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AGRICULTURA FAMILIAR NO BRASIL: CARACTERÍSTICAS E ESTRATÉGIAS DA COMUNIDADE CRUZEIRO DOS...

Date post: 10-Mar-2016
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Este texto busca apresentar as principais discussões sobre a agriculturafamiliar no Brasil, dando ênfase às características econômicas e socioculturais, bemcomo às dificuldades enfrentadas pelos produtores da comunidade Cruzeiro dosMartírios no município de Catalão, Estado de Goiás.

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  • XIX ENCONTRO NACIONAL DE GEOGRAFIA AGRRIA, So Paulo, 2009, pp. 1-28.

    AGRICULTURA FAMILIAR NO BRASIL: CARACTERSTICAS E ESTRATGIAS DA COMUNIDADE CRUZEIRO DOS MARTRIOS MUNICPIO DE CATALO (GO)

    FAMILIAR AGRICULTURE IN BRAZIL: CHARACTERISTICS AND STRATEGIES OF THE CRUZEIRO DOS MARTRIOS COMMUNITY CITY OF CATALO (GO)

    Juniele MARTINS SILVA

    Graduanda do Curso de Geografia, Universidade Federal de Gois, Campus CataloNcleo de Estudos e Pesquisas Scio-Ambientais (NEPSA/CNPq)

    Bolsista PIBIC/CNPq/[email protected]

    Estevane de Paula Pontes MENDES

    Profa. Dra. do Curso de Geografia, Universidade Federal de Gois, Campus CataloNcleo de Estudos e Pesquisas Scio-Ambientais (NEPSA/CNPq)

    [email protected]

    Resumo: Este texto busca apresentar as principais discusses sobre a agricultura familiar no Brasil, dando nfase s caractersticas econmicas e socioculturais, bem

    como s dificuldades enfrentadas pelos produtores da comunidade Cruzeiro dos

    Martrios no municpio de Catalo, Estado de Gois. Para a execuo deste trabalho foi

    realizada uma reviso terico-conceitual da literatura pertinente temtica e, ainda,

    levantamento, sistematizao, anlise de informaes de fontes primria e secundria.

    A pesquisa de campo foi realizada nos anos de 2007 e 2008, sendo aplicados um total

    de 38 roteiros de entrevista. Acredita-se no importante papel desempenhado por esses

    produtores tanto para agricultura quanto para sociedade no sentido de amenizar os

    problemas sociais e econmicos.

    Palavras-chave: Agricultura familiar. Caractersticas socioeconmicas. Modernizao conservadora. Catalo (GO).

    Abstract: This text search shows the main discussions about the familiar agriculture in Brazil, giving emphasis to the economics and socio-cultural, as well as the difficulties

    faced for the producers of the Cruzeiros dos Martrios community in the city of Catalo,

    state of Gois. For the execution of this work we accomplished a theoretical conception

    revision of the literature and, also, survey, systematization and informations analyse in

  • XIX ENGA, So Paulo, 2009 SILVA, J. M. e MENDES, E. E.

    primary and secondary fonts. The research field was accomplished in the years of 2007

    and 2008, been applied a total of 38 itinerary of interview. Believing in the important

    paper performed for these producers both for the agriculture and the society in the

    meaning of soften the socials and economics problems.

    Key-words: Familiar Agriculture. Socioeconomics characteristics. Preserved modernization. Catalo (GO).

    1 Introduo

    Com a expanso do sistema capitalista na agricultura brasileira a partir,

    principalmente, de 1960 e, conseqentemente, com o processo de modernizao, a

    situao dos pequenos produtores se agravou, pois esse processo foi seletivo e

    excludente. O estado de Gois tambm sofreu modificaes em seu espao agrrio

    devido aos vrios incentivos, do Estado, na agricultura.

    O aumento das discusses acerca da agricultura familiar, no decorrer da dcada

    de 1990, atribuda a uma srie de fatores, entre eles destacam-se os problemas

    relacionados grande concentrao fundiria e diversidade de situaes

    apresentadas pelas regies brasileiras, ao modelo de organizao sociopoltico e

    econmico, reforados por segmentos governamentais comprometidos com os

    interesses dos grandes proprietrios, com os interesses internacionais e com o

    fortalecimento do movimento dos trabalhadores que lutam pelo direito de reconquistar

    a terra.

    Assim, as discusses sobre a importncia social, econmica e cultural da

    agricultura familiar na sociedade contempornea ganharam novo flego, propiciando

    um ambiente favorvel para o debate da importncia dessas unidades produtivas para

    a agricultura e para a sociedade. Nesse sentido retomada a necessidade de

    redistribuio da propriedade fundiria e da renda, promovendo, tambm, a

    necessidade de compreender suas estratgias de reproduo, suas resistncias e suas

    potencialidades.

    Essas unidades produtivas tm sua origem histrica ligada grande propriedade

    rural e desenvolveram-se aliadas a uma estrutura de concentrao de terras e

    principalmente de mercados. Diante desse contexto, os pequenos produtores sempre

    2

  • Agricultura familiar no Brasil: caractersticas e estratgias da comunidade Cruzeiro dos Martrios municpio de Catalo (GO), pp. 1-18.

    estiveram margem das polticas agrrias e agrcolas adotadas, contribuindo

    gradativamente para a sua expulso do campo e favorecendo criao de uma

    estrutura fundiria concentrada e dependente das polticas globais.

    Nesse sentido, prope-se analisar as estratgias de reproduo e

    potencialidades da agricultura familiar no Brasil, dando nfase s caractersticas

    econmicas e socioculturais, bem como s dificuldades enfrentadas pelos produtores

    da comunidade Cruzeiro dos Martrios no municpio de Catalo (GO), decorrentes do

    processo de modernizao a partir, principalmente, do perodo de 1980. Assim, o

    trabalho emprico procurou compreender as condies histricas, socioeconmicas e

    culturais da agricultura familiar da comunidade Cruzeiro dos Martrios, localizada na

    parte noroeste do municpio de Catalo (GO), distando aproximadamente 90km da

    sede municipal e 20km do Distrito de Santo Antnio do Rio Verde. O acesso rea se

    d pela BR-050, no sentido Catalo (GO) Braslia (DF).

    A escolha da comunidade rural se deu, principalmente, pelo uso da mo-de-obra

    predominantemente familiar na unidade produtiva, o tamanho das propriedades, os

    rendimentos e uma multiplicidade de mecanismos e diversidade de competncias,

    resultando em estratgias de reproduo. O interesse de compreender as estratgias

    econmicas e socioculturais da comunidade Cruzeiro dos Martrios deve-se ao fato de

    ter feito parte da mesma, como sujeito atuante e participante da realidade local (morei

    de 1985 a 2002 na comunidade, cerca de 17 anos). Constitui minha identidade na

    comunidade e ainda possuo um sentimento de pertencimento com o lugar, alm dos

    laos de amizade e de parentesco.

    2 Material e mtodos

    Para a realizao da pesquisa foi feita uma reviso da literatura sobre a

    agricultura familiar nacional, regional e local. Os dados de fontes secundrias foram

    obtidos no Instituto Brasileiro de Geografia e Estatstica (IBGE - Posto Catalo), na

    Secretaria do Planejamento e Desenvolvimento do Estado de Gois (SEPLAN), na

    Secretria Municipal de Sade de Catalo e na Agncia Rural Goiana (AGR).

    A leitura e interpretao dos textos foram realizadas a partir de uma atitude

    filosfica radical, crtica e totalizante. Radical no sentido de buscar a origem do

    problema, crtica colocar o objeto do conhecimento em um ponto de crise, e total inserir

    o objeto da nossa reflexo no contexto do qual contedo (SPOSITO, 2004).

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  • XIX ENGA, So Paulo, 2009 SILVA, J. M. e MENDES, E. E.

    A partir da reviso literria foi realizado o trabalho de campo, dando nfase

    histria das famlias da regio, s tradies e, principalmente, organizao e s

    estratgias de reproduo, destacando elementos como tamanho da propriedade e da

    famlia, produo, comercializao, fora de trabalho, tecnologia, assistncia tcnica,

    financiamento e organizao dos produtores.

    A pesquisa emprica foi realizada no perodo de 2007 e 2008, na comunidade

    Cruzeiro dos Martrios municpio de Catalo (GO), que possui 77 sedes/residncias.

    Foram aplicados roteiros de entrevistas: a) com um dos moradores mais antigos da

    comunidade (Sebastio Martins Pereira, 83 anos), b) com a agente de sade e 37 com

    os produtores rurais da comunidade, o que representou 48% do total das

    sedes/residncias.

    O trabalho de campo tem papel fundamental, pois somente atravs dele que

    conhecemos a realidade pesquisada. Para Santos (1999), o trabalho de campo no

    deve limitar-se em apenas ouvir as pessoas, quanto ao sentido que elas do as coisas,

    ao terminado, nem tampouco ao real como fato realizado e acabado. Portanto o

    emprico deve promover contato, ou seja, a anlise voltada para as tendncias de

    interpretaes que os pesquisadores promovem do mundo em movimento dinmico

    orientado pelas determinaes sociais do seu lugar. De acordo com o autor, o

    procedimento implica na compreenso do vivido, o qual deriva dos atos prticos que as

    pessoas, a partir de suas organizaes sociais, vo construindo no tempo e no espao.

    As informaes obtidas podem ser classificadas em factuais (sexo, idade,

    estado civil, srie que cursa, empresa que trabalha, renda, religio, entre outras) e

    opinativas (crenas, suposies, valores, entre outras) (LUNA, 2000). Aps ter

    realizado a coleta de dados, esses foram elaborados, analisados, interpretados e

    representados de forma grfica.

    Para realizao de estudos de natureza socioeconmica foram utilizados os

    seguintes procedimentos (SEABRA, 1997; LUNA, 2004): a) compilao: levantamento

    de referncias (livros, artigos de peridicos, revistas especializadas, documentos,

    monografias, leis, sites). Elaborao de fichamentos para criao de um banco de

    informaes sobre a temtica da pesquisa; b) correlativo: refere-se correlao entre

    dados de mesma natureza (procedimento tcnico-metodolgico) que permite conhecer

    a evoluo de um dado conceito, destacando as principais divergncias; c) semntico:

    refere-se ao ato de conhecer. Elaborao do referencial terico bsico da pesquisa que

    permite a interpretao e a elaborao dos resultados conclusivos. A discusso

    terico-metodolgica sobre a realidade permite aprender representar para poder,

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  • Agricultura familiar no Brasil: caractersticas e estratgias da comunidade Cruzeiro dos Martrios municpio de Catalo (GO), pp. 1-18.

    num segundo momento, analisar: momento de descobrir leis; comprovar ou refutar

    hipteses; conhecer os mecanismos de funcionamento de um determinado fenmeno;

    avaliar o grau de generalidade possvel dos resultados obtidos e d) normativo:

    transformao do produto da pesquisa em modelos representados atravs de grficos

    e tabelas que possam traduzir de forma simples e visual os produtos obtidos com a

    pesquisa.

    3 Caracterizao e localizao do municpio de Catalo (GO)

    A rea escolhida para a realizao da pesquisa foi o municpio de Catalo,

    Estado de Gois. A Microrregio de Catalo integra-se Mesorregio do Sul Goiano

    (IBGE, 1990). Est compreendido entre os meridianos de 4717 e 48 12 Long. W Grt

    e os paralelos 1728 e 18 Lat. S, abrangendo uma rea de 3.778,6km (IBGE

    Censo, 2007), correspondendo a 1,11% do territrio goiano. Em seu contexto

    socioespacial, o municpio de Catalo possui trs povoados: Olhos Dgua, Pedra

    Branca e Cisterna, e dois distritos: Santo Antnio do Rio Verde e Pires Belo. O

    municpio conta com um total de 75.623 habitantes, sendo que 70.212 dos habitantes

    residem na zona urbana, o que corresponde a 92,84% da populao total, enquanto

    apenas 5.411 habitantes residem na zona rural, corresponde a 7,16%.

    A sede do municpio est localizada em um eixo dinmico, devido ampla

    estrutura de transportes, com destaque para a rodovia BR-050 (acesso a Braslia e So

    Paulo), as rodovias estaduais e a ferrovia Centro-Atlntica (FCA), utilizadas para fazer

    escoamento de minrios e fertilizantes para a fronteira agrcola (Bahia, Mato Grosso e

    Gois).

    A sede do municpio conta com um aeroporto para avies de pequeno e mdio

    porte. Possui um Distrito Mnero-Industrial de Catalo (DIMIC), com empresas

    mineradoras de beneficiamento e processamento de nibio (Fosfertil e Copebrs S.A)

    e fosfato (Minerao Catalo - grupo Anglo American). Com duas montadoras, John

    Deere (Cameco do Brasil), montadora de colheitadeiras de algodo e cana, e a

    Mitsubishi Motores Corporation, montadora de veculos automotores. Para Venncio

    (2008, p. 32), essas empresas contriburam para a dinamizao das atividades scio-

    econmicas e aumento do arrecadamento municipal.

    H duas instituies de ensino superior, o Campus Catalo da Universidade

    Federal de Gois, que oferece 15 cursos: Geografia, Letras, Educao Fsica, Histria,

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  • XIX ENGA, So Paulo, 2009 SILVA, J. M. e MENDES, E. E.

    Qumica, Fsica, Matemtica, Cincias da computao, Pedagogia, Administrao,

    Psicologia, Cincias Biolgicas, Engenharia Civil, Engenharia de Minas e Engenharia

    de Produo e o Centro de Ensino Superior de Catalo (CESUC), que oferece os

    cursos de Direito, Administrao, Fisioterapia, Pedagogia e Cincias Contbeis. O

    municpio conta tambm com duas escolas profissionalizantes: o Servio Nacional de

    Aprendizagem Industrial (SENAI) e o Servio Nacional de Aprendizagem Comercial

    (SENAC).

    A partir da dcada de 1980 foram modificadas as formas organizacionais e

    produtivas na agropecuria catalana, resultantes da expanso da soja nas reas de

    chapada (relevo plano) deste municpio. Essa transformao no espao agrrio de

    Catalo (GO) foi um dos fatores que contribuiu para a diminuio da populao rural do

    municpio e, em contrapartida, para a expanso da populao urbana. As famlias vm

    sendo expulsas gradativamente do meio rural em virtude da baixa renda do trabalhador

    rural. A maioria dos jovens migram para a cidade em busca de trabalho e estudo. A

    tabela 1 procura mostrar a mobilidade socioespacial nos perodos entre 1970 e 2007,

    decorrentes desse processo.

    Tabela 1 - Municpio de Catalo: Evoluo da populao urbana e rural 1960, 1970, 1980, 1991, 1996, 2000 e 2007.

    Anos PopulaoEvoluo da populao urbana,

    em % PopulaoEvoluo da populao rural,

    em % urbana Perodo Evoluo rural Perodo Evoluo

    1960 11.634 - - 14.464 - -1970 13.355 1960 a 1970 14,8 13.983 1960 a 1970 -9,51980 30.695 1970 a 1980 129,8 8.473 1970 a 1980 -65,01991 47.123 1980 a 1991 53,5 7.363 1980 a 1991 -15,01996 51.925 1991 a 1996 10,2 6.582 1991 a 1996 -11,12000 57.606 1996 a 2000 10,9 6.741 1996 a 2000 1,0

    2007 70.212 2000 a 2007 21,9 5.411 2000 a 2007 -24,6Fonte: Secretria do Planejamento e Desenvolvimento (SEPLAN-GO) - FIBGE - 1960, 1970, 1980, 1991, 1996, 2000 e 2007. Org. Martins Silva (2008).

    Quanto estrutura fundiria, o municpio de Catalo (GO) apresentou

    considerveis modificaes em um curto espao de tempo. Segundo dados dos

    Censos Agropecurios (1980, 1990 e 1996), houve uma diminuio do nmero de

    pequenas propriedades rurais at 100ha (21%) e entre 100ha e 1000ha (13%) e um

    aumento de cerca de 12% no nmero de estabelecimentos com rea superior a

    1000ha, que j correspondiam pela maior parte das reas rurais at o final da dcada

    de 1970 (MENDES, 2005).

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  • Agricultura familiar no Brasil: caractersticas e estratgias da comunidade Cruzeiro dos Martrios municpio de Catalo (GO), pp. 1-18.

    4 A agricultura familiar e a modernizao tecnolgica: as transformaes no espao agrrio goiano

    A agricultura familiar caracteriza-se pela relao entre terra, trabalho e famlia, e

    apresenta uma srie de especificidades e diferenciao regional/local que assegura

    sua insero e reproduo na sociedade contempornea. A partir da dcada de 1970,

    com a modernizao da agricultura, esse segmento passou a enfrentar problemas

    econmicos, sociais e territoriais.

    A agricultura familiar apresenta uma relao ntima entre terra, trabalho e

    famlia, onde a gerncia, o trabalho so realizados pela famlia e os meios de produo

    lhes pertencem. Essas unidades produtivas apresentam diversidades e diferenciaes

    econmicas e socioculturais que favorecem suas adaptaes na sociedade moderna.

    A agricultura familiar caracteriza-se pelo controle da famlia sobre os meios de

    produo e ao mesmo tempo a principal responsvel pela efetivao do trabalho.

    Nessas unidades produtivas o trabalho e a propriedade esto ligados famlia. A esse

    respeito Lamarche (1993), descreve que a explorao familiar corresponde

    [...] a uma unidade de produo agrcola onde propriedade e trabalho esto intimamente ligados famlia. A interdependncia desses trs fatores no funcionamento da explorao engendra necessariamente noes mais abstratas e complexas, tais como a transmisso do patrimnio e a reproduo da explorao. (LAMARCHE, 1993, p. 15, grifos do autor).

    Nesse contexto, a propriedade familiar considerada como um imvel rural, que

    diretamente e pessoalmente explorado pelo agricultor e sua famlia, em que absorve

    toda a sua fora de trabalho, garantindo a subsistncia e o progresso social e

    econmico, com rea mxima fixada para cada regio, e que, quando necessrio

    conta com ajuda de terceiros (BLUM, 2001).

    De acordo, com a Organizao das Naes Unidas para a Agricultura (FAO) e o

    Instituto Nacional de Colonizao e Reforma Agrria (INCRA) a agricultura familiar se

    define com base em trs caractersticas: a gerncia da propriedade rural feita pela

    famlia; os fatores de produo pertencem famlia (exceo, s vezes, terra) e so

    passveis de sucesso em caso de falecimento ou aposentadoria dos gerentes.

    Para Wanderley (2001), a agricultura familiar um conceito genrico que

    incorpora uma diversidade de situaes especficas e particulares. Para a autora, a

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  • XIX ENGA, So Paulo, 2009 SILVA, J. M. e MENDES, E. E.

    agricultura familiar que se reproduz nas sociedades modernas deve adaptar-se a um

    contexto socioeconmico prprio dessas sociedades. Essas adaptaes fazem que o

    agricultor passe a ser chamado de agricultor familiar moderno, porm no produzem

    uma ruptura total e definitiva com as formas anteriores, pois a tradio que ele possui

    que permite sua adaptao s novas exigncias da sociedade.

    Corroborando com a autora Lamarche (1993), em estudo sobre a agricultura

    familiar que estabelece uma comparao internacional, entre cinco pases: Frana,

    Canad, Brasil, Tunsia e Polnia, ressalta que a explorao familiar est presente em

    toda parte do mundo, apesar das numerosas tormentas econmicas e polticas que ela

    teve de enfrentar, sem dvida graas sua excepcional capacidade de adaptao.

    Para Lamarche (1993):

    [...] As exploraes que se mantiveram em seus lugares so as que souberam ou puderam adaptar-se s exigncias impostas por situaes novas e diversas s instabilidades climticas, coletivizao das terras ou mutao sociocultural determinada pela economia de mercado [...]. (LAMARCHE, 1993, p. 21).

    Quanto aos produtores que se encontram em dificuldades atualmente, deve-se

    ao fato destes no serem capazes de pensar de outra maneira seu modo de produzir e

    de viver, geralmente se encontram desprovidos de praticamente todo seu patrimnio

    sociocultural, seja porque regeneraram a maior parte do que os constituam, seja

    porque os pais, por diversos motivos, no julgaram importante transmitir-lhes tais

    valores. Para Lamarche (1993, p. 21) [...] Ao perder esse patrimnio, eles perderam

    tambm um capital de conhecimentos atravs dos quais poderiam encontrar solues

    alternativas [...].

    No entanto, essas unidades produtivas rurais, baseadas no trabalho familiar,

    enfrentam graves problemas por estarem subordinadas a uma estrutura concentrada

    da propriedade da terra e aos mercados no Brasil. Mendes (2005), em seu estudo

    sobre algumas comunidades rurais do municpio de Catalo (GO), com o intuito de

    conhecer as possibilidades de reproduo dos pequenos produtores rurais frente

    nova conjuntura imposta pelo sistema econmico capitalista, enfatiza o agravamento

    das condies de vida das famlias rurais frente s transformaes dos processos

    produtivos, a partir dos anos de 1960, como resultado da expanso do capitalismo no

    campo.

    Com a implantao do sistema econmico capitalista, estabelecem-se novas

    formas de apropriao dos meios de produo e do trabalho. A expanso do

    capitalismo impe condies de desigualdade, uma vez que a tendncia da agricultura

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  • Agricultura familiar no Brasil: caractersticas e estratgias da comunidade Cruzeiro dos Martrios municpio de Catalo (GO), pp. 1-18.

    capitalista o estabelecimento de uma aliana entre a cincia e os negcios, em que a

    agricultura passa a necessitar constantemente de capital.

    Desse modo, a modernizao da agricultura brasileira, propiciada pela

    implantao do sistema econmico capitalista, modificou as relaes dos pequenos

    produtores baseadas essencialmente na famlia, na terra e no trabalho, agravando

    suas condies de insero no mercado, pois com a expanso do setor mercantil de

    alimentos no seria vivel investir em pequenas propriedades. Assim os incentivos em

    crditos e pesquisas foram direcionados, em grande parte, para a agricultura

    empresarial moderna.

    Nessa perspectiva, as grandes exploraes, capazes de absorver os recursos tecnolgicos e demais insumos agrcolas e, fundamentadas no trabalho assalariado, seriam o modelo de propriedade adequada para atender ao crescimento da atividade industrial e da populao urbana, conjugando uma oferta regular e em larga escala de matrias-primas e alimentos. (MENDES, 2005, p. 36).

    Com isso, a modernizao favoreceu s grandes propriedades, que so capazes

    de produzir matria-prima e produtos para o mercado interno e externo. Sobre esse

    assunto, Moreira (1999) afirma que, na agricultura contempornea, essa modernizao

    parcial, estimula o uso de tcnicas mais intensivas em capital nos produtos de

    exportao e na matria-prima industrial.

    Com a expanso da modernizao em todo territrio nacional, o Cerrado goiano

    passa a ser alvo de investimentos, a partir da dcada de 1980, sendo incorporado pelo

    processo de modernizao nacional em curso. As polticas e os programas

    governamentais de ao direta sobre a regio foram os Programas de

    Desenvolvimento dos Cerrados (POLOCENTRO) e os Programas de Cooperao

    Nipo-brasileira para o Desenvolvimento dos Cerrados (PRODECER). Nesse sentido, o

    financiamento rural foi um poderoso instrumento de modernizao da agricultura, ao

    possibilitar a incorporao de maquinaria e insumos ao processo produtivo. Para

    Estevam (2004):

    o crdito rural foi um dos instrumentos bsicos da modernizao agrcola e fortaleceu, de maneira acelerada, o processo de capitalizao no campo. Para concesso de financiamento exigia-se certo padro tecnolgico, elevada densidade de capital, monetarizao, alm de farta aquisio de fertilizantes e outros insumos. A diversidade de linhas de crditos, bem como as taxas de juros subsidiadas, estimularam grande nmero de interessados a se instalar nos Cerrados. (ESTEVAM, 2004, p. 738).

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  • XIX ENGA, So Paulo, 2009 SILVA, J. M. e MENDES, E. E.

    Esse sistema de crdito contribuiu para impulsionar a modernizao da

    agricultura e, conseqentemente, o aumento das desigualdades no campo, dificultando

    a vida dos pequenos produtores. Esse processo exigiu aparatos tecnolgicos,

    densidade de capital e aquisio de insumos. Diante dessa realidade os pequenos

    produtores ficaram impossibilitados de usufrurem de financiamentos que pudessem

    contribuir para a melhoria de suas condies de sobrevivncia e permanncia nas

    reas rurais. Mendes (2005) diz que se soma a essas questes os aspectos culturais, a

    formao educacional, as questes climticas, e manifestaes de descontrole

    biolgicos, tais como infestaes de pragas e doenas que tornam a agricultura, para

    os produtores pouco capitalizados, um negcio de alto risco.

    Diante desse contexto, os agricultores familiares encontram-se sujeitos

    modernizao da agricultura, passaram a ter necessidade da garantia de um territrio

    familiar. Como afirma Wanderley (2001), a agricultura familiar frente a essas

    transformaes passa a ter necessidade da garantia da construo de um territrio

    familiar, que seja seu lugar de vida e de trabalho, assegurando para as geraes

    futuras a memria da famlia.

    Fernandes (2006), a partir de suas reflexes sobre os territrios camponeses,

    afirma que o campo pode ser pensado como um territrio ou como um setor da

    economia. Mas para esse autor, o significado territorial mais amplo que o significado

    setorial que entende o campo simplesmente como espao de produo de

    mercadorias.

    [...] Pensar o campo como territrio significa compreend-lo como espao de vida, ou como um tipo de espao geogrfico onde se realizam todas as dimenses da existncia humana. O conceito de campo como espao de vida multidimensional e nos possibilita leituras de polticas mais amplas do que o conceito de campo ou de rural somente como espao de produo de mercadorias. A economia no uma totalidade, ela uma dimenso do territrio. (FERNANDES, 2006, p. 28-29).

    nas dimenses territoriais que acontecem todas as relaes sociais como

    educao, cultura, produo, infra-estrutura, organizao poltica, mercado etc., que

    ocorrem sempre de forma interativa e completiva. Neste contexto, o territrio dos

    produtores rurais no deve ser percebido apenas como um local onde a sociedade

    habita, e sim compreendido como territrio cultural, com uma parcela de identidade,

    fonte de uma relao afetiva com o espao. Haesbaert (2006), ao trabalhar as

    concepes de territrio para compreender o processo de desterritorializao e

    reterritorializao, ressalta que alm do territrio ser um espao poltico e econmico,

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  • Agricultura familiar no Brasil: caractersticas e estratgias da comunidade Cruzeiro dos Martrios municpio de Catalo (GO), pp. 1-18.

    deve ser valorizado em sua dimenso cultural, identitria, vinculado diferenciao e

    diversidade cultural.

    Almeida (2008), em estudo que discute as paisagens culturais e as identidades

    territoriais, ou seja, a etnoterritorialidade do sertanejo brasileiro, tendo como

    referncias os biomas Caatinga e Cerrado, afirma que o territrio responde em primeira

    instncia pelas necessidades econmicas, sociais e politicas da sociedade. Mas para a

    autora o territrio , tambm, um objeto de operaes simblicas, sendo nele que os

    sujeitos projetam suas concepes de mundo. Assim.

    O territrio , antes de tudo, uma convivialidade, uma espcie de relao social, poltica e simblica que liga o homem a sua terra e, simultaneamente, estabelece sua identidade cultural. Nestas condies, compreende-se de que maneira o significado poltico do territrio traduz um modo de recorte e de controle do espao, garantindo sua especificidade e se serve como instrumento ou argumento para a permanncia e a reproduo dos grupos humanos que a ocupam [...]. (ALMEIDA, 2008, p. 58-59).

    O territrio deve ser considerado, como um espao constitudo por cultura,

    smbolos/signos, histria, religio, e com fortes laos de identidade e de pertencimento

    que se manifestam na convivncia. Sobre o assunto Almeida (2008) ressalta que o

    territrio para os indivduos que tm uma identidade territorial, o resultado de

    apropriao simblico do espao, sendo carregado de significados e relaes

    simblicas.

    Para Castells (2006, p. 22) identidade entendida como [...] a fonte de

    significados e experincia de um povo [...]. A identidade o processo de construo

    de significado com base num atributo cultural, ou ainda um conjunto de atributos inter-

    relacionados, que prevalece sobre outras fontes de significado. As identidades

    constituem fontes de significado para os prprios atores, por eles originadas, e

    construdas por meio de um processo de individuao.

    A cultura por ser uma dimenso territorial, possui grande importncia para os

    produtores rurais. A cultura pode ser considerada como sendo o conjunto de saberes,

    tcnicas, crenas e valores, fazendo parte do cotidiano dos produtores rurais no

    territrio. Sobre o assunto Wagner e Mikesell (2003, p. 28) em estudo sobre os

    principais temas da geografia cultural, afirma que a noo de cultura no considera

    indivduos isolados, ou caractersticas pessoais que possuem, mas [...] comunidades

    de pessoas ocupando um espao determinado, amplo e geralmente contnuo, alm das

    11

  • XIX ENGA, So Paulo, 2009 SILVA, J. M. e MENDES, E. E.

    numerosas caractersticas de crena e comportamento comuns aos membros de tais

    comunidades.

    Pode-se afirmar que cultura para os agricultores familiares a capacidade de

    comunicarem entre si por meio de smbolos. Para Wagner e Mikesell (2003) quando as

    pessoas conseguem agir e pensar de modo semelhante, porque vivem, trabalham e

    conversam juntas, aprendem com os mesmos companheiros e mestres, tagarelam

    sobre os mesmos acontecimentos, ainda, observam ao seu redor, atribuem o mesmo

    significado aos objetos feitos pelo homem, participam dos mesmos rituais e recordam o

    mesmo passado. Nesse sentido, constituem uma identidade cultural, baseados em

    saberes, crenas, comportamentos e valores.

    Diante do exposto, verifica-se que a agricultura familiar, frente s

    transformaes promovidas no espao agrrio, pela modernizao da agricultura, teve

    suas condies de insero no mercado e de reproduo agravadas. O modelo de

    modernizao implantado no Brasil foi um modelo conservador e excludente,

    favorecendo a agricultura empresarial moderna. Nesse contexto, emerge um

    sentimento de reao para a preservao de um territrio, em que os agricultores

    familiares se reproduzam e consigam assegurar e manter sua cultura e seu modo de

    vida.

    5 Caractersticas socioculturais e socioeconmicas da comunidade Cruzeiro dos Martrios

    A agricultura familiar no Brasil apresenta diversidades e diferenciaes

    regionais, o que torna importante os estudos e as anlises de reas especficas, para a

    compreenso da organizao, reproduo e dificuldade desse segmento. Nesse

    sentido, foi escolhida a comunidade Cruzeiro dos Martrios, municpio de Catalo (GO),

    com o intuito de especificar essas diferenciaes e especificidades locais dentro de

    quadro terico mais amplo. Essa comunidade possui um patrimnio cultural

    caracterizado pela religiosidade, fortes laos de parentesco, amizade e vizinhana.

    O Sr. S. M. Pereira (informao verbal, Catalo (GO), mar., 2007) no soube

    dizer com exatido quando surgiu a comunidade, o que faz acreditar que surgiu antes

    de 1900. Mesmo perodo em que ocorreu o aparecimento de outras comunidades no

    municpio de Catalo (GO), coincidindo-se com a chegada das primeiras famlias

    pioneiras no fim do sculo XIX, cuja migrao foi favorecida pela construo da rede

    ferroviria.

    12

  • Agricultura familiar no Brasil: caractersticas e estratgias da comunidade Cruzeiro dos Martrios municpio de Catalo (GO), pp. 1-18.

    A origem do nome do lugar, inicialmente Martrios, foi devido ao Ribeiro e o

    acrscimo Cruzeiro, deve-se aos Cruzeiros que foram erguidos prximos ao centro

    comunitrio e ao cemitrio da comunidade, expressando a f e devoo das famlias

    com predomnio da religio catlica. Para Andrade (2008, p. 168) a manifestao

    desses aspectos cria sentimentos de pertencimento, fundamentados pelos valores

    morais ligados religiosidade catlica, construdos ao longo do processo de ocupao

    do espao. O autor, em seu estudo sobre as prticas socioculturais e religiosas, na

    comunidade Tenda do Moreno, municpio de Uberlndia (MG), afirma que os cruzeiros

    podem ser entendidos como smbolos criados a partir das prticas religiosas.

    Naquela poca o trabalho na propriedade era dividido da seguinte forma: os pais

    cuidavam do gado, do plantio e do cultivo, as mes eram responsveis pelas atividades

    domsticas e outros servios, como fabricao da farinha e do polvilho, moagem da

    cana e manuteno da hortalia. Os filhos comeavam cedo no trabalho, desde os oito

    anos acompanhavam os pais, j as filhas auxiliavam as mes, ajudando na busca de

    gua nos regos e crregos e de lenha. Sobre o trabalho infantil, Andrade (2008) e

    Mendes (2008) afirmam que a dedicao das crianas servia como ferramenta na

    construo de costumes ligados aos significados do trabalho no modo de vida rural, ou

    seja, como pressuposto da formao cultural de pessoas honestas, dignas e de boa

    ndole.

    Havia tambm os agregados que moravam nas propriedades, trabalhavam por

    conta prpria, cuidavam do gado e cultivavam gneros alimentcios. A renda da terra

    era paga com aproximadamente 20% a 30% da produo para o proprietrio. Sua

    jornada de trabalho era elevada, iniciavam as 6h e encerravam as 17h. Para Andrade

    (2008) os agregados, alm das relaes que mantinham com os proprietrios das

    terras em que moravam, podiam conseguir rendimentos monetrios em outras

    propriedades, quando suas cotas de trabalho, institudas pelos fazendeiros com os

    quais mantinham vnculos sociais de dependncia e subordinao fossem alcanadas.

    Existia tambm o costume da realizao dos mutires que eram geralmente aos

    sbados. Reuniam cerca de 20 a 30 pessoas da regio para a realizao de alguns

    servios, como bater palha, capinar roas e plantios. Havia tambm o mutiro de

    mulheres que cuidavam, principalmente, do algodo. Candido (1998, p. 69) afirma que

    o mutiro no propriamente um socorro, um ato de salvao ou um movimento

    piedoso; antes um gesto de amizade, um motivo para folgana, uma forma sedutora

    de cooperao para executar rapidamente um trabalho agrcola. Candido (1998)

    13

  • XIX ENGA, So Paulo, 2009 SILVA, J. M. e MENDES, E. E.

    realizou um estudo sobre os meios de vida de um agrupamento de caipiras no

    municpio de Bofete (SP) entre os anos de 1948 e 1954, procurando compreender os

    aspectos da cultura, a partir da realidade econmica dessa populao.

    A traio era outra prtica de trabalho solidrio muito utilizada na comunidade.

    Quando percebiam que algum morador precisava de ajuda, os parentes, amigos e

    vizinhos faziam a surpresa do mutiro e no final realizavam a tradicional festa. Para

    Candido (1998, p. 69) traio uma terminologia regional utilizada para significar o

    carter de surpresa da demo/mutiro.

    Na comunidade Cruzeiro dos Martrios, dentre os aspectos culturais mais

    significativos, destaca-se a religiosidade. A maioria dos moradores eram catlicos, o

    que explica a organizao das tradicionais festas religiosas no decorrer do ano. As

    famlias organizavam as festas em homenagem aos Santos Reis, So Sebastio,

    Santo Antnio, So Joo e Nossa Senhora da Abadia. Essas festividades permitiam

    aos moradores a oportunidade de reunir e rezar o tero para os santos e se divertirem

    juntamente com parentes e amigos da regio. As festas ocorriam, geralmente, de

    janeiro a setembro. Na regio, o santo mais festejado era So Sebastio, por ser o

    santo padroeiro da comunidade.

    Nota-se que hoje as festas vm acontecendo com menos expresso, tendo

    como um dos fatores responsveis a expanso de igrejas evanglicas de vrias

    denominaes na comunidade. A partir da dcada de 1990, verifica-se que cerca de

    37% dos moradores da regio j so evanglicos (Grfico 1).

    63%

    37%

    Evanglicos Catlicos

    Grfico 1 - Comunidade Cruzeiro dos Martrios, Catalo (GO): produtores evanglicos.

    Fonte: Pesquisa de campo, 2007 e 2008. Martins Silva (2008).

    Atualmente na comunidade acontece a festa de Santos Reis (Figura 1) e, desde

    2007, a festa dos produtores rurais, que acontece no ms de junho aps a colheita,

    14

  • Agricultura familiar no Brasil: caractersticas e estratgias da comunidade Cruzeiro dos Martrios municpio de Catalo (GO), pp. 1-18.

    essa festa tem por objetivo arrecadar dinheiro, sua caracterstica marcante so as

    cavalgadas. Venncio (2008) em seu estudo sobre a importncia poltica, econmica e

    cultural da agricultura familiar na comunidade rural So Domingos, municpio de

    Catalo (GO), a partir da leitura do territrio, ressalta que apesar das transformaes

    ocorridas nas festas, estas ainda representam um elemento cultural de grande

    importncia nos laos comunitrios, pois na sua realizao, as manifestaes como a

    religiosidade, o lazer e a unio dos moradores so mantidas vivas.

    Figura 1 - Comunidade Cruzeiro dos Martrios, Catalo (GO): Festa em louvor a Santos Reis.Autora: Martins Silva (2008).

    Nota-se que nas comunidades rurais do municpio de Catalo (GO) muito

    comum a devoo aos santos, explicando o fato das festas e os teros em suas

    homenagens. Para Tedesco (1999), os santos fazem parte do cotidiano no s

    religioso, esto ligado tambm morte, s plantaes, s curas, aos castigos, s

    benesses, vida afetiva e social, soluo de dificuldades. Assim, marcam presena

    na vida dos produtores, bem como na coeso social e na normatividade familiar.

    Prticas como o mutiro e a traio j foram extintas da comunidade, o que

    ocasionou mudanas no modo de vida, na cultura e nas relaes de trabalho do lugar.

    Neste contexto, acredita que uma das causas mais significativas para que esse fato

    tenha ocorrido seja a expanso da agricultura moderna na regio. Observa-se que o

    processo de construo das identidades temporal, espacial e mutvel na

    15

  • XIX ENGA, So Paulo, 2009 SILVA, J. M. e MENDES, E. E.

    comunidade, pois como afirma Andrade (2008) as identidades e pertencimentos vm

    sendo (re) construdos ao longo do tempo histrico, pois os modos de vida presentes

    no lugar se inserem num contexto dinmico de transformaes que interferem nas

    prticas socioculturais, religiosas e econmicas.

    Na comunidade Cruzeiro dos Martrios, municpio de Catalo (GO) so visveis

    as relaes de parentesco, vizinhana, amizade e compadrio. Para Tedesco (1999), a

    relao parentesco possui mais um carter simblico de sangue, essa idia ganha

    significados simblicos e prticos, pois o critrio de bom ou ruim algo identificado

    com o sangue, tendo uma transmisso de identidade, e assim as identidades morais e

    sociais tendem a ser ligadas ao sangue. No entanto, quanto mais forte e viva essa

    relao, mais intensos sero os sentimentos de proximidade na atividade comunitria.

    Os vizinhos tm um carter de vida em comum, e se distinguem dos parentes,

    pelo fato de possurem solidariedade em contrapartida da obrigao. Os principais

    gestos de solidariedade so: a auto-ajuda, a prestao de servios, a troca de dias, a

    troca de bens/mercadorias, o emprstimo de produtos, entre outros. Mas para Tedesco

    (1999) essa solidariedade no algo gratuito e natural, a solidariedade deve ser

    recproca. Sobre o assunto Mendes (2005) ressalta que as famlias quando

    estabelecem uma organizao de vizinhana, cria um sentimento de localidade e

    identificao.

    O compadrio muito comum na comunidade rural Cruzeiro dos Martrios,

    municpio de Catalo (GO), sendo que os padrinhos de batismo so os parentes e os

    vizinhos. Para Tedesco (1999), a relao de compadrio entre vizinhos uma forma de

    aperfeioar a solidariedade e a obrigao. J a amizade dos produtores rurais da

    comunidade caracteriza-se pelas semelhanas, a partir das condies de trabalho ou

    modo de pensar, ou seja, aqueles que compartilham uma mesma condio, que

    participam da mesma f, reconhecem-se entre si e tendem a ficar amigos, pois esto

    ligados pelos mesmos laos e trabalhando em uma mesma obra.

    A comunidade Cruzeiro dos Martrios possui uma diversidade quanto a culinria.

    Essa diversidade da culinria da comunidade Cruzeiro dos Martrios um reflexo do

    estado de Gois. Para Barbosa (2008) em estudo que faz uma anlise sobre a

    gastronomia regional do Estado de Gois, com o intuito de mostra a diversidade da

    mesma, afirma que [...] a cultura gastronmica goiana se manifesta por meio da

    diversidade de cardpios que compem seus pratos tpicos, dos festivais tendo como

    foco a degustao de comida local, demostrando a importncia cultural que o Estado

    adquiriu com o ato de comer [...]. (BARBOSA, 2008, p. 217).

    16

  • Agricultura familiar no Brasil: caractersticas e estratgias da comunidade Cruzeiro dos Martrios municpio de Catalo (GO), pp. 1-18.

    A mesa bsica dos produtores da comunidade so: o arroz, o feijo, as verduras

    produzidas nas hortas das propriedades, muita carne e geralmente farinha de

    mandioca. No perodo de outubro a janeiro o pequi, fruto tpico do Cerrado faz parte

    das refeies dos produtores. Em algumas pocas do ano so preparados vrios

    pratos a base de milho verde, o angu que degustado com frango e quiabo, o mingau

    (curau), e as pamonhas, para a preparao das pamonhas so convocadas outras

    pessoas (vizinhos, parentes e amigos), sendo uma oportunidade de encontros e

    diverso. Na comunidade muito comum os doces de leite, mamo, figo, laranja,

    limo, cidra, manga entre outros. Os bolos na grande maioria so base de queijos e

    polvilho como o po de queijo e o biscoito de queijo.

    Nota-se que na comunidade existe um exagero em relao a diversidade e

    quantidade de alimentos nas refeies. Para Tedesco (1999) isso se explica, porque a

    presena de comida farta na mesa significa uma afirmao social, uma apresentao

    de trabalho. O comer bem no sinnimo de no estar com fome; se abastecer o

    suficiente; mostrar que h alimento. Se h alimento, porque h trabalho [...].

    (TEDESCO, 1999, p. 254, grifo do autor).

    Uma das mudanas mais significativas na comunidade Cruzeiro dos Martrios

    deu-se sobre a renda da terra atravs da expressiva prtica do arrendamento.

    Aproximadamente 29,7% dos produtores arrendam parte de suas terras para os

    produtores que vieram, principalmente, do Sudeste (So Paulo), no perodo de 1980.

    Os produtos mais cultivados por esses produtores so a soja (cerca de 81,8%), o milho

    e o arroz.

    A mdia de idade dos produtores rurais do municpio de Catalo (GO)

    considerada alta, sendo de 50 anos para homens e 48 anos mulheres. Nas

    comunidades Morro Agudo/Cisterna e Custdia a faixa etria dos homens de 51 e

    das mulheres de 49 anos, na comunidade Ribeiro os homens possuem a mdia de

    46 anos e as mulheres 43 anos, a comunidade Mata Preta a faixa etria dos homens

    de 56 anos e 53 para as mulheres, j a comunidade Cruzeiro dos Martrios a faixa

    etria de 49 anos para homens e 45 anos para as mulheres (Tabela 2). A

    composio mdia das famlias nessas comunidades de 3,3 pessoas por

    famlia/propriedade, o que demonstra um fator limitante no que diz respeito

    disponibilidade de mo-de-obra na unidade produtiva, sendo um dos motivos pelos

    quais os produtores recorrem ao trabalho temporrio em perodos, principalmente, de

    plantio e colheita.

    17

  • XIX ENGA, So Paulo, 2009 SILVA, J. M. e MENDES, E. E.

    Tabela 2 - Comunidades rurais Morro Agudo/Cisterna, Custdia, Ribeiro, Mata Preta e Cruzeiro dos Martrios em Catalo (GO): idade dos produtores rurais e composio mdia das famlias na comunidade pesquisadas 2007.

    Comunidades Idade pai Idade me N.filhos Filhos < 12 anos Filhos anosM. A./CisternaCustdiaRibeiroMata PretaCruzeiro dos Martrios

    5151465646

    4949435345

    1,41,61,41,11,8

    0,50,40,40,20,6

    0,91,20,80,91,2

    Mdia 50 48 1,5 0,5 1,0

    Fonte: Secretaria Municipal de Sade de Catalo. Org. Lambert (2007).

    Na comunidade Cruzeiro dos Martrios nota-se o envelhecimento dos produtores

    rurais, a faixa etria dos chefes de famlia encontra-se entre 31 a 60 anos e para as

    mulheres a faixa etria entre 21 e 60 anos. Esse fato observado pela mdia de

    idade, sendo a mdia para os homens de 49 e as mulheres com uma mdia de 45

    anos. O grfico 2 mostra a distribuio da idade dos homens e mulheres da

    comunidade.

    22,85 22,85

    28,12

    6,25

    21,87

    25

    6,25

    12,5

    25,71

    17,14

    5,71 5,71

    0

    5

    10

    15

    20

    25

    30

    21 a 30 31 a 40 41 a 50 51 a 60 61 a 64 Acima de 65

    Hom ens Mulheres

    Grfico 2 - Comunidade Cruzeiro dos Martrios, Catalo (GO): idade mdia dos produtores em %.Fonte: Pesquisa de campo, 2007 e 2008. Org.: Martins Silva. (2008)

    O grau de escolaridade na comunidade Cruzeiro dos Martrios considerado

    baixo. Na comunidade no havia escolas da rede pblica de ensino no campo, os

    proprietrios com melhores condies financeiras contratavam professores particulares

    da cidade que passavam a morar na propriedade temporariamente at que os filhos

    fossem alfabetizados. Segundo o Sr. S. M. Pereira (informao verbal, Catalo (GO),

    mar., 2007) somente a partir da dcada de 1930 que foi criada a escola primria

    18

  • Agricultura familiar no Brasil: caractersticas e estratgias da comunidade Cruzeiro dos Martrios municpio de Catalo (GO), pp. 1-18.

    multisseriada (da alfabetizao 4 srie do Ensino Fundamental antigo primrio),

    explicando o elevado percentual de produtores com apenas o Ensino Primrio. Na

    dcada de 1990 foi estendido tanto para a comunidade Cruzeiro dos Martrios para a

    Escola Municipal Santa Ins o ensino correspondente Segunda Fase do Ensino

    Fundamental (5 a 8 srie). O Ensino Mdio feito no Colgio Estadual Gilberto

    Arruda Falco, no distrito de Santo Antnio do Rio Verde, localizado a 20km da

    comunidade, mas apenas 6% das mulheres fizeram o ensino mdio.

    12,5

    0 0

    1114

    63

    62,5

    25

    66

    0

    10

    20

    30

    40

    50

    60

    70

    Analfabetos Pr - 4 srie 5 - 8 srie Ens ino Mdio Ens ino Superior

    Hom ens Mulheres

    Grfico 3 - Comunidade Cruzeiro dos Martrios, Catalo (GO): escolaridade dos produtores em %.Fonte: Pesquisa de campo, 2007 e 2008. Org.: Martins Silva (2008)

    Quanto as condies de transporte, de energia eltrica e de

    saneamento da comunidade, 30% dos produtores possuem automvel, 94% das

    propriedades j possuem energia eltrica, 91% tem gua encanada, os banheiros nas

    residncias representam 89%. Entre os eletrodomsticos com maior destaque aparece

    a geladeira com 94%, a televiso com um percentual de 89%, em seguida esto a

    mquina de lavar com 45%, o forno eltrico 35%, a batedeira e o freezer com 27%. O

    telefone outro fator importante para as pessoas, tendo grande contribuio na

    comunicao com outras localidades. Atualmente h um telefone pblico na

    comunidade e cerca de 13% dos moradores j possuem em suas residncias (Grfico

    4).

    19

  • XIX ENGA, So Paulo, 2009 SILVA, J. M. e MENDES, E. E.

    13

    272735

    45

    89948991

    30

    94

    0102030405060708090

    100

    Autm

    ovel

    Energ

    ia el

    trica

    gua

    enca

    nada

    Banh

    eiros

    Gelad

    eira

    Telev

    iso

    Mqu

    ina de

    lava

    r

    Forno

    eltr

    ico

    Bated

    eira

    Refrig

    erado

    r

    Telef

    one

    Grfico 4 - Comunidade rural Cruzeiro dos Martrios, Catalo (GO): condies de transporte, de energia eltrica e de saneamento dos produtores em %.

    Fonte: Pesquisa de campo, 2007 e 2008. Org.: Martins Silva (2008).

    O trabalho predominante nas propriedades da comunidade Cruzeiro dos

    Martrios o trabalho familiar, no qual cada membro da famlia cumpre com seus

    deveres. Blum (2001), em seu estudo sobre as diferentes classificaes de propriedade

    rural, enfatiza os principais problemas enfrentados por essa agricultura. Para esse

    autor, o agricultor familiar

    [...] aquele que tem na agricultura sua principal fonte de renda (+80%) e cuja fora de trabalho utilizada no estabelecimento venha fundamentalmente de membros da famlia. permitido o emprego de terceiros temporariamente, quando a atividade agrcola assim necessitar. Em caso de contratao de fora de trabalho permanente externo a famlia, a mo-de-obra familiar deve ser igual ou superior a 75% do total utilizado no estabelecimento. (BLUM, 2001, p. 62).

    A diversidade da produo de gneros alimentcios outra caracterstica

    marcante na comunidade Cruzeiro dos Martrios, para Mendes (2005) essa prtica

    uma forma de assegurar a reproduo familiar. Os produtos mais comuns para a

    comercializao so o leite e o queijo.

    Dentre os produtores pesquisados na comunidade Cruzeiro dos Martrios, 75,6%

    dedicam-se pecuria extensiva e o leite ordenhado manualmente. Apenas um dos

    produtores possui ordenha mecnica. Para Caume (1997), a predominncia da

    produo leiteira entre os produtores familiares uma estratgia produtiva, devido a

    um conjunto de fatores tanto estruturais quanto conjunturais, como dificuldade de

    ingresso competitivo no mercado de lavoura tecnificada de milho e soja; disponibilidade

    20

  • Agricultura familiar no Brasil: caractersticas e estratgias da comunidade Cruzeiro dos Martrios municpio de Catalo (GO), pp. 1-18.

    de terras de m qualidade e expanso de agroindstrias processadoras de leite na

    regio.

    A pesquisa emprica considerou que 78% dos produtores so proprietrios das

    terras em que produzem, o acesso propriedade d-se por meio de herana conciliada

    com a compra de outra parcela (31%), um percentual maior, de 38%, possui

    propriedade adquirida por compra. J as propriedades adquiridas por concesso de

    uso verbal dos pais representam 31% (Grfico 5).

    31%

    38%

    31%

    Herana e compra Compra Concesso de uso

    Grfico 5 - Comunidade rural Cruzeiro dos Martrios, Catalo (GO): formas de acesso terra.

    Fonte: Pesquisa de campo, 2007 e 2008. Org. Martins Silva (2008).

    A mdia de terras na comunidade Cruzeiro dos Martrios, Catalo (GO)

    de 81,81 hectares. Em Catalo o mdulo fiscal do INCRA de 40 h, equivalente a

    120 hectares. A estrutura fundiria da comunidade est organizada da seguinte forma:

    oito (22%) dos proprietrios possuem menos de 10 hectares, dois (6%) possuem entre

    11 e 20 hectares, um (3%) possui propriedade entre 21 e 30 hectares, quatro

    produtores, que representa 10% da amostra, possuem de 31 a 40 hectares, cinco (13%

    dos produtores) tm de 41 a 50 hectares, um (3%) possui propriedade entre 51 e 60

    hectares, um (3%) possui tambm propriedade entre 61 e 70, 5% (dois produtores)

    possuem propriedades entre 71 e 80, nenhum proprietrio tem de 81 a 90 hectares,

    dois (5%) dos produtores tm propriedade entre 91 e 100, nove (24%) produtores

    possuem propriedades acima de 100 hectares e dois (6%) dos entrevistados no

    souberam responder (Grfico 6).

    21

  • XIX ENGA, So Paulo, 2009 SILVA, J. M. e MENDES, E. E.

    22%

    6%3%

    10%13%3%3%

    5%0%5%

    24%

    6%

    at 10 hectares 11-20 hectares21-30 hectares 31-40 hectares41-50 hectares 51-60 hectares61-70 hectares 71-80 hectares81-90 hectares 91-100 hectaresacima de 100 hectares no souberam responder

    Grfico 6 - Comunidade Cruzeiro dos Martrios, Catalo (GO): distribuio das propriedades por rea (ha).

    Fonte: Pesquisa de campo, 2006 e 2007. Org.: Martins Silva (2008).

    Dos produtores pesquisados na comunidade Cruzeiro dos Martrios

    70%, afirmam que sobrevivem exclusivamente dos rendimentos gerados na

    propriedade (possui apenas renda agrcola), e 30% contam com outro tipo de

    rendimento (possui renda no agrcola), conforme grfico 7.

    70%

    30%

    Possui apenas renda agrcola Possui renda no agrcola

    Grfico 7 - Comunidade rural Cruzeiro dos Martrios, Catalo (GO): renda agrcola e no agrcola.

    Fonte: Pesquisa de campo, 2007 e 2008. Org. Martins Silva (2008).

    Quanto renda no agrcola destaca-se a aposentadoria (46%) e

    servios temporrios remunerados (36%), j os trabalhadores assalariados

    representam (18%) (Grfico 8). A aposentadoria representa para os produtores rurais a

    oportunidade de uma renda extra que complementa os recursos gerados pela

    propriedade. Para Tedesco (1999), a aposentadoria esperada e comemorada, ela

    remunera fatores de produo na agricultura, melhora a infra-estrutura do lar e

    possibilita o atendimento dos desejos de consumo. Mas a aposentadoria para os

    22

  • Agricultura familiar no Brasil: caractersticas e estratgias da comunidade Cruzeiro dos Martrios municpio de Catalo (GO), pp. 1-18.

    produtores rurais no representam o abandono da terra e do trabalho, pois mesmo

    aps se aposentarem continuam na propriedade. Muitos sobrevivem exclusivamente

    da aposentadoria, assim, sem ela muitos estariam completamente descapitalizados.

    46%

    36%

    18%

    Aposentadoria Servios temprarios Assalariados

    Grfico 8 - Comunidade Cruzeiro dos Martrios, Catalo (GO): renda no agrcola.

    Fonte: Pesquisa de campo, 2007 e 2008. Org.: Martins Silva (2008)

    Na comunidade Cruzeiro dos Martrios, a renda mensal de 12 produtores fica em

    torno de 1 a 2 salrios mnimos, e de 2 a 3 salrios representou nove dos produtores

    rurais, sete dos produtores afirmaram ter uma renda mensal acima de 5 salrios

    mnimos, so os produtores de soja, alguns criadores de gado e que possuem

    propriedade acima de 100ha, j quatro dos produtores afirmaram sobreviver com

    menos de 1 salrio mnimo e sete produtores no quiseram ou no souberam

    responder. Vale ressaltar que os dados no so confiveis, pois os produtores

    pareciam ter dvidas dos ganhos ou no queriam responder com exatido. Deve-se

    ainda considerar a grande variao de renda, pois no possuem uma renda fixa, como

    mostra a tabela 3.

    Tabela 3 - Comunidade rural Cruzeiro dos Martrios, Catalo (GO): renda aproximada dos agricultores.

    Renda aproximada mensal QuantidadeMenos de 1 salrio 41-2 salrios 122-3 salrios 93-4 salrios 04-5 salrios 0Acima de 5 salrios 5No souberam responder 7Total de produtores 37

    Fonte: Pesquisa de campo, 2007 e 2008.Org.: Martins Silva (2008).

    23

  • XIX ENGA, So Paulo, 2009 SILVA, J. M. e MENDES, E. E.

    Quanto moradia, verifica-se certa diferenciao, muitos produtores da

    comunidade Cruzeiros dos Martrios no tm condies ou no preocupam com o

    conforto de uma construo habitacional mais moderna. Vrias residncias encontram-

    se em estado precrio de conservao considerando os seguintes quesitos: paredes de

    adobe com reboco solto e sem pintura, telhados danificados, pisos rsticos (piso batido

    ou cimentado grosso) (Figura 2). Outras representam construes mais modernas

    (casas forradas, piso de cermica, banheiro no interior das residncias), representando

    o menor percentual de habitaes no meio rural, essas so geralmente dos produtores

    de soja ou dos criadores de gado que possuem acima de 100 hectares.

    Figura 2 - Comunidade rural Cruzeiro dos Martrios: habitao rural.Autor: Martins Silva (2008).

    A maioria desses produtores (cerca de 89%) no conta com uma assistncia

    tcnica adequada e 81% dos produtores afirmaram no recorrer a nenhum

    financiamento e nem crdito rural, cuidam de suas terras com as potencialidades e

    instrumentos dentro de suas condies econmicas e tcnicas. Geralmente, as

    orientaes restringem-se aos profissionais das casas agropecurias onde adquirem

    os produtos necessrios s suas atividades, apenas uma minoria dos produtores

    (10%), com uma maior extenso de terras, que produzem soja ou que produzem mais

    gado, possuem financiamentos.

    24

  • Agricultura familiar no Brasil: caractersticas e estratgias da comunidade Cruzeiro dos Martrios municpio de Catalo (GO), pp. 1-18.

    Tedesco (2001), em sua anlise da Encosta Superior do Rio Grande do Sul, que

    caracterizada pela presena de agroindstrias, afirma que o agricultor familiar frente

    aos impactos das transformaes globalizantes do mercado, adota estratgias e aciona

    formas de racionalidades possveis e, assim, enfrenta os desafios com as condies

    objetivas e os instrumentos que lhe so acessveis. Wanderley (2001, p. 35, grifos da

    autora) respalda os argumentos desse autor ao afirmar que [...] os agricultores

    familiares modernos enfrentam os novos desafios com as armas que possuem e que

    aprenderam a usar a partir de sua experincia.

    A luta desses produtores no assenta apenas na busca de melhores

    rendimentos, mas na reproduo do patrimnio sociocultural em seu territrio. Nota-se

    que, com a implantao do processo de modernizao da agricultura na comunidade, a

    partir de 1980, houve transformaes na organizao social, econmica e cultural da

    comunidade. Prticas como o mutiro, traio j foram extintas, em contrapartida

    houve um expressivo aumento da prtica do arrendamento. Outro fato a ser

    considerado a imposio de novos valores e costumes como o exemplo da festa

    dos produtores rurais.

    6 Consideraes finais

    A agricultura familiar no Brasil apresenta diversidades e diferenciaes

    regionais, o que tornam importantes os estudos e anlises de reas especficas, para a

    compreenso da organizao e reproduo desse segmento. A modernizao da

    agricultura brasileira deu-se de forma conservadora e excludente, uma vez que

    legitimou a agricultura empresarial moderna, favorecendo o aumento dos problemas

    sociais, econmicos e territoriais dos agricultores familiares.

    Na comunidade Cruzeiro dos Martrios no municpio de Catalo, Estado de

    Gois, percebe-se que os agricultores que permaneceram na comunidade, em maior

    ou menor grau, esto assentados sob tcnicas tradicionais de produo,

    principalmente da pecuria leiteira. Sua integrao cada vez mais intensa ao mercado

    promove alteraes em seu modo de vida e insero de novas relaes de trabalho,

    como o arrendamento de parte de sua propriedade para os produtores de soja que

    vieram Sudeste. Essa prtica tem sido utilizada como meio de complementar os

    rendimentos do produtor rural na regio. Em contrapartida, prticas tradicionais como o

    mutiro e traio foram sendo gradativamente extintas da comunidade.

    25

  • XIX ENGA, So Paulo, 2009 SILVA, J. M. e MENDES, E. E.

    Nesse contexto, percebe-se que a mudana tecnolgica ocorrida na comunidade

    Cruzeiro dos Martrios assumiu tanto uma faceta econmica quanto uma faceta

    cultural. Essa dinmica favoreceu a valorizao de novas tcnicas e de determinados

    conhecimentos e ao mesmo tempo contribui para a desvalorizao de outras tcnicas e

    tradies e dos saberes a elas associadas.

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