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A Tempestade

Date post: 28-Mar-2016
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Peça de William Shakespeare, traduzida por Luis Miguel Cintra, Luís Lima Barreto e José Manuel Mendes. Publicado por Livros Cotovia
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A TEMPESTADE O MAR E O ESPELHO 1
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A TEMPESTADEO MAR E O ESPELHO

1

William Shakespeare

A TEMPESTADEtradução de

José Manuel MendesLuís Lima BarretoLuis Miguel Cintra

seguido de

O MAR E O ESPELHOum comentário de W. H. Auden a

A Tempestade de Shakespeare

tradução de

Daniel Jonas

Cotovia

Título original: The TempestAutor: William Shakespeare

Título original: The Sea and the MirrorAutor: W. H. Auden

copyright © 2003 by The Estate of W. H. Auden© Edições Cotovia, Lda., Lisboa 2009

© para os desenhos, Cristina Reis

Todos os direitos reservados.

ISBN 978-972-795-285-4

Índice

Nota dos tradutores p. 9

Elenco da estreia 13

A TEMPESTADE, DE SHAKESPEARE 15

O MAR E O ESPELHO, DE W. H. AUDEN 141

Nota dos Tradutores de A Tempestade

Têm os tradutores demasiada noção de que é quaseimpossível uma tradução de A Tempestade que respeite osvalores estilísticos do texto original, como aliás acontececom toda a grande poesia. Ao que parece Fernando Pessoaterá tentado e desistiu. Mas A Tempestade é também, comotodas as peças de Shakespeare, grande teatro. E ainda queesta tradução não consiga recriar toda a sua qualidade poé-tica, tentámos que, pelo menos, permitisse a recriação dasua poesia dramática na voz de actores portugueses, o quenem sempre acontece com outras traduções que desespera-damente lutam para não perder a fidelidade à letra do textooriginal e acabam por nem a conseguir nem criar um textodramático em português. Mas sabemos que esta traduçãoficará, como no teatro sempre acontece, datada, e, tendosido feita para um espectáculo do Teatro da Cornucópia em2009, terá só a duração que a evolução dos hábitos linguís-ticos permitir. Será tão efémera como o teatro tem de ser.Que nesta edição aqui fique no entanto o seu registo e oxalápossa ainda servir a outras das muitas encenações que apeça pede e permite. Foi feita pela mesma equipa que, comobjectivos e métodos semelhantes, traduziu Cimbelino, TitoAndrónico e Júlio César. Tal como nessas traduções foiimportante para nós:

1. Conseguir um texto que, não sendo um pastiche doportuguês do início do século XVII, nunca deixasse esque-

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cer, quer semântica quer sintacticamente, que se trata deum texto antigo, sem receio de recorrer a vocabulário já emdesuso ou a construções sintácticas pouco comuns no por-tuguês contemporâneo. Gostaríamos por exemplo que ovocabulário náutico lembrasse ao espectador português a“História Trágico-Marítima” ou mesmo “Os Lusíadas”.

2. Sem a pretensão de fazer uma “recriação poética” deum texto na sua maior parte em verso, elaborar um textoem português que, pela sua cadência rítmica, conservealguma da musicalidade e da fluência do “blank verse” ori-ginal, e mantenha a alternância do texto original com outrostrechos em prosa ou em verso rimado. Com essa intençãonos vimos obrigados a uma tradução mais livre nas falas deÍris, Ceres e Juno do espectáculo na cena 1 do 4º acto, ouno epílogo. Mais difíceis foram as opções a tomar para aletra das várias canções que necessariamente terá de seradaptada à música que se utilizará em cada espectáculo,como aliás aconteceu no espectáculo da Cornucópia.

3. Tentar que os diferentes tipos de linguagem quecaracterizam a nobreza de certas personagens e a grosseriade outros não se perdessem na versão portuguesa. Fomos aíobrigados a ceder a alguma “modernidade” na traduçãodas cenas de Estêvão e Trínculo onde a extrema coloquiali-dade seria impossível de traduzir de forma mais “arcai-zante”.

4. Tentar que não se perdessem pelo menos alguns dossofisticadíssimos jogos de palavras do texto original, o quenos obrigou em certas cenas, como por exemplo na pri-meira cena dos nobres (Segundo acto, cena 1), a ir maislonge na adaptação do que seria nosso gosto, sob pena deperder a própria razão de ser do diálogo e uma sua qual-quer eficácia cénica.

A Tempestade

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5. Não deixar perder a utilização dramática das formasde tratamento do texto original com a oscilação entre o“you” e o “thou”, que fizemos corresponder ao tu e vósportugueses, e que, por exemplo nas cenas de Estêvão eTrínculo, ou na relação Próspero/Fernando, são fundamen-tais para a própria acção.

6. Adaptar os nomes próprios para português, de formaa não distanciar a comunicação natural com o aparecimentonum texto português de nomes “estrangeiros”, o que nestetexto não foi difícil, dado que já no texto original os nomessão na sua maioria italianizantes e alguns jogos semânticosque eles permitem (“Miranda” com “admirar”, “Próspero”com o adjectivo homófono, por exemplo) se tornam maisevidentes ainda em português.

Ainda que tendo optado, como nas outras traduções deShakespeare, por um texto com a aparência de uma divisãoem versos que o ajude a organizar ritmicamente, não houvea pretensão de o fazer em versos propriamente ditos e jul-gámos portanto inútil sempre que no texto original umverso é dividido pela fala de duas personagens, manter essaaparência gráfica em português. O início de cada fala cor-responde aqui, portanto a um início de linha, o que nemsempre acontece no texto original.

Existem algumas variantes entre as diferentes ediçõescríticas da A Tempestade, nomeadamente, como aliás sem-pre acontece, nas didascálias. Mais do que guiarmo-nosapenas por uma edição, fomos comparando as diferentesedições e sendo o nosso objectivo primeiro o de elaborarum texto para o palco, escolhemos de entre essas variantesa que mais coerente e eficaz nos pareceu. O texto que nos

Nota dos Tradutores

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serviu de base foi, no entanto a edição da Oxford World’sClassics, na leitura de Stephen Orgel (Oxford UniversityPress, 1998).

Fomos particularmente sensíveis na nossa leitura deA Tempestade ao poema de W.H. Auden The Sea and theMirror que lhe inventa mais um epílogo falado por todas assuas personagens com um ponto de vista moderno. Chegá-mos a pensar acrescentá-lo ao texto de Shakespeare nonosso espectáculo. Não estando ainda traduzido em portu-guês pedimos a Daniel Jonas que o traduzisse. Quisemosque a sua edição acompanhasse esta nossa A Tempestade eque, pelo menos, figurasse no mesmo volume como belís-simo comentário ao texto de Shakespeare e pudesse serconhecido como uma reelaboração do mito que, segundoo próprio Auden, A Tempestade consegue criar.

A Tempestade

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Elenco da Estreiade

A TEMPESTADE

pelo Teatro da Cornucópia no Teatro do Bairro Altoa 12 de Março de 2009

ALONSO José Manuel MendesSEBASTIÃO Ricardo AibéoPRÓSPERO Luis Miguel CintraANTÓNIO António FonsecaFERNANDO Vítor D’AndradeGONÇALO Luís Lima BarretoADRIANO Tiago MatiasFRANCISCO Pedro LamasCALIBAN Nuno LopesTRÍNCULO Duarte GuimarãesESTÊVÃO João Pedro VazO MESTRE Paulo Moura Lopes

MIRANDA Sofia MarquesARIEL Dinis GomesTransformação de Ariel em Ninfa do Mar Rita Durão Transformação de Ariel em Harpia Márcia Breia

IRIS Rita DurãoCERES Dinis GomesJUNO Márcia Breia

Cravista Marcos Magalhães/José Carlos Araújo

Encenação Luis Miguel CintraCenário e Figurinos Cristina ReisDesenho de luz Daniel Worm D’AssumpçãoColaboração musical Marcos Magalhães

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WILLIAM SHAKESPEARE

A TEMPESTADE

Personagens

ALONSO — Rei de NápolesSEBASTIÃO — seu irmãoPRÓSPERO — o legítimo Duque de MilãoANTÓNIO — seu irmão, usurpador do ducado de MilãoFERNANDO — filho do Rei de NápolesGONÇALO — um velho honrado conselheiroADRIANO

FRANCISCO

CALIBAN — um escravo selvagem e disformeTRÍNCULO — um boboESTÊVÃO — um despenseiro bêbadoO CAPITÃO DO NAVIO

O MESTRE

MARINHEIROS

MIRANDA — filha de PrósperoARIEL — um espírito do arIRIS

CERES

JUNO

NINFAS

CEIFEIROS

A cena: uma ilha desabitada

17

{

nobres

{

personificações de espíritos

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ACTO ICENA 1

Ouve-se o ruído tempestuoso de um trovão e um relâmpago.Entra o Capitão e o Contramestre do navio.

CAPITÃO

Mestre!

MESTRE

Aqui, capitão! Que mandais?

CAPITÃO

Ouve, fala aos marinheiros. Depressa, manobrai, ouvamos encalhar. Lestos! Lestos!

Sai.Entram marinheiros.

MESTRE

Eia, valentes! Ânimo, Ânimo, companheiros! Depressa,depressa! Arriai a mezena. Atentos ao apito do capitão.(Trovão) — Soprai, ventos, rebentai, mas dai espaço pramanobra!

Entram Alonso, Sebastião, António, Gonçalo e outros.

ALONSO

Cuidado, bom mestre. Onde está o capitão? (Para osmarinheiros) Portai-vos como homens.

MESTRE

Agora, por favor, livrem o convés.

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ANTÓNIO

Mestre, onde está o capitão?

MESTRE

Não o ouvis? Estorvais o trabalho. Ide para as cabines— ajudais a tempestade.

GONÇALO

Meu amigo, calma!

MESTRE

Quando o mar a tiver. Fora! Que importa o nome de reiàs vagas que assim roncam? Para a cabine; calai-vos!Não estorveis.

GONÇALO

Seja, mas lembra-te de quem tens a bordo.

MESTRE

Ninguém que eu ame mais do que a mim próprio. Vóssois conselheiro; se conseguirdes mandar calar os ele-mentos e trazer bonança a esta hora, não tocaremos nósem mais nenhuma corda — dai uso à vossa autoridade.Mas se não conseguirdes, dai graças por terdes vividotanto tempo, e preparai-vos na vossa cabine para a horafatal, que bem pode suceder. (Para os marinheiros) Cora-gem, esforçados corações! (Para os nobres) — Saí docaminho, já vos disse.

Sai.

GONÇALO

Estou confiante neste camarada. Não nasceu para mor-rer afogado; tem mais cara para acabar na forca.

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Apressa-te, Fortuna, com o seu enforcamento, faz dacorda que o espera a nossa amarra, já que a nossa nosserve de pouco. Mas se não nasceu para a forca, estamosnós perdidos.

Saem.

Entra o Mestre.

MESTRE

Baixa o mastaréu! Depressa! Baixa! Arreia! À capa coma vela grande! (Um grito dentro) Morra de má mortequem está a gritar! Fazem mais alarido que as nossasmanobras ou que o temporal.

Entram Sebastião, António e Gonçalo.

Outra vez? Que fazeis aqui? Paramos e deixamo-nosafogar? Quereis ir ao fundo?

SEBASTIÃO

Que a sífilis te coma, berrão, blasfemo, cão tinhoso!

MESTRE

Vinde vós trabalhar!

ANTÓNIO

Vai-te enforcar, rafeiro, vai-te enforcar, filho da putainsolente, desordeiro! Temos menos medo de morrerafogados do que tu!

GONÇALO

Garanto que ele não se afoga, nem que a nau fosse cascade noz e mais rota que rameira incontinente.

Acto I, Cena 1

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MESTRE

Ponde-a de feição, de feição! Soltai outra vez as duasvelas, capear para o largo! Mar adentro!

Entram marinheiros molhados.

MARINHEIROS

Estamos todos perdidos! Rezemos, rezemos! Perdidos.

Saem.

MESTRE

O quê? Quereis que nos arrefeça o céu da boca?

GONÇALO

O Rei e o Príncipe rezam, vamos acompanhá-los.A nossa causa é a causa deles.

SEBASTIÃO

Deixei de ter paciência!

ANTÓNIO

São estes borrachos que nos levam a vida! Ah, tratante desbocado — oxalá te afogassem,Lavado por dez marés!

Sai o Mestre.

GONÇALO

Mas será enforcado,Por mais que cada gota de água pragueje contra eleE o mar escancare a boca para o engolir.

Ruído confuso dentro.

A Tempestade

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“Misericórdia!” — “A nau está a partir-se, naufraga-mos!” — “Adeus mulher, adeus meus filhos!” —“Adeus irmão!” — “ Naufragamos! Vamos ao fundo!”

ANTÓNIO

Afundemo-nos todos com o Rei.

SEBASTIÃO

Vamos, despedimo-nos dele.

Sai com António.

GONÇALO

Dava agora mil milhas de oceano por um acre de terraruim — urzes altas, tojo ardido, não importa. Seja feita avontade dos céus, mas preferia morrer de morte seca.

Sai.

CENA 2

A Ilha.Entram Próspero e Miranda.

MIRANDA

Se por vossa arte, querido pai, pusestes Neste alvoroço as bravas águas, acalmai-as, Por favor. O céu parecia querer derramarFétido breu, se o mar, subindo à sua face Enevoada, não lhe apagasse o fogo.Ai, o que eu sofri com os que eu vi sofrer!Um tão soberbo barco, tendo certamente

Acto I, Cena 2

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