçada é essa? — O carro

começara a dançar na estrada esburacada e escura enquanto

Enzo esbravejava solitário. Acelerou o carro na esperança de

melhorar a rodagem e isso fez com que o veículo saltasse como

um touro de rodeio. Súbito, o porta-malas se abre e Enzo con-

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tinua correndo por mais alguns metros quando uma pancada

se faz ouvir, como um saco de batatas caindo ao chão.

— Que foi isso? — Ele freia bruscamente e desse do

carro mantendo os faróis acesos e olhando para trás. Lá está o

corpo enrolado nos lençóis manchados de vermelho. Caminha

com certa pressa cerca de dez metros e abaixa-se para pegar o

corpo de Sofia. Os lençóis se abrem e ele fita o rosto machuca-

do da mulher. Esboçou um lamúria, mas foi interrompido por

uma fresta de luz delicada que bombardeou o seu peito. Le-

vantou a cabeça e viu o que provavelmente seriam aqueles

faróis vistos lá atrás. Seu coração gela. Ele pega o corpo de

Sofia, põe nas costas e corre com dificuldade naquele terreno

rugoso e molhado em direção ao carro, joga a mulher no por-

ta-malas e dá mais uma olhada no carro que se aproxima ago-

ra mais rapidamente. Entra no veículo e arranca na lama que,

para seu desespero, derrapa e atola. Enzo olha no retrovisor e

empurra o pé com força no acelerador quando subitamente o

veículo rasga a lama e perde o controle virando a esquerda,

caindo para o acostamento dentro da mata. Ele aproveita esse

golpe de sorte e adentra mais um pouco na esperança de não

ser visto. O carro que se aproximava passa com velocidade

moderada jogando lama para todos os lados enquanto Enzo

observa pelas brechas da mata o seu suposto perseguidor su-

mir na escuridão da noite. Enzo achou que teve sorte de o car-

ro ter entrado na mata e que talvez ninguém o tenha visto. Ele

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aguarda um pouco e finalmente sai dali indo em direção ao

seu destino.

Agora, Enzo tem um novo problema. Será que foi vis-

to? Por que a pessoa daquele carro não parou? Não! Talvez

não tenha sido visto. Quem sabe fosse melhor procurar um

novo local para esconder Sofia. Não! Definitivamente deveria

enterrar o corpo no local escolhido.

Finalmente, depois de uma hora, a estrada melhorou

um pouco permitindo a Enzo aumentar a velocidade. Era mui-

to estreita e perigosa, poderia ter animais cruzando a pista e

não daria tempo de desviar. Mesmo assim resolveu correr bas-

tante. Depois de deslizar numa estrada de melhor qualidade

por algum tempo, Enzo começa a cochilar naquela situação em

que você dorme e desperta numa fração de segundos, mas que

finalmente cai num sono mais profundo e demorado devido

ao cansaço e estresse extremos. De repente, Enzo acorda de

supetão com as luzes fortes no retrovisor de seu carro, seguido

por uma estridente buzina. Parecia ser o veículo que passara

por ele mais atrás e que agora estava praticamente colado em

sua traseira. Enzo acelera o velho carro e quanto mais o faz, o

seu perseguidor aproxima-se. O carro, então passa para o seu

lado direito e Enzo tenta forçar a vista, mas não consegue ver

nada lá dentro daqueles vidros com película negra. O perse-

guidor joga sua máquina sobre Enzo que desce da estrada.

Para sua sorte aquele algoz vai embora enquanto Enzo perma-

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nece bufando em seu carro. E agora tinha certeza que havia

sido descoberto, só não entendia porque aquela pessoa não

chamava a polícia e acabava logo com aquilo. Subiu novamen-

te o asfalto e seguiu viagem. Aumentou muito a velocidade na

esperança de encontrar seu perseguidor, estava decidido a

eliminar logo o problema. Mas foi em vão pois não conseguia

ver nada naquela noite escura.

Depois de algum tempo sua garganta começou a coçar

novamente:

— Maldito inseto! O que fez com minha garganta? —

Começou a tossir forte até que tirou a atenção da estrada. Fi-

nalmente, quando parou de tossir, deparou-se com uma silhu-

eta a sua frente. Chocou-se contra aquilo, arrebentando o para-

brisa. Enzo foi jogado a metros de distância e apagou.

A chuva voltara a cair forte quando Enzo abriu os

olhos. Olhou em volta tentando entender a situação enquanto

clareava a mente. Procurou em volta pelo corpo do animal que

atingiu e não encontrou. Até que viu, a poucos metros, o seu

carro. Levantou-se com dificuldade e caminhou até lá. Foi di-

reto ao porta-malas e gelou quando não viu o corpo de Sofia.

Colocou a mão na cabeça e gritou, gritou e gritou. Os proble-

mas não paravam de aumentar para aquele homem. Tentou

acalmar-se e começou a procurar em volta na estrada e nos

canteiros. Encontrou partes das roupas que levara na sacola.

Estavam jogadas pelo chão e seguiam entrando na floresta. Os

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trapos estavam ensanguentados. Viu marcas de que algo fora

arrastado e não pensou muito. Pegou a lanterna no porta-

luvas do carro e entrou direto na floresta.

Muitos minutos se passaram enquanto Enzo caminha-

va ofegante pela floresta esbranquiçada pela névoa espessa.

Ruídos de animais desconhecidos sussurravam na floresta.

Sons aterradores. Ele seguiu pegadas e galhos quebrados por

muitos metros até que passou por lugares que jurava ter pas-

sado antes. Escorreu a mão no rosto e se encostou a uma gran-

de árvore. Respirava ofegante e reconheceu que estava perdi-

do. A lanterna dava sinais de cansaço assim como ele. E enfim

apagou.

— Maldita lanterna! — Jogando-a no chão. Quanto ao

próprio Enzo, caminhou se arrastando e esgueirando por entre

as árvores, imerso numa bruma alva e fria, pisando em espi-

nhos e galhos retorcidos. Os arranhões do inseto continuavam

a doer. Pigarreou sangue e sentia-se tonto. Sua visão estava

turva e tudo indicava que iria desmaiar de novo. Provavel-

mente batera a cabeça. Reclamava. Mas tudo o que passava

aqui eram consequências de suas ações desastrosas. Lembrou-

se de tudo o que o trouxe a esse lugar e teve o arrependimento

mais forte até então. Quase gritou, mas não adiantaria muito.

De repente, observou luzes adiante. Buscou forças, sabe-se lá

de onde, e caminhou meio torto naquela direção. Tomou cui-

dado, pois poderia ser seu oponente que o esperava numa

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A ESTALAGEM 33

emboscada. Quando finalmente saiu da densa floresta, encon-

trou o que parecia ser uma estalagem no meio do nada, rodea-

da de névoa e árvores. Tinha um ar bucólico, mas era bem

construída e parecia haver muitos quartos pela quantidade de

janelas que se espichavam para o alto. Temia encontrar seu

algoz lá, por isso esperou um pouco antes de aparecer de fato.

Pensou em mentiras para dizer. Olhou novamente para a cons-

trução e notou que não havia nenhum carro por perto, ne-

nhuma condução de qualquer natureza. Logo, não poderia seu

opositor estar por aqui. Ganhou confiança e caminhou até o

local. Havia um tapete de boas-vindas à porta. Pensou quão

estranho era tudo aquilo. Abriu devagar e um ar quente bom-

bardeou todo o seu corpo. Pudera estar sonhando? Pensou.

Era uma estalagem com um tipo de bar no térreo. Havia dois

homens bebendo em um canto e gargalhando alto. Enzo pen-

sou que só poderiam ser da região. Aproximou-se do balcão e

ouviu o barman perguntar cordialmente:

— Gostaria de tomar uma bebida, amigo viajante?

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ANY MORE 34

4

O BARMAN

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A ESTALAGEM 35

orango Podre, observando o homem assustado a

sua frente, resolveu repetir a pergunta:

— Gostaria de uma bebida, Senhor? — O homem

permaneceu calado e assustado olhando em volta, como quem

procura alguém. Morango Podre sentiu certa empatia por ele e

encheu o copo de uma bebida quente. O homem estava sujo e

de camisa manchada em vermelho diluído na água da chuva.

A boca estava mole, parecia estar sem dentes.

— Gostaria de tomar um banho, senhor? — Perguntou

Morango Podre.

— Onde estou? — Indagou o homem no balcão do bar

da estalagem.

— Está na minha estalagem! — Respondeu o barman.

— Como esse local pode existir aqui? Eu não sabia

que... Como as pessoas frequentam esse lugar? Não há estra-

das nem nada!

— Como você chegou aqui? — Questionou Morango

Podre.

— Bem... eu me perdi enquanto... caçava!

— Conseguiu matá-la? — Perguntou Morango Podre

enquanto limpava um copo com uma flanela vermelha.

M

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— O quê? — O homem salta do banco em frente ao

balcão, quase derramando a bebida. Ao que Morango Podre

completa:

— Perguntei se conseguiu matar o que estava caçando!

— Ahh! Não, eu realmente me feri feio ao cair numa

vala. Quebrei dois dentes e me perdi!

— Então essas manchas são do seu sangue...

— Sim! Dos meus dentes, e de todo o resto! — Respon-

deu o homem, interrompendo o barman.

— Está gostando da bebida?

— Sim, está ótima, mas não tenho como pagar!

— Não se preocupe com isso! É uma gentileza minha.

Ademais, todo mundo tem como pagar de alguma forma!

— Não, eu não tenho! Vê? Meus bolsos estão até rasga-

dos. — Mostrando o pano sujo que forra os bolsos da calça.

— Você pode entreter nossos convidados!

— Entreter? Convidados? Que convidados? Como as-

sim, entreter? — Enquanto repete perguntas sobre perguntas,

ele olha em volta.

— Bom, quando chegar a hora você pode nos brindar

contando uma história!

— Contar histórias? Eu não sei contar histórias!

— Todo mundo sabe contar histórias! — Insiste Moran-

go Podre.

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A ESTALAGEM 37

— Meus pais nunca me contavam histórias quando cri-

ança. Eu nunca fui muito de leitura. Como posso contar histó-

rias? — Disse o homem divagando.

— Você pode contar sobre a matança!

— Quê? Do que está falando homem? — O homem es-

tropiado altera a voz para o barman.

— A matança de animais! Você não estava caçando?

— Já disse que não consegui matar nada, me feri e cá

estou! — Responde ele aborrecido pela insistência do barman.

— Ahh! De fato, me esqueci disso!

— Como pode ter se esquecido disso se acabei de falar?

— A chuva... a chuva limpa minha memória quase

sempre! A chuva limpa muitas coisas, quase sempre. — Expli-

ca o barman.

— De qualquer modo não posso ficar muito tempo, te-

nho que voltar para casa... — Antes de finalizar a frase um

relâmpago clareia o ambiente e o trovão vem em seguida.

— O temporal tende a piorar agora! — Afirma Morango

Podre — Temos quartos lá em cima que você pode descansar

até o dia clarear!

O convidado levanta-se do banco e caminha até a por-

ta. Observa que de fato a tormenta é muito pesada. Poderia

piorar sua situação ainda mais.

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ANY MORE 38

— Está bem, vou aceitar sua hospitalidade! — Morango

Podre sorri facilmente. É um homem gentil por natureza.

— A propósito, qual o seu nome?

— É Enzo. E o seu?

— Morango Podre.

— Morango Podre não é nome de gente!

— E é nome de quê? — Desafia o barman.

— Não sei! Não é um apelido, não?

— Meu nome é esse mesmo! Foi minha mãe que me

deu!

— E a sua mãe gostava de você? — Enzo o cutuca sor-

rindo. Quando nota que agora o barman está sério, resolve se

desculpar.

— Não quis ofender! Mas diga-me, o porquê desse

nome?

— Eu nasci vermelho como morango e fedorento como

um defunto.

— Gulp! — Enzo olha por cima do copo que está na

sua boca e continua a virar até o último gole. Sentou o copo no

balcão e olhou para o lado esquerdo encontrando duas pesso-

as conversando numa mesa redonda no canto perto da janela.

— Quem são aqueles?

— Não sei! — Responde Morango Podre.

— Achei que fossem seus hóspedes!

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— Eles são meus hóspedes, mas não sei quem são! As-

sim como você!

— Mas você sabe meu nome!

— Ahh! Seus nomes são Chino e Tejones e são viajantes

assim como você.

— Como eles chegaram aqui? Não vi carros ou outro

tipo de transporte lá fora.

— Eles chegaram aqui do mesmo modo que você. De-

pois de uma longa jornada, de alguma forma pararam para

descansar. Chino, por exemplo. É aquele gordo — Apontando

para o homem — Ele é teatrólogo e chegou aqui arrastado por

um burro, com o pé enroscado nos arreios.

— Tá brincando? — O barman permaneceu sério, e

continuou.

— Tejones, entrou pela lateral empurrado por uma en-

xurrada e dentro de uma caixa de madeira. Veja ali! — Apon-

tando para a lateral do bar, onde havia um grande rombo fe-

chado com tábuas de cor mais escura do que a parede, desta-

cando bem o local.

— Estranho não?

— O que é estranho, senhor Enzo?

— Toda essa história. Parece...

— Mentira? Mas não é. A vida é mesmo estranha.

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— Mas como esses homens chegaram aqui nessas situ-

ações? O que faziam?

— Depois podemos perguntar-lhes suas histórias en-

quanto passa o temporal, não?

— Hehe! — Enzo sorri com tão insólita situação.

— Ri é muito bom, senhor Enzo. Eles riram quando o

senhor entrou por aquela porta, todo estropiado, com a boca

mole e sem os dentes da frente. De camisa manchada de ver-

melho, sem sapatos e assustado. Tenha certeza que eles riram

de você e provavelmente acharam uma situação bem estranha

— Enzo passou a mão na cabeça e pensou, pensou e reconhe-

ceu curvando a cabeça que de fato estava numa situação igual

a daqueles homens.

Levantou-se do banco com o copo na mão e olhou em

volta do salão em que estava. Havia marcas nas paredes como

ranhuras e desenhos irreconhecíveis. Quadros de pessoas em

fotos de família e luminárias de madeira envelhecida. Havia

algumas manchas nos pontos mais baixos das paredes. Enzo

permaneceu algum tempo tentando identificar as manchas

como em um teste de Rorschach. Imaginou que algumas delas

formavam mãos. Entediou-se e circundou a sala enquanto o

barman limpava os copos e os outros dois homens bebiam e

conversavam quase sussurrando. Quando finalmente deu a

volta completa chegando novamente ao balcão, Morango Podre

anunciou:

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A ESTALAGEM 41

— Sente-se senhor Enzo. Vou preparar um quarto para

o senhor passar a noite, ou ficar o quanto quiser. — Dizendo

isto, ele pega uma chave no chaveiro atrás de si e sai dali em

direção às escadas mais à esquerda.

Momentos depois Morango Podre chega novamente ao

bar e balança a mão chamando Enzo. Os dois sobem os de-

graus de madeira barulhenta. Eles entram em um corredor

muito comprido.

— Parece menor lá de fora — Observa Enzo.

— As aparências enganam, principalmente quando se

olha de fora. — Reforça Morango Podre.

Eles param em frente à porta de número vinte e um:

— Pronto senhor Enzo, eis aqui o seu quarto. Tome um

banho e se vista. Temos algumas roupas no armário.

— Obrigado — Dito isso, ele entra no quarto, deixando

a porta semiaberta, e Morango Podre dá meia-volta em direção

ao bar.

Enzo tira os trapos que está vestindo e caminha até o

banheiro. Lá ele encontra uma bela banheira branca e já entra

sem muita cerimônia. Enquanto liga a ducha a garganta come-

ça a coçar, e aumenta exponencialmente, esquentando e fa-

zendo com que Enzo se esforce para respirar. Ele põe o dedo

na garganta e tenta vomitar aquele maldito inseto. O fôlego

diminui e Enzo principia a ficar vermelho, passando para ro-

xo, e finalmente ele cai com o corpo para fora da banheira. O

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tempo passa lentamente enquanto Enzo se retorce no chão

frio. Quando a consciência parece ir embora, Enzo sente uma

forte pancada nas costas, e mais outra, e mais outra. Até que

uma pasta vermelha e um inseto esmagado caem de sua boca.

A respiração começa a voltar ao normal junto com sua consci-

ência. Quando tudo está às claras, Enzo levanta a cabeça e ob-

serva o rosto angelical de uma linda jovem à sua frente.

— O... obrigado!

— De nada! Você está bem?

— Sim! Eu estou!

— Eu sou Anita. E você?

— Enzo! Como conseguiu me encontrar?

— Sua porta estava semiaberta e quando eu passava

para ir ao bar, escutei você gemendo. É um inseto?

— Sim, esse desgraçado ficou preso na minha garganta

há algum tempo — Anita o ajuda a levantar e ele não deixa de

perceber seu cheiro delicioso de flores do campo.

— Enzo! Tem certeza de que está bem?

— Sim estou!

— Bom! Então te espero lá no bar. — Deixando ele sen-

tado na cama, Anita sorri e sai pela porta. Enzo levanta-se de-

vagar e observa de perto o inseto que lhe atormentou todas

aquelas horas. Pega por uma das patas e joga-o no cesto de

papel entrando em seguida no banho.

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