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A Transição Epidemiológica no Brasil dade infantil, o aumento da expectativa de vida da...

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PESQUISA / RESEARCH A Transição Epidemiológica no Brasil The Epidemiologic Transition in Brazil Pedro Reginaldo Prata 1 PRATA, P. R. The Epidemiologic Transition in Brazil. Cad. Saúde Públ., Rio de Janeiro, 8 (2): 168-175, abr/jun, 1992. The author critically evaluates the evolution of the Brazilian mortality pattern during the last fifty years under the framework of the epidemiologic transition theory. The author also discusses mortality determination as a result of economic development and preventive measures. He considers that cardiovascular diseases, neoplasms and injuries are related with environmental and socio-cultural factors and therefore cannot be considered chronic degenerative diseases but preventable ones. These groups of disease are also considered to be unevenly distributed and more prevalent in deprived populations. The author also refers to the simultaneous prevalence of two distinct epidemiologic patterns described in the epidemiologic transition theory, due to the remaining infectious diseases prevalence or to the outbreak of previously eradicated infectious diseases in Brazil, leading to an incomplete epidemiologic transition. Keywords: Epidemiologic Transition; Mortality and Morbidity Determinants; Mortality Pattern 1 Departamento de Saúde Pública, Universidade Federal do Mato Grosso do Sul. Campus Universitário, Campo Grande, MS, 79070-900, Brasil. INTRODUÇÃO O perfil de morbi-mortalidade pode ser consi- derado um indicador relativamente sensível das condições de vida e do modelo de desenvolvi- mento de uma população, sendo o resultado da interação de diversos fatores interdependentes. Wood & Carvalho (1988), por exemplo, consi- deram que os modos de produção econômica e de reprodução humana interagem para determi- nar a estrutura econômica e demográfica (ferti- lidade, mortalidade e migração) de uma popu- lação. Além disso, fatores ambientais e sócio- -culturais devem ser considerados, não sendo possível, portanto, separar o nível de mortalida- de de sua estrutura e de sua relação com fatores históricos, sócio-econômicos, demográficos e ambientais. Tal como ocorreu anteriormente na Europa, o declínio do coeficiente de mortalidade geral não é o único aspecto notável no Brasil nos últimos 50 anos; também a redução da mortali- dade infantil, o aumento da expectativa de vida da população e a modificação do seu perfil epidemiológico foram observados. Este proces- so, o qual Omran (1971) descreveu como de transição epidemiológica, caracteriza-se pela evolução progressiva de um perfil de alta mortalidade por doenças infecciosas para um outro onde predominam os óbitos por doenças cardiovasculares, neoplasias, causas externas e outras doenças consideradas crónico-degenerati- vas. A MORTALIDADE E SEUS DETERMINANTES Na Europa, as Revoluções Agrícola e Indus- trial, a urbanização e a melhoria das condições de vida durante os últimos séculos foram res- ponsáveis por um importante declínio da morta- lidade e pela modificação do perfil epidemioló- gico da população, numa época de pouco conhecimento médico e de implementação limitada de medidas terapêuticas eficazes. Tomando como exemplo a Inglaterra, obser- va-se que, no século XVIII, o principal fator responsável pelo declínio da taxa de mortalida- de foi a redução das doenças infecciosas, graças
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PESQUISA / RESEARCH

A Transição Epidemiológica no BrasilThe Epidemiologic Transition in Brazil

Pedro Reginaldo Prata 1

PRATA, P. R. The Epidemiologic Transition in Brazil. Cad. Saúde Públ., Rio de Janeiro, 8 (2):168-175, abr/jun, 1992.

The author critically evaluates the evolution of the Brazilian mortality pattern during the lastfifty years under the framework of the epidemiologic transition theory. The author also discussesmortality determination as a result of economic development and preventive measures. Heconsiders that cardiovascular diseases, neoplasms and injuries are related with environmentaland socio-cultural factors and therefore cannot be considered chronic degenerative diseases butpreventable ones. These groups of disease are also considered to be unevenly distributed andmore prevalent in deprived populations. The author also refers to the simultaneous prevalence oftwo distinct epidemiologic patterns described in the epidemiologic transition theory, due to theremaining infectious diseases prevalence or to the outbreak of previously eradicated infectiousdiseases in Brazil, leading to an incomplete epidemiologic transition.

Keywords: Epidemiologic Transition; Mortality and Morbidity Determinants; Mortality Pattern

1 Departamento de Saúde Pública, Universidade Federaldo Mato Grosso do Sul. Campus Universitário, CampoGrande, MS, 79070-900, Brasil.

INTRODUÇÃO

O perfil de morbi-mortalidade pode ser consi-derado um indicador relativamente sensível dascondições de vida e do modelo de desenvolvi-mento de uma população, sendo o resultado dainteração de diversos fatores interdependentes.Wood & Carvalho (1988), por exemplo, consi-deram que os modos de produção econômica ede reprodução humana interagem para determi-nar a estrutura econômica e demográfica (ferti-lidade, mortalidade e migração) de uma popu-lação. Além disso, fatores ambientais e sócio--culturais devem ser considerados, não sendopossível, portanto, separar o nível de mortalida-de de sua estrutura e de sua relação com fatoreshistóricos, sócio-econômicos, demográficos eambientais.

Tal como ocorreu anteriormente na Europa, odeclínio do coeficiente de mortalidade geralnão é o único aspecto notável no Brasil nosúltimos 50 anos; também a redução da mortali-dade infantil, o aumento da expectativa de vida

da população e a modificação do seu perfilepidemiológico foram observados. Este proces-so, o qual Omran (1971) descreveu como detransição epidemiológica, caracteriza-se pelaevolução progressiva de um perfil de altamortalidade por doenças infecciosas para umoutro onde predominam os óbitos por doençascardiovasculares, neoplasias, causas externas eoutras doenças consideradas crónico-degenerati-vas.

A MORTALIDADE ESEUS DETERMINANTES

Na Europa, as Revoluções Agrícola e Indus-trial, a urbanização e a melhoria das condiçõesde vida durante os últimos séculos foram res-ponsáveis por um importante declínio da morta-lidade e pela modificação do perfil epidemioló-gico da população, numa época de poucoconhecimento médico e de implementaçãolimitada de medidas terapêuticas eficazes.

Tomando como exemplo a Inglaterra, obser-va-se que, no século XVIII, o principal fatorresponsável pelo declínio da taxa de mortalida-de foi a redução das doenças infecciosas, graças

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a melhores níveis de nutrição alcançados coma Revolução Agrícola e com melhorias estrita-mente ambientais (McKeown & Brown, 1956).

No século XIX, também na Inglaterra, trêsquartos da redução da taxa de mortalidadedeveram-se à menor prevalência da tuberculose,como conseqüência da melhoria das condiçõesde vida trazida pela Revolução Industrial. Oresto do declínio da mortalidade deveu-se àintrodução de medidas de saúde pública quediminuíram a incidência do tifo, da febre tifóidee do cólera (McKeown & Record, 1963).

No entanto, nos países desenvolvidos, nesteséculo XX, além da continuada melhoria dosníveis nutricionais da população, três quartos daredução da taxa de mortalidade deveram-se aocontrole das doenças infecciosas ainda persis-tentes pela introdução de medidas médicas(imunização e tratamento) e pela redução daexposição da população ao risco de infecções,graças à melhoria dos serviços de saneamento(água, esgoto e destino de resíduos) e de vigi-lância sanitária (manipulação adequada dealimentos) (McKeown et al., 1975).

É interessante observar que o inverso ocorreuno continente africano durante este período,particularmente a partir do século XIX. Enquan-to a expansão colonialista foi, em grande parte,responsável pelo aumento da oferta de alimen-tos, em quantidade e qualidade, na Europa, amodificação das culturas tradicionais e daestrutura produtiva por parte do colonizadorreduziu a oferta de alimentos localmente. Alémdisso, a modificação da forma de ocupação doespaço territorial e da relação humana com omeio ambiente facilitou a ocorrência de epide-mias e a prevalência de endemias (antes depouca importância), graças ao desequilíbrioecológico então introduzido na região (Doyal,1979).

Atualmente, no mundo em desenvolvimento,Preston (1975) considera que o determinismoeconômico da mortalidade não seria tão impor-tante, graças à introdução de medidas efetivasde proteção à saúde. Desta forma, como conse-qüência de técnicas preventivas de relativobaixo custo e da melhoria do nível educacionalda população, alguns países não-industrializados

da África e da Ásia experimentaram umaredução dos níveis de mortalidade, enquantopermaneciam no contexto de sociedades agrá-rias pouco desenvolvidas.

Na América Latina, Amaga & Davis (1969)consideram que o impacto do desenvolvimentoeconômico no declínio da mentalidade foiimportante no início do século. Entretanto,depois dos anos 30, o declínio da mortalidadefoi muito mais rápido do que aquele esperadopelo nível regional de desenvolvimento. Osautores, à semelhança de Preston, concluíramque medidas de saúde pública e técnicas demedicina preventiva foram então responsáveispor este declínio.

Inversamente, Pendleton (1985), ao estudar osestágios de transição demográfica das socieda-des em desenvolvimento durante o século XX,concluiu que, no estágio inicial da transição, odeclínio da mortalidade se dá, principalmente,através de medidas de saúde, e quando estasnações atingem uma menor taxa de mortalidade,o desenvolvimento econômico passa a ser oresponsável pelo declínio subseqüente da morta-lidade infantil e pelo aumento da expectativa devida nestas sociedades.

Estas duas interpretações sobre se o declínioda mortalidade está relacionado com o desen-volvimento econômico ou com intervenções desaúde não estão necessariamente incorretas, masincompletas, porque não são excludentes, já quea determinação do perfil epidemiológico damortalidade deve ser considerada como oresultado de um processo dinâmico, onde asvariáveis são interdependentes e podem ter umpeso diferenciado, de acordo com o local, coma sociedade e com o tempo histórico. De fato,no Brasil, ambos os mecanismos de mudançado padrão de mortalidade (a adoção de medidaspreventivas e o desenvolvimento econômico)ocorrem simultaneamente, como salientaramWood & Carvalho (1988: 88):

o passo e a velocidade da mudança namortalidade nos últimos 40 anos sugerem quetanto a difusão de tecnologias de controlequanto a melhoria no padrão de vida tiveramo seu papel.

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A EVOLUÇÃO DO PERFILEPIDEMIOLÓGICO DA MORTALIDADENO BRASIL

No Brasil, a taxa geral de mortalidade decres-ceu de 18/1000, em 1940, para uma taxa esti-mada entre 6/1000 e 8/1000 em 1985; a expec-tativa de vida cresceu 20 anos no mesmoperíodo, e a mortalidade infantil decresceu de160/1000, em 1940, para 85/1000, em 1980. Jáo estudo da mortalidade por causas no períodode 1930 a 1985 (capitais) evidencia uma simila-ridade ao ocorrido anteriormente na Europa. Em1930, as doenças infecciosas e parasitáriasforam responsáveis por 46% do total deóbitos, enquanto em 1985 elas representavamapenas 7%. Por outro lado, as doenças do apa-

relho circulatório representavam 12% em 1930e chegaram a 33% em 1985. Aumentos aindamais pronunciados ocorreram com as neoplasiase com as mortes conseqüentes às causas exter-nas: ambas tiveram um aumento proporcionalde 3% para 12% (Prata, 1989).

As Figuras 1 a 5 comparam, nas regiõesbrasileiras, a evolução da mortalidade propor-cional por grupos de causas, selecionados entreos que tiveram significante variação no períodode 1930 a 1985, ilustrando o processo de mu-dança gradativa da importância de cada grupoe as variações regionais ao longo do tempo. Aevolução foi similar nas diversas regiões, embo-ra diferenças quantitativas sejam observadas (asfiguras não totalizam 100% porque as demaiscausas não-selecionadas não estão ilustradas).

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Em 1985, embora as doenças do aparelhocirculatório tenham se tornado a primeira causade morte em todas as regiões brasileiras, elascorrespondiam a 37% no Sul, Centro-Oeste eSudeste, a 28% no Nordeste, e a 22% na regiãoNorte, enquanto as doenças infecciosas e parasi-tárias correspondiam a 16% na região Norte, a14% no Nordeste, a 8% no Centro-Oeste, aapenas 5% na região Sul, e a 4% no Sudeste. Jáas neoplasias correspondiam a 17% de todas asmortes na região Sul, a 14% no Sudeste, a 11%no Centro-Oeste, a 10% na região Norte, e a9% no Nordeste. Enquanto isto, as causasexternas correspondiam a 17% no Centro-Oeste,a 12% na região Norte e no Sudeste, a 11% no

Sul, e a 10% no Nordeste.Em 1930, o perfil epidemiológico era bastante

diferente: as doenças infecciosas eram a primei-ra causa de morte em todas as regiões, corres-pondendo a 60% das causas na região Norte, a49% no Nordeste, a 43% no Sudeste, a 40% noCentro-Oeste, e a 39% na região Sul. Naquelaépoca, as doenças do aparelho circulatório eramresponsáveis por apenas 13% dos óbitos no Sul,12% no Sudeste e Nordeste, e 9% na regiãoNorte. Já as causas externas, ao contrário doque hoje se observa, tinham pouca relevância:correspondiam a 3% das mortes no Sudeste, a2% no Norte, Nordeste e Sul, e a apenas 1% naregião Centro-Oeste.

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A semelhante conclusão chegou Possas(1989), tendo, no entanto, observado que aqueda da mortalidade por doenças infecciosasnão tem sido acompanhada pela redução de suamorbidade. A autora observa:

Constata-se a persistência da morbidadepor doenças infecciosas e parasitárias, obser-vando-se expressivo aumento da incidência damaior pane em algumas regiões do país.

O Brasil se encontraria, portanto, em plenoestágio intermediário de transição epidemiológi-ca, como também observou Laurenti (1990), aoconcluir que esta transição não é uniforme:

Em alguns estados, ou regiões destes, estase encontra em fase inicial; em outros, nafase intermediária, e em alguns a transiçãoestá quase se completando.

CONCLUSÕES

Apesar da evolução do perfil de mortalidadeestar obedecendo ao esperado na teoria datransição epidemiológica em todas as regiõesbrasileiras, a desigualdade processual destaevolução pode ser observada, por exemplo,através do cálculo da Standard Mortality Ratio— SMR (Método Indireto de Padronização),por causas, nas diversas regiões brasileiras.

Tendo como padrão a razão 1 (SMR = 100),onde não haveria diferença entre a mortalidade

encontrada e a esperada, observa-se na Tabela 1 que as regiões brasileiras menos desenvolvi-

das (Norte, Nordeste e Centro-Oeste) apresen-tam SMR mais elevada para as doenças infec-ciosas e parasitárias (253, 168 e 159, respecti-vamente), consideradas causas de morte emsituações de subdesenvolvimento, pobreza eprivação, e mais baixas para as doenças doaparelho circulatório (25, 56 e 89, respectiva-mente) e para as neoplasias (75, 51 e 87, res-pectivamente). Estas diferenças foram conside-radas estatisticamente significantes para umintervalo de confiança de 95% (Prata, 1989).

É de se esperar que este mesmo contraste sejaobservado entre áreas de desenvolvimentodiferenciado intra-regionais e entre subgrupospopulacionais submetidos a condições de vidatambém diferenciadas nestas regiões. Pode-se,portanto, concluir que no Brasil a transiçãoepidemiológica para um novo perfil de mortali-dade (das doenças infecciosas para as cardio-vasculares, neoplasias e causas externas) ocorrecom a simultânea persistência, embora quantita-tivamente diferenciada, de ambos os perfis.

Esta superposição de padrões fica ainda maisevidente, conforme salientou Possas (1989),quando se considera também o perfil de morbi-dade. As chamadas endemias rurais, por exem-plo, quando se urbanizam, incidem e prevale-cem desigualmente, atingindo preferencialmente

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as populações mais pobres. Observa-se tambémque, apesar da ocorrida transição epidemiológi-ca, a malária tem alta prevalência em pontosespecíficos da região Norte (especialmenteRondônia), a febre amarela começa a incidir noCentro-Oeste, e o dengue (desde 1987) e ocólera (a partir de 1991) ressurgem no Brasil.

As doenças infecciosas podem, portanto,conforme observou Lauienti (1990), voltar aassumir proporção importante entre as causasde morte. Se assim ocorrer, a tendência históri-ca observada nas Figuras 1 a 5 pode vir a semodificar nos próximos anos, particularmenteonde as desigualdades sociais forem relevantes,uma vez que as doenças infecciosas apresentammaior prevalência nas regiões de precáriainfra-estrutura e entre as populações maispobres.

Além disso, estudos feitos em países desen-volvidos, onde a transição epidemiológica secompletou há mais tempo, mostraram quemesmo as doenças cardiovasculares, as neopla-sias e as causas externas apresentam incidênciae prevalência desiguais entre regiões e grupospopulacionais. Esta situação, conforme salienta-ram Brigs & Leonard IV (1977), limita a capa-cidade de reduzir os diferenciais de morbi--mortalidade, algo mais facilmente alcançadoatravés do controle das doenças infecciosas.

Na Inglaterra, por exemplo, as mortes porcausas externas (acidentes), que envolvem

predominantemente adultos jovens, foram, se-gundo Blaxter (1983), sete vezes mais preva-lentes entre jovens das classes sociais maisbaixas, enquanto as doenças cardiovasculares semostraram mais freqüentes entre os operários(Rose & Marmot, 1981).

No Brasil, similarmente, Costa (1981) mos-trou que a hipertensão arterial tem alta determi-nação social. Estudos desenvolvidos por Costa(1983), no Rio Grande do Sul, sugerem que aproporção de trabalhadores de baixa renda emuma população está relacionada com a preva-lência da hipertensão arterial. Tamban naregião metropolitana de Recife, Tandeitnik(1990) observou maior prevalência da hiper-tensão arterial entre os pacientes da seguridadesocial (portanto, com menor poder aquisitivo),quando comparados com aqueles da clínicaprivada.

Enquanto isto, estudos nos países desenvolvi-dos (Stallones, 1980) vêm demonstrando odeclínio da prevalência dos grupos de causaspós-transição epidemiológica (particularmenteas cardiovasculares), indicando que uma novatransição estaria se processando naquelas socie-dades.

Desta forma, estas doenças não seriam aconseqüência inevitável do processo de envelhe-cimento da população e portanto, doençascrônico-degenerativas irredutíveis. Seriampreveníveis por serem o resultado demodifi-

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cações, não apenas no estilo de vida, mastambém da relação do ser humano com oambiente onde vive e do qual faz parte. Modifi-cações estas que, conforme salientou Doyal(1979), vêm ocorrendo numa velocidade maiordo que a capacidade bio-psico-cultural deadaptação às novas circunstâncias.

Esta determinação, relacionada com a am-bientação, pode ser ilustrada pela observação deLeal et al. (1985) de que migrantes oriundosde áreas de baixa prevalência de hiper-tensão arterial, quando vêm a residir em áreasde alta prevalência, passam a sofrer de hiper-tensão, com prevalência proporcional ao tempode migração. Também os estudos de Burkitt(1973), sobre as doenças que se tornaramcomuns no mundo desenvolvido ao longo desteséculo, indicam a importância das mudançasculturais e dietéticas ocorridas, particularmenteevidentes pelo aumento da incidência destasmesmas doenças em migrantes de sociedadesonde estas eram desconhecidas.

Assim, as mudanças no modelo de desenvol-vimento, no estilo de vida e no comportamentoassumem importância para a Saúde Pública,estando os pobres, como vimos, em desvanta-gem em relação aos ricos quanto ao riscoconcomitante do perfil de morbi-molidalidade doatraso (doenças infecciosas) e da modernidade(doenças cardiovasculares e neoplasias). NoBrasil, a particularidade da observada transiçãoepidemiológica traz para consideração importan-tes componentes sócio-econômicos, culturais,demográficos e ambientais.

RESUMO

PRATA, P. R. A Transição Epidemiológicano Brasil. Cad. Saúde Públ., Rio de Janeiro,8 (2): 168-175, abr/jun, 1992.

Tendo como referência a teoria da transiçãoepidemiológica, o autor descreve a evoluçãoda mortalidade no Brasil, avaliandocriticamente a modificação do perfilepidemiológico ocorrida no Brasil nos últimos50 anos. O autor revê, situando no contextobrasileiro, a determinação da mortalidade, sejapelo desenvolvimento econômico ou pelaintrodução de medidas de saúde pública.

Argumenta que as doenças cardiovasculares eas neoplasias estariam também relacionadascom fatores ambientais e sócio-culturais, nãodevendo ser consideradas doençascrónico-degenerativas, mas sim preveníveis.Estes grupos de causas de moibi-mortalidadetambém são considerados com prevalênciadesigual e maior entre as populações maispobres. O autor faz referência a uma transiçãoepidemiológica que não se completou graças àpersistência das doenças infecciosas.Palavras-Chave: Transição Epidemiológica;Perfil Epidemiológico; Determinação daMorbi-Mortalidade;

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