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A Hipótese do Crescimento
Rápido e Sustentável
2004
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A HIPÓTESEDO CRESCIMENTO RÁPIDO E SUSTENTÁVEL*
Antonio Barros de Castro**
INTRODUÇÃO.
A economia brasileira, que no passado figurava entre as que mais
rapidamente se expandiam no mundo, passou a crescer algo como 2% ao
ano, em média, nos últimos 23 anos. Em diversos momentos, durante
esta longa quase- estagnação, o tema do crescimento voltou a ser objeto
de discussões, bem como de apaixonadas tomadas de posição. O Min.
Funaro, tendo por base a arrancada que se seguiu ao lançamento do
Plano Cruzado (1986), afirmou que teríamos, dali para frente,crescimento “japonês” – o que à época significava expansão rápida e
sustentada. Anos mais tarde, após o lançamento do Plano Real, e face á
vibrante resposta inicial da economia, mais uma vez se apostou na
retomada – sobre novas bases – do dinamismo desta economia. Alguns
grandes investimentos na área dos duráveis foram inclusive levados a
efeito, tendo por referência avaliações do mercado doméstico que se
revelariam, mais adiante, f lagrantemente sobre- estimadas. Osurpreendente êxito alcançado pela mega- desvalorização do real nos
primeiros meses de 1999, por fim, colocou mais uma vez em pauta a
questão do crescimento sustentado. Neste caso – que neste estudo
receberá atenção muito especial – o ressurgimento do tema veio a dar- se
em duas etapas.
Num primeiro momento, discutia- se, unicamente, se a economia
seria capaz, não apenas de reaquecer- se, como de ir além, sustentando omovimento de expansão. Mais recentemente uma outra questão vai se
impondo: a que taxa pode, afinal, expandir - se essa economia, caso logre
ingressar numa rota de crescimento sustentado? Trata- se de saber a que
ritmo pode crescer, sem colocar em risco os seus equil íbrios
* Esta é uma versão mais elaborada, de um trabalho apresentado ao MINI FORUMNACIONAL (Rio de Janeiro, setem bro de 2004) do INAE. O autor agradece a FranciscoEduardo Pires de Souza e a Caio Prates da Silveira, pelo que com eles aprend eu de
a lgumas das questões aqui t ra tadas.** Assessor do Ministro do Planejamento, Orçamento e Gestão e professor l icenciado doInstituto de Economia da UFRJ.
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macroeconômicos. E o pressuposto aqui é que qualquer sinal de ameaça
aos equilíbrios macroeconômicos deve ser respondido com medidas
preventivas e corretivas. Presume- se que, através delas, a demanda
efetiva voltará a se alinhar com a oferta potencial.
Por outro lado, a questão do crescimento tornou- se, no caso
brasileiro, particularmente relevante, pela freqüência com que os
analistas se equivocam nas suas projeções acerca do desempenho
(esperado) da economia. O ano de 2004 é um caso particularmente
interessante a esse respeito. Nele, a pesar da compressão dos
rendimentos das famílias herdado de 2003, de uma política fiscal
particularmente severa, e de uma política monetária bastante cautelosa,deveremos fechar o ano – contra a grande maioria das previsões - com
uma expansão superior à dos últimos 10 anos.
Alguns, preocupados com a impulsão recent ement e
adquirida pela economia, concluem que os cuidados devem ser
redobrados, para que os equilíbrios macroeconômicos sejam
preservados – e, mui to par ticularmente, para que as metasprevistas para a inflação sejam cumpridas . Assim, o Banco
Central do Brasil, em rela tório datado de setembro de 2004,
decla ra: “toda evidência at ua l pa ra o Brasil indica uma
tendência inequívoca de fechamento do hiato de produto” 1. Em
outras palavras, a economia es ta ri a crescendo mais do que
pode crescer suste nt ad am en te, consu min do com isto,
rapidamente, a folga herdada de 2003. Outros, discordando
frontalmente da abordagem do Banco Central , tendem a negar
1 Relatório de Inflação. “PIB potencial e hiato do produto:
atualização e novas estimações”. BANCO CENTRAL DO BRASIL, setembro
de 2004. Deve ser acrescentado que os analistas do BC acertaram, ao
anunciar no início do ano que a economia tendia a apresentar um forte
desempenho em 2004.
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ou ignorar a importância do crescimento verificado em 2004 –
como se ele fosse fruto de acaso e/ou destinado a
rapida me nt e desa pa rec er. Voltare mo s a focalizar estedesencontro, bem como a int rigante questão do desempenho
de 2004, que nos parece encerrar diversas lições.
Retomando a apresentação do t rabalho, caberia adverti r
que o seu objeto não é a taxa (um determinado número) a que
pode crescer, sus ten tadamente, a economia. Estamos, sim,
inte ressados, em most rar que faz pouco ou nenhum sentido
supo r que a econo mia não deverá crescer mais do que a
tendência implíci ta no desempenho passado – refer imo- nos,
sobretudo, aos 3 a 3,5% ao ano, em torno aos quais se situam
as estimativas de crescimento obtidas por métodos
esta tís tico s. Estare mo s, em par ticular, empe nh ad o s em
intro du zi r no debate, a hipótes e de que a longa quase -
estagn açã o, por maiores que sejam os proble ma s dela
herdados, afe ta, também, posi tivamente, o desempenho que
pode ser alcançado pela economia, daqui, para a frente.
Em certos momentos o texto alcança algum grau de abstração. Em
regra, no entanto, o foco do trabalho está situado na experiência
brasileira. Há diversas razões para que assim seja, e algumas delas
ficarão claras ao longo do t rabalho. Parece- nos dispensável insistir emque se trata de um estudo de caráter exploratório. As hipóteses aqui
sugeridas precisam ser discutidas, e o embasamento empírico deve, a
bem dizer, ser construído. Na versão atual este é, pois, um trabalho
assumidamente destinado a provocar debates.
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O CRESCIMENTO RÁPIDO COMO ALGO INALCANÇÁVEL.
Um bom número de razões e obstáculos pode ser evocado para
justif icar as dif iculdades que a economia brasileira ter ia de superar, para
alcançar um alto ritmo de crescimento. No fundamental, contudo, parece-
nos que existem três maneiras de se negar a possibilidade do
crescimento rápido desta economia.
Uma corrente acredita que a economia brasileira está, aos poucos,
retomando o caminho do crescimento sustentável. De acordo com esta
corrente, já seria mesmo possível crescer de forma sustentada – sendo,
no entanto, crucialmente importante, não exceder certos limites,inferidos, através das informações disponíveis acerca do crescimento
observado no passado. Caso tais limites sejam excedidos, com já foi
anteriormente assinalado, os equilíbrios macroeconômicos – que tanto
custaram à economia e à sociedade - voltam a ser ameaçados.
Os métodos utilizados no Brasil para estimar o produto potencial
não discrepam, no fundamental, daqueles utilizados internacionalmente.
Admite- se que o crescimento verificado no passado permite conhecer oritmo sustentável de crescimento no futuro. Mais concretamente, se o
crescimento exceder este ritmo, ingressa- se na situação sugerida pelo
relatório do Banco Central acima citado: o hiato de produto tende a
desaparecer, e tensões inflacionárias surgirão (ou serão reforçadas). O
fato de que a barreira inflacionária reside, nas economias desenvolvidas,
no mercado de trabalho, enquanto aqui se situa no coeficiente de
utilização da capacidade instalada, não teria, supostamente, maioresconseqüências. Ou seja, assim como o desemprego, lá, não deve ficar
abaixo de uma determinada taxa, o uso da capacidade, aqui, não deve
ultrapassar um certo limite. E a economia só estará desperdiçando
crescimento, se o uso da capacidade estiver situado abaixo deste limite.
Além disto, a flagrante quebra de tendência ocorrida em 1980 - bem
como a que pode estar ocorrendo agora - não ter iam maiores
conseqüências.
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Uma outra corrente parte da convicção de que as reformas
estruturais introduzidas no país nos últimos 15 anos, apontavam na
direção certa, mas não teriam sido suficientes para implantar neste país,
uma verdadeira economia de mercado. Nesta perspectivas caberia, pois,
retomar e aprofundar as reformas. Este grupo tende ainda a colocar num
primeiro plano a abertura financeira, vista como condição para o
rebaixamento das taxas reais de juros – sem o que não seria
supostamente possível, retomar do crescimento.
A terceira corrente se caracteriza por colocar e manter no centro da
discussão a fragilidade (e a instabilidade) tantas vezes demonstrada por
esta economia. Nesta perspectiva, para a economia voltar a crescersustentadamente, acredita- se que o regime de políticas macro deve ser
alterado, e algum tipo de controle deve ser exercido sobre os fluxos
internacionais de capital. Alguns acrescentariam que outras políticas,
como, destacadamente, as políticas industriais e tecnológicas, teriam,
também, que voltar a ser implementadas. Antes disto não se colocaria,
sequer, a possibilidade do crescimento rápido e sustentado
DA ESTAGNAÇÃO AO CRESCIMENTO RÁPIDO NO PLANO
INTERNACIONAL. O QUE DIZEM OS DADOS.
Usando informações disponíveis na Penn World Tables, estudo
recentemente realizado por Ricardo Hausman, Lant Prichett e Dani
Rodrik 2 revela que de 1950 para cá, numerosas economias transitaram desituações de baixo ou nulo crescimento, para a expansão rápida e
sustentada (mantida durante pelo menos oito anos, segundo o critério
arbitrado pelos autores).
A primeira conclusão a que chega o estudo é que a passagem de
uma situação de não crescimento para outra de rápida expansão é uma
experiência freqüente, tendo ocorrido 83 vezes no período sob análise!
2 GROWTH ACCELERATIONS. NBER WORKING PAPERS SERIES. Jun ho de 200 4.
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Uma outra grande conclusão consiste em que “os pacotes de
reformas do tipo standard têm efeitos marginais na probabilidade de que
uma transição para o crescimento se inicie”3. Assim, como mostra o
estudo, dos que transitaram (para o crescimento rápido), poucos
passaram previamente pelas chamadas reformas de estrutura, e dos que
f izeram reformas, poucos alcançaram o crescimento rápido.
Concretamente, somente em 9% dos casos (menos do que 1 em cada 10
ocorrências), as reformas foram acompanhadas de transição para o
crescimento firme e rápido.
Saltando para um outro fator candidato a explicar a transição para
a expansão rápida, assinalemos que a desvalorização cambial apresenta
uma boa relação com o fenômeno estudado. Depreende- se, no entanto,
do texto em foco (que não pretender ir muito além dos testes
estatísticos), que tomada isoladamente, a taxa de câmbio teria um poder
explicativo, ainda quando não desprezível, modesto.
Convém, por outro lado, chamar a atenção para um ponto de
especial interesse no caso brasileiro: a transição para a democracia não
se associa ao ingresso no crescimento rápido – pelo menos no curtoprazo. Mas a relação democracia- crescimento melhora,
significativamente, quando se sai do prazo de 8 anos para um período
bem mais extenso.
E quanto à conclusão maior deste amplo levantamento dos fatores
que se associam com o crescimento rápido, consiste em algo que já vinha
sendo anunciado em trabalhos de Rodrik, bem como, entre outros, de
Stiglitz. Trata- se da idéia de que o crescimento rápido, tornado tãofreqüente nos últimos decênios, deve ser entendido a partir de
características próprias de cada caso. Vale dizer – e nas palavras dos
autores do estudo aqui referido - as transições devem ser entendidas a
partir de fatores explicativos “idiossincráticos”. A importância da
conclusão difici lmente poderia ser exagerada, e ela será aqui
fundamentalmente acatada. Parece- nos, no entanto, conveniente,
acrescentar um breve esclarecimento a este respeito.3 Ob cit, pg 16.
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ADVERTÊNCIA METODOLÓGICA
Existe abundante e rica literatura sobre como se passa, com
relativa rapidez, do atraso e estagnação, para a expansão firme,
duradoura - e transformadora. Trata- se da literatura sobre catch up
(emparelhamento). Nela, ao invés de particularidades ou idiossincrasias,
são colocados em evidencia grandes traços histórico- institucionais que
dominam, ou mesmo definem, a especificidade de cada experiência.
Nesta perspectiva ganham especial destaque as condições em que se dá a
ruptura ou mudança inicial, bem como a capacitação (social capability)
dos grupos que lideram o processo, tirando proveito das possibilidades
contidas no passado, ou inerentes à nova rota evolutiva4.
Vistos de perto, os casos de catch up diferem enormemente entre
si. Mas enquanto algumas diferenças mostram- se acidentais - ou, talvez,
“idiossincráticas” - outras revelam- se fundamentais para que se possa
entender a experiência em questão, já que delas derivam numerosas
conseqüências. Além disto, postas as experiências em perspectiva,importantes aspectos comuns podem ser percebidos. É também
importante frisar, que no processo de emparelhamento histórico podem
ocorrer “substituições”, através das quais atores e instituições
marcadamente diferentes, promovem transformações bastante
semelhantes. É, por fim, ainda típico dos estudos de catch up, a
descoberta e valorização das “vantagens do atraso” 5 . No nosso caso, este
princípio aparece, como verá o leitor, através do que poderíamosdenominar de “vantagens da estagnação”.
4 O termo “social capabili ty” vem de uma das referências obrigatórias nos estudossobre catch up: Abramovitz, Moses. Veja- se “Catching up, forging ahead and fallingbehind”, Journal of Economic History, junhode 1986. Os traços maiores do enfoquehistórico- institucional empregado em diferentes estudos de casos de catch up sãocomentados, por vários autores, na coletânea organizada por Woo- Cummings, TheDevelopmen tal State, Cornell University Press, 1999.5 Encontram- se em Gerschenkron, Alexander, as idéias de “vantagens do atraso” bemcomo de “substituição” histórica. Vide Economic Backwardnes s in HistoricalPerspective, Harvard University Press, 1966. Para uma visão ampla e diversificada do
tema da aceleração do crescimento e da “convergência” veja- se Baumol, William,Nelson, Richard e Wolf, Edward, Convergence of Productivity, Oxford University Press,1994.
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Ao valorizar a longa quase- estagnação pretendemos colocar em
destaque possibilidades nela contidas – e não realizadas. O procedimento
parece plenamente justificar- se, na medida em que se admita que no
período que estamos (possivelmente) deixando para trás – e que se
estende de 1980 a 2003 - muitas decisões foram bloqueadas, muitas
oportunidades foram, quando muito, semi- exploradas. Se assim é, o
futuro não deve ser pensado como projeção mecânica (e repetitiva) do
passado: ele deverá combinar a exploração de oportunidades represadas,
com o desenvolvimento de oportunidades inteiramente novas.
A ESPECIFICIDADE BRASILEIRA VISTA PELA ÓTICA DO
CRESCIMENTO.
PERIODIZAÇÃO
Chamemos primeiramente a atenção para o fato maior de que os
últimos 23 anos estão muito longe de apresentar o marasmo usualmente
associado a estagnações duradouras. O período é, caracterizado, antes de
mais nada, por uma marcante sucessão de arrancadas e tombos. Este é,
pois, um caso, em que a média pouco representa - estando o
crescimento, a qualquer momento, mais uma vez desfazendo- se (e a
economia caminhando para a recessão), ou, mais uma vez em franca
recuperação.
Por outro lado, na forma, como no conteúdo, a instabilidade e seus
mecanismos foram mudando ao longo do tempo.
Por fim, seja pelo prisma das grandes instituições, das práticas de
política econômica, ou do ocorrido com o tecido empresarial, a longa
estagnação deve ser tida como um período de intensas mudanças.
Estamos assim diante de uma curiosa mescla de baixo dinamismo e alta
mudança – o que não pode ser omitida ao se tentar avaliar o potencial de
crescimento da economia.
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Três fases, nitidamente distinguíveis, integram o longo período de
que estamos tratando.
Uma primeira fase, que se estende de 1980 a 1994, é dominado
pela crise da dívida e suas seqüelas, bem como pela quase hiperinflação
e as tentativas, mais ou menos dramáticas, de evitá- la. Durante este
período, nas ocasiões em que se logrou obter um relativo controle sobre
a macro- economia, afastando- se com isto a ameaça da insolvência
externa e o espectro da hiper inflação, verificaram- se episódios de
crescimento. O mais notável deles, que já foi anteriormente referido,
ocorreu após o pleno amadurecimento dos grandes projetos integrantes
do II PND, e o brutal esforço de ajustamento levado a efeito por Delfim de1981 a 1983. O surto inclui o breve episódio do Plano Cruzado e nele a
economia cresceu, em média, e durante três anos (de 1984 a 1986), 7%
ao ano. A ilusão do crescimento vigoroso e sustentado desfez–se, no
entanto, por completo, com o colapso do Cruzado, a moratória, e o
retorno da economia, nos primeiros meses de 1987, ao limiar da hiper-
inflação. Segue-se a instável e estéril fase final dos anos 1980, que já foi
referida como os anos verdadeiramente perdidos da década perdida, e naqual o grande mérito da política econômica foi não permitir que a
economia se lançasse no precipício da hiperinf lação.
O segundo período surge com o êxito extraordinário do Plano Real,
no que toca a estabilização monetária. A impulsão com que se afirma o
crescimento é notável. Mas o descompasso entre a altíssima propensão a
importar e o medíocre desempenho das exportações (reflexo da sobre-
valorização cambial), o desequilíbrio fiscal crescente, a sucessão decrises internacionais (México, Ásia, Rússia), e a virulência das respostas
dadas pelos gestores da política macro (via taxas de juros), à erosão da
confiança, manteriam a economia submetida a uma forte instabilidade.
Esta, que abandonara a esfera dos preços, recrudescia no âmbito das
atividades produtivas. Ainda assim é importante chamar a atenção para a
intensa reestruturação microeconômica observada neste segundo
período, em resposta ao acicate da abertura, e em decorrência da
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miragem de um amplo mercado de massas, surgida na euforia pós-
estabilização.
A terceira fase, que se estende de 1999 ao presente, está
inequivocamente associada à exitosa desvalorização de 1999. Convém
frisar que à desvalorização combinou- se pelo menos uma mudança de
fundamental importância: a adoção, da segunda metade de 1998 até o
presente, de uma política fiscal crescentemente severa. Além disto, o
novo quadro traria consigo a adoção do chamado regime de metas
inflacionárias.
Livre do desestabilizador endógeno (cambial) imperante de 1994 a
janeiro de 1999, provido de um novo regime de polít icasmacroeconômicas (percebido por muitos como consistente, e alinhado
com o estado das artes internacional), seria lícito pensar que o novo
quadro daria por fim lugar, à retomada do crescimento sustentado.
Dificilmente as novas condições seriam capazes de engendrar um
crescimento a altas taxas. Mas, a bem dizer, disto nem sequer se
cogitava, até muito recentemente.
A retomada do crescimento sustentável, aguardada por alguns paraeste terceiro período, mostrou- se, contudo, mais uma vez, uma hipótese
equivocada6. Flagrantemente não havíamos nos livrado das asfixias de
demanda agregada, detonadas pelo volátil estado de confiança dos
mercados, e executadas, em regra, mediante severas medidas de política
monetária. Em suma, em março/abr il de 2001, o nada desprezível surto
de crescimento iniciado no segundo trimestre de 1999 ruiu como um
castelo de cartas. Um novo mergulho viria ainda a ocorrer em 2002,cortando o fôlego de uma curta retomada iniciada poucos meses antes.
BREVEREFLEXÃO SOBREOS CICLOS E OS PONTOS DE INFLEXÃO.
6 Incluo- me entre os que se equivocaram a este propósito – ainda quando sempre t iveclaro que o prosseguimento da expansão estava condicionado à não ocorrência deseveras crises externas.
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Durante a longo período de quase- estagnação, englobando, como
vimos, três fases, diversos surtos de reaquecimento e expansão,
alcançando no máximo, a duração de 22 meses (de maio de 1999 a
março de 2001), foram abortados. À primeira vista, pelo menos, fica
assim sugerida a existência de um teto no qual bate a expansão – que é
então revertida. É importante sublinhar, porém, que o limite da expansão
não se mostra diretamente relacionado com o crescimento, como
usualmente ocorre nos ciclos econômicos. Ao evidências parecem sugerir
que as ordens de produção dadas em resposta à expansão da demanda
(de início, sobretudo, via crédito) aumentam as horas de trabalho
contratadas, e que a renda assim gerada retorna ao consumo - enquantopequenos investimentos começam a ser feitos. Em outras palavras, vistos
a partir de si mesmos, os movimentos de expansão teriam tudo para
prosseguir. Mas, subitamente, um terceiro fator intercepta a evolução,
quebrando a circularidade ou retro- alimentação. O ciclo é assim
prematuramente desfeito – ficando claro que sua reversão não decorre
ou deriva da própria expansão. Em outras palavras, se as ordens de
produção que estão sendo dadas se frustram, e se a incipiente formaçãode capacidade produtiva adicional não encontra uso, isto não deriva de
problemas surgidos do próprio crescimento. Neste sentido não estamos
diante de ciclos no sentido usual do termo, e os limites ou tetos da
expansão devem ser explicadas por algo - o terceiro fator acima aludido
- que nada tem de “cíclico”. É ele que interrompe o funcionamento da
mais relevante relação macroeconômica: o crescente uso da capacidade
produtiva existente (tanto a existente quanto os seus acréscimos), emresposta ao aumento da demanda efetiva.
Uma boa ilustração do que acaba se ser dito pode ser encontrada
na recuperação subitamente interrompida nos primeiros meses de 2001.
Em janeiro deste último ano o índice de confiança publicado pela CNI
atingia o seu valor máximo em toda a série publicada até o presente -
sugerindo que o movimento de expansão, transcorridos vinte meses do
seu início, continuava ganhando força. Estávamos, no entanto, há apenasdois/três meses de sua drástica reversão.
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Algumas conclusões emergem do que acaba de ser dito.
Primeiramente, os picos de atividade significam a súbita interrupção de
um movimento, por algo que lhe é alheio. A ameaça de uma crise cambial
e, através dela (via depreciação da moeda), o ressurgimento de pressões
inflacionária, são os vilões imediatos deste enredo, nos últimos dez anos.
Por trás deles encontra- se, porém, a volatil idade da confiança na
solvência das dívidas interna e externa. Convem recordar , no
entanto, que no período 1980~94, a iminência da chegada da
hiperinf lação era, de forma direta e inequívoca, a principal
razão das freiadas intempest ivas da economia ,O anterior deixa também claro que, no passado, pelo menos, a
interrupção do crescimento vinha sempre de um golpe de demanda - que
de forma alguma poderia ser previsto a partir de elementos tais como:
dotação de fatores, uso de capacidade, ou evolução da produtividade. Fica
também evidente que os bloqueios do crescimento podem ocorrer em
qualquer fase ou etapa da retomada expansiva. E, claro, que ao chegar,
introduzem uma autêntica descontinuidade. Não deve pois surpreenderque os agentes econômicos embarcados nesta experiência, frente a
qualquer distúrbio, sintam- se à borda de um precipício.
Uma segunda característica no tocante a reversões, refere- se ao
vigor com que a expansão é retomada, após um período relativamente
breve de cessação do crescimento e possível recessão. Ela sugere a
existência, nesta economia, de impulsos expansivos que vem a tona, tão
logo o governo sinalize (em regra mediante redução da taxa de juros), a
suavização ou superação das dificuldades.
Revertidos os sinais – e as expectativas - o vigor da retomada
costuma surpreender. O detonador da recuperação é o crédito, e a zona
inicialmente favorecida da economia é a produção de duráveis. A energia
da retomada é seguramente ajudada pela existência de um aparelho de
crédito prontamente acionável pelas cadeias de varejo. A existência,
desde a segunda metade dos aos 1990, de ampla capacidade ociosa na
esfera dos duráveis – é outro fator que predispõe a uma rápida reação.
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Mas é evidente que, como pano de fundo da pronta e ampla reação,
reside o fato de que a revolução do consumo de massas encontra- se,
ainda, em pleno curso nesta economia - e as classes C e D revelam- se, a
cada oportunidade, ávidas por ingressar em mercados que, para elas,
significam não apenas satisfação como, também, status. Resumidamente,
estamos diante de uma situação em que o reaquecimento da demanda é
facilmente acionável – o que não deixa de ser verdade, ainda quando a
massa salarial se encontre excepcionalmente retraída, como no início da
retomada presentemente em curso7.
O que acaba de ser assinalado significa, enfim, que com certa
freqüência, pequenas mudanças acarretam grandes alterações no estado
da economia. Além disto, se o possívelmente abrupto e precoce fim das
expansões recomenda grande cautela no tocante a assumir
compromissos de médio e longo prazo, não é menos verdade que
convém às empresas manter a capacidade produtiva em forma, para que
as retomadas possam ser devidamente aproveitadas. Formada a visão
empresarial neste meio ambiente, não deve surpreender o seu
temperamento mercurial – que confirma e realimenta a instabilidade daeconomia.
Contrariamente ao verificado na Argentina, o agravamento
extremo das dificuldades desta economia, ocorrido em 1998, encontrou
firme e ampla – ainda quando não prevista – resposta por parte dos
gestores da política macroeconômica. Este é um ponto nevrálgico no
tocante a especificidade do caso brasileiro. Quando as dificuldades
chegaram ao máximo, (a economia praticamente quebrou no segundosemestre de 1998) ao invés do país ser levado ao imobilismo, por razões
as mais variadas, houve ampla resposta por parte das autoridades
públicas. Como veremos a seguir, este era apenas o inicio de um
conjunto ou cadeia de reações.
7 A não compreensão deste ponto levou numerosos analistas a previsõesequivocadamente pessimistas, no presente surto de crescimento.
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Considerações adicionais sobre a especificidade do
caso brasileiro
O primeiro argumento que pretendemos aqui introduzir é de
natureza empírica. Simplesmente não é válido concluir, com base no
colapso de março/abril de 2001, que a hipótese da retomada do
crescimento a partir dos ajustes fiscal e externo iniciados a fins de 1998,
nada mais fosse que um equívoco. Aliás, apesar das aparências, também
não é verdade que a economia ruiu como um castelo de cartas nos
primeiros meses de 2001. A economia brasileira estava sendo, naquelemomento, frontalmente atingida pelo colapso argentino e pela crise da
Bolsa de Valores Norte- americana. A isso se somou o devastador impacto
sobre as expectativas, decorrente do anúncio (espetaculoso) da crise
energética8. Face a tamanhas adversidades, é verdadeiramente
impensável que o impulso expansivo da economia pudesse ser
sustentado. Aliás, como mostrou a crise asiática, até mesmo economias
referidas como exemplos de solidez rapidamente sucumbiam sob ocontágio de crises originadas em seus vizinhos, no tumultuado final do
século XX.
Tendo por pano de fundo o que acaba de ser dito, o abrupto
término da promissora expansão iniciada em maio de 1999 adquire uma
excepcional importância - e aqui reside o segundo aspecto que busco
neste momento ressaltar. O recado deixado pelo colapso do crescimento
nos primeiros meses de 2001 tornava- se claro para muitos: mesmo quese tenha êxito na redefinição do regime de políticas macroeconômicas
(em contraste com o ocorrido na Argentina); e ainda quando o
crescimento se mostre bastante saudável – como já foi dito, as
expectativas empresariais se mantinham altamente otimistas em janeiro
de 2001 – não se escapa ao súbito e imprevisível bloqueio do
crescimento.
8 Especialistas em energia chegaram a anunciar, no início do episódio, que o país teriaque ser submetido a cortes de energia elétrica de até três horas por dia.
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Esta percepção levaria muitos a aceitar uma fácil e tentadora visão
da situação econômica do país, compartilhada, aliás, por analistas de
posição, para outros efeitos, antagônicas. Segundo ela os indicadores
divida públ ica/PIB (que ult rapassou 50% em 2001) e divida
externa/exportações (que excedeu 4 em 1998 e 5 em 1999) teriam
ultrapassado “pontos de não retorno”. Em tais condições, a certeza de
que por uma ou por outra razão se chegaria ao colapso - sendo de pouca
importância a natureza do “detonante” - parecia inescapável.
O anterior signif ica, pois, que a crise de 2001 confirmou e
radicalizou uma percepção altamente pessimista do quadro econômico
brasileiro. Não há, contudo, que perder de vista a especificidade doambiente local. Com efeito, conhecedoras do vigor das (breves)
retomadas, e ainda quando contidas por denso pessimismo quanto às
perspectivas da economia, as empresas buscariam manter- se capazes
(inclusive mediante pequenos investimentos) de aproveitar os bons
momentos da economia. Transposto o raciocínio para um plano mais
amplo, é lícito concluir que a evolução da oferta tornava- se altamente
condicionada pelas expectativas (moldadas neste singular contexto),acerca do caprichoso comportamento característico da demanda efetiva
doméstica. Salvo, evidentemente, se o negócio for voltado para
exportações – hipótese mais adiante referida.
HISTÉRESEOU REPOSICIONAMENTO ?
Difundido o pessimismo quanto às perspectivas de médio e longo
prazo da economia, um possível padrão reativo por parte das empresas,
bem como dos gestores das políticas públicas, consistiria em adaptar- se
às modestas perspectivas da economia local. Este posicionamento,
caracterizado pela aversão ao risco, a acomodação, e a ausência de
iniciat ivas inovadoras, seria consistente com um prudente
aproveitamento das retomadas, e a antecipação das dificuldades (auto-refreamento) diante do ressurgimento de dificuldades para a economia
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como um todo. Mais precisamente implica reagir pouco aos estímulos, e
retroceder, relativamente, também, pouco, face ao retorno das
dificuldades. As autoridades públicas, em particular, na medida em que
assimilassem este tipo de atitude, adotariam como grande objetivo evitar
o pior - e buscariam fazer com que o mercado também, contivesse suas
reações. A mola das decisões privadas e públicas, cançada de distensões
e retrações, a bem dizer, quase não mais reagiria (histérese). E caminha-
se, com isto, da estagnação para o imobilismo, não faltando argumentos
a quem queira argumentar que não existem alternativas.
Com os indicadores de endividamento tendo alcançado altos níveis
- e ultrapassando, para muitos, o ponto de não retorno - o embotamentodas reações significava, tanto a aceitação do que poderíamos denominar
de “dominância da dívida”, quanto, em última análise, a espera do
colapso. Inegavelmente, esta era, até muito recentemente, uma das
possibilidades contidas no quadro econômico brasileiro.
Não faltavam em suma argumentos, aos que previam ruptura ou
colapso –podendo, aliás, ambos os desfechos, combinar- se. Existe,
porém, um sério problema nesta interpretação. Ela tende a ignorar ou,pelo menos, subestimar, as possibilidades de reposicionamento dos
atores. Refiro- me, essencialmente, a reações em maior ou menor medida
inovadoras, face a este estressante quadro. Ou seja, não se tem em conta
a possível emergência de novos padrões de conduta – o que equivale a
dizer, insisto, autênticos re- posicionamentos. No caso da economia
brasileira nos mais recentes anos, contudo, isto parece- nos não apenas
ter ocorrido, como, de fato,prevalecido. Trato, pois, no que segue, desumariar dois grandes re- posicionamentos verificados nos últimos anos
- sem preocupações com a sua genealogia e especificações. Eles
conformam um segundo padrão geral de reações, contrastante com a
anterior. Nele, o stress acentuado pelo tombo de 2001, tem papel de
destaque. Mas o reação ao turbulento e ameaçador quadro é, sobretudo,
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de busca de novas saídas, de posta em prática de conhecimentos
desenvolvidos ao longo da sucessão de crises.
O mais importante reposicionamento ocorrido em meio às
frustrações verif icadas de 2001 a 2003 foi a incorporação das
exportações na estratégia de empresas industria is que, até então, pouca
atenção davam à construção de posições no exterior.9 Esta reorientação
em direção ao mercado externo, obviamente facilitada por sucessivas
desvalorizações (e pela reanimação do mercado internacional), veio a ser
um dos fatores que mais contribuíram para a explosão exportadora dos
anos 2003 e 2004. Sua mais imediata conseqüência é o fortalecimento da
posição de um crescente número de empresas – havendo que ter em
conta, aqui, não apenas aquelas que exportam, como seus supridores
domésticos. Obviamente, também se fortalece com isto a economia do
país - que em seis anos vê o seu fluxo de comércio saltar de 15% do PIB,
para os 27,5% previstos para 2004. Dados a respeito deste fenômeno
estão amplamente disponíveis, e não serão aqui reproduzidos.
O segundo grande reposicionamento é de natureza mais difusa, e
teve inicio antes do crítico período que vai de 2001 a 2003. O objeto aquié o Estado, o que dele se espera, e o desenvolvimento de novas
competências na esfera pública.
As mudanças começam, no caso, com o importante anúncio da
Reforma do Estado, em 1995. Daí por diante facilmente se percebe o
recuo e, em determinadas áreas, o desaparecimento do furor anti- estado,
característico da primeira metade dos anos 90. Um crescente número de
vozes volta a cobrar eficiência dos serviços públicos, o que no contextoatual signi fica, simpl if icadamente: agil idade, flexibi lidade,
descentralização e transparência. Novos concursos, treinamento, planos
de carreira, etc, tornam- se, em tais circunstâncias, mais uma vez,
necessários.
9 Indagado sobre o que lhe parecia estar ocorrendo de novo com o Banco e a economia,o então vice- presidente do BNDES dec la rou (em 2002) que chamava a sua a tenção,o lhando a economia a par ti r do BNDES, o surgimento de demanda de recursos para
inve sti me n to , pr oc ed en t e de em pr es a s q ue nã o er am as clás sic as ex po rt ad o ra sbrasileiras. Pesquisa da CNI e da CEPAL, já havia detectado prenúncios desta tendência,em 2001.
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Combinava- se com o anterior a progressiva adoção, em
determinados Ministérios, de atitudes mais pragmáticas e pró- ativas, na
condução das políticas públicas. Genericamente, este conjunto de
mudanças pode ser indiretamente posto em evidência, através do
seguinte contraste.
Na fase inicial do primeiro governo FHC, influentes economistas
propunham que se pusesse a economia no “piloto automático”, enquanto
o combativo formulador Gustavo Franco defendia, frente à ameaçadora
apreciação cambial em curso, que o preço do cambio deveria ser tão
livremente determinado quanto o da banana.10 Já no segundo mandato,
adquirem força e abrangência os esforços no sentido da promoção das
exportações, cresce o apoio ao agro- negócio, surgem programas como o
exitoso “Moderfrota (1997), e começa- se a lançar, na fase final do
segundo mandato e através dos Fundos Setoriais, as bases de uma
possível retomada da política industrial e tecnológica. Acrescente- se
ainda a estas iniciativas, um grande avanço na prestação de serviços
modernos, A este propósito f icam aqui mencionados a Infraero,
responsável pelo salto na qualidade dos serviços prestados nosaeroportos do país (entre os quais, pelo menos 20, passaram por
profundas reformas), e o Governo Eletrônico – campo em que o Brasil vem
assumindo posições de destaque, e até mesmo liderança, no plano
internacional.
O NOVO GOVERNO E O CRESCIMENTO RÁPIDO E SUSTENTÁVEL.
Três mudanças, comentadas ao longo deste trabalho, modificaram
a capacidade da economia de voltar a crescer, sustentadamente.
O cambio flexível e a correção do crescente desequilíbrio fiscal,
tiraram a economia da rota suicida em que ela se encontrava no primeiro
governo FHC.
10 .
É de se destacar, a este propósito, que G. Franco certamente não é o mais“automaticista” dentre os economistas que participavam do debate acerca decomo levar adiante as reformas da economia.
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A atitude crescentemente pragmática do governo, na fase final do
segundo mandato de FHC, começou a passar para as empresas a idéia de
que, respeitados os limites impostos pela gestão macroeconomica, elas
podem voltar a contar, como no passado (e nas economias capitalistas
bem sucedidas), com o empenho dos órgãos públicos em buscar soluções
para as suas dificuldades. O ingresso do governo na produção de alguns
modernos serviços, e o surgimento, em determinadas áreas, de exitosas
parcerias com o setor privado, viriam também contribuir para a
recuperação, ainda que parcial, da imagem dos poderes públicos - tão
degradada durante a sucessão de crises que assolou esta economia de
1979/80 a 2003.11 .
Como fica, à luz destas últimas considerações – e sempre em
relação `a retomada do crescimento - o atual governo?
Tanto os que aplaudem quanto os que criticam as políticas do atual
governo tendem a centrar as atenções nas políticas macroeconômicas. Ao
faze- lo, omitem questões de grande importância.
Primeiramente, as políticas macroeconômicas a que este governo
deu continuidade não são as que levaram à fragilização galopante daeconomia (até 1998), e sim as que iniciaram a virada para uma nova e
promissora situação – cujo símbolo máximo é, reconhecidamente, o novo
regime cambial.
A segunda ponderação é, também importante. Sem relaxar
minimamente no tocante às políticas macroeconômicas, o atual governo
se caracteriza pela atitude assumida ou mesmo ostensivamente
negociadora, frente ao Congresso, dentro dos vários colegiados ouCâmaras, e junto aos movimentos sociais. No âmbito dos colegiados, em
particular, parece haver se estabelecido um clima de cooperação com o
setor privado (especialmente com a industria e o agronegácio),
impensável no primeiro governo FHC - e que seguramente ultrapassa o
alcançado no final do segundo FHC. Não se trata aqui, ao que parece, de11 Esta recuperação pode vir a se revelar de crít ica importância, para que o paísefetivamente logre levar adiante novos t ipos de polít icas públicas, que supõem intensa
colaboração entre atores integrantes de diferentes esferas. O melhor exemplo distotalvez seja, a Política Industrial, Tecnológica e de Comércio Exterior que começa,apenas, a ser implementada.
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uma opção consciente, e sim do resultado imprevisto da combinação de
uma cultura marcadamente negociadora (característica de alguns dos
mais influentes membros do governo), com a ampliação do campo de
visão dos empresários. No que toca a este último ponto não é demais
lembrar que as empresas que aí estão sobreviveram a numerosas crises,
aprenderam a suportar pressão competitiva desconhecida no passado, e
se encontram hoje diante da possíveis empreendimentos, antevistos, não
raro, no passado, mas repetidamente asfixiados. Visto por este ângulo,
se este governo efetivamente passar a imagem de que não mais haverá
stops, estará dando uma contribuição decisiva para o crescimento. Já
discutimos demais inflexões (para cima e para baixo), temos que discutirtendências e, sobretudo, possibilidades.
É possível acrescentar, ainda, que o reposicionamento estratégico
de numerosas empresas industria, em direção aos mercados externos,
tão importante na redefinição das possibilidades de crescimento, veio a
ser duplamente favorecida pelo novo governo. Num primeiro momento, o
próprio medo diante da nova experiência teria ajudado a intensificar os
nexos das empresas com o exterior. A seguir, a confiança inspirada peladescoberto do quanto este governo apóia as empresas, teria reforçado o
impulso em direção aos lucrativos mercados externos. E aqui convém
mencionar um aspecto que pode se revelar importante, para que a
retomada e possível aceleração do crescimento não venham a ser
comprometidos.
A permissividade no tocante à valorização cambial tem se
repetido, monotonamente, na América Latina e na África, sempre equando as economias voltam, por algum tempo, “a dar certo”. Para que
isto se reproduza presentemente neste país seria, no entanto, necessário,
não apenas um substancial aumento do afluxo de capital, como o
emudecimento da industria – a única que se manteve estruturada e de pé
na América Latina – e dos sindicatos. Seria, por fim, também necessário,
um novo fervor doutrinário, capaz de abafar o pragmatismo e, a êle
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associado, a atitude negociadora e participativa. Nada disto parece
inscrito nas tendências atuais.
Visto em perspectiva, o conjunto das (recentes) transformações
aqui sintetizadas pode ter assumido, neste país, a função da “Reforma da
Reforma”, a que se atribue, usualmente, o retorno ao crescimento no
Chile, após o mergulho iniciado no governo Allende, e agravado,
dramaticamente, nos primeiros anos da ditadura chilena12 . O movimento
teve início naquele país nos anos finais da ditadura – e se tornaria muito
mais consistente no regime democrático. Observe- se que lá como aqui,
no centro das mudanças se encontram a profunda renovação ocorrida no
tecido de empresas, e a redescoberta, por parte do governo, do
pragmatismo.
Caberia talvez f inal izar lembrando que posicionamentos
doutrinários do tipo “colocar a economia no piloto automático”, ou o
preço do cambio e da banana são (ou deveriam ser) formados de idêntica
maneira, tendem a ser rejeitados neste país, onde os políticos e a
burocracia, ao contrário do ocorrido em outras nações latino-
americanas, jamais foram dado a arroubas de inspiração ideológica13 .Resta acrescentar que por contraste com o que tantas vozes tantas vezes
denunciaram, o estado neste país nunca foi demolido, e um novo
pragmatismo, muito mais próximo ao mercado, vem se afirmando nos
últimos anos14 . Por outro lado é bastante plausível supor que a longa
quase estagnação que atravessamos já deu grande parte do que podia
dar de negativo. Daqui por diante talvez possamos nos valer do que dela
ficou de positivo15 .
12 Veja- se a propósito, “Entre El Neoliberalismo Y El Crecimiento Com Equidad. TresDécadas de Política Economica en Chile”, de Ffrench- Davis, Ricardo. J.C.SAÉZ,editor,Chile, 2003.13 Vide a propósito, Ideas and Institutions. Developmentalis m in Brazil and Argentina,de Kathryn Sikkink, Cornell University Press, 1991.14 Este artigo deverá ser seguido por um trabalho de natureza mais técnica, sobre opotencial da economia brasileira após a longa quase- estagnação15 Roberto Cavalcanti de Albuquerque mostrou recentemente que enquanto na dácadados 1970 o PIB crescia muito mais rápido que o capital Humano disonível neste país, o
inverso passou a ocorrer de 1980 em diante. Este é um argumento a mais em favor dahipótese de que há também vantagens da estagnação, diversas vezes explorada nestetexto.
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