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A EXPANSÃO DO USO DE OBJETOS TÉCNICO ......Keywords: Technical-scientific-informational objects;...

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A EXPANSÃO DO USO DE OBJETOS TÉCNICO-CIENTÍFICOS- INFORMACIONAIS NA AGRICULTURA DO RIO GRANDE DO NORTE - BRASIL WELTON PAULO DO NASCIMENTO 1 FRANCISCO FRANSUALDO DE AZEVEDO 2 Resumo Com a Revolução Verde (década de 1960), a intensificação do uso da técnica na agricultura brasileira viabilizou múltiplas trocas comerciais entre os agentes da cidade e do campo, tornando mais densas as relações entre esses subespaços (SILVA, 1982; SANTOS, 1994). No Estado do Rio Grande do Norte, as transformações se efetivaram apenas na década de 1990, com a reconfiguração da atividade agrícola e mudanças nos seus sistemas de objetos e ações. Assim, este trabalho objetiva analisar a expansão do uso de objetos técnico-científicos-informacionais na agricultura do Rio Grande do Norte, considerando momentos pretéritos e sua configuração geográfica contemporânea. Para alcançar esse objetivo, realizamos revisão bibliográfica e documental, sistematização de dados secundários e pesquisa de campo. Comprovou-se que tal expansão se relaciona à alocação de empresas comerciais de insumos agropecuários nas cidades, especialmente nas áreas de maior dinamismo agrícola. Palavras-chave: Objetos técnico-científicos-informacionais; Agricultura; Rio Grande do Norte. Abstract With the Green Revolution (1960s), the intensification of the use of the technique in Brazilian agriculture enabled multiple commercial exchanges between the agents of the city and the countryside, making relations between these subspaces more dense (SILVA, 1982; SANTOS, 1994). In the State of Rio Grande do Norte, the transformations took place only in the 1990s, with the reconfiguration of agricultural activity and changes in their systems of objects and actions. Thus, this work aims to analyze the expansion of the use of technical-scientific-informational objects in the agriculture of Rio Grande do Norte, considering past moments and their contemporary geographic configuration. In order to reach this objective, we perform bibliographical and documentary revision, systematization of secondary data and field research. It has been shown that this expansion is related to the allocation of commercial enterprises of agricultural inputs in the cities, especially in the areas of greater agricultural dynamism. Keywords: Technical-scientific-informational objects; Agriculture; Rio Grande do Norte 1- Introdução A modernização da agricultura brasileira apresentou seus primeiros traços nos anos 1950 via industrialização do campo, com o que foi denominado por Silva (1982) de “modernização dolorosa”. Na década subsequente, com a “revolução verde”, ocorreu a intensificação da introdução de pacotes tecnológicos na produção no campo, favorecendo o uso de bens intermediários e bens de capital (como sementes, 1 Acadêmico do Programa de Pós-Graduação e Pesquisa em Geografia da Universidade Federal do Rio Grande do Norte. E-mail de contato: [email protected] 2 Docente do Programa de Pós-Graduação e Pesquisa em Geografia da Universidade Federal do Rio Grande do Norte. E-mail de contato: [email protected]
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Page 1: A EXPANSÃO DO USO DE OBJETOS TÉCNICO ......Keywords: Technical-scientific-informational objects; Agriculture; Rio Grande do Norte 1- Introdução A modernização da agricultura

A EXPANSÃO DO USO DE OBJETOS TÉCNICO-CIENTÍFICOS-INFORMACIONAIS NA AGRICULTURA DO RIO GRANDE DO NORTE

- BRASIL

WELTON PAULO DO NASCIMENTO1

FRANCISCO FRANSUALDO DE AZEVEDO2

Resumo Com a Revolução Verde (década de 1960), a intensificação do uso da técnica na agricultura brasileira viabilizou múltiplas trocas comerciais entre os agentes da cidade e do campo, tornando mais densas as relações entre esses subespaços (SILVA, 1982; SANTOS, 1994). No Estado do Rio Grande do Norte, as transformações se efetivaram apenas na década de 1990, com a reconfiguração da atividade agrícola e mudanças nos seus sistemas de objetos e ações. Assim, este trabalho objetiva analisar a expansão do uso de objetos técnico-científicos-informacionais na agricultura do Rio Grande do Norte, considerando momentos pretéritos e sua configuração geográfica contemporânea. Para alcançar esse objetivo, realizamos revisão bibliográfica e documental, sistematização de dados secundários e pesquisa de campo. Comprovou-se que tal expansão se relaciona à alocação de empresas comerciais de insumos agropecuários nas cidades, especialmente nas áreas de maior dinamismo agrícola. Palavras-chave: Objetos técnico-científicos-informacionais; Agricultura; Rio Grande do Norte.

Abstract With the Green Revolution (1960s), the intensification of the use of the technique in Brazilian agriculture

enabled multiple commercial exchanges between the agents of the city and the countryside, making

relations between these subspaces more dense (SILVA, 1982; SANTOS, 1994). In the State of Rio

Grande do Norte, the transformations took place only in the 1990s, with the reconfiguration of

agricultural activity and changes in their systems of objects and actions. Thus, this work aims to analyze

the expansion of the use of technical-scientific-informational objects in the agriculture of Rio Grande do

Norte, considering past moments and their contemporary geographic configuration. In order to reach

this objective, we perform bibliographical and documentary revision, systematization of secondary data

and field research. It has been shown that this expansion is related to the allocation of commercial

enterprises of agricultural inputs in the cities, especially in the areas of greater agricultural dynamism.

Keywords: Technical-scientific-informational objects; Agriculture; Rio Grande do Norte

1- Introdução

A modernização da agricultura brasileira apresentou seus primeiros traços nos

anos 1950 via industrialização do campo, com o que foi denominado por Silva (1982)

de “modernização dolorosa”. Na década subsequente, com a “revolução verde”,

ocorreu a intensificação da introdução de pacotes tecnológicos na produção no

campo, favorecendo o uso de bens intermediários e bens de capital (como sementes,

1 Acadêmico do Programa de Pós-Graduação e Pesquisa em Geografia da Universidade Federal do Rio Grande do Norte. E-mail de contato: [email protected] 2 Docente do Programa de Pós-Graduação e Pesquisa em Geografia da Universidade Federal do Rio Grande do Norte. E-mail de contato: [email protected]

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venenos agrícolas, adubos/fertilizantes e máquinas agrícolas), com rebatimentos bem

definidos em cada porção do território.

No Rio Grande do Norte, um dos estados do Nordeste brasileiro que compunha

as áreas de reserva para a produção capitalista globalizada, a implementação de

novos vetores associados ao consumo produtivo agrícola se efetivou atrelado às

transformações relacionadas ao setor produtivo na década de 1990, via

reconfiguração das atividades produtivas preexistentes (AZEVEDO, 2013).

Um dos vetores representativos na ampliação do consumo produtivo agrícola

(SANTOS, 1994, 2012) na agricultura potiguar3 foi expansão das empresas

comerciais de insumos agropecuários, reorganizando as bases técnicas preexistentes

mediantes novos sistemas de objetos e sistemas de ações (ELIAS, 2013).

Diante do exposto, o presente texto visa analisar a expansão do uso de objetos

técnico-científicos-informacionais na agricultura do Rio Grande do Norte,

considerando momentos pretéritos e sua configuração geográfica contemporânea.

Para tanto, selecionados a comercialização de insumos agropecuários como variável

chave analítica ora vista que se refere a uma dinâmica diretamente associada a

ampliação do uso da técnica na agricultura.

Para cumprir o objetivo estabelecido, adotaram-se como procedimentos

metodológicos a revisão bibliográfica de temas como modernização da agricultura e

consumo produtivo agrícola, coleta e sistematização de dados secundários em portais

como do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) sobre a produção

agropecuária através da Produção Agrícola Municipal e Pesquisa Pecuária Municipal

(2016) e distribuição das empresas comerciais de insumos por meio do Cadastro

Nacional de Endereços para Fins Estatísticos (2010).

Logo, realizou-se pesquisa empírica que se constituiu de pesquisa exploratória,

observação simples, realização de entrevistas com formulários previamente

estruturados nos municípios de Natal, Parnamirim, Macaíba, Ceará Mirim, Touros,

João Câmara, Nova Cruz, Santo Antônio, Caicó, Cruzeta, Mossoró, Assú, Apodi, Pau

3 Termo utilizado para denominar àqueles que nascem no Rio Grande do Norte (gentílico). Significa, de acordo com a tribo Tupi, “comedor de camarão” (Poti, “camarão” e guar, “comedor”).

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dos Ferros. Foram realizadas entrevistas com representantes das empresas

comerciais de insumos agropecuários, totalizando 92 entrevistas de um total de 224

empresas em todo o Rio Grande do Norte.

2- Eventos associados a expansão do uso de objetos técnico-científicos-

informacionais na agricultura do Rio Grande do Norte

Para a apresentação dos eventos associados a expansão do uso de objetos

técnico-científicos, compreende-se como evento o que é apresentado por Santos

(2012, p. 144) ao defender que

Se considerarmos o mundo como um conjunto de possibilidades, o evento é um veículo de uma ou algumas dessas possibilidades existentes no mundo. Mas o evento também pode ser o vetor das possibilidades existentes numa formação social, isto é, num país, ou numa região, ou num lugar, considerados esse país, essa região, esse lugar como um conjunto circunscrito e mais limitado que o mundo.

O autor refere-se à noção de evento como fundamental para a compreensão

do espaço na era na globalização, isso porque resolve questões de método de análise

geográfica, permitindo “unir o mundo ao lugar; a história que se faz e a história já feita;

o futuro e o passado que aparece como presente” (SANTOS, 1999, p. 15).

Assim, ao remontar aos eventos que foram importantes na expansão do uso de

objetos técnicos na agricultura do Rio Grande do Norte, inicia-se pelo que foi

apresentado por Valverde e Mesquita (1961) ao discorrer sobre a Geografia Agrária

do Baixo Açu. Os autores destacaram que o uso de instrumentos utilizados na

produção de milho, feijão, fava, melão, melancia, cana-de-açúcar e sorgo, se resumia

a capinadeiras e enxadas originadas do trabalho artesanal com o uso da madeira

extraída no semiárido e de ferramentas fornecidas por oficinas mecânicas.

Os autores ressaltaram ainda que o Plano de Valorização do Vale do Açu,

depois de 1955, foi um dos primeiros eventos relacionados a implementação de

objetos técnicos na agricultura (especificamente à fruticultura) potiguar.

Este serviço distribuiu 81 motobombas, até o ano de 1959, que foram alugadas por ano, além de 22 vendidas. Distribuiu também 1800 metros de cano de duralumínio e deu auxílio para a construção de 41 cacimbões, 45 tanques e cruzetas e 1.100 metros de canais de alvenaria. Com esses

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apetrechos e instalações foram irrigados 800 hectares, que incluem praticamente a totalidade dos pomares (VALVERDE; MESQUITA, 1961, p. 473).

Não se sabe ao certo o local de aluguel e compra dos equipamentos elencados,

porém acredita-se que pela própria estrutura da rede urbana brasileira nesse período

(CORREÂ, 2001; REGIC, 1987), tais materiais foram adquiridos nas metrópoles

regionais Fortaleza e/ou Recife, visto que o Rio Grande do Norte ainda não

apresentava um comércio fortalecido na oferta desses produtos. O fato é que os

investimentos não foram suficientes para a transformação da fruticultura, tampouco

correspondia a ação das empresas comerciais de insumos (até então inexpressivo).

Outro momento fundamental no uso da técnica na agricultura adveio da

instalação, nos anos 1960, da empresa Mossoró Agroindustrial S/A (MAISA) no

município de Mossoró, pioneira na produção de frutas tropicais no estado. Ela atendia

o mercado interno e o comércio exterior, sendo considerada a que impulsionou o

surgimento e atração de várias outras empresas do agronegócio.

Tal empresa demandava um volume considerável de insumos técnicos para o

aperfeiçoamento da produção, porém acredita-se que a aquisição dos objetos

técnicos também não se efetivava pela relação da mesma com o comércio no Rio

Grande do Norte. A aquisição era efetivada, possivelmente, mediante a compra direta

com fornecedores das metrópoles Fortaleza, Recife e outros centros urbanos

regionais do Nordeste, além da fabricação interna pela própria empresa (MAISA, s.d.).

De forma semelhante, a aquisição de insumos via compra direta era efetivada

também pela ação das empresas do setor sucroalcooleiro, este que ganhou destaque

nos anos 1970, sobretudo nos municípios do Litoral Leste do Rio Grande do Norte,

quando a atividade foi impulsionada pelos investimentos do Instituto do Açúcar e

Álcool e do Programa Nacional do Álcool (Proálcool) (ANDRADE, 1998).

A expansão do uso de objetos técnico-científicos-informacionais na agricultura

do Rio Grande do Norte se intensificou mediante transformações do setor na década

de 1990 coma inserção do Nordeste nas áreas de investimentos da produção

capitalista globalizada (ELIAS, 2013). Com isso, ocorreu a alocação e dispersão de

diversas empresas relacionadas ao consumo produtivo agrícola (SANTOS, 1994),

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com destaque ao comércio de insumos agropecuários, sobretudo nas áreas que

apresentavam maiores vantagens de mercado.

A reestruturação da agricultura potiguar esteve associada aos investimentos

através de políticas públicas na implementação de projetos de modernização da

agricultura aos moldes da Revolução Verde. Tais projetos compreenderam

basicamente a construção de açudes, barragens e a perfuração de poços artesianos

em propriedades rurais, sendo essas estruturas integradas aos novos perímetros

irrigados que surgiam como elemento favorável a expansão da fruticultura.

Para atender a demanda hídrica da população flagelada pelas constantes

secas no sertão potiguar, o Departamento Nacional de Obras Contra as Secas

(DNOCS) começou a criar condições materiais de abastecimento hídrico no Rio

Grande do Norte. Porém, desde a introdução dessas materialidades os beneficiados

foram os grandes agentes capitalistas em detrimento da população que há décadas

sofria, e ainda sofre, com a falta de recursos destinados a convivência com a seca.

Foram cinco perímetros irrigados criados, sendo eles o de Cruzeta (1975), o

Itans e o Sabugi (1977) em Caicó, o de Pau dos Ferros (1980) e o do Baixo-Açu (1994)

abrangendo os municípios de Ipanguaçu, Alto do Rodrigues e Afonso Bezerra. Esses

perímetros irrigados passaram a receber as águas fornecidas pelos respectivos

açudes e barragens, sendo interligados aos rios Apodi-Mossoró e Piranhas-Açu.

Os perímetros apresentavam o total de 7.363 hectares de área irrigável, sendo

que apenas o Perímetro Baixo-Açu, interligado a Barragem Armando Ribeiro

Gonçalves, concentrava o total de 6.000 hectares. Quanto aos beneficiados pelos

projetos de irrigação totalizaram 344 produtores rurais, dentre irrigantes, empresas ou

colonos (SILVA, 2016).

A construção desses sistemas de engenharia, o fortalecimento da produção do

agronegócio preexistente e a chegada de novos agentes agroindustriais (locais,

nacionais ou estrangeiros), configuraram-se como eventos indissociáveis e

fundamentais para a alocação das empresas comerciais de insumos e para a

expansão dos objetos técnico-científicos-informacionais na agricultura potiguar.

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Dessa forma, formam-se três importantes períodos associados à expansão do

uso de objetos técnicos na agricultura, com base nos eventos elencados e em dados

obtidos em pesquisa empírica sobre a origem das empresas comerciais de insumos.

O primeiro período compreende de 1969 a 1974 (ano de identificação da

primeira empresa comercial de insumos e ano anterior a implementação do primeiro

perímetro irrigado). Nesse momento surgiram apenas duas empresas relacionadas ao

comércio de insumos no Rio Grande do Norte, em Pau dos Ferros e em Natal, no

Oeste e Leste potiguar, respectivamente.

O segundo período configura-se entre 1975 e 1993 (ano de inauguração do

primeiro perímetro irrigado, o de Cruzeta, seguido pela inauguração dos perímetros

do Itans e Sabugi em 1977, até o ano que antecede a inauguração do último e maior

perímetro do estado, o do Baixo-Açu). Nesse momento, surgiram 15 empresas

relacionadas ao comércio de insumos, ganhando assim maior representatividade,

distribuídas em Caicó, Pau dos Ferros, Mossoró, Natal e João Câmara.

O terceiro período compreende o momento entre 1994 a 2010 (ano de

inauguração do perímetro irrigado do Baixo-Açu até o ano dos dados mais recentes

sobre os estabelecimentos comerciais extraídos no CNEFE), o mais representativo

quanto a expansão das empresas comerciais de insumos. Foram pelo menos 18

empresas criadas até o final da década de 1990, somado com 47 empresas que

surgiram na década de 2000 em todas as cidades visitadas empiricamente4.

Assim, a criação dos perímetros irrigados configurou-se como eventos

operadores da transformação entre a possibilidade de existir das empresas do

agronegócio e a existência destas no Rio Grande do Norte (SILVEIRA, 2006). Logo,

ao instalar-se, surgiu uma maior demanda por insumos e, consequentemente, a

alocação de novas empresas do ramo, resultando na atual configuração geográfica

da expansão do uso de objetos técnico-científicos-informacionais.

4 Soma-se às empresas mencionadas mais 10 empresas as quais seus agentes não souberam responder o ano exato de surgimento das mesmas.

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3- Configuração contemporânea da expansão de objetos técnico-científicos-

informacionais na agricultura potiguar

Atualmente a expansão do uso de objetos técnico-científicos-informacionais na

agricultura do Rio Grande do Norte está associada às transformações que ocorreram

no campo brasileiro a partir dos anos 1980, quando novas áreas no Nordeste brasileiro

foram inseridas no contexto da produção capitalista globalizada, passando a coexistir

com as culturas ditas tradicionais. Nesse momento, configuravam-se

dois vetores claramente definidos e contrapostos: o agronegócio, caracterizado pela produção moderna da fruticultura irrigada; e a agricultura familiar, marcada por fragilidades e dificuldades em todos os circuitos espaciais de produção nos quais estão envolvidos (LOCATEL; LIMA, 2016, p.35).

Hoje, esses dois vetores (agronegócio e agricultura familiar), demandam

objetos técnicos e resultam, consequentemente, na configuração do comércio de

insumos agropecuários no estado. Este, por sua vez, se refere a um segmento

empresarial, associado às necessidades produtivas do campo, em que seus agentes

atuam predominantemente nas áreas favoráveis à reprodução do capital.

Segundo o CNEFE/IBGE (2010), o Rio Grande do Norte possui 224 empresas

comerciais de insumos técnicos para a agricultura: 89 empresas na mesorregião

Leste, 39 no Agreste, 29 na mesorregião Central e 67 empresas no Oeste Potiguar.

Elas estão presentes em 67 do total de 167 municípios no estado, porém apenas 16

deles (os que possuem mais de 4 empresas) concentram 66% das empresas.

A concentração de empresas predomina nas cidades de Natal, Parnamirim,

Macaíba, São Gonçalo do Amarante, São José de Mipibu Ceará Mirim e Touros

(Litoral Leste); em João Câmara e Nova Cruz (Agreste); Caicó, Cruzeta e Macau

(mesorregião Central); e Mossoró, Assú, Apodi, Pau dos Ferros (Oeste Potiguar)

(Mapa 1).

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Mapa 01: Rio Grande do Norte – empresas comerciais de insumos agropecuários (2010).

Tal concentração está intrínseca ao acontecer hierárquico defendido por

Santos (2012), que se caracteriza pela tendência de concentração em dado ponto do

território do comando de determinadas atividades. Nesse caso, o controle da venda

de insumos se efetiva principalmente nas cidades, sendo elas os centros de destino

dos agricultores no âmbito da compra dos produtos.

As empresas alocadas nas cidades mencionadas, têm como foco de mercado

os produtores agropecuários (atividade agrícola e pesca), os donos de médias e

pequenas empresas comerciais situadas em cidades menores (compram produtos

para revender e atender a demanda local) e uma pequena quantidade relativa ao

atendimento da demanda da agricultura urbana na Região Metropolitana de Natal.

Segundo Nascimento (2018), elas podem ser classificadas em comércio de insumos

em geral, comércio de ração, materiais de pesca, materiais de irrigação, máquinas e

ferramentas agrícolas, produtos veterinários, materiais de caça e empresas híbridas5.

5 Consultar a referência para ter maior detalhamento sobre os produtos comercializados em cada classe.

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Ao serem comercializados, formam-se fluxos entre os agentes destas e do

campo (Mapa 2), contribuindo na configuração do acontecer complementar (SANTOS,

2012). Este, se caracteriza pela intensidade de relações entre a cidade e o campo,

resultando em interações espaciais específicas e topologias também particulares.

Mapa 02: Rio Grande do Norte – Fluxos de circulação dos insumos agropecuários (2017).

A capital Natal apresenta maior abrangência espacial dos fluxos relacionados

a comercialização dos insumos agropecuários, o que já é característico de seu papel

de centro de gestão do território nesse e em outros vetores. Outras cidades na região

metropolitana de Natal como Parnamirim, São José de Mipibu e Macaíba, os fluxos

seguem a tendência de alcance de áreas longínquas como ocorre na capital,

certamente pela influência das rodovias enquanto facilitadoras dessa circulação.

Destarte, é entre a cidade de Mossoró e seus municípios adjacentes (no próprio

estado e Ceará) que se verifica a maior intensidade dos fluxos, sendo nesta área onde

se concentra a produção agroindustrial. Os fluxos gerados pelo comércio nas demais

cidades relaciona-se às demandas regionais, porém numa menor frequência, caso de

Pau dos Ferros, Assú, Caicó, João Câmara e Nova Cruz.

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Quanto as áreas de produção agropecuária que demandam por objetos

técnicos, se desenvolvem atividades que corroboram a configuração do acontecer

homólogo (SANTOS, 2012). São áreas de produção agrícola onde predominam

atividades com similitudes nos processos produtivos, resultando da modernização

pela informação especializada e gerando uma contiguidade funcional da agricultura.

De acordo com os dados obtidos em pesquisa empírica, comprovou-se que as

principais culturas de destino dos objetos técnicos são aquelas que possuem um

padrão de ocorrência concentrado no território, principalmente aquelas intrínsecas ao

agronegócio de frutas irrigadas como de melão, melancia, manga, banana e mamão,

todas com maior representatividade no Oeste Potiguar, sendo as duas últimas

produzidas também no Litoral Leste do estado (IBGE, 2016).

Já em relação as produções que apresentam padrão de dispersão no Rio

Grande do Norte, recebendo significativos volumes de insumos agropecuários,

destacam-se: milho, feijão, pecuária bovina e a produção de galináceos (galos,

galinhas, frangos e pintos). Nessas culturas desenvolve-se sobretudo a agricultura

familiar, com exceções relacionadas a ação das agroindústrias produzindo milho e

feijão em conjunto à produção da fruticultura irrigada e dos estabelecimentos de

engorda de galinhas e frangos.

Quadro 1: Rio Grande do Norte – Produção agropecuária e uso de insumos (2018).

Tipos de produção Áreas de ocorrência Insumos Predominantes

Melão

Mesorregião Oeste Sementes, adubos e fertilizantes em geral, agrotóxicos (herbicida, fungicida e inseticida), pulverizadores, tratores agrícolas, materiais de irrigação (gotejamento e aspersão) e máquinas agrícolas.

Melancia

Manga

Banana Mesorregião Oeste e Leste Mamão

Cana de Açúcar Mesorregião Leste

Adubos e fertilizantes (nitrogênio, fósforo e potássio), agrotóxicos, materiais de irrigação (pivô central) e máquinas agrícolas (colheita e processamento).

Sorgo Mesorregião Oeste

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Cebola Sementes, adubos minerais, agrotóxicos, arados de tração animal, tratores, semeadeiras de precisão, máquinas de processamento para seleção das cebolas e materiais de irrigação (gotejamento e aspersão).

Batata-doce

Mesorregião Leste Mandioca

Goiaba

Coco-da-baía

Milho Todo o estado (pontos representativos no

Oeste potiguar).

Sementes (de diferentes cultivares em estabelecimentos agroindustriais), arado de tração animal, capinadeiras, enxadas e fertilizantes e agrotóxicos (sobretudo na agroindústria).

Feijão

Pecuária Bovina Todo o estado (pontos representativos no

Seridó, Oeste e Região Metropolitana de Natal).

Ração (farelo de milho, farelo de trigo e torta gorda de algodão), máquinas como trituradores forrageiros e processamento de leite nas indústrias de laticínios, grades/telas metálicas, medicamentos e suplementos.

Galináceos

Fonte: Elaboração própria com base na pesquisa empírica e no IBGE (2016).

Cada cultura apresentada possui uma característica própria quanto as áreas

de ocorrência, por vezes concomitantes em determinadas áreas, mas sempre com

consumo de insumos diferenciado em termos quantitativo. Tais insumos técnicos

podem ser utilizados em um mesmo estabelecimento agropecuário, configurando o

eixo das coexistências (SANTOS, 2012), marcado pela concomitância de utilização,

numa mesma área, de objetos técnicos datados de meios técnicos diferenciados.

Os padrões de produção agropecuária apresentados e suas diferentes

demandas por objetos técnico-científicos-informacionais corroboram para formação

de complexas relações de interdependência e complementaridade entre cidade-

campo (ou campo-cidade) no Rio Grande do Norte. Tratam-se de vetores

indissociáveis, possuindo uma natureza principalmente econômica, porém que

envolvem dimensões e interesses políticos, culturais e sociais significativos.

4- Considerações finais

Diante exposto, depreende-se que o comércio de insumos agropecuários no

Rio Grande do Norte se configura como um importante vetor de expansão dos objetos

técnico-científicos na agricultura do Rio Grande do Norte. A oferta desses produtos

apresenta maior dinamicidade pelas funções de mercado das cidades, mediante a

existência de um consumo produtivo efetivado predominantemente no campo.

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Esse vetor do comércio no estado se desenvolveu, predominantemente, por

demandas derivadas das agroindústrias (nacionais e estrangeiras), que se

consolidaram no território por meio da criação de infraestruturas (perímetros irrigados)

que apoiaram a efetivação da produção agropecuária aos moldes da globalização.

No Rio Grande do Norte o comércio de insumos técnicos encontra-se altamente

concentrado no território. Assim, esse vetor do terciário não se encontra generalizado

em todo o estado, como é tendência no consumo consuntivo, mas fortalecendo o

papel das cidades nas complexas redes de circulação de pessoas, produtos e capitais.

O que se verifica no Rio Grande do Norte são dois aspectos contraditórios no

âmbito do comércio de insumos e na expansão do uso de objetos técnicos na

agricultura. O primeiro é a comercialização necessária de objetos técnico-científicos

capazes de melhorar o desenvolvimento da produção agropecuária, sobretudo em

decorrência das intempéries climáticas em que o estado está submetido. O segundo

é que na realização desse comércio necessário, se efetiva também a venda daqueles

produtos altamente nocivos à saúde e ao meio ambiente, tais como agrotóxicos que

apresenta uma tendência de crescimento em decorrência da dinâmica da produção

que segue os ditames da agricultura globalizada.

Nesse contexto, ressaltamos que o comércio de insumos agropecuários

viabiliza a expansão de objetos técnico-científicos no campo, porém a aquisição dos

mesmos realiza-se de forma consideravelmente desigual de acordo com as diferentes

modalidades de produção (agronegócio e agricultura familiar).

Contudo, reconhece-se que este trabalho aborda uma parte do amplo e

complexo processo de expansão do uso de objetos técnico-científicos-informacionais

na agricultura do Rio Grande do Norte, contendo tal expansão um conteúdo dinâmico

e fundamental para análises geográficas, sobretudo considerados seus rebatimentos

particulares no território.

Referências

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https://www.youtube.com/watch?v=fqBPqNkF9jw>. Acesso em dezembro de 2017.

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AZEVEDO, Francisco Fransualdo de. Reestruturação Produtiva no Rio Grande do Norte. Mercator, Fortaleza, v. 12, número especial (2)., p. 113-132, set. 2013.

CORRÊA, Roberto Lobato. Reflexões sobre a dinâmica recente da rede urbana brasileira. In: Anais IX Encontro Nacional da ANPUR, Rio de Janeiro, 2001. (p.424-430).

ELIAS, Denise. Globalização, agricultura e urbanização no Brasil. Acta Geográfica, Boa Vista, Ed. Esp. Geografia Agrária, p.13-32, 2013.

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