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Agricultoras e agricultores ... - cpao.embrapa.brs/Trabalhos/Agricultor… · De acordo com Caporal...

Date post: 19-Nov-2020
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Agricultoras e agricultores experimentadores lotes demonstrativos para massificação da Agroecologia no Extremo Sul da Bahia Experimenter peasant demonstration plots to massification of Agroecology at the southern end of Bahia CRUZ, Mario Sergio Santana¹, CARVALHO, Aline 2 , REZENDE, Ana Paula Capello 3 ; CRESPI, Danielly 4 ; GALATA, Renato Farac 5 , SILVA, Flavio Xavier da 6 ; SANTOS, João Dagoberto dos 7 ; LOPES, Paulo Rogério 8 . 1 Escola Superior de Agricultura Luiz de QueirozESALQ/USP, [email protected]; 2 [email protected]; 3 [email protected]; 4 [email protected]; 5 [email protected]; 6 [email protected]; 7 [email protected]; 8 [email protected] Resumo: A utilização da experimentação como ferramenta para construção do conhecimento agroecológico considera a necessidade dos agricultores de ver para crer. Este trabalho apresenta a estratégia dos lotes demonstrativos em desenvolvimento com agricultores experimentadores enquanto ferramenta e método viável para construção da transição agroecológica e massificação da Agroecologia em área de reforma agrária integrante do Projeto Assentamentos Agroecológicos. Para definição de temas e escolha de agricultores, foram realizados diagnósticos produtivos, cursos a partir das demandas identificadas, identificação de agricultores dispostos a colocar a agroecologia em prática e indicação de agricultores pela comunidade. As principais práticas utilizadas em cinco lotes demonstrativos são: redução do uso de insumos químicos, substituição de insumos, adubação verde, quebra-vento, cobertura de solo, pousio, piqueteamento de pasto de galinha caipira, diversificação da alimentação de galinha caipira. A estratégia de massificação da Agroecologia por meio dos lotes demonstrativos tem se demonstrado importante para a construção do conhecimento agroecológico, valorização do saber local e protagonismo dos agricultores e agricultoras. Palavras-chave: transição agroecológica, assentamentos rurais, diagnóstico, planejamento participativo. Abstract: The use of the experimentation as a tool for construction of agroecological knowledge considers the need of peasant to see to believe. This article presents the strategy of the demonstration plots in development with experimenter peasant as a tool and viable method for the construction of agroecological transition and massification of Agroecology in land reform area of the “Assentamentos Agroecológicos” project. For definition of themes and choice of peasant, some activities were held such as productive diagnoses, courses, identification of peasant willing to put into practice agroecology and community's indication of the peasant. The main practices used in five demonstration plots are: reduction of chemical inputs, substitution of inputs, green manure, breaking wind, cover crop, crop rotation, pasture management of free-range hen, diversification of supply of free-range hen. The massification strategy of Agroecology through demonstration plots has proven its importance for the construction of agroecological knowledge, appreciation of local knowledge and the protagonism of peasant.
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Agricultoras e agricultores experimentadores – lotes demonstrativos para massificação da Agroecologia no Extremo Sul da Bahia

Experimenter peasant – demonstration plots to massification of Agroecology at the southern

end of Bahia

CRUZ, Mario Sergio Santana¹, CARVALHO, Aline2, REZENDE, Ana Paula Capello3; CRESPI, Danielly4; GALATA, Renato Farac5, SILVA, Flavio Xavier da6; SANTOS, João Dagoberto dos7; LOPES, Paulo Rogério8.

1Escola Superior de Agricultura “Luiz de Queiroz” – ESALQ/USP, [email protected]; [email protected]; [email protected]; [email protected]; [email protected]; [email protected]; [email protected]; [email protected] Resumo: A utilização da experimentação como ferramenta para construção do conhecimento agroecológico considera a necessidade dos agricultores de ver para crer. Este trabalho apresenta a estratégia dos lotes demonstrativos em desenvolvimento com agricultores experimentadores enquanto ferramenta e método viável para construção da transição agroecológica e massificação da Agroecologia em área de reforma agrária integrante do Projeto Assentamentos Agroecológicos. Para definição de temas e escolha de agricultores, foram realizados diagnósticos produtivos, cursos a partir das demandas identificadas, identificação de agricultores dispostos a colocar a agroecologia em prática e indicação de agricultores pela comunidade. As principais práticas utilizadas em cinco lotes demonstrativos são: redução do uso de insumos químicos, substituição de insumos, adubação verde, quebra-vento, cobertura de solo, pousio, piqueteamento de pasto de galinha caipira, diversificação da alimentação de galinha caipira. A estratégia de massificação da Agroecologia por meio dos lotes demonstrativos tem se demonstrado importante para a construção do conhecimento agroecológico, valorização do saber local e protagonismo dos agricultores e agricultoras. Palavras-chave: transição agroecológica, assentamentos rurais, diagnóstico, planejamento participativo. Abstract: The use of the experimentation as a tool for construction of agroecological knowledge considers the need of peasant to see to believe. This article presents the strategy of the demonstration plots in development with experimenter peasant as a tool and viable method for the construction of agroecological transition and massification of Agroecology in land reform area of the “Assentamentos Agroecológicos” project. For definition of themes and choice of peasant, some activities were held such as productive diagnoses, courses, identification of peasant willing to put into practice agroecology and community's indication of the peasant. The main practices used in five demonstration plots are: reduction of chemical inputs, substitution of inputs, green manure, breaking wind, cover crop, crop rotation, pasture management of free-range hen, diversification of supply of free-range hen. The massification strategy of Agroecology through demonstration plots has proven its importance for the construction of agroecological knowledge, appreciation of local knowledge and the protagonism of peasant.

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Keywords: agroecological transition, rural settlements, diagnosis, participatory planning.

Introdução

De acordo com Caporal (2007), a extensão rural difusionista ou mesmo a oferta de assistência técnica agropecuária realizada pelo setor público com o objetivo de modernização da agricultura, já perderam sua vigência, se tornaram obsoletas e, na maior parte dos casos, se tornaram absolutamente desnecessárias. Para o mesmo autor a Comunicação Rural Agroecológica pode ser definida como um processo de intervenção de caráter educativo e transformador, baseado em metodologias de aprendizagem e ação participativa (AAP) que permitem o desenvolvimento de uma prática social mediante a qual os sujeitos do processo possam atuar na construção e sistematização de conhecimentos que lhes permita incidir conscientemente sobre a realidade. Neste sentido, o processo de transição agroecológica é calcado nos conhecimentos empíricos dos próprios agricultores e agricultoras, alcançado com os erros e acertos, baseados nas experimentações e observações, nos acúmulos e experiências socioculturais e ambientais historicamente adquiridos com a vivência e atuação local dos seus antepassados. Na construção dos caminhos para a transição agroecológica, diversas experiências ajudam a refletir sobre metodologias bem sucedidas de construção de sistemas produtivos agroecológicos. Uma delas é a metodologia Campesino a Campesino, colocada em prática em diversos países da América Latina com destaque para o México e a Nicarágua, e massificada em Cuba. Ela tem como ponto fundamental de sua metodologia o compromisso social com a mudança da matriz tecnológica da produção agrícola, visa “uma forma de promoção e melhoria dos sistemas produtivos, para permitir-lhes alcançar maiores índices de sustentabilidade, partindo do princípio de que a participação e o empoderamento de seus próprios atores são elementos intrínsecos ao desenvolvimento sustentável, que se concentra na iniciativa e no protagonismo de camponeses e camponesas” (SOSA et al., 2011). O método Campesino a Campesino se baseia na problematização da realidade camponesa a partir da realização de um diagnóstico rural participativo, seguido da experimentação para resolver os problemas identificados com teste e adaptação das práticas aprendidas às condições particulares das roças e por fim, a promoção e multiplicação de práticas realizadas nas roças (SOSA et al., 2011). As experiências das organizações que integram a Articulação Semiárido Brasileiro (ASA) também contribuem de forma significativa para o aprimoramento de metodologias que colocam o agricultor como figura central na construção do conhecimento agroecológico, valorizando seus saberes e seu potencial multiplicador. A ASA desenvolve a metodologia dos agricultores-experimentadores há mais de dez anos e a fala de um agricultor envolvido neste processo explica: “ser agricultor-experimentador é ser uma pessoa que semeia. São pessoas que

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multiplicam o conhecimento, que preservam o meio ambiente, que entendem que a terra é a mãe das mães” (FREIRE & FALCÃO, 2013).

A utilização da experimentação como ferramenta para construção do conhecimento considera a forma de incorporação de novos conhecimentos dos agricultores que precisam ver para crer, a experimentação possibilita mostrar as coisas de fato. Além disso, a experimentação gera informações para ajudar na avaliação das novidades, alimentar o processo de reflexão crítica que, por sua vez, estimula o aprendizado. (FREIRE & FALCÃO, 2013, JALFIM et al., 2013). O conhecimento acumulado no processo de experimentação precisa ser compartilhado com outros agricultores, ficando os Movimentos Sociais, as ONGs e os técnicos de Assistência Técnica e Extensão Rural (Ater) responsáveis por contribuir na organização de encontros, oficinas e intercâmbios que possibilitem e potencializem essas trocas de conhecimentos, nas quais o agricultor fala com o agricultor. “Nos intercâmbios, a roça se transforma em laboratório, e a comunicação entre iguais favorece a transmissão e a geração de conhecimentos, pois a prática e os testemunhos conferem força às palavras e às experiências” (FREIRE & FALCÃO, 2013). Nessa metodologia, constrói-se, portanto, um novo papel para os técnicos, que vai na contracorrente da lógica difusionista do modelo clássico de extensão, no qual o conhecimento chega pronto, baseado em receitas e pacotes tecnológicos generalizantes. É o saber popular, somado ao conhecimento técnico, produzido por organizações, universidades, centros de pesquisa, entre outros, que tem gerado soluções inovadoras com impactos positivos na vida das famílias envolvidas, é o envolvimento em condições de igual participação de técnicos, pesquisadores e dirigentes que propicia um diálogo de saberes com um sentido mais profundo de pertença e compromisso social (FREIRE & FALCÃO, 2013, JALFIM et al., 2013).

A sistematização da experiência, além de qualificar e apoiar os momentos de troca de conhecimentos entre agricultores, permite vislumbrar como os conhecimentos foram gerados e avaliar como contribuíram para a vida das famílias, valorizando a história de tantos agricultores e agricultoras. É uma estratégia essencial para a construção do conhecimento, pois cumpre importante papel no levantamento e na organização do saber construído e acumulado localmente. Ao mesmo tempo, possibilita a produção de instrumentos pedagógicos voltados à divulgação de iniciativas bem-sucedidas da agricultura familiar (FREIRE & FALCÃO, 2013).

Diferentes metodologias de trabalho estão em andamento no contexto do Projeto Assentamentos Agroecológicos1 para alcançar a meta de efetivação de práticas

1 O Projeto Assentamentos Agroecológicos é uma atuação do Núcleo de Apoio à Cultura e Extensão

em Educação e Conservação Ambiental no contexto do Programa de Pesquisa para o

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agroecológicas em todos os lotes dos agricultores assentados nas áreas em que atua. Dentre estas metodologias é possível destacar os diagnósticos para identificação de demandas dos agricultores, a realização de cursos e oficinas, implantação de unidades demonstrativas coletivas e individuais (lotes demonstrativos) e estruturação de bancos comunitários de sementes. Desta forma, o objetivo do presente trabalho é apresentar a estratégia dos lotes demonstrativos em desenvolvimento com agricultores experimentadores enquanto ferramenta e método viável para construção da transição agroecológica e massificação da Agroecologia junto a agricultores acampados em área de reforma agrária integrante do Projeto Assentamentos Agroecológicos. Metodologia O trabalho em questão está sendo desenvolvido desde setembro de 2015 no pré-assentamento Unidos Venceremos, localizado na Fazenda Santa Maria, no município de Porto Seguro, BA. Possui uma área total de 427 ha e suas coordenadas geográficas são 16°30’27.85”S 39°13’35.13”O. A Fazenda Santa Maria faz

divisa com o Parque Nacional do Pau Brasil, que é uma Unidade de Conservação de Proteção

Integral de 18.934 ha, estando, portanto, em sua zona de Amortecimento e com restrições

quanto ao uso e manejo da área. Atualmente vivem na área 68 famílias que sobrevivem principalmente da produção de hortaliças e culturas de ciclo curto. A proposta dos lotes demonstrativos visa contribuir e orientar o uso de práticas agroecológicas para avançar na transição agroecológica dos lotes, de forma que estes propiciem a realização de visitas e intercâmbios de saberes com outros agricultores. Para definição de temas a serem trabalhados e escolha dos agricultores experimentadores, diversas ações foram realizadas:

Diagnóstico de práticas produtivas para identificação de demandas dos agricultores;

Cursos sobre as temáticas identificadas como demandas, como por exemplo a criação de aves e o manejo da banana;

Indicação pelos participantes dos cursos de ao menos um agricultor ou agricultora para colocar em prática as propostas de cada curso;

Identificação de demandas juntamente com pré-disposição de agricultores para experimentar uma nova técnica que vise a transição agroecológica da produção;

Desenvolvimento de Assentamentos Rurais e da Agricultura Familiar (NACE-PTECA-PPDARAF) da USP/ESALQ na região Extremo Sul da Bahia.

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No geral os temas definidos visam mudanças de práticas que fazem diferença no resultado da produção e no processo de transição para estilos de agriculturas ecológicas. Podemos citar como práticas utilizadas nessas áreas: redução do uso de insumos químicos, substituição de insumos, adubação verde, quebra-vento, cobertura de solo, pousio, piqueteamento de pasto de galinha caipira, diversificação da alimentação de galinha caipira, etc. A partir da identificação do agricultor, o Projeto AA contribui com os materiais necessários para implantação da prática proposta e realiza o acompanhamento técnico, para que o lote do agricultor possa se tornar referência naquela prática e possa ser visitado por outros agricultores, de modo que o agricultor experimentador compartilhe os conhecimentos e experiências vivenciadas com as práticas agroecológicas, facilitando e instigando a troca de saberes. O acompanhamento técnico é realizado semanal ou quinzenalmente, sempre buscando dialogar com o agricultor sobre o andamento do “experimento”, dando espaço para avaliações e sugestões do agricultor, assim como trazendo informações técnicas sobre as dúvidas levantadas durante as visitas anteriores. Em alguns casos são realizados monitoramentos com coleta de dados periódicos, a fim de contribuir com o fortalecimento da pesquisa em agroecologia. A sistematização das informações de cada lote demonstrativo é realizada tanto pelos técnicos responsáveis como pelos agricultores. Cada agricultor, no início do planejamento do seu lote, recebeu um caderno de campo para registrar as atividades que estivesse realizando. O técnico, além de semanalmente dialogar com o agricultor e observar suas anotações no caderno de campo, realiza registro fotográfico, relatório de campo de cada visita e coleta dados em campo quando necessário. A rigorosidade no registro das informações é muito importante para avaliar o andamento das ações e possibilitar a socialização da experiência, tanto com outros agricultores como com o meio acadêmico. Durante o processo é importante compreender o papel do agricultor e o papel da equipe técnica no desenvolvimento das atividades propostas. O agricultor é responsável pela implantação, manutenção da área e por receber agricultores para intercâmbio de experiências. O Projeto AA é responsável pelos recursos financeiros e insumos necessários para realização do manejo agroecológico (por exemplo: análise de solo, sementes de adubação verde, horas de trator para preparo da terra, cerca para piquetes, agentes de controle biológico, etc.) e pelo acompanhamento técnico, sistematização da experiência e facilitação dos processos de intercâmbio (agendamento dos dias de intercâmbio, divulgação, mobilização da comunidade e acompanhamento da atividade). Para propiciar a troca de experiências e a multiplicação da prática agroecológica experimentada, são programadas visitas de intercambio de saberes nos lotes demonstrativos no momento ideal do manejo de cada experiência em andamento.

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Resultados e discussão Diferentes processos de sensibilização e formação em agricultura agroecológica deram origem aos lotes demonstrativos. Cada uma das atividades realizadas considerou os conhecimentos práticos dos agricultores e ao mesmo tempo incorporou algumas técnicas agroecológicas ainda desconhecidas pela comunidade, uma vez que a mesma possui um histórico de práticas convencionais de manejo (como uso de agrotóxicos, fogo, exposição e reviramento do solo). A realização dos cursos temáticos de “Manejo Agroecológico de Galinhas Caipiras” e “Manejo Agroecológico da Cultura da Banana”, realizados respectivamente em setembro e outubro de 2015, resultaram na escolha de dois agricultores (as) para colocar em prática as orientações técnicas trabalhadas nos cursos. Também houve a identificação de agricultores dispostos a testar práticas agroecológicas como a substituição de insumos no manejo do milho, a recuperação do solo com pousio e plantio de leguminosas e a cobertura do solo e o plantio de quebra vento.

A primeira etapa consistiu no diagnóstico da cultura/criação/manejo/local dos referidos lotes, juntamente com a proposta inicial realizada entre setembro 2015 e julho de 2016. A seguir, apresenta-se a descrição dos trabalhos desenvolvidos em cada lote com objetivo, resultados do diagnóstico e planejamento das ações com as técnicas/práticas que serão realizadas em cada lote demonstrativo, bem como as responsabilidades do Projeto AA e de cada agricultor/a.

Lote Demonstrativo 1 – substituição de insumos no cultivo do milho verde A proposta de experimentação neste lote demonstrativo é substituir os insumos do manejo convencional pelos insumos permitidos na agricultura orgânica de modo a avançar na transição agroecológica do cultivo de milho verde mantendo ou melhorando a produtividade, os custos e a mão de obra. Considerando também que os passos da transição são lentos e gradativos, a médio e longo prazo será necessário um redesenho do lote, buscando a sustentabilidade, resiliência e autossuficiência do agroecossistema. As visitas técnicas de diagnóstico e planejamento identificaram que o principal problema do agricultor é o combate à lagarta do cartucho (Spodoptera frugiperda), realizado por ele com o Metomil, inseticida sistêmico e de contato. O agricultor relatou o desejo de substituir o inseticida sintético utilizado na cultura do milho por inseticida biológico de maneira a diminuir os riscos à sua saúde e consequentemente de contaminação do ambiente.

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Desta forma, para controle da lagarta do cartucho foi proposto o controle biológico com a utilização do Bacillus thuringiensis (BT). O agricultor realizou duas aplicações de BT em seus cultivos de milho em diferentes idades e constatou eficiência do produto no controle da lagarta do cartucho. A continuidade do acompanhamento e a reflexão de que a mudança no manejo do milho não é possível de se realizar em apenas um ciclo da cultura, possibilitou a proposição de um novo experimento, com as seguintes variáveis propostas pelo agricultor: comparação de diferentes adubações (orgânica com esterco de gado, convencional com NPK 4-14-8 e NPK 20-5-20, testemunha sem adubação); uso de BT em todo o cultivo para o controle da lagarta do cartucho; uso do Metarhizium para controle da cigarrinha. Por sua vez, a equipe técnica propôs o plantio de adubação verde (Crotalaria spectabilis) na entrelinha do milho para comparar com o uso de herbicida realizado pelo agricultor para controlar o mato. Desta forma, o lote demonstrativo com manejo do milho verde será realizado em uma área de 1800m² para demonstração da substituição de insumos com foco na adubação (orgânica com esterco de gado, sem adubo e convencional com NPK), no controle de pragas (BT e Metharhizium em toda a área) e no controle do mato (com plantio de crotalária em metade das linhas e convencional com herbicida no restante da área), de acordo com o croqui apresentado a seguir (Figura 1).

Figura 1: Croqui do experimento com o manejo do milho

O Projeto AA irá viabilizar o BT, o Metarhizium e o acompanhamento técnico com o monitoramento do crescimento do milho e da incidência de pragas. O agricultor ficará responsável por todo o manejo e compra dos demais insumos utilizados, além de compartilhar a experiência com outros agricultores. Ressalta-se que o agricultor ainda não se disponibilizou a utilizar sementes variedades, prefere utilizar as sementes hibridas AG 1051.

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Lote Demonstrativo 2 – recuperação do solo com pousio e plantio de leguminosas

Este lote demonstrativo tem como objetivo recuperar a fertilidade de uma área degradada devido ao uso intensivo de práticas convencionais de preparo e manejo do solo. Durante as visitas para diagnóstico e planejamento da área junto ao agricultor foi realizada a medição da área (0,63ha), a coleta de amostra de solo e a escolha das espécies a serem plantadas. A análise de solo realizada indicou baixos teores da maioria dos nutrientes, justificando a ação de recuperação da fertilidade do solo. Desta forma, foi proposto realizar a calagem da área (750kg/ha) e o plantio de dois ciclos de adubação verde. O primeiro ciclo foi proposto para permitir a comparação entre dois arranjos, um apenas com Mucuna cinza (Mucuna pruriens) e o outro com Crotalária juncea e Feijão de porco (Canavalia ensiformis). O segundo ciclo deve ser planejado a partir da avaliação do primeiro. A Figura 2 apresenta o croqui da área.

Figura 2 – croqui da área de pousio O Projeto AA ficou responsável por viabilizar as sementes de adubação verde, o calcário, o recurso para preparo da área com trator e monitoramento (controle do mato pelas leguminosas e macrofauna do solo). O agricultor cedeu a área para pousio, ficou responsável por acompanhar o preparo do solo, realizar a aplicação do calcário e o plantio das sementes. Lote Demonstrativo 3 – manejo agroecológico na criação de galinhas caipira A proposta de trabalho neste lote demonstrativo é desenvolver uma forma agroecológica de criação e manejo de frangos caipiras para corte, introduzindo o conceito de pasto e piquetes, e a produção de grãos para formulação de ração na propriedade, visando a diminuição dos custos, o aumento da produção e a condução no sistema orgânico.

O diagnóstico realizado no galinheiro identificou que atualmente são criadas de 40 a 100 galinhas por ciclo, das raças Rhode Island Red, Galinha caipira do Pescoço Pelado e Paraíso Pedrês. O galinheiro possui 32m², dividido em 3 partes e a área do pasto é de 470m². Os pintinhos são comprados e chegam com 7 dias, já vacinados.

Legenda: 1 – plantio de Mucuna cinza 2 – plantio de Feijão de Porco e Crotalária juncea

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A ração utilizada é de crescimento, comprada pela agricultora. Foi identificada a demanda de reformar o piso do galinheiro, adequar o sistema de cortinas para proteção do galinheiro, os comedouros e bebedouros, o telhado, o pinteiro e o poleiro.

Figuras 3 e 4: visão geral do galinheiro antes do redesenho.

Durante as visitas técnicas para planejamento das ações a serem realizadas foi proposto reformar o galinheiro, ampliar a área de pasto, dividir a área em 4 piquetes, plantar diferentes fontes de alimentação nos piquetes e iniciar o plantio de culturas para produção de ração.

Os princípios a serem exemplificados nesse lote demonstrativo são: cobertura do chão do galinheiro, cobertura adequada do telhado do galinheiro, cortinas no galinheiro, área de pastagem, piqueteamento de pastagem, comedouro e bebedouro adequados, alimentação com insumos locais, entrada de luz e manejo adequado das galinhas.

O Projeto AA irá viabilizar os materiais necessários para reformar o galinheiro e estruturar os piquetes no pasto. O acompanhamento técnico deverá contribuir no desenvolvimento das técnicas de manejo e no monitoramento e registro das ações, transformando o galinheiro em uma unidade demonstrativa. A agricultora ficará responsável por continuar o cuidado com os animais de acordo com as orientações técnicas, viabilizar a mão de obra para as ações planejadas bem como sua manutenção, registrar as ações realizadas em seu caderno de campo e compartilhar a experiência com outros agricultores. Lote Demonstrativo 4 – introdução e manejo de quebra-vento e cobertura morta O objetivo deste lote demonstrativo é introduzir o conceito de cobertura morta e quebra-vento, desenvolvendo juntamente com o agricultor uma forma viável de manejo, demonstrando as formas menos trabalhosas e mais eficientes de se implantar essas tecnologias.

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Durante as visitas de diagnóstico e planejamento identificou-se que o agricultor possui um plantio de maracujá azedo implantado em maio e julho de 2016. A área plantada é de 1825m², com espaçamento de 2,5 por 2m, o manejo da entrelinha é feito com capina e herbicida, não há consorcio na entrelinha, a cobertura do solo é feita com os restos de capina, a adubação realizada no plantio foi supersimples e esterco e NPK 10-30-17 como adubação de cobertura, o plantio é irrigado com gotejamento. A proposta de implantação consiste no plantio de Capim Napier na direção dos ventos predominantes, sendo o plantio realizado em linhas duplas para possibilitar o manejo contínuo do quebra vento; cultivo de plantas para cobertura fora da área de cultivo e/ou em consórcio para formação de camada densa de cobertura morta. Desta forma, os princípios agroecológicos a serem exemplificados são: inserção e manejo de quebra-vento, inserção de espécies de adubos verdes nas entrelinhas, cobertura morta densa, plantio consorciado e diminuição do uso de insumos sintéticos. O Projeto AA irá fornecer as sementes necessárias para o manejo proposto. O agricultor ficará responsável por realizar o manejo de acordo com as orientações técnicas e receber agricultores para intercâmbio de experiências. Lote Demonstrativo 5 – manejo agroecológico da cultura da banana O objetivo deste lote demonstrativo é realizar o manejo do bananal baseado em técnicas consagradas, como a condução mãe, filha e neta, e introdução de técnicas agroecológicas, como consórcio na entrelinha, cobertura morta e quebra-vento, visando a sanidade do bananal e a melhoria do trabalho e da produção. O diagnóstico realizado nos cultivos de banana da comunidade orientou a estruturação do curso “Manejo Agroecológico da Cultura da Banana”, que enfatizou as técnicas de manejo e a identificação de doenças mais comuns. As visitas técnicas de planejamento foram realizadas no lote de um agricultor indicado após o curso para ser o experimentador das técnicas trabalhadas. O lote já possui um plantio de banana da terra com um ano de implantação. O espaçamento entre as linhas é de 3m, sem padrão entre as plantas. O cultivo, no geral, apresenta bom aspecto fitossanitário. Contudo, foi observada a presença de broca, inseto conhecido como moleque da bananeira (Cosmopolites sordidus). Quanto ao manejo, o agricultor costuma deixar touceiras com apenas dois indivíduos, muitas vezes replantando a muda nas entre-plantas, realiza o corte da ráquis logo após a emissão da última penca e utiliza as folhas secas da bananeira e os pseudocaules cortados como cobertura morta para o solo. As entrelinhas são capinadas ou manejadas com herbicida (Gramoxone – Paraquat).

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Dentre as técnicas a serem colocadas em prática neste lote estão: introdução de quebra-vento com capim Napier no entorno dos talhões, visando proteger a cultura contra pragas e doenças e diminuir a intensidade do vento; mudança no uso da entrelinha com introdução de cultivos anuais (feijão, abóbora, milho) para ajudar a sombrear o solo, diminuindo o crescimento de plantas espontâneas e gerando renda e introdução de adubo verde na entrelinha para ajudar na adubação e no controle de plantas espontâneas, diminuindo a demanda de capina, seja ela química ou manual; uso de cobertura morta; práticas consagradas como a condução mãe, filha e neta, o corte e retirada do coração e o corte em cuia para controle do moleque. O Projeto AA irá fornecer as sementes necessárias para o manejo proposto. O agricultor ficará responsável por realizar o manejo de acordo com as orientações técnicas e a receber agricultores para intercâmbio de experiências. O diagnóstico, o planejamento de ações, o início do desenvolvimento das atividades e o acompanhamento técnico, possibilitaram observar a diferença no perfil dos agricultores. Alguns possuem uma característica pró ativa que por vezes conseguem colocar em prática as ações planejadas com o técnico, conseguem ser propositivos durante o planejamento, mas as vezes avançam nas ações sem dialogar com os técnicos e descaracterizam a prática agroecológica proposta. Por outro lado, alguns agricultores são mais resistentes em experimentar as novas técnicas e demandam muitas visitas e muito diálogo para iniciar as ações planejadas. Foram necessários alguns meses de trabalho para estabelecer uma dinâmica efetiva de acompanhamento dos lotes demonstrativos. Foram enfrentadas dificuldades como manter a periodicidade das visitas de acompanhamento técnico, insegurança de orientar os agricultores no uso de práticas agroecológicas desconhecidas pelos técnicos, lento envolvimento dos agricultores nas ações propostas para os lotes demonstrativos, período com pouca chuva para efetivação de plantios, entre outras.

Conclusões Os lotes demonstrativos tem sido uma ferramenta importante para dar continuidade aos processos de formação em agroecologia e envolver agricultores experimentadores na construção de práticas que contribuem para a transição agroecológica em assentamentos rurais e massificação da agroecologia. A realização de diagnósticos de produção e planejamentos conjuntos com os agricultores contribuem para conhecer o perfil dos agricultores e identificar os caminhos para a construção da transição agroecológica de cada agroecossistema. Cada agricultor é sensibilizado de forma diferente para a mudança (saúde, renda, cuidado com o meio ambiente, etc.) e isso precisa ser conhecido pelo técnico que irá atuar junto ao agricultor/a.

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O acompanhamento técnico, assim como sua constância são fundamentais para construção da confiança entre agricultor e técnico, o que motiva o agricultor a adotar as novas técnicas. Para isso, o técnico precisa estar confiante da técnica que está construindo com o agricultor, não ter dúvidas dos resultados que podem ser alcançados com a agroecologia. Essa confiança é construída e potencializada com a estruturação de equipes interdisciplinares e com o desenvolvimento constante de pesquisas que acompanhem os problemas identificados em campo. Dentre os principais resultados propiciados pela estratégia de massificação da Agroecologia por meio dos lotes demonstrativos, além dos avanços da própria transição agroecológica do assentamento, citamos um elemento crucial que é a valorização do saber local e o reconhecimento do protagonismo dos agricultores e agricultoras no processo de construção de uma nova agricultura, novo ideal e propósito de vida. Agradecimentos Agradecemos aos agricultores da Associação de Produtores Rurais Unidos Venceremos - APRUNVE, em especial aos que tem participado das ações de estruturação dos lotes demonstrativos: Ailson (Capixaba), Maria José, Edvaldo, Crispim, Maria, Ademir (Negão) e Marina. Referências bibliográficas

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