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A Teoria Dos Campos Conceituais de Vergnaud

Date post: 07-Jun-2015
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A TEORIA DOS CAMPOS CONCEITUAIS DE VERGNAUD, O ENSINO DE CIÊNCIAS E A PESQUISA NESTA ÁREA (Vergnaud’s conceptual field theory, science education, and research in this area) Marco Antonio Moreira Instituto de Física, UFRGS Caixa Postal 15051 91501-970 Porto Alegre, RS [email protected] Resumo Descreve-se a teoria dos campos conceituais de Vergnaud como possível referencial para o ensino de ciências e para a pesquisa nesta área. Além da descrição em si, são estabelecidas algumas pontes entre essa teoria e outros referenciais como, por exemplo, aprendizagem significativa, resolução de problemas e representações mentais. Palavras-chave: campos conceituais, Vergnaud, ensino de ciências. Abstract Vergnaud’s conceptual fields theory is described as a possible framework for science education and for research in this area. In addition to the description of the theory, some links are established with other frameworks such as meaningful learning, problem solving, and mental representations. Key-words: conceptual fields, Vergnaud, science education.
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Page 1: A Teoria Dos Campos Conceituais de Vergnaud

A TEORIA DOS CAMPOS CONCEITUAIS DE VERGNAUD O ENSINO DE CIEcircNCIAS E A

PESQUISA NESTA AacuteREA (Vergnaudrsquos conceptual field theory science education and research in this area)

Marco Antonio Moreira Instituto de Fiacutesica UFRGS

Caixa Postal 15051 91501-970 Porto Alegre RS

moreiraifufrgsbr

Resumo

Descreve-se a teoria dos campos conceituais de Vergnaud como possiacutevel referencial para o ensino de ciecircncias e para a pesquisa nesta aacuterea Aleacutem da descriccedilatildeo em si satildeo estabelecidas algumas pontes entre essa teoria e outros referenciais como por exemplo aprendizagem significativa resoluccedilatildeo de problemas e representaccedilotildees mentais Palavras-chave campos conceituais Vergnaud ensino de ciecircncias

Abstract

Vergnaudrsquos conceptual fields theory is described as a possible framework for science education and for research in this area In addition to the description of the theory some links are established with other frameworks such as meaningful learning problem solving and mental representations Key-words conceptual fields Vergnaud science education

Introduccedilatildeo

Este texto tem por objetivo descrever a teoria dos campos conceituais de Vergnaud e suas implicaccedilotildees para o ensino de ciecircncias e para a pesquisa nesta aacuterea

Geacuterard Vergnaud diretor de pesquisa do Centro Nacional de Pesquisa Cientiacutefica (CNRS) da Franccedila disciacutepulo de Piaget amplia e redireciona em sua teoria o foco piagetiano das operaccedilotildees loacutegicas gerais das estruturas gerais do pensamento para o estudo do funcionamento cognitivo do sujeito-em-situaccedilatildeo Aleacutem disso diferentemente de Piaget toma como referecircncia o proacuteprio conteuacutedo do conhecimento e a anaacutelise conceitual do domiacutenio desse conhecimento (Vergnaud 1994 p 41 Franchi 1999 p 160) Para Vergnaud Piaget natildeo se deu conta de quanto o desenvolvimento cognitivo depende de

situaccedilotildees e de conceitualizaccedilotildees especiacuteficas necessaacuterias para lidar com elas (1998 p 181) Segundo ele Piaget tambeacutem natildeo percebeu o infrutiacutefero que eacute tentar reduzir a complexidade conceitual progressivamente dominada pelas crianccedilas a algum tipo de complexidade loacutegica geral (1994 p 41) Vergnaud argumenta que embora Piaget tenha feito um trabalho muito importante para a educaccedilatildeo ele natildeo trabalhou dentro da sala de aula ensinando matemaacutetica e ciecircncias No entanto no momento em que nos interessamos por aquilo que se passa na sala de aula somos obrigados a nos interessar pelo conteuacutedo do conhecimento (1996b p 10) O proacuteprio Vergnaud no que se refere agrave Matemaacutetica foi obrigado a se interessar muito mais do que Piaget por questotildees como as estruturas aditivas e as estruturas multiplicativas para estudar as dificuldades dos alunos nessas aacutereas Parece-lhe claro que as dificuldades dos estudantes natildeo satildeo as mesmas de um campo conceitual para outro (ibid)

Por outro lado Vergnaud reconhece a importacircncia da teoria de Piaget destacando as ideacuteias de adaptaccedilatildeo desequilibraccedilatildeo e reequilibraccedilatildeo como pedras angulares para a investigaccedilatildeo em didaacutetica das Ciecircncias e da Matemaacutetica Mas acredita que a grande pedra angular colocada por Piaget foi o conceito de esquema (1996c p 206) Tal conceito como veremos mais adiante eacute fundamental na teoria de Vergnaud

Vergnaud reconhece igualmente que sua teoria dos campos conceituais foi desenvolvida tambeacutem a partir do legado de Vygotsky Isso se percebe por exemplo na importacircncia atribuiacuteda agrave interaccedilatildeo social agrave linguagem e agrave simbolizaccedilatildeo no progressivo domiacutenio de um campo conceitual pelos alunos Para o professor a tarefa mais difiacutecil eacute a de prover oportunidades aos alunos para que desenvolvam seus esquemas na zona de desenvolvimento proximal (1998 p 181)

Vergnaud toma como premissa que o conhecimento estaacute organizado em campos conceituais cujo domiacutenio por parte do sujeito ocorre ao longo de um largo periacuteodo de tempo atraveacutes de experiecircncia maturidade e aprendizagem (1982 p 40) Campo conceitual eacute para ele um conjunto informal e heterogecircneo de problemas situaccedilotildees conceitos relaccedilotildees estruturas conteuacutedos e operaccedilotildees de pensamento conectados uns aos outros e provavelmente entrelaccedilados durante o processo de aquisiccedilatildeo (ibid) O domiacutenio de um campo conceitual natildeo ocorre em alguns meses nem mesmo em alguns anos Ao contraacuterio novos problemas e novas propriedades devem ser estudados ao longo de vaacuterios anos se quisermos que os alunos progressivamente os dominem De nada serve tentar contornar as dificuldades conceituais elas satildeo superadas na medida em que satildeo encontradas e enfrentadas mas isso natildeo ocorre de um soacute golpe (1983a p 401)

A teoria dos campos conceituais supotildee que o acircmago do desenvolvimento cognitivo eacute a conceitualizaccedilatildeo (1996a p 118) Eacute ela a pedra angular da cogniccedilatildeo (1998 p 173) Logo deve-se dar toda atenccedilatildeo aos aspectos conceituais dos esquemas e agrave anaacutelise conceitual das situaccedilotildees para as quais os estudantes desenvolvem seus esquemas na escola ou fora dela (1994 p 58)

Natildeo eacute no entanto uma teoria de ensino de conceitos expliacutecitos e formalizados Trata-se de uma teoria psicoloacutegica do processo de conceitualizaccedilatildeo do real que permite localizar e estudar continuidades e rupturas entre conhecimentos do ponto de vista de seu conteuacutedo conceitual (1990 p 133) No estudo desse processo qualquer reducionismo eacute perigoso na

medida em que a conceitualizaccedilatildeo do real eacute especiacutefica de conteuacutedo e natildeo pode ser reduzida nem agraves operaccedilotildees loacutegicas gerais nem agraves operaccedilotildees puramente linguumliacutesticas nem agrave reproduccedilatildeo social nem agrave emergecircncia de estruturas inatas nem enfim ao modelo do processamento da informaccedilatildeo (1983a p 392) Consequumlentemente a teoria dos campos conceituais eacute uma teoria complexa pois envolve a complexidade decorrente da necessidade de abarcar em uma uacutenica perspectiva teoacuterica todo o desenvolvimento de situaccedilotildees progressivamente dominadas dos conceitos e teoremas necessaacuterios para operar eficientemente nessas situaccedilotildees e das palavras e siacutembolos que podem representar eficazmente esses conceitos e operaccedilotildees para os estudantes dependendo de seus niacuteveis cognitivos (1994 p 43)

Resumindo a teoria dos campos conceituais eacute uma teoria cognitivista neopiagetiana que pretende oferecer um referencial mais frutiacutefero do que o piagetiano ao estudo do desenvolvimento cognitivo e da aprendizagem de competecircncias complexas particularmente aquelas implicadas nas ciecircncias e na teacutecnica levando em conta os proacuteprios conteuacutedos do conhecimento e a anaacutelise conceitual de seu domiacutenio Embora Vergnaud esteja especialmente interessado nos campos conceituais das estruturas aditivas e das estruturas multiplicativas (1983b p 128) a teoria dos campos conceituais natildeo eacute especiacutefica desses campos nem da Matemaacutetica Em Fiacutesica por exemplo haacute vaacuterios campos conceituais -- como o da Mecacircnica o da Eletricidade e o da Termologia -- que natildeo podem ser ensinados de imediato nem como sistemas de conceitos nem como conceitos isolados Eacute necessaacuteria uma perspectiva desenvolvimentista agrave aprendizagem desses campos O mesmo eacute vaacutelido segundo Vergnaud (1996a p 116) em Biologia a compreensatildeo da reproduccedilatildeo em vegetais natildeo tem muito a ver com o entendimento da reproduccedilatildeo em animais ou com a compreensatildeo de processos celulares A Histoacuteria a Geografia a Educaccedilatildeo Fiacutesica por exemplo tecircm igualmente uma seacuterie de campos conceituais para os quais os alunos devem desenvolver esquemas e concepccedilotildees especiacuteficas Em todos esses casos o modelo piagetiano da assimilaccedilatildeoacomodaccedilatildeo funciona desde que natildeo se tente reduzir a adaptaccedilatildeo de esquemas e conceitos a estruturas loacutegicas (ibid)

Os conceitos-chave da teoria dos campos conceituais satildeo aleacutem do proacuteprio conceito de campo conceitual os conceitos de esquema (a grande heranccedila piagetiana de Vergnaud) situaccedilatildeo invariante operatoacuterio (teorema-em-accedilatildeo ou conceito-em-accedilatildeo) e a sua concepccedilatildeo de conceito

Nas seccedilotildees seguintes cada um destes conceitos seraacute abordado e exemplificado na perspectiva da teoria de Vergnaud Apoacutes isso seratildeo retomados aspectos gerais da teoria e examinadas as implicaccedilotildees para o ensino de ciecircncias em particular e para a pesquisa em ensino

Campos conceituais

Uma definiccedilatildeo de campo conceitual jaacute foi dada na introduccedilatildeo deste trabalho na paacutegina 1 Vejamos outras bem como alguns exemplos

Campo conceitual eacute tambeacutem definido por Vergnaud como um conjunto de problemas e situaccedilotildees cujo tratamento requer conceitos procedimentos e representaccedilotildees de tipos diferentes mas intimamente relacionados (1983b p 127)

Em outros trabalhos (1988 p 141 1990 p 146) Vergnaud define campo conceitual como sendo em primeiro lugar um conjunto de situaccedilotildees cujo domiacutenio requer por sua vez o domiacutenio de vaacuterios conceitos de naturezas distintas Por exemplo o campo conceitual das estruturas multiplicativas consiste de todas as situaccedilotildees que podem ser analisadas como problemas de proporccedilotildees simples e muacuteltiplas para os quais geralmente eacute necessaacuteria uma multiplicaccedilatildeo uma divisatildeo ou uma combinaccedilatildeo dessas operaccedilotildees (ibid) Vaacuterios tipos de conceitos matemaacuteticos estatildeo envolvidos nas situaccedilotildees que constituem o campo conceitual das estruturas multiplicativas e no pensamento necessaacuterio para dominar tais situaccedilotildees Entre tais conceitos estatildeo o de funccedilatildeo linear funccedilatildeo natildeo-linear espaccedilo vetorial anaacutelise dimensional fraccedilatildeo razatildeo taxa nuacutemero racional multiplicaccedilatildeo e divisatildeo (ibid) Analogamente o campo conceitual das estruturas aditivas eacute o conjunto de situaccedilotildees cujo domiacutenio requer uma adiccedilatildeo uma subtraccedilatildeo ou uma combinaccedilatildeo de tais operaccedilotildees

Como se pode observar a definiccedilatildeo referida na introduccedilatildeo -- conjunto informal e heterogecircneo de problemas situaccedilotildees conceitos relaccedilotildees estruturas conteuacutedos e operaccedilotildees de pensamento conectados uns aos outros e provavelmente entrelaccedilados durante o processo de aquisiccedilatildeo -- eacute mais abrangente Posteriormente a ela Vergnaud destaca a ideacuteia de situaccedilotildees nas definiccedilotildees que daacute de campo conceitual Como ver-se-aacute mais adiante situaccedilatildeo eacute um conceito-chave da teoria de Vergnaud poreacutem a definiccedilatildeo inicial mais ampla de campo conceitual daacute uma ideacuteia melhor da complexidade daquilo que ele chama de campo conceitual

Trecircs argumentos principais levaram Vergnaud (1983a p 393) ao conceito de campo conceitual 1) um conceito natildeo se forma dentro de um soacute tipo de situaccedilotildees 2) uma situaccedilatildeo natildeo se analisa com um soacute conceito 3) a construccedilatildeo e apropriaccedilatildeo de todas as propriedades de um conceito ou todos os aspectos de uma situaccedilatildeo eacute um processo de muito focirclego que se estende ao longo dos anos agraves vezes uma dezena de anos com analogias e mal-entendidos entre situaccedilotildees entre concepccedilotildees entre procedimentos entre significantes

Vergnaud considera o campo conceitual como uma unidade de estudo para dar sentido agraves dificuldades observadas na conceitualizaccedilatildeo do real e como foi dito antes a teoria dos campos conceituais supotildee que a conceitualizaccedilatildeo eacute a essecircncia do desenvolvimento cognitivo

Aleacutem dos jaacute citados campos conceituais das estruturas aditivas e multiplicativas outros importantes campos conceituais interferindo com esses dois incluem deslocamentos e transformaccedilotildees espaciais classificaccedilotildees de objetos e aspectos discretos movimentos e relaccedilotildees entre tempo velocidade distacircncia aceleraccedilatildeo e forccedila relaccedilotildees de parentesco mediccedilotildees de quantidades espaciais e fiacutesicas contiacutenuas (1983b p 128)

Naturalmente esses campos conceituais natildeo satildeo independentes e uns podem ser importantes para a compreensatildeo de outros mas ainda assim Vergnaud considera uacutetil falar em distintos campos conceituais se eles puderem ser consistentemente descritos Ele crecirc

que eacute praticamente impossiacutevel estudar as coisas separadamente mas por isso mesmo eacute preciso fazer recortes e eacute nesse sentido que os campos conceituais satildeo unidades de estudo frutiacuteferas para dar sentido aos problemas de aquisiccedilatildeo e agraves observaccedilotildees feitas em relaccedilatildeo agrave conceitualizaccedilatildeo (1983a p 393)

Jaacute que o nuacutecleo do desenvolvimento cognitivo eacute a conceitualizaccedilatildeo Vergnaud destaca que eacute preciso dar toda atenccedilatildeo aos aspectos conceituais dos esquemas e agrave anaacutelise conceitual das situaccedilotildees nas quais os aprendizes desenvolvem seus esquemas na escola ou na vida real (1994 p 58) Isso nos leva ao conceito de conceito na teoria dos campos conceituais

Conceitos

Vergnaud define conceito como um tripleto de trecircs conjuntos (1983a p 393 1988 p 141 1990 p 145 1993 p 8 1997 p 6) C = (S I R) onde

S eacute um conjunto de situaccedilotildees que datildeo sentido ao conceito I eacute um conjunto de invariantes (objetos propriedades e relaccedilotildees) sobre os quais repousa a operacionalidade do conceito ou o conjunto de invariantes operatoacuterios associados ao conceito ou o conjunto de invariantes que podem ser reconhecidos e usados pelos sujeitos para analisar e dominar as situaccedilotildees do primeiro conjunto R eacute um conjunto de representaccedilotildees simboacutelicas (linguagem natural graacuteficos e diagramas sentenccedilas formais etc) que podem ser usadas para indicar e representar esses invariantes e consequumlentemente representar as situaccedilotildees e os procedimentos para lidar com elas O primeiro conjunto ndash de situaccedilotildees ndash eacute o referente do conceito o segundo ndash de invariantes operatoacuterios ndash eacute o significado do conceito enquanto o terceiro ndash de representaccedilotildees simboacutelicas ndash eacute o significante

Uma definiccedilatildeo pragmaacutetica poderia considerar um conceito como um conjunto de invariantes utilizaacuteveis na accedilatildeo mas esta definiccedilatildeo implica tambeacutem um conjunto de situaccedilotildees que constituem o referente e um conjunto de esquemas postos em accedilatildeo pelos sujeitos nessas situaccedilotildees Daiacute o tripleto (S R I) onde em termos psicoloacutegicos S eacute a realidade e (I R) a representaccedilatildeo que pode ser considerada como dois aspectos interagentes do pensamento o significado (I) e o significante (R) (1998 p 141)

Isso implica que para estudar o desenvolvimento e uso de um conceito ao longo da aprendizagem ou de sua utilizaccedilatildeo eacute necessaacuterio considerar esses trecircs conjuntos simultaneamente Natildeo haacute em geral correspondecircncia biuniacutevoca entre significantes e significados nem entre invariantes e situaccedilotildees natildeo se pode portanto reduzir o significado nem aos significantes nem agraves situaccedilotildees (1990 p 146) Por outro lado como foi dito um uacutenico conceito natildeo se refere a um soacute tipo de situaccedilatildeo e uma uacutenica situaccedilatildeo natildeo pode ser analisada com um soacute conceito

Por tudo isso eacute necessaacuterio falar-se em campos conceituais Mas se os conceitos tornam-se significativos atraveacutes de situaccedilotildees decorre naturalmente que as situaccedilotildees e natildeo os conceitos constituem a principal entrada de um campo conceitual Um campo conceitual eacute em primeiro lugar um conjunto de situaccedilotildees (1988 p 141 1990 p 5) cujo domiacutenio

requer o domiacutenio de vaacuterios conceitos de naturezas distintas

Situaccedilotildees

O conceito de situaccedilatildeo empregado por Vergnaud natildeo eacute o de situaccedilatildeo didaacutetica mas sim o de tarefa sendo que toda situaccedilatildeo complexa pode ser analisada como uma combinaccedilatildeo de tarefas para as quais eacute importante conhecer suas naturezas e dificuldades proacuteprias A dificuldade de uma tarefa natildeo eacute nem a soma nem o produto das diferentes subtarefas envolvidas mas eacute claro que o desempenho em cada subtarefa afeta o desempenho global (1990 p 146 1993 p 9)

Vergnaud recorre tambeacutem ao sentido que segundo ele (op cit p 150 e p 12) eacute atribuiacutedo usualmente pelo psicoacutelogo ao conceito de situaccedilatildeo os processos cognitivos e as respostas do sujeito satildeo funccedilatildeo das situaccedilotildees com as quais eacute confrontado Aleacutem disso ele destaca duas ideacuteias principais em relaccedilatildeo ao sentido de situaccedilatildeo variedade e histoacuteria Isto eacute em um certo campo conceitual existe uma grande variedade de situaccedilotildees e os conhecimentos dos alunos satildeo moldados pelas situaccedilotildees que encontram e progressivamente dominam particularmente pelas primeiras situaccedilotildees suscetiacuteveis de dar sentido aos conceitos e procedimentos que queremos que aprendam (ibid) Segundo Vergnaud muitas de nossas concepccedilotildees vecircm das primeiras situaccedilotildees que fomos capazes de dominar ou de nossa experiecircncia tentando modificaacute-las (1996a p 117)

Como foi dito antes as situaccedilotildees eacute que datildeo sentido ao conceito as situaccedilotildees eacute que satildeo responsaacuteveis pelo sentido atribuiacutedo ao conceito (Barais amp Vergnaud 1990 p 78) um conceito torna-se significativo atraveacutes de uma variedade de situaccedilotildees (1994 p 46) Mas o sentido natildeo estaacute nas situaccedilotildees em si mesmas assim como natildeo estaacute nas palavras nem nos siacutembolos (1990 p 158)

O sentido eacute uma relaccedilatildeo do sujeito com as situaccedilotildees e com os significantes Mais precisamente satildeo os esquemas ie os comportamentos e sua organizaccedilatildeo evocados no sujeito por uma situaccedilatildeo ou por um significante (representaccedilatildeo simboacutelica) que constituem o sentido dessa situaccedilatildeo ou desse significante para esse indiviacuteduo (1990 p 158 1993 p 18) Por exemplo o sentido de adiccedilatildeo para um sujeito individual eacute o conjunto de esquemas que ele pode utilizar para lidar com situaccedilotildees com as quais se defronta e que implicam a ideacuteia de adiccedilatildeo eacute tambeacutem o conjunto de esquemas que ele pode acionar para operar sobre os siacutembolos numeacutericos algeacutebricos graacuteficos e linguumliacutesticos que representam a adiccedilatildeo (ibid) Por outro lado uma dada situaccedilatildeo ou um certo simbolismo natildeo evocam no indiviacuteduo todos os esquemas disponiacuteveis o que significa que o sentido de uma situaccedilatildeo particular de adiccedilatildeo natildeo eacute o sentido de adiccedilatildeo para esse indiviacuteduo assim como natildeo o eacute o sentido de um siacutembolo particular Trata-se de um subconjunto dos esquemas que o sujeito possui ou dos esquemas possiacuteveis (ibid)

Vejamos onde estamos a ideacuteia de campo conceitual nos levou ao conceito de conceito como um tripleto (referente significado e significante) poreacutem como satildeo as situaccedilotildees que datildeo sentido ao conceito chegamos ao conceito de situaccedilatildeo e dele ao de esquema pois satildeo os esquemas evocados no sujeito que datildeo sentido a uma dada situaccedilatildeo O conceito de

esquema como veremos nos levaraacute ao conceito de invariante operatoacuterio

Esquemas

Vergnaud chama de esquema a organizaccedilatildeo invariante do comportamento para uma determinada classe de situaccedilotildees (1990 p 136 1993 p 2 1994 p 53 1996c p 201 1998 p 168) Segundo ele eacute nos esquemas que se devem pesquisar os conhecimentos-em-accedilatildeo do sujeito isto eacute os elementos cognitivos que fazem com que a accedilatildeo do sujeito seja operatoacuteria

Esquema eacute o conceito introduzido por Piaget para dar conta das formas de organizaccedilatildeo tanto das habilidades sensoacuterio-motoras como das habilidades intelectuais Um esquema gera accedilotildees e deve conter regras mas natildeo eacute um estereoacutetipo porque a sequumlecircncia de accedilotildees depende dos paracircmetros da situaccedilatildeo (1994 p 53) Um esquema eacute um universal que eacute eficiente para toda uma gama de situaccedilotildees e pode gerar diferentes sequumlecircncias de accedilatildeo de coleta de informaccedilotildees e de controle dependendo das caracteriacutesticas de cada situaccedilatildeo particular Natildeo eacute o comportamento que eacute invariante mas a organizaccedilatildeo do comportamento (1998 p 172)

Haacute esquemas perceptivo-gestuais como o de contar objetos ou de fazer um graacutefico ou um diagrama mas haacute tambeacutem esquemas verbais como o de fazer um discurso e esquemas sociais como o de seduzir outra pessoa ou o de gerenciar um conflito (ibid) Algoritmos por exemplo satildeo esquemas mas nem todos os esquemas satildeo algoritmos Quando algoritmos satildeo utilizados repetidamente para tratar as mesmas situaccedilotildees eles se transformam em esquemas ordinaacuterios ou haacutebitos (op cit p 176)

Vergnaud considera que os esquemas necessariamente se referem a situaccedilotildees a tal ponto que segundo ele (1996c p 203) dever-se-ia falar em interaccedilatildeo esquema-situaccedilatildeo ao inveacutes de interaccedilatildeo sujeito-objeto da qual falava Piaget Decorre daiacute que o desenvolvimento cognitivo consiste sobretudo e principalmente no desenvolvimento de um vasto repertoacuterio de esquemas Este repertoacuterio afeta esferas muito distintas da atividade humana e quando analisamos por exemplo os conteuacutedos da competecircncia profissional de um indiviacuteduo frequumlentemente observamos que junto a competecircncias teacutecnicas e cientiacuteficas propriamente ditas estatildeo com peso consideraacutevel competecircncias sociais e afetivas A educaccedilatildeo portanto deve contribuir para que o sujeito desenvolva um repertoacuterio amplo e diversificado de esquemas poreacutem procurando evitar que esses esquemas se convertam em estereoacutetipos esclerosados (ibid)

Voltemos agrave definiccedilatildeo esquema eacute a organizaccedilatildeo invariante do comportamento para uma dada classe de situaccedilotildees Trata-se de uma definiccedilatildeo precisa mas que certamente necessita de maiores especificaccedilotildees para facilitar sua compreensatildeo Aquilo que Vergnaud chama de ingredientes dos esquemas (1990 p 136 142 1994 p 46 1996a p 113-114 1996b p 11 1996c p 201-202-206 1998 p 173) fornece tais especificaccedilotildees

1 metas e antecipaccedilotildees (um esquema se dirige sempre a uma classe de situaccedilotildees nas quais o sujeito pode descobrir uma possiacutevel finalidade de sua atividade e eventualmente

submetas pode tambeacutem esperar certos efeitos ou certos eventos) 2 regras de accedilatildeo do tipo se entatildeo que constituem a parte verdadeiramente geradora do esquema aquela que permite a geraccedilatildeo e a continuidade da sequumlecircncia de accedilotildees do sujeito satildeo regras de busca de informaccedilatildeo e controle dos resultados da accedilatildeo 3 invariantes operatoacuterios (teoremas-em-accedilatildeo e conceitos-em-accedilatildeo) que dirigem o reconhecimento por parte do indiviacuteduo dos elementos pertinentes agrave situaccedilatildeo satildeo os conhecimentos contidos nos esquemas satildeo eles que constituem a base impliacutecita ou expliacutecita que permite obter a informaccedilatildeo pertinente e dela inferir a meta a alcanccedilar e as regras de accedilatildeo adequadas 4 possibilidades de inferecircncia (ou raciociacutenios) que permitem calcular aqui e agora as regras e antecipaccedilotildees a partir das informaccedilotildees e invariantes operatoacuterios de que dispotildee o sujeito ou seja toda a atividade implicada nos trecircs outros ingredientes requer caacutelculos aqui e imediatamente em situaccedilatildeoComo foi dito para Vergnaud os esquemas se referem necessariamente a situaccedilotildees ou classes de situaccedilotildees onde ele (1993 p 2) distingue entre 1 classes de situaccedilotildees em que o sujeito dispotildee no seu repertoacuterio em dado momento de seu desenvolvimento e sob certas circunstacircncias das competecircncias necessaacuterias ao tratamento relativamente imediato da situaccedilatildeo 2 classes de situaccedilotildees em que o sujeito natildeo dispotildee de todas as competecircncias necessaacuterias o que obriga a um tempo de reflexatildeo e exploraccedilatildeo a hesitaccedilotildees a tentativas frustradas levando-o eventualmente ao sucesso ou ao fracassoSegundo Vergnaud (ibid) o conceito de esquema natildeo funciona do mesmo modo nas duas classes Na primeira delas observam-se para uma mesma classe de situaccedilotildees condutas amplamente automatizadas organizadas por um soacute esquema enquanto que na segunda observa-se a sucessiva utilizaccedilatildeo de vaacuterios esquemas que podem entrar em competiccedilatildeo e que para atingir a meta desejada devem ser acomodados descombinados e recombinados

De um modo geral todas as condutas comportam uma parte automatizada e uma parte de decisatildeo consciente Os esquemas satildeo frequumlentemente eficazes mas nem sempre efetivos Quando o sujeito usa um esquema ineficaz para uma certa situaccedilatildeo a experiecircncia o leva a mudar de esquema ou a modificar o esquema (1990 p 138) Estaacute aiacute a ideacuteia piagetiana de que os esquemas estatildeo no centro do processo de adaptaccedilatildeo das estruturas cognitivas ie na assimilaccedilatildeo e na acomodaccedilatildeo Contudo Vergnaud daacute ao conceito de esquema um alcance muito maior do que Piaget e insiste em que os esquemas devem relacionar-se com as caracteriacutesticas das situaccedilotildees agraves quais se aplicam

Haacute muito de impliacutecito nos esquemas Muitos esquemas podem ser evocados sucessivamente e mesmo simultaneamente em uma situaccedilatildeo nova para o sujeito (1990 p 140) As condutas em uma dada situaccedilatildeo repousam sobre o repertoacuterio inicial de esquemas que o sujeito dispotildee Como jaacute foi dito o desenvolvimento cognitivo pode ser interpretado como consistindo sobretudo no desenvolvimento de um vasto repertoacuterio de esquemas afetando esferas muito distintas da atividade humana

Do ponto de vista teoacuterico o conceito de esquema proporciona o indispensaacutevel viacutenculo entre a conduta e a representaccedilatildeo (1996c p 202) a relaccedilatildeo entre situaccedilotildees e esquemas eacute a fonte primaacuteria da representaccedilatildeo e portanto da conceitualizaccedilatildeo (1998 p 177) Por outro lado satildeo os invariantes operatoacuterios que fazem a articulaccedilatildeo essencial entre teoria e praacutetica pois a

percepccedilatildeo a busca e a seleccedilatildeo de informaccedilatildeo baseiam-se inteiramente no sistema de conceitos-em-accedilatildeo disponiacuteveis para o sujeito (objetos atributos relaccedilotildees condiccedilotildees circunstacircncias) e nos teoremas-em-accedilatildeo subjacentes agrave sua conduta (1996c p 202)

As expressotildees conceito-em-accedilatildeo e teorema-em-accedilatildeo designam os conhecimentos contidos nos esquemas Satildeo tambeacutem designados por Vergnaud pela expressatildeo mais global invariantes operatoacuterios Teorema-em-accedilatildeo eacute uma proposiccedilatildeo considerada como verdadeira sobre o real conceito-em-accedilatildeo eacute uma categoria de pensamento considerada como pertinente (ibid)

Esta seccedilatildeo foi dedicada ao conceito de esquema Dos ingredientes de um esquema ndash metas e antecipaccedilotildees regras de accedilatildeo invariantes operatoacuterios e possibilidades de inferecircncia ndash os invariantes operatoacuterios ie os conhecimentos-em-accedilatildeo (conceitos e teoremas-em-accedilatildeo) constituem a base conceitual impliacutecita ou expliacutecita que permite obter a informaccedilatildeo pertinente e a partir dela e da meta a atingir inferir as regras de accedilatildeo mais pertinentes para abordar uma situaccedilatildeo (1996c p 201)

Um exemplo de esquema dado por Franchi (1999 p 165) pode ser uacutetil para ilustrar esses aspectos e concluir esta seccedilatildeo Trata-se do esquema da enumeraccedilatildeo de uma pequena coleccedilatildeo de objetos discretos por uma crianccedila de cinco anos por mais que varie a forma de contar por exemplo copos na mesa cadeiras da sala pessoas sentadas de maneira esparsa em um jardim natildeo deixa de haver uma organizaccedilatildeo invariante para o funcionamento do esquema coordenaccedilatildeo dos movimentos dos olhos e gestos dos dedos e das matildeos enunciaccedilatildeo correta da seacuterie numeacuterica identificaccedilatildeo do uacuteltimo elemento da seacuterie como o cardinal do conjunto enumerado (acentuaccedilatildeo ou repeticcedilatildeo do uacuteltimo nuacutemero pronunciado) Vecirc-se facilmente que o esquema descrito recorre a atividades perceptivo-motoras a significantes (as palavras-nuacutemeros) e a construccedilotildees conceituais tais como a de correspondecircncia biuniacutevoca entre conjuntos de objetos e subconjuntos de nuacutemeros naturais a de cardinal e ordinal e outras Recorre igualmente a conhecimentos tais como os que identificam o uacuteltimo elemento da seacuterie ordinal ao cardinal do conjunto Esses conceitos e conhecimentos satildeo impliacutecitos e praticamente insuscetiacuteveis de explicitaccedilatildeo por uma crianccedila nas fases iniciais da aprendizagem de competecircncias e conceitos aritmeacuteticos Entretanto orientam o desenvolvimento da accedilatildeo sendo chamados de conhecimentos-em-accedilatildeo A ausecircncia de uma conceituaccedilatildeo adequada estaacute no centro da origem dos erros sistemaacuteticos cometidos pelos alunos (ibid)

Naturalmente os esquemas usados por crianccedilas maiores e por adultos em determinadas classes de situaccedilotildees podem ser muito mais elaborados mas a ideacuteia eacute mesma o esquema eacute a forma estrutural da atividade eacute a organizaccedilatildeo invariante do sujeito sobre uma classe de situaccedilotildees dadas (op cit p 164) e conteacutem conhecimentos-em-accedilatildeo que satildeo impliacutecitos

Invariantes operatoacuterios

Designam-se pelas expressotildees conceito-em-accedilatildeo e teorema-em-accedilatildeo os conhecimentos contidos nos esquemas Pode-se tambeacutem designaacute-los pela expressatildeo mais abrangente invariantes operatoacuterios (1993 p 4) Esquema eacute a organizaccedilatildeo da conduta para uma certa

classe de situaccedilotildees teoremas-em-accedilatildeo e conceitos-em-accedilatildeo satildeo invariantes operacionais logo satildeo componentes essenciais dos esquemas (1998 p 167) e determinam as diferenccedilas entre eles

Teorema-em-accedilatildeo eacute uma proposiccedilatildeo tida como verdadeira sobre o real Conceito-em-accedilatildeo eacute um objeto um predicado ou uma categoria de pensamento tida como pertinente relevante (1996c p 202 1998 p 167)

Vejamos exemplos de teoremas-em-accedilatildeo Consideremos a seguinte situaccedilatildeo proposta a alunos de 13 anos (1994 p 49) O consumo de farinha eacute em meacutedia 35 kg por semana para dez pessoas Qual a quantidade de farinha necessaacuteria para cinquumlenta pessoas durante 28 dias Resposta de um aluno 5 vezes mais pessoas 4 vezes mais dias 20 vezes mais farinha logo 35 x 20 = 70 kg

Eacute impossiacutevel segundo Vergnaud (ibid) dar conta desse raciociacutenio sem supor o seguinte teorema impliacutecito na cabeccedila do aluno f(n1x1 n2x2) = n1n2 f(x1x2) ou seja Consumo (5 x 10 4 x 7) = 5 x 4 Consumo (10 7)

Naturalmente este teorema funciona porque as razotildees de 50 pessoas para 10 pessoas e 28 dias para 7 dias satildeo simples e evidentes Ele natildeo seria tatildeo facilmente aplicado a outros valores numeacutericos Portanto seu escopo de aplicaccedilatildeo eacute limitado Ainda assim eacute um teorema que pode ser expresso por exemplo em palavras O consumo eacute proporcional ao nuacutemero de pessoas quando o nuacutemero de dias eacute mantido constante e eacute proporcional ao nuacutemero de dias quando o nuacutemero de pessoas eacute mantido constante Pode tambeacutem ser expresso pela foacutermula C = kPD onde C eacute o consumo P o nuacutemero de pessoas D o nuacutemero de dias e k o consumo por pessoa por dia

Eacute claro que essas diferentes maneiras de expressar o mesmo raciociacutenio natildeo satildeo cognitivamente equivalentes A segunda eacute mais difiacutecil Satildeo maneiras complementares de explicitar a mesma estrutura matemaacutetica impliacutecita em diferentes niacuteveis de abstraccedilatildeo

Suponhamos agora outras situaccedilotildees (1998 p 174)

A Janete tinha 7 bolinhas de gude Ela jogou e ganhou 5 bolinhas Quantas bolinhas ela tem agora B Paulo tinha 12 bolinhas de gude Ele jogou e perdeu 5 bolinhas Quantas bolinhas ele tem agora C Hans tinha 9 bolinhas de gude Ele jogou com Rute Ele tem agora 14 bolinhas de gude O que aconteceu no jogo D Rute jogou bolinhas de gude com Hans e perdeu 5 bolinhas Ela agora tem 7 bolinhas de gude Quantas ela tinha antes de jogar Haacute vaacuterios conceitos-em-accedilatildeo distintos impliacutecitos na compreensatildeo dessas situaccedilotildees nuacutemero cardinal ganho e perda aumento e diminuiccedilatildeo transformaccedilatildeo e estado estado inicial e final transformaccedilatildeo positiva e negativa adiccedilatildeo e subtraccedilatildeo

Os conceitos relevantes satildeo os mesmos para todas as situaccedilotildees mas a situaccedilatildeo D eacute bem mais difiacutecil para alunos de sete ou oito anos porque implica raciocinar para traacutes e achar o

estado inicial adicionando as 5 bolinhas perdidas ao estado final de 7 bolinhas Tal

raciociacutenio depende de um forte teorema-em-accedilatildeo (ibid) onde I eacute o estado inicial F o estado final T a transformaccedilatildeo direta e T--1 a transformaccedilatildeo inversa

Segundo Vergnaud (1994 p 54) entre os mais importantes teoremas-em-accedilatildeo desenvolvidos pelos estudantes encontram-se as propriedades isomoacuterficas da funccedilatildeo linear

e as propriedades de coeficiente constante dessa mesma funccedilatildeo

e algumas propriedades especiacuteficas de funccedilotildees bilineares como a do primeiro

exemplo

Entre os mais importantes conceitos-em-accedilatildeo desenvolvidos pelos alunos acham-se os de grandeza e magnitude valor unitaacuterio razatildeo e fraccedilatildeo funccedilatildeo e variaacutevel taxa constante dependecircncia e independecircncia quociente e produto de dimensotildees

Haacute uma relaccedilatildeo dialeacutetica entre conceitos-em-accedilatildeo e teoremas-em-accedilatildeo uma vez que conceitos satildeo ingredientes de teoremas e teoremas satildeo propriedades que datildeo aos conceitos seus conteuacutedos Mas seria um erro confundi-los (1998 p 174) Conceitos em accedilatildeo satildeo ingredientes necessaacuterios das proposiccedilotildees Mas conceitos natildeo satildeo teoremas pois natildeo permitem derivaccedilotildees (inferecircncias ou computaccedilotildees) derivaccedilotildees requerem proposiccedilotildees Proposiccedilotildees podem ser verdadeiras ou falsas conceitos podem ser apenas relevantes ou irrelevantes Ainda assim natildeo existem proposiccedilotildees sem conceitos (1994 p 55)

Reciprocamente natildeo haacute conceitos sem proposiccedilotildees pois eacute a necessidade de derivar accedilotildees das representaccedilotildees do mundo e de ter concepccedilotildees verdadeiras (ou pelo menos adequadas) do mundo que tornam necessaacuterios os conceitos Um modelo computaacutevel do conhecimento intuitivo deve compreender conceitos-em-accedilatildeo e teoremas-em-accedilatildeo como ingredientes essenciais dos esquemas Esquemas satildeo fundamentais porque geram accedilotildees incluindo operaccedilotildees intelectuais mas podem geraacute-las porque contecircm invariantes operatoacuterios (teoremas e conceitos-em-accedilatildeo) que formam o nuacutecleo da representaccedilatildeo

Por outro lado um conceito-em-accedilatildeo natildeo eacute um verdadeiro conceito cientiacutefico nem um teorema-em-accedilatildeo eacute um verdadeiro teorema a menos que se tornem expliacutecitos Na ciecircncia conceitos e teoremas satildeo expliacutecitos e pode-se discutir sua pertinecircncia e sua veracidade mas esse natildeo eacute necessariamente o caso dos invariantes operatoacuterios (1990 p 144) Conceitos e

teoremas expliacutecitos natildeo constituem mais do que a parte visiacutevel do iceberg da conceitualizaccedilatildeo sem a parte escondida formada pelos invariantes operatoacuterios essa parte visiacutevel natildeo seria nada Reciprocamente natildeo se pode falar de invariantes operatoacuterios integrados nos esquemas sem a ajuda de categorias do conhecimento expliacutecito proposiccedilotildees funccedilotildees proposicionais objetos argumentos (ibid)

Mas conceitos-em-accedilatildeo e teoremas-em-accedilatildeo podem progressivamente tornarem-se verdadeiros conceitos e teoremas cientiacuteficos O status do conhecimento eacute muito diferente quando ele eacute explicitado ao inveacutes de ficar totalmente imerso na accedilatildeo O conhecimento expliacutecito pode ser comunicado a outros e discutido o conhecimento impliacutecito natildeo (1998 p 175)

Em geral os alunos natildeo satildeo capazes de explicar ou mesmo expressar em linguagem natural seus teoremas e conceitos-em-accedilatildeo Na abordagem de uma situaccedilatildeo os dados a serem trabalhados e a sequumlecircncia de caacutelculos a serem feitos dependem de teoremas-em-accedilatildeo e da identificaccedilatildeo de diferentes tipos de elementos pertinentes A maioria desses conceitos e teoremas-em-accedilatildeo permanecem totalmente impliacutecitos mas eles podem tambeacutem ser expliacutecitos ou tornarem-se expliacutecitos e aiacute entra o ensino ajudar o aluno a construir conceitos e teoremas expliacutecitos e cientificamente aceitos a partir do conhecimento impliacutecito Eacute nesse sentido que conceitos-em-accedilatildeo e teoremas-em-accedilatildeo podem progressivamente tornarem-se verdadeiros conceitos e teoremas cientiacuteficos mas isso pode levar muito tempo

A teoria dos campos conceituais um resumo

A teoria dos campos conceituais de Geacuterard Vergnaud eacute uma teoria psicoloacutegica cognitivista que supotildee que o nuacutecleo do desenvolvimento cognitivo eacute a conceitualizaccedilatildeo do real (1996a p 118) Eacute uma teoria psicoloacutegica de conceitos na qual a conceitualizaccedilatildeo eacute considerada a pedra angular da cogniccedilatildeo (1998 p 173) Para Vergnaud o conhecimento estaacute organizado em campos conceituais cujo domiacutenio de parte do aprendiz ocorre ao longo de um largo periacuteodo de tempo atraveacutes de experiecircncia maturidade e aprendizagem (1982 p 40) Campo conceitual eacute um conjunto informal e heterogecircneo de problemas situaccedilotildees conceitos relaccedilotildees estruturas conteuacutedos e operaccedilotildees de pensamento conectados uns aos outros e provavelmente entrelaccedilados durante o processo de aquisiccedilatildeo (ibid) Campo conceitual eacute definido tambeacutem como sendo em primeiro lugar um conjunto de situaccedilotildees cujo domiacutenio requer por sua vez o domiacutenio de vaacuterios conceitos procedimentos e representaccedilotildees de naturezas distintas (1988 p 141 1990 p 146) Conceitos satildeo definidos por trecircs conjuntos o primeiro eacute um conjunto de situaccedilotildees que constituem o referente do conceito o segundo eacute um conjunto de invariantes operatoacuterios (teoremas e conceitos-em-accedilatildeo) que datildeo o significado do conceito e o terceiro eacute um conjunto de representaccedilotildees simboacutelicas que compotildeem seu significante

Como satildeo as situaccedilotildees que datildeo sentido aos conceitos eacute natural definir campo conceitual como sendo sobretudo um conjunto de situaccedilotildees Um conceito torna-se significativo atraveacutes de uma variedade de situaccedilotildees (1994 p 46) mas o sentido natildeo estaacute nas situaccedilotildees em si mesmas assim como natildeo estaacute nas palavras nem nos siacutembolos (1990 p 158) O sentido eacute uma relaccedilatildeo do sujeito com situaccedilotildees e significantes Mais precisamente satildeo os

esquemas ie as accedilotildees e sua organizaccedilatildeo evocados no sujeito por uma situaccedilatildeo ou por um significante que constituem o sentido dessa situaccedilatildeo ou desse significante para esse indiviacuteduo (1990 p 158 1993 p 18) Vergnaud considera que os esquemas necessariamente se referem a situaccedilotildees a tal ponto que dever-se-ia falar em interaccedilatildeo esquema-situaccedilatildeo ao inveacutes de interaccedilatildeo sujeito-objeto Esquemas tecircm como ingredientes essenciais aquilo que Vergnaud chama de invariantes operatoacuterios ie conceitos-em-accedilatildeo e teoremas-em-accedilatildeo que constituem a parte conceitual dos esquemas ie os conhecimentos contidos nos esquemas Teorema-em-accedilatildeo eacute uma proposiccedilatildeo considerada como verdadeira sobre o real conceito-em-accedilatildeo eacute uma categoria de pensamento tida como pertinente (1996c p 202) Esse conhecimento eacute principalmente impliacutecito e o aprendiz tem dificuldades em explicaacute-lo ou expressaacute-lo mas isso natildeo significa que tal conhecimento natildeo possa ser explicitado Eacute atraveacutes do processo de explicitaccedilatildeo do conhecimento impliacutecito ndash aiacute o professor tem um papel mediador fundamental ndash que os teoremas-em-accedilatildeo e conceitos-em-accedilatildeo podem tornar-se verdadeiros teoremas e conceitos cientiacuteficos Uma proposiccedilatildeo expliacutecita pode ser debatida uma proposiccedilatildeo tida como verdadeira de maneira totalmente impliacutecita natildeo Assim o caraacuteter do conhecimento muda se for comunicaacutevel debatido e compartilhado (op cit p 204)

A figura 1 apresenta um mapa conceitual para a teoria de Vergnaud ou seja um diagrama conceitual destacando os conceitos-chave da teoria e suas principais interrelaccedilotildees As palavras que aparecem sobre as linhas conectando os conceitos procuram explicitar a natureza da relaccedilatildeo entre elas Por exemplo a relaccedilatildeo entre situaccedilotildees e conceitos eacute referente pois as situaccedilotildees eacute que datildeo sentido ao conceito ie constituem o referente do conceito Outro exemplo a interaccedilatildeo entre situaccedilotildees e esquemas eacute a fonte primaacuteria das representaccedilotildees simboacutelicas e estas constituem o significante de um conceito As setas quando existem sugerem apenas uma direccedilatildeo para leitura

Ao mesmo tempo que se afasta de Piaget ndash ocupando-se do estudo do funcionamento cognitivo do sujeito-em-situaccedilatildeo ao inveacutes de ocupar-se de operaccedilotildees loacutegicas gerais ou de estruturas gerais de pensamento e tomando como referecircncia o proacuteprio conteuacutedo do conhecimento e a anaacutelise conceitual do domiacutenio desse conhecimento (1994 p 41 Franchi 1999 p 160) ndash a teoria de Vergnaud tem forte base piagetiana que se manifesta principalmente no importante papel que o conceito de esquema tem nessa teoria Por outro lado tem tambeacutem influecircncia vygotskyana pois considera o professor como importante mediador no longo processo que caracteriza o progressivo domiacutenio de um campo conceitual pelo aluno Sua tarefa consiste principalmente em ajudar o aluno a desenvolver seu repertoacuterio de esquemas e representaccedilotildees Novos esquemas natildeo podem ser desenvolvidos sem novos invariantes operatoacuterios A linguagem e os siacutembolos satildeo importantes nesse processo de acomodaccedilatildeo e o professor faz amplo uso deles na sua funccedilatildeo mediadora Mas o principal ato mediador do professor eacute o de prover situaccedilotildees frutiacuteferas aos alunos (1998 p 181) Um conceito ou uma proposiccedilatildeo torna-se significativo atraveacutes de uma variedade de situaccedilotildees mas natildeo se capta o significado sozinho O papel mediador do professor eacute essencial (1994 p 44)

A teoria dos campos conceituais o ensino de ciecircncias e a pesquisa nessa aacuterea

Basta dar atenccedilatildeo agrave bibliografia usada neste trabalho para perceber que a teoria de Vergnaud tem sido utilizada principalmente como referencial para a educaccedilatildeo matemaacutetica Nada mais natural pois as pesquisas de Vergnaud e que sustentam sua teoria tecircm focalizado a aprendizagem e o ensino da Matemaacutetica particularmente das estruturas aditivas e multiplicativas Natildeo obstante como foi dito na introduccedilatildeo essa teoria natildeo eacute especiacutefica da Matemaacutetica e justamente por isso este texto tem por objetivo descrevecirc-la e divulgaacute-la entre professores de ciecircncias e pesquisadores em educaccedilatildeo em ciecircncias

Nas proacuteximas seccedilotildees seratildeo comentadas algumas implicaccedilotildees da teoria dos campos conceituais de Vergnaud para o ensino de ciecircncias e para a pesquisa nesse campo

Conhecimento PreacutevioAprendizagem significativa

A teoria dos campos conceituais destaca que a aquisiccedilatildeo de conhecimento eacute moldada pelas situaccedilotildees e problemas previamente dominados e que esse conhecimento tem portanto muitas caracteriacutesticas contextuais Assim muitas de nossas concepccedilotildees vecircm das primeiras situaccedilotildees que fomos capazes de dominar ou de nossa experiecircncia tentando modificaacute-las (1996 a p 117) No entanto existe provavelmente uma lacuna consideraacutevel entre os invariantes que os sujeitos constroacuteem ao interagir com o meio e os invariantes que constituem o conhecimento cientiacutefico

As concepccedilotildees preacutevias dos alunos tecircm sido consideradas como erros misconceptionsconcepccedilotildees ingecircnuas concepccedilotildees alternativa em relaccedilatildeo agraves concepccedilotildees cientiacuteficas Para Vergnaud (1990 p 69) esta maneira de conceber o conhecimento preacutevio supotildee a crianccedila o aluno ou o adulto aprendiz como incompletos imperfeitos ou deficientes em comparaccedilatildeo a adultos especialistas Essa abordagem segundo ele eacute inadequada agraves questotildees de desenvolvimento cognitivo aiacute envolvidas Seria muito mais frutiacutefero considerar o sujeito como um sistema dinacircmico com mecanismos regulatoacuterios capazes de assegurar seu progresso cognitivo

Muitas das concepccedilotildees errocircneas dos alunos derivam do fato de que eles atribuem a certas palavras usadas em ciecircncias para representar conceitos o mesmo significado que atribuem a essas mesmas palavras no dia-a-dia Inclusive de uma ciecircncia para outra os significados de uma mesma palavra podem ser distintos mas o aluno pode natildeo captaacute-los como distintos

As prediccedilotildees que os estudantes fazem para responder questotildees do tipo ldquoO que aconteceraacute se rdquo ou as explicaccedilotildees que datildeo para responder questotildees do tipo ldquoexpliquerdquo ldquointerpreterdquo ldquojustifiquerdquo tecircm segundo Vergnaud (ibid p 73) alguns pontos em comum Por exemplo focalizam caracteriacutesticas perceptivas e relacionadas a eventos da situaccedilatildeo accedilotildees movimentos mudanccedila no aspecto (cor aparecimento de bolhas fumaccedila vapor etc) descrevem os elementos da situaccedilatildeo apenas em termos de suas propriedades e funccedilotildees concebem de maneira assimeacutetrica as interaccedilotildees entre elementos da situaccedilatildeo implicam sequumlenciaccedilatildeo temporal e espacial Estes modos de compreensatildeo que satildeo essencialmente

do tipo ldquorelacionado a eventordquo diferentemente do tipo ldquoconceitualrdquo usado no campo das ciecircncias satildeo inadequados e frequumlentemente levam a previsotildees errocircneas

A persistecircncia das chamadas concepccedilotildees alternativas inclusive em estudantes em cursos cientiacuteficos avanccedilados tecircm recebido vaacuterias interpretaccedilotildees poreacutem Vergnaud argumenta (ibid p 74) que em praticamente todas elas o sistema de percepccedilatildeo visual tem um papel preponderante na construccedilatildeo do conhecimento pelos sujeitos mas pouca atenccedilatildeo tem sido dada ao papel funcional dessas concepccedilotildees e poucas pesquisas tecircm sido feitas sobre os problemas que os sujeitos encontram para construiacute-las Por exemplo os ldquoerrosrdquo encontrados em alguns estudos frequumlentemente decorrem de fato de que os sujeitos se deparam com questotildees que nunca se propuseram antes ou que envolvem valores natildeo usuais das variaacuteveis de uma dada situaccedilatildeo Outro exemplo de dificuldade enfrentada pelos sujeitos estaacute no fato de que os modelos cientiacuteficos fazem uso de entidades que geralmente natildeo satildeo acessiacuteveis sensorialmente Em Fiacutesica por exemplo os estudantes enfrentam uma dificuldade que tambeacutem existe na Aacutelgebra a verificaccedilatildeo do significado de representaccedilotildees simboacutelicas depende natildeo soacute da habilidade que o sujeito tenha para representar as entidades e as relaccedilotildees entre elas mas principalmente de elementos conceituais que devem ser levados em conta (conceitos como sistema estado interaccedilatildeo transferecircncia conservaccedilatildeo apenas para mencionar alguns) (ibid p 76)

O que tudo isso quer dizer eacute que eacute normal que os alunos apresentem tais concepccedilotildees e que elas devem ser consideradas como precursoras de conceitos cientiacuteficos a serem adquiridos A ativaccedilatildeo desses precursores eacute necessaacuteria e deve ser guiada pelo professor

As concepccedilotildees preacutevias dos alunos contecircm teoremas e conceitos-em-accedilatildeo que natildeo satildeo verdadeiros teoremas e conceitos cientiacuteficos mas que podem evoluir para eles Poreacutem como jaacute foi dito o hiato entre os invariantes operatoacuterios dos alunos e os do conhecimento cientiacutefico eacute grande de modo que a mudanccedila conceitual poderaacute levar muito tempo

Por outro lado pode ocorrer que certos conceitos possam ser construiacutedos somente se certas concepccedilotildees preacutevias forem abandonadas Quer dizer o conhecimento preacutevio pode funcionar como obstaacuteculo epistemoloacutegico (ibid p 83) Nesse caso a accedilatildeo mediadora do professor eacute tambeacutem imprescindiacutevel

A construccedilatildeo do conhecimento pelo aprendiz natildeo eacute um processo linear facilmente identificaacutevel Ao contraacuterio eacute complexo tortuoso demorado com avanccedilos e retrocessos continuidades e rupturas O conhecimento preacutevio eacute determinante no progressivo domiacutenio de um campo conceitual mas pode tambeacutem em alguns casos ser impeditivo Continuidades e rupturas natildeo satildeo no entanto excludentes Pode haver continuidade e ruptura A Aacutelgebra por exemplo se apoacuteia na Aritmeacutetica mas ainda assim para aprendecirc-la eacute necessaacuterio romper com a Aritmeacutetica A Mecacircnica Claacutessica e a Mecacircnica Quacircntica apresentam continuidades mas para aprender esta eacute preciso rupturas com aquela

No ensino eacute necessaacuterio desestabilizar cognitivamente o aluno mas natildeo demais Eacute preciso identificar sobre quais conhecimentos preacutevios a crianccedila pode se apoiar para aprender mas eacute forccediloso tambeacutem distinguir quais as rupturas necessaacuterias Quer dizer eacute preciso propor

tambeacutem com cuidado situaccedilotildees para as quais os alunos natildeo tecircm onde se apoiar ou natildeo devem se apoiar em conhecimentos preacutevios

As ideacuteias de Vergnaud sobre o papel do conhecimento preacutevio (que pode ser ldquoalternativordquo) como percursor de novos conhecimentos (que podem ser cientiacuteficos) e sobre as continuidades e rupturas na construccedilatildeo do conhecimento parecem ter muito a ver com a teoria da aprendizagem significativa de Ausubel (Ausubel et al 1980 Moreira 1999 a e b) Para Ausubel o conhecimento preacutevio eacute o principal fator isolado que influencia a aquisiccedilatildeo de novos conhecimentos A aprendizagem significativa se caracteriza pela interaccedilatildeo entre o novo conhecimento e o conhecimento preacutevio Eacute nessa interaccedilatildeo que o novo conhecimento adquire significados e o conhecimento preacutevio se modifica eou adquire novos significados Mas tal interaccedilatildeo natildeo eacute arbitraacuteria ou seja o novo conhecimento adquire significados pela interaccedilatildeo com conhecimentos preacutevios especificamente relevantes Em outras palavras a interaccedilatildeo natildeo eacute com qualquer conhecimento preacutevio Nesse sentido no ensino eacute preciso identificar sobre quais conhecimentos preacutevios o aluno pode se apoiar para aprender Contudo o efeito do conhecimento preacutevio na aprendizagem eacute tatildeo forte que em certos casos eacute preciso romper com ele Por exemplo no ensino do conceito de aprendizagem significativa pode natildeo ser adequado apoiar-se na ideacuteia de interaccedilatildeo pois esta pode estar fortemente arraigada na estrutura cognitiva como sendo uma relaccedilatildeo assimeacutetrica que poderia dificultar a compreensatildeo do fato de que na aprendizagem significativa tanto o novo conhecimento como o conhecimento preacutevio se modificam Por outro lado a compreensatildeo da aprendizagem significativa como uma relaccedilatildeo simeacutetrica ou de accedilatildeo reciacuteproca juntamente com a aprendizagem de outros processos envolvendo accedilatildeo reciacuteproca poderia levar a uma evoluccedilatildeo dos conceitos e teoremas-em-accedilatildeo associados agrave ideacuteia de interaccedilatildeo (que eacute uma ideacuteia-chave na ciecircncia) para outros progressivamente mais proacuteximos daqueles cientificamente compartilhados

Mas se a teoria dos campos conceituais eacute compatiacutevel com a teoria da aprendizagem significativa por que natildeo ficar com esta que eacute bastante mais conhecida e aceita no ensino de ciecircncias A resposta eacute que podem ser tomadas como complementares a teoria de Ausubel eacute uma teoria de aprendizagem em sala de aula de aquisiccedilatildeo de corpos organizados de conhecimento em situaccedilatildeo formal de ensino enquanto que a teoria de Vergnaud eacute uma teoria psicoloacutegica do processo de conceituaccedilatildeo do real que se propotildee a localizar e estudar continuidades e rupturas entre conhecimentos do ponto de vista de seu conteuacutedo conceitual A teoria de Vergnaud natildeo eacute uma teoria de ensino de conceitos expliacutecitos e formalizados embora tenha subjacente a ideacuteia de que os conhecimentos-em-accedilatildeo (largamente impliacutecitos) podem evoluir ao longo do tempo para conhecimentos cientiacuteficos (expliacutecitos) A teoria de Ausubel por outro lado se ocupa exatamente da aquisiccedilatildeo de conceitos expliacutecitos e formalizados chegando inclusive a propor princiacutepios programaacuteticos ndash como a diferenciaccedilatildeo progressiva a reconciliaccedilatildeo integradora e a consolidaccedilatildeo ndash para a organizaccedilatildeo do ensino

Ao resgatar e enriquecer o conceito de esquema introduzindo os conceitos de teorema-em-accedilatildeo e conceito-em-accedilatildeo ao definir conceito como um tripleto ao colocar a conceitualizaccedilatildeo no acircmago do desenvolvimento cognitivo ao priorizar a interaccedilatildeo sujeito-situaccedilatildeo e como natildeo poderia deixar de ser ao definir campo conceitual Vergnaud provecirc um referencial muito rico para compreender explicar e investigar o processo da

aprendizagem significativa A teoria dos campos conceituais de Vergnaud parece prover um referencial adequado para analisar a estrutura fina da teoria da aprendizagem significativa de Ausubel O que para Ausubel satildeo campos organizados de conhecimento para Vergnaud satildeo campos conceituais

ProfessorEnsino

Um determinado campo conceitual como o da Eletricidade por exemplo pode ser progressivamente dominado por um aprendiz mas o ensino atraveacutes da accedilatildeo mediadora do professor eacute essencial para isso Professores satildeo mediadores Sua tarefa eacute a de ajudar os alunos a desenvolver seu repertoacuterio de esquemas e representaccedilotildees (1998 p 180) Desenvolvendo novos esquemas os alunos tornam-se capazes de enfrentar situaccedilotildees cada vez mais complexas Novos esquemas natildeo podem ser desenvolvidos sem novos invariantes operacionais A linguagem e os siacutembolos satildeo importantes nesse processo Os professores usam palavras e sentenccedilas para explicar formular questotildees selecionar informaccedilotildees propor metas expectativas regras e planos Contudo sua accedilatildeo mediadora mais importante eacute a de prover situaccedilotildees (de aprendizagem) frutiacuteferas para os estudantes (ibid) Tais situaccedilotildees devem ser cuidadosamente escolhidas ordenadas diversificadas apresentadas no momento certo e dentro da zona de desenvolvimento proximal do aluno Sem duacutevida uma tarefa difiacutecil mas essencial

Para Vergnaud o desenvolvimento cognitivo depende de situaccedilotildees e conceitualizaccedilotildees especiacuteficas para lidar com elas Satildeo as situaccedilotildees que datildeo sentido aos conceitos elas eacute que satildeo responsaacuteveis pelo sentido atribuiacutedo ao conceito (Barais amp Vergnaud 1990 p 78) um conceito torna-se significativo atraveacutes de uma variedade de situaccedilotildees (1994 p 46) mas o sentido natildeo estaacute nas situaccedilotildees em si mesmas assim como natildeo estaacute nas palavras nem nos siacutembolos (1990 p 158)

Cabe aqui lembrar que embora estejamos falando do ensino e do papel do professor na perspectiva de Vergnaud as situaccedilotildees antes referidas natildeo satildeo situaccedilotildees didaacuteticas propriamente ditas mas sim tarefas problemas

O papel do professor como mediador provedor de situaccedilotildees problemaacuteticas frutiacuteferas estimuladoras da interaccedilatildeo sujeito-situaccedilatildeo que leva agrave ampliaccedilatildeo e agrave diversificaccedilatildeo de seus esquemas de accedilatildeo ou seja ao desenvolvimento cognitivo deixa ainda mais evidente que a teoria de Vergnaud tem tambeacutem forte influecircncia vigotskyana

Haacute no entanto outra importante implicaccedilatildeo da teoria dos campos conceituais para o ensino a questatildeo do conhecimento impliacutecito e do conhecimento expliacutecito A escola segundo Vergnaud (1994 p 47) superestima o conhecimento expliacutecito e subestima ateacute mesmo desvaloriza o conhecimento impliacutecito dos alunos Contudo a maior parte de nossa atividade fiacutesica e mental de nosso comportamento enfim eacute constituiacuteda de esquemas e estes tecircm como componentes essenciais os invariantes operatoacuterios (conceitos e teoremas-em-accedilatildeo) que constituem os conhecimentos contidos nos esquemas e que satildeo largamente impliacutecitos Quer dizer haacute muito de impliacutecito nos esquemas Os alunos em geral natildeo satildeo capazes de explicar ou expressar em linguagem natural seus teoremas-em-accedilatildeo ainda que

sejam capazes de resolver certas tarefas (situaccedilotildees) Natildeo soacute alunos qualquer pessoa muitas vezes eacute incapaz de colocar em palavras coisas que faz muito bem conhecimentos que tem Haacute um hiato entre a accedilatildeo e a formalizaccedilatildeo da accedilatildeo Agimos com o auxiacutelio de invariantes operatoacuterios sem expressaacute-los ou sem sermos capazes de expressaacute-los A anaacutelise cognitiva dessas accedilotildees muitas vezes revela a existecircncia de potentes teoremas e conceitos-em-accedilatildeo impliacutecitos Esse conhecimento no entanto natildeo pode ser apropriadamente chamado de conceitual pois o conhecimento conceitual eacute necessariamente expliacutecito (Vergnaud et al 1990 p 20) Portanto palavras e outros siacutembolos sentenccedilas e outras expressotildees simboacutelicas satildeo instrumentos cognitivos indispensaacuteveis para a transformaccedilatildeo de invariantes operatoacuterios impliacutecitos em conceitos e teoremas cientiacuteficos expliacutecitos (ibid) Quer dizer a formalizaccedilatildeo ndash o ensino direcionado agrave formalizaccedilatildeo ndash eacute necessaacuteria poreacutem eacute preciso levar em conta que as ideacuteias cientiacuteficas evoluem no aluno durante um longo periacuteodo de desenvolvimento cognitivo atraveacutes de uma variedade de situaccedilotildees e atividades e que qualquer conhecimento formal e axiomatizado que o aluno apresenta pode natildeo ser mais do que a parte visiacutevel de um iceberg formado basicamente por conhecimentos impliacutecitos (op cit p 21) O ensino de ciecircncias natildeo pode deixar de lado a simbolizaccedilatildeo e a formalizaccedilatildeo porque a ciecircncia eacute simboacutelica formal e expliacutecita mas eacute preciso ter sempre em mente que o conhecimento do aluno como de qualquer outro sujeito eacute em grande parte impliacutecito O ensino de ciecircncias deve facilitar a transformaccedilatildeo do conhecimento impliacutecito em expliacutecito sem nunca subestimaacute-lo ou desvalorizaacute-lo A trajetoacuteria do aprendiz ao longo de um campo conceitual cientiacutefico eacute sinuosa difusa difiacutecil e sobretudo demorada Natildeo se pode esperar que um aluno domine um campo conceitual como o da Termodinacircmica por exemplo atraveacutes de uma ou duas unidades didaacuteticas desenvolvidas ao longo de dois ou trecircs meses Eacute normal que o aluno continue usando conhecimentos impliacutecitos ao mesmo tempo que vai se apropriando dos conhecimentos expliacutecitos da ciecircncia A perspectiva dos campos conceituais eacute progressiva natildeo substitutiva Ou seja o campo conceitual vai sendo progressivamente dominado pelo aprendiz o conhecimento impliacutecito vai evoluindo progressivamente para o expliacutecito ao inveacutes de ser substituiacutedo por ele Isso como alerta Vergnaud pode levar muito tempo muitos anos talvez mas o ensino e em uacuteltima anaacutelise o professor tecircm um papel essencial nesse processo Sem o ensino natildeo haacute razatildeo nenhuma para se acreditar que o sujeito passe a dominar campos conceituais complexos e formalizados como os cientiacuteficos

Resoluccedilatildeo de Problemas

O ensino de ciecircncias tradicionalmente envolve trecircs aspectos principais profundamente interrelacionados o conhecimento teoacuterico (conceitos leis princiacutepios equaccedilotildees) as praacuteticas de laboratoacuterio (experimentos demonstraccedilotildees procedimentos cientiacuteficos) e a resoluccedilatildeo de problemas (abertos fechados como investigaccedilatildeo de papel e laacutepis) Obviamente qualquer professor experiente sabe que essa distinccedilatildeo eacute artificial o conhecimento cientiacutefico eacute produzido atraveacutes da interaccedilatildeo entre o domiacutenio conceitual e o metodoloacutegico Poreacutem na perspectiva de Vergnaud esta interdependecircncia entre a teoria e a praacutetica fica muito clara

Como jaacute foi dito reiteradamente ao longo deste texto satildeo as situaccedilotildees[1] que datildeo sentido aos conceitos um conceito torna-se significativo atraveacutes de uma variedade de situaccedilotildees os conhecimentos dos alunos satildeo moldados pelas situaccedilotildees que encontram e

progressivamente dominam Embora o conceito de situaccedilatildeo tenha na teoria dos campos conceituais o significado de tarefa podemos supor que no acircmbito das ciecircncias situaccedilatildeo significa tambeacutem problema Ou podemos falar em situaccedilotildees e problemas como faz o proacuteprio Vergnaud ao dizer que ldquoa aquisiccedilatildeo de conhecimento eacute moldada pelas situaccedilotildees e problemas previamente dominados e portanto o conhecimento do sujeito tem muitos aspectos locaisrdquo (1994 p 42) Em outro trabalho bastante anterior a esse Vergnaud diz que ldquona verdade os conceitos se desenvolvem atraveacutes da resoluccedilatildeo de problemas e esse desenvolvimento eacute lentordquo (1983b p 172)

Isso significa que a resoluccedilatildeo de problemas ou as situaccedilotildees de resoluccedilatildeo de problemas satildeo essenciais para a conceitualizaccedilatildeo mas como chama atenccedilatildeo Vergnaud (1994 p 42) ldquoum problema natildeo eacute um problema para um indiviacuteduo a menos que ele ou ela tenha conceitos que oa tornem capaz de consideraacute-lo como um problema para si mesmordquo Ou seja haacute uma relaccedilatildeo dialeacutetica e ciacuteclica entre a conceitualizaccedilatildeo e a resoluccedilatildeo de problemas Para Vergnaud a problematizaccedilatildeo vai muito aleacutem da abstraccedilatildeo de regularidades do mundo observaacutevel Problemas satildeo teoacutericos e praacuteticos natildeo meramente empiacutericos mesmo para crianccedilas pequenas Quando uma classe de problemas eacute resolvida por um indiviacuteduo (o que significa que ela ou ele desenvolve um esquema eficiente para lidar com todos ou quase todos os problemas dessa classe) o caraacuteter problemaacutetico dessa classe especiacutefica desaparece (ibid) Mas essa competecircncia desenvolvida pelo indiviacuteduo o habilita a reconhecer ou considerar novos problemas para si mesmo trata-se entatildeo de um processo ciacuteclico

Vergnaud chama de ldquoilusatildeo pedagoacutegicardquo (1983 b p 173) a atitude dos professores que crecircem que o ensino de Fiacutesica digamos consiste na apresentaccedilatildeo organizada clara rigorosa das teorias formais e que quando isso eacute bem feito os alunos aprendem Trata-se de uma ilusatildeo porque segundo ele eacute atraveacutes de situaccedilotildees de resoluccedilatildeo de problemas que os conceitos se desenvolvem no aluno e as situaccedilotildees de resoluccedilatildeo de problemas que tornam os conceitos significativos para os alunos podem estar pelo menos inicialmente muito distantes do formalismo apresentado pelo professor Mas apesar disso tais situaccedilotildees satildeo essenciais para o desenvolvimento de conceitos Quer dizer ao mesmo tempo que as situaccedilotildees formais satildeo necessaacuterias eacute preciso levar em consideraccedilatildeo que o aluno pode estar ainda muito longe delas (1983 b p 172)

Novamente podemos estabelecer um certo paralelo entre as teorias de Ausubel e Vergnaud A aprendizagem receptiva de Ausubel poderia ser interpretada como a ilusatildeo pedagoacutegica de Vergnaud mas natildeo eacute assim Ausubel certamente defenderia a apresentaccedilatildeo organizada clara rigorosa das teoria formais poreacutem desde que fossem potencialmente significativas o que implicaria que o aprendiz tivesse o conhecimento preacutevio adequado e se dispusesse a aprender Isso estaria de acordo com a postura de Vergnaud no sentido de que o domiacutenio de situaccedilotildees preacutevias eacute importante para o domiacutenio de situaccedilotildees novas Acrescente-se a isso que para Ausubel a resoluccedilatildeo de problemas em particular de situaccedilotildees problemaacuteticas novas e natildeo familiares que requeiram maacutexima transformaccedilatildeo do conhecimento adquirido eacute a principal evidecircncia da aprendizagem significativa (Ausubel et al 1980)

A teoria de Vergnaud parece ser entatildeo um bom referencial para anaacutelise das dificuldades dos alunos na resoluccedilatildeo de problemas em ciecircncias e consequumlentemente da conceitualizaccedilatildeo em ciecircncias Tais dificuldades poderiam por exemplo ser examinadas em

termos de invariantes operatoacuterios quer dizer em termos de quais os conceitos e teoremas-em-accedilatildeo que os estudantes estariam usando na resoluccedilatildeo de problemas e de quatildeo distantes estariam dos conceitos e teoremas cientiacuteficos adequados agrave resoluccedilatildeo do problema em pauta

Representaccedilotildees[2]

No tripleto C (S I R) que define conceito (p 4 deste trabalho) Vergnaud dizia que S (o conjunto de situaccedilotildees que datildeo sentido ao conceito) eacute a realidade e (I R) a representaccedilatildeo dessa realidade que pode ser considerada como dois aspectos interagentes do pensamento o significado (I) e o significante (R)

Isso sugere que inicialmente Vergnaud usava o termo representaccedilatildeo como sendo o de um sistema simboacutelico que significaria algo para o sujeito um sistema de signos e uma sintaxe ou operaccedilotildees sobre elementos do sistema Para ele conceitos e siacutembolos eram duas faces da mesma moeda e devia-se sempre dar atenccedilatildeo ao uso que os alunos faziam dos siacutembolos agrave luz do uso que faziam dos conceitos Quer dizer a habilidade em resolver situaccedilotildees em linguagem natural seria o melhor criteacuterio para aquisiccedilatildeo de conceitos mas por outro lado a simbolizaccedilatildeo ajudaria nisso (1982 p 57) Assim como haacute problemas mais facilmente resolviacuteveis do que outros ou procedimentos mais faacuteceis do que outros haveria representaccedilotildees simboacutelicas mais potentes do que outras equaccedilotildees por exemplo seriam mais potentes que diagramas de Euler-Venn Todavia tais equaccedilotildees deveriam representar situaccedilotildees significativas

Poreacutem em outro trabalho mais recente (1998 p 173) Vergnaud fala em teorias de representaccedilotildees e diz que para ser uacutetil uma teoria dessas deve conter a ideacuteia de que as representaccedilotildees ofereccedilam possibilidades de inferecircncia ie que elas nos tornem capazes de antecipar eventos futuros e gerar condutas para chegar a algum efeito positivo ou evitar algum efeito negativo

Diz ele (op cit p 174) que temos representaccedilotildees computaacuteveis para gestos e accedilotildees sobre o mundo fiacutesico bem como para comportamentos verbais e para interaccedilotildees sociais Tais representaccedilotildees podem ser corretas ou erradas vagas ou precisas expliacutecitas ou totalmente impliacutecitas em qualquer caso elas funcionam como substitutos computaacuteveis da realidade e portanto satildeo feitas de teoremas-em-accedilatildeo proposiccedilotildees tidas como verdadeiras

A construccedilatildeo do conhecimento consiste entatildeo na progressiva construccedilatildeo de representaccedilotildees mentais que satildeo homomoacuterficas agrave realidade para alguns aspectos e para outros natildeo (1990 p 22) Por um lado a representaccedilatildeo eacute ativa pragmaacutetica e operacional por outro eacute discursiva teoacuterica e simboacutelica (ibid) Mas haacute importantes lacunas entre o que estaacute representado na mente de um indiviacuteduo e o significado usual das palavras e outros signos pois sistemas linguumliacutesticos e semioacuteticos natildeo tecircm por finalidade expressar exatamente o que cada indiviacuteduo tem em mente quando enfrenta uma situaccedilatildeo selecionando e processando a informaccedilatildeo (1998 p 176) Para Vergnaud a relaccedilatildeo entre situaccedilotildees e esquemas eacute a fonte primaacuteria da representaccedilatildeo mas sua teoria afasta-se muito da visatildeo de que um objeto pode ser representado mentalmente de maneira natildeo ambiacutegua atraveacutes de

siacutembolos Por maior que seja (e eacute grande) o papel dos siacutembolos no pensamento o conhecimento natildeo eacute em essecircncia simboacutelico O reconhecimento de invariantes em accedilatildeo e percepccedilatildeo e a progressiva construccedilatildeo de objetos e predicados de niacutevel mais alto satildeo aspectos mais essenciais do conhecimento (op cit p 177)

Podemos entatildeo fazer uma ponte entre os significados mais recentes de representaccedilatildeo na teoria de Vergnaud e a teoria tambeacutem recente dos modelos mentais (Johnson-Laird 1983 Moreira 1996) Dizer que temos representaccedilotildees computaacuteveis para gestos e accedilotildees sobre o mundo fiacutesico para comportamentos verbais e para interaccedilotildees sociais e que tais representaccedilotildees -- que podem ser corretas ou erradas vagas ou precisas expliacutecitas ou (principalmente) impliacutecitas -- permitem fazer inferecircncias eacute praticamente dizer que tais representaccedilotildees satildeo modelos mentais Johnson-Laird define modelos mentais como anaacutelogos estruturais de estados de coisas do mundo Satildeo instrumentos de compreensatildeo e inferecircncia Quando nos defrontamos com uma situaccedilatildeo nova construiacutemos um modelo mental para entendecirc-la descrevecirc-la e prever o que vai acontecer Este modelo pode ser correto ou natildeo (no sentido de que suas previsotildees natildeo satildeo corretas cientificamente) pode ser vago confuso incompleto mas eacute sobretudo funcional para seus construtor e pode ser modificado recursivamente ateacute atingir tal funcionalidade

Modelos mentais podem ser basicamente proposicionais ie constituiacutedos principalmente de proposiccedilotildees ou basicamente imagiacutesticos ou seja construiacutedos predominantemente com imagens ou ainda hiacutebridos quer dizer formados por proposiccedilotildees e imagens (Greca e Moreira 1997) Entatildeo as proposiccedilotildees constituintes dos modelos mentais podem ser interpretadas como teoremas-em-accedilatildeo de Vergnaud Como ele mesmo diz as representaccedilotildees funcionam como substitutos computaacuteveis da realidade e portanto satildeo feitas de teoremas-em-accedilatildeo Com o progressivo domiacutenio de um campo conceitual os teoremas-em-accedilatildeo (grandemente impliacutecitos) vatildeo se aproximando de teoremas cientiacuteficos (proposiccedilotildees expliacutecitas) Analogamente agrave medida que o sujeito adquire mais conhecimentos cientiacuteficos seus modelos mentais aproximam-se (no sentido de que permitem dar significados cientificamente aceitos) dos modelos cientiacuteficos

Pode-se assim dizer que os modelos mentais de Johnson-Laird contecircm aquilo que Vergnaud chama de teoremas-em-accedilatildeo ou seja proposiccedilotildees tidas como verdadeiras sobre o real Mas esta aparente compatibilidade entre as duas teorias pode ir aleacutem pois os conceitos-em-accedilatildeo de Vergnaud tambeacutem podem integrar modelos mentais Conceitos-em-accedilatildeo satildeo objetos predicados ou categorias de pensamento tidos como pertinentes relevantes agrave situaccedilatildeo Analogamente segundo o princiacutepio do construtivismo (Johnson-Laird 1983 p 398) um modelo mental eacute construiacutedo a partir de sinais (tokens) dispostos em uma estrutura particular para representar em certo estado de coisas (isto eacute uma certa situaccedilatildeo) Se interpretaacutessemos esses sinais (tokens) como objetos predicados ou categorias de pensamento pertinentes dir-se-ia que os modelos mentais contecircm tambeacutem conceitos-em-accedilatildeo

Contudo eacute importante natildeo confundir modelos mentais com esquemas de assimilaccedilatildeo Para Vergnaud os invariantes operatoacuterios (teoremas e conceitos-em-accedilatildeo) satildeo componentes essenciais dos esquemas e acabamos de dizer que os modelos mentais contecircm proposiccedilotildees e sinais (tokens) que podem ser interpretados como invariantes operatoacuterios mas ainda

assim modelos mentais e esquemas satildeo construtos distintos Modelo mental eacute instrumento de compreensatildeo construiacutedo no momento da compreensatildeo e descartaacutevel se for alcanccedilada (para o construtor) a funcionalidade desejada (ou seja a compreensatildeo mesmo que natildeo compartilhada cientificamente) Esquema de assimilaccedilatildeo eacute segundo Vergnaud a organizaccedilatildeo invariante do comportamento para uma determinada classe de situaccedilotildees Portanto esquemas de assimilaccedilatildeo satildeo mais estaacuteveis o sujeito constroacutei determinado esquema e o utiliza para assimilar uma certa classe de situaccedilotildees ou seja usa sempre o mesmo esquema para cada situaccedilatildeo dessa classe Mas frente a uma situaccedilatildeo nova eacute preciso acomodar ou seja construir um novo esquema de assimilaccedilatildeo e eacute exatamente aiacute que parece encaixar bem a ideacuteia de modelo mental para compreender uma nova situaccedilatildeo o sujeito constroacutei inicialmente um modelo mental (que como foi dito pode conter invariantes operatoacuterios) natildeo um esquema de assimilaccedilatildeo Na medida em que a nova situaccedilatildeo deixa de ser nova e passa a ser rotineira o modelo mental evolui para esquema de assimilaccedilatildeo quer dizer se estabiliza Mas isso natildeo quer dizer que todo modelo mental venha a se transformar em esquema de assimilaccedilatildeo Modelos mentais satildeo recursivos o que significa que vatildeo sendo construiacutedos e modificados quase que simultaneamente ateacute que se tornem funcionais quando entatildeo podem ser descartados ou talvez ldquoguardadosrdquo ateacute que se tornem esquemas de assimilaccedilatildeo Trata-se ao que parece de um bom assunto para pesquisar

Pesquisa

Como uacuteltimo toacutepico deste texto abordar-se-aacute a pesquisa em ensino de ciecircncias no referencial da teoria dos campos conceituais Vejamos primeiramente no entanto o que diz Vergnaud sobre a pesquisa em campos conceituais

Segundo ele (1988 p 149) a abordagem canocircnica ao estudo de um campo conceitual envolve identificar e classificar situaccedilotildees e entatildeo coletar dados sobre procedimentos e outras maneiras atraveacutes das quais os estudantes expressam seu raciociacutenio Um ciclo de pesquisa inicia com a identificaccedilatildeo de niacuteveis de objetos relaccedilotildees e teoremas-em-accedilatildeo O ciclo continua entatildeo com o delineamento de situaccedilotildees e materiais e sua experimentaccedilatildeo com alunos completando-se com a construccedilatildeo de representaccedilotildees simboacutelicas atraveacutes da observaccedilatildeo e anaacutelise dos diferentes fenocircmenos que ocorrem (ibid) Comeccedila entatildeo um segundo ciclo para melhorar o primeiro e assim sucessivamente O estudo do domiacutenio de certos campos conceituais eacute um programa de longo prazo que dificilmente pode ser feito por um pesquisador isolado ou mesmo por um grupo de pesquisa isolado

Portanto o primeiro passo para estudar o progressivo domiacutenio de um campo conceitual por parte do aluno eacute identificar e classificar situaccedilotildees Mas isso envolve duas ideacuteias principais diversidade e histoacuteria Ou seja existe uma grande variedade de situaccedilotildees em um dado campo conceitual e as aprendizagens dos alunos satildeo moldadas pelas situaccedilotildees com as quais se depararam e progressivamente dominaram particularmente as primeiras suscetiacuteveis de dar sentido aos conceitos e procedimentos que lhes queremos ensinar (1990 p 150) A combinaccedilatildeo dessas duas ideacuteias dificulta o trabalho do pesquisador em ensino porque a primeira o dirige para a anaacutelise para a decomposiccedilatildeo em elementos simples e para as possiacuteveis combinaccedilotildees de situaccedilotildees enquanto que a segunda o orienta para a busca de

situaccedilotildees funcionais quase sempre compostas de vaacuterias relaccedilotildees cuja importacircncia relativa estaacute largamente ligada agrave frequumlecircncia com que satildeo encontradas (ibid)

Em outras palavras o estudo psicogeneacutetico da aquisiccedilatildeo de um campo conceitual implica a anaacutelise em termos relacionais e hieraacuterquicos das diferentes classes de problemas que podem ser propostos aos alunos Implica tambeacutem o estudo dos distintos procedimentos e representaccedilotildees simboacutelicas que o aprendiz utiliza (1982 p 40) Em relaccedilatildeo agraves representaccedilotildees Vergnaud diz (1994 p 43) que eacute uma tarefa essencial teoacuterica e empiacuterica dos pesquisadores entender por que uma certa representaccedilatildeo simboacutelica particular pode ser uacutetil e sob quais condiccedilotildees e quando e por que pode ser proveitosamente substituiacuteda por outra mais abstrata e geral

Embora Vergnaud e vaacuterios pesquisadores que trabalham sob o referencial de sua teoria tenham se dedicado principalmente agrave pesquisa em educaccedilatildeo matemaacutetica e em particular ao estudo dos campos conceituais das estruturas aditivas e multiplicativas essa abordagem agrave pesquisa certamente se aplica ao ensino de ciecircncias ou agrave educaccedilatildeo em ciecircncias se preferirmos esta terminologia Na resoluccedilatildeo de problemas por exemplo pode-se analisar as dificuldades dos alunos em termos de invariantes operatoacuterios Quer dizer os alunos muitas vezes resolvem problemas usando conhecimentos-em-accedilatildeo que podem ateacute conduzi-los agrave uma soluccedilatildeo satisfatoacuteria para uma certa situaccedilatildeo mas que natildeo funcionam para outra situaccedilatildeo ligeiramente diferente da primeira porque tais conhecimentos natildeo satildeo cientiacuteficos e tampouco constituem um esquema de assimilaccedilatildeo que pode ser aplicado a uma classe de situaccedilotildees Por outro lado tais conhecimentos-em-accedilatildeo mdash que satildeo largamente impliacutecitos mdash podem ser precursores na aquisiccedilatildeo de conceitos cientiacuteficos e portanto devem ser identificados ie pesquisados Os trabalhos de Sousa (2001) e de Sousa e Faacutevero (2002) no qual a resoluccedilatildeo de problemas em Fiacutesica foi investigada em uma situaccedilatildeo de interlocuccedilatildeo entre um especialista e um novato eacute um exemplo nessa direccedilatildeo Costa e Moreira (2002) e Escudero e Moreira (2002) tambeacutem estatildeo trabalhando em resoluccedilatildeo de problemas em Fiacutesica e procurando interpretar as dificuldades dos alunos na construccedilatildeo de modelos mentais do enunciado agrave luz de aspectos da teoria dos campos conceituais

O estudo da aprendizagem de conceitos fiacutesicos tambeacutem pode ser feito no referencial teoacuterico de Vergnaud Para ele satildeo as situaccedilotildees que datildeo sentido ao conceito os invariantes operatoacuterios que constituem seu significado e as representaccedilotildees simboacutelicas o seu significante Portanto como sugere Vergnaud eacute preciso identificar e classificar situaccedilotildees adequadas agrave aprendizagem de determinado conceito pesquisar os invariantes operatoacuterios usados pelos alunos e procurar entender como por que e quando uma certa representaccedilatildeo simboacutelica pode ajudar na conceitualizaccedilatildeo O trabalho de Lemeignan e Weil-Barais (1994) eacute talvez pioneiro nessa linha As pesquisas de Stipcich e Moreira (2002) sobre o conceito de interaccedilatildeo e de Moreira e Sousa (2002) a respeito do conceito de potencial eleacutetrico estatildeo usando o referencial de Vergnaud para interpretar as dificuldades dos alunos na aprendizagem significativa desses conceitos

Obviamente a teoria dos campos conceituais pode tambeacutem ser usada como referente teoacuterico em pesquisas sobre mudanccedila conceitual De um modo geral pode-se dizer que essa teoria eacute potencialmente uacutetil na anaacutelise das dificuldades dos alunos na resoluccedilatildeo de problemas em ciecircncias na aprendizagem de conceitos cientiacuteficos e na mudanccedila conceitual

Uma vez identificadas tais dificuldades essa mesma teoria pode ajudar no delineamento de estrateacutegias ou melhor na seleccedilatildeo de situaccedilotildees instrucionais que possam ajudar na progressiva superaccedilatildeo de tais dificuldades ou em outras palavras no progressivo (e lento) domiacutenio do(s) campo(s) conceitual(is) envolvido(s) Esse domiacutenio progressivo implica capacidade de resolver problemas conceitualizaccedilatildeo e mudanccedila (evoluccedilatildeo) conceitual

Natildeo tatildeo oacutebvia eacute a possibilidade de investigar questotildees como a modelagem mental no referencial de Vergnaud poreacutem uma vez aceita a compatibilidade aludida na seccedilatildeo anterior entre a teoria dos modelos mentais e a teoria dos campos conceituais tal possibilidade decorre naturalmente Enfim a potencialidade do uso da teoria de Vergnaud na pesquisa e ensino de ciecircncias parece ser grande Nesta seccedilatildeo foram apenas aventadas possibilidades e referidos alguns estudos

Conclusatildeo

Este trabalho teve por objetivo descrever a teoria dos campos conceituais de Geacuterard Vergnaud particularmente para uma audiecircncia de professores e pesquisadores em ensino de ciecircncias Essa teoria eacute bastante conhecida na aacuterea da educaccedilatildeo matemaacutetica poreacutem relativamente pouco no campo da educaccedilatildeo em ciecircncias e justamente por isso foi objeto deste texto

Trata-se de uma teoria de base piagetiana mas que afasta-se bastante de Piaget ao tomar como referecircncia o proacuteprio conteuacutedo do conhecimento e a anaacutelise conceitual do progressivo domiacutenio desse conhecimento bem como ao ocupar-se do estudo do desenvolvimento cognitivo do sujeito-em-situaccedilatildeo ao inveacutes de operaccedilotildees loacutegicas gerais de estruturas gerais do pensamento Ao fazer isso a teoria de Vergnaud apresenta um grande potencial para descrever analisar e interpretar aquilo que se passa em sala de aula na aprendizagem de matemaacutetica e ciecircncias Provavelmente esse tipo de teoria eacute o de maior utilidade para fundamentar o ensino e a pesquisa em ensino nessa aacuterea

Aleacutem de descrever a teoria propriamente dita procurou-se neste texto estabelecer elos com a teoria da aprendizagem significativa de Ausubel (outra ldquoteoria de sala de aulardquo) e com a recente teoria dos modelos mentais de Johnson-Laird assim como destacar implicaccedilotildees para o ensino e para a pesquisa em ensino de ciecircncias

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[1] Lembremos que um campo conceitual eacute em primeiro lugar um conjunto de situaccedilotildees (1998 p 141 1990 p 5) cujo domiacutenio requer o domiacutenio de vaacuterios conceitos de naturezas distintas (volta para o texto) [2] A ponte entre a teoria de Vergnaud e a teoria dos modelos mentais de Johnson-Laird feita nesta seccedilatildeo estaacute bem mais elaborada no trabalho ldquoAleacutem da detecccedilatildeo de modelos mentais dos estudantes Uma proposta representacional integradorardquo de Ileana Greca e Marco Antonio Moreira (volta para o texto)

Page 2: A Teoria Dos Campos Conceituais de Vergnaud

situaccedilotildees e de conceitualizaccedilotildees especiacuteficas necessaacuterias para lidar com elas (1998 p 181) Segundo ele Piaget tambeacutem natildeo percebeu o infrutiacutefero que eacute tentar reduzir a complexidade conceitual progressivamente dominada pelas crianccedilas a algum tipo de complexidade loacutegica geral (1994 p 41) Vergnaud argumenta que embora Piaget tenha feito um trabalho muito importante para a educaccedilatildeo ele natildeo trabalhou dentro da sala de aula ensinando matemaacutetica e ciecircncias No entanto no momento em que nos interessamos por aquilo que se passa na sala de aula somos obrigados a nos interessar pelo conteuacutedo do conhecimento (1996b p 10) O proacuteprio Vergnaud no que se refere agrave Matemaacutetica foi obrigado a se interessar muito mais do que Piaget por questotildees como as estruturas aditivas e as estruturas multiplicativas para estudar as dificuldades dos alunos nessas aacutereas Parece-lhe claro que as dificuldades dos estudantes natildeo satildeo as mesmas de um campo conceitual para outro (ibid)

Por outro lado Vergnaud reconhece a importacircncia da teoria de Piaget destacando as ideacuteias de adaptaccedilatildeo desequilibraccedilatildeo e reequilibraccedilatildeo como pedras angulares para a investigaccedilatildeo em didaacutetica das Ciecircncias e da Matemaacutetica Mas acredita que a grande pedra angular colocada por Piaget foi o conceito de esquema (1996c p 206) Tal conceito como veremos mais adiante eacute fundamental na teoria de Vergnaud

Vergnaud reconhece igualmente que sua teoria dos campos conceituais foi desenvolvida tambeacutem a partir do legado de Vygotsky Isso se percebe por exemplo na importacircncia atribuiacuteda agrave interaccedilatildeo social agrave linguagem e agrave simbolizaccedilatildeo no progressivo domiacutenio de um campo conceitual pelos alunos Para o professor a tarefa mais difiacutecil eacute a de prover oportunidades aos alunos para que desenvolvam seus esquemas na zona de desenvolvimento proximal (1998 p 181)

Vergnaud toma como premissa que o conhecimento estaacute organizado em campos conceituais cujo domiacutenio por parte do sujeito ocorre ao longo de um largo periacuteodo de tempo atraveacutes de experiecircncia maturidade e aprendizagem (1982 p 40) Campo conceitual eacute para ele um conjunto informal e heterogecircneo de problemas situaccedilotildees conceitos relaccedilotildees estruturas conteuacutedos e operaccedilotildees de pensamento conectados uns aos outros e provavelmente entrelaccedilados durante o processo de aquisiccedilatildeo (ibid) O domiacutenio de um campo conceitual natildeo ocorre em alguns meses nem mesmo em alguns anos Ao contraacuterio novos problemas e novas propriedades devem ser estudados ao longo de vaacuterios anos se quisermos que os alunos progressivamente os dominem De nada serve tentar contornar as dificuldades conceituais elas satildeo superadas na medida em que satildeo encontradas e enfrentadas mas isso natildeo ocorre de um soacute golpe (1983a p 401)

A teoria dos campos conceituais supotildee que o acircmago do desenvolvimento cognitivo eacute a conceitualizaccedilatildeo (1996a p 118) Eacute ela a pedra angular da cogniccedilatildeo (1998 p 173) Logo deve-se dar toda atenccedilatildeo aos aspectos conceituais dos esquemas e agrave anaacutelise conceitual das situaccedilotildees para as quais os estudantes desenvolvem seus esquemas na escola ou fora dela (1994 p 58)

Natildeo eacute no entanto uma teoria de ensino de conceitos expliacutecitos e formalizados Trata-se de uma teoria psicoloacutegica do processo de conceitualizaccedilatildeo do real que permite localizar e estudar continuidades e rupturas entre conhecimentos do ponto de vista de seu conteuacutedo conceitual (1990 p 133) No estudo desse processo qualquer reducionismo eacute perigoso na

medida em que a conceitualizaccedilatildeo do real eacute especiacutefica de conteuacutedo e natildeo pode ser reduzida nem agraves operaccedilotildees loacutegicas gerais nem agraves operaccedilotildees puramente linguumliacutesticas nem agrave reproduccedilatildeo social nem agrave emergecircncia de estruturas inatas nem enfim ao modelo do processamento da informaccedilatildeo (1983a p 392) Consequumlentemente a teoria dos campos conceituais eacute uma teoria complexa pois envolve a complexidade decorrente da necessidade de abarcar em uma uacutenica perspectiva teoacuterica todo o desenvolvimento de situaccedilotildees progressivamente dominadas dos conceitos e teoremas necessaacuterios para operar eficientemente nessas situaccedilotildees e das palavras e siacutembolos que podem representar eficazmente esses conceitos e operaccedilotildees para os estudantes dependendo de seus niacuteveis cognitivos (1994 p 43)

Resumindo a teoria dos campos conceituais eacute uma teoria cognitivista neopiagetiana que pretende oferecer um referencial mais frutiacutefero do que o piagetiano ao estudo do desenvolvimento cognitivo e da aprendizagem de competecircncias complexas particularmente aquelas implicadas nas ciecircncias e na teacutecnica levando em conta os proacuteprios conteuacutedos do conhecimento e a anaacutelise conceitual de seu domiacutenio Embora Vergnaud esteja especialmente interessado nos campos conceituais das estruturas aditivas e das estruturas multiplicativas (1983b p 128) a teoria dos campos conceituais natildeo eacute especiacutefica desses campos nem da Matemaacutetica Em Fiacutesica por exemplo haacute vaacuterios campos conceituais -- como o da Mecacircnica o da Eletricidade e o da Termologia -- que natildeo podem ser ensinados de imediato nem como sistemas de conceitos nem como conceitos isolados Eacute necessaacuteria uma perspectiva desenvolvimentista agrave aprendizagem desses campos O mesmo eacute vaacutelido segundo Vergnaud (1996a p 116) em Biologia a compreensatildeo da reproduccedilatildeo em vegetais natildeo tem muito a ver com o entendimento da reproduccedilatildeo em animais ou com a compreensatildeo de processos celulares A Histoacuteria a Geografia a Educaccedilatildeo Fiacutesica por exemplo tecircm igualmente uma seacuterie de campos conceituais para os quais os alunos devem desenvolver esquemas e concepccedilotildees especiacuteficas Em todos esses casos o modelo piagetiano da assimilaccedilatildeoacomodaccedilatildeo funciona desde que natildeo se tente reduzir a adaptaccedilatildeo de esquemas e conceitos a estruturas loacutegicas (ibid)

Os conceitos-chave da teoria dos campos conceituais satildeo aleacutem do proacuteprio conceito de campo conceitual os conceitos de esquema (a grande heranccedila piagetiana de Vergnaud) situaccedilatildeo invariante operatoacuterio (teorema-em-accedilatildeo ou conceito-em-accedilatildeo) e a sua concepccedilatildeo de conceito

Nas seccedilotildees seguintes cada um destes conceitos seraacute abordado e exemplificado na perspectiva da teoria de Vergnaud Apoacutes isso seratildeo retomados aspectos gerais da teoria e examinadas as implicaccedilotildees para o ensino de ciecircncias em particular e para a pesquisa em ensino

Campos conceituais

Uma definiccedilatildeo de campo conceitual jaacute foi dada na introduccedilatildeo deste trabalho na paacutegina 1 Vejamos outras bem como alguns exemplos

Campo conceitual eacute tambeacutem definido por Vergnaud como um conjunto de problemas e situaccedilotildees cujo tratamento requer conceitos procedimentos e representaccedilotildees de tipos diferentes mas intimamente relacionados (1983b p 127)

Em outros trabalhos (1988 p 141 1990 p 146) Vergnaud define campo conceitual como sendo em primeiro lugar um conjunto de situaccedilotildees cujo domiacutenio requer por sua vez o domiacutenio de vaacuterios conceitos de naturezas distintas Por exemplo o campo conceitual das estruturas multiplicativas consiste de todas as situaccedilotildees que podem ser analisadas como problemas de proporccedilotildees simples e muacuteltiplas para os quais geralmente eacute necessaacuteria uma multiplicaccedilatildeo uma divisatildeo ou uma combinaccedilatildeo dessas operaccedilotildees (ibid) Vaacuterios tipos de conceitos matemaacuteticos estatildeo envolvidos nas situaccedilotildees que constituem o campo conceitual das estruturas multiplicativas e no pensamento necessaacuterio para dominar tais situaccedilotildees Entre tais conceitos estatildeo o de funccedilatildeo linear funccedilatildeo natildeo-linear espaccedilo vetorial anaacutelise dimensional fraccedilatildeo razatildeo taxa nuacutemero racional multiplicaccedilatildeo e divisatildeo (ibid) Analogamente o campo conceitual das estruturas aditivas eacute o conjunto de situaccedilotildees cujo domiacutenio requer uma adiccedilatildeo uma subtraccedilatildeo ou uma combinaccedilatildeo de tais operaccedilotildees

Como se pode observar a definiccedilatildeo referida na introduccedilatildeo -- conjunto informal e heterogecircneo de problemas situaccedilotildees conceitos relaccedilotildees estruturas conteuacutedos e operaccedilotildees de pensamento conectados uns aos outros e provavelmente entrelaccedilados durante o processo de aquisiccedilatildeo -- eacute mais abrangente Posteriormente a ela Vergnaud destaca a ideacuteia de situaccedilotildees nas definiccedilotildees que daacute de campo conceitual Como ver-se-aacute mais adiante situaccedilatildeo eacute um conceito-chave da teoria de Vergnaud poreacutem a definiccedilatildeo inicial mais ampla de campo conceitual daacute uma ideacuteia melhor da complexidade daquilo que ele chama de campo conceitual

Trecircs argumentos principais levaram Vergnaud (1983a p 393) ao conceito de campo conceitual 1) um conceito natildeo se forma dentro de um soacute tipo de situaccedilotildees 2) uma situaccedilatildeo natildeo se analisa com um soacute conceito 3) a construccedilatildeo e apropriaccedilatildeo de todas as propriedades de um conceito ou todos os aspectos de uma situaccedilatildeo eacute um processo de muito focirclego que se estende ao longo dos anos agraves vezes uma dezena de anos com analogias e mal-entendidos entre situaccedilotildees entre concepccedilotildees entre procedimentos entre significantes

Vergnaud considera o campo conceitual como uma unidade de estudo para dar sentido agraves dificuldades observadas na conceitualizaccedilatildeo do real e como foi dito antes a teoria dos campos conceituais supotildee que a conceitualizaccedilatildeo eacute a essecircncia do desenvolvimento cognitivo

Aleacutem dos jaacute citados campos conceituais das estruturas aditivas e multiplicativas outros importantes campos conceituais interferindo com esses dois incluem deslocamentos e transformaccedilotildees espaciais classificaccedilotildees de objetos e aspectos discretos movimentos e relaccedilotildees entre tempo velocidade distacircncia aceleraccedilatildeo e forccedila relaccedilotildees de parentesco mediccedilotildees de quantidades espaciais e fiacutesicas contiacutenuas (1983b p 128)

Naturalmente esses campos conceituais natildeo satildeo independentes e uns podem ser importantes para a compreensatildeo de outros mas ainda assim Vergnaud considera uacutetil falar em distintos campos conceituais se eles puderem ser consistentemente descritos Ele crecirc

que eacute praticamente impossiacutevel estudar as coisas separadamente mas por isso mesmo eacute preciso fazer recortes e eacute nesse sentido que os campos conceituais satildeo unidades de estudo frutiacuteferas para dar sentido aos problemas de aquisiccedilatildeo e agraves observaccedilotildees feitas em relaccedilatildeo agrave conceitualizaccedilatildeo (1983a p 393)

Jaacute que o nuacutecleo do desenvolvimento cognitivo eacute a conceitualizaccedilatildeo Vergnaud destaca que eacute preciso dar toda atenccedilatildeo aos aspectos conceituais dos esquemas e agrave anaacutelise conceitual das situaccedilotildees nas quais os aprendizes desenvolvem seus esquemas na escola ou na vida real (1994 p 58) Isso nos leva ao conceito de conceito na teoria dos campos conceituais

Conceitos

Vergnaud define conceito como um tripleto de trecircs conjuntos (1983a p 393 1988 p 141 1990 p 145 1993 p 8 1997 p 6) C = (S I R) onde

S eacute um conjunto de situaccedilotildees que datildeo sentido ao conceito I eacute um conjunto de invariantes (objetos propriedades e relaccedilotildees) sobre os quais repousa a operacionalidade do conceito ou o conjunto de invariantes operatoacuterios associados ao conceito ou o conjunto de invariantes que podem ser reconhecidos e usados pelos sujeitos para analisar e dominar as situaccedilotildees do primeiro conjunto R eacute um conjunto de representaccedilotildees simboacutelicas (linguagem natural graacuteficos e diagramas sentenccedilas formais etc) que podem ser usadas para indicar e representar esses invariantes e consequumlentemente representar as situaccedilotildees e os procedimentos para lidar com elas O primeiro conjunto ndash de situaccedilotildees ndash eacute o referente do conceito o segundo ndash de invariantes operatoacuterios ndash eacute o significado do conceito enquanto o terceiro ndash de representaccedilotildees simboacutelicas ndash eacute o significante

Uma definiccedilatildeo pragmaacutetica poderia considerar um conceito como um conjunto de invariantes utilizaacuteveis na accedilatildeo mas esta definiccedilatildeo implica tambeacutem um conjunto de situaccedilotildees que constituem o referente e um conjunto de esquemas postos em accedilatildeo pelos sujeitos nessas situaccedilotildees Daiacute o tripleto (S R I) onde em termos psicoloacutegicos S eacute a realidade e (I R) a representaccedilatildeo que pode ser considerada como dois aspectos interagentes do pensamento o significado (I) e o significante (R) (1998 p 141)

Isso implica que para estudar o desenvolvimento e uso de um conceito ao longo da aprendizagem ou de sua utilizaccedilatildeo eacute necessaacuterio considerar esses trecircs conjuntos simultaneamente Natildeo haacute em geral correspondecircncia biuniacutevoca entre significantes e significados nem entre invariantes e situaccedilotildees natildeo se pode portanto reduzir o significado nem aos significantes nem agraves situaccedilotildees (1990 p 146) Por outro lado como foi dito um uacutenico conceito natildeo se refere a um soacute tipo de situaccedilatildeo e uma uacutenica situaccedilatildeo natildeo pode ser analisada com um soacute conceito

Por tudo isso eacute necessaacuterio falar-se em campos conceituais Mas se os conceitos tornam-se significativos atraveacutes de situaccedilotildees decorre naturalmente que as situaccedilotildees e natildeo os conceitos constituem a principal entrada de um campo conceitual Um campo conceitual eacute em primeiro lugar um conjunto de situaccedilotildees (1988 p 141 1990 p 5) cujo domiacutenio

requer o domiacutenio de vaacuterios conceitos de naturezas distintas

Situaccedilotildees

O conceito de situaccedilatildeo empregado por Vergnaud natildeo eacute o de situaccedilatildeo didaacutetica mas sim o de tarefa sendo que toda situaccedilatildeo complexa pode ser analisada como uma combinaccedilatildeo de tarefas para as quais eacute importante conhecer suas naturezas e dificuldades proacuteprias A dificuldade de uma tarefa natildeo eacute nem a soma nem o produto das diferentes subtarefas envolvidas mas eacute claro que o desempenho em cada subtarefa afeta o desempenho global (1990 p 146 1993 p 9)

Vergnaud recorre tambeacutem ao sentido que segundo ele (op cit p 150 e p 12) eacute atribuiacutedo usualmente pelo psicoacutelogo ao conceito de situaccedilatildeo os processos cognitivos e as respostas do sujeito satildeo funccedilatildeo das situaccedilotildees com as quais eacute confrontado Aleacutem disso ele destaca duas ideacuteias principais em relaccedilatildeo ao sentido de situaccedilatildeo variedade e histoacuteria Isto eacute em um certo campo conceitual existe uma grande variedade de situaccedilotildees e os conhecimentos dos alunos satildeo moldados pelas situaccedilotildees que encontram e progressivamente dominam particularmente pelas primeiras situaccedilotildees suscetiacuteveis de dar sentido aos conceitos e procedimentos que queremos que aprendam (ibid) Segundo Vergnaud muitas de nossas concepccedilotildees vecircm das primeiras situaccedilotildees que fomos capazes de dominar ou de nossa experiecircncia tentando modificaacute-las (1996a p 117)

Como foi dito antes as situaccedilotildees eacute que datildeo sentido ao conceito as situaccedilotildees eacute que satildeo responsaacuteveis pelo sentido atribuiacutedo ao conceito (Barais amp Vergnaud 1990 p 78) um conceito torna-se significativo atraveacutes de uma variedade de situaccedilotildees (1994 p 46) Mas o sentido natildeo estaacute nas situaccedilotildees em si mesmas assim como natildeo estaacute nas palavras nem nos siacutembolos (1990 p 158)

O sentido eacute uma relaccedilatildeo do sujeito com as situaccedilotildees e com os significantes Mais precisamente satildeo os esquemas ie os comportamentos e sua organizaccedilatildeo evocados no sujeito por uma situaccedilatildeo ou por um significante (representaccedilatildeo simboacutelica) que constituem o sentido dessa situaccedilatildeo ou desse significante para esse indiviacuteduo (1990 p 158 1993 p 18) Por exemplo o sentido de adiccedilatildeo para um sujeito individual eacute o conjunto de esquemas que ele pode utilizar para lidar com situaccedilotildees com as quais se defronta e que implicam a ideacuteia de adiccedilatildeo eacute tambeacutem o conjunto de esquemas que ele pode acionar para operar sobre os siacutembolos numeacutericos algeacutebricos graacuteficos e linguumliacutesticos que representam a adiccedilatildeo (ibid) Por outro lado uma dada situaccedilatildeo ou um certo simbolismo natildeo evocam no indiviacuteduo todos os esquemas disponiacuteveis o que significa que o sentido de uma situaccedilatildeo particular de adiccedilatildeo natildeo eacute o sentido de adiccedilatildeo para esse indiviacuteduo assim como natildeo o eacute o sentido de um siacutembolo particular Trata-se de um subconjunto dos esquemas que o sujeito possui ou dos esquemas possiacuteveis (ibid)

Vejamos onde estamos a ideacuteia de campo conceitual nos levou ao conceito de conceito como um tripleto (referente significado e significante) poreacutem como satildeo as situaccedilotildees que datildeo sentido ao conceito chegamos ao conceito de situaccedilatildeo e dele ao de esquema pois satildeo os esquemas evocados no sujeito que datildeo sentido a uma dada situaccedilatildeo O conceito de

esquema como veremos nos levaraacute ao conceito de invariante operatoacuterio

Esquemas

Vergnaud chama de esquema a organizaccedilatildeo invariante do comportamento para uma determinada classe de situaccedilotildees (1990 p 136 1993 p 2 1994 p 53 1996c p 201 1998 p 168) Segundo ele eacute nos esquemas que se devem pesquisar os conhecimentos-em-accedilatildeo do sujeito isto eacute os elementos cognitivos que fazem com que a accedilatildeo do sujeito seja operatoacuteria

Esquema eacute o conceito introduzido por Piaget para dar conta das formas de organizaccedilatildeo tanto das habilidades sensoacuterio-motoras como das habilidades intelectuais Um esquema gera accedilotildees e deve conter regras mas natildeo eacute um estereoacutetipo porque a sequumlecircncia de accedilotildees depende dos paracircmetros da situaccedilatildeo (1994 p 53) Um esquema eacute um universal que eacute eficiente para toda uma gama de situaccedilotildees e pode gerar diferentes sequumlecircncias de accedilatildeo de coleta de informaccedilotildees e de controle dependendo das caracteriacutesticas de cada situaccedilatildeo particular Natildeo eacute o comportamento que eacute invariante mas a organizaccedilatildeo do comportamento (1998 p 172)

Haacute esquemas perceptivo-gestuais como o de contar objetos ou de fazer um graacutefico ou um diagrama mas haacute tambeacutem esquemas verbais como o de fazer um discurso e esquemas sociais como o de seduzir outra pessoa ou o de gerenciar um conflito (ibid) Algoritmos por exemplo satildeo esquemas mas nem todos os esquemas satildeo algoritmos Quando algoritmos satildeo utilizados repetidamente para tratar as mesmas situaccedilotildees eles se transformam em esquemas ordinaacuterios ou haacutebitos (op cit p 176)

Vergnaud considera que os esquemas necessariamente se referem a situaccedilotildees a tal ponto que segundo ele (1996c p 203) dever-se-ia falar em interaccedilatildeo esquema-situaccedilatildeo ao inveacutes de interaccedilatildeo sujeito-objeto da qual falava Piaget Decorre daiacute que o desenvolvimento cognitivo consiste sobretudo e principalmente no desenvolvimento de um vasto repertoacuterio de esquemas Este repertoacuterio afeta esferas muito distintas da atividade humana e quando analisamos por exemplo os conteuacutedos da competecircncia profissional de um indiviacuteduo frequumlentemente observamos que junto a competecircncias teacutecnicas e cientiacuteficas propriamente ditas estatildeo com peso consideraacutevel competecircncias sociais e afetivas A educaccedilatildeo portanto deve contribuir para que o sujeito desenvolva um repertoacuterio amplo e diversificado de esquemas poreacutem procurando evitar que esses esquemas se convertam em estereoacutetipos esclerosados (ibid)

Voltemos agrave definiccedilatildeo esquema eacute a organizaccedilatildeo invariante do comportamento para uma dada classe de situaccedilotildees Trata-se de uma definiccedilatildeo precisa mas que certamente necessita de maiores especificaccedilotildees para facilitar sua compreensatildeo Aquilo que Vergnaud chama de ingredientes dos esquemas (1990 p 136 142 1994 p 46 1996a p 113-114 1996b p 11 1996c p 201-202-206 1998 p 173) fornece tais especificaccedilotildees

1 metas e antecipaccedilotildees (um esquema se dirige sempre a uma classe de situaccedilotildees nas quais o sujeito pode descobrir uma possiacutevel finalidade de sua atividade e eventualmente

submetas pode tambeacutem esperar certos efeitos ou certos eventos) 2 regras de accedilatildeo do tipo se entatildeo que constituem a parte verdadeiramente geradora do esquema aquela que permite a geraccedilatildeo e a continuidade da sequumlecircncia de accedilotildees do sujeito satildeo regras de busca de informaccedilatildeo e controle dos resultados da accedilatildeo 3 invariantes operatoacuterios (teoremas-em-accedilatildeo e conceitos-em-accedilatildeo) que dirigem o reconhecimento por parte do indiviacuteduo dos elementos pertinentes agrave situaccedilatildeo satildeo os conhecimentos contidos nos esquemas satildeo eles que constituem a base impliacutecita ou expliacutecita que permite obter a informaccedilatildeo pertinente e dela inferir a meta a alcanccedilar e as regras de accedilatildeo adequadas 4 possibilidades de inferecircncia (ou raciociacutenios) que permitem calcular aqui e agora as regras e antecipaccedilotildees a partir das informaccedilotildees e invariantes operatoacuterios de que dispotildee o sujeito ou seja toda a atividade implicada nos trecircs outros ingredientes requer caacutelculos aqui e imediatamente em situaccedilatildeoComo foi dito para Vergnaud os esquemas se referem necessariamente a situaccedilotildees ou classes de situaccedilotildees onde ele (1993 p 2) distingue entre 1 classes de situaccedilotildees em que o sujeito dispotildee no seu repertoacuterio em dado momento de seu desenvolvimento e sob certas circunstacircncias das competecircncias necessaacuterias ao tratamento relativamente imediato da situaccedilatildeo 2 classes de situaccedilotildees em que o sujeito natildeo dispotildee de todas as competecircncias necessaacuterias o que obriga a um tempo de reflexatildeo e exploraccedilatildeo a hesitaccedilotildees a tentativas frustradas levando-o eventualmente ao sucesso ou ao fracassoSegundo Vergnaud (ibid) o conceito de esquema natildeo funciona do mesmo modo nas duas classes Na primeira delas observam-se para uma mesma classe de situaccedilotildees condutas amplamente automatizadas organizadas por um soacute esquema enquanto que na segunda observa-se a sucessiva utilizaccedilatildeo de vaacuterios esquemas que podem entrar em competiccedilatildeo e que para atingir a meta desejada devem ser acomodados descombinados e recombinados

De um modo geral todas as condutas comportam uma parte automatizada e uma parte de decisatildeo consciente Os esquemas satildeo frequumlentemente eficazes mas nem sempre efetivos Quando o sujeito usa um esquema ineficaz para uma certa situaccedilatildeo a experiecircncia o leva a mudar de esquema ou a modificar o esquema (1990 p 138) Estaacute aiacute a ideacuteia piagetiana de que os esquemas estatildeo no centro do processo de adaptaccedilatildeo das estruturas cognitivas ie na assimilaccedilatildeo e na acomodaccedilatildeo Contudo Vergnaud daacute ao conceito de esquema um alcance muito maior do que Piaget e insiste em que os esquemas devem relacionar-se com as caracteriacutesticas das situaccedilotildees agraves quais se aplicam

Haacute muito de impliacutecito nos esquemas Muitos esquemas podem ser evocados sucessivamente e mesmo simultaneamente em uma situaccedilatildeo nova para o sujeito (1990 p 140) As condutas em uma dada situaccedilatildeo repousam sobre o repertoacuterio inicial de esquemas que o sujeito dispotildee Como jaacute foi dito o desenvolvimento cognitivo pode ser interpretado como consistindo sobretudo no desenvolvimento de um vasto repertoacuterio de esquemas afetando esferas muito distintas da atividade humana

Do ponto de vista teoacuterico o conceito de esquema proporciona o indispensaacutevel viacutenculo entre a conduta e a representaccedilatildeo (1996c p 202) a relaccedilatildeo entre situaccedilotildees e esquemas eacute a fonte primaacuteria da representaccedilatildeo e portanto da conceitualizaccedilatildeo (1998 p 177) Por outro lado satildeo os invariantes operatoacuterios que fazem a articulaccedilatildeo essencial entre teoria e praacutetica pois a

percepccedilatildeo a busca e a seleccedilatildeo de informaccedilatildeo baseiam-se inteiramente no sistema de conceitos-em-accedilatildeo disponiacuteveis para o sujeito (objetos atributos relaccedilotildees condiccedilotildees circunstacircncias) e nos teoremas-em-accedilatildeo subjacentes agrave sua conduta (1996c p 202)

As expressotildees conceito-em-accedilatildeo e teorema-em-accedilatildeo designam os conhecimentos contidos nos esquemas Satildeo tambeacutem designados por Vergnaud pela expressatildeo mais global invariantes operatoacuterios Teorema-em-accedilatildeo eacute uma proposiccedilatildeo considerada como verdadeira sobre o real conceito-em-accedilatildeo eacute uma categoria de pensamento considerada como pertinente (ibid)

Esta seccedilatildeo foi dedicada ao conceito de esquema Dos ingredientes de um esquema ndash metas e antecipaccedilotildees regras de accedilatildeo invariantes operatoacuterios e possibilidades de inferecircncia ndash os invariantes operatoacuterios ie os conhecimentos-em-accedilatildeo (conceitos e teoremas-em-accedilatildeo) constituem a base conceitual impliacutecita ou expliacutecita que permite obter a informaccedilatildeo pertinente e a partir dela e da meta a atingir inferir as regras de accedilatildeo mais pertinentes para abordar uma situaccedilatildeo (1996c p 201)

Um exemplo de esquema dado por Franchi (1999 p 165) pode ser uacutetil para ilustrar esses aspectos e concluir esta seccedilatildeo Trata-se do esquema da enumeraccedilatildeo de uma pequena coleccedilatildeo de objetos discretos por uma crianccedila de cinco anos por mais que varie a forma de contar por exemplo copos na mesa cadeiras da sala pessoas sentadas de maneira esparsa em um jardim natildeo deixa de haver uma organizaccedilatildeo invariante para o funcionamento do esquema coordenaccedilatildeo dos movimentos dos olhos e gestos dos dedos e das matildeos enunciaccedilatildeo correta da seacuterie numeacuterica identificaccedilatildeo do uacuteltimo elemento da seacuterie como o cardinal do conjunto enumerado (acentuaccedilatildeo ou repeticcedilatildeo do uacuteltimo nuacutemero pronunciado) Vecirc-se facilmente que o esquema descrito recorre a atividades perceptivo-motoras a significantes (as palavras-nuacutemeros) e a construccedilotildees conceituais tais como a de correspondecircncia biuniacutevoca entre conjuntos de objetos e subconjuntos de nuacutemeros naturais a de cardinal e ordinal e outras Recorre igualmente a conhecimentos tais como os que identificam o uacuteltimo elemento da seacuterie ordinal ao cardinal do conjunto Esses conceitos e conhecimentos satildeo impliacutecitos e praticamente insuscetiacuteveis de explicitaccedilatildeo por uma crianccedila nas fases iniciais da aprendizagem de competecircncias e conceitos aritmeacuteticos Entretanto orientam o desenvolvimento da accedilatildeo sendo chamados de conhecimentos-em-accedilatildeo A ausecircncia de uma conceituaccedilatildeo adequada estaacute no centro da origem dos erros sistemaacuteticos cometidos pelos alunos (ibid)

Naturalmente os esquemas usados por crianccedilas maiores e por adultos em determinadas classes de situaccedilotildees podem ser muito mais elaborados mas a ideacuteia eacute mesma o esquema eacute a forma estrutural da atividade eacute a organizaccedilatildeo invariante do sujeito sobre uma classe de situaccedilotildees dadas (op cit p 164) e conteacutem conhecimentos-em-accedilatildeo que satildeo impliacutecitos

Invariantes operatoacuterios

Designam-se pelas expressotildees conceito-em-accedilatildeo e teorema-em-accedilatildeo os conhecimentos contidos nos esquemas Pode-se tambeacutem designaacute-los pela expressatildeo mais abrangente invariantes operatoacuterios (1993 p 4) Esquema eacute a organizaccedilatildeo da conduta para uma certa

classe de situaccedilotildees teoremas-em-accedilatildeo e conceitos-em-accedilatildeo satildeo invariantes operacionais logo satildeo componentes essenciais dos esquemas (1998 p 167) e determinam as diferenccedilas entre eles

Teorema-em-accedilatildeo eacute uma proposiccedilatildeo tida como verdadeira sobre o real Conceito-em-accedilatildeo eacute um objeto um predicado ou uma categoria de pensamento tida como pertinente relevante (1996c p 202 1998 p 167)

Vejamos exemplos de teoremas-em-accedilatildeo Consideremos a seguinte situaccedilatildeo proposta a alunos de 13 anos (1994 p 49) O consumo de farinha eacute em meacutedia 35 kg por semana para dez pessoas Qual a quantidade de farinha necessaacuteria para cinquumlenta pessoas durante 28 dias Resposta de um aluno 5 vezes mais pessoas 4 vezes mais dias 20 vezes mais farinha logo 35 x 20 = 70 kg

Eacute impossiacutevel segundo Vergnaud (ibid) dar conta desse raciociacutenio sem supor o seguinte teorema impliacutecito na cabeccedila do aluno f(n1x1 n2x2) = n1n2 f(x1x2) ou seja Consumo (5 x 10 4 x 7) = 5 x 4 Consumo (10 7)

Naturalmente este teorema funciona porque as razotildees de 50 pessoas para 10 pessoas e 28 dias para 7 dias satildeo simples e evidentes Ele natildeo seria tatildeo facilmente aplicado a outros valores numeacutericos Portanto seu escopo de aplicaccedilatildeo eacute limitado Ainda assim eacute um teorema que pode ser expresso por exemplo em palavras O consumo eacute proporcional ao nuacutemero de pessoas quando o nuacutemero de dias eacute mantido constante e eacute proporcional ao nuacutemero de dias quando o nuacutemero de pessoas eacute mantido constante Pode tambeacutem ser expresso pela foacutermula C = kPD onde C eacute o consumo P o nuacutemero de pessoas D o nuacutemero de dias e k o consumo por pessoa por dia

Eacute claro que essas diferentes maneiras de expressar o mesmo raciociacutenio natildeo satildeo cognitivamente equivalentes A segunda eacute mais difiacutecil Satildeo maneiras complementares de explicitar a mesma estrutura matemaacutetica impliacutecita em diferentes niacuteveis de abstraccedilatildeo

Suponhamos agora outras situaccedilotildees (1998 p 174)

A Janete tinha 7 bolinhas de gude Ela jogou e ganhou 5 bolinhas Quantas bolinhas ela tem agora B Paulo tinha 12 bolinhas de gude Ele jogou e perdeu 5 bolinhas Quantas bolinhas ele tem agora C Hans tinha 9 bolinhas de gude Ele jogou com Rute Ele tem agora 14 bolinhas de gude O que aconteceu no jogo D Rute jogou bolinhas de gude com Hans e perdeu 5 bolinhas Ela agora tem 7 bolinhas de gude Quantas ela tinha antes de jogar Haacute vaacuterios conceitos-em-accedilatildeo distintos impliacutecitos na compreensatildeo dessas situaccedilotildees nuacutemero cardinal ganho e perda aumento e diminuiccedilatildeo transformaccedilatildeo e estado estado inicial e final transformaccedilatildeo positiva e negativa adiccedilatildeo e subtraccedilatildeo

Os conceitos relevantes satildeo os mesmos para todas as situaccedilotildees mas a situaccedilatildeo D eacute bem mais difiacutecil para alunos de sete ou oito anos porque implica raciocinar para traacutes e achar o

estado inicial adicionando as 5 bolinhas perdidas ao estado final de 7 bolinhas Tal

raciociacutenio depende de um forte teorema-em-accedilatildeo (ibid) onde I eacute o estado inicial F o estado final T a transformaccedilatildeo direta e T--1 a transformaccedilatildeo inversa

Segundo Vergnaud (1994 p 54) entre os mais importantes teoremas-em-accedilatildeo desenvolvidos pelos estudantes encontram-se as propriedades isomoacuterficas da funccedilatildeo linear

e as propriedades de coeficiente constante dessa mesma funccedilatildeo

e algumas propriedades especiacuteficas de funccedilotildees bilineares como a do primeiro

exemplo

Entre os mais importantes conceitos-em-accedilatildeo desenvolvidos pelos alunos acham-se os de grandeza e magnitude valor unitaacuterio razatildeo e fraccedilatildeo funccedilatildeo e variaacutevel taxa constante dependecircncia e independecircncia quociente e produto de dimensotildees

Haacute uma relaccedilatildeo dialeacutetica entre conceitos-em-accedilatildeo e teoremas-em-accedilatildeo uma vez que conceitos satildeo ingredientes de teoremas e teoremas satildeo propriedades que datildeo aos conceitos seus conteuacutedos Mas seria um erro confundi-los (1998 p 174) Conceitos em accedilatildeo satildeo ingredientes necessaacuterios das proposiccedilotildees Mas conceitos natildeo satildeo teoremas pois natildeo permitem derivaccedilotildees (inferecircncias ou computaccedilotildees) derivaccedilotildees requerem proposiccedilotildees Proposiccedilotildees podem ser verdadeiras ou falsas conceitos podem ser apenas relevantes ou irrelevantes Ainda assim natildeo existem proposiccedilotildees sem conceitos (1994 p 55)

Reciprocamente natildeo haacute conceitos sem proposiccedilotildees pois eacute a necessidade de derivar accedilotildees das representaccedilotildees do mundo e de ter concepccedilotildees verdadeiras (ou pelo menos adequadas) do mundo que tornam necessaacuterios os conceitos Um modelo computaacutevel do conhecimento intuitivo deve compreender conceitos-em-accedilatildeo e teoremas-em-accedilatildeo como ingredientes essenciais dos esquemas Esquemas satildeo fundamentais porque geram accedilotildees incluindo operaccedilotildees intelectuais mas podem geraacute-las porque contecircm invariantes operatoacuterios (teoremas e conceitos-em-accedilatildeo) que formam o nuacutecleo da representaccedilatildeo

Por outro lado um conceito-em-accedilatildeo natildeo eacute um verdadeiro conceito cientiacutefico nem um teorema-em-accedilatildeo eacute um verdadeiro teorema a menos que se tornem expliacutecitos Na ciecircncia conceitos e teoremas satildeo expliacutecitos e pode-se discutir sua pertinecircncia e sua veracidade mas esse natildeo eacute necessariamente o caso dos invariantes operatoacuterios (1990 p 144) Conceitos e

teoremas expliacutecitos natildeo constituem mais do que a parte visiacutevel do iceberg da conceitualizaccedilatildeo sem a parte escondida formada pelos invariantes operatoacuterios essa parte visiacutevel natildeo seria nada Reciprocamente natildeo se pode falar de invariantes operatoacuterios integrados nos esquemas sem a ajuda de categorias do conhecimento expliacutecito proposiccedilotildees funccedilotildees proposicionais objetos argumentos (ibid)

Mas conceitos-em-accedilatildeo e teoremas-em-accedilatildeo podem progressivamente tornarem-se verdadeiros conceitos e teoremas cientiacuteficos O status do conhecimento eacute muito diferente quando ele eacute explicitado ao inveacutes de ficar totalmente imerso na accedilatildeo O conhecimento expliacutecito pode ser comunicado a outros e discutido o conhecimento impliacutecito natildeo (1998 p 175)

Em geral os alunos natildeo satildeo capazes de explicar ou mesmo expressar em linguagem natural seus teoremas e conceitos-em-accedilatildeo Na abordagem de uma situaccedilatildeo os dados a serem trabalhados e a sequumlecircncia de caacutelculos a serem feitos dependem de teoremas-em-accedilatildeo e da identificaccedilatildeo de diferentes tipos de elementos pertinentes A maioria desses conceitos e teoremas-em-accedilatildeo permanecem totalmente impliacutecitos mas eles podem tambeacutem ser expliacutecitos ou tornarem-se expliacutecitos e aiacute entra o ensino ajudar o aluno a construir conceitos e teoremas expliacutecitos e cientificamente aceitos a partir do conhecimento impliacutecito Eacute nesse sentido que conceitos-em-accedilatildeo e teoremas-em-accedilatildeo podem progressivamente tornarem-se verdadeiros conceitos e teoremas cientiacuteficos mas isso pode levar muito tempo

A teoria dos campos conceituais um resumo

A teoria dos campos conceituais de Geacuterard Vergnaud eacute uma teoria psicoloacutegica cognitivista que supotildee que o nuacutecleo do desenvolvimento cognitivo eacute a conceitualizaccedilatildeo do real (1996a p 118) Eacute uma teoria psicoloacutegica de conceitos na qual a conceitualizaccedilatildeo eacute considerada a pedra angular da cogniccedilatildeo (1998 p 173) Para Vergnaud o conhecimento estaacute organizado em campos conceituais cujo domiacutenio de parte do aprendiz ocorre ao longo de um largo periacuteodo de tempo atraveacutes de experiecircncia maturidade e aprendizagem (1982 p 40) Campo conceitual eacute um conjunto informal e heterogecircneo de problemas situaccedilotildees conceitos relaccedilotildees estruturas conteuacutedos e operaccedilotildees de pensamento conectados uns aos outros e provavelmente entrelaccedilados durante o processo de aquisiccedilatildeo (ibid) Campo conceitual eacute definido tambeacutem como sendo em primeiro lugar um conjunto de situaccedilotildees cujo domiacutenio requer por sua vez o domiacutenio de vaacuterios conceitos procedimentos e representaccedilotildees de naturezas distintas (1988 p 141 1990 p 146) Conceitos satildeo definidos por trecircs conjuntos o primeiro eacute um conjunto de situaccedilotildees que constituem o referente do conceito o segundo eacute um conjunto de invariantes operatoacuterios (teoremas e conceitos-em-accedilatildeo) que datildeo o significado do conceito e o terceiro eacute um conjunto de representaccedilotildees simboacutelicas que compotildeem seu significante

Como satildeo as situaccedilotildees que datildeo sentido aos conceitos eacute natural definir campo conceitual como sendo sobretudo um conjunto de situaccedilotildees Um conceito torna-se significativo atraveacutes de uma variedade de situaccedilotildees (1994 p 46) mas o sentido natildeo estaacute nas situaccedilotildees em si mesmas assim como natildeo estaacute nas palavras nem nos siacutembolos (1990 p 158) O sentido eacute uma relaccedilatildeo do sujeito com situaccedilotildees e significantes Mais precisamente satildeo os

esquemas ie as accedilotildees e sua organizaccedilatildeo evocados no sujeito por uma situaccedilatildeo ou por um significante que constituem o sentido dessa situaccedilatildeo ou desse significante para esse indiviacuteduo (1990 p 158 1993 p 18) Vergnaud considera que os esquemas necessariamente se referem a situaccedilotildees a tal ponto que dever-se-ia falar em interaccedilatildeo esquema-situaccedilatildeo ao inveacutes de interaccedilatildeo sujeito-objeto Esquemas tecircm como ingredientes essenciais aquilo que Vergnaud chama de invariantes operatoacuterios ie conceitos-em-accedilatildeo e teoremas-em-accedilatildeo que constituem a parte conceitual dos esquemas ie os conhecimentos contidos nos esquemas Teorema-em-accedilatildeo eacute uma proposiccedilatildeo considerada como verdadeira sobre o real conceito-em-accedilatildeo eacute uma categoria de pensamento tida como pertinente (1996c p 202) Esse conhecimento eacute principalmente impliacutecito e o aprendiz tem dificuldades em explicaacute-lo ou expressaacute-lo mas isso natildeo significa que tal conhecimento natildeo possa ser explicitado Eacute atraveacutes do processo de explicitaccedilatildeo do conhecimento impliacutecito ndash aiacute o professor tem um papel mediador fundamental ndash que os teoremas-em-accedilatildeo e conceitos-em-accedilatildeo podem tornar-se verdadeiros teoremas e conceitos cientiacuteficos Uma proposiccedilatildeo expliacutecita pode ser debatida uma proposiccedilatildeo tida como verdadeira de maneira totalmente impliacutecita natildeo Assim o caraacuteter do conhecimento muda se for comunicaacutevel debatido e compartilhado (op cit p 204)

A figura 1 apresenta um mapa conceitual para a teoria de Vergnaud ou seja um diagrama conceitual destacando os conceitos-chave da teoria e suas principais interrelaccedilotildees As palavras que aparecem sobre as linhas conectando os conceitos procuram explicitar a natureza da relaccedilatildeo entre elas Por exemplo a relaccedilatildeo entre situaccedilotildees e conceitos eacute referente pois as situaccedilotildees eacute que datildeo sentido ao conceito ie constituem o referente do conceito Outro exemplo a interaccedilatildeo entre situaccedilotildees e esquemas eacute a fonte primaacuteria das representaccedilotildees simboacutelicas e estas constituem o significante de um conceito As setas quando existem sugerem apenas uma direccedilatildeo para leitura

Ao mesmo tempo que se afasta de Piaget ndash ocupando-se do estudo do funcionamento cognitivo do sujeito-em-situaccedilatildeo ao inveacutes de ocupar-se de operaccedilotildees loacutegicas gerais ou de estruturas gerais de pensamento e tomando como referecircncia o proacuteprio conteuacutedo do conhecimento e a anaacutelise conceitual do domiacutenio desse conhecimento (1994 p 41 Franchi 1999 p 160) ndash a teoria de Vergnaud tem forte base piagetiana que se manifesta principalmente no importante papel que o conceito de esquema tem nessa teoria Por outro lado tem tambeacutem influecircncia vygotskyana pois considera o professor como importante mediador no longo processo que caracteriza o progressivo domiacutenio de um campo conceitual pelo aluno Sua tarefa consiste principalmente em ajudar o aluno a desenvolver seu repertoacuterio de esquemas e representaccedilotildees Novos esquemas natildeo podem ser desenvolvidos sem novos invariantes operatoacuterios A linguagem e os siacutembolos satildeo importantes nesse processo de acomodaccedilatildeo e o professor faz amplo uso deles na sua funccedilatildeo mediadora Mas o principal ato mediador do professor eacute o de prover situaccedilotildees frutiacuteferas aos alunos (1998 p 181) Um conceito ou uma proposiccedilatildeo torna-se significativo atraveacutes de uma variedade de situaccedilotildees mas natildeo se capta o significado sozinho O papel mediador do professor eacute essencial (1994 p 44)

A teoria dos campos conceituais o ensino de ciecircncias e a pesquisa nessa aacuterea

Basta dar atenccedilatildeo agrave bibliografia usada neste trabalho para perceber que a teoria de Vergnaud tem sido utilizada principalmente como referencial para a educaccedilatildeo matemaacutetica Nada mais natural pois as pesquisas de Vergnaud e que sustentam sua teoria tecircm focalizado a aprendizagem e o ensino da Matemaacutetica particularmente das estruturas aditivas e multiplicativas Natildeo obstante como foi dito na introduccedilatildeo essa teoria natildeo eacute especiacutefica da Matemaacutetica e justamente por isso este texto tem por objetivo descrevecirc-la e divulgaacute-la entre professores de ciecircncias e pesquisadores em educaccedilatildeo em ciecircncias

Nas proacuteximas seccedilotildees seratildeo comentadas algumas implicaccedilotildees da teoria dos campos conceituais de Vergnaud para o ensino de ciecircncias e para a pesquisa nesse campo

Conhecimento PreacutevioAprendizagem significativa

A teoria dos campos conceituais destaca que a aquisiccedilatildeo de conhecimento eacute moldada pelas situaccedilotildees e problemas previamente dominados e que esse conhecimento tem portanto muitas caracteriacutesticas contextuais Assim muitas de nossas concepccedilotildees vecircm das primeiras situaccedilotildees que fomos capazes de dominar ou de nossa experiecircncia tentando modificaacute-las (1996 a p 117) No entanto existe provavelmente uma lacuna consideraacutevel entre os invariantes que os sujeitos constroacuteem ao interagir com o meio e os invariantes que constituem o conhecimento cientiacutefico

As concepccedilotildees preacutevias dos alunos tecircm sido consideradas como erros misconceptionsconcepccedilotildees ingecircnuas concepccedilotildees alternativa em relaccedilatildeo agraves concepccedilotildees cientiacuteficas Para Vergnaud (1990 p 69) esta maneira de conceber o conhecimento preacutevio supotildee a crianccedila o aluno ou o adulto aprendiz como incompletos imperfeitos ou deficientes em comparaccedilatildeo a adultos especialistas Essa abordagem segundo ele eacute inadequada agraves questotildees de desenvolvimento cognitivo aiacute envolvidas Seria muito mais frutiacutefero considerar o sujeito como um sistema dinacircmico com mecanismos regulatoacuterios capazes de assegurar seu progresso cognitivo

Muitas das concepccedilotildees errocircneas dos alunos derivam do fato de que eles atribuem a certas palavras usadas em ciecircncias para representar conceitos o mesmo significado que atribuem a essas mesmas palavras no dia-a-dia Inclusive de uma ciecircncia para outra os significados de uma mesma palavra podem ser distintos mas o aluno pode natildeo captaacute-los como distintos

As prediccedilotildees que os estudantes fazem para responder questotildees do tipo ldquoO que aconteceraacute se rdquo ou as explicaccedilotildees que datildeo para responder questotildees do tipo ldquoexpliquerdquo ldquointerpreterdquo ldquojustifiquerdquo tecircm segundo Vergnaud (ibid p 73) alguns pontos em comum Por exemplo focalizam caracteriacutesticas perceptivas e relacionadas a eventos da situaccedilatildeo accedilotildees movimentos mudanccedila no aspecto (cor aparecimento de bolhas fumaccedila vapor etc) descrevem os elementos da situaccedilatildeo apenas em termos de suas propriedades e funccedilotildees concebem de maneira assimeacutetrica as interaccedilotildees entre elementos da situaccedilatildeo implicam sequumlenciaccedilatildeo temporal e espacial Estes modos de compreensatildeo que satildeo essencialmente

do tipo ldquorelacionado a eventordquo diferentemente do tipo ldquoconceitualrdquo usado no campo das ciecircncias satildeo inadequados e frequumlentemente levam a previsotildees errocircneas

A persistecircncia das chamadas concepccedilotildees alternativas inclusive em estudantes em cursos cientiacuteficos avanccedilados tecircm recebido vaacuterias interpretaccedilotildees poreacutem Vergnaud argumenta (ibid p 74) que em praticamente todas elas o sistema de percepccedilatildeo visual tem um papel preponderante na construccedilatildeo do conhecimento pelos sujeitos mas pouca atenccedilatildeo tem sido dada ao papel funcional dessas concepccedilotildees e poucas pesquisas tecircm sido feitas sobre os problemas que os sujeitos encontram para construiacute-las Por exemplo os ldquoerrosrdquo encontrados em alguns estudos frequumlentemente decorrem de fato de que os sujeitos se deparam com questotildees que nunca se propuseram antes ou que envolvem valores natildeo usuais das variaacuteveis de uma dada situaccedilatildeo Outro exemplo de dificuldade enfrentada pelos sujeitos estaacute no fato de que os modelos cientiacuteficos fazem uso de entidades que geralmente natildeo satildeo acessiacuteveis sensorialmente Em Fiacutesica por exemplo os estudantes enfrentam uma dificuldade que tambeacutem existe na Aacutelgebra a verificaccedilatildeo do significado de representaccedilotildees simboacutelicas depende natildeo soacute da habilidade que o sujeito tenha para representar as entidades e as relaccedilotildees entre elas mas principalmente de elementos conceituais que devem ser levados em conta (conceitos como sistema estado interaccedilatildeo transferecircncia conservaccedilatildeo apenas para mencionar alguns) (ibid p 76)

O que tudo isso quer dizer eacute que eacute normal que os alunos apresentem tais concepccedilotildees e que elas devem ser consideradas como precursoras de conceitos cientiacuteficos a serem adquiridos A ativaccedilatildeo desses precursores eacute necessaacuteria e deve ser guiada pelo professor

As concepccedilotildees preacutevias dos alunos contecircm teoremas e conceitos-em-accedilatildeo que natildeo satildeo verdadeiros teoremas e conceitos cientiacuteficos mas que podem evoluir para eles Poreacutem como jaacute foi dito o hiato entre os invariantes operatoacuterios dos alunos e os do conhecimento cientiacutefico eacute grande de modo que a mudanccedila conceitual poderaacute levar muito tempo

Por outro lado pode ocorrer que certos conceitos possam ser construiacutedos somente se certas concepccedilotildees preacutevias forem abandonadas Quer dizer o conhecimento preacutevio pode funcionar como obstaacuteculo epistemoloacutegico (ibid p 83) Nesse caso a accedilatildeo mediadora do professor eacute tambeacutem imprescindiacutevel

A construccedilatildeo do conhecimento pelo aprendiz natildeo eacute um processo linear facilmente identificaacutevel Ao contraacuterio eacute complexo tortuoso demorado com avanccedilos e retrocessos continuidades e rupturas O conhecimento preacutevio eacute determinante no progressivo domiacutenio de um campo conceitual mas pode tambeacutem em alguns casos ser impeditivo Continuidades e rupturas natildeo satildeo no entanto excludentes Pode haver continuidade e ruptura A Aacutelgebra por exemplo se apoacuteia na Aritmeacutetica mas ainda assim para aprendecirc-la eacute necessaacuterio romper com a Aritmeacutetica A Mecacircnica Claacutessica e a Mecacircnica Quacircntica apresentam continuidades mas para aprender esta eacute preciso rupturas com aquela

No ensino eacute necessaacuterio desestabilizar cognitivamente o aluno mas natildeo demais Eacute preciso identificar sobre quais conhecimentos preacutevios a crianccedila pode se apoiar para aprender mas eacute forccediloso tambeacutem distinguir quais as rupturas necessaacuterias Quer dizer eacute preciso propor

tambeacutem com cuidado situaccedilotildees para as quais os alunos natildeo tecircm onde se apoiar ou natildeo devem se apoiar em conhecimentos preacutevios

As ideacuteias de Vergnaud sobre o papel do conhecimento preacutevio (que pode ser ldquoalternativordquo) como percursor de novos conhecimentos (que podem ser cientiacuteficos) e sobre as continuidades e rupturas na construccedilatildeo do conhecimento parecem ter muito a ver com a teoria da aprendizagem significativa de Ausubel (Ausubel et al 1980 Moreira 1999 a e b) Para Ausubel o conhecimento preacutevio eacute o principal fator isolado que influencia a aquisiccedilatildeo de novos conhecimentos A aprendizagem significativa se caracteriza pela interaccedilatildeo entre o novo conhecimento e o conhecimento preacutevio Eacute nessa interaccedilatildeo que o novo conhecimento adquire significados e o conhecimento preacutevio se modifica eou adquire novos significados Mas tal interaccedilatildeo natildeo eacute arbitraacuteria ou seja o novo conhecimento adquire significados pela interaccedilatildeo com conhecimentos preacutevios especificamente relevantes Em outras palavras a interaccedilatildeo natildeo eacute com qualquer conhecimento preacutevio Nesse sentido no ensino eacute preciso identificar sobre quais conhecimentos preacutevios o aluno pode se apoiar para aprender Contudo o efeito do conhecimento preacutevio na aprendizagem eacute tatildeo forte que em certos casos eacute preciso romper com ele Por exemplo no ensino do conceito de aprendizagem significativa pode natildeo ser adequado apoiar-se na ideacuteia de interaccedilatildeo pois esta pode estar fortemente arraigada na estrutura cognitiva como sendo uma relaccedilatildeo assimeacutetrica que poderia dificultar a compreensatildeo do fato de que na aprendizagem significativa tanto o novo conhecimento como o conhecimento preacutevio se modificam Por outro lado a compreensatildeo da aprendizagem significativa como uma relaccedilatildeo simeacutetrica ou de accedilatildeo reciacuteproca juntamente com a aprendizagem de outros processos envolvendo accedilatildeo reciacuteproca poderia levar a uma evoluccedilatildeo dos conceitos e teoremas-em-accedilatildeo associados agrave ideacuteia de interaccedilatildeo (que eacute uma ideacuteia-chave na ciecircncia) para outros progressivamente mais proacuteximos daqueles cientificamente compartilhados

Mas se a teoria dos campos conceituais eacute compatiacutevel com a teoria da aprendizagem significativa por que natildeo ficar com esta que eacute bastante mais conhecida e aceita no ensino de ciecircncias A resposta eacute que podem ser tomadas como complementares a teoria de Ausubel eacute uma teoria de aprendizagem em sala de aula de aquisiccedilatildeo de corpos organizados de conhecimento em situaccedilatildeo formal de ensino enquanto que a teoria de Vergnaud eacute uma teoria psicoloacutegica do processo de conceituaccedilatildeo do real que se propotildee a localizar e estudar continuidades e rupturas entre conhecimentos do ponto de vista de seu conteuacutedo conceitual A teoria de Vergnaud natildeo eacute uma teoria de ensino de conceitos expliacutecitos e formalizados embora tenha subjacente a ideacuteia de que os conhecimentos-em-accedilatildeo (largamente impliacutecitos) podem evoluir ao longo do tempo para conhecimentos cientiacuteficos (expliacutecitos) A teoria de Ausubel por outro lado se ocupa exatamente da aquisiccedilatildeo de conceitos expliacutecitos e formalizados chegando inclusive a propor princiacutepios programaacuteticos ndash como a diferenciaccedilatildeo progressiva a reconciliaccedilatildeo integradora e a consolidaccedilatildeo ndash para a organizaccedilatildeo do ensino

Ao resgatar e enriquecer o conceito de esquema introduzindo os conceitos de teorema-em-accedilatildeo e conceito-em-accedilatildeo ao definir conceito como um tripleto ao colocar a conceitualizaccedilatildeo no acircmago do desenvolvimento cognitivo ao priorizar a interaccedilatildeo sujeito-situaccedilatildeo e como natildeo poderia deixar de ser ao definir campo conceitual Vergnaud provecirc um referencial muito rico para compreender explicar e investigar o processo da

aprendizagem significativa A teoria dos campos conceituais de Vergnaud parece prover um referencial adequado para analisar a estrutura fina da teoria da aprendizagem significativa de Ausubel O que para Ausubel satildeo campos organizados de conhecimento para Vergnaud satildeo campos conceituais

ProfessorEnsino

Um determinado campo conceitual como o da Eletricidade por exemplo pode ser progressivamente dominado por um aprendiz mas o ensino atraveacutes da accedilatildeo mediadora do professor eacute essencial para isso Professores satildeo mediadores Sua tarefa eacute a de ajudar os alunos a desenvolver seu repertoacuterio de esquemas e representaccedilotildees (1998 p 180) Desenvolvendo novos esquemas os alunos tornam-se capazes de enfrentar situaccedilotildees cada vez mais complexas Novos esquemas natildeo podem ser desenvolvidos sem novos invariantes operacionais A linguagem e os siacutembolos satildeo importantes nesse processo Os professores usam palavras e sentenccedilas para explicar formular questotildees selecionar informaccedilotildees propor metas expectativas regras e planos Contudo sua accedilatildeo mediadora mais importante eacute a de prover situaccedilotildees (de aprendizagem) frutiacuteferas para os estudantes (ibid) Tais situaccedilotildees devem ser cuidadosamente escolhidas ordenadas diversificadas apresentadas no momento certo e dentro da zona de desenvolvimento proximal do aluno Sem duacutevida uma tarefa difiacutecil mas essencial

Para Vergnaud o desenvolvimento cognitivo depende de situaccedilotildees e conceitualizaccedilotildees especiacuteficas para lidar com elas Satildeo as situaccedilotildees que datildeo sentido aos conceitos elas eacute que satildeo responsaacuteveis pelo sentido atribuiacutedo ao conceito (Barais amp Vergnaud 1990 p 78) um conceito torna-se significativo atraveacutes de uma variedade de situaccedilotildees (1994 p 46) mas o sentido natildeo estaacute nas situaccedilotildees em si mesmas assim como natildeo estaacute nas palavras nem nos siacutembolos (1990 p 158)

Cabe aqui lembrar que embora estejamos falando do ensino e do papel do professor na perspectiva de Vergnaud as situaccedilotildees antes referidas natildeo satildeo situaccedilotildees didaacuteticas propriamente ditas mas sim tarefas problemas

O papel do professor como mediador provedor de situaccedilotildees problemaacuteticas frutiacuteferas estimuladoras da interaccedilatildeo sujeito-situaccedilatildeo que leva agrave ampliaccedilatildeo e agrave diversificaccedilatildeo de seus esquemas de accedilatildeo ou seja ao desenvolvimento cognitivo deixa ainda mais evidente que a teoria de Vergnaud tem tambeacutem forte influecircncia vigotskyana

Haacute no entanto outra importante implicaccedilatildeo da teoria dos campos conceituais para o ensino a questatildeo do conhecimento impliacutecito e do conhecimento expliacutecito A escola segundo Vergnaud (1994 p 47) superestima o conhecimento expliacutecito e subestima ateacute mesmo desvaloriza o conhecimento impliacutecito dos alunos Contudo a maior parte de nossa atividade fiacutesica e mental de nosso comportamento enfim eacute constituiacuteda de esquemas e estes tecircm como componentes essenciais os invariantes operatoacuterios (conceitos e teoremas-em-accedilatildeo) que constituem os conhecimentos contidos nos esquemas e que satildeo largamente impliacutecitos Quer dizer haacute muito de impliacutecito nos esquemas Os alunos em geral natildeo satildeo capazes de explicar ou expressar em linguagem natural seus teoremas-em-accedilatildeo ainda que

sejam capazes de resolver certas tarefas (situaccedilotildees) Natildeo soacute alunos qualquer pessoa muitas vezes eacute incapaz de colocar em palavras coisas que faz muito bem conhecimentos que tem Haacute um hiato entre a accedilatildeo e a formalizaccedilatildeo da accedilatildeo Agimos com o auxiacutelio de invariantes operatoacuterios sem expressaacute-los ou sem sermos capazes de expressaacute-los A anaacutelise cognitiva dessas accedilotildees muitas vezes revela a existecircncia de potentes teoremas e conceitos-em-accedilatildeo impliacutecitos Esse conhecimento no entanto natildeo pode ser apropriadamente chamado de conceitual pois o conhecimento conceitual eacute necessariamente expliacutecito (Vergnaud et al 1990 p 20) Portanto palavras e outros siacutembolos sentenccedilas e outras expressotildees simboacutelicas satildeo instrumentos cognitivos indispensaacuteveis para a transformaccedilatildeo de invariantes operatoacuterios impliacutecitos em conceitos e teoremas cientiacuteficos expliacutecitos (ibid) Quer dizer a formalizaccedilatildeo ndash o ensino direcionado agrave formalizaccedilatildeo ndash eacute necessaacuteria poreacutem eacute preciso levar em conta que as ideacuteias cientiacuteficas evoluem no aluno durante um longo periacuteodo de desenvolvimento cognitivo atraveacutes de uma variedade de situaccedilotildees e atividades e que qualquer conhecimento formal e axiomatizado que o aluno apresenta pode natildeo ser mais do que a parte visiacutevel de um iceberg formado basicamente por conhecimentos impliacutecitos (op cit p 21) O ensino de ciecircncias natildeo pode deixar de lado a simbolizaccedilatildeo e a formalizaccedilatildeo porque a ciecircncia eacute simboacutelica formal e expliacutecita mas eacute preciso ter sempre em mente que o conhecimento do aluno como de qualquer outro sujeito eacute em grande parte impliacutecito O ensino de ciecircncias deve facilitar a transformaccedilatildeo do conhecimento impliacutecito em expliacutecito sem nunca subestimaacute-lo ou desvalorizaacute-lo A trajetoacuteria do aprendiz ao longo de um campo conceitual cientiacutefico eacute sinuosa difusa difiacutecil e sobretudo demorada Natildeo se pode esperar que um aluno domine um campo conceitual como o da Termodinacircmica por exemplo atraveacutes de uma ou duas unidades didaacuteticas desenvolvidas ao longo de dois ou trecircs meses Eacute normal que o aluno continue usando conhecimentos impliacutecitos ao mesmo tempo que vai se apropriando dos conhecimentos expliacutecitos da ciecircncia A perspectiva dos campos conceituais eacute progressiva natildeo substitutiva Ou seja o campo conceitual vai sendo progressivamente dominado pelo aprendiz o conhecimento impliacutecito vai evoluindo progressivamente para o expliacutecito ao inveacutes de ser substituiacutedo por ele Isso como alerta Vergnaud pode levar muito tempo muitos anos talvez mas o ensino e em uacuteltima anaacutelise o professor tecircm um papel essencial nesse processo Sem o ensino natildeo haacute razatildeo nenhuma para se acreditar que o sujeito passe a dominar campos conceituais complexos e formalizados como os cientiacuteficos

Resoluccedilatildeo de Problemas

O ensino de ciecircncias tradicionalmente envolve trecircs aspectos principais profundamente interrelacionados o conhecimento teoacuterico (conceitos leis princiacutepios equaccedilotildees) as praacuteticas de laboratoacuterio (experimentos demonstraccedilotildees procedimentos cientiacuteficos) e a resoluccedilatildeo de problemas (abertos fechados como investigaccedilatildeo de papel e laacutepis) Obviamente qualquer professor experiente sabe que essa distinccedilatildeo eacute artificial o conhecimento cientiacutefico eacute produzido atraveacutes da interaccedilatildeo entre o domiacutenio conceitual e o metodoloacutegico Poreacutem na perspectiva de Vergnaud esta interdependecircncia entre a teoria e a praacutetica fica muito clara

Como jaacute foi dito reiteradamente ao longo deste texto satildeo as situaccedilotildees[1] que datildeo sentido aos conceitos um conceito torna-se significativo atraveacutes de uma variedade de situaccedilotildees os conhecimentos dos alunos satildeo moldados pelas situaccedilotildees que encontram e

progressivamente dominam Embora o conceito de situaccedilatildeo tenha na teoria dos campos conceituais o significado de tarefa podemos supor que no acircmbito das ciecircncias situaccedilatildeo significa tambeacutem problema Ou podemos falar em situaccedilotildees e problemas como faz o proacuteprio Vergnaud ao dizer que ldquoa aquisiccedilatildeo de conhecimento eacute moldada pelas situaccedilotildees e problemas previamente dominados e portanto o conhecimento do sujeito tem muitos aspectos locaisrdquo (1994 p 42) Em outro trabalho bastante anterior a esse Vergnaud diz que ldquona verdade os conceitos se desenvolvem atraveacutes da resoluccedilatildeo de problemas e esse desenvolvimento eacute lentordquo (1983b p 172)

Isso significa que a resoluccedilatildeo de problemas ou as situaccedilotildees de resoluccedilatildeo de problemas satildeo essenciais para a conceitualizaccedilatildeo mas como chama atenccedilatildeo Vergnaud (1994 p 42) ldquoum problema natildeo eacute um problema para um indiviacuteduo a menos que ele ou ela tenha conceitos que oa tornem capaz de consideraacute-lo como um problema para si mesmordquo Ou seja haacute uma relaccedilatildeo dialeacutetica e ciacuteclica entre a conceitualizaccedilatildeo e a resoluccedilatildeo de problemas Para Vergnaud a problematizaccedilatildeo vai muito aleacutem da abstraccedilatildeo de regularidades do mundo observaacutevel Problemas satildeo teoacutericos e praacuteticos natildeo meramente empiacutericos mesmo para crianccedilas pequenas Quando uma classe de problemas eacute resolvida por um indiviacuteduo (o que significa que ela ou ele desenvolve um esquema eficiente para lidar com todos ou quase todos os problemas dessa classe) o caraacuteter problemaacutetico dessa classe especiacutefica desaparece (ibid) Mas essa competecircncia desenvolvida pelo indiviacuteduo o habilita a reconhecer ou considerar novos problemas para si mesmo trata-se entatildeo de um processo ciacuteclico

Vergnaud chama de ldquoilusatildeo pedagoacutegicardquo (1983 b p 173) a atitude dos professores que crecircem que o ensino de Fiacutesica digamos consiste na apresentaccedilatildeo organizada clara rigorosa das teorias formais e que quando isso eacute bem feito os alunos aprendem Trata-se de uma ilusatildeo porque segundo ele eacute atraveacutes de situaccedilotildees de resoluccedilatildeo de problemas que os conceitos se desenvolvem no aluno e as situaccedilotildees de resoluccedilatildeo de problemas que tornam os conceitos significativos para os alunos podem estar pelo menos inicialmente muito distantes do formalismo apresentado pelo professor Mas apesar disso tais situaccedilotildees satildeo essenciais para o desenvolvimento de conceitos Quer dizer ao mesmo tempo que as situaccedilotildees formais satildeo necessaacuterias eacute preciso levar em consideraccedilatildeo que o aluno pode estar ainda muito longe delas (1983 b p 172)

Novamente podemos estabelecer um certo paralelo entre as teorias de Ausubel e Vergnaud A aprendizagem receptiva de Ausubel poderia ser interpretada como a ilusatildeo pedagoacutegica de Vergnaud mas natildeo eacute assim Ausubel certamente defenderia a apresentaccedilatildeo organizada clara rigorosa das teoria formais poreacutem desde que fossem potencialmente significativas o que implicaria que o aprendiz tivesse o conhecimento preacutevio adequado e se dispusesse a aprender Isso estaria de acordo com a postura de Vergnaud no sentido de que o domiacutenio de situaccedilotildees preacutevias eacute importante para o domiacutenio de situaccedilotildees novas Acrescente-se a isso que para Ausubel a resoluccedilatildeo de problemas em particular de situaccedilotildees problemaacuteticas novas e natildeo familiares que requeiram maacutexima transformaccedilatildeo do conhecimento adquirido eacute a principal evidecircncia da aprendizagem significativa (Ausubel et al 1980)

A teoria de Vergnaud parece ser entatildeo um bom referencial para anaacutelise das dificuldades dos alunos na resoluccedilatildeo de problemas em ciecircncias e consequumlentemente da conceitualizaccedilatildeo em ciecircncias Tais dificuldades poderiam por exemplo ser examinadas em

termos de invariantes operatoacuterios quer dizer em termos de quais os conceitos e teoremas-em-accedilatildeo que os estudantes estariam usando na resoluccedilatildeo de problemas e de quatildeo distantes estariam dos conceitos e teoremas cientiacuteficos adequados agrave resoluccedilatildeo do problema em pauta

Representaccedilotildees[2]

No tripleto C (S I R) que define conceito (p 4 deste trabalho) Vergnaud dizia que S (o conjunto de situaccedilotildees que datildeo sentido ao conceito) eacute a realidade e (I R) a representaccedilatildeo dessa realidade que pode ser considerada como dois aspectos interagentes do pensamento o significado (I) e o significante (R)

Isso sugere que inicialmente Vergnaud usava o termo representaccedilatildeo como sendo o de um sistema simboacutelico que significaria algo para o sujeito um sistema de signos e uma sintaxe ou operaccedilotildees sobre elementos do sistema Para ele conceitos e siacutembolos eram duas faces da mesma moeda e devia-se sempre dar atenccedilatildeo ao uso que os alunos faziam dos siacutembolos agrave luz do uso que faziam dos conceitos Quer dizer a habilidade em resolver situaccedilotildees em linguagem natural seria o melhor criteacuterio para aquisiccedilatildeo de conceitos mas por outro lado a simbolizaccedilatildeo ajudaria nisso (1982 p 57) Assim como haacute problemas mais facilmente resolviacuteveis do que outros ou procedimentos mais faacuteceis do que outros haveria representaccedilotildees simboacutelicas mais potentes do que outras equaccedilotildees por exemplo seriam mais potentes que diagramas de Euler-Venn Todavia tais equaccedilotildees deveriam representar situaccedilotildees significativas

Poreacutem em outro trabalho mais recente (1998 p 173) Vergnaud fala em teorias de representaccedilotildees e diz que para ser uacutetil uma teoria dessas deve conter a ideacuteia de que as representaccedilotildees ofereccedilam possibilidades de inferecircncia ie que elas nos tornem capazes de antecipar eventos futuros e gerar condutas para chegar a algum efeito positivo ou evitar algum efeito negativo

Diz ele (op cit p 174) que temos representaccedilotildees computaacuteveis para gestos e accedilotildees sobre o mundo fiacutesico bem como para comportamentos verbais e para interaccedilotildees sociais Tais representaccedilotildees podem ser corretas ou erradas vagas ou precisas expliacutecitas ou totalmente impliacutecitas em qualquer caso elas funcionam como substitutos computaacuteveis da realidade e portanto satildeo feitas de teoremas-em-accedilatildeo proposiccedilotildees tidas como verdadeiras

A construccedilatildeo do conhecimento consiste entatildeo na progressiva construccedilatildeo de representaccedilotildees mentais que satildeo homomoacuterficas agrave realidade para alguns aspectos e para outros natildeo (1990 p 22) Por um lado a representaccedilatildeo eacute ativa pragmaacutetica e operacional por outro eacute discursiva teoacuterica e simboacutelica (ibid) Mas haacute importantes lacunas entre o que estaacute representado na mente de um indiviacuteduo e o significado usual das palavras e outros signos pois sistemas linguumliacutesticos e semioacuteticos natildeo tecircm por finalidade expressar exatamente o que cada indiviacuteduo tem em mente quando enfrenta uma situaccedilatildeo selecionando e processando a informaccedilatildeo (1998 p 176) Para Vergnaud a relaccedilatildeo entre situaccedilotildees e esquemas eacute a fonte primaacuteria da representaccedilatildeo mas sua teoria afasta-se muito da visatildeo de que um objeto pode ser representado mentalmente de maneira natildeo ambiacutegua atraveacutes de

siacutembolos Por maior que seja (e eacute grande) o papel dos siacutembolos no pensamento o conhecimento natildeo eacute em essecircncia simboacutelico O reconhecimento de invariantes em accedilatildeo e percepccedilatildeo e a progressiva construccedilatildeo de objetos e predicados de niacutevel mais alto satildeo aspectos mais essenciais do conhecimento (op cit p 177)

Podemos entatildeo fazer uma ponte entre os significados mais recentes de representaccedilatildeo na teoria de Vergnaud e a teoria tambeacutem recente dos modelos mentais (Johnson-Laird 1983 Moreira 1996) Dizer que temos representaccedilotildees computaacuteveis para gestos e accedilotildees sobre o mundo fiacutesico para comportamentos verbais e para interaccedilotildees sociais e que tais representaccedilotildees -- que podem ser corretas ou erradas vagas ou precisas expliacutecitas ou (principalmente) impliacutecitas -- permitem fazer inferecircncias eacute praticamente dizer que tais representaccedilotildees satildeo modelos mentais Johnson-Laird define modelos mentais como anaacutelogos estruturais de estados de coisas do mundo Satildeo instrumentos de compreensatildeo e inferecircncia Quando nos defrontamos com uma situaccedilatildeo nova construiacutemos um modelo mental para entendecirc-la descrevecirc-la e prever o que vai acontecer Este modelo pode ser correto ou natildeo (no sentido de que suas previsotildees natildeo satildeo corretas cientificamente) pode ser vago confuso incompleto mas eacute sobretudo funcional para seus construtor e pode ser modificado recursivamente ateacute atingir tal funcionalidade

Modelos mentais podem ser basicamente proposicionais ie constituiacutedos principalmente de proposiccedilotildees ou basicamente imagiacutesticos ou seja construiacutedos predominantemente com imagens ou ainda hiacutebridos quer dizer formados por proposiccedilotildees e imagens (Greca e Moreira 1997) Entatildeo as proposiccedilotildees constituintes dos modelos mentais podem ser interpretadas como teoremas-em-accedilatildeo de Vergnaud Como ele mesmo diz as representaccedilotildees funcionam como substitutos computaacuteveis da realidade e portanto satildeo feitas de teoremas-em-accedilatildeo Com o progressivo domiacutenio de um campo conceitual os teoremas-em-accedilatildeo (grandemente impliacutecitos) vatildeo se aproximando de teoremas cientiacuteficos (proposiccedilotildees expliacutecitas) Analogamente agrave medida que o sujeito adquire mais conhecimentos cientiacuteficos seus modelos mentais aproximam-se (no sentido de que permitem dar significados cientificamente aceitos) dos modelos cientiacuteficos

Pode-se assim dizer que os modelos mentais de Johnson-Laird contecircm aquilo que Vergnaud chama de teoremas-em-accedilatildeo ou seja proposiccedilotildees tidas como verdadeiras sobre o real Mas esta aparente compatibilidade entre as duas teorias pode ir aleacutem pois os conceitos-em-accedilatildeo de Vergnaud tambeacutem podem integrar modelos mentais Conceitos-em-accedilatildeo satildeo objetos predicados ou categorias de pensamento tidos como pertinentes relevantes agrave situaccedilatildeo Analogamente segundo o princiacutepio do construtivismo (Johnson-Laird 1983 p 398) um modelo mental eacute construiacutedo a partir de sinais (tokens) dispostos em uma estrutura particular para representar em certo estado de coisas (isto eacute uma certa situaccedilatildeo) Se interpretaacutessemos esses sinais (tokens) como objetos predicados ou categorias de pensamento pertinentes dir-se-ia que os modelos mentais contecircm tambeacutem conceitos-em-accedilatildeo

Contudo eacute importante natildeo confundir modelos mentais com esquemas de assimilaccedilatildeo Para Vergnaud os invariantes operatoacuterios (teoremas e conceitos-em-accedilatildeo) satildeo componentes essenciais dos esquemas e acabamos de dizer que os modelos mentais contecircm proposiccedilotildees e sinais (tokens) que podem ser interpretados como invariantes operatoacuterios mas ainda

assim modelos mentais e esquemas satildeo construtos distintos Modelo mental eacute instrumento de compreensatildeo construiacutedo no momento da compreensatildeo e descartaacutevel se for alcanccedilada (para o construtor) a funcionalidade desejada (ou seja a compreensatildeo mesmo que natildeo compartilhada cientificamente) Esquema de assimilaccedilatildeo eacute segundo Vergnaud a organizaccedilatildeo invariante do comportamento para uma determinada classe de situaccedilotildees Portanto esquemas de assimilaccedilatildeo satildeo mais estaacuteveis o sujeito constroacutei determinado esquema e o utiliza para assimilar uma certa classe de situaccedilotildees ou seja usa sempre o mesmo esquema para cada situaccedilatildeo dessa classe Mas frente a uma situaccedilatildeo nova eacute preciso acomodar ou seja construir um novo esquema de assimilaccedilatildeo e eacute exatamente aiacute que parece encaixar bem a ideacuteia de modelo mental para compreender uma nova situaccedilatildeo o sujeito constroacutei inicialmente um modelo mental (que como foi dito pode conter invariantes operatoacuterios) natildeo um esquema de assimilaccedilatildeo Na medida em que a nova situaccedilatildeo deixa de ser nova e passa a ser rotineira o modelo mental evolui para esquema de assimilaccedilatildeo quer dizer se estabiliza Mas isso natildeo quer dizer que todo modelo mental venha a se transformar em esquema de assimilaccedilatildeo Modelos mentais satildeo recursivos o que significa que vatildeo sendo construiacutedos e modificados quase que simultaneamente ateacute que se tornem funcionais quando entatildeo podem ser descartados ou talvez ldquoguardadosrdquo ateacute que se tornem esquemas de assimilaccedilatildeo Trata-se ao que parece de um bom assunto para pesquisar

Pesquisa

Como uacuteltimo toacutepico deste texto abordar-se-aacute a pesquisa em ensino de ciecircncias no referencial da teoria dos campos conceituais Vejamos primeiramente no entanto o que diz Vergnaud sobre a pesquisa em campos conceituais

Segundo ele (1988 p 149) a abordagem canocircnica ao estudo de um campo conceitual envolve identificar e classificar situaccedilotildees e entatildeo coletar dados sobre procedimentos e outras maneiras atraveacutes das quais os estudantes expressam seu raciociacutenio Um ciclo de pesquisa inicia com a identificaccedilatildeo de niacuteveis de objetos relaccedilotildees e teoremas-em-accedilatildeo O ciclo continua entatildeo com o delineamento de situaccedilotildees e materiais e sua experimentaccedilatildeo com alunos completando-se com a construccedilatildeo de representaccedilotildees simboacutelicas atraveacutes da observaccedilatildeo e anaacutelise dos diferentes fenocircmenos que ocorrem (ibid) Comeccedila entatildeo um segundo ciclo para melhorar o primeiro e assim sucessivamente O estudo do domiacutenio de certos campos conceituais eacute um programa de longo prazo que dificilmente pode ser feito por um pesquisador isolado ou mesmo por um grupo de pesquisa isolado

Portanto o primeiro passo para estudar o progressivo domiacutenio de um campo conceitual por parte do aluno eacute identificar e classificar situaccedilotildees Mas isso envolve duas ideacuteias principais diversidade e histoacuteria Ou seja existe uma grande variedade de situaccedilotildees em um dado campo conceitual e as aprendizagens dos alunos satildeo moldadas pelas situaccedilotildees com as quais se depararam e progressivamente dominaram particularmente as primeiras suscetiacuteveis de dar sentido aos conceitos e procedimentos que lhes queremos ensinar (1990 p 150) A combinaccedilatildeo dessas duas ideacuteias dificulta o trabalho do pesquisador em ensino porque a primeira o dirige para a anaacutelise para a decomposiccedilatildeo em elementos simples e para as possiacuteveis combinaccedilotildees de situaccedilotildees enquanto que a segunda o orienta para a busca de

situaccedilotildees funcionais quase sempre compostas de vaacuterias relaccedilotildees cuja importacircncia relativa estaacute largamente ligada agrave frequumlecircncia com que satildeo encontradas (ibid)

Em outras palavras o estudo psicogeneacutetico da aquisiccedilatildeo de um campo conceitual implica a anaacutelise em termos relacionais e hieraacuterquicos das diferentes classes de problemas que podem ser propostos aos alunos Implica tambeacutem o estudo dos distintos procedimentos e representaccedilotildees simboacutelicas que o aprendiz utiliza (1982 p 40) Em relaccedilatildeo agraves representaccedilotildees Vergnaud diz (1994 p 43) que eacute uma tarefa essencial teoacuterica e empiacuterica dos pesquisadores entender por que uma certa representaccedilatildeo simboacutelica particular pode ser uacutetil e sob quais condiccedilotildees e quando e por que pode ser proveitosamente substituiacuteda por outra mais abstrata e geral

Embora Vergnaud e vaacuterios pesquisadores que trabalham sob o referencial de sua teoria tenham se dedicado principalmente agrave pesquisa em educaccedilatildeo matemaacutetica e em particular ao estudo dos campos conceituais das estruturas aditivas e multiplicativas essa abordagem agrave pesquisa certamente se aplica ao ensino de ciecircncias ou agrave educaccedilatildeo em ciecircncias se preferirmos esta terminologia Na resoluccedilatildeo de problemas por exemplo pode-se analisar as dificuldades dos alunos em termos de invariantes operatoacuterios Quer dizer os alunos muitas vezes resolvem problemas usando conhecimentos-em-accedilatildeo que podem ateacute conduzi-los agrave uma soluccedilatildeo satisfatoacuteria para uma certa situaccedilatildeo mas que natildeo funcionam para outra situaccedilatildeo ligeiramente diferente da primeira porque tais conhecimentos natildeo satildeo cientiacuteficos e tampouco constituem um esquema de assimilaccedilatildeo que pode ser aplicado a uma classe de situaccedilotildees Por outro lado tais conhecimentos-em-accedilatildeo mdash que satildeo largamente impliacutecitos mdash podem ser precursores na aquisiccedilatildeo de conceitos cientiacuteficos e portanto devem ser identificados ie pesquisados Os trabalhos de Sousa (2001) e de Sousa e Faacutevero (2002) no qual a resoluccedilatildeo de problemas em Fiacutesica foi investigada em uma situaccedilatildeo de interlocuccedilatildeo entre um especialista e um novato eacute um exemplo nessa direccedilatildeo Costa e Moreira (2002) e Escudero e Moreira (2002) tambeacutem estatildeo trabalhando em resoluccedilatildeo de problemas em Fiacutesica e procurando interpretar as dificuldades dos alunos na construccedilatildeo de modelos mentais do enunciado agrave luz de aspectos da teoria dos campos conceituais

O estudo da aprendizagem de conceitos fiacutesicos tambeacutem pode ser feito no referencial teoacuterico de Vergnaud Para ele satildeo as situaccedilotildees que datildeo sentido ao conceito os invariantes operatoacuterios que constituem seu significado e as representaccedilotildees simboacutelicas o seu significante Portanto como sugere Vergnaud eacute preciso identificar e classificar situaccedilotildees adequadas agrave aprendizagem de determinado conceito pesquisar os invariantes operatoacuterios usados pelos alunos e procurar entender como por que e quando uma certa representaccedilatildeo simboacutelica pode ajudar na conceitualizaccedilatildeo O trabalho de Lemeignan e Weil-Barais (1994) eacute talvez pioneiro nessa linha As pesquisas de Stipcich e Moreira (2002) sobre o conceito de interaccedilatildeo e de Moreira e Sousa (2002) a respeito do conceito de potencial eleacutetrico estatildeo usando o referencial de Vergnaud para interpretar as dificuldades dos alunos na aprendizagem significativa desses conceitos

Obviamente a teoria dos campos conceituais pode tambeacutem ser usada como referente teoacuterico em pesquisas sobre mudanccedila conceitual De um modo geral pode-se dizer que essa teoria eacute potencialmente uacutetil na anaacutelise das dificuldades dos alunos na resoluccedilatildeo de problemas em ciecircncias na aprendizagem de conceitos cientiacuteficos e na mudanccedila conceitual

Uma vez identificadas tais dificuldades essa mesma teoria pode ajudar no delineamento de estrateacutegias ou melhor na seleccedilatildeo de situaccedilotildees instrucionais que possam ajudar na progressiva superaccedilatildeo de tais dificuldades ou em outras palavras no progressivo (e lento) domiacutenio do(s) campo(s) conceitual(is) envolvido(s) Esse domiacutenio progressivo implica capacidade de resolver problemas conceitualizaccedilatildeo e mudanccedila (evoluccedilatildeo) conceitual

Natildeo tatildeo oacutebvia eacute a possibilidade de investigar questotildees como a modelagem mental no referencial de Vergnaud poreacutem uma vez aceita a compatibilidade aludida na seccedilatildeo anterior entre a teoria dos modelos mentais e a teoria dos campos conceituais tal possibilidade decorre naturalmente Enfim a potencialidade do uso da teoria de Vergnaud na pesquisa e ensino de ciecircncias parece ser grande Nesta seccedilatildeo foram apenas aventadas possibilidades e referidos alguns estudos

Conclusatildeo

Este trabalho teve por objetivo descrever a teoria dos campos conceituais de Geacuterard Vergnaud particularmente para uma audiecircncia de professores e pesquisadores em ensino de ciecircncias Essa teoria eacute bastante conhecida na aacuterea da educaccedilatildeo matemaacutetica poreacutem relativamente pouco no campo da educaccedilatildeo em ciecircncias e justamente por isso foi objeto deste texto

Trata-se de uma teoria de base piagetiana mas que afasta-se bastante de Piaget ao tomar como referecircncia o proacuteprio conteuacutedo do conhecimento e a anaacutelise conceitual do progressivo domiacutenio desse conhecimento bem como ao ocupar-se do estudo do desenvolvimento cognitivo do sujeito-em-situaccedilatildeo ao inveacutes de operaccedilotildees loacutegicas gerais de estruturas gerais do pensamento Ao fazer isso a teoria de Vergnaud apresenta um grande potencial para descrever analisar e interpretar aquilo que se passa em sala de aula na aprendizagem de matemaacutetica e ciecircncias Provavelmente esse tipo de teoria eacute o de maior utilidade para fundamentar o ensino e a pesquisa em ensino nessa aacuterea

Aleacutem de descrever a teoria propriamente dita procurou-se neste texto estabelecer elos com a teoria da aprendizagem significativa de Ausubel (outra ldquoteoria de sala de aulardquo) e com a recente teoria dos modelos mentais de Johnson-Laird assim como destacar implicaccedilotildees para o ensino e para a pesquisa em ensino de ciecircncias

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[1] Lembremos que um campo conceitual eacute em primeiro lugar um conjunto de situaccedilotildees (1998 p 141 1990 p 5) cujo domiacutenio requer o domiacutenio de vaacuterios conceitos de naturezas distintas (volta para o texto) [2] A ponte entre a teoria de Vergnaud e a teoria dos modelos mentais de Johnson-Laird feita nesta seccedilatildeo estaacute bem mais elaborada no trabalho ldquoAleacutem da detecccedilatildeo de modelos mentais dos estudantes Uma proposta representacional integradorardquo de Ileana Greca e Marco Antonio Moreira (volta para o texto)

Page 3: A Teoria Dos Campos Conceituais de Vergnaud

medida em que a conceitualizaccedilatildeo do real eacute especiacutefica de conteuacutedo e natildeo pode ser reduzida nem agraves operaccedilotildees loacutegicas gerais nem agraves operaccedilotildees puramente linguumliacutesticas nem agrave reproduccedilatildeo social nem agrave emergecircncia de estruturas inatas nem enfim ao modelo do processamento da informaccedilatildeo (1983a p 392) Consequumlentemente a teoria dos campos conceituais eacute uma teoria complexa pois envolve a complexidade decorrente da necessidade de abarcar em uma uacutenica perspectiva teoacuterica todo o desenvolvimento de situaccedilotildees progressivamente dominadas dos conceitos e teoremas necessaacuterios para operar eficientemente nessas situaccedilotildees e das palavras e siacutembolos que podem representar eficazmente esses conceitos e operaccedilotildees para os estudantes dependendo de seus niacuteveis cognitivos (1994 p 43)

Resumindo a teoria dos campos conceituais eacute uma teoria cognitivista neopiagetiana que pretende oferecer um referencial mais frutiacutefero do que o piagetiano ao estudo do desenvolvimento cognitivo e da aprendizagem de competecircncias complexas particularmente aquelas implicadas nas ciecircncias e na teacutecnica levando em conta os proacuteprios conteuacutedos do conhecimento e a anaacutelise conceitual de seu domiacutenio Embora Vergnaud esteja especialmente interessado nos campos conceituais das estruturas aditivas e das estruturas multiplicativas (1983b p 128) a teoria dos campos conceituais natildeo eacute especiacutefica desses campos nem da Matemaacutetica Em Fiacutesica por exemplo haacute vaacuterios campos conceituais -- como o da Mecacircnica o da Eletricidade e o da Termologia -- que natildeo podem ser ensinados de imediato nem como sistemas de conceitos nem como conceitos isolados Eacute necessaacuteria uma perspectiva desenvolvimentista agrave aprendizagem desses campos O mesmo eacute vaacutelido segundo Vergnaud (1996a p 116) em Biologia a compreensatildeo da reproduccedilatildeo em vegetais natildeo tem muito a ver com o entendimento da reproduccedilatildeo em animais ou com a compreensatildeo de processos celulares A Histoacuteria a Geografia a Educaccedilatildeo Fiacutesica por exemplo tecircm igualmente uma seacuterie de campos conceituais para os quais os alunos devem desenvolver esquemas e concepccedilotildees especiacuteficas Em todos esses casos o modelo piagetiano da assimilaccedilatildeoacomodaccedilatildeo funciona desde que natildeo se tente reduzir a adaptaccedilatildeo de esquemas e conceitos a estruturas loacutegicas (ibid)

Os conceitos-chave da teoria dos campos conceituais satildeo aleacutem do proacuteprio conceito de campo conceitual os conceitos de esquema (a grande heranccedila piagetiana de Vergnaud) situaccedilatildeo invariante operatoacuterio (teorema-em-accedilatildeo ou conceito-em-accedilatildeo) e a sua concepccedilatildeo de conceito

Nas seccedilotildees seguintes cada um destes conceitos seraacute abordado e exemplificado na perspectiva da teoria de Vergnaud Apoacutes isso seratildeo retomados aspectos gerais da teoria e examinadas as implicaccedilotildees para o ensino de ciecircncias em particular e para a pesquisa em ensino

Campos conceituais

Uma definiccedilatildeo de campo conceitual jaacute foi dada na introduccedilatildeo deste trabalho na paacutegina 1 Vejamos outras bem como alguns exemplos

Campo conceitual eacute tambeacutem definido por Vergnaud como um conjunto de problemas e situaccedilotildees cujo tratamento requer conceitos procedimentos e representaccedilotildees de tipos diferentes mas intimamente relacionados (1983b p 127)

Em outros trabalhos (1988 p 141 1990 p 146) Vergnaud define campo conceitual como sendo em primeiro lugar um conjunto de situaccedilotildees cujo domiacutenio requer por sua vez o domiacutenio de vaacuterios conceitos de naturezas distintas Por exemplo o campo conceitual das estruturas multiplicativas consiste de todas as situaccedilotildees que podem ser analisadas como problemas de proporccedilotildees simples e muacuteltiplas para os quais geralmente eacute necessaacuteria uma multiplicaccedilatildeo uma divisatildeo ou uma combinaccedilatildeo dessas operaccedilotildees (ibid) Vaacuterios tipos de conceitos matemaacuteticos estatildeo envolvidos nas situaccedilotildees que constituem o campo conceitual das estruturas multiplicativas e no pensamento necessaacuterio para dominar tais situaccedilotildees Entre tais conceitos estatildeo o de funccedilatildeo linear funccedilatildeo natildeo-linear espaccedilo vetorial anaacutelise dimensional fraccedilatildeo razatildeo taxa nuacutemero racional multiplicaccedilatildeo e divisatildeo (ibid) Analogamente o campo conceitual das estruturas aditivas eacute o conjunto de situaccedilotildees cujo domiacutenio requer uma adiccedilatildeo uma subtraccedilatildeo ou uma combinaccedilatildeo de tais operaccedilotildees

Como se pode observar a definiccedilatildeo referida na introduccedilatildeo -- conjunto informal e heterogecircneo de problemas situaccedilotildees conceitos relaccedilotildees estruturas conteuacutedos e operaccedilotildees de pensamento conectados uns aos outros e provavelmente entrelaccedilados durante o processo de aquisiccedilatildeo -- eacute mais abrangente Posteriormente a ela Vergnaud destaca a ideacuteia de situaccedilotildees nas definiccedilotildees que daacute de campo conceitual Como ver-se-aacute mais adiante situaccedilatildeo eacute um conceito-chave da teoria de Vergnaud poreacutem a definiccedilatildeo inicial mais ampla de campo conceitual daacute uma ideacuteia melhor da complexidade daquilo que ele chama de campo conceitual

Trecircs argumentos principais levaram Vergnaud (1983a p 393) ao conceito de campo conceitual 1) um conceito natildeo se forma dentro de um soacute tipo de situaccedilotildees 2) uma situaccedilatildeo natildeo se analisa com um soacute conceito 3) a construccedilatildeo e apropriaccedilatildeo de todas as propriedades de um conceito ou todos os aspectos de uma situaccedilatildeo eacute um processo de muito focirclego que se estende ao longo dos anos agraves vezes uma dezena de anos com analogias e mal-entendidos entre situaccedilotildees entre concepccedilotildees entre procedimentos entre significantes

Vergnaud considera o campo conceitual como uma unidade de estudo para dar sentido agraves dificuldades observadas na conceitualizaccedilatildeo do real e como foi dito antes a teoria dos campos conceituais supotildee que a conceitualizaccedilatildeo eacute a essecircncia do desenvolvimento cognitivo

Aleacutem dos jaacute citados campos conceituais das estruturas aditivas e multiplicativas outros importantes campos conceituais interferindo com esses dois incluem deslocamentos e transformaccedilotildees espaciais classificaccedilotildees de objetos e aspectos discretos movimentos e relaccedilotildees entre tempo velocidade distacircncia aceleraccedilatildeo e forccedila relaccedilotildees de parentesco mediccedilotildees de quantidades espaciais e fiacutesicas contiacutenuas (1983b p 128)

Naturalmente esses campos conceituais natildeo satildeo independentes e uns podem ser importantes para a compreensatildeo de outros mas ainda assim Vergnaud considera uacutetil falar em distintos campos conceituais se eles puderem ser consistentemente descritos Ele crecirc

que eacute praticamente impossiacutevel estudar as coisas separadamente mas por isso mesmo eacute preciso fazer recortes e eacute nesse sentido que os campos conceituais satildeo unidades de estudo frutiacuteferas para dar sentido aos problemas de aquisiccedilatildeo e agraves observaccedilotildees feitas em relaccedilatildeo agrave conceitualizaccedilatildeo (1983a p 393)

Jaacute que o nuacutecleo do desenvolvimento cognitivo eacute a conceitualizaccedilatildeo Vergnaud destaca que eacute preciso dar toda atenccedilatildeo aos aspectos conceituais dos esquemas e agrave anaacutelise conceitual das situaccedilotildees nas quais os aprendizes desenvolvem seus esquemas na escola ou na vida real (1994 p 58) Isso nos leva ao conceito de conceito na teoria dos campos conceituais

Conceitos

Vergnaud define conceito como um tripleto de trecircs conjuntos (1983a p 393 1988 p 141 1990 p 145 1993 p 8 1997 p 6) C = (S I R) onde

S eacute um conjunto de situaccedilotildees que datildeo sentido ao conceito I eacute um conjunto de invariantes (objetos propriedades e relaccedilotildees) sobre os quais repousa a operacionalidade do conceito ou o conjunto de invariantes operatoacuterios associados ao conceito ou o conjunto de invariantes que podem ser reconhecidos e usados pelos sujeitos para analisar e dominar as situaccedilotildees do primeiro conjunto R eacute um conjunto de representaccedilotildees simboacutelicas (linguagem natural graacuteficos e diagramas sentenccedilas formais etc) que podem ser usadas para indicar e representar esses invariantes e consequumlentemente representar as situaccedilotildees e os procedimentos para lidar com elas O primeiro conjunto ndash de situaccedilotildees ndash eacute o referente do conceito o segundo ndash de invariantes operatoacuterios ndash eacute o significado do conceito enquanto o terceiro ndash de representaccedilotildees simboacutelicas ndash eacute o significante

Uma definiccedilatildeo pragmaacutetica poderia considerar um conceito como um conjunto de invariantes utilizaacuteveis na accedilatildeo mas esta definiccedilatildeo implica tambeacutem um conjunto de situaccedilotildees que constituem o referente e um conjunto de esquemas postos em accedilatildeo pelos sujeitos nessas situaccedilotildees Daiacute o tripleto (S R I) onde em termos psicoloacutegicos S eacute a realidade e (I R) a representaccedilatildeo que pode ser considerada como dois aspectos interagentes do pensamento o significado (I) e o significante (R) (1998 p 141)

Isso implica que para estudar o desenvolvimento e uso de um conceito ao longo da aprendizagem ou de sua utilizaccedilatildeo eacute necessaacuterio considerar esses trecircs conjuntos simultaneamente Natildeo haacute em geral correspondecircncia biuniacutevoca entre significantes e significados nem entre invariantes e situaccedilotildees natildeo se pode portanto reduzir o significado nem aos significantes nem agraves situaccedilotildees (1990 p 146) Por outro lado como foi dito um uacutenico conceito natildeo se refere a um soacute tipo de situaccedilatildeo e uma uacutenica situaccedilatildeo natildeo pode ser analisada com um soacute conceito

Por tudo isso eacute necessaacuterio falar-se em campos conceituais Mas se os conceitos tornam-se significativos atraveacutes de situaccedilotildees decorre naturalmente que as situaccedilotildees e natildeo os conceitos constituem a principal entrada de um campo conceitual Um campo conceitual eacute em primeiro lugar um conjunto de situaccedilotildees (1988 p 141 1990 p 5) cujo domiacutenio

requer o domiacutenio de vaacuterios conceitos de naturezas distintas

Situaccedilotildees

O conceito de situaccedilatildeo empregado por Vergnaud natildeo eacute o de situaccedilatildeo didaacutetica mas sim o de tarefa sendo que toda situaccedilatildeo complexa pode ser analisada como uma combinaccedilatildeo de tarefas para as quais eacute importante conhecer suas naturezas e dificuldades proacuteprias A dificuldade de uma tarefa natildeo eacute nem a soma nem o produto das diferentes subtarefas envolvidas mas eacute claro que o desempenho em cada subtarefa afeta o desempenho global (1990 p 146 1993 p 9)

Vergnaud recorre tambeacutem ao sentido que segundo ele (op cit p 150 e p 12) eacute atribuiacutedo usualmente pelo psicoacutelogo ao conceito de situaccedilatildeo os processos cognitivos e as respostas do sujeito satildeo funccedilatildeo das situaccedilotildees com as quais eacute confrontado Aleacutem disso ele destaca duas ideacuteias principais em relaccedilatildeo ao sentido de situaccedilatildeo variedade e histoacuteria Isto eacute em um certo campo conceitual existe uma grande variedade de situaccedilotildees e os conhecimentos dos alunos satildeo moldados pelas situaccedilotildees que encontram e progressivamente dominam particularmente pelas primeiras situaccedilotildees suscetiacuteveis de dar sentido aos conceitos e procedimentos que queremos que aprendam (ibid) Segundo Vergnaud muitas de nossas concepccedilotildees vecircm das primeiras situaccedilotildees que fomos capazes de dominar ou de nossa experiecircncia tentando modificaacute-las (1996a p 117)

Como foi dito antes as situaccedilotildees eacute que datildeo sentido ao conceito as situaccedilotildees eacute que satildeo responsaacuteveis pelo sentido atribuiacutedo ao conceito (Barais amp Vergnaud 1990 p 78) um conceito torna-se significativo atraveacutes de uma variedade de situaccedilotildees (1994 p 46) Mas o sentido natildeo estaacute nas situaccedilotildees em si mesmas assim como natildeo estaacute nas palavras nem nos siacutembolos (1990 p 158)

O sentido eacute uma relaccedilatildeo do sujeito com as situaccedilotildees e com os significantes Mais precisamente satildeo os esquemas ie os comportamentos e sua organizaccedilatildeo evocados no sujeito por uma situaccedilatildeo ou por um significante (representaccedilatildeo simboacutelica) que constituem o sentido dessa situaccedilatildeo ou desse significante para esse indiviacuteduo (1990 p 158 1993 p 18) Por exemplo o sentido de adiccedilatildeo para um sujeito individual eacute o conjunto de esquemas que ele pode utilizar para lidar com situaccedilotildees com as quais se defronta e que implicam a ideacuteia de adiccedilatildeo eacute tambeacutem o conjunto de esquemas que ele pode acionar para operar sobre os siacutembolos numeacutericos algeacutebricos graacuteficos e linguumliacutesticos que representam a adiccedilatildeo (ibid) Por outro lado uma dada situaccedilatildeo ou um certo simbolismo natildeo evocam no indiviacuteduo todos os esquemas disponiacuteveis o que significa que o sentido de uma situaccedilatildeo particular de adiccedilatildeo natildeo eacute o sentido de adiccedilatildeo para esse indiviacuteduo assim como natildeo o eacute o sentido de um siacutembolo particular Trata-se de um subconjunto dos esquemas que o sujeito possui ou dos esquemas possiacuteveis (ibid)

Vejamos onde estamos a ideacuteia de campo conceitual nos levou ao conceito de conceito como um tripleto (referente significado e significante) poreacutem como satildeo as situaccedilotildees que datildeo sentido ao conceito chegamos ao conceito de situaccedilatildeo e dele ao de esquema pois satildeo os esquemas evocados no sujeito que datildeo sentido a uma dada situaccedilatildeo O conceito de

esquema como veremos nos levaraacute ao conceito de invariante operatoacuterio

Esquemas

Vergnaud chama de esquema a organizaccedilatildeo invariante do comportamento para uma determinada classe de situaccedilotildees (1990 p 136 1993 p 2 1994 p 53 1996c p 201 1998 p 168) Segundo ele eacute nos esquemas que se devem pesquisar os conhecimentos-em-accedilatildeo do sujeito isto eacute os elementos cognitivos que fazem com que a accedilatildeo do sujeito seja operatoacuteria

Esquema eacute o conceito introduzido por Piaget para dar conta das formas de organizaccedilatildeo tanto das habilidades sensoacuterio-motoras como das habilidades intelectuais Um esquema gera accedilotildees e deve conter regras mas natildeo eacute um estereoacutetipo porque a sequumlecircncia de accedilotildees depende dos paracircmetros da situaccedilatildeo (1994 p 53) Um esquema eacute um universal que eacute eficiente para toda uma gama de situaccedilotildees e pode gerar diferentes sequumlecircncias de accedilatildeo de coleta de informaccedilotildees e de controle dependendo das caracteriacutesticas de cada situaccedilatildeo particular Natildeo eacute o comportamento que eacute invariante mas a organizaccedilatildeo do comportamento (1998 p 172)

Haacute esquemas perceptivo-gestuais como o de contar objetos ou de fazer um graacutefico ou um diagrama mas haacute tambeacutem esquemas verbais como o de fazer um discurso e esquemas sociais como o de seduzir outra pessoa ou o de gerenciar um conflito (ibid) Algoritmos por exemplo satildeo esquemas mas nem todos os esquemas satildeo algoritmos Quando algoritmos satildeo utilizados repetidamente para tratar as mesmas situaccedilotildees eles se transformam em esquemas ordinaacuterios ou haacutebitos (op cit p 176)

Vergnaud considera que os esquemas necessariamente se referem a situaccedilotildees a tal ponto que segundo ele (1996c p 203) dever-se-ia falar em interaccedilatildeo esquema-situaccedilatildeo ao inveacutes de interaccedilatildeo sujeito-objeto da qual falava Piaget Decorre daiacute que o desenvolvimento cognitivo consiste sobretudo e principalmente no desenvolvimento de um vasto repertoacuterio de esquemas Este repertoacuterio afeta esferas muito distintas da atividade humana e quando analisamos por exemplo os conteuacutedos da competecircncia profissional de um indiviacuteduo frequumlentemente observamos que junto a competecircncias teacutecnicas e cientiacuteficas propriamente ditas estatildeo com peso consideraacutevel competecircncias sociais e afetivas A educaccedilatildeo portanto deve contribuir para que o sujeito desenvolva um repertoacuterio amplo e diversificado de esquemas poreacutem procurando evitar que esses esquemas se convertam em estereoacutetipos esclerosados (ibid)

Voltemos agrave definiccedilatildeo esquema eacute a organizaccedilatildeo invariante do comportamento para uma dada classe de situaccedilotildees Trata-se de uma definiccedilatildeo precisa mas que certamente necessita de maiores especificaccedilotildees para facilitar sua compreensatildeo Aquilo que Vergnaud chama de ingredientes dos esquemas (1990 p 136 142 1994 p 46 1996a p 113-114 1996b p 11 1996c p 201-202-206 1998 p 173) fornece tais especificaccedilotildees

1 metas e antecipaccedilotildees (um esquema se dirige sempre a uma classe de situaccedilotildees nas quais o sujeito pode descobrir uma possiacutevel finalidade de sua atividade e eventualmente

submetas pode tambeacutem esperar certos efeitos ou certos eventos) 2 regras de accedilatildeo do tipo se entatildeo que constituem a parte verdadeiramente geradora do esquema aquela que permite a geraccedilatildeo e a continuidade da sequumlecircncia de accedilotildees do sujeito satildeo regras de busca de informaccedilatildeo e controle dos resultados da accedilatildeo 3 invariantes operatoacuterios (teoremas-em-accedilatildeo e conceitos-em-accedilatildeo) que dirigem o reconhecimento por parte do indiviacuteduo dos elementos pertinentes agrave situaccedilatildeo satildeo os conhecimentos contidos nos esquemas satildeo eles que constituem a base impliacutecita ou expliacutecita que permite obter a informaccedilatildeo pertinente e dela inferir a meta a alcanccedilar e as regras de accedilatildeo adequadas 4 possibilidades de inferecircncia (ou raciociacutenios) que permitem calcular aqui e agora as regras e antecipaccedilotildees a partir das informaccedilotildees e invariantes operatoacuterios de que dispotildee o sujeito ou seja toda a atividade implicada nos trecircs outros ingredientes requer caacutelculos aqui e imediatamente em situaccedilatildeoComo foi dito para Vergnaud os esquemas se referem necessariamente a situaccedilotildees ou classes de situaccedilotildees onde ele (1993 p 2) distingue entre 1 classes de situaccedilotildees em que o sujeito dispotildee no seu repertoacuterio em dado momento de seu desenvolvimento e sob certas circunstacircncias das competecircncias necessaacuterias ao tratamento relativamente imediato da situaccedilatildeo 2 classes de situaccedilotildees em que o sujeito natildeo dispotildee de todas as competecircncias necessaacuterias o que obriga a um tempo de reflexatildeo e exploraccedilatildeo a hesitaccedilotildees a tentativas frustradas levando-o eventualmente ao sucesso ou ao fracassoSegundo Vergnaud (ibid) o conceito de esquema natildeo funciona do mesmo modo nas duas classes Na primeira delas observam-se para uma mesma classe de situaccedilotildees condutas amplamente automatizadas organizadas por um soacute esquema enquanto que na segunda observa-se a sucessiva utilizaccedilatildeo de vaacuterios esquemas que podem entrar em competiccedilatildeo e que para atingir a meta desejada devem ser acomodados descombinados e recombinados

De um modo geral todas as condutas comportam uma parte automatizada e uma parte de decisatildeo consciente Os esquemas satildeo frequumlentemente eficazes mas nem sempre efetivos Quando o sujeito usa um esquema ineficaz para uma certa situaccedilatildeo a experiecircncia o leva a mudar de esquema ou a modificar o esquema (1990 p 138) Estaacute aiacute a ideacuteia piagetiana de que os esquemas estatildeo no centro do processo de adaptaccedilatildeo das estruturas cognitivas ie na assimilaccedilatildeo e na acomodaccedilatildeo Contudo Vergnaud daacute ao conceito de esquema um alcance muito maior do que Piaget e insiste em que os esquemas devem relacionar-se com as caracteriacutesticas das situaccedilotildees agraves quais se aplicam

Haacute muito de impliacutecito nos esquemas Muitos esquemas podem ser evocados sucessivamente e mesmo simultaneamente em uma situaccedilatildeo nova para o sujeito (1990 p 140) As condutas em uma dada situaccedilatildeo repousam sobre o repertoacuterio inicial de esquemas que o sujeito dispotildee Como jaacute foi dito o desenvolvimento cognitivo pode ser interpretado como consistindo sobretudo no desenvolvimento de um vasto repertoacuterio de esquemas afetando esferas muito distintas da atividade humana

Do ponto de vista teoacuterico o conceito de esquema proporciona o indispensaacutevel viacutenculo entre a conduta e a representaccedilatildeo (1996c p 202) a relaccedilatildeo entre situaccedilotildees e esquemas eacute a fonte primaacuteria da representaccedilatildeo e portanto da conceitualizaccedilatildeo (1998 p 177) Por outro lado satildeo os invariantes operatoacuterios que fazem a articulaccedilatildeo essencial entre teoria e praacutetica pois a

percepccedilatildeo a busca e a seleccedilatildeo de informaccedilatildeo baseiam-se inteiramente no sistema de conceitos-em-accedilatildeo disponiacuteveis para o sujeito (objetos atributos relaccedilotildees condiccedilotildees circunstacircncias) e nos teoremas-em-accedilatildeo subjacentes agrave sua conduta (1996c p 202)

As expressotildees conceito-em-accedilatildeo e teorema-em-accedilatildeo designam os conhecimentos contidos nos esquemas Satildeo tambeacutem designados por Vergnaud pela expressatildeo mais global invariantes operatoacuterios Teorema-em-accedilatildeo eacute uma proposiccedilatildeo considerada como verdadeira sobre o real conceito-em-accedilatildeo eacute uma categoria de pensamento considerada como pertinente (ibid)

Esta seccedilatildeo foi dedicada ao conceito de esquema Dos ingredientes de um esquema ndash metas e antecipaccedilotildees regras de accedilatildeo invariantes operatoacuterios e possibilidades de inferecircncia ndash os invariantes operatoacuterios ie os conhecimentos-em-accedilatildeo (conceitos e teoremas-em-accedilatildeo) constituem a base conceitual impliacutecita ou expliacutecita que permite obter a informaccedilatildeo pertinente e a partir dela e da meta a atingir inferir as regras de accedilatildeo mais pertinentes para abordar uma situaccedilatildeo (1996c p 201)

Um exemplo de esquema dado por Franchi (1999 p 165) pode ser uacutetil para ilustrar esses aspectos e concluir esta seccedilatildeo Trata-se do esquema da enumeraccedilatildeo de uma pequena coleccedilatildeo de objetos discretos por uma crianccedila de cinco anos por mais que varie a forma de contar por exemplo copos na mesa cadeiras da sala pessoas sentadas de maneira esparsa em um jardim natildeo deixa de haver uma organizaccedilatildeo invariante para o funcionamento do esquema coordenaccedilatildeo dos movimentos dos olhos e gestos dos dedos e das matildeos enunciaccedilatildeo correta da seacuterie numeacuterica identificaccedilatildeo do uacuteltimo elemento da seacuterie como o cardinal do conjunto enumerado (acentuaccedilatildeo ou repeticcedilatildeo do uacuteltimo nuacutemero pronunciado) Vecirc-se facilmente que o esquema descrito recorre a atividades perceptivo-motoras a significantes (as palavras-nuacutemeros) e a construccedilotildees conceituais tais como a de correspondecircncia biuniacutevoca entre conjuntos de objetos e subconjuntos de nuacutemeros naturais a de cardinal e ordinal e outras Recorre igualmente a conhecimentos tais como os que identificam o uacuteltimo elemento da seacuterie ordinal ao cardinal do conjunto Esses conceitos e conhecimentos satildeo impliacutecitos e praticamente insuscetiacuteveis de explicitaccedilatildeo por uma crianccedila nas fases iniciais da aprendizagem de competecircncias e conceitos aritmeacuteticos Entretanto orientam o desenvolvimento da accedilatildeo sendo chamados de conhecimentos-em-accedilatildeo A ausecircncia de uma conceituaccedilatildeo adequada estaacute no centro da origem dos erros sistemaacuteticos cometidos pelos alunos (ibid)

Naturalmente os esquemas usados por crianccedilas maiores e por adultos em determinadas classes de situaccedilotildees podem ser muito mais elaborados mas a ideacuteia eacute mesma o esquema eacute a forma estrutural da atividade eacute a organizaccedilatildeo invariante do sujeito sobre uma classe de situaccedilotildees dadas (op cit p 164) e conteacutem conhecimentos-em-accedilatildeo que satildeo impliacutecitos

Invariantes operatoacuterios

Designam-se pelas expressotildees conceito-em-accedilatildeo e teorema-em-accedilatildeo os conhecimentos contidos nos esquemas Pode-se tambeacutem designaacute-los pela expressatildeo mais abrangente invariantes operatoacuterios (1993 p 4) Esquema eacute a organizaccedilatildeo da conduta para uma certa

classe de situaccedilotildees teoremas-em-accedilatildeo e conceitos-em-accedilatildeo satildeo invariantes operacionais logo satildeo componentes essenciais dos esquemas (1998 p 167) e determinam as diferenccedilas entre eles

Teorema-em-accedilatildeo eacute uma proposiccedilatildeo tida como verdadeira sobre o real Conceito-em-accedilatildeo eacute um objeto um predicado ou uma categoria de pensamento tida como pertinente relevante (1996c p 202 1998 p 167)

Vejamos exemplos de teoremas-em-accedilatildeo Consideremos a seguinte situaccedilatildeo proposta a alunos de 13 anos (1994 p 49) O consumo de farinha eacute em meacutedia 35 kg por semana para dez pessoas Qual a quantidade de farinha necessaacuteria para cinquumlenta pessoas durante 28 dias Resposta de um aluno 5 vezes mais pessoas 4 vezes mais dias 20 vezes mais farinha logo 35 x 20 = 70 kg

Eacute impossiacutevel segundo Vergnaud (ibid) dar conta desse raciociacutenio sem supor o seguinte teorema impliacutecito na cabeccedila do aluno f(n1x1 n2x2) = n1n2 f(x1x2) ou seja Consumo (5 x 10 4 x 7) = 5 x 4 Consumo (10 7)

Naturalmente este teorema funciona porque as razotildees de 50 pessoas para 10 pessoas e 28 dias para 7 dias satildeo simples e evidentes Ele natildeo seria tatildeo facilmente aplicado a outros valores numeacutericos Portanto seu escopo de aplicaccedilatildeo eacute limitado Ainda assim eacute um teorema que pode ser expresso por exemplo em palavras O consumo eacute proporcional ao nuacutemero de pessoas quando o nuacutemero de dias eacute mantido constante e eacute proporcional ao nuacutemero de dias quando o nuacutemero de pessoas eacute mantido constante Pode tambeacutem ser expresso pela foacutermula C = kPD onde C eacute o consumo P o nuacutemero de pessoas D o nuacutemero de dias e k o consumo por pessoa por dia

Eacute claro que essas diferentes maneiras de expressar o mesmo raciociacutenio natildeo satildeo cognitivamente equivalentes A segunda eacute mais difiacutecil Satildeo maneiras complementares de explicitar a mesma estrutura matemaacutetica impliacutecita em diferentes niacuteveis de abstraccedilatildeo

Suponhamos agora outras situaccedilotildees (1998 p 174)

A Janete tinha 7 bolinhas de gude Ela jogou e ganhou 5 bolinhas Quantas bolinhas ela tem agora B Paulo tinha 12 bolinhas de gude Ele jogou e perdeu 5 bolinhas Quantas bolinhas ele tem agora C Hans tinha 9 bolinhas de gude Ele jogou com Rute Ele tem agora 14 bolinhas de gude O que aconteceu no jogo D Rute jogou bolinhas de gude com Hans e perdeu 5 bolinhas Ela agora tem 7 bolinhas de gude Quantas ela tinha antes de jogar Haacute vaacuterios conceitos-em-accedilatildeo distintos impliacutecitos na compreensatildeo dessas situaccedilotildees nuacutemero cardinal ganho e perda aumento e diminuiccedilatildeo transformaccedilatildeo e estado estado inicial e final transformaccedilatildeo positiva e negativa adiccedilatildeo e subtraccedilatildeo

Os conceitos relevantes satildeo os mesmos para todas as situaccedilotildees mas a situaccedilatildeo D eacute bem mais difiacutecil para alunos de sete ou oito anos porque implica raciocinar para traacutes e achar o

estado inicial adicionando as 5 bolinhas perdidas ao estado final de 7 bolinhas Tal

raciociacutenio depende de um forte teorema-em-accedilatildeo (ibid) onde I eacute o estado inicial F o estado final T a transformaccedilatildeo direta e T--1 a transformaccedilatildeo inversa

Segundo Vergnaud (1994 p 54) entre os mais importantes teoremas-em-accedilatildeo desenvolvidos pelos estudantes encontram-se as propriedades isomoacuterficas da funccedilatildeo linear

e as propriedades de coeficiente constante dessa mesma funccedilatildeo

e algumas propriedades especiacuteficas de funccedilotildees bilineares como a do primeiro

exemplo

Entre os mais importantes conceitos-em-accedilatildeo desenvolvidos pelos alunos acham-se os de grandeza e magnitude valor unitaacuterio razatildeo e fraccedilatildeo funccedilatildeo e variaacutevel taxa constante dependecircncia e independecircncia quociente e produto de dimensotildees

Haacute uma relaccedilatildeo dialeacutetica entre conceitos-em-accedilatildeo e teoremas-em-accedilatildeo uma vez que conceitos satildeo ingredientes de teoremas e teoremas satildeo propriedades que datildeo aos conceitos seus conteuacutedos Mas seria um erro confundi-los (1998 p 174) Conceitos em accedilatildeo satildeo ingredientes necessaacuterios das proposiccedilotildees Mas conceitos natildeo satildeo teoremas pois natildeo permitem derivaccedilotildees (inferecircncias ou computaccedilotildees) derivaccedilotildees requerem proposiccedilotildees Proposiccedilotildees podem ser verdadeiras ou falsas conceitos podem ser apenas relevantes ou irrelevantes Ainda assim natildeo existem proposiccedilotildees sem conceitos (1994 p 55)

Reciprocamente natildeo haacute conceitos sem proposiccedilotildees pois eacute a necessidade de derivar accedilotildees das representaccedilotildees do mundo e de ter concepccedilotildees verdadeiras (ou pelo menos adequadas) do mundo que tornam necessaacuterios os conceitos Um modelo computaacutevel do conhecimento intuitivo deve compreender conceitos-em-accedilatildeo e teoremas-em-accedilatildeo como ingredientes essenciais dos esquemas Esquemas satildeo fundamentais porque geram accedilotildees incluindo operaccedilotildees intelectuais mas podem geraacute-las porque contecircm invariantes operatoacuterios (teoremas e conceitos-em-accedilatildeo) que formam o nuacutecleo da representaccedilatildeo

Por outro lado um conceito-em-accedilatildeo natildeo eacute um verdadeiro conceito cientiacutefico nem um teorema-em-accedilatildeo eacute um verdadeiro teorema a menos que se tornem expliacutecitos Na ciecircncia conceitos e teoremas satildeo expliacutecitos e pode-se discutir sua pertinecircncia e sua veracidade mas esse natildeo eacute necessariamente o caso dos invariantes operatoacuterios (1990 p 144) Conceitos e

teoremas expliacutecitos natildeo constituem mais do que a parte visiacutevel do iceberg da conceitualizaccedilatildeo sem a parte escondida formada pelos invariantes operatoacuterios essa parte visiacutevel natildeo seria nada Reciprocamente natildeo se pode falar de invariantes operatoacuterios integrados nos esquemas sem a ajuda de categorias do conhecimento expliacutecito proposiccedilotildees funccedilotildees proposicionais objetos argumentos (ibid)

Mas conceitos-em-accedilatildeo e teoremas-em-accedilatildeo podem progressivamente tornarem-se verdadeiros conceitos e teoremas cientiacuteficos O status do conhecimento eacute muito diferente quando ele eacute explicitado ao inveacutes de ficar totalmente imerso na accedilatildeo O conhecimento expliacutecito pode ser comunicado a outros e discutido o conhecimento impliacutecito natildeo (1998 p 175)

Em geral os alunos natildeo satildeo capazes de explicar ou mesmo expressar em linguagem natural seus teoremas e conceitos-em-accedilatildeo Na abordagem de uma situaccedilatildeo os dados a serem trabalhados e a sequumlecircncia de caacutelculos a serem feitos dependem de teoremas-em-accedilatildeo e da identificaccedilatildeo de diferentes tipos de elementos pertinentes A maioria desses conceitos e teoremas-em-accedilatildeo permanecem totalmente impliacutecitos mas eles podem tambeacutem ser expliacutecitos ou tornarem-se expliacutecitos e aiacute entra o ensino ajudar o aluno a construir conceitos e teoremas expliacutecitos e cientificamente aceitos a partir do conhecimento impliacutecito Eacute nesse sentido que conceitos-em-accedilatildeo e teoremas-em-accedilatildeo podem progressivamente tornarem-se verdadeiros conceitos e teoremas cientiacuteficos mas isso pode levar muito tempo

A teoria dos campos conceituais um resumo

A teoria dos campos conceituais de Geacuterard Vergnaud eacute uma teoria psicoloacutegica cognitivista que supotildee que o nuacutecleo do desenvolvimento cognitivo eacute a conceitualizaccedilatildeo do real (1996a p 118) Eacute uma teoria psicoloacutegica de conceitos na qual a conceitualizaccedilatildeo eacute considerada a pedra angular da cogniccedilatildeo (1998 p 173) Para Vergnaud o conhecimento estaacute organizado em campos conceituais cujo domiacutenio de parte do aprendiz ocorre ao longo de um largo periacuteodo de tempo atraveacutes de experiecircncia maturidade e aprendizagem (1982 p 40) Campo conceitual eacute um conjunto informal e heterogecircneo de problemas situaccedilotildees conceitos relaccedilotildees estruturas conteuacutedos e operaccedilotildees de pensamento conectados uns aos outros e provavelmente entrelaccedilados durante o processo de aquisiccedilatildeo (ibid) Campo conceitual eacute definido tambeacutem como sendo em primeiro lugar um conjunto de situaccedilotildees cujo domiacutenio requer por sua vez o domiacutenio de vaacuterios conceitos procedimentos e representaccedilotildees de naturezas distintas (1988 p 141 1990 p 146) Conceitos satildeo definidos por trecircs conjuntos o primeiro eacute um conjunto de situaccedilotildees que constituem o referente do conceito o segundo eacute um conjunto de invariantes operatoacuterios (teoremas e conceitos-em-accedilatildeo) que datildeo o significado do conceito e o terceiro eacute um conjunto de representaccedilotildees simboacutelicas que compotildeem seu significante

Como satildeo as situaccedilotildees que datildeo sentido aos conceitos eacute natural definir campo conceitual como sendo sobretudo um conjunto de situaccedilotildees Um conceito torna-se significativo atraveacutes de uma variedade de situaccedilotildees (1994 p 46) mas o sentido natildeo estaacute nas situaccedilotildees em si mesmas assim como natildeo estaacute nas palavras nem nos siacutembolos (1990 p 158) O sentido eacute uma relaccedilatildeo do sujeito com situaccedilotildees e significantes Mais precisamente satildeo os

esquemas ie as accedilotildees e sua organizaccedilatildeo evocados no sujeito por uma situaccedilatildeo ou por um significante que constituem o sentido dessa situaccedilatildeo ou desse significante para esse indiviacuteduo (1990 p 158 1993 p 18) Vergnaud considera que os esquemas necessariamente se referem a situaccedilotildees a tal ponto que dever-se-ia falar em interaccedilatildeo esquema-situaccedilatildeo ao inveacutes de interaccedilatildeo sujeito-objeto Esquemas tecircm como ingredientes essenciais aquilo que Vergnaud chama de invariantes operatoacuterios ie conceitos-em-accedilatildeo e teoremas-em-accedilatildeo que constituem a parte conceitual dos esquemas ie os conhecimentos contidos nos esquemas Teorema-em-accedilatildeo eacute uma proposiccedilatildeo considerada como verdadeira sobre o real conceito-em-accedilatildeo eacute uma categoria de pensamento tida como pertinente (1996c p 202) Esse conhecimento eacute principalmente impliacutecito e o aprendiz tem dificuldades em explicaacute-lo ou expressaacute-lo mas isso natildeo significa que tal conhecimento natildeo possa ser explicitado Eacute atraveacutes do processo de explicitaccedilatildeo do conhecimento impliacutecito ndash aiacute o professor tem um papel mediador fundamental ndash que os teoremas-em-accedilatildeo e conceitos-em-accedilatildeo podem tornar-se verdadeiros teoremas e conceitos cientiacuteficos Uma proposiccedilatildeo expliacutecita pode ser debatida uma proposiccedilatildeo tida como verdadeira de maneira totalmente impliacutecita natildeo Assim o caraacuteter do conhecimento muda se for comunicaacutevel debatido e compartilhado (op cit p 204)

A figura 1 apresenta um mapa conceitual para a teoria de Vergnaud ou seja um diagrama conceitual destacando os conceitos-chave da teoria e suas principais interrelaccedilotildees As palavras que aparecem sobre as linhas conectando os conceitos procuram explicitar a natureza da relaccedilatildeo entre elas Por exemplo a relaccedilatildeo entre situaccedilotildees e conceitos eacute referente pois as situaccedilotildees eacute que datildeo sentido ao conceito ie constituem o referente do conceito Outro exemplo a interaccedilatildeo entre situaccedilotildees e esquemas eacute a fonte primaacuteria das representaccedilotildees simboacutelicas e estas constituem o significante de um conceito As setas quando existem sugerem apenas uma direccedilatildeo para leitura

Ao mesmo tempo que se afasta de Piaget ndash ocupando-se do estudo do funcionamento cognitivo do sujeito-em-situaccedilatildeo ao inveacutes de ocupar-se de operaccedilotildees loacutegicas gerais ou de estruturas gerais de pensamento e tomando como referecircncia o proacuteprio conteuacutedo do conhecimento e a anaacutelise conceitual do domiacutenio desse conhecimento (1994 p 41 Franchi 1999 p 160) ndash a teoria de Vergnaud tem forte base piagetiana que se manifesta principalmente no importante papel que o conceito de esquema tem nessa teoria Por outro lado tem tambeacutem influecircncia vygotskyana pois considera o professor como importante mediador no longo processo que caracteriza o progressivo domiacutenio de um campo conceitual pelo aluno Sua tarefa consiste principalmente em ajudar o aluno a desenvolver seu repertoacuterio de esquemas e representaccedilotildees Novos esquemas natildeo podem ser desenvolvidos sem novos invariantes operatoacuterios A linguagem e os siacutembolos satildeo importantes nesse processo de acomodaccedilatildeo e o professor faz amplo uso deles na sua funccedilatildeo mediadora Mas o principal ato mediador do professor eacute o de prover situaccedilotildees frutiacuteferas aos alunos (1998 p 181) Um conceito ou uma proposiccedilatildeo torna-se significativo atraveacutes de uma variedade de situaccedilotildees mas natildeo se capta o significado sozinho O papel mediador do professor eacute essencial (1994 p 44)

A teoria dos campos conceituais o ensino de ciecircncias e a pesquisa nessa aacuterea

Basta dar atenccedilatildeo agrave bibliografia usada neste trabalho para perceber que a teoria de Vergnaud tem sido utilizada principalmente como referencial para a educaccedilatildeo matemaacutetica Nada mais natural pois as pesquisas de Vergnaud e que sustentam sua teoria tecircm focalizado a aprendizagem e o ensino da Matemaacutetica particularmente das estruturas aditivas e multiplicativas Natildeo obstante como foi dito na introduccedilatildeo essa teoria natildeo eacute especiacutefica da Matemaacutetica e justamente por isso este texto tem por objetivo descrevecirc-la e divulgaacute-la entre professores de ciecircncias e pesquisadores em educaccedilatildeo em ciecircncias

Nas proacuteximas seccedilotildees seratildeo comentadas algumas implicaccedilotildees da teoria dos campos conceituais de Vergnaud para o ensino de ciecircncias e para a pesquisa nesse campo

Conhecimento PreacutevioAprendizagem significativa

A teoria dos campos conceituais destaca que a aquisiccedilatildeo de conhecimento eacute moldada pelas situaccedilotildees e problemas previamente dominados e que esse conhecimento tem portanto muitas caracteriacutesticas contextuais Assim muitas de nossas concepccedilotildees vecircm das primeiras situaccedilotildees que fomos capazes de dominar ou de nossa experiecircncia tentando modificaacute-las (1996 a p 117) No entanto existe provavelmente uma lacuna consideraacutevel entre os invariantes que os sujeitos constroacuteem ao interagir com o meio e os invariantes que constituem o conhecimento cientiacutefico

As concepccedilotildees preacutevias dos alunos tecircm sido consideradas como erros misconceptionsconcepccedilotildees ingecircnuas concepccedilotildees alternativa em relaccedilatildeo agraves concepccedilotildees cientiacuteficas Para Vergnaud (1990 p 69) esta maneira de conceber o conhecimento preacutevio supotildee a crianccedila o aluno ou o adulto aprendiz como incompletos imperfeitos ou deficientes em comparaccedilatildeo a adultos especialistas Essa abordagem segundo ele eacute inadequada agraves questotildees de desenvolvimento cognitivo aiacute envolvidas Seria muito mais frutiacutefero considerar o sujeito como um sistema dinacircmico com mecanismos regulatoacuterios capazes de assegurar seu progresso cognitivo

Muitas das concepccedilotildees errocircneas dos alunos derivam do fato de que eles atribuem a certas palavras usadas em ciecircncias para representar conceitos o mesmo significado que atribuem a essas mesmas palavras no dia-a-dia Inclusive de uma ciecircncia para outra os significados de uma mesma palavra podem ser distintos mas o aluno pode natildeo captaacute-los como distintos

As prediccedilotildees que os estudantes fazem para responder questotildees do tipo ldquoO que aconteceraacute se rdquo ou as explicaccedilotildees que datildeo para responder questotildees do tipo ldquoexpliquerdquo ldquointerpreterdquo ldquojustifiquerdquo tecircm segundo Vergnaud (ibid p 73) alguns pontos em comum Por exemplo focalizam caracteriacutesticas perceptivas e relacionadas a eventos da situaccedilatildeo accedilotildees movimentos mudanccedila no aspecto (cor aparecimento de bolhas fumaccedila vapor etc) descrevem os elementos da situaccedilatildeo apenas em termos de suas propriedades e funccedilotildees concebem de maneira assimeacutetrica as interaccedilotildees entre elementos da situaccedilatildeo implicam sequumlenciaccedilatildeo temporal e espacial Estes modos de compreensatildeo que satildeo essencialmente

do tipo ldquorelacionado a eventordquo diferentemente do tipo ldquoconceitualrdquo usado no campo das ciecircncias satildeo inadequados e frequumlentemente levam a previsotildees errocircneas

A persistecircncia das chamadas concepccedilotildees alternativas inclusive em estudantes em cursos cientiacuteficos avanccedilados tecircm recebido vaacuterias interpretaccedilotildees poreacutem Vergnaud argumenta (ibid p 74) que em praticamente todas elas o sistema de percepccedilatildeo visual tem um papel preponderante na construccedilatildeo do conhecimento pelos sujeitos mas pouca atenccedilatildeo tem sido dada ao papel funcional dessas concepccedilotildees e poucas pesquisas tecircm sido feitas sobre os problemas que os sujeitos encontram para construiacute-las Por exemplo os ldquoerrosrdquo encontrados em alguns estudos frequumlentemente decorrem de fato de que os sujeitos se deparam com questotildees que nunca se propuseram antes ou que envolvem valores natildeo usuais das variaacuteveis de uma dada situaccedilatildeo Outro exemplo de dificuldade enfrentada pelos sujeitos estaacute no fato de que os modelos cientiacuteficos fazem uso de entidades que geralmente natildeo satildeo acessiacuteveis sensorialmente Em Fiacutesica por exemplo os estudantes enfrentam uma dificuldade que tambeacutem existe na Aacutelgebra a verificaccedilatildeo do significado de representaccedilotildees simboacutelicas depende natildeo soacute da habilidade que o sujeito tenha para representar as entidades e as relaccedilotildees entre elas mas principalmente de elementos conceituais que devem ser levados em conta (conceitos como sistema estado interaccedilatildeo transferecircncia conservaccedilatildeo apenas para mencionar alguns) (ibid p 76)

O que tudo isso quer dizer eacute que eacute normal que os alunos apresentem tais concepccedilotildees e que elas devem ser consideradas como precursoras de conceitos cientiacuteficos a serem adquiridos A ativaccedilatildeo desses precursores eacute necessaacuteria e deve ser guiada pelo professor

As concepccedilotildees preacutevias dos alunos contecircm teoremas e conceitos-em-accedilatildeo que natildeo satildeo verdadeiros teoremas e conceitos cientiacuteficos mas que podem evoluir para eles Poreacutem como jaacute foi dito o hiato entre os invariantes operatoacuterios dos alunos e os do conhecimento cientiacutefico eacute grande de modo que a mudanccedila conceitual poderaacute levar muito tempo

Por outro lado pode ocorrer que certos conceitos possam ser construiacutedos somente se certas concepccedilotildees preacutevias forem abandonadas Quer dizer o conhecimento preacutevio pode funcionar como obstaacuteculo epistemoloacutegico (ibid p 83) Nesse caso a accedilatildeo mediadora do professor eacute tambeacutem imprescindiacutevel

A construccedilatildeo do conhecimento pelo aprendiz natildeo eacute um processo linear facilmente identificaacutevel Ao contraacuterio eacute complexo tortuoso demorado com avanccedilos e retrocessos continuidades e rupturas O conhecimento preacutevio eacute determinante no progressivo domiacutenio de um campo conceitual mas pode tambeacutem em alguns casos ser impeditivo Continuidades e rupturas natildeo satildeo no entanto excludentes Pode haver continuidade e ruptura A Aacutelgebra por exemplo se apoacuteia na Aritmeacutetica mas ainda assim para aprendecirc-la eacute necessaacuterio romper com a Aritmeacutetica A Mecacircnica Claacutessica e a Mecacircnica Quacircntica apresentam continuidades mas para aprender esta eacute preciso rupturas com aquela

No ensino eacute necessaacuterio desestabilizar cognitivamente o aluno mas natildeo demais Eacute preciso identificar sobre quais conhecimentos preacutevios a crianccedila pode se apoiar para aprender mas eacute forccediloso tambeacutem distinguir quais as rupturas necessaacuterias Quer dizer eacute preciso propor

tambeacutem com cuidado situaccedilotildees para as quais os alunos natildeo tecircm onde se apoiar ou natildeo devem se apoiar em conhecimentos preacutevios

As ideacuteias de Vergnaud sobre o papel do conhecimento preacutevio (que pode ser ldquoalternativordquo) como percursor de novos conhecimentos (que podem ser cientiacuteficos) e sobre as continuidades e rupturas na construccedilatildeo do conhecimento parecem ter muito a ver com a teoria da aprendizagem significativa de Ausubel (Ausubel et al 1980 Moreira 1999 a e b) Para Ausubel o conhecimento preacutevio eacute o principal fator isolado que influencia a aquisiccedilatildeo de novos conhecimentos A aprendizagem significativa se caracteriza pela interaccedilatildeo entre o novo conhecimento e o conhecimento preacutevio Eacute nessa interaccedilatildeo que o novo conhecimento adquire significados e o conhecimento preacutevio se modifica eou adquire novos significados Mas tal interaccedilatildeo natildeo eacute arbitraacuteria ou seja o novo conhecimento adquire significados pela interaccedilatildeo com conhecimentos preacutevios especificamente relevantes Em outras palavras a interaccedilatildeo natildeo eacute com qualquer conhecimento preacutevio Nesse sentido no ensino eacute preciso identificar sobre quais conhecimentos preacutevios o aluno pode se apoiar para aprender Contudo o efeito do conhecimento preacutevio na aprendizagem eacute tatildeo forte que em certos casos eacute preciso romper com ele Por exemplo no ensino do conceito de aprendizagem significativa pode natildeo ser adequado apoiar-se na ideacuteia de interaccedilatildeo pois esta pode estar fortemente arraigada na estrutura cognitiva como sendo uma relaccedilatildeo assimeacutetrica que poderia dificultar a compreensatildeo do fato de que na aprendizagem significativa tanto o novo conhecimento como o conhecimento preacutevio se modificam Por outro lado a compreensatildeo da aprendizagem significativa como uma relaccedilatildeo simeacutetrica ou de accedilatildeo reciacuteproca juntamente com a aprendizagem de outros processos envolvendo accedilatildeo reciacuteproca poderia levar a uma evoluccedilatildeo dos conceitos e teoremas-em-accedilatildeo associados agrave ideacuteia de interaccedilatildeo (que eacute uma ideacuteia-chave na ciecircncia) para outros progressivamente mais proacuteximos daqueles cientificamente compartilhados

Mas se a teoria dos campos conceituais eacute compatiacutevel com a teoria da aprendizagem significativa por que natildeo ficar com esta que eacute bastante mais conhecida e aceita no ensino de ciecircncias A resposta eacute que podem ser tomadas como complementares a teoria de Ausubel eacute uma teoria de aprendizagem em sala de aula de aquisiccedilatildeo de corpos organizados de conhecimento em situaccedilatildeo formal de ensino enquanto que a teoria de Vergnaud eacute uma teoria psicoloacutegica do processo de conceituaccedilatildeo do real que se propotildee a localizar e estudar continuidades e rupturas entre conhecimentos do ponto de vista de seu conteuacutedo conceitual A teoria de Vergnaud natildeo eacute uma teoria de ensino de conceitos expliacutecitos e formalizados embora tenha subjacente a ideacuteia de que os conhecimentos-em-accedilatildeo (largamente impliacutecitos) podem evoluir ao longo do tempo para conhecimentos cientiacuteficos (expliacutecitos) A teoria de Ausubel por outro lado se ocupa exatamente da aquisiccedilatildeo de conceitos expliacutecitos e formalizados chegando inclusive a propor princiacutepios programaacuteticos ndash como a diferenciaccedilatildeo progressiva a reconciliaccedilatildeo integradora e a consolidaccedilatildeo ndash para a organizaccedilatildeo do ensino

Ao resgatar e enriquecer o conceito de esquema introduzindo os conceitos de teorema-em-accedilatildeo e conceito-em-accedilatildeo ao definir conceito como um tripleto ao colocar a conceitualizaccedilatildeo no acircmago do desenvolvimento cognitivo ao priorizar a interaccedilatildeo sujeito-situaccedilatildeo e como natildeo poderia deixar de ser ao definir campo conceitual Vergnaud provecirc um referencial muito rico para compreender explicar e investigar o processo da

aprendizagem significativa A teoria dos campos conceituais de Vergnaud parece prover um referencial adequado para analisar a estrutura fina da teoria da aprendizagem significativa de Ausubel O que para Ausubel satildeo campos organizados de conhecimento para Vergnaud satildeo campos conceituais

ProfessorEnsino

Um determinado campo conceitual como o da Eletricidade por exemplo pode ser progressivamente dominado por um aprendiz mas o ensino atraveacutes da accedilatildeo mediadora do professor eacute essencial para isso Professores satildeo mediadores Sua tarefa eacute a de ajudar os alunos a desenvolver seu repertoacuterio de esquemas e representaccedilotildees (1998 p 180) Desenvolvendo novos esquemas os alunos tornam-se capazes de enfrentar situaccedilotildees cada vez mais complexas Novos esquemas natildeo podem ser desenvolvidos sem novos invariantes operacionais A linguagem e os siacutembolos satildeo importantes nesse processo Os professores usam palavras e sentenccedilas para explicar formular questotildees selecionar informaccedilotildees propor metas expectativas regras e planos Contudo sua accedilatildeo mediadora mais importante eacute a de prover situaccedilotildees (de aprendizagem) frutiacuteferas para os estudantes (ibid) Tais situaccedilotildees devem ser cuidadosamente escolhidas ordenadas diversificadas apresentadas no momento certo e dentro da zona de desenvolvimento proximal do aluno Sem duacutevida uma tarefa difiacutecil mas essencial

Para Vergnaud o desenvolvimento cognitivo depende de situaccedilotildees e conceitualizaccedilotildees especiacuteficas para lidar com elas Satildeo as situaccedilotildees que datildeo sentido aos conceitos elas eacute que satildeo responsaacuteveis pelo sentido atribuiacutedo ao conceito (Barais amp Vergnaud 1990 p 78) um conceito torna-se significativo atraveacutes de uma variedade de situaccedilotildees (1994 p 46) mas o sentido natildeo estaacute nas situaccedilotildees em si mesmas assim como natildeo estaacute nas palavras nem nos siacutembolos (1990 p 158)

Cabe aqui lembrar que embora estejamos falando do ensino e do papel do professor na perspectiva de Vergnaud as situaccedilotildees antes referidas natildeo satildeo situaccedilotildees didaacuteticas propriamente ditas mas sim tarefas problemas

O papel do professor como mediador provedor de situaccedilotildees problemaacuteticas frutiacuteferas estimuladoras da interaccedilatildeo sujeito-situaccedilatildeo que leva agrave ampliaccedilatildeo e agrave diversificaccedilatildeo de seus esquemas de accedilatildeo ou seja ao desenvolvimento cognitivo deixa ainda mais evidente que a teoria de Vergnaud tem tambeacutem forte influecircncia vigotskyana

Haacute no entanto outra importante implicaccedilatildeo da teoria dos campos conceituais para o ensino a questatildeo do conhecimento impliacutecito e do conhecimento expliacutecito A escola segundo Vergnaud (1994 p 47) superestima o conhecimento expliacutecito e subestima ateacute mesmo desvaloriza o conhecimento impliacutecito dos alunos Contudo a maior parte de nossa atividade fiacutesica e mental de nosso comportamento enfim eacute constituiacuteda de esquemas e estes tecircm como componentes essenciais os invariantes operatoacuterios (conceitos e teoremas-em-accedilatildeo) que constituem os conhecimentos contidos nos esquemas e que satildeo largamente impliacutecitos Quer dizer haacute muito de impliacutecito nos esquemas Os alunos em geral natildeo satildeo capazes de explicar ou expressar em linguagem natural seus teoremas-em-accedilatildeo ainda que

sejam capazes de resolver certas tarefas (situaccedilotildees) Natildeo soacute alunos qualquer pessoa muitas vezes eacute incapaz de colocar em palavras coisas que faz muito bem conhecimentos que tem Haacute um hiato entre a accedilatildeo e a formalizaccedilatildeo da accedilatildeo Agimos com o auxiacutelio de invariantes operatoacuterios sem expressaacute-los ou sem sermos capazes de expressaacute-los A anaacutelise cognitiva dessas accedilotildees muitas vezes revela a existecircncia de potentes teoremas e conceitos-em-accedilatildeo impliacutecitos Esse conhecimento no entanto natildeo pode ser apropriadamente chamado de conceitual pois o conhecimento conceitual eacute necessariamente expliacutecito (Vergnaud et al 1990 p 20) Portanto palavras e outros siacutembolos sentenccedilas e outras expressotildees simboacutelicas satildeo instrumentos cognitivos indispensaacuteveis para a transformaccedilatildeo de invariantes operatoacuterios impliacutecitos em conceitos e teoremas cientiacuteficos expliacutecitos (ibid) Quer dizer a formalizaccedilatildeo ndash o ensino direcionado agrave formalizaccedilatildeo ndash eacute necessaacuteria poreacutem eacute preciso levar em conta que as ideacuteias cientiacuteficas evoluem no aluno durante um longo periacuteodo de desenvolvimento cognitivo atraveacutes de uma variedade de situaccedilotildees e atividades e que qualquer conhecimento formal e axiomatizado que o aluno apresenta pode natildeo ser mais do que a parte visiacutevel de um iceberg formado basicamente por conhecimentos impliacutecitos (op cit p 21) O ensino de ciecircncias natildeo pode deixar de lado a simbolizaccedilatildeo e a formalizaccedilatildeo porque a ciecircncia eacute simboacutelica formal e expliacutecita mas eacute preciso ter sempre em mente que o conhecimento do aluno como de qualquer outro sujeito eacute em grande parte impliacutecito O ensino de ciecircncias deve facilitar a transformaccedilatildeo do conhecimento impliacutecito em expliacutecito sem nunca subestimaacute-lo ou desvalorizaacute-lo A trajetoacuteria do aprendiz ao longo de um campo conceitual cientiacutefico eacute sinuosa difusa difiacutecil e sobretudo demorada Natildeo se pode esperar que um aluno domine um campo conceitual como o da Termodinacircmica por exemplo atraveacutes de uma ou duas unidades didaacuteticas desenvolvidas ao longo de dois ou trecircs meses Eacute normal que o aluno continue usando conhecimentos impliacutecitos ao mesmo tempo que vai se apropriando dos conhecimentos expliacutecitos da ciecircncia A perspectiva dos campos conceituais eacute progressiva natildeo substitutiva Ou seja o campo conceitual vai sendo progressivamente dominado pelo aprendiz o conhecimento impliacutecito vai evoluindo progressivamente para o expliacutecito ao inveacutes de ser substituiacutedo por ele Isso como alerta Vergnaud pode levar muito tempo muitos anos talvez mas o ensino e em uacuteltima anaacutelise o professor tecircm um papel essencial nesse processo Sem o ensino natildeo haacute razatildeo nenhuma para se acreditar que o sujeito passe a dominar campos conceituais complexos e formalizados como os cientiacuteficos

Resoluccedilatildeo de Problemas

O ensino de ciecircncias tradicionalmente envolve trecircs aspectos principais profundamente interrelacionados o conhecimento teoacuterico (conceitos leis princiacutepios equaccedilotildees) as praacuteticas de laboratoacuterio (experimentos demonstraccedilotildees procedimentos cientiacuteficos) e a resoluccedilatildeo de problemas (abertos fechados como investigaccedilatildeo de papel e laacutepis) Obviamente qualquer professor experiente sabe que essa distinccedilatildeo eacute artificial o conhecimento cientiacutefico eacute produzido atraveacutes da interaccedilatildeo entre o domiacutenio conceitual e o metodoloacutegico Poreacutem na perspectiva de Vergnaud esta interdependecircncia entre a teoria e a praacutetica fica muito clara

Como jaacute foi dito reiteradamente ao longo deste texto satildeo as situaccedilotildees[1] que datildeo sentido aos conceitos um conceito torna-se significativo atraveacutes de uma variedade de situaccedilotildees os conhecimentos dos alunos satildeo moldados pelas situaccedilotildees que encontram e

progressivamente dominam Embora o conceito de situaccedilatildeo tenha na teoria dos campos conceituais o significado de tarefa podemos supor que no acircmbito das ciecircncias situaccedilatildeo significa tambeacutem problema Ou podemos falar em situaccedilotildees e problemas como faz o proacuteprio Vergnaud ao dizer que ldquoa aquisiccedilatildeo de conhecimento eacute moldada pelas situaccedilotildees e problemas previamente dominados e portanto o conhecimento do sujeito tem muitos aspectos locaisrdquo (1994 p 42) Em outro trabalho bastante anterior a esse Vergnaud diz que ldquona verdade os conceitos se desenvolvem atraveacutes da resoluccedilatildeo de problemas e esse desenvolvimento eacute lentordquo (1983b p 172)

Isso significa que a resoluccedilatildeo de problemas ou as situaccedilotildees de resoluccedilatildeo de problemas satildeo essenciais para a conceitualizaccedilatildeo mas como chama atenccedilatildeo Vergnaud (1994 p 42) ldquoum problema natildeo eacute um problema para um indiviacuteduo a menos que ele ou ela tenha conceitos que oa tornem capaz de consideraacute-lo como um problema para si mesmordquo Ou seja haacute uma relaccedilatildeo dialeacutetica e ciacuteclica entre a conceitualizaccedilatildeo e a resoluccedilatildeo de problemas Para Vergnaud a problematizaccedilatildeo vai muito aleacutem da abstraccedilatildeo de regularidades do mundo observaacutevel Problemas satildeo teoacutericos e praacuteticos natildeo meramente empiacutericos mesmo para crianccedilas pequenas Quando uma classe de problemas eacute resolvida por um indiviacuteduo (o que significa que ela ou ele desenvolve um esquema eficiente para lidar com todos ou quase todos os problemas dessa classe) o caraacuteter problemaacutetico dessa classe especiacutefica desaparece (ibid) Mas essa competecircncia desenvolvida pelo indiviacuteduo o habilita a reconhecer ou considerar novos problemas para si mesmo trata-se entatildeo de um processo ciacuteclico

Vergnaud chama de ldquoilusatildeo pedagoacutegicardquo (1983 b p 173) a atitude dos professores que crecircem que o ensino de Fiacutesica digamos consiste na apresentaccedilatildeo organizada clara rigorosa das teorias formais e que quando isso eacute bem feito os alunos aprendem Trata-se de uma ilusatildeo porque segundo ele eacute atraveacutes de situaccedilotildees de resoluccedilatildeo de problemas que os conceitos se desenvolvem no aluno e as situaccedilotildees de resoluccedilatildeo de problemas que tornam os conceitos significativos para os alunos podem estar pelo menos inicialmente muito distantes do formalismo apresentado pelo professor Mas apesar disso tais situaccedilotildees satildeo essenciais para o desenvolvimento de conceitos Quer dizer ao mesmo tempo que as situaccedilotildees formais satildeo necessaacuterias eacute preciso levar em consideraccedilatildeo que o aluno pode estar ainda muito longe delas (1983 b p 172)

Novamente podemos estabelecer um certo paralelo entre as teorias de Ausubel e Vergnaud A aprendizagem receptiva de Ausubel poderia ser interpretada como a ilusatildeo pedagoacutegica de Vergnaud mas natildeo eacute assim Ausubel certamente defenderia a apresentaccedilatildeo organizada clara rigorosa das teoria formais poreacutem desde que fossem potencialmente significativas o que implicaria que o aprendiz tivesse o conhecimento preacutevio adequado e se dispusesse a aprender Isso estaria de acordo com a postura de Vergnaud no sentido de que o domiacutenio de situaccedilotildees preacutevias eacute importante para o domiacutenio de situaccedilotildees novas Acrescente-se a isso que para Ausubel a resoluccedilatildeo de problemas em particular de situaccedilotildees problemaacuteticas novas e natildeo familiares que requeiram maacutexima transformaccedilatildeo do conhecimento adquirido eacute a principal evidecircncia da aprendizagem significativa (Ausubel et al 1980)

A teoria de Vergnaud parece ser entatildeo um bom referencial para anaacutelise das dificuldades dos alunos na resoluccedilatildeo de problemas em ciecircncias e consequumlentemente da conceitualizaccedilatildeo em ciecircncias Tais dificuldades poderiam por exemplo ser examinadas em

termos de invariantes operatoacuterios quer dizer em termos de quais os conceitos e teoremas-em-accedilatildeo que os estudantes estariam usando na resoluccedilatildeo de problemas e de quatildeo distantes estariam dos conceitos e teoremas cientiacuteficos adequados agrave resoluccedilatildeo do problema em pauta

Representaccedilotildees[2]

No tripleto C (S I R) que define conceito (p 4 deste trabalho) Vergnaud dizia que S (o conjunto de situaccedilotildees que datildeo sentido ao conceito) eacute a realidade e (I R) a representaccedilatildeo dessa realidade que pode ser considerada como dois aspectos interagentes do pensamento o significado (I) e o significante (R)

Isso sugere que inicialmente Vergnaud usava o termo representaccedilatildeo como sendo o de um sistema simboacutelico que significaria algo para o sujeito um sistema de signos e uma sintaxe ou operaccedilotildees sobre elementos do sistema Para ele conceitos e siacutembolos eram duas faces da mesma moeda e devia-se sempre dar atenccedilatildeo ao uso que os alunos faziam dos siacutembolos agrave luz do uso que faziam dos conceitos Quer dizer a habilidade em resolver situaccedilotildees em linguagem natural seria o melhor criteacuterio para aquisiccedilatildeo de conceitos mas por outro lado a simbolizaccedilatildeo ajudaria nisso (1982 p 57) Assim como haacute problemas mais facilmente resolviacuteveis do que outros ou procedimentos mais faacuteceis do que outros haveria representaccedilotildees simboacutelicas mais potentes do que outras equaccedilotildees por exemplo seriam mais potentes que diagramas de Euler-Venn Todavia tais equaccedilotildees deveriam representar situaccedilotildees significativas

Poreacutem em outro trabalho mais recente (1998 p 173) Vergnaud fala em teorias de representaccedilotildees e diz que para ser uacutetil uma teoria dessas deve conter a ideacuteia de que as representaccedilotildees ofereccedilam possibilidades de inferecircncia ie que elas nos tornem capazes de antecipar eventos futuros e gerar condutas para chegar a algum efeito positivo ou evitar algum efeito negativo

Diz ele (op cit p 174) que temos representaccedilotildees computaacuteveis para gestos e accedilotildees sobre o mundo fiacutesico bem como para comportamentos verbais e para interaccedilotildees sociais Tais representaccedilotildees podem ser corretas ou erradas vagas ou precisas expliacutecitas ou totalmente impliacutecitas em qualquer caso elas funcionam como substitutos computaacuteveis da realidade e portanto satildeo feitas de teoremas-em-accedilatildeo proposiccedilotildees tidas como verdadeiras

A construccedilatildeo do conhecimento consiste entatildeo na progressiva construccedilatildeo de representaccedilotildees mentais que satildeo homomoacuterficas agrave realidade para alguns aspectos e para outros natildeo (1990 p 22) Por um lado a representaccedilatildeo eacute ativa pragmaacutetica e operacional por outro eacute discursiva teoacuterica e simboacutelica (ibid) Mas haacute importantes lacunas entre o que estaacute representado na mente de um indiviacuteduo e o significado usual das palavras e outros signos pois sistemas linguumliacutesticos e semioacuteticos natildeo tecircm por finalidade expressar exatamente o que cada indiviacuteduo tem em mente quando enfrenta uma situaccedilatildeo selecionando e processando a informaccedilatildeo (1998 p 176) Para Vergnaud a relaccedilatildeo entre situaccedilotildees e esquemas eacute a fonte primaacuteria da representaccedilatildeo mas sua teoria afasta-se muito da visatildeo de que um objeto pode ser representado mentalmente de maneira natildeo ambiacutegua atraveacutes de

siacutembolos Por maior que seja (e eacute grande) o papel dos siacutembolos no pensamento o conhecimento natildeo eacute em essecircncia simboacutelico O reconhecimento de invariantes em accedilatildeo e percepccedilatildeo e a progressiva construccedilatildeo de objetos e predicados de niacutevel mais alto satildeo aspectos mais essenciais do conhecimento (op cit p 177)

Podemos entatildeo fazer uma ponte entre os significados mais recentes de representaccedilatildeo na teoria de Vergnaud e a teoria tambeacutem recente dos modelos mentais (Johnson-Laird 1983 Moreira 1996) Dizer que temos representaccedilotildees computaacuteveis para gestos e accedilotildees sobre o mundo fiacutesico para comportamentos verbais e para interaccedilotildees sociais e que tais representaccedilotildees -- que podem ser corretas ou erradas vagas ou precisas expliacutecitas ou (principalmente) impliacutecitas -- permitem fazer inferecircncias eacute praticamente dizer que tais representaccedilotildees satildeo modelos mentais Johnson-Laird define modelos mentais como anaacutelogos estruturais de estados de coisas do mundo Satildeo instrumentos de compreensatildeo e inferecircncia Quando nos defrontamos com uma situaccedilatildeo nova construiacutemos um modelo mental para entendecirc-la descrevecirc-la e prever o que vai acontecer Este modelo pode ser correto ou natildeo (no sentido de que suas previsotildees natildeo satildeo corretas cientificamente) pode ser vago confuso incompleto mas eacute sobretudo funcional para seus construtor e pode ser modificado recursivamente ateacute atingir tal funcionalidade

Modelos mentais podem ser basicamente proposicionais ie constituiacutedos principalmente de proposiccedilotildees ou basicamente imagiacutesticos ou seja construiacutedos predominantemente com imagens ou ainda hiacutebridos quer dizer formados por proposiccedilotildees e imagens (Greca e Moreira 1997) Entatildeo as proposiccedilotildees constituintes dos modelos mentais podem ser interpretadas como teoremas-em-accedilatildeo de Vergnaud Como ele mesmo diz as representaccedilotildees funcionam como substitutos computaacuteveis da realidade e portanto satildeo feitas de teoremas-em-accedilatildeo Com o progressivo domiacutenio de um campo conceitual os teoremas-em-accedilatildeo (grandemente impliacutecitos) vatildeo se aproximando de teoremas cientiacuteficos (proposiccedilotildees expliacutecitas) Analogamente agrave medida que o sujeito adquire mais conhecimentos cientiacuteficos seus modelos mentais aproximam-se (no sentido de que permitem dar significados cientificamente aceitos) dos modelos cientiacuteficos

Pode-se assim dizer que os modelos mentais de Johnson-Laird contecircm aquilo que Vergnaud chama de teoremas-em-accedilatildeo ou seja proposiccedilotildees tidas como verdadeiras sobre o real Mas esta aparente compatibilidade entre as duas teorias pode ir aleacutem pois os conceitos-em-accedilatildeo de Vergnaud tambeacutem podem integrar modelos mentais Conceitos-em-accedilatildeo satildeo objetos predicados ou categorias de pensamento tidos como pertinentes relevantes agrave situaccedilatildeo Analogamente segundo o princiacutepio do construtivismo (Johnson-Laird 1983 p 398) um modelo mental eacute construiacutedo a partir de sinais (tokens) dispostos em uma estrutura particular para representar em certo estado de coisas (isto eacute uma certa situaccedilatildeo) Se interpretaacutessemos esses sinais (tokens) como objetos predicados ou categorias de pensamento pertinentes dir-se-ia que os modelos mentais contecircm tambeacutem conceitos-em-accedilatildeo

Contudo eacute importante natildeo confundir modelos mentais com esquemas de assimilaccedilatildeo Para Vergnaud os invariantes operatoacuterios (teoremas e conceitos-em-accedilatildeo) satildeo componentes essenciais dos esquemas e acabamos de dizer que os modelos mentais contecircm proposiccedilotildees e sinais (tokens) que podem ser interpretados como invariantes operatoacuterios mas ainda

assim modelos mentais e esquemas satildeo construtos distintos Modelo mental eacute instrumento de compreensatildeo construiacutedo no momento da compreensatildeo e descartaacutevel se for alcanccedilada (para o construtor) a funcionalidade desejada (ou seja a compreensatildeo mesmo que natildeo compartilhada cientificamente) Esquema de assimilaccedilatildeo eacute segundo Vergnaud a organizaccedilatildeo invariante do comportamento para uma determinada classe de situaccedilotildees Portanto esquemas de assimilaccedilatildeo satildeo mais estaacuteveis o sujeito constroacutei determinado esquema e o utiliza para assimilar uma certa classe de situaccedilotildees ou seja usa sempre o mesmo esquema para cada situaccedilatildeo dessa classe Mas frente a uma situaccedilatildeo nova eacute preciso acomodar ou seja construir um novo esquema de assimilaccedilatildeo e eacute exatamente aiacute que parece encaixar bem a ideacuteia de modelo mental para compreender uma nova situaccedilatildeo o sujeito constroacutei inicialmente um modelo mental (que como foi dito pode conter invariantes operatoacuterios) natildeo um esquema de assimilaccedilatildeo Na medida em que a nova situaccedilatildeo deixa de ser nova e passa a ser rotineira o modelo mental evolui para esquema de assimilaccedilatildeo quer dizer se estabiliza Mas isso natildeo quer dizer que todo modelo mental venha a se transformar em esquema de assimilaccedilatildeo Modelos mentais satildeo recursivos o que significa que vatildeo sendo construiacutedos e modificados quase que simultaneamente ateacute que se tornem funcionais quando entatildeo podem ser descartados ou talvez ldquoguardadosrdquo ateacute que se tornem esquemas de assimilaccedilatildeo Trata-se ao que parece de um bom assunto para pesquisar

Pesquisa

Como uacuteltimo toacutepico deste texto abordar-se-aacute a pesquisa em ensino de ciecircncias no referencial da teoria dos campos conceituais Vejamos primeiramente no entanto o que diz Vergnaud sobre a pesquisa em campos conceituais

Segundo ele (1988 p 149) a abordagem canocircnica ao estudo de um campo conceitual envolve identificar e classificar situaccedilotildees e entatildeo coletar dados sobre procedimentos e outras maneiras atraveacutes das quais os estudantes expressam seu raciociacutenio Um ciclo de pesquisa inicia com a identificaccedilatildeo de niacuteveis de objetos relaccedilotildees e teoremas-em-accedilatildeo O ciclo continua entatildeo com o delineamento de situaccedilotildees e materiais e sua experimentaccedilatildeo com alunos completando-se com a construccedilatildeo de representaccedilotildees simboacutelicas atraveacutes da observaccedilatildeo e anaacutelise dos diferentes fenocircmenos que ocorrem (ibid) Comeccedila entatildeo um segundo ciclo para melhorar o primeiro e assim sucessivamente O estudo do domiacutenio de certos campos conceituais eacute um programa de longo prazo que dificilmente pode ser feito por um pesquisador isolado ou mesmo por um grupo de pesquisa isolado

Portanto o primeiro passo para estudar o progressivo domiacutenio de um campo conceitual por parte do aluno eacute identificar e classificar situaccedilotildees Mas isso envolve duas ideacuteias principais diversidade e histoacuteria Ou seja existe uma grande variedade de situaccedilotildees em um dado campo conceitual e as aprendizagens dos alunos satildeo moldadas pelas situaccedilotildees com as quais se depararam e progressivamente dominaram particularmente as primeiras suscetiacuteveis de dar sentido aos conceitos e procedimentos que lhes queremos ensinar (1990 p 150) A combinaccedilatildeo dessas duas ideacuteias dificulta o trabalho do pesquisador em ensino porque a primeira o dirige para a anaacutelise para a decomposiccedilatildeo em elementos simples e para as possiacuteveis combinaccedilotildees de situaccedilotildees enquanto que a segunda o orienta para a busca de

situaccedilotildees funcionais quase sempre compostas de vaacuterias relaccedilotildees cuja importacircncia relativa estaacute largamente ligada agrave frequumlecircncia com que satildeo encontradas (ibid)

Em outras palavras o estudo psicogeneacutetico da aquisiccedilatildeo de um campo conceitual implica a anaacutelise em termos relacionais e hieraacuterquicos das diferentes classes de problemas que podem ser propostos aos alunos Implica tambeacutem o estudo dos distintos procedimentos e representaccedilotildees simboacutelicas que o aprendiz utiliza (1982 p 40) Em relaccedilatildeo agraves representaccedilotildees Vergnaud diz (1994 p 43) que eacute uma tarefa essencial teoacuterica e empiacuterica dos pesquisadores entender por que uma certa representaccedilatildeo simboacutelica particular pode ser uacutetil e sob quais condiccedilotildees e quando e por que pode ser proveitosamente substituiacuteda por outra mais abstrata e geral

Embora Vergnaud e vaacuterios pesquisadores que trabalham sob o referencial de sua teoria tenham se dedicado principalmente agrave pesquisa em educaccedilatildeo matemaacutetica e em particular ao estudo dos campos conceituais das estruturas aditivas e multiplicativas essa abordagem agrave pesquisa certamente se aplica ao ensino de ciecircncias ou agrave educaccedilatildeo em ciecircncias se preferirmos esta terminologia Na resoluccedilatildeo de problemas por exemplo pode-se analisar as dificuldades dos alunos em termos de invariantes operatoacuterios Quer dizer os alunos muitas vezes resolvem problemas usando conhecimentos-em-accedilatildeo que podem ateacute conduzi-los agrave uma soluccedilatildeo satisfatoacuteria para uma certa situaccedilatildeo mas que natildeo funcionam para outra situaccedilatildeo ligeiramente diferente da primeira porque tais conhecimentos natildeo satildeo cientiacuteficos e tampouco constituem um esquema de assimilaccedilatildeo que pode ser aplicado a uma classe de situaccedilotildees Por outro lado tais conhecimentos-em-accedilatildeo mdash que satildeo largamente impliacutecitos mdash podem ser precursores na aquisiccedilatildeo de conceitos cientiacuteficos e portanto devem ser identificados ie pesquisados Os trabalhos de Sousa (2001) e de Sousa e Faacutevero (2002) no qual a resoluccedilatildeo de problemas em Fiacutesica foi investigada em uma situaccedilatildeo de interlocuccedilatildeo entre um especialista e um novato eacute um exemplo nessa direccedilatildeo Costa e Moreira (2002) e Escudero e Moreira (2002) tambeacutem estatildeo trabalhando em resoluccedilatildeo de problemas em Fiacutesica e procurando interpretar as dificuldades dos alunos na construccedilatildeo de modelos mentais do enunciado agrave luz de aspectos da teoria dos campos conceituais

O estudo da aprendizagem de conceitos fiacutesicos tambeacutem pode ser feito no referencial teoacuterico de Vergnaud Para ele satildeo as situaccedilotildees que datildeo sentido ao conceito os invariantes operatoacuterios que constituem seu significado e as representaccedilotildees simboacutelicas o seu significante Portanto como sugere Vergnaud eacute preciso identificar e classificar situaccedilotildees adequadas agrave aprendizagem de determinado conceito pesquisar os invariantes operatoacuterios usados pelos alunos e procurar entender como por que e quando uma certa representaccedilatildeo simboacutelica pode ajudar na conceitualizaccedilatildeo O trabalho de Lemeignan e Weil-Barais (1994) eacute talvez pioneiro nessa linha As pesquisas de Stipcich e Moreira (2002) sobre o conceito de interaccedilatildeo e de Moreira e Sousa (2002) a respeito do conceito de potencial eleacutetrico estatildeo usando o referencial de Vergnaud para interpretar as dificuldades dos alunos na aprendizagem significativa desses conceitos

Obviamente a teoria dos campos conceituais pode tambeacutem ser usada como referente teoacuterico em pesquisas sobre mudanccedila conceitual De um modo geral pode-se dizer que essa teoria eacute potencialmente uacutetil na anaacutelise das dificuldades dos alunos na resoluccedilatildeo de problemas em ciecircncias na aprendizagem de conceitos cientiacuteficos e na mudanccedila conceitual

Uma vez identificadas tais dificuldades essa mesma teoria pode ajudar no delineamento de estrateacutegias ou melhor na seleccedilatildeo de situaccedilotildees instrucionais que possam ajudar na progressiva superaccedilatildeo de tais dificuldades ou em outras palavras no progressivo (e lento) domiacutenio do(s) campo(s) conceitual(is) envolvido(s) Esse domiacutenio progressivo implica capacidade de resolver problemas conceitualizaccedilatildeo e mudanccedila (evoluccedilatildeo) conceitual

Natildeo tatildeo oacutebvia eacute a possibilidade de investigar questotildees como a modelagem mental no referencial de Vergnaud poreacutem uma vez aceita a compatibilidade aludida na seccedilatildeo anterior entre a teoria dos modelos mentais e a teoria dos campos conceituais tal possibilidade decorre naturalmente Enfim a potencialidade do uso da teoria de Vergnaud na pesquisa e ensino de ciecircncias parece ser grande Nesta seccedilatildeo foram apenas aventadas possibilidades e referidos alguns estudos

Conclusatildeo

Este trabalho teve por objetivo descrever a teoria dos campos conceituais de Geacuterard Vergnaud particularmente para uma audiecircncia de professores e pesquisadores em ensino de ciecircncias Essa teoria eacute bastante conhecida na aacuterea da educaccedilatildeo matemaacutetica poreacutem relativamente pouco no campo da educaccedilatildeo em ciecircncias e justamente por isso foi objeto deste texto

Trata-se de uma teoria de base piagetiana mas que afasta-se bastante de Piaget ao tomar como referecircncia o proacuteprio conteuacutedo do conhecimento e a anaacutelise conceitual do progressivo domiacutenio desse conhecimento bem como ao ocupar-se do estudo do desenvolvimento cognitivo do sujeito-em-situaccedilatildeo ao inveacutes de operaccedilotildees loacutegicas gerais de estruturas gerais do pensamento Ao fazer isso a teoria de Vergnaud apresenta um grande potencial para descrever analisar e interpretar aquilo que se passa em sala de aula na aprendizagem de matemaacutetica e ciecircncias Provavelmente esse tipo de teoria eacute o de maior utilidade para fundamentar o ensino e a pesquisa em ensino nessa aacuterea

Aleacutem de descrever a teoria propriamente dita procurou-se neste texto estabelecer elos com a teoria da aprendizagem significativa de Ausubel (outra ldquoteoria de sala de aulardquo) e com a recente teoria dos modelos mentais de Johnson-Laird assim como destacar implicaccedilotildees para o ensino e para a pesquisa em ensino de ciecircncias

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[1] Lembremos que um campo conceitual eacute em primeiro lugar um conjunto de situaccedilotildees (1998 p 141 1990 p 5) cujo domiacutenio requer o domiacutenio de vaacuterios conceitos de naturezas distintas (volta para o texto) [2] A ponte entre a teoria de Vergnaud e a teoria dos modelos mentais de Johnson-Laird feita nesta seccedilatildeo estaacute bem mais elaborada no trabalho ldquoAleacutem da detecccedilatildeo de modelos mentais dos estudantes Uma proposta representacional integradorardquo de Ileana Greca e Marco Antonio Moreira (volta para o texto)

Page 4: A Teoria Dos Campos Conceituais de Vergnaud

Campo conceitual eacute tambeacutem definido por Vergnaud como um conjunto de problemas e situaccedilotildees cujo tratamento requer conceitos procedimentos e representaccedilotildees de tipos diferentes mas intimamente relacionados (1983b p 127)

Em outros trabalhos (1988 p 141 1990 p 146) Vergnaud define campo conceitual como sendo em primeiro lugar um conjunto de situaccedilotildees cujo domiacutenio requer por sua vez o domiacutenio de vaacuterios conceitos de naturezas distintas Por exemplo o campo conceitual das estruturas multiplicativas consiste de todas as situaccedilotildees que podem ser analisadas como problemas de proporccedilotildees simples e muacuteltiplas para os quais geralmente eacute necessaacuteria uma multiplicaccedilatildeo uma divisatildeo ou uma combinaccedilatildeo dessas operaccedilotildees (ibid) Vaacuterios tipos de conceitos matemaacuteticos estatildeo envolvidos nas situaccedilotildees que constituem o campo conceitual das estruturas multiplicativas e no pensamento necessaacuterio para dominar tais situaccedilotildees Entre tais conceitos estatildeo o de funccedilatildeo linear funccedilatildeo natildeo-linear espaccedilo vetorial anaacutelise dimensional fraccedilatildeo razatildeo taxa nuacutemero racional multiplicaccedilatildeo e divisatildeo (ibid) Analogamente o campo conceitual das estruturas aditivas eacute o conjunto de situaccedilotildees cujo domiacutenio requer uma adiccedilatildeo uma subtraccedilatildeo ou uma combinaccedilatildeo de tais operaccedilotildees

Como se pode observar a definiccedilatildeo referida na introduccedilatildeo -- conjunto informal e heterogecircneo de problemas situaccedilotildees conceitos relaccedilotildees estruturas conteuacutedos e operaccedilotildees de pensamento conectados uns aos outros e provavelmente entrelaccedilados durante o processo de aquisiccedilatildeo -- eacute mais abrangente Posteriormente a ela Vergnaud destaca a ideacuteia de situaccedilotildees nas definiccedilotildees que daacute de campo conceitual Como ver-se-aacute mais adiante situaccedilatildeo eacute um conceito-chave da teoria de Vergnaud poreacutem a definiccedilatildeo inicial mais ampla de campo conceitual daacute uma ideacuteia melhor da complexidade daquilo que ele chama de campo conceitual

Trecircs argumentos principais levaram Vergnaud (1983a p 393) ao conceito de campo conceitual 1) um conceito natildeo se forma dentro de um soacute tipo de situaccedilotildees 2) uma situaccedilatildeo natildeo se analisa com um soacute conceito 3) a construccedilatildeo e apropriaccedilatildeo de todas as propriedades de um conceito ou todos os aspectos de uma situaccedilatildeo eacute um processo de muito focirclego que se estende ao longo dos anos agraves vezes uma dezena de anos com analogias e mal-entendidos entre situaccedilotildees entre concepccedilotildees entre procedimentos entre significantes

Vergnaud considera o campo conceitual como uma unidade de estudo para dar sentido agraves dificuldades observadas na conceitualizaccedilatildeo do real e como foi dito antes a teoria dos campos conceituais supotildee que a conceitualizaccedilatildeo eacute a essecircncia do desenvolvimento cognitivo

Aleacutem dos jaacute citados campos conceituais das estruturas aditivas e multiplicativas outros importantes campos conceituais interferindo com esses dois incluem deslocamentos e transformaccedilotildees espaciais classificaccedilotildees de objetos e aspectos discretos movimentos e relaccedilotildees entre tempo velocidade distacircncia aceleraccedilatildeo e forccedila relaccedilotildees de parentesco mediccedilotildees de quantidades espaciais e fiacutesicas contiacutenuas (1983b p 128)

Naturalmente esses campos conceituais natildeo satildeo independentes e uns podem ser importantes para a compreensatildeo de outros mas ainda assim Vergnaud considera uacutetil falar em distintos campos conceituais se eles puderem ser consistentemente descritos Ele crecirc

que eacute praticamente impossiacutevel estudar as coisas separadamente mas por isso mesmo eacute preciso fazer recortes e eacute nesse sentido que os campos conceituais satildeo unidades de estudo frutiacuteferas para dar sentido aos problemas de aquisiccedilatildeo e agraves observaccedilotildees feitas em relaccedilatildeo agrave conceitualizaccedilatildeo (1983a p 393)

Jaacute que o nuacutecleo do desenvolvimento cognitivo eacute a conceitualizaccedilatildeo Vergnaud destaca que eacute preciso dar toda atenccedilatildeo aos aspectos conceituais dos esquemas e agrave anaacutelise conceitual das situaccedilotildees nas quais os aprendizes desenvolvem seus esquemas na escola ou na vida real (1994 p 58) Isso nos leva ao conceito de conceito na teoria dos campos conceituais

Conceitos

Vergnaud define conceito como um tripleto de trecircs conjuntos (1983a p 393 1988 p 141 1990 p 145 1993 p 8 1997 p 6) C = (S I R) onde

S eacute um conjunto de situaccedilotildees que datildeo sentido ao conceito I eacute um conjunto de invariantes (objetos propriedades e relaccedilotildees) sobre os quais repousa a operacionalidade do conceito ou o conjunto de invariantes operatoacuterios associados ao conceito ou o conjunto de invariantes que podem ser reconhecidos e usados pelos sujeitos para analisar e dominar as situaccedilotildees do primeiro conjunto R eacute um conjunto de representaccedilotildees simboacutelicas (linguagem natural graacuteficos e diagramas sentenccedilas formais etc) que podem ser usadas para indicar e representar esses invariantes e consequumlentemente representar as situaccedilotildees e os procedimentos para lidar com elas O primeiro conjunto ndash de situaccedilotildees ndash eacute o referente do conceito o segundo ndash de invariantes operatoacuterios ndash eacute o significado do conceito enquanto o terceiro ndash de representaccedilotildees simboacutelicas ndash eacute o significante

Uma definiccedilatildeo pragmaacutetica poderia considerar um conceito como um conjunto de invariantes utilizaacuteveis na accedilatildeo mas esta definiccedilatildeo implica tambeacutem um conjunto de situaccedilotildees que constituem o referente e um conjunto de esquemas postos em accedilatildeo pelos sujeitos nessas situaccedilotildees Daiacute o tripleto (S R I) onde em termos psicoloacutegicos S eacute a realidade e (I R) a representaccedilatildeo que pode ser considerada como dois aspectos interagentes do pensamento o significado (I) e o significante (R) (1998 p 141)

Isso implica que para estudar o desenvolvimento e uso de um conceito ao longo da aprendizagem ou de sua utilizaccedilatildeo eacute necessaacuterio considerar esses trecircs conjuntos simultaneamente Natildeo haacute em geral correspondecircncia biuniacutevoca entre significantes e significados nem entre invariantes e situaccedilotildees natildeo se pode portanto reduzir o significado nem aos significantes nem agraves situaccedilotildees (1990 p 146) Por outro lado como foi dito um uacutenico conceito natildeo se refere a um soacute tipo de situaccedilatildeo e uma uacutenica situaccedilatildeo natildeo pode ser analisada com um soacute conceito

Por tudo isso eacute necessaacuterio falar-se em campos conceituais Mas se os conceitos tornam-se significativos atraveacutes de situaccedilotildees decorre naturalmente que as situaccedilotildees e natildeo os conceitos constituem a principal entrada de um campo conceitual Um campo conceitual eacute em primeiro lugar um conjunto de situaccedilotildees (1988 p 141 1990 p 5) cujo domiacutenio

requer o domiacutenio de vaacuterios conceitos de naturezas distintas

Situaccedilotildees

O conceito de situaccedilatildeo empregado por Vergnaud natildeo eacute o de situaccedilatildeo didaacutetica mas sim o de tarefa sendo que toda situaccedilatildeo complexa pode ser analisada como uma combinaccedilatildeo de tarefas para as quais eacute importante conhecer suas naturezas e dificuldades proacuteprias A dificuldade de uma tarefa natildeo eacute nem a soma nem o produto das diferentes subtarefas envolvidas mas eacute claro que o desempenho em cada subtarefa afeta o desempenho global (1990 p 146 1993 p 9)

Vergnaud recorre tambeacutem ao sentido que segundo ele (op cit p 150 e p 12) eacute atribuiacutedo usualmente pelo psicoacutelogo ao conceito de situaccedilatildeo os processos cognitivos e as respostas do sujeito satildeo funccedilatildeo das situaccedilotildees com as quais eacute confrontado Aleacutem disso ele destaca duas ideacuteias principais em relaccedilatildeo ao sentido de situaccedilatildeo variedade e histoacuteria Isto eacute em um certo campo conceitual existe uma grande variedade de situaccedilotildees e os conhecimentos dos alunos satildeo moldados pelas situaccedilotildees que encontram e progressivamente dominam particularmente pelas primeiras situaccedilotildees suscetiacuteveis de dar sentido aos conceitos e procedimentos que queremos que aprendam (ibid) Segundo Vergnaud muitas de nossas concepccedilotildees vecircm das primeiras situaccedilotildees que fomos capazes de dominar ou de nossa experiecircncia tentando modificaacute-las (1996a p 117)

Como foi dito antes as situaccedilotildees eacute que datildeo sentido ao conceito as situaccedilotildees eacute que satildeo responsaacuteveis pelo sentido atribuiacutedo ao conceito (Barais amp Vergnaud 1990 p 78) um conceito torna-se significativo atraveacutes de uma variedade de situaccedilotildees (1994 p 46) Mas o sentido natildeo estaacute nas situaccedilotildees em si mesmas assim como natildeo estaacute nas palavras nem nos siacutembolos (1990 p 158)

O sentido eacute uma relaccedilatildeo do sujeito com as situaccedilotildees e com os significantes Mais precisamente satildeo os esquemas ie os comportamentos e sua organizaccedilatildeo evocados no sujeito por uma situaccedilatildeo ou por um significante (representaccedilatildeo simboacutelica) que constituem o sentido dessa situaccedilatildeo ou desse significante para esse indiviacuteduo (1990 p 158 1993 p 18) Por exemplo o sentido de adiccedilatildeo para um sujeito individual eacute o conjunto de esquemas que ele pode utilizar para lidar com situaccedilotildees com as quais se defronta e que implicam a ideacuteia de adiccedilatildeo eacute tambeacutem o conjunto de esquemas que ele pode acionar para operar sobre os siacutembolos numeacutericos algeacutebricos graacuteficos e linguumliacutesticos que representam a adiccedilatildeo (ibid) Por outro lado uma dada situaccedilatildeo ou um certo simbolismo natildeo evocam no indiviacuteduo todos os esquemas disponiacuteveis o que significa que o sentido de uma situaccedilatildeo particular de adiccedilatildeo natildeo eacute o sentido de adiccedilatildeo para esse indiviacuteduo assim como natildeo o eacute o sentido de um siacutembolo particular Trata-se de um subconjunto dos esquemas que o sujeito possui ou dos esquemas possiacuteveis (ibid)

Vejamos onde estamos a ideacuteia de campo conceitual nos levou ao conceito de conceito como um tripleto (referente significado e significante) poreacutem como satildeo as situaccedilotildees que datildeo sentido ao conceito chegamos ao conceito de situaccedilatildeo e dele ao de esquema pois satildeo os esquemas evocados no sujeito que datildeo sentido a uma dada situaccedilatildeo O conceito de

esquema como veremos nos levaraacute ao conceito de invariante operatoacuterio

Esquemas

Vergnaud chama de esquema a organizaccedilatildeo invariante do comportamento para uma determinada classe de situaccedilotildees (1990 p 136 1993 p 2 1994 p 53 1996c p 201 1998 p 168) Segundo ele eacute nos esquemas que se devem pesquisar os conhecimentos-em-accedilatildeo do sujeito isto eacute os elementos cognitivos que fazem com que a accedilatildeo do sujeito seja operatoacuteria

Esquema eacute o conceito introduzido por Piaget para dar conta das formas de organizaccedilatildeo tanto das habilidades sensoacuterio-motoras como das habilidades intelectuais Um esquema gera accedilotildees e deve conter regras mas natildeo eacute um estereoacutetipo porque a sequumlecircncia de accedilotildees depende dos paracircmetros da situaccedilatildeo (1994 p 53) Um esquema eacute um universal que eacute eficiente para toda uma gama de situaccedilotildees e pode gerar diferentes sequumlecircncias de accedilatildeo de coleta de informaccedilotildees e de controle dependendo das caracteriacutesticas de cada situaccedilatildeo particular Natildeo eacute o comportamento que eacute invariante mas a organizaccedilatildeo do comportamento (1998 p 172)

Haacute esquemas perceptivo-gestuais como o de contar objetos ou de fazer um graacutefico ou um diagrama mas haacute tambeacutem esquemas verbais como o de fazer um discurso e esquemas sociais como o de seduzir outra pessoa ou o de gerenciar um conflito (ibid) Algoritmos por exemplo satildeo esquemas mas nem todos os esquemas satildeo algoritmos Quando algoritmos satildeo utilizados repetidamente para tratar as mesmas situaccedilotildees eles se transformam em esquemas ordinaacuterios ou haacutebitos (op cit p 176)

Vergnaud considera que os esquemas necessariamente se referem a situaccedilotildees a tal ponto que segundo ele (1996c p 203) dever-se-ia falar em interaccedilatildeo esquema-situaccedilatildeo ao inveacutes de interaccedilatildeo sujeito-objeto da qual falava Piaget Decorre daiacute que o desenvolvimento cognitivo consiste sobretudo e principalmente no desenvolvimento de um vasto repertoacuterio de esquemas Este repertoacuterio afeta esferas muito distintas da atividade humana e quando analisamos por exemplo os conteuacutedos da competecircncia profissional de um indiviacuteduo frequumlentemente observamos que junto a competecircncias teacutecnicas e cientiacuteficas propriamente ditas estatildeo com peso consideraacutevel competecircncias sociais e afetivas A educaccedilatildeo portanto deve contribuir para que o sujeito desenvolva um repertoacuterio amplo e diversificado de esquemas poreacutem procurando evitar que esses esquemas se convertam em estereoacutetipos esclerosados (ibid)

Voltemos agrave definiccedilatildeo esquema eacute a organizaccedilatildeo invariante do comportamento para uma dada classe de situaccedilotildees Trata-se de uma definiccedilatildeo precisa mas que certamente necessita de maiores especificaccedilotildees para facilitar sua compreensatildeo Aquilo que Vergnaud chama de ingredientes dos esquemas (1990 p 136 142 1994 p 46 1996a p 113-114 1996b p 11 1996c p 201-202-206 1998 p 173) fornece tais especificaccedilotildees

1 metas e antecipaccedilotildees (um esquema se dirige sempre a uma classe de situaccedilotildees nas quais o sujeito pode descobrir uma possiacutevel finalidade de sua atividade e eventualmente

submetas pode tambeacutem esperar certos efeitos ou certos eventos) 2 regras de accedilatildeo do tipo se entatildeo que constituem a parte verdadeiramente geradora do esquema aquela que permite a geraccedilatildeo e a continuidade da sequumlecircncia de accedilotildees do sujeito satildeo regras de busca de informaccedilatildeo e controle dos resultados da accedilatildeo 3 invariantes operatoacuterios (teoremas-em-accedilatildeo e conceitos-em-accedilatildeo) que dirigem o reconhecimento por parte do indiviacuteduo dos elementos pertinentes agrave situaccedilatildeo satildeo os conhecimentos contidos nos esquemas satildeo eles que constituem a base impliacutecita ou expliacutecita que permite obter a informaccedilatildeo pertinente e dela inferir a meta a alcanccedilar e as regras de accedilatildeo adequadas 4 possibilidades de inferecircncia (ou raciociacutenios) que permitem calcular aqui e agora as regras e antecipaccedilotildees a partir das informaccedilotildees e invariantes operatoacuterios de que dispotildee o sujeito ou seja toda a atividade implicada nos trecircs outros ingredientes requer caacutelculos aqui e imediatamente em situaccedilatildeoComo foi dito para Vergnaud os esquemas se referem necessariamente a situaccedilotildees ou classes de situaccedilotildees onde ele (1993 p 2) distingue entre 1 classes de situaccedilotildees em que o sujeito dispotildee no seu repertoacuterio em dado momento de seu desenvolvimento e sob certas circunstacircncias das competecircncias necessaacuterias ao tratamento relativamente imediato da situaccedilatildeo 2 classes de situaccedilotildees em que o sujeito natildeo dispotildee de todas as competecircncias necessaacuterias o que obriga a um tempo de reflexatildeo e exploraccedilatildeo a hesitaccedilotildees a tentativas frustradas levando-o eventualmente ao sucesso ou ao fracassoSegundo Vergnaud (ibid) o conceito de esquema natildeo funciona do mesmo modo nas duas classes Na primeira delas observam-se para uma mesma classe de situaccedilotildees condutas amplamente automatizadas organizadas por um soacute esquema enquanto que na segunda observa-se a sucessiva utilizaccedilatildeo de vaacuterios esquemas que podem entrar em competiccedilatildeo e que para atingir a meta desejada devem ser acomodados descombinados e recombinados

De um modo geral todas as condutas comportam uma parte automatizada e uma parte de decisatildeo consciente Os esquemas satildeo frequumlentemente eficazes mas nem sempre efetivos Quando o sujeito usa um esquema ineficaz para uma certa situaccedilatildeo a experiecircncia o leva a mudar de esquema ou a modificar o esquema (1990 p 138) Estaacute aiacute a ideacuteia piagetiana de que os esquemas estatildeo no centro do processo de adaptaccedilatildeo das estruturas cognitivas ie na assimilaccedilatildeo e na acomodaccedilatildeo Contudo Vergnaud daacute ao conceito de esquema um alcance muito maior do que Piaget e insiste em que os esquemas devem relacionar-se com as caracteriacutesticas das situaccedilotildees agraves quais se aplicam

Haacute muito de impliacutecito nos esquemas Muitos esquemas podem ser evocados sucessivamente e mesmo simultaneamente em uma situaccedilatildeo nova para o sujeito (1990 p 140) As condutas em uma dada situaccedilatildeo repousam sobre o repertoacuterio inicial de esquemas que o sujeito dispotildee Como jaacute foi dito o desenvolvimento cognitivo pode ser interpretado como consistindo sobretudo no desenvolvimento de um vasto repertoacuterio de esquemas afetando esferas muito distintas da atividade humana

Do ponto de vista teoacuterico o conceito de esquema proporciona o indispensaacutevel viacutenculo entre a conduta e a representaccedilatildeo (1996c p 202) a relaccedilatildeo entre situaccedilotildees e esquemas eacute a fonte primaacuteria da representaccedilatildeo e portanto da conceitualizaccedilatildeo (1998 p 177) Por outro lado satildeo os invariantes operatoacuterios que fazem a articulaccedilatildeo essencial entre teoria e praacutetica pois a

percepccedilatildeo a busca e a seleccedilatildeo de informaccedilatildeo baseiam-se inteiramente no sistema de conceitos-em-accedilatildeo disponiacuteveis para o sujeito (objetos atributos relaccedilotildees condiccedilotildees circunstacircncias) e nos teoremas-em-accedilatildeo subjacentes agrave sua conduta (1996c p 202)

As expressotildees conceito-em-accedilatildeo e teorema-em-accedilatildeo designam os conhecimentos contidos nos esquemas Satildeo tambeacutem designados por Vergnaud pela expressatildeo mais global invariantes operatoacuterios Teorema-em-accedilatildeo eacute uma proposiccedilatildeo considerada como verdadeira sobre o real conceito-em-accedilatildeo eacute uma categoria de pensamento considerada como pertinente (ibid)

Esta seccedilatildeo foi dedicada ao conceito de esquema Dos ingredientes de um esquema ndash metas e antecipaccedilotildees regras de accedilatildeo invariantes operatoacuterios e possibilidades de inferecircncia ndash os invariantes operatoacuterios ie os conhecimentos-em-accedilatildeo (conceitos e teoremas-em-accedilatildeo) constituem a base conceitual impliacutecita ou expliacutecita que permite obter a informaccedilatildeo pertinente e a partir dela e da meta a atingir inferir as regras de accedilatildeo mais pertinentes para abordar uma situaccedilatildeo (1996c p 201)

Um exemplo de esquema dado por Franchi (1999 p 165) pode ser uacutetil para ilustrar esses aspectos e concluir esta seccedilatildeo Trata-se do esquema da enumeraccedilatildeo de uma pequena coleccedilatildeo de objetos discretos por uma crianccedila de cinco anos por mais que varie a forma de contar por exemplo copos na mesa cadeiras da sala pessoas sentadas de maneira esparsa em um jardim natildeo deixa de haver uma organizaccedilatildeo invariante para o funcionamento do esquema coordenaccedilatildeo dos movimentos dos olhos e gestos dos dedos e das matildeos enunciaccedilatildeo correta da seacuterie numeacuterica identificaccedilatildeo do uacuteltimo elemento da seacuterie como o cardinal do conjunto enumerado (acentuaccedilatildeo ou repeticcedilatildeo do uacuteltimo nuacutemero pronunciado) Vecirc-se facilmente que o esquema descrito recorre a atividades perceptivo-motoras a significantes (as palavras-nuacutemeros) e a construccedilotildees conceituais tais como a de correspondecircncia biuniacutevoca entre conjuntos de objetos e subconjuntos de nuacutemeros naturais a de cardinal e ordinal e outras Recorre igualmente a conhecimentos tais como os que identificam o uacuteltimo elemento da seacuterie ordinal ao cardinal do conjunto Esses conceitos e conhecimentos satildeo impliacutecitos e praticamente insuscetiacuteveis de explicitaccedilatildeo por uma crianccedila nas fases iniciais da aprendizagem de competecircncias e conceitos aritmeacuteticos Entretanto orientam o desenvolvimento da accedilatildeo sendo chamados de conhecimentos-em-accedilatildeo A ausecircncia de uma conceituaccedilatildeo adequada estaacute no centro da origem dos erros sistemaacuteticos cometidos pelos alunos (ibid)

Naturalmente os esquemas usados por crianccedilas maiores e por adultos em determinadas classes de situaccedilotildees podem ser muito mais elaborados mas a ideacuteia eacute mesma o esquema eacute a forma estrutural da atividade eacute a organizaccedilatildeo invariante do sujeito sobre uma classe de situaccedilotildees dadas (op cit p 164) e conteacutem conhecimentos-em-accedilatildeo que satildeo impliacutecitos

Invariantes operatoacuterios

Designam-se pelas expressotildees conceito-em-accedilatildeo e teorema-em-accedilatildeo os conhecimentos contidos nos esquemas Pode-se tambeacutem designaacute-los pela expressatildeo mais abrangente invariantes operatoacuterios (1993 p 4) Esquema eacute a organizaccedilatildeo da conduta para uma certa

classe de situaccedilotildees teoremas-em-accedilatildeo e conceitos-em-accedilatildeo satildeo invariantes operacionais logo satildeo componentes essenciais dos esquemas (1998 p 167) e determinam as diferenccedilas entre eles

Teorema-em-accedilatildeo eacute uma proposiccedilatildeo tida como verdadeira sobre o real Conceito-em-accedilatildeo eacute um objeto um predicado ou uma categoria de pensamento tida como pertinente relevante (1996c p 202 1998 p 167)

Vejamos exemplos de teoremas-em-accedilatildeo Consideremos a seguinte situaccedilatildeo proposta a alunos de 13 anos (1994 p 49) O consumo de farinha eacute em meacutedia 35 kg por semana para dez pessoas Qual a quantidade de farinha necessaacuteria para cinquumlenta pessoas durante 28 dias Resposta de um aluno 5 vezes mais pessoas 4 vezes mais dias 20 vezes mais farinha logo 35 x 20 = 70 kg

Eacute impossiacutevel segundo Vergnaud (ibid) dar conta desse raciociacutenio sem supor o seguinte teorema impliacutecito na cabeccedila do aluno f(n1x1 n2x2) = n1n2 f(x1x2) ou seja Consumo (5 x 10 4 x 7) = 5 x 4 Consumo (10 7)

Naturalmente este teorema funciona porque as razotildees de 50 pessoas para 10 pessoas e 28 dias para 7 dias satildeo simples e evidentes Ele natildeo seria tatildeo facilmente aplicado a outros valores numeacutericos Portanto seu escopo de aplicaccedilatildeo eacute limitado Ainda assim eacute um teorema que pode ser expresso por exemplo em palavras O consumo eacute proporcional ao nuacutemero de pessoas quando o nuacutemero de dias eacute mantido constante e eacute proporcional ao nuacutemero de dias quando o nuacutemero de pessoas eacute mantido constante Pode tambeacutem ser expresso pela foacutermula C = kPD onde C eacute o consumo P o nuacutemero de pessoas D o nuacutemero de dias e k o consumo por pessoa por dia

Eacute claro que essas diferentes maneiras de expressar o mesmo raciociacutenio natildeo satildeo cognitivamente equivalentes A segunda eacute mais difiacutecil Satildeo maneiras complementares de explicitar a mesma estrutura matemaacutetica impliacutecita em diferentes niacuteveis de abstraccedilatildeo

Suponhamos agora outras situaccedilotildees (1998 p 174)

A Janete tinha 7 bolinhas de gude Ela jogou e ganhou 5 bolinhas Quantas bolinhas ela tem agora B Paulo tinha 12 bolinhas de gude Ele jogou e perdeu 5 bolinhas Quantas bolinhas ele tem agora C Hans tinha 9 bolinhas de gude Ele jogou com Rute Ele tem agora 14 bolinhas de gude O que aconteceu no jogo D Rute jogou bolinhas de gude com Hans e perdeu 5 bolinhas Ela agora tem 7 bolinhas de gude Quantas ela tinha antes de jogar Haacute vaacuterios conceitos-em-accedilatildeo distintos impliacutecitos na compreensatildeo dessas situaccedilotildees nuacutemero cardinal ganho e perda aumento e diminuiccedilatildeo transformaccedilatildeo e estado estado inicial e final transformaccedilatildeo positiva e negativa adiccedilatildeo e subtraccedilatildeo

Os conceitos relevantes satildeo os mesmos para todas as situaccedilotildees mas a situaccedilatildeo D eacute bem mais difiacutecil para alunos de sete ou oito anos porque implica raciocinar para traacutes e achar o

estado inicial adicionando as 5 bolinhas perdidas ao estado final de 7 bolinhas Tal

raciociacutenio depende de um forte teorema-em-accedilatildeo (ibid) onde I eacute o estado inicial F o estado final T a transformaccedilatildeo direta e T--1 a transformaccedilatildeo inversa

Segundo Vergnaud (1994 p 54) entre os mais importantes teoremas-em-accedilatildeo desenvolvidos pelos estudantes encontram-se as propriedades isomoacuterficas da funccedilatildeo linear

e as propriedades de coeficiente constante dessa mesma funccedilatildeo

e algumas propriedades especiacuteficas de funccedilotildees bilineares como a do primeiro

exemplo

Entre os mais importantes conceitos-em-accedilatildeo desenvolvidos pelos alunos acham-se os de grandeza e magnitude valor unitaacuterio razatildeo e fraccedilatildeo funccedilatildeo e variaacutevel taxa constante dependecircncia e independecircncia quociente e produto de dimensotildees

Haacute uma relaccedilatildeo dialeacutetica entre conceitos-em-accedilatildeo e teoremas-em-accedilatildeo uma vez que conceitos satildeo ingredientes de teoremas e teoremas satildeo propriedades que datildeo aos conceitos seus conteuacutedos Mas seria um erro confundi-los (1998 p 174) Conceitos em accedilatildeo satildeo ingredientes necessaacuterios das proposiccedilotildees Mas conceitos natildeo satildeo teoremas pois natildeo permitem derivaccedilotildees (inferecircncias ou computaccedilotildees) derivaccedilotildees requerem proposiccedilotildees Proposiccedilotildees podem ser verdadeiras ou falsas conceitos podem ser apenas relevantes ou irrelevantes Ainda assim natildeo existem proposiccedilotildees sem conceitos (1994 p 55)

Reciprocamente natildeo haacute conceitos sem proposiccedilotildees pois eacute a necessidade de derivar accedilotildees das representaccedilotildees do mundo e de ter concepccedilotildees verdadeiras (ou pelo menos adequadas) do mundo que tornam necessaacuterios os conceitos Um modelo computaacutevel do conhecimento intuitivo deve compreender conceitos-em-accedilatildeo e teoremas-em-accedilatildeo como ingredientes essenciais dos esquemas Esquemas satildeo fundamentais porque geram accedilotildees incluindo operaccedilotildees intelectuais mas podem geraacute-las porque contecircm invariantes operatoacuterios (teoremas e conceitos-em-accedilatildeo) que formam o nuacutecleo da representaccedilatildeo

Por outro lado um conceito-em-accedilatildeo natildeo eacute um verdadeiro conceito cientiacutefico nem um teorema-em-accedilatildeo eacute um verdadeiro teorema a menos que se tornem expliacutecitos Na ciecircncia conceitos e teoremas satildeo expliacutecitos e pode-se discutir sua pertinecircncia e sua veracidade mas esse natildeo eacute necessariamente o caso dos invariantes operatoacuterios (1990 p 144) Conceitos e

teoremas expliacutecitos natildeo constituem mais do que a parte visiacutevel do iceberg da conceitualizaccedilatildeo sem a parte escondida formada pelos invariantes operatoacuterios essa parte visiacutevel natildeo seria nada Reciprocamente natildeo se pode falar de invariantes operatoacuterios integrados nos esquemas sem a ajuda de categorias do conhecimento expliacutecito proposiccedilotildees funccedilotildees proposicionais objetos argumentos (ibid)

Mas conceitos-em-accedilatildeo e teoremas-em-accedilatildeo podem progressivamente tornarem-se verdadeiros conceitos e teoremas cientiacuteficos O status do conhecimento eacute muito diferente quando ele eacute explicitado ao inveacutes de ficar totalmente imerso na accedilatildeo O conhecimento expliacutecito pode ser comunicado a outros e discutido o conhecimento impliacutecito natildeo (1998 p 175)

Em geral os alunos natildeo satildeo capazes de explicar ou mesmo expressar em linguagem natural seus teoremas e conceitos-em-accedilatildeo Na abordagem de uma situaccedilatildeo os dados a serem trabalhados e a sequumlecircncia de caacutelculos a serem feitos dependem de teoremas-em-accedilatildeo e da identificaccedilatildeo de diferentes tipos de elementos pertinentes A maioria desses conceitos e teoremas-em-accedilatildeo permanecem totalmente impliacutecitos mas eles podem tambeacutem ser expliacutecitos ou tornarem-se expliacutecitos e aiacute entra o ensino ajudar o aluno a construir conceitos e teoremas expliacutecitos e cientificamente aceitos a partir do conhecimento impliacutecito Eacute nesse sentido que conceitos-em-accedilatildeo e teoremas-em-accedilatildeo podem progressivamente tornarem-se verdadeiros conceitos e teoremas cientiacuteficos mas isso pode levar muito tempo

A teoria dos campos conceituais um resumo

A teoria dos campos conceituais de Geacuterard Vergnaud eacute uma teoria psicoloacutegica cognitivista que supotildee que o nuacutecleo do desenvolvimento cognitivo eacute a conceitualizaccedilatildeo do real (1996a p 118) Eacute uma teoria psicoloacutegica de conceitos na qual a conceitualizaccedilatildeo eacute considerada a pedra angular da cogniccedilatildeo (1998 p 173) Para Vergnaud o conhecimento estaacute organizado em campos conceituais cujo domiacutenio de parte do aprendiz ocorre ao longo de um largo periacuteodo de tempo atraveacutes de experiecircncia maturidade e aprendizagem (1982 p 40) Campo conceitual eacute um conjunto informal e heterogecircneo de problemas situaccedilotildees conceitos relaccedilotildees estruturas conteuacutedos e operaccedilotildees de pensamento conectados uns aos outros e provavelmente entrelaccedilados durante o processo de aquisiccedilatildeo (ibid) Campo conceitual eacute definido tambeacutem como sendo em primeiro lugar um conjunto de situaccedilotildees cujo domiacutenio requer por sua vez o domiacutenio de vaacuterios conceitos procedimentos e representaccedilotildees de naturezas distintas (1988 p 141 1990 p 146) Conceitos satildeo definidos por trecircs conjuntos o primeiro eacute um conjunto de situaccedilotildees que constituem o referente do conceito o segundo eacute um conjunto de invariantes operatoacuterios (teoremas e conceitos-em-accedilatildeo) que datildeo o significado do conceito e o terceiro eacute um conjunto de representaccedilotildees simboacutelicas que compotildeem seu significante

Como satildeo as situaccedilotildees que datildeo sentido aos conceitos eacute natural definir campo conceitual como sendo sobretudo um conjunto de situaccedilotildees Um conceito torna-se significativo atraveacutes de uma variedade de situaccedilotildees (1994 p 46) mas o sentido natildeo estaacute nas situaccedilotildees em si mesmas assim como natildeo estaacute nas palavras nem nos siacutembolos (1990 p 158) O sentido eacute uma relaccedilatildeo do sujeito com situaccedilotildees e significantes Mais precisamente satildeo os

esquemas ie as accedilotildees e sua organizaccedilatildeo evocados no sujeito por uma situaccedilatildeo ou por um significante que constituem o sentido dessa situaccedilatildeo ou desse significante para esse indiviacuteduo (1990 p 158 1993 p 18) Vergnaud considera que os esquemas necessariamente se referem a situaccedilotildees a tal ponto que dever-se-ia falar em interaccedilatildeo esquema-situaccedilatildeo ao inveacutes de interaccedilatildeo sujeito-objeto Esquemas tecircm como ingredientes essenciais aquilo que Vergnaud chama de invariantes operatoacuterios ie conceitos-em-accedilatildeo e teoremas-em-accedilatildeo que constituem a parte conceitual dos esquemas ie os conhecimentos contidos nos esquemas Teorema-em-accedilatildeo eacute uma proposiccedilatildeo considerada como verdadeira sobre o real conceito-em-accedilatildeo eacute uma categoria de pensamento tida como pertinente (1996c p 202) Esse conhecimento eacute principalmente impliacutecito e o aprendiz tem dificuldades em explicaacute-lo ou expressaacute-lo mas isso natildeo significa que tal conhecimento natildeo possa ser explicitado Eacute atraveacutes do processo de explicitaccedilatildeo do conhecimento impliacutecito ndash aiacute o professor tem um papel mediador fundamental ndash que os teoremas-em-accedilatildeo e conceitos-em-accedilatildeo podem tornar-se verdadeiros teoremas e conceitos cientiacuteficos Uma proposiccedilatildeo expliacutecita pode ser debatida uma proposiccedilatildeo tida como verdadeira de maneira totalmente impliacutecita natildeo Assim o caraacuteter do conhecimento muda se for comunicaacutevel debatido e compartilhado (op cit p 204)

A figura 1 apresenta um mapa conceitual para a teoria de Vergnaud ou seja um diagrama conceitual destacando os conceitos-chave da teoria e suas principais interrelaccedilotildees As palavras que aparecem sobre as linhas conectando os conceitos procuram explicitar a natureza da relaccedilatildeo entre elas Por exemplo a relaccedilatildeo entre situaccedilotildees e conceitos eacute referente pois as situaccedilotildees eacute que datildeo sentido ao conceito ie constituem o referente do conceito Outro exemplo a interaccedilatildeo entre situaccedilotildees e esquemas eacute a fonte primaacuteria das representaccedilotildees simboacutelicas e estas constituem o significante de um conceito As setas quando existem sugerem apenas uma direccedilatildeo para leitura

Ao mesmo tempo que se afasta de Piaget ndash ocupando-se do estudo do funcionamento cognitivo do sujeito-em-situaccedilatildeo ao inveacutes de ocupar-se de operaccedilotildees loacutegicas gerais ou de estruturas gerais de pensamento e tomando como referecircncia o proacuteprio conteuacutedo do conhecimento e a anaacutelise conceitual do domiacutenio desse conhecimento (1994 p 41 Franchi 1999 p 160) ndash a teoria de Vergnaud tem forte base piagetiana que se manifesta principalmente no importante papel que o conceito de esquema tem nessa teoria Por outro lado tem tambeacutem influecircncia vygotskyana pois considera o professor como importante mediador no longo processo que caracteriza o progressivo domiacutenio de um campo conceitual pelo aluno Sua tarefa consiste principalmente em ajudar o aluno a desenvolver seu repertoacuterio de esquemas e representaccedilotildees Novos esquemas natildeo podem ser desenvolvidos sem novos invariantes operatoacuterios A linguagem e os siacutembolos satildeo importantes nesse processo de acomodaccedilatildeo e o professor faz amplo uso deles na sua funccedilatildeo mediadora Mas o principal ato mediador do professor eacute o de prover situaccedilotildees frutiacuteferas aos alunos (1998 p 181) Um conceito ou uma proposiccedilatildeo torna-se significativo atraveacutes de uma variedade de situaccedilotildees mas natildeo se capta o significado sozinho O papel mediador do professor eacute essencial (1994 p 44)

A teoria dos campos conceituais o ensino de ciecircncias e a pesquisa nessa aacuterea

Basta dar atenccedilatildeo agrave bibliografia usada neste trabalho para perceber que a teoria de Vergnaud tem sido utilizada principalmente como referencial para a educaccedilatildeo matemaacutetica Nada mais natural pois as pesquisas de Vergnaud e que sustentam sua teoria tecircm focalizado a aprendizagem e o ensino da Matemaacutetica particularmente das estruturas aditivas e multiplicativas Natildeo obstante como foi dito na introduccedilatildeo essa teoria natildeo eacute especiacutefica da Matemaacutetica e justamente por isso este texto tem por objetivo descrevecirc-la e divulgaacute-la entre professores de ciecircncias e pesquisadores em educaccedilatildeo em ciecircncias

Nas proacuteximas seccedilotildees seratildeo comentadas algumas implicaccedilotildees da teoria dos campos conceituais de Vergnaud para o ensino de ciecircncias e para a pesquisa nesse campo

Conhecimento PreacutevioAprendizagem significativa

A teoria dos campos conceituais destaca que a aquisiccedilatildeo de conhecimento eacute moldada pelas situaccedilotildees e problemas previamente dominados e que esse conhecimento tem portanto muitas caracteriacutesticas contextuais Assim muitas de nossas concepccedilotildees vecircm das primeiras situaccedilotildees que fomos capazes de dominar ou de nossa experiecircncia tentando modificaacute-las (1996 a p 117) No entanto existe provavelmente uma lacuna consideraacutevel entre os invariantes que os sujeitos constroacuteem ao interagir com o meio e os invariantes que constituem o conhecimento cientiacutefico

As concepccedilotildees preacutevias dos alunos tecircm sido consideradas como erros misconceptionsconcepccedilotildees ingecircnuas concepccedilotildees alternativa em relaccedilatildeo agraves concepccedilotildees cientiacuteficas Para Vergnaud (1990 p 69) esta maneira de conceber o conhecimento preacutevio supotildee a crianccedila o aluno ou o adulto aprendiz como incompletos imperfeitos ou deficientes em comparaccedilatildeo a adultos especialistas Essa abordagem segundo ele eacute inadequada agraves questotildees de desenvolvimento cognitivo aiacute envolvidas Seria muito mais frutiacutefero considerar o sujeito como um sistema dinacircmico com mecanismos regulatoacuterios capazes de assegurar seu progresso cognitivo

Muitas das concepccedilotildees errocircneas dos alunos derivam do fato de que eles atribuem a certas palavras usadas em ciecircncias para representar conceitos o mesmo significado que atribuem a essas mesmas palavras no dia-a-dia Inclusive de uma ciecircncia para outra os significados de uma mesma palavra podem ser distintos mas o aluno pode natildeo captaacute-los como distintos

As prediccedilotildees que os estudantes fazem para responder questotildees do tipo ldquoO que aconteceraacute se rdquo ou as explicaccedilotildees que datildeo para responder questotildees do tipo ldquoexpliquerdquo ldquointerpreterdquo ldquojustifiquerdquo tecircm segundo Vergnaud (ibid p 73) alguns pontos em comum Por exemplo focalizam caracteriacutesticas perceptivas e relacionadas a eventos da situaccedilatildeo accedilotildees movimentos mudanccedila no aspecto (cor aparecimento de bolhas fumaccedila vapor etc) descrevem os elementos da situaccedilatildeo apenas em termos de suas propriedades e funccedilotildees concebem de maneira assimeacutetrica as interaccedilotildees entre elementos da situaccedilatildeo implicam sequumlenciaccedilatildeo temporal e espacial Estes modos de compreensatildeo que satildeo essencialmente

do tipo ldquorelacionado a eventordquo diferentemente do tipo ldquoconceitualrdquo usado no campo das ciecircncias satildeo inadequados e frequumlentemente levam a previsotildees errocircneas

A persistecircncia das chamadas concepccedilotildees alternativas inclusive em estudantes em cursos cientiacuteficos avanccedilados tecircm recebido vaacuterias interpretaccedilotildees poreacutem Vergnaud argumenta (ibid p 74) que em praticamente todas elas o sistema de percepccedilatildeo visual tem um papel preponderante na construccedilatildeo do conhecimento pelos sujeitos mas pouca atenccedilatildeo tem sido dada ao papel funcional dessas concepccedilotildees e poucas pesquisas tecircm sido feitas sobre os problemas que os sujeitos encontram para construiacute-las Por exemplo os ldquoerrosrdquo encontrados em alguns estudos frequumlentemente decorrem de fato de que os sujeitos se deparam com questotildees que nunca se propuseram antes ou que envolvem valores natildeo usuais das variaacuteveis de uma dada situaccedilatildeo Outro exemplo de dificuldade enfrentada pelos sujeitos estaacute no fato de que os modelos cientiacuteficos fazem uso de entidades que geralmente natildeo satildeo acessiacuteveis sensorialmente Em Fiacutesica por exemplo os estudantes enfrentam uma dificuldade que tambeacutem existe na Aacutelgebra a verificaccedilatildeo do significado de representaccedilotildees simboacutelicas depende natildeo soacute da habilidade que o sujeito tenha para representar as entidades e as relaccedilotildees entre elas mas principalmente de elementos conceituais que devem ser levados em conta (conceitos como sistema estado interaccedilatildeo transferecircncia conservaccedilatildeo apenas para mencionar alguns) (ibid p 76)

O que tudo isso quer dizer eacute que eacute normal que os alunos apresentem tais concepccedilotildees e que elas devem ser consideradas como precursoras de conceitos cientiacuteficos a serem adquiridos A ativaccedilatildeo desses precursores eacute necessaacuteria e deve ser guiada pelo professor

As concepccedilotildees preacutevias dos alunos contecircm teoremas e conceitos-em-accedilatildeo que natildeo satildeo verdadeiros teoremas e conceitos cientiacuteficos mas que podem evoluir para eles Poreacutem como jaacute foi dito o hiato entre os invariantes operatoacuterios dos alunos e os do conhecimento cientiacutefico eacute grande de modo que a mudanccedila conceitual poderaacute levar muito tempo

Por outro lado pode ocorrer que certos conceitos possam ser construiacutedos somente se certas concepccedilotildees preacutevias forem abandonadas Quer dizer o conhecimento preacutevio pode funcionar como obstaacuteculo epistemoloacutegico (ibid p 83) Nesse caso a accedilatildeo mediadora do professor eacute tambeacutem imprescindiacutevel

A construccedilatildeo do conhecimento pelo aprendiz natildeo eacute um processo linear facilmente identificaacutevel Ao contraacuterio eacute complexo tortuoso demorado com avanccedilos e retrocessos continuidades e rupturas O conhecimento preacutevio eacute determinante no progressivo domiacutenio de um campo conceitual mas pode tambeacutem em alguns casos ser impeditivo Continuidades e rupturas natildeo satildeo no entanto excludentes Pode haver continuidade e ruptura A Aacutelgebra por exemplo se apoacuteia na Aritmeacutetica mas ainda assim para aprendecirc-la eacute necessaacuterio romper com a Aritmeacutetica A Mecacircnica Claacutessica e a Mecacircnica Quacircntica apresentam continuidades mas para aprender esta eacute preciso rupturas com aquela

No ensino eacute necessaacuterio desestabilizar cognitivamente o aluno mas natildeo demais Eacute preciso identificar sobre quais conhecimentos preacutevios a crianccedila pode se apoiar para aprender mas eacute forccediloso tambeacutem distinguir quais as rupturas necessaacuterias Quer dizer eacute preciso propor

tambeacutem com cuidado situaccedilotildees para as quais os alunos natildeo tecircm onde se apoiar ou natildeo devem se apoiar em conhecimentos preacutevios

As ideacuteias de Vergnaud sobre o papel do conhecimento preacutevio (que pode ser ldquoalternativordquo) como percursor de novos conhecimentos (que podem ser cientiacuteficos) e sobre as continuidades e rupturas na construccedilatildeo do conhecimento parecem ter muito a ver com a teoria da aprendizagem significativa de Ausubel (Ausubel et al 1980 Moreira 1999 a e b) Para Ausubel o conhecimento preacutevio eacute o principal fator isolado que influencia a aquisiccedilatildeo de novos conhecimentos A aprendizagem significativa se caracteriza pela interaccedilatildeo entre o novo conhecimento e o conhecimento preacutevio Eacute nessa interaccedilatildeo que o novo conhecimento adquire significados e o conhecimento preacutevio se modifica eou adquire novos significados Mas tal interaccedilatildeo natildeo eacute arbitraacuteria ou seja o novo conhecimento adquire significados pela interaccedilatildeo com conhecimentos preacutevios especificamente relevantes Em outras palavras a interaccedilatildeo natildeo eacute com qualquer conhecimento preacutevio Nesse sentido no ensino eacute preciso identificar sobre quais conhecimentos preacutevios o aluno pode se apoiar para aprender Contudo o efeito do conhecimento preacutevio na aprendizagem eacute tatildeo forte que em certos casos eacute preciso romper com ele Por exemplo no ensino do conceito de aprendizagem significativa pode natildeo ser adequado apoiar-se na ideacuteia de interaccedilatildeo pois esta pode estar fortemente arraigada na estrutura cognitiva como sendo uma relaccedilatildeo assimeacutetrica que poderia dificultar a compreensatildeo do fato de que na aprendizagem significativa tanto o novo conhecimento como o conhecimento preacutevio se modificam Por outro lado a compreensatildeo da aprendizagem significativa como uma relaccedilatildeo simeacutetrica ou de accedilatildeo reciacuteproca juntamente com a aprendizagem de outros processos envolvendo accedilatildeo reciacuteproca poderia levar a uma evoluccedilatildeo dos conceitos e teoremas-em-accedilatildeo associados agrave ideacuteia de interaccedilatildeo (que eacute uma ideacuteia-chave na ciecircncia) para outros progressivamente mais proacuteximos daqueles cientificamente compartilhados

Mas se a teoria dos campos conceituais eacute compatiacutevel com a teoria da aprendizagem significativa por que natildeo ficar com esta que eacute bastante mais conhecida e aceita no ensino de ciecircncias A resposta eacute que podem ser tomadas como complementares a teoria de Ausubel eacute uma teoria de aprendizagem em sala de aula de aquisiccedilatildeo de corpos organizados de conhecimento em situaccedilatildeo formal de ensino enquanto que a teoria de Vergnaud eacute uma teoria psicoloacutegica do processo de conceituaccedilatildeo do real que se propotildee a localizar e estudar continuidades e rupturas entre conhecimentos do ponto de vista de seu conteuacutedo conceitual A teoria de Vergnaud natildeo eacute uma teoria de ensino de conceitos expliacutecitos e formalizados embora tenha subjacente a ideacuteia de que os conhecimentos-em-accedilatildeo (largamente impliacutecitos) podem evoluir ao longo do tempo para conhecimentos cientiacuteficos (expliacutecitos) A teoria de Ausubel por outro lado se ocupa exatamente da aquisiccedilatildeo de conceitos expliacutecitos e formalizados chegando inclusive a propor princiacutepios programaacuteticos ndash como a diferenciaccedilatildeo progressiva a reconciliaccedilatildeo integradora e a consolidaccedilatildeo ndash para a organizaccedilatildeo do ensino

Ao resgatar e enriquecer o conceito de esquema introduzindo os conceitos de teorema-em-accedilatildeo e conceito-em-accedilatildeo ao definir conceito como um tripleto ao colocar a conceitualizaccedilatildeo no acircmago do desenvolvimento cognitivo ao priorizar a interaccedilatildeo sujeito-situaccedilatildeo e como natildeo poderia deixar de ser ao definir campo conceitual Vergnaud provecirc um referencial muito rico para compreender explicar e investigar o processo da

aprendizagem significativa A teoria dos campos conceituais de Vergnaud parece prover um referencial adequado para analisar a estrutura fina da teoria da aprendizagem significativa de Ausubel O que para Ausubel satildeo campos organizados de conhecimento para Vergnaud satildeo campos conceituais

ProfessorEnsino

Um determinado campo conceitual como o da Eletricidade por exemplo pode ser progressivamente dominado por um aprendiz mas o ensino atraveacutes da accedilatildeo mediadora do professor eacute essencial para isso Professores satildeo mediadores Sua tarefa eacute a de ajudar os alunos a desenvolver seu repertoacuterio de esquemas e representaccedilotildees (1998 p 180) Desenvolvendo novos esquemas os alunos tornam-se capazes de enfrentar situaccedilotildees cada vez mais complexas Novos esquemas natildeo podem ser desenvolvidos sem novos invariantes operacionais A linguagem e os siacutembolos satildeo importantes nesse processo Os professores usam palavras e sentenccedilas para explicar formular questotildees selecionar informaccedilotildees propor metas expectativas regras e planos Contudo sua accedilatildeo mediadora mais importante eacute a de prover situaccedilotildees (de aprendizagem) frutiacuteferas para os estudantes (ibid) Tais situaccedilotildees devem ser cuidadosamente escolhidas ordenadas diversificadas apresentadas no momento certo e dentro da zona de desenvolvimento proximal do aluno Sem duacutevida uma tarefa difiacutecil mas essencial

Para Vergnaud o desenvolvimento cognitivo depende de situaccedilotildees e conceitualizaccedilotildees especiacuteficas para lidar com elas Satildeo as situaccedilotildees que datildeo sentido aos conceitos elas eacute que satildeo responsaacuteveis pelo sentido atribuiacutedo ao conceito (Barais amp Vergnaud 1990 p 78) um conceito torna-se significativo atraveacutes de uma variedade de situaccedilotildees (1994 p 46) mas o sentido natildeo estaacute nas situaccedilotildees em si mesmas assim como natildeo estaacute nas palavras nem nos siacutembolos (1990 p 158)

Cabe aqui lembrar que embora estejamos falando do ensino e do papel do professor na perspectiva de Vergnaud as situaccedilotildees antes referidas natildeo satildeo situaccedilotildees didaacuteticas propriamente ditas mas sim tarefas problemas

O papel do professor como mediador provedor de situaccedilotildees problemaacuteticas frutiacuteferas estimuladoras da interaccedilatildeo sujeito-situaccedilatildeo que leva agrave ampliaccedilatildeo e agrave diversificaccedilatildeo de seus esquemas de accedilatildeo ou seja ao desenvolvimento cognitivo deixa ainda mais evidente que a teoria de Vergnaud tem tambeacutem forte influecircncia vigotskyana

Haacute no entanto outra importante implicaccedilatildeo da teoria dos campos conceituais para o ensino a questatildeo do conhecimento impliacutecito e do conhecimento expliacutecito A escola segundo Vergnaud (1994 p 47) superestima o conhecimento expliacutecito e subestima ateacute mesmo desvaloriza o conhecimento impliacutecito dos alunos Contudo a maior parte de nossa atividade fiacutesica e mental de nosso comportamento enfim eacute constituiacuteda de esquemas e estes tecircm como componentes essenciais os invariantes operatoacuterios (conceitos e teoremas-em-accedilatildeo) que constituem os conhecimentos contidos nos esquemas e que satildeo largamente impliacutecitos Quer dizer haacute muito de impliacutecito nos esquemas Os alunos em geral natildeo satildeo capazes de explicar ou expressar em linguagem natural seus teoremas-em-accedilatildeo ainda que

sejam capazes de resolver certas tarefas (situaccedilotildees) Natildeo soacute alunos qualquer pessoa muitas vezes eacute incapaz de colocar em palavras coisas que faz muito bem conhecimentos que tem Haacute um hiato entre a accedilatildeo e a formalizaccedilatildeo da accedilatildeo Agimos com o auxiacutelio de invariantes operatoacuterios sem expressaacute-los ou sem sermos capazes de expressaacute-los A anaacutelise cognitiva dessas accedilotildees muitas vezes revela a existecircncia de potentes teoremas e conceitos-em-accedilatildeo impliacutecitos Esse conhecimento no entanto natildeo pode ser apropriadamente chamado de conceitual pois o conhecimento conceitual eacute necessariamente expliacutecito (Vergnaud et al 1990 p 20) Portanto palavras e outros siacutembolos sentenccedilas e outras expressotildees simboacutelicas satildeo instrumentos cognitivos indispensaacuteveis para a transformaccedilatildeo de invariantes operatoacuterios impliacutecitos em conceitos e teoremas cientiacuteficos expliacutecitos (ibid) Quer dizer a formalizaccedilatildeo ndash o ensino direcionado agrave formalizaccedilatildeo ndash eacute necessaacuteria poreacutem eacute preciso levar em conta que as ideacuteias cientiacuteficas evoluem no aluno durante um longo periacuteodo de desenvolvimento cognitivo atraveacutes de uma variedade de situaccedilotildees e atividades e que qualquer conhecimento formal e axiomatizado que o aluno apresenta pode natildeo ser mais do que a parte visiacutevel de um iceberg formado basicamente por conhecimentos impliacutecitos (op cit p 21) O ensino de ciecircncias natildeo pode deixar de lado a simbolizaccedilatildeo e a formalizaccedilatildeo porque a ciecircncia eacute simboacutelica formal e expliacutecita mas eacute preciso ter sempre em mente que o conhecimento do aluno como de qualquer outro sujeito eacute em grande parte impliacutecito O ensino de ciecircncias deve facilitar a transformaccedilatildeo do conhecimento impliacutecito em expliacutecito sem nunca subestimaacute-lo ou desvalorizaacute-lo A trajetoacuteria do aprendiz ao longo de um campo conceitual cientiacutefico eacute sinuosa difusa difiacutecil e sobretudo demorada Natildeo se pode esperar que um aluno domine um campo conceitual como o da Termodinacircmica por exemplo atraveacutes de uma ou duas unidades didaacuteticas desenvolvidas ao longo de dois ou trecircs meses Eacute normal que o aluno continue usando conhecimentos impliacutecitos ao mesmo tempo que vai se apropriando dos conhecimentos expliacutecitos da ciecircncia A perspectiva dos campos conceituais eacute progressiva natildeo substitutiva Ou seja o campo conceitual vai sendo progressivamente dominado pelo aprendiz o conhecimento impliacutecito vai evoluindo progressivamente para o expliacutecito ao inveacutes de ser substituiacutedo por ele Isso como alerta Vergnaud pode levar muito tempo muitos anos talvez mas o ensino e em uacuteltima anaacutelise o professor tecircm um papel essencial nesse processo Sem o ensino natildeo haacute razatildeo nenhuma para se acreditar que o sujeito passe a dominar campos conceituais complexos e formalizados como os cientiacuteficos

Resoluccedilatildeo de Problemas

O ensino de ciecircncias tradicionalmente envolve trecircs aspectos principais profundamente interrelacionados o conhecimento teoacuterico (conceitos leis princiacutepios equaccedilotildees) as praacuteticas de laboratoacuterio (experimentos demonstraccedilotildees procedimentos cientiacuteficos) e a resoluccedilatildeo de problemas (abertos fechados como investigaccedilatildeo de papel e laacutepis) Obviamente qualquer professor experiente sabe que essa distinccedilatildeo eacute artificial o conhecimento cientiacutefico eacute produzido atraveacutes da interaccedilatildeo entre o domiacutenio conceitual e o metodoloacutegico Poreacutem na perspectiva de Vergnaud esta interdependecircncia entre a teoria e a praacutetica fica muito clara

Como jaacute foi dito reiteradamente ao longo deste texto satildeo as situaccedilotildees[1] que datildeo sentido aos conceitos um conceito torna-se significativo atraveacutes de uma variedade de situaccedilotildees os conhecimentos dos alunos satildeo moldados pelas situaccedilotildees que encontram e

progressivamente dominam Embora o conceito de situaccedilatildeo tenha na teoria dos campos conceituais o significado de tarefa podemos supor que no acircmbito das ciecircncias situaccedilatildeo significa tambeacutem problema Ou podemos falar em situaccedilotildees e problemas como faz o proacuteprio Vergnaud ao dizer que ldquoa aquisiccedilatildeo de conhecimento eacute moldada pelas situaccedilotildees e problemas previamente dominados e portanto o conhecimento do sujeito tem muitos aspectos locaisrdquo (1994 p 42) Em outro trabalho bastante anterior a esse Vergnaud diz que ldquona verdade os conceitos se desenvolvem atraveacutes da resoluccedilatildeo de problemas e esse desenvolvimento eacute lentordquo (1983b p 172)

Isso significa que a resoluccedilatildeo de problemas ou as situaccedilotildees de resoluccedilatildeo de problemas satildeo essenciais para a conceitualizaccedilatildeo mas como chama atenccedilatildeo Vergnaud (1994 p 42) ldquoum problema natildeo eacute um problema para um indiviacuteduo a menos que ele ou ela tenha conceitos que oa tornem capaz de consideraacute-lo como um problema para si mesmordquo Ou seja haacute uma relaccedilatildeo dialeacutetica e ciacuteclica entre a conceitualizaccedilatildeo e a resoluccedilatildeo de problemas Para Vergnaud a problematizaccedilatildeo vai muito aleacutem da abstraccedilatildeo de regularidades do mundo observaacutevel Problemas satildeo teoacutericos e praacuteticos natildeo meramente empiacutericos mesmo para crianccedilas pequenas Quando uma classe de problemas eacute resolvida por um indiviacuteduo (o que significa que ela ou ele desenvolve um esquema eficiente para lidar com todos ou quase todos os problemas dessa classe) o caraacuteter problemaacutetico dessa classe especiacutefica desaparece (ibid) Mas essa competecircncia desenvolvida pelo indiviacuteduo o habilita a reconhecer ou considerar novos problemas para si mesmo trata-se entatildeo de um processo ciacuteclico

Vergnaud chama de ldquoilusatildeo pedagoacutegicardquo (1983 b p 173) a atitude dos professores que crecircem que o ensino de Fiacutesica digamos consiste na apresentaccedilatildeo organizada clara rigorosa das teorias formais e que quando isso eacute bem feito os alunos aprendem Trata-se de uma ilusatildeo porque segundo ele eacute atraveacutes de situaccedilotildees de resoluccedilatildeo de problemas que os conceitos se desenvolvem no aluno e as situaccedilotildees de resoluccedilatildeo de problemas que tornam os conceitos significativos para os alunos podem estar pelo menos inicialmente muito distantes do formalismo apresentado pelo professor Mas apesar disso tais situaccedilotildees satildeo essenciais para o desenvolvimento de conceitos Quer dizer ao mesmo tempo que as situaccedilotildees formais satildeo necessaacuterias eacute preciso levar em consideraccedilatildeo que o aluno pode estar ainda muito longe delas (1983 b p 172)

Novamente podemos estabelecer um certo paralelo entre as teorias de Ausubel e Vergnaud A aprendizagem receptiva de Ausubel poderia ser interpretada como a ilusatildeo pedagoacutegica de Vergnaud mas natildeo eacute assim Ausubel certamente defenderia a apresentaccedilatildeo organizada clara rigorosa das teoria formais poreacutem desde que fossem potencialmente significativas o que implicaria que o aprendiz tivesse o conhecimento preacutevio adequado e se dispusesse a aprender Isso estaria de acordo com a postura de Vergnaud no sentido de que o domiacutenio de situaccedilotildees preacutevias eacute importante para o domiacutenio de situaccedilotildees novas Acrescente-se a isso que para Ausubel a resoluccedilatildeo de problemas em particular de situaccedilotildees problemaacuteticas novas e natildeo familiares que requeiram maacutexima transformaccedilatildeo do conhecimento adquirido eacute a principal evidecircncia da aprendizagem significativa (Ausubel et al 1980)

A teoria de Vergnaud parece ser entatildeo um bom referencial para anaacutelise das dificuldades dos alunos na resoluccedilatildeo de problemas em ciecircncias e consequumlentemente da conceitualizaccedilatildeo em ciecircncias Tais dificuldades poderiam por exemplo ser examinadas em

termos de invariantes operatoacuterios quer dizer em termos de quais os conceitos e teoremas-em-accedilatildeo que os estudantes estariam usando na resoluccedilatildeo de problemas e de quatildeo distantes estariam dos conceitos e teoremas cientiacuteficos adequados agrave resoluccedilatildeo do problema em pauta

Representaccedilotildees[2]

No tripleto C (S I R) que define conceito (p 4 deste trabalho) Vergnaud dizia que S (o conjunto de situaccedilotildees que datildeo sentido ao conceito) eacute a realidade e (I R) a representaccedilatildeo dessa realidade que pode ser considerada como dois aspectos interagentes do pensamento o significado (I) e o significante (R)

Isso sugere que inicialmente Vergnaud usava o termo representaccedilatildeo como sendo o de um sistema simboacutelico que significaria algo para o sujeito um sistema de signos e uma sintaxe ou operaccedilotildees sobre elementos do sistema Para ele conceitos e siacutembolos eram duas faces da mesma moeda e devia-se sempre dar atenccedilatildeo ao uso que os alunos faziam dos siacutembolos agrave luz do uso que faziam dos conceitos Quer dizer a habilidade em resolver situaccedilotildees em linguagem natural seria o melhor criteacuterio para aquisiccedilatildeo de conceitos mas por outro lado a simbolizaccedilatildeo ajudaria nisso (1982 p 57) Assim como haacute problemas mais facilmente resolviacuteveis do que outros ou procedimentos mais faacuteceis do que outros haveria representaccedilotildees simboacutelicas mais potentes do que outras equaccedilotildees por exemplo seriam mais potentes que diagramas de Euler-Venn Todavia tais equaccedilotildees deveriam representar situaccedilotildees significativas

Poreacutem em outro trabalho mais recente (1998 p 173) Vergnaud fala em teorias de representaccedilotildees e diz que para ser uacutetil uma teoria dessas deve conter a ideacuteia de que as representaccedilotildees ofereccedilam possibilidades de inferecircncia ie que elas nos tornem capazes de antecipar eventos futuros e gerar condutas para chegar a algum efeito positivo ou evitar algum efeito negativo

Diz ele (op cit p 174) que temos representaccedilotildees computaacuteveis para gestos e accedilotildees sobre o mundo fiacutesico bem como para comportamentos verbais e para interaccedilotildees sociais Tais representaccedilotildees podem ser corretas ou erradas vagas ou precisas expliacutecitas ou totalmente impliacutecitas em qualquer caso elas funcionam como substitutos computaacuteveis da realidade e portanto satildeo feitas de teoremas-em-accedilatildeo proposiccedilotildees tidas como verdadeiras

A construccedilatildeo do conhecimento consiste entatildeo na progressiva construccedilatildeo de representaccedilotildees mentais que satildeo homomoacuterficas agrave realidade para alguns aspectos e para outros natildeo (1990 p 22) Por um lado a representaccedilatildeo eacute ativa pragmaacutetica e operacional por outro eacute discursiva teoacuterica e simboacutelica (ibid) Mas haacute importantes lacunas entre o que estaacute representado na mente de um indiviacuteduo e o significado usual das palavras e outros signos pois sistemas linguumliacutesticos e semioacuteticos natildeo tecircm por finalidade expressar exatamente o que cada indiviacuteduo tem em mente quando enfrenta uma situaccedilatildeo selecionando e processando a informaccedilatildeo (1998 p 176) Para Vergnaud a relaccedilatildeo entre situaccedilotildees e esquemas eacute a fonte primaacuteria da representaccedilatildeo mas sua teoria afasta-se muito da visatildeo de que um objeto pode ser representado mentalmente de maneira natildeo ambiacutegua atraveacutes de

siacutembolos Por maior que seja (e eacute grande) o papel dos siacutembolos no pensamento o conhecimento natildeo eacute em essecircncia simboacutelico O reconhecimento de invariantes em accedilatildeo e percepccedilatildeo e a progressiva construccedilatildeo de objetos e predicados de niacutevel mais alto satildeo aspectos mais essenciais do conhecimento (op cit p 177)

Podemos entatildeo fazer uma ponte entre os significados mais recentes de representaccedilatildeo na teoria de Vergnaud e a teoria tambeacutem recente dos modelos mentais (Johnson-Laird 1983 Moreira 1996) Dizer que temos representaccedilotildees computaacuteveis para gestos e accedilotildees sobre o mundo fiacutesico para comportamentos verbais e para interaccedilotildees sociais e que tais representaccedilotildees -- que podem ser corretas ou erradas vagas ou precisas expliacutecitas ou (principalmente) impliacutecitas -- permitem fazer inferecircncias eacute praticamente dizer que tais representaccedilotildees satildeo modelos mentais Johnson-Laird define modelos mentais como anaacutelogos estruturais de estados de coisas do mundo Satildeo instrumentos de compreensatildeo e inferecircncia Quando nos defrontamos com uma situaccedilatildeo nova construiacutemos um modelo mental para entendecirc-la descrevecirc-la e prever o que vai acontecer Este modelo pode ser correto ou natildeo (no sentido de que suas previsotildees natildeo satildeo corretas cientificamente) pode ser vago confuso incompleto mas eacute sobretudo funcional para seus construtor e pode ser modificado recursivamente ateacute atingir tal funcionalidade

Modelos mentais podem ser basicamente proposicionais ie constituiacutedos principalmente de proposiccedilotildees ou basicamente imagiacutesticos ou seja construiacutedos predominantemente com imagens ou ainda hiacutebridos quer dizer formados por proposiccedilotildees e imagens (Greca e Moreira 1997) Entatildeo as proposiccedilotildees constituintes dos modelos mentais podem ser interpretadas como teoremas-em-accedilatildeo de Vergnaud Como ele mesmo diz as representaccedilotildees funcionam como substitutos computaacuteveis da realidade e portanto satildeo feitas de teoremas-em-accedilatildeo Com o progressivo domiacutenio de um campo conceitual os teoremas-em-accedilatildeo (grandemente impliacutecitos) vatildeo se aproximando de teoremas cientiacuteficos (proposiccedilotildees expliacutecitas) Analogamente agrave medida que o sujeito adquire mais conhecimentos cientiacuteficos seus modelos mentais aproximam-se (no sentido de que permitem dar significados cientificamente aceitos) dos modelos cientiacuteficos

Pode-se assim dizer que os modelos mentais de Johnson-Laird contecircm aquilo que Vergnaud chama de teoremas-em-accedilatildeo ou seja proposiccedilotildees tidas como verdadeiras sobre o real Mas esta aparente compatibilidade entre as duas teorias pode ir aleacutem pois os conceitos-em-accedilatildeo de Vergnaud tambeacutem podem integrar modelos mentais Conceitos-em-accedilatildeo satildeo objetos predicados ou categorias de pensamento tidos como pertinentes relevantes agrave situaccedilatildeo Analogamente segundo o princiacutepio do construtivismo (Johnson-Laird 1983 p 398) um modelo mental eacute construiacutedo a partir de sinais (tokens) dispostos em uma estrutura particular para representar em certo estado de coisas (isto eacute uma certa situaccedilatildeo) Se interpretaacutessemos esses sinais (tokens) como objetos predicados ou categorias de pensamento pertinentes dir-se-ia que os modelos mentais contecircm tambeacutem conceitos-em-accedilatildeo

Contudo eacute importante natildeo confundir modelos mentais com esquemas de assimilaccedilatildeo Para Vergnaud os invariantes operatoacuterios (teoremas e conceitos-em-accedilatildeo) satildeo componentes essenciais dos esquemas e acabamos de dizer que os modelos mentais contecircm proposiccedilotildees e sinais (tokens) que podem ser interpretados como invariantes operatoacuterios mas ainda

assim modelos mentais e esquemas satildeo construtos distintos Modelo mental eacute instrumento de compreensatildeo construiacutedo no momento da compreensatildeo e descartaacutevel se for alcanccedilada (para o construtor) a funcionalidade desejada (ou seja a compreensatildeo mesmo que natildeo compartilhada cientificamente) Esquema de assimilaccedilatildeo eacute segundo Vergnaud a organizaccedilatildeo invariante do comportamento para uma determinada classe de situaccedilotildees Portanto esquemas de assimilaccedilatildeo satildeo mais estaacuteveis o sujeito constroacutei determinado esquema e o utiliza para assimilar uma certa classe de situaccedilotildees ou seja usa sempre o mesmo esquema para cada situaccedilatildeo dessa classe Mas frente a uma situaccedilatildeo nova eacute preciso acomodar ou seja construir um novo esquema de assimilaccedilatildeo e eacute exatamente aiacute que parece encaixar bem a ideacuteia de modelo mental para compreender uma nova situaccedilatildeo o sujeito constroacutei inicialmente um modelo mental (que como foi dito pode conter invariantes operatoacuterios) natildeo um esquema de assimilaccedilatildeo Na medida em que a nova situaccedilatildeo deixa de ser nova e passa a ser rotineira o modelo mental evolui para esquema de assimilaccedilatildeo quer dizer se estabiliza Mas isso natildeo quer dizer que todo modelo mental venha a se transformar em esquema de assimilaccedilatildeo Modelos mentais satildeo recursivos o que significa que vatildeo sendo construiacutedos e modificados quase que simultaneamente ateacute que se tornem funcionais quando entatildeo podem ser descartados ou talvez ldquoguardadosrdquo ateacute que se tornem esquemas de assimilaccedilatildeo Trata-se ao que parece de um bom assunto para pesquisar

Pesquisa

Como uacuteltimo toacutepico deste texto abordar-se-aacute a pesquisa em ensino de ciecircncias no referencial da teoria dos campos conceituais Vejamos primeiramente no entanto o que diz Vergnaud sobre a pesquisa em campos conceituais

Segundo ele (1988 p 149) a abordagem canocircnica ao estudo de um campo conceitual envolve identificar e classificar situaccedilotildees e entatildeo coletar dados sobre procedimentos e outras maneiras atraveacutes das quais os estudantes expressam seu raciociacutenio Um ciclo de pesquisa inicia com a identificaccedilatildeo de niacuteveis de objetos relaccedilotildees e teoremas-em-accedilatildeo O ciclo continua entatildeo com o delineamento de situaccedilotildees e materiais e sua experimentaccedilatildeo com alunos completando-se com a construccedilatildeo de representaccedilotildees simboacutelicas atraveacutes da observaccedilatildeo e anaacutelise dos diferentes fenocircmenos que ocorrem (ibid) Comeccedila entatildeo um segundo ciclo para melhorar o primeiro e assim sucessivamente O estudo do domiacutenio de certos campos conceituais eacute um programa de longo prazo que dificilmente pode ser feito por um pesquisador isolado ou mesmo por um grupo de pesquisa isolado

Portanto o primeiro passo para estudar o progressivo domiacutenio de um campo conceitual por parte do aluno eacute identificar e classificar situaccedilotildees Mas isso envolve duas ideacuteias principais diversidade e histoacuteria Ou seja existe uma grande variedade de situaccedilotildees em um dado campo conceitual e as aprendizagens dos alunos satildeo moldadas pelas situaccedilotildees com as quais se depararam e progressivamente dominaram particularmente as primeiras suscetiacuteveis de dar sentido aos conceitos e procedimentos que lhes queremos ensinar (1990 p 150) A combinaccedilatildeo dessas duas ideacuteias dificulta o trabalho do pesquisador em ensino porque a primeira o dirige para a anaacutelise para a decomposiccedilatildeo em elementos simples e para as possiacuteveis combinaccedilotildees de situaccedilotildees enquanto que a segunda o orienta para a busca de

situaccedilotildees funcionais quase sempre compostas de vaacuterias relaccedilotildees cuja importacircncia relativa estaacute largamente ligada agrave frequumlecircncia com que satildeo encontradas (ibid)

Em outras palavras o estudo psicogeneacutetico da aquisiccedilatildeo de um campo conceitual implica a anaacutelise em termos relacionais e hieraacuterquicos das diferentes classes de problemas que podem ser propostos aos alunos Implica tambeacutem o estudo dos distintos procedimentos e representaccedilotildees simboacutelicas que o aprendiz utiliza (1982 p 40) Em relaccedilatildeo agraves representaccedilotildees Vergnaud diz (1994 p 43) que eacute uma tarefa essencial teoacuterica e empiacuterica dos pesquisadores entender por que uma certa representaccedilatildeo simboacutelica particular pode ser uacutetil e sob quais condiccedilotildees e quando e por que pode ser proveitosamente substituiacuteda por outra mais abstrata e geral

Embora Vergnaud e vaacuterios pesquisadores que trabalham sob o referencial de sua teoria tenham se dedicado principalmente agrave pesquisa em educaccedilatildeo matemaacutetica e em particular ao estudo dos campos conceituais das estruturas aditivas e multiplicativas essa abordagem agrave pesquisa certamente se aplica ao ensino de ciecircncias ou agrave educaccedilatildeo em ciecircncias se preferirmos esta terminologia Na resoluccedilatildeo de problemas por exemplo pode-se analisar as dificuldades dos alunos em termos de invariantes operatoacuterios Quer dizer os alunos muitas vezes resolvem problemas usando conhecimentos-em-accedilatildeo que podem ateacute conduzi-los agrave uma soluccedilatildeo satisfatoacuteria para uma certa situaccedilatildeo mas que natildeo funcionam para outra situaccedilatildeo ligeiramente diferente da primeira porque tais conhecimentos natildeo satildeo cientiacuteficos e tampouco constituem um esquema de assimilaccedilatildeo que pode ser aplicado a uma classe de situaccedilotildees Por outro lado tais conhecimentos-em-accedilatildeo mdash que satildeo largamente impliacutecitos mdash podem ser precursores na aquisiccedilatildeo de conceitos cientiacuteficos e portanto devem ser identificados ie pesquisados Os trabalhos de Sousa (2001) e de Sousa e Faacutevero (2002) no qual a resoluccedilatildeo de problemas em Fiacutesica foi investigada em uma situaccedilatildeo de interlocuccedilatildeo entre um especialista e um novato eacute um exemplo nessa direccedilatildeo Costa e Moreira (2002) e Escudero e Moreira (2002) tambeacutem estatildeo trabalhando em resoluccedilatildeo de problemas em Fiacutesica e procurando interpretar as dificuldades dos alunos na construccedilatildeo de modelos mentais do enunciado agrave luz de aspectos da teoria dos campos conceituais

O estudo da aprendizagem de conceitos fiacutesicos tambeacutem pode ser feito no referencial teoacuterico de Vergnaud Para ele satildeo as situaccedilotildees que datildeo sentido ao conceito os invariantes operatoacuterios que constituem seu significado e as representaccedilotildees simboacutelicas o seu significante Portanto como sugere Vergnaud eacute preciso identificar e classificar situaccedilotildees adequadas agrave aprendizagem de determinado conceito pesquisar os invariantes operatoacuterios usados pelos alunos e procurar entender como por que e quando uma certa representaccedilatildeo simboacutelica pode ajudar na conceitualizaccedilatildeo O trabalho de Lemeignan e Weil-Barais (1994) eacute talvez pioneiro nessa linha As pesquisas de Stipcich e Moreira (2002) sobre o conceito de interaccedilatildeo e de Moreira e Sousa (2002) a respeito do conceito de potencial eleacutetrico estatildeo usando o referencial de Vergnaud para interpretar as dificuldades dos alunos na aprendizagem significativa desses conceitos

Obviamente a teoria dos campos conceituais pode tambeacutem ser usada como referente teoacuterico em pesquisas sobre mudanccedila conceitual De um modo geral pode-se dizer que essa teoria eacute potencialmente uacutetil na anaacutelise das dificuldades dos alunos na resoluccedilatildeo de problemas em ciecircncias na aprendizagem de conceitos cientiacuteficos e na mudanccedila conceitual

Uma vez identificadas tais dificuldades essa mesma teoria pode ajudar no delineamento de estrateacutegias ou melhor na seleccedilatildeo de situaccedilotildees instrucionais que possam ajudar na progressiva superaccedilatildeo de tais dificuldades ou em outras palavras no progressivo (e lento) domiacutenio do(s) campo(s) conceitual(is) envolvido(s) Esse domiacutenio progressivo implica capacidade de resolver problemas conceitualizaccedilatildeo e mudanccedila (evoluccedilatildeo) conceitual

Natildeo tatildeo oacutebvia eacute a possibilidade de investigar questotildees como a modelagem mental no referencial de Vergnaud poreacutem uma vez aceita a compatibilidade aludida na seccedilatildeo anterior entre a teoria dos modelos mentais e a teoria dos campos conceituais tal possibilidade decorre naturalmente Enfim a potencialidade do uso da teoria de Vergnaud na pesquisa e ensino de ciecircncias parece ser grande Nesta seccedilatildeo foram apenas aventadas possibilidades e referidos alguns estudos

Conclusatildeo

Este trabalho teve por objetivo descrever a teoria dos campos conceituais de Geacuterard Vergnaud particularmente para uma audiecircncia de professores e pesquisadores em ensino de ciecircncias Essa teoria eacute bastante conhecida na aacuterea da educaccedilatildeo matemaacutetica poreacutem relativamente pouco no campo da educaccedilatildeo em ciecircncias e justamente por isso foi objeto deste texto

Trata-se de uma teoria de base piagetiana mas que afasta-se bastante de Piaget ao tomar como referecircncia o proacuteprio conteuacutedo do conhecimento e a anaacutelise conceitual do progressivo domiacutenio desse conhecimento bem como ao ocupar-se do estudo do desenvolvimento cognitivo do sujeito-em-situaccedilatildeo ao inveacutes de operaccedilotildees loacutegicas gerais de estruturas gerais do pensamento Ao fazer isso a teoria de Vergnaud apresenta um grande potencial para descrever analisar e interpretar aquilo que se passa em sala de aula na aprendizagem de matemaacutetica e ciecircncias Provavelmente esse tipo de teoria eacute o de maior utilidade para fundamentar o ensino e a pesquisa em ensino nessa aacuterea

Aleacutem de descrever a teoria propriamente dita procurou-se neste texto estabelecer elos com a teoria da aprendizagem significativa de Ausubel (outra ldquoteoria de sala de aulardquo) e com a recente teoria dos modelos mentais de Johnson-Laird assim como destacar implicaccedilotildees para o ensino e para a pesquisa em ensino de ciecircncias

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[1] Lembremos que um campo conceitual eacute em primeiro lugar um conjunto de situaccedilotildees (1998 p 141 1990 p 5) cujo domiacutenio requer o domiacutenio de vaacuterios conceitos de naturezas distintas (volta para o texto) [2] A ponte entre a teoria de Vergnaud e a teoria dos modelos mentais de Johnson-Laird feita nesta seccedilatildeo estaacute bem mais elaborada no trabalho ldquoAleacutem da detecccedilatildeo de modelos mentais dos estudantes Uma proposta representacional integradorardquo de Ileana Greca e Marco Antonio Moreira (volta para o texto)

Page 5: A Teoria Dos Campos Conceituais de Vergnaud

que eacute praticamente impossiacutevel estudar as coisas separadamente mas por isso mesmo eacute preciso fazer recortes e eacute nesse sentido que os campos conceituais satildeo unidades de estudo frutiacuteferas para dar sentido aos problemas de aquisiccedilatildeo e agraves observaccedilotildees feitas em relaccedilatildeo agrave conceitualizaccedilatildeo (1983a p 393)

Jaacute que o nuacutecleo do desenvolvimento cognitivo eacute a conceitualizaccedilatildeo Vergnaud destaca que eacute preciso dar toda atenccedilatildeo aos aspectos conceituais dos esquemas e agrave anaacutelise conceitual das situaccedilotildees nas quais os aprendizes desenvolvem seus esquemas na escola ou na vida real (1994 p 58) Isso nos leva ao conceito de conceito na teoria dos campos conceituais

Conceitos

Vergnaud define conceito como um tripleto de trecircs conjuntos (1983a p 393 1988 p 141 1990 p 145 1993 p 8 1997 p 6) C = (S I R) onde

S eacute um conjunto de situaccedilotildees que datildeo sentido ao conceito I eacute um conjunto de invariantes (objetos propriedades e relaccedilotildees) sobre os quais repousa a operacionalidade do conceito ou o conjunto de invariantes operatoacuterios associados ao conceito ou o conjunto de invariantes que podem ser reconhecidos e usados pelos sujeitos para analisar e dominar as situaccedilotildees do primeiro conjunto R eacute um conjunto de representaccedilotildees simboacutelicas (linguagem natural graacuteficos e diagramas sentenccedilas formais etc) que podem ser usadas para indicar e representar esses invariantes e consequumlentemente representar as situaccedilotildees e os procedimentos para lidar com elas O primeiro conjunto ndash de situaccedilotildees ndash eacute o referente do conceito o segundo ndash de invariantes operatoacuterios ndash eacute o significado do conceito enquanto o terceiro ndash de representaccedilotildees simboacutelicas ndash eacute o significante

Uma definiccedilatildeo pragmaacutetica poderia considerar um conceito como um conjunto de invariantes utilizaacuteveis na accedilatildeo mas esta definiccedilatildeo implica tambeacutem um conjunto de situaccedilotildees que constituem o referente e um conjunto de esquemas postos em accedilatildeo pelos sujeitos nessas situaccedilotildees Daiacute o tripleto (S R I) onde em termos psicoloacutegicos S eacute a realidade e (I R) a representaccedilatildeo que pode ser considerada como dois aspectos interagentes do pensamento o significado (I) e o significante (R) (1998 p 141)

Isso implica que para estudar o desenvolvimento e uso de um conceito ao longo da aprendizagem ou de sua utilizaccedilatildeo eacute necessaacuterio considerar esses trecircs conjuntos simultaneamente Natildeo haacute em geral correspondecircncia biuniacutevoca entre significantes e significados nem entre invariantes e situaccedilotildees natildeo se pode portanto reduzir o significado nem aos significantes nem agraves situaccedilotildees (1990 p 146) Por outro lado como foi dito um uacutenico conceito natildeo se refere a um soacute tipo de situaccedilatildeo e uma uacutenica situaccedilatildeo natildeo pode ser analisada com um soacute conceito

Por tudo isso eacute necessaacuterio falar-se em campos conceituais Mas se os conceitos tornam-se significativos atraveacutes de situaccedilotildees decorre naturalmente que as situaccedilotildees e natildeo os conceitos constituem a principal entrada de um campo conceitual Um campo conceitual eacute em primeiro lugar um conjunto de situaccedilotildees (1988 p 141 1990 p 5) cujo domiacutenio

requer o domiacutenio de vaacuterios conceitos de naturezas distintas

Situaccedilotildees

O conceito de situaccedilatildeo empregado por Vergnaud natildeo eacute o de situaccedilatildeo didaacutetica mas sim o de tarefa sendo que toda situaccedilatildeo complexa pode ser analisada como uma combinaccedilatildeo de tarefas para as quais eacute importante conhecer suas naturezas e dificuldades proacuteprias A dificuldade de uma tarefa natildeo eacute nem a soma nem o produto das diferentes subtarefas envolvidas mas eacute claro que o desempenho em cada subtarefa afeta o desempenho global (1990 p 146 1993 p 9)

Vergnaud recorre tambeacutem ao sentido que segundo ele (op cit p 150 e p 12) eacute atribuiacutedo usualmente pelo psicoacutelogo ao conceito de situaccedilatildeo os processos cognitivos e as respostas do sujeito satildeo funccedilatildeo das situaccedilotildees com as quais eacute confrontado Aleacutem disso ele destaca duas ideacuteias principais em relaccedilatildeo ao sentido de situaccedilatildeo variedade e histoacuteria Isto eacute em um certo campo conceitual existe uma grande variedade de situaccedilotildees e os conhecimentos dos alunos satildeo moldados pelas situaccedilotildees que encontram e progressivamente dominam particularmente pelas primeiras situaccedilotildees suscetiacuteveis de dar sentido aos conceitos e procedimentos que queremos que aprendam (ibid) Segundo Vergnaud muitas de nossas concepccedilotildees vecircm das primeiras situaccedilotildees que fomos capazes de dominar ou de nossa experiecircncia tentando modificaacute-las (1996a p 117)

Como foi dito antes as situaccedilotildees eacute que datildeo sentido ao conceito as situaccedilotildees eacute que satildeo responsaacuteveis pelo sentido atribuiacutedo ao conceito (Barais amp Vergnaud 1990 p 78) um conceito torna-se significativo atraveacutes de uma variedade de situaccedilotildees (1994 p 46) Mas o sentido natildeo estaacute nas situaccedilotildees em si mesmas assim como natildeo estaacute nas palavras nem nos siacutembolos (1990 p 158)

O sentido eacute uma relaccedilatildeo do sujeito com as situaccedilotildees e com os significantes Mais precisamente satildeo os esquemas ie os comportamentos e sua organizaccedilatildeo evocados no sujeito por uma situaccedilatildeo ou por um significante (representaccedilatildeo simboacutelica) que constituem o sentido dessa situaccedilatildeo ou desse significante para esse indiviacuteduo (1990 p 158 1993 p 18) Por exemplo o sentido de adiccedilatildeo para um sujeito individual eacute o conjunto de esquemas que ele pode utilizar para lidar com situaccedilotildees com as quais se defronta e que implicam a ideacuteia de adiccedilatildeo eacute tambeacutem o conjunto de esquemas que ele pode acionar para operar sobre os siacutembolos numeacutericos algeacutebricos graacuteficos e linguumliacutesticos que representam a adiccedilatildeo (ibid) Por outro lado uma dada situaccedilatildeo ou um certo simbolismo natildeo evocam no indiviacuteduo todos os esquemas disponiacuteveis o que significa que o sentido de uma situaccedilatildeo particular de adiccedilatildeo natildeo eacute o sentido de adiccedilatildeo para esse indiviacuteduo assim como natildeo o eacute o sentido de um siacutembolo particular Trata-se de um subconjunto dos esquemas que o sujeito possui ou dos esquemas possiacuteveis (ibid)

Vejamos onde estamos a ideacuteia de campo conceitual nos levou ao conceito de conceito como um tripleto (referente significado e significante) poreacutem como satildeo as situaccedilotildees que datildeo sentido ao conceito chegamos ao conceito de situaccedilatildeo e dele ao de esquema pois satildeo os esquemas evocados no sujeito que datildeo sentido a uma dada situaccedilatildeo O conceito de

esquema como veremos nos levaraacute ao conceito de invariante operatoacuterio

Esquemas

Vergnaud chama de esquema a organizaccedilatildeo invariante do comportamento para uma determinada classe de situaccedilotildees (1990 p 136 1993 p 2 1994 p 53 1996c p 201 1998 p 168) Segundo ele eacute nos esquemas que se devem pesquisar os conhecimentos-em-accedilatildeo do sujeito isto eacute os elementos cognitivos que fazem com que a accedilatildeo do sujeito seja operatoacuteria

Esquema eacute o conceito introduzido por Piaget para dar conta das formas de organizaccedilatildeo tanto das habilidades sensoacuterio-motoras como das habilidades intelectuais Um esquema gera accedilotildees e deve conter regras mas natildeo eacute um estereoacutetipo porque a sequumlecircncia de accedilotildees depende dos paracircmetros da situaccedilatildeo (1994 p 53) Um esquema eacute um universal que eacute eficiente para toda uma gama de situaccedilotildees e pode gerar diferentes sequumlecircncias de accedilatildeo de coleta de informaccedilotildees e de controle dependendo das caracteriacutesticas de cada situaccedilatildeo particular Natildeo eacute o comportamento que eacute invariante mas a organizaccedilatildeo do comportamento (1998 p 172)

Haacute esquemas perceptivo-gestuais como o de contar objetos ou de fazer um graacutefico ou um diagrama mas haacute tambeacutem esquemas verbais como o de fazer um discurso e esquemas sociais como o de seduzir outra pessoa ou o de gerenciar um conflito (ibid) Algoritmos por exemplo satildeo esquemas mas nem todos os esquemas satildeo algoritmos Quando algoritmos satildeo utilizados repetidamente para tratar as mesmas situaccedilotildees eles se transformam em esquemas ordinaacuterios ou haacutebitos (op cit p 176)

Vergnaud considera que os esquemas necessariamente se referem a situaccedilotildees a tal ponto que segundo ele (1996c p 203) dever-se-ia falar em interaccedilatildeo esquema-situaccedilatildeo ao inveacutes de interaccedilatildeo sujeito-objeto da qual falava Piaget Decorre daiacute que o desenvolvimento cognitivo consiste sobretudo e principalmente no desenvolvimento de um vasto repertoacuterio de esquemas Este repertoacuterio afeta esferas muito distintas da atividade humana e quando analisamos por exemplo os conteuacutedos da competecircncia profissional de um indiviacuteduo frequumlentemente observamos que junto a competecircncias teacutecnicas e cientiacuteficas propriamente ditas estatildeo com peso consideraacutevel competecircncias sociais e afetivas A educaccedilatildeo portanto deve contribuir para que o sujeito desenvolva um repertoacuterio amplo e diversificado de esquemas poreacutem procurando evitar que esses esquemas se convertam em estereoacutetipos esclerosados (ibid)

Voltemos agrave definiccedilatildeo esquema eacute a organizaccedilatildeo invariante do comportamento para uma dada classe de situaccedilotildees Trata-se de uma definiccedilatildeo precisa mas que certamente necessita de maiores especificaccedilotildees para facilitar sua compreensatildeo Aquilo que Vergnaud chama de ingredientes dos esquemas (1990 p 136 142 1994 p 46 1996a p 113-114 1996b p 11 1996c p 201-202-206 1998 p 173) fornece tais especificaccedilotildees

1 metas e antecipaccedilotildees (um esquema se dirige sempre a uma classe de situaccedilotildees nas quais o sujeito pode descobrir uma possiacutevel finalidade de sua atividade e eventualmente

submetas pode tambeacutem esperar certos efeitos ou certos eventos) 2 regras de accedilatildeo do tipo se entatildeo que constituem a parte verdadeiramente geradora do esquema aquela que permite a geraccedilatildeo e a continuidade da sequumlecircncia de accedilotildees do sujeito satildeo regras de busca de informaccedilatildeo e controle dos resultados da accedilatildeo 3 invariantes operatoacuterios (teoremas-em-accedilatildeo e conceitos-em-accedilatildeo) que dirigem o reconhecimento por parte do indiviacuteduo dos elementos pertinentes agrave situaccedilatildeo satildeo os conhecimentos contidos nos esquemas satildeo eles que constituem a base impliacutecita ou expliacutecita que permite obter a informaccedilatildeo pertinente e dela inferir a meta a alcanccedilar e as regras de accedilatildeo adequadas 4 possibilidades de inferecircncia (ou raciociacutenios) que permitem calcular aqui e agora as regras e antecipaccedilotildees a partir das informaccedilotildees e invariantes operatoacuterios de que dispotildee o sujeito ou seja toda a atividade implicada nos trecircs outros ingredientes requer caacutelculos aqui e imediatamente em situaccedilatildeoComo foi dito para Vergnaud os esquemas se referem necessariamente a situaccedilotildees ou classes de situaccedilotildees onde ele (1993 p 2) distingue entre 1 classes de situaccedilotildees em que o sujeito dispotildee no seu repertoacuterio em dado momento de seu desenvolvimento e sob certas circunstacircncias das competecircncias necessaacuterias ao tratamento relativamente imediato da situaccedilatildeo 2 classes de situaccedilotildees em que o sujeito natildeo dispotildee de todas as competecircncias necessaacuterias o que obriga a um tempo de reflexatildeo e exploraccedilatildeo a hesitaccedilotildees a tentativas frustradas levando-o eventualmente ao sucesso ou ao fracassoSegundo Vergnaud (ibid) o conceito de esquema natildeo funciona do mesmo modo nas duas classes Na primeira delas observam-se para uma mesma classe de situaccedilotildees condutas amplamente automatizadas organizadas por um soacute esquema enquanto que na segunda observa-se a sucessiva utilizaccedilatildeo de vaacuterios esquemas que podem entrar em competiccedilatildeo e que para atingir a meta desejada devem ser acomodados descombinados e recombinados

De um modo geral todas as condutas comportam uma parte automatizada e uma parte de decisatildeo consciente Os esquemas satildeo frequumlentemente eficazes mas nem sempre efetivos Quando o sujeito usa um esquema ineficaz para uma certa situaccedilatildeo a experiecircncia o leva a mudar de esquema ou a modificar o esquema (1990 p 138) Estaacute aiacute a ideacuteia piagetiana de que os esquemas estatildeo no centro do processo de adaptaccedilatildeo das estruturas cognitivas ie na assimilaccedilatildeo e na acomodaccedilatildeo Contudo Vergnaud daacute ao conceito de esquema um alcance muito maior do que Piaget e insiste em que os esquemas devem relacionar-se com as caracteriacutesticas das situaccedilotildees agraves quais se aplicam

Haacute muito de impliacutecito nos esquemas Muitos esquemas podem ser evocados sucessivamente e mesmo simultaneamente em uma situaccedilatildeo nova para o sujeito (1990 p 140) As condutas em uma dada situaccedilatildeo repousam sobre o repertoacuterio inicial de esquemas que o sujeito dispotildee Como jaacute foi dito o desenvolvimento cognitivo pode ser interpretado como consistindo sobretudo no desenvolvimento de um vasto repertoacuterio de esquemas afetando esferas muito distintas da atividade humana

Do ponto de vista teoacuterico o conceito de esquema proporciona o indispensaacutevel viacutenculo entre a conduta e a representaccedilatildeo (1996c p 202) a relaccedilatildeo entre situaccedilotildees e esquemas eacute a fonte primaacuteria da representaccedilatildeo e portanto da conceitualizaccedilatildeo (1998 p 177) Por outro lado satildeo os invariantes operatoacuterios que fazem a articulaccedilatildeo essencial entre teoria e praacutetica pois a

percepccedilatildeo a busca e a seleccedilatildeo de informaccedilatildeo baseiam-se inteiramente no sistema de conceitos-em-accedilatildeo disponiacuteveis para o sujeito (objetos atributos relaccedilotildees condiccedilotildees circunstacircncias) e nos teoremas-em-accedilatildeo subjacentes agrave sua conduta (1996c p 202)

As expressotildees conceito-em-accedilatildeo e teorema-em-accedilatildeo designam os conhecimentos contidos nos esquemas Satildeo tambeacutem designados por Vergnaud pela expressatildeo mais global invariantes operatoacuterios Teorema-em-accedilatildeo eacute uma proposiccedilatildeo considerada como verdadeira sobre o real conceito-em-accedilatildeo eacute uma categoria de pensamento considerada como pertinente (ibid)

Esta seccedilatildeo foi dedicada ao conceito de esquema Dos ingredientes de um esquema ndash metas e antecipaccedilotildees regras de accedilatildeo invariantes operatoacuterios e possibilidades de inferecircncia ndash os invariantes operatoacuterios ie os conhecimentos-em-accedilatildeo (conceitos e teoremas-em-accedilatildeo) constituem a base conceitual impliacutecita ou expliacutecita que permite obter a informaccedilatildeo pertinente e a partir dela e da meta a atingir inferir as regras de accedilatildeo mais pertinentes para abordar uma situaccedilatildeo (1996c p 201)

Um exemplo de esquema dado por Franchi (1999 p 165) pode ser uacutetil para ilustrar esses aspectos e concluir esta seccedilatildeo Trata-se do esquema da enumeraccedilatildeo de uma pequena coleccedilatildeo de objetos discretos por uma crianccedila de cinco anos por mais que varie a forma de contar por exemplo copos na mesa cadeiras da sala pessoas sentadas de maneira esparsa em um jardim natildeo deixa de haver uma organizaccedilatildeo invariante para o funcionamento do esquema coordenaccedilatildeo dos movimentos dos olhos e gestos dos dedos e das matildeos enunciaccedilatildeo correta da seacuterie numeacuterica identificaccedilatildeo do uacuteltimo elemento da seacuterie como o cardinal do conjunto enumerado (acentuaccedilatildeo ou repeticcedilatildeo do uacuteltimo nuacutemero pronunciado) Vecirc-se facilmente que o esquema descrito recorre a atividades perceptivo-motoras a significantes (as palavras-nuacutemeros) e a construccedilotildees conceituais tais como a de correspondecircncia biuniacutevoca entre conjuntos de objetos e subconjuntos de nuacutemeros naturais a de cardinal e ordinal e outras Recorre igualmente a conhecimentos tais como os que identificam o uacuteltimo elemento da seacuterie ordinal ao cardinal do conjunto Esses conceitos e conhecimentos satildeo impliacutecitos e praticamente insuscetiacuteveis de explicitaccedilatildeo por uma crianccedila nas fases iniciais da aprendizagem de competecircncias e conceitos aritmeacuteticos Entretanto orientam o desenvolvimento da accedilatildeo sendo chamados de conhecimentos-em-accedilatildeo A ausecircncia de uma conceituaccedilatildeo adequada estaacute no centro da origem dos erros sistemaacuteticos cometidos pelos alunos (ibid)

Naturalmente os esquemas usados por crianccedilas maiores e por adultos em determinadas classes de situaccedilotildees podem ser muito mais elaborados mas a ideacuteia eacute mesma o esquema eacute a forma estrutural da atividade eacute a organizaccedilatildeo invariante do sujeito sobre uma classe de situaccedilotildees dadas (op cit p 164) e conteacutem conhecimentos-em-accedilatildeo que satildeo impliacutecitos

Invariantes operatoacuterios

Designam-se pelas expressotildees conceito-em-accedilatildeo e teorema-em-accedilatildeo os conhecimentos contidos nos esquemas Pode-se tambeacutem designaacute-los pela expressatildeo mais abrangente invariantes operatoacuterios (1993 p 4) Esquema eacute a organizaccedilatildeo da conduta para uma certa

classe de situaccedilotildees teoremas-em-accedilatildeo e conceitos-em-accedilatildeo satildeo invariantes operacionais logo satildeo componentes essenciais dos esquemas (1998 p 167) e determinam as diferenccedilas entre eles

Teorema-em-accedilatildeo eacute uma proposiccedilatildeo tida como verdadeira sobre o real Conceito-em-accedilatildeo eacute um objeto um predicado ou uma categoria de pensamento tida como pertinente relevante (1996c p 202 1998 p 167)

Vejamos exemplos de teoremas-em-accedilatildeo Consideremos a seguinte situaccedilatildeo proposta a alunos de 13 anos (1994 p 49) O consumo de farinha eacute em meacutedia 35 kg por semana para dez pessoas Qual a quantidade de farinha necessaacuteria para cinquumlenta pessoas durante 28 dias Resposta de um aluno 5 vezes mais pessoas 4 vezes mais dias 20 vezes mais farinha logo 35 x 20 = 70 kg

Eacute impossiacutevel segundo Vergnaud (ibid) dar conta desse raciociacutenio sem supor o seguinte teorema impliacutecito na cabeccedila do aluno f(n1x1 n2x2) = n1n2 f(x1x2) ou seja Consumo (5 x 10 4 x 7) = 5 x 4 Consumo (10 7)

Naturalmente este teorema funciona porque as razotildees de 50 pessoas para 10 pessoas e 28 dias para 7 dias satildeo simples e evidentes Ele natildeo seria tatildeo facilmente aplicado a outros valores numeacutericos Portanto seu escopo de aplicaccedilatildeo eacute limitado Ainda assim eacute um teorema que pode ser expresso por exemplo em palavras O consumo eacute proporcional ao nuacutemero de pessoas quando o nuacutemero de dias eacute mantido constante e eacute proporcional ao nuacutemero de dias quando o nuacutemero de pessoas eacute mantido constante Pode tambeacutem ser expresso pela foacutermula C = kPD onde C eacute o consumo P o nuacutemero de pessoas D o nuacutemero de dias e k o consumo por pessoa por dia

Eacute claro que essas diferentes maneiras de expressar o mesmo raciociacutenio natildeo satildeo cognitivamente equivalentes A segunda eacute mais difiacutecil Satildeo maneiras complementares de explicitar a mesma estrutura matemaacutetica impliacutecita em diferentes niacuteveis de abstraccedilatildeo

Suponhamos agora outras situaccedilotildees (1998 p 174)

A Janete tinha 7 bolinhas de gude Ela jogou e ganhou 5 bolinhas Quantas bolinhas ela tem agora B Paulo tinha 12 bolinhas de gude Ele jogou e perdeu 5 bolinhas Quantas bolinhas ele tem agora C Hans tinha 9 bolinhas de gude Ele jogou com Rute Ele tem agora 14 bolinhas de gude O que aconteceu no jogo D Rute jogou bolinhas de gude com Hans e perdeu 5 bolinhas Ela agora tem 7 bolinhas de gude Quantas ela tinha antes de jogar Haacute vaacuterios conceitos-em-accedilatildeo distintos impliacutecitos na compreensatildeo dessas situaccedilotildees nuacutemero cardinal ganho e perda aumento e diminuiccedilatildeo transformaccedilatildeo e estado estado inicial e final transformaccedilatildeo positiva e negativa adiccedilatildeo e subtraccedilatildeo

Os conceitos relevantes satildeo os mesmos para todas as situaccedilotildees mas a situaccedilatildeo D eacute bem mais difiacutecil para alunos de sete ou oito anos porque implica raciocinar para traacutes e achar o

estado inicial adicionando as 5 bolinhas perdidas ao estado final de 7 bolinhas Tal

raciociacutenio depende de um forte teorema-em-accedilatildeo (ibid) onde I eacute o estado inicial F o estado final T a transformaccedilatildeo direta e T--1 a transformaccedilatildeo inversa

Segundo Vergnaud (1994 p 54) entre os mais importantes teoremas-em-accedilatildeo desenvolvidos pelos estudantes encontram-se as propriedades isomoacuterficas da funccedilatildeo linear

e as propriedades de coeficiente constante dessa mesma funccedilatildeo

e algumas propriedades especiacuteficas de funccedilotildees bilineares como a do primeiro

exemplo

Entre os mais importantes conceitos-em-accedilatildeo desenvolvidos pelos alunos acham-se os de grandeza e magnitude valor unitaacuterio razatildeo e fraccedilatildeo funccedilatildeo e variaacutevel taxa constante dependecircncia e independecircncia quociente e produto de dimensotildees

Haacute uma relaccedilatildeo dialeacutetica entre conceitos-em-accedilatildeo e teoremas-em-accedilatildeo uma vez que conceitos satildeo ingredientes de teoremas e teoremas satildeo propriedades que datildeo aos conceitos seus conteuacutedos Mas seria um erro confundi-los (1998 p 174) Conceitos em accedilatildeo satildeo ingredientes necessaacuterios das proposiccedilotildees Mas conceitos natildeo satildeo teoremas pois natildeo permitem derivaccedilotildees (inferecircncias ou computaccedilotildees) derivaccedilotildees requerem proposiccedilotildees Proposiccedilotildees podem ser verdadeiras ou falsas conceitos podem ser apenas relevantes ou irrelevantes Ainda assim natildeo existem proposiccedilotildees sem conceitos (1994 p 55)

Reciprocamente natildeo haacute conceitos sem proposiccedilotildees pois eacute a necessidade de derivar accedilotildees das representaccedilotildees do mundo e de ter concepccedilotildees verdadeiras (ou pelo menos adequadas) do mundo que tornam necessaacuterios os conceitos Um modelo computaacutevel do conhecimento intuitivo deve compreender conceitos-em-accedilatildeo e teoremas-em-accedilatildeo como ingredientes essenciais dos esquemas Esquemas satildeo fundamentais porque geram accedilotildees incluindo operaccedilotildees intelectuais mas podem geraacute-las porque contecircm invariantes operatoacuterios (teoremas e conceitos-em-accedilatildeo) que formam o nuacutecleo da representaccedilatildeo

Por outro lado um conceito-em-accedilatildeo natildeo eacute um verdadeiro conceito cientiacutefico nem um teorema-em-accedilatildeo eacute um verdadeiro teorema a menos que se tornem expliacutecitos Na ciecircncia conceitos e teoremas satildeo expliacutecitos e pode-se discutir sua pertinecircncia e sua veracidade mas esse natildeo eacute necessariamente o caso dos invariantes operatoacuterios (1990 p 144) Conceitos e

teoremas expliacutecitos natildeo constituem mais do que a parte visiacutevel do iceberg da conceitualizaccedilatildeo sem a parte escondida formada pelos invariantes operatoacuterios essa parte visiacutevel natildeo seria nada Reciprocamente natildeo se pode falar de invariantes operatoacuterios integrados nos esquemas sem a ajuda de categorias do conhecimento expliacutecito proposiccedilotildees funccedilotildees proposicionais objetos argumentos (ibid)

Mas conceitos-em-accedilatildeo e teoremas-em-accedilatildeo podem progressivamente tornarem-se verdadeiros conceitos e teoremas cientiacuteficos O status do conhecimento eacute muito diferente quando ele eacute explicitado ao inveacutes de ficar totalmente imerso na accedilatildeo O conhecimento expliacutecito pode ser comunicado a outros e discutido o conhecimento impliacutecito natildeo (1998 p 175)

Em geral os alunos natildeo satildeo capazes de explicar ou mesmo expressar em linguagem natural seus teoremas e conceitos-em-accedilatildeo Na abordagem de uma situaccedilatildeo os dados a serem trabalhados e a sequumlecircncia de caacutelculos a serem feitos dependem de teoremas-em-accedilatildeo e da identificaccedilatildeo de diferentes tipos de elementos pertinentes A maioria desses conceitos e teoremas-em-accedilatildeo permanecem totalmente impliacutecitos mas eles podem tambeacutem ser expliacutecitos ou tornarem-se expliacutecitos e aiacute entra o ensino ajudar o aluno a construir conceitos e teoremas expliacutecitos e cientificamente aceitos a partir do conhecimento impliacutecito Eacute nesse sentido que conceitos-em-accedilatildeo e teoremas-em-accedilatildeo podem progressivamente tornarem-se verdadeiros conceitos e teoremas cientiacuteficos mas isso pode levar muito tempo

A teoria dos campos conceituais um resumo

A teoria dos campos conceituais de Geacuterard Vergnaud eacute uma teoria psicoloacutegica cognitivista que supotildee que o nuacutecleo do desenvolvimento cognitivo eacute a conceitualizaccedilatildeo do real (1996a p 118) Eacute uma teoria psicoloacutegica de conceitos na qual a conceitualizaccedilatildeo eacute considerada a pedra angular da cogniccedilatildeo (1998 p 173) Para Vergnaud o conhecimento estaacute organizado em campos conceituais cujo domiacutenio de parte do aprendiz ocorre ao longo de um largo periacuteodo de tempo atraveacutes de experiecircncia maturidade e aprendizagem (1982 p 40) Campo conceitual eacute um conjunto informal e heterogecircneo de problemas situaccedilotildees conceitos relaccedilotildees estruturas conteuacutedos e operaccedilotildees de pensamento conectados uns aos outros e provavelmente entrelaccedilados durante o processo de aquisiccedilatildeo (ibid) Campo conceitual eacute definido tambeacutem como sendo em primeiro lugar um conjunto de situaccedilotildees cujo domiacutenio requer por sua vez o domiacutenio de vaacuterios conceitos procedimentos e representaccedilotildees de naturezas distintas (1988 p 141 1990 p 146) Conceitos satildeo definidos por trecircs conjuntos o primeiro eacute um conjunto de situaccedilotildees que constituem o referente do conceito o segundo eacute um conjunto de invariantes operatoacuterios (teoremas e conceitos-em-accedilatildeo) que datildeo o significado do conceito e o terceiro eacute um conjunto de representaccedilotildees simboacutelicas que compotildeem seu significante

Como satildeo as situaccedilotildees que datildeo sentido aos conceitos eacute natural definir campo conceitual como sendo sobretudo um conjunto de situaccedilotildees Um conceito torna-se significativo atraveacutes de uma variedade de situaccedilotildees (1994 p 46) mas o sentido natildeo estaacute nas situaccedilotildees em si mesmas assim como natildeo estaacute nas palavras nem nos siacutembolos (1990 p 158) O sentido eacute uma relaccedilatildeo do sujeito com situaccedilotildees e significantes Mais precisamente satildeo os

esquemas ie as accedilotildees e sua organizaccedilatildeo evocados no sujeito por uma situaccedilatildeo ou por um significante que constituem o sentido dessa situaccedilatildeo ou desse significante para esse indiviacuteduo (1990 p 158 1993 p 18) Vergnaud considera que os esquemas necessariamente se referem a situaccedilotildees a tal ponto que dever-se-ia falar em interaccedilatildeo esquema-situaccedilatildeo ao inveacutes de interaccedilatildeo sujeito-objeto Esquemas tecircm como ingredientes essenciais aquilo que Vergnaud chama de invariantes operatoacuterios ie conceitos-em-accedilatildeo e teoremas-em-accedilatildeo que constituem a parte conceitual dos esquemas ie os conhecimentos contidos nos esquemas Teorema-em-accedilatildeo eacute uma proposiccedilatildeo considerada como verdadeira sobre o real conceito-em-accedilatildeo eacute uma categoria de pensamento tida como pertinente (1996c p 202) Esse conhecimento eacute principalmente impliacutecito e o aprendiz tem dificuldades em explicaacute-lo ou expressaacute-lo mas isso natildeo significa que tal conhecimento natildeo possa ser explicitado Eacute atraveacutes do processo de explicitaccedilatildeo do conhecimento impliacutecito ndash aiacute o professor tem um papel mediador fundamental ndash que os teoremas-em-accedilatildeo e conceitos-em-accedilatildeo podem tornar-se verdadeiros teoremas e conceitos cientiacuteficos Uma proposiccedilatildeo expliacutecita pode ser debatida uma proposiccedilatildeo tida como verdadeira de maneira totalmente impliacutecita natildeo Assim o caraacuteter do conhecimento muda se for comunicaacutevel debatido e compartilhado (op cit p 204)

A figura 1 apresenta um mapa conceitual para a teoria de Vergnaud ou seja um diagrama conceitual destacando os conceitos-chave da teoria e suas principais interrelaccedilotildees As palavras que aparecem sobre as linhas conectando os conceitos procuram explicitar a natureza da relaccedilatildeo entre elas Por exemplo a relaccedilatildeo entre situaccedilotildees e conceitos eacute referente pois as situaccedilotildees eacute que datildeo sentido ao conceito ie constituem o referente do conceito Outro exemplo a interaccedilatildeo entre situaccedilotildees e esquemas eacute a fonte primaacuteria das representaccedilotildees simboacutelicas e estas constituem o significante de um conceito As setas quando existem sugerem apenas uma direccedilatildeo para leitura

Ao mesmo tempo que se afasta de Piaget ndash ocupando-se do estudo do funcionamento cognitivo do sujeito-em-situaccedilatildeo ao inveacutes de ocupar-se de operaccedilotildees loacutegicas gerais ou de estruturas gerais de pensamento e tomando como referecircncia o proacuteprio conteuacutedo do conhecimento e a anaacutelise conceitual do domiacutenio desse conhecimento (1994 p 41 Franchi 1999 p 160) ndash a teoria de Vergnaud tem forte base piagetiana que se manifesta principalmente no importante papel que o conceito de esquema tem nessa teoria Por outro lado tem tambeacutem influecircncia vygotskyana pois considera o professor como importante mediador no longo processo que caracteriza o progressivo domiacutenio de um campo conceitual pelo aluno Sua tarefa consiste principalmente em ajudar o aluno a desenvolver seu repertoacuterio de esquemas e representaccedilotildees Novos esquemas natildeo podem ser desenvolvidos sem novos invariantes operatoacuterios A linguagem e os siacutembolos satildeo importantes nesse processo de acomodaccedilatildeo e o professor faz amplo uso deles na sua funccedilatildeo mediadora Mas o principal ato mediador do professor eacute o de prover situaccedilotildees frutiacuteferas aos alunos (1998 p 181) Um conceito ou uma proposiccedilatildeo torna-se significativo atraveacutes de uma variedade de situaccedilotildees mas natildeo se capta o significado sozinho O papel mediador do professor eacute essencial (1994 p 44)

A teoria dos campos conceituais o ensino de ciecircncias e a pesquisa nessa aacuterea

Basta dar atenccedilatildeo agrave bibliografia usada neste trabalho para perceber que a teoria de Vergnaud tem sido utilizada principalmente como referencial para a educaccedilatildeo matemaacutetica Nada mais natural pois as pesquisas de Vergnaud e que sustentam sua teoria tecircm focalizado a aprendizagem e o ensino da Matemaacutetica particularmente das estruturas aditivas e multiplicativas Natildeo obstante como foi dito na introduccedilatildeo essa teoria natildeo eacute especiacutefica da Matemaacutetica e justamente por isso este texto tem por objetivo descrevecirc-la e divulgaacute-la entre professores de ciecircncias e pesquisadores em educaccedilatildeo em ciecircncias

Nas proacuteximas seccedilotildees seratildeo comentadas algumas implicaccedilotildees da teoria dos campos conceituais de Vergnaud para o ensino de ciecircncias e para a pesquisa nesse campo

Conhecimento PreacutevioAprendizagem significativa

A teoria dos campos conceituais destaca que a aquisiccedilatildeo de conhecimento eacute moldada pelas situaccedilotildees e problemas previamente dominados e que esse conhecimento tem portanto muitas caracteriacutesticas contextuais Assim muitas de nossas concepccedilotildees vecircm das primeiras situaccedilotildees que fomos capazes de dominar ou de nossa experiecircncia tentando modificaacute-las (1996 a p 117) No entanto existe provavelmente uma lacuna consideraacutevel entre os invariantes que os sujeitos constroacuteem ao interagir com o meio e os invariantes que constituem o conhecimento cientiacutefico

As concepccedilotildees preacutevias dos alunos tecircm sido consideradas como erros misconceptionsconcepccedilotildees ingecircnuas concepccedilotildees alternativa em relaccedilatildeo agraves concepccedilotildees cientiacuteficas Para Vergnaud (1990 p 69) esta maneira de conceber o conhecimento preacutevio supotildee a crianccedila o aluno ou o adulto aprendiz como incompletos imperfeitos ou deficientes em comparaccedilatildeo a adultos especialistas Essa abordagem segundo ele eacute inadequada agraves questotildees de desenvolvimento cognitivo aiacute envolvidas Seria muito mais frutiacutefero considerar o sujeito como um sistema dinacircmico com mecanismos regulatoacuterios capazes de assegurar seu progresso cognitivo

Muitas das concepccedilotildees errocircneas dos alunos derivam do fato de que eles atribuem a certas palavras usadas em ciecircncias para representar conceitos o mesmo significado que atribuem a essas mesmas palavras no dia-a-dia Inclusive de uma ciecircncia para outra os significados de uma mesma palavra podem ser distintos mas o aluno pode natildeo captaacute-los como distintos

As prediccedilotildees que os estudantes fazem para responder questotildees do tipo ldquoO que aconteceraacute se rdquo ou as explicaccedilotildees que datildeo para responder questotildees do tipo ldquoexpliquerdquo ldquointerpreterdquo ldquojustifiquerdquo tecircm segundo Vergnaud (ibid p 73) alguns pontos em comum Por exemplo focalizam caracteriacutesticas perceptivas e relacionadas a eventos da situaccedilatildeo accedilotildees movimentos mudanccedila no aspecto (cor aparecimento de bolhas fumaccedila vapor etc) descrevem os elementos da situaccedilatildeo apenas em termos de suas propriedades e funccedilotildees concebem de maneira assimeacutetrica as interaccedilotildees entre elementos da situaccedilatildeo implicam sequumlenciaccedilatildeo temporal e espacial Estes modos de compreensatildeo que satildeo essencialmente

do tipo ldquorelacionado a eventordquo diferentemente do tipo ldquoconceitualrdquo usado no campo das ciecircncias satildeo inadequados e frequumlentemente levam a previsotildees errocircneas

A persistecircncia das chamadas concepccedilotildees alternativas inclusive em estudantes em cursos cientiacuteficos avanccedilados tecircm recebido vaacuterias interpretaccedilotildees poreacutem Vergnaud argumenta (ibid p 74) que em praticamente todas elas o sistema de percepccedilatildeo visual tem um papel preponderante na construccedilatildeo do conhecimento pelos sujeitos mas pouca atenccedilatildeo tem sido dada ao papel funcional dessas concepccedilotildees e poucas pesquisas tecircm sido feitas sobre os problemas que os sujeitos encontram para construiacute-las Por exemplo os ldquoerrosrdquo encontrados em alguns estudos frequumlentemente decorrem de fato de que os sujeitos se deparam com questotildees que nunca se propuseram antes ou que envolvem valores natildeo usuais das variaacuteveis de uma dada situaccedilatildeo Outro exemplo de dificuldade enfrentada pelos sujeitos estaacute no fato de que os modelos cientiacuteficos fazem uso de entidades que geralmente natildeo satildeo acessiacuteveis sensorialmente Em Fiacutesica por exemplo os estudantes enfrentam uma dificuldade que tambeacutem existe na Aacutelgebra a verificaccedilatildeo do significado de representaccedilotildees simboacutelicas depende natildeo soacute da habilidade que o sujeito tenha para representar as entidades e as relaccedilotildees entre elas mas principalmente de elementos conceituais que devem ser levados em conta (conceitos como sistema estado interaccedilatildeo transferecircncia conservaccedilatildeo apenas para mencionar alguns) (ibid p 76)

O que tudo isso quer dizer eacute que eacute normal que os alunos apresentem tais concepccedilotildees e que elas devem ser consideradas como precursoras de conceitos cientiacuteficos a serem adquiridos A ativaccedilatildeo desses precursores eacute necessaacuteria e deve ser guiada pelo professor

As concepccedilotildees preacutevias dos alunos contecircm teoremas e conceitos-em-accedilatildeo que natildeo satildeo verdadeiros teoremas e conceitos cientiacuteficos mas que podem evoluir para eles Poreacutem como jaacute foi dito o hiato entre os invariantes operatoacuterios dos alunos e os do conhecimento cientiacutefico eacute grande de modo que a mudanccedila conceitual poderaacute levar muito tempo

Por outro lado pode ocorrer que certos conceitos possam ser construiacutedos somente se certas concepccedilotildees preacutevias forem abandonadas Quer dizer o conhecimento preacutevio pode funcionar como obstaacuteculo epistemoloacutegico (ibid p 83) Nesse caso a accedilatildeo mediadora do professor eacute tambeacutem imprescindiacutevel

A construccedilatildeo do conhecimento pelo aprendiz natildeo eacute um processo linear facilmente identificaacutevel Ao contraacuterio eacute complexo tortuoso demorado com avanccedilos e retrocessos continuidades e rupturas O conhecimento preacutevio eacute determinante no progressivo domiacutenio de um campo conceitual mas pode tambeacutem em alguns casos ser impeditivo Continuidades e rupturas natildeo satildeo no entanto excludentes Pode haver continuidade e ruptura A Aacutelgebra por exemplo se apoacuteia na Aritmeacutetica mas ainda assim para aprendecirc-la eacute necessaacuterio romper com a Aritmeacutetica A Mecacircnica Claacutessica e a Mecacircnica Quacircntica apresentam continuidades mas para aprender esta eacute preciso rupturas com aquela

No ensino eacute necessaacuterio desestabilizar cognitivamente o aluno mas natildeo demais Eacute preciso identificar sobre quais conhecimentos preacutevios a crianccedila pode se apoiar para aprender mas eacute forccediloso tambeacutem distinguir quais as rupturas necessaacuterias Quer dizer eacute preciso propor

tambeacutem com cuidado situaccedilotildees para as quais os alunos natildeo tecircm onde se apoiar ou natildeo devem se apoiar em conhecimentos preacutevios

As ideacuteias de Vergnaud sobre o papel do conhecimento preacutevio (que pode ser ldquoalternativordquo) como percursor de novos conhecimentos (que podem ser cientiacuteficos) e sobre as continuidades e rupturas na construccedilatildeo do conhecimento parecem ter muito a ver com a teoria da aprendizagem significativa de Ausubel (Ausubel et al 1980 Moreira 1999 a e b) Para Ausubel o conhecimento preacutevio eacute o principal fator isolado que influencia a aquisiccedilatildeo de novos conhecimentos A aprendizagem significativa se caracteriza pela interaccedilatildeo entre o novo conhecimento e o conhecimento preacutevio Eacute nessa interaccedilatildeo que o novo conhecimento adquire significados e o conhecimento preacutevio se modifica eou adquire novos significados Mas tal interaccedilatildeo natildeo eacute arbitraacuteria ou seja o novo conhecimento adquire significados pela interaccedilatildeo com conhecimentos preacutevios especificamente relevantes Em outras palavras a interaccedilatildeo natildeo eacute com qualquer conhecimento preacutevio Nesse sentido no ensino eacute preciso identificar sobre quais conhecimentos preacutevios o aluno pode se apoiar para aprender Contudo o efeito do conhecimento preacutevio na aprendizagem eacute tatildeo forte que em certos casos eacute preciso romper com ele Por exemplo no ensino do conceito de aprendizagem significativa pode natildeo ser adequado apoiar-se na ideacuteia de interaccedilatildeo pois esta pode estar fortemente arraigada na estrutura cognitiva como sendo uma relaccedilatildeo assimeacutetrica que poderia dificultar a compreensatildeo do fato de que na aprendizagem significativa tanto o novo conhecimento como o conhecimento preacutevio se modificam Por outro lado a compreensatildeo da aprendizagem significativa como uma relaccedilatildeo simeacutetrica ou de accedilatildeo reciacuteproca juntamente com a aprendizagem de outros processos envolvendo accedilatildeo reciacuteproca poderia levar a uma evoluccedilatildeo dos conceitos e teoremas-em-accedilatildeo associados agrave ideacuteia de interaccedilatildeo (que eacute uma ideacuteia-chave na ciecircncia) para outros progressivamente mais proacuteximos daqueles cientificamente compartilhados

Mas se a teoria dos campos conceituais eacute compatiacutevel com a teoria da aprendizagem significativa por que natildeo ficar com esta que eacute bastante mais conhecida e aceita no ensino de ciecircncias A resposta eacute que podem ser tomadas como complementares a teoria de Ausubel eacute uma teoria de aprendizagem em sala de aula de aquisiccedilatildeo de corpos organizados de conhecimento em situaccedilatildeo formal de ensino enquanto que a teoria de Vergnaud eacute uma teoria psicoloacutegica do processo de conceituaccedilatildeo do real que se propotildee a localizar e estudar continuidades e rupturas entre conhecimentos do ponto de vista de seu conteuacutedo conceitual A teoria de Vergnaud natildeo eacute uma teoria de ensino de conceitos expliacutecitos e formalizados embora tenha subjacente a ideacuteia de que os conhecimentos-em-accedilatildeo (largamente impliacutecitos) podem evoluir ao longo do tempo para conhecimentos cientiacuteficos (expliacutecitos) A teoria de Ausubel por outro lado se ocupa exatamente da aquisiccedilatildeo de conceitos expliacutecitos e formalizados chegando inclusive a propor princiacutepios programaacuteticos ndash como a diferenciaccedilatildeo progressiva a reconciliaccedilatildeo integradora e a consolidaccedilatildeo ndash para a organizaccedilatildeo do ensino

Ao resgatar e enriquecer o conceito de esquema introduzindo os conceitos de teorema-em-accedilatildeo e conceito-em-accedilatildeo ao definir conceito como um tripleto ao colocar a conceitualizaccedilatildeo no acircmago do desenvolvimento cognitivo ao priorizar a interaccedilatildeo sujeito-situaccedilatildeo e como natildeo poderia deixar de ser ao definir campo conceitual Vergnaud provecirc um referencial muito rico para compreender explicar e investigar o processo da

aprendizagem significativa A teoria dos campos conceituais de Vergnaud parece prover um referencial adequado para analisar a estrutura fina da teoria da aprendizagem significativa de Ausubel O que para Ausubel satildeo campos organizados de conhecimento para Vergnaud satildeo campos conceituais

ProfessorEnsino

Um determinado campo conceitual como o da Eletricidade por exemplo pode ser progressivamente dominado por um aprendiz mas o ensino atraveacutes da accedilatildeo mediadora do professor eacute essencial para isso Professores satildeo mediadores Sua tarefa eacute a de ajudar os alunos a desenvolver seu repertoacuterio de esquemas e representaccedilotildees (1998 p 180) Desenvolvendo novos esquemas os alunos tornam-se capazes de enfrentar situaccedilotildees cada vez mais complexas Novos esquemas natildeo podem ser desenvolvidos sem novos invariantes operacionais A linguagem e os siacutembolos satildeo importantes nesse processo Os professores usam palavras e sentenccedilas para explicar formular questotildees selecionar informaccedilotildees propor metas expectativas regras e planos Contudo sua accedilatildeo mediadora mais importante eacute a de prover situaccedilotildees (de aprendizagem) frutiacuteferas para os estudantes (ibid) Tais situaccedilotildees devem ser cuidadosamente escolhidas ordenadas diversificadas apresentadas no momento certo e dentro da zona de desenvolvimento proximal do aluno Sem duacutevida uma tarefa difiacutecil mas essencial

Para Vergnaud o desenvolvimento cognitivo depende de situaccedilotildees e conceitualizaccedilotildees especiacuteficas para lidar com elas Satildeo as situaccedilotildees que datildeo sentido aos conceitos elas eacute que satildeo responsaacuteveis pelo sentido atribuiacutedo ao conceito (Barais amp Vergnaud 1990 p 78) um conceito torna-se significativo atraveacutes de uma variedade de situaccedilotildees (1994 p 46) mas o sentido natildeo estaacute nas situaccedilotildees em si mesmas assim como natildeo estaacute nas palavras nem nos siacutembolos (1990 p 158)

Cabe aqui lembrar que embora estejamos falando do ensino e do papel do professor na perspectiva de Vergnaud as situaccedilotildees antes referidas natildeo satildeo situaccedilotildees didaacuteticas propriamente ditas mas sim tarefas problemas

O papel do professor como mediador provedor de situaccedilotildees problemaacuteticas frutiacuteferas estimuladoras da interaccedilatildeo sujeito-situaccedilatildeo que leva agrave ampliaccedilatildeo e agrave diversificaccedilatildeo de seus esquemas de accedilatildeo ou seja ao desenvolvimento cognitivo deixa ainda mais evidente que a teoria de Vergnaud tem tambeacutem forte influecircncia vigotskyana

Haacute no entanto outra importante implicaccedilatildeo da teoria dos campos conceituais para o ensino a questatildeo do conhecimento impliacutecito e do conhecimento expliacutecito A escola segundo Vergnaud (1994 p 47) superestima o conhecimento expliacutecito e subestima ateacute mesmo desvaloriza o conhecimento impliacutecito dos alunos Contudo a maior parte de nossa atividade fiacutesica e mental de nosso comportamento enfim eacute constituiacuteda de esquemas e estes tecircm como componentes essenciais os invariantes operatoacuterios (conceitos e teoremas-em-accedilatildeo) que constituem os conhecimentos contidos nos esquemas e que satildeo largamente impliacutecitos Quer dizer haacute muito de impliacutecito nos esquemas Os alunos em geral natildeo satildeo capazes de explicar ou expressar em linguagem natural seus teoremas-em-accedilatildeo ainda que

sejam capazes de resolver certas tarefas (situaccedilotildees) Natildeo soacute alunos qualquer pessoa muitas vezes eacute incapaz de colocar em palavras coisas que faz muito bem conhecimentos que tem Haacute um hiato entre a accedilatildeo e a formalizaccedilatildeo da accedilatildeo Agimos com o auxiacutelio de invariantes operatoacuterios sem expressaacute-los ou sem sermos capazes de expressaacute-los A anaacutelise cognitiva dessas accedilotildees muitas vezes revela a existecircncia de potentes teoremas e conceitos-em-accedilatildeo impliacutecitos Esse conhecimento no entanto natildeo pode ser apropriadamente chamado de conceitual pois o conhecimento conceitual eacute necessariamente expliacutecito (Vergnaud et al 1990 p 20) Portanto palavras e outros siacutembolos sentenccedilas e outras expressotildees simboacutelicas satildeo instrumentos cognitivos indispensaacuteveis para a transformaccedilatildeo de invariantes operatoacuterios impliacutecitos em conceitos e teoremas cientiacuteficos expliacutecitos (ibid) Quer dizer a formalizaccedilatildeo ndash o ensino direcionado agrave formalizaccedilatildeo ndash eacute necessaacuteria poreacutem eacute preciso levar em conta que as ideacuteias cientiacuteficas evoluem no aluno durante um longo periacuteodo de desenvolvimento cognitivo atraveacutes de uma variedade de situaccedilotildees e atividades e que qualquer conhecimento formal e axiomatizado que o aluno apresenta pode natildeo ser mais do que a parte visiacutevel de um iceberg formado basicamente por conhecimentos impliacutecitos (op cit p 21) O ensino de ciecircncias natildeo pode deixar de lado a simbolizaccedilatildeo e a formalizaccedilatildeo porque a ciecircncia eacute simboacutelica formal e expliacutecita mas eacute preciso ter sempre em mente que o conhecimento do aluno como de qualquer outro sujeito eacute em grande parte impliacutecito O ensino de ciecircncias deve facilitar a transformaccedilatildeo do conhecimento impliacutecito em expliacutecito sem nunca subestimaacute-lo ou desvalorizaacute-lo A trajetoacuteria do aprendiz ao longo de um campo conceitual cientiacutefico eacute sinuosa difusa difiacutecil e sobretudo demorada Natildeo se pode esperar que um aluno domine um campo conceitual como o da Termodinacircmica por exemplo atraveacutes de uma ou duas unidades didaacuteticas desenvolvidas ao longo de dois ou trecircs meses Eacute normal que o aluno continue usando conhecimentos impliacutecitos ao mesmo tempo que vai se apropriando dos conhecimentos expliacutecitos da ciecircncia A perspectiva dos campos conceituais eacute progressiva natildeo substitutiva Ou seja o campo conceitual vai sendo progressivamente dominado pelo aprendiz o conhecimento impliacutecito vai evoluindo progressivamente para o expliacutecito ao inveacutes de ser substituiacutedo por ele Isso como alerta Vergnaud pode levar muito tempo muitos anos talvez mas o ensino e em uacuteltima anaacutelise o professor tecircm um papel essencial nesse processo Sem o ensino natildeo haacute razatildeo nenhuma para se acreditar que o sujeito passe a dominar campos conceituais complexos e formalizados como os cientiacuteficos

Resoluccedilatildeo de Problemas

O ensino de ciecircncias tradicionalmente envolve trecircs aspectos principais profundamente interrelacionados o conhecimento teoacuterico (conceitos leis princiacutepios equaccedilotildees) as praacuteticas de laboratoacuterio (experimentos demonstraccedilotildees procedimentos cientiacuteficos) e a resoluccedilatildeo de problemas (abertos fechados como investigaccedilatildeo de papel e laacutepis) Obviamente qualquer professor experiente sabe que essa distinccedilatildeo eacute artificial o conhecimento cientiacutefico eacute produzido atraveacutes da interaccedilatildeo entre o domiacutenio conceitual e o metodoloacutegico Poreacutem na perspectiva de Vergnaud esta interdependecircncia entre a teoria e a praacutetica fica muito clara

Como jaacute foi dito reiteradamente ao longo deste texto satildeo as situaccedilotildees[1] que datildeo sentido aos conceitos um conceito torna-se significativo atraveacutes de uma variedade de situaccedilotildees os conhecimentos dos alunos satildeo moldados pelas situaccedilotildees que encontram e

progressivamente dominam Embora o conceito de situaccedilatildeo tenha na teoria dos campos conceituais o significado de tarefa podemos supor que no acircmbito das ciecircncias situaccedilatildeo significa tambeacutem problema Ou podemos falar em situaccedilotildees e problemas como faz o proacuteprio Vergnaud ao dizer que ldquoa aquisiccedilatildeo de conhecimento eacute moldada pelas situaccedilotildees e problemas previamente dominados e portanto o conhecimento do sujeito tem muitos aspectos locaisrdquo (1994 p 42) Em outro trabalho bastante anterior a esse Vergnaud diz que ldquona verdade os conceitos se desenvolvem atraveacutes da resoluccedilatildeo de problemas e esse desenvolvimento eacute lentordquo (1983b p 172)

Isso significa que a resoluccedilatildeo de problemas ou as situaccedilotildees de resoluccedilatildeo de problemas satildeo essenciais para a conceitualizaccedilatildeo mas como chama atenccedilatildeo Vergnaud (1994 p 42) ldquoum problema natildeo eacute um problema para um indiviacuteduo a menos que ele ou ela tenha conceitos que oa tornem capaz de consideraacute-lo como um problema para si mesmordquo Ou seja haacute uma relaccedilatildeo dialeacutetica e ciacuteclica entre a conceitualizaccedilatildeo e a resoluccedilatildeo de problemas Para Vergnaud a problematizaccedilatildeo vai muito aleacutem da abstraccedilatildeo de regularidades do mundo observaacutevel Problemas satildeo teoacutericos e praacuteticos natildeo meramente empiacutericos mesmo para crianccedilas pequenas Quando uma classe de problemas eacute resolvida por um indiviacuteduo (o que significa que ela ou ele desenvolve um esquema eficiente para lidar com todos ou quase todos os problemas dessa classe) o caraacuteter problemaacutetico dessa classe especiacutefica desaparece (ibid) Mas essa competecircncia desenvolvida pelo indiviacuteduo o habilita a reconhecer ou considerar novos problemas para si mesmo trata-se entatildeo de um processo ciacuteclico

Vergnaud chama de ldquoilusatildeo pedagoacutegicardquo (1983 b p 173) a atitude dos professores que crecircem que o ensino de Fiacutesica digamos consiste na apresentaccedilatildeo organizada clara rigorosa das teorias formais e que quando isso eacute bem feito os alunos aprendem Trata-se de uma ilusatildeo porque segundo ele eacute atraveacutes de situaccedilotildees de resoluccedilatildeo de problemas que os conceitos se desenvolvem no aluno e as situaccedilotildees de resoluccedilatildeo de problemas que tornam os conceitos significativos para os alunos podem estar pelo menos inicialmente muito distantes do formalismo apresentado pelo professor Mas apesar disso tais situaccedilotildees satildeo essenciais para o desenvolvimento de conceitos Quer dizer ao mesmo tempo que as situaccedilotildees formais satildeo necessaacuterias eacute preciso levar em consideraccedilatildeo que o aluno pode estar ainda muito longe delas (1983 b p 172)

Novamente podemos estabelecer um certo paralelo entre as teorias de Ausubel e Vergnaud A aprendizagem receptiva de Ausubel poderia ser interpretada como a ilusatildeo pedagoacutegica de Vergnaud mas natildeo eacute assim Ausubel certamente defenderia a apresentaccedilatildeo organizada clara rigorosa das teoria formais poreacutem desde que fossem potencialmente significativas o que implicaria que o aprendiz tivesse o conhecimento preacutevio adequado e se dispusesse a aprender Isso estaria de acordo com a postura de Vergnaud no sentido de que o domiacutenio de situaccedilotildees preacutevias eacute importante para o domiacutenio de situaccedilotildees novas Acrescente-se a isso que para Ausubel a resoluccedilatildeo de problemas em particular de situaccedilotildees problemaacuteticas novas e natildeo familiares que requeiram maacutexima transformaccedilatildeo do conhecimento adquirido eacute a principal evidecircncia da aprendizagem significativa (Ausubel et al 1980)

A teoria de Vergnaud parece ser entatildeo um bom referencial para anaacutelise das dificuldades dos alunos na resoluccedilatildeo de problemas em ciecircncias e consequumlentemente da conceitualizaccedilatildeo em ciecircncias Tais dificuldades poderiam por exemplo ser examinadas em

termos de invariantes operatoacuterios quer dizer em termos de quais os conceitos e teoremas-em-accedilatildeo que os estudantes estariam usando na resoluccedilatildeo de problemas e de quatildeo distantes estariam dos conceitos e teoremas cientiacuteficos adequados agrave resoluccedilatildeo do problema em pauta

Representaccedilotildees[2]

No tripleto C (S I R) que define conceito (p 4 deste trabalho) Vergnaud dizia que S (o conjunto de situaccedilotildees que datildeo sentido ao conceito) eacute a realidade e (I R) a representaccedilatildeo dessa realidade que pode ser considerada como dois aspectos interagentes do pensamento o significado (I) e o significante (R)

Isso sugere que inicialmente Vergnaud usava o termo representaccedilatildeo como sendo o de um sistema simboacutelico que significaria algo para o sujeito um sistema de signos e uma sintaxe ou operaccedilotildees sobre elementos do sistema Para ele conceitos e siacutembolos eram duas faces da mesma moeda e devia-se sempre dar atenccedilatildeo ao uso que os alunos faziam dos siacutembolos agrave luz do uso que faziam dos conceitos Quer dizer a habilidade em resolver situaccedilotildees em linguagem natural seria o melhor criteacuterio para aquisiccedilatildeo de conceitos mas por outro lado a simbolizaccedilatildeo ajudaria nisso (1982 p 57) Assim como haacute problemas mais facilmente resolviacuteveis do que outros ou procedimentos mais faacuteceis do que outros haveria representaccedilotildees simboacutelicas mais potentes do que outras equaccedilotildees por exemplo seriam mais potentes que diagramas de Euler-Venn Todavia tais equaccedilotildees deveriam representar situaccedilotildees significativas

Poreacutem em outro trabalho mais recente (1998 p 173) Vergnaud fala em teorias de representaccedilotildees e diz que para ser uacutetil uma teoria dessas deve conter a ideacuteia de que as representaccedilotildees ofereccedilam possibilidades de inferecircncia ie que elas nos tornem capazes de antecipar eventos futuros e gerar condutas para chegar a algum efeito positivo ou evitar algum efeito negativo

Diz ele (op cit p 174) que temos representaccedilotildees computaacuteveis para gestos e accedilotildees sobre o mundo fiacutesico bem como para comportamentos verbais e para interaccedilotildees sociais Tais representaccedilotildees podem ser corretas ou erradas vagas ou precisas expliacutecitas ou totalmente impliacutecitas em qualquer caso elas funcionam como substitutos computaacuteveis da realidade e portanto satildeo feitas de teoremas-em-accedilatildeo proposiccedilotildees tidas como verdadeiras

A construccedilatildeo do conhecimento consiste entatildeo na progressiva construccedilatildeo de representaccedilotildees mentais que satildeo homomoacuterficas agrave realidade para alguns aspectos e para outros natildeo (1990 p 22) Por um lado a representaccedilatildeo eacute ativa pragmaacutetica e operacional por outro eacute discursiva teoacuterica e simboacutelica (ibid) Mas haacute importantes lacunas entre o que estaacute representado na mente de um indiviacuteduo e o significado usual das palavras e outros signos pois sistemas linguumliacutesticos e semioacuteticos natildeo tecircm por finalidade expressar exatamente o que cada indiviacuteduo tem em mente quando enfrenta uma situaccedilatildeo selecionando e processando a informaccedilatildeo (1998 p 176) Para Vergnaud a relaccedilatildeo entre situaccedilotildees e esquemas eacute a fonte primaacuteria da representaccedilatildeo mas sua teoria afasta-se muito da visatildeo de que um objeto pode ser representado mentalmente de maneira natildeo ambiacutegua atraveacutes de

siacutembolos Por maior que seja (e eacute grande) o papel dos siacutembolos no pensamento o conhecimento natildeo eacute em essecircncia simboacutelico O reconhecimento de invariantes em accedilatildeo e percepccedilatildeo e a progressiva construccedilatildeo de objetos e predicados de niacutevel mais alto satildeo aspectos mais essenciais do conhecimento (op cit p 177)

Podemos entatildeo fazer uma ponte entre os significados mais recentes de representaccedilatildeo na teoria de Vergnaud e a teoria tambeacutem recente dos modelos mentais (Johnson-Laird 1983 Moreira 1996) Dizer que temos representaccedilotildees computaacuteveis para gestos e accedilotildees sobre o mundo fiacutesico para comportamentos verbais e para interaccedilotildees sociais e que tais representaccedilotildees -- que podem ser corretas ou erradas vagas ou precisas expliacutecitas ou (principalmente) impliacutecitas -- permitem fazer inferecircncias eacute praticamente dizer que tais representaccedilotildees satildeo modelos mentais Johnson-Laird define modelos mentais como anaacutelogos estruturais de estados de coisas do mundo Satildeo instrumentos de compreensatildeo e inferecircncia Quando nos defrontamos com uma situaccedilatildeo nova construiacutemos um modelo mental para entendecirc-la descrevecirc-la e prever o que vai acontecer Este modelo pode ser correto ou natildeo (no sentido de que suas previsotildees natildeo satildeo corretas cientificamente) pode ser vago confuso incompleto mas eacute sobretudo funcional para seus construtor e pode ser modificado recursivamente ateacute atingir tal funcionalidade

Modelos mentais podem ser basicamente proposicionais ie constituiacutedos principalmente de proposiccedilotildees ou basicamente imagiacutesticos ou seja construiacutedos predominantemente com imagens ou ainda hiacutebridos quer dizer formados por proposiccedilotildees e imagens (Greca e Moreira 1997) Entatildeo as proposiccedilotildees constituintes dos modelos mentais podem ser interpretadas como teoremas-em-accedilatildeo de Vergnaud Como ele mesmo diz as representaccedilotildees funcionam como substitutos computaacuteveis da realidade e portanto satildeo feitas de teoremas-em-accedilatildeo Com o progressivo domiacutenio de um campo conceitual os teoremas-em-accedilatildeo (grandemente impliacutecitos) vatildeo se aproximando de teoremas cientiacuteficos (proposiccedilotildees expliacutecitas) Analogamente agrave medida que o sujeito adquire mais conhecimentos cientiacuteficos seus modelos mentais aproximam-se (no sentido de que permitem dar significados cientificamente aceitos) dos modelos cientiacuteficos

Pode-se assim dizer que os modelos mentais de Johnson-Laird contecircm aquilo que Vergnaud chama de teoremas-em-accedilatildeo ou seja proposiccedilotildees tidas como verdadeiras sobre o real Mas esta aparente compatibilidade entre as duas teorias pode ir aleacutem pois os conceitos-em-accedilatildeo de Vergnaud tambeacutem podem integrar modelos mentais Conceitos-em-accedilatildeo satildeo objetos predicados ou categorias de pensamento tidos como pertinentes relevantes agrave situaccedilatildeo Analogamente segundo o princiacutepio do construtivismo (Johnson-Laird 1983 p 398) um modelo mental eacute construiacutedo a partir de sinais (tokens) dispostos em uma estrutura particular para representar em certo estado de coisas (isto eacute uma certa situaccedilatildeo) Se interpretaacutessemos esses sinais (tokens) como objetos predicados ou categorias de pensamento pertinentes dir-se-ia que os modelos mentais contecircm tambeacutem conceitos-em-accedilatildeo

Contudo eacute importante natildeo confundir modelos mentais com esquemas de assimilaccedilatildeo Para Vergnaud os invariantes operatoacuterios (teoremas e conceitos-em-accedilatildeo) satildeo componentes essenciais dos esquemas e acabamos de dizer que os modelos mentais contecircm proposiccedilotildees e sinais (tokens) que podem ser interpretados como invariantes operatoacuterios mas ainda

assim modelos mentais e esquemas satildeo construtos distintos Modelo mental eacute instrumento de compreensatildeo construiacutedo no momento da compreensatildeo e descartaacutevel se for alcanccedilada (para o construtor) a funcionalidade desejada (ou seja a compreensatildeo mesmo que natildeo compartilhada cientificamente) Esquema de assimilaccedilatildeo eacute segundo Vergnaud a organizaccedilatildeo invariante do comportamento para uma determinada classe de situaccedilotildees Portanto esquemas de assimilaccedilatildeo satildeo mais estaacuteveis o sujeito constroacutei determinado esquema e o utiliza para assimilar uma certa classe de situaccedilotildees ou seja usa sempre o mesmo esquema para cada situaccedilatildeo dessa classe Mas frente a uma situaccedilatildeo nova eacute preciso acomodar ou seja construir um novo esquema de assimilaccedilatildeo e eacute exatamente aiacute que parece encaixar bem a ideacuteia de modelo mental para compreender uma nova situaccedilatildeo o sujeito constroacutei inicialmente um modelo mental (que como foi dito pode conter invariantes operatoacuterios) natildeo um esquema de assimilaccedilatildeo Na medida em que a nova situaccedilatildeo deixa de ser nova e passa a ser rotineira o modelo mental evolui para esquema de assimilaccedilatildeo quer dizer se estabiliza Mas isso natildeo quer dizer que todo modelo mental venha a se transformar em esquema de assimilaccedilatildeo Modelos mentais satildeo recursivos o que significa que vatildeo sendo construiacutedos e modificados quase que simultaneamente ateacute que se tornem funcionais quando entatildeo podem ser descartados ou talvez ldquoguardadosrdquo ateacute que se tornem esquemas de assimilaccedilatildeo Trata-se ao que parece de um bom assunto para pesquisar

Pesquisa

Como uacuteltimo toacutepico deste texto abordar-se-aacute a pesquisa em ensino de ciecircncias no referencial da teoria dos campos conceituais Vejamos primeiramente no entanto o que diz Vergnaud sobre a pesquisa em campos conceituais

Segundo ele (1988 p 149) a abordagem canocircnica ao estudo de um campo conceitual envolve identificar e classificar situaccedilotildees e entatildeo coletar dados sobre procedimentos e outras maneiras atraveacutes das quais os estudantes expressam seu raciociacutenio Um ciclo de pesquisa inicia com a identificaccedilatildeo de niacuteveis de objetos relaccedilotildees e teoremas-em-accedilatildeo O ciclo continua entatildeo com o delineamento de situaccedilotildees e materiais e sua experimentaccedilatildeo com alunos completando-se com a construccedilatildeo de representaccedilotildees simboacutelicas atraveacutes da observaccedilatildeo e anaacutelise dos diferentes fenocircmenos que ocorrem (ibid) Comeccedila entatildeo um segundo ciclo para melhorar o primeiro e assim sucessivamente O estudo do domiacutenio de certos campos conceituais eacute um programa de longo prazo que dificilmente pode ser feito por um pesquisador isolado ou mesmo por um grupo de pesquisa isolado

Portanto o primeiro passo para estudar o progressivo domiacutenio de um campo conceitual por parte do aluno eacute identificar e classificar situaccedilotildees Mas isso envolve duas ideacuteias principais diversidade e histoacuteria Ou seja existe uma grande variedade de situaccedilotildees em um dado campo conceitual e as aprendizagens dos alunos satildeo moldadas pelas situaccedilotildees com as quais se depararam e progressivamente dominaram particularmente as primeiras suscetiacuteveis de dar sentido aos conceitos e procedimentos que lhes queremos ensinar (1990 p 150) A combinaccedilatildeo dessas duas ideacuteias dificulta o trabalho do pesquisador em ensino porque a primeira o dirige para a anaacutelise para a decomposiccedilatildeo em elementos simples e para as possiacuteveis combinaccedilotildees de situaccedilotildees enquanto que a segunda o orienta para a busca de

situaccedilotildees funcionais quase sempre compostas de vaacuterias relaccedilotildees cuja importacircncia relativa estaacute largamente ligada agrave frequumlecircncia com que satildeo encontradas (ibid)

Em outras palavras o estudo psicogeneacutetico da aquisiccedilatildeo de um campo conceitual implica a anaacutelise em termos relacionais e hieraacuterquicos das diferentes classes de problemas que podem ser propostos aos alunos Implica tambeacutem o estudo dos distintos procedimentos e representaccedilotildees simboacutelicas que o aprendiz utiliza (1982 p 40) Em relaccedilatildeo agraves representaccedilotildees Vergnaud diz (1994 p 43) que eacute uma tarefa essencial teoacuterica e empiacuterica dos pesquisadores entender por que uma certa representaccedilatildeo simboacutelica particular pode ser uacutetil e sob quais condiccedilotildees e quando e por que pode ser proveitosamente substituiacuteda por outra mais abstrata e geral

Embora Vergnaud e vaacuterios pesquisadores que trabalham sob o referencial de sua teoria tenham se dedicado principalmente agrave pesquisa em educaccedilatildeo matemaacutetica e em particular ao estudo dos campos conceituais das estruturas aditivas e multiplicativas essa abordagem agrave pesquisa certamente se aplica ao ensino de ciecircncias ou agrave educaccedilatildeo em ciecircncias se preferirmos esta terminologia Na resoluccedilatildeo de problemas por exemplo pode-se analisar as dificuldades dos alunos em termos de invariantes operatoacuterios Quer dizer os alunos muitas vezes resolvem problemas usando conhecimentos-em-accedilatildeo que podem ateacute conduzi-los agrave uma soluccedilatildeo satisfatoacuteria para uma certa situaccedilatildeo mas que natildeo funcionam para outra situaccedilatildeo ligeiramente diferente da primeira porque tais conhecimentos natildeo satildeo cientiacuteficos e tampouco constituem um esquema de assimilaccedilatildeo que pode ser aplicado a uma classe de situaccedilotildees Por outro lado tais conhecimentos-em-accedilatildeo mdash que satildeo largamente impliacutecitos mdash podem ser precursores na aquisiccedilatildeo de conceitos cientiacuteficos e portanto devem ser identificados ie pesquisados Os trabalhos de Sousa (2001) e de Sousa e Faacutevero (2002) no qual a resoluccedilatildeo de problemas em Fiacutesica foi investigada em uma situaccedilatildeo de interlocuccedilatildeo entre um especialista e um novato eacute um exemplo nessa direccedilatildeo Costa e Moreira (2002) e Escudero e Moreira (2002) tambeacutem estatildeo trabalhando em resoluccedilatildeo de problemas em Fiacutesica e procurando interpretar as dificuldades dos alunos na construccedilatildeo de modelos mentais do enunciado agrave luz de aspectos da teoria dos campos conceituais

O estudo da aprendizagem de conceitos fiacutesicos tambeacutem pode ser feito no referencial teoacuterico de Vergnaud Para ele satildeo as situaccedilotildees que datildeo sentido ao conceito os invariantes operatoacuterios que constituem seu significado e as representaccedilotildees simboacutelicas o seu significante Portanto como sugere Vergnaud eacute preciso identificar e classificar situaccedilotildees adequadas agrave aprendizagem de determinado conceito pesquisar os invariantes operatoacuterios usados pelos alunos e procurar entender como por que e quando uma certa representaccedilatildeo simboacutelica pode ajudar na conceitualizaccedilatildeo O trabalho de Lemeignan e Weil-Barais (1994) eacute talvez pioneiro nessa linha As pesquisas de Stipcich e Moreira (2002) sobre o conceito de interaccedilatildeo e de Moreira e Sousa (2002) a respeito do conceito de potencial eleacutetrico estatildeo usando o referencial de Vergnaud para interpretar as dificuldades dos alunos na aprendizagem significativa desses conceitos

Obviamente a teoria dos campos conceituais pode tambeacutem ser usada como referente teoacuterico em pesquisas sobre mudanccedila conceitual De um modo geral pode-se dizer que essa teoria eacute potencialmente uacutetil na anaacutelise das dificuldades dos alunos na resoluccedilatildeo de problemas em ciecircncias na aprendizagem de conceitos cientiacuteficos e na mudanccedila conceitual

Uma vez identificadas tais dificuldades essa mesma teoria pode ajudar no delineamento de estrateacutegias ou melhor na seleccedilatildeo de situaccedilotildees instrucionais que possam ajudar na progressiva superaccedilatildeo de tais dificuldades ou em outras palavras no progressivo (e lento) domiacutenio do(s) campo(s) conceitual(is) envolvido(s) Esse domiacutenio progressivo implica capacidade de resolver problemas conceitualizaccedilatildeo e mudanccedila (evoluccedilatildeo) conceitual

Natildeo tatildeo oacutebvia eacute a possibilidade de investigar questotildees como a modelagem mental no referencial de Vergnaud poreacutem uma vez aceita a compatibilidade aludida na seccedilatildeo anterior entre a teoria dos modelos mentais e a teoria dos campos conceituais tal possibilidade decorre naturalmente Enfim a potencialidade do uso da teoria de Vergnaud na pesquisa e ensino de ciecircncias parece ser grande Nesta seccedilatildeo foram apenas aventadas possibilidades e referidos alguns estudos

Conclusatildeo

Este trabalho teve por objetivo descrever a teoria dos campos conceituais de Geacuterard Vergnaud particularmente para uma audiecircncia de professores e pesquisadores em ensino de ciecircncias Essa teoria eacute bastante conhecida na aacuterea da educaccedilatildeo matemaacutetica poreacutem relativamente pouco no campo da educaccedilatildeo em ciecircncias e justamente por isso foi objeto deste texto

Trata-se de uma teoria de base piagetiana mas que afasta-se bastante de Piaget ao tomar como referecircncia o proacuteprio conteuacutedo do conhecimento e a anaacutelise conceitual do progressivo domiacutenio desse conhecimento bem como ao ocupar-se do estudo do desenvolvimento cognitivo do sujeito-em-situaccedilatildeo ao inveacutes de operaccedilotildees loacutegicas gerais de estruturas gerais do pensamento Ao fazer isso a teoria de Vergnaud apresenta um grande potencial para descrever analisar e interpretar aquilo que se passa em sala de aula na aprendizagem de matemaacutetica e ciecircncias Provavelmente esse tipo de teoria eacute o de maior utilidade para fundamentar o ensino e a pesquisa em ensino nessa aacuterea

Aleacutem de descrever a teoria propriamente dita procurou-se neste texto estabelecer elos com a teoria da aprendizagem significativa de Ausubel (outra ldquoteoria de sala de aulardquo) e com a recente teoria dos modelos mentais de Johnson-Laird assim como destacar implicaccedilotildees para o ensino e para a pesquisa em ensino de ciecircncias

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[1] Lembremos que um campo conceitual eacute em primeiro lugar um conjunto de situaccedilotildees (1998 p 141 1990 p 5) cujo domiacutenio requer o domiacutenio de vaacuterios conceitos de naturezas distintas (volta para o texto) [2] A ponte entre a teoria de Vergnaud e a teoria dos modelos mentais de Johnson-Laird feita nesta seccedilatildeo estaacute bem mais elaborada no trabalho ldquoAleacutem da detecccedilatildeo de modelos mentais dos estudantes Uma proposta representacional integradorardquo de Ileana Greca e Marco Antonio Moreira (volta para o texto)

Page 6: A Teoria Dos Campos Conceituais de Vergnaud

requer o domiacutenio de vaacuterios conceitos de naturezas distintas

Situaccedilotildees

O conceito de situaccedilatildeo empregado por Vergnaud natildeo eacute o de situaccedilatildeo didaacutetica mas sim o de tarefa sendo que toda situaccedilatildeo complexa pode ser analisada como uma combinaccedilatildeo de tarefas para as quais eacute importante conhecer suas naturezas e dificuldades proacuteprias A dificuldade de uma tarefa natildeo eacute nem a soma nem o produto das diferentes subtarefas envolvidas mas eacute claro que o desempenho em cada subtarefa afeta o desempenho global (1990 p 146 1993 p 9)

Vergnaud recorre tambeacutem ao sentido que segundo ele (op cit p 150 e p 12) eacute atribuiacutedo usualmente pelo psicoacutelogo ao conceito de situaccedilatildeo os processos cognitivos e as respostas do sujeito satildeo funccedilatildeo das situaccedilotildees com as quais eacute confrontado Aleacutem disso ele destaca duas ideacuteias principais em relaccedilatildeo ao sentido de situaccedilatildeo variedade e histoacuteria Isto eacute em um certo campo conceitual existe uma grande variedade de situaccedilotildees e os conhecimentos dos alunos satildeo moldados pelas situaccedilotildees que encontram e progressivamente dominam particularmente pelas primeiras situaccedilotildees suscetiacuteveis de dar sentido aos conceitos e procedimentos que queremos que aprendam (ibid) Segundo Vergnaud muitas de nossas concepccedilotildees vecircm das primeiras situaccedilotildees que fomos capazes de dominar ou de nossa experiecircncia tentando modificaacute-las (1996a p 117)

Como foi dito antes as situaccedilotildees eacute que datildeo sentido ao conceito as situaccedilotildees eacute que satildeo responsaacuteveis pelo sentido atribuiacutedo ao conceito (Barais amp Vergnaud 1990 p 78) um conceito torna-se significativo atraveacutes de uma variedade de situaccedilotildees (1994 p 46) Mas o sentido natildeo estaacute nas situaccedilotildees em si mesmas assim como natildeo estaacute nas palavras nem nos siacutembolos (1990 p 158)

O sentido eacute uma relaccedilatildeo do sujeito com as situaccedilotildees e com os significantes Mais precisamente satildeo os esquemas ie os comportamentos e sua organizaccedilatildeo evocados no sujeito por uma situaccedilatildeo ou por um significante (representaccedilatildeo simboacutelica) que constituem o sentido dessa situaccedilatildeo ou desse significante para esse indiviacuteduo (1990 p 158 1993 p 18) Por exemplo o sentido de adiccedilatildeo para um sujeito individual eacute o conjunto de esquemas que ele pode utilizar para lidar com situaccedilotildees com as quais se defronta e que implicam a ideacuteia de adiccedilatildeo eacute tambeacutem o conjunto de esquemas que ele pode acionar para operar sobre os siacutembolos numeacutericos algeacutebricos graacuteficos e linguumliacutesticos que representam a adiccedilatildeo (ibid) Por outro lado uma dada situaccedilatildeo ou um certo simbolismo natildeo evocam no indiviacuteduo todos os esquemas disponiacuteveis o que significa que o sentido de uma situaccedilatildeo particular de adiccedilatildeo natildeo eacute o sentido de adiccedilatildeo para esse indiviacuteduo assim como natildeo o eacute o sentido de um siacutembolo particular Trata-se de um subconjunto dos esquemas que o sujeito possui ou dos esquemas possiacuteveis (ibid)

Vejamos onde estamos a ideacuteia de campo conceitual nos levou ao conceito de conceito como um tripleto (referente significado e significante) poreacutem como satildeo as situaccedilotildees que datildeo sentido ao conceito chegamos ao conceito de situaccedilatildeo e dele ao de esquema pois satildeo os esquemas evocados no sujeito que datildeo sentido a uma dada situaccedilatildeo O conceito de

esquema como veremos nos levaraacute ao conceito de invariante operatoacuterio

Esquemas

Vergnaud chama de esquema a organizaccedilatildeo invariante do comportamento para uma determinada classe de situaccedilotildees (1990 p 136 1993 p 2 1994 p 53 1996c p 201 1998 p 168) Segundo ele eacute nos esquemas que se devem pesquisar os conhecimentos-em-accedilatildeo do sujeito isto eacute os elementos cognitivos que fazem com que a accedilatildeo do sujeito seja operatoacuteria

Esquema eacute o conceito introduzido por Piaget para dar conta das formas de organizaccedilatildeo tanto das habilidades sensoacuterio-motoras como das habilidades intelectuais Um esquema gera accedilotildees e deve conter regras mas natildeo eacute um estereoacutetipo porque a sequumlecircncia de accedilotildees depende dos paracircmetros da situaccedilatildeo (1994 p 53) Um esquema eacute um universal que eacute eficiente para toda uma gama de situaccedilotildees e pode gerar diferentes sequumlecircncias de accedilatildeo de coleta de informaccedilotildees e de controle dependendo das caracteriacutesticas de cada situaccedilatildeo particular Natildeo eacute o comportamento que eacute invariante mas a organizaccedilatildeo do comportamento (1998 p 172)

Haacute esquemas perceptivo-gestuais como o de contar objetos ou de fazer um graacutefico ou um diagrama mas haacute tambeacutem esquemas verbais como o de fazer um discurso e esquemas sociais como o de seduzir outra pessoa ou o de gerenciar um conflito (ibid) Algoritmos por exemplo satildeo esquemas mas nem todos os esquemas satildeo algoritmos Quando algoritmos satildeo utilizados repetidamente para tratar as mesmas situaccedilotildees eles se transformam em esquemas ordinaacuterios ou haacutebitos (op cit p 176)

Vergnaud considera que os esquemas necessariamente se referem a situaccedilotildees a tal ponto que segundo ele (1996c p 203) dever-se-ia falar em interaccedilatildeo esquema-situaccedilatildeo ao inveacutes de interaccedilatildeo sujeito-objeto da qual falava Piaget Decorre daiacute que o desenvolvimento cognitivo consiste sobretudo e principalmente no desenvolvimento de um vasto repertoacuterio de esquemas Este repertoacuterio afeta esferas muito distintas da atividade humana e quando analisamos por exemplo os conteuacutedos da competecircncia profissional de um indiviacuteduo frequumlentemente observamos que junto a competecircncias teacutecnicas e cientiacuteficas propriamente ditas estatildeo com peso consideraacutevel competecircncias sociais e afetivas A educaccedilatildeo portanto deve contribuir para que o sujeito desenvolva um repertoacuterio amplo e diversificado de esquemas poreacutem procurando evitar que esses esquemas se convertam em estereoacutetipos esclerosados (ibid)

Voltemos agrave definiccedilatildeo esquema eacute a organizaccedilatildeo invariante do comportamento para uma dada classe de situaccedilotildees Trata-se de uma definiccedilatildeo precisa mas que certamente necessita de maiores especificaccedilotildees para facilitar sua compreensatildeo Aquilo que Vergnaud chama de ingredientes dos esquemas (1990 p 136 142 1994 p 46 1996a p 113-114 1996b p 11 1996c p 201-202-206 1998 p 173) fornece tais especificaccedilotildees

1 metas e antecipaccedilotildees (um esquema se dirige sempre a uma classe de situaccedilotildees nas quais o sujeito pode descobrir uma possiacutevel finalidade de sua atividade e eventualmente

submetas pode tambeacutem esperar certos efeitos ou certos eventos) 2 regras de accedilatildeo do tipo se entatildeo que constituem a parte verdadeiramente geradora do esquema aquela que permite a geraccedilatildeo e a continuidade da sequumlecircncia de accedilotildees do sujeito satildeo regras de busca de informaccedilatildeo e controle dos resultados da accedilatildeo 3 invariantes operatoacuterios (teoremas-em-accedilatildeo e conceitos-em-accedilatildeo) que dirigem o reconhecimento por parte do indiviacuteduo dos elementos pertinentes agrave situaccedilatildeo satildeo os conhecimentos contidos nos esquemas satildeo eles que constituem a base impliacutecita ou expliacutecita que permite obter a informaccedilatildeo pertinente e dela inferir a meta a alcanccedilar e as regras de accedilatildeo adequadas 4 possibilidades de inferecircncia (ou raciociacutenios) que permitem calcular aqui e agora as regras e antecipaccedilotildees a partir das informaccedilotildees e invariantes operatoacuterios de que dispotildee o sujeito ou seja toda a atividade implicada nos trecircs outros ingredientes requer caacutelculos aqui e imediatamente em situaccedilatildeoComo foi dito para Vergnaud os esquemas se referem necessariamente a situaccedilotildees ou classes de situaccedilotildees onde ele (1993 p 2) distingue entre 1 classes de situaccedilotildees em que o sujeito dispotildee no seu repertoacuterio em dado momento de seu desenvolvimento e sob certas circunstacircncias das competecircncias necessaacuterias ao tratamento relativamente imediato da situaccedilatildeo 2 classes de situaccedilotildees em que o sujeito natildeo dispotildee de todas as competecircncias necessaacuterias o que obriga a um tempo de reflexatildeo e exploraccedilatildeo a hesitaccedilotildees a tentativas frustradas levando-o eventualmente ao sucesso ou ao fracassoSegundo Vergnaud (ibid) o conceito de esquema natildeo funciona do mesmo modo nas duas classes Na primeira delas observam-se para uma mesma classe de situaccedilotildees condutas amplamente automatizadas organizadas por um soacute esquema enquanto que na segunda observa-se a sucessiva utilizaccedilatildeo de vaacuterios esquemas que podem entrar em competiccedilatildeo e que para atingir a meta desejada devem ser acomodados descombinados e recombinados

De um modo geral todas as condutas comportam uma parte automatizada e uma parte de decisatildeo consciente Os esquemas satildeo frequumlentemente eficazes mas nem sempre efetivos Quando o sujeito usa um esquema ineficaz para uma certa situaccedilatildeo a experiecircncia o leva a mudar de esquema ou a modificar o esquema (1990 p 138) Estaacute aiacute a ideacuteia piagetiana de que os esquemas estatildeo no centro do processo de adaptaccedilatildeo das estruturas cognitivas ie na assimilaccedilatildeo e na acomodaccedilatildeo Contudo Vergnaud daacute ao conceito de esquema um alcance muito maior do que Piaget e insiste em que os esquemas devem relacionar-se com as caracteriacutesticas das situaccedilotildees agraves quais se aplicam

Haacute muito de impliacutecito nos esquemas Muitos esquemas podem ser evocados sucessivamente e mesmo simultaneamente em uma situaccedilatildeo nova para o sujeito (1990 p 140) As condutas em uma dada situaccedilatildeo repousam sobre o repertoacuterio inicial de esquemas que o sujeito dispotildee Como jaacute foi dito o desenvolvimento cognitivo pode ser interpretado como consistindo sobretudo no desenvolvimento de um vasto repertoacuterio de esquemas afetando esferas muito distintas da atividade humana

Do ponto de vista teoacuterico o conceito de esquema proporciona o indispensaacutevel viacutenculo entre a conduta e a representaccedilatildeo (1996c p 202) a relaccedilatildeo entre situaccedilotildees e esquemas eacute a fonte primaacuteria da representaccedilatildeo e portanto da conceitualizaccedilatildeo (1998 p 177) Por outro lado satildeo os invariantes operatoacuterios que fazem a articulaccedilatildeo essencial entre teoria e praacutetica pois a

percepccedilatildeo a busca e a seleccedilatildeo de informaccedilatildeo baseiam-se inteiramente no sistema de conceitos-em-accedilatildeo disponiacuteveis para o sujeito (objetos atributos relaccedilotildees condiccedilotildees circunstacircncias) e nos teoremas-em-accedilatildeo subjacentes agrave sua conduta (1996c p 202)

As expressotildees conceito-em-accedilatildeo e teorema-em-accedilatildeo designam os conhecimentos contidos nos esquemas Satildeo tambeacutem designados por Vergnaud pela expressatildeo mais global invariantes operatoacuterios Teorema-em-accedilatildeo eacute uma proposiccedilatildeo considerada como verdadeira sobre o real conceito-em-accedilatildeo eacute uma categoria de pensamento considerada como pertinente (ibid)

Esta seccedilatildeo foi dedicada ao conceito de esquema Dos ingredientes de um esquema ndash metas e antecipaccedilotildees regras de accedilatildeo invariantes operatoacuterios e possibilidades de inferecircncia ndash os invariantes operatoacuterios ie os conhecimentos-em-accedilatildeo (conceitos e teoremas-em-accedilatildeo) constituem a base conceitual impliacutecita ou expliacutecita que permite obter a informaccedilatildeo pertinente e a partir dela e da meta a atingir inferir as regras de accedilatildeo mais pertinentes para abordar uma situaccedilatildeo (1996c p 201)

Um exemplo de esquema dado por Franchi (1999 p 165) pode ser uacutetil para ilustrar esses aspectos e concluir esta seccedilatildeo Trata-se do esquema da enumeraccedilatildeo de uma pequena coleccedilatildeo de objetos discretos por uma crianccedila de cinco anos por mais que varie a forma de contar por exemplo copos na mesa cadeiras da sala pessoas sentadas de maneira esparsa em um jardim natildeo deixa de haver uma organizaccedilatildeo invariante para o funcionamento do esquema coordenaccedilatildeo dos movimentos dos olhos e gestos dos dedos e das matildeos enunciaccedilatildeo correta da seacuterie numeacuterica identificaccedilatildeo do uacuteltimo elemento da seacuterie como o cardinal do conjunto enumerado (acentuaccedilatildeo ou repeticcedilatildeo do uacuteltimo nuacutemero pronunciado) Vecirc-se facilmente que o esquema descrito recorre a atividades perceptivo-motoras a significantes (as palavras-nuacutemeros) e a construccedilotildees conceituais tais como a de correspondecircncia biuniacutevoca entre conjuntos de objetos e subconjuntos de nuacutemeros naturais a de cardinal e ordinal e outras Recorre igualmente a conhecimentos tais como os que identificam o uacuteltimo elemento da seacuterie ordinal ao cardinal do conjunto Esses conceitos e conhecimentos satildeo impliacutecitos e praticamente insuscetiacuteveis de explicitaccedilatildeo por uma crianccedila nas fases iniciais da aprendizagem de competecircncias e conceitos aritmeacuteticos Entretanto orientam o desenvolvimento da accedilatildeo sendo chamados de conhecimentos-em-accedilatildeo A ausecircncia de uma conceituaccedilatildeo adequada estaacute no centro da origem dos erros sistemaacuteticos cometidos pelos alunos (ibid)

Naturalmente os esquemas usados por crianccedilas maiores e por adultos em determinadas classes de situaccedilotildees podem ser muito mais elaborados mas a ideacuteia eacute mesma o esquema eacute a forma estrutural da atividade eacute a organizaccedilatildeo invariante do sujeito sobre uma classe de situaccedilotildees dadas (op cit p 164) e conteacutem conhecimentos-em-accedilatildeo que satildeo impliacutecitos

Invariantes operatoacuterios

Designam-se pelas expressotildees conceito-em-accedilatildeo e teorema-em-accedilatildeo os conhecimentos contidos nos esquemas Pode-se tambeacutem designaacute-los pela expressatildeo mais abrangente invariantes operatoacuterios (1993 p 4) Esquema eacute a organizaccedilatildeo da conduta para uma certa

classe de situaccedilotildees teoremas-em-accedilatildeo e conceitos-em-accedilatildeo satildeo invariantes operacionais logo satildeo componentes essenciais dos esquemas (1998 p 167) e determinam as diferenccedilas entre eles

Teorema-em-accedilatildeo eacute uma proposiccedilatildeo tida como verdadeira sobre o real Conceito-em-accedilatildeo eacute um objeto um predicado ou uma categoria de pensamento tida como pertinente relevante (1996c p 202 1998 p 167)

Vejamos exemplos de teoremas-em-accedilatildeo Consideremos a seguinte situaccedilatildeo proposta a alunos de 13 anos (1994 p 49) O consumo de farinha eacute em meacutedia 35 kg por semana para dez pessoas Qual a quantidade de farinha necessaacuteria para cinquumlenta pessoas durante 28 dias Resposta de um aluno 5 vezes mais pessoas 4 vezes mais dias 20 vezes mais farinha logo 35 x 20 = 70 kg

Eacute impossiacutevel segundo Vergnaud (ibid) dar conta desse raciociacutenio sem supor o seguinte teorema impliacutecito na cabeccedila do aluno f(n1x1 n2x2) = n1n2 f(x1x2) ou seja Consumo (5 x 10 4 x 7) = 5 x 4 Consumo (10 7)

Naturalmente este teorema funciona porque as razotildees de 50 pessoas para 10 pessoas e 28 dias para 7 dias satildeo simples e evidentes Ele natildeo seria tatildeo facilmente aplicado a outros valores numeacutericos Portanto seu escopo de aplicaccedilatildeo eacute limitado Ainda assim eacute um teorema que pode ser expresso por exemplo em palavras O consumo eacute proporcional ao nuacutemero de pessoas quando o nuacutemero de dias eacute mantido constante e eacute proporcional ao nuacutemero de dias quando o nuacutemero de pessoas eacute mantido constante Pode tambeacutem ser expresso pela foacutermula C = kPD onde C eacute o consumo P o nuacutemero de pessoas D o nuacutemero de dias e k o consumo por pessoa por dia

Eacute claro que essas diferentes maneiras de expressar o mesmo raciociacutenio natildeo satildeo cognitivamente equivalentes A segunda eacute mais difiacutecil Satildeo maneiras complementares de explicitar a mesma estrutura matemaacutetica impliacutecita em diferentes niacuteveis de abstraccedilatildeo

Suponhamos agora outras situaccedilotildees (1998 p 174)

A Janete tinha 7 bolinhas de gude Ela jogou e ganhou 5 bolinhas Quantas bolinhas ela tem agora B Paulo tinha 12 bolinhas de gude Ele jogou e perdeu 5 bolinhas Quantas bolinhas ele tem agora C Hans tinha 9 bolinhas de gude Ele jogou com Rute Ele tem agora 14 bolinhas de gude O que aconteceu no jogo D Rute jogou bolinhas de gude com Hans e perdeu 5 bolinhas Ela agora tem 7 bolinhas de gude Quantas ela tinha antes de jogar Haacute vaacuterios conceitos-em-accedilatildeo distintos impliacutecitos na compreensatildeo dessas situaccedilotildees nuacutemero cardinal ganho e perda aumento e diminuiccedilatildeo transformaccedilatildeo e estado estado inicial e final transformaccedilatildeo positiva e negativa adiccedilatildeo e subtraccedilatildeo

Os conceitos relevantes satildeo os mesmos para todas as situaccedilotildees mas a situaccedilatildeo D eacute bem mais difiacutecil para alunos de sete ou oito anos porque implica raciocinar para traacutes e achar o

estado inicial adicionando as 5 bolinhas perdidas ao estado final de 7 bolinhas Tal

raciociacutenio depende de um forte teorema-em-accedilatildeo (ibid) onde I eacute o estado inicial F o estado final T a transformaccedilatildeo direta e T--1 a transformaccedilatildeo inversa

Segundo Vergnaud (1994 p 54) entre os mais importantes teoremas-em-accedilatildeo desenvolvidos pelos estudantes encontram-se as propriedades isomoacuterficas da funccedilatildeo linear

e as propriedades de coeficiente constante dessa mesma funccedilatildeo

e algumas propriedades especiacuteficas de funccedilotildees bilineares como a do primeiro

exemplo

Entre os mais importantes conceitos-em-accedilatildeo desenvolvidos pelos alunos acham-se os de grandeza e magnitude valor unitaacuterio razatildeo e fraccedilatildeo funccedilatildeo e variaacutevel taxa constante dependecircncia e independecircncia quociente e produto de dimensotildees

Haacute uma relaccedilatildeo dialeacutetica entre conceitos-em-accedilatildeo e teoremas-em-accedilatildeo uma vez que conceitos satildeo ingredientes de teoremas e teoremas satildeo propriedades que datildeo aos conceitos seus conteuacutedos Mas seria um erro confundi-los (1998 p 174) Conceitos em accedilatildeo satildeo ingredientes necessaacuterios das proposiccedilotildees Mas conceitos natildeo satildeo teoremas pois natildeo permitem derivaccedilotildees (inferecircncias ou computaccedilotildees) derivaccedilotildees requerem proposiccedilotildees Proposiccedilotildees podem ser verdadeiras ou falsas conceitos podem ser apenas relevantes ou irrelevantes Ainda assim natildeo existem proposiccedilotildees sem conceitos (1994 p 55)

Reciprocamente natildeo haacute conceitos sem proposiccedilotildees pois eacute a necessidade de derivar accedilotildees das representaccedilotildees do mundo e de ter concepccedilotildees verdadeiras (ou pelo menos adequadas) do mundo que tornam necessaacuterios os conceitos Um modelo computaacutevel do conhecimento intuitivo deve compreender conceitos-em-accedilatildeo e teoremas-em-accedilatildeo como ingredientes essenciais dos esquemas Esquemas satildeo fundamentais porque geram accedilotildees incluindo operaccedilotildees intelectuais mas podem geraacute-las porque contecircm invariantes operatoacuterios (teoremas e conceitos-em-accedilatildeo) que formam o nuacutecleo da representaccedilatildeo

Por outro lado um conceito-em-accedilatildeo natildeo eacute um verdadeiro conceito cientiacutefico nem um teorema-em-accedilatildeo eacute um verdadeiro teorema a menos que se tornem expliacutecitos Na ciecircncia conceitos e teoremas satildeo expliacutecitos e pode-se discutir sua pertinecircncia e sua veracidade mas esse natildeo eacute necessariamente o caso dos invariantes operatoacuterios (1990 p 144) Conceitos e

teoremas expliacutecitos natildeo constituem mais do que a parte visiacutevel do iceberg da conceitualizaccedilatildeo sem a parte escondida formada pelos invariantes operatoacuterios essa parte visiacutevel natildeo seria nada Reciprocamente natildeo se pode falar de invariantes operatoacuterios integrados nos esquemas sem a ajuda de categorias do conhecimento expliacutecito proposiccedilotildees funccedilotildees proposicionais objetos argumentos (ibid)

Mas conceitos-em-accedilatildeo e teoremas-em-accedilatildeo podem progressivamente tornarem-se verdadeiros conceitos e teoremas cientiacuteficos O status do conhecimento eacute muito diferente quando ele eacute explicitado ao inveacutes de ficar totalmente imerso na accedilatildeo O conhecimento expliacutecito pode ser comunicado a outros e discutido o conhecimento impliacutecito natildeo (1998 p 175)

Em geral os alunos natildeo satildeo capazes de explicar ou mesmo expressar em linguagem natural seus teoremas e conceitos-em-accedilatildeo Na abordagem de uma situaccedilatildeo os dados a serem trabalhados e a sequumlecircncia de caacutelculos a serem feitos dependem de teoremas-em-accedilatildeo e da identificaccedilatildeo de diferentes tipos de elementos pertinentes A maioria desses conceitos e teoremas-em-accedilatildeo permanecem totalmente impliacutecitos mas eles podem tambeacutem ser expliacutecitos ou tornarem-se expliacutecitos e aiacute entra o ensino ajudar o aluno a construir conceitos e teoremas expliacutecitos e cientificamente aceitos a partir do conhecimento impliacutecito Eacute nesse sentido que conceitos-em-accedilatildeo e teoremas-em-accedilatildeo podem progressivamente tornarem-se verdadeiros conceitos e teoremas cientiacuteficos mas isso pode levar muito tempo

A teoria dos campos conceituais um resumo

A teoria dos campos conceituais de Geacuterard Vergnaud eacute uma teoria psicoloacutegica cognitivista que supotildee que o nuacutecleo do desenvolvimento cognitivo eacute a conceitualizaccedilatildeo do real (1996a p 118) Eacute uma teoria psicoloacutegica de conceitos na qual a conceitualizaccedilatildeo eacute considerada a pedra angular da cogniccedilatildeo (1998 p 173) Para Vergnaud o conhecimento estaacute organizado em campos conceituais cujo domiacutenio de parte do aprendiz ocorre ao longo de um largo periacuteodo de tempo atraveacutes de experiecircncia maturidade e aprendizagem (1982 p 40) Campo conceitual eacute um conjunto informal e heterogecircneo de problemas situaccedilotildees conceitos relaccedilotildees estruturas conteuacutedos e operaccedilotildees de pensamento conectados uns aos outros e provavelmente entrelaccedilados durante o processo de aquisiccedilatildeo (ibid) Campo conceitual eacute definido tambeacutem como sendo em primeiro lugar um conjunto de situaccedilotildees cujo domiacutenio requer por sua vez o domiacutenio de vaacuterios conceitos procedimentos e representaccedilotildees de naturezas distintas (1988 p 141 1990 p 146) Conceitos satildeo definidos por trecircs conjuntos o primeiro eacute um conjunto de situaccedilotildees que constituem o referente do conceito o segundo eacute um conjunto de invariantes operatoacuterios (teoremas e conceitos-em-accedilatildeo) que datildeo o significado do conceito e o terceiro eacute um conjunto de representaccedilotildees simboacutelicas que compotildeem seu significante

Como satildeo as situaccedilotildees que datildeo sentido aos conceitos eacute natural definir campo conceitual como sendo sobretudo um conjunto de situaccedilotildees Um conceito torna-se significativo atraveacutes de uma variedade de situaccedilotildees (1994 p 46) mas o sentido natildeo estaacute nas situaccedilotildees em si mesmas assim como natildeo estaacute nas palavras nem nos siacutembolos (1990 p 158) O sentido eacute uma relaccedilatildeo do sujeito com situaccedilotildees e significantes Mais precisamente satildeo os

esquemas ie as accedilotildees e sua organizaccedilatildeo evocados no sujeito por uma situaccedilatildeo ou por um significante que constituem o sentido dessa situaccedilatildeo ou desse significante para esse indiviacuteduo (1990 p 158 1993 p 18) Vergnaud considera que os esquemas necessariamente se referem a situaccedilotildees a tal ponto que dever-se-ia falar em interaccedilatildeo esquema-situaccedilatildeo ao inveacutes de interaccedilatildeo sujeito-objeto Esquemas tecircm como ingredientes essenciais aquilo que Vergnaud chama de invariantes operatoacuterios ie conceitos-em-accedilatildeo e teoremas-em-accedilatildeo que constituem a parte conceitual dos esquemas ie os conhecimentos contidos nos esquemas Teorema-em-accedilatildeo eacute uma proposiccedilatildeo considerada como verdadeira sobre o real conceito-em-accedilatildeo eacute uma categoria de pensamento tida como pertinente (1996c p 202) Esse conhecimento eacute principalmente impliacutecito e o aprendiz tem dificuldades em explicaacute-lo ou expressaacute-lo mas isso natildeo significa que tal conhecimento natildeo possa ser explicitado Eacute atraveacutes do processo de explicitaccedilatildeo do conhecimento impliacutecito ndash aiacute o professor tem um papel mediador fundamental ndash que os teoremas-em-accedilatildeo e conceitos-em-accedilatildeo podem tornar-se verdadeiros teoremas e conceitos cientiacuteficos Uma proposiccedilatildeo expliacutecita pode ser debatida uma proposiccedilatildeo tida como verdadeira de maneira totalmente impliacutecita natildeo Assim o caraacuteter do conhecimento muda se for comunicaacutevel debatido e compartilhado (op cit p 204)

A figura 1 apresenta um mapa conceitual para a teoria de Vergnaud ou seja um diagrama conceitual destacando os conceitos-chave da teoria e suas principais interrelaccedilotildees As palavras que aparecem sobre as linhas conectando os conceitos procuram explicitar a natureza da relaccedilatildeo entre elas Por exemplo a relaccedilatildeo entre situaccedilotildees e conceitos eacute referente pois as situaccedilotildees eacute que datildeo sentido ao conceito ie constituem o referente do conceito Outro exemplo a interaccedilatildeo entre situaccedilotildees e esquemas eacute a fonte primaacuteria das representaccedilotildees simboacutelicas e estas constituem o significante de um conceito As setas quando existem sugerem apenas uma direccedilatildeo para leitura

Ao mesmo tempo que se afasta de Piaget ndash ocupando-se do estudo do funcionamento cognitivo do sujeito-em-situaccedilatildeo ao inveacutes de ocupar-se de operaccedilotildees loacutegicas gerais ou de estruturas gerais de pensamento e tomando como referecircncia o proacuteprio conteuacutedo do conhecimento e a anaacutelise conceitual do domiacutenio desse conhecimento (1994 p 41 Franchi 1999 p 160) ndash a teoria de Vergnaud tem forte base piagetiana que se manifesta principalmente no importante papel que o conceito de esquema tem nessa teoria Por outro lado tem tambeacutem influecircncia vygotskyana pois considera o professor como importante mediador no longo processo que caracteriza o progressivo domiacutenio de um campo conceitual pelo aluno Sua tarefa consiste principalmente em ajudar o aluno a desenvolver seu repertoacuterio de esquemas e representaccedilotildees Novos esquemas natildeo podem ser desenvolvidos sem novos invariantes operatoacuterios A linguagem e os siacutembolos satildeo importantes nesse processo de acomodaccedilatildeo e o professor faz amplo uso deles na sua funccedilatildeo mediadora Mas o principal ato mediador do professor eacute o de prover situaccedilotildees frutiacuteferas aos alunos (1998 p 181) Um conceito ou uma proposiccedilatildeo torna-se significativo atraveacutes de uma variedade de situaccedilotildees mas natildeo se capta o significado sozinho O papel mediador do professor eacute essencial (1994 p 44)

A teoria dos campos conceituais o ensino de ciecircncias e a pesquisa nessa aacuterea

Basta dar atenccedilatildeo agrave bibliografia usada neste trabalho para perceber que a teoria de Vergnaud tem sido utilizada principalmente como referencial para a educaccedilatildeo matemaacutetica Nada mais natural pois as pesquisas de Vergnaud e que sustentam sua teoria tecircm focalizado a aprendizagem e o ensino da Matemaacutetica particularmente das estruturas aditivas e multiplicativas Natildeo obstante como foi dito na introduccedilatildeo essa teoria natildeo eacute especiacutefica da Matemaacutetica e justamente por isso este texto tem por objetivo descrevecirc-la e divulgaacute-la entre professores de ciecircncias e pesquisadores em educaccedilatildeo em ciecircncias

Nas proacuteximas seccedilotildees seratildeo comentadas algumas implicaccedilotildees da teoria dos campos conceituais de Vergnaud para o ensino de ciecircncias e para a pesquisa nesse campo

Conhecimento PreacutevioAprendizagem significativa

A teoria dos campos conceituais destaca que a aquisiccedilatildeo de conhecimento eacute moldada pelas situaccedilotildees e problemas previamente dominados e que esse conhecimento tem portanto muitas caracteriacutesticas contextuais Assim muitas de nossas concepccedilotildees vecircm das primeiras situaccedilotildees que fomos capazes de dominar ou de nossa experiecircncia tentando modificaacute-las (1996 a p 117) No entanto existe provavelmente uma lacuna consideraacutevel entre os invariantes que os sujeitos constroacuteem ao interagir com o meio e os invariantes que constituem o conhecimento cientiacutefico

As concepccedilotildees preacutevias dos alunos tecircm sido consideradas como erros misconceptionsconcepccedilotildees ingecircnuas concepccedilotildees alternativa em relaccedilatildeo agraves concepccedilotildees cientiacuteficas Para Vergnaud (1990 p 69) esta maneira de conceber o conhecimento preacutevio supotildee a crianccedila o aluno ou o adulto aprendiz como incompletos imperfeitos ou deficientes em comparaccedilatildeo a adultos especialistas Essa abordagem segundo ele eacute inadequada agraves questotildees de desenvolvimento cognitivo aiacute envolvidas Seria muito mais frutiacutefero considerar o sujeito como um sistema dinacircmico com mecanismos regulatoacuterios capazes de assegurar seu progresso cognitivo

Muitas das concepccedilotildees errocircneas dos alunos derivam do fato de que eles atribuem a certas palavras usadas em ciecircncias para representar conceitos o mesmo significado que atribuem a essas mesmas palavras no dia-a-dia Inclusive de uma ciecircncia para outra os significados de uma mesma palavra podem ser distintos mas o aluno pode natildeo captaacute-los como distintos

As prediccedilotildees que os estudantes fazem para responder questotildees do tipo ldquoO que aconteceraacute se rdquo ou as explicaccedilotildees que datildeo para responder questotildees do tipo ldquoexpliquerdquo ldquointerpreterdquo ldquojustifiquerdquo tecircm segundo Vergnaud (ibid p 73) alguns pontos em comum Por exemplo focalizam caracteriacutesticas perceptivas e relacionadas a eventos da situaccedilatildeo accedilotildees movimentos mudanccedila no aspecto (cor aparecimento de bolhas fumaccedila vapor etc) descrevem os elementos da situaccedilatildeo apenas em termos de suas propriedades e funccedilotildees concebem de maneira assimeacutetrica as interaccedilotildees entre elementos da situaccedilatildeo implicam sequumlenciaccedilatildeo temporal e espacial Estes modos de compreensatildeo que satildeo essencialmente

do tipo ldquorelacionado a eventordquo diferentemente do tipo ldquoconceitualrdquo usado no campo das ciecircncias satildeo inadequados e frequumlentemente levam a previsotildees errocircneas

A persistecircncia das chamadas concepccedilotildees alternativas inclusive em estudantes em cursos cientiacuteficos avanccedilados tecircm recebido vaacuterias interpretaccedilotildees poreacutem Vergnaud argumenta (ibid p 74) que em praticamente todas elas o sistema de percepccedilatildeo visual tem um papel preponderante na construccedilatildeo do conhecimento pelos sujeitos mas pouca atenccedilatildeo tem sido dada ao papel funcional dessas concepccedilotildees e poucas pesquisas tecircm sido feitas sobre os problemas que os sujeitos encontram para construiacute-las Por exemplo os ldquoerrosrdquo encontrados em alguns estudos frequumlentemente decorrem de fato de que os sujeitos se deparam com questotildees que nunca se propuseram antes ou que envolvem valores natildeo usuais das variaacuteveis de uma dada situaccedilatildeo Outro exemplo de dificuldade enfrentada pelos sujeitos estaacute no fato de que os modelos cientiacuteficos fazem uso de entidades que geralmente natildeo satildeo acessiacuteveis sensorialmente Em Fiacutesica por exemplo os estudantes enfrentam uma dificuldade que tambeacutem existe na Aacutelgebra a verificaccedilatildeo do significado de representaccedilotildees simboacutelicas depende natildeo soacute da habilidade que o sujeito tenha para representar as entidades e as relaccedilotildees entre elas mas principalmente de elementos conceituais que devem ser levados em conta (conceitos como sistema estado interaccedilatildeo transferecircncia conservaccedilatildeo apenas para mencionar alguns) (ibid p 76)

O que tudo isso quer dizer eacute que eacute normal que os alunos apresentem tais concepccedilotildees e que elas devem ser consideradas como precursoras de conceitos cientiacuteficos a serem adquiridos A ativaccedilatildeo desses precursores eacute necessaacuteria e deve ser guiada pelo professor

As concepccedilotildees preacutevias dos alunos contecircm teoremas e conceitos-em-accedilatildeo que natildeo satildeo verdadeiros teoremas e conceitos cientiacuteficos mas que podem evoluir para eles Poreacutem como jaacute foi dito o hiato entre os invariantes operatoacuterios dos alunos e os do conhecimento cientiacutefico eacute grande de modo que a mudanccedila conceitual poderaacute levar muito tempo

Por outro lado pode ocorrer que certos conceitos possam ser construiacutedos somente se certas concepccedilotildees preacutevias forem abandonadas Quer dizer o conhecimento preacutevio pode funcionar como obstaacuteculo epistemoloacutegico (ibid p 83) Nesse caso a accedilatildeo mediadora do professor eacute tambeacutem imprescindiacutevel

A construccedilatildeo do conhecimento pelo aprendiz natildeo eacute um processo linear facilmente identificaacutevel Ao contraacuterio eacute complexo tortuoso demorado com avanccedilos e retrocessos continuidades e rupturas O conhecimento preacutevio eacute determinante no progressivo domiacutenio de um campo conceitual mas pode tambeacutem em alguns casos ser impeditivo Continuidades e rupturas natildeo satildeo no entanto excludentes Pode haver continuidade e ruptura A Aacutelgebra por exemplo se apoacuteia na Aritmeacutetica mas ainda assim para aprendecirc-la eacute necessaacuterio romper com a Aritmeacutetica A Mecacircnica Claacutessica e a Mecacircnica Quacircntica apresentam continuidades mas para aprender esta eacute preciso rupturas com aquela

No ensino eacute necessaacuterio desestabilizar cognitivamente o aluno mas natildeo demais Eacute preciso identificar sobre quais conhecimentos preacutevios a crianccedila pode se apoiar para aprender mas eacute forccediloso tambeacutem distinguir quais as rupturas necessaacuterias Quer dizer eacute preciso propor

tambeacutem com cuidado situaccedilotildees para as quais os alunos natildeo tecircm onde se apoiar ou natildeo devem se apoiar em conhecimentos preacutevios

As ideacuteias de Vergnaud sobre o papel do conhecimento preacutevio (que pode ser ldquoalternativordquo) como percursor de novos conhecimentos (que podem ser cientiacuteficos) e sobre as continuidades e rupturas na construccedilatildeo do conhecimento parecem ter muito a ver com a teoria da aprendizagem significativa de Ausubel (Ausubel et al 1980 Moreira 1999 a e b) Para Ausubel o conhecimento preacutevio eacute o principal fator isolado que influencia a aquisiccedilatildeo de novos conhecimentos A aprendizagem significativa se caracteriza pela interaccedilatildeo entre o novo conhecimento e o conhecimento preacutevio Eacute nessa interaccedilatildeo que o novo conhecimento adquire significados e o conhecimento preacutevio se modifica eou adquire novos significados Mas tal interaccedilatildeo natildeo eacute arbitraacuteria ou seja o novo conhecimento adquire significados pela interaccedilatildeo com conhecimentos preacutevios especificamente relevantes Em outras palavras a interaccedilatildeo natildeo eacute com qualquer conhecimento preacutevio Nesse sentido no ensino eacute preciso identificar sobre quais conhecimentos preacutevios o aluno pode se apoiar para aprender Contudo o efeito do conhecimento preacutevio na aprendizagem eacute tatildeo forte que em certos casos eacute preciso romper com ele Por exemplo no ensino do conceito de aprendizagem significativa pode natildeo ser adequado apoiar-se na ideacuteia de interaccedilatildeo pois esta pode estar fortemente arraigada na estrutura cognitiva como sendo uma relaccedilatildeo assimeacutetrica que poderia dificultar a compreensatildeo do fato de que na aprendizagem significativa tanto o novo conhecimento como o conhecimento preacutevio se modificam Por outro lado a compreensatildeo da aprendizagem significativa como uma relaccedilatildeo simeacutetrica ou de accedilatildeo reciacuteproca juntamente com a aprendizagem de outros processos envolvendo accedilatildeo reciacuteproca poderia levar a uma evoluccedilatildeo dos conceitos e teoremas-em-accedilatildeo associados agrave ideacuteia de interaccedilatildeo (que eacute uma ideacuteia-chave na ciecircncia) para outros progressivamente mais proacuteximos daqueles cientificamente compartilhados

Mas se a teoria dos campos conceituais eacute compatiacutevel com a teoria da aprendizagem significativa por que natildeo ficar com esta que eacute bastante mais conhecida e aceita no ensino de ciecircncias A resposta eacute que podem ser tomadas como complementares a teoria de Ausubel eacute uma teoria de aprendizagem em sala de aula de aquisiccedilatildeo de corpos organizados de conhecimento em situaccedilatildeo formal de ensino enquanto que a teoria de Vergnaud eacute uma teoria psicoloacutegica do processo de conceituaccedilatildeo do real que se propotildee a localizar e estudar continuidades e rupturas entre conhecimentos do ponto de vista de seu conteuacutedo conceitual A teoria de Vergnaud natildeo eacute uma teoria de ensino de conceitos expliacutecitos e formalizados embora tenha subjacente a ideacuteia de que os conhecimentos-em-accedilatildeo (largamente impliacutecitos) podem evoluir ao longo do tempo para conhecimentos cientiacuteficos (expliacutecitos) A teoria de Ausubel por outro lado se ocupa exatamente da aquisiccedilatildeo de conceitos expliacutecitos e formalizados chegando inclusive a propor princiacutepios programaacuteticos ndash como a diferenciaccedilatildeo progressiva a reconciliaccedilatildeo integradora e a consolidaccedilatildeo ndash para a organizaccedilatildeo do ensino

Ao resgatar e enriquecer o conceito de esquema introduzindo os conceitos de teorema-em-accedilatildeo e conceito-em-accedilatildeo ao definir conceito como um tripleto ao colocar a conceitualizaccedilatildeo no acircmago do desenvolvimento cognitivo ao priorizar a interaccedilatildeo sujeito-situaccedilatildeo e como natildeo poderia deixar de ser ao definir campo conceitual Vergnaud provecirc um referencial muito rico para compreender explicar e investigar o processo da

aprendizagem significativa A teoria dos campos conceituais de Vergnaud parece prover um referencial adequado para analisar a estrutura fina da teoria da aprendizagem significativa de Ausubel O que para Ausubel satildeo campos organizados de conhecimento para Vergnaud satildeo campos conceituais

ProfessorEnsino

Um determinado campo conceitual como o da Eletricidade por exemplo pode ser progressivamente dominado por um aprendiz mas o ensino atraveacutes da accedilatildeo mediadora do professor eacute essencial para isso Professores satildeo mediadores Sua tarefa eacute a de ajudar os alunos a desenvolver seu repertoacuterio de esquemas e representaccedilotildees (1998 p 180) Desenvolvendo novos esquemas os alunos tornam-se capazes de enfrentar situaccedilotildees cada vez mais complexas Novos esquemas natildeo podem ser desenvolvidos sem novos invariantes operacionais A linguagem e os siacutembolos satildeo importantes nesse processo Os professores usam palavras e sentenccedilas para explicar formular questotildees selecionar informaccedilotildees propor metas expectativas regras e planos Contudo sua accedilatildeo mediadora mais importante eacute a de prover situaccedilotildees (de aprendizagem) frutiacuteferas para os estudantes (ibid) Tais situaccedilotildees devem ser cuidadosamente escolhidas ordenadas diversificadas apresentadas no momento certo e dentro da zona de desenvolvimento proximal do aluno Sem duacutevida uma tarefa difiacutecil mas essencial

Para Vergnaud o desenvolvimento cognitivo depende de situaccedilotildees e conceitualizaccedilotildees especiacuteficas para lidar com elas Satildeo as situaccedilotildees que datildeo sentido aos conceitos elas eacute que satildeo responsaacuteveis pelo sentido atribuiacutedo ao conceito (Barais amp Vergnaud 1990 p 78) um conceito torna-se significativo atraveacutes de uma variedade de situaccedilotildees (1994 p 46) mas o sentido natildeo estaacute nas situaccedilotildees em si mesmas assim como natildeo estaacute nas palavras nem nos siacutembolos (1990 p 158)

Cabe aqui lembrar que embora estejamos falando do ensino e do papel do professor na perspectiva de Vergnaud as situaccedilotildees antes referidas natildeo satildeo situaccedilotildees didaacuteticas propriamente ditas mas sim tarefas problemas

O papel do professor como mediador provedor de situaccedilotildees problemaacuteticas frutiacuteferas estimuladoras da interaccedilatildeo sujeito-situaccedilatildeo que leva agrave ampliaccedilatildeo e agrave diversificaccedilatildeo de seus esquemas de accedilatildeo ou seja ao desenvolvimento cognitivo deixa ainda mais evidente que a teoria de Vergnaud tem tambeacutem forte influecircncia vigotskyana

Haacute no entanto outra importante implicaccedilatildeo da teoria dos campos conceituais para o ensino a questatildeo do conhecimento impliacutecito e do conhecimento expliacutecito A escola segundo Vergnaud (1994 p 47) superestima o conhecimento expliacutecito e subestima ateacute mesmo desvaloriza o conhecimento impliacutecito dos alunos Contudo a maior parte de nossa atividade fiacutesica e mental de nosso comportamento enfim eacute constituiacuteda de esquemas e estes tecircm como componentes essenciais os invariantes operatoacuterios (conceitos e teoremas-em-accedilatildeo) que constituem os conhecimentos contidos nos esquemas e que satildeo largamente impliacutecitos Quer dizer haacute muito de impliacutecito nos esquemas Os alunos em geral natildeo satildeo capazes de explicar ou expressar em linguagem natural seus teoremas-em-accedilatildeo ainda que

sejam capazes de resolver certas tarefas (situaccedilotildees) Natildeo soacute alunos qualquer pessoa muitas vezes eacute incapaz de colocar em palavras coisas que faz muito bem conhecimentos que tem Haacute um hiato entre a accedilatildeo e a formalizaccedilatildeo da accedilatildeo Agimos com o auxiacutelio de invariantes operatoacuterios sem expressaacute-los ou sem sermos capazes de expressaacute-los A anaacutelise cognitiva dessas accedilotildees muitas vezes revela a existecircncia de potentes teoremas e conceitos-em-accedilatildeo impliacutecitos Esse conhecimento no entanto natildeo pode ser apropriadamente chamado de conceitual pois o conhecimento conceitual eacute necessariamente expliacutecito (Vergnaud et al 1990 p 20) Portanto palavras e outros siacutembolos sentenccedilas e outras expressotildees simboacutelicas satildeo instrumentos cognitivos indispensaacuteveis para a transformaccedilatildeo de invariantes operatoacuterios impliacutecitos em conceitos e teoremas cientiacuteficos expliacutecitos (ibid) Quer dizer a formalizaccedilatildeo ndash o ensino direcionado agrave formalizaccedilatildeo ndash eacute necessaacuteria poreacutem eacute preciso levar em conta que as ideacuteias cientiacuteficas evoluem no aluno durante um longo periacuteodo de desenvolvimento cognitivo atraveacutes de uma variedade de situaccedilotildees e atividades e que qualquer conhecimento formal e axiomatizado que o aluno apresenta pode natildeo ser mais do que a parte visiacutevel de um iceberg formado basicamente por conhecimentos impliacutecitos (op cit p 21) O ensino de ciecircncias natildeo pode deixar de lado a simbolizaccedilatildeo e a formalizaccedilatildeo porque a ciecircncia eacute simboacutelica formal e expliacutecita mas eacute preciso ter sempre em mente que o conhecimento do aluno como de qualquer outro sujeito eacute em grande parte impliacutecito O ensino de ciecircncias deve facilitar a transformaccedilatildeo do conhecimento impliacutecito em expliacutecito sem nunca subestimaacute-lo ou desvalorizaacute-lo A trajetoacuteria do aprendiz ao longo de um campo conceitual cientiacutefico eacute sinuosa difusa difiacutecil e sobretudo demorada Natildeo se pode esperar que um aluno domine um campo conceitual como o da Termodinacircmica por exemplo atraveacutes de uma ou duas unidades didaacuteticas desenvolvidas ao longo de dois ou trecircs meses Eacute normal que o aluno continue usando conhecimentos impliacutecitos ao mesmo tempo que vai se apropriando dos conhecimentos expliacutecitos da ciecircncia A perspectiva dos campos conceituais eacute progressiva natildeo substitutiva Ou seja o campo conceitual vai sendo progressivamente dominado pelo aprendiz o conhecimento impliacutecito vai evoluindo progressivamente para o expliacutecito ao inveacutes de ser substituiacutedo por ele Isso como alerta Vergnaud pode levar muito tempo muitos anos talvez mas o ensino e em uacuteltima anaacutelise o professor tecircm um papel essencial nesse processo Sem o ensino natildeo haacute razatildeo nenhuma para se acreditar que o sujeito passe a dominar campos conceituais complexos e formalizados como os cientiacuteficos

Resoluccedilatildeo de Problemas

O ensino de ciecircncias tradicionalmente envolve trecircs aspectos principais profundamente interrelacionados o conhecimento teoacuterico (conceitos leis princiacutepios equaccedilotildees) as praacuteticas de laboratoacuterio (experimentos demonstraccedilotildees procedimentos cientiacuteficos) e a resoluccedilatildeo de problemas (abertos fechados como investigaccedilatildeo de papel e laacutepis) Obviamente qualquer professor experiente sabe que essa distinccedilatildeo eacute artificial o conhecimento cientiacutefico eacute produzido atraveacutes da interaccedilatildeo entre o domiacutenio conceitual e o metodoloacutegico Poreacutem na perspectiva de Vergnaud esta interdependecircncia entre a teoria e a praacutetica fica muito clara

Como jaacute foi dito reiteradamente ao longo deste texto satildeo as situaccedilotildees[1] que datildeo sentido aos conceitos um conceito torna-se significativo atraveacutes de uma variedade de situaccedilotildees os conhecimentos dos alunos satildeo moldados pelas situaccedilotildees que encontram e

progressivamente dominam Embora o conceito de situaccedilatildeo tenha na teoria dos campos conceituais o significado de tarefa podemos supor que no acircmbito das ciecircncias situaccedilatildeo significa tambeacutem problema Ou podemos falar em situaccedilotildees e problemas como faz o proacuteprio Vergnaud ao dizer que ldquoa aquisiccedilatildeo de conhecimento eacute moldada pelas situaccedilotildees e problemas previamente dominados e portanto o conhecimento do sujeito tem muitos aspectos locaisrdquo (1994 p 42) Em outro trabalho bastante anterior a esse Vergnaud diz que ldquona verdade os conceitos se desenvolvem atraveacutes da resoluccedilatildeo de problemas e esse desenvolvimento eacute lentordquo (1983b p 172)

Isso significa que a resoluccedilatildeo de problemas ou as situaccedilotildees de resoluccedilatildeo de problemas satildeo essenciais para a conceitualizaccedilatildeo mas como chama atenccedilatildeo Vergnaud (1994 p 42) ldquoum problema natildeo eacute um problema para um indiviacuteduo a menos que ele ou ela tenha conceitos que oa tornem capaz de consideraacute-lo como um problema para si mesmordquo Ou seja haacute uma relaccedilatildeo dialeacutetica e ciacuteclica entre a conceitualizaccedilatildeo e a resoluccedilatildeo de problemas Para Vergnaud a problematizaccedilatildeo vai muito aleacutem da abstraccedilatildeo de regularidades do mundo observaacutevel Problemas satildeo teoacutericos e praacuteticos natildeo meramente empiacutericos mesmo para crianccedilas pequenas Quando uma classe de problemas eacute resolvida por um indiviacuteduo (o que significa que ela ou ele desenvolve um esquema eficiente para lidar com todos ou quase todos os problemas dessa classe) o caraacuteter problemaacutetico dessa classe especiacutefica desaparece (ibid) Mas essa competecircncia desenvolvida pelo indiviacuteduo o habilita a reconhecer ou considerar novos problemas para si mesmo trata-se entatildeo de um processo ciacuteclico

Vergnaud chama de ldquoilusatildeo pedagoacutegicardquo (1983 b p 173) a atitude dos professores que crecircem que o ensino de Fiacutesica digamos consiste na apresentaccedilatildeo organizada clara rigorosa das teorias formais e que quando isso eacute bem feito os alunos aprendem Trata-se de uma ilusatildeo porque segundo ele eacute atraveacutes de situaccedilotildees de resoluccedilatildeo de problemas que os conceitos se desenvolvem no aluno e as situaccedilotildees de resoluccedilatildeo de problemas que tornam os conceitos significativos para os alunos podem estar pelo menos inicialmente muito distantes do formalismo apresentado pelo professor Mas apesar disso tais situaccedilotildees satildeo essenciais para o desenvolvimento de conceitos Quer dizer ao mesmo tempo que as situaccedilotildees formais satildeo necessaacuterias eacute preciso levar em consideraccedilatildeo que o aluno pode estar ainda muito longe delas (1983 b p 172)

Novamente podemos estabelecer um certo paralelo entre as teorias de Ausubel e Vergnaud A aprendizagem receptiva de Ausubel poderia ser interpretada como a ilusatildeo pedagoacutegica de Vergnaud mas natildeo eacute assim Ausubel certamente defenderia a apresentaccedilatildeo organizada clara rigorosa das teoria formais poreacutem desde que fossem potencialmente significativas o que implicaria que o aprendiz tivesse o conhecimento preacutevio adequado e se dispusesse a aprender Isso estaria de acordo com a postura de Vergnaud no sentido de que o domiacutenio de situaccedilotildees preacutevias eacute importante para o domiacutenio de situaccedilotildees novas Acrescente-se a isso que para Ausubel a resoluccedilatildeo de problemas em particular de situaccedilotildees problemaacuteticas novas e natildeo familiares que requeiram maacutexima transformaccedilatildeo do conhecimento adquirido eacute a principal evidecircncia da aprendizagem significativa (Ausubel et al 1980)

A teoria de Vergnaud parece ser entatildeo um bom referencial para anaacutelise das dificuldades dos alunos na resoluccedilatildeo de problemas em ciecircncias e consequumlentemente da conceitualizaccedilatildeo em ciecircncias Tais dificuldades poderiam por exemplo ser examinadas em

termos de invariantes operatoacuterios quer dizer em termos de quais os conceitos e teoremas-em-accedilatildeo que os estudantes estariam usando na resoluccedilatildeo de problemas e de quatildeo distantes estariam dos conceitos e teoremas cientiacuteficos adequados agrave resoluccedilatildeo do problema em pauta

Representaccedilotildees[2]

No tripleto C (S I R) que define conceito (p 4 deste trabalho) Vergnaud dizia que S (o conjunto de situaccedilotildees que datildeo sentido ao conceito) eacute a realidade e (I R) a representaccedilatildeo dessa realidade que pode ser considerada como dois aspectos interagentes do pensamento o significado (I) e o significante (R)

Isso sugere que inicialmente Vergnaud usava o termo representaccedilatildeo como sendo o de um sistema simboacutelico que significaria algo para o sujeito um sistema de signos e uma sintaxe ou operaccedilotildees sobre elementos do sistema Para ele conceitos e siacutembolos eram duas faces da mesma moeda e devia-se sempre dar atenccedilatildeo ao uso que os alunos faziam dos siacutembolos agrave luz do uso que faziam dos conceitos Quer dizer a habilidade em resolver situaccedilotildees em linguagem natural seria o melhor criteacuterio para aquisiccedilatildeo de conceitos mas por outro lado a simbolizaccedilatildeo ajudaria nisso (1982 p 57) Assim como haacute problemas mais facilmente resolviacuteveis do que outros ou procedimentos mais faacuteceis do que outros haveria representaccedilotildees simboacutelicas mais potentes do que outras equaccedilotildees por exemplo seriam mais potentes que diagramas de Euler-Venn Todavia tais equaccedilotildees deveriam representar situaccedilotildees significativas

Poreacutem em outro trabalho mais recente (1998 p 173) Vergnaud fala em teorias de representaccedilotildees e diz que para ser uacutetil uma teoria dessas deve conter a ideacuteia de que as representaccedilotildees ofereccedilam possibilidades de inferecircncia ie que elas nos tornem capazes de antecipar eventos futuros e gerar condutas para chegar a algum efeito positivo ou evitar algum efeito negativo

Diz ele (op cit p 174) que temos representaccedilotildees computaacuteveis para gestos e accedilotildees sobre o mundo fiacutesico bem como para comportamentos verbais e para interaccedilotildees sociais Tais representaccedilotildees podem ser corretas ou erradas vagas ou precisas expliacutecitas ou totalmente impliacutecitas em qualquer caso elas funcionam como substitutos computaacuteveis da realidade e portanto satildeo feitas de teoremas-em-accedilatildeo proposiccedilotildees tidas como verdadeiras

A construccedilatildeo do conhecimento consiste entatildeo na progressiva construccedilatildeo de representaccedilotildees mentais que satildeo homomoacuterficas agrave realidade para alguns aspectos e para outros natildeo (1990 p 22) Por um lado a representaccedilatildeo eacute ativa pragmaacutetica e operacional por outro eacute discursiva teoacuterica e simboacutelica (ibid) Mas haacute importantes lacunas entre o que estaacute representado na mente de um indiviacuteduo e o significado usual das palavras e outros signos pois sistemas linguumliacutesticos e semioacuteticos natildeo tecircm por finalidade expressar exatamente o que cada indiviacuteduo tem em mente quando enfrenta uma situaccedilatildeo selecionando e processando a informaccedilatildeo (1998 p 176) Para Vergnaud a relaccedilatildeo entre situaccedilotildees e esquemas eacute a fonte primaacuteria da representaccedilatildeo mas sua teoria afasta-se muito da visatildeo de que um objeto pode ser representado mentalmente de maneira natildeo ambiacutegua atraveacutes de

siacutembolos Por maior que seja (e eacute grande) o papel dos siacutembolos no pensamento o conhecimento natildeo eacute em essecircncia simboacutelico O reconhecimento de invariantes em accedilatildeo e percepccedilatildeo e a progressiva construccedilatildeo de objetos e predicados de niacutevel mais alto satildeo aspectos mais essenciais do conhecimento (op cit p 177)

Podemos entatildeo fazer uma ponte entre os significados mais recentes de representaccedilatildeo na teoria de Vergnaud e a teoria tambeacutem recente dos modelos mentais (Johnson-Laird 1983 Moreira 1996) Dizer que temos representaccedilotildees computaacuteveis para gestos e accedilotildees sobre o mundo fiacutesico para comportamentos verbais e para interaccedilotildees sociais e que tais representaccedilotildees -- que podem ser corretas ou erradas vagas ou precisas expliacutecitas ou (principalmente) impliacutecitas -- permitem fazer inferecircncias eacute praticamente dizer que tais representaccedilotildees satildeo modelos mentais Johnson-Laird define modelos mentais como anaacutelogos estruturais de estados de coisas do mundo Satildeo instrumentos de compreensatildeo e inferecircncia Quando nos defrontamos com uma situaccedilatildeo nova construiacutemos um modelo mental para entendecirc-la descrevecirc-la e prever o que vai acontecer Este modelo pode ser correto ou natildeo (no sentido de que suas previsotildees natildeo satildeo corretas cientificamente) pode ser vago confuso incompleto mas eacute sobretudo funcional para seus construtor e pode ser modificado recursivamente ateacute atingir tal funcionalidade

Modelos mentais podem ser basicamente proposicionais ie constituiacutedos principalmente de proposiccedilotildees ou basicamente imagiacutesticos ou seja construiacutedos predominantemente com imagens ou ainda hiacutebridos quer dizer formados por proposiccedilotildees e imagens (Greca e Moreira 1997) Entatildeo as proposiccedilotildees constituintes dos modelos mentais podem ser interpretadas como teoremas-em-accedilatildeo de Vergnaud Como ele mesmo diz as representaccedilotildees funcionam como substitutos computaacuteveis da realidade e portanto satildeo feitas de teoremas-em-accedilatildeo Com o progressivo domiacutenio de um campo conceitual os teoremas-em-accedilatildeo (grandemente impliacutecitos) vatildeo se aproximando de teoremas cientiacuteficos (proposiccedilotildees expliacutecitas) Analogamente agrave medida que o sujeito adquire mais conhecimentos cientiacuteficos seus modelos mentais aproximam-se (no sentido de que permitem dar significados cientificamente aceitos) dos modelos cientiacuteficos

Pode-se assim dizer que os modelos mentais de Johnson-Laird contecircm aquilo que Vergnaud chama de teoremas-em-accedilatildeo ou seja proposiccedilotildees tidas como verdadeiras sobre o real Mas esta aparente compatibilidade entre as duas teorias pode ir aleacutem pois os conceitos-em-accedilatildeo de Vergnaud tambeacutem podem integrar modelos mentais Conceitos-em-accedilatildeo satildeo objetos predicados ou categorias de pensamento tidos como pertinentes relevantes agrave situaccedilatildeo Analogamente segundo o princiacutepio do construtivismo (Johnson-Laird 1983 p 398) um modelo mental eacute construiacutedo a partir de sinais (tokens) dispostos em uma estrutura particular para representar em certo estado de coisas (isto eacute uma certa situaccedilatildeo) Se interpretaacutessemos esses sinais (tokens) como objetos predicados ou categorias de pensamento pertinentes dir-se-ia que os modelos mentais contecircm tambeacutem conceitos-em-accedilatildeo

Contudo eacute importante natildeo confundir modelos mentais com esquemas de assimilaccedilatildeo Para Vergnaud os invariantes operatoacuterios (teoremas e conceitos-em-accedilatildeo) satildeo componentes essenciais dos esquemas e acabamos de dizer que os modelos mentais contecircm proposiccedilotildees e sinais (tokens) que podem ser interpretados como invariantes operatoacuterios mas ainda

assim modelos mentais e esquemas satildeo construtos distintos Modelo mental eacute instrumento de compreensatildeo construiacutedo no momento da compreensatildeo e descartaacutevel se for alcanccedilada (para o construtor) a funcionalidade desejada (ou seja a compreensatildeo mesmo que natildeo compartilhada cientificamente) Esquema de assimilaccedilatildeo eacute segundo Vergnaud a organizaccedilatildeo invariante do comportamento para uma determinada classe de situaccedilotildees Portanto esquemas de assimilaccedilatildeo satildeo mais estaacuteveis o sujeito constroacutei determinado esquema e o utiliza para assimilar uma certa classe de situaccedilotildees ou seja usa sempre o mesmo esquema para cada situaccedilatildeo dessa classe Mas frente a uma situaccedilatildeo nova eacute preciso acomodar ou seja construir um novo esquema de assimilaccedilatildeo e eacute exatamente aiacute que parece encaixar bem a ideacuteia de modelo mental para compreender uma nova situaccedilatildeo o sujeito constroacutei inicialmente um modelo mental (que como foi dito pode conter invariantes operatoacuterios) natildeo um esquema de assimilaccedilatildeo Na medida em que a nova situaccedilatildeo deixa de ser nova e passa a ser rotineira o modelo mental evolui para esquema de assimilaccedilatildeo quer dizer se estabiliza Mas isso natildeo quer dizer que todo modelo mental venha a se transformar em esquema de assimilaccedilatildeo Modelos mentais satildeo recursivos o que significa que vatildeo sendo construiacutedos e modificados quase que simultaneamente ateacute que se tornem funcionais quando entatildeo podem ser descartados ou talvez ldquoguardadosrdquo ateacute que se tornem esquemas de assimilaccedilatildeo Trata-se ao que parece de um bom assunto para pesquisar

Pesquisa

Como uacuteltimo toacutepico deste texto abordar-se-aacute a pesquisa em ensino de ciecircncias no referencial da teoria dos campos conceituais Vejamos primeiramente no entanto o que diz Vergnaud sobre a pesquisa em campos conceituais

Segundo ele (1988 p 149) a abordagem canocircnica ao estudo de um campo conceitual envolve identificar e classificar situaccedilotildees e entatildeo coletar dados sobre procedimentos e outras maneiras atraveacutes das quais os estudantes expressam seu raciociacutenio Um ciclo de pesquisa inicia com a identificaccedilatildeo de niacuteveis de objetos relaccedilotildees e teoremas-em-accedilatildeo O ciclo continua entatildeo com o delineamento de situaccedilotildees e materiais e sua experimentaccedilatildeo com alunos completando-se com a construccedilatildeo de representaccedilotildees simboacutelicas atraveacutes da observaccedilatildeo e anaacutelise dos diferentes fenocircmenos que ocorrem (ibid) Comeccedila entatildeo um segundo ciclo para melhorar o primeiro e assim sucessivamente O estudo do domiacutenio de certos campos conceituais eacute um programa de longo prazo que dificilmente pode ser feito por um pesquisador isolado ou mesmo por um grupo de pesquisa isolado

Portanto o primeiro passo para estudar o progressivo domiacutenio de um campo conceitual por parte do aluno eacute identificar e classificar situaccedilotildees Mas isso envolve duas ideacuteias principais diversidade e histoacuteria Ou seja existe uma grande variedade de situaccedilotildees em um dado campo conceitual e as aprendizagens dos alunos satildeo moldadas pelas situaccedilotildees com as quais se depararam e progressivamente dominaram particularmente as primeiras suscetiacuteveis de dar sentido aos conceitos e procedimentos que lhes queremos ensinar (1990 p 150) A combinaccedilatildeo dessas duas ideacuteias dificulta o trabalho do pesquisador em ensino porque a primeira o dirige para a anaacutelise para a decomposiccedilatildeo em elementos simples e para as possiacuteveis combinaccedilotildees de situaccedilotildees enquanto que a segunda o orienta para a busca de

situaccedilotildees funcionais quase sempre compostas de vaacuterias relaccedilotildees cuja importacircncia relativa estaacute largamente ligada agrave frequumlecircncia com que satildeo encontradas (ibid)

Em outras palavras o estudo psicogeneacutetico da aquisiccedilatildeo de um campo conceitual implica a anaacutelise em termos relacionais e hieraacuterquicos das diferentes classes de problemas que podem ser propostos aos alunos Implica tambeacutem o estudo dos distintos procedimentos e representaccedilotildees simboacutelicas que o aprendiz utiliza (1982 p 40) Em relaccedilatildeo agraves representaccedilotildees Vergnaud diz (1994 p 43) que eacute uma tarefa essencial teoacuterica e empiacuterica dos pesquisadores entender por que uma certa representaccedilatildeo simboacutelica particular pode ser uacutetil e sob quais condiccedilotildees e quando e por que pode ser proveitosamente substituiacuteda por outra mais abstrata e geral

Embora Vergnaud e vaacuterios pesquisadores que trabalham sob o referencial de sua teoria tenham se dedicado principalmente agrave pesquisa em educaccedilatildeo matemaacutetica e em particular ao estudo dos campos conceituais das estruturas aditivas e multiplicativas essa abordagem agrave pesquisa certamente se aplica ao ensino de ciecircncias ou agrave educaccedilatildeo em ciecircncias se preferirmos esta terminologia Na resoluccedilatildeo de problemas por exemplo pode-se analisar as dificuldades dos alunos em termos de invariantes operatoacuterios Quer dizer os alunos muitas vezes resolvem problemas usando conhecimentos-em-accedilatildeo que podem ateacute conduzi-los agrave uma soluccedilatildeo satisfatoacuteria para uma certa situaccedilatildeo mas que natildeo funcionam para outra situaccedilatildeo ligeiramente diferente da primeira porque tais conhecimentos natildeo satildeo cientiacuteficos e tampouco constituem um esquema de assimilaccedilatildeo que pode ser aplicado a uma classe de situaccedilotildees Por outro lado tais conhecimentos-em-accedilatildeo mdash que satildeo largamente impliacutecitos mdash podem ser precursores na aquisiccedilatildeo de conceitos cientiacuteficos e portanto devem ser identificados ie pesquisados Os trabalhos de Sousa (2001) e de Sousa e Faacutevero (2002) no qual a resoluccedilatildeo de problemas em Fiacutesica foi investigada em uma situaccedilatildeo de interlocuccedilatildeo entre um especialista e um novato eacute um exemplo nessa direccedilatildeo Costa e Moreira (2002) e Escudero e Moreira (2002) tambeacutem estatildeo trabalhando em resoluccedilatildeo de problemas em Fiacutesica e procurando interpretar as dificuldades dos alunos na construccedilatildeo de modelos mentais do enunciado agrave luz de aspectos da teoria dos campos conceituais

O estudo da aprendizagem de conceitos fiacutesicos tambeacutem pode ser feito no referencial teoacuterico de Vergnaud Para ele satildeo as situaccedilotildees que datildeo sentido ao conceito os invariantes operatoacuterios que constituem seu significado e as representaccedilotildees simboacutelicas o seu significante Portanto como sugere Vergnaud eacute preciso identificar e classificar situaccedilotildees adequadas agrave aprendizagem de determinado conceito pesquisar os invariantes operatoacuterios usados pelos alunos e procurar entender como por que e quando uma certa representaccedilatildeo simboacutelica pode ajudar na conceitualizaccedilatildeo O trabalho de Lemeignan e Weil-Barais (1994) eacute talvez pioneiro nessa linha As pesquisas de Stipcich e Moreira (2002) sobre o conceito de interaccedilatildeo e de Moreira e Sousa (2002) a respeito do conceito de potencial eleacutetrico estatildeo usando o referencial de Vergnaud para interpretar as dificuldades dos alunos na aprendizagem significativa desses conceitos

Obviamente a teoria dos campos conceituais pode tambeacutem ser usada como referente teoacuterico em pesquisas sobre mudanccedila conceitual De um modo geral pode-se dizer que essa teoria eacute potencialmente uacutetil na anaacutelise das dificuldades dos alunos na resoluccedilatildeo de problemas em ciecircncias na aprendizagem de conceitos cientiacuteficos e na mudanccedila conceitual

Uma vez identificadas tais dificuldades essa mesma teoria pode ajudar no delineamento de estrateacutegias ou melhor na seleccedilatildeo de situaccedilotildees instrucionais que possam ajudar na progressiva superaccedilatildeo de tais dificuldades ou em outras palavras no progressivo (e lento) domiacutenio do(s) campo(s) conceitual(is) envolvido(s) Esse domiacutenio progressivo implica capacidade de resolver problemas conceitualizaccedilatildeo e mudanccedila (evoluccedilatildeo) conceitual

Natildeo tatildeo oacutebvia eacute a possibilidade de investigar questotildees como a modelagem mental no referencial de Vergnaud poreacutem uma vez aceita a compatibilidade aludida na seccedilatildeo anterior entre a teoria dos modelos mentais e a teoria dos campos conceituais tal possibilidade decorre naturalmente Enfim a potencialidade do uso da teoria de Vergnaud na pesquisa e ensino de ciecircncias parece ser grande Nesta seccedilatildeo foram apenas aventadas possibilidades e referidos alguns estudos

Conclusatildeo

Este trabalho teve por objetivo descrever a teoria dos campos conceituais de Geacuterard Vergnaud particularmente para uma audiecircncia de professores e pesquisadores em ensino de ciecircncias Essa teoria eacute bastante conhecida na aacuterea da educaccedilatildeo matemaacutetica poreacutem relativamente pouco no campo da educaccedilatildeo em ciecircncias e justamente por isso foi objeto deste texto

Trata-se de uma teoria de base piagetiana mas que afasta-se bastante de Piaget ao tomar como referecircncia o proacuteprio conteuacutedo do conhecimento e a anaacutelise conceitual do progressivo domiacutenio desse conhecimento bem como ao ocupar-se do estudo do desenvolvimento cognitivo do sujeito-em-situaccedilatildeo ao inveacutes de operaccedilotildees loacutegicas gerais de estruturas gerais do pensamento Ao fazer isso a teoria de Vergnaud apresenta um grande potencial para descrever analisar e interpretar aquilo que se passa em sala de aula na aprendizagem de matemaacutetica e ciecircncias Provavelmente esse tipo de teoria eacute o de maior utilidade para fundamentar o ensino e a pesquisa em ensino nessa aacuterea

Aleacutem de descrever a teoria propriamente dita procurou-se neste texto estabelecer elos com a teoria da aprendizagem significativa de Ausubel (outra ldquoteoria de sala de aulardquo) e com a recente teoria dos modelos mentais de Johnson-Laird assim como destacar implicaccedilotildees para o ensino e para a pesquisa em ensino de ciecircncias

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[1] Lembremos que um campo conceitual eacute em primeiro lugar um conjunto de situaccedilotildees (1998 p 141 1990 p 5) cujo domiacutenio requer o domiacutenio de vaacuterios conceitos de naturezas distintas (volta para o texto) [2] A ponte entre a teoria de Vergnaud e a teoria dos modelos mentais de Johnson-Laird feita nesta seccedilatildeo estaacute bem mais elaborada no trabalho ldquoAleacutem da detecccedilatildeo de modelos mentais dos estudantes Uma proposta representacional integradorardquo de Ileana Greca e Marco Antonio Moreira (volta para o texto)

Page 7: A Teoria Dos Campos Conceituais de Vergnaud

esquema como veremos nos levaraacute ao conceito de invariante operatoacuterio

Esquemas

Vergnaud chama de esquema a organizaccedilatildeo invariante do comportamento para uma determinada classe de situaccedilotildees (1990 p 136 1993 p 2 1994 p 53 1996c p 201 1998 p 168) Segundo ele eacute nos esquemas que se devem pesquisar os conhecimentos-em-accedilatildeo do sujeito isto eacute os elementos cognitivos que fazem com que a accedilatildeo do sujeito seja operatoacuteria

Esquema eacute o conceito introduzido por Piaget para dar conta das formas de organizaccedilatildeo tanto das habilidades sensoacuterio-motoras como das habilidades intelectuais Um esquema gera accedilotildees e deve conter regras mas natildeo eacute um estereoacutetipo porque a sequumlecircncia de accedilotildees depende dos paracircmetros da situaccedilatildeo (1994 p 53) Um esquema eacute um universal que eacute eficiente para toda uma gama de situaccedilotildees e pode gerar diferentes sequumlecircncias de accedilatildeo de coleta de informaccedilotildees e de controle dependendo das caracteriacutesticas de cada situaccedilatildeo particular Natildeo eacute o comportamento que eacute invariante mas a organizaccedilatildeo do comportamento (1998 p 172)

Haacute esquemas perceptivo-gestuais como o de contar objetos ou de fazer um graacutefico ou um diagrama mas haacute tambeacutem esquemas verbais como o de fazer um discurso e esquemas sociais como o de seduzir outra pessoa ou o de gerenciar um conflito (ibid) Algoritmos por exemplo satildeo esquemas mas nem todos os esquemas satildeo algoritmos Quando algoritmos satildeo utilizados repetidamente para tratar as mesmas situaccedilotildees eles se transformam em esquemas ordinaacuterios ou haacutebitos (op cit p 176)

Vergnaud considera que os esquemas necessariamente se referem a situaccedilotildees a tal ponto que segundo ele (1996c p 203) dever-se-ia falar em interaccedilatildeo esquema-situaccedilatildeo ao inveacutes de interaccedilatildeo sujeito-objeto da qual falava Piaget Decorre daiacute que o desenvolvimento cognitivo consiste sobretudo e principalmente no desenvolvimento de um vasto repertoacuterio de esquemas Este repertoacuterio afeta esferas muito distintas da atividade humana e quando analisamos por exemplo os conteuacutedos da competecircncia profissional de um indiviacuteduo frequumlentemente observamos que junto a competecircncias teacutecnicas e cientiacuteficas propriamente ditas estatildeo com peso consideraacutevel competecircncias sociais e afetivas A educaccedilatildeo portanto deve contribuir para que o sujeito desenvolva um repertoacuterio amplo e diversificado de esquemas poreacutem procurando evitar que esses esquemas se convertam em estereoacutetipos esclerosados (ibid)

Voltemos agrave definiccedilatildeo esquema eacute a organizaccedilatildeo invariante do comportamento para uma dada classe de situaccedilotildees Trata-se de uma definiccedilatildeo precisa mas que certamente necessita de maiores especificaccedilotildees para facilitar sua compreensatildeo Aquilo que Vergnaud chama de ingredientes dos esquemas (1990 p 136 142 1994 p 46 1996a p 113-114 1996b p 11 1996c p 201-202-206 1998 p 173) fornece tais especificaccedilotildees

1 metas e antecipaccedilotildees (um esquema se dirige sempre a uma classe de situaccedilotildees nas quais o sujeito pode descobrir uma possiacutevel finalidade de sua atividade e eventualmente

submetas pode tambeacutem esperar certos efeitos ou certos eventos) 2 regras de accedilatildeo do tipo se entatildeo que constituem a parte verdadeiramente geradora do esquema aquela que permite a geraccedilatildeo e a continuidade da sequumlecircncia de accedilotildees do sujeito satildeo regras de busca de informaccedilatildeo e controle dos resultados da accedilatildeo 3 invariantes operatoacuterios (teoremas-em-accedilatildeo e conceitos-em-accedilatildeo) que dirigem o reconhecimento por parte do indiviacuteduo dos elementos pertinentes agrave situaccedilatildeo satildeo os conhecimentos contidos nos esquemas satildeo eles que constituem a base impliacutecita ou expliacutecita que permite obter a informaccedilatildeo pertinente e dela inferir a meta a alcanccedilar e as regras de accedilatildeo adequadas 4 possibilidades de inferecircncia (ou raciociacutenios) que permitem calcular aqui e agora as regras e antecipaccedilotildees a partir das informaccedilotildees e invariantes operatoacuterios de que dispotildee o sujeito ou seja toda a atividade implicada nos trecircs outros ingredientes requer caacutelculos aqui e imediatamente em situaccedilatildeoComo foi dito para Vergnaud os esquemas se referem necessariamente a situaccedilotildees ou classes de situaccedilotildees onde ele (1993 p 2) distingue entre 1 classes de situaccedilotildees em que o sujeito dispotildee no seu repertoacuterio em dado momento de seu desenvolvimento e sob certas circunstacircncias das competecircncias necessaacuterias ao tratamento relativamente imediato da situaccedilatildeo 2 classes de situaccedilotildees em que o sujeito natildeo dispotildee de todas as competecircncias necessaacuterias o que obriga a um tempo de reflexatildeo e exploraccedilatildeo a hesitaccedilotildees a tentativas frustradas levando-o eventualmente ao sucesso ou ao fracassoSegundo Vergnaud (ibid) o conceito de esquema natildeo funciona do mesmo modo nas duas classes Na primeira delas observam-se para uma mesma classe de situaccedilotildees condutas amplamente automatizadas organizadas por um soacute esquema enquanto que na segunda observa-se a sucessiva utilizaccedilatildeo de vaacuterios esquemas que podem entrar em competiccedilatildeo e que para atingir a meta desejada devem ser acomodados descombinados e recombinados

De um modo geral todas as condutas comportam uma parte automatizada e uma parte de decisatildeo consciente Os esquemas satildeo frequumlentemente eficazes mas nem sempre efetivos Quando o sujeito usa um esquema ineficaz para uma certa situaccedilatildeo a experiecircncia o leva a mudar de esquema ou a modificar o esquema (1990 p 138) Estaacute aiacute a ideacuteia piagetiana de que os esquemas estatildeo no centro do processo de adaptaccedilatildeo das estruturas cognitivas ie na assimilaccedilatildeo e na acomodaccedilatildeo Contudo Vergnaud daacute ao conceito de esquema um alcance muito maior do que Piaget e insiste em que os esquemas devem relacionar-se com as caracteriacutesticas das situaccedilotildees agraves quais se aplicam

Haacute muito de impliacutecito nos esquemas Muitos esquemas podem ser evocados sucessivamente e mesmo simultaneamente em uma situaccedilatildeo nova para o sujeito (1990 p 140) As condutas em uma dada situaccedilatildeo repousam sobre o repertoacuterio inicial de esquemas que o sujeito dispotildee Como jaacute foi dito o desenvolvimento cognitivo pode ser interpretado como consistindo sobretudo no desenvolvimento de um vasto repertoacuterio de esquemas afetando esferas muito distintas da atividade humana

Do ponto de vista teoacuterico o conceito de esquema proporciona o indispensaacutevel viacutenculo entre a conduta e a representaccedilatildeo (1996c p 202) a relaccedilatildeo entre situaccedilotildees e esquemas eacute a fonte primaacuteria da representaccedilatildeo e portanto da conceitualizaccedilatildeo (1998 p 177) Por outro lado satildeo os invariantes operatoacuterios que fazem a articulaccedilatildeo essencial entre teoria e praacutetica pois a

percepccedilatildeo a busca e a seleccedilatildeo de informaccedilatildeo baseiam-se inteiramente no sistema de conceitos-em-accedilatildeo disponiacuteveis para o sujeito (objetos atributos relaccedilotildees condiccedilotildees circunstacircncias) e nos teoremas-em-accedilatildeo subjacentes agrave sua conduta (1996c p 202)

As expressotildees conceito-em-accedilatildeo e teorema-em-accedilatildeo designam os conhecimentos contidos nos esquemas Satildeo tambeacutem designados por Vergnaud pela expressatildeo mais global invariantes operatoacuterios Teorema-em-accedilatildeo eacute uma proposiccedilatildeo considerada como verdadeira sobre o real conceito-em-accedilatildeo eacute uma categoria de pensamento considerada como pertinente (ibid)

Esta seccedilatildeo foi dedicada ao conceito de esquema Dos ingredientes de um esquema ndash metas e antecipaccedilotildees regras de accedilatildeo invariantes operatoacuterios e possibilidades de inferecircncia ndash os invariantes operatoacuterios ie os conhecimentos-em-accedilatildeo (conceitos e teoremas-em-accedilatildeo) constituem a base conceitual impliacutecita ou expliacutecita que permite obter a informaccedilatildeo pertinente e a partir dela e da meta a atingir inferir as regras de accedilatildeo mais pertinentes para abordar uma situaccedilatildeo (1996c p 201)

Um exemplo de esquema dado por Franchi (1999 p 165) pode ser uacutetil para ilustrar esses aspectos e concluir esta seccedilatildeo Trata-se do esquema da enumeraccedilatildeo de uma pequena coleccedilatildeo de objetos discretos por uma crianccedila de cinco anos por mais que varie a forma de contar por exemplo copos na mesa cadeiras da sala pessoas sentadas de maneira esparsa em um jardim natildeo deixa de haver uma organizaccedilatildeo invariante para o funcionamento do esquema coordenaccedilatildeo dos movimentos dos olhos e gestos dos dedos e das matildeos enunciaccedilatildeo correta da seacuterie numeacuterica identificaccedilatildeo do uacuteltimo elemento da seacuterie como o cardinal do conjunto enumerado (acentuaccedilatildeo ou repeticcedilatildeo do uacuteltimo nuacutemero pronunciado) Vecirc-se facilmente que o esquema descrito recorre a atividades perceptivo-motoras a significantes (as palavras-nuacutemeros) e a construccedilotildees conceituais tais como a de correspondecircncia biuniacutevoca entre conjuntos de objetos e subconjuntos de nuacutemeros naturais a de cardinal e ordinal e outras Recorre igualmente a conhecimentos tais como os que identificam o uacuteltimo elemento da seacuterie ordinal ao cardinal do conjunto Esses conceitos e conhecimentos satildeo impliacutecitos e praticamente insuscetiacuteveis de explicitaccedilatildeo por uma crianccedila nas fases iniciais da aprendizagem de competecircncias e conceitos aritmeacuteticos Entretanto orientam o desenvolvimento da accedilatildeo sendo chamados de conhecimentos-em-accedilatildeo A ausecircncia de uma conceituaccedilatildeo adequada estaacute no centro da origem dos erros sistemaacuteticos cometidos pelos alunos (ibid)

Naturalmente os esquemas usados por crianccedilas maiores e por adultos em determinadas classes de situaccedilotildees podem ser muito mais elaborados mas a ideacuteia eacute mesma o esquema eacute a forma estrutural da atividade eacute a organizaccedilatildeo invariante do sujeito sobre uma classe de situaccedilotildees dadas (op cit p 164) e conteacutem conhecimentos-em-accedilatildeo que satildeo impliacutecitos

Invariantes operatoacuterios

Designam-se pelas expressotildees conceito-em-accedilatildeo e teorema-em-accedilatildeo os conhecimentos contidos nos esquemas Pode-se tambeacutem designaacute-los pela expressatildeo mais abrangente invariantes operatoacuterios (1993 p 4) Esquema eacute a organizaccedilatildeo da conduta para uma certa

classe de situaccedilotildees teoremas-em-accedilatildeo e conceitos-em-accedilatildeo satildeo invariantes operacionais logo satildeo componentes essenciais dos esquemas (1998 p 167) e determinam as diferenccedilas entre eles

Teorema-em-accedilatildeo eacute uma proposiccedilatildeo tida como verdadeira sobre o real Conceito-em-accedilatildeo eacute um objeto um predicado ou uma categoria de pensamento tida como pertinente relevante (1996c p 202 1998 p 167)

Vejamos exemplos de teoremas-em-accedilatildeo Consideremos a seguinte situaccedilatildeo proposta a alunos de 13 anos (1994 p 49) O consumo de farinha eacute em meacutedia 35 kg por semana para dez pessoas Qual a quantidade de farinha necessaacuteria para cinquumlenta pessoas durante 28 dias Resposta de um aluno 5 vezes mais pessoas 4 vezes mais dias 20 vezes mais farinha logo 35 x 20 = 70 kg

Eacute impossiacutevel segundo Vergnaud (ibid) dar conta desse raciociacutenio sem supor o seguinte teorema impliacutecito na cabeccedila do aluno f(n1x1 n2x2) = n1n2 f(x1x2) ou seja Consumo (5 x 10 4 x 7) = 5 x 4 Consumo (10 7)

Naturalmente este teorema funciona porque as razotildees de 50 pessoas para 10 pessoas e 28 dias para 7 dias satildeo simples e evidentes Ele natildeo seria tatildeo facilmente aplicado a outros valores numeacutericos Portanto seu escopo de aplicaccedilatildeo eacute limitado Ainda assim eacute um teorema que pode ser expresso por exemplo em palavras O consumo eacute proporcional ao nuacutemero de pessoas quando o nuacutemero de dias eacute mantido constante e eacute proporcional ao nuacutemero de dias quando o nuacutemero de pessoas eacute mantido constante Pode tambeacutem ser expresso pela foacutermula C = kPD onde C eacute o consumo P o nuacutemero de pessoas D o nuacutemero de dias e k o consumo por pessoa por dia

Eacute claro que essas diferentes maneiras de expressar o mesmo raciociacutenio natildeo satildeo cognitivamente equivalentes A segunda eacute mais difiacutecil Satildeo maneiras complementares de explicitar a mesma estrutura matemaacutetica impliacutecita em diferentes niacuteveis de abstraccedilatildeo

Suponhamos agora outras situaccedilotildees (1998 p 174)

A Janete tinha 7 bolinhas de gude Ela jogou e ganhou 5 bolinhas Quantas bolinhas ela tem agora B Paulo tinha 12 bolinhas de gude Ele jogou e perdeu 5 bolinhas Quantas bolinhas ele tem agora C Hans tinha 9 bolinhas de gude Ele jogou com Rute Ele tem agora 14 bolinhas de gude O que aconteceu no jogo D Rute jogou bolinhas de gude com Hans e perdeu 5 bolinhas Ela agora tem 7 bolinhas de gude Quantas ela tinha antes de jogar Haacute vaacuterios conceitos-em-accedilatildeo distintos impliacutecitos na compreensatildeo dessas situaccedilotildees nuacutemero cardinal ganho e perda aumento e diminuiccedilatildeo transformaccedilatildeo e estado estado inicial e final transformaccedilatildeo positiva e negativa adiccedilatildeo e subtraccedilatildeo

Os conceitos relevantes satildeo os mesmos para todas as situaccedilotildees mas a situaccedilatildeo D eacute bem mais difiacutecil para alunos de sete ou oito anos porque implica raciocinar para traacutes e achar o

estado inicial adicionando as 5 bolinhas perdidas ao estado final de 7 bolinhas Tal

raciociacutenio depende de um forte teorema-em-accedilatildeo (ibid) onde I eacute o estado inicial F o estado final T a transformaccedilatildeo direta e T--1 a transformaccedilatildeo inversa

Segundo Vergnaud (1994 p 54) entre os mais importantes teoremas-em-accedilatildeo desenvolvidos pelos estudantes encontram-se as propriedades isomoacuterficas da funccedilatildeo linear

e as propriedades de coeficiente constante dessa mesma funccedilatildeo

e algumas propriedades especiacuteficas de funccedilotildees bilineares como a do primeiro

exemplo

Entre os mais importantes conceitos-em-accedilatildeo desenvolvidos pelos alunos acham-se os de grandeza e magnitude valor unitaacuterio razatildeo e fraccedilatildeo funccedilatildeo e variaacutevel taxa constante dependecircncia e independecircncia quociente e produto de dimensotildees

Haacute uma relaccedilatildeo dialeacutetica entre conceitos-em-accedilatildeo e teoremas-em-accedilatildeo uma vez que conceitos satildeo ingredientes de teoremas e teoremas satildeo propriedades que datildeo aos conceitos seus conteuacutedos Mas seria um erro confundi-los (1998 p 174) Conceitos em accedilatildeo satildeo ingredientes necessaacuterios das proposiccedilotildees Mas conceitos natildeo satildeo teoremas pois natildeo permitem derivaccedilotildees (inferecircncias ou computaccedilotildees) derivaccedilotildees requerem proposiccedilotildees Proposiccedilotildees podem ser verdadeiras ou falsas conceitos podem ser apenas relevantes ou irrelevantes Ainda assim natildeo existem proposiccedilotildees sem conceitos (1994 p 55)

Reciprocamente natildeo haacute conceitos sem proposiccedilotildees pois eacute a necessidade de derivar accedilotildees das representaccedilotildees do mundo e de ter concepccedilotildees verdadeiras (ou pelo menos adequadas) do mundo que tornam necessaacuterios os conceitos Um modelo computaacutevel do conhecimento intuitivo deve compreender conceitos-em-accedilatildeo e teoremas-em-accedilatildeo como ingredientes essenciais dos esquemas Esquemas satildeo fundamentais porque geram accedilotildees incluindo operaccedilotildees intelectuais mas podem geraacute-las porque contecircm invariantes operatoacuterios (teoremas e conceitos-em-accedilatildeo) que formam o nuacutecleo da representaccedilatildeo

Por outro lado um conceito-em-accedilatildeo natildeo eacute um verdadeiro conceito cientiacutefico nem um teorema-em-accedilatildeo eacute um verdadeiro teorema a menos que se tornem expliacutecitos Na ciecircncia conceitos e teoremas satildeo expliacutecitos e pode-se discutir sua pertinecircncia e sua veracidade mas esse natildeo eacute necessariamente o caso dos invariantes operatoacuterios (1990 p 144) Conceitos e

teoremas expliacutecitos natildeo constituem mais do que a parte visiacutevel do iceberg da conceitualizaccedilatildeo sem a parte escondida formada pelos invariantes operatoacuterios essa parte visiacutevel natildeo seria nada Reciprocamente natildeo se pode falar de invariantes operatoacuterios integrados nos esquemas sem a ajuda de categorias do conhecimento expliacutecito proposiccedilotildees funccedilotildees proposicionais objetos argumentos (ibid)

Mas conceitos-em-accedilatildeo e teoremas-em-accedilatildeo podem progressivamente tornarem-se verdadeiros conceitos e teoremas cientiacuteficos O status do conhecimento eacute muito diferente quando ele eacute explicitado ao inveacutes de ficar totalmente imerso na accedilatildeo O conhecimento expliacutecito pode ser comunicado a outros e discutido o conhecimento impliacutecito natildeo (1998 p 175)

Em geral os alunos natildeo satildeo capazes de explicar ou mesmo expressar em linguagem natural seus teoremas e conceitos-em-accedilatildeo Na abordagem de uma situaccedilatildeo os dados a serem trabalhados e a sequumlecircncia de caacutelculos a serem feitos dependem de teoremas-em-accedilatildeo e da identificaccedilatildeo de diferentes tipos de elementos pertinentes A maioria desses conceitos e teoremas-em-accedilatildeo permanecem totalmente impliacutecitos mas eles podem tambeacutem ser expliacutecitos ou tornarem-se expliacutecitos e aiacute entra o ensino ajudar o aluno a construir conceitos e teoremas expliacutecitos e cientificamente aceitos a partir do conhecimento impliacutecito Eacute nesse sentido que conceitos-em-accedilatildeo e teoremas-em-accedilatildeo podem progressivamente tornarem-se verdadeiros conceitos e teoremas cientiacuteficos mas isso pode levar muito tempo

A teoria dos campos conceituais um resumo

A teoria dos campos conceituais de Geacuterard Vergnaud eacute uma teoria psicoloacutegica cognitivista que supotildee que o nuacutecleo do desenvolvimento cognitivo eacute a conceitualizaccedilatildeo do real (1996a p 118) Eacute uma teoria psicoloacutegica de conceitos na qual a conceitualizaccedilatildeo eacute considerada a pedra angular da cogniccedilatildeo (1998 p 173) Para Vergnaud o conhecimento estaacute organizado em campos conceituais cujo domiacutenio de parte do aprendiz ocorre ao longo de um largo periacuteodo de tempo atraveacutes de experiecircncia maturidade e aprendizagem (1982 p 40) Campo conceitual eacute um conjunto informal e heterogecircneo de problemas situaccedilotildees conceitos relaccedilotildees estruturas conteuacutedos e operaccedilotildees de pensamento conectados uns aos outros e provavelmente entrelaccedilados durante o processo de aquisiccedilatildeo (ibid) Campo conceitual eacute definido tambeacutem como sendo em primeiro lugar um conjunto de situaccedilotildees cujo domiacutenio requer por sua vez o domiacutenio de vaacuterios conceitos procedimentos e representaccedilotildees de naturezas distintas (1988 p 141 1990 p 146) Conceitos satildeo definidos por trecircs conjuntos o primeiro eacute um conjunto de situaccedilotildees que constituem o referente do conceito o segundo eacute um conjunto de invariantes operatoacuterios (teoremas e conceitos-em-accedilatildeo) que datildeo o significado do conceito e o terceiro eacute um conjunto de representaccedilotildees simboacutelicas que compotildeem seu significante

Como satildeo as situaccedilotildees que datildeo sentido aos conceitos eacute natural definir campo conceitual como sendo sobretudo um conjunto de situaccedilotildees Um conceito torna-se significativo atraveacutes de uma variedade de situaccedilotildees (1994 p 46) mas o sentido natildeo estaacute nas situaccedilotildees em si mesmas assim como natildeo estaacute nas palavras nem nos siacutembolos (1990 p 158) O sentido eacute uma relaccedilatildeo do sujeito com situaccedilotildees e significantes Mais precisamente satildeo os

esquemas ie as accedilotildees e sua organizaccedilatildeo evocados no sujeito por uma situaccedilatildeo ou por um significante que constituem o sentido dessa situaccedilatildeo ou desse significante para esse indiviacuteduo (1990 p 158 1993 p 18) Vergnaud considera que os esquemas necessariamente se referem a situaccedilotildees a tal ponto que dever-se-ia falar em interaccedilatildeo esquema-situaccedilatildeo ao inveacutes de interaccedilatildeo sujeito-objeto Esquemas tecircm como ingredientes essenciais aquilo que Vergnaud chama de invariantes operatoacuterios ie conceitos-em-accedilatildeo e teoremas-em-accedilatildeo que constituem a parte conceitual dos esquemas ie os conhecimentos contidos nos esquemas Teorema-em-accedilatildeo eacute uma proposiccedilatildeo considerada como verdadeira sobre o real conceito-em-accedilatildeo eacute uma categoria de pensamento tida como pertinente (1996c p 202) Esse conhecimento eacute principalmente impliacutecito e o aprendiz tem dificuldades em explicaacute-lo ou expressaacute-lo mas isso natildeo significa que tal conhecimento natildeo possa ser explicitado Eacute atraveacutes do processo de explicitaccedilatildeo do conhecimento impliacutecito ndash aiacute o professor tem um papel mediador fundamental ndash que os teoremas-em-accedilatildeo e conceitos-em-accedilatildeo podem tornar-se verdadeiros teoremas e conceitos cientiacuteficos Uma proposiccedilatildeo expliacutecita pode ser debatida uma proposiccedilatildeo tida como verdadeira de maneira totalmente impliacutecita natildeo Assim o caraacuteter do conhecimento muda se for comunicaacutevel debatido e compartilhado (op cit p 204)

A figura 1 apresenta um mapa conceitual para a teoria de Vergnaud ou seja um diagrama conceitual destacando os conceitos-chave da teoria e suas principais interrelaccedilotildees As palavras que aparecem sobre as linhas conectando os conceitos procuram explicitar a natureza da relaccedilatildeo entre elas Por exemplo a relaccedilatildeo entre situaccedilotildees e conceitos eacute referente pois as situaccedilotildees eacute que datildeo sentido ao conceito ie constituem o referente do conceito Outro exemplo a interaccedilatildeo entre situaccedilotildees e esquemas eacute a fonte primaacuteria das representaccedilotildees simboacutelicas e estas constituem o significante de um conceito As setas quando existem sugerem apenas uma direccedilatildeo para leitura

Ao mesmo tempo que se afasta de Piaget ndash ocupando-se do estudo do funcionamento cognitivo do sujeito-em-situaccedilatildeo ao inveacutes de ocupar-se de operaccedilotildees loacutegicas gerais ou de estruturas gerais de pensamento e tomando como referecircncia o proacuteprio conteuacutedo do conhecimento e a anaacutelise conceitual do domiacutenio desse conhecimento (1994 p 41 Franchi 1999 p 160) ndash a teoria de Vergnaud tem forte base piagetiana que se manifesta principalmente no importante papel que o conceito de esquema tem nessa teoria Por outro lado tem tambeacutem influecircncia vygotskyana pois considera o professor como importante mediador no longo processo que caracteriza o progressivo domiacutenio de um campo conceitual pelo aluno Sua tarefa consiste principalmente em ajudar o aluno a desenvolver seu repertoacuterio de esquemas e representaccedilotildees Novos esquemas natildeo podem ser desenvolvidos sem novos invariantes operatoacuterios A linguagem e os siacutembolos satildeo importantes nesse processo de acomodaccedilatildeo e o professor faz amplo uso deles na sua funccedilatildeo mediadora Mas o principal ato mediador do professor eacute o de prover situaccedilotildees frutiacuteferas aos alunos (1998 p 181) Um conceito ou uma proposiccedilatildeo torna-se significativo atraveacutes de uma variedade de situaccedilotildees mas natildeo se capta o significado sozinho O papel mediador do professor eacute essencial (1994 p 44)

A teoria dos campos conceituais o ensino de ciecircncias e a pesquisa nessa aacuterea

Basta dar atenccedilatildeo agrave bibliografia usada neste trabalho para perceber que a teoria de Vergnaud tem sido utilizada principalmente como referencial para a educaccedilatildeo matemaacutetica Nada mais natural pois as pesquisas de Vergnaud e que sustentam sua teoria tecircm focalizado a aprendizagem e o ensino da Matemaacutetica particularmente das estruturas aditivas e multiplicativas Natildeo obstante como foi dito na introduccedilatildeo essa teoria natildeo eacute especiacutefica da Matemaacutetica e justamente por isso este texto tem por objetivo descrevecirc-la e divulgaacute-la entre professores de ciecircncias e pesquisadores em educaccedilatildeo em ciecircncias

Nas proacuteximas seccedilotildees seratildeo comentadas algumas implicaccedilotildees da teoria dos campos conceituais de Vergnaud para o ensino de ciecircncias e para a pesquisa nesse campo

Conhecimento PreacutevioAprendizagem significativa

A teoria dos campos conceituais destaca que a aquisiccedilatildeo de conhecimento eacute moldada pelas situaccedilotildees e problemas previamente dominados e que esse conhecimento tem portanto muitas caracteriacutesticas contextuais Assim muitas de nossas concepccedilotildees vecircm das primeiras situaccedilotildees que fomos capazes de dominar ou de nossa experiecircncia tentando modificaacute-las (1996 a p 117) No entanto existe provavelmente uma lacuna consideraacutevel entre os invariantes que os sujeitos constroacuteem ao interagir com o meio e os invariantes que constituem o conhecimento cientiacutefico

As concepccedilotildees preacutevias dos alunos tecircm sido consideradas como erros misconceptionsconcepccedilotildees ingecircnuas concepccedilotildees alternativa em relaccedilatildeo agraves concepccedilotildees cientiacuteficas Para Vergnaud (1990 p 69) esta maneira de conceber o conhecimento preacutevio supotildee a crianccedila o aluno ou o adulto aprendiz como incompletos imperfeitos ou deficientes em comparaccedilatildeo a adultos especialistas Essa abordagem segundo ele eacute inadequada agraves questotildees de desenvolvimento cognitivo aiacute envolvidas Seria muito mais frutiacutefero considerar o sujeito como um sistema dinacircmico com mecanismos regulatoacuterios capazes de assegurar seu progresso cognitivo

Muitas das concepccedilotildees errocircneas dos alunos derivam do fato de que eles atribuem a certas palavras usadas em ciecircncias para representar conceitos o mesmo significado que atribuem a essas mesmas palavras no dia-a-dia Inclusive de uma ciecircncia para outra os significados de uma mesma palavra podem ser distintos mas o aluno pode natildeo captaacute-los como distintos

As prediccedilotildees que os estudantes fazem para responder questotildees do tipo ldquoO que aconteceraacute se rdquo ou as explicaccedilotildees que datildeo para responder questotildees do tipo ldquoexpliquerdquo ldquointerpreterdquo ldquojustifiquerdquo tecircm segundo Vergnaud (ibid p 73) alguns pontos em comum Por exemplo focalizam caracteriacutesticas perceptivas e relacionadas a eventos da situaccedilatildeo accedilotildees movimentos mudanccedila no aspecto (cor aparecimento de bolhas fumaccedila vapor etc) descrevem os elementos da situaccedilatildeo apenas em termos de suas propriedades e funccedilotildees concebem de maneira assimeacutetrica as interaccedilotildees entre elementos da situaccedilatildeo implicam sequumlenciaccedilatildeo temporal e espacial Estes modos de compreensatildeo que satildeo essencialmente

do tipo ldquorelacionado a eventordquo diferentemente do tipo ldquoconceitualrdquo usado no campo das ciecircncias satildeo inadequados e frequumlentemente levam a previsotildees errocircneas

A persistecircncia das chamadas concepccedilotildees alternativas inclusive em estudantes em cursos cientiacuteficos avanccedilados tecircm recebido vaacuterias interpretaccedilotildees poreacutem Vergnaud argumenta (ibid p 74) que em praticamente todas elas o sistema de percepccedilatildeo visual tem um papel preponderante na construccedilatildeo do conhecimento pelos sujeitos mas pouca atenccedilatildeo tem sido dada ao papel funcional dessas concepccedilotildees e poucas pesquisas tecircm sido feitas sobre os problemas que os sujeitos encontram para construiacute-las Por exemplo os ldquoerrosrdquo encontrados em alguns estudos frequumlentemente decorrem de fato de que os sujeitos se deparam com questotildees que nunca se propuseram antes ou que envolvem valores natildeo usuais das variaacuteveis de uma dada situaccedilatildeo Outro exemplo de dificuldade enfrentada pelos sujeitos estaacute no fato de que os modelos cientiacuteficos fazem uso de entidades que geralmente natildeo satildeo acessiacuteveis sensorialmente Em Fiacutesica por exemplo os estudantes enfrentam uma dificuldade que tambeacutem existe na Aacutelgebra a verificaccedilatildeo do significado de representaccedilotildees simboacutelicas depende natildeo soacute da habilidade que o sujeito tenha para representar as entidades e as relaccedilotildees entre elas mas principalmente de elementos conceituais que devem ser levados em conta (conceitos como sistema estado interaccedilatildeo transferecircncia conservaccedilatildeo apenas para mencionar alguns) (ibid p 76)

O que tudo isso quer dizer eacute que eacute normal que os alunos apresentem tais concepccedilotildees e que elas devem ser consideradas como precursoras de conceitos cientiacuteficos a serem adquiridos A ativaccedilatildeo desses precursores eacute necessaacuteria e deve ser guiada pelo professor

As concepccedilotildees preacutevias dos alunos contecircm teoremas e conceitos-em-accedilatildeo que natildeo satildeo verdadeiros teoremas e conceitos cientiacuteficos mas que podem evoluir para eles Poreacutem como jaacute foi dito o hiato entre os invariantes operatoacuterios dos alunos e os do conhecimento cientiacutefico eacute grande de modo que a mudanccedila conceitual poderaacute levar muito tempo

Por outro lado pode ocorrer que certos conceitos possam ser construiacutedos somente se certas concepccedilotildees preacutevias forem abandonadas Quer dizer o conhecimento preacutevio pode funcionar como obstaacuteculo epistemoloacutegico (ibid p 83) Nesse caso a accedilatildeo mediadora do professor eacute tambeacutem imprescindiacutevel

A construccedilatildeo do conhecimento pelo aprendiz natildeo eacute um processo linear facilmente identificaacutevel Ao contraacuterio eacute complexo tortuoso demorado com avanccedilos e retrocessos continuidades e rupturas O conhecimento preacutevio eacute determinante no progressivo domiacutenio de um campo conceitual mas pode tambeacutem em alguns casos ser impeditivo Continuidades e rupturas natildeo satildeo no entanto excludentes Pode haver continuidade e ruptura A Aacutelgebra por exemplo se apoacuteia na Aritmeacutetica mas ainda assim para aprendecirc-la eacute necessaacuterio romper com a Aritmeacutetica A Mecacircnica Claacutessica e a Mecacircnica Quacircntica apresentam continuidades mas para aprender esta eacute preciso rupturas com aquela

No ensino eacute necessaacuterio desestabilizar cognitivamente o aluno mas natildeo demais Eacute preciso identificar sobre quais conhecimentos preacutevios a crianccedila pode se apoiar para aprender mas eacute forccediloso tambeacutem distinguir quais as rupturas necessaacuterias Quer dizer eacute preciso propor

tambeacutem com cuidado situaccedilotildees para as quais os alunos natildeo tecircm onde se apoiar ou natildeo devem se apoiar em conhecimentos preacutevios

As ideacuteias de Vergnaud sobre o papel do conhecimento preacutevio (que pode ser ldquoalternativordquo) como percursor de novos conhecimentos (que podem ser cientiacuteficos) e sobre as continuidades e rupturas na construccedilatildeo do conhecimento parecem ter muito a ver com a teoria da aprendizagem significativa de Ausubel (Ausubel et al 1980 Moreira 1999 a e b) Para Ausubel o conhecimento preacutevio eacute o principal fator isolado que influencia a aquisiccedilatildeo de novos conhecimentos A aprendizagem significativa se caracteriza pela interaccedilatildeo entre o novo conhecimento e o conhecimento preacutevio Eacute nessa interaccedilatildeo que o novo conhecimento adquire significados e o conhecimento preacutevio se modifica eou adquire novos significados Mas tal interaccedilatildeo natildeo eacute arbitraacuteria ou seja o novo conhecimento adquire significados pela interaccedilatildeo com conhecimentos preacutevios especificamente relevantes Em outras palavras a interaccedilatildeo natildeo eacute com qualquer conhecimento preacutevio Nesse sentido no ensino eacute preciso identificar sobre quais conhecimentos preacutevios o aluno pode se apoiar para aprender Contudo o efeito do conhecimento preacutevio na aprendizagem eacute tatildeo forte que em certos casos eacute preciso romper com ele Por exemplo no ensino do conceito de aprendizagem significativa pode natildeo ser adequado apoiar-se na ideacuteia de interaccedilatildeo pois esta pode estar fortemente arraigada na estrutura cognitiva como sendo uma relaccedilatildeo assimeacutetrica que poderia dificultar a compreensatildeo do fato de que na aprendizagem significativa tanto o novo conhecimento como o conhecimento preacutevio se modificam Por outro lado a compreensatildeo da aprendizagem significativa como uma relaccedilatildeo simeacutetrica ou de accedilatildeo reciacuteproca juntamente com a aprendizagem de outros processos envolvendo accedilatildeo reciacuteproca poderia levar a uma evoluccedilatildeo dos conceitos e teoremas-em-accedilatildeo associados agrave ideacuteia de interaccedilatildeo (que eacute uma ideacuteia-chave na ciecircncia) para outros progressivamente mais proacuteximos daqueles cientificamente compartilhados

Mas se a teoria dos campos conceituais eacute compatiacutevel com a teoria da aprendizagem significativa por que natildeo ficar com esta que eacute bastante mais conhecida e aceita no ensino de ciecircncias A resposta eacute que podem ser tomadas como complementares a teoria de Ausubel eacute uma teoria de aprendizagem em sala de aula de aquisiccedilatildeo de corpos organizados de conhecimento em situaccedilatildeo formal de ensino enquanto que a teoria de Vergnaud eacute uma teoria psicoloacutegica do processo de conceituaccedilatildeo do real que se propotildee a localizar e estudar continuidades e rupturas entre conhecimentos do ponto de vista de seu conteuacutedo conceitual A teoria de Vergnaud natildeo eacute uma teoria de ensino de conceitos expliacutecitos e formalizados embora tenha subjacente a ideacuteia de que os conhecimentos-em-accedilatildeo (largamente impliacutecitos) podem evoluir ao longo do tempo para conhecimentos cientiacuteficos (expliacutecitos) A teoria de Ausubel por outro lado se ocupa exatamente da aquisiccedilatildeo de conceitos expliacutecitos e formalizados chegando inclusive a propor princiacutepios programaacuteticos ndash como a diferenciaccedilatildeo progressiva a reconciliaccedilatildeo integradora e a consolidaccedilatildeo ndash para a organizaccedilatildeo do ensino

Ao resgatar e enriquecer o conceito de esquema introduzindo os conceitos de teorema-em-accedilatildeo e conceito-em-accedilatildeo ao definir conceito como um tripleto ao colocar a conceitualizaccedilatildeo no acircmago do desenvolvimento cognitivo ao priorizar a interaccedilatildeo sujeito-situaccedilatildeo e como natildeo poderia deixar de ser ao definir campo conceitual Vergnaud provecirc um referencial muito rico para compreender explicar e investigar o processo da

aprendizagem significativa A teoria dos campos conceituais de Vergnaud parece prover um referencial adequado para analisar a estrutura fina da teoria da aprendizagem significativa de Ausubel O que para Ausubel satildeo campos organizados de conhecimento para Vergnaud satildeo campos conceituais

ProfessorEnsino

Um determinado campo conceitual como o da Eletricidade por exemplo pode ser progressivamente dominado por um aprendiz mas o ensino atraveacutes da accedilatildeo mediadora do professor eacute essencial para isso Professores satildeo mediadores Sua tarefa eacute a de ajudar os alunos a desenvolver seu repertoacuterio de esquemas e representaccedilotildees (1998 p 180) Desenvolvendo novos esquemas os alunos tornam-se capazes de enfrentar situaccedilotildees cada vez mais complexas Novos esquemas natildeo podem ser desenvolvidos sem novos invariantes operacionais A linguagem e os siacutembolos satildeo importantes nesse processo Os professores usam palavras e sentenccedilas para explicar formular questotildees selecionar informaccedilotildees propor metas expectativas regras e planos Contudo sua accedilatildeo mediadora mais importante eacute a de prover situaccedilotildees (de aprendizagem) frutiacuteferas para os estudantes (ibid) Tais situaccedilotildees devem ser cuidadosamente escolhidas ordenadas diversificadas apresentadas no momento certo e dentro da zona de desenvolvimento proximal do aluno Sem duacutevida uma tarefa difiacutecil mas essencial

Para Vergnaud o desenvolvimento cognitivo depende de situaccedilotildees e conceitualizaccedilotildees especiacuteficas para lidar com elas Satildeo as situaccedilotildees que datildeo sentido aos conceitos elas eacute que satildeo responsaacuteveis pelo sentido atribuiacutedo ao conceito (Barais amp Vergnaud 1990 p 78) um conceito torna-se significativo atraveacutes de uma variedade de situaccedilotildees (1994 p 46) mas o sentido natildeo estaacute nas situaccedilotildees em si mesmas assim como natildeo estaacute nas palavras nem nos siacutembolos (1990 p 158)

Cabe aqui lembrar que embora estejamos falando do ensino e do papel do professor na perspectiva de Vergnaud as situaccedilotildees antes referidas natildeo satildeo situaccedilotildees didaacuteticas propriamente ditas mas sim tarefas problemas

O papel do professor como mediador provedor de situaccedilotildees problemaacuteticas frutiacuteferas estimuladoras da interaccedilatildeo sujeito-situaccedilatildeo que leva agrave ampliaccedilatildeo e agrave diversificaccedilatildeo de seus esquemas de accedilatildeo ou seja ao desenvolvimento cognitivo deixa ainda mais evidente que a teoria de Vergnaud tem tambeacutem forte influecircncia vigotskyana

Haacute no entanto outra importante implicaccedilatildeo da teoria dos campos conceituais para o ensino a questatildeo do conhecimento impliacutecito e do conhecimento expliacutecito A escola segundo Vergnaud (1994 p 47) superestima o conhecimento expliacutecito e subestima ateacute mesmo desvaloriza o conhecimento impliacutecito dos alunos Contudo a maior parte de nossa atividade fiacutesica e mental de nosso comportamento enfim eacute constituiacuteda de esquemas e estes tecircm como componentes essenciais os invariantes operatoacuterios (conceitos e teoremas-em-accedilatildeo) que constituem os conhecimentos contidos nos esquemas e que satildeo largamente impliacutecitos Quer dizer haacute muito de impliacutecito nos esquemas Os alunos em geral natildeo satildeo capazes de explicar ou expressar em linguagem natural seus teoremas-em-accedilatildeo ainda que

sejam capazes de resolver certas tarefas (situaccedilotildees) Natildeo soacute alunos qualquer pessoa muitas vezes eacute incapaz de colocar em palavras coisas que faz muito bem conhecimentos que tem Haacute um hiato entre a accedilatildeo e a formalizaccedilatildeo da accedilatildeo Agimos com o auxiacutelio de invariantes operatoacuterios sem expressaacute-los ou sem sermos capazes de expressaacute-los A anaacutelise cognitiva dessas accedilotildees muitas vezes revela a existecircncia de potentes teoremas e conceitos-em-accedilatildeo impliacutecitos Esse conhecimento no entanto natildeo pode ser apropriadamente chamado de conceitual pois o conhecimento conceitual eacute necessariamente expliacutecito (Vergnaud et al 1990 p 20) Portanto palavras e outros siacutembolos sentenccedilas e outras expressotildees simboacutelicas satildeo instrumentos cognitivos indispensaacuteveis para a transformaccedilatildeo de invariantes operatoacuterios impliacutecitos em conceitos e teoremas cientiacuteficos expliacutecitos (ibid) Quer dizer a formalizaccedilatildeo ndash o ensino direcionado agrave formalizaccedilatildeo ndash eacute necessaacuteria poreacutem eacute preciso levar em conta que as ideacuteias cientiacuteficas evoluem no aluno durante um longo periacuteodo de desenvolvimento cognitivo atraveacutes de uma variedade de situaccedilotildees e atividades e que qualquer conhecimento formal e axiomatizado que o aluno apresenta pode natildeo ser mais do que a parte visiacutevel de um iceberg formado basicamente por conhecimentos impliacutecitos (op cit p 21) O ensino de ciecircncias natildeo pode deixar de lado a simbolizaccedilatildeo e a formalizaccedilatildeo porque a ciecircncia eacute simboacutelica formal e expliacutecita mas eacute preciso ter sempre em mente que o conhecimento do aluno como de qualquer outro sujeito eacute em grande parte impliacutecito O ensino de ciecircncias deve facilitar a transformaccedilatildeo do conhecimento impliacutecito em expliacutecito sem nunca subestimaacute-lo ou desvalorizaacute-lo A trajetoacuteria do aprendiz ao longo de um campo conceitual cientiacutefico eacute sinuosa difusa difiacutecil e sobretudo demorada Natildeo se pode esperar que um aluno domine um campo conceitual como o da Termodinacircmica por exemplo atraveacutes de uma ou duas unidades didaacuteticas desenvolvidas ao longo de dois ou trecircs meses Eacute normal que o aluno continue usando conhecimentos impliacutecitos ao mesmo tempo que vai se apropriando dos conhecimentos expliacutecitos da ciecircncia A perspectiva dos campos conceituais eacute progressiva natildeo substitutiva Ou seja o campo conceitual vai sendo progressivamente dominado pelo aprendiz o conhecimento impliacutecito vai evoluindo progressivamente para o expliacutecito ao inveacutes de ser substituiacutedo por ele Isso como alerta Vergnaud pode levar muito tempo muitos anos talvez mas o ensino e em uacuteltima anaacutelise o professor tecircm um papel essencial nesse processo Sem o ensino natildeo haacute razatildeo nenhuma para se acreditar que o sujeito passe a dominar campos conceituais complexos e formalizados como os cientiacuteficos

Resoluccedilatildeo de Problemas

O ensino de ciecircncias tradicionalmente envolve trecircs aspectos principais profundamente interrelacionados o conhecimento teoacuterico (conceitos leis princiacutepios equaccedilotildees) as praacuteticas de laboratoacuterio (experimentos demonstraccedilotildees procedimentos cientiacuteficos) e a resoluccedilatildeo de problemas (abertos fechados como investigaccedilatildeo de papel e laacutepis) Obviamente qualquer professor experiente sabe que essa distinccedilatildeo eacute artificial o conhecimento cientiacutefico eacute produzido atraveacutes da interaccedilatildeo entre o domiacutenio conceitual e o metodoloacutegico Poreacutem na perspectiva de Vergnaud esta interdependecircncia entre a teoria e a praacutetica fica muito clara

Como jaacute foi dito reiteradamente ao longo deste texto satildeo as situaccedilotildees[1] que datildeo sentido aos conceitos um conceito torna-se significativo atraveacutes de uma variedade de situaccedilotildees os conhecimentos dos alunos satildeo moldados pelas situaccedilotildees que encontram e

progressivamente dominam Embora o conceito de situaccedilatildeo tenha na teoria dos campos conceituais o significado de tarefa podemos supor que no acircmbito das ciecircncias situaccedilatildeo significa tambeacutem problema Ou podemos falar em situaccedilotildees e problemas como faz o proacuteprio Vergnaud ao dizer que ldquoa aquisiccedilatildeo de conhecimento eacute moldada pelas situaccedilotildees e problemas previamente dominados e portanto o conhecimento do sujeito tem muitos aspectos locaisrdquo (1994 p 42) Em outro trabalho bastante anterior a esse Vergnaud diz que ldquona verdade os conceitos se desenvolvem atraveacutes da resoluccedilatildeo de problemas e esse desenvolvimento eacute lentordquo (1983b p 172)

Isso significa que a resoluccedilatildeo de problemas ou as situaccedilotildees de resoluccedilatildeo de problemas satildeo essenciais para a conceitualizaccedilatildeo mas como chama atenccedilatildeo Vergnaud (1994 p 42) ldquoum problema natildeo eacute um problema para um indiviacuteduo a menos que ele ou ela tenha conceitos que oa tornem capaz de consideraacute-lo como um problema para si mesmordquo Ou seja haacute uma relaccedilatildeo dialeacutetica e ciacuteclica entre a conceitualizaccedilatildeo e a resoluccedilatildeo de problemas Para Vergnaud a problematizaccedilatildeo vai muito aleacutem da abstraccedilatildeo de regularidades do mundo observaacutevel Problemas satildeo teoacutericos e praacuteticos natildeo meramente empiacutericos mesmo para crianccedilas pequenas Quando uma classe de problemas eacute resolvida por um indiviacuteduo (o que significa que ela ou ele desenvolve um esquema eficiente para lidar com todos ou quase todos os problemas dessa classe) o caraacuteter problemaacutetico dessa classe especiacutefica desaparece (ibid) Mas essa competecircncia desenvolvida pelo indiviacuteduo o habilita a reconhecer ou considerar novos problemas para si mesmo trata-se entatildeo de um processo ciacuteclico

Vergnaud chama de ldquoilusatildeo pedagoacutegicardquo (1983 b p 173) a atitude dos professores que crecircem que o ensino de Fiacutesica digamos consiste na apresentaccedilatildeo organizada clara rigorosa das teorias formais e que quando isso eacute bem feito os alunos aprendem Trata-se de uma ilusatildeo porque segundo ele eacute atraveacutes de situaccedilotildees de resoluccedilatildeo de problemas que os conceitos se desenvolvem no aluno e as situaccedilotildees de resoluccedilatildeo de problemas que tornam os conceitos significativos para os alunos podem estar pelo menos inicialmente muito distantes do formalismo apresentado pelo professor Mas apesar disso tais situaccedilotildees satildeo essenciais para o desenvolvimento de conceitos Quer dizer ao mesmo tempo que as situaccedilotildees formais satildeo necessaacuterias eacute preciso levar em consideraccedilatildeo que o aluno pode estar ainda muito longe delas (1983 b p 172)

Novamente podemos estabelecer um certo paralelo entre as teorias de Ausubel e Vergnaud A aprendizagem receptiva de Ausubel poderia ser interpretada como a ilusatildeo pedagoacutegica de Vergnaud mas natildeo eacute assim Ausubel certamente defenderia a apresentaccedilatildeo organizada clara rigorosa das teoria formais poreacutem desde que fossem potencialmente significativas o que implicaria que o aprendiz tivesse o conhecimento preacutevio adequado e se dispusesse a aprender Isso estaria de acordo com a postura de Vergnaud no sentido de que o domiacutenio de situaccedilotildees preacutevias eacute importante para o domiacutenio de situaccedilotildees novas Acrescente-se a isso que para Ausubel a resoluccedilatildeo de problemas em particular de situaccedilotildees problemaacuteticas novas e natildeo familiares que requeiram maacutexima transformaccedilatildeo do conhecimento adquirido eacute a principal evidecircncia da aprendizagem significativa (Ausubel et al 1980)

A teoria de Vergnaud parece ser entatildeo um bom referencial para anaacutelise das dificuldades dos alunos na resoluccedilatildeo de problemas em ciecircncias e consequumlentemente da conceitualizaccedilatildeo em ciecircncias Tais dificuldades poderiam por exemplo ser examinadas em

termos de invariantes operatoacuterios quer dizer em termos de quais os conceitos e teoremas-em-accedilatildeo que os estudantes estariam usando na resoluccedilatildeo de problemas e de quatildeo distantes estariam dos conceitos e teoremas cientiacuteficos adequados agrave resoluccedilatildeo do problema em pauta

Representaccedilotildees[2]

No tripleto C (S I R) que define conceito (p 4 deste trabalho) Vergnaud dizia que S (o conjunto de situaccedilotildees que datildeo sentido ao conceito) eacute a realidade e (I R) a representaccedilatildeo dessa realidade que pode ser considerada como dois aspectos interagentes do pensamento o significado (I) e o significante (R)

Isso sugere que inicialmente Vergnaud usava o termo representaccedilatildeo como sendo o de um sistema simboacutelico que significaria algo para o sujeito um sistema de signos e uma sintaxe ou operaccedilotildees sobre elementos do sistema Para ele conceitos e siacutembolos eram duas faces da mesma moeda e devia-se sempre dar atenccedilatildeo ao uso que os alunos faziam dos siacutembolos agrave luz do uso que faziam dos conceitos Quer dizer a habilidade em resolver situaccedilotildees em linguagem natural seria o melhor criteacuterio para aquisiccedilatildeo de conceitos mas por outro lado a simbolizaccedilatildeo ajudaria nisso (1982 p 57) Assim como haacute problemas mais facilmente resolviacuteveis do que outros ou procedimentos mais faacuteceis do que outros haveria representaccedilotildees simboacutelicas mais potentes do que outras equaccedilotildees por exemplo seriam mais potentes que diagramas de Euler-Venn Todavia tais equaccedilotildees deveriam representar situaccedilotildees significativas

Poreacutem em outro trabalho mais recente (1998 p 173) Vergnaud fala em teorias de representaccedilotildees e diz que para ser uacutetil uma teoria dessas deve conter a ideacuteia de que as representaccedilotildees ofereccedilam possibilidades de inferecircncia ie que elas nos tornem capazes de antecipar eventos futuros e gerar condutas para chegar a algum efeito positivo ou evitar algum efeito negativo

Diz ele (op cit p 174) que temos representaccedilotildees computaacuteveis para gestos e accedilotildees sobre o mundo fiacutesico bem como para comportamentos verbais e para interaccedilotildees sociais Tais representaccedilotildees podem ser corretas ou erradas vagas ou precisas expliacutecitas ou totalmente impliacutecitas em qualquer caso elas funcionam como substitutos computaacuteveis da realidade e portanto satildeo feitas de teoremas-em-accedilatildeo proposiccedilotildees tidas como verdadeiras

A construccedilatildeo do conhecimento consiste entatildeo na progressiva construccedilatildeo de representaccedilotildees mentais que satildeo homomoacuterficas agrave realidade para alguns aspectos e para outros natildeo (1990 p 22) Por um lado a representaccedilatildeo eacute ativa pragmaacutetica e operacional por outro eacute discursiva teoacuterica e simboacutelica (ibid) Mas haacute importantes lacunas entre o que estaacute representado na mente de um indiviacuteduo e o significado usual das palavras e outros signos pois sistemas linguumliacutesticos e semioacuteticos natildeo tecircm por finalidade expressar exatamente o que cada indiviacuteduo tem em mente quando enfrenta uma situaccedilatildeo selecionando e processando a informaccedilatildeo (1998 p 176) Para Vergnaud a relaccedilatildeo entre situaccedilotildees e esquemas eacute a fonte primaacuteria da representaccedilatildeo mas sua teoria afasta-se muito da visatildeo de que um objeto pode ser representado mentalmente de maneira natildeo ambiacutegua atraveacutes de

siacutembolos Por maior que seja (e eacute grande) o papel dos siacutembolos no pensamento o conhecimento natildeo eacute em essecircncia simboacutelico O reconhecimento de invariantes em accedilatildeo e percepccedilatildeo e a progressiva construccedilatildeo de objetos e predicados de niacutevel mais alto satildeo aspectos mais essenciais do conhecimento (op cit p 177)

Podemos entatildeo fazer uma ponte entre os significados mais recentes de representaccedilatildeo na teoria de Vergnaud e a teoria tambeacutem recente dos modelos mentais (Johnson-Laird 1983 Moreira 1996) Dizer que temos representaccedilotildees computaacuteveis para gestos e accedilotildees sobre o mundo fiacutesico para comportamentos verbais e para interaccedilotildees sociais e que tais representaccedilotildees -- que podem ser corretas ou erradas vagas ou precisas expliacutecitas ou (principalmente) impliacutecitas -- permitem fazer inferecircncias eacute praticamente dizer que tais representaccedilotildees satildeo modelos mentais Johnson-Laird define modelos mentais como anaacutelogos estruturais de estados de coisas do mundo Satildeo instrumentos de compreensatildeo e inferecircncia Quando nos defrontamos com uma situaccedilatildeo nova construiacutemos um modelo mental para entendecirc-la descrevecirc-la e prever o que vai acontecer Este modelo pode ser correto ou natildeo (no sentido de que suas previsotildees natildeo satildeo corretas cientificamente) pode ser vago confuso incompleto mas eacute sobretudo funcional para seus construtor e pode ser modificado recursivamente ateacute atingir tal funcionalidade

Modelos mentais podem ser basicamente proposicionais ie constituiacutedos principalmente de proposiccedilotildees ou basicamente imagiacutesticos ou seja construiacutedos predominantemente com imagens ou ainda hiacutebridos quer dizer formados por proposiccedilotildees e imagens (Greca e Moreira 1997) Entatildeo as proposiccedilotildees constituintes dos modelos mentais podem ser interpretadas como teoremas-em-accedilatildeo de Vergnaud Como ele mesmo diz as representaccedilotildees funcionam como substitutos computaacuteveis da realidade e portanto satildeo feitas de teoremas-em-accedilatildeo Com o progressivo domiacutenio de um campo conceitual os teoremas-em-accedilatildeo (grandemente impliacutecitos) vatildeo se aproximando de teoremas cientiacuteficos (proposiccedilotildees expliacutecitas) Analogamente agrave medida que o sujeito adquire mais conhecimentos cientiacuteficos seus modelos mentais aproximam-se (no sentido de que permitem dar significados cientificamente aceitos) dos modelos cientiacuteficos

Pode-se assim dizer que os modelos mentais de Johnson-Laird contecircm aquilo que Vergnaud chama de teoremas-em-accedilatildeo ou seja proposiccedilotildees tidas como verdadeiras sobre o real Mas esta aparente compatibilidade entre as duas teorias pode ir aleacutem pois os conceitos-em-accedilatildeo de Vergnaud tambeacutem podem integrar modelos mentais Conceitos-em-accedilatildeo satildeo objetos predicados ou categorias de pensamento tidos como pertinentes relevantes agrave situaccedilatildeo Analogamente segundo o princiacutepio do construtivismo (Johnson-Laird 1983 p 398) um modelo mental eacute construiacutedo a partir de sinais (tokens) dispostos em uma estrutura particular para representar em certo estado de coisas (isto eacute uma certa situaccedilatildeo) Se interpretaacutessemos esses sinais (tokens) como objetos predicados ou categorias de pensamento pertinentes dir-se-ia que os modelos mentais contecircm tambeacutem conceitos-em-accedilatildeo

Contudo eacute importante natildeo confundir modelos mentais com esquemas de assimilaccedilatildeo Para Vergnaud os invariantes operatoacuterios (teoremas e conceitos-em-accedilatildeo) satildeo componentes essenciais dos esquemas e acabamos de dizer que os modelos mentais contecircm proposiccedilotildees e sinais (tokens) que podem ser interpretados como invariantes operatoacuterios mas ainda

assim modelos mentais e esquemas satildeo construtos distintos Modelo mental eacute instrumento de compreensatildeo construiacutedo no momento da compreensatildeo e descartaacutevel se for alcanccedilada (para o construtor) a funcionalidade desejada (ou seja a compreensatildeo mesmo que natildeo compartilhada cientificamente) Esquema de assimilaccedilatildeo eacute segundo Vergnaud a organizaccedilatildeo invariante do comportamento para uma determinada classe de situaccedilotildees Portanto esquemas de assimilaccedilatildeo satildeo mais estaacuteveis o sujeito constroacutei determinado esquema e o utiliza para assimilar uma certa classe de situaccedilotildees ou seja usa sempre o mesmo esquema para cada situaccedilatildeo dessa classe Mas frente a uma situaccedilatildeo nova eacute preciso acomodar ou seja construir um novo esquema de assimilaccedilatildeo e eacute exatamente aiacute que parece encaixar bem a ideacuteia de modelo mental para compreender uma nova situaccedilatildeo o sujeito constroacutei inicialmente um modelo mental (que como foi dito pode conter invariantes operatoacuterios) natildeo um esquema de assimilaccedilatildeo Na medida em que a nova situaccedilatildeo deixa de ser nova e passa a ser rotineira o modelo mental evolui para esquema de assimilaccedilatildeo quer dizer se estabiliza Mas isso natildeo quer dizer que todo modelo mental venha a se transformar em esquema de assimilaccedilatildeo Modelos mentais satildeo recursivos o que significa que vatildeo sendo construiacutedos e modificados quase que simultaneamente ateacute que se tornem funcionais quando entatildeo podem ser descartados ou talvez ldquoguardadosrdquo ateacute que se tornem esquemas de assimilaccedilatildeo Trata-se ao que parece de um bom assunto para pesquisar

Pesquisa

Como uacuteltimo toacutepico deste texto abordar-se-aacute a pesquisa em ensino de ciecircncias no referencial da teoria dos campos conceituais Vejamos primeiramente no entanto o que diz Vergnaud sobre a pesquisa em campos conceituais

Segundo ele (1988 p 149) a abordagem canocircnica ao estudo de um campo conceitual envolve identificar e classificar situaccedilotildees e entatildeo coletar dados sobre procedimentos e outras maneiras atraveacutes das quais os estudantes expressam seu raciociacutenio Um ciclo de pesquisa inicia com a identificaccedilatildeo de niacuteveis de objetos relaccedilotildees e teoremas-em-accedilatildeo O ciclo continua entatildeo com o delineamento de situaccedilotildees e materiais e sua experimentaccedilatildeo com alunos completando-se com a construccedilatildeo de representaccedilotildees simboacutelicas atraveacutes da observaccedilatildeo e anaacutelise dos diferentes fenocircmenos que ocorrem (ibid) Comeccedila entatildeo um segundo ciclo para melhorar o primeiro e assim sucessivamente O estudo do domiacutenio de certos campos conceituais eacute um programa de longo prazo que dificilmente pode ser feito por um pesquisador isolado ou mesmo por um grupo de pesquisa isolado

Portanto o primeiro passo para estudar o progressivo domiacutenio de um campo conceitual por parte do aluno eacute identificar e classificar situaccedilotildees Mas isso envolve duas ideacuteias principais diversidade e histoacuteria Ou seja existe uma grande variedade de situaccedilotildees em um dado campo conceitual e as aprendizagens dos alunos satildeo moldadas pelas situaccedilotildees com as quais se depararam e progressivamente dominaram particularmente as primeiras suscetiacuteveis de dar sentido aos conceitos e procedimentos que lhes queremos ensinar (1990 p 150) A combinaccedilatildeo dessas duas ideacuteias dificulta o trabalho do pesquisador em ensino porque a primeira o dirige para a anaacutelise para a decomposiccedilatildeo em elementos simples e para as possiacuteveis combinaccedilotildees de situaccedilotildees enquanto que a segunda o orienta para a busca de

situaccedilotildees funcionais quase sempre compostas de vaacuterias relaccedilotildees cuja importacircncia relativa estaacute largamente ligada agrave frequumlecircncia com que satildeo encontradas (ibid)

Em outras palavras o estudo psicogeneacutetico da aquisiccedilatildeo de um campo conceitual implica a anaacutelise em termos relacionais e hieraacuterquicos das diferentes classes de problemas que podem ser propostos aos alunos Implica tambeacutem o estudo dos distintos procedimentos e representaccedilotildees simboacutelicas que o aprendiz utiliza (1982 p 40) Em relaccedilatildeo agraves representaccedilotildees Vergnaud diz (1994 p 43) que eacute uma tarefa essencial teoacuterica e empiacuterica dos pesquisadores entender por que uma certa representaccedilatildeo simboacutelica particular pode ser uacutetil e sob quais condiccedilotildees e quando e por que pode ser proveitosamente substituiacuteda por outra mais abstrata e geral

Embora Vergnaud e vaacuterios pesquisadores que trabalham sob o referencial de sua teoria tenham se dedicado principalmente agrave pesquisa em educaccedilatildeo matemaacutetica e em particular ao estudo dos campos conceituais das estruturas aditivas e multiplicativas essa abordagem agrave pesquisa certamente se aplica ao ensino de ciecircncias ou agrave educaccedilatildeo em ciecircncias se preferirmos esta terminologia Na resoluccedilatildeo de problemas por exemplo pode-se analisar as dificuldades dos alunos em termos de invariantes operatoacuterios Quer dizer os alunos muitas vezes resolvem problemas usando conhecimentos-em-accedilatildeo que podem ateacute conduzi-los agrave uma soluccedilatildeo satisfatoacuteria para uma certa situaccedilatildeo mas que natildeo funcionam para outra situaccedilatildeo ligeiramente diferente da primeira porque tais conhecimentos natildeo satildeo cientiacuteficos e tampouco constituem um esquema de assimilaccedilatildeo que pode ser aplicado a uma classe de situaccedilotildees Por outro lado tais conhecimentos-em-accedilatildeo mdash que satildeo largamente impliacutecitos mdash podem ser precursores na aquisiccedilatildeo de conceitos cientiacuteficos e portanto devem ser identificados ie pesquisados Os trabalhos de Sousa (2001) e de Sousa e Faacutevero (2002) no qual a resoluccedilatildeo de problemas em Fiacutesica foi investigada em uma situaccedilatildeo de interlocuccedilatildeo entre um especialista e um novato eacute um exemplo nessa direccedilatildeo Costa e Moreira (2002) e Escudero e Moreira (2002) tambeacutem estatildeo trabalhando em resoluccedilatildeo de problemas em Fiacutesica e procurando interpretar as dificuldades dos alunos na construccedilatildeo de modelos mentais do enunciado agrave luz de aspectos da teoria dos campos conceituais

O estudo da aprendizagem de conceitos fiacutesicos tambeacutem pode ser feito no referencial teoacuterico de Vergnaud Para ele satildeo as situaccedilotildees que datildeo sentido ao conceito os invariantes operatoacuterios que constituem seu significado e as representaccedilotildees simboacutelicas o seu significante Portanto como sugere Vergnaud eacute preciso identificar e classificar situaccedilotildees adequadas agrave aprendizagem de determinado conceito pesquisar os invariantes operatoacuterios usados pelos alunos e procurar entender como por que e quando uma certa representaccedilatildeo simboacutelica pode ajudar na conceitualizaccedilatildeo O trabalho de Lemeignan e Weil-Barais (1994) eacute talvez pioneiro nessa linha As pesquisas de Stipcich e Moreira (2002) sobre o conceito de interaccedilatildeo e de Moreira e Sousa (2002) a respeito do conceito de potencial eleacutetrico estatildeo usando o referencial de Vergnaud para interpretar as dificuldades dos alunos na aprendizagem significativa desses conceitos

Obviamente a teoria dos campos conceituais pode tambeacutem ser usada como referente teoacuterico em pesquisas sobre mudanccedila conceitual De um modo geral pode-se dizer que essa teoria eacute potencialmente uacutetil na anaacutelise das dificuldades dos alunos na resoluccedilatildeo de problemas em ciecircncias na aprendizagem de conceitos cientiacuteficos e na mudanccedila conceitual

Uma vez identificadas tais dificuldades essa mesma teoria pode ajudar no delineamento de estrateacutegias ou melhor na seleccedilatildeo de situaccedilotildees instrucionais que possam ajudar na progressiva superaccedilatildeo de tais dificuldades ou em outras palavras no progressivo (e lento) domiacutenio do(s) campo(s) conceitual(is) envolvido(s) Esse domiacutenio progressivo implica capacidade de resolver problemas conceitualizaccedilatildeo e mudanccedila (evoluccedilatildeo) conceitual

Natildeo tatildeo oacutebvia eacute a possibilidade de investigar questotildees como a modelagem mental no referencial de Vergnaud poreacutem uma vez aceita a compatibilidade aludida na seccedilatildeo anterior entre a teoria dos modelos mentais e a teoria dos campos conceituais tal possibilidade decorre naturalmente Enfim a potencialidade do uso da teoria de Vergnaud na pesquisa e ensino de ciecircncias parece ser grande Nesta seccedilatildeo foram apenas aventadas possibilidades e referidos alguns estudos

Conclusatildeo

Este trabalho teve por objetivo descrever a teoria dos campos conceituais de Geacuterard Vergnaud particularmente para uma audiecircncia de professores e pesquisadores em ensino de ciecircncias Essa teoria eacute bastante conhecida na aacuterea da educaccedilatildeo matemaacutetica poreacutem relativamente pouco no campo da educaccedilatildeo em ciecircncias e justamente por isso foi objeto deste texto

Trata-se de uma teoria de base piagetiana mas que afasta-se bastante de Piaget ao tomar como referecircncia o proacuteprio conteuacutedo do conhecimento e a anaacutelise conceitual do progressivo domiacutenio desse conhecimento bem como ao ocupar-se do estudo do desenvolvimento cognitivo do sujeito-em-situaccedilatildeo ao inveacutes de operaccedilotildees loacutegicas gerais de estruturas gerais do pensamento Ao fazer isso a teoria de Vergnaud apresenta um grande potencial para descrever analisar e interpretar aquilo que se passa em sala de aula na aprendizagem de matemaacutetica e ciecircncias Provavelmente esse tipo de teoria eacute o de maior utilidade para fundamentar o ensino e a pesquisa em ensino nessa aacuterea

Aleacutem de descrever a teoria propriamente dita procurou-se neste texto estabelecer elos com a teoria da aprendizagem significativa de Ausubel (outra ldquoteoria de sala de aulardquo) e com a recente teoria dos modelos mentais de Johnson-Laird assim como destacar implicaccedilotildees para o ensino e para a pesquisa em ensino de ciecircncias

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[1] Lembremos que um campo conceitual eacute em primeiro lugar um conjunto de situaccedilotildees (1998 p 141 1990 p 5) cujo domiacutenio requer o domiacutenio de vaacuterios conceitos de naturezas distintas (volta para o texto) [2] A ponte entre a teoria de Vergnaud e a teoria dos modelos mentais de Johnson-Laird feita nesta seccedilatildeo estaacute bem mais elaborada no trabalho ldquoAleacutem da detecccedilatildeo de modelos mentais dos estudantes Uma proposta representacional integradorardquo de Ileana Greca e Marco Antonio Moreira (volta para o texto)

Page 8: A Teoria Dos Campos Conceituais de Vergnaud

submetas pode tambeacutem esperar certos efeitos ou certos eventos) 2 regras de accedilatildeo do tipo se entatildeo que constituem a parte verdadeiramente geradora do esquema aquela que permite a geraccedilatildeo e a continuidade da sequumlecircncia de accedilotildees do sujeito satildeo regras de busca de informaccedilatildeo e controle dos resultados da accedilatildeo 3 invariantes operatoacuterios (teoremas-em-accedilatildeo e conceitos-em-accedilatildeo) que dirigem o reconhecimento por parte do indiviacuteduo dos elementos pertinentes agrave situaccedilatildeo satildeo os conhecimentos contidos nos esquemas satildeo eles que constituem a base impliacutecita ou expliacutecita que permite obter a informaccedilatildeo pertinente e dela inferir a meta a alcanccedilar e as regras de accedilatildeo adequadas 4 possibilidades de inferecircncia (ou raciociacutenios) que permitem calcular aqui e agora as regras e antecipaccedilotildees a partir das informaccedilotildees e invariantes operatoacuterios de que dispotildee o sujeito ou seja toda a atividade implicada nos trecircs outros ingredientes requer caacutelculos aqui e imediatamente em situaccedilatildeoComo foi dito para Vergnaud os esquemas se referem necessariamente a situaccedilotildees ou classes de situaccedilotildees onde ele (1993 p 2) distingue entre 1 classes de situaccedilotildees em que o sujeito dispotildee no seu repertoacuterio em dado momento de seu desenvolvimento e sob certas circunstacircncias das competecircncias necessaacuterias ao tratamento relativamente imediato da situaccedilatildeo 2 classes de situaccedilotildees em que o sujeito natildeo dispotildee de todas as competecircncias necessaacuterias o que obriga a um tempo de reflexatildeo e exploraccedilatildeo a hesitaccedilotildees a tentativas frustradas levando-o eventualmente ao sucesso ou ao fracassoSegundo Vergnaud (ibid) o conceito de esquema natildeo funciona do mesmo modo nas duas classes Na primeira delas observam-se para uma mesma classe de situaccedilotildees condutas amplamente automatizadas organizadas por um soacute esquema enquanto que na segunda observa-se a sucessiva utilizaccedilatildeo de vaacuterios esquemas que podem entrar em competiccedilatildeo e que para atingir a meta desejada devem ser acomodados descombinados e recombinados

De um modo geral todas as condutas comportam uma parte automatizada e uma parte de decisatildeo consciente Os esquemas satildeo frequumlentemente eficazes mas nem sempre efetivos Quando o sujeito usa um esquema ineficaz para uma certa situaccedilatildeo a experiecircncia o leva a mudar de esquema ou a modificar o esquema (1990 p 138) Estaacute aiacute a ideacuteia piagetiana de que os esquemas estatildeo no centro do processo de adaptaccedilatildeo das estruturas cognitivas ie na assimilaccedilatildeo e na acomodaccedilatildeo Contudo Vergnaud daacute ao conceito de esquema um alcance muito maior do que Piaget e insiste em que os esquemas devem relacionar-se com as caracteriacutesticas das situaccedilotildees agraves quais se aplicam

Haacute muito de impliacutecito nos esquemas Muitos esquemas podem ser evocados sucessivamente e mesmo simultaneamente em uma situaccedilatildeo nova para o sujeito (1990 p 140) As condutas em uma dada situaccedilatildeo repousam sobre o repertoacuterio inicial de esquemas que o sujeito dispotildee Como jaacute foi dito o desenvolvimento cognitivo pode ser interpretado como consistindo sobretudo no desenvolvimento de um vasto repertoacuterio de esquemas afetando esferas muito distintas da atividade humana

Do ponto de vista teoacuterico o conceito de esquema proporciona o indispensaacutevel viacutenculo entre a conduta e a representaccedilatildeo (1996c p 202) a relaccedilatildeo entre situaccedilotildees e esquemas eacute a fonte primaacuteria da representaccedilatildeo e portanto da conceitualizaccedilatildeo (1998 p 177) Por outro lado satildeo os invariantes operatoacuterios que fazem a articulaccedilatildeo essencial entre teoria e praacutetica pois a

percepccedilatildeo a busca e a seleccedilatildeo de informaccedilatildeo baseiam-se inteiramente no sistema de conceitos-em-accedilatildeo disponiacuteveis para o sujeito (objetos atributos relaccedilotildees condiccedilotildees circunstacircncias) e nos teoremas-em-accedilatildeo subjacentes agrave sua conduta (1996c p 202)

As expressotildees conceito-em-accedilatildeo e teorema-em-accedilatildeo designam os conhecimentos contidos nos esquemas Satildeo tambeacutem designados por Vergnaud pela expressatildeo mais global invariantes operatoacuterios Teorema-em-accedilatildeo eacute uma proposiccedilatildeo considerada como verdadeira sobre o real conceito-em-accedilatildeo eacute uma categoria de pensamento considerada como pertinente (ibid)

Esta seccedilatildeo foi dedicada ao conceito de esquema Dos ingredientes de um esquema ndash metas e antecipaccedilotildees regras de accedilatildeo invariantes operatoacuterios e possibilidades de inferecircncia ndash os invariantes operatoacuterios ie os conhecimentos-em-accedilatildeo (conceitos e teoremas-em-accedilatildeo) constituem a base conceitual impliacutecita ou expliacutecita que permite obter a informaccedilatildeo pertinente e a partir dela e da meta a atingir inferir as regras de accedilatildeo mais pertinentes para abordar uma situaccedilatildeo (1996c p 201)

Um exemplo de esquema dado por Franchi (1999 p 165) pode ser uacutetil para ilustrar esses aspectos e concluir esta seccedilatildeo Trata-se do esquema da enumeraccedilatildeo de uma pequena coleccedilatildeo de objetos discretos por uma crianccedila de cinco anos por mais que varie a forma de contar por exemplo copos na mesa cadeiras da sala pessoas sentadas de maneira esparsa em um jardim natildeo deixa de haver uma organizaccedilatildeo invariante para o funcionamento do esquema coordenaccedilatildeo dos movimentos dos olhos e gestos dos dedos e das matildeos enunciaccedilatildeo correta da seacuterie numeacuterica identificaccedilatildeo do uacuteltimo elemento da seacuterie como o cardinal do conjunto enumerado (acentuaccedilatildeo ou repeticcedilatildeo do uacuteltimo nuacutemero pronunciado) Vecirc-se facilmente que o esquema descrito recorre a atividades perceptivo-motoras a significantes (as palavras-nuacutemeros) e a construccedilotildees conceituais tais como a de correspondecircncia biuniacutevoca entre conjuntos de objetos e subconjuntos de nuacutemeros naturais a de cardinal e ordinal e outras Recorre igualmente a conhecimentos tais como os que identificam o uacuteltimo elemento da seacuterie ordinal ao cardinal do conjunto Esses conceitos e conhecimentos satildeo impliacutecitos e praticamente insuscetiacuteveis de explicitaccedilatildeo por uma crianccedila nas fases iniciais da aprendizagem de competecircncias e conceitos aritmeacuteticos Entretanto orientam o desenvolvimento da accedilatildeo sendo chamados de conhecimentos-em-accedilatildeo A ausecircncia de uma conceituaccedilatildeo adequada estaacute no centro da origem dos erros sistemaacuteticos cometidos pelos alunos (ibid)

Naturalmente os esquemas usados por crianccedilas maiores e por adultos em determinadas classes de situaccedilotildees podem ser muito mais elaborados mas a ideacuteia eacute mesma o esquema eacute a forma estrutural da atividade eacute a organizaccedilatildeo invariante do sujeito sobre uma classe de situaccedilotildees dadas (op cit p 164) e conteacutem conhecimentos-em-accedilatildeo que satildeo impliacutecitos

Invariantes operatoacuterios

Designam-se pelas expressotildees conceito-em-accedilatildeo e teorema-em-accedilatildeo os conhecimentos contidos nos esquemas Pode-se tambeacutem designaacute-los pela expressatildeo mais abrangente invariantes operatoacuterios (1993 p 4) Esquema eacute a organizaccedilatildeo da conduta para uma certa

classe de situaccedilotildees teoremas-em-accedilatildeo e conceitos-em-accedilatildeo satildeo invariantes operacionais logo satildeo componentes essenciais dos esquemas (1998 p 167) e determinam as diferenccedilas entre eles

Teorema-em-accedilatildeo eacute uma proposiccedilatildeo tida como verdadeira sobre o real Conceito-em-accedilatildeo eacute um objeto um predicado ou uma categoria de pensamento tida como pertinente relevante (1996c p 202 1998 p 167)

Vejamos exemplos de teoremas-em-accedilatildeo Consideremos a seguinte situaccedilatildeo proposta a alunos de 13 anos (1994 p 49) O consumo de farinha eacute em meacutedia 35 kg por semana para dez pessoas Qual a quantidade de farinha necessaacuteria para cinquumlenta pessoas durante 28 dias Resposta de um aluno 5 vezes mais pessoas 4 vezes mais dias 20 vezes mais farinha logo 35 x 20 = 70 kg

Eacute impossiacutevel segundo Vergnaud (ibid) dar conta desse raciociacutenio sem supor o seguinte teorema impliacutecito na cabeccedila do aluno f(n1x1 n2x2) = n1n2 f(x1x2) ou seja Consumo (5 x 10 4 x 7) = 5 x 4 Consumo (10 7)

Naturalmente este teorema funciona porque as razotildees de 50 pessoas para 10 pessoas e 28 dias para 7 dias satildeo simples e evidentes Ele natildeo seria tatildeo facilmente aplicado a outros valores numeacutericos Portanto seu escopo de aplicaccedilatildeo eacute limitado Ainda assim eacute um teorema que pode ser expresso por exemplo em palavras O consumo eacute proporcional ao nuacutemero de pessoas quando o nuacutemero de dias eacute mantido constante e eacute proporcional ao nuacutemero de dias quando o nuacutemero de pessoas eacute mantido constante Pode tambeacutem ser expresso pela foacutermula C = kPD onde C eacute o consumo P o nuacutemero de pessoas D o nuacutemero de dias e k o consumo por pessoa por dia

Eacute claro que essas diferentes maneiras de expressar o mesmo raciociacutenio natildeo satildeo cognitivamente equivalentes A segunda eacute mais difiacutecil Satildeo maneiras complementares de explicitar a mesma estrutura matemaacutetica impliacutecita em diferentes niacuteveis de abstraccedilatildeo

Suponhamos agora outras situaccedilotildees (1998 p 174)

A Janete tinha 7 bolinhas de gude Ela jogou e ganhou 5 bolinhas Quantas bolinhas ela tem agora B Paulo tinha 12 bolinhas de gude Ele jogou e perdeu 5 bolinhas Quantas bolinhas ele tem agora C Hans tinha 9 bolinhas de gude Ele jogou com Rute Ele tem agora 14 bolinhas de gude O que aconteceu no jogo D Rute jogou bolinhas de gude com Hans e perdeu 5 bolinhas Ela agora tem 7 bolinhas de gude Quantas ela tinha antes de jogar Haacute vaacuterios conceitos-em-accedilatildeo distintos impliacutecitos na compreensatildeo dessas situaccedilotildees nuacutemero cardinal ganho e perda aumento e diminuiccedilatildeo transformaccedilatildeo e estado estado inicial e final transformaccedilatildeo positiva e negativa adiccedilatildeo e subtraccedilatildeo

Os conceitos relevantes satildeo os mesmos para todas as situaccedilotildees mas a situaccedilatildeo D eacute bem mais difiacutecil para alunos de sete ou oito anos porque implica raciocinar para traacutes e achar o

estado inicial adicionando as 5 bolinhas perdidas ao estado final de 7 bolinhas Tal

raciociacutenio depende de um forte teorema-em-accedilatildeo (ibid) onde I eacute o estado inicial F o estado final T a transformaccedilatildeo direta e T--1 a transformaccedilatildeo inversa

Segundo Vergnaud (1994 p 54) entre os mais importantes teoremas-em-accedilatildeo desenvolvidos pelos estudantes encontram-se as propriedades isomoacuterficas da funccedilatildeo linear

e as propriedades de coeficiente constante dessa mesma funccedilatildeo

e algumas propriedades especiacuteficas de funccedilotildees bilineares como a do primeiro

exemplo

Entre os mais importantes conceitos-em-accedilatildeo desenvolvidos pelos alunos acham-se os de grandeza e magnitude valor unitaacuterio razatildeo e fraccedilatildeo funccedilatildeo e variaacutevel taxa constante dependecircncia e independecircncia quociente e produto de dimensotildees

Haacute uma relaccedilatildeo dialeacutetica entre conceitos-em-accedilatildeo e teoremas-em-accedilatildeo uma vez que conceitos satildeo ingredientes de teoremas e teoremas satildeo propriedades que datildeo aos conceitos seus conteuacutedos Mas seria um erro confundi-los (1998 p 174) Conceitos em accedilatildeo satildeo ingredientes necessaacuterios das proposiccedilotildees Mas conceitos natildeo satildeo teoremas pois natildeo permitem derivaccedilotildees (inferecircncias ou computaccedilotildees) derivaccedilotildees requerem proposiccedilotildees Proposiccedilotildees podem ser verdadeiras ou falsas conceitos podem ser apenas relevantes ou irrelevantes Ainda assim natildeo existem proposiccedilotildees sem conceitos (1994 p 55)

Reciprocamente natildeo haacute conceitos sem proposiccedilotildees pois eacute a necessidade de derivar accedilotildees das representaccedilotildees do mundo e de ter concepccedilotildees verdadeiras (ou pelo menos adequadas) do mundo que tornam necessaacuterios os conceitos Um modelo computaacutevel do conhecimento intuitivo deve compreender conceitos-em-accedilatildeo e teoremas-em-accedilatildeo como ingredientes essenciais dos esquemas Esquemas satildeo fundamentais porque geram accedilotildees incluindo operaccedilotildees intelectuais mas podem geraacute-las porque contecircm invariantes operatoacuterios (teoremas e conceitos-em-accedilatildeo) que formam o nuacutecleo da representaccedilatildeo

Por outro lado um conceito-em-accedilatildeo natildeo eacute um verdadeiro conceito cientiacutefico nem um teorema-em-accedilatildeo eacute um verdadeiro teorema a menos que se tornem expliacutecitos Na ciecircncia conceitos e teoremas satildeo expliacutecitos e pode-se discutir sua pertinecircncia e sua veracidade mas esse natildeo eacute necessariamente o caso dos invariantes operatoacuterios (1990 p 144) Conceitos e

teoremas expliacutecitos natildeo constituem mais do que a parte visiacutevel do iceberg da conceitualizaccedilatildeo sem a parte escondida formada pelos invariantes operatoacuterios essa parte visiacutevel natildeo seria nada Reciprocamente natildeo se pode falar de invariantes operatoacuterios integrados nos esquemas sem a ajuda de categorias do conhecimento expliacutecito proposiccedilotildees funccedilotildees proposicionais objetos argumentos (ibid)

Mas conceitos-em-accedilatildeo e teoremas-em-accedilatildeo podem progressivamente tornarem-se verdadeiros conceitos e teoremas cientiacuteficos O status do conhecimento eacute muito diferente quando ele eacute explicitado ao inveacutes de ficar totalmente imerso na accedilatildeo O conhecimento expliacutecito pode ser comunicado a outros e discutido o conhecimento impliacutecito natildeo (1998 p 175)

Em geral os alunos natildeo satildeo capazes de explicar ou mesmo expressar em linguagem natural seus teoremas e conceitos-em-accedilatildeo Na abordagem de uma situaccedilatildeo os dados a serem trabalhados e a sequumlecircncia de caacutelculos a serem feitos dependem de teoremas-em-accedilatildeo e da identificaccedilatildeo de diferentes tipos de elementos pertinentes A maioria desses conceitos e teoremas-em-accedilatildeo permanecem totalmente impliacutecitos mas eles podem tambeacutem ser expliacutecitos ou tornarem-se expliacutecitos e aiacute entra o ensino ajudar o aluno a construir conceitos e teoremas expliacutecitos e cientificamente aceitos a partir do conhecimento impliacutecito Eacute nesse sentido que conceitos-em-accedilatildeo e teoremas-em-accedilatildeo podem progressivamente tornarem-se verdadeiros conceitos e teoremas cientiacuteficos mas isso pode levar muito tempo

A teoria dos campos conceituais um resumo

A teoria dos campos conceituais de Geacuterard Vergnaud eacute uma teoria psicoloacutegica cognitivista que supotildee que o nuacutecleo do desenvolvimento cognitivo eacute a conceitualizaccedilatildeo do real (1996a p 118) Eacute uma teoria psicoloacutegica de conceitos na qual a conceitualizaccedilatildeo eacute considerada a pedra angular da cogniccedilatildeo (1998 p 173) Para Vergnaud o conhecimento estaacute organizado em campos conceituais cujo domiacutenio de parte do aprendiz ocorre ao longo de um largo periacuteodo de tempo atraveacutes de experiecircncia maturidade e aprendizagem (1982 p 40) Campo conceitual eacute um conjunto informal e heterogecircneo de problemas situaccedilotildees conceitos relaccedilotildees estruturas conteuacutedos e operaccedilotildees de pensamento conectados uns aos outros e provavelmente entrelaccedilados durante o processo de aquisiccedilatildeo (ibid) Campo conceitual eacute definido tambeacutem como sendo em primeiro lugar um conjunto de situaccedilotildees cujo domiacutenio requer por sua vez o domiacutenio de vaacuterios conceitos procedimentos e representaccedilotildees de naturezas distintas (1988 p 141 1990 p 146) Conceitos satildeo definidos por trecircs conjuntos o primeiro eacute um conjunto de situaccedilotildees que constituem o referente do conceito o segundo eacute um conjunto de invariantes operatoacuterios (teoremas e conceitos-em-accedilatildeo) que datildeo o significado do conceito e o terceiro eacute um conjunto de representaccedilotildees simboacutelicas que compotildeem seu significante

Como satildeo as situaccedilotildees que datildeo sentido aos conceitos eacute natural definir campo conceitual como sendo sobretudo um conjunto de situaccedilotildees Um conceito torna-se significativo atraveacutes de uma variedade de situaccedilotildees (1994 p 46) mas o sentido natildeo estaacute nas situaccedilotildees em si mesmas assim como natildeo estaacute nas palavras nem nos siacutembolos (1990 p 158) O sentido eacute uma relaccedilatildeo do sujeito com situaccedilotildees e significantes Mais precisamente satildeo os

esquemas ie as accedilotildees e sua organizaccedilatildeo evocados no sujeito por uma situaccedilatildeo ou por um significante que constituem o sentido dessa situaccedilatildeo ou desse significante para esse indiviacuteduo (1990 p 158 1993 p 18) Vergnaud considera que os esquemas necessariamente se referem a situaccedilotildees a tal ponto que dever-se-ia falar em interaccedilatildeo esquema-situaccedilatildeo ao inveacutes de interaccedilatildeo sujeito-objeto Esquemas tecircm como ingredientes essenciais aquilo que Vergnaud chama de invariantes operatoacuterios ie conceitos-em-accedilatildeo e teoremas-em-accedilatildeo que constituem a parte conceitual dos esquemas ie os conhecimentos contidos nos esquemas Teorema-em-accedilatildeo eacute uma proposiccedilatildeo considerada como verdadeira sobre o real conceito-em-accedilatildeo eacute uma categoria de pensamento tida como pertinente (1996c p 202) Esse conhecimento eacute principalmente impliacutecito e o aprendiz tem dificuldades em explicaacute-lo ou expressaacute-lo mas isso natildeo significa que tal conhecimento natildeo possa ser explicitado Eacute atraveacutes do processo de explicitaccedilatildeo do conhecimento impliacutecito ndash aiacute o professor tem um papel mediador fundamental ndash que os teoremas-em-accedilatildeo e conceitos-em-accedilatildeo podem tornar-se verdadeiros teoremas e conceitos cientiacuteficos Uma proposiccedilatildeo expliacutecita pode ser debatida uma proposiccedilatildeo tida como verdadeira de maneira totalmente impliacutecita natildeo Assim o caraacuteter do conhecimento muda se for comunicaacutevel debatido e compartilhado (op cit p 204)

A figura 1 apresenta um mapa conceitual para a teoria de Vergnaud ou seja um diagrama conceitual destacando os conceitos-chave da teoria e suas principais interrelaccedilotildees As palavras que aparecem sobre as linhas conectando os conceitos procuram explicitar a natureza da relaccedilatildeo entre elas Por exemplo a relaccedilatildeo entre situaccedilotildees e conceitos eacute referente pois as situaccedilotildees eacute que datildeo sentido ao conceito ie constituem o referente do conceito Outro exemplo a interaccedilatildeo entre situaccedilotildees e esquemas eacute a fonte primaacuteria das representaccedilotildees simboacutelicas e estas constituem o significante de um conceito As setas quando existem sugerem apenas uma direccedilatildeo para leitura

Ao mesmo tempo que se afasta de Piaget ndash ocupando-se do estudo do funcionamento cognitivo do sujeito-em-situaccedilatildeo ao inveacutes de ocupar-se de operaccedilotildees loacutegicas gerais ou de estruturas gerais de pensamento e tomando como referecircncia o proacuteprio conteuacutedo do conhecimento e a anaacutelise conceitual do domiacutenio desse conhecimento (1994 p 41 Franchi 1999 p 160) ndash a teoria de Vergnaud tem forte base piagetiana que se manifesta principalmente no importante papel que o conceito de esquema tem nessa teoria Por outro lado tem tambeacutem influecircncia vygotskyana pois considera o professor como importante mediador no longo processo que caracteriza o progressivo domiacutenio de um campo conceitual pelo aluno Sua tarefa consiste principalmente em ajudar o aluno a desenvolver seu repertoacuterio de esquemas e representaccedilotildees Novos esquemas natildeo podem ser desenvolvidos sem novos invariantes operatoacuterios A linguagem e os siacutembolos satildeo importantes nesse processo de acomodaccedilatildeo e o professor faz amplo uso deles na sua funccedilatildeo mediadora Mas o principal ato mediador do professor eacute o de prover situaccedilotildees frutiacuteferas aos alunos (1998 p 181) Um conceito ou uma proposiccedilatildeo torna-se significativo atraveacutes de uma variedade de situaccedilotildees mas natildeo se capta o significado sozinho O papel mediador do professor eacute essencial (1994 p 44)

A teoria dos campos conceituais o ensino de ciecircncias e a pesquisa nessa aacuterea

Basta dar atenccedilatildeo agrave bibliografia usada neste trabalho para perceber que a teoria de Vergnaud tem sido utilizada principalmente como referencial para a educaccedilatildeo matemaacutetica Nada mais natural pois as pesquisas de Vergnaud e que sustentam sua teoria tecircm focalizado a aprendizagem e o ensino da Matemaacutetica particularmente das estruturas aditivas e multiplicativas Natildeo obstante como foi dito na introduccedilatildeo essa teoria natildeo eacute especiacutefica da Matemaacutetica e justamente por isso este texto tem por objetivo descrevecirc-la e divulgaacute-la entre professores de ciecircncias e pesquisadores em educaccedilatildeo em ciecircncias

Nas proacuteximas seccedilotildees seratildeo comentadas algumas implicaccedilotildees da teoria dos campos conceituais de Vergnaud para o ensino de ciecircncias e para a pesquisa nesse campo

Conhecimento PreacutevioAprendizagem significativa

A teoria dos campos conceituais destaca que a aquisiccedilatildeo de conhecimento eacute moldada pelas situaccedilotildees e problemas previamente dominados e que esse conhecimento tem portanto muitas caracteriacutesticas contextuais Assim muitas de nossas concepccedilotildees vecircm das primeiras situaccedilotildees que fomos capazes de dominar ou de nossa experiecircncia tentando modificaacute-las (1996 a p 117) No entanto existe provavelmente uma lacuna consideraacutevel entre os invariantes que os sujeitos constroacuteem ao interagir com o meio e os invariantes que constituem o conhecimento cientiacutefico

As concepccedilotildees preacutevias dos alunos tecircm sido consideradas como erros misconceptionsconcepccedilotildees ingecircnuas concepccedilotildees alternativa em relaccedilatildeo agraves concepccedilotildees cientiacuteficas Para Vergnaud (1990 p 69) esta maneira de conceber o conhecimento preacutevio supotildee a crianccedila o aluno ou o adulto aprendiz como incompletos imperfeitos ou deficientes em comparaccedilatildeo a adultos especialistas Essa abordagem segundo ele eacute inadequada agraves questotildees de desenvolvimento cognitivo aiacute envolvidas Seria muito mais frutiacutefero considerar o sujeito como um sistema dinacircmico com mecanismos regulatoacuterios capazes de assegurar seu progresso cognitivo

Muitas das concepccedilotildees errocircneas dos alunos derivam do fato de que eles atribuem a certas palavras usadas em ciecircncias para representar conceitos o mesmo significado que atribuem a essas mesmas palavras no dia-a-dia Inclusive de uma ciecircncia para outra os significados de uma mesma palavra podem ser distintos mas o aluno pode natildeo captaacute-los como distintos

As prediccedilotildees que os estudantes fazem para responder questotildees do tipo ldquoO que aconteceraacute se rdquo ou as explicaccedilotildees que datildeo para responder questotildees do tipo ldquoexpliquerdquo ldquointerpreterdquo ldquojustifiquerdquo tecircm segundo Vergnaud (ibid p 73) alguns pontos em comum Por exemplo focalizam caracteriacutesticas perceptivas e relacionadas a eventos da situaccedilatildeo accedilotildees movimentos mudanccedila no aspecto (cor aparecimento de bolhas fumaccedila vapor etc) descrevem os elementos da situaccedilatildeo apenas em termos de suas propriedades e funccedilotildees concebem de maneira assimeacutetrica as interaccedilotildees entre elementos da situaccedilatildeo implicam sequumlenciaccedilatildeo temporal e espacial Estes modos de compreensatildeo que satildeo essencialmente

do tipo ldquorelacionado a eventordquo diferentemente do tipo ldquoconceitualrdquo usado no campo das ciecircncias satildeo inadequados e frequumlentemente levam a previsotildees errocircneas

A persistecircncia das chamadas concepccedilotildees alternativas inclusive em estudantes em cursos cientiacuteficos avanccedilados tecircm recebido vaacuterias interpretaccedilotildees poreacutem Vergnaud argumenta (ibid p 74) que em praticamente todas elas o sistema de percepccedilatildeo visual tem um papel preponderante na construccedilatildeo do conhecimento pelos sujeitos mas pouca atenccedilatildeo tem sido dada ao papel funcional dessas concepccedilotildees e poucas pesquisas tecircm sido feitas sobre os problemas que os sujeitos encontram para construiacute-las Por exemplo os ldquoerrosrdquo encontrados em alguns estudos frequumlentemente decorrem de fato de que os sujeitos se deparam com questotildees que nunca se propuseram antes ou que envolvem valores natildeo usuais das variaacuteveis de uma dada situaccedilatildeo Outro exemplo de dificuldade enfrentada pelos sujeitos estaacute no fato de que os modelos cientiacuteficos fazem uso de entidades que geralmente natildeo satildeo acessiacuteveis sensorialmente Em Fiacutesica por exemplo os estudantes enfrentam uma dificuldade que tambeacutem existe na Aacutelgebra a verificaccedilatildeo do significado de representaccedilotildees simboacutelicas depende natildeo soacute da habilidade que o sujeito tenha para representar as entidades e as relaccedilotildees entre elas mas principalmente de elementos conceituais que devem ser levados em conta (conceitos como sistema estado interaccedilatildeo transferecircncia conservaccedilatildeo apenas para mencionar alguns) (ibid p 76)

O que tudo isso quer dizer eacute que eacute normal que os alunos apresentem tais concepccedilotildees e que elas devem ser consideradas como precursoras de conceitos cientiacuteficos a serem adquiridos A ativaccedilatildeo desses precursores eacute necessaacuteria e deve ser guiada pelo professor

As concepccedilotildees preacutevias dos alunos contecircm teoremas e conceitos-em-accedilatildeo que natildeo satildeo verdadeiros teoremas e conceitos cientiacuteficos mas que podem evoluir para eles Poreacutem como jaacute foi dito o hiato entre os invariantes operatoacuterios dos alunos e os do conhecimento cientiacutefico eacute grande de modo que a mudanccedila conceitual poderaacute levar muito tempo

Por outro lado pode ocorrer que certos conceitos possam ser construiacutedos somente se certas concepccedilotildees preacutevias forem abandonadas Quer dizer o conhecimento preacutevio pode funcionar como obstaacuteculo epistemoloacutegico (ibid p 83) Nesse caso a accedilatildeo mediadora do professor eacute tambeacutem imprescindiacutevel

A construccedilatildeo do conhecimento pelo aprendiz natildeo eacute um processo linear facilmente identificaacutevel Ao contraacuterio eacute complexo tortuoso demorado com avanccedilos e retrocessos continuidades e rupturas O conhecimento preacutevio eacute determinante no progressivo domiacutenio de um campo conceitual mas pode tambeacutem em alguns casos ser impeditivo Continuidades e rupturas natildeo satildeo no entanto excludentes Pode haver continuidade e ruptura A Aacutelgebra por exemplo se apoacuteia na Aritmeacutetica mas ainda assim para aprendecirc-la eacute necessaacuterio romper com a Aritmeacutetica A Mecacircnica Claacutessica e a Mecacircnica Quacircntica apresentam continuidades mas para aprender esta eacute preciso rupturas com aquela

No ensino eacute necessaacuterio desestabilizar cognitivamente o aluno mas natildeo demais Eacute preciso identificar sobre quais conhecimentos preacutevios a crianccedila pode se apoiar para aprender mas eacute forccediloso tambeacutem distinguir quais as rupturas necessaacuterias Quer dizer eacute preciso propor

tambeacutem com cuidado situaccedilotildees para as quais os alunos natildeo tecircm onde se apoiar ou natildeo devem se apoiar em conhecimentos preacutevios

As ideacuteias de Vergnaud sobre o papel do conhecimento preacutevio (que pode ser ldquoalternativordquo) como percursor de novos conhecimentos (que podem ser cientiacuteficos) e sobre as continuidades e rupturas na construccedilatildeo do conhecimento parecem ter muito a ver com a teoria da aprendizagem significativa de Ausubel (Ausubel et al 1980 Moreira 1999 a e b) Para Ausubel o conhecimento preacutevio eacute o principal fator isolado que influencia a aquisiccedilatildeo de novos conhecimentos A aprendizagem significativa se caracteriza pela interaccedilatildeo entre o novo conhecimento e o conhecimento preacutevio Eacute nessa interaccedilatildeo que o novo conhecimento adquire significados e o conhecimento preacutevio se modifica eou adquire novos significados Mas tal interaccedilatildeo natildeo eacute arbitraacuteria ou seja o novo conhecimento adquire significados pela interaccedilatildeo com conhecimentos preacutevios especificamente relevantes Em outras palavras a interaccedilatildeo natildeo eacute com qualquer conhecimento preacutevio Nesse sentido no ensino eacute preciso identificar sobre quais conhecimentos preacutevios o aluno pode se apoiar para aprender Contudo o efeito do conhecimento preacutevio na aprendizagem eacute tatildeo forte que em certos casos eacute preciso romper com ele Por exemplo no ensino do conceito de aprendizagem significativa pode natildeo ser adequado apoiar-se na ideacuteia de interaccedilatildeo pois esta pode estar fortemente arraigada na estrutura cognitiva como sendo uma relaccedilatildeo assimeacutetrica que poderia dificultar a compreensatildeo do fato de que na aprendizagem significativa tanto o novo conhecimento como o conhecimento preacutevio se modificam Por outro lado a compreensatildeo da aprendizagem significativa como uma relaccedilatildeo simeacutetrica ou de accedilatildeo reciacuteproca juntamente com a aprendizagem de outros processos envolvendo accedilatildeo reciacuteproca poderia levar a uma evoluccedilatildeo dos conceitos e teoremas-em-accedilatildeo associados agrave ideacuteia de interaccedilatildeo (que eacute uma ideacuteia-chave na ciecircncia) para outros progressivamente mais proacuteximos daqueles cientificamente compartilhados

Mas se a teoria dos campos conceituais eacute compatiacutevel com a teoria da aprendizagem significativa por que natildeo ficar com esta que eacute bastante mais conhecida e aceita no ensino de ciecircncias A resposta eacute que podem ser tomadas como complementares a teoria de Ausubel eacute uma teoria de aprendizagem em sala de aula de aquisiccedilatildeo de corpos organizados de conhecimento em situaccedilatildeo formal de ensino enquanto que a teoria de Vergnaud eacute uma teoria psicoloacutegica do processo de conceituaccedilatildeo do real que se propotildee a localizar e estudar continuidades e rupturas entre conhecimentos do ponto de vista de seu conteuacutedo conceitual A teoria de Vergnaud natildeo eacute uma teoria de ensino de conceitos expliacutecitos e formalizados embora tenha subjacente a ideacuteia de que os conhecimentos-em-accedilatildeo (largamente impliacutecitos) podem evoluir ao longo do tempo para conhecimentos cientiacuteficos (expliacutecitos) A teoria de Ausubel por outro lado se ocupa exatamente da aquisiccedilatildeo de conceitos expliacutecitos e formalizados chegando inclusive a propor princiacutepios programaacuteticos ndash como a diferenciaccedilatildeo progressiva a reconciliaccedilatildeo integradora e a consolidaccedilatildeo ndash para a organizaccedilatildeo do ensino

Ao resgatar e enriquecer o conceito de esquema introduzindo os conceitos de teorema-em-accedilatildeo e conceito-em-accedilatildeo ao definir conceito como um tripleto ao colocar a conceitualizaccedilatildeo no acircmago do desenvolvimento cognitivo ao priorizar a interaccedilatildeo sujeito-situaccedilatildeo e como natildeo poderia deixar de ser ao definir campo conceitual Vergnaud provecirc um referencial muito rico para compreender explicar e investigar o processo da

aprendizagem significativa A teoria dos campos conceituais de Vergnaud parece prover um referencial adequado para analisar a estrutura fina da teoria da aprendizagem significativa de Ausubel O que para Ausubel satildeo campos organizados de conhecimento para Vergnaud satildeo campos conceituais

ProfessorEnsino

Um determinado campo conceitual como o da Eletricidade por exemplo pode ser progressivamente dominado por um aprendiz mas o ensino atraveacutes da accedilatildeo mediadora do professor eacute essencial para isso Professores satildeo mediadores Sua tarefa eacute a de ajudar os alunos a desenvolver seu repertoacuterio de esquemas e representaccedilotildees (1998 p 180) Desenvolvendo novos esquemas os alunos tornam-se capazes de enfrentar situaccedilotildees cada vez mais complexas Novos esquemas natildeo podem ser desenvolvidos sem novos invariantes operacionais A linguagem e os siacutembolos satildeo importantes nesse processo Os professores usam palavras e sentenccedilas para explicar formular questotildees selecionar informaccedilotildees propor metas expectativas regras e planos Contudo sua accedilatildeo mediadora mais importante eacute a de prover situaccedilotildees (de aprendizagem) frutiacuteferas para os estudantes (ibid) Tais situaccedilotildees devem ser cuidadosamente escolhidas ordenadas diversificadas apresentadas no momento certo e dentro da zona de desenvolvimento proximal do aluno Sem duacutevida uma tarefa difiacutecil mas essencial

Para Vergnaud o desenvolvimento cognitivo depende de situaccedilotildees e conceitualizaccedilotildees especiacuteficas para lidar com elas Satildeo as situaccedilotildees que datildeo sentido aos conceitos elas eacute que satildeo responsaacuteveis pelo sentido atribuiacutedo ao conceito (Barais amp Vergnaud 1990 p 78) um conceito torna-se significativo atraveacutes de uma variedade de situaccedilotildees (1994 p 46) mas o sentido natildeo estaacute nas situaccedilotildees em si mesmas assim como natildeo estaacute nas palavras nem nos siacutembolos (1990 p 158)

Cabe aqui lembrar que embora estejamos falando do ensino e do papel do professor na perspectiva de Vergnaud as situaccedilotildees antes referidas natildeo satildeo situaccedilotildees didaacuteticas propriamente ditas mas sim tarefas problemas

O papel do professor como mediador provedor de situaccedilotildees problemaacuteticas frutiacuteferas estimuladoras da interaccedilatildeo sujeito-situaccedilatildeo que leva agrave ampliaccedilatildeo e agrave diversificaccedilatildeo de seus esquemas de accedilatildeo ou seja ao desenvolvimento cognitivo deixa ainda mais evidente que a teoria de Vergnaud tem tambeacutem forte influecircncia vigotskyana

Haacute no entanto outra importante implicaccedilatildeo da teoria dos campos conceituais para o ensino a questatildeo do conhecimento impliacutecito e do conhecimento expliacutecito A escola segundo Vergnaud (1994 p 47) superestima o conhecimento expliacutecito e subestima ateacute mesmo desvaloriza o conhecimento impliacutecito dos alunos Contudo a maior parte de nossa atividade fiacutesica e mental de nosso comportamento enfim eacute constituiacuteda de esquemas e estes tecircm como componentes essenciais os invariantes operatoacuterios (conceitos e teoremas-em-accedilatildeo) que constituem os conhecimentos contidos nos esquemas e que satildeo largamente impliacutecitos Quer dizer haacute muito de impliacutecito nos esquemas Os alunos em geral natildeo satildeo capazes de explicar ou expressar em linguagem natural seus teoremas-em-accedilatildeo ainda que

sejam capazes de resolver certas tarefas (situaccedilotildees) Natildeo soacute alunos qualquer pessoa muitas vezes eacute incapaz de colocar em palavras coisas que faz muito bem conhecimentos que tem Haacute um hiato entre a accedilatildeo e a formalizaccedilatildeo da accedilatildeo Agimos com o auxiacutelio de invariantes operatoacuterios sem expressaacute-los ou sem sermos capazes de expressaacute-los A anaacutelise cognitiva dessas accedilotildees muitas vezes revela a existecircncia de potentes teoremas e conceitos-em-accedilatildeo impliacutecitos Esse conhecimento no entanto natildeo pode ser apropriadamente chamado de conceitual pois o conhecimento conceitual eacute necessariamente expliacutecito (Vergnaud et al 1990 p 20) Portanto palavras e outros siacutembolos sentenccedilas e outras expressotildees simboacutelicas satildeo instrumentos cognitivos indispensaacuteveis para a transformaccedilatildeo de invariantes operatoacuterios impliacutecitos em conceitos e teoremas cientiacuteficos expliacutecitos (ibid) Quer dizer a formalizaccedilatildeo ndash o ensino direcionado agrave formalizaccedilatildeo ndash eacute necessaacuteria poreacutem eacute preciso levar em conta que as ideacuteias cientiacuteficas evoluem no aluno durante um longo periacuteodo de desenvolvimento cognitivo atraveacutes de uma variedade de situaccedilotildees e atividades e que qualquer conhecimento formal e axiomatizado que o aluno apresenta pode natildeo ser mais do que a parte visiacutevel de um iceberg formado basicamente por conhecimentos impliacutecitos (op cit p 21) O ensino de ciecircncias natildeo pode deixar de lado a simbolizaccedilatildeo e a formalizaccedilatildeo porque a ciecircncia eacute simboacutelica formal e expliacutecita mas eacute preciso ter sempre em mente que o conhecimento do aluno como de qualquer outro sujeito eacute em grande parte impliacutecito O ensino de ciecircncias deve facilitar a transformaccedilatildeo do conhecimento impliacutecito em expliacutecito sem nunca subestimaacute-lo ou desvalorizaacute-lo A trajetoacuteria do aprendiz ao longo de um campo conceitual cientiacutefico eacute sinuosa difusa difiacutecil e sobretudo demorada Natildeo se pode esperar que um aluno domine um campo conceitual como o da Termodinacircmica por exemplo atraveacutes de uma ou duas unidades didaacuteticas desenvolvidas ao longo de dois ou trecircs meses Eacute normal que o aluno continue usando conhecimentos impliacutecitos ao mesmo tempo que vai se apropriando dos conhecimentos expliacutecitos da ciecircncia A perspectiva dos campos conceituais eacute progressiva natildeo substitutiva Ou seja o campo conceitual vai sendo progressivamente dominado pelo aprendiz o conhecimento impliacutecito vai evoluindo progressivamente para o expliacutecito ao inveacutes de ser substituiacutedo por ele Isso como alerta Vergnaud pode levar muito tempo muitos anos talvez mas o ensino e em uacuteltima anaacutelise o professor tecircm um papel essencial nesse processo Sem o ensino natildeo haacute razatildeo nenhuma para se acreditar que o sujeito passe a dominar campos conceituais complexos e formalizados como os cientiacuteficos

Resoluccedilatildeo de Problemas

O ensino de ciecircncias tradicionalmente envolve trecircs aspectos principais profundamente interrelacionados o conhecimento teoacuterico (conceitos leis princiacutepios equaccedilotildees) as praacuteticas de laboratoacuterio (experimentos demonstraccedilotildees procedimentos cientiacuteficos) e a resoluccedilatildeo de problemas (abertos fechados como investigaccedilatildeo de papel e laacutepis) Obviamente qualquer professor experiente sabe que essa distinccedilatildeo eacute artificial o conhecimento cientiacutefico eacute produzido atraveacutes da interaccedilatildeo entre o domiacutenio conceitual e o metodoloacutegico Poreacutem na perspectiva de Vergnaud esta interdependecircncia entre a teoria e a praacutetica fica muito clara

Como jaacute foi dito reiteradamente ao longo deste texto satildeo as situaccedilotildees[1] que datildeo sentido aos conceitos um conceito torna-se significativo atraveacutes de uma variedade de situaccedilotildees os conhecimentos dos alunos satildeo moldados pelas situaccedilotildees que encontram e

progressivamente dominam Embora o conceito de situaccedilatildeo tenha na teoria dos campos conceituais o significado de tarefa podemos supor que no acircmbito das ciecircncias situaccedilatildeo significa tambeacutem problema Ou podemos falar em situaccedilotildees e problemas como faz o proacuteprio Vergnaud ao dizer que ldquoa aquisiccedilatildeo de conhecimento eacute moldada pelas situaccedilotildees e problemas previamente dominados e portanto o conhecimento do sujeito tem muitos aspectos locaisrdquo (1994 p 42) Em outro trabalho bastante anterior a esse Vergnaud diz que ldquona verdade os conceitos se desenvolvem atraveacutes da resoluccedilatildeo de problemas e esse desenvolvimento eacute lentordquo (1983b p 172)

Isso significa que a resoluccedilatildeo de problemas ou as situaccedilotildees de resoluccedilatildeo de problemas satildeo essenciais para a conceitualizaccedilatildeo mas como chama atenccedilatildeo Vergnaud (1994 p 42) ldquoum problema natildeo eacute um problema para um indiviacuteduo a menos que ele ou ela tenha conceitos que oa tornem capaz de consideraacute-lo como um problema para si mesmordquo Ou seja haacute uma relaccedilatildeo dialeacutetica e ciacuteclica entre a conceitualizaccedilatildeo e a resoluccedilatildeo de problemas Para Vergnaud a problematizaccedilatildeo vai muito aleacutem da abstraccedilatildeo de regularidades do mundo observaacutevel Problemas satildeo teoacutericos e praacuteticos natildeo meramente empiacutericos mesmo para crianccedilas pequenas Quando uma classe de problemas eacute resolvida por um indiviacuteduo (o que significa que ela ou ele desenvolve um esquema eficiente para lidar com todos ou quase todos os problemas dessa classe) o caraacuteter problemaacutetico dessa classe especiacutefica desaparece (ibid) Mas essa competecircncia desenvolvida pelo indiviacuteduo o habilita a reconhecer ou considerar novos problemas para si mesmo trata-se entatildeo de um processo ciacuteclico

Vergnaud chama de ldquoilusatildeo pedagoacutegicardquo (1983 b p 173) a atitude dos professores que crecircem que o ensino de Fiacutesica digamos consiste na apresentaccedilatildeo organizada clara rigorosa das teorias formais e que quando isso eacute bem feito os alunos aprendem Trata-se de uma ilusatildeo porque segundo ele eacute atraveacutes de situaccedilotildees de resoluccedilatildeo de problemas que os conceitos se desenvolvem no aluno e as situaccedilotildees de resoluccedilatildeo de problemas que tornam os conceitos significativos para os alunos podem estar pelo menos inicialmente muito distantes do formalismo apresentado pelo professor Mas apesar disso tais situaccedilotildees satildeo essenciais para o desenvolvimento de conceitos Quer dizer ao mesmo tempo que as situaccedilotildees formais satildeo necessaacuterias eacute preciso levar em consideraccedilatildeo que o aluno pode estar ainda muito longe delas (1983 b p 172)

Novamente podemos estabelecer um certo paralelo entre as teorias de Ausubel e Vergnaud A aprendizagem receptiva de Ausubel poderia ser interpretada como a ilusatildeo pedagoacutegica de Vergnaud mas natildeo eacute assim Ausubel certamente defenderia a apresentaccedilatildeo organizada clara rigorosa das teoria formais poreacutem desde que fossem potencialmente significativas o que implicaria que o aprendiz tivesse o conhecimento preacutevio adequado e se dispusesse a aprender Isso estaria de acordo com a postura de Vergnaud no sentido de que o domiacutenio de situaccedilotildees preacutevias eacute importante para o domiacutenio de situaccedilotildees novas Acrescente-se a isso que para Ausubel a resoluccedilatildeo de problemas em particular de situaccedilotildees problemaacuteticas novas e natildeo familiares que requeiram maacutexima transformaccedilatildeo do conhecimento adquirido eacute a principal evidecircncia da aprendizagem significativa (Ausubel et al 1980)

A teoria de Vergnaud parece ser entatildeo um bom referencial para anaacutelise das dificuldades dos alunos na resoluccedilatildeo de problemas em ciecircncias e consequumlentemente da conceitualizaccedilatildeo em ciecircncias Tais dificuldades poderiam por exemplo ser examinadas em

termos de invariantes operatoacuterios quer dizer em termos de quais os conceitos e teoremas-em-accedilatildeo que os estudantes estariam usando na resoluccedilatildeo de problemas e de quatildeo distantes estariam dos conceitos e teoremas cientiacuteficos adequados agrave resoluccedilatildeo do problema em pauta

Representaccedilotildees[2]

No tripleto C (S I R) que define conceito (p 4 deste trabalho) Vergnaud dizia que S (o conjunto de situaccedilotildees que datildeo sentido ao conceito) eacute a realidade e (I R) a representaccedilatildeo dessa realidade que pode ser considerada como dois aspectos interagentes do pensamento o significado (I) e o significante (R)

Isso sugere que inicialmente Vergnaud usava o termo representaccedilatildeo como sendo o de um sistema simboacutelico que significaria algo para o sujeito um sistema de signos e uma sintaxe ou operaccedilotildees sobre elementos do sistema Para ele conceitos e siacutembolos eram duas faces da mesma moeda e devia-se sempre dar atenccedilatildeo ao uso que os alunos faziam dos siacutembolos agrave luz do uso que faziam dos conceitos Quer dizer a habilidade em resolver situaccedilotildees em linguagem natural seria o melhor criteacuterio para aquisiccedilatildeo de conceitos mas por outro lado a simbolizaccedilatildeo ajudaria nisso (1982 p 57) Assim como haacute problemas mais facilmente resolviacuteveis do que outros ou procedimentos mais faacuteceis do que outros haveria representaccedilotildees simboacutelicas mais potentes do que outras equaccedilotildees por exemplo seriam mais potentes que diagramas de Euler-Venn Todavia tais equaccedilotildees deveriam representar situaccedilotildees significativas

Poreacutem em outro trabalho mais recente (1998 p 173) Vergnaud fala em teorias de representaccedilotildees e diz que para ser uacutetil uma teoria dessas deve conter a ideacuteia de que as representaccedilotildees ofereccedilam possibilidades de inferecircncia ie que elas nos tornem capazes de antecipar eventos futuros e gerar condutas para chegar a algum efeito positivo ou evitar algum efeito negativo

Diz ele (op cit p 174) que temos representaccedilotildees computaacuteveis para gestos e accedilotildees sobre o mundo fiacutesico bem como para comportamentos verbais e para interaccedilotildees sociais Tais representaccedilotildees podem ser corretas ou erradas vagas ou precisas expliacutecitas ou totalmente impliacutecitas em qualquer caso elas funcionam como substitutos computaacuteveis da realidade e portanto satildeo feitas de teoremas-em-accedilatildeo proposiccedilotildees tidas como verdadeiras

A construccedilatildeo do conhecimento consiste entatildeo na progressiva construccedilatildeo de representaccedilotildees mentais que satildeo homomoacuterficas agrave realidade para alguns aspectos e para outros natildeo (1990 p 22) Por um lado a representaccedilatildeo eacute ativa pragmaacutetica e operacional por outro eacute discursiva teoacuterica e simboacutelica (ibid) Mas haacute importantes lacunas entre o que estaacute representado na mente de um indiviacuteduo e o significado usual das palavras e outros signos pois sistemas linguumliacutesticos e semioacuteticos natildeo tecircm por finalidade expressar exatamente o que cada indiviacuteduo tem em mente quando enfrenta uma situaccedilatildeo selecionando e processando a informaccedilatildeo (1998 p 176) Para Vergnaud a relaccedilatildeo entre situaccedilotildees e esquemas eacute a fonte primaacuteria da representaccedilatildeo mas sua teoria afasta-se muito da visatildeo de que um objeto pode ser representado mentalmente de maneira natildeo ambiacutegua atraveacutes de

siacutembolos Por maior que seja (e eacute grande) o papel dos siacutembolos no pensamento o conhecimento natildeo eacute em essecircncia simboacutelico O reconhecimento de invariantes em accedilatildeo e percepccedilatildeo e a progressiva construccedilatildeo de objetos e predicados de niacutevel mais alto satildeo aspectos mais essenciais do conhecimento (op cit p 177)

Podemos entatildeo fazer uma ponte entre os significados mais recentes de representaccedilatildeo na teoria de Vergnaud e a teoria tambeacutem recente dos modelos mentais (Johnson-Laird 1983 Moreira 1996) Dizer que temos representaccedilotildees computaacuteveis para gestos e accedilotildees sobre o mundo fiacutesico para comportamentos verbais e para interaccedilotildees sociais e que tais representaccedilotildees -- que podem ser corretas ou erradas vagas ou precisas expliacutecitas ou (principalmente) impliacutecitas -- permitem fazer inferecircncias eacute praticamente dizer que tais representaccedilotildees satildeo modelos mentais Johnson-Laird define modelos mentais como anaacutelogos estruturais de estados de coisas do mundo Satildeo instrumentos de compreensatildeo e inferecircncia Quando nos defrontamos com uma situaccedilatildeo nova construiacutemos um modelo mental para entendecirc-la descrevecirc-la e prever o que vai acontecer Este modelo pode ser correto ou natildeo (no sentido de que suas previsotildees natildeo satildeo corretas cientificamente) pode ser vago confuso incompleto mas eacute sobretudo funcional para seus construtor e pode ser modificado recursivamente ateacute atingir tal funcionalidade

Modelos mentais podem ser basicamente proposicionais ie constituiacutedos principalmente de proposiccedilotildees ou basicamente imagiacutesticos ou seja construiacutedos predominantemente com imagens ou ainda hiacutebridos quer dizer formados por proposiccedilotildees e imagens (Greca e Moreira 1997) Entatildeo as proposiccedilotildees constituintes dos modelos mentais podem ser interpretadas como teoremas-em-accedilatildeo de Vergnaud Como ele mesmo diz as representaccedilotildees funcionam como substitutos computaacuteveis da realidade e portanto satildeo feitas de teoremas-em-accedilatildeo Com o progressivo domiacutenio de um campo conceitual os teoremas-em-accedilatildeo (grandemente impliacutecitos) vatildeo se aproximando de teoremas cientiacuteficos (proposiccedilotildees expliacutecitas) Analogamente agrave medida que o sujeito adquire mais conhecimentos cientiacuteficos seus modelos mentais aproximam-se (no sentido de que permitem dar significados cientificamente aceitos) dos modelos cientiacuteficos

Pode-se assim dizer que os modelos mentais de Johnson-Laird contecircm aquilo que Vergnaud chama de teoremas-em-accedilatildeo ou seja proposiccedilotildees tidas como verdadeiras sobre o real Mas esta aparente compatibilidade entre as duas teorias pode ir aleacutem pois os conceitos-em-accedilatildeo de Vergnaud tambeacutem podem integrar modelos mentais Conceitos-em-accedilatildeo satildeo objetos predicados ou categorias de pensamento tidos como pertinentes relevantes agrave situaccedilatildeo Analogamente segundo o princiacutepio do construtivismo (Johnson-Laird 1983 p 398) um modelo mental eacute construiacutedo a partir de sinais (tokens) dispostos em uma estrutura particular para representar em certo estado de coisas (isto eacute uma certa situaccedilatildeo) Se interpretaacutessemos esses sinais (tokens) como objetos predicados ou categorias de pensamento pertinentes dir-se-ia que os modelos mentais contecircm tambeacutem conceitos-em-accedilatildeo

Contudo eacute importante natildeo confundir modelos mentais com esquemas de assimilaccedilatildeo Para Vergnaud os invariantes operatoacuterios (teoremas e conceitos-em-accedilatildeo) satildeo componentes essenciais dos esquemas e acabamos de dizer que os modelos mentais contecircm proposiccedilotildees e sinais (tokens) que podem ser interpretados como invariantes operatoacuterios mas ainda

assim modelos mentais e esquemas satildeo construtos distintos Modelo mental eacute instrumento de compreensatildeo construiacutedo no momento da compreensatildeo e descartaacutevel se for alcanccedilada (para o construtor) a funcionalidade desejada (ou seja a compreensatildeo mesmo que natildeo compartilhada cientificamente) Esquema de assimilaccedilatildeo eacute segundo Vergnaud a organizaccedilatildeo invariante do comportamento para uma determinada classe de situaccedilotildees Portanto esquemas de assimilaccedilatildeo satildeo mais estaacuteveis o sujeito constroacutei determinado esquema e o utiliza para assimilar uma certa classe de situaccedilotildees ou seja usa sempre o mesmo esquema para cada situaccedilatildeo dessa classe Mas frente a uma situaccedilatildeo nova eacute preciso acomodar ou seja construir um novo esquema de assimilaccedilatildeo e eacute exatamente aiacute que parece encaixar bem a ideacuteia de modelo mental para compreender uma nova situaccedilatildeo o sujeito constroacutei inicialmente um modelo mental (que como foi dito pode conter invariantes operatoacuterios) natildeo um esquema de assimilaccedilatildeo Na medida em que a nova situaccedilatildeo deixa de ser nova e passa a ser rotineira o modelo mental evolui para esquema de assimilaccedilatildeo quer dizer se estabiliza Mas isso natildeo quer dizer que todo modelo mental venha a se transformar em esquema de assimilaccedilatildeo Modelos mentais satildeo recursivos o que significa que vatildeo sendo construiacutedos e modificados quase que simultaneamente ateacute que se tornem funcionais quando entatildeo podem ser descartados ou talvez ldquoguardadosrdquo ateacute que se tornem esquemas de assimilaccedilatildeo Trata-se ao que parece de um bom assunto para pesquisar

Pesquisa

Como uacuteltimo toacutepico deste texto abordar-se-aacute a pesquisa em ensino de ciecircncias no referencial da teoria dos campos conceituais Vejamos primeiramente no entanto o que diz Vergnaud sobre a pesquisa em campos conceituais

Segundo ele (1988 p 149) a abordagem canocircnica ao estudo de um campo conceitual envolve identificar e classificar situaccedilotildees e entatildeo coletar dados sobre procedimentos e outras maneiras atraveacutes das quais os estudantes expressam seu raciociacutenio Um ciclo de pesquisa inicia com a identificaccedilatildeo de niacuteveis de objetos relaccedilotildees e teoremas-em-accedilatildeo O ciclo continua entatildeo com o delineamento de situaccedilotildees e materiais e sua experimentaccedilatildeo com alunos completando-se com a construccedilatildeo de representaccedilotildees simboacutelicas atraveacutes da observaccedilatildeo e anaacutelise dos diferentes fenocircmenos que ocorrem (ibid) Comeccedila entatildeo um segundo ciclo para melhorar o primeiro e assim sucessivamente O estudo do domiacutenio de certos campos conceituais eacute um programa de longo prazo que dificilmente pode ser feito por um pesquisador isolado ou mesmo por um grupo de pesquisa isolado

Portanto o primeiro passo para estudar o progressivo domiacutenio de um campo conceitual por parte do aluno eacute identificar e classificar situaccedilotildees Mas isso envolve duas ideacuteias principais diversidade e histoacuteria Ou seja existe uma grande variedade de situaccedilotildees em um dado campo conceitual e as aprendizagens dos alunos satildeo moldadas pelas situaccedilotildees com as quais se depararam e progressivamente dominaram particularmente as primeiras suscetiacuteveis de dar sentido aos conceitos e procedimentos que lhes queremos ensinar (1990 p 150) A combinaccedilatildeo dessas duas ideacuteias dificulta o trabalho do pesquisador em ensino porque a primeira o dirige para a anaacutelise para a decomposiccedilatildeo em elementos simples e para as possiacuteveis combinaccedilotildees de situaccedilotildees enquanto que a segunda o orienta para a busca de

situaccedilotildees funcionais quase sempre compostas de vaacuterias relaccedilotildees cuja importacircncia relativa estaacute largamente ligada agrave frequumlecircncia com que satildeo encontradas (ibid)

Em outras palavras o estudo psicogeneacutetico da aquisiccedilatildeo de um campo conceitual implica a anaacutelise em termos relacionais e hieraacuterquicos das diferentes classes de problemas que podem ser propostos aos alunos Implica tambeacutem o estudo dos distintos procedimentos e representaccedilotildees simboacutelicas que o aprendiz utiliza (1982 p 40) Em relaccedilatildeo agraves representaccedilotildees Vergnaud diz (1994 p 43) que eacute uma tarefa essencial teoacuterica e empiacuterica dos pesquisadores entender por que uma certa representaccedilatildeo simboacutelica particular pode ser uacutetil e sob quais condiccedilotildees e quando e por que pode ser proveitosamente substituiacuteda por outra mais abstrata e geral

Embora Vergnaud e vaacuterios pesquisadores que trabalham sob o referencial de sua teoria tenham se dedicado principalmente agrave pesquisa em educaccedilatildeo matemaacutetica e em particular ao estudo dos campos conceituais das estruturas aditivas e multiplicativas essa abordagem agrave pesquisa certamente se aplica ao ensino de ciecircncias ou agrave educaccedilatildeo em ciecircncias se preferirmos esta terminologia Na resoluccedilatildeo de problemas por exemplo pode-se analisar as dificuldades dos alunos em termos de invariantes operatoacuterios Quer dizer os alunos muitas vezes resolvem problemas usando conhecimentos-em-accedilatildeo que podem ateacute conduzi-los agrave uma soluccedilatildeo satisfatoacuteria para uma certa situaccedilatildeo mas que natildeo funcionam para outra situaccedilatildeo ligeiramente diferente da primeira porque tais conhecimentos natildeo satildeo cientiacuteficos e tampouco constituem um esquema de assimilaccedilatildeo que pode ser aplicado a uma classe de situaccedilotildees Por outro lado tais conhecimentos-em-accedilatildeo mdash que satildeo largamente impliacutecitos mdash podem ser precursores na aquisiccedilatildeo de conceitos cientiacuteficos e portanto devem ser identificados ie pesquisados Os trabalhos de Sousa (2001) e de Sousa e Faacutevero (2002) no qual a resoluccedilatildeo de problemas em Fiacutesica foi investigada em uma situaccedilatildeo de interlocuccedilatildeo entre um especialista e um novato eacute um exemplo nessa direccedilatildeo Costa e Moreira (2002) e Escudero e Moreira (2002) tambeacutem estatildeo trabalhando em resoluccedilatildeo de problemas em Fiacutesica e procurando interpretar as dificuldades dos alunos na construccedilatildeo de modelos mentais do enunciado agrave luz de aspectos da teoria dos campos conceituais

O estudo da aprendizagem de conceitos fiacutesicos tambeacutem pode ser feito no referencial teoacuterico de Vergnaud Para ele satildeo as situaccedilotildees que datildeo sentido ao conceito os invariantes operatoacuterios que constituem seu significado e as representaccedilotildees simboacutelicas o seu significante Portanto como sugere Vergnaud eacute preciso identificar e classificar situaccedilotildees adequadas agrave aprendizagem de determinado conceito pesquisar os invariantes operatoacuterios usados pelos alunos e procurar entender como por que e quando uma certa representaccedilatildeo simboacutelica pode ajudar na conceitualizaccedilatildeo O trabalho de Lemeignan e Weil-Barais (1994) eacute talvez pioneiro nessa linha As pesquisas de Stipcich e Moreira (2002) sobre o conceito de interaccedilatildeo e de Moreira e Sousa (2002) a respeito do conceito de potencial eleacutetrico estatildeo usando o referencial de Vergnaud para interpretar as dificuldades dos alunos na aprendizagem significativa desses conceitos

Obviamente a teoria dos campos conceituais pode tambeacutem ser usada como referente teoacuterico em pesquisas sobre mudanccedila conceitual De um modo geral pode-se dizer que essa teoria eacute potencialmente uacutetil na anaacutelise das dificuldades dos alunos na resoluccedilatildeo de problemas em ciecircncias na aprendizagem de conceitos cientiacuteficos e na mudanccedila conceitual

Uma vez identificadas tais dificuldades essa mesma teoria pode ajudar no delineamento de estrateacutegias ou melhor na seleccedilatildeo de situaccedilotildees instrucionais que possam ajudar na progressiva superaccedilatildeo de tais dificuldades ou em outras palavras no progressivo (e lento) domiacutenio do(s) campo(s) conceitual(is) envolvido(s) Esse domiacutenio progressivo implica capacidade de resolver problemas conceitualizaccedilatildeo e mudanccedila (evoluccedilatildeo) conceitual

Natildeo tatildeo oacutebvia eacute a possibilidade de investigar questotildees como a modelagem mental no referencial de Vergnaud poreacutem uma vez aceita a compatibilidade aludida na seccedilatildeo anterior entre a teoria dos modelos mentais e a teoria dos campos conceituais tal possibilidade decorre naturalmente Enfim a potencialidade do uso da teoria de Vergnaud na pesquisa e ensino de ciecircncias parece ser grande Nesta seccedilatildeo foram apenas aventadas possibilidades e referidos alguns estudos

Conclusatildeo

Este trabalho teve por objetivo descrever a teoria dos campos conceituais de Geacuterard Vergnaud particularmente para uma audiecircncia de professores e pesquisadores em ensino de ciecircncias Essa teoria eacute bastante conhecida na aacuterea da educaccedilatildeo matemaacutetica poreacutem relativamente pouco no campo da educaccedilatildeo em ciecircncias e justamente por isso foi objeto deste texto

Trata-se de uma teoria de base piagetiana mas que afasta-se bastante de Piaget ao tomar como referecircncia o proacuteprio conteuacutedo do conhecimento e a anaacutelise conceitual do progressivo domiacutenio desse conhecimento bem como ao ocupar-se do estudo do desenvolvimento cognitivo do sujeito-em-situaccedilatildeo ao inveacutes de operaccedilotildees loacutegicas gerais de estruturas gerais do pensamento Ao fazer isso a teoria de Vergnaud apresenta um grande potencial para descrever analisar e interpretar aquilo que se passa em sala de aula na aprendizagem de matemaacutetica e ciecircncias Provavelmente esse tipo de teoria eacute o de maior utilidade para fundamentar o ensino e a pesquisa em ensino nessa aacuterea

Aleacutem de descrever a teoria propriamente dita procurou-se neste texto estabelecer elos com a teoria da aprendizagem significativa de Ausubel (outra ldquoteoria de sala de aulardquo) e com a recente teoria dos modelos mentais de Johnson-Laird assim como destacar implicaccedilotildees para o ensino e para a pesquisa em ensino de ciecircncias

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[1] Lembremos que um campo conceitual eacute em primeiro lugar um conjunto de situaccedilotildees (1998 p 141 1990 p 5) cujo domiacutenio requer o domiacutenio de vaacuterios conceitos de naturezas distintas (volta para o texto) [2] A ponte entre a teoria de Vergnaud e a teoria dos modelos mentais de Johnson-Laird feita nesta seccedilatildeo estaacute bem mais elaborada no trabalho ldquoAleacutem da detecccedilatildeo de modelos mentais dos estudantes Uma proposta representacional integradorardquo de Ileana Greca e Marco Antonio Moreira (volta para o texto)

Page 9: A Teoria Dos Campos Conceituais de Vergnaud

percepccedilatildeo a busca e a seleccedilatildeo de informaccedilatildeo baseiam-se inteiramente no sistema de conceitos-em-accedilatildeo disponiacuteveis para o sujeito (objetos atributos relaccedilotildees condiccedilotildees circunstacircncias) e nos teoremas-em-accedilatildeo subjacentes agrave sua conduta (1996c p 202)

As expressotildees conceito-em-accedilatildeo e teorema-em-accedilatildeo designam os conhecimentos contidos nos esquemas Satildeo tambeacutem designados por Vergnaud pela expressatildeo mais global invariantes operatoacuterios Teorema-em-accedilatildeo eacute uma proposiccedilatildeo considerada como verdadeira sobre o real conceito-em-accedilatildeo eacute uma categoria de pensamento considerada como pertinente (ibid)

Esta seccedilatildeo foi dedicada ao conceito de esquema Dos ingredientes de um esquema ndash metas e antecipaccedilotildees regras de accedilatildeo invariantes operatoacuterios e possibilidades de inferecircncia ndash os invariantes operatoacuterios ie os conhecimentos-em-accedilatildeo (conceitos e teoremas-em-accedilatildeo) constituem a base conceitual impliacutecita ou expliacutecita que permite obter a informaccedilatildeo pertinente e a partir dela e da meta a atingir inferir as regras de accedilatildeo mais pertinentes para abordar uma situaccedilatildeo (1996c p 201)

Um exemplo de esquema dado por Franchi (1999 p 165) pode ser uacutetil para ilustrar esses aspectos e concluir esta seccedilatildeo Trata-se do esquema da enumeraccedilatildeo de uma pequena coleccedilatildeo de objetos discretos por uma crianccedila de cinco anos por mais que varie a forma de contar por exemplo copos na mesa cadeiras da sala pessoas sentadas de maneira esparsa em um jardim natildeo deixa de haver uma organizaccedilatildeo invariante para o funcionamento do esquema coordenaccedilatildeo dos movimentos dos olhos e gestos dos dedos e das matildeos enunciaccedilatildeo correta da seacuterie numeacuterica identificaccedilatildeo do uacuteltimo elemento da seacuterie como o cardinal do conjunto enumerado (acentuaccedilatildeo ou repeticcedilatildeo do uacuteltimo nuacutemero pronunciado) Vecirc-se facilmente que o esquema descrito recorre a atividades perceptivo-motoras a significantes (as palavras-nuacutemeros) e a construccedilotildees conceituais tais como a de correspondecircncia biuniacutevoca entre conjuntos de objetos e subconjuntos de nuacutemeros naturais a de cardinal e ordinal e outras Recorre igualmente a conhecimentos tais como os que identificam o uacuteltimo elemento da seacuterie ordinal ao cardinal do conjunto Esses conceitos e conhecimentos satildeo impliacutecitos e praticamente insuscetiacuteveis de explicitaccedilatildeo por uma crianccedila nas fases iniciais da aprendizagem de competecircncias e conceitos aritmeacuteticos Entretanto orientam o desenvolvimento da accedilatildeo sendo chamados de conhecimentos-em-accedilatildeo A ausecircncia de uma conceituaccedilatildeo adequada estaacute no centro da origem dos erros sistemaacuteticos cometidos pelos alunos (ibid)

Naturalmente os esquemas usados por crianccedilas maiores e por adultos em determinadas classes de situaccedilotildees podem ser muito mais elaborados mas a ideacuteia eacute mesma o esquema eacute a forma estrutural da atividade eacute a organizaccedilatildeo invariante do sujeito sobre uma classe de situaccedilotildees dadas (op cit p 164) e conteacutem conhecimentos-em-accedilatildeo que satildeo impliacutecitos

Invariantes operatoacuterios

Designam-se pelas expressotildees conceito-em-accedilatildeo e teorema-em-accedilatildeo os conhecimentos contidos nos esquemas Pode-se tambeacutem designaacute-los pela expressatildeo mais abrangente invariantes operatoacuterios (1993 p 4) Esquema eacute a organizaccedilatildeo da conduta para uma certa

classe de situaccedilotildees teoremas-em-accedilatildeo e conceitos-em-accedilatildeo satildeo invariantes operacionais logo satildeo componentes essenciais dos esquemas (1998 p 167) e determinam as diferenccedilas entre eles

Teorema-em-accedilatildeo eacute uma proposiccedilatildeo tida como verdadeira sobre o real Conceito-em-accedilatildeo eacute um objeto um predicado ou uma categoria de pensamento tida como pertinente relevante (1996c p 202 1998 p 167)

Vejamos exemplos de teoremas-em-accedilatildeo Consideremos a seguinte situaccedilatildeo proposta a alunos de 13 anos (1994 p 49) O consumo de farinha eacute em meacutedia 35 kg por semana para dez pessoas Qual a quantidade de farinha necessaacuteria para cinquumlenta pessoas durante 28 dias Resposta de um aluno 5 vezes mais pessoas 4 vezes mais dias 20 vezes mais farinha logo 35 x 20 = 70 kg

Eacute impossiacutevel segundo Vergnaud (ibid) dar conta desse raciociacutenio sem supor o seguinte teorema impliacutecito na cabeccedila do aluno f(n1x1 n2x2) = n1n2 f(x1x2) ou seja Consumo (5 x 10 4 x 7) = 5 x 4 Consumo (10 7)

Naturalmente este teorema funciona porque as razotildees de 50 pessoas para 10 pessoas e 28 dias para 7 dias satildeo simples e evidentes Ele natildeo seria tatildeo facilmente aplicado a outros valores numeacutericos Portanto seu escopo de aplicaccedilatildeo eacute limitado Ainda assim eacute um teorema que pode ser expresso por exemplo em palavras O consumo eacute proporcional ao nuacutemero de pessoas quando o nuacutemero de dias eacute mantido constante e eacute proporcional ao nuacutemero de dias quando o nuacutemero de pessoas eacute mantido constante Pode tambeacutem ser expresso pela foacutermula C = kPD onde C eacute o consumo P o nuacutemero de pessoas D o nuacutemero de dias e k o consumo por pessoa por dia

Eacute claro que essas diferentes maneiras de expressar o mesmo raciociacutenio natildeo satildeo cognitivamente equivalentes A segunda eacute mais difiacutecil Satildeo maneiras complementares de explicitar a mesma estrutura matemaacutetica impliacutecita em diferentes niacuteveis de abstraccedilatildeo

Suponhamos agora outras situaccedilotildees (1998 p 174)

A Janete tinha 7 bolinhas de gude Ela jogou e ganhou 5 bolinhas Quantas bolinhas ela tem agora B Paulo tinha 12 bolinhas de gude Ele jogou e perdeu 5 bolinhas Quantas bolinhas ele tem agora C Hans tinha 9 bolinhas de gude Ele jogou com Rute Ele tem agora 14 bolinhas de gude O que aconteceu no jogo D Rute jogou bolinhas de gude com Hans e perdeu 5 bolinhas Ela agora tem 7 bolinhas de gude Quantas ela tinha antes de jogar Haacute vaacuterios conceitos-em-accedilatildeo distintos impliacutecitos na compreensatildeo dessas situaccedilotildees nuacutemero cardinal ganho e perda aumento e diminuiccedilatildeo transformaccedilatildeo e estado estado inicial e final transformaccedilatildeo positiva e negativa adiccedilatildeo e subtraccedilatildeo

Os conceitos relevantes satildeo os mesmos para todas as situaccedilotildees mas a situaccedilatildeo D eacute bem mais difiacutecil para alunos de sete ou oito anos porque implica raciocinar para traacutes e achar o

estado inicial adicionando as 5 bolinhas perdidas ao estado final de 7 bolinhas Tal

raciociacutenio depende de um forte teorema-em-accedilatildeo (ibid) onde I eacute o estado inicial F o estado final T a transformaccedilatildeo direta e T--1 a transformaccedilatildeo inversa

Segundo Vergnaud (1994 p 54) entre os mais importantes teoremas-em-accedilatildeo desenvolvidos pelos estudantes encontram-se as propriedades isomoacuterficas da funccedilatildeo linear

e as propriedades de coeficiente constante dessa mesma funccedilatildeo

e algumas propriedades especiacuteficas de funccedilotildees bilineares como a do primeiro

exemplo

Entre os mais importantes conceitos-em-accedilatildeo desenvolvidos pelos alunos acham-se os de grandeza e magnitude valor unitaacuterio razatildeo e fraccedilatildeo funccedilatildeo e variaacutevel taxa constante dependecircncia e independecircncia quociente e produto de dimensotildees

Haacute uma relaccedilatildeo dialeacutetica entre conceitos-em-accedilatildeo e teoremas-em-accedilatildeo uma vez que conceitos satildeo ingredientes de teoremas e teoremas satildeo propriedades que datildeo aos conceitos seus conteuacutedos Mas seria um erro confundi-los (1998 p 174) Conceitos em accedilatildeo satildeo ingredientes necessaacuterios das proposiccedilotildees Mas conceitos natildeo satildeo teoremas pois natildeo permitem derivaccedilotildees (inferecircncias ou computaccedilotildees) derivaccedilotildees requerem proposiccedilotildees Proposiccedilotildees podem ser verdadeiras ou falsas conceitos podem ser apenas relevantes ou irrelevantes Ainda assim natildeo existem proposiccedilotildees sem conceitos (1994 p 55)

Reciprocamente natildeo haacute conceitos sem proposiccedilotildees pois eacute a necessidade de derivar accedilotildees das representaccedilotildees do mundo e de ter concepccedilotildees verdadeiras (ou pelo menos adequadas) do mundo que tornam necessaacuterios os conceitos Um modelo computaacutevel do conhecimento intuitivo deve compreender conceitos-em-accedilatildeo e teoremas-em-accedilatildeo como ingredientes essenciais dos esquemas Esquemas satildeo fundamentais porque geram accedilotildees incluindo operaccedilotildees intelectuais mas podem geraacute-las porque contecircm invariantes operatoacuterios (teoremas e conceitos-em-accedilatildeo) que formam o nuacutecleo da representaccedilatildeo

Por outro lado um conceito-em-accedilatildeo natildeo eacute um verdadeiro conceito cientiacutefico nem um teorema-em-accedilatildeo eacute um verdadeiro teorema a menos que se tornem expliacutecitos Na ciecircncia conceitos e teoremas satildeo expliacutecitos e pode-se discutir sua pertinecircncia e sua veracidade mas esse natildeo eacute necessariamente o caso dos invariantes operatoacuterios (1990 p 144) Conceitos e

teoremas expliacutecitos natildeo constituem mais do que a parte visiacutevel do iceberg da conceitualizaccedilatildeo sem a parte escondida formada pelos invariantes operatoacuterios essa parte visiacutevel natildeo seria nada Reciprocamente natildeo se pode falar de invariantes operatoacuterios integrados nos esquemas sem a ajuda de categorias do conhecimento expliacutecito proposiccedilotildees funccedilotildees proposicionais objetos argumentos (ibid)

Mas conceitos-em-accedilatildeo e teoremas-em-accedilatildeo podem progressivamente tornarem-se verdadeiros conceitos e teoremas cientiacuteficos O status do conhecimento eacute muito diferente quando ele eacute explicitado ao inveacutes de ficar totalmente imerso na accedilatildeo O conhecimento expliacutecito pode ser comunicado a outros e discutido o conhecimento impliacutecito natildeo (1998 p 175)

Em geral os alunos natildeo satildeo capazes de explicar ou mesmo expressar em linguagem natural seus teoremas e conceitos-em-accedilatildeo Na abordagem de uma situaccedilatildeo os dados a serem trabalhados e a sequumlecircncia de caacutelculos a serem feitos dependem de teoremas-em-accedilatildeo e da identificaccedilatildeo de diferentes tipos de elementos pertinentes A maioria desses conceitos e teoremas-em-accedilatildeo permanecem totalmente impliacutecitos mas eles podem tambeacutem ser expliacutecitos ou tornarem-se expliacutecitos e aiacute entra o ensino ajudar o aluno a construir conceitos e teoremas expliacutecitos e cientificamente aceitos a partir do conhecimento impliacutecito Eacute nesse sentido que conceitos-em-accedilatildeo e teoremas-em-accedilatildeo podem progressivamente tornarem-se verdadeiros conceitos e teoremas cientiacuteficos mas isso pode levar muito tempo

A teoria dos campos conceituais um resumo

A teoria dos campos conceituais de Geacuterard Vergnaud eacute uma teoria psicoloacutegica cognitivista que supotildee que o nuacutecleo do desenvolvimento cognitivo eacute a conceitualizaccedilatildeo do real (1996a p 118) Eacute uma teoria psicoloacutegica de conceitos na qual a conceitualizaccedilatildeo eacute considerada a pedra angular da cogniccedilatildeo (1998 p 173) Para Vergnaud o conhecimento estaacute organizado em campos conceituais cujo domiacutenio de parte do aprendiz ocorre ao longo de um largo periacuteodo de tempo atraveacutes de experiecircncia maturidade e aprendizagem (1982 p 40) Campo conceitual eacute um conjunto informal e heterogecircneo de problemas situaccedilotildees conceitos relaccedilotildees estruturas conteuacutedos e operaccedilotildees de pensamento conectados uns aos outros e provavelmente entrelaccedilados durante o processo de aquisiccedilatildeo (ibid) Campo conceitual eacute definido tambeacutem como sendo em primeiro lugar um conjunto de situaccedilotildees cujo domiacutenio requer por sua vez o domiacutenio de vaacuterios conceitos procedimentos e representaccedilotildees de naturezas distintas (1988 p 141 1990 p 146) Conceitos satildeo definidos por trecircs conjuntos o primeiro eacute um conjunto de situaccedilotildees que constituem o referente do conceito o segundo eacute um conjunto de invariantes operatoacuterios (teoremas e conceitos-em-accedilatildeo) que datildeo o significado do conceito e o terceiro eacute um conjunto de representaccedilotildees simboacutelicas que compotildeem seu significante

Como satildeo as situaccedilotildees que datildeo sentido aos conceitos eacute natural definir campo conceitual como sendo sobretudo um conjunto de situaccedilotildees Um conceito torna-se significativo atraveacutes de uma variedade de situaccedilotildees (1994 p 46) mas o sentido natildeo estaacute nas situaccedilotildees em si mesmas assim como natildeo estaacute nas palavras nem nos siacutembolos (1990 p 158) O sentido eacute uma relaccedilatildeo do sujeito com situaccedilotildees e significantes Mais precisamente satildeo os

esquemas ie as accedilotildees e sua organizaccedilatildeo evocados no sujeito por uma situaccedilatildeo ou por um significante que constituem o sentido dessa situaccedilatildeo ou desse significante para esse indiviacuteduo (1990 p 158 1993 p 18) Vergnaud considera que os esquemas necessariamente se referem a situaccedilotildees a tal ponto que dever-se-ia falar em interaccedilatildeo esquema-situaccedilatildeo ao inveacutes de interaccedilatildeo sujeito-objeto Esquemas tecircm como ingredientes essenciais aquilo que Vergnaud chama de invariantes operatoacuterios ie conceitos-em-accedilatildeo e teoremas-em-accedilatildeo que constituem a parte conceitual dos esquemas ie os conhecimentos contidos nos esquemas Teorema-em-accedilatildeo eacute uma proposiccedilatildeo considerada como verdadeira sobre o real conceito-em-accedilatildeo eacute uma categoria de pensamento tida como pertinente (1996c p 202) Esse conhecimento eacute principalmente impliacutecito e o aprendiz tem dificuldades em explicaacute-lo ou expressaacute-lo mas isso natildeo significa que tal conhecimento natildeo possa ser explicitado Eacute atraveacutes do processo de explicitaccedilatildeo do conhecimento impliacutecito ndash aiacute o professor tem um papel mediador fundamental ndash que os teoremas-em-accedilatildeo e conceitos-em-accedilatildeo podem tornar-se verdadeiros teoremas e conceitos cientiacuteficos Uma proposiccedilatildeo expliacutecita pode ser debatida uma proposiccedilatildeo tida como verdadeira de maneira totalmente impliacutecita natildeo Assim o caraacuteter do conhecimento muda se for comunicaacutevel debatido e compartilhado (op cit p 204)

A figura 1 apresenta um mapa conceitual para a teoria de Vergnaud ou seja um diagrama conceitual destacando os conceitos-chave da teoria e suas principais interrelaccedilotildees As palavras que aparecem sobre as linhas conectando os conceitos procuram explicitar a natureza da relaccedilatildeo entre elas Por exemplo a relaccedilatildeo entre situaccedilotildees e conceitos eacute referente pois as situaccedilotildees eacute que datildeo sentido ao conceito ie constituem o referente do conceito Outro exemplo a interaccedilatildeo entre situaccedilotildees e esquemas eacute a fonte primaacuteria das representaccedilotildees simboacutelicas e estas constituem o significante de um conceito As setas quando existem sugerem apenas uma direccedilatildeo para leitura

Ao mesmo tempo que se afasta de Piaget ndash ocupando-se do estudo do funcionamento cognitivo do sujeito-em-situaccedilatildeo ao inveacutes de ocupar-se de operaccedilotildees loacutegicas gerais ou de estruturas gerais de pensamento e tomando como referecircncia o proacuteprio conteuacutedo do conhecimento e a anaacutelise conceitual do domiacutenio desse conhecimento (1994 p 41 Franchi 1999 p 160) ndash a teoria de Vergnaud tem forte base piagetiana que se manifesta principalmente no importante papel que o conceito de esquema tem nessa teoria Por outro lado tem tambeacutem influecircncia vygotskyana pois considera o professor como importante mediador no longo processo que caracteriza o progressivo domiacutenio de um campo conceitual pelo aluno Sua tarefa consiste principalmente em ajudar o aluno a desenvolver seu repertoacuterio de esquemas e representaccedilotildees Novos esquemas natildeo podem ser desenvolvidos sem novos invariantes operatoacuterios A linguagem e os siacutembolos satildeo importantes nesse processo de acomodaccedilatildeo e o professor faz amplo uso deles na sua funccedilatildeo mediadora Mas o principal ato mediador do professor eacute o de prover situaccedilotildees frutiacuteferas aos alunos (1998 p 181) Um conceito ou uma proposiccedilatildeo torna-se significativo atraveacutes de uma variedade de situaccedilotildees mas natildeo se capta o significado sozinho O papel mediador do professor eacute essencial (1994 p 44)

A teoria dos campos conceituais o ensino de ciecircncias e a pesquisa nessa aacuterea

Basta dar atenccedilatildeo agrave bibliografia usada neste trabalho para perceber que a teoria de Vergnaud tem sido utilizada principalmente como referencial para a educaccedilatildeo matemaacutetica Nada mais natural pois as pesquisas de Vergnaud e que sustentam sua teoria tecircm focalizado a aprendizagem e o ensino da Matemaacutetica particularmente das estruturas aditivas e multiplicativas Natildeo obstante como foi dito na introduccedilatildeo essa teoria natildeo eacute especiacutefica da Matemaacutetica e justamente por isso este texto tem por objetivo descrevecirc-la e divulgaacute-la entre professores de ciecircncias e pesquisadores em educaccedilatildeo em ciecircncias

Nas proacuteximas seccedilotildees seratildeo comentadas algumas implicaccedilotildees da teoria dos campos conceituais de Vergnaud para o ensino de ciecircncias e para a pesquisa nesse campo

Conhecimento PreacutevioAprendizagem significativa

A teoria dos campos conceituais destaca que a aquisiccedilatildeo de conhecimento eacute moldada pelas situaccedilotildees e problemas previamente dominados e que esse conhecimento tem portanto muitas caracteriacutesticas contextuais Assim muitas de nossas concepccedilotildees vecircm das primeiras situaccedilotildees que fomos capazes de dominar ou de nossa experiecircncia tentando modificaacute-las (1996 a p 117) No entanto existe provavelmente uma lacuna consideraacutevel entre os invariantes que os sujeitos constroacuteem ao interagir com o meio e os invariantes que constituem o conhecimento cientiacutefico

As concepccedilotildees preacutevias dos alunos tecircm sido consideradas como erros misconceptionsconcepccedilotildees ingecircnuas concepccedilotildees alternativa em relaccedilatildeo agraves concepccedilotildees cientiacuteficas Para Vergnaud (1990 p 69) esta maneira de conceber o conhecimento preacutevio supotildee a crianccedila o aluno ou o adulto aprendiz como incompletos imperfeitos ou deficientes em comparaccedilatildeo a adultos especialistas Essa abordagem segundo ele eacute inadequada agraves questotildees de desenvolvimento cognitivo aiacute envolvidas Seria muito mais frutiacutefero considerar o sujeito como um sistema dinacircmico com mecanismos regulatoacuterios capazes de assegurar seu progresso cognitivo

Muitas das concepccedilotildees errocircneas dos alunos derivam do fato de que eles atribuem a certas palavras usadas em ciecircncias para representar conceitos o mesmo significado que atribuem a essas mesmas palavras no dia-a-dia Inclusive de uma ciecircncia para outra os significados de uma mesma palavra podem ser distintos mas o aluno pode natildeo captaacute-los como distintos

As prediccedilotildees que os estudantes fazem para responder questotildees do tipo ldquoO que aconteceraacute se rdquo ou as explicaccedilotildees que datildeo para responder questotildees do tipo ldquoexpliquerdquo ldquointerpreterdquo ldquojustifiquerdquo tecircm segundo Vergnaud (ibid p 73) alguns pontos em comum Por exemplo focalizam caracteriacutesticas perceptivas e relacionadas a eventos da situaccedilatildeo accedilotildees movimentos mudanccedila no aspecto (cor aparecimento de bolhas fumaccedila vapor etc) descrevem os elementos da situaccedilatildeo apenas em termos de suas propriedades e funccedilotildees concebem de maneira assimeacutetrica as interaccedilotildees entre elementos da situaccedilatildeo implicam sequumlenciaccedilatildeo temporal e espacial Estes modos de compreensatildeo que satildeo essencialmente

do tipo ldquorelacionado a eventordquo diferentemente do tipo ldquoconceitualrdquo usado no campo das ciecircncias satildeo inadequados e frequumlentemente levam a previsotildees errocircneas

A persistecircncia das chamadas concepccedilotildees alternativas inclusive em estudantes em cursos cientiacuteficos avanccedilados tecircm recebido vaacuterias interpretaccedilotildees poreacutem Vergnaud argumenta (ibid p 74) que em praticamente todas elas o sistema de percepccedilatildeo visual tem um papel preponderante na construccedilatildeo do conhecimento pelos sujeitos mas pouca atenccedilatildeo tem sido dada ao papel funcional dessas concepccedilotildees e poucas pesquisas tecircm sido feitas sobre os problemas que os sujeitos encontram para construiacute-las Por exemplo os ldquoerrosrdquo encontrados em alguns estudos frequumlentemente decorrem de fato de que os sujeitos se deparam com questotildees que nunca se propuseram antes ou que envolvem valores natildeo usuais das variaacuteveis de uma dada situaccedilatildeo Outro exemplo de dificuldade enfrentada pelos sujeitos estaacute no fato de que os modelos cientiacuteficos fazem uso de entidades que geralmente natildeo satildeo acessiacuteveis sensorialmente Em Fiacutesica por exemplo os estudantes enfrentam uma dificuldade que tambeacutem existe na Aacutelgebra a verificaccedilatildeo do significado de representaccedilotildees simboacutelicas depende natildeo soacute da habilidade que o sujeito tenha para representar as entidades e as relaccedilotildees entre elas mas principalmente de elementos conceituais que devem ser levados em conta (conceitos como sistema estado interaccedilatildeo transferecircncia conservaccedilatildeo apenas para mencionar alguns) (ibid p 76)

O que tudo isso quer dizer eacute que eacute normal que os alunos apresentem tais concepccedilotildees e que elas devem ser consideradas como precursoras de conceitos cientiacuteficos a serem adquiridos A ativaccedilatildeo desses precursores eacute necessaacuteria e deve ser guiada pelo professor

As concepccedilotildees preacutevias dos alunos contecircm teoremas e conceitos-em-accedilatildeo que natildeo satildeo verdadeiros teoremas e conceitos cientiacuteficos mas que podem evoluir para eles Poreacutem como jaacute foi dito o hiato entre os invariantes operatoacuterios dos alunos e os do conhecimento cientiacutefico eacute grande de modo que a mudanccedila conceitual poderaacute levar muito tempo

Por outro lado pode ocorrer que certos conceitos possam ser construiacutedos somente se certas concepccedilotildees preacutevias forem abandonadas Quer dizer o conhecimento preacutevio pode funcionar como obstaacuteculo epistemoloacutegico (ibid p 83) Nesse caso a accedilatildeo mediadora do professor eacute tambeacutem imprescindiacutevel

A construccedilatildeo do conhecimento pelo aprendiz natildeo eacute um processo linear facilmente identificaacutevel Ao contraacuterio eacute complexo tortuoso demorado com avanccedilos e retrocessos continuidades e rupturas O conhecimento preacutevio eacute determinante no progressivo domiacutenio de um campo conceitual mas pode tambeacutem em alguns casos ser impeditivo Continuidades e rupturas natildeo satildeo no entanto excludentes Pode haver continuidade e ruptura A Aacutelgebra por exemplo se apoacuteia na Aritmeacutetica mas ainda assim para aprendecirc-la eacute necessaacuterio romper com a Aritmeacutetica A Mecacircnica Claacutessica e a Mecacircnica Quacircntica apresentam continuidades mas para aprender esta eacute preciso rupturas com aquela

No ensino eacute necessaacuterio desestabilizar cognitivamente o aluno mas natildeo demais Eacute preciso identificar sobre quais conhecimentos preacutevios a crianccedila pode se apoiar para aprender mas eacute forccediloso tambeacutem distinguir quais as rupturas necessaacuterias Quer dizer eacute preciso propor

tambeacutem com cuidado situaccedilotildees para as quais os alunos natildeo tecircm onde se apoiar ou natildeo devem se apoiar em conhecimentos preacutevios

As ideacuteias de Vergnaud sobre o papel do conhecimento preacutevio (que pode ser ldquoalternativordquo) como percursor de novos conhecimentos (que podem ser cientiacuteficos) e sobre as continuidades e rupturas na construccedilatildeo do conhecimento parecem ter muito a ver com a teoria da aprendizagem significativa de Ausubel (Ausubel et al 1980 Moreira 1999 a e b) Para Ausubel o conhecimento preacutevio eacute o principal fator isolado que influencia a aquisiccedilatildeo de novos conhecimentos A aprendizagem significativa se caracteriza pela interaccedilatildeo entre o novo conhecimento e o conhecimento preacutevio Eacute nessa interaccedilatildeo que o novo conhecimento adquire significados e o conhecimento preacutevio se modifica eou adquire novos significados Mas tal interaccedilatildeo natildeo eacute arbitraacuteria ou seja o novo conhecimento adquire significados pela interaccedilatildeo com conhecimentos preacutevios especificamente relevantes Em outras palavras a interaccedilatildeo natildeo eacute com qualquer conhecimento preacutevio Nesse sentido no ensino eacute preciso identificar sobre quais conhecimentos preacutevios o aluno pode se apoiar para aprender Contudo o efeito do conhecimento preacutevio na aprendizagem eacute tatildeo forte que em certos casos eacute preciso romper com ele Por exemplo no ensino do conceito de aprendizagem significativa pode natildeo ser adequado apoiar-se na ideacuteia de interaccedilatildeo pois esta pode estar fortemente arraigada na estrutura cognitiva como sendo uma relaccedilatildeo assimeacutetrica que poderia dificultar a compreensatildeo do fato de que na aprendizagem significativa tanto o novo conhecimento como o conhecimento preacutevio se modificam Por outro lado a compreensatildeo da aprendizagem significativa como uma relaccedilatildeo simeacutetrica ou de accedilatildeo reciacuteproca juntamente com a aprendizagem de outros processos envolvendo accedilatildeo reciacuteproca poderia levar a uma evoluccedilatildeo dos conceitos e teoremas-em-accedilatildeo associados agrave ideacuteia de interaccedilatildeo (que eacute uma ideacuteia-chave na ciecircncia) para outros progressivamente mais proacuteximos daqueles cientificamente compartilhados

Mas se a teoria dos campos conceituais eacute compatiacutevel com a teoria da aprendizagem significativa por que natildeo ficar com esta que eacute bastante mais conhecida e aceita no ensino de ciecircncias A resposta eacute que podem ser tomadas como complementares a teoria de Ausubel eacute uma teoria de aprendizagem em sala de aula de aquisiccedilatildeo de corpos organizados de conhecimento em situaccedilatildeo formal de ensino enquanto que a teoria de Vergnaud eacute uma teoria psicoloacutegica do processo de conceituaccedilatildeo do real que se propotildee a localizar e estudar continuidades e rupturas entre conhecimentos do ponto de vista de seu conteuacutedo conceitual A teoria de Vergnaud natildeo eacute uma teoria de ensino de conceitos expliacutecitos e formalizados embora tenha subjacente a ideacuteia de que os conhecimentos-em-accedilatildeo (largamente impliacutecitos) podem evoluir ao longo do tempo para conhecimentos cientiacuteficos (expliacutecitos) A teoria de Ausubel por outro lado se ocupa exatamente da aquisiccedilatildeo de conceitos expliacutecitos e formalizados chegando inclusive a propor princiacutepios programaacuteticos ndash como a diferenciaccedilatildeo progressiva a reconciliaccedilatildeo integradora e a consolidaccedilatildeo ndash para a organizaccedilatildeo do ensino

Ao resgatar e enriquecer o conceito de esquema introduzindo os conceitos de teorema-em-accedilatildeo e conceito-em-accedilatildeo ao definir conceito como um tripleto ao colocar a conceitualizaccedilatildeo no acircmago do desenvolvimento cognitivo ao priorizar a interaccedilatildeo sujeito-situaccedilatildeo e como natildeo poderia deixar de ser ao definir campo conceitual Vergnaud provecirc um referencial muito rico para compreender explicar e investigar o processo da

aprendizagem significativa A teoria dos campos conceituais de Vergnaud parece prover um referencial adequado para analisar a estrutura fina da teoria da aprendizagem significativa de Ausubel O que para Ausubel satildeo campos organizados de conhecimento para Vergnaud satildeo campos conceituais

ProfessorEnsino

Um determinado campo conceitual como o da Eletricidade por exemplo pode ser progressivamente dominado por um aprendiz mas o ensino atraveacutes da accedilatildeo mediadora do professor eacute essencial para isso Professores satildeo mediadores Sua tarefa eacute a de ajudar os alunos a desenvolver seu repertoacuterio de esquemas e representaccedilotildees (1998 p 180) Desenvolvendo novos esquemas os alunos tornam-se capazes de enfrentar situaccedilotildees cada vez mais complexas Novos esquemas natildeo podem ser desenvolvidos sem novos invariantes operacionais A linguagem e os siacutembolos satildeo importantes nesse processo Os professores usam palavras e sentenccedilas para explicar formular questotildees selecionar informaccedilotildees propor metas expectativas regras e planos Contudo sua accedilatildeo mediadora mais importante eacute a de prover situaccedilotildees (de aprendizagem) frutiacuteferas para os estudantes (ibid) Tais situaccedilotildees devem ser cuidadosamente escolhidas ordenadas diversificadas apresentadas no momento certo e dentro da zona de desenvolvimento proximal do aluno Sem duacutevida uma tarefa difiacutecil mas essencial

Para Vergnaud o desenvolvimento cognitivo depende de situaccedilotildees e conceitualizaccedilotildees especiacuteficas para lidar com elas Satildeo as situaccedilotildees que datildeo sentido aos conceitos elas eacute que satildeo responsaacuteveis pelo sentido atribuiacutedo ao conceito (Barais amp Vergnaud 1990 p 78) um conceito torna-se significativo atraveacutes de uma variedade de situaccedilotildees (1994 p 46) mas o sentido natildeo estaacute nas situaccedilotildees em si mesmas assim como natildeo estaacute nas palavras nem nos siacutembolos (1990 p 158)

Cabe aqui lembrar que embora estejamos falando do ensino e do papel do professor na perspectiva de Vergnaud as situaccedilotildees antes referidas natildeo satildeo situaccedilotildees didaacuteticas propriamente ditas mas sim tarefas problemas

O papel do professor como mediador provedor de situaccedilotildees problemaacuteticas frutiacuteferas estimuladoras da interaccedilatildeo sujeito-situaccedilatildeo que leva agrave ampliaccedilatildeo e agrave diversificaccedilatildeo de seus esquemas de accedilatildeo ou seja ao desenvolvimento cognitivo deixa ainda mais evidente que a teoria de Vergnaud tem tambeacutem forte influecircncia vigotskyana

Haacute no entanto outra importante implicaccedilatildeo da teoria dos campos conceituais para o ensino a questatildeo do conhecimento impliacutecito e do conhecimento expliacutecito A escola segundo Vergnaud (1994 p 47) superestima o conhecimento expliacutecito e subestima ateacute mesmo desvaloriza o conhecimento impliacutecito dos alunos Contudo a maior parte de nossa atividade fiacutesica e mental de nosso comportamento enfim eacute constituiacuteda de esquemas e estes tecircm como componentes essenciais os invariantes operatoacuterios (conceitos e teoremas-em-accedilatildeo) que constituem os conhecimentos contidos nos esquemas e que satildeo largamente impliacutecitos Quer dizer haacute muito de impliacutecito nos esquemas Os alunos em geral natildeo satildeo capazes de explicar ou expressar em linguagem natural seus teoremas-em-accedilatildeo ainda que

sejam capazes de resolver certas tarefas (situaccedilotildees) Natildeo soacute alunos qualquer pessoa muitas vezes eacute incapaz de colocar em palavras coisas que faz muito bem conhecimentos que tem Haacute um hiato entre a accedilatildeo e a formalizaccedilatildeo da accedilatildeo Agimos com o auxiacutelio de invariantes operatoacuterios sem expressaacute-los ou sem sermos capazes de expressaacute-los A anaacutelise cognitiva dessas accedilotildees muitas vezes revela a existecircncia de potentes teoremas e conceitos-em-accedilatildeo impliacutecitos Esse conhecimento no entanto natildeo pode ser apropriadamente chamado de conceitual pois o conhecimento conceitual eacute necessariamente expliacutecito (Vergnaud et al 1990 p 20) Portanto palavras e outros siacutembolos sentenccedilas e outras expressotildees simboacutelicas satildeo instrumentos cognitivos indispensaacuteveis para a transformaccedilatildeo de invariantes operatoacuterios impliacutecitos em conceitos e teoremas cientiacuteficos expliacutecitos (ibid) Quer dizer a formalizaccedilatildeo ndash o ensino direcionado agrave formalizaccedilatildeo ndash eacute necessaacuteria poreacutem eacute preciso levar em conta que as ideacuteias cientiacuteficas evoluem no aluno durante um longo periacuteodo de desenvolvimento cognitivo atraveacutes de uma variedade de situaccedilotildees e atividades e que qualquer conhecimento formal e axiomatizado que o aluno apresenta pode natildeo ser mais do que a parte visiacutevel de um iceberg formado basicamente por conhecimentos impliacutecitos (op cit p 21) O ensino de ciecircncias natildeo pode deixar de lado a simbolizaccedilatildeo e a formalizaccedilatildeo porque a ciecircncia eacute simboacutelica formal e expliacutecita mas eacute preciso ter sempre em mente que o conhecimento do aluno como de qualquer outro sujeito eacute em grande parte impliacutecito O ensino de ciecircncias deve facilitar a transformaccedilatildeo do conhecimento impliacutecito em expliacutecito sem nunca subestimaacute-lo ou desvalorizaacute-lo A trajetoacuteria do aprendiz ao longo de um campo conceitual cientiacutefico eacute sinuosa difusa difiacutecil e sobretudo demorada Natildeo se pode esperar que um aluno domine um campo conceitual como o da Termodinacircmica por exemplo atraveacutes de uma ou duas unidades didaacuteticas desenvolvidas ao longo de dois ou trecircs meses Eacute normal que o aluno continue usando conhecimentos impliacutecitos ao mesmo tempo que vai se apropriando dos conhecimentos expliacutecitos da ciecircncia A perspectiva dos campos conceituais eacute progressiva natildeo substitutiva Ou seja o campo conceitual vai sendo progressivamente dominado pelo aprendiz o conhecimento impliacutecito vai evoluindo progressivamente para o expliacutecito ao inveacutes de ser substituiacutedo por ele Isso como alerta Vergnaud pode levar muito tempo muitos anos talvez mas o ensino e em uacuteltima anaacutelise o professor tecircm um papel essencial nesse processo Sem o ensino natildeo haacute razatildeo nenhuma para se acreditar que o sujeito passe a dominar campos conceituais complexos e formalizados como os cientiacuteficos

Resoluccedilatildeo de Problemas

O ensino de ciecircncias tradicionalmente envolve trecircs aspectos principais profundamente interrelacionados o conhecimento teoacuterico (conceitos leis princiacutepios equaccedilotildees) as praacuteticas de laboratoacuterio (experimentos demonstraccedilotildees procedimentos cientiacuteficos) e a resoluccedilatildeo de problemas (abertos fechados como investigaccedilatildeo de papel e laacutepis) Obviamente qualquer professor experiente sabe que essa distinccedilatildeo eacute artificial o conhecimento cientiacutefico eacute produzido atraveacutes da interaccedilatildeo entre o domiacutenio conceitual e o metodoloacutegico Poreacutem na perspectiva de Vergnaud esta interdependecircncia entre a teoria e a praacutetica fica muito clara

Como jaacute foi dito reiteradamente ao longo deste texto satildeo as situaccedilotildees[1] que datildeo sentido aos conceitos um conceito torna-se significativo atraveacutes de uma variedade de situaccedilotildees os conhecimentos dos alunos satildeo moldados pelas situaccedilotildees que encontram e

progressivamente dominam Embora o conceito de situaccedilatildeo tenha na teoria dos campos conceituais o significado de tarefa podemos supor que no acircmbito das ciecircncias situaccedilatildeo significa tambeacutem problema Ou podemos falar em situaccedilotildees e problemas como faz o proacuteprio Vergnaud ao dizer que ldquoa aquisiccedilatildeo de conhecimento eacute moldada pelas situaccedilotildees e problemas previamente dominados e portanto o conhecimento do sujeito tem muitos aspectos locaisrdquo (1994 p 42) Em outro trabalho bastante anterior a esse Vergnaud diz que ldquona verdade os conceitos se desenvolvem atraveacutes da resoluccedilatildeo de problemas e esse desenvolvimento eacute lentordquo (1983b p 172)

Isso significa que a resoluccedilatildeo de problemas ou as situaccedilotildees de resoluccedilatildeo de problemas satildeo essenciais para a conceitualizaccedilatildeo mas como chama atenccedilatildeo Vergnaud (1994 p 42) ldquoum problema natildeo eacute um problema para um indiviacuteduo a menos que ele ou ela tenha conceitos que oa tornem capaz de consideraacute-lo como um problema para si mesmordquo Ou seja haacute uma relaccedilatildeo dialeacutetica e ciacuteclica entre a conceitualizaccedilatildeo e a resoluccedilatildeo de problemas Para Vergnaud a problematizaccedilatildeo vai muito aleacutem da abstraccedilatildeo de regularidades do mundo observaacutevel Problemas satildeo teoacutericos e praacuteticos natildeo meramente empiacutericos mesmo para crianccedilas pequenas Quando uma classe de problemas eacute resolvida por um indiviacuteduo (o que significa que ela ou ele desenvolve um esquema eficiente para lidar com todos ou quase todos os problemas dessa classe) o caraacuteter problemaacutetico dessa classe especiacutefica desaparece (ibid) Mas essa competecircncia desenvolvida pelo indiviacuteduo o habilita a reconhecer ou considerar novos problemas para si mesmo trata-se entatildeo de um processo ciacuteclico

Vergnaud chama de ldquoilusatildeo pedagoacutegicardquo (1983 b p 173) a atitude dos professores que crecircem que o ensino de Fiacutesica digamos consiste na apresentaccedilatildeo organizada clara rigorosa das teorias formais e que quando isso eacute bem feito os alunos aprendem Trata-se de uma ilusatildeo porque segundo ele eacute atraveacutes de situaccedilotildees de resoluccedilatildeo de problemas que os conceitos se desenvolvem no aluno e as situaccedilotildees de resoluccedilatildeo de problemas que tornam os conceitos significativos para os alunos podem estar pelo menos inicialmente muito distantes do formalismo apresentado pelo professor Mas apesar disso tais situaccedilotildees satildeo essenciais para o desenvolvimento de conceitos Quer dizer ao mesmo tempo que as situaccedilotildees formais satildeo necessaacuterias eacute preciso levar em consideraccedilatildeo que o aluno pode estar ainda muito longe delas (1983 b p 172)

Novamente podemos estabelecer um certo paralelo entre as teorias de Ausubel e Vergnaud A aprendizagem receptiva de Ausubel poderia ser interpretada como a ilusatildeo pedagoacutegica de Vergnaud mas natildeo eacute assim Ausubel certamente defenderia a apresentaccedilatildeo organizada clara rigorosa das teoria formais poreacutem desde que fossem potencialmente significativas o que implicaria que o aprendiz tivesse o conhecimento preacutevio adequado e se dispusesse a aprender Isso estaria de acordo com a postura de Vergnaud no sentido de que o domiacutenio de situaccedilotildees preacutevias eacute importante para o domiacutenio de situaccedilotildees novas Acrescente-se a isso que para Ausubel a resoluccedilatildeo de problemas em particular de situaccedilotildees problemaacuteticas novas e natildeo familiares que requeiram maacutexima transformaccedilatildeo do conhecimento adquirido eacute a principal evidecircncia da aprendizagem significativa (Ausubel et al 1980)

A teoria de Vergnaud parece ser entatildeo um bom referencial para anaacutelise das dificuldades dos alunos na resoluccedilatildeo de problemas em ciecircncias e consequumlentemente da conceitualizaccedilatildeo em ciecircncias Tais dificuldades poderiam por exemplo ser examinadas em

termos de invariantes operatoacuterios quer dizer em termos de quais os conceitos e teoremas-em-accedilatildeo que os estudantes estariam usando na resoluccedilatildeo de problemas e de quatildeo distantes estariam dos conceitos e teoremas cientiacuteficos adequados agrave resoluccedilatildeo do problema em pauta

Representaccedilotildees[2]

No tripleto C (S I R) que define conceito (p 4 deste trabalho) Vergnaud dizia que S (o conjunto de situaccedilotildees que datildeo sentido ao conceito) eacute a realidade e (I R) a representaccedilatildeo dessa realidade que pode ser considerada como dois aspectos interagentes do pensamento o significado (I) e o significante (R)

Isso sugere que inicialmente Vergnaud usava o termo representaccedilatildeo como sendo o de um sistema simboacutelico que significaria algo para o sujeito um sistema de signos e uma sintaxe ou operaccedilotildees sobre elementos do sistema Para ele conceitos e siacutembolos eram duas faces da mesma moeda e devia-se sempre dar atenccedilatildeo ao uso que os alunos faziam dos siacutembolos agrave luz do uso que faziam dos conceitos Quer dizer a habilidade em resolver situaccedilotildees em linguagem natural seria o melhor criteacuterio para aquisiccedilatildeo de conceitos mas por outro lado a simbolizaccedilatildeo ajudaria nisso (1982 p 57) Assim como haacute problemas mais facilmente resolviacuteveis do que outros ou procedimentos mais faacuteceis do que outros haveria representaccedilotildees simboacutelicas mais potentes do que outras equaccedilotildees por exemplo seriam mais potentes que diagramas de Euler-Venn Todavia tais equaccedilotildees deveriam representar situaccedilotildees significativas

Poreacutem em outro trabalho mais recente (1998 p 173) Vergnaud fala em teorias de representaccedilotildees e diz que para ser uacutetil uma teoria dessas deve conter a ideacuteia de que as representaccedilotildees ofereccedilam possibilidades de inferecircncia ie que elas nos tornem capazes de antecipar eventos futuros e gerar condutas para chegar a algum efeito positivo ou evitar algum efeito negativo

Diz ele (op cit p 174) que temos representaccedilotildees computaacuteveis para gestos e accedilotildees sobre o mundo fiacutesico bem como para comportamentos verbais e para interaccedilotildees sociais Tais representaccedilotildees podem ser corretas ou erradas vagas ou precisas expliacutecitas ou totalmente impliacutecitas em qualquer caso elas funcionam como substitutos computaacuteveis da realidade e portanto satildeo feitas de teoremas-em-accedilatildeo proposiccedilotildees tidas como verdadeiras

A construccedilatildeo do conhecimento consiste entatildeo na progressiva construccedilatildeo de representaccedilotildees mentais que satildeo homomoacuterficas agrave realidade para alguns aspectos e para outros natildeo (1990 p 22) Por um lado a representaccedilatildeo eacute ativa pragmaacutetica e operacional por outro eacute discursiva teoacuterica e simboacutelica (ibid) Mas haacute importantes lacunas entre o que estaacute representado na mente de um indiviacuteduo e o significado usual das palavras e outros signos pois sistemas linguumliacutesticos e semioacuteticos natildeo tecircm por finalidade expressar exatamente o que cada indiviacuteduo tem em mente quando enfrenta uma situaccedilatildeo selecionando e processando a informaccedilatildeo (1998 p 176) Para Vergnaud a relaccedilatildeo entre situaccedilotildees e esquemas eacute a fonte primaacuteria da representaccedilatildeo mas sua teoria afasta-se muito da visatildeo de que um objeto pode ser representado mentalmente de maneira natildeo ambiacutegua atraveacutes de

siacutembolos Por maior que seja (e eacute grande) o papel dos siacutembolos no pensamento o conhecimento natildeo eacute em essecircncia simboacutelico O reconhecimento de invariantes em accedilatildeo e percepccedilatildeo e a progressiva construccedilatildeo de objetos e predicados de niacutevel mais alto satildeo aspectos mais essenciais do conhecimento (op cit p 177)

Podemos entatildeo fazer uma ponte entre os significados mais recentes de representaccedilatildeo na teoria de Vergnaud e a teoria tambeacutem recente dos modelos mentais (Johnson-Laird 1983 Moreira 1996) Dizer que temos representaccedilotildees computaacuteveis para gestos e accedilotildees sobre o mundo fiacutesico para comportamentos verbais e para interaccedilotildees sociais e que tais representaccedilotildees -- que podem ser corretas ou erradas vagas ou precisas expliacutecitas ou (principalmente) impliacutecitas -- permitem fazer inferecircncias eacute praticamente dizer que tais representaccedilotildees satildeo modelos mentais Johnson-Laird define modelos mentais como anaacutelogos estruturais de estados de coisas do mundo Satildeo instrumentos de compreensatildeo e inferecircncia Quando nos defrontamos com uma situaccedilatildeo nova construiacutemos um modelo mental para entendecirc-la descrevecirc-la e prever o que vai acontecer Este modelo pode ser correto ou natildeo (no sentido de que suas previsotildees natildeo satildeo corretas cientificamente) pode ser vago confuso incompleto mas eacute sobretudo funcional para seus construtor e pode ser modificado recursivamente ateacute atingir tal funcionalidade

Modelos mentais podem ser basicamente proposicionais ie constituiacutedos principalmente de proposiccedilotildees ou basicamente imagiacutesticos ou seja construiacutedos predominantemente com imagens ou ainda hiacutebridos quer dizer formados por proposiccedilotildees e imagens (Greca e Moreira 1997) Entatildeo as proposiccedilotildees constituintes dos modelos mentais podem ser interpretadas como teoremas-em-accedilatildeo de Vergnaud Como ele mesmo diz as representaccedilotildees funcionam como substitutos computaacuteveis da realidade e portanto satildeo feitas de teoremas-em-accedilatildeo Com o progressivo domiacutenio de um campo conceitual os teoremas-em-accedilatildeo (grandemente impliacutecitos) vatildeo se aproximando de teoremas cientiacuteficos (proposiccedilotildees expliacutecitas) Analogamente agrave medida que o sujeito adquire mais conhecimentos cientiacuteficos seus modelos mentais aproximam-se (no sentido de que permitem dar significados cientificamente aceitos) dos modelos cientiacuteficos

Pode-se assim dizer que os modelos mentais de Johnson-Laird contecircm aquilo que Vergnaud chama de teoremas-em-accedilatildeo ou seja proposiccedilotildees tidas como verdadeiras sobre o real Mas esta aparente compatibilidade entre as duas teorias pode ir aleacutem pois os conceitos-em-accedilatildeo de Vergnaud tambeacutem podem integrar modelos mentais Conceitos-em-accedilatildeo satildeo objetos predicados ou categorias de pensamento tidos como pertinentes relevantes agrave situaccedilatildeo Analogamente segundo o princiacutepio do construtivismo (Johnson-Laird 1983 p 398) um modelo mental eacute construiacutedo a partir de sinais (tokens) dispostos em uma estrutura particular para representar em certo estado de coisas (isto eacute uma certa situaccedilatildeo) Se interpretaacutessemos esses sinais (tokens) como objetos predicados ou categorias de pensamento pertinentes dir-se-ia que os modelos mentais contecircm tambeacutem conceitos-em-accedilatildeo

Contudo eacute importante natildeo confundir modelos mentais com esquemas de assimilaccedilatildeo Para Vergnaud os invariantes operatoacuterios (teoremas e conceitos-em-accedilatildeo) satildeo componentes essenciais dos esquemas e acabamos de dizer que os modelos mentais contecircm proposiccedilotildees e sinais (tokens) que podem ser interpretados como invariantes operatoacuterios mas ainda

assim modelos mentais e esquemas satildeo construtos distintos Modelo mental eacute instrumento de compreensatildeo construiacutedo no momento da compreensatildeo e descartaacutevel se for alcanccedilada (para o construtor) a funcionalidade desejada (ou seja a compreensatildeo mesmo que natildeo compartilhada cientificamente) Esquema de assimilaccedilatildeo eacute segundo Vergnaud a organizaccedilatildeo invariante do comportamento para uma determinada classe de situaccedilotildees Portanto esquemas de assimilaccedilatildeo satildeo mais estaacuteveis o sujeito constroacutei determinado esquema e o utiliza para assimilar uma certa classe de situaccedilotildees ou seja usa sempre o mesmo esquema para cada situaccedilatildeo dessa classe Mas frente a uma situaccedilatildeo nova eacute preciso acomodar ou seja construir um novo esquema de assimilaccedilatildeo e eacute exatamente aiacute que parece encaixar bem a ideacuteia de modelo mental para compreender uma nova situaccedilatildeo o sujeito constroacutei inicialmente um modelo mental (que como foi dito pode conter invariantes operatoacuterios) natildeo um esquema de assimilaccedilatildeo Na medida em que a nova situaccedilatildeo deixa de ser nova e passa a ser rotineira o modelo mental evolui para esquema de assimilaccedilatildeo quer dizer se estabiliza Mas isso natildeo quer dizer que todo modelo mental venha a se transformar em esquema de assimilaccedilatildeo Modelos mentais satildeo recursivos o que significa que vatildeo sendo construiacutedos e modificados quase que simultaneamente ateacute que se tornem funcionais quando entatildeo podem ser descartados ou talvez ldquoguardadosrdquo ateacute que se tornem esquemas de assimilaccedilatildeo Trata-se ao que parece de um bom assunto para pesquisar

Pesquisa

Como uacuteltimo toacutepico deste texto abordar-se-aacute a pesquisa em ensino de ciecircncias no referencial da teoria dos campos conceituais Vejamos primeiramente no entanto o que diz Vergnaud sobre a pesquisa em campos conceituais

Segundo ele (1988 p 149) a abordagem canocircnica ao estudo de um campo conceitual envolve identificar e classificar situaccedilotildees e entatildeo coletar dados sobre procedimentos e outras maneiras atraveacutes das quais os estudantes expressam seu raciociacutenio Um ciclo de pesquisa inicia com a identificaccedilatildeo de niacuteveis de objetos relaccedilotildees e teoremas-em-accedilatildeo O ciclo continua entatildeo com o delineamento de situaccedilotildees e materiais e sua experimentaccedilatildeo com alunos completando-se com a construccedilatildeo de representaccedilotildees simboacutelicas atraveacutes da observaccedilatildeo e anaacutelise dos diferentes fenocircmenos que ocorrem (ibid) Comeccedila entatildeo um segundo ciclo para melhorar o primeiro e assim sucessivamente O estudo do domiacutenio de certos campos conceituais eacute um programa de longo prazo que dificilmente pode ser feito por um pesquisador isolado ou mesmo por um grupo de pesquisa isolado

Portanto o primeiro passo para estudar o progressivo domiacutenio de um campo conceitual por parte do aluno eacute identificar e classificar situaccedilotildees Mas isso envolve duas ideacuteias principais diversidade e histoacuteria Ou seja existe uma grande variedade de situaccedilotildees em um dado campo conceitual e as aprendizagens dos alunos satildeo moldadas pelas situaccedilotildees com as quais se depararam e progressivamente dominaram particularmente as primeiras suscetiacuteveis de dar sentido aos conceitos e procedimentos que lhes queremos ensinar (1990 p 150) A combinaccedilatildeo dessas duas ideacuteias dificulta o trabalho do pesquisador em ensino porque a primeira o dirige para a anaacutelise para a decomposiccedilatildeo em elementos simples e para as possiacuteveis combinaccedilotildees de situaccedilotildees enquanto que a segunda o orienta para a busca de

situaccedilotildees funcionais quase sempre compostas de vaacuterias relaccedilotildees cuja importacircncia relativa estaacute largamente ligada agrave frequumlecircncia com que satildeo encontradas (ibid)

Em outras palavras o estudo psicogeneacutetico da aquisiccedilatildeo de um campo conceitual implica a anaacutelise em termos relacionais e hieraacuterquicos das diferentes classes de problemas que podem ser propostos aos alunos Implica tambeacutem o estudo dos distintos procedimentos e representaccedilotildees simboacutelicas que o aprendiz utiliza (1982 p 40) Em relaccedilatildeo agraves representaccedilotildees Vergnaud diz (1994 p 43) que eacute uma tarefa essencial teoacuterica e empiacuterica dos pesquisadores entender por que uma certa representaccedilatildeo simboacutelica particular pode ser uacutetil e sob quais condiccedilotildees e quando e por que pode ser proveitosamente substituiacuteda por outra mais abstrata e geral

Embora Vergnaud e vaacuterios pesquisadores que trabalham sob o referencial de sua teoria tenham se dedicado principalmente agrave pesquisa em educaccedilatildeo matemaacutetica e em particular ao estudo dos campos conceituais das estruturas aditivas e multiplicativas essa abordagem agrave pesquisa certamente se aplica ao ensino de ciecircncias ou agrave educaccedilatildeo em ciecircncias se preferirmos esta terminologia Na resoluccedilatildeo de problemas por exemplo pode-se analisar as dificuldades dos alunos em termos de invariantes operatoacuterios Quer dizer os alunos muitas vezes resolvem problemas usando conhecimentos-em-accedilatildeo que podem ateacute conduzi-los agrave uma soluccedilatildeo satisfatoacuteria para uma certa situaccedilatildeo mas que natildeo funcionam para outra situaccedilatildeo ligeiramente diferente da primeira porque tais conhecimentos natildeo satildeo cientiacuteficos e tampouco constituem um esquema de assimilaccedilatildeo que pode ser aplicado a uma classe de situaccedilotildees Por outro lado tais conhecimentos-em-accedilatildeo mdash que satildeo largamente impliacutecitos mdash podem ser precursores na aquisiccedilatildeo de conceitos cientiacuteficos e portanto devem ser identificados ie pesquisados Os trabalhos de Sousa (2001) e de Sousa e Faacutevero (2002) no qual a resoluccedilatildeo de problemas em Fiacutesica foi investigada em uma situaccedilatildeo de interlocuccedilatildeo entre um especialista e um novato eacute um exemplo nessa direccedilatildeo Costa e Moreira (2002) e Escudero e Moreira (2002) tambeacutem estatildeo trabalhando em resoluccedilatildeo de problemas em Fiacutesica e procurando interpretar as dificuldades dos alunos na construccedilatildeo de modelos mentais do enunciado agrave luz de aspectos da teoria dos campos conceituais

O estudo da aprendizagem de conceitos fiacutesicos tambeacutem pode ser feito no referencial teoacuterico de Vergnaud Para ele satildeo as situaccedilotildees que datildeo sentido ao conceito os invariantes operatoacuterios que constituem seu significado e as representaccedilotildees simboacutelicas o seu significante Portanto como sugere Vergnaud eacute preciso identificar e classificar situaccedilotildees adequadas agrave aprendizagem de determinado conceito pesquisar os invariantes operatoacuterios usados pelos alunos e procurar entender como por que e quando uma certa representaccedilatildeo simboacutelica pode ajudar na conceitualizaccedilatildeo O trabalho de Lemeignan e Weil-Barais (1994) eacute talvez pioneiro nessa linha As pesquisas de Stipcich e Moreira (2002) sobre o conceito de interaccedilatildeo e de Moreira e Sousa (2002) a respeito do conceito de potencial eleacutetrico estatildeo usando o referencial de Vergnaud para interpretar as dificuldades dos alunos na aprendizagem significativa desses conceitos

Obviamente a teoria dos campos conceituais pode tambeacutem ser usada como referente teoacuterico em pesquisas sobre mudanccedila conceitual De um modo geral pode-se dizer que essa teoria eacute potencialmente uacutetil na anaacutelise das dificuldades dos alunos na resoluccedilatildeo de problemas em ciecircncias na aprendizagem de conceitos cientiacuteficos e na mudanccedila conceitual

Uma vez identificadas tais dificuldades essa mesma teoria pode ajudar no delineamento de estrateacutegias ou melhor na seleccedilatildeo de situaccedilotildees instrucionais que possam ajudar na progressiva superaccedilatildeo de tais dificuldades ou em outras palavras no progressivo (e lento) domiacutenio do(s) campo(s) conceitual(is) envolvido(s) Esse domiacutenio progressivo implica capacidade de resolver problemas conceitualizaccedilatildeo e mudanccedila (evoluccedilatildeo) conceitual

Natildeo tatildeo oacutebvia eacute a possibilidade de investigar questotildees como a modelagem mental no referencial de Vergnaud poreacutem uma vez aceita a compatibilidade aludida na seccedilatildeo anterior entre a teoria dos modelos mentais e a teoria dos campos conceituais tal possibilidade decorre naturalmente Enfim a potencialidade do uso da teoria de Vergnaud na pesquisa e ensino de ciecircncias parece ser grande Nesta seccedilatildeo foram apenas aventadas possibilidades e referidos alguns estudos

Conclusatildeo

Este trabalho teve por objetivo descrever a teoria dos campos conceituais de Geacuterard Vergnaud particularmente para uma audiecircncia de professores e pesquisadores em ensino de ciecircncias Essa teoria eacute bastante conhecida na aacuterea da educaccedilatildeo matemaacutetica poreacutem relativamente pouco no campo da educaccedilatildeo em ciecircncias e justamente por isso foi objeto deste texto

Trata-se de uma teoria de base piagetiana mas que afasta-se bastante de Piaget ao tomar como referecircncia o proacuteprio conteuacutedo do conhecimento e a anaacutelise conceitual do progressivo domiacutenio desse conhecimento bem como ao ocupar-se do estudo do desenvolvimento cognitivo do sujeito-em-situaccedilatildeo ao inveacutes de operaccedilotildees loacutegicas gerais de estruturas gerais do pensamento Ao fazer isso a teoria de Vergnaud apresenta um grande potencial para descrever analisar e interpretar aquilo que se passa em sala de aula na aprendizagem de matemaacutetica e ciecircncias Provavelmente esse tipo de teoria eacute o de maior utilidade para fundamentar o ensino e a pesquisa em ensino nessa aacuterea

Aleacutem de descrever a teoria propriamente dita procurou-se neste texto estabelecer elos com a teoria da aprendizagem significativa de Ausubel (outra ldquoteoria de sala de aulardquo) e com a recente teoria dos modelos mentais de Johnson-Laird assim como destacar implicaccedilotildees para o ensino e para a pesquisa em ensino de ciecircncias

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[1] Lembremos que um campo conceitual eacute em primeiro lugar um conjunto de situaccedilotildees (1998 p 141 1990 p 5) cujo domiacutenio requer o domiacutenio de vaacuterios conceitos de naturezas distintas (volta para o texto) [2] A ponte entre a teoria de Vergnaud e a teoria dos modelos mentais de Johnson-Laird feita nesta seccedilatildeo estaacute bem mais elaborada no trabalho ldquoAleacutem da detecccedilatildeo de modelos mentais dos estudantes Uma proposta representacional integradorardquo de Ileana Greca e Marco Antonio Moreira (volta para o texto)

Page 10: A Teoria Dos Campos Conceituais de Vergnaud

classe de situaccedilotildees teoremas-em-accedilatildeo e conceitos-em-accedilatildeo satildeo invariantes operacionais logo satildeo componentes essenciais dos esquemas (1998 p 167) e determinam as diferenccedilas entre eles

Teorema-em-accedilatildeo eacute uma proposiccedilatildeo tida como verdadeira sobre o real Conceito-em-accedilatildeo eacute um objeto um predicado ou uma categoria de pensamento tida como pertinente relevante (1996c p 202 1998 p 167)

Vejamos exemplos de teoremas-em-accedilatildeo Consideremos a seguinte situaccedilatildeo proposta a alunos de 13 anos (1994 p 49) O consumo de farinha eacute em meacutedia 35 kg por semana para dez pessoas Qual a quantidade de farinha necessaacuteria para cinquumlenta pessoas durante 28 dias Resposta de um aluno 5 vezes mais pessoas 4 vezes mais dias 20 vezes mais farinha logo 35 x 20 = 70 kg

Eacute impossiacutevel segundo Vergnaud (ibid) dar conta desse raciociacutenio sem supor o seguinte teorema impliacutecito na cabeccedila do aluno f(n1x1 n2x2) = n1n2 f(x1x2) ou seja Consumo (5 x 10 4 x 7) = 5 x 4 Consumo (10 7)

Naturalmente este teorema funciona porque as razotildees de 50 pessoas para 10 pessoas e 28 dias para 7 dias satildeo simples e evidentes Ele natildeo seria tatildeo facilmente aplicado a outros valores numeacutericos Portanto seu escopo de aplicaccedilatildeo eacute limitado Ainda assim eacute um teorema que pode ser expresso por exemplo em palavras O consumo eacute proporcional ao nuacutemero de pessoas quando o nuacutemero de dias eacute mantido constante e eacute proporcional ao nuacutemero de dias quando o nuacutemero de pessoas eacute mantido constante Pode tambeacutem ser expresso pela foacutermula C = kPD onde C eacute o consumo P o nuacutemero de pessoas D o nuacutemero de dias e k o consumo por pessoa por dia

Eacute claro que essas diferentes maneiras de expressar o mesmo raciociacutenio natildeo satildeo cognitivamente equivalentes A segunda eacute mais difiacutecil Satildeo maneiras complementares de explicitar a mesma estrutura matemaacutetica impliacutecita em diferentes niacuteveis de abstraccedilatildeo

Suponhamos agora outras situaccedilotildees (1998 p 174)

A Janete tinha 7 bolinhas de gude Ela jogou e ganhou 5 bolinhas Quantas bolinhas ela tem agora B Paulo tinha 12 bolinhas de gude Ele jogou e perdeu 5 bolinhas Quantas bolinhas ele tem agora C Hans tinha 9 bolinhas de gude Ele jogou com Rute Ele tem agora 14 bolinhas de gude O que aconteceu no jogo D Rute jogou bolinhas de gude com Hans e perdeu 5 bolinhas Ela agora tem 7 bolinhas de gude Quantas ela tinha antes de jogar Haacute vaacuterios conceitos-em-accedilatildeo distintos impliacutecitos na compreensatildeo dessas situaccedilotildees nuacutemero cardinal ganho e perda aumento e diminuiccedilatildeo transformaccedilatildeo e estado estado inicial e final transformaccedilatildeo positiva e negativa adiccedilatildeo e subtraccedilatildeo

Os conceitos relevantes satildeo os mesmos para todas as situaccedilotildees mas a situaccedilatildeo D eacute bem mais difiacutecil para alunos de sete ou oito anos porque implica raciocinar para traacutes e achar o

estado inicial adicionando as 5 bolinhas perdidas ao estado final de 7 bolinhas Tal

raciociacutenio depende de um forte teorema-em-accedilatildeo (ibid) onde I eacute o estado inicial F o estado final T a transformaccedilatildeo direta e T--1 a transformaccedilatildeo inversa

Segundo Vergnaud (1994 p 54) entre os mais importantes teoremas-em-accedilatildeo desenvolvidos pelos estudantes encontram-se as propriedades isomoacuterficas da funccedilatildeo linear

e as propriedades de coeficiente constante dessa mesma funccedilatildeo

e algumas propriedades especiacuteficas de funccedilotildees bilineares como a do primeiro

exemplo

Entre os mais importantes conceitos-em-accedilatildeo desenvolvidos pelos alunos acham-se os de grandeza e magnitude valor unitaacuterio razatildeo e fraccedilatildeo funccedilatildeo e variaacutevel taxa constante dependecircncia e independecircncia quociente e produto de dimensotildees

Haacute uma relaccedilatildeo dialeacutetica entre conceitos-em-accedilatildeo e teoremas-em-accedilatildeo uma vez que conceitos satildeo ingredientes de teoremas e teoremas satildeo propriedades que datildeo aos conceitos seus conteuacutedos Mas seria um erro confundi-los (1998 p 174) Conceitos em accedilatildeo satildeo ingredientes necessaacuterios das proposiccedilotildees Mas conceitos natildeo satildeo teoremas pois natildeo permitem derivaccedilotildees (inferecircncias ou computaccedilotildees) derivaccedilotildees requerem proposiccedilotildees Proposiccedilotildees podem ser verdadeiras ou falsas conceitos podem ser apenas relevantes ou irrelevantes Ainda assim natildeo existem proposiccedilotildees sem conceitos (1994 p 55)

Reciprocamente natildeo haacute conceitos sem proposiccedilotildees pois eacute a necessidade de derivar accedilotildees das representaccedilotildees do mundo e de ter concepccedilotildees verdadeiras (ou pelo menos adequadas) do mundo que tornam necessaacuterios os conceitos Um modelo computaacutevel do conhecimento intuitivo deve compreender conceitos-em-accedilatildeo e teoremas-em-accedilatildeo como ingredientes essenciais dos esquemas Esquemas satildeo fundamentais porque geram accedilotildees incluindo operaccedilotildees intelectuais mas podem geraacute-las porque contecircm invariantes operatoacuterios (teoremas e conceitos-em-accedilatildeo) que formam o nuacutecleo da representaccedilatildeo

Por outro lado um conceito-em-accedilatildeo natildeo eacute um verdadeiro conceito cientiacutefico nem um teorema-em-accedilatildeo eacute um verdadeiro teorema a menos que se tornem expliacutecitos Na ciecircncia conceitos e teoremas satildeo expliacutecitos e pode-se discutir sua pertinecircncia e sua veracidade mas esse natildeo eacute necessariamente o caso dos invariantes operatoacuterios (1990 p 144) Conceitos e

teoremas expliacutecitos natildeo constituem mais do que a parte visiacutevel do iceberg da conceitualizaccedilatildeo sem a parte escondida formada pelos invariantes operatoacuterios essa parte visiacutevel natildeo seria nada Reciprocamente natildeo se pode falar de invariantes operatoacuterios integrados nos esquemas sem a ajuda de categorias do conhecimento expliacutecito proposiccedilotildees funccedilotildees proposicionais objetos argumentos (ibid)

Mas conceitos-em-accedilatildeo e teoremas-em-accedilatildeo podem progressivamente tornarem-se verdadeiros conceitos e teoremas cientiacuteficos O status do conhecimento eacute muito diferente quando ele eacute explicitado ao inveacutes de ficar totalmente imerso na accedilatildeo O conhecimento expliacutecito pode ser comunicado a outros e discutido o conhecimento impliacutecito natildeo (1998 p 175)

Em geral os alunos natildeo satildeo capazes de explicar ou mesmo expressar em linguagem natural seus teoremas e conceitos-em-accedilatildeo Na abordagem de uma situaccedilatildeo os dados a serem trabalhados e a sequumlecircncia de caacutelculos a serem feitos dependem de teoremas-em-accedilatildeo e da identificaccedilatildeo de diferentes tipos de elementos pertinentes A maioria desses conceitos e teoremas-em-accedilatildeo permanecem totalmente impliacutecitos mas eles podem tambeacutem ser expliacutecitos ou tornarem-se expliacutecitos e aiacute entra o ensino ajudar o aluno a construir conceitos e teoremas expliacutecitos e cientificamente aceitos a partir do conhecimento impliacutecito Eacute nesse sentido que conceitos-em-accedilatildeo e teoremas-em-accedilatildeo podem progressivamente tornarem-se verdadeiros conceitos e teoremas cientiacuteficos mas isso pode levar muito tempo

A teoria dos campos conceituais um resumo

A teoria dos campos conceituais de Geacuterard Vergnaud eacute uma teoria psicoloacutegica cognitivista que supotildee que o nuacutecleo do desenvolvimento cognitivo eacute a conceitualizaccedilatildeo do real (1996a p 118) Eacute uma teoria psicoloacutegica de conceitos na qual a conceitualizaccedilatildeo eacute considerada a pedra angular da cogniccedilatildeo (1998 p 173) Para Vergnaud o conhecimento estaacute organizado em campos conceituais cujo domiacutenio de parte do aprendiz ocorre ao longo de um largo periacuteodo de tempo atraveacutes de experiecircncia maturidade e aprendizagem (1982 p 40) Campo conceitual eacute um conjunto informal e heterogecircneo de problemas situaccedilotildees conceitos relaccedilotildees estruturas conteuacutedos e operaccedilotildees de pensamento conectados uns aos outros e provavelmente entrelaccedilados durante o processo de aquisiccedilatildeo (ibid) Campo conceitual eacute definido tambeacutem como sendo em primeiro lugar um conjunto de situaccedilotildees cujo domiacutenio requer por sua vez o domiacutenio de vaacuterios conceitos procedimentos e representaccedilotildees de naturezas distintas (1988 p 141 1990 p 146) Conceitos satildeo definidos por trecircs conjuntos o primeiro eacute um conjunto de situaccedilotildees que constituem o referente do conceito o segundo eacute um conjunto de invariantes operatoacuterios (teoremas e conceitos-em-accedilatildeo) que datildeo o significado do conceito e o terceiro eacute um conjunto de representaccedilotildees simboacutelicas que compotildeem seu significante

Como satildeo as situaccedilotildees que datildeo sentido aos conceitos eacute natural definir campo conceitual como sendo sobretudo um conjunto de situaccedilotildees Um conceito torna-se significativo atraveacutes de uma variedade de situaccedilotildees (1994 p 46) mas o sentido natildeo estaacute nas situaccedilotildees em si mesmas assim como natildeo estaacute nas palavras nem nos siacutembolos (1990 p 158) O sentido eacute uma relaccedilatildeo do sujeito com situaccedilotildees e significantes Mais precisamente satildeo os

esquemas ie as accedilotildees e sua organizaccedilatildeo evocados no sujeito por uma situaccedilatildeo ou por um significante que constituem o sentido dessa situaccedilatildeo ou desse significante para esse indiviacuteduo (1990 p 158 1993 p 18) Vergnaud considera que os esquemas necessariamente se referem a situaccedilotildees a tal ponto que dever-se-ia falar em interaccedilatildeo esquema-situaccedilatildeo ao inveacutes de interaccedilatildeo sujeito-objeto Esquemas tecircm como ingredientes essenciais aquilo que Vergnaud chama de invariantes operatoacuterios ie conceitos-em-accedilatildeo e teoremas-em-accedilatildeo que constituem a parte conceitual dos esquemas ie os conhecimentos contidos nos esquemas Teorema-em-accedilatildeo eacute uma proposiccedilatildeo considerada como verdadeira sobre o real conceito-em-accedilatildeo eacute uma categoria de pensamento tida como pertinente (1996c p 202) Esse conhecimento eacute principalmente impliacutecito e o aprendiz tem dificuldades em explicaacute-lo ou expressaacute-lo mas isso natildeo significa que tal conhecimento natildeo possa ser explicitado Eacute atraveacutes do processo de explicitaccedilatildeo do conhecimento impliacutecito ndash aiacute o professor tem um papel mediador fundamental ndash que os teoremas-em-accedilatildeo e conceitos-em-accedilatildeo podem tornar-se verdadeiros teoremas e conceitos cientiacuteficos Uma proposiccedilatildeo expliacutecita pode ser debatida uma proposiccedilatildeo tida como verdadeira de maneira totalmente impliacutecita natildeo Assim o caraacuteter do conhecimento muda se for comunicaacutevel debatido e compartilhado (op cit p 204)

A figura 1 apresenta um mapa conceitual para a teoria de Vergnaud ou seja um diagrama conceitual destacando os conceitos-chave da teoria e suas principais interrelaccedilotildees As palavras que aparecem sobre as linhas conectando os conceitos procuram explicitar a natureza da relaccedilatildeo entre elas Por exemplo a relaccedilatildeo entre situaccedilotildees e conceitos eacute referente pois as situaccedilotildees eacute que datildeo sentido ao conceito ie constituem o referente do conceito Outro exemplo a interaccedilatildeo entre situaccedilotildees e esquemas eacute a fonte primaacuteria das representaccedilotildees simboacutelicas e estas constituem o significante de um conceito As setas quando existem sugerem apenas uma direccedilatildeo para leitura

Ao mesmo tempo que se afasta de Piaget ndash ocupando-se do estudo do funcionamento cognitivo do sujeito-em-situaccedilatildeo ao inveacutes de ocupar-se de operaccedilotildees loacutegicas gerais ou de estruturas gerais de pensamento e tomando como referecircncia o proacuteprio conteuacutedo do conhecimento e a anaacutelise conceitual do domiacutenio desse conhecimento (1994 p 41 Franchi 1999 p 160) ndash a teoria de Vergnaud tem forte base piagetiana que se manifesta principalmente no importante papel que o conceito de esquema tem nessa teoria Por outro lado tem tambeacutem influecircncia vygotskyana pois considera o professor como importante mediador no longo processo que caracteriza o progressivo domiacutenio de um campo conceitual pelo aluno Sua tarefa consiste principalmente em ajudar o aluno a desenvolver seu repertoacuterio de esquemas e representaccedilotildees Novos esquemas natildeo podem ser desenvolvidos sem novos invariantes operatoacuterios A linguagem e os siacutembolos satildeo importantes nesse processo de acomodaccedilatildeo e o professor faz amplo uso deles na sua funccedilatildeo mediadora Mas o principal ato mediador do professor eacute o de prover situaccedilotildees frutiacuteferas aos alunos (1998 p 181) Um conceito ou uma proposiccedilatildeo torna-se significativo atraveacutes de uma variedade de situaccedilotildees mas natildeo se capta o significado sozinho O papel mediador do professor eacute essencial (1994 p 44)

A teoria dos campos conceituais o ensino de ciecircncias e a pesquisa nessa aacuterea

Basta dar atenccedilatildeo agrave bibliografia usada neste trabalho para perceber que a teoria de Vergnaud tem sido utilizada principalmente como referencial para a educaccedilatildeo matemaacutetica Nada mais natural pois as pesquisas de Vergnaud e que sustentam sua teoria tecircm focalizado a aprendizagem e o ensino da Matemaacutetica particularmente das estruturas aditivas e multiplicativas Natildeo obstante como foi dito na introduccedilatildeo essa teoria natildeo eacute especiacutefica da Matemaacutetica e justamente por isso este texto tem por objetivo descrevecirc-la e divulgaacute-la entre professores de ciecircncias e pesquisadores em educaccedilatildeo em ciecircncias

Nas proacuteximas seccedilotildees seratildeo comentadas algumas implicaccedilotildees da teoria dos campos conceituais de Vergnaud para o ensino de ciecircncias e para a pesquisa nesse campo

Conhecimento PreacutevioAprendizagem significativa

A teoria dos campos conceituais destaca que a aquisiccedilatildeo de conhecimento eacute moldada pelas situaccedilotildees e problemas previamente dominados e que esse conhecimento tem portanto muitas caracteriacutesticas contextuais Assim muitas de nossas concepccedilotildees vecircm das primeiras situaccedilotildees que fomos capazes de dominar ou de nossa experiecircncia tentando modificaacute-las (1996 a p 117) No entanto existe provavelmente uma lacuna consideraacutevel entre os invariantes que os sujeitos constroacuteem ao interagir com o meio e os invariantes que constituem o conhecimento cientiacutefico

As concepccedilotildees preacutevias dos alunos tecircm sido consideradas como erros misconceptionsconcepccedilotildees ingecircnuas concepccedilotildees alternativa em relaccedilatildeo agraves concepccedilotildees cientiacuteficas Para Vergnaud (1990 p 69) esta maneira de conceber o conhecimento preacutevio supotildee a crianccedila o aluno ou o adulto aprendiz como incompletos imperfeitos ou deficientes em comparaccedilatildeo a adultos especialistas Essa abordagem segundo ele eacute inadequada agraves questotildees de desenvolvimento cognitivo aiacute envolvidas Seria muito mais frutiacutefero considerar o sujeito como um sistema dinacircmico com mecanismos regulatoacuterios capazes de assegurar seu progresso cognitivo

Muitas das concepccedilotildees errocircneas dos alunos derivam do fato de que eles atribuem a certas palavras usadas em ciecircncias para representar conceitos o mesmo significado que atribuem a essas mesmas palavras no dia-a-dia Inclusive de uma ciecircncia para outra os significados de uma mesma palavra podem ser distintos mas o aluno pode natildeo captaacute-los como distintos

As prediccedilotildees que os estudantes fazem para responder questotildees do tipo ldquoO que aconteceraacute se rdquo ou as explicaccedilotildees que datildeo para responder questotildees do tipo ldquoexpliquerdquo ldquointerpreterdquo ldquojustifiquerdquo tecircm segundo Vergnaud (ibid p 73) alguns pontos em comum Por exemplo focalizam caracteriacutesticas perceptivas e relacionadas a eventos da situaccedilatildeo accedilotildees movimentos mudanccedila no aspecto (cor aparecimento de bolhas fumaccedila vapor etc) descrevem os elementos da situaccedilatildeo apenas em termos de suas propriedades e funccedilotildees concebem de maneira assimeacutetrica as interaccedilotildees entre elementos da situaccedilatildeo implicam sequumlenciaccedilatildeo temporal e espacial Estes modos de compreensatildeo que satildeo essencialmente

do tipo ldquorelacionado a eventordquo diferentemente do tipo ldquoconceitualrdquo usado no campo das ciecircncias satildeo inadequados e frequumlentemente levam a previsotildees errocircneas

A persistecircncia das chamadas concepccedilotildees alternativas inclusive em estudantes em cursos cientiacuteficos avanccedilados tecircm recebido vaacuterias interpretaccedilotildees poreacutem Vergnaud argumenta (ibid p 74) que em praticamente todas elas o sistema de percepccedilatildeo visual tem um papel preponderante na construccedilatildeo do conhecimento pelos sujeitos mas pouca atenccedilatildeo tem sido dada ao papel funcional dessas concepccedilotildees e poucas pesquisas tecircm sido feitas sobre os problemas que os sujeitos encontram para construiacute-las Por exemplo os ldquoerrosrdquo encontrados em alguns estudos frequumlentemente decorrem de fato de que os sujeitos se deparam com questotildees que nunca se propuseram antes ou que envolvem valores natildeo usuais das variaacuteveis de uma dada situaccedilatildeo Outro exemplo de dificuldade enfrentada pelos sujeitos estaacute no fato de que os modelos cientiacuteficos fazem uso de entidades que geralmente natildeo satildeo acessiacuteveis sensorialmente Em Fiacutesica por exemplo os estudantes enfrentam uma dificuldade que tambeacutem existe na Aacutelgebra a verificaccedilatildeo do significado de representaccedilotildees simboacutelicas depende natildeo soacute da habilidade que o sujeito tenha para representar as entidades e as relaccedilotildees entre elas mas principalmente de elementos conceituais que devem ser levados em conta (conceitos como sistema estado interaccedilatildeo transferecircncia conservaccedilatildeo apenas para mencionar alguns) (ibid p 76)

O que tudo isso quer dizer eacute que eacute normal que os alunos apresentem tais concepccedilotildees e que elas devem ser consideradas como precursoras de conceitos cientiacuteficos a serem adquiridos A ativaccedilatildeo desses precursores eacute necessaacuteria e deve ser guiada pelo professor

As concepccedilotildees preacutevias dos alunos contecircm teoremas e conceitos-em-accedilatildeo que natildeo satildeo verdadeiros teoremas e conceitos cientiacuteficos mas que podem evoluir para eles Poreacutem como jaacute foi dito o hiato entre os invariantes operatoacuterios dos alunos e os do conhecimento cientiacutefico eacute grande de modo que a mudanccedila conceitual poderaacute levar muito tempo

Por outro lado pode ocorrer que certos conceitos possam ser construiacutedos somente se certas concepccedilotildees preacutevias forem abandonadas Quer dizer o conhecimento preacutevio pode funcionar como obstaacuteculo epistemoloacutegico (ibid p 83) Nesse caso a accedilatildeo mediadora do professor eacute tambeacutem imprescindiacutevel

A construccedilatildeo do conhecimento pelo aprendiz natildeo eacute um processo linear facilmente identificaacutevel Ao contraacuterio eacute complexo tortuoso demorado com avanccedilos e retrocessos continuidades e rupturas O conhecimento preacutevio eacute determinante no progressivo domiacutenio de um campo conceitual mas pode tambeacutem em alguns casos ser impeditivo Continuidades e rupturas natildeo satildeo no entanto excludentes Pode haver continuidade e ruptura A Aacutelgebra por exemplo se apoacuteia na Aritmeacutetica mas ainda assim para aprendecirc-la eacute necessaacuterio romper com a Aritmeacutetica A Mecacircnica Claacutessica e a Mecacircnica Quacircntica apresentam continuidades mas para aprender esta eacute preciso rupturas com aquela

No ensino eacute necessaacuterio desestabilizar cognitivamente o aluno mas natildeo demais Eacute preciso identificar sobre quais conhecimentos preacutevios a crianccedila pode se apoiar para aprender mas eacute forccediloso tambeacutem distinguir quais as rupturas necessaacuterias Quer dizer eacute preciso propor

tambeacutem com cuidado situaccedilotildees para as quais os alunos natildeo tecircm onde se apoiar ou natildeo devem se apoiar em conhecimentos preacutevios

As ideacuteias de Vergnaud sobre o papel do conhecimento preacutevio (que pode ser ldquoalternativordquo) como percursor de novos conhecimentos (que podem ser cientiacuteficos) e sobre as continuidades e rupturas na construccedilatildeo do conhecimento parecem ter muito a ver com a teoria da aprendizagem significativa de Ausubel (Ausubel et al 1980 Moreira 1999 a e b) Para Ausubel o conhecimento preacutevio eacute o principal fator isolado que influencia a aquisiccedilatildeo de novos conhecimentos A aprendizagem significativa se caracteriza pela interaccedilatildeo entre o novo conhecimento e o conhecimento preacutevio Eacute nessa interaccedilatildeo que o novo conhecimento adquire significados e o conhecimento preacutevio se modifica eou adquire novos significados Mas tal interaccedilatildeo natildeo eacute arbitraacuteria ou seja o novo conhecimento adquire significados pela interaccedilatildeo com conhecimentos preacutevios especificamente relevantes Em outras palavras a interaccedilatildeo natildeo eacute com qualquer conhecimento preacutevio Nesse sentido no ensino eacute preciso identificar sobre quais conhecimentos preacutevios o aluno pode se apoiar para aprender Contudo o efeito do conhecimento preacutevio na aprendizagem eacute tatildeo forte que em certos casos eacute preciso romper com ele Por exemplo no ensino do conceito de aprendizagem significativa pode natildeo ser adequado apoiar-se na ideacuteia de interaccedilatildeo pois esta pode estar fortemente arraigada na estrutura cognitiva como sendo uma relaccedilatildeo assimeacutetrica que poderia dificultar a compreensatildeo do fato de que na aprendizagem significativa tanto o novo conhecimento como o conhecimento preacutevio se modificam Por outro lado a compreensatildeo da aprendizagem significativa como uma relaccedilatildeo simeacutetrica ou de accedilatildeo reciacuteproca juntamente com a aprendizagem de outros processos envolvendo accedilatildeo reciacuteproca poderia levar a uma evoluccedilatildeo dos conceitos e teoremas-em-accedilatildeo associados agrave ideacuteia de interaccedilatildeo (que eacute uma ideacuteia-chave na ciecircncia) para outros progressivamente mais proacuteximos daqueles cientificamente compartilhados

Mas se a teoria dos campos conceituais eacute compatiacutevel com a teoria da aprendizagem significativa por que natildeo ficar com esta que eacute bastante mais conhecida e aceita no ensino de ciecircncias A resposta eacute que podem ser tomadas como complementares a teoria de Ausubel eacute uma teoria de aprendizagem em sala de aula de aquisiccedilatildeo de corpos organizados de conhecimento em situaccedilatildeo formal de ensino enquanto que a teoria de Vergnaud eacute uma teoria psicoloacutegica do processo de conceituaccedilatildeo do real que se propotildee a localizar e estudar continuidades e rupturas entre conhecimentos do ponto de vista de seu conteuacutedo conceitual A teoria de Vergnaud natildeo eacute uma teoria de ensino de conceitos expliacutecitos e formalizados embora tenha subjacente a ideacuteia de que os conhecimentos-em-accedilatildeo (largamente impliacutecitos) podem evoluir ao longo do tempo para conhecimentos cientiacuteficos (expliacutecitos) A teoria de Ausubel por outro lado se ocupa exatamente da aquisiccedilatildeo de conceitos expliacutecitos e formalizados chegando inclusive a propor princiacutepios programaacuteticos ndash como a diferenciaccedilatildeo progressiva a reconciliaccedilatildeo integradora e a consolidaccedilatildeo ndash para a organizaccedilatildeo do ensino

Ao resgatar e enriquecer o conceito de esquema introduzindo os conceitos de teorema-em-accedilatildeo e conceito-em-accedilatildeo ao definir conceito como um tripleto ao colocar a conceitualizaccedilatildeo no acircmago do desenvolvimento cognitivo ao priorizar a interaccedilatildeo sujeito-situaccedilatildeo e como natildeo poderia deixar de ser ao definir campo conceitual Vergnaud provecirc um referencial muito rico para compreender explicar e investigar o processo da

aprendizagem significativa A teoria dos campos conceituais de Vergnaud parece prover um referencial adequado para analisar a estrutura fina da teoria da aprendizagem significativa de Ausubel O que para Ausubel satildeo campos organizados de conhecimento para Vergnaud satildeo campos conceituais

ProfessorEnsino

Um determinado campo conceitual como o da Eletricidade por exemplo pode ser progressivamente dominado por um aprendiz mas o ensino atraveacutes da accedilatildeo mediadora do professor eacute essencial para isso Professores satildeo mediadores Sua tarefa eacute a de ajudar os alunos a desenvolver seu repertoacuterio de esquemas e representaccedilotildees (1998 p 180) Desenvolvendo novos esquemas os alunos tornam-se capazes de enfrentar situaccedilotildees cada vez mais complexas Novos esquemas natildeo podem ser desenvolvidos sem novos invariantes operacionais A linguagem e os siacutembolos satildeo importantes nesse processo Os professores usam palavras e sentenccedilas para explicar formular questotildees selecionar informaccedilotildees propor metas expectativas regras e planos Contudo sua accedilatildeo mediadora mais importante eacute a de prover situaccedilotildees (de aprendizagem) frutiacuteferas para os estudantes (ibid) Tais situaccedilotildees devem ser cuidadosamente escolhidas ordenadas diversificadas apresentadas no momento certo e dentro da zona de desenvolvimento proximal do aluno Sem duacutevida uma tarefa difiacutecil mas essencial

Para Vergnaud o desenvolvimento cognitivo depende de situaccedilotildees e conceitualizaccedilotildees especiacuteficas para lidar com elas Satildeo as situaccedilotildees que datildeo sentido aos conceitos elas eacute que satildeo responsaacuteveis pelo sentido atribuiacutedo ao conceito (Barais amp Vergnaud 1990 p 78) um conceito torna-se significativo atraveacutes de uma variedade de situaccedilotildees (1994 p 46) mas o sentido natildeo estaacute nas situaccedilotildees em si mesmas assim como natildeo estaacute nas palavras nem nos siacutembolos (1990 p 158)

Cabe aqui lembrar que embora estejamos falando do ensino e do papel do professor na perspectiva de Vergnaud as situaccedilotildees antes referidas natildeo satildeo situaccedilotildees didaacuteticas propriamente ditas mas sim tarefas problemas

O papel do professor como mediador provedor de situaccedilotildees problemaacuteticas frutiacuteferas estimuladoras da interaccedilatildeo sujeito-situaccedilatildeo que leva agrave ampliaccedilatildeo e agrave diversificaccedilatildeo de seus esquemas de accedilatildeo ou seja ao desenvolvimento cognitivo deixa ainda mais evidente que a teoria de Vergnaud tem tambeacutem forte influecircncia vigotskyana

Haacute no entanto outra importante implicaccedilatildeo da teoria dos campos conceituais para o ensino a questatildeo do conhecimento impliacutecito e do conhecimento expliacutecito A escola segundo Vergnaud (1994 p 47) superestima o conhecimento expliacutecito e subestima ateacute mesmo desvaloriza o conhecimento impliacutecito dos alunos Contudo a maior parte de nossa atividade fiacutesica e mental de nosso comportamento enfim eacute constituiacuteda de esquemas e estes tecircm como componentes essenciais os invariantes operatoacuterios (conceitos e teoremas-em-accedilatildeo) que constituem os conhecimentos contidos nos esquemas e que satildeo largamente impliacutecitos Quer dizer haacute muito de impliacutecito nos esquemas Os alunos em geral natildeo satildeo capazes de explicar ou expressar em linguagem natural seus teoremas-em-accedilatildeo ainda que

sejam capazes de resolver certas tarefas (situaccedilotildees) Natildeo soacute alunos qualquer pessoa muitas vezes eacute incapaz de colocar em palavras coisas que faz muito bem conhecimentos que tem Haacute um hiato entre a accedilatildeo e a formalizaccedilatildeo da accedilatildeo Agimos com o auxiacutelio de invariantes operatoacuterios sem expressaacute-los ou sem sermos capazes de expressaacute-los A anaacutelise cognitiva dessas accedilotildees muitas vezes revela a existecircncia de potentes teoremas e conceitos-em-accedilatildeo impliacutecitos Esse conhecimento no entanto natildeo pode ser apropriadamente chamado de conceitual pois o conhecimento conceitual eacute necessariamente expliacutecito (Vergnaud et al 1990 p 20) Portanto palavras e outros siacutembolos sentenccedilas e outras expressotildees simboacutelicas satildeo instrumentos cognitivos indispensaacuteveis para a transformaccedilatildeo de invariantes operatoacuterios impliacutecitos em conceitos e teoremas cientiacuteficos expliacutecitos (ibid) Quer dizer a formalizaccedilatildeo ndash o ensino direcionado agrave formalizaccedilatildeo ndash eacute necessaacuteria poreacutem eacute preciso levar em conta que as ideacuteias cientiacuteficas evoluem no aluno durante um longo periacuteodo de desenvolvimento cognitivo atraveacutes de uma variedade de situaccedilotildees e atividades e que qualquer conhecimento formal e axiomatizado que o aluno apresenta pode natildeo ser mais do que a parte visiacutevel de um iceberg formado basicamente por conhecimentos impliacutecitos (op cit p 21) O ensino de ciecircncias natildeo pode deixar de lado a simbolizaccedilatildeo e a formalizaccedilatildeo porque a ciecircncia eacute simboacutelica formal e expliacutecita mas eacute preciso ter sempre em mente que o conhecimento do aluno como de qualquer outro sujeito eacute em grande parte impliacutecito O ensino de ciecircncias deve facilitar a transformaccedilatildeo do conhecimento impliacutecito em expliacutecito sem nunca subestimaacute-lo ou desvalorizaacute-lo A trajetoacuteria do aprendiz ao longo de um campo conceitual cientiacutefico eacute sinuosa difusa difiacutecil e sobretudo demorada Natildeo se pode esperar que um aluno domine um campo conceitual como o da Termodinacircmica por exemplo atraveacutes de uma ou duas unidades didaacuteticas desenvolvidas ao longo de dois ou trecircs meses Eacute normal que o aluno continue usando conhecimentos impliacutecitos ao mesmo tempo que vai se apropriando dos conhecimentos expliacutecitos da ciecircncia A perspectiva dos campos conceituais eacute progressiva natildeo substitutiva Ou seja o campo conceitual vai sendo progressivamente dominado pelo aprendiz o conhecimento impliacutecito vai evoluindo progressivamente para o expliacutecito ao inveacutes de ser substituiacutedo por ele Isso como alerta Vergnaud pode levar muito tempo muitos anos talvez mas o ensino e em uacuteltima anaacutelise o professor tecircm um papel essencial nesse processo Sem o ensino natildeo haacute razatildeo nenhuma para se acreditar que o sujeito passe a dominar campos conceituais complexos e formalizados como os cientiacuteficos

Resoluccedilatildeo de Problemas

O ensino de ciecircncias tradicionalmente envolve trecircs aspectos principais profundamente interrelacionados o conhecimento teoacuterico (conceitos leis princiacutepios equaccedilotildees) as praacuteticas de laboratoacuterio (experimentos demonstraccedilotildees procedimentos cientiacuteficos) e a resoluccedilatildeo de problemas (abertos fechados como investigaccedilatildeo de papel e laacutepis) Obviamente qualquer professor experiente sabe que essa distinccedilatildeo eacute artificial o conhecimento cientiacutefico eacute produzido atraveacutes da interaccedilatildeo entre o domiacutenio conceitual e o metodoloacutegico Poreacutem na perspectiva de Vergnaud esta interdependecircncia entre a teoria e a praacutetica fica muito clara

Como jaacute foi dito reiteradamente ao longo deste texto satildeo as situaccedilotildees[1] que datildeo sentido aos conceitos um conceito torna-se significativo atraveacutes de uma variedade de situaccedilotildees os conhecimentos dos alunos satildeo moldados pelas situaccedilotildees que encontram e

progressivamente dominam Embora o conceito de situaccedilatildeo tenha na teoria dos campos conceituais o significado de tarefa podemos supor que no acircmbito das ciecircncias situaccedilatildeo significa tambeacutem problema Ou podemos falar em situaccedilotildees e problemas como faz o proacuteprio Vergnaud ao dizer que ldquoa aquisiccedilatildeo de conhecimento eacute moldada pelas situaccedilotildees e problemas previamente dominados e portanto o conhecimento do sujeito tem muitos aspectos locaisrdquo (1994 p 42) Em outro trabalho bastante anterior a esse Vergnaud diz que ldquona verdade os conceitos se desenvolvem atraveacutes da resoluccedilatildeo de problemas e esse desenvolvimento eacute lentordquo (1983b p 172)

Isso significa que a resoluccedilatildeo de problemas ou as situaccedilotildees de resoluccedilatildeo de problemas satildeo essenciais para a conceitualizaccedilatildeo mas como chama atenccedilatildeo Vergnaud (1994 p 42) ldquoum problema natildeo eacute um problema para um indiviacuteduo a menos que ele ou ela tenha conceitos que oa tornem capaz de consideraacute-lo como um problema para si mesmordquo Ou seja haacute uma relaccedilatildeo dialeacutetica e ciacuteclica entre a conceitualizaccedilatildeo e a resoluccedilatildeo de problemas Para Vergnaud a problematizaccedilatildeo vai muito aleacutem da abstraccedilatildeo de regularidades do mundo observaacutevel Problemas satildeo teoacutericos e praacuteticos natildeo meramente empiacutericos mesmo para crianccedilas pequenas Quando uma classe de problemas eacute resolvida por um indiviacuteduo (o que significa que ela ou ele desenvolve um esquema eficiente para lidar com todos ou quase todos os problemas dessa classe) o caraacuteter problemaacutetico dessa classe especiacutefica desaparece (ibid) Mas essa competecircncia desenvolvida pelo indiviacuteduo o habilita a reconhecer ou considerar novos problemas para si mesmo trata-se entatildeo de um processo ciacuteclico

Vergnaud chama de ldquoilusatildeo pedagoacutegicardquo (1983 b p 173) a atitude dos professores que crecircem que o ensino de Fiacutesica digamos consiste na apresentaccedilatildeo organizada clara rigorosa das teorias formais e que quando isso eacute bem feito os alunos aprendem Trata-se de uma ilusatildeo porque segundo ele eacute atraveacutes de situaccedilotildees de resoluccedilatildeo de problemas que os conceitos se desenvolvem no aluno e as situaccedilotildees de resoluccedilatildeo de problemas que tornam os conceitos significativos para os alunos podem estar pelo menos inicialmente muito distantes do formalismo apresentado pelo professor Mas apesar disso tais situaccedilotildees satildeo essenciais para o desenvolvimento de conceitos Quer dizer ao mesmo tempo que as situaccedilotildees formais satildeo necessaacuterias eacute preciso levar em consideraccedilatildeo que o aluno pode estar ainda muito longe delas (1983 b p 172)

Novamente podemos estabelecer um certo paralelo entre as teorias de Ausubel e Vergnaud A aprendizagem receptiva de Ausubel poderia ser interpretada como a ilusatildeo pedagoacutegica de Vergnaud mas natildeo eacute assim Ausubel certamente defenderia a apresentaccedilatildeo organizada clara rigorosa das teoria formais poreacutem desde que fossem potencialmente significativas o que implicaria que o aprendiz tivesse o conhecimento preacutevio adequado e se dispusesse a aprender Isso estaria de acordo com a postura de Vergnaud no sentido de que o domiacutenio de situaccedilotildees preacutevias eacute importante para o domiacutenio de situaccedilotildees novas Acrescente-se a isso que para Ausubel a resoluccedilatildeo de problemas em particular de situaccedilotildees problemaacuteticas novas e natildeo familiares que requeiram maacutexima transformaccedilatildeo do conhecimento adquirido eacute a principal evidecircncia da aprendizagem significativa (Ausubel et al 1980)

A teoria de Vergnaud parece ser entatildeo um bom referencial para anaacutelise das dificuldades dos alunos na resoluccedilatildeo de problemas em ciecircncias e consequumlentemente da conceitualizaccedilatildeo em ciecircncias Tais dificuldades poderiam por exemplo ser examinadas em

termos de invariantes operatoacuterios quer dizer em termos de quais os conceitos e teoremas-em-accedilatildeo que os estudantes estariam usando na resoluccedilatildeo de problemas e de quatildeo distantes estariam dos conceitos e teoremas cientiacuteficos adequados agrave resoluccedilatildeo do problema em pauta

Representaccedilotildees[2]

No tripleto C (S I R) que define conceito (p 4 deste trabalho) Vergnaud dizia que S (o conjunto de situaccedilotildees que datildeo sentido ao conceito) eacute a realidade e (I R) a representaccedilatildeo dessa realidade que pode ser considerada como dois aspectos interagentes do pensamento o significado (I) e o significante (R)

Isso sugere que inicialmente Vergnaud usava o termo representaccedilatildeo como sendo o de um sistema simboacutelico que significaria algo para o sujeito um sistema de signos e uma sintaxe ou operaccedilotildees sobre elementos do sistema Para ele conceitos e siacutembolos eram duas faces da mesma moeda e devia-se sempre dar atenccedilatildeo ao uso que os alunos faziam dos siacutembolos agrave luz do uso que faziam dos conceitos Quer dizer a habilidade em resolver situaccedilotildees em linguagem natural seria o melhor criteacuterio para aquisiccedilatildeo de conceitos mas por outro lado a simbolizaccedilatildeo ajudaria nisso (1982 p 57) Assim como haacute problemas mais facilmente resolviacuteveis do que outros ou procedimentos mais faacuteceis do que outros haveria representaccedilotildees simboacutelicas mais potentes do que outras equaccedilotildees por exemplo seriam mais potentes que diagramas de Euler-Venn Todavia tais equaccedilotildees deveriam representar situaccedilotildees significativas

Poreacutem em outro trabalho mais recente (1998 p 173) Vergnaud fala em teorias de representaccedilotildees e diz que para ser uacutetil uma teoria dessas deve conter a ideacuteia de que as representaccedilotildees ofereccedilam possibilidades de inferecircncia ie que elas nos tornem capazes de antecipar eventos futuros e gerar condutas para chegar a algum efeito positivo ou evitar algum efeito negativo

Diz ele (op cit p 174) que temos representaccedilotildees computaacuteveis para gestos e accedilotildees sobre o mundo fiacutesico bem como para comportamentos verbais e para interaccedilotildees sociais Tais representaccedilotildees podem ser corretas ou erradas vagas ou precisas expliacutecitas ou totalmente impliacutecitas em qualquer caso elas funcionam como substitutos computaacuteveis da realidade e portanto satildeo feitas de teoremas-em-accedilatildeo proposiccedilotildees tidas como verdadeiras

A construccedilatildeo do conhecimento consiste entatildeo na progressiva construccedilatildeo de representaccedilotildees mentais que satildeo homomoacuterficas agrave realidade para alguns aspectos e para outros natildeo (1990 p 22) Por um lado a representaccedilatildeo eacute ativa pragmaacutetica e operacional por outro eacute discursiva teoacuterica e simboacutelica (ibid) Mas haacute importantes lacunas entre o que estaacute representado na mente de um indiviacuteduo e o significado usual das palavras e outros signos pois sistemas linguumliacutesticos e semioacuteticos natildeo tecircm por finalidade expressar exatamente o que cada indiviacuteduo tem em mente quando enfrenta uma situaccedilatildeo selecionando e processando a informaccedilatildeo (1998 p 176) Para Vergnaud a relaccedilatildeo entre situaccedilotildees e esquemas eacute a fonte primaacuteria da representaccedilatildeo mas sua teoria afasta-se muito da visatildeo de que um objeto pode ser representado mentalmente de maneira natildeo ambiacutegua atraveacutes de

siacutembolos Por maior que seja (e eacute grande) o papel dos siacutembolos no pensamento o conhecimento natildeo eacute em essecircncia simboacutelico O reconhecimento de invariantes em accedilatildeo e percepccedilatildeo e a progressiva construccedilatildeo de objetos e predicados de niacutevel mais alto satildeo aspectos mais essenciais do conhecimento (op cit p 177)

Podemos entatildeo fazer uma ponte entre os significados mais recentes de representaccedilatildeo na teoria de Vergnaud e a teoria tambeacutem recente dos modelos mentais (Johnson-Laird 1983 Moreira 1996) Dizer que temos representaccedilotildees computaacuteveis para gestos e accedilotildees sobre o mundo fiacutesico para comportamentos verbais e para interaccedilotildees sociais e que tais representaccedilotildees -- que podem ser corretas ou erradas vagas ou precisas expliacutecitas ou (principalmente) impliacutecitas -- permitem fazer inferecircncias eacute praticamente dizer que tais representaccedilotildees satildeo modelos mentais Johnson-Laird define modelos mentais como anaacutelogos estruturais de estados de coisas do mundo Satildeo instrumentos de compreensatildeo e inferecircncia Quando nos defrontamos com uma situaccedilatildeo nova construiacutemos um modelo mental para entendecirc-la descrevecirc-la e prever o que vai acontecer Este modelo pode ser correto ou natildeo (no sentido de que suas previsotildees natildeo satildeo corretas cientificamente) pode ser vago confuso incompleto mas eacute sobretudo funcional para seus construtor e pode ser modificado recursivamente ateacute atingir tal funcionalidade

Modelos mentais podem ser basicamente proposicionais ie constituiacutedos principalmente de proposiccedilotildees ou basicamente imagiacutesticos ou seja construiacutedos predominantemente com imagens ou ainda hiacutebridos quer dizer formados por proposiccedilotildees e imagens (Greca e Moreira 1997) Entatildeo as proposiccedilotildees constituintes dos modelos mentais podem ser interpretadas como teoremas-em-accedilatildeo de Vergnaud Como ele mesmo diz as representaccedilotildees funcionam como substitutos computaacuteveis da realidade e portanto satildeo feitas de teoremas-em-accedilatildeo Com o progressivo domiacutenio de um campo conceitual os teoremas-em-accedilatildeo (grandemente impliacutecitos) vatildeo se aproximando de teoremas cientiacuteficos (proposiccedilotildees expliacutecitas) Analogamente agrave medida que o sujeito adquire mais conhecimentos cientiacuteficos seus modelos mentais aproximam-se (no sentido de que permitem dar significados cientificamente aceitos) dos modelos cientiacuteficos

Pode-se assim dizer que os modelos mentais de Johnson-Laird contecircm aquilo que Vergnaud chama de teoremas-em-accedilatildeo ou seja proposiccedilotildees tidas como verdadeiras sobre o real Mas esta aparente compatibilidade entre as duas teorias pode ir aleacutem pois os conceitos-em-accedilatildeo de Vergnaud tambeacutem podem integrar modelos mentais Conceitos-em-accedilatildeo satildeo objetos predicados ou categorias de pensamento tidos como pertinentes relevantes agrave situaccedilatildeo Analogamente segundo o princiacutepio do construtivismo (Johnson-Laird 1983 p 398) um modelo mental eacute construiacutedo a partir de sinais (tokens) dispostos em uma estrutura particular para representar em certo estado de coisas (isto eacute uma certa situaccedilatildeo) Se interpretaacutessemos esses sinais (tokens) como objetos predicados ou categorias de pensamento pertinentes dir-se-ia que os modelos mentais contecircm tambeacutem conceitos-em-accedilatildeo

Contudo eacute importante natildeo confundir modelos mentais com esquemas de assimilaccedilatildeo Para Vergnaud os invariantes operatoacuterios (teoremas e conceitos-em-accedilatildeo) satildeo componentes essenciais dos esquemas e acabamos de dizer que os modelos mentais contecircm proposiccedilotildees e sinais (tokens) que podem ser interpretados como invariantes operatoacuterios mas ainda

assim modelos mentais e esquemas satildeo construtos distintos Modelo mental eacute instrumento de compreensatildeo construiacutedo no momento da compreensatildeo e descartaacutevel se for alcanccedilada (para o construtor) a funcionalidade desejada (ou seja a compreensatildeo mesmo que natildeo compartilhada cientificamente) Esquema de assimilaccedilatildeo eacute segundo Vergnaud a organizaccedilatildeo invariante do comportamento para uma determinada classe de situaccedilotildees Portanto esquemas de assimilaccedilatildeo satildeo mais estaacuteveis o sujeito constroacutei determinado esquema e o utiliza para assimilar uma certa classe de situaccedilotildees ou seja usa sempre o mesmo esquema para cada situaccedilatildeo dessa classe Mas frente a uma situaccedilatildeo nova eacute preciso acomodar ou seja construir um novo esquema de assimilaccedilatildeo e eacute exatamente aiacute que parece encaixar bem a ideacuteia de modelo mental para compreender uma nova situaccedilatildeo o sujeito constroacutei inicialmente um modelo mental (que como foi dito pode conter invariantes operatoacuterios) natildeo um esquema de assimilaccedilatildeo Na medida em que a nova situaccedilatildeo deixa de ser nova e passa a ser rotineira o modelo mental evolui para esquema de assimilaccedilatildeo quer dizer se estabiliza Mas isso natildeo quer dizer que todo modelo mental venha a se transformar em esquema de assimilaccedilatildeo Modelos mentais satildeo recursivos o que significa que vatildeo sendo construiacutedos e modificados quase que simultaneamente ateacute que se tornem funcionais quando entatildeo podem ser descartados ou talvez ldquoguardadosrdquo ateacute que se tornem esquemas de assimilaccedilatildeo Trata-se ao que parece de um bom assunto para pesquisar

Pesquisa

Como uacuteltimo toacutepico deste texto abordar-se-aacute a pesquisa em ensino de ciecircncias no referencial da teoria dos campos conceituais Vejamos primeiramente no entanto o que diz Vergnaud sobre a pesquisa em campos conceituais

Segundo ele (1988 p 149) a abordagem canocircnica ao estudo de um campo conceitual envolve identificar e classificar situaccedilotildees e entatildeo coletar dados sobre procedimentos e outras maneiras atraveacutes das quais os estudantes expressam seu raciociacutenio Um ciclo de pesquisa inicia com a identificaccedilatildeo de niacuteveis de objetos relaccedilotildees e teoremas-em-accedilatildeo O ciclo continua entatildeo com o delineamento de situaccedilotildees e materiais e sua experimentaccedilatildeo com alunos completando-se com a construccedilatildeo de representaccedilotildees simboacutelicas atraveacutes da observaccedilatildeo e anaacutelise dos diferentes fenocircmenos que ocorrem (ibid) Comeccedila entatildeo um segundo ciclo para melhorar o primeiro e assim sucessivamente O estudo do domiacutenio de certos campos conceituais eacute um programa de longo prazo que dificilmente pode ser feito por um pesquisador isolado ou mesmo por um grupo de pesquisa isolado

Portanto o primeiro passo para estudar o progressivo domiacutenio de um campo conceitual por parte do aluno eacute identificar e classificar situaccedilotildees Mas isso envolve duas ideacuteias principais diversidade e histoacuteria Ou seja existe uma grande variedade de situaccedilotildees em um dado campo conceitual e as aprendizagens dos alunos satildeo moldadas pelas situaccedilotildees com as quais se depararam e progressivamente dominaram particularmente as primeiras suscetiacuteveis de dar sentido aos conceitos e procedimentos que lhes queremos ensinar (1990 p 150) A combinaccedilatildeo dessas duas ideacuteias dificulta o trabalho do pesquisador em ensino porque a primeira o dirige para a anaacutelise para a decomposiccedilatildeo em elementos simples e para as possiacuteveis combinaccedilotildees de situaccedilotildees enquanto que a segunda o orienta para a busca de

situaccedilotildees funcionais quase sempre compostas de vaacuterias relaccedilotildees cuja importacircncia relativa estaacute largamente ligada agrave frequumlecircncia com que satildeo encontradas (ibid)

Em outras palavras o estudo psicogeneacutetico da aquisiccedilatildeo de um campo conceitual implica a anaacutelise em termos relacionais e hieraacuterquicos das diferentes classes de problemas que podem ser propostos aos alunos Implica tambeacutem o estudo dos distintos procedimentos e representaccedilotildees simboacutelicas que o aprendiz utiliza (1982 p 40) Em relaccedilatildeo agraves representaccedilotildees Vergnaud diz (1994 p 43) que eacute uma tarefa essencial teoacuterica e empiacuterica dos pesquisadores entender por que uma certa representaccedilatildeo simboacutelica particular pode ser uacutetil e sob quais condiccedilotildees e quando e por que pode ser proveitosamente substituiacuteda por outra mais abstrata e geral

Embora Vergnaud e vaacuterios pesquisadores que trabalham sob o referencial de sua teoria tenham se dedicado principalmente agrave pesquisa em educaccedilatildeo matemaacutetica e em particular ao estudo dos campos conceituais das estruturas aditivas e multiplicativas essa abordagem agrave pesquisa certamente se aplica ao ensino de ciecircncias ou agrave educaccedilatildeo em ciecircncias se preferirmos esta terminologia Na resoluccedilatildeo de problemas por exemplo pode-se analisar as dificuldades dos alunos em termos de invariantes operatoacuterios Quer dizer os alunos muitas vezes resolvem problemas usando conhecimentos-em-accedilatildeo que podem ateacute conduzi-los agrave uma soluccedilatildeo satisfatoacuteria para uma certa situaccedilatildeo mas que natildeo funcionam para outra situaccedilatildeo ligeiramente diferente da primeira porque tais conhecimentos natildeo satildeo cientiacuteficos e tampouco constituem um esquema de assimilaccedilatildeo que pode ser aplicado a uma classe de situaccedilotildees Por outro lado tais conhecimentos-em-accedilatildeo mdash que satildeo largamente impliacutecitos mdash podem ser precursores na aquisiccedilatildeo de conceitos cientiacuteficos e portanto devem ser identificados ie pesquisados Os trabalhos de Sousa (2001) e de Sousa e Faacutevero (2002) no qual a resoluccedilatildeo de problemas em Fiacutesica foi investigada em uma situaccedilatildeo de interlocuccedilatildeo entre um especialista e um novato eacute um exemplo nessa direccedilatildeo Costa e Moreira (2002) e Escudero e Moreira (2002) tambeacutem estatildeo trabalhando em resoluccedilatildeo de problemas em Fiacutesica e procurando interpretar as dificuldades dos alunos na construccedilatildeo de modelos mentais do enunciado agrave luz de aspectos da teoria dos campos conceituais

O estudo da aprendizagem de conceitos fiacutesicos tambeacutem pode ser feito no referencial teoacuterico de Vergnaud Para ele satildeo as situaccedilotildees que datildeo sentido ao conceito os invariantes operatoacuterios que constituem seu significado e as representaccedilotildees simboacutelicas o seu significante Portanto como sugere Vergnaud eacute preciso identificar e classificar situaccedilotildees adequadas agrave aprendizagem de determinado conceito pesquisar os invariantes operatoacuterios usados pelos alunos e procurar entender como por que e quando uma certa representaccedilatildeo simboacutelica pode ajudar na conceitualizaccedilatildeo O trabalho de Lemeignan e Weil-Barais (1994) eacute talvez pioneiro nessa linha As pesquisas de Stipcich e Moreira (2002) sobre o conceito de interaccedilatildeo e de Moreira e Sousa (2002) a respeito do conceito de potencial eleacutetrico estatildeo usando o referencial de Vergnaud para interpretar as dificuldades dos alunos na aprendizagem significativa desses conceitos

Obviamente a teoria dos campos conceituais pode tambeacutem ser usada como referente teoacuterico em pesquisas sobre mudanccedila conceitual De um modo geral pode-se dizer que essa teoria eacute potencialmente uacutetil na anaacutelise das dificuldades dos alunos na resoluccedilatildeo de problemas em ciecircncias na aprendizagem de conceitos cientiacuteficos e na mudanccedila conceitual

Uma vez identificadas tais dificuldades essa mesma teoria pode ajudar no delineamento de estrateacutegias ou melhor na seleccedilatildeo de situaccedilotildees instrucionais que possam ajudar na progressiva superaccedilatildeo de tais dificuldades ou em outras palavras no progressivo (e lento) domiacutenio do(s) campo(s) conceitual(is) envolvido(s) Esse domiacutenio progressivo implica capacidade de resolver problemas conceitualizaccedilatildeo e mudanccedila (evoluccedilatildeo) conceitual

Natildeo tatildeo oacutebvia eacute a possibilidade de investigar questotildees como a modelagem mental no referencial de Vergnaud poreacutem uma vez aceita a compatibilidade aludida na seccedilatildeo anterior entre a teoria dos modelos mentais e a teoria dos campos conceituais tal possibilidade decorre naturalmente Enfim a potencialidade do uso da teoria de Vergnaud na pesquisa e ensino de ciecircncias parece ser grande Nesta seccedilatildeo foram apenas aventadas possibilidades e referidos alguns estudos

Conclusatildeo

Este trabalho teve por objetivo descrever a teoria dos campos conceituais de Geacuterard Vergnaud particularmente para uma audiecircncia de professores e pesquisadores em ensino de ciecircncias Essa teoria eacute bastante conhecida na aacuterea da educaccedilatildeo matemaacutetica poreacutem relativamente pouco no campo da educaccedilatildeo em ciecircncias e justamente por isso foi objeto deste texto

Trata-se de uma teoria de base piagetiana mas que afasta-se bastante de Piaget ao tomar como referecircncia o proacuteprio conteuacutedo do conhecimento e a anaacutelise conceitual do progressivo domiacutenio desse conhecimento bem como ao ocupar-se do estudo do desenvolvimento cognitivo do sujeito-em-situaccedilatildeo ao inveacutes de operaccedilotildees loacutegicas gerais de estruturas gerais do pensamento Ao fazer isso a teoria de Vergnaud apresenta um grande potencial para descrever analisar e interpretar aquilo que se passa em sala de aula na aprendizagem de matemaacutetica e ciecircncias Provavelmente esse tipo de teoria eacute o de maior utilidade para fundamentar o ensino e a pesquisa em ensino nessa aacuterea

Aleacutem de descrever a teoria propriamente dita procurou-se neste texto estabelecer elos com a teoria da aprendizagem significativa de Ausubel (outra ldquoteoria de sala de aulardquo) e com a recente teoria dos modelos mentais de Johnson-Laird assim como destacar implicaccedilotildees para o ensino e para a pesquisa em ensino de ciecircncias

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[1] Lembremos que um campo conceitual eacute em primeiro lugar um conjunto de situaccedilotildees (1998 p 141 1990 p 5) cujo domiacutenio requer o domiacutenio de vaacuterios conceitos de naturezas distintas (volta para o texto) [2] A ponte entre a teoria de Vergnaud e a teoria dos modelos mentais de Johnson-Laird feita nesta seccedilatildeo estaacute bem mais elaborada no trabalho ldquoAleacutem da detecccedilatildeo de modelos mentais dos estudantes Uma proposta representacional integradorardquo de Ileana Greca e Marco Antonio Moreira (volta para o texto)

Page 11: A Teoria Dos Campos Conceituais de Vergnaud

estado inicial adicionando as 5 bolinhas perdidas ao estado final de 7 bolinhas Tal

raciociacutenio depende de um forte teorema-em-accedilatildeo (ibid) onde I eacute o estado inicial F o estado final T a transformaccedilatildeo direta e T--1 a transformaccedilatildeo inversa

Segundo Vergnaud (1994 p 54) entre os mais importantes teoremas-em-accedilatildeo desenvolvidos pelos estudantes encontram-se as propriedades isomoacuterficas da funccedilatildeo linear

e as propriedades de coeficiente constante dessa mesma funccedilatildeo

e algumas propriedades especiacuteficas de funccedilotildees bilineares como a do primeiro

exemplo

Entre os mais importantes conceitos-em-accedilatildeo desenvolvidos pelos alunos acham-se os de grandeza e magnitude valor unitaacuterio razatildeo e fraccedilatildeo funccedilatildeo e variaacutevel taxa constante dependecircncia e independecircncia quociente e produto de dimensotildees

Haacute uma relaccedilatildeo dialeacutetica entre conceitos-em-accedilatildeo e teoremas-em-accedilatildeo uma vez que conceitos satildeo ingredientes de teoremas e teoremas satildeo propriedades que datildeo aos conceitos seus conteuacutedos Mas seria um erro confundi-los (1998 p 174) Conceitos em accedilatildeo satildeo ingredientes necessaacuterios das proposiccedilotildees Mas conceitos natildeo satildeo teoremas pois natildeo permitem derivaccedilotildees (inferecircncias ou computaccedilotildees) derivaccedilotildees requerem proposiccedilotildees Proposiccedilotildees podem ser verdadeiras ou falsas conceitos podem ser apenas relevantes ou irrelevantes Ainda assim natildeo existem proposiccedilotildees sem conceitos (1994 p 55)

Reciprocamente natildeo haacute conceitos sem proposiccedilotildees pois eacute a necessidade de derivar accedilotildees das representaccedilotildees do mundo e de ter concepccedilotildees verdadeiras (ou pelo menos adequadas) do mundo que tornam necessaacuterios os conceitos Um modelo computaacutevel do conhecimento intuitivo deve compreender conceitos-em-accedilatildeo e teoremas-em-accedilatildeo como ingredientes essenciais dos esquemas Esquemas satildeo fundamentais porque geram accedilotildees incluindo operaccedilotildees intelectuais mas podem geraacute-las porque contecircm invariantes operatoacuterios (teoremas e conceitos-em-accedilatildeo) que formam o nuacutecleo da representaccedilatildeo

Por outro lado um conceito-em-accedilatildeo natildeo eacute um verdadeiro conceito cientiacutefico nem um teorema-em-accedilatildeo eacute um verdadeiro teorema a menos que se tornem expliacutecitos Na ciecircncia conceitos e teoremas satildeo expliacutecitos e pode-se discutir sua pertinecircncia e sua veracidade mas esse natildeo eacute necessariamente o caso dos invariantes operatoacuterios (1990 p 144) Conceitos e

teoremas expliacutecitos natildeo constituem mais do que a parte visiacutevel do iceberg da conceitualizaccedilatildeo sem a parte escondida formada pelos invariantes operatoacuterios essa parte visiacutevel natildeo seria nada Reciprocamente natildeo se pode falar de invariantes operatoacuterios integrados nos esquemas sem a ajuda de categorias do conhecimento expliacutecito proposiccedilotildees funccedilotildees proposicionais objetos argumentos (ibid)

Mas conceitos-em-accedilatildeo e teoremas-em-accedilatildeo podem progressivamente tornarem-se verdadeiros conceitos e teoremas cientiacuteficos O status do conhecimento eacute muito diferente quando ele eacute explicitado ao inveacutes de ficar totalmente imerso na accedilatildeo O conhecimento expliacutecito pode ser comunicado a outros e discutido o conhecimento impliacutecito natildeo (1998 p 175)

Em geral os alunos natildeo satildeo capazes de explicar ou mesmo expressar em linguagem natural seus teoremas e conceitos-em-accedilatildeo Na abordagem de uma situaccedilatildeo os dados a serem trabalhados e a sequumlecircncia de caacutelculos a serem feitos dependem de teoremas-em-accedilatildeo e da identificaccedilatildeo de diferentes tipos de elementos pertinentes A maioria desses conceitos e teoremas-em-accedilatildeo permanecem totalmente impliacutecitos mas eles podem tambeacutem ser expliacutecitos ou tornarem-se expliacutecitos e aiacute entra o ensino ajudar o aluno a construir conceitos e teoremas expliacutecitos e cientificamente aceitos a partir do conhecimento impliacutecito Eacute nesse sentido que conceitos-em-accedilatildeo e teoremas-em-accedilatildeo podem progressivamente tornarem-se verdadeiros conceitos e teoremas cientiacuteficos mas isso pode levar muito tempo

A teoria dos campos conceituais um resumo

A teoria dos campos conceituais de Geacuterard Vergnaud eacute uma teoria psicoloacutegica cognitivista que supotildee que o nuacutecleo do desenvolvimento cognitivo eacute a conceitualizaccedilatildeo do real (1996a p 118) Eacute uma teoria psicoloacutegica de conceitos na qual a conceitualizaccedilatildeo eacute considerada a pedra angular da cogniccedilatildeo (1998 p 173) Para Vergnaud o conhecimento estaacute organizado em campos conceituais cujo domiacutenio de parte do aprendiz ocorre ao longo de um largo periacuteodo de tempo atraveacutes de experiecircncia maturidade e aprendizagem (1982 p 40) Campo conceitual eacute um conjunto informal e heterogecircneo de problemas situaccedilotildees conceitos relaccedilotildees estruturas conteuacutedos e operaccedilotildees de pensamento conectados uns aos outros e provavelmente entrelaccedilados durante o processo de aquisiccedilatildeo (ibid) Campo conceitual eacute definido tambeacutem como sendo em primeiro lugar um conjunto de situaccedilotildees cujo domiacutenio requer por sua vez o domiacutenio de vaacuterios conceitos procedimentos e representaccedilotildees de naturezas distintas (1988 p 141 1990 p 146) Conceitos satildeo definidos por trecircs conjuntos o primeiro eacute um conjunto de situaccedilotildees que constituem o referente do conceito o segundo eacute um conjunto de invariantes operatoacuterios (teoremas e conceitos-em-accedilatildeo) que datildeo o significado do conceito e o terceiro eacute um conjunto de representaccedilotildees simboacutelicas que compotildeem seu significante

Como satildeo as situaccedilotildees que datildeo sentido aos conceitos eacute natural definir campo conceitual como sendo sobretudo um conjunto de situaccedilotildees Um conceito torna-se significativo atraveacutes de uma variedade de situaccedilotildees (1994 p 46) mas o sentido natildeo estaacute nas situaccedilotildees em si mesmas assim como natildeo estaacute nas palavras nem nos siacutembolos (1990 p 158) O sentido eacute uma relaccedilatildeo do sujeito com situaccedilotildees e significantes Mais precisamente satildeo os

esquemas ie as accedilotildees e sua organizaccedilatildeo evocados no sujeito por uma situaccedilatildeo ou por um significante que constituem o sentido dessa situaccedilatildeo ou desse significante para esse indiviacuteduo (1990 p 158 1993 p 18) Vergnaud considera que os esquemas necessariamente se referem a situaccedilotildees a tal ponto que dever-se-ia falar em interaccedilatildeo esquema-situaccedilatildeo ao inveacutes de interaccedilatildeo sujeito-objeto Esquemas tecircm como ingredientes essenciais aquilo que Vergnaud chama de invariantes operatoacuterios ie conceitos-em-accedilatildeo e teoremas-em-accedilatildeo que constituem a parte conceitual dos esquemas ie os conhecimentos contidos nos esquemas Teorema-em-accedilatildeo eacute uma proposiccedilatildeo considerada como verdadeira sobre o real conceito-em-accedilatildeo eacute uma categoria de pensamento tida como pertinente (1996c p 202) Esse conhecimento eacute principalmente impliacutecito e o aprendiz tem dificuldades em explicaacute-lo ou expressaacute-lo mas isso natildeo significa que tal conhecimento natildeo possa ser explicitado Eacute atraveacutes do processo de explicitaccedilatildeo do conhecimento impliacutecito ndash aiacute o professor tem um papel mediador fundamental ndash que os teoremas-em-accedilatildeo e conceitos-em-accedilatildeo podem tornar-se verdadeiros teoremas e conceitos cientiacuteficos Uma proposiccedilatildeo expliacutecita pode ser debatida uma proposiccedilatildeo tida como verdadeira de maneira totalmente impliacutecita natildeo Assim o caraacuteter do conhecimento muda se for comunicaacutevel debatido e compartilhado (op cit p 204)

A figura 1 apresenta um mapa conceitual para a teoria de Vergnaud ou seja um diagrama conceitual destacando os conceitos-chave da teoria e suas principais interrelaccedilotildees As palavras que aparecem sobre as linhas conectando os conceitos procuram explicitar a natureza da relaccedilatildeo entre elas Por exemplo a relaccedilatildeo entre situaccedilotildees e conceitos eacute referente pois as situaccedilotildees eacute que datildeo sentido ao conceito ie constituem o referente do conceito Outro exemplo a interaccedilatildeo entre situaccedilotildees e esquemas eacute a fonte primaacuteria das representaccedilotildees simboacutelicas e estas constituem o significante de um conceito As setas quando existem sugerem apenas uma direccedilatildeo para leitura

Ao mesmo tempo que se afasta de Piaget ndash ocupando-se do estudo do funcionamento cognitivo do sujeito-em-situaccedilatildeo ao inveacutes de ocupar-se de operaccedilotildees loacutegicas gerais ou de estruturas gerais de pensamento e tomando como referecircncia o proacuteprio conteuacutedo do conhecimento e a anaacutelise conceitual do domiacutenio desse conhecimento (1994 p 41 Franchi 1999 p 160) ndash a teoria de Vergnaud tem forte base piagetiana que se manifesta principalmente no importante papel que o conceito de esquema tem nessa teoria Por outro lado tem tambeacutem influecircncia vygotskyana pois considera o professor como importante mediador no longo processo que caracteriza o progressivo domiacutenio de um campo conceitual pelo aluno Sua tarefa consiste principalmente em ajudar o aluno a desenvolver seu repertoacuterio de esquemas e representaccedilotildees Novos esquemas natildeo podem ser desenvolvidos sem novos invariantes operatoacuterios A linguagem e os siacutembolos satildeo importantes nesse processo de acomodaccedilatildeo e o professor faz amplo uso deles na sua funccedilatildeo mediadora Mas o principal ato mediador do professor eacute o de prover situaccedilotildees frutiacuteferas aos alunos (1998 p 181) Um conceito ou uma proposiccedilatildeo torna-se significativo atraveacutes de uma variedade de situaccedilotildees mas natildeo se capta o significado sozinho O papel mediador do professor eacute essencial (1994 p 44)

A teoria dos campos conceituais o ensino de ciecircncias e a pesquisa nessa aacuterea

Basta dar atenccedilatildeo agrave bibliografia usada neste trabalho para perceber que a teoria de Vergnaud tem sido utilizada principalmente como referencial para a educaccedilatildeo matemaacutetica Nada mais natural pois as pesquisas de Vergnaud e que sustentam sua teoria tecircm focalizado a aprendizagem e o ensino da Matemaacutetica particularmente das estruturas aditivas e multiplicativas Natildeo obstante como foi dito na introduccedilatildeo essa teoria natildeo eacute especiacutefica da Matemaacutetica e justamente por isso este texto tem por objetivo descrevecirc-la e divulgaacute-la entre professores de ciecircncias e pesquisadores em educaccedilatildeo em ciecircncias

Nas proacuteximas seccedilotildees seratildeo comentadas algumas implicaccedilotildees da teoria dos campos conceituais de Vergnaud para o ensino de ciecircncias e para a pesquisa nesse campo

Conhecimento PreacutevioAprendizagem significativa

A teoria dos campos conceituais destaca que a aquisiccedilatildeo de conhecimento eacute moldada pelas situaccedilotildees e problemas previamente dominados e que esse conhecimento tem portanto muitas caracteriacutesticas contextuais Assim muitas de nossas concepccedilotildees vecircm das primeiras situaccedilotildees que fomos capazes de dominar ou de nossa experiecircncia tentando modificaacute-las (1996 a p 117) No entanto existe provavelmente uma lacuna consideraacutevel entre os invariantes que os sujeitos constroacuteem ao interagir com o meio e os invariantes que constituem o conhecimento cientiacutefico

As concepccedilotildees preacutevias dos alunos tecircm sido consideradas como erros misconceptionsconcepccedilotildees ingecircnuas concepccedilotildees alternativa em relaccedilatildeo agraves concepccedilotildees cientiacuteficas Para Vergnaud (1990 p 69) esta maneira de conceber o conhecimento preacutevio supotildee a crianccedila o aluno ou o adulto aprendiz como incompletos imperfeitos ou deficientes em comparaccedilatildeo a adultos especialistas Essa abordagem segundo ele eacute inadequada agraves questotildees de desenvolvimento cognitivo aiacute envolvidas Seria muito mais frutiacutefero considerar o sujeito como um sistema dinacircmico com mecanismos regulatoacuterios capazes de assegurar seu progresso cognitivo

Muitas das concepccedilotildees errocircneas dos alunos derivam do fato de que eles atribuem a certas palavras usadas em ciecircncias para representar conceitos o mesmo significado que atribuem a essas mesmas palavras no dia-a-dia Inclusive de uma ciecircncia para outra os significados de uma mesma palavra podem ser distintos mas o aluno pode natildeo captaacute-los como distintos

As prediccedilotildees que os estudantes fazem para responder questotildees do tipo ldquoO que aconteceraacute se rdquo ou as explicaccedilotildees que datildeo para responder questotildees do tipo ldquoexpliquerdquo ldquointerpreterdquo ldquojustifiquerdquo tecircm segundo Vergnaud (ibid p 73) alguns pontos em comum Por exemplo focalizam caracteriacutesticas perceptivas e relacionadas a eventos da situaccedilatildeo accedilotildees movimentos mudanccedila no aspecto (cor aparecimento de bolhas fumaccedila vapor etc) descrevem os elementos da situaccedilatildeo apenas em termos de suas propriedades e funccedilotildees concebem de maneira assimeacutetrica as interaccedilotildees entre elementos da situaccedilatildeo implicam sequumlenciaccedilatildeo temporal e espacial Estes modos de compreensatildeo que satildeo essencialmente

do tipo ldquorelacionado a eventordquo diferentemente do tipo ldquoconceitualrdquo usado no campo das ciecircncias satildeo inadequados e frequumlentemente levam a previsotildees errocircneas

A persistecircncia das chamadas concepccedilotildees alternativas inclusive em estudantes em cursos cientiacuteficos avanccedilados tecircm recebido vaacuterias interpretaccedilotildees poreacutem Vergnaud argumenta (ibid p 74) que em praticamente todas elas o sistema de percepccedilatildeo visual tem um papel preponderante na construccedilatildeo do conhecimento pelos sujeitos mas pouca atenccedilatildeo tem sido dada ao papel funcional dessas concepccedilotildees e poucas pesquisas tecircm sido feitas sobre os problemas que os sujeitos encontram para construiacute-las Por exemplo os ldquoerrosrdquo encontrados em alguns estudos frequumlentemente decorrem de fato de que os sujeitos se deparam com questotildees que nunca se propuseram antes ou que envolvem valores natildeo usuais das variaacuteveis de uma dada situaccedilatildeo Outro exemplo de dificuldade enfrentada pelos sujeitos estaacute no fato de que os modelos cientiacuteficos fazem uso de entidades que geralmente natildeo satildeo acessiacuteveis sensorialmente Em Fiacutesica por exemplo os estudantes enfrentam uma dificuldade que tambeacutem existe na Aacutelgebra a verificaccedilatildeo do significado de representaccedilotildees simboacutelicas depende natildeo soacute da habilidade que o sujeito tenha para representar as entidades e as relaccedilotildees entre elas mas principalmente de elementos conceituais que devem ser levados em conta (conceitos como sistema estado interaccedilatildeo transferecircncia conservaccedilatildeo apenas para mencionar alguns) (ibid p 76)

O que tudo isso quer dizer eacute que eacute normal que os alunos apresentem tais concepccedilotildees e que elas devem ser consideradas como precursoras de conceitos cientiacuteficos a serem adquiridos A ativaccedilatildeo desses precursores eacute necessaacuteria e deve ser guiada pelo professor

As concepccedilotildees preacutevias dos alunos contecircm teoremas e conceitos-em-accedilatildeo que natildeo satildeo verdadeiros teoremas e conceitos cientiacuteficos mas que podem evoluir para eles Poreacutem como jaacute foi dito o hiato entre os invariantes operatoacuterios dos alunos e os do conhecimento cientiacutefico eacute grande de modo que a mudanccedila conceitual poderaacute levar muito tempo

Por outro lado pode ocorrer que certos conceitos possam ser construiacutedos somente se certas concepccedilotildees preacutevias forem abandonadas Quer dizer o conhecimento preacutevio pode funcionar como obstaacuteculo epistemoloacutegico (ibid p 83) Nesse caso a accedilatildeo mediadora do professor eacute tambeacutem imprescindiacutevel

A construccedilatildeo do conhecimento pelo aprendiz natildeo eacute um processo linear facilmente identificaacutevel Ao contraacuterio eacute complexo tortuoso demorado com avanccedilos e retrocessos continuidades e rupturas O conhecimento preacutevio eacute determinante no progressivo domiacutenio de um campo conceitual mas pode tambeacutem em alguns casos ser impeditivo Continuidades e rupturas natildeo satildeo no entanto excludentes Pode haver continuidade e ruptura A Aacutelgebra por exemplo se apoacuteia na Aritmeacutetica mas ainda assim para aprendecirc-la eacute necessaacuterio romper com a Aritmeacutetica A Mecacircnica Claacutessica e a Mecacircnica Quacircntica apresentam continuidades mas para aprender esta eacute preciso rupturas com aquela

No ensino eacute necessaacuterio desestabilizar cognitivamente o aluno mas natildeo demais Eacute preciso identificar sobre quais conhecimentos preacutevios a crianccedila pode se apoiar para aprender mas eacute forccediloso tambeacutem distinguir quais as rupturas necessaacuterias Quer dizer eacute preciso propor

tambeacutem com cuidado situaccedilotildees para as quais os alunos natildeo tecircm onde se apoiar ou natildeo devem se apoiar em conhecimentos preacutevios

As ideacuteias de Vergnaud sobre o papel do conhecimento preacutevio (que pode ser ldquoalternativordquo) como percursor de novos conhecimentos (que podem ser cientiacuteficos) e sobre as continuidades e rupturas na construccedilatildeo do conhecimento parecem ter muito a ver com a teoria da aprendizagem significativa de Ausubel (Ausubel et al 1980 Moreira 1999 a e b) Para Ausubel o conhecimento preacutevio eacute o principal fator isolado que influencia a aquisiccedilatildeo de novos conhecimentos A aprendizagem significativa se caracteriza pela interaccedilatildeo entre o novo conhecimento e o conhecimento preacutevio Eacute nessa interaccedilatildeo que o novo conhecimento adquire significados e o conhecimento preacutevio se modifica eou adquire novos significados Mas tal interaccedilatildeo natildeo eacute arbitraacuteria ou seja o novo conhecimento adquire significados pela interaccedilatildeo com conhecimentos preacutevios especificamente relevantes Em outras palavras a interaccedilatildeo natildeo eacute com qualquer conhecimento preacutevio Nesse sentido no ensino eacute preciso identificar sobre quais conhecimentos preacutevios o aluno pode se apoiar para aprender Contudo o efeito do conhecimento preacutevio na aprendizagem eacute tatildeo forte que em certos casos eacute preciso romper com ele Por exemplo no ensino do conceito de aprendizagem significativa pode natildeo ser adequado apoiar-se na ideacuteia de interaccedilatildeo pois esta pode estar fortemente arraigada na estrutura cognitiva como sendo uma relaccedilatildeo assimeacutetrica que poderia dificultar a compreensatildeo do fato de que na aprendizagem significativa tanto o novo conhecimento como o conhecimento preacutevio se modificam Por outro lado a compreensatildeo da aprendizagem significativa como uma relaccedilatildeo simeacutetrica ou de accedilatildeo reciacuteproca juntamente com a aprendizagem de outros processos envolvendo accedilatildeo reciacuteproca poderia levar a uma evoluccedilatildeo dos conceitos e teoremas-em-accedilatildeo associados agrave ideacuteia de interaccedilatildeo (que eacute uma ideacuteia-chave na ciecircncia) para outros progressivamente mais proacuteximos daqueles cientificamente compartilhados

Mas se a teoria dos campos conceituais eacute compatiacutevel com a teoria da aprendizagem significativa por que natildeo ficar com esta que eacute bastante mais conhecida e aceita no ensino de ciecircncias A resposta eacute que podem ser tomadas como complementares a teoria de Ausubel eacute uma teoria de aprendizagem em sala de aula de aquisiccedilatildeo de corpos organizados de conhecimento em situaccedilatildeo formal de ensino enquanto que a teoria de Vergnaud eacute uma teoria psicoloacutegica do processo de conceituaccedilatildeo do real que se propotildee a localizar e estudar continuidades e rupturas entre conhecimentos do ponto de vista de seu conteuacutedo conceitual A teoria de Vergnaud natildeo eacute uma teoria de ensino de conceitos expliacutecitos e formalizados embora tenha subjacente a ideacuteia de que os conhecimentos-em-accedilatildeo (largamente impliacutecitos) podem evoluir ao longo do tempo para conhecimentos cientiacuteficos (expliacutecitos) A teoria de Ausubel por outro lado se ocupa exatamente da aquisiccedilatildeo de conceitos expliacutecitos e formalizados chegando inclusive a propor princiacutepios programaacuteticos ndash como a diferenciaccedilatildeo progressiva a reconciliaccedilatildeo integradora e a consolidaccedilatildeo ndash para a organizaccedilatildeo do ensino

Ao resgatar e enriquecer o conceito de esquema introduzindo os conceitos de teorema-em-accedilatildeo e conceito-em-accedilatildeo ao definir conceito como um tripleto ao colocar a conceitualizaccedilatildeo no acircmago do desenvolvimento cognitivo ao priorizar a interaccedilatildeo sujeito-situaccedilatildeo e como natildeo poderia deixar de ser ao definir campo conceitual Vergnaud provecirc um referencial muito rico para compreender explicar e investigar o processo da

aprendizagem significativa A teoria dos campos conceituais de Vergnaud parece prover um referencial adequado para analisar a estrutura fina da teoria da aprendizagem significativa de Ausubel O que para Ausubel satildeo campos organizados de conhecimento para Vergnaud satildeo campos conceituais

ProfessorEnsino

Um determinado campo conceitual como o da Eletricidade por exemplo pode ser progressivamente dominado por um aprendiz mas o ensino atraveacutes da accedilatildeo mediadora do professor eacute essencial para isso Professores satildeo mediadores Sua tarefa eacute a de ajudar os alunos a desenvolver seu repertoacuterio de esquemas e representaccedilotildees (1998 p 180) Desenvolvendo novos esquemas os alunos tornam-se capazes de enfrentar situaccedilotildees cada vez mais complexas Novos esquemas natildeo podem ser desenvolvidos sem novos invariantes operacionais A linguagem e os siacutembolos satildeo importantes nesse processo Os professores usam palavras e sentenccedilas para explicar formular questotildees selecionar informaccedilotildees propor metas expectativas regras e planos Contudo sua accedilatildeo mediadora mais importante eacute a de prover situaccedilotildees (de aprendizagem) frutiacuteferas para os estudantes (ibid) Tais situaccedilotildees devem ser cuidadosamente escolhidas ordenadas diversificadas apresentadas no momento certo e dentro da zona de desenvolvimento proximal do aluno Sem duacutevida uma tarefa difiacutecil mas essencial

Para Vergnaud o desenvolvimento cognitivo depende de situaccedilotildees e conceitualizaccedilotildees especiacuteficas para lidar com elas Satildeo as situaccedilotildees que datildeo sentido aos conceitos elas eacute que satildeo responsaacuteveis pelo sentido atribuiacutedo ao conceito (Barais amp Vergnaud 1990 p 78) um conceito torna-se significativo atraveacutes de uma variedade de situaccedilotildees (1994 p 46) mas o sentido natildeo estaacute nas situaccedilotildees em si mesmas assim como natildeo estaacute nas palavras nem nos siacutembolos (1990 p 158)

Cabe aqui lembrar que embora estejamos falando do ensino e do papel do professor na perspectiva de Vergnaud as situaccedilotildees antes referidas natildeo satildeo situaccedilotildees didaacuteticas propriamente ditas mas sim tarefas problemas

O papel do professor como mediador provedor de situaccedilotildees problemaacuteticas frutiacuteferas estimuladoras da interaccedilatildeo sujeito-situaccedilatildeo que leva agrave ampliaccedilatildeo e agrave diversificaccedilatildeo de seus esquemas de accedilatildeo ou seja ao desenvolvimento cognitivo deixa ainda mais evidente que a teoria de Vergnaud tem tambeacutem forte influecircncia vigotskyana

Haacute no entanto outra importante implicaccedilatildeo da teoria dos campos conceituais para o ensino a questatildeo do conhecimento impliacutecito e do conhecimento expliacutecito A escola segundo Vergnaud (1994 p 47) superestima o conhecimento expliacutecito e subestima ateacute mesmo desvaloriza o conhecimento impliacutecito dos alunos Contudo a maior parte de nossa atividade fiacutesica e mental de nosso comportamento enfim eacute constituiacuteda de esquemas e estes tecircm como componentes essenciais os invariantes operatoacuterios (conceitos e teoremas-em-accedilatildeo) que constituem os conhecimentos contidos nos esquemas e que satildeo largamente impliacutecitos Quer dizer haacute muito de impliacutecito nos esquemas Os alunos em geral natildeo satildeo capazes de explicar ou expressar em linguagem natural seus teoremas-em-accedilatildeo ainda que

sejam capazes de resolver certas tarefas (situaccedilotildees) Natildeo soacute alunos qualquer pessoa muitas vezes eacute incapaz de colocar em palavras coisas que faz muito bem conhecimentos que tem Haacute um hiato entre a accedilatildeo e a formalizaccedilatildeo da accedilatildeo Agimos com o auxiacutelio de invariantes operatoacuterios sem expressaacute-los ou sem sermos capazes de expressaacute-los A anaacutelise cognitiva dessas accedilotildees muitas vezes revela a existecircncia de potentes teoremas e conceitos-em-accedilatildeo impliacutecitos Esse conhecimento no entanto natildeo pode ser apropriadamente chamado de conceitual pois o conhecimento conceitual eacute necessariamente expliacutecito (Vergnaud et al 1990 p 20) Portanto palavras e outros siacutembolos sentenccedilas e outras expressotildees simboacutelicas satildeo instrumentos cognitivos indispensaacuteveis para a transformaccedilatildeo de invariantes operatoacuterios impliacutecitos em conceitos e teoremas cientiacuteficos expliacutecitos (ibid) Quer dizer a formalizaccedilatildeo ndash o ensino direcionado agrave formalizaccedilatildeo ndash eacute necessaacuteria poreacutem eacute preciso levar em conta que as ideacuteias cientiacuteficas evoluem no aluno durante um longo periacuteodo de desenvolvimento cognitivo atraveacutes de uma variedade de situaccedilotildees e atividades e que qualquer conhecimento formal e axiomatizado que o aluno apresenta pode natildeo ser mais do que a parte visiacutevel de um iceberg formado basicamente por conhecimentos impliacutecitos (op cit p 21) O ensino de ciecircncias natildeo pode deixar de lado a simbolizaccedilatildeo e a formalizaccedilatildeo porque a ciecircncia eacute simboacutelica formal e expliacutecita mas eacute preciso ter sempre em mente que o conhecimento do aluno como de qualquer outro sujeito eacute em grande parte impliacutecito O ensino de ciecircncias deve facilitar a transformaccedilatildeo do conhecimento impliacutecito em expliacutecito sem nunca subestimaacute-lo ou desvalorizaacute-lo A trajetoacuteria do aprendiz ao longo de um campo conceitual cientiacutefico eacute sinuosa difusa difiacutecil e sobretudo demorada Natildeo se pode esperar que um aluno domine um campo conceitual como o da Termodinacircmica por exemplo atraveacutes de uma ou duas unidades didaacuteticas desenvolvidas ao longo de dois ou trecircs meses Eacute normal que o aluno continue usando conhecimentos impliacutecitos ao mesmo tempo que vai se apropriando dos conhecimentos expliacutecitos da ciecircncia A perspectiva dos campos conceituais eacute progressiva natildeo substitutiva Ou seja o campo conceitual vai sendo progressivamente dominado pelo aprendiz o conhecimento impliacutecito vai evoluindo progressivamente para o expliacutecito ao inveacutes de ser substituiacutedo por ele Isso como alerta Vergnaud pode levar muito tempo muitos anos talvez mas o ensino e em uacuteltima anaacutelise o professor tecircm um papel essencial nesse processo Sem o ensino natildeo haacute razatildeo nenhuma para se acreditar que o sujeito passe a dominar campos conceituais complexos e formalizados como os cientiacuteficos

Resoluccedilatildeo de Problemas

O ensino de ciecircncias tradicionalmente envolve trecircs aspectos principais profundamente interrelacionados o conhecimento teoacuterico (conceitos leis princiacutepios equaccedilotildees) as praacuteticas de laboratoacuterio (experimentos demonstraccedilotildees procedimentos cientiacuteficos) e a resoluccedilatildeo de problemas (abertos fechados como investigaccedilatildeo de papel e laacutepis) Obviamente qualquer professor experiente sabe que essa distinccedilatildeo eacute artificial o conhecimento cientiacutefico eacute produzido atraveacutes da interaccedilatildeo entre o domiacutenio conceitual e o metodoloacutegico Poreacutem na perspectiva de Vergnaud esta interdependecircncia entre a teoria e a praacutetica fica muito clara

Como jaacute foi dito reiteradamente ao longo deste texto satildeo as situaccedilotildees[1] que datildeo sentido aos conceitos um conceito torna-se significativo atraveacutes de uma variedade de situaccedilotildees os conhecimentos dos alunos satildeo moldados pelas situaccedilotildees que encontram e

progressivamente dominam Embora o conceito de situaccedilatildeo tenha na teoria dos campos conceituais o significado de tarefa podemos supor que no acircmbito das ciecircncias situaccedilatildeo significa tambeacutem problema Ou podemos falar em situaccedilotildees e problemas como faz o proacuteprio Vergnaud ao dizer que ldquoa aquisiccedilatildeo de conhecimento eacute moldada pelas situaccedilotildees e problemas previamente dominados e portanto o conhecimento do sujeito tem muitos aspectos locaisrdquo (1994 p 42) Em outro trabalho bastante anterior a esse Vergnaud diz que ldquona verdade os conceitos se desenvolvem atraveacutes da resoluccedilatildeo de problemas e esse desenvolvimento eacute lentordquo (1983b p 172)

Isso significa que a resoluccedilatildeo de problemas ou as situaccedilotildees de resoluccedilatildeo de problemas satildeo essenciais para a conceitualizaccedilatildeo mas como chama atenccedilatildeo Vergnaud (1994 p 42) ldquoum problema natildeo eacute um problema para um indiviacuteduo a menos que ele ou ela tenha conceitos que oa tornem capaz de consideraacute-lo como um problema para si mesmordquo Ou seja haacute uma relaccedilatildeo dialeacutetica e ciacuteclica entre a conceitualizaccedilatildeo e a resoluccedilatildeo de problemas Para Vergnaud a problematizaccedilatildeo vai muito aleacutem da abstraccedilatildeo de regularidades do mundo observaacutevel Problemas satildeo teoacutericos e praacuteticos natildeo meramente empiacutericos mesmo para crianccedilas pequenas Quando uma classe de problemas eacute resolvida por um indiviacuteduo (o que significa que ela ou ele desenvolve um esquema eficiente para lidar com todos ou quase todos os problemas dessa classe) o caraacuteter problemaacutetico dessa classe especiacutefica desaparece (ibid) Mas essa competecircncia desenvolvida pelo indiviacuteduo o habilita a reconhecer ou considerar novos problemas para si mesmo trata-se entatildeo de um processo ciacuteclico

Vergnaud chama de ldquoilusatildeo pedagoacutegicardquo (1983 b p 173) a atitude dos professores que crecircem que o ensino de Fiacutesica digamos consiste na apresentaccedilatildeo organizada clara rigorosa das teorias formais e que quando isso eacute bem feito os alunos aprendem Trata-se de uma ilusatildeo porque segundo ele eacute atraveacutes de situaccedilotildees de resoluccedilatildeo de problemas que os conceitos se desenvolvem no aluno e as situaccedilotildees de resoluccedilatildeo de problemas que tornam os conceitos significativos para os alunos podem estar pelo menos inicialmente muito distantes do formalismo apresentado pelo professor Mas apesar disso tais situaccedilotildees satildeo essenciais para o desenvolvimento de conceitos Quer dizer ao mesmo tempo que as situaccedilotildees formais satildeo necessaacuterias eacute preciso levar em consideraccedilatildeo que o aluno pode estar ainda muito longe delas (1983 b p 172)

Novamente podemos estabelecer um certo paralelo entre as teorias de Ausubel e Vergnaud A aprendizagem receptiva de Ausubel poderia ser interpretada como a ilusatildeo pedagoacutegica de Vergnaud mas natildeo eacute assim Ausubel certamente defenderia a apresentaccedilatildeo organizada clara rigorosa das teoria formais poreacutem desde que fossem potencialmente significativas o que implicaria que o aprendiz tivesse o conhecimento preacutevio adequado e se dispusesse a aprender Isso estaria de acordo com a postura de Vergnaud no sentido de que o domiacutenio de situaccedilotildees preacutevias eacute importante para o domiacutenio de situaccedilotildees novas Acrescente-se a isso que para Ausubel a resoluccedilatildeo de problemas em particular de situaccedilotildees problemaacuteticas novas e natildeo familiares que requeiram maacutexima transformaccedilatildeo do conhecimento adquirido eacute a principal evidecircncia da aprendizagem significativa (Ausubel et al 1980)

A teoria de Vergnaud parece ser entatildeo um bom referencial para anaacutelise das dificuldades dos alunos na resoluccedilatildeo de problemas em ciecircncias e consequumlentemente da conceitualizaccedilatildeo em ciecircncias Tais dificuldades poderiam por exemplo ser examinadas em

termos de invariantes operatoacuterios quer dizer em termos de quais os conceitos e teoremas-em-accedilatildeo que os estudantes estariam usando na resoluccedilatildeo de problemas e de quatildeo distantes estariam dos conceitos e teoremas cientiacuteficos adequados agrave resoluccedilatildeo do problema em pauta

Representaccedilotildees[2]

No tripleto C (S I R) que define conceito (p 4 deste trabalho) Vergnaud dizia que S (o conjunto de situaccedilotildees que datildeo sentido ao conceito) eacute a realidade e (I R) a representaccedilatildeo dessa realidade que pode ser considerada como dois aspectos interagentes do pensamento o significado (I) e o significante (R)

Isso sugere que inicialmente Vergnaud usava o termo representaccedilatildeo como sendo o de um sistema simboacutelico que significaria algo para o sujeito um sistema de signos e uma sintaxe ou operaccedilotildees sobre elementos do sistema Para ele conceitos e siacutembolos eram duas faces da mesma moeda e devia-se sempre dar atenccedilatildeo ao uso que os alunos faziam dos siacutembolos agrave luz do uso que faziam dos conceitos Quer dizer a habilidade em resolver situaccedilotildees em linguagem natural seria o melhor criteacuterio para aquisiccedilatildeo de conceitos mas por outro lado a simbolizaccedilatildeo ajudaria nisso (1982 p 57) Assim como haacute problemas mais facilmente resolviacuteveis do que outros ou procedimentos mais faacuteceis do que outros haveria representaccedilotildees simboacutelicas mais potentes do que outras equaccedilotildees por exemplo seriam mais potentes que diagramas de Euler-Venn Todavia tais equaccedilotildees deveriam representar situaccedilotildees significativas

Poreacutem em outro trabalho mais recente (1998 p 173) Vergnaud fala em teorias de representaccedilotildees e diz que para ser uacutetil uma teoria dessas deve conter a ideacuteia de que as representaccedilotildees ofereccedilam possibilidades de inferecircncia ie que elas nos tornem capazes de antecipar eventos futuros e gerar condutas para chegar a algum efeito positivo ou evitar algum efeito negativo

Diz ele (op cit p 174) que temos representaccedilotildees computaacuteveis para gestos e accedilotildees sobre o mundo fiacutesico bem como para comportamentos verbais e para interaccedilotildees sociais Tais representaccedilotildees podem ser corretas ou erradas vagas ou precisas expliacutecitas ou totalmente impliacutecitas em qualquer caso elas funcionam como substitutos computaacuteveis da realidade e portanto satildeo feitas de teoremas-em-accedilatildeo proposiccedilotildees tidas como verdadeiras

A construccedilatildeo do conhecimento consiste entatildeo na progressiva construccedilatildeo de representaccedilotildees mentais que satildeo homomoacuterficas agrave realidade para alguns aspectos e para outros natildeo (1990 p 22) Por um lado a representaccedilatildeo eacute ativa pragmaacutetica e operacional por outro eacute discursiva teoacuterica e simboacutelica (ibid) Mas haacute importantes lacunas entre o que estaacute representado na mente de um indiviacuteduo e o significado usual das palavras e outros signos pois sistemas linguumliacutesticos e semioacuteticos natildeo tecircm por finalidade expressar exatamente o que cada indiviacuteduo tem em mente quando enfrenta uma situaccedilatildeo selecionando e processando a informaccedilatildeo (1998 p 176) Para Vergnaud a relaccedilatildeo entre situaccedilotildees e esquemas eacute a fonte primaacuteria da representaccedilatildeo mas sua teoria afasta-se muito da visatildeo de que um objeto pode ser representado mentalmente de maneira natildeo ambiacutegua atraveacutes de

siacutembolos Por maior que seja (e eacute grande) o papel dos siacutembolos no pensamento o conhecimento natildeo eacute em essecircncia simboacutelico O reconhecimento de invariantes em accedilatildeo e percepccedilatildeo e a progressiva construccedilatildeo de objetos e predicados de niacutevel mais alto satildeo aspectos mais essenciais do conhecimento (op cit p 177)

Podemos entatildeo fazer uma ponte entre os significados mais recentes de representaccedilatildeo na teoria de Vergnaud e a teoria tambeacutem recente dos modelos mentais (Johnson-Laird 1983 Moreira 1996) Dizer que temos representaccedilotildees computaacuteveis para gestos e accedilotildees sobre o mundo fiacutesico para comportamentos verbais e para interaccedilotildees sociais e que tais representaccedilotildees -- que podem ser corretas ou erradas vagas ou precisas expliacutecitas ou (principalmente) impliacutecitas -- permitem fazer inferecircncias eacute praticamente dizer que tais representaccedilotildees satildeo modelos mentais Johnson-Laird define modelos mentais como anaacutelogos estruturais de estados de coisas do mundo Satildeo instrumentos de compreensatildeo e inferecircncia Quando nos defrontamos com uma situaccedilatildeo nova construiacutemos um modelo mental para entendecirc-la descrevecirc-la e prever o que vai acontecer Este modelo pode ser correto ou natildeo (no sentido de que suas previsotildees natildeo satildeo corretas cientificamente) pode ser vago confuso incompleto mas eacute sobretudo funcional para seus construtor e pode ser modificado recursivamente ateacute atingir tal funcionalidade

Modelos mentais podem ser basicamente proposicionais ie constituiacutedos principalmente de proposiccedilotildees ou basicamente imagiacutesticos ou seja construiacutedos predominantemente com imagens ou ainda hiacutebridos quer dizer formados por proposiccedilotildees e imagens (Greca e Moreira 1997) Entatildeo as proposiccedilotildees constituintes dos modelos mentais podem ser interpretadas como teoremas-em-accedilatildeo de Vergnaud Como ele mesmo diz as representaccedilotildees funcionam como substitutos computaacuteveis da realidade e portanto satildeo feitas de teoremas-em-accedilatildeo Com o progressivo domiacutenio de um campo conceitual os teoremas-em-accedilatildeo (grandemente impliacutecitos) vatildeo se aproximando de teoremas cientiacuteficos (proposiccedilotildees expliacutecitas) Analogamente agrave medida que o sujeito adquire mais conhecimentos cientiacuteficos seus modelos mentais aproximam-se (no sentido de que permitem dar significados cientificamente aceitos) dos modelos cientiacuteficos

Pode-se assim dizer que os modelos mentais de Johnson-Laird contecircm aquilo que Vergnaud chama de teoremas-em-accedilatildeo ou seja proposiccedilotildees tidas como verdadeiras sobre o real Mas esta aparente compatibilidade entre as duas teorias pode ir aleacutem pois os conceitos-em-accedilatildeo de Vergnaud tambeacutem podem integrar modelos mentais Conceitos-em-accedilatildeo satildeo objetos predicados ou categorias de pensamento tidos como pertinentes relevantes agrave situaccedilatildeo Analogamente segundo o princiacutepio do construtivismo (Johnson-Laird 1983 p 398) um modelo mental eacute construiacutedo a partir de sinais (tokens) dispostos em uma estrutura particular para representar em certo estado de coisas (isto eacute uma certa situaccedilatildeo) Se interpretaacutessemos esses sinais (tokens) como objetos predicados ou categorias de pensamento pertinentes dir-se-ia que os modelos mentais contecircm tambeacutem conceitos-em-accedilatildeo

Contudo eacute importante natildeo confundir modelos mentais com esquemas de assimilaccedilatildeo Para Vergnaud os invariantes operatoacuterios (teoremas e conceitos-em-accedilatildeo) satildeo componentes essenciais dos esquemas e acabamos de dizer que os modelos mentais contecircm proposiccedilotildees e sinais (tokens) que podem ser interpretados como invariantes operatoacuterios mas ainda

assim modelos mentais e esquemas satildeo construtos distintos Modelo mental eacute instrumento de compreensatildeo construiacutedo no momento da compreensatildeo e descartaacutevel se for alcanccedilada (para o construtor) a funcionalidade desejada (ou seja a compreensatildeo mesmo que natildeo compartilhada cientificamente) Esquema de assimilaccedilatildeo eacute segundo Vergnaud a organizaccedilatildeo invariante do comportamento para uma determinada classe de situaccedilotildees Portanto esquemas de assimilaccedilatildeo satildeo mais estaacuteveis o sujeito constroacutei determinado esquema e o utiliza para assimilar uma certa classe de situaccedilotildees ou seja usa sempre o mesmo esquema para cada situaccedilatildeo dessa classe Mas frente a uma situaccedilatildeo nova eacute preciso acomodar ou seja construir um novo esquema de assimilaccedilatildeo e eacute exatamente aiacute que parece encaixar bem a ideacuteia de modelo mental para compreender uma nova situaccedilatildeo o sujeito constroacutei inicialmente um modelo mental (que como foi dito pode conter invariantes operatoacuterios) natildeo um esquema de assimilaccedilatildeo Na medida em que a nova situaccedilatildeo deixa de ser nova e passa a ser rotineira o modelo mental evolui para esquema de assimilaccedilatildeo quer dizer se estabiliza Mas isso natildeo quer dizer que todo modelo mental venha a se transformar em esquema de assimilaccedilatildeo Modelos mentais satildeo recursivos o que significa que vatildeo sendo construiacutedos e modificados quase que simultaneamente ateacute que se tornem funcionais quando entatildeo podem ser descartados ou talvez ldquoguardadosrdquo ateacute que se tornem esquemas de assimilaccedilatildeo Trata-se ao que parece de um bom assunto para pesquisar

Pesquisa

Como uacuteltimo toacutepico deste texto abordar-se-aacute a pesquisa em ensino de ciecircncias no referencial da teoria dos campos conceituais Vejamos primeiramente no entanto o que diz Vergnaud sobre a pesquisa em campos conceituais

Segundo ele (1988 p 149) a abordagem canocircnica ao estudo de um campo conceitual envolve identificar e classificar situaccedilotildees e entatildeo coletar dados sobre procedimentos e outras maneiras atraveacutes das quais os estudantes expressam seu raciociacutenio Um ciclo de pesquisa inicia com a identificaccedilatildeo de niacuteveis de objetos relaccedilotildees e teoremas-em-accedilatildeo O ciclo continua entatildeo com o delineamento de situaccedilotildees e materiais e sua experimentaccedilatildeo com alunos completando-se com a construccedilatildeo de representaccedilotildees simboacutelicas atraveacutes da observaccedilatildeo e anaacutelise dos diferentes fenocircmenos que ocorrem (ibid) Comeccedila entatildeo um segundo ciclo para melhorar o primeiro e assim sucessivamente O estudo do domiacutenio de certos campos conceituais eacute um programa de longo prazo que dificilmente pode ser feito por um pesquisador isolado ou mesmo por um grupo de pesquisa isolado

Portanto o primeiro passo para estudar o progressivo domiacutenio de um campo conceitual por parte do aluno eacute identificar e classificar situaccedilotildees Mas isso envolve duas ideacuteias principais diversidade e histoacuteria Ou seja existe uma grande variedade de situaccedilotildees em um dado campo conceitual e as aprendizagens dos alunos satildeo moldadas pelas situaccedilotildees com as quais se depararam e progressivamente dominaram particularmente as primeiras suscetiacuteveis de dar sentido aos conceitos e procedimentos que lhes queremos ensinar (1990 p 150) A combinaccedilatildeo dessas duas ideacuteias dificulta o trabalho do pesquisador em ensino porque a primeira o dirige para a anaacutelise para a decomposiccedilatildeo em elementos simples e para as possiacuteveis combinaccedilotildees de situaccedilotildees enquanto que a segunda o orienta para a busca de

situaccedilotildees funcionais quase sempre compostas de vaacuterias relaccedilotildees cuja importacircncia relativa estaacute largamente ligada agrave frequumlecircncia com que satildeo encontradas (ibid)

Em outras palavras o estudo psicogeneacutetico da aquisiccedilatildeo de um campo conceitual implica a anaacutelise em termos relacionais e hieraacuterquicos das diferentes classes de problemas que podem ser propostos aos alunos Implica tambeacutem o estudo dos distintos procedimentos e representaccedilotildees simboacutelicas que o aprendiz utiliza (1982 p 40) Em relaccedilatildeo agraves representaccedilotildees Vergnaud diz (1994 p 43) que eacute uma tarefa essencial teoacuterica e empiacuterica dos pesquisadores entender por que uma certa representaccedilatildeo simboacutelica particular pode ser uacutetil e sob quais condiccedilotildees e quando e por que pode ser proveitosamente substituiacuteda por outra mais abstrata e geral

Embora Vergnaud e vaacuterios pesquisadores que trabalham sob o referencial de sua teoria tenham se dedicado principalmente agrave pesquisa em educaccedilatildeo matemaacutetica e em particular ao estudo dos campos conceituais das estruturas aditivas e multiplicativas essa abordagem agrave pesquisa certamente se aplica ao ensino de ciecircncias ou agrave educaccedilatildeo em ciecircncias se preferirmos esta terminologia Na resoluccedilatildeo de problemas por exemplo pode-se analisar as dificuldades dos alunos em termos de invariantes operatoacuterios Quer dizer os alunos muitas vezes resolvem problemas usando conhecimentos-em-accedilatildeo que podem ateacute conduzi-los agrave uma soluccedilatildeo satisfatoacuteria para uma certa situaccedilatildeo mas que natildeo funcionam para outra situaccedilatildeo ligeiramente diferente da primeira porque tais conhecimentos natildeo satildeo cientiacuteficos e tampouco constituem um esquema de assimilaccedilatildeo que pode ser aplicado a uma classe de situaccedilotildees Por outro lado tais conhecimentos-em-accedilatildeo mdash que satildeo largamente impliacutecitos mdash podem ser precursores na aquisiccedilatildeo de conceitos cientiacuteficos e portanto devem ser identificados ie pesquisados Os trabalhos de Sousa (2001) e de Sousa e Faacutevero (2002) no qual a resoluccedilatildeo de problemas em Fiacutesica foi investigada em uma situaccedilatildeo de interlocuccedilatildeo entre um especialista e um novato eacute um exemplo nessa direccedilatildeo Costa e Moreira (2002) e Escudero e Moreira (2002) tambeacutem estatildeo trabalhando em resoluccedilatildeo de problemas em Fiacutesica e procurando interpretar as dificuldades dos alunos na construccedilatildeo de modelos mentais do enunciado agrave luz de aspectos da teoria dos campos conceituais

O estudo da aprendizagem de conceitos fiacutesicos tambeacutem pode ser feito no referencial teoacuterico de Vergnaud Para ele satildeo as situaccedilotildees que datildeo sentido ao conceito os invariantes operatoacuterios que constituem seu significado e as representaccedilotildees simboacutelicas o seu significante Portanto como sugere Vergnaud eacute preciso identificar e classificar situaccedilotildees adequadas agrave aprendizagem de determinado conceito pesquisar os invariantes operatoacuterios usados pelos alunos e procurar entender como por que e quando uma certa representaccedilatildeo simboacutelica pode ajudar na conceitualizaccedilatildeo O trabalho de Lemeignan e Weil-Barais (1994) eacute talvez pioneiro nessa linha As pesquisas de Stipcich e Moreira (2002) sobre o conceito de interaccedilatildeo e de Moreira e Sousa (2002) a respeito do conceito de potencial eleacutetrico estatildeo usando o referencial de Vergnaud para interpretar as dificuldades dos alunos na aprendizagem significativa desses conceitos

Obviamente a teoria dos campos conceituais pode tambeacutem ser usada como referente teoacuterico em pesquisas sobre mudanccedila conceitual De um modo geral pode-se dizer que essa teoria eacute potencialmente uacutetil na anaacutelise das dificuldades dos alunos na resoluccedilatildeo de problemas em ciecircncias na aprendizagem de conceitos cientiacuteficos e na mudanccedila conceitual

Uma vez identificadas tais dificuldades essa mesma teoria pode ajudar no delineamento de estrateacutegias ou melhor na seleccedilatildeo de situaccedilotildees instrucionais que possam ajudar na progressiva superaccedilatildeo de tais dificuldades ou em outras palavras no progressivo (e lento) domiacutenio do(s) campo(s) conceitual(is) envolvido(s) Esse domiacutenio progressivo implica capacidade de resolver problemas conceitualizaccedilatildeo e mudanccedila (evoluccedilatildeo) conceitual

Natildeo tatildeo oacutebvia eacute a possibilidade de investigar questotildees como a modelagem mental no referencial de Vergnaud poreacutem uma vez aceita a compatibilidade aludida na seccedilatildeo anterior entre a teoria dos modelos mentais e a teoria dos campos conceituais tal possibilidade decorre naturalmente Enfim a potencialidade do uso da teoria de Vergnaud na pesquisa e ensino de ciecircncias parece ser grande Nesta seccedilatildeo foram apenas aventadas possibilidades e referidos alguns estudos

Conclusatildeo

Este trabalho teve por objetivo descrever a teoria dos campos conceituais de Geacuterard Vergnaud particularmente para uma audiecircncia de professores e pesquisadores em ensino de ciecircncias Essa teoria eacute bastante conhecida na aacuterea da educaccedilatildeo matemaacutetica poreacutem relativamente pouco no campo da educaccedilatildeo em ciecircncias e justamente por isso foi objeto deste texto

Trata-se de uma teoria de base piagetiana mas que afasta-se bastante de Piaget ao tomar como referecircncia o proacuteprio conteuacutedo do conhecimento e a anaacutelise conceitual do progressivo domiacutenio desse conhecimento bem como ao ocupar-se do estudo do desenvolvimento cognitivo do sujeito-em-situaccedilatildeo ao inveacutes de operaccedilotildees loacutegicas gerais de estruturas gerais do pensamento Ao fazer isso a teoria de Vergnaud apresenta um grande potencial para descrever analisar e interpretar aquilo que se passa em sala de aula na aprendizagem de matemaacutetica e ciecircncias Provavelmente esse tipo de teoria eacute o de maior utilidade para fundamentar o ensino e a pesquisa em ensino nessa aacuterea

Aleacutem de descrever a teoria propriamente dita procurou-se neste texto estabelecer elos com a teoria da aprendizagem significativa de Ausubel (outra ldquoteoria de sala de aulardquo) e com a recente teoria dos modelos mentais de Johnson-Laird assim como destacar implicaccedilotildees para o ensino e para a pesquisa em ensino de ciecircncias

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[1] Lembremos que um campo conceitual eacute em primeiro lugar um conjunto de situaccedilotildees (1998 p 141 1990 p 5) cujo domiacutenio requer o domiacutenio de vaacuterios conceitos de naturezas distintas (volta para o texto) [2] A ponte entre a teoria de Vergnaud e a teoria dos modelos mentais de Johnson-Laird feita nesta seccedilatildeo estaacute bem mais elaborada no trabalho ldquoAleacutem da detecccedilatildeo de modelos mentais dos estudantes Uma proposta representacional integradorardquo de Ileana Greca e Marco Antonio Moreira (volta para o texto)

Page 12: A Teoria Dos Campos Conceituais de Vergnaud

teoremas expliacutecitos natildeo constituem mais do que a parte visiacutevel do iceberg da conceitualizaccedilatildeo sem a parte escondida formada pelos invariantes operatoacuterios essa parte visiacutevel natildeo seria nada Reciprocamente natildeo se pode falar de invariantes operatoacuterios integrados nos esquemas sem a ajuda de categorias do conhecimento expliacutecito proposiccedilotildees funccedilotildees proposicionais objetos argumentos (ibid)

Mas conceitos-em-accedilatildeo e teoremas-em-accedilatildeo podem progressivamente tornarem-se verdadeiros conceitos e teoremas cientiacuteficos O status do conhecimento eacute muito diferente quando ele eacute explicitado ao inveacutes de ficar totalmente imerso na accedilatildeo O conhecimento expliacutecito pode ser comunicado a outros e discutido o conhecimento impliacutecito natildeo (1998 p 175)

Em geral os alunos natildeo satildeo capazes de explicar ou mesmo expressar em linguagem natural seus teoremas e conceitos-em-accedilatildeo Na abordagem de uma situaccedilatildeo os dados a serem trabalhados e a sequumlecircncia de caacutelculos a serem feitos dependem de teoremas-em-accedilatildeo e da identificaccedilatildeo de diferentes tipos de elementos pertinentes A maioria desses conceitos e teoremas-em-accedilatildeo permanecem totalmente impliacutecitos mas eles podem tambeacutem ser expliacutecitos ou tornarem-se expliacutecitos e aiacute entra o ensino ajudar o aluno a construir conceitos e teoremas expliacutecitos e cientificamente aceitos a partir do conhecimento impliacutecito Eacute nesse sentido que conceitos-em-accedilatildeo e teoremas-em-accedilatildeo podem progressivamente tornarem-se verdadeiros conceitos e teoremas cientiacuteficos mas isso pode levar muito tempo

A teoria dos campos conceituais um resumo

A teoria dos campos conceituais de Geacuterard Vergnaud eacute uma teoria psicoloacutegica cognitivista que supotildee que o nuacutecleo do desenvolvimento cognitivo eacute a conceitualizaccedilatildeo do real (1996a p 118) Eacute uma teoria psicoloacutegica de conceitos na qual a conceitualizaccedilatildeo eacute considerada a pedra angular da cogniccedilatildeo (1998 p 173) Para Vergnaud o conhecimento estaacute organizado em campos conceituais cujo domiacutenio de parte do aprendiz ocorre ao longo de um largo periacuteodo de tempo atraveacutes de experiecircncia maturidade e aprendizagem (1982 p 40) Campo conceitual eacute um conjunto informal e heterogecircneo de problemas situaccedilotildees conceitos relaccedilotildees estruturas conteuacutedos e operaccedilotildees de pensamento conectados uns aos outros e provavelmente entrelaccedilados durante o processo de aquisiccedilatildeo (ibid) Campo conceitual eacute definido tambeacutem como sendo em primeiro lugar um conjunto de situaccedilotildees cujo domiacutenio requer por sua vez o domiacutenio de vaacuterios conceitos procedimentos e representaccedilotildees de naturezas distintas (1988 p 141 1990 p 146) Conceitos satildeo definidos por trecircs conjuntos o primeiro eacute um conjunto de situaccedilotildees que constituem o referente do conceito o segundo eacute um conjunto de invariantes operatoacuterios (teoremas e conceitos-em-accedilatildeo) que datildeo o significado do conceito e o terceiro eacute um conjunto de representaccedilotildees simboacutelicas que compotildeem seu significante

Como satildeo as situaccedilotildees que datildeo sentido aos conceitos eacute natural definir campo conceitual como sendo sobretudo um conjunto de situaccedilotildees Um conceito torna-se significativo atraveacutes de uma variedade de situaccedilotildees (1994 p 46) mas o sentido natildeo estaacute nas situaccedilotildees em si mesmas assim como natildeo estaacute nas palavras nem nos siacutembolos (1990 p 158) O sentido eacute uma relaccedilatildeo do sujeito com situaccedilotildees e significantes Mais precisamente satildeo os

esquemas ie as accedilotildees e sua organizaccedilatildeo evocados no sujeito por uma situaccedilatildeo ou por um significante que constituem o sentido dessa situaccedilatildeo ou desse significante para esse indiviacuteduo (1990 p 158 1993 p 18) Vergnaud considera que os esquemas necessariamente se referem a situaccedilotildees a tal ponto que dever-se-ia falar em interaccedilatildeo esquema-situaccedilatildeo ao inveacutes de interaccedilatildeo sujeito-objeto Esquemas tecircm como ingredientes essenciais aquilo que Vergnaud chama de invariantes operatoacuterios ie conceitos-em-accedilatildeo e teoremas-em-accedilatildeo que constituem a parte conceitual dos esquemas ie os conhecimentos contidos nos esquemas Teorema-em-accedilatildeo eacute uma proposiccedilatildeo considerada como verdadeira sobre o real conceito-em-accedilatildeo eacute uma categoria de pensamento tida como pertinente (1996c p 202) Esse conhecimento eacute principalmente impliacutecito e o aprendiz tem dificuldades em explicaacute-lo ou expressaacute-lo mas isso natildeo significa que tal conhecimento natildeo possa ser explicitado Eacute atraveacutes do processo de explicitaccedilatildeo do conhecimento impliacutecito ndash aiacute o professor tem um papel mediador fundamental ndash que os teoremas-em-accedilatildeo e conceitos-em-accedilatildeo podem tornar-se verdadeiros teoremas e conceitos cientiacuteficos Uma proposiccedilatildeo expliacutecita pode ser debatida uma proposiccedilatildeo tida como verdadeira de maneira totalmente impliacutecita natildeo Assim o caraacuteter do conhecimento muda se for comunicaacutevel debatido e compartilhado (op cit p 204)

A figura 1 apresenta um mapa conceitual para a teoria de Vergnaud ou seja um diagrama conceitual destacando os conceitos-chave da teoria e suas principais interrelaccedilotildees As palavras que aparecem sobre as linhas conectando os conceitos procuram explicitar a natureza da relaccedilatildeo entre elas Por exemplo a relaccedilatildeo entre situaccedilotildees e conceitos eacute referente pois as situaccedilotildees eacute que datildeo sentido ao conceito ie constituem o referente do conceito Outro exemplo a interaccedilatildeo entre situaccedilotildees e esquemas eacute a fonte primaacuteria das representaccedilotildees simboacutelicas e estas constituem o significante de um conceito As setas quando existem sugerem apenas uma direccedilatildeo para leitura

Ao mesmo tempo que se afasta de Piaget ndash ocupando-se do estudo do funcionamento cognitivo do sujeito-em-situaccedilatildeo ao inveacutes de ocupar-se de operaccedilotildees loacutegicas gerais ou de estruturas gerais de pensamento e tomando como referecircncia o proacuteprio conteuacutedo do conhecimento e a anaacutelise conceitual do domiacutenio desse conhecimento (1994 p 41 Franchi 1999 p 160) ndash a teoria de Vergnaud tem forte base piagetiana que se manifesta principalmente no importante papel que o conceito de esquema tem nessa teoria Por outro lado tem tambeacutem influecircncia vygotskyana pois considera o professor como importante mediador no longo processo que caracteriza o progressivo domiacutenio de um campo conceitual pelo aluno Sua tarefa consiste principalmente em ajudar o aluno a desenvolver seu repertoacuterio de esquemas e representaccedilotildees Novos esquemas natildeo podem ser desenvolvidos sem novos invariantes operatoacuterios A linguagem e os siacutembolos satildeo importantes nesse processo de acomodaccedilatildeo e o professor faz amplo uso deles na sua funccedilatildeo mediadora Mas o principal ato mediador do professor eacute o de prover situaccedilotildees frutiacuteferas aos alunos (1998 p 181) Um conceito ou uma proposiccedilatildeo torna-se significativo atraveacutes de uma variedade de situaccedilotildees mas natildeo se capta o significado sozinho O papel mediador do professor eacute essencial (1994 p 44)

A teoria dos campos conceituais o ensino de ciecircncias e a pesquisa nessa aacuterea

Basta dar atenccedilatildeo agrave bibliografia usada neste trabalho para perceber que a teoria de Vergnaud tem sido utilizada principalmente como referencial para a educaccedilatildeo matemaacutetica Nada mais natural pois as pesquisas de Vergnaud e que sustentam sua teoria tecircm focalizado a aprendizagem e o ensino da Matemaacutetica particularmente das estruturas aditivas e multiplicativas Natildeo obstante como foi dito na introduccedilatildeo essa teoria natildeo eacute especiacutefica da Matemaacutetica e justamente por isso este texto tem por objetivo descrevecirc-la e divulgaacute-la entre professores de ciecircncias e pesquisadores em educaccedilatildeo em ciecircncias

Nas proacuteximas seccedilotildees seratildeo comentadas algumas implicaccedilotildees da teoria dos campos conceituais de Vergnaud para o ensino de ciecircncias e para a pesquisa nesse campo

Conhecimento PreacutevioAprendizagem significativa

A teoria dos campos conceituais destaca que a aquisiccedilatildeo de conhecimento eacute moldada pelas situaccedilotildees e problemas previamente dominados e que esse conhecimento tem portanto muitas caracteriacutesticas contextuais Assim muitas de nossas concepccedilotildees vecircm das primeiras situaccedilotildees que fomos capazes de dominar ou de nossa experiecircncia tentando modificaacute-las (1996 a p 117) No entanto existe provavelmente uma lacuna consideraacutevel entre os invariantes que os sujeitos constroacuteem ao interagir com o meio e os invariantes que constituem o conhecimento cientiacutefico

As concepccedilotildees preacutevias dos alunos tecircm sido consideradas como erros misconceptionsconcepccedilotildees ingecircnuas concepccedilotildees alternativa em relaccedilatildeo agraves concepccedilotildees cientiacuteficas Para Vergnaud (1990 p 69) esta maneira de conceber o conhecimento preacutevio supotildee a crianccedila o aluno ou o adulto aprendiz como incompletos imperfeitos ou deficientes em comparaccedilatildeo a adultos especialistas Essa abordagem segundo ele eacute inadequada agraves questotildees de desenvolvimento cognitivo aiacute envolvidas Seria muito mais frutiacutefero considerar o sujeito como um sistema dinacircmico com mecanismos regulatoacuterios capazes de assegurar seu progresso cognitivo

Muitas das concepccedilotildees errocircneas dos alunos derivam do fato de que eles atribuem a certas palavras usadas em ciecircncias para representar conceitos o mesmo significado que atribuem a essas mesmas palavras no dia-a-dia Inclusive de uma ciecircncia para outra os significados de uma mesma palavra podem ser distintos mas o aluno pode natildeo captaacute-los como distintos

As prediccedilotildees que os estudantes fazem para responder questotildees do tipo ldquoO que aconteceraacute se rdquo ou as explicaccedilotildees que datildeo para responder questotildees do tipo ldquoexpliquerdquo ldquointerpreterdquo ldquojustifiquerdquo tecircm segundo Vergnaud (ibid p 73) alguns pontos em comum Por exemplo focalizam caracteriacutesticas perceptivas e relacionadas a eventos da situaccedilatildeo accedilotildees movimentos mudanccedila no aspecto (cor aparecimento de bolhas fumaccedila vapor etc) descrevem os elementos da situaccedilatildeo apenas em termos de suas propriedades e funccedilotildees concebem de maneira assimeacutetrica as interaccedilotildees entre elementos da situaccedilatildeo implicam sequumlenciaccedilatildeo temporal e espacial Estes modos de compreensatildeo que satildeo essencialmente

do tipo ldquorelacionado a eventordquo diferentemente do tipo ldquoconceitualrdquo usado no campo das ciecircncias satildeo inadequados e frequumlentemente levam a previsotildees errocircneas

A persistecircncia das chamadas concepccedilotildees alternativas inclusive em estudantes em cursos cientiacuteficos avanccedilados tecircm recebido vaacuterias interpretaccedilotildees poreacutem Vergnaud argumenta (ibid p 74) que em praticamente todas elas o sistema de percepccedilatildeo visual tem um papel preponderante na construccedilatildeo do conhecimento pelos sujeitos mas pouca atenccedilatildeo tem sido dada ao papel funcional dessas concepccedilotildees e poucas pesquisas tecircm sido feitas sobre os problemas que os sujeitos encontram para construiacute-las Por exemplo os ldquoerrosrdquo encontrados em alguns estudos frequumlentemente decorrem de fato de que os sujeitos se deparam com questotildees que nunca se propuseram antes ou que envolvem valores natildeo usuais das variaacuteveis de uma dada situaccedilatildeo Outro exemplo de dificuldade enfrentada pelos sujeitos estaacute no fato de que os modelos cientiacuteficos fazem uso de entidades que geralmente natildeo satildeo acessiacuteveis sensorialmente Em Fiacutesica por exemplo os estudantes enfrentam uma dificuldade que tambeacutem existe na Aacutelgebra a verificaccedilatildeo do significado de representaccedilotildees simboacutelicas depende natildeo soacute da habilidade que o sujeito tenha para representar as entidades e as relaccedilotildees entre elas mas principalmente de elementos conceituais que devem ser levados em conta (conceitos como sistema estado interaccedilatildeo transferecircncia conservaccedilatildeo apenas para mencionar alguns) (ibid p 76)

O que tudo isso quer dizer eacute que eacute normal que os alunos apresentem tais concepccedilotildees e que elas devem ser consideradas como precursoras de conceitos cientiacuteficos a serem adquiridos A ativaccedilatildeo desses precursores eacute necessaacuteria e deve ser guiada pelo professor

As concepccedilotildees preacutevias dos alunos contecircm teoremas e conceitos-em-accedilatildeo que natildeo satildeo verdadeiros teoremas e conceitos cientiacuteficos mas que podem evoluir para eles Poreacutem como jaacute foi dito o hiato entre os invariantes operatoacuterios dos alunos e os do conhecimento cientiacutefico eacute grande de modo que a mudanccedila conceitual poderaacute levar muito tempo

Por outro lado pode ocorrer que certos conceitos possam ser construiacutedos somente se certas concepccedilotildees preacutevias forem abandonadas Quer dizer o conhecimento preacutevio pode funcionar como obstaacuteculo epistemoloacutegico (ibid p 83) Nesse caso a accedilatildeo mediadora do professor eacute tambeacutem imprescindiacutevel

A construccedilatildeo do conhecimento pelo aprendiz natildeo eacute um processo linear facilmente identificaacutevel Ao contraacuterio eacute complexo tortuoso demorado com avanccedilos e retrocessos continuidades e rupturas O conhecimento preacutevio eacute determinante no progressivo domiacutenio de um campo conceitual mas pode tambeacutem em alguns casos ser impeditivo Continuidades e rupturas natildeo satildeo no entanto excludentes Pode haver continuidade e ruptura A Aacutelgebra por exemplo se apoacuteia na Aritmeacutetica mas ainda assim para aprendecirc-la eacute necessaacuterio romper com a Aritmeacutetica A Mecacircnica Claacutessica e a Mecacircnica Quacircntica apresentam continuidades mas para aprender esta eacute preciso rupturas com aquela

No ensino eacute necessaacuterio desestabilizar cognitivamente o aluno mas natildeo demais Eacute preciso identificar sobre quais conhecimentos preacutevios a crianccedila pode se apoiar para aprender mas eacute forccediloso tambeacutem distinguir quais as rupturas necessaacuterias Quer dizer eacute preciso propor

tambeacutem com cuidado situaccedilotildees para as quais os alunos natildeo tecircm onde se apoiar ou natildeo devem se apoiar em conhecimentos preacutevios

As ideacuteias de Vergnaud sobre o papel do conhecimento preacutevio (que pode ser ldquoalternativordquo) como percursor de novos conhecimentos (que podem ser cientiacuteficos) e sobre as continuidades e rupturas na construccedilatildeo do conhecimento parecem ter muito a ver com a teoria da aprendizagem significativa de Ausubel (Ausubel et al 1980 Moreira 1999 a e b) Para Ausubel o conhecimento preacutevio eacute o principal fator isolado que influencia a aquisiccedilatildeo de novos conhecimentos A aprendizagem significativa se caracteriza pela interaccedilatildeo entre o novo conhecimento e o conhecimento preacutevio Eacute nessa interaccedilatildeo que o novo conhecimento adquire significados e o conhecimento preacutevio se modifica eou adquire novos significados Mas tal interaccedilatildeo natildeo eacute arbitraacuteria ou seja o novo conhecimento adquire significados pela interaccedilatildeo com conhecimentos preacutevios especificamente relevantes Em outras palavras a interaccedilatildeo natildeo eacute com qualquer conhecimento preacutevio Nesse sentido no ensino eacute preciso identificar sobre quais conhecimentos preacutevios o aluno pode se apoiar para aprender Contudo o efeito do conhecimento preacutevio na aprendizagem eacute tatildeo forte que em certos casos eacute preciso romper com ele Por exemplo no ensino do conceito de aprendizagem significativa pode natildeo ser adequado apoiar-se na ideacuteia de interaccedilatildeo pois esta pode estar fortemente arraigada na estrutura cognitiva como sendo uma relaccedilatildeo assimeacutetrica que poderia dificultar a compreensatildeo do fato de que na aprendizagem significativa tanto o novo conhecimento como o conhecimento preacutevio se modificam Por outro lado a compreensatildeo da aprendizagem significativa como uma relaccedilatildeo simeacutetrica ou de accedilatildeo reciacuteproca juntamente com a aprendizagem de outros processos envolvendo accedilatildeo reciacuteproca poderia levar a uma evoluccedilatildeo dos conceitos e teoremas-em-accedilatildeo associados agrave ideacuteia de interaccedilatildeo (que eacute uma ideacuteia-chave na ciecircncia) para outros progressivamente mais proacuteximos daqueles cientificamente compartilhados

Mas se a teoria dos campos conceituais eacute compatiacutevel com a teoria da aprendizagem significativa por que natildeo ficar com esta que eacute bastante mais conhecida e aceita no ensino de ciecircncias A resposta eacute que podem ser tomadas como complementares a teoria de Ausubel eacute uma teoria de aprendizagem em sala de aula de aquisiccedilatildeo de corpos organizados de conhecimento em situaccedilatildeo formal de ensino enquanto que a teoria de Vergnaud eacute uma teoria psicoloacutegica do processo de conceituaccedilatildeo do real que se propotildee a localizar e estudar continuidades e rupturas entre conhecimentos do ponto de vista de seu conteuacutedo conceitual A teoria de Vergnaud natildeo eacute uma teoria de ensino de conceitos expliacutecitos e formalizados embora tenha subjacente a ideacuteia de que os conhecimentos-em-accedilatildeo (largamente impliacutecitos) podem evoluir ao longo do tempo para conhecimentos cientiacuteficos (expliacutecitos) A teoria de Ausubel por outro lado se ocupa exatamente da aquisiccedilatildeo de conceitos expliacutecitos e formalizados chegando inclusive a propor princiacutepios programaacuteticos ndash como a diferenciaccedilatildeo progressiva a reconciliaccedilatildeo integradora e a consolidaccedilatildeo ndash para a organizaccedilatildeo do ensino

Ao resgatar e enriquecer o conceito de esquema introduzindo os conceitos de teorema-em-accedilatildeo e conceito-em-accedilatildeo ao definir conceito como um tripleto ao colocar a conceitualizaccedilatildeo no acircmago do desenvolvimento cognitivo ao priorizar a interaccedilatildeo sujeito-situaccedilatildeo e como natildeo poderia deixar de ser ao definir campo conceitual Vergnaud provecirc um referencial muito rico para compreender explicar e investigar o processo da

aprendizagem significativa A teoria dos campos conceituais de Vergnaud parece prover um referencial adequado para analisar a estrutura fina da teoria da aprendizagem significativa de Ausubel O que para Ausubel satildeo campos organizados de conhecimento para Vergnaud satildeo campos conceituais

ProfessorEnsino

Um determinado campo conceitual como o da Eletricidade por exemplo pode ser progressivamente dominado por um aprendiz mas o ensino atraveacutes da accedilatildeo mediadora do professor eacute essencial para isso Professores satildeo mediadores Sua tarefa eacute a de ajudar os alunos a desenvolver seu repertoacuterio de esquemas e representaccedilotildees (1998 p 180) Desenvolvendo novos esquemas os alunos tornam-se capazes de enfrentar situaccedilotildees cada vez mais complexas Novos esquemas natildeo podem ser desenvolvidos sem novos invariantes operacionais A linguagem e os siacutembolos satildeo importantes nesse processo Os professores usam palavras e sentenccedilas para explicar formular questotildees selecionar informaccedilotildees propor metas expectativas regras e planos Contudo sua accedilatildeo mediadora mais importante eacute a de prover situaccedilotildees (de aprendizagem) frutiacuteferas para os estudantes (ibid) Tais situaccedilotildees devem ser cuidadosamente escolhidas ordenadas diversificadas apresentadas no momento certo e dentro da zona de desenvolvimento proximal do aluno Sem duacutevida uma tarefa difiacutecil mas essencial

Para Vergnaud o desenvolvimento cognitivo depende de situaccedilotildees e conceitualizaccedilotildees especiacuteficas para lidar com elas Satildeo as situaccedilotildees que datildeo sentido aos conceitos elas eacute que satildeo responsaacuteveis pelo sentido atribuiacutedo ao conceito (Barais amp Vergnaud 1990 p 78) um conceito torna-se significativo atraveacutes de uma variedade de situaccedilotildees (1994 p 46) mas o sentido natildeo estaacute nas situaccedilotildees em si mesmas assim como natildeo estaacute nas palavras nem nos siacutembolos (1990 p 158)

Cabe aqui lembrar que embora estejamos falando do ensino e do papel do professor na perspectiva de Vergnaud as situaccedilotildees antes referidas natildeo satildeo situaccedilotildees didaacuteticas propriamente ditas mas sim tarefas problemas

O papel do professor como mediador provedor de situaccedilotildees problemaacuteticas frutiacuteferas estimuladoras da interaccedilatildeo sujeito-situaccedilatildeo que leva agrave ampliaccedilatildeo e agrave diversificaccedilatildeo de seus esquemas de accedilatildeo ou seja ao desenvolvimento cognitivo deixa ainda mais evidente que a teoria de Vergnaud tem tambeacutem forte influecircncia vigotskyana

Haacute no entanto outra importante implicaccedilatildeo da teoria dos campos conceituais para o ensino a questatildeo do conhecimento impliacutecito e do conhecimento expliacutecito A escola segundo Vergnaud (1994 p 47) superestima o conhecimento expliacutecito e subestima ateacute mesmo desvaloriza o conhecimento impliacutecito dos alunos Contudo a maior parte de nossa atividade fiacutesica e mental de nosso comportamento enfim eacute constituiacuteda de esquemas e estes tecircm como componentes essenciais os invariantes operatoacuterios (conceitos e teoremas-em-accedilatildeo) que constituem os conhecimentos contidos nos esquemas e que satildeo largamente impliacutecitos Quer dizer haacute muito de impliacutecito nos esquemas Os alunos em geral natildeo satildeo capazes de explicar ou expressar em linguagem natural seus teoremas-em-accedilatildeo ainda que

sejam capazes de resolver certas tarefas (situaccedilotildees) Natildeo soacute alunos qualquer pessoa muitas vezes eacute incapaz de colocar em palavras coisas que faz muito bem conhecimentos que tem Haacute um hiato entre a accedilatildeo e a formalizaccedilatildeo da accedilatildeo Agimos com o auxiacutelio de invariantes operatoacuterios sem expressaacute-los ou sem sermos capazes de expressaacute-los A anaacutelise cognitiva dessas accedilotildees muitas vezes revela a existecircncia de potentes teoremas e conceitos-em-accedilatildeo impliacutecitos Esse conhecimento no entanto natildeo pode ser apropriadamente chamado de conceitual pois o conhecimento conceitual eacute necessariamente expliacutecito (Vergnaud et al 1990 p 20) Portanto palavras e outros siacutembolos sentenccedilas e outras expressotildees simboacutelicas satildeo instrumentos cognitivos indispensaacuteveis para a transformaccedilatildeo de invariantes operatoacuterios impliacutecitos em conceitos e teoremas cientiacuteficos expliacutecitos (ibid) Quer dizer a formalizaccedilatildeo ndash o ensino direcionado agrave formalizaccedilatildeo ndash eacute necessaacuteria poreacutem eacute preciso levar em conta que as ideacuteias cientiacuteficas evoluem no aluno durante um longo periacuteodo de desenvolvimento cognitivo atraveacutes de uma variedade de situaccedilotildees e atividades e que qualquer conhecimento formal e axiomatizado que o aluno apresenta pode natildeo ser mais do que a parte visiacutevel de um iceberg formado basicamente por conhecimentos impliacutecitos (op cit p 21) O ensino de ciecircncias natildeo pode deixar de lado a simbolizaccedilatildeo e a formalizaccedilatildeo porque a ciecircncia eacute simboacutelica formal e expliacutecita mas eacute preciso ter sempre em mente que o conhecimento do aluno como de qualquer outro sujeito eacute em grande parte impliacutecito O ensino de ciecircncias deve facilitar a transformaccedilatildeo do conhecimento impliacutecito em expliacutecito sem nunca subestimaacute-lo ou desvalorizaacute-lo A trajetoacuteria do aprendiz ao longo de um campo conceitual cientiacutefico eacute sinuosa difusa difiacutecil e sobretudo demorada Natildeo se pode esperar que um aluno domine um campo conceitual como o da Termodinacircmica por exemplo atraveacutes de uma ou duas unidades didaacuteticas desenvolvidas ao longo de dois ou trecircs meses Eacute normal que o aluno continue usando conhecimentos impliacutecitos ao mesmo tempo que vai se apropriando dos conhecimentos expliacutecitos da ciecircncia A perspectiva dos campos conceituais eacute progressiva natildeo substitutiva Ou seja o campo conceitual vai sendo progressivamente dominado pelo aprendiz o conhecimento impliacutecito vai evoluindo progressivamente para o expliacutecito ao inveacutes de ser substituiacutedo por ele Isso como alerta Vergnaud pode levar muito tempo muitos anos talvez mas o ensino e em uacuteltima anaacutelise o professor tecircm um papel essencial nesse processo Sem o ensino natildeo haacute razatildeo nenhuma para se acreditar que o sujeito passe a dominar campos conceituais complexos e formalizados como os cientiacuteficos

Resoluccedilatildeo de Problemas

O ensino de ciecircncias tradicionalmente envolve trecircs aspectos principais profundamente interrelacionados o conhecimento teoacuterico (conceitos leis princiacutepios equaccedilotildees) as praacuteticas de laboratoacuterio (experimentos demonstraccedilotildees procedimentos cientiacuteficos) e a resoluccedilatildeo de problemas (abertos fechados como investigaccedilatildeo de papel e laacutepis) Obviamente qualquer professor experiente sabe que essa distinccedilatildeo eacute artificial o conhecimento cientiacutefico eacute produzido atraveacutes da interaccedilatildeo entre o domiacutenio conceitual e o metodoloacutegico Poreacutem na perspectiva de Vergnaud esta interdependecircncia entre a teoria e a praacutetica fica muito clara

Como jaacute foi dito reiteradamente ao longo deste texto satildeo as situaccedilotildees[1] que datildeo sentido aos conceitos um conceito torna-se significativo atraveacutes de uma variedade de situaccedilotildees os conhecimentos dos alunos satildeo moldados pelas situaccedilotildees que encontram e

progressivamente dominam Embora o conceito de situaccedilatildeo tenha na teoria dos campos conceituais o significado de tarefa podemos supor que no acircmbito das ciecircncias situaccedilatildeo significa tambeacutem problema Ou podemos falar em situaccedilotildees e problemas como faz o proacuteprio Vergnaud ao dizer que ldquoa aquisiccedilatildeo de conhecimento eacute moldada pelas situaccedilotildees e problemas previamente dominados e portanto o conhecimento do sujeito tem muitos aspectos locaisrdquo (1994 p 42) Em outro trabalho bastante anterior a esse Vergnaud diz que ldquona verdade os conceitos se desenvolvem atraveacutes da resoluccedilatildeo de problemas e esse desenvolvimento eacute lentordquo (1983b p 172)

Isso significa que a resoluccedilatildeo de problemas ou as situaccedilotildees de resoluccedilatildeo de problemas satildeo essenciais para a conceitualizaccedilatildeo mas como chama atenccedilatildeo Vergnaud (1994 p 42) ldquoum problema natildeo eacute um problema para um indiviacuteduo a menos que ele ou ela tenha conceitos que oa tornem capaz de consideraacute-lo como um problema para si mesmordquo Ou seja haacute uma relaccedilatildeo dialeacutetica e ciacuteclica entre a conceitualizaccedilatildeo e a resoluccedilatildeo de problemas Para Vergnaud a problematizaccedilatildeo vai muito aleacutem da abstraccedilatildeo de regularidades do mundo observaacutevel Problemas satildeo teoacutericos e praacuteticos natildeo meramente empiacutericos mesmo para crianccedilas pequenas Quando uma classe de problemas eacute resolvida por um indiviacuteduo (o que significa que ela ou ele desenvolve um esquema eficiente para lidar com todos ou quase todos os problemas dessa classe) o caraacuteter problemaacutetico dessa classe especiacutefica desaparece (ibid) Mas essa competecircncia desenvolvida pelo indiviacuteduo o habilita a reconhecer ou considerar novos problemas para si mesmo trata-se entatildeo de um processo ciacuteclico

Vergnaud chama de ldquoilusatildeo pedagoacutegicardquo (1983 b p 173) a atitude dos professores que crecircem que o ensino de Fiacutesica digamos consiste na apresentaccedilatildeo organizada clara rigorosa das teorias formais e que quando isso eacute bem feito os alunos aprendem Trata-se de uma ilusatildeo porque segundo ele eacute atraveacutes de situaccedilotildees de resoluccedilatildeo de problemas que os conceitos se desenvolvem no aluno e as situaccedilotildees de resoluccedilatildeo de problemas que tornam os conceitos significativos para os alunos podem estar pelo menos inicialmente muito distantes do formalismo apresentado pelo professor Mas apesar disso tais situaccedilotildees satildeo essenciais para o desenvolvimento de conceitos Quer dizer ao mesmo tempo que as situaccedilotildees formais satildeo necessaacuterias eacute preciso levar em consideraccedilatildeo que o aluno pode estar ainda muito longe delas (1983 b p 172)

Novamente podemos estabelecer um certo paralelo entre as teorias de Ausubel e Vergnaud A aprendizagem receptiva de Ausubel poderia ser interpretada como a ilusatildeo pedagoacutegica de Vergnaud mas natildeo eacute assim Ausubel certamente defenderia a apresentaccedilatildeo organizada clara rigorosa das teoria formais poreacutem desde que fossem potencialmente significativas o que implicaria que o aprendiz tivesse o conhecimento preacutevio adequado e se dispusesse a aprender Isso estaria de acordo com a postura de Vergnaud no sentido de que o domiacutenio de situaccedilotildees preacutevias eacute importante para o domiacutenio de situaccedilotildees novas Acrescente-se a isso que para Ausubel a resoluccedilatildeo de problemas em particular de situaccedilotildees problemaacuteticas novas e natildeo familiares que requeiram maacutexima transformaccedilatildeo do conhecimento adquirido eacute a principal evidecircncia da aprendizagem significativa (Ausubel et al 1980)

A teoria de Vergnaud parece ser entatildeo um bom referencial para anaacutelise das dificuldades dos alunos na resoluccedilatildeo de problemas em ciecircncias e consequumlentemente da conceitualizaccedilatildeo em ciecircncias Tais dificuldades poderiam por exemplo ser examinadas em

termos de invariantes operatoacuterios quer dizer em termos de quais os conceitos e teoremas-em-accedilatildeo que os estudantes estariam usando na resoluccedilatildeo de problemas e de quatildeo distantes estariam dos conceitos e teoremas cientiacuteficos adequados agrave resoluccedilatildeo do problema em pauta

Representaccedilotildees[2]

No tripleto C (S I R) que define conceito (p 4 deste trabalho) Vergnaud dizia que S (o conjunto de situaccedilotildees que datildeo sentido ao conceito) eacute a realidade e (I R) a representaccedilatildeo dessa realidade que pode ser considerada como dois aspectos interagentes do pensamento o significado (I) e o significante (R)

Isso sugere que inicialmente Vergnaud usava o termo representaccedilatildeo como sendo o de um sistema simboacutelico que significaria algo para o sujeito um sistema de signos e uma sintaxe ou operaccedilotildees sobre elementos do sistema Para ele conceitos e siacutembolos eram duas faces da mesma moeda e devia-se sempre dar atenccedilatildeo ao uso que os alunos faziam dos siacutembolos agrave luz do uso que faziam dos conceitos Quer dizer a habilidade em resolver situaccedilotildees em linguagem natural seria o melhor criteacuterio para aquisiccedilatildeo de conceitos mas por outro lado a simbolizaccedilatildeo ajudaria nisso (1982 p 57) Assim como haacute problemas mais facilmente resolviacuteveis do que outros ou procedimentos mais faacuteceis do que outros haveria representaccedilotildees simboacutelicas mais potentes do que outras equaccedilotildees por exemplo seriam mais potentes que diagramas de Euler-Venn Todavia tais equaccedilotildees deveriam representar situaccedilotildees significativas

Poreacutem em outro trabalho mais recente (1998 p 173) Vergnaud fala em teorias de representaccedilotildees e diz que para ser uacutetil uma teoria dessas deve conter a ideacuteia de que as representaccedilotildees ofereccedilam possibilidades de inferecircncia ie que elas nos tornem capazes de antecipar eventos futuros e gerar condutas para chegar a algum efeito positivo ou evitar algum efeito negativo

Diz ele (op cit p 174) que temos representaccedilotildees computaacuteveis para gestos e accedilotildees sobre o mundo fiacutesico bem como para comportamentos verbais e para interaccedilotildees sociais Tais representaccedilotildees podem ser corretas ou erradas vagas ou precisas expliacutecitas ou totalmente impliacutecitas em qualquer caso elas funcionam como substitutos computaacuteveis da realidade e portanto satildeo feitas de teoremas-em-accedilatildeo proposiccedilotildees tidas como verdadeiras

A construccedilatildeo do conhecimento consiste entatildeo na progressiva construccedilatildeo de representaccedilotildees mentais que satildeo homomoacuterficas agrave realidade para alguns aspectos e para outros natildeo (1990 p 22) Por um lado a representaccedilatildeo eacute ativa pragmaacutetica e operacional por outro eacute discursiva teoacuterica e simboacutelica (ibid) Mas haacute importantes lacunas entre o que estaacute representado na mente de um indiviacuteduo e o significado usual das palavras e outros signos pois sistemas linguumliacutesticos e semioacuteticos natildeo tecircm por finalidade expressar exatamente o que cada indiviacuteduo tem em mente quando enfrenta uma situaccedilatildeo selecionando e processando a informaccedilatildeo (1998 p 176) Para Vergnaud a relaccedilatildeo entre situaccedilotildees e esquemas eacute a fonte primaacuteria da representaccedilatildeo mas sua teoria afasta-se muito da visatildeo de que um objeto pode ser representado mentalmente de maneira natildeo ambiacutegua atraveacutes de

siacutembolos Por maior que seja (e eacute grande) o papel dos siacutembolos no pensamento o conhecimento natildeo eacute em essecircncia simboacutelico O reconhecimento de invariantes em accedilatildeo e percepccedilatildeo e a progressiva construccedilatildeo de objetos e predicados de niacutevel mais alto satildeo aspectos mais essenciais do conhecimento (op cit p 177)

Podemos entatildeo fazer uma ponte entre os significados mais recentes de representaccedilatildeo na teoria de Vergnaud e a teoria tambeacutem recente dos modelos mentais (Johnson-Laird 1983 Moreira 1996) Dizer que temos representaccedilotildees computaacuteveis para gestos e accedilotildees sobre o mundo fiacutesico para comportamentos verbais e para interaccedilotildees sociais e que tais representaccedilotildees -- que podem ser corretas ou erradas vagas ou precisas expliacutecitas ou (principalmente) impliacutecitas -- permitem fazer inferecircncias eacute praticamente dizer que tais representaccedilotildees satildeo modelos mentais Johnson-Laird define modelos mentais como anaacutelogos estruturais de estados de coisas do mundo Satildeo instrumentos de compreensatildeo e inferecircncia Quando nos defrontamos com uma situaccedilatildeo nova construiacutemos um modelo mental para entendecirc-la descrevecirc-la e prever o que vai acontecer Este modelo pode ser correto ou natildeo (no sentido de que suas previsotildees natildeo satildeo corretas cientificamente) pode ser vago confuso incompleto mas eacute sobretudo funcional para seus construtor e pode ser modificado recursivamente ateacute atingir tal funcionalidade

Modelos mentais podem ser basicamente proposicionais ie constituiacutedos principalmente de proposiccedilotildees ou basicamente imagiacutesticos ou seja construiacutedos predominantemente com imagens ou ainda hiacutebridos quer dizer formados por proposiccedilotildees e imagens (Greca e Moreira 1997) Entatildeo as proposiccedilotildees constituintes dos modelos mentais podem ser interpretadas como teoremas-em-accedilatildeo de Vergnaud Como ele mesmo diz as representaccedilotildees funcionam como substitutos computaacuteveis da realidade e portanto satildeo feitas de teoremas-em-accedilatildeo Com o progressivo domiacutenio de um campo conceitual os teoremas-em-accedilatildeo (grandemente impliacutecitos) vatildeo se aproximando de teoremas cientiacuteficos (proposiccedilotildees expliacutecitas) Analogamente agrave medida que o sujeito adquire mais conhecimentos cientiacuteficos seus modelos mentais aproximam-se (no sentido de que permitem dar significados cientificamente aceitos) dos modelos cientiacuteficos

Pode-se assim dizer que os modelos mentais de Johnson-Laird contecircm aquilo que Vergnaud chama de teoremas-em-accedilatildeo ou seja proposiccedilotildees tidas como verdadeiras sobre o real Mas esta aparente compatibilidade entre as duas teorias pode ir aleacutem pois os conceitos-em-accedilatildeo de Vergnaud tambeacutem podem integrar modelos mentais Conceitos-em-accedilatildeo satildeo objetos predicados ou categorias de pensamento tidos como pertinentes relevantes agrave situaccedilatildeo Analogamente segundo o princiacutepio do construtivismo (Johnson-Laird 1983 p 398) um modelo mental eacute construiacutedo a partir de sinais (tokens) dispostos em uma estrutura particular para representar em certo estado de coisas (isto eacute uma certa situaccedilatildeo) Se interpretaacutessemos esses sinais (tokens) como objetos predicados ou categorias de pensamento pertinentes dir-se-ia que os modelos mentais contecircm tambeacutem conceitos-em-accedilatildeo

Contudo eacute importante natildeo confundir modelos mentais com esquemas de assimilaccedilatildeo Para Vergnaud os invariantes operatoacuterios (teoremas e conceitos-em-accedilatildeo) satildeo componentes essenciais dos esquemas e acabamos de dizer que os modelos mentais contecircm proposiccedilotildees e sinais (tokens) que podem ser interpretados como invariantes operatoacuterios mas ainda

assim modelos mentais e esquemas satildeo construtos distintos Modelo mental eacute instrumento de compreensatildeo construiacutedo no momento da compreensatildeo e descartaacutevel se for alcanccedilada (para o construtor) a funcionalidade desejada (ou seja a compreensatildeo mesmo que natildeo compartilhada cientificamente) Esquema de assimilaccedilatildeo eacute segundo Vergnaud a organizaccedilatildeo invariante do comportamento para uma determinada classe de situaccedilotildees Portanto esquemas de assimilaccedilatildeo satildeo mais estaacuteveis o sujeito constroacutei determinado esquema e o utiliza para assimilar uma certa classe de situaccedilotildees ou seja usa sempre o mesmo esquema para cada situaccedilatildeo dessa classe Mas frente a uma situaccedilatildeo nova eacute preciso acomodar ou seja construir um novo esquema de assimilaccedilatildeo e eacute exatamente aiacute que parece encaixar bem a ideacuteia de modelo mental para compreender uma nova situaccedilatildeo o sujeito constroacutei inicialmente um modelo mental (que como foi dito pode conter invariantes operatoacuterios) natildeo um esquema de assimilaccedilatildeo Na medida em que a nova situaccedilatildeo deixa de ser nova e passa a ser rotineira o modelo mental evolui para esquema de assimilaccedilatildeo quer dizer se estabiliza Mas isso natildeo quer dizer que todo modelo mental venha a se transformar em esquema de assimilaccedilatildeo Modelos mentais satildeo recursivos o que significa que vatildeo sendo construiacutedos e modificados quase que simultaneamente ateacute que se tornem funcionais quando entatildeo podem ser descartados ou talvez ldquoguardadosrdquo ateacute que se tornem esquemas de assimilaccedilatildeo Trata-se ao que parece de um bom assunto para pesquisar

Pesquisa

Como uacuteltimo toacutepico deste texto abordar-se-aacute a pesquisa em ensino de ciecircncias no referencial da teoria dos campos conceituais Vejamos primeiramente no entanto o que diz Vergnaud sobre a pesquisa em campos conceituais

Segundo ele (1988 p 149) a abordagem canocircnica ao estudo de um campo conceitual envolve identificar e classificar situaccedilotildees e entatildeo coletar dados sobre procedimentos e outras maneiras atraveacutes das quais os estudantes expressam seu raciociacutenio Um ciclo de pesquisa inicia com a identificaccedilatildeo de niacuteveis de objetos relaccedilotildees e teoremas-em-accedilatildeo O ciclo continua entatildeo com o delineamento de situaccedilotildees e materiais e sua experimentaccedilatildeo com alunos completando-se com a construccedilatildeo de representaccedilotildees simboacutelicas atraveacutes da observaccedilatildeo e anaacutelise dos diferentes fenocircmenos que ocorrem (ibid) Comeccedila entatildeo um segundo ciclo para melhorar o primeiro e assim sucessivamente O estudo do domiacutenio de certos campos conceituais eacute um programa de longo prazo que dificilmente pode ser feito por um pesquisador isolado ou mesmo por um grupo de pesquisa isolado

Portanto o primeiro passo para estudar o progressivo domiacutenio de um campo conceitual por parte do aluno eacute identificar e classificar situaccedilotildees Mas isso envolve duas ideacuteias principais diversidade e histoacuteria Ou seja existe uma grande variedade de situaccedilotildees em um dado campo conceitual e as aprendizagens dos alunos satildeo moldadas pelas situaccedilotildees com as quais se depararam e progressivamente dominaram particularmente as primeiras suscetiacuteveis de dar sentido aos conceitos e procedimentos que lhes queremos ensinar (1990 p 150) A combinaccedilatildeo dessas duas ideacuteias dificulta o trabalho do pesquisador em ensino porque a primeira o dirige para a anaacutelise para a decomposiccedilatildeo em elementos simples e para as possiacuteveis combinaccedilotildees de situaccedilotildees enquanto que a segunda o orienta para a busca de

situaccedilotildees funcionais quase sempre compostas de vaacuterias relaccedilotildees cuja importacircncia relativa estaacute largamente ligada agrave frequumlecircncia com que satildeo encontradas (ibid)

Em outras palavras o estudo psicogeneacutetico da aquisiccedilatildeo de um campo conceitual implica a anaacutelise em termos relacionais e hieraacuterquicos das diferentes classes de problemas que podem ser propostos aos alunos Implica tambeacutem o estudo dos distintos procedimentos e representaccedilotildees simboacutelicas que o aprendiz utiliza (1982 p 40) Em relaccedilatildeo agraves representaccedilotildees Vergnaud diz (1994 p 43) que eacute uma tarefa essencial teoacuterica e empiacuterica dos pesquisadores entender por que uma certa representaccedilatildeo simboacutelica particular pode ser uacutetil e sob quais condiccedilotildees e quando e por que pode ser proveitosamente substituiacuteda por outra mais abstrata e geral

Embora Vergnaud e vaacuterios pesquisadores que trabalham sob o referencial de sua teoria tenham se dedicado principalmente agrave pesquisa em educaccedilatildeo matemaacutetica e em particular ao estudo dos campos conceituais das estruturas aditivas e multiplicativas essa abordagem agrave pesquisa certamente se aplica ao ensino de ciecircncias ou agrave educaccedilatildeo em ciecircncias se preferirmos esta terminologia Na resoluccedilatildeo de problemas por exemplo pode-se analisar as dificuldades dos alunos em termos de invariantes operatoacuterios Quer dizer os alunos muitas vezes resolvem problemas usando conhecimentos-em-accedilatildeo que podem ateacute conduzi-los agrave uma soluccedilatildeo satisfatoacuteria para uma certa situaccedilatildeo mas que natildeo funcionam para outra situaccedilatildeo ligeiramente diferente da primeira porque tais conhecimentos natildeo satildeo cientiacuteficos e tampouco constituem um esquema de assimilaccedilatildeo que pode ser aplicado a uma classe de situaccedilotildees Por outro lado tais conhecimentos-em-accedilatildeo mdash que satildeo largamente impliacutecitos mdash podem ser precursores na aquisiccedilatildeo de conceitos cientiacuteficos e portanto devem ser identificados ie pesquisados Os trabalhos de Sousa (2001) e de Sousa e Faacutevero (2002) no qual a resoluccedilatildeo de problemas em Fiacutesica foi investigada em uma situaccedilatildeo de interlocuccedilatildeo entre um especialista e um novato eacute um exemplo nessa direccedilatildeo Costa e Moreira (2002) e Escudero e Moreira (2002) tambeacutem estatildeo trabalhando em resoluccedilatildeo de problemas em Fiacutesica e procurando interpretar as dificuldades dos alunos na construccedilatildeo de modelos mentais do enunciado agrave luz de aspectos da teoria dos campos conceituais

O estudo da aprendizagem de conceitos fiacutesicos tambeacutem pode ser feito no referencial teoacuterico de Vergnaud Para ele satildeo as situaccedilotildees que datildeo sentido ao conceito os invariantes operatoacuterios que constituem seu significado e as representaccedilotildees simboacutelicas o seu significante Portanto como sugere Vergnaud eacute preciso identificar e classificar situaccedilotildees adequadas agrave aprendizagem de determinado conceito pesquisar os invariantes operatoacuterios usados pelos alunos e procurar entender como por que e quando uma certa representaccedilatildeo simboacutelica pode ajudar na conceitualizaccedilatildeo O trabalho de Lemeignan e Weil-Barais (1994) eacute talvez pioneiro nessa linha As pesquisas de Stipcich e Moreira (2002) sobre o conceito de interaccedilatildeo e de Moreira e Sousa (2002) a respeito do conceito de potencial eleacutetrico estatildeo usando o referencial de Vergnaud para interpretar as dificuldades dos alunos na aprendizagem significativa desses conceitos

Obviamente a teoria dos campos conceituais pode tambeacutem ser usada como referente teoacuterico em pesquisas sobre mudanccedila conceitual De um modo geral pode-se dizer que essa teoria eacute potencialmente uacutetil na anaacutelise das dificuldades dos alunos na resoluccedilatildeo de problemas em ciecircncias na aprendizagem de conceitos cientiacuteficos e na mudanccedila conceitual

Uma vez identificadas tais dificuldades essa mesma teoria pode ajudar no delineamento de estrateacutegias ou melhor na seleccedilatildeo de situaccedilotildees instrucionais que possam ajudar na progressiva superaccedilatildeo de tais dificuldades ou em outras palavras no progressivo (e lento) domiacutenio do(s) campo(s) conceitual(is) envolvido(s) Esse domiacutenio progressivo implica capacidade de resolver problemas conceitualizaccedilatildeo e mudanccedila (evoluccedilatildeo) conceitual

Natildeo tatildeo oacutebvia eacute a possibilidade de investigar questotildees como a modelagem mental no referencial de Vergnaud poreacutem uma vez aceita a compatibilidade aludida na seccedilatildeo anterior entre a teoria dos modelos mentais e a teoria dos campos conceituais tal possibilidade decorre naturalmente Enfim a potencialidade do uso da teoria de Vergnaud na pesquisa e ensino de ciecircncias parece ser grande Nesta seccedilatildeo foram apenas aventadas possibilidades e referidos alguns estudos

Conclusatildeo

Este trabalho teve por objetivo descrever a teoria dos campos conceituais de Geacuterard Vergnaud particularmente para uma audiecircncia de professores e pesquisadores em ensino de ciecircncias Essa teoria eacute bastante conhecida na aacuterea da educaccedilatildeo matemaacutetica poreacutem relativamente pouco no campo da educaccedilatildeo em ciecircncias e justamente por isso foi objeto deste texto

Trata-se de uma teoria de base piagetiana mas que afasta-se bastante de Piaget ao tomar como referecircncia o proacuteprio conteuacutedo do conhecimento e a anaacutelise conceitual do progressivo domiacutenio desse conhecimento bem como ao ocupar-se do estudo do desenvolvimento cognitivo do sujeito-em-situaccedilatildeo ao inveacutes de operaccedilotildees loacutegicas gerais de estruturas gerais do pensamento Ao fazer isso a teoria de Vergnaud apresenta um grande potencial para descrever analisar e interpretar aquilo que se passa em sala de aula na aprendizagem de matemaacutetica e ciecircncias Provavelmente esse tipo de teoria eacute o de maior utilidade para fundamentar o ensino e a pesquisa em ensino nessa aacuterea

Aleacutem de descrever a teoria propriamente dita procurou-se neste texto estabelecer elos com a teoria da aprendizagem significativa de Ausubel (outra ldquoteoria de sala de aulardquo) e com a recente teoria dos modelos mentais de Johnson-Laird assim como destacar implicaccedilotildees para o ensino e para a pesquisa em ensino de ciecircncias

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[1] Lembremos que um campo conceitual eacute em primeiro lugar um conjunto de situaccedilotildees (1998 p 141 1990 p 5) cujo domiacutenio requer o domiacutenio de vaacuterios conceitos de naturezas distintas (volta para o texto) [2] A ponte entre a teoria de Vergnaud e a teoria dos modelos mentais de Johnson-Laird feita nesta seccedilatildeo estaacute bem mais elaborada no trabalho ldquoAleacutem da detecccedilatildeo de modelos mentais dos estudantes Uma proposta representacional integradorardquo de Ileana Greca e Marco Antonio Moreira (volta para o texto)

Page 13: A Teoria Dos Campos Conceituais de Vergnaud

esquemas ie as accedilotildees e sua organizaccedilatildeo evocados no sujeito por uma situaccedilatildeo ou por um significante que constituem o sentido dessa situaccedilatildeo ou desse significante para esse indiviacuteduo (1990 p 158 1993 p 18) Vergnaud considera que os esquemas necessariamente se referem a situaccedilotildees a tal ponto que dever-se-ia falar em interaccedilatildeo esquema-situaccedilatildeo ao inveacutes de interaccedilatildeo sujeito-objeto Esquemas tecircm como ingredientes essenciais aquilo que Vergnaud chama de invariantes operatoacuterios ie conceitos-em-accedilatildeo e teoremas-em-accedilatildeo que constituem a parte conceitual dos esquemas ie os conhecimentos contidos nos esquemas Teorema-em-accedilatildeo eacute uma proposiccedilatildeo considerada como verdadeira sobre o real conceito-em-accedilatildeo eacute uma categoria de pensamento tida como pertinente (1996c p 202) Esse conhecimento eacute principalmente impliacutecito e o aprendiz tem dificuldades em explicaacute-lo ou expressaacute-lo mas isso natildeo significa que tal conhecimento natildeo possa ser explicitado Eacute atraveacutes do processo de explicitaccedilatildeo do conhecimento impliacutecito ndash aiacute o professor tem um papel mediador fundamental ndash que os teoremas-em-accedilatildeo e conceitos-em-accedilatildeo podem tornar-se verdadeiros teoremas e conceitos cientiacuteficos Uma proposiccedilatildeo expliacutecita pode ser debatida uma proposiccedilatildeo tida como verdadeira de maneira totalmente impliacutecita natildeo Assim o caraacuteter do conhecimento muda se for comunicaacutevel debatido e compartilhado (op cit p 204)

A figura 1 apresenta um mapa conceitual para a teoria de Vergnaud ou seja um diagrama conceitual destacando os conceitos-chave da teoria e suas principais interrelaccedilotildees As palavras que aparecem sobre as linhas conectando os conceitos procuram explicitar a natureza da relaccedilatildeo entre elas Por exemplo a relaccedilatildeo entre situaccedilotildees e conceitos eacute referente pois as situaccedilotildees eacute que datildeo sentido ao conceito ie constituem o referente do conceito Outro exemplo a interaccedilatildeo entre situaccedilotildees e esquemas eacute a fonte primaacuteria das representaccedilotildees simboacutelicas e estas constituem o significante de um conceito As setas quando existem sugerem apenas uma direccedilatildeo para leitura

Ao mesmo tempo que se afasta de Piaget ndash ocupando-se do estudo do funcionamento cognitivo do sujeito-em-situaccedilatildeo ao inveacutes de ocupar-se de operaccedilotildees loacutegicas gerais ou de estruturas gerais de pensamento e tomando como referecircncia o proacuteprio conteuacutedo do conhecimento e a anaacutelise conceitual do domiacutenio desse conhecimento (1994 p 41 Franchi 1999 p 160) ndash a teoria de Vergnaud tem forte base piagetiana que se manifesta principalmente no importante papel que o conceito de esquema tem nessa teoria Por outro lado tem tambeacutem influecircncia vygotskyana pois considera o professor como importante mediador no longo processo que caracteriza o progressivo domiacutenio de um campo conceitual pelo aluno Sua tarefa consiste principalmente em ajudar o aluno a desenvolver seu repertoacuterio de esquemas e representaccedilotildees Novos esquemas natildeo podem ser desenvolvidos sem novos invariantes operatoacuterios A linguagem e os siacutembolos satildeo importantes nesse processo de acomodaccedilatildeo e o professor faz amplo uso deles na sua funccedilatildeo mediadora Mas o principal ato mediador do professor eacute o de prover situaccedilotildees frutiacuteferas aos alunos (1998 p 181) Um conceito ou uma proposiccedilatildeo torna-se significativo atraveacutes de uma variedade de situaccedilotildees mas natildeo se capta o significado sozinho O papel mediador do professor eacute essencial (1994 p 44)

A teoria dos campos conceituais o ensino de ciecircncias e a pesquisa nessa aacuterea

Basta dar atenccedilatildeo agrave bibliografia usada neste trabalho para perceber que a teoria de Vergnaud tem sido utilizada principalmente como referencial para a educaccedilatildeo matemaacutetica Nada mais natural pois as pesquisas de Vergnaud e que sustentam sua teoria tecircm focalizado a aprendizagem e o ensino da Matemaacutetica particularmente das estruturas aditivas e multiplicativas Natildeo obstante como foi dito na introduccedilatildeo essa teoria natildeo eacute especiacutefica da Matemaacutetica e justamente por isso este texto tem por objetivo descrevecirc-la e divulgaacute-la entre professores de ciecircncias e pesquisadores em educaccedilatildeo em ciecircncias

Nas proacuteximas seccedilotildees seratildeo comentadas algumas implicaccedilotildees da teoria dos campos conceituais de Vergnaud para o ensino de ciecircncias e para a pesquisa nesse campo

Conhecimento PreacutevioAprendizagem significativa

A teoria dos campos conceituais destaca que a aquisiccedilatildeo de conhecimento eacute moldada pelas situaccedilotildees e problemas previamente dominados e que esse conhecimento tem portanto muitas caracteriacutesticas contextuais Assim muitas de nossas concepccedilotildees vecircm das primeiras situaccedilotildees que fomos capazes de dominar ou de nossa experiecircncia tentando modificaacute-las (1996 a p 117) No entanto existe provavelmente uma lacuna consideraacutevel entre os invariantes que os sujeitos constroacuteem ao interagir com o meio e os invariantes que constituem o conhecimento cientiacutefico

As concepccedilotildees preacutevias dos alunos tecircm sido consideradas como erros misconceptionsconcepccedilotildees ingecircnuas concepccedilotildees alternativa em relaccedilatildeo agraves concepccedilotildees cientiacuteficas Para Vergnaud (1990 p 69) esta maneira de conceber o conhecimento preacutevio supotildee a crianccedila o aluno ou o adulto aprendiz como incompletos imperfeitos ou deficientes em comparaccedilatildeo a adultos especialistas Essa abordagem segundo ele eacute inadequada agraves questotildees de desenvolvimento cognitivo aiacute envolvidas Seria muito mais frutiacutefero considerar o sujeito como um sistema dinacircmico com mecanismos regulatoacuterios capazes de assegurar seu progresso cognitivo

Muitas das concepccedilotildees errocircneas dos alunos derivam do fato de que eles atribuem a certas palavras usadas em ciecircncias para representar conceitos o mesmo significado que atribuem a essas mesmas palavras no dia-a-dia Inclusive de uma ciecircncia para outra os significados de uma mesma palavra podem ser distintos mas o aluno pode natildeo captaacute-los como distintos

As prediccedilotildees que os estudantes fazem para responder questotildees do tipo ldquoO que aconteceraacute se rdquo ou as explicaccedilotildees que datildeo para responder questotildees do tipo ldquoexpliquerdquo ldquointerpreterdquo ldquojustifiquerdquo tecircm segundo Vergnaud (ibid p 73) alguns pontos em comum Por exemplo focalizam caracteriacutesticas perceptivas e relacionadas a eventos da situaccedilatildeo accedilotildees movimentos mudanccedila no aspecto (cor aparecimento de bolhas fumaccedila vapor etc) descrevem os elementos da situaccedilatildeo apenas em termos de suas propriedades e funccedilotildees concebem de maneira assimeacutetrica as interaccedilotildees entre elementos da situaccedilatildeo implicam sequumlenciaccedilatildeo temporal e espacial Estes modos de compreensatildeo que satildeo essencialmente

do tipo ldquorelacionado a eventordquo diferentemente do tipo ldquoconceitualrdquo usado no campo das ciecircncias satildeo inadequados e frequumlentemente levam a previsotildees errocircneas

A persistecircncia das chamadas concepccedilotildees alternativas inclusive em estudantes em cursos cientiacuteficos avanccedilados tecircm recebido vaacuterias interpretaccedilotildees poreacutem Vergnaud argumenta (ibid p 74) que em praticamente todas elas o sistema de percepccedilatildeo visual tem um papel preponderante na construccedilatildeo do conhecimento pelos sujeitos mas pouca atenccedilatildeo tem sido dada ao papel funcional dessas concepccedilotildees e poucas pesquisas tecircm sido feitas sobre os problemas que os sujeitos encontram para construiacute-las Por exemplo os ldquoerrosrdquo encontrados em alguns estudos frequumlentemente decorrem de fato de que os sujeitos se deparam com questotildees que nunca se propuseram antes ou que envolvem valores natildeo usuais das variaacuteveis de uma dada situaccedilatildeo Outro exemplo de dificuldade enfrentada pelos sujeitos estaacute no fato de que os modelos cientiacuteficos fazem uso de entidades que geralmente natildeo satildeo acessiacuteveis sensorialmente Em Fiacutesica por exemplo os estudantes enfrentam uma dificuldade que tambeacutem existe na Aacutelgebra a verificaccedilatildeo do significado de representaccedilotildees simboacutelicas depende natildeo soacute da habilidade que o sujeito tenha para representar as entidades e as relaccedilotildees entre elas mas principalmente de elementos conceituais que devem ser levados em conta (conceitos como sistema estado interaccedilatildeo transferecircncia conservaccedilatildeo apenas para mencionar alguns) (ibid p 76)

O que tudo isso quer dizer eacute que eacute normal que os alunos apresentem tais concepccedilotildees e que elas devem ser consideradas como precursoras de conceitos cientiacuteficos a serem adquiridos A ativaccedilatildeo desses precursores eacute necessaacuteria e deve ser guiada pelo professor

As concepccedilotildees preacutevias dos alunos contecircm teoremas e conceitos-em-accedilatildeo que natildeo satildeo verdadeiros teoremas e conceitos cientiacuteficos mas que podem evoluir para eles Poreacutem como jaacute foi dito o hiato entre os invariantes operatoacuterios dos alunos e os do conhecimento cientiacutefico eacute grande de modo que a mudanccedila conceitual poderaacute levar muito tempo

Por outro lado pode ocorrer que certos conceitos possam ser construiacutedos somente se certas concepccedilotildees preacutevias forem abandonadas Quer dizer o conhecimento preacutevio pode funcionar como obstaacuteculo epistemoloacutegico (ibid p 83) Nesse caso a accedilatildeo mediadora do professor eacute tambeacutem imprescindiacutevel

A construccedilatildeo do conhecimento pelo aprendiz natildeo eacute um processo linear facilmente identificaacutevel Ao contraacuterio eacute complexo tortuoso demorado com avanccedilos e retrocessos continuidades e rupturas O conhecimento preacutevio eacute determinante no progressivo domiacutenio de um campo conceitual mas pode tambeacutem em alguns casos ser impeditivo Continuidades e rupturas natildeo satildeo no entanto excludentes Pode haver continuidade e ruptura A Aacutelgebra por exemplo se apoacuteia na Aritmeacutetica mas ainda assim para aprendecirc-la eacute necessaacuterio romper com a Aritmeacutetica A Mecacircnica Claacutessica e a Mecacircnica Quacircntica apresentam continuidades mas para aprender esta eacute preciso rupturas com aquela

No ensino eacute necessaacuterio desestabilizar cognitivamente o aluno mas natildeo demais Eacute preciso identificar sobre quais conhecimentos preacutevios a crianccedila pode se apoiar para aprender mas eacute forccediloso tambeacutem distinguir quais as rupturas necessaacuterias Quer dizer eacute preciso propor

tambeacutem com cuidado situaccedilotildees para as quais os alunos natildeo tecircm onde se apoiar ou natildeo devem se apoiar em conhecimentos preacutevios

As ideacuteias de Vergnaud sobre o papel do conhecimento preacutevio (que pode ser ldquoalternativordquo) como percursor de novos conhecimentos (que podem ser cientiacuteficos) e sobre as continuidades e rupturas na construccedilatildeo do conhecimento parecem ter muito a ver com a teoria da aprendizagem significativa de Ausubel (Ausubel et al 1980 Moreira 1999 a e b) Para Ausubel o conhecimento preacutevio eacute o principal fator isolado que influencia a aquisiccedilatildeo de novos conhecimentos A aprendizagem significativa se caracteriza pela interaccedilatildeo entre o novo conhecimento e o conhecimento preacutevio Eacute nessa interaccedilatildeo que o novo conhecimento adquire significados e o conhecimento preacutevio se modifica eou adquire novos significados Mas tal interaccedilatildeo natildeo eacute arbitraacuteria ou seja o novo conhecimento adquire significados pela interaccedilatildeo com conhecimentos preacutevios especificamente relevantes Em outras palavras a interaccedilatildeo natildeo eacute com qualquer conhecimento preacutevio Nesse sentido no ensino eacute preciso identificar sobre quais conhecimentos preacutevios o aluno pode se apoiar para aprender Contudo o efeito do conhecimento preacutevio na aprendizagem eacute tatildeo forte que em certos casos eacute preciso romper com ele Por exemplo no ensino do conceito de aprendizagem significativa pode natildeo ser adequado apoiar-se na ideacuteia de interaccedilatildeo pois esta pode estar fortemente arraigada na estrutura cognitiva como sendo uma relaccedilatildeo assimeacutetrica que poderia dificultar a compreensatildeo do fato de que na aprendizagem significativa tanto o novo conhecimento como o conhecimento preacutevio se modificam Por outro lado a compreensatildeo da aprendizagem significativa como uma relaccedilatildeo simeacutetrica ou de accedilatildeo reciacuteproca juntamente com a aprendizagem de outros processos envolvendo accedilatildeo reciacuteproca poderia levar a uma evoluccedilatildeo dos conceitos e teoremas-em-accedilatildeo associados agrave ideacuteia de interaccedilatildeo (que eacute uma ideacuteia-chave na ciecircncia) para outros progressivamente mais proacuteximos daqueles cientificamente compartilhados

Mas se a teoria dos campos conceituais eacute compatiacutevel com a teoria da aprendizagem significativa por que natildeo ficar com esta que eacute bastante mais conhecida e aceita no ensino de ciecircncias A resposta eacute que podem ser tomadas como complementares a teoria de Ausubel eacute uma teoria de aprendizagem em sala de aula de aquisiccedilatildeo de corpos organizados de conhecimento em situaccedilatildeo formal de ensino enquanto que a teoria de Vergnaud eacute uma teoria psicoloacutegica do processo de conceituaccedilatildeo do real que se propotildee a localizar e estudar continuidades e rupturas entre conhecimentos do ponto de vista de seu conteuacutedo conceitual A teoria de Vergnaud natildeo eacute uma teoria de ensino de conceitos expliacutecitos e formalizados embora tenha subjacente a ideacuteia de que os conhecimentos-em-accedilatildeo (largamente impliacutecitos) podem evoluir ao longo do tempo para conhecimentos cientiacuteficos (expliacutecitos) A teoria de Ausubel por outro lado se ocupa exatamente da aquisiccedilatildeo de conceitos expliacutecitos e formalizados chegando inclusive a propor princiacutepios programaacuteticos ndash como a diferenciaccedilatildeo progressiva a reconciliaccedilatildeo integradora e a consolidaccedilatildeo ndash para a organizaccedilatildeo do ensino

Ao resgatar e enriquecer o conceito de esquema introduzindo os conceitos de teorema-em-accedilatildeo e conceito-em-accedilatildeo ao definir conceito como um tripleto ao colocar a conceitualizaccedilatildeo no acircmago do desenvolvimento cognitivo ao priorizar a interaccedilatildeo sujeito-situaccedilatildeo e como natildeo poderia deixar de ser ao definir campo conceitual Vergnaud provecirc um referencial muito rico para compreender explicar e investigar o processo da

aprendizagem significativa A teoria dos campos conceituais de Vergnaud parece prover um referencial adequado para analisar a estrutura fina da teoria da aprendizagem significativa de Ausubel O que para Ausubel satildeo campos organizados de conhecimento para Vergnaud satildeo campos conceituais

ProfessorEnsino

Um determinado campo conceitual como o da Eletricidade por exemplo pode ser progressivamente dominado por um aprendiz mas o ensino atraveacutes da accedilatildeo mediadora do professor eacute essencial para isso Professores satildeo mediadores Sua tarefa eacute a de ajudar os alunos a desenvolver seu repertoacuterio de esquemas e representaccedilotildees (1998 p 180) Desenvolvendo novos esquemas os alunos tornam-se capazes de enfrentar situaccedilotildees cada vez mais complexas Novos esquemas natildeo podem ser desenvolvidos sem novos invariantes operacionais A linguagem e os siacutembolos satildeo importantes nesse processo Os professores usam palavras e sentenccedilas para explicar formular questotildees selecionar informaccedilotildees propor metas expectativas regras e planos Contudo sua accedilatildeo mediadora mais importante eacute a de prover situaccedilotildees (de aprendizagem) frutiacuteferas para os estudantes (ibid) Tais situaccedilotildees devem ser cuidadosamente escolhidas ordenadas diversificadas apresentadas no momento certo e dentro da zona de desenvolvimento proximal do aluno Sem duacutevida uma tarefa difiacutecil mas essencial

Para Vergnaud o desenvolvimento cognitivo depende de situaccedilotildees e conceitualizaccedilotildees especiacuteficas para lidar com elas Satildeo as situaccedilotildees que datildeo sentido aos conceitos elas eacute que satildeo responsaacuteveis pelo sentido atribuiacutedo ao conceito (Barais amp Vergnaud 1990 p 78) um conceito torna-se significativo atraveacutes de uma variedade de situaccedilotildees (1994 p 46) mas o sentido natildeo estaacute nas situaccedilotildees em si mesmas assim como natildeo estaacute nas palavras nem nos siacutembolos (1990 p 158)

Cabe aqui lembrar que embora estejamos falando do ensino e do papel do professor na perspectiva de Vergnaud as situaccedilotildees antes referidas natildeo satildeo situaccedilotildees didaacuteticas propriamente ditas mas sim tarefas problemas

O papel do professor como mediador provedor de situaccedilotildees problemaacuteticas frutiacuteferas estimuladoras da interaccedilatildeo sujeito-situaccedilatildeo que leva agrave ampliaccedilatildeo e agrave diversificaccedilatildeo de seus esquemas de accedilatildeo ou seja ao desenvolvimento cognitivo deixa ainda mais evidente que a teoria de Vergnaud tem tambeacutem forte influecircncia vigotskyana

Haacute no entanto outra importante implicaccedilatildeo da teoria dos campos conceituais para o ensino a questatildeo do conhecimento impliacutecito e do conhecimento expliacutecito A escola segundo Vergnaud (1994 p 47) superestima o conhecimento expliacutecito e subestima ateacute mesmo desvaloriza o conhecimento impliacutecito dos alunos Contudo a maior parte de nossa atividade fiacutesica e mental de nosso comportamento enfim eacute constituiacuteda de esquemas e estes tecircm como componentes essenciais os invariantes operatoacuterios (conceitos e teoremas-em-accedilatildeo) que constituem os conhecimentos contidos nos esquemas e que satildeo largamente impliacutecitos Quer dizer haacute muito de impliacutecito nos esquemas Os alunos em geral natildeo satildeo capazes de explicar ou expressar em linguagem natural seus teoremas-em-accedilatildeo ainda que

sejam capazes de resolver certas tarefas (situaccedilotildees) Natildeo soacute alunos qualquer pessoa muitas vezes eacute incapaz de colocar em palavras coisas que faz muito bem conhecimentos que tem Haacute um hiato entre a accedilatildeo e a formalizaccedilatildeo da accedilatildeo Agimos com o auxiacutelio de invariantes operatoacuterios sem expressaacute-los ou sem sermos capazes de expressaacute-los A anaacutelise cognitiva dessas accedilotildees muitas vezes revela a existecircncia de potentes teoremas e conceitos-em-accedilatildeo impliacutecitos Esse conhecimento no entanto natildeo pode ser apropriadamente chamado de conceitual pois o conhecimento conceitual eacute necessariamente expliacutecito (Vergnaud et al 1990 p 20) Portanto palavras e outros siacutembolos sentenccedilas e outras expressotildees simboacutelicas satildeo instrumentos cognitivos indispensaacuteveis para a transformaccedilatildeo de invariantes operatoacuterios impliacutecitos em conceitos e teoremas cientiacuteficos expliacutecitos (ibid) Quer dizer a formalizaccedilatildeo ndash o ensino direcionado agrave formalizaccedilatildeo ndash eacute necessaacuteria poreacutem eacute preciso levar em conta que as ideacuteias cientiacuteficas evoluem no aluno durante um longo periacuteodo de desenvolvimento cognitivo atraveacutes de uma variedade de situaccedilotildees e atividades e que qualquer conhecimento formal e axiomatizado que o aluno apresenta pode natildeo ser mais do que a parte visiacutevel de um iceberg formado basicamente por conhecimentos impliacutecitos (op cit p 21) O ensino de ciecircncias natildeo pode deixar de lado a simbolizaccedilatildeo e a formalizaccedilatildeo porque a ciecircncia eacute simboacutelica formal e expliacutecita mas eacute preciso ter sempre em mente que o conhecimento do aluno como de qualquer outro sujeito eacute em grande parte impliacutecito O ensino de ciecircncias deve facilitar a transformaccedilatildeo do conhecimento impliacutecito em expliacutecito sem nunca subestimaacute-lo ou desvalorizaacute-lo A trajetoacuteria do aprendiz ao longo de um campo conceitual cientiacutefico eacute sinuosa difusa difiacutecil e sobretudo demorada Natildeo se pode esperar que um aluno domine um campo conceitual como o da Termodinacircmica por exemplo atraveacutes de uma ou duas unidades didaacuteticas desenvolvidas ao longo de dois ou trecircs meses Eacute normal que o aluno continue usando conhecimentos impliacutecitos ao mesmo tempo que vai se apropriando dos conhecimentos expliacutecitos da ciecircncia A perspectiva dos campos conceituais eacute progressiva natildeo substitutiva Ou seja o campo conceitual vai sendo progressivamente dominado pelo aprendiz o conhecimento impliacutecito vai evoluindo progressivamente para o expliacutecito ao inveacutes de ser substituiacutedo por ele Isso como alerta Vergnaud pode levar muito tempo muitos anos talvez mas o ensino e em uacuteltima anaacutelise o professor tecircm um papel essencial nesse processo Sem o ensino natildeo haacute razatildeo nenhuma para se acreditar que o sujeito passe a dominar campos conceituais complexos e formalizados como os cientiacuteficos

Resoluccedilatildeo de Problemas

O ensino de ciecircncias tradicionalmente envolve trecircs aspectos principais profundamente interrelacionados o conhecimento teoacuterico (conceitos leis princiacutepios equaccedilotildees) as praacuteticas de laboratoacuterio (experimentos demonstraccedilotildees procedimentos cientiacuteficos) e a resoluccedilatildeo de problemas (abertos fechados como investigaccedilatildeo de papel e laacutepis) Obviamente qualquer professor experiente sabe que essa distinccedilatildeo eacute artificial o conhecimento cientiacutefico eacute produzido atraveacutes da interaccedilatildeo entre o domiacutenio conceitual e o metodoloacutegico Poreacutem na perspectiva de Vergnaud esta interdependecircncia entre a teoria e a praacutetica fica muito clara

Como jaacute foi dito reiteradamente ao longo deste texto satildeo as situaccedilotildees[1] que datildeo sentido aos conceitos um conceito torna-se significativo atraveacutes de uma variedade de situaccedilotildees os conhecimentos dos alunos satildeo moldados pelas situaccedilotildees que encontram e

progressivamente dominam Embora o conceito de situaccedilatildeo tenha na teoria dos campos conceituais o significado de tarefa podemos supor que no acircmbito das ciecircncias situaccedilatildeo significa tambeacutem problema Ou podemos falar em situaccedilotildees e problemas como faz o proacuteprio Vergnaud ao dizer que ldquoa aquisiccedilatildeo de conhecimento eacute moldada pelas situaccedilotildees e problemas previamente dominados e portanto o conhecimento do sujeito tem muitos aspectos locaisrdquo (1994 p 42) Em outro trabalho bastante anterior a esse Vergnaud diz que ldquona verdade os conceitos se desenvolvem atraveacutes da resoluccedilatildeo de problemas e esse desenvolvimento eacute lentordquo (1983b p 172)

Isso significa que a resoluccedilatildeo de problemas ou as situaccedilotildees de resoluccedilatildeo de problemas satildeo essenciais para a conceitualizaccedilatildeo mas como chama atenccedilatildeo Vergnaud (1994 p 42) ldquoum problema natildeo eacute um problema para um indiviacuteduo a menos que ele ou ela tenha conceitos que oa tornem capaz de consideraacute-lo como um problema para si mesmordquo Ou seja haacute uma relaccedilatildeo dialeacutetica e ciacuteclica entre a conceitualizaccedilatildeo e a resoluccedilatildeo de problemas Para Vergnaud a problematizaccedilatildeo vai muito aleacutem da abstraccedilatildeo de regularidades do mundo observaacutevel Problemas satildeo teoacutericos e praacuteticos natildeo meramente empiacutericos mesmo para crianccedilas pequenas Quando uma classe de problemas eacute resolvida por um indiviacuteduo (o que significa que ela ou ele desenvolve um esquema eficiente para lidar com todos ou quase todos os problemas dessa classe) o caraacuteter problemaacutetico dessa classe especiacutefica desaparece (ibid) Mas essa competecircncia desenvolvida pelo indiviacuteduo o habilita a reconhecer ou considerar novos problemas para si mesmo trata-se entatildeo de um processo ciacuteclico

Vergnaud chama de ldquoilusatildeo pedagoacutegicardquo (1983 b p 173) a atitude dos professores que crecircem que o ensino de Fiacutesica digamos consiste na apresentaccedilatildeo organizada clara rigorosa das teorias formais e que quando isso eacute bem feito os alunos aprendem Trata-se de uma ilusatildeo porque segundo ele eacute atraveacutes de situaccedilotildees de resoluccedilatildeo de problemas que os conceitos se desenvolvem no aluno e as situaccedilotildees de resoluccedilatildeo de problemas que tornam os conceitos significativos para os alunos podem estar pelo menos inicialmente muito distantes do formalismo apresentado pelo professor Mas apesar disso tais situaccedilotildees satildeo essenciais para o desenvolvimento de conceitos Quer dizer ao mesmo tempo que as situaccedilotildees formais satildeo necessaacuterias eacute preciso levar em consideraccedilatildeo que o aluno pode estar ainda muito longe delas (1983 b p 172)

Novamente podemos estabelecer um certo paralelo entre as teorias de Ausubel e Vergnaud A aprendizagem receptiva de Ausubel poderia ser interpretada como a ilusatildeo pedagoacutegica de Vergnaud mas natildeo eacute assim Ausubel certamente defenderia a apresentaccedilatildeo organizada clara rigorosa das teoria formais poreacutem desde que fossem potencialmente significativas o que implicaria que o aprendiz tivesse o conhecimento preacutevio adequado e se dispusesse a aprender Isso estaria de acordo com a postura de Vergnaud no sentido de que o domiacutenio de situaccedilotildees preacutevias eacute importante para o domiacutenio de situaccedilotildees novas Acrescente-se a isso que para Ausubel a resoluccedilatildeo de problemas em particular de situaccedilotildees problemaacuteticas novas e natildeo familiares que requeiram maacutexima transformaccedilatildeo do conhecimento adquirido eacute a principal evidecircncia da aprendizagem significativa (Ausubel et al 1980)

A teoria de Vergnaud parece ser entatildeo um bom referencial para anaacutelise das dificuldades dos alunos na resoluccedilatildeo de problemas em ciecircncias e consequumlentemente da conceitualizaccedilatildeo em ciecircncias Tais dificuldades poderiam por exemplo ser examinadas em

termos de invariantes operatoacuterios quer dizer em termos de quais os conceitos e teoremas-em-accedilatildeo que os estudantes estariam usando na resoluccedilatildeo de problemas e de quatildeo distantes estariam dos conceitos e teoremas cientiacuteficos adequados agrave resoluccedilatildeo do problema em pauta

Representaccedilotildees[2]

No tripleto C (S I R) que define conceito (p 4 deste trabalho) Vergnaud dizia que S (o conjunto de situaccedilotildees que datildeo sentido ao conceito) eacute a realidade e (I R) a representaccedilatildeo dessa realidade que pode ser considerada como dois aspectos interagentes do pensamento o significado (I) e o significante (R)

Isso sugere que inicialmente Vergnaud usava o termo representaccedilatildeo como sendo o de um sistema simboacutelico que significaria algo para o sujeito um sistema de signos e uma sintaxe ou operaccedilotildees sobre elementos do sistema Para ele conceitos e siacutembolos eram duas faces da mesma moeda e devia-se sempre dar atenccedilatildeo ao uso que os alunos faziam dos siacutembolos agrave luz do uso que faziam dos conceitos Quer dizer a habilidade em resolver situaccedilotildees em linguagem natural seria o melhor criteacuterio para aquisiccedilatildeo de conceitos mas por outro lado a simbolizaccedilatildeo ajudaria nisso (1982 p 57) Assim como haacute problemas mais facilmente resolviacuteveis do que outros ou procedimentos mais faacuteceis do que outros haveria representaccedilotildees simboacutelicas mais potentes do que outras equaccedilotildees por exemplo seriam mais potentes que diagramas de Euler-Venn Todavia tais equaccedilotildees deveriam representar situaccedilotildees significativas

Poreacutem em outro trabalho mais recente (1998 p 173) Vergnaud fala em teorias de representaccedilotildees e diz que para ser uacutetil uma teoria dessas deve conter a ideacuteia de que as representaccedilotildees ofereccedilam possibilidades de inferecircncia ie que elas nos tornem capazes de antecipar eventos futuros e gerar condutas para chegar a algum efeito positivo ou evitar algum efeito negativo

Diz ele (op cit p 174) que temos representaccedilotildees computaacuteveis para gestos e accedilotildees sobre o mundo fiacutesico bem como para comportamentos verbais e para interaccedilotildees sociais Tais representaccedilotildees podem ser corretas ou erradas vagas ou precisas expliacutecitas ou totalmente impliacutecitas em qualquer caso elas funcionam como substitutos computaacuteveis da realidade e portanto satildeo feitas de teoremas-em-accedilatildeo proposiccedilotildees tidas como verdadeiras

A construccedilatildeo do conhecimento consiste entatildeo na progressiva construccedilatildeo de representaccedilotildees mentais que satildeo homomoacuterficas agrave realidade para alguns aspectos e para outros natildeo (1990 p 22) Por um lado a representaccedilatildeo eacute ativa pragmaacutetica e operacional por outro eacute discursiva teoacuterica e simboacutelica (ibid) Mas haacute importantes lacunas entre o que estaacute representado na mente de um indiviacuteduo e o significado usual das palavras e outros signos pois sistemas linguumliacutesticos e semioacuteticos natildeo tecircm por finalidade expressar exatamente o que cada indiviacuteduo tem em mente quando enfrenta uma situaccedilatildeo selecionando e processando a informaccedilatildeo (1998 p 176) Para Vergnaud a relaccedilatildeo entre situaccedilotildees e esquemas eacute a fonte primaacuteria da representaccedilatildeo mas sua teoria afasta-se muito da visatildeo de que um objeto pode ser representado mentalmente de maneira natildeo ambiacutegua atraveacutes de

siacutembolos Por maior que seja (e eacute grande) o papel dos siacutembolos no pensamento o conhecimento natildeo eacute em essecircncia simboacutelico O reconhecimento de invariantes em accedilatildeo e percepccedilatildeo e a progressiva construccedilatildeo de objetos e predicados de niacutevel mais alto satildeo aspectos mais essenciais do conhecimento (op cit p 177)

Podemos entatildeo fazer uma ponte entre os significados mais recentes de representaccedilatildeo na teoria de Vergnaud e a teoria tambeacutem recente dos modelos mentais (Johnson-Laird 1983 Moreira 1996) Dizer que temos representaccedilotildees computaacuteveis para gestos e accedilotildees sobre o mundo fiacutesico para comportamentos verbais e para interaccedilotildees sociais e que tais representaccedilotildees -- que podem ser corretas ou erradas vagas ou precisas expliacutecitas ou (principalmente) impliacutecitas -- permitem fazer inferecircncias eacute praticamente dizer que tais representaccedilotildees satildeo modelos mentais Johnson-Laird define modelos mentais como anaacutelogos estruturais de estados de coisas do mundo Satildeo instrumentos de compreensatildeo e inferecircncia Quando nos defrontamos com uma situaccedilatildeo nova construiacutemos um modelo mental para entendecirc-la descrevecirc-la e prever o que vai acontecer Este modelo pode ser correto ou natildeo (no sentido de que suas previsotildees natildeo satildeo corretas cientificamente) pode ser vago confuso incompleto mas eacute sobretudo funcional para seus construtor e pode ser modificado recursivamente ateacute atingir tal funcionalidade

Modelos mentais podem ser basicamente proposicionais ie constituiacutedos principalmente de proposiccedilotildees ou basicamente imagiacutesticos ou seja construiacutedos predominantemente com imagens ou ainda hiacutebridos quer dizer formados por proposiccedilotildees e imagens (Greca e Moreira 1997) Entatildeo as proposiccedilotildees constituintes dos modelos mentais podem ser interpretadas como teoremas-em-accedilatildeo de Vergnaud Como ele mesmo diz as representaccedilotildees funcionam como substitutos computaacuteveis da realidade e portanto satildeo feitas de teoremas-em-accedilatildeo Com o progressivo domiacutenio de um campo conceitual os teoremas-em-accedilatildeo (grandemente impliacutecitos) vatildeo se aproximando de teoremas cientiacuteficos (proposiccedilotildees expliacutecitas) Analogamente agrave medida que o sujeito adquire mais conhecimentos cientiacuteficos seus modelos mentais aproximam-se (no sentido de que permitem dar significados cientificamente aceitos) dos modelos cientiacuteficos

Pode-se assim dizer que os modelos mentais de Johnson-Laird contecircm aquilo que Vergnaud chama de teoremas-em-accedilatildeo ou seja proposiccedilotildees tidas como verdadeiras sobre o real Mas esta aparente compatibilidade entre as duas teorias pode ir aleacutem pois os conceitos-em-accedilatildeo de Vergnaud tambeacutem podem integrar modelos mentais Conceitos-em-accedilatildeo satildeo objetos predicados ou categorias de pensamento tidos como pertinentes relevantes agrave situaccedilatildeo Analogamente segundo o princiacutepio do construtivismo (Johnson-Laird 1983 p 398) um modelo mental eacute construiacutedo a partir de sinais (tokens) dispostos em uma estrutura particular para representar em certo estado de coisas (isto eacute uma certa situaccedilatildeo) Se interpretaacutessemos esses sinais (tokens) como objetos predicados ou categorias de pensamento pertinentes dir-se-ia que os modelos mentais contecircm tambeacutem conceitos-em-accedilatildeo

Contudo eacute importante natildeo confundir modelos mentais com esquemas de assimilaccedilatildeo Para Vergnaud os invariantes operatoacuterios (teoremas e conceitos-em-accedilatildeo) satildeo componentes essenciais dos esquemas e acabamos de dizer que os modelos mentais contecircm proposiccedilotildees e sinais (tokens) que podem ser interpretados como invariantes operatoacuterios mas ainda

assim modelos mentais e esquemas satildeo construtos distintos Modelo mental eacute instrumento de compreensatildeo construiacutedo no momento da compreensatildeo e descartaacutevel se for alcanccedilada (para o construtor) a funcionalidade desejada (ou seja a compreensatildeo mesmo que natildeo compartilhada cientificamente) Esquema de assimilaccedilatildeo eacute segundo Vergnaud a organizaccedilatildeo invariante do comportamento para uma determinada classe de situaccedilotildees Portanto esquemas de assimilaccedilatildeo satildeo mais estaacuteveis o sujeito constroacutei determinado esquema e o utiliza para assimilar uma certa classe de situaccedilotildees ou seja usa sempre o mesmo esquema para cada situaccedilatildeo dessa classe Mas frente a uma situaccedilatildeo nova eacute preciso acomodar ou seja construir um novo esquema de assimilaccedilatildeo e eacute exatamente aiacute que parece encaixar bem a ideacuteia de modelo mental para compreender uma nova situaccedilatildeo o sujeito constroacutei inicialmente um modelo mental (que como foi dito pode conter invariantes operatoacuterios) natildeo um esquema de assimilaccedilatildeo Na medida em que a nova situaccedilatildeo deixa de ser nova e passa a ser rotineira o modelo mental evolui para esquema de assimilaccedilatildeo quer dizer se estabiliza Mas isso natildeo quer dizer que todo modelo mental venha a se transformar em esquema de assimilaccedilatildeo Modelos mentais satildeo recursivos o que significa que vatildeo sendo construiacutedos e modificados quase que simultaneamente ateacute que se tornem funcionais quando entatildeo podem ser descartados ou talvez ldquoguardadosrdquo ateacute que se tornem esquemas de assimilaccedilatildeo Trata-se ao que parece de um bom assunto para pesquisar

Pesquisa

Como uacuteltimo toacutepico deste texto abordar-se-aacute a pesquisa em ensino de ciecircncias no referencial da teoria dos campos conceituais Vejamos primeiramente no entanto o que diz Vergnaud sobre a pesquisa em campos conceituais

Segundo ele (1988 p 149) a abordagem canocircnica ao estudo de um campo conceitual envolve identificar e classificar situaccedilotildees e entatildeo coletar dados sobre procedimentos e outras maneiras atraveacutes das quais os estudantes expressam seu raciociacutenio Um ciclo de pesquisa inicia com a identificaccedilatildeo de niacuteveis de objetos relaccedilotildees e teoremas-em-accedilatildeo O ciclo continua entatildeo com o delineamento de situaccedilotildees e materiais e sua experimentaccedilatildeo com alunos completando-se com a construccedilatildeo de representaccedilotildees simboacutelicas atraveacutes da observaccedilatildeo e anaacutelise dos diferentes fenocircmenos que ocorrem (ibid) Comeccedila entatildeo um segundo ciclo para melhorar o primeiro e assim sucessivamente O estudo do domiacutenio de certos campos conceituais eacute um programa de longo prazo que dificilmente pode ser feito por um pesquisador isolado ou mesmo por um grupo de pesquisa isolado

Portanto o primeiro passo para estudar o progressivo domiacutenio de um campo conceitual por parte do aluno eacute identificar e classificar situaccedilotildees Mas isso envolve duas ideacuteias principais diversidade e histoacuteria Ou seja existe uma grande variedade de situaccedilotildees em um dado campo conceitual e as aprendizagens dos alunos satildeo moldadas pelas situaccedilotildees com as quais se depararam e progressivamente dominaram particularmente as primeiras suscetiacuteveis de dar sentido aos conceitos e procedimentos que lhes queremos ensinar (1990 p 150) A combinaccedilatildeo dessas duas ideacuteias dificulta o trabalho do pesquisador em ensino porque a primeira o dirige para a anaacutelise para a decomposiccedilatildeo em elementos simples e para as possiacuteveis combinaccedilotildees de situaccedilotildees enquanto que a segunda o orienta para a busca de

situaccedilotildees funcionais quase sempre compostas de vaacuterias relaccedilotildees cuja importacircncia relativa estaacute largamente ligada agrave frequumlecircncia com que satildeo encontradas (ibid)

Em outras palavras o estudo psicogeneacutetico da aquisiccedilatildeo de um campo conceitual implica a anaacutelise em termos relacionais e hieraacuterquicos das diferentes classes de problemas que podem ser propostos aos alunos Implica tambeacutem o estudo dos distintos procedimentos e representaccedilotildees simboacutelicas que o aprendiz utiliza (1982 p 40) Em relaccedilatildeo agraves representaccedilotildees Vergnaud diz (1994 p 43) que eacute uma tarefa essencial teoacuterica e empiacuterica dos pesquisadores entender por que uma certa representaccedilatildeo simboacutelica particular pode ser uacutetil e sob quais condiccedilotildees e quando e por que pode ser proveitosamente substituiacuteda por outra mais abstrata e geral

Embora Vergnaud e vaacuterios pesquisadores que trabalham sob o referencial de sua teoria tenham se dedicado principalmente agrave pesquisa em educaccedilatildeo matemaacutetica e em particular ao estudo dos campos conceituais das estruturas aditivas e multiplicativas essa abordagem agrave pesquisa certamente se aplica ao ensino de ciecircncias ou agrave educaccedilatildeo em ciecircncias se preferirmos esta terminologia Na resoluccedilatildeo de problemas por exemplo pode-se analisar as dificuldades dos alunos em termos de invariantes operatoacuterios Quer dizer os alunos muitas vezes resolvem problemas usando conhecimentos-em-accedilatildeo que podem ateacute conduzi-los agrave uma soluccedilatildeo satisfatoacuteria para uma certa situaccedilatildeo mas que natildeo funcionam para outra situaccedilatildeo ligeiramente diferente da primeira porque tais conhecimentos natildeo satildeo cientiacuteficos e tampouco constituem um esquema de assimilaccedilatildeo que pode ser aplicado a uma classe de situaccedilotildees Por outro lado tais conhecimentos-em-accedilatildeo mdash que satildeo largamente impliacutecitos mdash podem ser precursores na aquisiccedilatildeo de conceitos cientiacuteficos e portanto devem ser identificados ie pesquisados Os trabalhos de Sousa (2001) e de Sousa e Faacutevero (2002) no qual a resoluccedilatildeo de problemas em Fiacutesica foi investigada em uma situaccedilatildeo de interlocuccedilatildeo entre um especialista e um novato eacute um exemplo nessa direccedilatildeo Costa e Moreira (2002) e Escudero e Moreira (2002) tambeacutem estatildeo trabalhando em resoluccedilatildeo de problemas em Fiacutesica e procurando interpretar as dificuldades dos alunos na construccedilatildeo de modelos mentais do enunciado agrave luz de aspectos da teoria dos campos conceituais

O estudo da aprendizagem de conceitos fiacutesicos tambeacutem pode ser feito no referencial teoacuterico de Vergnaud Para ele satildeo as situaccedilotildees que datildeo sentido ao conceito os invariantes operatoacuterios que constituem seu significado e as representaccedilotildees simboacutelicas o seu significante Portanto como sugere Vergnaud eacute preciso identificar e classificar situaccedilotildees adequadas agrave aprendizagem de determinado conceito pesquisar os invariantes operatoacuterios usados pelos alunos e procurar entender como por que e quando uma certa representaccedilatildeo simboacutelica pode ajudar na conceitualizaccedilatildeo O trabalho de Lemeignan e Weil-Barais (1994) eacute talvez pioneiro nessa linha As pesquisas de Stipcich e Moreira (2002) sobre o conceito de interaccedilatildeo e de Moreira e Sousa (2002) a respeito do conceito de potencial eleacutetrico estatildeo usando o referencial de Vergnaud para interpretar as dificuldades dos alunos na aprendizagem significativa desses conceitos

Obviamente a teoria dos campos conceituais pode tambeacutem ser usada como referente teoacuterico em pesquisas sobre mudanccedila conceitual De um modo geral pode-se dizer que essa teoria eacute potencialmente uacutetil na anaacutelise das dificuldades dos alunos na resoluccedilatildeo de problemas em ciecircncias na aprendizagem de conceitos cientiacuteficos e na mudanccedila conceitual

Uma vez identificadas tais dificuldades essa mesma teoria pode ajudar no delineamento de estrateacutegias ou melhor na seleccedilatildeo de situaccedilotildees instrucionais que possam ajudar na progressiva superaccedilatildeo de tais dificuldades ou em outras palavras no progressivo (e lento) domiacutenio do(s) campo(s) conceitual(is) envolvido(s) Esse domiacutenio progressivo implica capacidade de resolver problemas conceitualizaccedilatildeo e mudanccedila (evoluccedilatildeo) conceitual

Natildeo tatildeo oacutebvia eacute a possibilidade de investigar questotildees como a modelagem mental no referencial de Vergnaud poreacutem uma vez aceita a compatibilidade aludida na seccedilatildeo anterior entre a teoria dos modelos mentais e a teoria dos campos conceituais tal possibilidade decorre naturalmente Enfim a potencialidade do uso da teoria de Vergnaud na pesquisa e ensino de ciecircncias parece ser grande Nesta seccedilatildeo foram apenas aventadas possibilidades e referidos alguns estudos

Conclusatildeo

Este trabalho teve por objetivo descrever a teoria dos campos conceituais de Geacuterard Vergnaud particularmente para uma audiecircncia de professores e pesquisadores em ensino de ciecircncias Essa teoria eacute bastante conhecida na aacuterea da educaccedilatildeo matemaacutetica poreacutem relativamente pouco no campo da educaccedilatildeo em ciecircncias e justamente por isso foi objeto deste texto

Trata-se de uma teoria de base piagetiana mas que afasta-se bastante de Piaget ao tomar como referecircncia o proacuteprio conteuacutedo do conhecimento e a anaacutelise conceitual do progressivo domiacutenio desse conhecimento bem como ao ocupar-se do estudo do desenvolvimento cognitivo do sujeito-em-situaccedilatildeo ao inveacutes de operaccedilotildees loacutegicas gerais de estruturas gerais do pensamento Ao fazer isso a teoria de Vergnaud apresenta um grande potencial para descrever analisar e interpretar aquilo que se passa em sala de aula na aprendizagem de matemaacutetica e ciecircncias Provavelmente esse tipo de teoria eacute o de maior utilidade para fundamentar o ensino e a pesquisa em ensino nessa aacuterea

Aleacutem de descrever a teoria propriamente dita procurou-se neste texto estabelecer elos com a teoria da aprendizagem significativa de Ausubel (outra ldquoteoria de sala de aulardquo) e com a recente teoria dos modelos mentais de Johnson-Laird assim como destacar implicaccedilotildees para o ensino e para a pesquisa em ensino de ciecircncias

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[1] Lembremos que um campo conceitual eacute em primeiro lugar um conjunto de situaccedilotildees (1998 p 141 1990 p 5) cujo domiacutenio requer o domiacutenio de vaacuterios conceitos de naturezas distintas (volta para o texto) [2] A ponte entre a teoria de Vergnaud e a teoria dos modelos mentais de Johnson-Laird feita nesta seccedilatildeo estaacute bem mais elaborada no trabalho ldquoAleacutem da detecccedilatildeo de modelos mentais dos estudantes Uma proposta representacional integradorardquo de Ileana Greca e Marco Antonio Moreira (volta para o texto)

Page 14: A Teoria Dos Campos Conceituais de Vergnaud

Ao mesmo tempo que se afasta de Piaget ndash ocupando-se do estudo do funcionamento cognitivo do sujeito-em-situaccedilatildeo ao inveacutes de ocupar-se de operaccedilotildees loacutegicas gerais ou de estruturas gerais de pensamento e tomando como referecircncia o proacuteprio conteuacutedo do conhecimento e a anaacutelise conceitual do domiacutenio desse conhecimento (1994 p 41 Franchi 1999 p 160) ndash a teoria de Vergnaud tem forte base piagetiana que se manifesta principalmente no importante papel que o conceito de esquema tem nessa teoria Por outro lado tem tambeacutem influecircncia vygotskyana pois considera o professor como importante mediador no longo processo que caracteriza o progressivo domiacutenio de um campo conceitual pelo aluno Sua tarefa consiste principalmente em ajudar o aluno a desenvolver seu repertoacuterio de esquemas e representaccedilotildees Novos esquemas natildeo podem ser desenvolvidos sem novos invariantes operatoacuterios A linguagem e os siacutembolos satildeo importantes nesse processo de acomodaccedilatildeo e o professor faz amplo uso deles na sua funccedilatildeo mediadora Mas o principal ato mediador do professor eacute o de prover situaccedilotildees frutiacuteferas aos alunos (1998 p 181) Um conceito ou uma proposiccedilatildeo torna-se significativo atraveacutes de uma variedade de situaccedilotildees mas natildeo se capta o significado sozinho O papel mediador do professor eacute essencial (1994 p 44)

A teoria dos campos conceituais o ensino de ciecircncias e a pesquisa nessa aacuterea

Basta dar atenccedilatildeo agrave bibliografia usada neste trabalho para perceber que a teoria de Vergnaud tem sido utilizada principalmente como referencial para a educaccedilatildeo matemaacutetica Nada mais natural pois as pesquisas de Vergnaud e que sustentam sua teoria tecircm focalizado a aprendizagem e o ensino da Matemaacutetica particularmente das estruturas aditivas e multiplicativas Natildeo obstante como foi dito na introduccedilatildeo essa teoria natildeo eacute especiacutefica da Matemaacutetica e justamente por isso este texto tem por objetivo descrevecirc-la e divulgaacute-la entre professores de ciecircncias e pesquisadores em educaccedilatildeo em ciecircncias

Nas proacuteximas seccedilotildees seratildeo comentadas algumas implicaccedilotildees da teoria dos campos conceituais de Vergnaud para o ensino de ciecircncias e para a pesquisa nesse campo

Conhecimento PreacutevioAprendizagem significativa

A teoria dos campos conceituais destaca que a aquisiccedilatildeo de conhecimento eacute moldada pelas situaccedilotildees e problemas previamente dominados e que esse conhecimento tem portanto muitas caracteriacutesticas contextuais Assim muitas de nossas concepccedilotildees vecircm das primeiras situaccedilotildees que fomos capazes de dominar ou de nossa experiecircncia tentando modificaacute-las (1996 a p 117) No entanto existe provavelmente uma lacuna consideraacutevel entre os invariantes que os sujeitos constroacuteem ao interagir com o meio e os invariantes que constituem o conhecimento cientiacutefico

As concepccedilotildees preacutevias dos alunos tecircm sido consideradas como erros misconceptionsconcepccedilotildees ingecircnuas concepccedilotildees alternativa em relaccedilatildeo agraves concepccedilotildees cientiacuteficas Para Vergnaud (1990 p 69) esta maneira de conceber o conhecimento preacutevio supotildee a crianccedila o aluno ou o adulto aprendiz como incompletos imperfeitos ou deficientes em comparaccedilatildeo a adultos especialistas Essa abordagem segundo ele eacute inadequada agraves questotildees de desenvolvimento cognitivo aiacute envolvidas Seria muito mais frutiacutefero considerar o sujeito como um sistema dinacircmico com mecanismos regulatoacuterios capazes de assegurar seu progresso cognitivo

Muitas das concepccedilotildees errocircneas dos alunos derivam do fato de que eles atribuem a certas palavras usadas em ciecircncias para representar conceitos o mesmo significado que atribuem a essas mesmas palavras no dia-a-dia Inclusive de uma ciecircncia para outra os significados de uma mesma palavra podem ser distintos mas o aluno pode natildeo captaacute-los como distintos

As prediccedilotildees que os estudantes fazem para responder questotildees do tipo ldquoO que aconteceraacute se rdquo ou as explicaccedilotildees que datildeo para responder questotildees do tipo ldquoexpliquerdquo ldquointerpreterdquo ldquojustifiquerdquo tecircm segundo Vergnaud (ibid p 73) alguns pontos em comum Por exemplo focalizam caracteriacutesticas perceptivas e relacionadas a eventos da situaccedilatildeo accedilotildees movimentos mudanccedila no aspecto (cor aparecimento de bolhas fumaccedila vapor etc) descrevem os elementos da situaccedilatildeo apenas em termos de suas propriedades e funccedilotildees concebem de maneira assimeacutetrica as interaccedilotildees entre elementos da situaccedilatildeo implicam sequumlenciaccedilatildeo temporal e espacial Estes modos de compreensatildeo que satildeo essencialmente

do tipo ldquorelacionado a eventordquo diferentemente do tipo ldquoconceitualrdquo usado no campo das ciecircncias satildeo inadequados e frequumlentemente levam a previsotildees errocircneas

A persistecircncia das chamadas concepccedilotildees alternativas inclusive em estudantes em cursos cientiacuteficos avanccedilados tecircm recebido vaacuterias interpretaccedilotildees poreacutem Vergnaud argumenta (ibid p 74) que em praticamente todas elas o sistema de percepccedilatildeo visual tem um papel preponderante na construccedilatildeo do conhecimento pelos sujeitos mas pouca atenccedilatildeo tem sido dada ao papel funcional dessas concepccedilotildees e poucas pesquisas tecircm sido feitas sobre os problemas que os sujeitos encontram para construiacute-las Por exemplo os ldquoerrosrdquo encontrados em alguns estudos frequumlentemente decorrem de fato de que os sujeitos se deparam com questotildees que nunca se propuseram antes ou que envolvem valores natildeo usuais das variaacuteveis de uma dada situaccedilatildeo Outro exemplo de dificuldade enfrentada pelos sujeitos estaacute no fato de que os modelos cientiacuteficos fazem uso de entidades que geralmente natildeo satildeo acessiacuteveis sensorialmente Em Fiacutesica por exemplo os estudantes enfrentam uma dificuldade que tambeacutem existe na Aacutelgebra a verificaccedilatildeo do significado de representaccedilotildees simboacutelicas depende natildeo soacute da habilidade que o sujeito tenha para representar as entidades e as relaccedilotildees entre elas mas principalmente de elementos conceituais que devem ser levados em conta (conceitos como sistema estado interaccedilatildeo transferecircncia conservaccedilatildeo apenas para mencionar alguns) (ibid p 76)

O que tudo isso quer dizer eacute que eacute normal que os alunos apresentem tais concepccedilotildees e que elas devem ser consideradas como precursoras de conceitos cientiacuteficos a serem adquiridos A ativaccedilatildeo desses precursores eacute necessaacuteria e deve ser guiada pelo professor

As concepccedilotildees preacutevias dos alunos contecircm teoremas e conceitos-em-accedilatildeo que natildeo satildeo verdadeiros teoremas e conceitos cientiacuteficos mas que podem evoluir para eles Poreacutem como jaacute foi dito o hiato entre os invariantes operatoacuterios dos alunos e os do conhecimento cientiacutefico eacute grande de modo que a mudanccedila conceitual poderaacute levar muito tempo

Por outro lado pode ocorrer que certos conceitos possam ser construiacutedos somente se certas concepccedilotildees preacutevias forem abandonadas Quer dizer o conhecimento preacutevio pode funcionar como obstaacuteculo epistemoloacutegico (ibid p 83) Nesse caso a accedilatildeo mediadora do professor eacute tambeacutem imprescindiacutevel

A construccedilatildeo do conhecimento pelo aprendiz natildeo eacute um processo linear facilmente identificaacutevel Ao contraacuterio eacute complexo tortuoso demorado com avanccedilos e retrocessos continuidades e rupturas O conhecimento preacutevio eacute determinante no progressivo domiacutenio de um campo conceitual mas pode tambeacutem em alguns casos ser impeditivo Continuidades e rupturas natildeo satildeo no entanto excludentes Pode haver continuidade e ruptura A Aacutelgebra por exemplo se apoacuteia na Aritmeacutetica mas ainda assim para aprendecirc-la eacute necessaacuterio romper com a Aritmeacutetica A Mecacircnica Claacutessica e a Mecacircnica Quacircntica apresentam continuidades mas para aprender esta eacute preciso rupturas com aquela

No ensino eacute necessaacuterio desestabilizar cognitivamente o aluno mas natildeo demais Eacute preciso identificar sobre quais conhecimentos preacutevios a crianccedila pode se apoiar para aprender mas eacute forccediloso tambeacutem distinguir quais as rupturas necessaacuterias Quer dizer eacute preciso propor

tambeacutem com cuidado situaccedilotildees para as quais os alunos natildeo tecircm onde se apoiar ou natildeo devem se apoiar em conhecimentos preacutevios

As ideacuteias de Vergnaud sobre o papel do conhecimento preacutevio (que pode ser ldquoalternativordquo) como percursor de novos conhecimentos (que podem ser cientiacuteficos) e sobre as continuidades e rupturas na construccedilatildeo do conhecimento parecem ter muito a ver com a teoria da aprendizagem significativa de Ausubel (Ausubel et al 1980 Moreira 1999 a e b) Para Ausubel o conhecimento preacutevio eacute o principal fator isolado que influencia a aquisiccedilatildeo de novos conhecimentos A aprendizagem significativa se caracteriza pela interaccedilatildeo entre o novo conhecimento e o conhecimento preacutevio Eacute nessa interaccedilatildeo que o novo conhecimento adquire significados e o conhecimento preacutevio se modifica eou adquire novos significados Mas tal interaccedilatildeo natildeo eacute arbitraacuteria ou seja o novo conhecimento adquire significados pela interaccedilatildeo com conhecimentos preacutevios especificamente relevantes Em outras palavras a interaccedilatildeo natildeo eacute com qualquer conhecimento preacutevio Nesse sentido no ensino eacute preciso identificar sobre quais conhecimentos preacutevios o aluno pode se apoiar para aprender Contudo o efeito do conhecimento preacutevio na aprendizagem eacute tatildeo forte que em certos casos eacute preciso romper com ele Por exemplo no ensino do conceito de aprendizagem significativa pode natildeo ser adequado apoiar-se na ideacuteia de interaccedilatildeo pois esta pode estar fortemente arraigada na estrutura cognitiva como sendo uma relaccedilatildeo assimeacutetrica que poderia dificultar a compreensatildeo do fato de que na aprendizagem significativa tanto o novo conhecimento como o conhecimento preacutevio se modificam Por outro lado a compreensatildeo da aprendizagem significativa como uma relaccedilatildeo simeacutetrica ou de accedilatildeo reciacuteproca juntamente com a aprendizagem de outros processos envolvendo accedilatildeo reciacuteproca poderia levar a uma evoluccedilatildeo dos conceitos e teoremas-em-accedilatildeo associados agrave ideacuteia de interaccedilatildeo (que eacute uma ideacuteia-chave na ciecircncia) para outros progressivamente mais proacuteximos daqueles cientificamente compartilhados

Mas se a teoria dos campos conceituais eacute compatiacutevel com a teoria da aprendizagem significativa por que natildeo ficar com esta que eacute bastante mais conhecida e aceita no ensino de ciecircncias A resposta eacute que podem ser tomadas como complementares a teoria de Ausubel eacute uma teoria de aprendizagem em sala de aula de aquisiccedilatildeo de corpos organizados de conhecimento em situaccedilatildeo formal de ensino enquanto que a teoria de Vergnaud eacute uma teoria psicoloacutegica do processo de conceituaccedilatildeo do real que se propotildee a localizar e estudar continuidades e rupturas entre conhecimentos do ponto de vista de seu conteuacutedo conceitual A teoria de Vergnaud natildeo eacute uma teoria de ensino de conceitos expliacutecitos e formalizados embora tenha subjacente a ideacuteia de que os conhecimentos-em-accedilatildeo (largamente impliacutecitos) podem evoluir ao longo do tempo para conhecimentos cientiacuteficos (expliacutecitos) A teoria de Ausubel por outro lado se ocupa exatamente da aquisiccedilatildeo de conceitos expliacutecitos e formalizados chegando inclusive a propor princiacutepios programaacuteticos ndash como a diferenciaccedilatildeo progressiva a reconciliaccedilatildeo integradora e a consolidaccedilatildeo ndash para a organizaccedilatildeo do ensino

Ao resgatar e enriquecer o conceito de esquema introduzindo os conceitos de teorema-em-accedilatildeo e conceito-em-accedilatildeo ao definir conceito como um tripleto ao colocar a conceitualizaccedilatildeo no acircmago do desenvolvimento cognitivo ao priorizar a interaccedilatildeo sujeito-situaccedilatildeo e como natildeo poderia deixar de ser ao definir campo conceitual Vergnaud provecirc um referencial muito rico para compreender explicar e investigar o processo da

aprendizagem significativa A teoria dos campos conceituais de Vergnaud parece prover um referencial adequado para analisar a estrutura fina da teoria da aprendizagem significativa de Ausubel O que para Ausubel satildeo campos organizados de conhecimento para Vergnaud satildeo campos conceituais

ProfessorEnsino

Um determinado campo conceitual como o da Eletricidade por exemplo pode ser progressivamente dominado por um aprendiz mas o ensino atraveacutes da accedilatildeo mediadora do professor eacute essencial para isso Professores satildeo mediadores Sua tarefa eacute a de ajudar os alunos a desenvolver seu repertoacuterio de esquemas e representaccedilotildees (1998 p 180) Desenvolvendo novos esquemas os alunos tornam-se capazes de enfrentar situaccedilotildees cada vez mais complexas Novos esquemas natildeo podem ser desenvolvidos sem novos invariantes operacionais A linguagem e os siacutembolos satildeo importantes nesse processo Os professores usam palavras e sentenccedilas para explicar formular questotildees selecionar informaccedilotildees propor metas expectativas regras e planos Contudo sua accedilatildeo mediadora mais importante eacute a de prover situaccedilotildees (de aprendizagem) frutiacuteferas para os estudantes (ibid) Tais situaccedilotildees devem ser cuidadosamente escolhidas ordenadas diversificadas apresentadas no momento certo e dentro da zona de desenvolvimento proximal do aluno Sem duacutevida uma tarefa difiacutecil mas essencial

Para Vergnaud o desenvolvimento cognitivo depende de situaccedilotildees e conceitualizaccedilotildees especiacuteficas para lidar com elas Satildeo as situaccedilotildees que datildeo sentido aos conceitos elas eacute que satildeo responsaacuteveis pelo sentido atribuiacutedo ao conceito (Barais amp Vergnaud 1990 p 78) um conceito torna-se significativo atraveacutes de uma variedade de situaccedilotildees (1994 p 46) mas o sentido natildeo estaacute nas situaccedilotildees em si mesmas assim como natildeo estaacute nas palavras nem nos siacutembolos (1990 p 158)

Cabe aqui lembrar que embora estejamos falando do ensino e do papel do professor na perspectiva de Vergnaud as situaccedilotildees antes referidas natildeo satildeo situaccedilotildees didaacuteticas propriamente ditas mas sim tarefas problemas

O papel do professor como mediador provedor de situaccedilotildees problemaacuteticas frutiacuteferas estimuladoras da interaccedilatildeo sujeito-situaccedilatildeo que leva agrave ampliaccedilatildeo e agrave diversificaccedilatildeo de seus esquemas de accedilatildeo ou seja ao desenvolvimento cognitivo deixa ainda mais evidente que a teoria de Vergnaud tem tambeacutem forte influecircncia vigotskyana

Haacute no entanto outra importante implicaccedilatildeo da teoria dos campos conceituais para o ensino a questatildeo do conhecimento impliacutecito e do conhecimento expliacutecito A escola segundo Vergnaud (1994 p 47) superestima o conhecimento expliacutecito e subestima ateacute mesmo desvaloriza o conhecimento impliacutecito dos alunos Contudo a maior parte de nossa atividade fiacutesica e mental de nosso comportamento enfim eacute constituiacuteda de esquemas e estes tecircm como componentes essenciais os invariantes operatoacuterios (conceitos e teoremas-em-accedilatildeo) que constituem os conhecimentos contidos nos esquemas e que satildeo largamente impliacutecitos Quer dizer haacute muito de impliacutecito nos esquemas Os alunos em geral natildeo satildeo capazes de explicar ou expressar em linguagem natural seus teoremas-em-accedilatildeo ainda que

sejam capazes de resolver certas tarefas (situaccedilotildees) Natildeo soacute alunos qualquer pessoa muitas vezes eacute incapaz de colocar em palavras coisas que faz muito bem conhecimentos que tem Haacute um hiato entre a accedilatildeo e a formalizaccedilatildeo da accedilatildeo Agimos com o auxiacutelio de invariantes operatoacuterios sem expressaacute-los ou sem sermos capazes de expressaacute-los A anaacutelise cognitiva dessas accedilotildees muitas vezes revela a existecircncia de potentes teoremas e conceitos-em-accedilatildeo impliacutecitos Esse conhecimento no entanto natildeo pode ser apropriadamente chamado de conceitual pois o conhecimento conceitual eacute necessariamente expliacutecito (Vergnaud et al 1990 p 20) Portanto palavras e outros siacutembolos sentenccedilas e outras expressotildees simboacutelicas satildeo instrumentos cognitivos indispensaacuteveis para a transformaccedilatildeo de invariantes operatoacuterios impliacutecitos em conceitos e teoremas cientiacuteficos expliacutecitos (ibid) Quer dizer a formalizaccedilatildeo ndash o ensino direcionado agrave formalizaccedilatildeo ndash eacute necessaacuteria poreacutem eacute preciso levar em conta que as ideacuteias cientiacuteficas evoluem no aluno durante um longo periacuteodo de desenvolvimento cognitivo atraveacutes de uma variedade de situaccedilotildees e atividades e que qualquer conhecimento formal e axiomatizado que o aluno apresenta pode natildeo ser mais do que a parte visiacutevel de um iceberg formado basicamente por conhecimentos impliacutecitos (op cit p 21) O ensino de ciecircncias natildeo pode deixar de lado a simbolizaccedilatildeo e a formalizaccedilatildeo porque a ciecircncia eacute simboacutelica formal e expliacutecita mas eacute preciso ter sempre em mente que o conhecimento do aluno como de qualquer outro sujeito eacute em grande parte impliacutecito O ensino de ciecircncias deve facilitar a transformaccedilatildeo do conhecimento impliacutecito em expliacutecito sem nunca subestimaacute-lo ou desvalorizaacute-lo A trajetoacuteria do aprendiz ao longo de um campo conceitual cientiacutefico eacute sinuosa difusa difiacutecil e sobretudo demorada Natildeo se pode esperar que um aluno domine um campo conceitual como o da Termodinacircmica por exemplo atraveacutes de uma ou duas unidades didaacuteticas desenvolvidas ao longo de dois ou trecircs meses Eacute normal que o aluno continue usando conhecimentos impliacutecitos ao mesmo tempo que vai se apropriando dos conhecimentos expliacutecitos da ciecircncia A perspectiva dos campos conceituais eacute progressiva natildeo substitutiva Ou seja o campo conceitual vai sendo progressivamente dominado pelo aprendiz o conhecimento impliacutecito vai evoluindo progressivamente para o expliacutecito ao inveacutes de ser substituiacutedo por ele Isso como alerta Vergnaud pode levar muito tempo muitos anos talvez mas o ensino e em uacuteltima anaacutelise o professor tecircm um papel essencial nesse processo Sem o ensino natildeo haacute razatildeo nenhuma para se acreditar que o sujeito passe a dominar campos conceituais complexos e formalizados como os cientiacuteficos

Resoluccedilatildeo de Problemas

O ensino de ciecircncias tradicionalmente envolve trecircs aspectos principais profundamente interrelacionados o conhecimento teoacuterico (conceitos leis princiacutepios equaccedilotildees) as praacuteticas de laboratoacuterio (experimentos demonstraccedilotildees procedimentos cientiacuteficos) e a resoluccedilatildeo de problemas (abertos fechados como investigaccedilatildeo de papel e laacutepis) Obviamente qualquer professor experiente sabe que essa distinccedilatildeo eacute artificial o conhecimento cientiacutefico eacute produzido atraveacutes da interaccedilatildeo entre o domiacutenio conceitual e o metodoloacutegico Poreacutem na perspectiva de Vergnaud esta interdependecircncia entre a teoria e a praacutetica fica muito clara

Como jaacute foi dito reiteradamente ao longo deste texto satildeo as situaccedilotildees[1] que datildeo sentido aos conceitos um conceito torna-se significativo atraveacutes de uma variedade de situaccedilotildees os conhecimentos dos alunos satildeo moldados pelas situaccedilotildees que encontram e

progressivamente dominam Embora o conceito de situaccedilatildeo tenha na teoria dos campos conceituais o significado de tarefa podemos supor que no acircmbito das ciecircncias situaccedilatildeo significa tambeacutem problema Ou podemos falar em situaccedilotildees e problemas como faz o proacuteprio Vergnaud ao dizer que ldquoa aquisiccedilatildeo de conhecimento eacute moldada pelas situaccedilotildees e problemas previamente dominados e portanto o conhecimento do sujeito tem muitos aspectos locaisrdquo (1994 p 42) Em outro trabalho bastante anterior a esse Vergnaud diz que ldquona verdade os conceitos se desenvolvem atraveacutes da resoluccedilatildeo de problemas e esse desenvolvimento eacute lentordquo (1983b p 172)

Isso significa que a resoluccedilatildeo de problemas ou as situaccedilotildees de resoluccedilatildeo de problemas satildeo essenciais para a conceitualizaccedilatildeo mas como chama atenccedilatildeo Vergnaud (1994 p 42) ldquoum problema natildeo eacute um problema para um indiviacuteduo a menos que ele ou ela tenha conceitos que oa tornem capaz de consideraacute-lo como um problema para si mesmordquo Ou seja haacute uma relaccedilatildeo dialeacutetica e ciacuteclica entre a conceitualizaccedilatildeo e a resoluccedilatildeo de problemas Para Vergnaud a problematizaccedilatildeo vai muito aleacutem da abstraccedilatildeo de regularidades do mundo observaacutevel Problemas satildeo teoacutericos e praacuteticos natildeo meramente empiacutericos mesmo para crianccedilas pequenas Quando uma classe de problemas eacute resolvida por um indiviacuteduo (o que significa que ela ou ele desenvolve um esquema eficiente para lidar com todos ou quase todos os problemas dessa classe) o caraacuteter problemaacutetico dessa classe especiacutefica desaparece (ibid) Mas essa competecircncia desenvolvida pelo indiviacuteduo o habilita a reconhecer ou considerar novos problemas para si mesmo trata-se entatildeo de um processo ciacuteclico

Vergnaud chama de ldquoilusatildeo pedagoacutegicardquo (1983 b p 173) a atitude dos professores que crecircem que o ensino de Fiacutesica digamos consiste na apresentaccedilatildeo organizada clara rigorosa das teorias formais e que quando isso eacute bem feito os alunos aprendem Trata-se de uma ilusatildeo porque segundo ele eacute atraveacutes de situaccedilotildees de resoluccedilatildeo de problemas que os conceitos se desenvolvem no aluno e as situaccedilotildees de resoluccedilatildeo de problemas que tornam os conceitos significativos para os alunos podem estar pelo menos inicialmente muito distantes do formalismo apresentado pelo professor Mas apesar disso tais situaccedilotildees satildeo essenciais para o desenvolvimento de conceitos Quer dizer ao mesmo tempo que as situaccedilotildees formais satildeo necessaacuterias eacute preciso levar em consideraccedilatildeo que o aluno pode estar ainda muito longe delas (1983 b p 172)

Novamente podemos estabelecer um certo paralelo entre as teorias de Ausubel e Vergnaud A aprendizagem receptiva de Ausubel poderia ser interpretada como a ilusatildeo pedagoacutegica de Vergnaud mas natildeo eacute assim Ausubel certamente defenderia a apresentaccedilatildeo organizada clara rigorosa das teoria formais poreacutem desde que fossem potencialmente significativas o que implicaria que o aprendiz tivesse o conhecimento preacutevio adequado e se dispusesse a aprender Isso estaria de acordo com a postura de Vergnaud no sentido de que o domiacutenio de situaccedilotildees preacutevias eacute importante para o domiacutenio de situaccedilotildees novas Acrescente-se a isso que para Ausubel a resoluccedilatildeo de problemas em particular de situaccedilotildees problemaacuteticas novas e natildeo familiares que requeiram maacutexima transformaccedilatildeo do conhecimento adquirido eacute a principal evidecircncia da aprendizagem significativa (Ausubel et al 1980)

A teoria de Vergnaud parece ser entatildeo um bom referencial para anaacutelise das dificuldades dos alunos na resoluccedilatildeo de problemas em ciecircncias e consequumlentemente da conceitualizaccedilatildeo em ciecircncias Tais dificuldades poderiam por exemplo ser examinadas em

termos de invariantes operatoacuterios quer dizer em termos de quais os conceitos e teoremas-em-accedilatildeo que os estudantes estariam usando na resoluccedilatildeo de problemas e de quatildeo distantes estariam dos conceitos e teoremas cientiacuteficos adequados agrave resoluccedilatildeo do problema em pauta

Representaccedilotildees[2]

No tripleto C (S I R) que define conceito (p 4 deste trabalho) Vergnaud dizia que S (o conjunto de situaccedilotildees que datildeo sentido ao conceito) eacute a realidade e (I R) a representaccedilatildeo dessa realidade que pode ser considerada como dois aspectos interagentes do pensamento o significado (I) e o significante (R)

Isso sugere que inicialmente Vergnaud usava o termo representaccedilatildeo como sendo o de um sistema simboacutelico que significaria algo para o sujeito um sistema de signos e uma sintaxe ou operaccedilotildees sobre elementos do sistema Para ele conceitos e siacutembolos eram duas faces da mesma moeda e devia-se sempre dar atenccedilatildeo ao uso que os alunos faziam dos siacutembolos agrave luz do uso que faziam dos conceitos Quer dizer a habilidade em resolver situaccedilotildees em linguagem natural seria o melhor criteacuterio para aquisiccedilatildeo de conceitos mas por outro lado a simbolizaccedilatildeo ajudaria nisso (1982 p 57) Assim como haacute problemas mais facilmente resolviacuteveis do que outros ou procedimentos mais faacuteceis do que outros haveria representaccedilotildees simboacutelicas mais potentes do que outras equaccedilotildees por exemplo seriam mais potentes que diagramas de Euler-Venn Todavia tais equaccedilotildees deveriam representar situaccedilotildees significativas

Poreacutem em outro trabalho mais recente (1998 p 173) Vergnaud fala em teorias de representaccedilotildees e diz que para ser uacutetil uma teoria dessas deve conter a ideacuteia de que as representaccedilotildees ofereccedilam possibilidades de inferecircncia ie que elas nos tornem capazes de antecipar eventos futuros e gerar condutas para chegar a algum efeito positivo ou evitar algum efeito negativo

Diz ele (op cit p 174) que temos representaccedilotildees computaacuteveis para gestos e accedilotildees sobre o mundo fiacutesico bem como para comportamentos verbais e para interaccedilotildees sociais Tais representaccedilotildees podem ser corretas ou erradas vagas ou precisas expliacutecitas ou totalmente impliacutecitas em qualquer caso elas funcionam como substitutos computaacuteveis da realidade e portanto satildeo feitas de teoremas-em-accedilatildeo proposiccedilotildees tidas como verdadeiras

A construccedilatildeo do conhecimento consiste entatildeo na progressiva construccedilatildeo de representaccedilotildees mentais que satildeo homomoacuterficas agrave realidade para alguns aspectos e para outros natildeo (1990 p 22) Por um lado a representaccedilatildeo eacute ativa pragmaacutetica e operacional por outro eacute discursiva teoacuterica e simboacutelica (ibid) Mas haacute importantes lacunas entre o que estaacute representado na mente de um indiviacuteduo e o significado usual das palavras e outros signos pois sistemas linguumliacutesticos e semioacuteticos natildeo tecircm por finalidade expressar exatamente o que cada indiviacuteduo tem em mente quando enfrenta uma situaccedilatildeo selecionando e processando a informaccedilatildeo (1998 p 176) Para Vergnaud a relaccedilatildeo entre situaccedilotildees e esquemas eacute a fonte primaacuteria da representaccedilatildeo mas sua teoria afasta-se muito da visatildeo de que um objeto pode ser representado mentalmente de maneira natildeo ambiacutegua atraveacutes de

siacutembolos Por maior que seja (e eacute grande) o papel dos siacutembolos no pensamento o conhecimento natildeo eacute em essecircncia simboacutelico O reconhecimento de invariantes em accedilatildeo e percepccedilatildeo e a progressiva construccedilatildeo de objetos e predicados de niacutevel mais alto satildeo aspectos mais essenciais do conhecimento (op cit p 177)

Podemos entatildeo fazer uma ponte entre os significados mais recentes de representaccedilatildeo na teoria de Vergnaud e a teoria tambeacutem recente dos modelos mentais (Johnson-Laird 1983 Moreira 1996) Dizer que temos representaccedilotildees computaacuteveis para gestos e accedilotildees sobre o mundo fiacutesico para comportamentos verbais e para interaccedilotildees sociais e que tais representaccedilotildees -- que podem ser corretas ou erradas vagas ou precisas expliacutecitas ou (principalmente) impliacutecitas -- permitem fazer inferecircncias eacute praticamente dizer que tais representaccedilotildees satildeo modelos mentais Johnson-Laird define modelos mentais como anaacutelogos estruturais de estados de coisas do mundo Satildeo instrumentos de compreensatildeo e inferecircncia Quando nos defrontamos com uma situaccedilatildeo nova construiacutemos um modelo mental para entendecirc-la descrevecirc-la e prever o que vai acontecer Este modelo pode ser correto ou natildeo (no sentido de que suas previsotildees natildeo satildeo corretas cientificamente) pode ser vago confuso incompleto mas eacute sobretudo funcional para seus construtor e pode ser modificado recursivamente ateacute atingir tal funcionalidade

Modelos mentais podem ser basicamente proposicionais ie constituiacutedos principalmente de proposiccedilotildees ou basicamente imagiacutesticos ou seja construiacutedos predominantemente com imagens ou ainda hiacutebridos quer dizer formados por proposiccedilotildees e imagens (Greca e Moreira 1997) Entatildeo as proposiccedilotildees constituintes dos modelos mentais podem ser interpretadas como teoremas-em-accedilatildeo de Vergnaud Como ele mesmo diz as representaccedilotildees funcionam como substitutos computaacuteveis da realidade e portanto satildeo feitas de teoremas-em-accedilatildeo Com o progressivo domiacutenio de um campo conceitual os teoremas-em-accedilatildeo (grandemente impliacutecitos) vatildeo se aproximando de teoremas cientiacuteficos (proposiccedilotildees expliacutecitas) Analogamente agrave medida que o sujeito adquire mais conhecimentos cientiacuteficos seus modelos mentais aproximam-se (no sentido de que permitem dar significados cientificamente aceitos) dos modelos cientiacuteficos

Pode-se assim dizer que os modelos mentais de Johnson-Laird contecircm aquilo que Vergnaud chama de teoremas-em-accedilatildeo ou seja proposiccedilotildees tidas como verdadeiras sobre o real Mas esta aparente compatibilidade entre as duas teorias pode ir aleacutem pois os conceitos-em-accedilatildeo de Vergnaud tambeacutem podem integrar modelos mentais Conceitos-em-accedilatildeo satildeo objetos predicados ou categorias de pensamento tidos como pertinentes relevantes agrave situaccedilatildeo Analogamente segundo o princiacutepio do construtivismo (Johnson-Laird 1983 p 398) um modelo mental eacute construiacutedo a partir de sinais (tokens) dispostos em uma estrutura particular para representar em certo estado de coisas (isto eacute uma certa situaccedilatildeo) Se interpretaacutessemos esses sinais (tokens) como objetos predicados ou categorias de pensamento pertinentes dir-se-ia que os modelos mentais contecircm tambeacutem conceitos-em-accedilatildeo

Contudo eacute importante natildeo confundir modelos mentais com esquemas de assimilaccedilatildeo Para Vergnaud os invariantes operatoacuterios (teoremas e conceitos-em-accedilatildeo) satildeo componentes essenciais dos esquemas e acabamos de dizer que os modelos mentais contecircm proposiccedilotildees e sinais (tokens) que podem ser interpretados como invariantes operatoacuterios mas ainda

assim modelos mentais e esquemas satildeo construtos distintos Modelo mental eacute instrumento de compreensatildeo construiacutedo no momento da compreensatildeo e descartaacutevel se for alcanccedilada (para o construtor) a funcionalidade desejada (ou seja a compreensatildeo mesmo que natildeo compartilhada cientificamente) Esquema de assimilaccedilatildeo eacute segundo Vergnaud a organizaccedilatildeo invariante do comportamento para uma determinada classe de situaccedilotildees Portanto esquemas de assimilaccedilatildeo satildeo mais estaacuteveis o sujeito constroacutei determinado esquema e o utiliza para assimilar uma certa classe de situaccedilotildees ou seja usa sempre o mesmo esquema para cada situaccedilatildeo dessa classe Mas frente a uma situaccedilatildeo nova eacute preciso acomodar ou seja construir um novo esquema de assimilaccedilatildeo e eacute exatamente aiacute que parece encaixar bem a ideacuteia de modelo mental para compreender uma nova situaccedilatildeo o sujeito constroacutei inicialmente um modelo mental (que como foi dito pode conter invariantes operatoacuterios) natildeo um esquema de assimilaccedilatildeo Na medida em que a nova situaccedilatildeo deixa de ser nova e passa a ser rotineira o modelo mental evolui para esquema de assimilaccedilatildeo quer dizer se estabiliza Mas isso natildeo quer dizer que todo modelo mental venha a se transformar em esquema de assimilaccedilatildeo Modelos mentais satildeo recursivos o que significa que vatildeo sendo construiacutedos e modificados quase que simultaneamente ateacute que se tornem funcionais quando entatildeo podem ser descartados ou talvez ldquoguardadosrdquo ateacute que se tornem esquemas de assimilaccedilatildeo Trata-se ao que parece de um bom assunto para pesquisar

Pesquisa

Como uacuteltimo toacutepico deste texto abordar-se-aacute a pesquisa em ensino de ciecircncias no referencial da teoria dos campos conceituais Vejamos primeiramente no entanto o que diz Vergnaud sobre a pesquisa em campos conceituais

Segundo ele (1988 p 149) a abordagem canocircnica ao estudo de um campo conceitual envolve identificar e classificar situaccedilotildees e entatildeo coletar dados sobre procedimentos e outras maneiras atraveacutes das quais os estudantes expressam seu raciociacutenio Um ciclo de pesquisa inicia com a identificaccedilatildeo de niacuteveis de objetos relaccedilotildees e teoremas-em-accedilatildeo O ciclo continua entatildeo com o delineamento de situaccedilotildees e materiais e sua experimentaccedilatildeo com alunos completando-se com a construccedilatildeo de representaccedilotildees simboacutelicas atraveacutes da observaccedilatildeo e anaacutelise dos diferentes fenocircmenos que ocorrem (ibid) Comeccedila entatildeo um segundo ciclo para melhorar o primeiro e assim sucessivamente O estudo do domiacutenio de certos campos conceituais eacute um programa de longo prazo que dificilmente pode ser feito por um pesquisador isolado ou mesmo por um grupo de pesquisa isolado

Portanto o primeiro passo para estudar o progressivo domiacutenio de um campo conceitual por parte do aluno eacute identificar e classificar situaccedilotildees Mas isso envolve duas ideacuteias principais diversidade e histoacuteria Ou seja existe uma grande variedade de situaccedilotildees em um dado campo conceitual e as aprendizagens dos alunos satildeo moldadas pelas situaccedilotildees com as quais se depararam e progressivamente dominaram particularmente as primeiras suscetiacuteveis de dar sentido aos conceitos e procedimentos que lhes queremos ensinar (1990 p 150) A combinaccedilatildeo dessas duas ideacuteias dificulta o trabalho do pesquisador em ensino porque a primeira o dirige para a anaacutelise para a decomposiccedilatildeo em elementos simples e para as possiacuteveis combinaccedilotildees de situaccedilotildees enquanto que a segunda o orienta para a busca de

situaccedilotildees funcionais quase sempre compostas de vaacuterias relaccedilotildees cuja importacircncia relativa estaacute largamente ligada agrave frequumlecircncia com que satildeo encontradas (ibid)

Em outras palavras o estudo psicogeneacutetico da aquisiccedilatildeo de um campo conceitual implica a anaacutelise em termos relacionais e hieraacuterquicos das diferentes classes de problemas que podem ser propostos aos alunos Implica tambeacutem o estudo dos distintos procedimentos e representaccedilotildees simboacutelicas que o aprendiz utiliza (1982 p 40) Em relaccedilatildeo agraves representaccedilotildees Vergnaud diz (1994 p 43) que eacute uma tarefa essencial teoacuterica e empiacuterica dos pesquisadores entender por que uma certa representaccedilatildeo simboacutelica particular pode ser uacutetil e sob quais condiccedilotildees e quando e por que pode ser proveitosamente substituiacuteda por outra mais abstrata e geral

Embora Vergnaud e vaacuterios pesquisadores que trabalham sob o referencial de sua teoria tenham se dedicado principalmente agrave pesquisa em educaccedilatildeo matemaacutetica e em particular ao estudo dos campos conceituais das estruturas aditivas e multiplicativas essa abordagem agrave pesquisa certamente se aplica ao ensino de ciecircncias ou agrave educaccedilatildeo em ciecircncias se preferirmos esta terminologia Na resoluccedilatildeo de problemas por exemplo pode-se analisar as dificuldades dos alunos em termos de invariantes operatoacuterios Quer dizer os alunos muitas vezes resolvem problemas usando conhecimentos-em-accedilatildeo que podem ateacute conduzi-los agrave uma soluccedilatildeo satisfatoacuteria para uma certa situaccedilatildeo mas que natildeo funcionam para outra situaccedilatildeo ligeiramente diferente da primeira porque tais conhecimentos natildeo satildeo cientiacuteficos e tampouco constituem um esquema de assimilaccedilatildeo que pode ser aplicado a uma classe de situaccedilotildees Por outro lado tais conhecimentos-em-accedilatildeo mdash que satildeo largamente impliacutecitos mdash podem ser precursores na aquisiccedilatildeo de conceitos cientiacuteficos e portanto devem ser identificados ie pesquisados Os trabalhos de Sousa (2001) e de Sousa e Faacutevero (2002) no qual a resoluccedilatildeo de problemas em Fiacutesica foi investigada em uma situaccedilatildeo de interlocuccedilatildeo entre um especialista e um novato eacute um exemplo nessa direccedilatildeo Costa e Moreira (2002) e Escudero e Moreira (2002) tambeacutem estatildeo trabalhando em resoluccedilatildeo de problemas em Fiacutesica e procurando interpretar as dificuldades dos alunos na construccedilatildeo de modelos mentais do enunciado agrave luz de aspectos da teoria dos campos conceituais

O estudo da aprendizagem de conceitos fiacutesicos tambeacutem pode ser feito no referencial teoacuterico de Vergnaud Para ele satildeo as situaccedilotildees que datildeo sentido ao conceito os invariantes operatoacuterios que constituem seu significado e as representaccedilotildees simboacutelicas o seu significante Portanto como sugere Vergnaud eacute preciso identificar e classificar situaccedilotildees adequadas agrave aprendizagem de determinado conceito pesquisar os invariantes operatoacuterios usados pelos alunos e procurar entender como por que e quando uma certa representaccedilatildeo simboacutelica pode ajudar na conceitualizaccedilatildeo O trabalho de Lemeignan e Weil-Barais (1994) eacute talvez pioneiro nessa linha As pesquisas de Stipcich e Moreira (2002) sobre o conceito de interaccedilatildeo e de Moreira e Sousa (2002) a respeito do conceito de potencial eleacutetrico estatildeo usando o referencial de Vergnaud para interpretar as dificuldades dos alunos na aprendizagem significativa desses conceitos

Obviamente a teoria dos campos conceituais pode tambeacutem ser usada como referente teoacuterico em pesquisas sobre mudanccedila conceitual De um modo geral pode-se dizer que essa teoria eacute potencialmente uacutetil na anaacutelise das dificuldades dos alunos na resoluccedilatildeo de problemas em ciecircncias na aprendizagem de conceitos cientiacuteficos e na mudanccedila conceitual

Uma vez identificadas tais dificuldades essa mesma teoria pode ajudar no delineamento de estrateacutegias ou melhor na seleccedilatildeo de situaccedilotildees instrucionais que possam ajudar na progressiva superaccedilatildeo de tais dificuldades ou em outras palavras no progressivo (e lento) domiacutenio do(s) campo(s) conceitual(is) envolvido(s) Esse domiacutenio progressivo implica capacidade de resolver problemas conceitualizaccedilatildeo e mudanccedila (evoluccedilatildeo) conceitual

Natildeo tatildeo oacutebvia eacute a possibilidade de investigar questotildees como a modelagem mental no referencial de Vergnaud poreacutem uma vez aceita a compatibilidade aludida na seccedilatildeo anterior entre a teoria dos modelos mentais e a teoria dos campos conceituais tal possibilidade decorre naturalmente Enfim a potencialidade do uso da teoria de Vergnaud na pesquisa e ensino de ciecircncias parece ser grande Nesta seccedilatildeo foram apenas aventadas possibilidades e referidos alguns estudos

Conclusatildeo

Este trabalho teve por objetivo descrever a teoria dos campos conceituais de Geacuterard Vergnaud particularmente para uma audiecircncia de professores e pesquisadores em ensino de ciecircncias Essa teoria eacute bastante conhecida na aacuterea da educaccedilatildeo matemaacutetica poreacutem relativamente pouco no campo da educaccedilatildeo em ciecircncias e justamente por isso foi objeto deste texto

Trata-se de uma teoria de base piagetiana mas que afasta-se bastante de Piaget ao tomar como referecircncia o proacuteprio conteuacutedo do conhecimento e a anaacutelise conceitual do progressivo domiacutenio desse conhecimento bem como ao ocupar-se do estudo do desenvolvimento cognitivo do sujeito-em-situaccedilatildeo ao inveacutes de operaccedilotildees loacutegicas gerais de estruturas gerais do pensamento Ao fazer isso a teoria de Vergnaud apresenta um grande potencial para descrever analisar e interpretar aquilo que se passa em sala de aula na aprendizagem de matemaacutetica e ciecircncias Provavelmente esse tipo de teoria eacute o de maior utilidade para fundamentar o ensino e a pesquisa em ensino nessa aacuterea

Aleacutem de descrever a teoria propriamente dita procurou-se neste texto estabelecer elos com a teoria da aprendizagem significativa de Ausubel (outra ldquoteoria de sala de aulardquo) e com a recente teoria dos modelos mentais de Johnson-Laird assim como destacar implicaccedilotildees para o ensino e para a pesquisa em ensino de ciecircncias

Bibliografia

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[1] Lembremos que um campo conceitual eacute em primeiro lugar um conjunto de situaccedilotildees (1998 p 141 1990 p 5) cujo domiacutenio requer o domiacutenio de vaacuterios conceitos de naturezas distintas (volta para o texto) [2] A ponte entre a teoria de Vergnaud e a teoria dos modelos mentais de Johnson-Laird feita nesta seccedilatildeo estaacute bem mais elaborada no trabalho ldquoAleacutem da detecccedilatildeo de modelos mentais dos estudantes Uma proposta representacional integradorardquo de Ileana Greca e Marco Antonio Moreira (volta para o texto)

Page 15: A Teoria Dos Campos Conceituais de Vergnaud

A teoria dos campos conceituais o ensino de ciecircncias e a pesquisa nessa aacuterea

Basta dar atenccedilatildeo agrave bibliografia usada neste trabalho para perceber que a teoria de Vergnaud tem sido utilizada principalmente como referencial para a educaccedilatildeo matemaacutetica Nada mais natural pois as pesquisas de Vergnaud e que sustentam sua teoria tecircm focalizado a aprendizagem e o ensino da Matemaacutetica particularmente das estruturas aditivas e multiplicativas Natildeo obstante como foi dito na introduccedilatildeo essa teoria natildeo eacute especiacutefica da Matemaacutetica e justamente por isso este texto tem por objetivo descrevecirc-la e divulgaacute-la entre professores de ciecircncias e pesquisadores em educaccedilatildeo em ciecircncias

Nas proacuteximas seccedilotildees seratildeo comentadas algumas implicaccedilotildees da teoria dos campos conceituais de Vergnaud para o ensino de ciecircncias e para a pesquisa nesse campo

Conhecimento PreacutevioAprendizagem significativa

A teoria dos campos conceituais destaca que a aquisiccedilatildeo de conhecimento eacute moldada pelas situaccedilotildees e problemas previamente dominados e que esse conhecimento tem portanto muitas caracteriacutesticas contextuais Assim muitas de nossas concepccedilotildees vecircm das primeiras situaccedilotildees que fomos capazes de dominar ou de nossa experiecircncia tentando modificaacute-las (1996 a p 117) No entanto existe provavelmente uma lacuna consideraacutevel entre os invariantes que os sujeitos constroacuteem ao interagir com o meio e os invariantes que constituem o conhecimento cientiacutefico

As concepccedilotildees preacutevias dos alunos tecircm sido consideradas como erros misconceptionsconcepccedilotildees ingecircnuas concepccedilotildees alternativa em relaccedilatildeo agraves concepccedilotildees cientiacuteficas Para Vergnaud (1990 p 69) esta maneira de conceber o conhecimento preacutevio supotildee a crianccedila o aluno ou o adulto aprendiz como incompletos imperfeitos ou deficientes em comparaccedilatildeo a adultos especialistas Essa abordagem segundo ele eacute inadequada agraves questotildees de desenvolvimento cognitivo aiacute envolvidas Seria muito mais frutiacutefero considerar o sujeito como um sistema dinacircmico com mecanismos regulatoacuterios capazes de assegurar seu progresso cognitivo

Muitas das concepccedilotildees errocircneas dos alunos derivam do fato de que eles atribuem a certas palavras usadas em ciecircncias para representar conceitos o mesmo significado que atribuem a essas mesmas palavras no dia-a-dia Inclusive de uma ciecircncia para outra os significados de uma mesma palavra podem ser distintos mas o aluno pode natildeo captaacute-los como distintos

As prediccedilotildees que os estudantes fazem para responder questotildees do tipo ldquoO que aconteceraacute se rdquo ou as explicaccedilotildees que datildeo para responder questotildees do tipo ldquoexpliquerdquo ldquointerpreterdquo ldquojustifiquerdquo tecircm segundo Vergnaud (ibid p 73) alguns pontos em comum Por exemplo focalizam caracteriacutesticas perceptivas e relacionadas a eventos da situaccedilatildeo accedilotildees movimentos mudanccedila no aspecto (cor aparecimento de bolhas fumaccedila vapor etc) descrevem os elementos da situaccedilatildeo apenas em termos de suas propriedades e funccedilotildees concebem de maneira assimeacutetrica as interaccedilotildees entre elementos da situaccedilatildeo implicam sequumlenciaccedilatildeo temporal e espacial Estes modos de compreensatildeo que satildeo essencialmente

do tipo ldquorelacionado a eventordquo diferentemente do tipo ldquoconceitualrdquo usado no campo das ciecircncias satildeo inadequados e frequumlentemente levam a previsotildees errocircneas

A persistecircncia das chamadas concepccedilotildees alternativas inclusive em estudantes em cursos cientiacuteficos avanccedilados tecircm recebido vaacuterias interpretaccedilotildees poreacutem Vergnaud argumenta (ibid p 74) que em praticamente todas elas o sistema de percepccedilatildeo visual tem um papel preponderante na construccedilatildeo do conhecimento pelos sujeitos mas pouca atenccedilatildeo tem sido dada ao papel funcional dessas concepccedilotildees e poucas pesquisas tecircm sido feitas sobre os problemas que os sujeitos encontram para construiacute-las Por exemplo os ldquoerrosrdquo encontrados em alguns estudos frequumlentemente decorrem de fato de que os sujeitos se deparam com questotildees que nunca se propuseram antes ou que envolvem valores natildeo usuais das variaacuteveis de uma dada situaccedilatildeo Outro exemplo de dificuldade enfrentada pelos sujeitos estaacute no fato de que os modelos cientiacuteficos fazem uso de entidades que geralmente natildeo satildeo acessiacuteveis sensorialmente Em Fiacutesica por exemplo os estudantes enfrentam uma dificuldade que tambeacutem existe na Aacutelgebra a verificaccedilatildeo do significado de representaccedilotildees simboacutelicas depende natildeo soacute da habilidade que o sujeito tenha para representar as entidades e as relaccedilotildees entre elas mas principalmente de elementos conceituais que devem ser levados em conta (conceitos como sistema estado interaccedilatildeo transferecircncia conservaccedilatildeo apenas para mencionar alguns) (ibid p 76)

O que tudo isso quer dizer eacute que eacute normal que os alunos apresentem tais concepccedilotildees e que elas devem ser consideradas como precursoras de conceitos cientiacuteficos a serem adquiridos A ativaccedilatildeo desses precursores eacute necessaacuteria e deve ser guiada pelo professor

As concepccedilotildees preacutevias dos alunos contecircm teoremas e conceitos-em-accedilatildeo que natildeo satildeo verdadeiros teoremas e conceitos cientiacuteficos mas que podem evoluir para eles Poreacutem como jaacute foi dito o hiato entre os invariantes operatoacuterios dos alunos e os do conhecimento cientiacutefico eacute grande de modo que a mudanccedila conceitual poderaacute levar muito tempo

Por outro lado pode ocorrer que certos conceitos possam ser construiacutedos somente se certas concepccedilotildees preacutevias forem abandonadas Quer dizer o conhecimento preacutevio pode funcionar como obstaacuteculo epistemoloacutegico (ibid p 83) Nesse caso a accedilatildeo mediadora do professor eacute tambeacutem imprescindiacutevel

A construccedilatildeo do conhecimento pelo aprendiz natildeo eacute um processo linear facilmente identificaacutevel Ao contraacuterio eacute complexo tortuoso demorado com avanccedilos e retrocessos continuidades e rupturas O conhecimento preacutevio eacute determinante no progressivo domiacutenio de um campo conceitual mas pode tambeacutem em alguns casos ser impeditivo Continuidades e rupturas natildeo satildeo no entanto excludentes Pode haver continuidade e ruptura A Aacutelgebra por exemplo se apoacuteia na Aritmeacutetica mas ainda assim para aprendecirc-la eacute necessaacuterio romper com a Aritmeacutetica A Mecacircnica Claacutessica e a Mecacircnica Quacircntica apresentam continuidades mas para aprender esta eacute preciso rupturas com aquela

No ensino eacute necessaacuterio desestabilizar cognitivamente o aluno mas natildeo demais Eacute preciso identificar sobre quais conhecimentos preacutevios a crianccedila pode se apoiar para aprender mas eacute forccediloso tambeacutem distinguir quais as rupturas necessaacuterias Quer dizer eacute preciso propor

tambeacutem com cuidado situaccedilotildees para as quais os alunos natildeo tecircm onde se apoiar ou natildeo devem se apoiar em conhecimentos preacutevios

As ideacuteias de Vergnaud sobre o papel do conhecimento preacutevio (que pode ser ldquoalternativordquo) como percursor de novos conhecimentos (que podem ser cientiacuteficos) e sobre as continuidades e rupturas na construccedilatildeo do conhecimento parecem ter muito a ver com a teoria da aprendizagem significativa de Ausubel (Ausubel et al 1980 Moreira 1999 a e b) Para Ausubel o conhecimento preacutevio eacute o principal fator isolado que influencia a aquisiccedilatildeo de novos conhecimentos A aprendizagem significativa se caracteriza pela interaccedilatildeo entre o novo conhecimento e o conhecimento preacutevio Eacute nessa interaccedilatildeo que o novo conhecimento adquire significados e o conhecimento preacutevio se modifica eou adquire novos significados Mas tal interaccedilatildeo natildeo eacute arbitraacuteria ou seja o novo conhecimento adquire significados pela interaccedilatildeo com conhecimentos preacutevios especificamente relevantes Em outras palavras a interaccedilatildeo natildeo eacute com qualquer conhecimento preacutevio Nesse sentido no ensino eacute preciso identificar sobre quais conhecimentos preacutevios o aluno pode se apoiar para aprender Contudo o efeito do conhecimento preacutevio na aprendizagem eacute tatildeo forte que em certos casos eacute preciso romper com ele Por exemplo no ensino do conceito de aprendizagem significativa pode natildeo ser adequado apoiar-se na ideacuteia de interaccedilatildeo pois esta pode estar fortemente arraigada na estrutura cognitiva como sendo uma relaccedilatildeo assimeacutetrica que poderia dificultar a compreensatildeo do fato de que na aprendizagem significativa tanto o novo conhecimento como o conhecimento preacutevio se modificam Por outro lado a compreensatildeo da aprendizagem significativa como uma relaccedilatildeo simeacutetrica ou de accedilatildeo reciacuteproca juntamente com a aprendizagem de outros processos envolvendo accedilatildeo reciacuteproca poderia levar a uma evoluccedilatildeo dos conceitos e teoremas-em-accedilatildeo associados agrave ideacuteia de interaccedilatildeo (que eacute uma ideacuteia-chave na ciecircncia) para outros progressivamente mais proacuteximos daqueles cientificamente compartilhados

Mas se a teoria dos campos conceituais eacute compatiacutevel com a teoria da aprendizagem significativa por que natildeo ficar com esta que eacute bastante mais conhecida e aceita no ensino de ciecircncias A resposta eacute que podem ser tomadas como complementares a teoria de Ausubel eacute uma teoria de aprendizagem em sala de aula de aquisiccedilatildeo de corpos organizados de conhecimento em situaccedilatildeo formal de ensino enquanto que a teoria de Vergnaud eacute uma teoria psicoloacutegica do processo de conceituaccedilatildeo do real que se propotildee a localizar e estudar continuidades e rupturas entre conhecimentos do ponto de vista de seu conteuacutedo conceitual A teoria de Vergnaud natildeo eacute uma teoria de ensino de conceitos expliacutecitos e formalizados embora tenha subjacente a ideacuteia de que os conhecimentos-em-accedilatildeo (largamente impliacutecitos) podem evoluir ao longo do tempo para conhecimentos cientiacuteficos (expliacutecitos) A teoria de Ausubel por outro lado se ocupa exatamente da aquisiccedilatildeo de conceitos expliacutecitos e formalizados chegando inclusive a propor princiacutepios programaacuteticos ndash como a diferenciaccedilatildeo progressiva a reconciliaccedilatildeo integradora e a consolidaccedilatildeo ndash para a organizaccedilatildeo do ensino

Ao resgatar e enriquecer o conceito de esquema introduzindo os conceitos de teorema-em-accedilatildeo e conceito-em-accedilatildeo ao definir conceito como um tripleto ao colocar a conceitualizaccedilatildeo no acircmago do desenvolvimento cognitivo ao priorizar a interaccedilatildeo sujeito-situaccedilatildeo e como natildeo poderia deixar de ser ao definir campo conceitual Vergnaud provecirc um referencial muito rico para compreender explicar e investigar o processo da

aprendizagem significativa A teoria dos campos conceituais de Vergnaud parece prover um referencial adequado para analisar a estrutura fina da teoria da aprendizagem significativa de Ausubel O que para Ausubel satildeo campos organizados de conhecimento para Vergnaud satildeo campos conceituais

ProfessorEnsino

Um determinado campo conceitual como o da Eletricidade por exemplo pode ser progressivamente dominado por um aprendiz mas o ensino atraveacutes da accedilatildeo mediadora do professor eacute essencial para isso Professores satildeo mediadores Sua tarefa eacute a de ajudar os alunos a desenvolver seu repertoacuterio de esquemas e representaccedilotildees (1998 p 180) Desenvolvendo novos esquemas os alunos tornam-se capazes de enfrentar situaccedilotildees cada vez mais complexas Novos esquemas natildeo podem ser desenvolvidos sem novos invariantes operacionais A linguagem e os siacutembolos satildeo importantes nesse processo Os professores usam palavras e sentenccedilas para explicar formular questotildees selecionar informaccedilotildees propor metas expectativas regras e planos Contudo sua accedilatildeo mediadora mais importante eacute a de prover situaccedilotildees (de aprendizagem) frutiacuteferas para os estudantes (ibid) Tais situaccedilotildees devem ser cuidadosamente escolhidas ordenadas diversificadas apresentadas no momento certo e dentro da zona de desenvolvimento proximal do aluno Sem duacutevida uma tarefa difiacutecil mas essencial

Para Vergnaud o desenvolvimento cognitivo depende de situaccedilotildees e conceitualizaccedilotildees especiacuteficas para lidar com elas Satildeo as situaccedilotildees que datildeo sentido aos conceitos elas eacute que satildeo responsaacuteveis pelo sentido atribuiacutedo ao conceito (Barais amp Vergnaud 1990 p 78) um conceito torna-se significativo atraveacutes de uma variedade de situaccedilotildees (1994 p 46) mas o sentido natildeo estaacute nas situaccedilotildees em si mesmas assim como natildeo estaacute nas palavras nem nos siacutembolos (1990 p 158)

Cabe aqui lembrar que embora estejamos falando do ensino e do papel do professor na perspectiva de Vergnaud as situaccedilotildees antes referidas natildeo satildeo situaccedilotildees didaacuteticas propriamente ditas mas sim tarefas problemas

O papel do professor como mediador provedor de situaccedilotildees problemaacuteticas frutiacuteferas estimuladoras da interaccedilatildeo sujeito-situaccedilatildeo que leva agrave ampliaccedilatildeo e agrave diversificaccedilatildeo de seus esquemas de accedilatildeo ou seja ao desenvolvimento cognitivo deixa ainda mais evidente que a teoria de Vergnaud tem tambeacutem forte influecircncia vigotskyana

Haacute no entanto outra importante implicaccedilatildeo da teoria dos campos conceituais para o ensino a questatildeo do conhecimento impliacutecito e do conhecimento expliacutecito A escola segundo Vergnaud (1994 p 47) superestima o conhecimento expliacutecito e subestima ateacute mesmo desvaloriza o conhecimento impliacutecito dos alunos Contudo a maior parte de nossa atividade fiacutesica e mental de nosso comportamento enfim eacute constituiacuteda de esquemas e estes tecircm como componentes essenciais os invariantes operatoacuterios (conceitos e teoremas-em-accedilatildeo) que constituem os conhecimentos contidos nos esquemas e que satildeo largamente impliacutecitos Quer dizer haacute muito de impliacutecito nos esquemas Os alunos em geral natildeo satildeo capazes de explicar ou expressar em linguagem natural seus teoremas-em-accedilatildeo ainda que

sejam capazes de resolver certas tarefas (situaccedilotildees) Natildeo soacute alunos qualquer pessoa muitas vezes eacute incapaz de colocar em palavras coisas que faz muito bem conhecimentos que tem Haacute um hiato entre a accedilatildeo e a formalizaccedilatildeo da accedilatildeo Agimos com o auxiacutelio de invariantes operatoacuterios sem expressaacute-los ou sem sermos capazes de expressaacute-los A anaacutelise cognitiva dessas accedilotildees muitas vezes revela a existecircncia de potentes teoremas e conceitos-em-accedilatildeo impliacutecitos Esse conhecimento no entanto natildeo pode ser apropriadamente chamado de conceitual pois o conhecimento conceitual eacute necessariamente expliacutecito (Vergnaud et al 1990 p 20) Portanto palavras e outros siacutembolos sentenccedilas e outras expressotildees simboacutelicas satildeo instrumentos cognitivos indispensaacuteveis para a transformaccedilatildeo de invariantes operatoacuterios impliacutecitos em conceitos e teoremas cientiacuteficos expliacutecitos (ibid) Quer dizer a formalizaccedilatildeo ndash o ensino direcionado agrave formalizaccedilatildeo ndash eacute necessaacuteria poreacutem eacute preciso levar em conta que as ideacuteias cientiacuteficas evoluem no aluno durante um longo periacuteodo de desenvolvimento cognitivo atraveacutes de uma variedade de situaccedilotildees e atividades e que qualquer conhecimento formal e axiomatizado que o aluno apresenta pode natildeo ser mais do que a parte visiacutevel de um iceberg formado basicamente por conhecimentos impliacutecitos (op cit p 21) O ensino de ciecircncias natildeo pode deixar de lado a simbolizaccedilatildeo e a formalizaccedilatildeo porque a ciecircncia eacute simboacutelica formal e expliacutecita mas eacute preciso ter sempre em mente que o conhecimento do aluno como de qualquer outro sujeito eacute em grande parte impliacutecito O ensino de ciecircncias deve facilitar a transformaccedilatildeo do conhecimento impliacutecito em expliacutecito sem nunca subestimaacute-lo ou desvalorizaacute-lo A trajetoacuteria do aprendiz ao longo de um campo conceitual cientiacutefico eacute sinuosa difusa difiacutecil e sobretudo demorada Natildeo se pode esperar que um aluno domine um campo conceitual como o da Termodinacircmica por exemplo atraveacutes de uma ou duas unidades didaacuteticas desenvolvidas ao longo de dois ou trecircs meses Eacute normal que o aluno continue usando conhecimentos impliacutecitos ao mesmo tempo que vai se apropriando dos conhecimentos expliacutecitos da ciecircncia A perspectiva dos campos conceituais eacute progressiva natildeo substitutiva Ou seja o campo conceitual vai sendo progressivamente dominado pelo aprendiz o conhecimento impliacutecito vai evoluindo progressivamente para o expliacutecito ao inveacutes de ser substituiacutedo por ele Isso como alerta Vergnaud pode levar muito tempo muitos anos talvez mas o ensino e em uacuteltima anaacutelise o professor tecircm um papel essencial nesse processo Sem o ensino natildeo haacute razatildeo nenhuma para se acreditar que o sujeito passe a dominar campos conceituais complexos e formalizados como os cientiacuteficos

Resoluccedilatildeo de Problemas

O ensino de ciecircncias tradicionalmente envolve trecircs aspectos principais profundamente interrelacionados o conhecimento teoacuterico (conceitos leis princiacutepios equaccedilotildees) as praacuteticas de laboratoacuterio (experimentos demonstraccedilotildees procedimentos cientiacuteficos) e a resoluccedilatildeo de problemas (abertos fechados como investigaccedilatildeo de papel e laacutepis) Obviamente qualquer professor experiente sabe que essa distinccedilatildeo eacute artificial o conhecimento cientiacutefico eacute produzido atraveacutes da interaccedilatildeo entre o domiacutenio conceitual e o metodoloacutegico Poreacutem na perspectiva de Vergnaud esta interdependecircncia entre a teoria e a praacutetica fica muito clara

Como jaacute foi dito reiteradamente ao longo deste texto satildeo as situaccedilotildees[1] que datildeo sentido aos conceitos um conceito torna-se significativo atraveacutes de uma variedade de situaccedilotildees os conhecimentos dos alunos satildeo moldados pelas situaccedilotildees que encontram e

progressivamente dominam Embora o conceito de situaccedilatildeo tenha na teoria dos campos conceituais o significado de tarefa podemos supor que no acircmbito das ciecircncias situaccedilatildeo significa tambeacutem problema Ou podemos falar em situaccedilotildees e problemas como faz o proacuteprio Vergnaud ao dizer que ldquoa aquisiccedilatildeo de conhecimento eacute moldada pelas situaccedilotildees e problemas previamente dominados e portanto o conhecimento do sujeito tem muitos aspectos locaisrdquo (1994 p 42) Em outro trabalho bastante anterior a esse Vergnaud diz que ldquona verdade os conceitos se desenvolvem atraveacutes da resoluccedilatildeo de problemas e esse desenvolvimento eacute lentordquo (1983b p 172)

Isso significa que a resoluccedilatildeo de problemas ou as situaccedilotildees de resoluccedilatildeo de problemas satildeo essenciais para a conceitualizaccedilatildeo mas como chama atenccedilatildeo Vergnaud (1994 p 42) ldquoum problema natildeo eacute um problema para um indiviacuteduo a menos que ele ou ela tenha conceitos que oa tornem capaz de consideraacute-lo como um problema para si mesmordquo Ou seja haacute uma relaccedilatildeo dialeacutetica e ciacuteclica entre a conceitualizaccedilatildeo e a resoluccedilatildeo de problemas Para Vergnaud a problematizaccedilatildeo vai muito aleacutem da abstraccedilatildeo de regularidades do mundo observaacutevel Problemas satildeo teoacutericos e praacuteticos natildeo meramente empiacutericos mesmo para crianccedilas pequenas Quando uma classe de problemas eacute resolvida por um indiviacuteduo (o que significa que ela ou ele desenvolve um esquema eficiente para lidar com todos ou quase todos os problemas dessa classe) o caraacuteter problemaacutetico dessa classe especiacutefica desaparece (ibid) Mas essa competecircncia desenvolvida pelo indiviacuteduo o habilita a reconhecer ou considerar novos problemas para si mesmo trata-se entatildeo de um processo ciacuteclico

Vergnaud chama de ldquoilusatildeo pedagoacutegicardquo (1983 b p 173) a atitude dos professores que crecircem que o ensino de Fiacutesica digamos consiste na apresentaccedilatildeo organizada clara rigorosa das teorias formais e que quando isso eacute bem feito os alunos aprendem Trata-se de uma ilusatildeo porque segundo ele eacute atraveacutes de situaccedilotildees de resoluccedilatildeo de problemas que os conceitos se desenvolvem no aluno e as situaccedilotildees de resoluccedilatildeo de problemas que tornam os conceitos significativos para os alunos podem estar pelo menos inicialmente muito distantes do formalismo apresentado pelo professor Mas apesar disso tais situaccedilotildees satildeo essenciais para o desenvolvimento de conceitos Quer dizer ao mesmo tempo que as situaccedilotildees formais satildeo necessaacuterias eacute preciso levar em consideraccedilatildeo que o aluno pode estar ainda muito longe delas (1983 b p 172)

Novamente podemos estabelecer um certo paralelo entre as teorias de Ausubel e Vergnaud A aprendizagem receptiva de Ausubel poderia ser interpretada como a ilusatildeo pedagoacutegica de Vergnaud mas natildeo eacute assim Ausubel certamente defenderia a apresentaccedilatildeo organizada clara rigorosa das teoria formais poreacutem desde que fossem potencialmente significativas o que implicaria que o aprendiz tivesse o conhecimento preacutevio adequado e se dispusesse a aprender Isso estaria de acordo com a postura de Vergnaud no sentido de que o domiacutenio de situaccedilotildees preacutevias eacute importante para o domiacutenio de situaccedilotildees novas Acrescente-se a isso que para Ausubel a resoluccedilatildeo de problemas em particular de situaccedilotildees problemaacuteticas novas e natildeo familiares que requeiram maacutexima transformaccedilatildeo do conhecimento adquirido eacute a principal evidecircncia da aprendizagem significativa (Ausubel et al 1980)

A teoria de Vergnaud parece ser entatildeo um bom referencial para anaacutelise das dificuldades dos alunos na resoluccedilatildeo de problemas em ciecircncias e consequumlentemente da conceitualizaccedilatildeo em ciecircncias Tais dificuldades poderiam por exemplo ser examinadas em

termos de invariantes operatoacuterios quer dizer em termos de quais os conceitos e teoremas-em-accedilatildeo que os estudantes estariam usando na resoluccedilatildeo de problemas e de quatildeo distantes estariam dos conceitos e teoremas cientiacuteficos adequados agrave resoluccedilatildeo do problema em pauta

Representaccedilotildees[2]

No tripleto C (S I R) que define conceito (p 4 deste trabalho) Vergnaud dizia que S (o conjunto de situaccedilotildees que datildeo sentido ao conceito) eacute a realidade e (I R) a representaccedilatildeo dessa realidade que pode ser considerada como dois aspectos interagentes do pensamento o significado (I) e o significante (R)

Isso sugere que inicialmente Vergnaud usava o termo representaccedilatildeo como sendo o de um sistema simboacutelico que significaria algo para o sujeito um sistema de signos e uma sintaxe ou operaccedilotildees sobre elementos do sistema Para ele conceitos e siacutembolos eram duas faces da mesma moeda e devia-se sempre dar atenccedilatildeo ao uso que os alunos faziam dos siacutembolos agrave luz do uso que faziam dos conceitos Quer dizer a habilidade em resolver situaccedilotildees em linguagem natural seria o melhor criteacuterio para aquisiccedilatildeo de conceitos mas por outro lado a simbolizaccedilatildeo ajudaria nisso (1982 p 57) Assim como haacute problemas mais facilmente resolviacuteveis do que outros ou procedimentos mais faacuteceis do que outros haveria representaccedilotildees simboacutelicas mais potentes do que outras equaccedilotildees por exemplo seriam mais potentes que diagramas de Euler-Venn Todavia tais equaccedilotildees deveriam representar situaccedilotildees significativas

Poreacutem em outro trabalho mais recente (1998 p 173) Vergnaud fala em teorias de representaccedilotildees e diz que para ser uacutetil uma teoria dessas deve conter a ideacuteia de que as representaccedilotildees ofereccedilam possibilidades de inferecircncia ie que elas nos tornem capazes de antecipar eventos futuros e gerar condutas para chegar a algum efeito positivo ou evitar algum efeito negativo

Diz ele (op cit p 174) que temos representaccedilotildees computaacuteveis para gestos e accedilotildees sobre o mundo fiacutesico bem como para comportamentos verbais e para interaccedilotildees sociais Tais representaccedilotildees podem ser corretas ou erradas vagas ou precisas expliacutecitas ou totalmente impliacutecitas em qualquer caso elas funcionam como substitutos computaacuteveis da realidade e portanto satildeo feitas de teoremas-em-accedilatildeo proposiccedilotildees tidas como verdadeiras

A construccedilatildeo do conhecimento consiste entatildeo na progressiva construccedilatildeo de representaccedilotildees mentais que satildeo homomoacuterficas agrave realidade para alguns aspectos e para outros natildeo (1990 p 22) Por um lado a representaccedilatildeo eacute ativa pragmaacutetica e operacional por outro eacute discursiva teoacuterica e simboacutelica (ibid) Mas haacute importantes lacunas entre o que estaacute representado na mente de um indiviacuteduo e o significado usual das palavras e outros signos pois sistemas linguumliacutesticos e semioacuteticos natildeo tecircm por finalidade expressar exatamente o que cada indiviacuteduo tem em mente quando enfrenta uma situaccedilatildeo selecionando e processando a informaccedilatildeo (1998 p 176) Para Vergnaud a relaccedilatildeo entre situaccedilotildees e esquemas eacute a fonte primaacuteria da representaccedilatildeo mas sua teoria afasta-se muito da visatildeo de que um objeto pode ser representado mentalmente de maneira natildeo ambiacutegua atraveacutes de

siacutembolos Por maior que seja (e eacute grande) o papel dos siacutembolos no pensamento o conhecimento natildeo eacute em essecircncia simboacutelico O reconhecimento de invariantes em accedilatildeo e percepccedilatildeo e a progressiva construccedilatildeo de objetos e predicados de niacutevel mais alto satildeo aspectos mais essenciais do conhecimento (op cit p 177)

Podemos entatildeo fazer uma ponte entre os significados mais recentes de representaccedilatildeo na teoria de Vergnaud e a teoria tambeacutem recente dos modelos mentais (Johnson-Laird 1983 Moreira 1996) Dizer que temos representaccedilotildees computaacuteveis para gestos e accedilotildees sobre o mundo fiacutesico para comportamentos verbais e para interaccedilotildees sociais e que tais representaccedilotildees -- que podem ser corretas ou erradas vagas ou precisas expliacutecitas ou (principalmente) impliacutecitas -- permitem fazer inferecircncias eacute praticamente dizer que tais representaccedilotildees satildeo modelos mentais Johnson-Laird define modelos mentais como anaacutelogos estruturais de estados de coisas do mundo Satildeo instrumentos de compreensatildeo e inferecircncia Quando nos defrontamos com uma situaccedilatildeo nova construiacutemos um modelo mental para entendecirc-la descrevecirc-la e prever o que vai acontecer Este modelo pode ser correto ou natildeo (no sentido de que suas previsotildees natildeo satildeo corretas cientificamente) pode ser vago confuso incompleto mas eacute sobretudo funcional para seus construtor e pode ser modificado recursivamente ateacute atingir tal funcionalidade

Modelos mentais podem ser basicamente proposicionais ie constituiacutedos principalmente de proposiccedilotildees ou basicamente imagiacutesticos ou seja construiacutedos predominantemente com imagens ou ainda hiacutebridos quer dizer formados por proposiccedilotildees e imagens (Greca e Moreira 1997) Entatildeo as proposiccedilotildees constituintes dos modelos mentais podem ser interpretadas como teoremas-em-accedilatildeo de Vergnaud Como ele mesmo diz as representaccedilotildees funcionam como substitutos computaacuteveis da realidade e portanto satildeo feitas de teoremas-em-accedilatildeo Com o progressivo domiacutenio de um campo conceitual os teoremas-em-accedilatildeo (grandemente impliacutecitos) vatildeo se aproximando de teoremas cientiacuteficos (proposiccedilotildees expliacutecitas) Analogamente agrave medida que o sujeito adquire mais conhecimentos cientiacuteficos seus modelos mentais aproximam-se (no sentido de que permitem dar significados cientificamente aceitos) dos modelos cientiacuteficos

Pode-se assim dizer que os modelos mentais de Johnson-Laird contecircm aquilo que Vergnaud chama de teoremas-em-accedilatildeo ou seja proposiccedilotildees tidas como verdadeiras sobre o real Mas esta aparente compatibilidade entre as duas teorias pode ir aleacutem pois os conceitos-em-accedilatildeo de Vergnaud tambeacutem podem integrar modelos mentais Conceitos-em-accedilatildeo satildeo objetos predicados ou categorias de pensamento tidos como pertinentes relevantes agrave situaccedilatildeo Analogamente segundo o princiacutepio do construtivismo (Johnson-Laird 1983 p 398) um modelo mental eacute construiacutedo a partir de sinais (tokens) dispostos em uma estrutura particular para representar em certo estado de coisas (isto eacute uma certa situaccedilatildeo) Se interpretaacutessemos esses sinais (tokens) como objetos predicados ou categorias de pensamento pertinentes dir-se-ia que os modelos mentais contecircm tambeacutem conceitos-em-accedilatildeo

Contudo eacute importante natildeo confundir modelos mentais com esquemas de assimilaccedilatildeo Para Vergnaud os invariantes operatoacuterios (teoremas e conceitos-em-accedilatildeo) satildeo componentes essenciais dos esquemas e acabamos de dizer que os modelos mentais contecircm proposiccedilotildees e sinais (tokens) que podem ser interpretados como invariantes operatoacuterios mas ainda

assim modelos mentais e esquemas satildeo construtos distintos Modelo mental eacute instrumento de compreensatildeo construiacutedo no momento da compreensatildeo e descartaacutevel se for alcanccedilada (para o construtor) a funcionalidade desejada (ou seja a compreensatildeo mesmo que natildeo compartilhada cientificamente) Esquema de assimilaccedilatildeo eacute segundo Vergnaud a organizaccedilatildeo invariante do comportamento para uma determinada classe de situaccedilotildees Portanto esquemas de assimilaccedilatildeo satildeo mais estaacuteveis o sujeito constroacutei determinado esquema e o utiliza para assimilar uma certa classe de situaccedilotildees ou seja usa sempre o mesmo esquema para cada situaccedilatildeo dessa classe Mas frente a uma situaccedilatildeo nova eacute preciso acomodar ou seja construir um novo esquema de assimilaccedilatildeo e eacute exatamente aiacute que parece encaixar bem a ideacuteia de modelo mental para compreender uma nova situaccedilatildeo o sujeito constroacutei inicialmente um modelo mental (que como foi dito pode conter invariantes operatoacuterios) natildeo um esquema de assimilaccedilatildeo Na medida em que a nova situaccedilatildeo deixa de ser nova e passa a ser rotineira o modelo mental evolui para esquema de assimilaccedilatildeo quer dizer se estabiliza Mas isso natildeo quer dizer que todo modelo mental venha a se transformar em esquema de assimilaccedilatildeo Modelos mentais satildeo recursivos o que significa que vatildeo sendo construiacutedos e modificados quase que simultaneamente ateacute que se tornem funcionais quando entatildeo podem ser descartados ou talvez ldquoguardadosrdquo ateacute que se tornem esquemas de assimilaccedilatildeo Trata-se ao que parece de um bom assunto para pesquisar

Pesquisa

Como uacuteltimo toacutepico deste texto abordar-se-aacute a pesquisa em ensino de ciecircncias no referencial da teoria dos campos conceituais Vejamos primeiramente no entanto o que diz Vergnaud sobre a pesquisa em campos conceituais

Segundo ele (1988 p 149) a abordagem canocircnica ao estudo de um campo conceitual envolve identificar e classificar situaccedilotildees e entatildeo coletar dados sobre procedimentos e outras maneiras atraveacutes das quais os estudantes expressam seu raciociacutenio Um ciclo de pesquisa inicia com a identificaccedilatildeo de niacuteveis de objetos relaccedilotildees e teoremas-em-accedilatildeo O ciclo continua entatildeo com o delineamento de situaccedilotildees e materiais e sua experimentaccedilatildeo com alunos completando-se com a construccedilatildeo de representaccedilotildees simboacutelicas atraveacutes da observaccedilatildeo e anaacutelise dos diferentes fenocircmenos que ocorrem (ibid) Comeccedila entatildeo um segundo ciclo para melhorar o primeiro e assim sucessivamente O estudo do domiacutenio de certos campos conceituais eacute um programa de longo prazo que dificilmente pode ser feito por um pesquisador isolado ou mesmo por um grupo de pesquisa isolado

Portanto o primeiro passo para estudar o progressivo domiacutenio de um campo conceitual por parte do aluno eacute identificar e classificar situaccedilotildees Mas isso envolve duas ideacuteias principais diversidade e histoacuteria Ou seja existe uma grande variedade de situaccedilotildees em um dado campo conceitual e as aprendizagens dos alunos satildeo moldadas pelas situaccedilotildees com as quais se depararam e progressivamente dominaram particularmente as primeiras suscetiacuteveis de dar sentido aos conceitos e procedimentos que lhes queremos ensinar (1990 p 150) A combinaccedilatildeo dessas duas ideacuteias dificulta o trabalho do pesquisador em ensino porque a primeira o dirige para a anaacutelise para a decomposiccedilatildeo em elementos simples e para as possiacuteveis combinaccedilotildees de situaccedilotildees enquanto que a segunda o orienta para a busca de

situaccedilotildees funcionais quase sempre compostas de vaacuterias relaccedilotildees cuja importacircncia relativa estaacute largamente ligada agrave frequumlecircncia com que satildeo encontradas (ibid)

Em outras palavras o estudo psicogeneacutetico da aquisiccedilatildeo de um campo conceitual implica a anaacutelise em termos relacionais e hieraacuterquicos das diferentes classes de problemas que podem ser propostos aos alunos Implica tambeacutem o estudo dos distintos procedimentos e representaccedilotildees simboacutelicas que o aprendiz utiliza (1982 p 40) Em relaccedilatildeo agraves representaccedilotildees Vergnaud diz (1994 p 43) que eacute uma tarefa essencial teoacuterica e empiacuterica dos pesquisadores entender por que uma certa representaccedilatildeo simboacutelica particular pode ser uacutetil e sob quais condiccedilotildees e quando e por que pode ser proveitosamente substituiacuteda por outra mais abstrata e geral

Embora Vergnaud e vaacuterios pesquisadores que trabalham sob o referencial de sua teoria tenham se dedicado principalmente agrave pesquisa em educaccedilatildeo matemaacutetica e em particular ao estudo dos campos conceituais das estruturas aditivas e multiplicativas essa abordagem agrave pesquisa certamente se aplica ao ensino de ciecircncias ou agrave educaccedilatildeo em ciecircncias se preferirmos esta terminologia Na resoluccedilatildeo de problemas por exemplo pode-se analisar as dificuldades dos alunos em termos de invariantes operatoacuterios Quer dizer os alunos muitas vezes resolvem problemas usando conhecimentos-em-accedilatildeo que podem ateacute conduzi-los agrave uma soluccedilatildeo satisfatoacuteria para uma certa situaccedilatildeo mas que natildeo funcionam para outra situaccedilatildeo ligeiramente diferente da primeira porque tais conhecimentos natildeo satildeo cientiacuteficos e tampouco constituem um esquema de assimilaccedilatildeo que pode ser aplicado a uma classe de situaccedilotildees Por outro lado tais conhecimentos-em-accedilatildeo mdash que satildeo largamente impliacutecitos mdash podem ser precursores na aquisiccedilatildeo de conceitos cientiacuteficos e portanto devem ser identificados ie pesquisados Os trabalhos de Sousa (2001) e de Sousa e Faacutevero (2002) no qual a resoluccedilatildeo de problemas em Fiacutesica foi investigada em uma situaccedilatildeo de interlocuccedilatildeo entre um especialista e um novato eacute um exemplo nessa direccedilatildeo Costa e Moreira (2002) e Escudero e Moreira (2002) tambeacutem estatildeo trabalhando em resoluccedilatildeo de problemas em Fiacutesica e procurando interpretar as dificuldades dos alunos na construccedilatildeo de modelos mentais do enunciado agrave luz de aspectos da teoria dos campos conceituais

O estudo da aprendizagem de conceitos fiacutesicos tambeacutem pode ser feito no referencial teoacuterico de Vergnaud Para ele satildeo as situaccedilotildees que datildeo sentido ao conceito os invariantes operatoacuterios que constituem seu significado e as representaccedilotildees simboacutelicas o seu significante Portanto como sugere Vergnaud eacute preciso identificar e classificar situaccedilotildees adequadas agrave aprendizagem de determinado conceito pesquisar os invariantes operatoacuterios usados pelos alunos e procurar entender como por que e quando uma certa representaccedilatildeo simboacutelica pode ajudar na conceitualizaccedilatildeo O trabalho de Lemeignan e Weil-Barais (1994) eacute talvez pioneiro nessa linha As pesquisas de Stipcich e Moreira (2002) sobre o conceito de interaccedilatildeo e de Moreira e Sousa (2002) a respeito do conceito de potencial eleacutetrico estatildeo usando o referencial de Vergnaud para interpretar as dificuldades dos alunos na aprendizagem significativa desses conceitos

Obviamente a teoria dos campos conceituais pode tambeacutem ser usada como referente teoacuterico em pesquisas sobre mudanccedila conceitual De um modo geral pode-se dizer que essa teoria eacute potencialmente uacutetil na anaacutelise das dificuldades dos alunos na resoluccedilatildeo de problemas em ciecircncias na aprendizagem de conceitos cientiacuteficos e na mudanccedila conceitual

Uma vez identificadas tais dificuldades essa mesma teoria pode ajudar no delineamento de estrateacutegias ou melhor na seleccedilatildeo de situaccedilotildees instrucionais que possam ajudar na progressiva superaccedilatildeo de tais dificuldades ou em outras palavras no progressivo (e lento) domiacutenio do(s) campo(s) conceitual(is) envolvido(s) Esse domiacutenio progressivo implica capacidade de resolver problemas conceitualizaccedilatildeo e mudanccedila (evoluccedilatildeo) conceitual

Natildeo tatildeo oacutebvia eacute a possibilidade de investigar questotildees como a modelagem mental no referencial de Vergnaud poreacutem uma vez aceita a compatibilidade aludida na seccedilatildeo anterior entre a teoria dos modelos mentais e a teoria dos campos conceituais tal possibilidade decorre naturalmente Enfim a potencialidade do uso da teoria de Vergnaud na pesquisa e ensino de ciecircncias parece ser grande Nesta seccedilatildeo foram apenas aventadas possibilidades e referidos alguns estudos

Conclusatildeo

Este trabalho teve por objetivo descrever a teoria dos campos conceituais de Geacuterard Vergnaud particularmente para uma audiecircncia de professores e pesquisadores em ensino de ciecircncias Essa teoria eacute bastante conhecida na aacuterea da educaccedilatildeo matemaacutetica poreacutem relativamente pouco no campo da educaccedilatildeo em ciecircncias e justamente por isso foi objeto deste texto

Trata-se de uma teoria de base piagetiana mas que afasta-se bastante de Piaget ao tomar como referecircncia o proacuteprio conteuacutedo do conhecimento e a anaacutelise conceitual do progressivo domiacutenio desse conhecimento bem como ao ocupar-se do estudo do desenvolvimento cognitivo do sujeito-em-situaccedilatildeo ao inveacutes de operaccedilotildees loacutegicas gerais de estruturas gerais do pensamento Ao fazer isso a teoria de Vergnaud apresenta um grande potencial para descrever analisar e interpretar aquilo que se passa em sala de aula na aprendizagem de matemaacutetica e ciecircncias Provavelmente esse tipo de teoria eacute o de maior utilidade para fundamentar o ensino e a pesquisa em ensino nessa aacuterea

Aleacutem de descrever a teoria propriamente dita procurou-se neste texto estabelecer elos com a teoria da aprendizagem significativa de Ausubel (outra ldquoteoria de sala de aulardquo) e com a recente teoria dos modelos mentais de Johnson-Laird assim como destacar implicaccedilotildees para o ensino e para a pesquisa em ensino de ciecircncias

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[1] Lembremos que um campo conceitual eacute em primeiro lugar um conjunto de situaccedilotildees (1998 p 141 1990 p 5) cujo domiacutenio requer o domiacutenio de vaacuterios conceitos de naturezas distintas (volta para o texto) [2] A ponte entre a teoria de Vergnaud e a teoria dos modelos mentais de Johnson-Laird feita nesta seccedilatildeo estaacute bem mais elaborada no trabalho ldquoAleacutem da detecccedilatildeo de modelos mentais dos estudantes Uma proposta representacional integradorardquo de Ileana Greca e Marco Antonio Moreira (volta para o texto)

Page 16: A Teoria Dos Campos Conceituais de Vergnaud

do tipo ldquorelacionado a eventordquo diferentemente do tipo ldquoconceitualrdquo usado no campo das ciecircncias satildeo inadequados e frequumlentemente levam a previsotildees errocircneas

A persistecircncia das chamadas concepccedilotildees alternativas inclusive em estudantes em cursos cientiacuteficos avanccedilados tecircm recebido vaacuterias interpretaccedilotildees poreacutem Vergnaud argumenta (ibid p 74) que em praticamente todas elas o sistema de percepccedilatildeo visual tem um papel preponderante na construccedilatildeo do conhecimento pelos sujeitos mas pouca atenccedilatildeo tem sido dada ao papel funcional dessas concepccedilotildees e poucas pesquisas tecircm sido feitas sobre os problemas que os sujeitos encontram para construiacute-las Por exemplo os ldquoerrosrdquo encontrados em alguns estudos frequumlentemente decorrem de fato de que os sujeitos se deparam com questotildees que nunca se propuseram antes ou que envolvem valores natildeo usuais das variaacuteveis de uma dada situaccedilatildeo Outro exemplo de dificuldade enfrentada pelos sujeitos estaacute no fato de que os modelos cientiacuteficos fazem uso de entidades que geralmente natildeo satildeo acessiacuteveis sensorialmente Em Fiacutesica por exemplo os estudantes enfrentam uma dificuldade que tambeacutem existe na Aacutelgebra a verificaccedilatildeo do significado de representaccedilotildees simboacutelicas depende natildeo soacute da habilidade que o sujeito tenha para representar as entidades e as relaccedilotildees entre elas mas principalmente de elementos conceituais que devem ser levados em conta (conceitos como sistema estado interaccedilatildeo transferecircncia conservaccedilatildeo apenas para mencionar alguns) (ibid p 76)

O que tudo isso quer dizer eacute que eacute normal que os alunos apresentem tais concepccedilotildees e que elas devem ser consideradas como precursoras de conceitos cientiacuteficos a serem adquiridos A ativaccedilatildeo desses precursores eacute necessaacuteria e deve ser guiada pelo professor

As concepccedilotildees preacutevias dos alunos contecircm teoremas e conceitos-em-accedilatildeo que natildeo satildeo verdadeiros teoremas e conceitos cientiacuteficos mas que podem evoluir para eles Poreacutem como jaacute foi dito o hiato entre os invariantes operatoacuterios dos alunos e os do conhecimento cientiacutefico eacute grande de modo que a mudanccedila conceitual poderaacute levar muito tempo

Por outro lado pode ocorrer que certos conceitos possam ser construiacutedos somente se certas concepccedilotildees preacutevias forem abandonadas Quer dizer o conhecimento preacutevio pode funcionar como obstaacuteculo epistemoloacutegico (ibid p 83) Nesse caso a accedilatildeo mediadora do professor eacute tambeacutem imprescindiacutevel

A construccedilatildeo do conhecimento pelo aprendiz natildeo eacute um processo linear facilmente identificaacutevel Ao contraacuterio eacute complexo tortuoso demorado com avanccedilos e retrocessos continuidades e rupturas O conhecimento preacutevio eacute determinante no progressivo domiacutenio de um campo conceitual mas pode tambeacutem em alguns casos ser impeditivo Continuidades e rupturas natildeo satildeo no entanto excludentes Pode haver continuidade e ruptura A Aacutelgebra por exemplo se apoacuteia na Aritmeacutetica mas ainda assim para aprendecirc-la eacute necessaacuterio romper com a Aritmeacutetica A Mecacircnica Claacutessica e a Mecacircnica Quacircntica apresentam continuidades mas para aprender esta eacute preciso rupturas com aquela

No ensino eacute necessaacuterio desestabilizar cognitivamente o aluno mas natildeo demais Eacute preciso identificar sobre quais conhecimentos preacutevios a crianccedila pode se apoiar para aprender mas eacute forccediloso tambeacutem distinguir quais as rupturas necessaacuterias Quer dizer eacute preciso propor

tambeacutem com cuidado situaccedilotildees para as quais os alunos natildeo tecircm onde se apoiar ou natildeo devem se apoiar em conhecimentos preacutevios

As ideacuteias de Vergnaud sobre o papel do conhecimento preacutevio (que pode ser ldquoalternativordquo) como percursor de novos conhecimentos (que podem ser cientiacuteficos) e sobre as continuidades e rupturas na construccedilatildeo do conhecimento parecem ter muito a ver com a teoria da aprendizagem significativa de Ausubel (Ausubel et al 1980 Moreira 1999 a e b) Para Ausubel o conhecimento preacutevio eacute o principal fator isolado que influencia a aquisiccedilatildeo de novos conhecimentos A aprendizagem significativa se caracteriza pela interaccedilatildeo entre o novo conhecimento e o conhecimento preacutevio Eacute nessa interaccedilatildeo que o novo conhecimento adquire significados e o conhecimento preacutevio se modifica eou adquire novos significados Mas tal interaccedilatildeo natildeo eacute arbitraacuteria ou seja o novo conhecimento adquire significados pela interaccedilatildeo com conhecimentos preacutevios especificamente relevantes Em outras palavras a interaccedilatildeo natildeo eacute com qualquer conhecimento preacutevio Nesse sentido no ensino eacute preciso identificar sobre quais conhecimentos preacutevios o aluno pode se apoiar para aprender Contudo o efeito do conhecimento preacutevio na aprendizagem eacute tatildeo forte que em certos casos eacute preciso romper com ele Por exemplo no ensino do conceito de aprendizagem significativa pode natildeo ser adequado apoiar-se na ideacuteia de interaccedilatildeo pois esta pode estar fortemente arraigada na estrutura cognitiva como sendo uma relaccedilatildeo assimeacutetrica que poderia dificultar a compreensatildeo do fato de que na aprendizagem significativa tanto o novo conhecimento como o conhecimento preacutevio se modificam Por outro lado a compreensatildeo da aprendizagem significativa como uma relaccedilatildeo simeacutetrica ou de accedilatildeo reciacuteproca juntamente com a aprendizagem de outros processos envolvendo accedilatildeo reciacuteproca poderia levar a uma evoluccedilatildeo dos conceitos e teoremas-em-accedilatildeo associados agrave ideacuteia de interaccedilatildeo (que eacute uma ideacuteia-chave na ciecircncia) para outros progressivamente mais proacuteximos daqueles cientificamente compartilhados

Mas se a teoria dos campos conceituais eacute compatiacutevel com a teoria da aprendizagem significativa por que natildeo ficar com esta que eacute bastante mais conhecida e aceita no ensino de ciecircncias A resposta eacute que podem ser tomadas como complementares a teoria de Ausubel eacute uma teoria de aprendizagem em sala de aula de aquisiccedilatildeo de corpos organizados de conhecimento em situaccedilatildeo formal de ensino enquanto que a teoria de Vergnaud eacute uma teoria psicoloacutegica do processo de conceituaccedilatildeo do real que se propotildee a localizar e estudar continuidades e rupturas entre conhecimentos do ponto de vista de seu conteuacutedo conceitual A teoria de Vergnaud natildeo eacute uma teoria de ensino de conceitos expliacutecitos e formalizados embora tenha subjacente a ideacuteia de que os conhecimentos-em-accedilatildeo (largamente impliacutecitos) podem evoluir ao longo do tempo para conhecimentos cientiacuteficos (expliacutecitos) A teoria de Ausubel por outro lado se ocupa exatamente da aquisiccedilatildeo de conceitos expliacutecitos e formalizados chegando inclusive a propor princiacutepios programaacuteticos ndash como a diferenciaccedilatildeo progressiva a reconciliaccedilatildeo integradora e a consolidaccedilatildeo ndash para a organizaccedilatildeo do ensino

Ao resgatar e enriquecer o conceito de esquema introduzindo os conceitos de teorema-em-accedilatildeo e conceito-em-accedilatildeo ao definir conceito como um tripleto ao colocar a conceitualizaccedilatildeo no acircmago do desenvolvimento cognitivo ao priorizar a interaccedilatildeo sujeito-situaccedilatildeo e como natildeo poderia deixar de ser ao definir campo conceitual Vergnaud provecirc um referencial muito rico para compreender explicar e investigar o processo da

aprendizagem significativa A teoria dos campos conceituais de Vergnaud parece prover um referencial adequado para analisar a estrutura fina da teoria da aprendizagem significativa de Ausubel O que para Ausubel satildeo campos organizados de conhecimento para Vergnaud satildeo campos conceituais

ProfessorEnsino

Um determinado campo conceitual como o da Eletricidade por exemplo pode ser progressivamente dominado por um aprendiz mas o ensino atraveacutes da accedilatildeo mediadora do professor eacute essencial para isso Professores satildeo mediadores Sua tarefa eacute a de ajudar os alunos a desenvolver seu repertoacuterio de esquemas e representaccedilotildees (1998 p 180) Desenvolvendo novos esquemas os alunos tornam-se capazes de enfrentar situaccedilotildees cada vez mais complexas Novos esquemas natildeo podem ser desenvolvidos sem novos invariantes operacionais A linguagem e os siacutembolos satildeo importantes nesse processo Os professores usam palavras e sentenccedilas para explicar formular questotildees selecionar informaccedilotildees propor metas expectativas regras e planos Contudo sua accedilatildeo mediadora mais importante eacute a de prover situaccedilotildees (de aprendizagem) frutiacuteferas para os estudantes (ibid) Tais situaccedilotildees devem ser cuidadosamente escolhidas ordenadas diversificadas apresentadas no momento certo e dentro da zona de desenvolvimento proximal do aluno Sem duacutevida uma tarefa difiacutecil mas essencial

Para Vergnaud o desenvolvimento cognitivo depende de situaccedilotildees e conceitualizaccedilotildees especiacuteficas para lidar com elas Satildeo as situaccedilotildees que datildeo sentido aos conceitos elas eacute que satildeo responsaacuteveis pelo sentido atribuiacutedo ao conceito (Barais amp Vergnaud 1990 p 78) um conceito torna-se significativo atraveacutes de uma variedade de situaccedilotildees (1994 p 46) mas o sentido natildeo estaacute nas situaccedilotildees em si mesmas assim como natildeo estaacute nas palavras nem nos siacutembolos (1990 p 158)

Cabe aqui lembrar que embora estejamos falando do ensino e do papel do professor na perspectiva de Vergnaud as situaccedilotildees antes referidas natildeo satildeo situaccedilotildees didaacuteticas propriamente ditas mas sim tarefas problemas

O papel do professor como mediador provedor de situaccedilotildees problemaacuteticas frutiacuteferas estimuladoras da interaccedilatildeo sujeito-situaccedilatildeo que leva agrave ampliaccedilatildeo e agrave diversificaccedilatildeo de seus esquemas de accedilatildeo ou seja ao desenvolvimento cognitivo deixa ainda mais evidente que a teoria de Vergnaud tem tambeacutem forte influecircncia vigotskyana

Haacute no entanto outra importante implicaccedilatildeo da teoria dos campos conceituais para o ensino a questatildeo do conhecimento impliacutecito e do conhecimento expliacutecito A escola segundo Vergnaud (1994 p 47) superestima o conhecimento expliacutecito e subestima ateacute mesmo desvaloriza o conhecimento impliacutecito dos alunos Contudo a maior parte de nossa atividade fiacutesica e mental de nosso comportamento enfim eacute constituiacuteda de esquemas e estes tecircm como componentes essenciais os invariantes operatoacuterios (conceitos e teoremas-em-accedilatildeo) que constituem os conhecimentos contidos nos esquemas e que satildeo largamente impliacutecitos Quer dizer haacute muito de impliacutecito nos esquemas Os alunos em geral natildeo satildeo capazes de explicar ou expressar em linguagem natural seus teoremas-em-accedilatildeo ainda que

sejam capazes de resolver certas tarefas (situaccedilotildees) Natildeo soacute alunos qualquer pessoa muitas vezes eacute incapaz de colocar em palavras coisas que faz muito bem conhecimentos que tem Haacute um hiato entre a accedilatildeo e a formalizaccedilatildeo da accedilatildeo Agimos com o auxiacutelio de invariantes operatoacuterios sem expressaacute-los ou sem sermos capazes de expressaacute-los A anaacutelise cognitiva dessas accedilotildees muitas vezes revela a existecircncia de potentes teoremas e conceitos-em-accedilatildeo impliacutecitos Esse conhecimento no entanto natildeo pode ser apropriadamente chamado de conceitual pois o conhecimento conceitual eacute necessariamente expliacutecito (Vergnaud et al 1990 p 20) Portanto palavras e outros siacutembolos sentenccedilas e outras expressotildees simboacutelicas satildeo instrumentos cognitivos indispensaacuteveis para a transformaccedilatildeo de invariantes operatoacuterios impliacutecitos em conceitos e teoremas cientiacuteficos expliacutecitos (ibid) Quer dizer a formalizaccedilatildeo ndash o ensino direcionado agrave formalizaccedilatildeo ndash eacute necessaacuteria poreacutem eacute preciso levar em conta que as ideacuteias cientiacuteficas evoluem no aluno durante um longo periacuteodo de desenvolvimento cognitivo atraveacutes de uma variedade de situaccedilotildees e atividades e que qualquer conhecimento formal e axiomatizado que o aluno apresenta pode natildeo ser mais do que a parte visiacutevel de um iceberg formado basicamente por conhecimentos impliacutecitos (op cit p 21) O ensino de ciecircncias natildeo pode deixar de lado a simbolizaccedilatildeo e a formalizaccedilatildeo porque a ciecircncia eacute simboacutelica formal e expliacutecita mas eacute preciso ter sempre em mente que o conhecimento do aluno como de qualquer outro sujeito eacute em grande parte impliacutecito O ensino de ciecircncias deve facilitar a transformaccedilatildeo do conhecimento impliacutecito em expliacutecito sem nunca subestimaacute-lo ou desvalorizaacute-lo A trajetoacuteria do aprendiz ao longo de um campo conceitual cientiacutefico eacute sinuosa difusa difiacutecil e sobretudo demorada Natildeo se pode esperar que um aluno domine um campo conceitual como o da Termodinacircmica por exemplo atraveacutes de uma ou duas unidades didaacuteticas desenvolvidas ao longo de dois ou trecircs meses Eacute normal que o aluno continue usando conhecimentos impliacutecitos ao mesmo tempo que vai se apropriando dos conhecimentos expliacutecitos da ciecircncia A perspectiva dos campos conceituais eacute progressiva natildeo substitutiva Ou seja o campo conceitual vai sendo progressivamente dominado pelo aprendiz o conhecimento impliacutecito vai evoluindo progressivamente para o expliacutecito ao inveacutes de ser substituiacutedo por ele Isso como alerta Vergnaud pode levar muito tempo muitos anos talvez mas o ensino e em uacuteltima anaacutelise o professor tecircm um papel essencial nesse processo Sem o ensino natildeo haacute razatildeo nenhuma para se acreditar que o sujeito passe a dominar campos conceituais complexos e formalizados como os cientiacuteficos

Resoluccedilatildeo de Problemas

O ensino de ciecircncias tradicionalmente envolve trecircs aspectos principais profundamente interrelacionados o conhecimento teoacuterico (conceitos leis princiacutepios equaccedilotildees) as praacuteticas de laboratoacuterio (experimentos demonstraccedilotildees procedimentos cientiacuteficos) e a resoluccedilatildeo de problemas (abertos fechados como investigaccedilatildeo de papel e laacutepis) Obviamente qualquer professor experiente sabe que essa distinccedilatildeo eacute artificial o conhecimento cientiacutefico eacute produzido atraveacutes da interaccedilatildeo entre o domiacutenio conceitual e o metodoloacutegico Poreacutem na perspectiva de Vergnaud esta interdependecircncia entre a teoria e a praacutetica fica muito clara

Como jaacute foi dito reiteradamente ao longo deste texto satildeo as situaccedilotildees[1] que datildeo sentido aos conceitos um conceito torna-se significativo atraveacutes de uma variedade de situaccedilotildees os conhecimentos dos alunos satildeo moldados pelas situaccedilotildees que encontram e

progressivamente dominam Embora o conceito de situaccedilatildeo tenha na teoria dos campos conceituais o significado de tarefa podemos supor que no acircmbito das ciecircncias situaccedilatildeo significa tambeacutem problema Ou podemos falar em situaccedilotildees e problemas como faz o proacuteprio Vergnaud ao dizer que ldquoa aquisiccedilatildeo de conhecimento eacute moldada pelas situaccedilotildees e problemas previamente dominados e portanto o conhecimento do sujeito tem muitos aspectos locaisrdquo (1994 p 42) Em outro trabalho bastante anterior a esse Vergnaud diz que ldquona verdade os conceitos se desenvolvem atraveacutes da resoluccedilatildeo de problemas e esse desenvolvimento eacute lentordquo (1983b p 172)

Isso significa que a resoluccedilatildeo de problemas ou as situaccedilotildees de resoluccedilatildeo de problemas satildeo essenciais para a conceitualizaccedilatildeo mas como chama atenccedilatildeo Vergnaud (1994 p 42) ldquoum problema natildeo eacute um problema para um indiviacuteduo a menos que ele ou ela tenha conceitos que oa tornem capaz de consideraacute-lo como um problema para si mesmordquo Ou seja haacute uma relaccedilatildeo dialeacutetica e ciacuteclica entre a conceitualizaccedilatildeo e a resoluccedilatildeo de problemas Para Vergnaud a problematizaccedilatildeo vai muito aleacutem da abstraccedilatildeo de regularidades do mundo observaacutevel Problemas satildeo teoacutericos e praacuteticos natildeo meramente empiacutericos mesmo para crianccedilas pequenas Quando uma classe de problemas eacute resolvida por um indiviacuteduo (o que significa que ela ou ele desenvolve um esquema eficiente para lidar com todos ou quase todos os problemas dessa classe) o caraacuteter problemaacutetico dessa classe especiacutefica desaparece (ibid) Mas essa competecircncia desenvolvida pelo indiviacuteduo o habilita a reconhecer ou considerar novos problemas para si mesmo trata-se entatildeo de um processo ciacuteclico

Vergnaud chama de ldquoilusatildeo pedagoacutegicardquo (1983 b p 173) a atitude dos professores que crecircem que o ensino de Fiacutesica digamos consiste na apresentaccedilatildeo organizada clara rigorosa das teorias formais e que quando isso eacute bem feito os alunos aprendem Trata-se de uma ilusatildeo porque segundo ele eacute atraveacutes de situaccedilotildees de resoluccedilatildeo de problemas que os conceitos se desenvolvem no aluno e as situaccedilotildees de resoluccedilatildeo de problemas que tornam os conceitos significativos para os alunos podem estar pelo menos inicialmente muito distantes do formalismo apresentado pelo professor Mas apesar disso tais situaccedilotildees satildeo essenciais para o desenvolvimento de conceitos Quer dizer ao mesmo tempo que as situaccedilotildees formais satildeo necessaacuterias eacute preciso levar em consideraccedilatildeo que o aluno pode estar ainda muito longe delas (1983 b p 172)

Novamente podemos estabelecer um certo paralelo entre as teorias de Ausubel e Vergnaud A aprendizagem receptiva de Ausubel poderia ser interpretada como a ilusatildeo pedagoacutegica de Vergnaud mas natildeo eacute assim Ausubel certamente defenderia a apresentaccedilatildeo organizada clara rigorosa das teoria formais poreacutem desde que fossem potencialmente significativas o que implicaria que o aprendiz tivesse o conhecimento preacutevio adequado e se dispusesse a aprender Isso estaria de acordo com a postura de Vergnaud no sentido de que o domiacutenio de situaccedilotildees preacutevias eacute importante para o domiacutenio de situaccedilotildees novas Acrescente-se a isso que para Ausubel a resoluccedilatildeo de problemas em particular de situaccedilotildees problemaacuteticas novas e natildeo familiares que requeiram maacutexima transformaccedilatildeo do conhecimento adquirido eacute a principal evidecircncia da aprendizagem significativa (Ausubel et al 1980)

A teoria de Vergnaud parece ser entatildeo um bom referencial para anaacutelise das dificuldades dos alunos na resoluccedilatildeo de problemas em ciecircncias e consequumlentemente da conceitualizaccedilatildeo em ciecircncias Tais dificuldades poderiam por exemplo ser examinadas em

termos de invariantes operatoacuterios quer dizer em termos de quais os conceitos e teoremas-em-accedilatildeo que os estudantes estariam usando na resoluccedilatildeo de problemas e de quatildeo distantes estariam dos conceitos e teoremas cientiacuteficos adequados agrave resoluccedilatildeo do problema em pauta

Representaccedilotildees[2]

No tripleto C (S I R) que define conceito (p 4 deste trabalho) Vergnaud dizia que S (o conjunto de situaccedilotildees que datildeo sentido ao conceito) eacute a realidade e (I R) a representaccedilatildeo dessa realidade que pode ser considerada como dois aspectos interagentes do pensamento o significado (I) e o significante (R)

Isso sugere que inicialmente Vergnaud usava o termo representaccedilatildeo como sendo o de um sistema simboacutelico que significaria algo para o sujeito um sistema de signos e uma sintaxe ou operaccedilotildees sobre elementos do sistema Para ele conceitos e siacutembolos eram duas faces da mesma moeda e devia-se sempre dar atenccedilatildeo ao uso que os alunos faziam dos siacutembolos agrave luz do uso que faziam dos conceitos Quer dizer a habilidade em resolver situaccedilotildees em linguagem natural seria o melhor criteacuterio para aquisiccedilatildeo de conceitos mas por outro lado a simbolizaccedilatildeo ajudaria nisso (1982 p 57) Assim como haacute problemas mais facilmente resolviacuteveis do que outros ou procedimentos mais faacuteceis do que outros haveria representaccedilotildees simboacutelicas mais potentes do que outras equaccedilotildees por exemplo seriam mais potentes que diagramas de Euler-Venn Todavia tais equaccedilotildees deveriam representar situaccedilotildees significativas

Poreacutem em outro trabalho mais recente (1998 p 173) Vergnaud fala em teorias de representaccedilotildees e diz que para ser uacutetil uma teoria dessas deve conter a ideacuteia de que as representaccedilotildees ofereccedilam possibilidades de inferecircncia ie que elas nos tornem capazes de antecipar eventos futuros e gerar condutas para chegar a algum efeito positivo ou evitar algum efeito negativo

Diz ele (op cit p 174) que temos representaccedilotildees computaacuteveis para gestos e accedilotildees sobre o mundo fiacutesico bem como para comportamentos verbais e para interaccedilotildees sociais Tais representaccedilotildees podem ser corretas ou erradas vagas ou precisas expliacutecitas ou totalmente impliacutecitas em qualquer caso elas funcionam como substitutos computaacuteveis da realidade e portanto satildeo feitas de teoremas-em-accedilatildeo proposiccedilotildees tidas como verdadeiras

A construccedilatildeo do conhecimento consiste entatildeo na progressiva construccedilatildeo de representaccedilotildees mentais que satildeo homomoacuterficas agrave realidade para alguns aspectos e para outros natildeo (1990 p 22) Por um lado a representaccedilatildeo eacute ativa pragmaacutetica e operacional por outro eacute discursiva teoacuterica e simboacutelica (ibid) Mas haacute importantes lacunas entre o que estaacute representado na mente de um indiviacuteduo e o significado usual das palavras e outros signos pois sistemas linguumliacutesticos e semioacuteticos natildeo tecircm por finalidade expressar exatamente o que cada indiviacuteduo tem em mente quando enfrenta uma situaccedilatildeo selecionando e processando a informaccedilatildeo (1998 p 176) Para Vergnaud a relaccedilatildeo entre situaccedilotildees e esquemas eacute a fonte primaacuteria da representaccedilatildeo mas sua teoria afasta-se muito da visatildeo de que um objeto pode ser representado mentalmente de maneira natildeo ambiacutegua atraveacutes de

siacutembolos Por maior que seja (e eacute grande) o papel dos siacutembolos no pensamento o conhecimento natildeo eacute em essecircncia simboacutelico O reconhecimento de invariantes em accedilatildeo e percepccedilatildeo e a progressiva construccedilatildeo de objetos e predicados de niacutevel mais alto satildeo aspectos mais essenciais do conhecimento (op cit p 177)

Podemos entatildeo fazer uma ponte entre os significados mais recentes de representaccedilatildeo na teoria de Vergnaud e a teoria tambeacutem recente dos modelos mentais (Johnson-Laird 1983 Moreira 1996) Dizer que temos representaccedilotildees computaacuteveis para gestos e accedilotildees sobre o mundo fiacutesico para comportamentos verbais e para interaccedilotildees sociais e que tais representaccedilotildees -- que podem ser corretas ou erradas vagas ou precisas expliacutecitas ou (principalmente) impliacutecitas -- permitem fazer inferecircncias eacute praticamente dizer que tais representaccedilotildees satildeo modelos mentais Johnson-Laird define modelos mentais como anaacutelogos estruturais de estados de coisas do mundo Satildeo instrumentos de compreensatildeo e inferecircncia Quando nos defrontamos com uma situaccedilatildeo nova construiacutemos um modelo mental para entendecirc-la descrevecirc-la e prever o que vai acontecer Este modelo pode ser correto ou natildeo (no sentido de que suas previsotildees natildeo satildeo corretas cientificamente) pode ser vago confuso incompleto mas eacute sobretudo funcional para seus construtor e pode ser modificado recursivamente ateacute atingir tal funcionalidade

Modelos mentais podem ser basicamente proposicionais ie constituiacutedos principalmente de proposiccedilotildees ou basicamente imagiacutesticos ou seja construiacutedos predominantemente com imagens ou ainda hiacutebridos quer dizer formados por proposiccedilotildees e imagens (Greca e Moreira 1997) Entatildeo as proposiccedilotildees constituintes dos modelos mentais podem ser interpretadas como teoremas-em-accedilatildeo de Vergnaud Como ele mesmo diz as representaccedilotildees funcionam como substitutos computaacuteveis da realidade e portanto satildeo feitas de teoremas-em-accedilatildeo Com o progressivo domiacutenio de um campo conceitual os teoremas-em-accedilatildeo (grandemente impliacutecitos) vatildeo se aproximando de teoremas cientiacuteficos (proposiccedilotildees expliacutecitas) Analogamente agrave medida que o sujeito adquire mais conhecimentos cientiacuteficos seus modelos mentais aproximam-se (no sentido de que permitem dar significados cientificamente aceitos) dos modelos cientiacuteficos

Pode-se assim dizer que os modelos mentais de Johnson-Laird contecircm aquilo que Vergnaud chama de teoremas-em-accedilatildeo ou seja proposiccedilotildees tidas como verdadeiras sobre o real Mas esta aparente compatibilidade entre as duas teorias pode ir aleacutem pois os conceitos-em-accedilatildeo de Vergnaud tambeacutem podem integrar modelos mentais Conceitos-em-accedilatildeo satildeo objetos predicados ou categorias de pensamento tidos como pertinentes relevantes agrave situaccedilatildeo Analogamente segundo o princiacutepio do construtivismo (Johnson-Laird 1983 p 398) um modelo mental eacute construiacutedo a partir de sinais (tokens) dispostos em uma estrutura particular para representar em certo estado de coisas (isto eacute uma certa situaccedilatildeo) Se interpretaacutessemos esses sinais (tokens) como objetos predicados ou categorias de pensamento pertinentes dir-se-ia que os modelos mentais contecircm tambeacutem conceitos-em-accedilatildeo

Contudo eacute importante natildeo confundir modelos mentais com esquemas de assimilaccedilatildeo Para Vergnaud os invariantes operatoacuterios (teoremas e conceitos-em-accedilatildeo) satildeo componentes essenciais dos esquemas e acabamos de dizer que os modelos mentais contecircm proposiccedilotildees e sinais (tokens) que podem ser interpretados como invariantes operatoacuterios mas ainda

assim modelos mentais e esquemas satildeo construtos distintos Modelo mental eacute instrumento de compreensatildeo construiacutedo no momento da compreensatildeo e descartaacutevel se for alcanccedilada (para o construtor) a funcionalidade desejada (ou seja a compreensatildeo mesmo que natildeo compartilhada cientificamente) Esquema de assimilaccedilatildeo eacute segundo Vergnaud a organizaccedilatildeo invariante do comportamento para uma determinada classe de situaccedilotildees Portanto esquemas de assimilaccedilatildeo satildeo mais estaacuteveis o sujeito constroacutei determinado esquema e o utiliza para assimilar uma certa classe de situaccedilotildees ou seja usa sempre o mesmo esquema para cada situaccedilatildeo dessa classe Mas frente a uma situaccedilatildeo nova eacute preciso acomodar ou seja construir um novo esquema de assimilaccedilatildeo e eacute exatamente aiacute que parece encaixar bem a ideacuteia de modelo mental para compreender uma nova situaccedilatildeo o sujeito constroacutei inicialmente um modelo mental (que como foi dito pode conter invariantes operatoacuterios) natildeo um esquema de assimilaccedilatildeo Na medida em que a nova situaccedilatildeo deixa de ser nova e passa a ser rotineira o modelo mental evolui para esquema de assimilaccedilatildeo quer dizer se estabiliza Mas isso natildeo quer dizer que todo modelo mental venha a se transformar em esquema de assimilaccedilatildeo Modelos mentais satildeo recursivos o que significa que vatildeo sendo construiacutedos e modificados quase que simultaneamente ateacute que se tornem funcionais quando entatildeo podem ser descartados ou talvez ldquoguardadosrdquo ateacute que se tornem esquemas de assimilaccedilatildeo Trata-se ao que parece de um bom assunto para pesquisar

Pesquisa

Como uacuteltimo toacutepico deste texto abordar-se-aacute a pesquisa em ensino de ciecircncias no referencial da teoria dos campos conceituais Vejamos primeiramente no entanto o que diz Vergnaud sobre a pesquisa em campos conceituais

Segundo ele (1988 p 149) a abordagem canocircnica ao estudo de um campo conceitual envolve identificar e classificar situaccedilotildees e entatildeo coletar dados sobre procedimentos e outras maneiras atraveacutes das quais os estudantes expressam seu raciociacutenio Um ciclo de pesquisa inicia com a identificaccedilatildeo de niacuteveis de objetos relaccedilotildees e teoremas-em-accedilatildeo O ciclo continua entatildeo com o delineamento de situaccedilotildees e materiais e sua experimentaccedilatildeo com alunos completando-se com a construccedilatildeo de representaccedilotildees simboacutelicas atraveacutes da observaccedilatildeo e anaacutelise dos diferentes fenocircmenos que ocorrem (ibid) Comeccedila entatildeo um segundo ciclo para melhorar o primeiro e assim sucessivamente O estudo do domiacutenio de certos campos conceituais eacute um programa de longo prazo que dificilmente pode ser feito por um pesquisador isolado ou mesmo por um grupo de pesquisa isolado

Portanto o primeiro passo para estudar o progressivo domiacutenio de um campo conceitual por parte do aluno eacute identificar e classificar situaccedilotildees Mas isso envolve duas ideacuteias principais diversidade e histoacuteria Ou seja existe uma grande variedade de situaccedilotildees em um dado campo conceitual e as aprendizagens dos alunos satildeo moldadas pelas situaccedilotildees com as quais se depararam e progressivamente dominaram particularmente as primeiras suscetiacuteveis de dar sentido aos conceitos e procedimentos que lhes queremos ensinar (1990 p 150) A combinaccedilatildeo dessas duas ideacuteias dificulta o trabalho do pesquisador em ensino porque a primeira o dirige para a anaacutelise para a decomposiccedilatildeo em elementos simples e para as possiacuteveis combinaccedilotildees de situaccedilotildees enquanto que a segunda o orienta para a busca de

situaccedilotildees funcionais quase sempre compostas de vaacuterias relaccedilotildees cuja importacircncia relativa estaacute largamente ligada agrave frequumlecircncia com que satildeo encontradas (ibid)

Em outras palavras o estudo psicogeneacutetico da aquisiccedilatildeo de um campo conceitual implica a anaacutelise em termos relacionais e hieraacuterquicos das diferentes classes de problemas que podem ser propostos aos alunos Implica tambeacutem o estudo dos distintos procedimentos e representaccedilotildees simboacutelicas que o aprendiz utiliza (1982 p 40) Em relaccedilatildeo agraves representaccedilotildees Vergnaud diz (1994 p 43) que eacute uma tarefa essencial teoacuterica e empiacuterica dos pesquisadores entender por que uma certa representaccedilatildeo simboacutelica particular pode ser uacutetil e sob quais condiccedilotildees e quando e por que pode ser proveitosamente substituiacuteda por outra mais abstrata e geral

Embora Vergnaud e vaacuterios pesquisadores que trabalham sob o referencial de sua teoria tenham se dedicado principalmente agrave pesquisa em educaccedilatildeo matemaacutetica e em particular ao estudo dos campos conceituais das estruturas aditivas e multiplicativas essa abordagem agrave pesquisa certamente se aplica ao ensino de ciecircncias ou agrave educaccedilatildeo em ciecircncias se preferirmos esta terminologia Na resoluccedilatildeo de problemas por exemplo pode-se analisar as dificuldades dos alunos em termos de invariantes operatoacuterios Quer dizer os alunos muitas vezes resolvem problemas usando conhecimentos-em-accedilatildeo que podem ateacute conduzi-los agrave uma soluccedilatildeo satisfatoacuteria para uma certa situaccedilatildeo mas que natildeo funcionam para outra situaccedilatildeo ligeiramente diferente da primeira porque tais conhecimentos natildeo satildeo cientiacuteficos e tampouco constituem um esquema de assimilaccedilatildeo que pode ser aplicado a uma classe de situaccedilotildees Por outro lado tais conhecimentos-em-accedilatildeo mdash que satildeo largamente impliacutecitos mdash podem ser precursores na aquisiccedilatildeo de conceitos cientiacuteficos e portanto devem ser identificados ie pesquisados Os trabalhos de Sousa (2001) e de Sousa e Faacutevero (2002) no qual a resoluccedilatildeo de problemas em Fiacutesica foi investigada em uma situaccedilatildeo de interlocuccedilatildeo entre um especialista e um novato eacute um exemplo nessa direccedilatildeo Costa e Moreira (2002) e Escudero e Moreira (2002) tambeacutem estatildeo trabalhando em resoluccedilatildeo de problemas em Fiacutesica e procurando interpretar as dificuldades dos alunos na construccedilatildeo de modelos mentais do enunciado agrave luz de aspectos da teoria dos campos conceituais

O estudo da aprendizagem de conceitos fiacutesicos tambeacutem pode ser feito no referencial teoacuterico de Vergnaud Para ele satildeo as situaccedilotildees que datildeo sentido ao conceito os invariantes operatoacuterios que constituem seu significado e as representaccedilotildees simboacutelicas o seu significante Portanto como sugere Vergnaud eacute preciso identificar e classificar situaccedilotildees adequadas agrave aprendizagem de determinado conceito pesquisar os invariantes operatoacuterios usados pelos alunos e procurar entender como por que e quando uma certa representaccedilatildeo simboacutelica pode ajudar na conceitualizaccedilatildeo O trabalho de Lemeignan e Weil-Barais (1994) eacute talvez pioneiro nessa linha As pesquisas de Stipcich e Moreira (2002) sobre o conceito de interaccedilatildeo e de Moreira e Sousa (2002) a respeito do conceito de potencial eleacutetrico estatildeo usando o referencial de Vergnaud para interpretar as dificuldades dos alunos na aprendizagem significativa desses conceitos

Obviamente a teoria dos campos conceituais pode tambeacutem ser usada como referente teoacuterico em pesquisas sobre mudanccedila conceitual De um modo geral pode-se dizer que essa teoria eacute potencialmente uacutetil na anaacutelise das dificuldades dos alunos na resoluccedilatildeo de problemas em ciecircncias na aprendizagem de conceitos cientiacuteficos e na mudanccedila conceitual

Uma vez identificadas tais dificuldades essa mesma teoria pode ajudar no delineamento de estrateacutegias ou melhor na seleccedilatildeo de situaccedilotildees instrucionais que possam ajudar na progressiva superaccedilatildeo de tais dificuldades ou em outras palavras no progressivo (e lento) domiacutenio do(s) campo(s) conceitual(is) envolvido(s) Esse domiacutenio progressivo implica capacidade de resolver problemas conceitualizaccedilatildeo e mudanccedila (evoluccedilatildeo) conceitual

Natildeo tatildeo oacutebvia eacute a possibilidade de investigar questotildees como a modelagem mental no referencial de Vergnaud poreacutem uma vez aceita a compatibilidade aludida na seccedilatildeo anterior entre a teoria dos modelos mentais e a teoria dos campos conceituais tal possibilidade decorre naturalmente Enfim a potencialidade do uso da teoria de Vergnaud na pesquisa e ensino de ciecircncias parece ser grande Nesta seccedilatildeo foram apenas aventadas possibilidades e referidos alguns estudos

Conclusatildeo

Este trabalho teve por objetivo descrever a teoria dos campos conceituais de Geacuterard Vergnaud particularmente para uma audiecircncia de professores e pesquisadores em ensino de ciecircncias Essa teoria eacute bastante conhecida na aacuterea da educaccedilatildeo matemaacutetica poreacutem relativamente pouco no campo da educaccedilatildeo em ciecircncias e justamente por isso foi objeto deste texto

Trata-se de uma teoria de base piagetiana mas que afasta-se bastante de Piaget ao tomar como referecircncia o proacuteprio conteuacutedo do conhecimento e a anaacutelise conceitual do progressivo domiacutenio desse conhecimento bem como ao ocupar-se do estudo do desenvolvimento cognitivo do sujeito-em-situaccedilatildeo ao inveacutes de operaccedilotildees loacutegicas gerais de estruturas gerais do pensamento Ao fazer isso a teoria de Vergnaud apresenta um grande potencial para descrever analisar e interpretar aquilo que se passa em sala de aula na aprendizagem de matemaacutetica e ciecircncias Provavelmente esse tipo de teoria eacute o de maior utilidade para fundamentar o ensino e a pesquisa em ensino nessa aacuterea

Aleacutem de descrever a teoria propriamente dita procurou-se neste texto estabelecer elos com a teoria da aprendizagem significativa de Ausubel (outra ldquoteoria de sala de aulardquo) e com a recente teoria dos modelos mentais de Johnson-Laird assim como destacar implicaccedilotildees para o ensino e para a pesquisa em ensino de ciecircncias

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[1] Lembremos que um campo conceitual eacute em primeiro lugar um conjunto de situaccedilotildees (1998 p 141 1990 p 5) cujo domiacutenio requer o domiacutenio de vaacuterios conceitos de naturezas distintas (volta para o texto) [2] A ponte entre a teoria de Vergnaud e a teoria dos modelos mentais de Johnson-Laird feita nesta seccedilatildeo estaacute bem mais elaborada no trabalho ldquoAleacutem da detecccedilatildeo de modelos mentais dos estudantes Uma proposta representacional integradorardquo de Ileana Greca e Marco Antonio Moreira (volta para o texto)

Page 17: A Teoria Dos Campos Conceituais de Vergnaud

tambeacutem com cuidado situaccedilotildees para as quais os alunos natildeo tecircm onde se apoiar ou natildeo devem se apoiar em conhecimentos preacutevios

As ideacuteias de Vergnaud sobre o papel do conhecimento preacutevio (que pode ser ldquoalternativordquo) como percursor de novos conhecimentos (que podem ser cientiacuteficos) e sobre as continuidades e rupturas na construccedilatildeo do conhecimento parecem ter muito a ver com a teoria da aprendizagem significativa de Ausubel (Ausubel et al 1980 Moreira 1999 a e b) Para Ausubel o conhecimento preacutevio eacute o principal fator isolado que influencia a aquisiccedilatildeo de novos conhecimentos A aprendizagem significativa se caracteriza pela interaccedilatildeo entre o novo conhecimento e o conhecimento preacutevio Eacute nessa interaccedilatildeo que o novo conhecimento adquire significados e o conhecimento preacutevio se modifica eou adquire novos significados Mas tal interaccedilatildeo natildeo eacute arbitraacuteria ou seja o novo conhecimento adquire significados pela interaccedilatildeo com conhecimentos preacutevios especificamente relevantes Em outras palavras a interaccedilatildeo natildeo eacute com qualquer conhecimento preacutevio Nesse sentido no ensino eacute preciso identificar sobre quais conhecimentos preacutevios o aluno pode se apoiar para aprender Contudo o efeito do conhecimento preacutevio na aprendizagem eacute tatildeo forte que em certos casos eacute preciso romper com ele Por exemplo no ensino do conceito de aprendizagem significativa pode natildeo ser adequado apoiar-se na ideacuteia de interaccedilatildeo pois esta pode estar fortemente arraigada na estrutura cognitiva como sendo uma relaccedilatildeo assimeacutetrica que poderia dificultar a compreensatildeo do fato de que na aprendizagem significativa tanto o novo conhecimento como o conhecimento preacutevio se modificam Por outro lado a compreensatildeo da aprendizagem significativa como uma relaccedilatildeo simeacutetrica ou de accedilatildeo reciacuteproca juntamente com a aprendizagem de outros processos envolvendo accedilatildeo reciacuteproca poderia levar a uma evoluccedilatildeo dos conceitos e teoremas-em-accedilatildeo associados agrave ideacuteia de interaccedilatildeo (que eacute uma ideacuteia-chave na ciecircncia) para outros progressivamente mais proacuteximos daqueles cientificamente compartilhados

Mas se a teoria dos campos conceituais eacute compatiacutevel com a teoria da aprendizagem significativa por que natildeo ficar com esta que eacute bastante mais conhecida e aceita no ensino de ciecircncias A resposta eacute que podem ser tomadas como complementares a teoria de Ausubel eacute uma teoria de aprendizagem em sala de aula de aquisiccedilatildeo de corpos organizados de conhecimento em situaccedilatildeo formal de ensino enquanto que a teoria de Vergnaud eacute uma teoria psicoloacutegica do processo de conceituaccedilatildeo do real que se propotildee a localizar e estudar continuidades e rupturas entre conhecimentos do ponto de vista de seu conteuacutedo conceitual A teoria de Vergnaud natildeo eacute uma teoria de ensino de conceitos expliacutecitos e formalizados embora tenha subjacente a ideacuteia de que os conhecimentos-em-accedilatildeo (largamente impliacutecitos) podem evoluir ao longo do tempo para conhecimentos cientiacuteficos (expliacutecitos) A teoria de Ausubel por outro lado se ocupa exatamente da aquisiccedilatildeo de conceitos expliacutecitos e formalizados chegando inclusive a propor princiacutepios programaacuteticos ndash como a diferenciaccedilatildeo progressiva a reconciliaccedilatildeo integradora e a consolidaccedilatildeo ndash para a organizaccedilatildeo do ensino

Ao resgatar e enriquecer o conceito de esquema introduzindo os conceitos de teorema-em-accedilatildeo e conceito-em-accedilatildeo ao definir conceito como um tripleto ao colocar a conceitualizaccedilatildeo no acircmago do desenvolvimento cognitivo ao priorizar a interaccedilatildeo sujeito-situaccedilatildeo e como natildeo poderia deixar de ser ao definir campo conceitual Vergnaud provecirc um referencial muito rico para compreender explicar e investigar o processo da

aprendizagem significativa A teoria dos campos conceituais de Vergnaud parece prover um referencial adequado para analisar a estrutura fina da teoria da aprendizagem significativa de Ausubel O que para Ausubel satildeo campos organizados de conhecimento para Vergnaud satildeo campos conceituais

ProfessorEnsino

Um determinado campo conceitual como o da Eletricidade por exemplo pode ser progressivamente dominado por um aprendiz mas o ensino atraveacutes da accedilatildeo mediadora do professor eacute essencial para isso Professores satildeo mediadores Sua tarefa eacute a de ajudar os alunos a desenvolver seu repertoacuterio de esquemas e representaccedilotildees (1998 p 180) Desenvolvendo novos esquemas os alunos tornam-se capazes de enfrentar situaccedilotildees cada vez mais complexas Novos esquemas natildeo podem ser desenvolvidos sem novos invariantes operacionais A linguagem e os siacutembolos satildeo importantes nesse processo Os professores usam palavras e sentenccedilas para explicar formular questotildees selecionar informaccedilotildees propor metas expectativas regras e planos Contudo sua accedilatildeo mediadora mais importante eacute a de prover situaccedilotildees (de aprendizagem) frutiacuteferas para os estudantes (ibid) Tais situaccedilotildees devem ser cuidadosamente escolhidas ordenadas diversificadas apresentadas no momento certo e dentro da zona de desenvolvimento proximal do aluno Sem duacutevida uma tarefa difiacutecil mas essencial

Para Vergnaud o desenvolvimento cognitivo depende de situaccedilotildees e conceitualizaccedilotildees especiacuteficas para lidar com elas Satildeo as situaccedilotildees que datildeo sentido aos conceitos elas eacute que satildeo responsaacuteveis pelo sentido atribuiacutedo ao conceito (Barais amp Vergnaud 1990 p 78) um conceito torna-se significativo atraveacutes de uma variedade de situaccedilotildees (1994 p 46) mas o sentido natildeo estaacute nas situaccedilotildees em si mesmas assim como natildeo estaacute nas palavras nem nos siacutembolos (1990 p 158)

Cabe aqui lembrar que embora estejamos falando do ensino e do papel do professor na perspectiva de Vergnaud as situaccedilotildees antes referidas natildeo satildeo situaccedilotildees didaacuteticas propriamente ditas mas sim tarefas problemas

O papel do professor como mediador provedor de situaccedilotildees problemaacuteticas frutiacuteferas estimuladoras da interaccedilatildeo sujeito-situaccedilatildeo que leva agrave ampliaccedilatildeo e agrave diversificaccedilatildeo de seus esquemas de accedilatildeo ou seja ao desenvolvimento cognitivo deixa ainda mais evidente que a teoria de Vergnaud tem tambeacutem forte influecircncia vigotskyana

Haacute no entanto outra importante implicaccedilatildeo da teoria dos campos conceituais para o ensino a questatildeo do conhecimento impliacutecito e do conhecimento expliacutecito A escola segundo Vergnaud (1994 p 47) superestima o conhecimento expliacutecito e subestima ateacute mesmo desvaloriza o conhecimento impliacutecito dos alunos Contudo a maior parte de nossa atividade fiacutesica e mental de nosso comportamento enfim eacute constituiacuteda de esquemas e estes tecircm como componentes essenciais os invariantes operatoacuterios (conceitos e teoremas-em-accedilatildeo) que constituem os conhecimentos contidos nos esquemas e que satildeo largamente impliacutecitos Quer dizer haacute muito de impliacutecito nos esquemas Os alunos em geral natildeo satildeo capazes de explicar ou expressar em linguagem natural seus teoremas-em-accedilatildeo ainda que

sejam capazes de resolver certas tarefas (situaccedilotildees) Natildeo soacute alunos qualquer pessoa muitas vezes eacute incapaz de colocar em palavras coisas que faz muito bem conhecimentos que tem Haacute um hiato entre a accedilatildeo e a formalizaccedilatildeo da accedilatildeo Agimos com o auxiacutelio de invariantes operatoacuterios sem expressaacute-los ou sem sermos capazes de expressaacute-los A anaacutelise cognitiva dessas accedilotildees muitas vezes revela a existecircncia de potentes teoremas e conceitos-em-accedilatildeo impliacutecitos Esse conhecimento no entanto natildeo pode ser apropriadamente chamado de conceitual pois o conhecimento conceitual eacute necessariamente expliacutecito (Vergnaud et al 1990 p 20) Portanto palavras e outros siacutembolos sentenccedilas e outras expressotildees simboacutelicas satildeo instrumentos cognitivos indispensaacuteveis para a transformaccedilatildeo de invariantes operatoacuterios impliacutecitos em conceitos e teoremas cientiacuteficos expliacutecitos (ibid) Quer dizer a formalizaccedilatildeo ndash o ensino direcionado agrave formalizaccedilatildeo ndash eacute necessaacuteria poreacutem eacute preciso levar em conta que as ideacuteias cientiacuteficas evoluem no aluno durante um longo periacuteodo de desenvolvimento cognitivo atraveacutes de uma variedade de situaccedilotildees e atividades e que qualquer conhecimento formal e axiomatizado que o aluno apresenta pode natildeo ser mais do que a parte visiacutevel de um iceberg formado basicamente por conhecimentos impliacutecitos (op cit p 21) O ensino de ciecircncias natildeo pode deixar de lado a simbolizaccedilatildeo e a formalizaccedilatildeo porque a ciecircncia eacute simboacutelica formal e expliacutecita mas eacute preciso ter sempre em mente que o conhecimento do aluno como de qualquer outro sujeito eacute em grande parte impliacutecito O ensino de ciecircncias deve facilitar a transformaccedilatildeo do conhecimento impliacutecito em expliacutecito sem nunca subestimaacute-lo ou desvalorizaacute-lo A trajetoacuteria do aprendiz ao longo de um campo conceitual cientiacutefico eacute sinuosa difusa difiacutecil e sobretudo demorada Natildeo se pode esperar que um aluno domine um campo conceitual como o da Termodinacircmica por exemplo atraveacutes de uma ou duas unidades didaacuteticas desenvolvidas ao longo de dois ou trecircs meses Eacute normal que o aluno continue usando conhecimentos impliacutecitos ao mesmo tempo que vai se apropriando dos conhecimentos expliacutecitos da ciecircncia A perspectiva dos campos conceituais eacute progressiva natildeo substitutiva Ou seja o campo conceitual vai sendo progressivamente dominado pelo aprendiz o conhecimento impliacutecito vai evoluindo progressivamente para o expliacutecito ao inveacutes de ser substituiacutedo por ele Isso como alerta Vergnaud pode levar muito tempo muitos anos talvez mas o ensino e em uacuteltima anaacutelise o professor tecircm um papel essencial nesse processo Sem o ensino natildeo haacute razatildeo nenhuma para se acreditar que o sujeito passe a dominar campos conceituais complexos e formalizados como os cientiacuteficos

Resoluccedilatildeo de Problemas

O ensino de ciecircncias tradicionalmente envolve trecircs aspectos principais profundamente interrelacionados o conhecimento teoacuterico (conceitos leis princiacutepios equaccedilotildees) as praacuteticas de laboratoacuterio (experimentos demonstraccedilotildees procedimentos cientiacuteficos) e a resoluccedilatildeo de problemas (abertos fechados como investigaccedilatildeo de papel e laacutepis) Obviamente qualquer professor experiente sabe que essa distinccedilatildeo eacute artificial o conhecimento cientiacutefico eacute produzido atraveacutes da interaccedilatildeo entre o domiacutenio conceitual e o metodoloacutegico Poreacutem na perspectiva de Vergnaud esta interdependecircncia entre a teoria e a praacutetica fica muito clara

Como jaacute foi dito reiteradamente ao longo deste texto satildeo as situaccedilotildees[1] que datildeo sentido aos conceitos um conceito torna-se significativo atraveacutes de uma variedade de situaccedilotildees os conhecimentos dos alunos satildeo moldados pelas situaccedilotildees que encontram e

progressivamente dominam Embora o conceito de situaccedilatildeo tenha na teoria dos campos conceituais o significado de tarefa podemos supor que no acircmbito das ciecircncias situaccedilatildeo significa tambeacutem problema Ou podemos falar em situaccedilotildees e problemas como faz o proacuteprio Vergnaud ao dizer que ldquoa aquisiccedilatildeo de conhecimento eacute moldada pelas situaccedilotildees e problemas previamente dominados e portanto o conhecimento do sujeito tem muitos aspectos locaisrdquo (1994 p 42) Em outro trabalho bastante anterior a esse Vergnaud diz que ldquona verdade os conceitos se desenvolvem atraveacutes da resoluccedilatildeo de problemas e esse desenvolvimento eacute lentordquo (1983b p 172)

Isso significa que a resoluccedilatildeo de problemas ou as situaccedilotildees de resoluccedilatildeo de problemas satildeo essenciais para a conceitualizaccedilatildeo mas como chama atenccedilatildeo Vergnaud (1994 p 42) ldquoum problema natildeo eacute um problema para um indiviacuteduo a menos que ele ou ela tenha conceitos que oa tornem capaz de consideraacute-lo como um problema para si mesmordquo Ou seja haacute uma relaccedilatildeo dialeacutetica e ciacuteclica entre a conceitualizaccedilatildeo e a resoluccedilatildeo de problemas Para Vergnaud a problematizaccedilatildeo vai muito aleacutem da abstraccedilatildeo de regularidades do mundo observaacutevel Problemas satildeo teoacutericos e praacuteticos natildeo meramente empiacutericos mesmo para crianccedilas pequenas Quando uma classe de problemas eacute resolvida por um indiviacuteduo (o que significa que ela ou ele desenvolve um esquema eficiente para lidar com todos ou quase todos os problemas dessa classe) o caraacuteter problemaacutetico dessa classe especiacutefica desaparece (ibid) Mas essa competecircncia desenvolvida pelo indiviacuteduo o habilita a reconhecer ou considerar novos problemas para si mesmo trata-se entatildeo de um processo ciacuteclico

Vergnaud chama de ldquoilusatildeo pedagoacutegicardquo (1983 b p 173) a atitude dos professores que crecircem que o ensino de Fiacutesica digamos consiste na apresentaccedilatildeo organizada clara rigorosa das teorias formais e que quando isso eacute bem feito os alunos aprendem Trata-se de uma ilusatildeo porque segundo ele eacute atraveacutes de situaccedilotildees de resoluccedilatildeo de problemas que os conceitos se desenvolvem no aluno e as situaccedilotildees de resoluccedilatildeo de problemas que tornam os conceitos significativos para os alunos podem estar pelo menos inicialmente muito distantes do formalismo apresentado pelo professor Mas apesar disso tais situaccedilotildees satildeo essenciais para o desenvolvimento de conceitos Quer dizer ao mesmo tempo que as situaccedilotildees formais satildeo necessaacuterias eacute preciso levar em consideraccedilatildeo que o aluno pode estar ainda muito longe delas (1983 b p 172)

Novamente podemos estabelecer um certo paralelo entre as teorias de Ausubel e Vergnaud A aprendizagem receptiva de Ausubel poderia ser interpretada como a ilusatildeo pedagoacutegica de Vergnaud mas natildeo eacute assim Ausubel certamente defenderia a apresentaccedilatildeo organizada clara rigorosa das teoria formais poreacutem desde que fossem potencialmente significativas o que implicaria que o aprendiz tivesse o conhecimento preacutevio adequado e se dispusesse a aprender Isso estaria de acordo com a postura de Vergnaud no sentido de que o domiacutenio de situaccedilotildees preacutevias eacute importante para o domiacutenio de situaccedilotildees novas Acrescente-se a isso que para Ausubel a resoluccedilatildeo de problemas em particular de situaccedilotildees problemaacuteticas novas e natildeo familiares que requeiram maacutexima transformaccedilatildeo do conhecimento adquirido eacute a principal evidecircncia da aprendizagem significativa (Ausubel et al 1980)

A teoria de Vergnaud parece ser entatildeo um bom referencial para anaacutelise das dificuldades dos alunos na resoluccedilatildeo de problemas em ciecircncias e consequumlentemente da conceitualizaccedilatildeo em ciecircncias Tais dificuldades poderiam por exemplo ser examinadas em

termos de invariantes operatoacuterios quer dizer em termos de quais os conceitos e teoremas-em-accedilatildeo que os estudantes estariam usando na resoluccedilatildeo de problemas e de quatildeo distantes estariam dos conceitos e teoremas cientiacuteficos adequados agrave resoluccedilatildeo do problema em pauta

Representaccedilotildees[2]

No tripleto C (S I R) que define conceito (p 4 deste trabalho) Vergnaud dizia que S (o conjunto de situaccedilotildees que datildeo sentido ao conceito) eacute a realidade e (I R) a representaccedilatildeo dessa realidade que pode ser considerada como dois aspectos interagentes do pensamento o significado (I) e o significante (R)

Isso sugere que inicialmente Vergnaud usava o termo representaccedilatildeo como sendo o de um sistema simboacutelico que significaria algo para o sujeito um sistema de signos e uma sintaxe ou operaccedilotildees sobre elementos do sistema Para ele conceitos e siacutembolos eram duas faces da mesma moeda e devia-se sempre dar atenccedilatildeo ao uso que os alunos faziam dos siacutembolos agrave luz do uso que faziam dos conceitos Quer dizer a habilidade em resolver situaccedilotildees em linguagem natural seria o melhor criteacuterio para aquisiccedilatildeo de conceitos mas por outro lado a simbolizaccedilatildeo ajudaria nisso (1982 p 57) Assim como haacute problemas mais facilmente resolviacuteveis do que outros ou procedimentos mais faacuteceis do que outros haveria representaccedilotildees simboacutelicas mais potentes do que outras equaccedilotildees por exemplo seriam mais potentes que diagramas de Euler-Venn Todavia tais equaccedilotildees deveriam representar situaccedilotildees significativas

Poreacutem em outro trabalho mais recente (1998 p 173) Vergnaud fala em teorias de representaccedilotildees e diz que para ser uacutetil uma teoria dessas deve conter a ideacuteia de que as representaccedilotildees ofereccedilam possibilidades de inferecircncia ie que elas nos tornem capazes de antecipar eventos futuros e gerar condutas para chegar a algum efeito positivo ou evitar algum efeito negativo

Diz ele (op cit p 174) que temos representaccedilotildees computaacuteveis para gestos e accedilotildees sobre o mundo fiacutesico bem como para comportamentos verbais e para interaccedilotildees sociais Tais representaccedilotildees podem ser corretas ou erradas vagas ou precisas expliacutecitas ou totalmente impliacutecitas em qualquer caso elas funcionam como substitutos computaacuteveis da realidade e portanto satildeo feitas de teoremas-em-accedilatildeo proposiccedilotildees tidas como verdadeiras

A construccedilatildeo do conhecimento consiste entatildeo na progressiva construccedilatildeo de representaccedilotildees mentais que satildeo homomoacuterficas agrave realidade para alguns aspectos e para outros natildeo (1990 p 22) Por um lado a representaccedilatildeo eacute ativa pragmaacutetica e operacional por outro eacute discursiva teoacuterica e simboacutelica (ibid) Mas haacute importantes lacunas entre o que estaacute representado na mente de um indiviacuteduo e o significado usual das palavras e outros signos pois sistemas linguumliacutesticos e semioacuteticos natildeo tecircm por finalidade expressar exatamente o que cada indiviacuteduo tem em mente quando enfrenta uma situaccedilatildeo selecionando e processando a informaccedilatildeo (1998 p 176) Para Vergnaud a relaccedilatildeo entre situaccedilotildees e esquemas eacute a fonte primaacuteria da representaccedilatildeo mas sua teoria afasta-se muito da visatildeo de que um objeto pode ser representado mentalmente de maneira natildeo ambiacutegua atraveacutes de

siacutembolos Por maior que seja (e eacute grande) o papel dos siacutembolos no pensamento o conhecimento natildeo eacute em essecircncia simboacutelico O reconhecimento de invariantes em accedilatildeo e percepccedilatildeo e a progressiva construccedilatildeo de objetos e predicados de niacutevel mais alto satildeo aspectos mais essenciais do conhecimento (op cit p 177)

Podemos entatildeo fazer uma ponte entre os significados mais recentes de representaccedilatildeo na teoria de Vergnaud e a teoria tambeacutem recente dos modelos mentais (Johnson-Laird 1983 Moreira 1996) Dizer que temos representaccedilotildees computaacuteveis para gestos e accedilotildees sobre o mundo fiacutesico para comportamentos verbais e para interaccedilotildees sociais e que tais representaccedilotildees -- que podem ser corretas ou erradas vagas ou precisas expliacutecitas ou (principalmente) impliacutecitas -- permitem fazer inferecircncias eacute praticamente dizer que tais representaccedilotildees satildeo modelos mentais Johnson-Laird define modelos mentais como anaacutelogos estruturais de estados de coisas do mundo Satildeo instrumentos de compreensatildeo e inferecircncia Quando nos defrontamos com uma situaccedilatildeo nova construiacutemos um modelo mental para entendecirc-la descrevecirc-la e prever o que vai acontecer Este modelo pode ser correto ou natildeo (no sentido de que suas previsotildees natildeo satildeo corretas cientificamente) pode ser vago confuso incompleto mas eacute sobretudo funcional para seus construtor e pode ser modificado recursivamente ateacute atingir tal funcionalidade

Modelos mentais podem ser basicamente proposicionais ie constituiacutedos principalmente de proposiccedilotildees ou basicamente imagiacutesticos ou seja construiacutedos predominantemente com imagens ou ainda hiacutebridos quer dizer formados por proposiccedilotildees e imagens (Greca e Moreira 1997) Entatildeo as proposiccedilotildees constituintes dos modelos mentais podem ser interpretadas como teoremas-em-accedilatildeo de Vergnaud Como ele mesmo diz as representaccedilotildees funcionam como substitutos computaacuteveis da realidade e portanto satildeo feitas de teoremas-em-accedilatildeo Com o progressivo domiacutenio de um campo conceitual os teoremas-em-accedilatildeo (grandemente impliacutecitos) vatildeo se aproximando de teoremas cientiacuteficos (proposiccedilotildees expliacutecitas) Analogamente agrave medida que o sujeito adquire mais conhecimentos cientiacuteficos seus modelos mentais aproximam-se (no sentido de que permitem dar significados cientificamente aceitos) dos modelos cientiacuteficos

Pode-se assim dizer que os modelos mentais de Johnson-Laird contecircm aquilo que Vergnaud chama de teoremas-em-accedilatildeo ou seja proposiccedilotildees tidas como verdadeiras sobre o real Mas esta aparente compatibilidade entre as duas teorias pode ir aleacutem pois os conceitos-em-accedilatildeo de Vergnaud tambeacutem podem integrar modelos mentais Conceitos-em-accedilatildeo satildeo objetos predicados ou categorias de pensamento tidos como pertinentes relevantes agrave situaccedilatildeo Analogamente segundo o princiacutepio do construtivismo (Johnson-Laird 1983 p 398) um modelo mental eacute construiacutedo a partir de sinais (tokens) dispostos em uma estrutura particular para representar em certo estado de coisas (isto eacute uma certa situaccedilatildeo) Se interpretaacutessemos esses sinais (tokens) como objetos predicados ou categorias de pensamento pertinentes dir-se-ia que os modelos mentais contecircm tambeacutem conceitos-em-accedilatildeo

Contudo eacute importante natildeo confundir modelos mentais com esquemas de assimilaccedilatildeo Para Vergnaud os invariantes operatoacuterios (teoremas e conceitos-em-accedilatildeo) satildeo componentes essenciais dos esquemas e acabamos de dizer que os modelos mentais contecircm proposiccedilotildees e sinais (tokens) que podem ser interpretados como invariantes operatoacuterios mas ainda

assim modelos mentais e esquemas satildeo construtos distintos Modelo mental eacute instrumento de compreensatildeo construiacutedo no momento da compreensatildeo e descartaacutevel se for alcanccedilada (para o construtor) a funcionalidade desejada (ou seja a compreensatildeo mesmo que natildeo compartilhada cientificamente) Esquema de assimilaccedilatildeo eacute segundo Vergnaud a organizaccedilatildeo invariante do comportamento para uma determinada classe de situaccedilotildees Portanto esquemas de assimilaccedilatildeo satildeo mais estaacuteveis o sujeito constroacutei determinado esquema e o utiliza para assimilar uma certa classe de situaccedilotildees ou seja usa sempre o mesmo esquema para cada situaccedilatildeo dessa classe Mas frente a uma situaccedilatildeo nova eacute preciso acomodar ou seja construir um novo esquema de assimilaccedilatildeo e eacute exatamente aiacute que parece encaixar bem a ideacuteia de modelo mental para compreender uma nova situaccedilatildeo o sujeito constroacutei inicialmente um modelo mental (que como foi dito pode conter invariantes operatoacuterios) natildeo um esquema de assimilaccedilatildeo Na medida em que a nova situaccedilatildeo deixa de ser nova e passa a ser rotineira o modelo mental evolui para esquema de assimilaccedilatildeo quer dizer se estabiliza Mas isso natildeo quer dizer que todo modelo mental venha a se transformar em esquema de assimilaccedilatildeo Modelos mentais satildeo recursivos o que significa que vatildeo sendo construiacutedos e modificados quase que simultaneamente ateacute que se tornem funcionais quando entatildeo podem ser descartados ou talvez ldquoguardadosrdquo ateacute que se tornem esquemas de assimilaccedilatildeo Trata-se ao que parece de um bom assunto para pesquisar

Pesquisa

Como uacuteltimo toacutepico deste texto abordar-se-aacute a pesquisa em ensino de ciecircncias no referencial da teoria dos campos conceituais Vejamos primeiramente no entanto o que diz Vergnaud sobre a pesquisa em campos conceituais

Segundo ele (1988 p 149) a abordagem canocircnica ao estudo de um campo conceitual envolve identificar e classificar situaccedilotildees e entatildeo coletar dados sobre procedimentos e outras maneiras atraveacutes das quais os estudantes expressam seu raciociacutenio Um ciclo de pesquisa inicia com a identificaccedilatildeo de niacuteveis de objetos relaccedilotildees e teoremas-em-accedilatildeo O ciclo continua entatildeo com o delineamento de situaccedilotildees e materiais e sua experimentaccedilatildeo com alunos completando-se com a construccedilatildeo de representaccedilotildees simboacutelicas atraveacutes da observaccedilatildeo e anaacutelise dos diferentes fenocircmenos que ocorrem (ibid) Comeccedila entatildeo um segundo ciclo para melhorar o primeiro e assim sucessivamente O estudo do domiacutenio de certos campos conceituais eacute um programa de longo prazo que dificilmente pode ser feito por um pesquisador isolado ou mesmo por um grupo de pesquisa isolado

Portanto o primeiro passo para estudar o progressivo domiacutenio de um campo conceitual por parte do aluno eacute identificar e classificar situaccedilotildees Mas isso envolve duas ideacuteias principais diversidade e histoacuteria Ou seja existe uma grande variedade de situaccedilotildees em um dado campo conceitual e as aprendizagens dos alunos satildeo moldadas pelas situaccedilotildees com as quais se depararam e progressivamente dominaram particularmente as primeiras suscetiacuteveis de dar sentido aos conceitos e procedimentos que lhes queremos ensinar (1990 p 150) A combinaccedilatildeo dessas duas ideacuteias dificulta o trabalho do pesquisador em ensino porque a primeira o dirige para a anaacutelise para a decomposiccedilatildeo em elementos simples e para as possiacuteveis combinaccedilotildees de situaccedilotildees enquanto que a segunda o orienta para a busca de

situaccedilotildees funcionais quase sempre compostas de vaacuterias relaccedilotildees cuja importacircncia relativa estaacute largamente ligada agrave frequumlecircncia com que satildeo encontradas (ibid)

Em outras palavras o estudo psicogeneacutetico da aquisiccedilatildeo de um campo conceitual implica a anaacutelise em termos relacionais e hieraacuterquicos das diferentes classes de problemas que podem ser propostos aos alunos Implica tambeacutem o estudo dos distintos procedimentos e representaccedilotildees simboacutelicas que o aprendiz utiliza (1982 p 40) Em relaccedilatildeo agraves representaccedilotildees Vergnaud diz (1994 p 43) que eacute uma tarefa essencial teoacuterica e empiacuterica dos pesquisadores entender por que uma certa representaccedilatildeo simboacutelica particular pode ser uacutetil e sob quais condiccedilotildees e quando e por que pode ser proveitosamente substituiacuteda por outra mais abstrata e geral

Embora Vergnaud e vaacuterios pesquisadores que trabalham sob o referencial de sua teoria tenham se dedicado principalmente agrave pesquisa em educaccedilatildeo matemaacutetica e em particular ao estudo dos campos conceituais das estruturas aditivas e multiplicativas essa abordagem agrave pesquisa certamente se aplica ao ensino de ciecircncias ou agrave educaccedilatildeo em ciecircncias se preferirmos esta terminologia Na resoluccedilatildeo de problemas por exemplo pode-se analisar as dificuldades dos alunos em termos de invariantes operatoacuterios Quer dizer os alunos muitas vezes resolvem problemas usando conhecimentos-em-accedilatildeo que podem ateacute conduzi-los agrave uma soluccedilatildeo satisfatoacuteria para uma certa situaccedilatildeo mas que natildeo funcionam para outra situaccedilatildeo ligeiramente diferente da primeira porque tais conhecimentos natildeo satildeo cientiacuteficos e tampouco constituem um esquema de assimilaccedilatildeo que pode ser aplicado a uma classe de situaccedilotildees Por outro lado tais conhecimentos-em-accedilatildeo mdash que satildeo largamente impliacutecitos mdash podem ser precursores na aquisiccedilatildeo de conceitos cientiacuteficos e portanto devem ser identificados ie pesquisados Os trabalhos de Sousa (2001) e de Sousa e Faacutevero (2002) no qual a resoluccedilatildeo de problemas em Fiacutesica foi investigada em uma situaccedilatildeo de interlocuccedilatildeo entre um especialista e um novato eacute um exemplo nessa direccedilatildeo Costa e Moreira (2002) e Escudero e Moreira (2002) tambeacutem estatildeo trabalhando em resoluccedilatildeo de problemas em Fiacutesica e procurando interpretar as dificuldades dos alunos na construccedilatildeo de modelos mentais do enunciado agrave luz de aspectos da teoria dos campos conceituais

O estudo da aprendizagem de conceitos fiacutesicos tambeacutem pode ser feito no referencial teoacuterico de Vergnaud Para ele satildeo as situaccedilotildees que datildeo sentido ao conceito os invariantes operatoacuterios que constituem seu significado e as representaccedilotildees simboacutelicas o seu significante Portanto como sugere Vergnaud eacute preciso identificar e classificar situaccedilotildees adequadas agrave aprendizagem de determinado conceito pesquisar os invariantes operatoacuterios usados pelos alunos e procurar entender como por que e quando uma certa representaccedilatildeo simboacutelica pode ajudar na conceitualizaccedilatildeo O trabalho de Lemeignan e Weil-Barais (1994) eacute talvez pioneiro nessa linha As pesquisas de Stipcich e Moreira (2002) sobre o conceito de interaccedilatildeo e de Moreira e Sousa (2002) a respeito do conceito de potencial eleacutetrico estatildeo usando o referencial de Vergnaud para interpretar as dificuldades dos alunos na aprendizagem significativa desses conceitos

Obviamente a teoria dos campos conceituais pode tambeacutem ser usada como referente teoacuterico em pesquisas sobre mudanccedila conceitual De um modo geral pode-se dizer que essa teoria eacute potencialmente uacutetil na anaacutelise das dificuldades dos alunos na resoluccedilatildeo de problemas em ciecircncias na aprendizagem de conceitos cientiacuteficos e na mudanccedila conceitual

Uma vez identificadas tais dificuldades essa mesma teoria pode ajudar no delineamento de estrateacutegias ou melhor na seleccedilatildeo de situaccedilotildees instrucionais que possam ajudar na progressiva superaccedilatildeo de tais dificuldades ou em outras palavras no progressivo (e lento) domiacutenio do(s) campo(s) conceitual(is) envolvido(s) Esse domiacutenio progressivo implica capacidade de resolver problemas conceitualizaccedilatildeo e mudanccedila (evoluccedilatildeo) conceitual

Natildeo tatildeo oacutebvia eacute a possibilidade de investigar questotildees como a modelagem mental no referencial de Vergnaud poreacutem uma vez aceita a compatibilidade aludida na seccedilatildeo anterior entre a teoria dos modelos mentais e a teoria dos campos conceituais tal possibilidade decorre naturalmente Enfim a potencialidade do uso da teoria de Vergnaud na pesquisa e ensino de ciecircncias parece ser grande Nesta seccedilatildeo foram apenas aventadas possibilidades e referidos alguns estudos

Conclusatildeo

Este trabalho teve por objetivo descrever a teoria dos campos conceituais de Geacuterard Vergnaud particularmente para uma audiecircncia de professores e pesquisadores em ensino de ciecircncias Essa teoria eacute bastante conhecida na aacuterea da educaccedilatildeo matemaacutetica poreacutem relativamente pouco no campo da educaccedilatildeo em ciecircncias e justamente por isso foi objeto deste texto

Trata-se de uma teoria de base piagetiana mas que afasta-se bastante de Piaget ao tomar como referecircncia o proacuteprio conteuacutedo do conhecimento e a anaacutelise conceitual do progressivo domiacutenio desse conhecimento bem como ao ocupar-se do estudo do desenvolvimento cognitivo do sujeito-em-situaccedilatildeo ao inveacutes de operaccedilotildees loacutegicas gerais de estruturas gerais do pensamento Ao fazer isso a teoria de Vergnaud apresenta um grande potencial para descrever analisar e interpretar aquilo que se passa em sala de aula na aprendizagem de matemaacutetica e ciecircncias Provavelmente esse tipo de teoria eacute o de maior utilidade para fundamentar o ensino e a pesquisa em ensino nessa aacuterea

Aleacutem de descrever a teoria propriamente dita procurou-se neste texto estabelecer elos com a teoria da aprendizagem significativa de Ausubel (outra ldquoteoria de sala de aulardquo) e com a recente teoria dos modelos mentais de Johnson-Laird assim como destacar implicaccedilotildees para o ensino e para a pesquisa em ensino de ciecircncias

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[1] Lembremos que um campo conceitual eacute em primeiro lugar um conjunto de situaccedilotildees (1998 p 141 1990 p 5) cujo domiacutenio requer o domiacutenio de vaacuterios conceitos de naturezas distintas (volta para o texto) [2] A ponte entre a teoria de Vergnaud e a teoria dos modelos mentais de Johnson-Laird feita nesta seccedilatildeo estaacute bem mais elaborada no trabalho ldquoAleacutem da detecccedilatildeo de modelos mentais dos estudantes Uma proposta representacional integradorardquo de Ileana Greca e Marco Antonio Moreira (volta para o texto)

Page 18: A Teoria Dos Campos Conceituais de Vergnaud

aprendizagem significativa A teoria dos campos conceituais de Vergnaud parece prover um referencial adequado para analisar a estrutura fina da teoria da aprendizagem significativa de Ausubel O que para Ausubel satildeo campos organizados de conhecimento para Vergnaud satildeo campos conceituais

ProfessorEnsino

Um determinado campo conceitual como o da Eletricidade por exemplo pode ser progressivamente dominado por um aprendiz mas o ensino atraveacutes da accedilatildeo mediadora do professor eacute essencial para isso Professores satildeo mediadores Sua tarefa eacute a de ajudar os alunos a desenvolver seu repertoacuterio de esquemas e representaccedilotildees (1998 p 180) Desenvolvendo novos esquemas os alunos tornam-se capazes de enfrentar situaccedilotildees cada vez mais complexas Novos esquemas natildeo podem ser desenvolvidos sem novos invariantes operacionais A linguagem e os siacutembolos satildeo importantes nesse processo Os professores usam palavras e sentenccedilas para explicar formular questotildees selecionar informaccedilotildees propor metas expectativas regras e planos Contudo sua accedilatildeo mediadora mais importante eacute a de prover situaccedilotildees (de aprendizagem) frutiacuteferas para os estudantes (ibid) Tais situaccedilotildees devem ser cuidadosamente escolhidas ordenadas diversificadas apresentadas no momento certo e dentro da zona de desenvolvimento proximal do aluno Sem duacutevida uma tarefa difiacutecil mas essencial

Para Vergnaud o desenvolvimento cognitivo depende de situaccedilotildees e conceitualizaccedilotildees especiacuteficas para lidar com elas Satildeo as situaccedilotildees que datildeo sentido aos conceitos elas eacute que satildeo responsaacuteveis pelo sentido atribuiacutedo ao conceito (Barais amp Vergnaud 1990 p 78) um conceito torna-se significativo atraveacutes de uma variedade de situaccedilotildees (1994 p 46) mas o sentido natildeo estaacute nas situaccedilotildees em si mesmas assim como natildeo estaacute nas palavras nem nos siacutembolos (1990 p 158)

Cabe aqui lembrar que embora estejamos falando do ensino e do papel do professor na perspectiva de Vergnaud as situaccedilotildees antes referidas natildeo satildeo situaccedilotildees didaacuteticas propriamente ditas mas sim tarefas problemas

O papel do professor como mediador provedor de situaccedilotildees problemaacuteticas frutiacuteferas estimuladoras da interaccedilatildeo sujeito-situaccedilatildeo que leva agrave ampliaccedilatildeo e agrave diversificaccedilatildeo de seus esquemas de accedilatildeo ou seja ao desenvolvimento cognitivo deixa ainda mais evidente que a teoria de Vergnaud tem tambeacutem forte influecircncia vigotskyana

Haacute no entanto outra importante implicaccedilatildeo da teoria dos campos conceituais para o ensino a questatildeo do conhecimento impliacutecito e do conhecimento expliacutecito A escola segundo Vergnaud (1994 p 47) superestima o conhecimento expliacutecito e subestima ateacute mesmo desvaloriza o conhecimento impliacutecito dos alunos Contudo a maior parte de nossa atividade fiacutesica e mental de nosso comportamento enfim eacute constituiacuteda de esquemas e estes tecircm como componentes essenciais os invariantes operatoacuterios (conceitos e teoremas-em-accedilatildeo) que constituem os conhecimentos contidos nos esquemas e que satildeo largamente impliacutecitos Quer dizer haacute muito de impliacutecito nos esquemas Os alunos em geral natildeo satildeo capazes de explicar ou expressar em linguagem natural seus teoremas-em-accedilatildeo ainda que

sejam capazes de resolver certas tarefas (situaccedilotildees) Natildeo soacute alunos qualquer pessoa muitas vezes eacute incapaz de colocar em palavras coisas que faz muito bem conhecimentos que tem Haacute um hiato entre a accedilatildeo e a formalizaccedilatildeo da accedilatildeo Agimos com o auxiacutelio de invariantes operatoacuterios sem expressaacute-los ou sem sermos capazes de expressaacute-los A anaacutelise cognitiva dessas accedilotildees muitas vezes revela a existecircncia de potentes teoremas e conceitos-em-accedilatildeo impliacutecitos Esse conhecimento no entanto natildeo pode ser apropriadamente chamado de conceitual pois o conhecimento conceitual eacute necessariamente expliacutecito (Vergnaud et al 1990 p 20) Portanto palavras e outros siacutembolos sentenccedilas e outras expressotildees simboacutelicas satildeo instrumentos cognitivos indispensaacuteveis para a transformaccedilatildeo de invariantes operatoacuterios impliacutecitos em conceitos e teoremas cientiacuteficos expliacutecitos (ibid) Quer dizer a formalizaccedilatildeo ndash o ensino direcionado agrave formalizaccedilatildeo ndash eacute necessaacuteria poreacutem eacute preciso levar em conta que as ideacuteias cientiacuteficas evoluem no aluno durante um longo periacuteodo de desenvolvimento cognitivo atraveacutes de uma variedade de situaccedilotildees e atividades e que qualquer conhecimento formal e axiomatizado que o aluno apresenta pode natildeo ser mais do que a parte visiacutevel de um iceberg formado basicamente por conhecimentos impliacutecitos (op cit p 21) O ensino de ciecircncias natildeo pode deixar de lado a simbolizaccedilatildeo e a formalizaccedilatildeo porque a ciecircncia eacute simboacutelica formal e expliacutecita mas eacute preciso ter sempre em mente que o conhecimento do aluno como de qualquer outro sujeito eacute em grande parte impliacutecito O ensino de ciecircncias deve facilitar a transformaccedilatildeo do conhecimento impliacutecito em expliacutecito sem nunca subestimaacute-lo ou desvalorizaacute-lo A trajetoacuteria do aprendiz ao longo de um campo conceitual cientiacutefico eacute sinuosa difusa difiacutecil e sobretudo demorada Natildeo se pode esperar que um aluno domine um campo conceitual como o da Termodinacircmica por exemplo atraveacutes de uma ou duas unidades didaacuteticas desenvolvidas ao longo de dois ou trecircs meses Eacute normal que o aluno continue usando conhecimentos impliacutecitos ao mesmo tempo que vai se apropriando dos conhecimentos expliacutecitos da ciecircncia A perspectiva dos campos conceituais eacute progressiva natildeo substitutiva Ou seja o campo conceitual vai sendo progressivamente dominado pelo aprendiz o conhecimento impliacutecito vai evoluindo progressivamente para o expliacutecito ao inveacutes de ser substituiacutedo por ele Isso como alerta Vergnaud pode levar muito tempo muitos anos talvez mas o ensino e em uacuteltima anaacutelise o professor tecircm um papel essencial nesse processo Sem o ensino natildeo haacute razatildeo nenhuma para se acreditar que o sujeito passe a dominar campos conceituais complexos e formalizados como os cientiacuteficos

Resoluccedilatildeo de Problemas

O ensino de ciecircncias tradicionalmente envolve trecircs aspectos principais profundamente interrelacionados o conhecimento teoacuterico (conceitos leis princiacutepios equaccedilotildees) as praacuteticas de laboratoacuterio (experimentos demonstraccedilotildees procedimentos cientiacuteficos) e a resoluccedilatildeo de problemas (abertos fechados como investigaccedilatildeo de papel e laacutepis) Obviamente qualquer professor experiente sabe que essa distinccedilatildeo eacute artificial o conhecimento cientiacutefico eacute produzido atraveacutes da interaccedilatildeo entre o domiacutenio conceitual e o metodoloacutegico Poreacutem na perspectiva de Vergnaud esta interdependecircncia entre a teoria e a praacutetica fica muito clara

Como jaacute foi dito reiteradamente ao longo deste texto satildeo as situaccedilotildees[1] que datildeo sentido aos conceitos um conceito torna-se significativo atraveacutes de uma variedade de situaccedilotildees os conhecimentos dos alunos satildeo moldados pelas situaccedilotildees que encontram e

progressivamente dominam Embora o conceito de situaccedilatildeo tenha na teoria dos campos conceituais o significado de tarefa podemos supor que no acircmbito das ciecircncias situaccedilatildeo significa tambeacutem problema Ou podemos falar em situaccedilotildees e problemas como faz o proacuteprio Vergnaud ao dizer que ldquoa aquisiccedilatildeo de conhecimento eacute moldada pelas situaccedilotildees e problemas previamente dominados e portanto o conhecimento do sujeito tem muitos aspectos locaisrdquo (1994 p 42) Em outro trabalho bastante anterior a esse Vergnaud diz que ldquona verdade os conceitos se desenvolvem atraveacutes da resoluccedilatildeo de problemas e esse desenvolvimento eacute lentordquo (1983b p 172)

Isso significa que a resoluccedilatildeo de problemas ou as situaccedilotildees de resoluccedilatildeo de problemas satildeo essenciais para a conceitualizaccedilatildeo mas como chama atenccedilatildeo Vergnaud (1994 p 42) ldquoum problema natildeo eacute um problema para um indiviacuteduo a menos que ele ou ela tenha conceitos que oa tornem capaz de consideraacute-lo como um problema para si mesmordquo Ou seja haacute uma relaccedilatildeo dialeacutetica e ciacuteclica entre a conceitualizaccedilatildeo e a resoluccedilatildeo de problemas Para Vergnaud a problematizaccedilatildeo vai muito aleacutem da abstraccedilatildeo de regularidades do mundo observaacutevel Problemas satildeo teoacutericos e praacuteticos natildeo meramente empiacutericos mesmo para crianccedilas pequenas Quando uma classe de problemas eacute resolvida por um indiviacuteduo (o que significa que ela ou ele desenvolve um esquema eficiente para lidar com todos ou quase todos os problemas dessa classe) o caraacuteter problemaacutetico dessa classe especiacutefica desaparece (ibid) Mas essa competecircncia desenvolvida pelo indiviacuteduo o habilita a reconhecer ou considerar novos problemas para si mesmo trata-se entatildeo de um processo ciacuteclico

Vergnaud chama de ldquoilusatildeo pedagoacutegicardquo (1983 b p 173) a atitude dos professores que crecircem que o ensino de Fiacutesica digamos consiste na apresentaccedilatildeo organizada clara rigorosa das teorias formais e que quando isso eacute bem feito os alunos aprendem Trata-se de uma ilusatildeo porque segundo ele eacute atraveacutes de situaccedilotildees de resoluccedilatildeo de problemas que os conceitos se desenvolvem no aluno e as situaccedilotildees de resoluccedilatildeo de problemas que tornam os conceitos significativos para os alunos podem estar pelo menos inicialmente muito distantes do formalismo apresentado pelo professor Mas apesar disso tais situaccedilotildees satildeo essenciais para o desenvolvimento de conceitos Quer dizer ao mesmo tempo que as situaccedilotildees formais satildeo necessaacuterias eacute preciso levar em consideraccedilatildeo que o aluno pode estar ainda muito longe delas (1983 b p 172)

Novamente podemos estabelecer um certo paralelo entre as teorias de Ausubel e Vergnaud A aprendizagem receptiva de Ausubel poderia ser interpretada como a ilusatildeo pedagoacutegica de Vergnaud mas natildeo eacute assim Ausubel certamente defenderia a apresentaccedilatildeo organizada clara rigorosa das teoria formais poreacutem desde que fossem potencialmente significativas o que implicaria que o aprendiz tivesse o conhecimento preacutevio adequado e se dispusesse a aprender Isso estaria de acordo com a postura de Vergnaud no sentido de que o domiacutenio de situaccedilotildees preacutevias eacute importante para o domiacutenio de situaccedilotildees novas Acrescente-se a isso que para Ausubel a resoluccedilatildeo de problemas em particular de situaccedilotildees problemaacuteticas novas e natildeo familiares que requeiram maacutexima transformaccedilatildeo do conhecimento adquirido eacute a principal evidecircncia da aprendizagem significativa (Ausubel et al 1980)

A teoria de Vergnaud parece ser entatildeo um bom referencial para anaacutelise das dificuldades dos alunos na resoluccedilatildeo de problemas em ciecircncias e consequumlentemente da conceitualizaccedilatildeo em ciecircncias Tais dificuldades poderiam por exemplo ser examinadas em

termos de invariantes operatoacuterios quer dizer em termos de quais os conceitos e teoremas-em-accedilatildeo que os estudantes estariam usando na resoluccedilatildeo de problemas e de quatildeo distantes estariam dos conceitos e teoremas cientiacuteficos adequados agrave resoluccedilatildeo do problema em pauta

Representaccedilotildees[2]

No tripleto C (S I R) que define conceito (p 4 deste trabalho) Vergnaud dizia que S (o conjunto de situaccedilotildees que datildeo sentido ao conceito) eacute a realidade e (I R) a representaccedilatildeo dessa realidade que pode ser considerada como dois aspectos interagentes do pensamento o significado (I) e o significante (R)

Isso sugere que inicialmente Vergnaud usava o termo representaccedilatildeo como sendo o de um sistema simboacutelico que significaria algo para o sujeito um sistema de signos e uma sintaxe ou operaccedilotildees sobre elementos do sistema Para ele conceitos e siacutembolos eram duas faces da mesma moeda e devia-se sempre dar atenccedilatildeo ao uso que os alunos faziam dos siacutembolos agrave luz do uso que faziam dos conceitos Quer dizer a habilidade em resolver situaccedilotildees em linguagem natural seria o melhor criteacuterio para aquisiccedilatildeo de conceitos mas por outro lado a simbolizaccedilatildeo ajudaria nisso (1982 p 57) Assim como haacute problemas mais facilmente resolviacuteveis do que outros ou procedimentos mais faacuteceis do que outros haveria representaccedilotildees simboacutelicas mais potentes do que outras equaccedilotildees por exemplo seriam mais potentes que diagramas de Euler-Venn Todavia tais equaccedilotildees deveriam representar situaccedilotildees significativas

Poreacutem em outro trabalho mais recente (1998 p 173) Vergnaud fala em teorias de representaccedilotildees e diz que para ser uacutetil uma teoria dessas deve conter a ideacuteia de que as representaccedilotildees ofereccedilam possibilidades de inferecircncia ie que elas nos tornem capazes de antecipar eventos futuros e gerar condutas para chegar a algum efeito positivo ou evitar algum efeito negativo

Diz ele (op cit p 174) que temos representaccedilotildees computaacuteveis para gestos e accedilotildees sobre o mundo fiacutesico bem como para comportamentos verbais e para interaccedilotildees sociais Tais representaccedilotildees podem ser corretas ou erradas vagas ou precisas expliacutecitas ou totalmente impliacutecitas em qualquer caso elas funcionam como substitutos computaacuteveis da realidade e portanto satildeo feitas de teoremas-em-accedilatildeo proposiccedilotildees tidas como verdadeiras

A construccedilatildeo do conhecimento consiste entatildeo na progressiva construccedilatildeo de representaccedilotildees mentais que satildeo homomoacuterficas agrave realidade para alguns aspectos e para outros natildeo (1990 p 22) Por um lado a representaccedilatildeo eacute ativa pragmaacutetica e operacional por outro eacute discursiva teoacuterica e simboacutelica (ibid) Mas haacute importantes lacunas entre o que estaacute representado na mente de um indiviacuteduo e o significado usual das palavras e outros signos pois sistemas linguumliacutesticos e semioacuteticos natildeo tecircm por finalidade expressar exatamente o que cada indiviacuteduo tem em mente quando enfrenta uma situaccedilatildeo selecionando e processando a informaccedilatildeo (1998 p 176) Para Vergnaud a relaccedilatildeo entre situaccedilotildees e esquemas eacute a fonte primaacuteria da representaccedilatildeo mas sua teoria afasta-se muito da visatildeo de que um objeto pode ser representado mentalmente de maneira natildeo ambiacutegua atraveacutes de

siacutembolos Por maior que seja (e eacute grande) o papel dos siacutembolos no pensamento o conhecimento natildeo eacute em essecircncia simboacutelico O reconhecimento de invariantes em accedilatildeo e percepccedilatildeo e a progressiva construccedilatildeo de objetos e predicados de niacutevel mais alto satildeo aspectos mais essenciais do conhecimento (op cit p 177)

Podemos entatildeo fazer uma ponte entre os significados mais recentes de representaccedilatildeo na teoria de Vergnaud e a teoria tambeacutem recente dos modelos mentais (Johnson-Laird 1983 Moreira 1996) Dizer que temos representaccedilotildees computaacuteveis para gestos e accedilotildees sobre o mundo fiacutesico para comportamentos verbais e para interaccedilotildees sociais e que tais representaccedilotildees -- que podem ser corretas ou erradas vagas ou precisas expliacutecitas ou (principalmente) impliacutecitas -- permitem fazer inferecircncias eacute praticamente dizer que tais representaccedilotildees satildeo modelos mentais Johnson-Laird define modelos mentais como anaacutelogos estruturais de estados de coisas do mundo Satildeo instrumentos de compreensatildeo e inferecircncia Quando nos defrontamos com uma situaccedilatildeo nova construiacutemos um modelo mental para entendecirc-la descrevecirc-la e prever o que vai acontecer Este modelo pode ser correto ou natildeo (no sentido de que suas previsotildees natildeo satildeo corretas cientificamente) pode ser vago confuso incompleto mas eacute sobretudo funcional para seus construtor e pode ser modificado recursivamente ateacute atingir tal funcionalidade

Modelos mentais podem ser basicamente proposicionais ie constituiacutedos principalmente de proposiccedilotildees ou basicamente imagiacutesticos ou seja construiacutedos predominantemente com imagens ou ainda hiacutebridos quer dizer formados por proposiccedilotildees e imagens (Greca e Moreira 1997) Entatildeo as proposiccedilotildees constituintes dos modelos mentais podem ser interpretadas como teoremas-em-accedilatildeo de Vergnaud Como ele mesmo diz as representaccedilotildees funcionam como substitutos computaacuteveis da realidade e portanto satildeo feitas de teoremas-em-accedilatildeo Com o progressivo domiacutenio de um campo conceitual os teoremas-em-accedilatildeo (grandemente impliacutecitos) vatildeo se aproximando de teoremas cientiacuteficos (proposiccedilotildees expliacutecitas) Analogamente agrave medida que o sujeito adquire mais conhecimentos cientiacuteficos seus modelos mentais aproximam-se (no sentido de que permitem dar significados cientificamente aceitos) dos modelos cientiacuteficos

Pode-se assim dizer que os modelos mentais de Johnson-Laird contecircm aquilo que Vergnaud chama de teoremas-em-accedilatildeo ou seja proposiccedilotildees tidas como verdadeiras sobre o real Mas esta aparente compatibilidade entre as duas teorias pode ir aleacutem pois os conceitos-em-accedilatildeo de Vergnaud tambeacutem podem integrar modelos mentais Conceitos-em-accedilatildeo satildeo objetos predicados ou categorias de pensamento tidos como pertinentes relevantes agrave situaccedilatildeo Analogamente segundo o princiacutepio do construtivismo (Johnson-Laird 1983 p 398) um modelo mental eacute construiacutedo a partir de sinais (tokens) dispostos em uma estrutura particular para representar em certo estado de coisas (isto eacute uma certa situaccedilatildeo) Se interpretaacutessemos esses sinais (tokens) como objetos predicados ou categorias de pensamento pertinentes dir-se-ia que os modelos mentais contecircm tambeacutem conceitos-em-accedilatildeo

Contudo eacute importante natildeo confundir modelos mentais com esquemas de assimilaccedilatildeo Para Vergnaud os invariantes operatoacuterios (teoremas e conceitos-em-accedilatildeo) satildeo componentes essenciais dos esquemas e acabamos de dizer que os modelos mentais contecircm proposiccedilotildees e sinais (tokens) que podem ser interpretados como invariantes operatoacuterios mas ainda

assim modelos mentais e esquemas satildeo construtos distintos Modelo mental eacute instrumento de compreensatildeo construiacutedo no momento da compreensatildeo e descartaacutevel se for alcanccedilada (para o construtor) a funcionalidade desejada (ou seja a compreensatildeo mesmo que natildeo compartilhada cientificamente) Esquema de assimilaccedilatildeo eacute segundo Vergnaud a organizaccedilatildeo invariante do comportamento para uma determinada classe de situaccedilotildees Portanto esquemas de assimilaccedilatildeo satildeo mais estaacuteveis o sujeito constroacutei determinado esquema e o utiliza para assimilar uma certa classe de situaccedilotildees ou seja usa sempre o mesmo esquema para cada situaccedilatildeo dessa classe Mas frente a uma situaccedilatildeo nova eacute preciso acomodar ou seja construir um novo esquema de assimilaccedilatildeo e eacute exatamente aiacute que parece encaixar bem a ideacuteia de modelo mental para compreender uma nova situaccedilatildeo o sujeito constroacutei inicialmente um modelo mental (que como foi dito pode conter invariantes operatoacuterios) natildeo um esquema de assimilaccedilatildeo Na medida em que a nova situaccedilatildeo deixa de ser nova e passa a ser rotineira o modelo mental evolui para esquema de assimilaccedilatildeo quer dizer se estabiliza Mas isso natildeo quer dizer que todo modelo mental venha a se transformar em esquema de assimilaccedilatildeo Modelos mentais satildeo recursivos o que significa que vatildeo sendo construiacutedos e modificados quase que simultaneamente ateacute que se tornem funcionais quando entatildeo podem ser descartados ou talvez ldquoguardadosrdquo ateacute que se tornem esquemas de assimilaccedilatildeo Trata-se ao que parece de um bom assunto para pesquisar

Pesquisa

Como uacuteltimo toacutepico deste texto abordar-se-aacute a pesquisa em ensino de ciecircncias no referencial da teoria dos campos conceituais Vejamos primeiramente no entanto o que diz Vergnaud sobre a pesquisa em campos conceituais

Segundo ele (1988 p 149) a abordagem canocircnica ao estudo de um campo conceitual envolve identificar e classificar situaccedilotildees e entatildeo coletar dados sobre procedimentos e outras maneiras atraveacutes das quais os estudantes expressam seu raciociacutenio Um ciclo de pesquisa inicia com a identificaccedilatildeo de niacuteveis de objetos relaccedilotildees e teoremas-em-accedilatildeo O ciclo continua entatildeo com o delineamento de situaccedilotildees e materiais e sua experimentaccedilatildeo com alunos completando-se com a construccedilatildeo de representaccedilotildees simboacutelicas atraveacutes da observaccedilatildeo e anaacutelise dos diferentes fenocircmenos que ocorrem (ibid) Comeccedila entatildeo um segundo ciclo para melhorar o primeiro e assim sucessivamente O estudo do domiacutenio de certos campos conceituais eacute um programa de longo prazo que dificilmente pode ser feito por um pesquisador isolado ou mesmo por um grupo de pesquisa isolado

Portanto o primeiro passo para estudar o progressivo domiacutenio de um campo conceitual por parte do aluno eacute identificar e classificar situaccedilotildees Mas isso envolve duas ideacuteias principais diversidade e histoacuteria Ou seja existe uma grande variedade de situaccedilotildees em um dado campo conceitual e as aprendizagens dos alunos satildeo moldadas pelas situaccedilotildees com as quais se depararam e progressivamente dominaram particularmente as primeiras suscetiacuteveis de dar sentido aos conceitos e procedimentos que lhes queremos ensinar (1990 p 150) A combinaccedilatildeo dessas duas ideacuteias dificulta o trabalho do pesquisador em ensino porque a primeira o dirige para a anaacutelise para a decomposiccedilatildeo em elementos simples e para as possiacuteveis combinaccedilotildees de situaccedilotildees enquanto que a segunda o orienta para a busca de

situaccedilotildees funcionais quase sempre compostas de vaacuterias relaccedilotildees cuja importacircncia relativa estaacute largamente ligada agrave frequumlecircncia com que satildeo encontradas (ibid)

Em outras palavras o estudo psicogeneacutetico da aquisiccedilatildeo de um campo conceitual implica a anaacutelise em termos relacionais e hieraacuterquicos das diferentes classes de problemas que podem ser propostos aos alunos Implica tambeacutem o estudo dos distintos procedimentos e representaccedilotildees simboacutelicas que o aprendiz utiliza (1982 p 40) Em relaccedilatildeo agraves representaccedilotildees Vergnaud diz (1994 p 43) que eacute uma tarefa essencial teoacuterica e empiacuterica dos pesquisadores entender por que uma certa representaccedilatildeo simboacutelica particular pode ser uacutetil e sob quais condiccedilotildees e quando e por que pode ser proveitosamente substituiacuteda por outra mais abstrata e geral

Embora Vergnaud e vaacuterios pesquisadores que trabalham sob o referencial de sua teoria tenham se dedicado principalmente agrave pesquisa em educaccedilatildeo matemaacutetica e em particular ao estudo dos campos conceituais das estruturas aditivas e multiplicativas essa abordagem agrave pesquisa certamente se aplica ao ensino de ciecircncias ou agrave educaccedilatildeo em ciecircncias se preferirmos esta terminologia Na resoluccedilatildeo de problemas por exemplo pode-se analisar as dificuldades dos alunos em termos de invariantes operatoacuterios Quer dizer os alunos muitas vezes resolvem problemas usando conhecimentos-em-accedilatildeo que podem ateacute conduzi-los agrave uma soluccedilatildeo satisfatoacuteria para uma certa situaccedilatildeo mas que natildeo funcionam para outra situaccedilatildeo ligeiramente diferente da primeira porque tais conhecimentos natildeo satildeo cientiacuteficos e tampouco constituem um esquema de assimilaccedilatildeo que pode ser aplicado a uma classe de situaccedilotildees Por outro lado tais conhecimentos-em-accedilatildeo mdash que satildeo largamente impliacutecitos mdash podem ser precursores na aquisiccedilatildeo de conceitos cientiacuteficos e portanto devem ser identificados ie pesquisados Os trabalhos de Sousa (2001) e de Sousa e Faacutevero (2002) no qual a resoluccedilatildeo de problemas em Fiacutesica foi investigada em uma situaccedilatildeo de interlocuccedilatildeo entre um especialista e um novato eacute um exemplo nessa direccedilatildeo Costa e Moreira (2002) e Escudero e Moreira (2002) tambeacutem estatildeo trabalhando em resoluccedilatildeo de problemas em Fiacutesica e procurando interpretar as dificuldades dos alunos na construccedilatildeo de modelos mentais do enunciado agrave luz de aspectos da teoria dos campos conceituais

O estudo da aprendizagem de conceitos fiacutesicos tambeacutem pode ser feito no referencial teoacuterico de Vergnaud Para ele satildeo as situaccedilotildees que datildeo sentido ao conceito os invariantes operatoacuterios que constituem seu significado e as representaccedilotildees simboacutelicas o seu significante Portanto como sugere Vergnaud eacute preciso identificar e classificar situaccedilotildees adequadas agrave aprendizagem de determinado conceito pesquisar os invariantes operatoacuterios usados pelos alunos e procurar entender como por que e quando uma certa representaccedilatildeo simboacutelica pode ajudar na conceitualizaccedilatildeo O trabalho de Lemeignan e Weil-Barais (1994) eacute talvez pioneiro nessa linha As pesquisas de Stipcich e Moreira (2002) sobre o conceito de interaccedilatildeo e de Moreira e Sousa (2002) a respeito do conceito de potencial eleacutetrico estatildeo usando o referencial de Vergnaud para interpretar as dificuldades dos alunos na aprendizagem significativa desses conceitos

Obviamente a teoria dos campos conceituais pode tambeacutem ser usada como referente teoacuterico em pesquisas sobre mudanccedila conceitual De um modo geral pode-se dizer que essa teoria eacute potencialmente uacutetil na anaacutelise das dificuldades dos alunos na resoluccedilatildeo de problemas em ciecircncias na aprendizagem de conceitos cientiacuteficos e na mudanccedila conceitual

Uma vez identificadas tais dificuldades essa mesma teoria pode ajudar no delineamento de estrateacutegias ou melhor na seleccedilatildeo de situaccedilotildees instrucionais que possam ajudar na progressiva superaccedilatildeo de tais dificuldades ou em outras palavras no progressivo (e lento) domiacutenio do(s) campo(s) conceitual(is) envolvido(s) Esse domiacutenio progressivo implica capacidade de resolver problemas conceitualizaccedilatildeo e mudanccedila (evoluccedilatildeo) conceitual

Natildeo tatildeo oacutebvia eacute a possibilidade de investigar questotildees como a modelagem mental no referencial de Vergnaud poreacutem uma vez aceita a compatibilidade aludida na seccedilatildeo anterior entre a teoria dos modelos mentais e a teoria dos campos conceituais tal possibilidade decorre naturalmente Enfim a potencialidade do uso da teoria de Vergnaud na pesquisa e ensino de ciecircncias parece ser grande Nesta seccedilatildeo foram apenas aventadas possibilidades e referidos alguns estudos

Conclusatildeo

Este trabalho teve por objetivo descrever a teoria dos campos conceituais de Geacuterard Vergnaud particularmente para uma audiecircncia de professores e pesquisadores em ensino de ciecircncias Essa teoria eacute bastante conhecida na aacuterea da educaccedilatildeo matemaacutetica poreacutem relativamente pouco no campo da educaccedilatildeo em ciecircncias e justamente por isso foi objeto deste texto

Trata-se de uma teoria de base piagetiana mas que afasta-se bastante de Piaget ao tomar como referecircncia o proacuteprio conteuacutedo do conhecimento e a anaacutelise conceitual do progressivo domiacutenio desse conhecimento bem como ao ocupar-se do estudo do desenvolvimento cognitivo do sujeito-em-situaccedilatildeo ao inveacutes de operaccedilotildees loacutegicas gerais de estruturas gerais do pensamento Ao fazer isso a teoria de Vergnaud apresenta um grande potencial para descrever analisar e interpretar aquilo que se passa em sala de aula na aprendizagem de matemaacutetica e ciecircncias Provavelmente esse tipo de teoria eacute o de maior utilidade para fundamentar o ensino e a pesquisa em ensino nessa aacuterea

Aleacutem de descrever a teoria propriamente dita procurou-se neste texto estabelecer elos com a teoria da aprendizagem significativa de Ausubel (outra ldquoteoria de sala de aulardquo) e com a recente teoria dos modelos mentais de Johnson-Laird assim como destacar implicaccedilotildees para o ensino e para a pesquisa em ensino de ciecircncias

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[1] Lembremos que um campo conceitual eacute em primeiro lugar um conjunto de situaccedilotildees (1998 p 141 1990 p 5) cujo domiacutenio requer o domiacutenio de vaacuterios conceitos de naturezas distintas (volta para o texto) [2] A ponte entre a teoria de Vergnaud e a teoria dos modelos mentais de Johnson-Laird feita nesta seccedilatildeo estaacute bem mais elaborada no trabalho ldquoAleacutem da detecccedilatildeo de modelos mentais dos estudantes Uma proposta representacional integradorardquo de Ileana Greca e Marco Antonio Moreira (volta para o texto)

Page 19: A Teoria Dos Campos Conceituais de Vergnaud

sejam capazes de resolver certas tarefas (situaccedilotildees) Natildeo soacute alunos qualquer pessoa muitas vezes eacute incapaz de colocar em palavras coisas que faz muito bem conhecimentos que tem Haacute um hiato entre a accedilatildeo e a formalizaccedilatildeo da accedilatildeo Agimos com o auxiacutelio de invariantes operatoacuterios sem expressaacute-los ou sem sermos capazes de expressaacute-los A anaacutelise cognitiva dessas accedilotildees muitas vezes revela a existecircncia de potentes teoremas e conceitos-em-accedilatildeo impliacutecitos Esse conhecimento no entanto natildeo pode ser apropriadamente chamado de conceitual pois o conhecimento conceitual eacute necessariamente expliacutecito (Vergnaud et al 1990 p 20) Portanto palavras e outros siacutembolos sentenccedilas e outras expressotildees simboacutelicas satildeo instrumentos cognitivos indispensaacuteveis para a transformaccedilatildeo de invariantes operatoacuterios impliacutecitos em conceitos e teoremas cientiacuteficos expliacutecitos (ibid) Quer dizer a formalizaccedilatildeo ndash o ensino direcionado agrave formalizaccedilatildeo ndash eacute necessaacuteria poreacutem eacute preciso levar em conta que as ideacuteias cientiacuteficas evoluem no aluno durante um longo periacuteodo de desenvolvimento cognitivo atraveacutes de uma variedade de situaccedilotildees e atividades e que qualquer conhecimento formal e axiomatizado que o aluno apresenta pode natildeo ser mais do que a parte visiacutevel de um iceberg formado basicamente por conhecimentos impliacutecitos (op cit p 21) O ensino de ciecircncias natildeo pode deixar de lado a simbolizaccedilatildeo e a formalizaccedilatildeo porque a ciecircncia eacute simboacutelica formal e expliacutecita mas eacute preciso ter sempre em mente que o conhecimento do aluno como de qualquer outro sujeito eacute em grande parte impliacutecito O ensino de ciecircncias deve facilitar a transformaccedilatildeo do conhecimento impliacutecito em expliacutecito sem nunca subestimaacute-lo ou desvalorizaacute-lo A trajetoacuteria do aprendiz ao longo de um campo conceitual cientiacutefico eacute sinuosa difusa difiacutecil e sobretudo demorada Natildeo se pode esperar que um aluno domine um campo conceitual como o da Termodinacircmica por exemplo atraveacutes de uma ou duas unidades didaacuteticas desenvolvidas ao longo de dois ou trecircs meses Eacute normal que o aluno continue usando conhecimentos impliacutecitos ao mesmo tempo que vai se apropriando dos conhecimentos expliacutecitos da ciecircncia A perspectiva dos campos conceituais eacute progressiva natildeo substitutiva Ou seja o campo conceitual vai sendo progressivamente dominado pelo aprendiz o conhecimento impliacutecito vai evoluindo progressivamente para o expliacutecito ao inveacutes de ser substituiacutedo por ele Isso como alerta Vergnaud pode levar muito tempo muitos anos talvez mas o ensino e em uacuteltima anaacutelise o professor tecircm um papel essencial nesse processo Sem o ensino natildeo haacute razatildeo nenhuma para se acreditar que o sujeito passe a dominar campos conceituais complexos e formalizados como os cientiacuteficos

Resoluccedilatildeo de Problemas

O ensino de ciecircncias tradicionalmente envolve trecircs aspectos principais profundamente interrelacionados o conhecimento teoacuterico (conceitos leis princiacutepios equaccedilotildees) as praacuteticas de laboratoacuterio (experimentos demonstraccedilotildees procedimentos cientiacuteficos) e a resoluccedilatildeo de problemas (abertos fechados como investigaccedilatildeo de papel e laacutepis) Obviamente qualquer professor experiente sabe que essa distinccedilatildeo eacute artificial o conhecimento cientiacutefico eacute produzido atraveacutes da interaccedilatildeo entre o domiacutenio conceitual e o metodoloacutegico Poreacutem na perspectiva de Vergnaud esta interdependecircncia entre a teoria e a praacutetica fica muito clara

Como jaacute foi dito reiteradamente ao longo deste texto satildeo as situaccedilotildees[1] que datildeo sentido aos conceitos um conceito torna-se significativo atraveacutes de uma variedade de situaccedilotildees os conhecimentos dos alunos satildeo moldados pelas situaccedilotildees que encontram e

progressivamente dominam Embora o conceito de situaccedilatildeo tenha na teoria dos campos conceituais o significado de tarefa podemos supor que no acircmbito das ciecircncias situaccedilatildeo significa tambeacutem problema Ou podemos falar em situaccedilotildees e problemas como faz o proacuteprio Vergnaud ao dizer que ldquoa aquisiccedilatildeo de conhecimento eacute moldada pelas situaccedilotildees e problemas previamente dominados e portanto o conhecimento do sujeito tem muitos aspectos locaisrdquo (1994 p 42) Em outro trabalho bastante anterior a esse Vergnaud diz que ldquona verdade os conceitos se desenvolvem atraveacutes da resoluccedilatildeo de problemas e esse desenvolvimento eacute lentordquo (1983b p 172)

Isso significa que a resoluccedilatildeo de problemas ou as situaccedilotildees de resoluccedilatildeo de problemas satildeo essenciais para a conceitualizaccedilatildeo mas como chama atenccedilatildeo Vergnaud (1994 p 42) ldquoum problema natildeo eacute um problema para um indiviacuteduo a menos que ele ou ela tenha conceitos que oa tornem capaz de consideraacute-lo como um problema para si mesmordquo Ou seja haacute uma relaccedilatildeo dialeacutetica e ciacuteclica entre a conceitualizaccedilatildeo e a resoluccedilatildeo de problemas Para Vergnaud a problematizaccedilatildeo vai muito aleacutem da abstraccedilatildeo de regularidades do mundo observaacutevel Problemas satildeo teoacutericos e praacuteticos natildeo meramente empiacutericos mesmo para crianccedilas pequenas Quando uma classe de problemas eacute resolvida por um indiviacuteduo (o que significa que ela ou ele desenvolve um esquema eficiente para lidar com todos ou quase todos os problemas dessa classe) o caraacuteter problemaacutetico dessa classe especiacutefica desaparece (ibid) Mas essa competecircncia desenvolvida pelo indiviacuteduo o habilita a reconhecer ou considerar novos problemas para si mesmo trata-se entatildeo de um processo ciacuteclico

Vergnaud chama de ldquoilusatildeo pedagoacutegicardquo (1983 b p 173) a atitude dos professores que crecircem que o ensino de Fiacutesica digamos consiste na apresentaccedilatildeo organizada clara rigorosa das teorias formais e que quando isso eacute bem feito os alunos aprendem Trata-se de uma ilusatildeo porque segundo ele eacute atraveacutes de situaccedilotildees de resoluccedilatildeo de problemas que os conceitos se desenvolvem no aluno e as situaccedilotildees de resoluccedilatildeo de problemas que tornam os conceitos significativos para os alunos podem estar pelo menos inicialmente muito distantes do formalismo apresentado pelo professor Mas apesar disso tais situaccedilotildees satildeo essenciais para o desenvolvimento de conceitos Quer dizer ao mesmo tempo que as situaccedilotildees formais satildeo necessaacuterias eacute preciso levar em consideraccedilatildeo que o aluno pode estar ainda muito longe delas (1983 b p 172)

Novamente podemos estabelecer um certo paralelo entre as teorias de Ausubel e Vergnaud A aprendizagem receptiva de Ausubel poderia ser interpretada como a ilusatildeo pedagoacutegica de Vergnaud mas natildeo eacute assim Ausubel certamente defenderia a apresentaccedilatildeo organizada clara rigorosa das teoria formais poreacutem desde que fossem potencialmente significativas o que implicaria que o aprendiz tivesse o conhecimento preacutevio adequado e se dispusesse a aprender Isso estaria de acordo com a postura de Vergnaud no sentido de que o domiacutenio de situaccedilotildees preacutevias eacute importante para o domiacutenio de situaccedilotildees novas Acrescente-se a isso que para Ausubel a resoluccedilatildeo de problemas em particular de situaccedilotildees problemaacuteticas novas e natildeo familiares que requeiram maacutexima transformaccedilatildeo do conhecimento adquirido eacute a principal evidecircncia da aprendizagem significativa (Ausubel et al 1980)

A teoria de Vergnaud parece ser entatildeo um bom referencial para anaacutelise das dificuldades dos alunos na resoluccedilatildeo de problemas em ciecircncias e consequumlentemente da conceitualizaccedilatildeo em ciecircncias Tais dificuldades poderiam por exemplo ser examinadas em

termos de invariantes operatoacuterios quer dizer em termos de quais os conceitos e teoremas-em-accedilatildeo que os estudantes estariam usando na resoluccedilatildeo de problemas e de quatildeo distantes estariam dos conceitos e teoremas cientiacuteficos adequados agrave resoluccedilatildeo do problema em pauta

Representaccedilotildees[2]

No tripleto C (S I R) que define conceito (p 4 deste trabalho) Vergnaud dizia que S (o conjunto de situaccedilotildees que datildeo sentido ao conceito) eacute a realidade e (I R) a representaccedilatildeo dessa realidade que pode ser considerada como dois aspectos interagentes do pensamento o significado (I) e o significante (R)

Isso sugere que inicialmente Vergnaud usava o termo representaccedilatildeo como sendo o de um sistema simboacutelico que significaria algo para o sujeito um sistema de signos e uma sintaxe ou operaccedilotildees sobre elementos do sistema Para ele conceitos e siacutembolos eram duas faces da mesma moeda e devia-se sempre dar atenccedilatildeo ao uso que os alunos faziam dos siacutembolos agrave luz do uso que faziam dos conceitos Quer dizer a habilidade em resolver situaccedilotildees em linguagem natural seria o melhor criteacuterio para aquisiccedilatildeo de conceitos mas por outro lado a simbolizaccedilatildeo ajudaria nisso (1982 p 57) Assim como haacute problemas mais facilmente resolviacuteveis do que outros ou procedimentos mais faacuteceis do que outros haveria representaccedilotildees simboacutelicas mais potentes do que outras equaccedilotildees por exemplo seriam mais potentes que diagramas de Euler-Venn Todavia tais equaccedilotildees deveriam representar situaccedilotildees significativas

Poreacutem em outro trabalho mais recente (1998 p 173) Vergnaud fala em teorias de representaccedilotildees e diz que para ser uacutetil uma teoria dessas deve conter a ideacuteia de que as representaccedilotildees ofereccedilam possibilidades de inferecircncia ie que elas nos tornem capazes de antecipar eventos futuros e gerar condutas para chegar a algum efeito positivo ou evitar algum efeito negativo

Diz ele (op cit p 174) que temos representaccedilotildees computaacuteveis para gestos e accedilotildees sobre o mundo fiacutesico bem como para comportamentos verbais e para interaccedilotildees sociais Tais representaccedilotildees podem ser corretas ou erradas vagas ou precisas expliacutecitas ou totalmente impliacutecitas em qualquer caso elas funcionam como substitutos computaacuteveis da realidade e portanto satildeo feitas de teoremas-em-accedilatildeo proposiccedilotildees tidas como verdadeiras

A construccedilatildeo do conhecimento consiste entatildeo na progressiva construccedilatildeo de representaccedilotildees mentais que satildeo homomoacuterficas agrave realidade para alguns aspectos e para outros natildeo (1990 p 22) Por um lado a representaccedilatildeo eacute ativa pragmaacutetica e operacional por outro eacute discursiva teoacuterica e simboacutelica (ibid) Mas haacute importantes lacunas entre o que estaacute representado na mente de um indiviacuteduo e o significado usual das palavras e outros signos pois sistemas linguumliacutesticos e semioacuteticos natildeo tecircm por finalidade expressar exatamente o que cada indiviacuteduo tem em mente quando enfrenta uma situaccedilatildeo selecionando e processando a informaccedilatildeo (1998 p 176) Para Vergnaud a relaccedilatildeo entre situaccedilotildees e esquemas eacute a fonte primaacuteria da representaccedilatildeo mas sua teoria afasta-se muito da visatildeo de que um objeto pode ser representado mentalmente de maneira natildeo ambiacutegua atraveacutes de

siacutembolos Por maior que seja (e eacute grande) o papel dos siacutembolos no pensamento o conhecimento natildeo eacute em essecircncia simboacutelico O reconhecimento de invariantes em accedilatildeo e percepccedilatildeo e a progressiva construccedilatildeo de objetos e predicados de niacutevel mais alto satildeo aspectos mais essenciais do conhecimento (op cit p 177)

Podemos entatildeo fazer uma ponte entre os significados mais recentes de representaccedilatildeo na teoria de Vergnaud e a teoria tambeacutem recente dos modelos mentais (Johnson-Laird 1983 Moreira 1996) Dizer que temos representaccedilotildees computaacuteveis para gestos e accedilotildees sobre o mundo fiacutesico para comportamentos verbais e para interaccedilotildees sociais e que tais representaccedilotildees -- que podem ser corretas ou erradas vagas ou precisas expliacutecitas ou (principalmente) impliacutecitas -- permitem fazer inferecircncias eacute praticamente dizer que tais representaccedilotildees satildeo modelos mentais Johnson-Laird define modelos mentais como anaacutelogos estruturais de estados de coisas do mundo Satildeo instrumentos de compreensatildeo e inferecircncia Quando nos defrontamos com uma situaccedilatildeo nova construiacutemos um modelo mental para entendecirc-la descrevecirc-la e prever o que vai acontecer Este modelo pode ser correto ou natildeo (no sentido de que suas previsotildees natildeo satildeo corretas cientificamente) pode ser vago confuso incompleto mas eacute sobretudo funcional para seus construtor e pode ser modificado recursivamente ateacute atingir tal funcionalidade

Modelos mentais podem ser basicamente proposicionais ie constituiacutedos principalmente de proposiccedilotildees ou basicamente imagiacutesticos ou seja construiacutedos predominantemente com imagens ou ainda hiacutebridos quer dizer formados por proposiccedilotildees e imagens (Greca e Moreira 1997) Entatildeo as proposiccedilotildees constituintes dos modelos mentais podem ser interpretadas como teoremas-em-accedilatildeo de Vergnaud Como ele mesmo diz as representaccedilotildees funcionam como substitutos computaacuteveis da realidade e portanto satildeo feitas de teoremas-em-accedilatildeo Com o progressivo domiacutenio de um campo conceitual os teoremas-em-accedilatildeo (grandemente impliacutecitos) vatildeo se aproximando de teoremas cientiacuteficos (proposiccedilotildees expliacutecitas) Analogamente agrave medida que o sujeito adquire mais conhecimentos cientiacuteficos seus modelos mentais aproximam-se (no sentido de que permitem dar significados cientificamente aceitos) dos modelos cientiacuteficos

Pode-se assim dizer que os modelos mentais de Johnson-Laird contecircm aquilo que Vergnaud chama de teoremas-em-accedilatildeo ou seja proposiccedilotildees tidas como verdadeiras sobre o real Mas esta aparente compatibilidade entre as duas teorias pode ir aleacutem pois os conceitos-em-accedilatildeo de Vergnaud tambeacutem podem integrar modelos mentais Conceitos-em-accedilatildeo satildeo objetos predicados ou categorias de pensamento tidos como pertinentes relevantes agrave situaccedilatildeo Analogamente segundo o princiacutepio do construtivismo (Johnson-Laird 1983 p 398) um modelo mental eacute construiacutedo a partir de sinais (tokens) dispostos em uma estrutura particular para representar em certo estado de coisas (isto eacute uma certa situaccedilatildeo) Se interpretaacutessemos esses sinais (tokens) como objetos predicados ou categorias de pensamento pertinentes dir-se-ia que os modelos mentais contecircm tambeacutem conceitos-em-accedilatildeo

Contudo eacute importante natildeo confundir modelos mentais com esquemas de assimilaccedilatildeo Para Vergnaud os invariantes operatoacuterios (teoremas e conceitos-em-accedilatildeo) satildeo componentes essenciais dos esquemas e acabamos de dizer que os modelos mentais contecircm proposiccedilotildees e sinais (tokens) que podem ser interpretados como invariantes operatoacuterios mas ainda

assim modelos mentais e esquemas satildeo construtos distintos Modelo mental eacute instrumento de compreensatildeo construiacutedo no momento da compreensatildeo e descartaacutevel se for alcanccedilada (para o construtor) a funcionalidade desejada (ou seja a compreensatildeo mesmo que natildeo compartilhada cientificamente) Esquema de assimilaccedilatildeo eacute segundo Vergnaud a organizaccedilatildeo invariante do comportamento para uma determinada classe de situaccedilotildees Portanto esquemas de assimilaccedilatildeo satildeo mais estaacuteveis o sujeito constroacutei determinado esquema e o utiliza para assimilar uma certa classe de situaccedilotildees ou seja usa sempre o mesmo esquema para cada situaccedilatildeo dessa classe Mas frente a uma situaccedilatildeo nova eacute preciso acomodar ou seja construir um novo esquema de assimilaccedilatildeo e eacute exatamente aiacute que parece encaixar bem a ideacuteia de modelo mental para compreender uma nova situaccedilatildeo o sujeito constroacutei inicialmente um modelo mental (que como foi dito pode conter invariantes operatoacuterios) natildeo um esquema de assimilaccedilatildeo Na medida em que a nova situaccedilatildeo deixa de ser nova e passa a ser rotineira o modelo mental evolui para esquema de assimilaccedilatildeo quer dizer se estabiliza Mas isso natildeo quer dizer que todo modelo mental venha a se transformar em esquema de assimilaccedilatildeo Modelos mentais satildeo recursivos o que significa que vatildeo sendo construiacutedos e modificados quase que simultaneamente ateacute que se tornem funcionais quando entatildeo podem ser descartados ou talvez ldquoguardadosrdquo ateacute que se tornem esquemas de assimilaccedilatildeo Trata-se ao que parece de um bom assunto para pesquisar

Pesquisa

Como uacuteltimo toacutepico deste texto abordar-se-aacute a pesquisa em ensino de ciecircncias no referencial da teoria dos campos conceituais Vejamos primeiramente no entanto o que diz Vergnaud sobre a pesquisa em campos conceituais

Segundo ele (1988 p 149) a abordagem canocircnica ao estudo de um campo conceitual envolve identificar e classificar situaccedilotildees e entatildeo coletar dados sobre procedimentos e outras maneiras atraveacutes das quais os estudantes expressam seu raciociacutenio Um ciclo de pesquisa inicia com a identificaccedilatildeo de niacuteveis de objetos relaccedilotildees e teoremas-em-accedilatildeo O ciclo continua entatildeo com o delineamento de situaccedilotildees e materiais e sua experimentaccedilatildeo com alunos completando-se com a construccedilatildeo de representaccedilotildees simboacutelicas atraveacutes da observaccedilatildeo e anaacutelise dos diferentes fenocircmenos que ocorrem (ibid) Comeccedila entatildeo um segundo ciclo para melhorar o primeiro e assim sucessivamente O estudo do domiacutenio de certos campos conceituais eacute um programa de longo prazo que dificilmente pode ser feito por um pesquisador isolado ou mesmo por um grupo de pesquisa isolado

Portanto o primeiro passo para estudar o progressivo domiacutenio de um campo conceitual por parte do aluno eacute identificar e classificar situaccedilotildees Mas isso envolve duas ideacuteias principais diversidade e histoacuteria Ou seja existe uma grande variedade de situaccedilotildees em um dado campo conceitual e as aprendizagens dos alunos satildeo moldadas pelas situaccedilotildees com as quais se depararam e progressivamente dominaram particularmente as primeiras suscetiacuteveis de dar sentido aos conceitos e procedimentos que lhes queremos ensinar (1990 p 150) A combinaccedilatildeo dessas duas ideacuteias dificulta o trabalho do pesquisador em ensino porque a primeira o dirige para a anaacutelise para a decomposiccedilatildeo em elementos simples e para as possiacuteveis combinaccedilotildees de situaccedilotildees enquanto que a segunda o orienta para a busca de

situaccedilotildees funcionais quase sempre compostas de vaacuterias relaccedilotildees cuja importacircncia relativa estaacute largamente ligada agrave frequumlecircncia com que satildeo encontradas (ibid)

Em outras palavras o estudo psicogeneacutetico da aquisiccedilatildeo de um campo conceitual implica a anaacutelise em termos relacionais e hieraacuterquicos das diferentes classes de problemas que podem ser propostos aos alunos Implica tambeacutem o estudo dos distintos procedimentos e representaccedilotildees simboacutelicas que o aprendiz utiliza (1982 p 40) Em relaccedilatildeo agraves representaccedilotildees Vergnaud diz (1994 p 43) que eacute uma tarefa essencial teoacuterica e empiacuterica dos pesquisadores entender por que uma certa representaccedilatildeo simboacutelica particular pode ser uacutetil e sob quais condiccedilotildees e quando e por que pode ser proveitosamente substituiacuteda por outra mais abstrata e geral

Embora Vergnaud e vaacuterios pesquisadores que trabalham sob o referencial de sua teoria tenham se dedicado principalmente agrave pesquisa em educaccedilatildeo matemaacutetica e em particular ao estudo dos campos conceituais das estruturas aditivas e multiplicativas essa abordagem agrave pesquisa certamente se aplica ao ensino de ciecircncias ou agrave educaccedilatildeo em ciecircncias se preferirmos esta terminologia Na resoluccedilatildeo de problemas por exemplo pode-se analisar as dificuldades dos alunos em termos de invariantes operatoacuterios Quer dizer os alunos muitas vezes resolvem problemas usando conhecimentos-em-accedilatildeo que podem ateacute conduzi-los agrave uma soluccedilatildeo satisfatoacuteria para uma certa situaccedilatildeo mas que natildeo funcionam para outra situaccedilatildeo ligeiramente diferente da primeira porque tais conhecimentos natildeo satildeo cientiacuteficos e tampouco constituem um esquema de assimilaccedilatildeo que pode ser aplicado a uma classe de situaccedilotildees Por outro lado tais conhecimentos-em-accedilatildeo mdash que satildeo largamente impliacutecitos mdash podem ser precursores na aquisiccedilatildeo de conceitos cientiacuteficos e portanto devem ser identificados ie pesquisados Os trabalhos de Sousa (2001) e de Sousa e Faacutevero (2002) no qual a resoluccedilatildeo de problemas em Fiacutesica foi investigada em uma situaccedilatildeo de interlocuccedilatildeo entre um especialista e um novato eacute um exemplo nessa direccedilatildeo Costa e Moreira (2002) e Escudero e Moreira (2002) tambeacutem estatildeo trabalhando em resoluccedilatildeo de problemas em Fiacutesica e procurando interpretar as dificuldades dos alunos na construccedilatildeo de modelos mentais do enunciado agrave luz de aspectos da teoria dos campos conceituais

O estudo da aprendizagem de conceitos fiacutesicos tambeacutem pode ser feito no referencial teoacuterico de Vergnaud Para ele satildeo as situaccedilotildees que datildeo sentido ao conceito os invariantes operatoacuterios que constituem seu significado e as representaccedilotildees simboacutelicas o seu significante Portanto como sugere Vergnaud eacute preciso identificar e classificar situaccedilotildees adequadas agrave aprendizagem de determinado conceito pesquisar os invariantes operatoacuterios usados pelos alunos e procurar entender como por que e quando uma certa representaccedilatildeo simboacutelica pode ajudar na conceitualizaccedilatildeo O trabalho de Lemeignan e Weil-Barais (1994) eacute talvez pioneiro nessa linha As pesquisas de Stipcich e Moreira (2002) sobre o conceito de interaccedilatildeo e de Moreira e Sousa (2002) a respeito do conceito de potencial eleacutetrico estatildeo usando o referencial de Vergnaud para interpretar as dificuldades dos alunos na aprendizagem significativa desses conceitos

Obviamente a teoria dos campos conceituais pode tambeacutem ser usada como referente teoacuterico em pesquisas sobre mudanccedila conceitual De um modo geral pode-se dizer que essa teoria eacute potencialmente uacutetil na anaacutelise das dificuldades dos alunos na resoluccedilatildeo de problemas em ciecircncias na aprendizagem de conceitos cientiacuteficos e na mudanccedila conceitual

Uma vez identificadas tais dificuldades essa mesma teoria pode ajudar no delineamento de estrateacutegias ou melhor na seleccedilatildeo de situaccedilotildees instrucionais que possam ajudar na progressiva superaccedilatildeo de tais dificuldades ou em outras palavras no progressivo (e lento) domiacutenio do(s) campo(s) conceitual(is) envolvido(s) Esse domiacutenio progressivo implica capacidade de resolver problemas conceitualizaccedilatildeo e mudanccedila (evoluccedilatildeo) conceitual

Natildeo tatildeo oacutebvia eacute a possibilidade de investigar questotildees como a modelagem mental no referencial de Vergnaud poreacutem uma vez aceita a compatibilidade aludida na seccedilatildeo anterior entre a teoria dos modelos mentais e a teoria dos campos conceituais tal possibilidade decorre naturalmente Enfim a potencialidade do uso da teoria de Vergnaud na pesquisa e ensino de ciecircncias parece ser grande Nesta seccedilatildeo foram apenas aventadas possibilidades e referidos alguns estudos

Conclusatildeo

Este trabalho teve por objetivo descrever a teoria dos campos conceituais de Geacuterard Vergnaud particularmente para uma audiecircncia de professores e pesquisadores em ensino de ciecircncias Essa teoria eacute bastante conhecida na aacuterea da educaccedilatildeo matemaacutetica poreacutem relativamente pouco no campo da educaccedilatildeo em ciecircncias e justamente por isso foi objeto deste texto

Trata-se de uma teoria de base piagetiana mas que afasta-se bastante de Piaget ao tomar como referecircncia o proacuteprio conteuacutedo do conhecimento e a anaacutelise conceitual do progressivo domiacutenio desse conhecimento bem como ao ocupar-se do estudo do desenvolvimento cognitivo do sujeito-em-situaccedilatildeo ao inveacutes de operaccedilotildees loacutegicas gerais de estruturas gerais do pensamento Ao fazer isso a teoria de Vergnaud apresenta um grande potencial para descrever analisar e interpretar aquilo que se passa em sala de aula na aprendizagem de matemaacutetica e ciecircncias Provavelmente esse tipo de teoria eacute o de maior utilidade para fundamentar o ensino e a pesquisa em ensino nessa aacuterea

Aleacutem de descrever a teoria propriamente dita procurou-se neste texto estabelecer elos com a teoria da aprendizagem significativa de Ausubel (outra ldquoteoria de sala de aulardquo) e com a recente teoria dos modelos mentais de Johnson-Laird assim como destacar implicaccedilotildees para o ensino e para a pesquisa em ensino de ciecircncias

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[1] Lembremos que um campo conceitual eacute em primeiro lugar um conjunto de situaccedilotildees (1998 p 141 1990 p 5) cujo domiacutenio requer o domiacutenio de vaacuterios conceitos de naturezas distintas (volta para o texto) [2] A ponte entre a teoria de Vergnaud e a teoria dos modelos mentais de Johnson-Laird feita nesta seccedilatildeo estaacute bem mais elaborada no trabalho ldquoAleacutem da detecccedilatildeo de modelos mentais dos estudantes Uma proposta representacional integradorardquo de Ileana Greca e Marco Antonio Moreira (volta para o texto)

Page 20: A Teoria Dos Campos Conceituais de Vergnaud

progressivamente dominam Embora o conceito de situaccedilatildeo tenha na teoria dos campos conceituais o significado de tarefa podemos supor que no acircmbito das ciecircncias situaccedilatildeo significa tambeacutem problema Ou podemos falar em situaccedilotildees e problemas como faz o proacuteprio Vergnaud ao dizer que ldquoa aquisiccedilatildeo de conhecimento eacute moldada pelas situaccedilotildees e problemas previamente dominados e portanto o conhecimento do sujeito tem muitos aspectos locaisrdquo (1994 p 42) Em outro trabalho bastante anterior a esse Vergnaud diz que ldquona verdade os conceitos se desenvolvem atraveacutes da resoluccedilatildeo de problemas e esse desenvolvimento eacute lentordquo (1983b p 172)

Isso significa que a resoluccedilatildeo de problemas ou as situaccedilotildees de resoluccedilatildeo de problemas satildeo essenciais para a conceitualizaccedilatildeo mas como chama atenccedilatildeo Vergnaud (1994 p 42) ldquoum problema natildeo eacute um problema para um indiviacuteduo a menos que ele ou ela tenha conceitos que oa tornem capaz de consideraacute-lo como um problema para si mesmordquo Ou seja haacute uma relaccedilatildeo dialeacutetica e ciacuteclica entre a conceitualizaccedilatildeo e a resoluccedilatildeo de problemas Para Vergnaud a problematizaccedilatildeo vai muito aleacutem da abstraccedilatildeo de regularidades do mundo observaacutevel Problemas satildeo teoacutericos e praacuteticos natildeo meramente empiacutericos mesmo para crianccedilas pequenas Quando uma classe de problemas eacute resolvida por um indiviacuteduo (o que significa que ela ou ele desenvolve um esquema eficiente para lidar com todos ou quase todos os problemas dessa classe) o caraacuteter problemaacutetico dessa classe especiacutefica desaparece (ibid) Mas essa competecircncia desenvolvida pelo indiviacuteduo o habilita a reconhecer ou considerar novos problemas para si mesmo trata-se entatildeo de um processo ciacuteclico

Vergnaud chama de ldquoilusatildeo pedagoacutegicardquo (1983 b p 173) a atitude dos professores que crecircem que o ensino de Fiacutesica digamos consiste na apresentaccedilatildeo organizada clara rigorosa das teorias formais e que quando isso eacute bem feito os alunos aprendem Trata-se de uma ilusatildeo porque segundo ele eacute atraveacutes de situaccedilotildees de resoluccedilatildeo de problemas que os conceitos se desenvolvem no aluno e as situaccedilotildees de resoluccedilatildeo de problemas que tornam os conceitos significativos para os alunos podem estar pelo menos inicialmente muito distantes do formalismo apresentado pelo professor Mas apesar disso tais situaccedilotildees satildeo essenciais para o desenvolvimento de conceitos Quer dizer ao mesmo tempo que as situaccedilotildees formais satildeo necessaacuterias eacute preciso levar em consideraccedilatildeo que o aluno pode estar ainda muito longe delas (1983 b p 172)

Novamente podemos estabelecer um certo paralelo entre as teorias de Ausubel e Vergnaud A aprendizagem receptiva de Ausubel poderia ser interpretada como a ilusatildeo pedagoacutegica de Vergnaud mas natildeo eacute assim Ausubel certamente defenderia a apresentaccedilatildeo organizada clara rigorosa das teoria formais poreacutem desde que fossem potencialmente significativas o que implicaria que o aprendiz tivesse o conhecimento preacutevio adequado e se dispusesse a aprender Isso estaria de acordo com a postura de Vergnaud no sentido de que o domiacutenio de situaccedilotildees preacutevias eacute importante para o domiacutenio de situaccedilotildees novas Acrescente-se a isso que para Ausubel a resoluccedilatildeo de problemas em particular de situaccedilotildees problemaacuteticas novas e natildeo familiares que requeiram maacutexima transformaccedilatildeo do conhecimento adquirido eacute a principal evidecircncia da aprendizagem significativa (Ausubel et al 1980)

A teoria de Vergnaud parece ser entatildeo um bom referencial para anaacutelise das dificuldades dos alunos na resoluccedilatildeo de problemas em ciecircncias e consequumlentemente da conceitualizaccedilatildeo em ciecircncias Tais dificuldades poderiam por exemplo ser examinadas em

termos de invariantes operatoacuterios quer dizer em termos de quais os conceitos e teoremas-em-accedilatildeo que os estudantes estariam usando na resoluccedilatildeo de problemas e de quatildeo distantes estariam dos conceitos e teoremas cientiacuteficos adequados agrave resoluccedilatildeo do problema em pauta

Representaccedilotildees[2]

No tripleto C (S I R) que define conceito (p 4 deste trabalho) Vergnaud dizia que S (o conjunto de situaccedilotildees que datildeo sentido ao conceito) eacute a realidade e (I R) a representaccedilatildeo dessa realidade que pode ser considerada como dois aspectos interagentes do pensamento o significado (I) e o significante (R)

Isso sugere que inicialmente Vergnaud usava o termo representaccedilatildeo como sendo o de um sistema simboacutelico que significaria algo para o sujeito um sistema de signos e uma sintaxe ou operaccedilotildees sobre elementos do sistema Para ele conceitos e siacutembolos eram duas faces da mesma moeda e devia-se sempre dar atenccedilatildeo ao uso que os alunos faziam dos siacutembolos agrave luz do uso que faziam dos conceitos Quer dizer a habilidade em resolver situaccedilotildees em linguagem natural seria o melhor criteacuterio para aquisiccedilatildeo de conceitos mas por outro lado a simbolizaccedilatildeo ajudaria nisso (1982 p 57) Assim como haacute problemas mais facilmente resolviacuteveis do que outros ou procedimentos mais faacuteceis do que outros haveria representaccedilotildees simboacutelicas mais potentes do que outras equaccedilotildees por exemplo seriam mais potentes que diagramas de Euler-Venn Todavia tais equaccedilotildees deveriam representar situaccedilotildees significativas

Poreacutem em outro trabalho mais recente (1998 p 173) Vergnaud fala em teorias de representaccedilotildees e diz que para ser uacutetil uma teoria dessas deve conter a ideacuteia de que as representaccedilotildees ofereccedilam possibilidades de inferecircncia ie que elas nos tornem capazes de antecipar eventos futuros e gerar condutas para chegar a algum efeito positivo ou evitar algum efeito negativo

Diz ele (op cit p 174) que temos representaccedilotildees computaacuteveis para gestos e accedilotildees sobre o mundo fiacutesico bem como para comportamentos verbais e para interaccedilotildees sociais Tais representaccedilotildees podem ser corretas ou erradas vagas ou precisas expliacutecitas ou totalmente impliacutecitas em qualquer caso elas funcionam como substitutos computaacuteveis da realidade e portanto satildeo feitas de teoremas-em-accedilatildeo proposiccedilotildees tidas como verdadeiras

A construccedilatildeo do conhecimento consiste entatildeo na progressiva construccedilatildeo de representaccedilotildees mentais que satildeo homomoacuterficas agrave realidade para alguns aspectos e para outros natildeo (1990 p 22) Por um lado a representaccedilatildeo eacute ativa pragmaacutetica e operacional por outro eacute discursiva teoacuterica e simboacutelica (ibid) Mas haacute importantes lacunas entre o que estaacute representado na mente de um indiviacuteduo e o significado usual das palavras e outros signos pois sistemas linguumliacutesticos e semioacuteticos natildeo tecircm por finalidade expressar exatamente o que cada indiviacuteduo tem em mente quando enfrenta uma situaccedilatildeo selecionando e processando a informaccedilatildeo (1998 p 176) Para Vergnaud a relaccedilatildeo entre situaccedilotildees e esquemas eacute a fonte primaacuteria da representaccedilatildeo mas sua teoria afasta-se muito da visatildeo de que um objeto pode ser representado mentalmente de maneira natildeo ambiacutegua atraveacutes de

siacutembolos Por maior que seja (e eacute grande) o papel dos siacutembolos no pensamento o conhecimento natildeo eacute em essecircncia simboacutelico O reconhecimento de invariantes em accedilatildeo e percepccedilatildeo e a progressiva construccedilatildeo de objetos e predicados de niacutevel mais alto satildeo aspectos mais essenciais do conhecimento (op cit p 177)

Podemos entatildeo fazer uma ponte entre os significados mais recentes de representaccedilatildeo na teoria de Vergnaud e a teoria tambeacutem recente dos modelos mentais (Johnson-Laird 1983 Moreira 1996) Dizer que temos representaccedilotildees computaacuteveis para gestos e accedilotildees sobre o mundo fiacutesico para comportamentos verbais e para interaccedilotildees sociais e que tais representaccedilotildees -- que podem ser corretas ou erradas vagas ou precisas expliacutecitas ou (principalmente) impliacutecitas -- permitem fazer inferecircncias eacute praticamente dizer que tais representaccedilotildees satildeo modelos mentais Johnson-Laird define modelos mentais como anaacutelogos estruturais de estados de coisas do mundo Satildeo instrumentos de compreensatildeo e inferecircncia Quando nos defrontamos com uma situaccedilatildeo nova construiacutemos um modelo mental para entendecirc-la descrevecirc-la e prever o que vai acontecer Este modelo pode ser correto ou natildeo (no sentido de que suas previsotildees natildeo satildeo corretas cientificamente) pode ser vago confuso incompleto mas eacute sobretudo funcional para seus construtor e pode ser modificado recursivamente ateacute atingir tal funcionalidade

Modelos mentais podem ser basicamente proposicionais ie constituiacutedos principalmente de proposiccedilotildees ou basicamente imagiacutesticos ou seja construiacutedos predominantemente com imagens ou ainda hiacutebridos quer dizer formados por proposiccedilotildees e imagens (Greca e Moreira 1997) Entatildeo as proposiccedilotildees constituintes dos modelos mentais podem ser interpretadas como teoremas-em-accedilatildeo de Vergnaud Como ele mesmo diz as representaccedilotildees funcionam como substitutos computaacuteveis da realidade e portanto satildeo feitas de teoremas-em-accedilatildeo Com o progressivo domiacutenio de um campo conceitual os teoremas-em-accedilatildeo (grandemente impliacutecitos) vatildeo se aproximando de teoremas cientiacuteficos (proposiccedilotildees expliacutecitas) Analogamente agrave medida que o sujeito adquire mais conhecimentos cientiacuteficos seus modelos mentais aproximam-se (no sentido de que permitem dar significados cientificamente aceitos) dos modelos cientiacuteficos

Pode-se assim dizer que os modelos mentais de Johnson-Laird contecircm aquilo que Vergnaud chama de teoremas-em-accedilatildeo ou seja proposiccedilotildees tidas como verdadeiras sobre o real Mas esta aparente compatibilidade entre as duas teorias pode ir aleacutem pois os conceitos-em-accedilatildeo de Vergnaud tambeacutem podem integrar modelos mentais Conceitos-em-accedilatildeo satildeo objetos predicados ou categorias de pensamento tidos como pertinentes relevantes agrave situaccedilatildeo Analogamente segundo o princiacutepio do construtivismo (Johnson-Laird 1983 p 398) um modelo mental eacute construiacutedo a partir de sinais (tokens) dispostos em uma estrutura particular para representar em certo estado de coisas (isto eacute uma certa situaccedilatildeo) Se interpretaacutessemos esses sinais (tokens) como objetos predicados ou categorias de pensamento pertinentes dir-se-ia que os modelos mentais contecircm tambeacutem conceitos-em-accedilatildeo

Contudo eacute importante natildeo confundir modelos mentais com esquemas de assimilaccedilatildeo Para Vergnaud os invariantes operatoacuterios (teoremas e conceitos-em-accedilatildeo) satildeo componentes essenciais dos esquemas e acabamos de dizer que os modelos mentais contecircm proposiccedilotildees e sinais (tokens) que podem ser interpretados como invariantes operatoacuterios mas ainda

assim modelos mentais e esquemas satildeo construtos distintos Modelo mental eacute instrumento de compreensatildeo construiacutedo no momento da compreensatildeo e descartaacutevel se for alcanccedilada (para o construtor) a funcionalidade desejada (ou seja a compreensatildeo mesmo que natildeo compartilhada cientificamente) Esquema de assimilaccedilatildeo eacute segundo Vergnaud a organizaccedilatildeo invariante do comportamento para uma determinada classe de situaccedilotildees Portanto esquemas de assimilaccedilatildeo satildeo mais estaacuteveis o sujeito constroacutei determinado esquema e o utiliza para assimilar uma certa classe de situaccedilotildees ou seja usa sempre o mesmo esquema para cada situaccedilatildeo dessa classe Mas frente a uma situaccedilatildeo nova eacute preciso acomodar ou seja construir um novo esquema de assimilaccedilatildeo e eacute exatamente aiacute que parece encaixar bem a ideacuteia de modelo mental para compreender uma nova situaccedilatildeo o sujeito constroacutei inicialmente um modelo mental (que como foi dito pode conter invariantes operatoacuterios) natildeo um esquema de assimilaccedilatildeo Na medida em que a nova situaccedilatildeo deixa de ser nova e passa a ser rotineira o modelo mental evolui para esquema de assimilaccedilatildeo quer dizer se estabiliza Mas isso natildeo quer dizer que todo modelo mental venha a se transformar em esquema de assimilaccedilatildeo Modelos mentais satildeo recursivos o que significa que vatildeo sendo construiacutedos e modificados quase que simultaneamente ateacute que se tornem funcionais quando entatildeo podem ser descartados ou talvez ldquoguardadosrdquo ateacute que se tornem esquemas de assimilaccedilatildeo Trata-se ao que parece de um bom assunto para pesquisar

Pesquisa

Como uacuteltimo toacutepico deste texto abordar-se-aacute a pesquisa em ensino de ciecircncias no referencial da teoria dos campos conceituais Vejamos primeiramente no entanto o que diz Vergnaud sobre a pesquisa em campos conceituais

Segundo ele (1988 p 149) a abordagem canocircnica ao estudo de um campo conceitual envolve identificar e classificar situaccedilotildees e entatildeo coletar dados sobre procedimentos e outras maneiras atraveacutes das quais os estudantes expressam seu raciociacutenio Um ciclo de pesquisa inicia com a identificaccedilatildeo de niacuteveis de objetos relaccedilotildees e teoremas-em-accedilatildeo O ciclo continua entatildeo com o delineamento de situaccedilotildees e materiais e sua experimentaccedilatildeo com alunos completando-se com a construccedilatildeo de representaccedilotildees simboacutelicas atraveacutes da observaccedilatildeo e anaacutelise dos diferentes fenocircmenos que ocorrem (ibid) Comeccedila entatildeo um segundo ciclo para melhorar o primeiro e assim sucessivamente O estudo do domiacutenio de certos campos conceituais eacute um programa de longo prazo que dificilmente pode ser feito por um pesquisador isolado ou mesmo por um grupo de pesquisa isolado

Portanto o primeiro passo para estudar o progressivo domiacutenio de um campo conceitual por parte do aluno eacute identificar e classificar situaccedilotildees Mas isso envolve duas ideacuteias principais diversidade e histoacuteria Ou seja existe uma grande variedade de situaccedilotildees em um dado campo conceitual e as aprendizagens dos alunos satildeo moldadas pelas situaccedilotildees com as quais se depararam e progressivamente dominaram particularmente as primeiras suscetiacuteveis de dar sentido aos conceitos e procedimentos que lhes queremos ensinar (1990 p 150) A combinaccedilatildeo dessas duas ideacuteias dificulta o trabalho do pesquisador em ensino porque a primeira o dirige para a anaacutelise para a decomposiccedilatildeo em elementos simples e para as possiacuteveis combinaccedilotildees de situaccedilotildees enquanto que a segunda o orienta para a busca de

situaccedilotildees funcionais quase sempre compostas de vaacuterias relaccedilotildees cuja importacircncia relativa estaacute largamente ligada agrave frequumlecircncia com que satildeo encontradas (ibid)

Em outras palavras o estudo psicogeneacutetico da aquisiccedilatildeo de um campo conceitual implica a anaacutelise em termos relacionais e hieraacuterquicos das diferentes classes de problemas que podem ser propostos aos alunos Implica tambeacutem o estudo dos distintos procedimentos e representaccedilotildees simboacutelicas que o aprendiz utiliza (1982 p 40) Em relaccedilatildeo agraves representaccedilotildees Vergnaud diz (1994 p 43) que eacute uma tarefa essencial teoacuterica e empiacuterica dos pesquisadores entender por que uma certa representaccedilatildeo simboacutelica particular pode ser uacutetil e sob quais condiccedilotildees e quando e por que pode ser proveitosamente substituiacuteda por outra mais abstrata e geral

Embora Vergnaud e vaacuterios pesquisadores que trabalham sob o referencial de sua teoria tenham se dedicado principalmente agrave pesquisa em educaccedilatildeo matemaacutetica e em particular ao estudo dos campos conceituais das estruturas aditivas e multiplicativas essa abordagem agrave pesquisa certamente se aplica ao ensino de ciecircncias ou agrave educaccedilatildeo em ciecircncias se preferirmos esta terminologia Na resoluccedilatildeo de problemas por exemplo pode-se analisar as dificuldades dos alunos em termos de invariantes operatoacuterios Quer dizer os alunos muitas vezes resolvem problemas usando conhecimentos-em-accedilatildeo que podem ateacute conduzi-los agrave uma soluccedilatildeo satisfatoacuteria para uma certa situaccedilatildeo mas que natildeo funcionam para outra situaccedilatildeo ligeiramente diferente da primeira porque tais conhecimentos natildeo satildeo cientiacuteficos e tampouco constituem um esquema de assimilaccedilatildeo que pode ser aplicado a uma classe de situaccedilotildees Por outro lado tais conhecimentos-em-accedilatildeo mdash que satildeo largamente impliacutecitos mdash podem ser precursores na aquisiccedilatildeo de conceitos cientiacuteficos e portanto devem ser identificados ie pesquisados Os trabalhos de Sousa (2001) e de Sousa e Faacutevero (2002) no qual a resoluccedilatildeo de problemas em Fiacutesica foi investigada em uma situaccedilatildeo de interlocuccedilatildeo entre um especialista e um novato eacute um exemplo nessa direccedilatildeo Costa e Moreira (2002) e Escudero e Moreira (2002) tambeacutem estatildeo trabalhando em resoluccedilatildeo de problemas em Fiacutesica e procurando interpretar as dificuldades dos alunos na construccedilatildeo de modelos mentais do enunciado agrave luz de aspectos da teoria dos campos conceituais

O estudo da aprendizagem de conceitos fiacutesicos tambeacutem pode ser feito no referencial teoacuterico de Vergnaud Para ele satildeo as situaccedilotildees que datildeo sentido ao conceito os invariantes operatoacuterios que constituem seu significado e as representaccedilotildees simboacutelicas o seu significante Portanto como sugere Vergnaud eacute preciso identificar e classificar situaccedilotildees adequadas agrave aprendizagem de determinado conceito pesquisar os invariantes operatoacuterios usados pelos alunos e procurar entender como por que e quando uma certa representaccedilatildeo simboacutelica pode ajudar na conceitualizaccedilatildeo O trabalho de Lemeignan e Weil-Barais (1994) eacute talvez pioneiro nessa linha As pesquisas de Stipcich e Moreira (2002) sobre o conceito de interaccedilatildeo e de Moreira e Sousa (2002) a respeito do conceito de potencial eleacutetrico estatildeo usando o referencial de Vergnaud para interpretar as dificuldades dos alunos na aprendizagem significativa desses conceitos

Obviamente a teoria dos campos conceituais pode tambeacutem ser usada como referente teoacuterico em pesquisas sobre mudanccedila conceitual De um modo geral pode-se dizer que essa teoria eacute potencialmente uacutetil na anaacutelise das dificuldades dos alunos na resoluccedilatildeo de problemas em ciecircncias na aprendizagem de conceitos cientiacuteficos e na mudanccedila conceitual

Uma vez identificadas tais dificuldades essa mesma teoria pode ajudar no delineamento de estrateacutegias ou melhor na seleccedilatildeo de situaccedilotildees instrucionais que possam ajudar na progressiva superaccedilatildeo de tais dificuldades ou em outras palavras no progressivo (e lento) domiacutenio do(s) campo(s) conceitual(is) envolvido(s) Esse domiacutenio progressivo implica capacidade de resolver problemas conceitualizaccedilatildeo e mudanccedila (evoluccedilatildeo) conceitual

Natildeo tatildeo oacutebvia eacute a possibilidade de investigar questotildees como a modelagem mental no referencial de Vergnaud poreacutem uma vez aceita a compatibilidade aludida na seccedilatildeo anterior entre a teoria dos modelos mentais e a teoria dos campos conceituais tal possibilidade decorre naturalmente Enfim a potencialidade do uso da teoria de Vergnaud na pesquisa e ensino de ciecircncias parece ser grande Nesta seccedilatildeo foram apenas aventadas possibilidades e referidos alguns estudos

Conclusatildeo

Este trabalho teve por objetivo descrever a teoria dos campos conceituais de Geacuterard Vergnaud particularmente para uma audiecircncia de professores e pesquisadores em ensino de ciecircncias Essa teoria eacute bastante conhecida na aacuterea da educaccedilatildeo matemaacutetica poreacutem relativamente pouco no campo da educaccedilatildeo em ciecircncias e justamente por isso foi objeto deste texto

Trata-se de uma teoria de base piagetiana mas que afasta-se bastante de Piaget ao tomar como referecircncia o proacuteprio conteuacutedo do conhecimento e a anaacutelise conceitual do progressivo domiacutenio desse conhecimento bem como ao ocupar-se do estudo do desenvolvimento cognitivo do sujeito-em-situaccedilatildeo ao inveacutes de operaccedilotildees loacutegicas gerais de estruturas gerais do pensamento Ao fazer isso a teoria de Vergnaud apresenta um grande potencial para descrever analisar e interpretar aquilo que se passa em sala de aula na aprendizagem de matemaacutetica e ciecircncias Provavelmente esse tipo de teoria eacute o de maior utilidade para fundamentar o ensino e a pesquisa em ensino nessa aacuterea

Aleacutem de descrever a teoria propriamente dita procurou-se neste texto estabelecer elos com a teoria da aprendizagem significativa de Ausubel (outra ldquoteoria de sala de aulardquo) e com a recente teoria dos modelos mentais de Johnson-Laird assim como destacar implicaccedilotildees para o ensino e para a pesquisa em ensino de ciecircncias

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Vergnaud G (1990) La theacuteorie des champs conceptuels Recherches en Didactique des Matheacutematiques 10 (23) 133-170

Vergnaud G et al (1990) Epistemology and psychology of mathematics education In Nesher P amp Kilpatrick J (Eds) Mathematics and cognition A research synthesis by International Group for the Psychology of Mathematics Education Cambridge Cambridge University Press

Vergnaud G (1993) Teoria dos campos conceituais In Nasser L (Ed) Anais do 1ordm Seminaacuterio Internacional de Educaccedilatildeo Matemaacutetica do Rio de Janeiro p 1-26

Vergnaud G (1994) Multiplicative conceptual field what and why In Guershon H and Confrey J (1994) (Eds) The development of multiplicative reasoning in the learning of mathematics Albany NY State University of New York Press pp 41-59

Vergnaud G (1996a) Education the best part of Piagets heritage Swiss Journal of Psychology 55(23) 112-118

Vergnaud G (1996b) A trama dos campos conceituais na construccedilatildeo dos conhecimentos Revista do GEMPA Porto Alegre Nordm 4 9-19

Vergnaud g (1996c) Algunas ideas fundamentales de Piaget en torno a la didaacutectica Perspectivas 26(10) 195-207

Vergnaud G (1997) The nature of mathematical concepts In Nunes T amp Bryant P (Eds) Learning and teaching mathematics an international perspective Hove (East Sussex) Psychology Press Ltd

Vergnaud G (1998) A comprehensive theory of representation for mathematics education Journal of Mathematical Behavior 17(2) 167-181

[1] Lembremos que um campo conceitual eacute em primeiro lugar um conjunto de situaccedilotildees (1998 p 141 1990 p 5) cujo domiacutenio requer o domiacutenio de vaacuterios conceitos de naturezas distintas (volta para o texto) [2] A ponte entre a teoria de Vergnaud e a teoria dos modelos mentais de Johnson-Laird feita nesta seccedilatildeo estaacute bem mais elaborada no trabalho ldquoAleacutem da detecccedilatildeo de modelos mentais dos estudantes Uma proposta representacional integradorardquo de Ileana Greca e Marco Antonio Moreira (volta para o texto)

Page 21: A Teoria Dos Campos Conceituais de Vergnaud

termos de invariantes operatoacuterios quer dizer em termos de quais os conceitos e teoremas-em-accedilatildeo que os estudantes estariam usando na resoluccedilatildeo de problemas e de quatildeo distantes estariam dos conceitos e teoremas cientiacuteficos adequados agrave resoluccedilatildeo do problema em pauta

Representaccedilotildees[2]

No tripleto C (S I R) que define conceito (p 4 deste trabalho) Vergnaud dizia que S (o conjunto de situaccedilotildees que datildeo sentido ao conceito) eacute a realidade e (I R) a representaccedilatildeo dessa realidade que pode ser considerada como dois aspectos interagentes do pensamento o significado (I) e o significante (R)

Isso sugere que inicialmente Vergnaud usava o termo representaccedilatildeo como sendo o de um sistema simboacutelico que significaria algo para o sujeito um sistema de signos e uma sintaxe ou operaccedilotildees sobre elementos do sistema Para ele conceitos e siacutembolos eram duas faces da mesma moeda e devia-se sempre dar atenccedilatildeo ao uso que os alunos faziam dos siacutembolos agrave luz do uso que faziam dos conceitos Quer dizer a habilidade em resolver situaccedilotildees em linguagem natural seria o melhor criteacuterio para aquisiccedilatildeo de conceitos mas por outro lado a simbolizaccedilatildeo ajudaria nisso (1982 p 57) Assim como haacute problemas mais facilmente resolviacuteveis do que outros ou procedimentos mais faacuteceis do que outros haveria representaccedilotildees simboacutelicas mais potentes do que outras equaccedilotildees por exemplo seriam mais potentes que diagramas de Euler-Venn Todavia tais equaccedilotildees deveriam representar situaccedilotildees significativas

Poreacutem em outro trabalho mais recente (1998 p 173) Vergnaud fala em teorias de representaccedilotildees e diz que para ser uacutetil uma teoria dessas deve conter a ideacuteia de que as representaccedilotildees ofereccedilam possibilidades de inferecircncia ie que elas nos tornem capazes de antecipar eventos futuros e gerar condutas para chegar a algum efeito positivo ou evitar algum efeito negativo

Diz ele (op cit p 174) que temos representaccedilotildees computaacuteveis para gestos e accedilotildees sobre o mundo fiacutesico bem como para comportamentos verbais e para interaccedilotildees sociais Tais representaccedilotildees podem ser corretas ou erradas vagas ou precisas expliacutecitas ou totalmente impliacutecitas em qualquer caso elas funcionam como substitutos computaacuteveis da realidade e portanto satildeo feitas de teoremas-em-accedilatildeo proposiccedilotildees tidas como verdadeiras

A construccedilatildeo do conhecimento consiste entatildeo na progressiva construccedilatildeo de representaccedilotildees mentais que satildeo homomoacuterficas agrave realidade para alguns aspectos e para outros natildeo (1990 p 22) Por um lado a representaccedilatildeo eacute ativa pragmaacutetica e operacional por outro eacute discursiva teoacuterica e simboacutelica (ibid) Mas haacute importantes lacunas entre o que estaacute representado na mente de um indiviacuteduo e o significado usual das palavras e outros signos pois sistemas linguumliacutesticos e semioacuteticos natildeo tecircm por finalidade expressar exatamente o que cada indiviacuteduo tem em mente quando enfrenta uma situaccedilatildeo selecionando e processando a informaccedilatildeo (1998 p 176) Para Vergnaud a relaccedilatildeo entre situaccedilotildees e esquemas eacute a fonte primaacuteria da representaccedilatildeo mas sua teoria afasta-se muito da visatildeo de que um objeto pode ser representado mentalmente de maneira natildeo ambiacutegua atraveacutes de

siacutembolos Por maior que seja (e eacute grande) o papel dos siacutembolos no pensamento o conhecimento natildeo eacute em essecircncia simboacutelico O reconhecimento de invariantes em accedilatildeo e percepccedilatildeo e a progressiva construccedilatildeo de objetos e predicados de niacutevel mais alto satildeo aspectos mais essenciais do conhecimento (op cit p 177)

Podemos entatildeo fazer uma ponte entre os significados mais recentes de representaccedilatildeo na teoria de Vergnaud e a teoria tambeacutem recente dos modelos mentais (Johnson-Laird 1983 Moreira 1996) Dizer que temos representaccedilotildees computaacuteveis para gestos e accedilotildees sobre o mundo fiacutesico para comportamentos verbais e para interaccedilotildees sociais e que tais representaccedilotildees -- que podem ser corretas ou erradas vagas ou precisas expliacutecitas ou (principalmente) impliacutecitas -- permitem fazer inferecircncias eacute praticamente dizer que tais representaccedilotildees satildeo modelos mentais Johnson-Laird define modelos mentais como anaacutelogos estruturais de estados de coisas do mundo Satildeo instrumentos de compreensatildeo e inferecircncia Quando nos defrontamos com uma situaccedilatildeo nova construiacutemos um modelo mental para entendecirc-la descrevecirc-la e prever o que vai acontecer Este modelo pode ser correto ou natildeo (no sentido de que suas previsotildees natildeo satildeo corretas cientificamente) pode ser vago confuso incompleto mas eacute sobretudo funcional para seus construtor e pode ser modificado recursivamente ateacute atingir tal funcionalidade

Modelos mentais podem ser basicamente proposicionais ie constituiacutedos principalmente de proposiccedilotildees ou basicamente imagiacutesticos ou seja construiacutedos predominantemente com imagens ou ainda hiacutebridos quer dizer formados por proposiccedilotildees e imagens (Greca e Moreira 1997) Entatildeo as proposiccedilotildees constituintes dos modelos mentais podem ser interpretadas como teoremas-em-accedilatildeo de Vergnaud Como ele mesmo diz as representaccedilotildees funcionam como substitutos computaacuteveis da realidade e portanto satildeo feitas de teoremas-em-accedilatildeo Com o progressivo domiacutenio de um campo conceitual os teoremas-em-accedilatildeo (grandemente impliacutecitos) vatildeo se aproximando de teoremas cientiacuteficos (proposiccedilotildees expliacutecitas) Analogamente agrave medida que o sujeito adquire mais conhecimentos cientiacuteficos seus modelos mentais aproximam-se (no sentido de que permitem dar significados cientificamente aceitos) dos modelos cientiacuteficos

Pode-se assim dizer que os modelos mentais de Johnson-Laird contecircm aquilo que Vergnaud chama de teoremas-em-accedilatildeo ou seja proposiccedilotildees tidas como verdadeiras sobre o real Mas esta aparente compatibilidade entre as duas teorias pode ir aleacutem pois os conceitos-em-accedilatildeo de Vergnaud tambeacutem podem integrar modelos mentais Conceitos-em-accedilatildeo satildeo objetos predicados ou categorias de pensamento tidos como pertinentes relevantes agrave situaccedilatildeo Analogamente segundo o princiacutepio do construtivismo (Johnson-Laird 1983 p 398) um modelo mental eacute construiacutedo a partir de sinais (tokens) dispostos em uma estrutura particular para representar em certo estado de coisas (isto eacute uma certa situaccedilatildeo) Se interpretaacutessemos esses sinais (tokens) como objetos predicados ou categorias de pensamento pertinentes dir-se-ia que os modelos mentais contecircm tambeacutem conceitos-em-accedilatildeo

Contudo eacute importante natildeo confundir modelos mentais com esquemas de assimilaccedilatildeo Para Vergnaud os invariantes operatoacuterios (teoremas e conceitos-em-accedilatildeo) satildeo componentes essenciais dos esquemas e acabamos de dizer que os modelos mentais contecircm proposiccedilotildees e sinais (tokens) que podem ser interpretados como invariantes operatoacuterios mas ainda

assim modelos mentais e esquemas satildeo construtos distintos Modelo mental eacute instrumento de compreensatildeo construiacutedo no momento da compreensatildeo e descartaacutevel se for alcanccedilada (para o construtor) a funcionalidade desejada (ou seja a compreensatildeo mesmo que natildeo compartilhada cientificamente) Esquema de assimilaccedilatildeo eacute segundo Vergnaud a organizaccedilatildeo invariante do comportamento para uma determinada classe de situaccedilotildees Portanto esquemas de assimilaccedilatildeo satildeo mais estaacuteveis o sujeito constroacutei determinado esquema e o utiliza para assimilar uma certa classe de situaccedilotildees ou seja usa sempre o mesmo esquema para cada situaccedilatildeo dessa classe Mas frente a uma situaccedilatildeo nova eacute preciso acomodar ou seja construir um novo esquema de assimilaccedilatildeo e eacute exatamente aiacute que parece encaixar bem a ideacuteia de modelo mental para compreender uma nova situaccedilatildeo o sujeito constroacutei inicialmente um modelo mental (que como foi dito pode conter invariantes operatoacuterios) natildeo um esquema de assimilaccedilatildeo Na medida em que a nova situaccedilatildeo deixa de ser nova e passa a ser rotineira o modelo mental evolui para esquema de assimilaccedilatildeo quer dizer se estabiliza Mas isso natildeo quer dizer que todo modelo mental venha a se transformar em esquema de assimilaccedilatildeo Modelos mentais satildeo recursivos o que significa que vatildeo sendo construiacutedos e modificados quase que simultaneamente ateacute que se tornem funcionais quando entatildeo podem ser descartados ou talvez ldquoguardadosrdquo ateacute que se tornem esquemas de assimilaccedilatildeo Trata-se ao que parece de um bom assunto para pesquisar

Pesquisa

Como uacuteltimo toacutepico deste texto abordar-se-aacute a pesquisa em ensino de ciecircncias no referencial da teoria dos campos conceituais Vejamos primeiramente no entanto o que diz Vergnaud sobre a pesquisa em campos conceituais

Segundo ele (1988 p 149) a abordagem canocircnica ao estudo de um campo conceitual envolve identificar e classificar situaccedilotildees e entatildeo coletar dados sobre procedimentos e outras maneiras atraveacutes das quais os estudantes expressam seu raciociacutenio Um ciclo de pesquisa inicia com a identificaccedilatildeo de niacuteveis de objetos relaccedilotildees e teoremas-em-accedilatildeo O ciclo continua entatildeo com o delineamento de situaccedilotildees e materiais e sua experimentaccedilatildeo com alunos completando-se com a construccedilatildeo de representaccedilotildees simboacutelicas atraveacutes da observaccedilatildeo e anaacutelise dos diferentes fenocircmenos que ocorrem (ibid) Comeccedila entatildeo um segundo ciclo para melhorar o primeiro e assim sucessivamente O estudo do domiacutenio de certos campos conceituais eacute um programa de longo prazo que dificilmente pode ser feito por um pesquisador isolado ou mesmo por um grupo de pesquisa isolado

Portanto o primeiro passo para estudar o progressivo domiacutenio de um campo conceitual por parte do aluno eacute identificar e classificar situaccedilotildees Mas isso envolve duas ideacuteias principais diversidade e histoacuteria Ou seja existe uma grande variedade de situaccedilotildees em um dado campo conceitual e as aprendizagens dos alunos satildeo moldadas pelas situaccedilotildees com as quais se depararam e progressivamente dominaram particularmente as primeiras suscetiacuteveis de dar sentido aos conceitos e procedimentos que lhes queremos ensinar (1990 p 150) A combinaccedilatildeo dessas duas ideacuteias dificulta o trabalho do pesquisador em ensino porque a primeira o dirige para a anaacutelise para a decomposiccedilatildeo em elementos simples e para as possiacuteveis combinaccedilotildees de situaccedilotildees enquanto que a segunda o orienta para a busca de

situaccedilotildees funcionais quase sempre compostas de vaacuterias relaccedilotildees cuja importacircncia relativa estaacute largamente ligada agrave frequumlecircncia com que satildeo encontradas (ibid)

Em outras palavras o estudo psicogeneacutetico da aquisiccedilatildeo de um campo conceitual implica a anaacutelise em termos relacionais e hieraacuterquicos das diferentes classes de problemas que podem ser propostos aos alunos Implica tambeacutem o estudo dos distintos procedimentos e representaccedilotildees simboacutelicas que o aprendiz utiliza (1982 p 40) Em relaccedilatildeo agraves representaccedilotildees Vergnaud diz (1994 p 43) que eacute uma tarefa essencial teoacuterica e empiacuterica dos pesquisadores entender por que uma certa representaccedilatildeo simboacutelica particular pode ser uacutetil e sob quais condiccedilotildees e quando e por que pode ser proveitosamente substituiacuteda por outra mais abstrata e geral

Embora Vergnaud e vaacuterios pesquisadores que trabalham sob o referencial de sua teoria tenham se dedicado principalmente agrave pesquisa em educaccedilatildeo matemaacutetica e em particular ao estudo dos campos conceituais das estruturas aditivas e multiplicativas essa abordagem agrave pesquisa certamente se aplica ao ensino de ciecircncias ou agrave educaccedilatildeo em ciecircncias se preferirmos esta terminologia Na resoluccedilatildeo de problemas por exemplo pode-se analisar as dificuldades dos alunos em termos de invariantes operatoacuterios Quer dizer os alunos muitas vezes resolvem problemas usando conhecimentos-em-accedilatildeo que podem ateacute conduzi-los agrave uma soluccedilatildeo satisfatoacuteria para uma certa situaccedilatildeo mas que natildeo funcionam para outra situaccedilatildeo ligeiramente diferente da primeira porque tais conhecimentos natildeo satildeo cientiacuteficos e tampouco constituem um esquema de assimilaccedilatildeo que pode ser aplicado a uma classe de situaccedilotildees Por outro lado tais conhecimentos-em-accedilatildeo mdash que satildeo largamente impliacutecitos mdash podem ser precursores na aquisiccedilatildeo de conceitos cientiacuteficos e portanto devem ser identificados ie pesquisados Os trabalhos de Sousa (2001) e de Sousa e Faacutevero (2002) no qual a resoluccedilatildeo de problemas em Fiacutesica foi investigada em uma situaccedilatildeo de interlocuccedilatildeo entre um especialista e um novato eacute um exemplo nessa direccedilatildeo Costa e Moreira (2002) e Escudero e Moreira (2002) tambeacutem estatildeo trabalhando em resoluccedilatildeo de problemas em Fiacutesica e procurando interpretar as dificuldades dos alunos na construccedilatildeo de modelos mentais do enunciado agrave luz de aspectos da teoria dos campos conceituais

O estudo da aprendizagem de conceitos fiacutesicos tambeacutem pode ser feito no referencial teoacuterico de Vergnaud Para ele satildeo as situaccedilotildees que datildeo sentido ao conceito os invariantes operatoacuterios que constituem seu significado e as representaccedilotildees simboacutelicas o seu significante Portanto como sugere Vergnaud eacute preciso identificar e classificar situaccedilotildees adequadas agrave aprendizagem de determinado conceito pesquisar os invariantes operatoacuterios usados pelos alunos e procurar entender como por que e quando uma certa representaccedilatildeo simboacutelica pode ajudar na conceitualizaccedilatildeo O trabalho de Lemeignan e Weil-Barais (1994) eacute talvez pioneiro nessa linha As pesquisas de Stipcich e Moreira (2002) sobre o conceito de interaccedilatildeo e de Moreira e Sousa (2002) a respeito do conceito de potencial eleacutetrico estatildeo usando o referencial de Vergnaud para interpretar as dificuldades dos alunos na aprendizagem significativa desses conceitos

Obviamente a teoria dos campos conceituais pode tambeacutem ser usada como referente teoacuterico em pesquisas sobre mudanccedila conceitual De um modo geral pode-se dizer que essa teoria eacute potencialmente uacutetil na anaacutelise das dificuldades dos alunos na resoluccedilatildeo de problemas em ciecircncias na aprendizagem de conceitos cientiacuteficos e na mudanccedila conceitual

Uma vez identificadas tais dificuldades essa mesma teoria pode ajudar no delineamento de estrateacutegias ou melhor na seleccedilatildeo de situaccedilotildees instrucionais que possam ajudar na progressiva superaccedilatildeo de tais dificuldades ou em outras palavras no progressivo (e lento) domiacutenio do(s) campo(s) conceitual(is) envolvido(s) Esse domiacutenio progressivo implica capacidade de resolver problemas conceitualizaccedilatildeo e mudanccedila (evoluccedilatildeo) conceitual

Natildeo tatildeo oacutebvia eacute a possibilidade de investigar questotildees como a modelagem mental no referencial de Vergnaud poreacutem uma vez aceita a compatibilidade aludida na seccedilatildeo anterior entre a teoria dos modelos mentais e a teoria dos campos conceituais tal possibilidade decorre naturalmente Enfim a potencialidade do uso da teoria de Vergnaud na pesquisa e ensino de ciecircncias parece ser grande Nesta seccedilatildeo foram apenas aventadas possibilidades e referidos alguns estudos

Conclusatildeo

Este trabalho teve por objetivo descrever a teoria dos campos conceituais de Geacuterard Vergnaud particularmente para uma audiecircncia de professores e pesquisadores em ensino de ciecircncias Essa teoria eacute bastante conhecida na aacuterea da educaccedilatildeo matemaacutetica poreacutem relativamente pouco no campo da educaccedilatildeo em ciecircncias e justamente por isso foi objeto deste texto

Trata-se de uma teoria de base piagetiana mas que afasta-se bastante de Piaget ao tomar como referecircncia o proacuteprio conteuacutedo do conhecimento e a anaacutelise conceitual do progressivo domiacutenio desse conhecimento bem como ao ocupar-se do estudo do desenvolvimento cognitivo do sujeito-em-situaccedilatildeo ao inveacutes de operaccedilotildees loacutegicas gerais de estruturas gerais do pensamento Ao fazer isso a teoria de Vergnaud apresenta um grande potencial para descrever analisar e interpretar aquilo que se passa em sala de aula na aprendizagem de matemaacutetica e ciecircncias Provavelmente esse tipo de teoria eacute o de maior utilidade para fundamentar o ensino e a pesquisa em ensino nessa aacuterea

Aleacutem de descrever a teoria propriamente dita procurou-se neste texto estabelecer elos com a teoria da aprendizagem significativa de Ausubel (outra ldquoteoria de sala de aulardquo) e com a recente teoria dos modelos mentais de Johnson-Laird assim como destacar implicaccedilotildees para o ensino e para a pesquisa em ensino de ciecircncias

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Vergnaud G (1996b) A trama dos campos conceituais na construccedilatildeo dos conhecimentos Revista do GEMPA Porto Alegre Nordm 4 9-19

Vergnaud g (1996c) Algunas ideas fundamentales de Piaget en torno a la didaacutectica Perspectivas 26(10) 195-207

Vergnaud G (1997) The nature of mathematical concepts In Nunes T amp Bryant P (Eds) Learning and teaching mathematics an international perspective Hove (East Sussex) Psychology Press Ltd

Vergnaud G (1998) A comprehensive theory of representation for mathematics education Journal of Mathematical Behavior 17(2) 167-181

[1] Lembremos que um campo conceitual eacute em primeiro lugar um conjunto de situaccedilotildees (1998 p 141 1990 p 5) cujo domiacutenio requer o domiacutenio de vaacuterios conceitos de naturezas distintas (volta para o texto) [2] A ponte entre a teoria de Vergnaud e a teoria dos modelos mentais de Johnson-Laird feita nesta seccedilatildeo estaacute bem mais elaborada no trabalho ldquoAleacutem da detecccedilatildeo de modelos mentais dos estudantes Uma proposta representacional integradorardquo de Ileana Greca e Marco Antonio Moreira (volta para o texto)

Page 22: A Teoria Dos Campos Conceituais de Vergnaud

siacutembolos Por maior que seja (e eacute grande) o papel dos siacutembolos no pensamento o conhecimento natildeo eacute em essecircncia simboacutelico O reconhecimento de invariantes em accedilatildeo e percepccedilatildeo e a progressiva construccedilatildeo de objetos e predicados de niacutevel mais alto satildeo aspectos mais essenciais do conhecimento (op cit p 177)

Podemos entatildeo fazer uma ponte entre os significados mais recentes de representaccedilatildeo na teoria de Vergnaud e a teoria tambeacutem recente dos modelos mentais (Johnson-Laird 1983 Moreira 1996) Dizer que temos representaccedilotildees computaacuteveis para gestos e accedilotildees sobre o mundo fiacutesico para comportamentos verbais e para interaccedilotildees sociais e que tais representaccedilotildees -- que podem ser corretas ou erradas vagas ou precisas expliacutecitas ou (principalmente) impliacutecitas -- permitem fazer inferecircncias eacute praticamente dizer que tais representaccedilotildees satildeo modelos mentais Johnson-Laird define modelos mentais como anaacutelogos estruturais de estados de coisas do mundo Satildeo instrumentos de compreensatildeo e inferecircncia Quando nos defrontamos com uma situaccedilatildeo nova construiacutemos um modelo mental para entendecirc-la descrevecirc-la e prever o que vai acontecer Este modelo pode ser correto ou natildeo (no sentido de que suas previsotildees natildeo satildeo corretas cientificamente) pode ser vago confuso incompleto mas eacute sobretudo funcional para seus construtor e pode ser modificado recursivamente ateacute atingir tal funcionalidade

Modelos mentais podem ser basicamente proposicionais ie constituiacutedos principalmente de proposiccedilotildees ou basicamente imagiacutesticos ou seja construiacutedos predominantemente com imagens ou ainda hiacutebridos quer dizer formados por proposiccedilotildees e imagens (Greca e Moreira 1997) Entatildeo as proposiccedilotildees constituintes dos modelos mentais podem ser interpretadas como teoremas-em-accedilatildeo de Vergnaud Como ele mesmo diz as representaccedilotildees funcionam como substitutos computaacuteveis da realidade e portanto satildeo feitas de teoremas-em-accedilatildeo Com o progressivo domiacutenio de um campo conceitual os teoremas-em-accedilatildeo (grandemente impliacutecitos) vatildeo se aproximando de teoremas cientiacuteficos (proposiccedilotildees expliacutecitas) Analogamente agrave medida que o sujeito adquire mais conhecimentos cientiacuteficos seus modelos mentais aproximam-se (no sentido de que permitem dar significados cientificamente aceitos) dos modelos cientiacuteficos

Pode-se assim dizer que os modelos mentais de Johnson-Laird contecircm aquilo que Vergnaud chama de teoremas-em-accedilatildeo ou seja proposiccedilotildees tidas como verdadeiras sobre o real Mas esta aparente compatibilidade entre as duas teorias pode ir aleacutem pois os conceitos-em-accedilatildeo de Vergnaud tambeacutem podem integrar modelos mentais Conceitos-em-accedilatildeo satildeo objetos predicados ou categorias de pensamento tidos como pertinentes relevantes agrave situaccedilatildeo Analogamente segundo o princiacutepio do construtivismo (Johnson-Laird 1983 p 398) um modelo mental eacute construiacutedo a partir de sinais (tokens) dispostos em uma estrutura particular para representar em certo estado de coisas (isto eacute uma certa situaccedilatildeo) Se interpretaacutessemos esses sinais (tokens) como objetos predicados ou categorias de pensamento pertinentes dir-se-ia que os modelos mentais contecircm tambeacutem conceitos-em-accedilatildeo

Contudo eacute importante natildeo confundir modelos mentais com esquemas de assimilaccedilatildeo Para Vergnaud os invariantes operatoacuterios (teoremas e conceitos-em-accedilatildeo) satildeo componentes essenciais dos esquemas e acabamos de dizer que os modelos mentais contecircm proposiccedilotildees e sinais (tokens) que podem ser interpretados como invariantes operatoacuterios mas ainda

assim modelos mentais e esquemas satildeo construtos distintos Modelo mental eacute instrumento de compreensatildeo construiacutedo no momento da compreensatildeo e descartaacutevel se for alcanccedilada (para o construtor) a funcionalidade desejada (ou seja a compreensatildeo mesmo que natildeo compartilhada cientificamente) Esquema de assimilaccedilatildeo eacute segundo Vergnaud a organizaccedilatildeo invariante do comportamento para uma determinada classe de situaccedilotildees Portanto esquemas de assimilaccedilatildeo satildeo mais estaacuteveis o sujeito constroacutei determinado esquema e o utiliza para assimilar uma certa classe de situaccedilotildees ou seja usa sempre o mesmo esquema para cada situaccedilatildeo dessa classe Mas frente a uma situaccedilatildeo nova eacute preciso acomodar ou seja construir um novo esquema de assimilaccedilatildeo e eacute exatamente aiacute que parece encaixar bem a ideacuteia de modelo mental para compreender uma nova situaccedilatildeo o sujeito constroacutei inicialmente um modelo mental (que como foi dito pode conter invariantes operatoacuterios) natildeo um esquema de assimilaccedilatildeo Na medida em que a nova situaccedilatildeo deixa de ser nova e passa a ser rotineira o modelo mental evolui para esquema de assimilaccedilatildeo quer dizer se estabiliza Mas isso natildeo quer dizer que todo modelo mental venha a se transformar em esquema de assimilaccedilatildeo Modelos mentais satildeo recursivos o que significa que vatildeo sendo construiacutedos e modificados quase que simultaneamente ateacute que se tornem funcionais quando entatildeo podem ser descartados ou talvez ldquoguardadosrdquo ateacute que se tornem esquemas de assimilaccedilatildeo Trata-se ao que parece de um bom assunto para pesquisar

Pesquisa

Como uacuteltimo toacutepico deste texto abordar-se-aacute a pesquisa em ensino de ciecircncias no referencial da teoria dos campos conceituais Vejamos primeiramente no entanto o que diz Vergnaud sobre a pesquisa em campos conceituais

Segundo ele (1988 p 149) a abordagem canocircnica ao estudo de um campo conceitual envolve identificar e classificar situaccedilotildees e entatildeo coletar dados sobre procedimentos e outras maneiras atraveacutes das quais os estudantes expressam seu raciociacutenio Um ciclo de pesquisa inicia com a identificaccedilatildeo de niacuteveis de objetos relaccedilotildees e teoremas-em-accedilatildeo O ciclo continua entatildeo com o delineamento de situaccedilotildees e materiais e sua experimentaccedilatildeo com alunos completando-se com a construccedilatildeo de representaccedilotildees simboacutelicas atraveacutes da observaccedilatildeo e anaacutelise dos diferentes fenocircmenos que ocorrem (ibid) Comeccedila entatildeo um segundo ciclo para melhorar o primeiro e assim sucessivamente O estudo do domiacutenio de certos campos conceituais eacute um programa de longo prazo que dificilmente pode ser feito por um pesquisador isolado ou mesmo por um grupo de pesquisa isolado

Portanto o primeiro passo para estudar o progressivo domiacutenio de um campo conceitual por parte do aluno eacute identificar e classificar situaccedilotildees Mas isso envolve duas ideacuteias principais diversidade e histoacuteria Ou seja existe uma grande variedade de situaccedilotildees em um dado campo conceitual e as aprendizagens dos alunos satildeo moldadas pelas situaccedilotildees com as quais se depararam e progressivamente dominaram particularmente as primeiras suscetiacuteveis de dar sentido aos conceitos e procedimentos que lhes queremos ensinar (1990 p 150) A combinaccedilatildeo dessas duas ideacuteias dificulta o trabalho do pesquisador em ensino porque a primeira o dirige para a anaacutelise para a decomposiccedilatildeo em elementos simples e para as possiacuteveis combinaccedilotildees de situaccedilotildees enquanto que a segunda o orienta para a busca de

situaccedilotildees funcionais quase sempre compostas de vaacuterias relaccedilotildees cuja importacircncia relativa estaacute largamente ligada agrave frequumlecircncia com que satildeo encontradas (ibid)

Em outras palavras o estudo psicogeneacutetico da aquisiccedilatildeo de um campo conceitual implica a anaacutelise em termos relacionais e hieraacuterquicos das diferentes classes de problemas que podem ser propostos aos alunos Implica tambeacutem o estudo dos distintos procedimentos e representaccedilotildees simboacutelicas que o aprendiz utiliza (1982 p 40) Em relaccedilatildeo agraves representaccedilotildees Vergnaud diz (1994 p 43) que eacute uma tarefa essencial teoacuterica e empiacuterica dos pesquisadores entender por que uma certa representaccedilatildeo simboacutelica particular pode ser uacutetil e sob quais condiccedilotildees e quando e por que pode ser proveitosamente substituiacuteda por outra mais abstrata e geral

Embora Vergnaud e vaacuterios pesquisadores que trabalham sob o referencial de sua teoria tenham se dedicado principalmente agrave pesquisa em educaccedilatildeo matemaacutetica e em particular ao estudo dos campos conceituais das estruturas aditivas e multiplicativas essa abordagem agrave pesquisa certamente se aplica ao ensino de ciecircncias ou agrave educaccedilatildeo em ciecircncias se preferirmos esta terminologia Na resoluccedilatildeo de problemas por exemplo pode-se analisar as dificuldades dos alunos em termos de invariantes operatoacuterios Quer dizer os alunos muitas vezes resolvem problemas usando conhecimentos-em-accedilatildeo que podem ateacute conduzi-los agrave uma soluccedilatildeo satisfatoacuteria para uma certa situaccedilatildeo mas que natildeo funcionam para outra situaccedilatildeo ligeiramente diferente da primeira porque tais conhecimentos natildeo satildeo cientiacuteficos e tampouco constituem um esquema de assimilaccedilatildeo que pode ser aplicado a uma classe de situaccedilotildees Por outro lado tais conhecimentos-em-accedilatildeo mdash que satildeo largamente impliacutecitos mdash podem ser precursores na aquisiccedilatildeo de conceitos cientiacuteficos e portanto devem ser identificados ie pesquisados Os trabalhos de Sousa (2001) e de Sousa e Faacutevero (2002) no qual a resoluccedilatildeo de problemas em Fiacutesica foi investigada em uma situaccedilatildeo de interlocuccedilatildeo entre um especialista e um novato eacute um exemplo nessa direccedilatildeo Costa e Moreira (2002) e Escudero e Moreira (2002) tambeacutem estatildeo trabalhando em resoluccedilatildeo de problemas em Fiacutesica e procurando interpretar as dificuldades dos alunos na construccedilatildeo de modelos mentais do enunciado agrave luz de aspectos da teoria dos campos conceituais

O estudo da aprendizagem de conceitos fiacutesicos tambeacutem pode ser feito no referencial teoacuterico de Vergnaud Para ele satildeo as situaccedilotildees que datildeo sentido ao conceito os invariantes operatoacuterios que constituem seu significado e as representaccedilotildees simboacutelicas o seu significante Portanto como sugere Vergnaud eacute preciso identificar e classificar situaccedilotildees adequadas agrave aprendizagem de determinado conceito pesquisar os invariantes operatoacuterios usados pelos alunos e procurar entender como por que e quando uma certa representaccedilatildeo simboacutelica pode ajudar na conceitualizaccedilatildeo O trabalho de Lemeignan e Weil-Barais (1994) eacute talvez pioneiro nessa linha As pesquisas de Stipcich e Moreira (2002) sobre o conceito de interaccedilatildeo e de Moreira e Sousa (2002) a respeito do conceito de potencial eleacutetrico estatildeo usando o referencial de Vergnaud para interpretar as dificuldades dos alunos na aprendizagem significativa desses conceitos

Obviamente a teoria dos campos conceituais pode tambeacutem ser usada como referente teoacuterico em pesquisas sobre mudanccedila conceitual De um modo geral pode-se dizer que essa teoria eacute potencialmente uacutetil na anaacutelise das dificuldades dos alunos na resoluccedilatildeo de problemas em ciecircncias na aprendizagem de conceitos cientiacuteficos e na mudanccedila conceitual

Uma vez identificadas tais dificuldades essa mesma teoria pode ajudar no delineamento de estrateacutegias ou melhor na seleccedilatildeo de situaccedilotildees instrucionais que possam ajudar na progressiva superaccedilatildeo de tais dificuldades ou em outras palavras no progressivo (e lento) domiacutenio do(s) campo(s) conceitual(is) envolvido(s) Esse domiacutenio progressivo implica capacidade de resolver problemas conceitualizaccedilatildeo e mudanccedila (evoluccedilatildeo) conceitual

Natildeo tatildeo oacutebvia eacute a possibilidade de investigar questotildees como a modelagem mental no referencial de Vergnaud poreacutem uma vez aceita a compatibilidade aludida na seccedilatildeo anterior entre a teoria dos modelos mentais e a teoria dos campos conceituais tal possibilidade decorre naturalmente Enfim a potencialidade do uso da teoria de Vergnaud na pesquisa e ensino de ciecircncias parece ser grande Nesta seccedilatildeo foram apenas aventadas possibilidades e referidos alguns estudos

Conclusatildeo

Este trabalho teve por objetivo descrever a teoria dos campos conceituais de Geacuterard Vergnaud particularmente para uma audiecircncia de professores e pesquisadores em ensino de ciecircncias Essa teoria eacute bastante conhecida na aacuterea da educaccedilatildeo matemaacutetica poreacutem relativamente pouco no campo da educaccedilatildeo em ciecircncias e justamente por isso foi objeto deste texto

Trata-se de uma teoria de base piagetiana mas que afasta-se bastante de Piaget ao tomar como referecircncia o proacuteprio conteuacutedo do conhecimento e a anaacutelise conceitual do progressivo domiacutenio desse conhecimento bem como ao ocupar-se do estudo do desenvolvimento cognitivo do sujeito-em-situaccedilatildeo ao inveacutes de operaccedilotildees loacutegicas gerais de estruturas gerais do pensamento Ao fazer isso a teoria de Vergnaud apresenta um grande potencial para descrever analisar e interpretar aquilo que se passa em sala de aula na aprendizagem de matemaacutetica e ciecircncias Provavelmente esse tipo de teoria eacute o de maior utilidade para fundamentar o ensino e a pesquisa em ensino nessa aacuterea

Aleacutem de descrever a teoria propriamente dita procurou-se neste texto estabelecer elos com a teoria da aprendizagem significativa de Ausubel (outra ldquoteoria de sala de aulardquo) e com a recente teoria dos modelos mentais de Johnson-Laird assim como destacar implicaccedilotildees para o ensino e para a pesquisa em ensino de ciecircncias

Bibliografia

Ausubel DP Novak JD e Hanesian H (1980) Psicologia educacional Rio de Janeiro Interamericana

Barais AW and Vergnaud G (1990) Students conceptions in physics and mathematics biases and helps In Caverni JP Fabre JM and Gonzalez M (Eds) (1990) Cognitive biases North Holland Elsevier Science Publishers pp 69-84

Costa SSC e Moreira MA (2002) Modelos mentais e resoluccedilatildeo de problemas em Fiacutesica Projeto em andamento

Escudero C e Moreira MA (2002) Inferencias y modelos mentales um estudio en resolucioacuten de problemas acerca de los primeros contenidos de Fiacutesica abordados em el aula por estudiantes de nivel meacutedio Projeto de pesquisa em andamento

Franchi A (1999) Consideraccedilotildees sobre a teoria dos campos conceituais In Alcacircntara Machado SD et al (1999) Educaccedilatildeo Matemaacutetica uma introduccedilatildeo Satildeo Paulo EDUC pp 155-195

Greca IM and Moreira MA (1997) The kinds of mental representations mdash models propositions and images mdash used by college physics students regarding the concept of field International Journal of Science Education 19(6) 711-724

Johnson-Laird P (1993) Mental models Cambridge MA Harvard University Press

Lemeignan G and Weil-Barais A (1994) A developmental approach to cognitive change in mechanics International Journal of Science Education 16(1) 99-120

Moreira MA (1996) Modelos mentais Investigaccedilotildees em Ensino de Ciecircncias 1()

Moreira MA (1999a) Teorias de aprendizagem Satildeo Paulo Editora Pedagoacutegica e Universitaacuteria

Moreira MA (1999b) Aprendizagem significativa Brasiacutelia Editora da UnB

Moreira MA e Sousa CMSG (2002) Dificuldades de alunos de Fiacutesica Geral com o conceito de potencial eleacutetrico Projeto de pesquisa em andamento

Sousa CMSG (2001) A resoluccedilatildeo de problemas e o ensino de Fiacutesica uma anaacutelise psicoloacutegica Tese de doutoramento Instituto de Psicologia Universidade de Brasiacutelia

Sousa CMSG e Faacutevero MH (2002) Um estudo sobre resoluccedilatildeo de problemas em Fiacutesica em situaccedilatildeo de interlocuccedilatildeo entre um especialista e um novato Submetido ao VIII EPEF

Stipcich MS e Moreira MA (2002) El significado del concepto de interaccioacuten en estudiantes de nivel polimodal Projeto de pesquisa em andamento

Vergnaud G (1982) A classification of cognitive tasks and operations of thought involved in addition and subtraction problems In Carpenter T Moser J amp Romberg T (1982) Addition and subtraction A cognitive perspective Hillsdale NJ Lawrence Erlbaum pp 39-59

Vergnaud G (1983a) Quelques problegravemes theoacuteriques de la didactique a propos dun example les structures additives Atelier International dEteacute Reacutecherche en Didactique de la Physique La Londe les Maures Franccedila 26 de junho a 13 de julho

Vergnaud G (1983b) Multiplicative structures In Lesh R and Landau M (Eds) Acquisition of Mathemtics Concepts and Processes New York Academic Press Inc pp 127-174

Vergnaud G (1987) Problem solving and concept development in the learning of mathematics EARLI Second Meeting Tuumlbingen

Vergnaud G (1988) Multiplicative structures In Hiebert H and Behr M (Eds) Research Agenda in Mathematics Education Number Concepts and Operations in the Middle Grades Hillsdale NJ Lawrence Erlbaum pp 141-161

Vergnaud G (1990) La theacuteorie des champs conceptuels Recherches en Didactique des Matheacutematiques 10 (23) 133-170

Vergnaud G et al (1990) Epistemology and psychology of mathematics education In Nesher P amp Kilpatrick J (Eds) Mathematics and cognition A research synthesis by International Group for the Psychology of Mathematics Education Cambridge Cambridge University Press

Vergnaud G (1993) Teoria dos campos conceituais In Nasser L (Ed) Anais do 1ordm Seminaacuterio Internacional de Educaccedilatildeo Matemaacutetica do Rio de Janeiro p 1-26

Vergnaud G (1994) Multiplicative conceptual field what and why In Guershon H and Confrey J (1994) (Eds) The development of multiplicative reasoning in the learning of mathematics Albany NY State University of New York Press pp 41-59

Vergnaud G (1996a) Education the best part of Piagets heritage Swiss Journal of Psychology 55(23) 112-118

Vergnaud G (1996b) A trama dos campos conceituais na construccedilatildeo dos conhecimentos Revista do GEMPA Porto Alegre Nordm 4 9-19

Vergnaud g (1996c) Algunas ideas fundamentales de Piaget en torno a la didaacutectica Perspectivas 26(10) 195-207

Vergnaud G (1997) The nature of mathematical concepts In Nunes T amp Bryant P (Eds) Learning and teaching mathematics an international perspective Hove (East Sussex) Psychology Press Ltd

Vergnaud G (1998) A comprehensive theory of representation for mathematics education Journal of Mathematical Behavior 17(2) 167-181

[1] Lembremos que um campo conceitual eacute em primeiro lugar um conjunto de situaccedilotildees (1998 p 141 1990 p 5) cujo domiacutenio requer o domiacutenio de vaacuterios conceitos de naturezas distintas (volta para o texto) [2] A ponte entre a teoria de Vergnaud e a teoria dos modelos mentais de Johnson-Laird feita nesta seccedilatildeo estaacute bem mais elaborada no trabalho ldquoAleacutem da detecccedilatildeo de modelos mentais dos estudantes Uma proposta representacional integradorardquo de Ileana Greca e Marco Antonio Moreira (volta para o texto)

Page 23: A Teoria Dos Campos Conceituais de Vergnaud

assim modelos mentais e esquemas satildeo construtos distintos Modelo mental eacute instrumento de compreensatildeo construiacutedo no momento da compreensatildeo e descartaacutevel se for alcanccedilada (para o construtor) a funcionalidade desejada (ou seja a compreensatildeo mesmo que natildeo compartilhada cientificamente) Esquema de assimilaccedilatildeo eacute segundo Vergnaud a organizaccedilatildeo invariante do comportamento para uma determinada classe de situaccedilotildees Portanto esquemas de assimilaccedilatildeo satildeo mais estaacuteveis o sujeito constroacutei determinado esquema e o utiliza para assimilar uma certa classe de situaccedilotildees ou seja usa sempre o mesmo esquema para cada situaccedilatildeo dessa classe Mas frente a uma situaccedilatildeo nova eacute preciso acomodar ou seja construir um novo esquema de assimilaccedilatildeo e eacute exatamente aiacute que parece encaixar bem a ideacuteia de modelo mental para compreender uma nova situaccedilatildeo o sujeito constroacutei inicialmente um modelo mental (que como foi dito pode conter invariantes operatoacuterios) natildeo um esquema de assimilaccedilatildeo Na medida em que a nova situaccedilatildeo deixa de ser nova e passa a ser rotineira o modelo mental evolui para esquema de assimilaccedilatildeo quer dizer se estabiliza Mas isso natildeo quer dizer que todo modelo mental venha a se transformar em esquema de assimilaccedilatildeo Modelos mentais satildeo recursivos o que significa que vatildeo sendo construiacutedos e modificados quase que simultaneamente ateacute que se tornem funcionais quando entatildeo podem ser descartados ou talvez ldquoguardadosrdquo ateacute que se tornem esquemas de assimilaccedilatildeo Trata-se ao que parece de um bom assunto para pesquisar

Pesquisa

Como uacuteltimo toacutepico deste texto abordar-se-aacute a pesquisa em ensino de ciecircncias no referencial da teoria dos campos conceituais Vejamos primeiramente no entanto o que diz Vergnaud sobre a pesquisa em campos conceituais

Segundo ele (1988 p 149) a abordagem canocircnica ao estudo de um campo conceitual envolve identificar e classificar situaccedilotildees e entatildeo coletar dados sobre procedimentos e outras maneiras atraveacutes das quais os estudantes expressam seu raciociacutenio Um ciclo de pesquisa inicia com a identificaccedilatildeo de niacuteveis de objetos relaccedilotildees e teoremas-em-accedilatildeo O ciclo continua entatildeo com o delineamento de situaccedilotildees e materiais e sua experimentaccedilatildeo com alunos completando-se com a construccedilatildeo de representaccedilotildees simboacutelicas atraveacutes da observaccedilatildeo e anaacutelise dos diferentes fenocircmenos que ocorrem (ibid) Comeccedila entatildeo um segundo ciclo para melhorar o primeiro e assim sucessivamente O estudo do domiacutenio de certos campos conceituais eacute um programa de longo prazo que dificilmente pode ser feito por um pesquisador isolado ou mesmo por um grupo de pesquisa isolado

Portanto o primeiro passo para estudar o progressivo domiacutenio de um campo conceitual por parte do aluno eacute identificar e classificar situaccedilotildees Mas isso envolve duas ideacuteias principais diversidade e histoacuteria Ou seja existe uma grande variedade de situaccedilotildees em um dado campo conceitual e as aprendizagens dos alunos satildeo moldadas pelas situaccedilotildees com as quais se depararam e progressivamente dominaram particularmente as primeiras suscetiacuteveis de dar sentido aos conceitos e procedimentos que lhes queremos ensinar (1990 p 150) A combinaccedilatildeo dessas duas ideacuteias dificulta o trabalho do pesquisador em ensino porque a primeira o dirige para a anaacutelise para a decomposiccedilatildeo em elementos simples e para as possiacuteveis combinaccedilotildees de situaccedilotildees enquanto que a segunda o orienta para a busca de

situaccedilotildees funcionais quase sempre compostas de vaacuterias relaccedilotildees cuja importacircncia relativa estaacute largamente ligada agrave frequumlecircncia com que satildeo encontradas (ibid)

Em outras palavras o estudo psicogeneacutetico da aquisiccedilatildeo de um campo conceitual implica a anaacutelise em termos relacionais e hieraacuterquicos das diferentes classes de problemas que podem ser propostos aos alunos Implica tambeacutem o estudo dos distintos procedimentos e representaccedilotildees simboacutelicas que o aprendiz utiliza (1982 p 40) Em relaccedilatildeo agraves representaccedilotildees Vergnaud diz (1994 p 43) que eacute uma tarefa essencial teoacuterica e empiacuterica dos pesquisadores entender por que uma certa representaccedilatildeo simboacutelica particular pode ser uacutetil e sob quais condiccedilotildees e quando e por que pode ser proveitosamente substituiacuteda por outra mais abstrata e geral

Embora Vergnaud e vaacuterios pesquisadores que trabalham sob o referencial de sua teoria tenham se dedicado principalmente agrave pesquisa em educaccedilatildeo matemaacutetica e em particular ao estudo dos campos conceituais das estruturas aditivas e multiplicativas essa abordagem agrave pesquisa certamente se aplica ao ensino de ciecircncias ou agrave educaccedilatildeo em ciecircncias se preferirmos esta terminologia Na resoluccedilatildeo de problemas por exemplo pode-se analisar as dificuldades dos alunos em termos de invariantes operatoacuterios Quer dizer os alunos muitas vezes resolvem problemas usando conhecimentos-em-accedilatildeo que podem ateacute conduzi-los agrave uma soluccedilatildeo satisfatoacuteria para uma certa situaccedilatildeo mas que natildeo funcionam para outra situaccedilatildeo ligeiramente diferente da primeira porque tais conhecimentos natildeo satildeo cientiacuteficos e tampouco constituem um esquema de assimilaccedilatildeo que pode ser aplicado a uma classe de situaccedilotildees Por outro lado tais conhecimentos-em-accedilatildeo mdash que satildeo largamente impliacutecitos mdash podem ser precursores na aquisiccedilatildeo de conceitos cientiacuteficos e portanto devem ser identificados ie pesquisados Os trabalhos de Sousa (2001) e de Sousa e Faacutevero (2002) no qual a resoluccedilatildeo de problemas em Fiacutesica foi investigada em uma situaccedilatildeo de interlocuccedilatildeo entre um especialista e um novato eacute um exemplo nessa direccedilatildeo Costa e Moreira (2002) e Escudero e Moreira (2002) tambeacutem estatildeo trabalhando em resoluccedilatildeo de problemas em Fiacutesica e procurando interpretar as dificuldades dos alunos na construccedilatildeo de modelos mentais do enunciado agrave luz de aspectos da teoria dos campos conceituais

O estudo da aprendizagem de conceitos fiacutesicos tambeacutem pode ser feito no referencial teoacuterico de Vergnaud Para ele satildeo as situaccedilotildees que datildeo sentido ao conceito os invariantes operatoacuterios que constituem seu significado e as representaccedilotildees simboacutelicas o seu significante Portanto como sugere Vergnaud eacute preciso identificar e classificar situaccedilotildees adequadas agrave aprendizagem de determinado conceito pesquisar os invariantes operatoacuterios usados pelos alunos e procurar entender como por que e quando uma certa representaccedilatildeo simboacutelica pode ajudar na conceitualizaccedilatildeo O trabalho de Lemeignan e Weil-Barais (1994) eacute talvez pioneiro nessa linha As pesquisas de Stipcich e Moreira (2002) sobre o conceito de interaccedilatildeo e de Moreira e Sousa (2002) a respeito do conceito de potencial eleacutetrico estatildeo usando o referencial de Vergnaud para interpretar as dificuldades dos alunos na aprendizagem significativa desses conceitos

Obviamente a teoria dos campos conceituais pode tambeacutem ser usada como referente teoacuterico em pesquisas sobre mudanccedila conceitual De um modo geral pode-se dizer que essa teoria eacute potencialmente uacutetil na anaacutelise das dificuldades dos alunos na resoluccedilatildeo de problemas em ciecircncias na aprendizagem de conceitos cientiacuteficos e na mudanccedila conceitual

Uma vez identificadas tais dificuldades essa mesma teoria pode ajudar no delineamento de estrateacutegias ou melhor na seleccedilatildeo de situaccedilotildees instrucionais que possam ajudar na progressiva superaccedilatildeo de tais dificuldades ou em outras palavras no progressivo (e lento) domiacutenio do(s) campo(s) conceitual(is) envolvido(s) Esse domiacutenio progressivo implica capacidade de resolver problemas conceitualizaccedilatildeo e mudanccedila (evoluccedilatildeo) conceitual

Natildeo tatildeo oacutebvia eacute a possibilidade de investigar questotildees como a modelagem mental no referencial de Vergnaud poreacutem uma vez aceita a compatibilidade aludida na seccedilatildeo anterior entre a teoria dos modelos mentais e a teoria dos campos conceituais tal possibilidade decorre naturalmente Enfim a potencialidade do uso da teoria de Vergnaud na pesquisa e ensino de ciecircncias parece ser grande Nesta seccedilatildeo foram apenas aventadas possibilidades e referidos alguns estudos

Conclusatildeo

Este trabalho teve por objetivo descrever a teoria dos campos conceituais de Geacuterard Vergnaud particularmente para uma audiecircncia de professores e pesquisadores em ensino de ciecircncias Essa teoria eacute bastante conhecida na aacuterea da educaccedilatildeo matemaacutetica poreacutem relativamente pouco no campo da educaccedilatildeo em ciecircncias e justamente por isso foi objeto deste texto

Trata-se de uma teoria de base piagetiana mas que afasta-se bastante de Piaget ao tomar como referecircncia o proacuteprio conteuacutedo do conhecimento e a anaacutelise conceitual do progressivo domiacutenio desse conhecimento bem como ao ocupar-se do estudo do desenvolvimento cognitivo do sujeito-em-situaccedilatildeo ao inveacutes de operaccedilotildees loacutegicas gerais de estruturas gerais do pensamento Ao fazer isso a teoria de Vergnaud apresenta um grande potencial para descrever analisar e interpretar aquilo que se passa em sala de aula na aprendizagem de matemaacutetica e ciecircncias Provavelmente esse tipo de teoria eacute o de maior utilidade para fundamentar o ensino e a pesquisa em ensino nessa aacuterea

Aleacutem de descrever a teoria propriamente dita procurou-se neste texto estabelecer elos com a teoria da aprendizagem significativa de Ausubel (outra ldquoteoria de sala de aulardquo) e com a recente teoria dos modelos mentais de Johnson-Laird assim como destacar implicaccedilotildees para o ensino e para a pesquisa em ensino de ciecircncias

Bibliografia

Ausubel DP Novak JD e Hanesian H (1980) Psicologia educacional Rio de Janeiro Interamericana

Barais AW and Vergnaud G (1990) Students conceptions in physics and mathematics biases and helps In Caverni JP Fabre JM and Gonzalez M (Eds) (1990) Cognitive biases North Holland Elsevier Science Publishers pp 69-84

Costa SSC e Moreira MA (2002) Modelos mentais e resoluccedilatildeo de problemas em Fiacutesica Projeto em andamento

Escudero C e Moreira MA (2002) Inferencias y modelos mentales um estudio en resolucioacuten de problemas acerca de los primeros contenidos de Fiacutesica abordados em el aula por estudiantes de nivel meacutedio Projeto de pesquisa em andamento

Franchi A (1999) Consideraccedilotildees sobre a teoria dos campos conceituais In Alcacircntara Machado SD et al (1999) Educaccedilatildeo Matemaacutetica uma introduccedilatildeo Satildeo Paulo EDUC pp 155-195

Greca IM and Moreira MA (1997) The kinds of mental representations mdash models propositions and images mdash used by college physics students regarding the concept of field International Journal of Science Education 19(6) 711-724

Johnson-Laird P (1993) Mental models Cambridge MA Harvard University Press

Lemeignan G and Weil-Barais A (1994) A developmental approach to cognitive change in mechanics International Journal of Science Education 16(1) 99-120

Moreira MA (1996) Modelos mentais Investigaccedilotildees em Ensino de Ciecircncias 1()

Moreira MA (1999a) Teorias de aprendizagem Satildeo Paulo Editora Pedagoacutegica e Universitaacuteria

Moreira MA (1999b) Aprendizagem significativa Brasiacutelia Editora da UnB

Moreira MA e Sousa CMSG (2002) Dificuldades de alunos de Fiacutesica Geral com o conceito de potencial eleacutetrico Projeto de pesquisa em andamento

Sousa CMSG (2001) A resoluccedilatildeo de problemas e o ensino de Fiacutesica uma anaacutelise psicoloacutegica Tese de doutoramento Instituto de Psicologia Universidade de Brasiacutelia

Sousa CMSG e Faacutevero MH (2002) Um estudo sobre resoluccedilatildeo de problemas em Fiacutesica em situaccedilatildeo de interlocuccedilatildeo entre um especialista e um novato Submetido ao VIII EPEF

Stipcich MS e Moreira MA (2002) El significado del concepto de interaccioacuten en estudiantes de nivel polimodal Projeto de pesquisa em andamento

Vergnaud G (1982) A classification of cognitive tasks and operations of thought involved in addition and subtraction problems In Carpenter T Moser J amp Romberg T (1982) Addition and subtraction A cognitive perspective Hillsdale NJ Lawrence Erlbaum pp 39-59

Vergnaud G (1983a) Quelques problegravemes theoacuteriques de la didactique a propos dun example les structures additives Atelier International dEteacute Reacutecherche en Didactique de la Physique La Londe les Maures Franccedila 26 de junho a 13 de julho

Vergnaud G (1983b) Multiplicative structures In Lesh R and Landau M (Eds) Acquisition of Mathemtics Concepts and Processes New York Academic Press Inc pp 127-174

Vergnaud G (1987) Problem solving and concept development in the learning of mathematics EARLI Second Meeting Tuumlbingen

Vergnaud G (1988) Multiplicative structures In Hiebert H and Behr M (Eds) Research Agenda in Mathematics Education Number Concepts and Operations in the Middle Grades Hillsdale NJ Lawrence Erlbaum pp 141-161

Vergnaud G (1990) La theacuteorie des champs conceptuels Recherches en Didactique des Matheacutematiques 10 (23) 133-170

Vergnaud G et al (1990) Epistemology and psychology of mathematics education In Nesher P amp Kilpatrick J (Eds) Mathematics and cognition A research synthesis by International Group for the Psychology of Mathematics Education Cambridge Cambridge University Press

Vergnaud G (1993) Teoria dos campos conceituais In Nasser L (Ed) Anais do 1ordm Seminaacuterio Internacional de Educaccedilatildeo Matemaacutetica do Rio de Janeiro p 1-26

Vergnaud G (1994) Multiplicative conceptual field what and why In Guershon H and Confrey J (1994) (Eds) The development of multiplicative reasoning in the learning of mathematics Albany NY State University of New York Press pp 41-59

Vergnaud G (1996a) Education the best part of Piagets heritage Swiss Journal of Psychology 55(23) 112-118

Vergnaud G (1996b) A trama dos campos conceituais na construccedilatildeo dos conhecimentos Revista do GEMPA Porto Alegre Nordm 4 9-19

Vergnaud g (1996c) Algunas ideas fundamentales de Piaget en torno a la didaacutectica Perspectivas 26(10) 195-207

Vergnaud G (1997) The nature of mathematical concepts In Nunes T amp Bryant P (Eds) Learning and teaching mathematics an international perspective Hove (East Sussex) Psychology Press Ltd

Vergnaud G (1998) A comprehensive theory of representation for mathematics education Journal of Mathematical Behavior 17(2) 167-181

[1] Lembremos que um campo conceitual eacute em primeiro lugar um conjunto de situaccedilotildees (1998 p 141 1990 p 5) cujo domiacutenio requer o domiacutenio de vaacuterios conceitos de naturezas distintas (volta para o texto) [2] A ponte entre a teoria de Vergnaud e a teoria dos modelos mentais de Johnson-Laird feita nesta seccedilatildeo estaacute bem mais elaborada no trabalho ldquoAleacutem da detecccedilatildeo de modelos mentais dos estudantes Uma proposta representacional integradorardquo de Ileana Greca e Marco Antonio Moreira (volta para o texto)

Page 24: A Teoria Dos Campos Conceituais de Vergnaud

situaccedilotildees funcionais quase sempre compostas de vaacuterias relaccedilotildees cuja importacircncia relativa estaacute largamente ligada agrave frequumlecircncia com que satildeo encontradas (ibid)

Em outras palavras o estudo psicogeneacutetico da aquisiccedilatildeo de um campo conceitual implica a anaacutelise em termos relacionais e hieraacuterquicos das diferentes classes de problemas que podem ser propostos aos alunos Implica tambeacutem o estudo dos distintos procedimentos e representaccedilotildees simboacutelicas que o aprendiz utiliza (1982 p 40) Em relaccedilatildeo agraves representaccedilotildees Vergnaud diz (1994 p 43) que eacute uma tarefa essencial teoacuterica e empiacuterica dos pesquisadores entender por que uma certa representaccedilatildeo simboacutelica particular pode ser uacutetil e sob quais condiccedilotildees e quando e por que pode ser proveitosamente substituiacuteda por outra mais abstrata e geral

Embora Vergnaud e vaacuterios pesquisadores que trabalham sob o referencial de sua teoria tenham se dedicado principalmente agrave pesquisa em educaccedilatildeo matemaacutetica e em particular ao estudo dos campos conceituais das estruturas aditivas e multiplicativas essa abordagem agrave pesquisa certamente se aplica ao ensino de ciecircncias ou agrave educaccedilatildeo em ciecircncias se preferirmos esta terminologia Na resoluccedilatildeo de problemas por exemplo pode-se analisar as dificuldades dos alunos em termos de invariantes operatoacuterios Quer dizer os alunos muitas vezes resolvem problemas usando conhecimentos-em-accedilatildeo que podem ateacute conduzi-los agrave uma soluccedilatildeo satisfatoacuteria para uma certa situaccedilatildeo mas que natildeo funcionam para outra situaccedilatildeo ligeiramente diferente da primeira porque tais conhecimentos natildeo satildeo cientiacuteficos e tampouco constituem um esquema de assimilaccedilatildeo que pode ser aplicado a uma classe de situaccedilotildees Por outro lado tais conhecimentos-em-accedilatildeo mdash que satildeo largamente impliacutecitos mdash podem ser precursores na aquisiccedilatildeo de conceitos cientiacuteficos e portanto devem ser identificados ie pesquisados Os trabalhos de Sousa (2001) e de Sousa e Faacutevero (2002) no qual a resoluccedilatildeo de problemas em Fiacutesica foi investigada em uma situaccedilatildeo de interlocuccedilatildeo entre um especialista e um novato eacute um exemplo nessa direccedilatildeo Costa e Moreira (2002) e Escudero e Moreira (2002) tambeacutem estatildeo trabalhando em resoluccedilatildeo de problemas em Fiacutesica e procurando interpretar as dificuldades dos alunos na construccedilatildeo de modelos mentais do enunciado agrave luz de aspectos da teoria dos campos conceituais

O estudo da aprendizagem de conceitos fiacutesicos tambeacutem pode ser feito no referencial teoacuterico de Vergnaud Para ele satildeo as situaccedilotildees que datildeo sentido ao conceito os invariantes operatoacuterios que constituem seu significado e as representaccedilotildees simboacutelicas o seu significante Portanto como sugere Vergnaud eacute preciso identificar e classificar situaccedilotildees adequadas agrave aprendizagem de determinado conceito pesquisar os invariantes operatoacuterios usados pelos alunos e procurar entender como por que e quando uma certa representaccedilatildeo simboacutelica pode ajudar na conceitualizaccedilatildeo O trabalho de Lemeignan e Weil-Barais (1994) eacute talvez pioneiro nessa linha As pesquisas de Stipcich e Moreira (2002) sobre o conceito de interaccedilatildeo e de Moreira e Sousa (2002) a respeito do conceito de potencial eleacutetrico estatildeo usando o referencial de Vergnaud para interpretar as dificuldades dos alunos na aprendizagem significativa desses conceitos

Obviamente a teoria dos campos conceituais pode tambeacutem ser usada como referente teoacuterico em pesquisas sobre mudanccedila conceitual De um modo geral pode-se dizer que essa teoria eacute potencialmente uacutetil na anaacutelise das dificuldades dos alunos na resoluccedilatildeo de problemas em ciecircncias na aprendizagem de conceitos cientiacuteficos e na mudanccedila conceitual

Uma vez identificadas tais dificuldades essa mesma teoria pode ajudar no delineamento de estrateacutegias ou melhor na seleccedilatildeo de situaccedilotildees instrucionais que possam ajudar na progressiva superaccedilatildeo de tais dificuldades ou em outras palavras no progressivo (e lento) domiacutenio do(s) campo(s) conceitual(is) envolvido(s) Esse domiacutenio progressivo implica capacidade de resolver problemas conceitualizaccedilatildeo e mudanccedila (evoluccedilatildeo) conceitual

Natildeo tatildeo oacutebvia eacute a possibilidade de investigar questotildees como a modelagem mental no referencial de Vergnaud poreacutem uma vez aceita a compatibilidade aludida na seccedilatildeo anterior entre a teoria dos modelos mentais e a teoria dos campos conceituais tal possibilidade decorre naturalmente Enfim a potencialidade do uso da teoria de Vergnaud na pesquisa e ensino de ciecircncias parece ser grande Nesta seccedilatildeo foram apenas aventadas possibilidades e referidos alguns estudos

Conclusatildeo

Este trabalho teve por objetivo descrever a teoria dos campos conceituais de Geacuterard Vergnaud particularmente para uma audiecircncia de professores e pesquisadores em ensino de ciecircncias Essa teoria eacute bastante conhecida na aacuterea da educaccedilatildeo matemaacutetica poreacutem relativamente pouco no campo da educaccedilatildeo em ciecircncias e justamente por isso foi objeto deste texto

Trata-se de uma teoria de base piagetiana mas que afasta-se bastante de Piaget ao tomar como referecircncia o proacuteprio conteuacutedo do conhecimento e a anaacutelise conceitual do progressivo domiacutenio desse conhecimento bem como ao ocupar-se do estudo do desenvolvimento cognitivo do sujeito-em-situaccedilatildeo ao inveacutes de operaccedilotildees loacutegicas gerais de estruturas gerais do pensamento Ao fazer isso a teoria de Vergnaud apresenta um grande potencial para descrever analisar e interpretar aquilo que se passa em sala de aula na aprendizagem de matemaacutetica e ciecircncias Provavelmente esse tipo de teoria eacute o de maior utilidade para fundamentar o ensino e a pesquisa em ensino nessa aacuterea

Aleacutem de descrever a teoria propriamente dita procurou-se neste texto estabelecer elos com a teoria da aprendizagem significativa de Ausubel (outra ldquoteoria de sala de aulardquo) e com a recente teoria dos modelos mentais de Johnson-Laird assim como destacar implicaccedilotildees para o ensino e para a pesquisa em ensino de ciecircncias

Bibliografia

Ausubel DP Novak JD e Hanesian H (1980) Psicologia educacional Rio de Janeiro Interamericana

Barais AW and Vergnaud G (1990) Students conceptions in physics and mathematics biases and helps In Caverni JP Fabre JM and Gonzalez M (Eds) (1990) Cognitive biases North Holland Elsevier Science Publishers pp 69-84

Costa SSC e Moreira MA (2002) Modelos mentais e resoluccedilatildeo de problemas em Fiacutesica Projeto em andamento

Escudero C e Moreira MA (2002) Inferencias y modelos mentales um estudio en resolucioacuten de problemas acerca de los primeros contenidos de Fiacutesica abordados em el aula por estudiantes de nivel meacutedio Projeto de pesquisa em andamento

Franchi A (1999) Consideraccedilotildees sobre a teoria dos campos conceituais In Alcacircntara Machado SD et al (1999) Educaccedilatildeo Matemaacutetica uma introduccedilatildeo Satildeo Paulo EDUC pp 155-195

Greca IM and Moreira MA (1997) The kinds of mental representations mdash models propositions and images mdash used by college physics students regarding the concept of field International Journal of Science Education 19(6) 711-724

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Lemeignan G and Weil-Barais A (1994) A developmental approach to cognitive change in mechanics International Journal of Science Education 16(1) 99-120

Moreira MA (1996) Modelos mentais Investigaccedilotildees em Ensino de Ciecircncias 1()

Moreira MA (1999a) Teorias de aprendizagem Satildeo Paulo Editora Pedagoacutegica e Universitaacuteria

Moreira MA (1999b) Aprendizagem significativa Brasiacutelia Editora da UnB

Moreira MA e Sousa CMSG (2002) Dificuldades de alunos de Fiacutesica Geral com o conceito de potencial eleacutetrico Projeto de pesquisa em andamento

Sousa CMSG (2001) A resoluccedilatildeo de problemas e o ensino de Fiacutesica uma anaacutelise psicoloacutegica Tese de doutoramento Instituto de Psicologia Universidade de Brasiacutelia

Sousa CMSG e Faacutevero MH (2002) Um estudo sobre resoluccedilatildeo de problemas em Fiacutesica em situaccedilatildeo de interlocuccedilatildeo entre um especialista e um novato Submetido ao VIII EPEF

Stipcich MS e Moreira MA (2002) El significado del concepto de interaccioacuten en estudiantes de nivel polimodal Projeto de pesquisa em andamento

Vergnaud G (1982) A classification of cognitive tasks and operations of thought involved in addition and subtraction problems In Carpenter T Moser J amp Romberg T (1982) Addition and subtraction A cognitive perspective Hillsdale NJ Lawrence Erlbaum pp 39-59

Vergnaud G (1983a) Quelques problegravemes theoacuteriques de la didactique a propos dun example les structures additives Atelier International dEteacute Reacutecherche en Didactique de la Physique La Londe les Maures Franccedila 26 de junho a 13 de julho

Vergnaud G (1983b) Multiplicative structures In Lesh R and Landau M (Eds) Acquisition of Mathemtics Concepts and Processes New York Academic Press Inc pp 127-174

Vergnaud G (1987) Problem solving and concept development in the learning of mathematics EARLI Second Meeting Tuumlbingen

Vergnaud G (1988) Multiplicative structures In Hiebert H and Behr M (Eds) Research Agenda in Mathematics Education Number Concepts and Operations in the Middle Grades Hillsdale NJ Lawrence Erlbaum pp 141-161

Vergnaud G (1990) La theacuteorie des champs conceptuels Recherches en Didactique des Matheacutematiques 10 (23) 133-170

Vergnaud G et al (1990) Epistemology and psychology of mathematics education In Nesher P amp Kilpatrick J (Eds) Mathematics and cognition A research synthesis by International Group for the Psychology of Mathematics Education Cambridge Cambridge University Press

Vergnaud G (1993) Teoria dos campos conceituais In Nasser L (Ed) Anais do 1ordm Seminaacuterio Internacional de Educaccedilatildeo Matemaacutetica do Rio de Janeiro p 1-26

Vergnaud G (1994) Multiplicative conceptual field what and why In Guershon H and Confrey J (1994) (Eds) The development of multiplicative reasoning in the learning of mathematics Albany NY State University of New York Press pp 41-59

Vergnaud G (1996a) Education the best part of Piagets heritage Swiss Journal of Psychology 55(23) 112-118

Vergnaud G (1996b) A trama dos campos conceituais na construccedilatildeo dos conhecimentos Revista do GEMPA Porto Alegre Nordm 4 9-19

Vergnaud g (1996c) Algunas ideas fundamentales de Piaget en torno a la didaacutectica Perspectivas 26(10) 195-207

Vergnaud G (1997) The nature of mathematical concepts In Nunes T amp Bryant P (Eds) Learning and teaching mathematics an international perspective Hove (East Sussex) Psychology Press Ltd

Vergnaud G (1998) A comprehensive theory of representation for mathematics education Journal of Mathematical Behavior 17(2) 167-181

[1] Lembremos que um campo conceitual eacute em primeiro lugar um conjunto de situaccedilotildees (1998 p 141 1990 p 5) cujo domiacutenio requer o domiacutenio de vaacuterios conceitos de naturezas distintas (volta para o texto) [2] A ponte entre a teoria de Vergnaud e a teoria dos modelos mentais de Johnson-Laird feita nesta seccedilatildeo estaacute bem mais elaborada no trabalho ldquoAleacutem da detecccedilatildeo de modelos mentais dos estudantes Uma proposta representacional integradorardquo de Ileana Greca e Marco Antonio Moreira (volta para o texto)

Page 25: A Teoria Dos Campos Conceituais de Vergnaud

Uma vez identificadas tais dificuldades essa mesma teoria pode ajudar no delineamento de estrateacutegias ou melhor na seleccedilatildeo de situaccedilotildees instrucionais que possam ajudar na progressiva superaccedilatildeo de tais dificuldades ou em outras palavras no progressivo (e lento) domiacutenio do(s) campo(s) conceitual(is) envolvido(s) Esse domiacutenio progressivo implica capacidade de resolver problemas conceitualizaccedilatildeo e mudanccedila (evoluccedilatildeo) conceitual

Natildeo tatildeo oacutebvia eacute a possibilidade de investigar questotildees como a modelagem mental no referencial de Vergnaud poreacutem uma vez aceita a compatibilidade aludida na seccedilatildeo anterior entre a teoria dos modelos mentais e a teoria dos campos conceituais tal possibilidade decorre naturalmente Enfim a potencialidade do uso da teoria de Vergnaud na pesquisa e ensino de ciecircncias parece ser grande Nesta seccedilatildeo foram apenas aventadas possibilidades e referidos alguns estudos

Conclusatildeo

Este trabalho teve por objetivo descrever a teoria dos campos conceituais de Geacuterard Vergnaud particularmente para uma audiecircncia de professores e pesquisadores em ensino de ciecircncias Essa teoria eacute bastante conhecida na aacuterea da educaccedilatildeo matemaacutetica poreacutem relativamente pouco no campo da educaccedilatildeo em ciecircncias e justamente por isso foi objeto deste texto

Trata-se de uma teoria de base piagetiana mas que afasta-se bastante de Piaget ao tomar como referecircncia o proacuteprio conteuacutedo do conhecimento e a anaacutelise conceitual do progressivo domiacutenio desse conhecimento bem como ao ocupar-se do estudo do desenvolvimento cognitivo do sujeito-em-situaccedilatildeo ao inveacutes de operaccedilotildees loacutegicas gerais de estruturas gerais do pensamento Ao fazer isso a teoria de Vergnaud apresenta um grande potencial para descrever analisar e interpretar aquilo que se passa em sala de aula na aprendizagem de matemaacutetica e ciecircncias Provavelmente esse tipo de teoria eacute o de maior utilidade para fundamentar o ensino e a pesquisa em ensino nessa aacuterea

Aleacutem de descrever a teoria propriamente dita procurou-se neste texto estabelecer elos com a teoria da aprendizagem significativa de Ausubel (outra ldquoteoria de sala de aulardquo) e com a recente teoria dos modelos mentais de Johnson-Laird assim como destacar implicaccedilotildees para o ensino e para a pesquisa em ensino de ciecircncias

Bibliografia

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Costa SSC e Moreira MA (2002) Modelos mentais e resoluccedilatildeo de problemas em Fiacutesica Projeto em andamento

Escudero C e Moreira MA (2002) Inferencias y modelos mentales um estudio en resolucioacuten de problemas acerca de los primeros contenidos de Fiacutesica abordados em el aula por estudiantes de nivel meacutedio Projeto de pesquisa em andamento

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Greca IM and Moreira MA (1997) The kinds of mental representations mdash models propositions and images mdash used by college physics students regarding the concept of field International Journal of Science Education 19(6) 711-724

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Lemeignan G and Weil-Barais A (1994) A developmental approach to cognitive change in mechanics International Journal of Science Education 16(1) 99-120

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Moreira MA (1999b) Aprendizagem significativa Brasiacutelia Editora da UnB

Moreira MA e Sousa CMSG (2002) Dificuldades de alunos de Fiacutesica Geral com o conceito de potencial eleacutetrico Projeto de pesquisa em andamento

Sousa CMSG (2001) A resoluccedilatildeo de problemas e o ensino de Fiacutesica uma anaacutelise psicoloacutegica Tese de doutoramento Instituto de Psicologia Universidade de Brasiacutelia

Sousa CMSG e Faacutevero MH (2002) Um estudo sobre resoluccedilatildeo de problemas em Fiacutesica em situaccedilatildeo de interlocuccedilatildeo entre um especialista e um novato Submetido ao VIII EPEF

Stipcich MS e Moreira MA (2002) El significado del concepto de interaccioacuten en estudiantes de nivel polimodal Projeto de pesquisa em andamento

Vergnaud G (1982) A classification of cognitive tasks and operations of thought involved in addition and subtraction problems In Carpenter T Moser J amp Romberg T (1982) Addition and subtraction A cognitive perspective Hillsdale NJ Lawrence Erlbaum pp 39-59

Vergnaud G (1983a) Quelques problegravemes theoacuteriques de la didactique a propos dun example les structures additives Atelier International dEteacute Reacutecherche en Didactique de la Physique La Londe les Maures Franccedila 26 de junho a 13 de julho

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Vergnaud G (1987) Problem solving and concept development in the learning of mathematics EARLI Second Meeting Tuumlbingen

Vergnaud G (1988) Multiplicative structures In Hiebert H and Behr M (Eds) Research Agenda in Mathematics Education Number Concepts and Operations in the Middle Grades Hillsdale NJ Lawrence Erlbaum pp 141-161

Vergnaud G (1990) La theacuteorie des champs conceptuels Recherches en Didactique des Matheacutematiques 10 (23) 133-170

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Vergnaud G (1996b) A trama dos campos conceituais na construccedilatildeo dos conhecimentos Revista do GEMPA Porto Alegre Nordm 4 9-19

Vergnaud g (1996c) Algunas ideas fundamentales de Piaget en torno a la didaacutectica Perspectivas 26(10) 195-207

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Vergnaud G (1998) A comprehensive theory of representation for mathematics education Journal of Mathematical Behavior 17(2) 167-181

[1] Lembremos que um campo conceitual eacute em primeiro lugar um conjunto de situaccedilotildees (1998 p 141 1990 p 5) cujo domiacutenio requer o domiacutenio de vaacuterios conceitos de naturezas distintas (volta para o texto) [2] A ponte entre a teoria de Vergnaud e a teoria dos modelos mentais de Johnson-Laird feita nesta seccedilatildeo estaacute bem mais elaborada no trabalho ldquoAleacutem da detecccedilatildeo de modelos mentais dos estudantes Uma proposta representacional integradorardquo de Ileana Greca e Marco Antonio Moreira (volta para o texto)

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Costa SSC e Moreira MA (2002) Modelos mentais e resoluccedilatildeo de problemas em Fiacutesica Projeto em andamento

Escudero C e Moreira MA (2002) Inferencias y modelos mentales um estudio en resolucioacuten de problemas acerca de los primeros contenidos de Fiacutesica abordados em el aula por estudiantes de nivel meacutedio Projeto de pesquisa em andamento

Franchi A (1999) Consideraccedilotildees sobre a teoria dos campos conceituais In Alcacircntara Machado SD et al (1999) Educaccedilatildeo Matemaacutetica uma introduccedilatildeo Satildeo Paulo EDUC pp 155-195

Greca IM and Moreira MA (1997) The kinds of mental representations mdash models propositions and images mdash used by college physics students regarding the concept of field International Journal of Science Education 19(6) 711-724

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Lemeignan G and Weil-Barais A (1994) A developmental approach to cognitive change in mechanics International Journal of Science Education 16(1) 99-120

Moreira MA (1996) Modelos mentais Investigaccedilotildees em Ensino de Ciecircncias 1()

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Moreira MA (1999b) Aprendizagem significativa Brasiacutelia Editora da UnB

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Sousa CMSG (2001) A resoluccedilatildeo de problemas e o ensino de Fiacutesica uma anaacutelise psicoloacutegica Tese de doutoramento Instituto de Psicologia Universidade de Brasiacutelia

Sousa CMSG e Faacutevero MH (2002) Um estudo sobre resoluccedilatildeo de problemas em Fiacutesica em situaccedilatildeo de interlocuccedilatildeo entre um especialista e um novato Submetido ao VIII EPEF

Stipcich MS e Moreira MA (2002) El significado del concepto de interaccioacuten en estudiantes de nivel polimodal Projeto de pesquisa em andamento

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Vergnaud G (1983a) Quelques problegravemes theoacuteriques de la didactique a propos dun example les structures additives Atelier International dEteacute Reacutecherche en Didactique de la Physique La Londe les Maures Franccedila 26 de junho a 13 de julho

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Vergnaud G (1987) Problem solving and concept development in the learning of mathematics EARLI Second Meeting Tuumlbingen

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Vergnaud G (1990) La theacuteorie des champs conceptuels Recherches en Didactique des Matheacutematiques 10 (23) 133-170

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Vergnaud G (1996a) Education the best part of Piagets heritage Swiss Journal of Psychology 55(23) 112-118

Vergnaud G (1996b) A trama dos campos conceituais na construccedilatildeo dos conhecimentos Revista do GEMPA Porto Alegre Nordm 4 9-19

Vergnaud g (1996c) Algunas ideas fundamentales de Piaget en torno a la didaacutectica Perspectivas 26(10) 195-207

Vergnaud G (1997) The nature of mathematical concepts In Nunes T amp Bryant P (Eds) Learning and teaching mathematics an international perspective Hove (East Sussex) Psychology Press Ltd

Vergnaud G (1998) A comprehensive theory of representation for mathematics education Journal of Mathematical Behavior 17(2) 167-181

[1] Lembremos que um campo conceitual eacute em primeiro lugar um conjunto de situaccedilotildees (1998 p 141 1990 p 5) cujo domiacutenio requer o domiacutenio de vaacuterios conceitos de naturezas distintas (volta para o texto) [2] A ponte entre a teoria de Vergnaud e a teoria dos modelos mentais de Johnson-Laird feita nesta seccedilatildeo estaacute bem mais elaborada no trabalho ldquoAleacutem da detecccedilatildeo de modelos mentais dos estudantes Uma proposta representacional integradorardquo de Ileana Greca e Marco Antonio Moreira (volta para o texto)

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Vergnaud G (1983a) Quelques problegravemes theoacuteriques de la didactique a propos dun example les structures additives Atelier International dEteacute Reacutecherche en Didactique de la Physique La Londe les Maures Franccedila 26 de junho a 13 de julho

Vergnaud G (1983b) Multiplicative structures In Lesh R and Landau M (Eds) Acquisition of Mathemtics Concepts and Processes New York Academic Press Inc pp 127-174

Vergnaud G (1987) Problem solving and concept development in the learning of mathematics EARLI Second Meeting Tuumlbingen

Vergnaud G (1988) Multiplicative structures In Hiebert H and Behr M (Eds) Research Agenda in Mathematics Education Number Concepts and Operations in the Middle Grades Hillsdale NJ Lawrence Erlbaum pp 141-161

Vergnaud G (1990) La theacuteorie des champs conceptuels Recherches en Didactique des Matheacutematiques 10 (23) 133-170

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Vergnaud G (1993) Teoria dos campos conceituais In Nasser L (Ed) Anais do 1ordm Seminaacuterio Internacional de Educaccedilatildeo Matemaacutetica do Rio de Janeiro p 1-26

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Vergnaud G (1996b) A trama dos campos conceituais na construccedilatildeo dos conhecimentos Revista do GEMPA Porto Alegre Nordm 4 9-19

Vergnaud g (1996c) Algunas ideas fundamentales de Piaget en torno a la didaacutectica Perspectivas 26(10) 195-207

Vergnaud G (1997) The nature of mathematical concepts In Nunes T amp Bryant P (Eds) Learning and teaching mathematics an international perspective Hove (East Sussex) Psychology Press Ltd

Vergnaud G (1998) A comprehensive theory of representation for mathematics education Journal of Mathematical Behavior 17(2) 167-181

[1] Lembremos que um campo conceitual eacute em primeiro lugar um conjunto de situaccedilotildees (1998 p 141 1990 p 5) cujo domiacutenio requer o domiacutenio de vaacuterios conceitos de naturezas distintas (volta para o texto) [2] A ponte entre a teoria de Vergnaud e a teoria dos modelos mentais de Johnson-Laird feita nesta seccedilatildeo estaacute bem mais elaborada no trabalho ldquoAleacutem da detecccedilatildeo de modelos mentais dos estudantes Uma proposta representacional integradorardquo de Ileana Greca e Marco Antonio Moreira (volta para o texto)

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[1] Lembremos que um campo conceitual eacute em primeiro lugar um conjunto de situaccedilotildees (1998 p 141 1990 p 5) cujo domiacutenio requer o domiacutenio de vaacuterios conceitos de naturezas distintas (volta para o texto) [2] A ponte entre a teoria de Vergnaud e a teoria dos modelos mentais de Johnson-Laird feita nesta seccedilatildeo estaacute bem mais elaborada no trabalho ldquoAleacutem da detecccedilatildeo de modelos mentais dos estudantes Uma proposta representacional integradorardquo de Ileana Greca e Marco Antonio Moreira (volta para o texto)


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