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AINTERVENÇÃO PARTICIPATIVA DOS ATORES: UMA … · trabalho com os agricultores, amplamente...

Date post: 10-Dec-2018
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A"INTERVENÇÃO PARTICIPATIVA DOS ATORES": UMA METODOLOGIA CONSTRUíDA NO CONTEXTO DOS ASSENTAMENTOS RURAIS DO CEARÁ (THE "PARTICIPATIVE INTERVENTION OF THE ACTORS": A METHODOLOGY DEVELOPED ON THE SPECIFIC CONTEXJ OF THE RURAL SETTLEMENTS) RESUMO Este trabalho tem por objetivo apresentar uma abordagem pedagógica participativa, construída no contexto específico, de organização e estruturação dos assentamentos, como unidades produtivas, ten- do os trabalhadores como sujeitos. A metodolo ia utilizada, es uisa - ação, considera básicos, os ele- mentos: a um coletivo de trabalho composto por as- sentados e técnicos do governo e do MST;@ um levantamento conjunto da realidade: autodiag- nóstico;@ uma análise rejlexiva dessa realidade; e, d a tomada de decisão trabalho envolve 78 técnicos e 81 assentamentos. Elaboram-se os planos de ação, e o lNCRA adota a metodologia para o Ceará. As- sim, a intervenção articJpativa dos atores, numa re:: alidade de c9!!l!..itos e interesses contraditórios,!2!..!!.. um ambiente propicio ara ue técnicos e agr~ res, desenvolvendo atitudes críticas, bus uem a emancipação dos assentamentos. Palavras-chave: Metodologia Participativa; Assen- tamentos Rurais; Pesquisa-ação ABSTRACT This paper aims to present a participative approach that has the rural workers as subject ofthe processo lt was developed on a specific context of organisation of the rural settlements, as productive unity. The applied methodology, "action research ", took into consideration the following issues: a) a EUANE DAYSE PONTES FURTADO! JOSÉ RIBAMAR FURTADO DE SOUZA 2 collective group of work, enveloping rural workers and technicians from the government and from the landless movement; b) an auto-diagnosis; c) a reflexive analysis of their reality; and, d) a collective decision-making processo The work was done by 78 technicians and rural workers from 81 land settlements. The "Plans of Action" were elaborated and the National Institute of Colonisation and Land Reform (INCRA), adopted the new methodology for lhe whole state of Ceará. Thus, the "Particip ative lntervention ofthe Actors ", which was applied on a reality of contr adict ing int erests, created a favourable environment for lhe search of lhe emancipation ofthe rural settlements through critica! attitudes ofthe technicians and rural workers. Keywords: Participative Methodology; Rural Settlements; Action Research INTRODUÇÃO As abordagens utilizadas no passado pelas or- ganizações governamentais que lidam com as ações de desenvolvimento no espaço rural, parecem não mais funcionar. Os especialistas da Extensão Rural, por exemplo, agiam basicamente como "brokers", agentes de mudanças, que transmitiam informações aos membros de um "público-alvo". A relação de médico-paciente, reproduzia-se na relação técni- co-agricultor. Até mesmo a abordagem participativa quando utilizada de forma "apressada" e de "cima para baixo", não trouxe grandes mudanças, pela for- I Professora do Departamento de Estudos Especializados da FACED-UFC, Ph.D. em Educação Popular na Universidade de Manchester, Coordenadora do Programa de Pós-Graduação em Educação Brasileira da UFC. 2 Professor Aposentado do Departamento de Economia Agrícola da UFC e Consultor do Instituto Interamericano de Cooperação Agrícola - IlCA, Ph.D. na Universidade de Londres. 154 EDUCAÇÃO EM DEBATE· FORTALEZA· ANO 20 • NQ 36 • p. 154-1 62 • J 998
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A"INTERVENÇÃO PARTICIPATIVA DOS ATORES": UMA METODOLOGIACONSTRUíDA NO CONTEXTO DOS ASSENTAMENTOS RURAIS DO CEARÁ(THE "PARTICIPATIVE INTERVENTION OF THE ACTORS": A METHODOLOGY DEVELOPED ONTHE SPECIFIC CONTEXJ OF THE RURAL SETTLEMENTS)

RESUMO

Este trabalho tem por objetivo apresentaruma abordagem pedagógica participativa, construídano contexto específico, de organização e estruturaçãodos assentamentos, como unidades produtivas, ten-do os trabalhadores como sujeitos. A metodolo iautilizada, es uisa - ação, considera básicos, os ele-mentos: a um coletivo de trabalho composto por as-sentados e técnicos do governo e do MST;@ umlevantamento conjunto da realidade: autodiag-nóstico;@ uma análise rejlexiva dessa realidade; e,d a tomada de decisão trabalho envolve 78 técnicose 81assentamentos. Elaboram-se os planos de ação,e o lNCRA adota a metodologia para o Ceará. As-sim, a intervenção articJpativa dos atores, numa re::alidade de c9!!l!..itos e interesses contraditórios,!2!..!!..um ambiente propicio ara ue técnicos e agr~res, desenvolvendo atitudes críticas, bus uem aemancipação dos assentamentos.

Palavras-chave: Metodologia Participativa; Assen-tamentos Rurais; Pesquisa-ação

ABSTRACT

This paper aims to present a participativeapproach that has the rural workers as subject oftheprocesso lt was developed on a specific context oforganisation of the rural settlements, as productiveunity. The applied methodology, "action research ",took into consideration the following issues: a) a

EUANE DAYSE PONTES FURTADO!

JOSÉ RIBAMAR FURTADO DE SOUZA2

collective group of work, enveloping rural workersand technicians from the government and from thelandless movement; b) an auto-diagnosis; c) areflexive analysis of their reality; and, d) a collectivedecision-making processo The work was done by 78technicians and rural workers from 81 landsettlements. The "Plans of Action" were elaboratedand the National Institute of Colonisation and LandReform (INCRA), adopted the new methodology forlhe whole state of Ceará. Thus, the "Particip ativelntervention ofthe Actors ", which was applied on areality of contr adict ing int erests, created afavourable environment for lhe search of lheemancipation ofthe rural settlements through critica!attitudes ofthe technicians and rural workers.

Keywords: Participative Methodology; RuralSettlements; Action Research

INTRODUÇÃO

As abordagens utilizadas no passado pelas or-ganizações governamentais que lidam com as açõesde desenvolvimento no espaço rural, parecem nãomais funcionar. Os especialistas da Extensão Rural,por exemplo, agiam basicamente como "brokers",agentes de mudanças, que transmitiam informaçõesaos membros de um "público-alvo". A relação demédico-paciente, reproduzia-se na relação técni-co-agricultor. Até mesmo a abordagem participativaquando utilizada de forma "apressada" e de "cimapara baixo", não trouxe grandes mudanças, pela for-

I Professora do Departamento de Estudos Especializados da FACED-UFC, Ph.D. em Educação Popular na Universidade deManchester, Coordenadora do Programa de Pós-Graduação em Educação Brasileira da UFC.

2 Professor Aposentado do Departamento de Economia Agrícola da UFC e Consultor do Instituto Interamericano de CooperaçãoAgrícola - IlCA, Ph.D. na Universidade de Londres.

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ma como foi introduzida e trabalhada. Não se pensa-va que ela antes de mais nada, requeria uma mudan-ça pessoal de postura do técnico, diante do agricultore com o agricultor.

O discurso, na década passada, não se apli-cou à pratica. As mudanças na realidade não se fize-ram sentir o suficiente. Daí, dizer-se que ficaram naretórica. Entretanto, as principais mudançassugeri das, ou seja, sair da abordagem autoritária("top-down") para uma abordagem que partia da base("botton-up"), da centralização para a diversidadelocal, da elaboração prévia e detalhada de planos parao processo de aprendizagem, hoje já são conhecidasna prática de muitas instituições, em países do ter-ceiro mundo.

No Brasil, nos anos 90, uma nova realidadetoma vulto e exige a atenção dos que trabalham naárea de desenvolvimento do espaço rural: os assen-tamentos. Dois projetos em confronto: de um lado, o"Projeto do Governo", Assentamentos Rurais, ofici-almente chamado de Reforma Agrária, e de outro, oProjeto de Reforma Agrária do Movimento dos Tra-balhadores Rurais Sem- Terra-MST. O governoestimula o surgimento da pequena propriedade capi-talista, através da exploração individual; e o MSTtendo como referência um projeto socialista, propõea propriedade coletiva e a organização social autô-noma dos assentados. A prática tem mostrado quenessa realidade de conflitos e interesses divergentes,as abordagens de Diagnóstico e Intervenção até en-tão utilizadas na busca da organização e estruturaçãodos assentamentos rurais, não têm conseguido reali-zar ações sustentáveis.

Neste trabalho discute-se uma abordagem emétodos pedagógicos, sintetizados no que seconvencionou chamar de "Intervenção Participativados Atores",' que busca preencher essa lacuna, paraque as ações no espaço rural sejam bem sucedidas eque possam encaminhar uma solução para o proble-ma da fome e da miséria rural.

Ela tenta descobrir as causas ou soluções dosproblemas de forma indutiva e vislumbra uma trans-formação de uma visão do saber que se apóie numdiscurso consciente, engajado e crítico (Barbier,1996). Sua sistematização, deu-se como fruto de umapesquisa-ação desenvolvida em Assentamentos Ru-rais do Ceará. Suas origens derivam da experiência

prévia de trabalho dos autores deste texto, ao longode vários anos, no meio rural, em Educação Popular,em Pesquisa, na Extensão Rural e na assessoria deProjetos de Assentamentos do Instituto de Desenvol-vimento Agrário do Ceará-IDACE e do Instituto Na-cional de Colonização e Reforma Agrária -INCRA-CE e especialmente nos assentamentos ondeatua o MST. Pode-se dizer, que a abordagem e méto-dos construíram-se como diz Chambers "na apren-dizagem da vida rural e suas condições, a partir, come para o povo rural" (1994: 1). A reflexão das experi-ências vividas pelos autores, foi enriquecida princi-palmente pelos estudos sobre o Diaznóstico Rural'participativ.Q (Participatory Rural Appraisal-PRA) notrabalho com os agricultores, amplamente utilizadona África e na Ásia. e com algumas experiências naAmérica Latina.

No decurso deste trabalho, trata-se dos fun-damentos, origem, prática e pesquisa da IntervençãoParticipativa dos Atores, para em seguida apresentara abordagem e métodos pedagógicos, onde se tentamostrar principalmente, que ela permite aos assenta-dos analisar seus conhecimentos sobre si mesmos,sobre suas condições de vida, levantar dados paraconhecer melhor sua realidade, Maborar o planeja-mento de ação dos assentamentos e agir de formaconsciente para transformá-Ia. Tudo isso, em conjuntocom os técnicos que trabalham nas áreas de assenta-mentos, que também refletem sobre sua prática. "A

artici a ão dos pesquisadores indica um engaja-mento pessoal, aberto, sobre aatividade humana, vi-Sãiído a autonomia onde o diálogo é importante nasrelações de cooperação e colabora ão" (Barbier,1996:55). A intervenção considera o gerenciamentodos recursos naturais, da agricultura, da educação,dos programas sociais, da saúde e da segurança ali-mentar.

FUNDAMENTOSA Intervenção Participativa dos Atores tem

seus fundamentos em várias fontes, mas suas raízesprimeiras, encontram-se nas abordagens e métodosque sofreram influência do pensamento de Freire(1968), a partir da sua "Pedagogia do Oprimido". Estafoi decisiva para a prática e experiência de "cons-

o termo atores, refere-se aos técnicos, agricultores e suas representações, movimentos populares, instituições e todos envolvidosnos Assentamentos Rurais do Ceará, participantes da experiência de pesquisa-ação aqui relatada.

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cientizacão" e "participação" na América Latina, naEducação de Adultos e na Educação Popular. O tra-balho de reflexão coletiva da rática ou seja, deação-reflexão-ação, enriquecido pelas experiênciasde pesquisa participante (Espeleta e Rockwell, 1989;Kassan e Musta, 1982; Rahman, 1984; Brac, 1983;Gaventa e Lewis, 1991) e pesquisa-ação (Carr eKemmis, 1986; Costa,1991 e Whyte, 1991), contri-bui com idéias im ortante . Estas são sintetizadas emtrês pontos rinci ais: a o povo é capaz de realizarsuas próprias investigações, análises e planejamen-to; b o oprimido, o "pobre" é capaz de chegar ao"empowerrnent'" e, c que os agentes externos podemcontribuir como facilitadores.

Outras aborda~ns e métodos também têm suav influência: a estudos teóricos e a experiência com a

pesquisa sistêmica (análises dos SistemasAgrários- Tipologias dos Sistemas de Produção)(Defumier, M 1985, 1991, 1998; Mazoyer M, 1977,1981, 1987,199211993; Capillon A. e Sebillote M.,1980, Perrot C. et Landais E., 1993, entre outros), nasistematização de métodos de investigação, compre-ensão e descrição para a complexidade dos sistemasagrários e agrícolas a partir do trabalho de equipeinterdisciplinar (Norman D., 1975; Harwood, 1979;Shanner, Philipp and Scharnehl, 1982, entre outros);b os conhecimentos de Antropologia Social e a uti-lização da alguns de seus princípios e métodos comopor exemplo, no Diagnóstico Etnográfico (Bentleyet ali 1988), usando conversações, observações, en-trevistas informais e abertas, histórias de vida, cami-nhadas sistemáticas com lideranças através da área aser trabalhada ("transect walks"); c o conhecimentoda Psicologia Cognitiva, a partir das idéias de Piaget(1975) sobre a evolução e funcionamento das estru-turas cognitivas do sujeito, e, os estudos posterioresque deram origem ao Construtivismo (Ferrero E.,Theberoski A., 1984 et Azenha, 1995), onde redo-mina a idéia de que o conhecimento não é dado ~Qenhuma instância, como algo acabado. Ele se cons-trói pela interação do indivíduo com o meio físico e~ial com o simbolismo humano, com o mundo dasrela ões sociais; e se constitui por força de sua ação

e não por dotação ~révia na constituição hereditáriaou do meio; d os estudos teóricos e a utilização doDiagnóstico Rápido Rural (Chambers, 1980) e do seuDiagnóstico Participativo Rural (Chambers, 1984;1994; 1997), um conjunto de abordagens e métodosque levam o povo rural a compartilhar, enriquecer eanalisar seu conhecimento sobre suas condições devida, permitindo planejar e agir.

A tentativa de realizar um novo tipo de traba-lho é estimulada fortemente pela afirmação d Nufiez(1993), de que "os novos desafios metodolóaicos noslevam à busca, adapté!Ção ou cria ão de métodos etécnicas ue nos ermitam realizar etapas clássicasdos ro' etos, porém baseadas en.:!.plena, total e cons-ciente partici ação, no controle e poder de decisõesdas ações a desenvolver, por parte dos sujeitos daação transformadora" (Hurtado, 1993: 124).

Assim, considera-se importante: a desenvol-ver uma metodologia definida, baseada no processode construção do conhecimento; Q)) o concurso demúltiplas perspectivas; c uma insistência na "inter-venção participativa"; d urna metodologia delineadaa partir de um contexto específico: os Assentamen-tos Rurais; e facilitar a participação de todos os ato-res envolvidos: técnicos, lideranças, assentados einstituições; ter como objetivo a construção eimplementação de ações sustentáveis.

Portanto, a metodologia implica num proces-so educativo onde cada um, individualmente, e todos,no coletivo." tenham claro a sua posição de sujeitos daHistória. A resenta-se basicamente como uma concep-ão dialética, ~ma forma de ver a realidade de modo

crítico, buscando articular num rocesso integral aautêntica e real artici a ão dos envolvidos.

A INTERVENÇÃO PARTICIPATIVA DOSATORES: A EMERGÊNCIA E ACONSTRUÇÃO

A OrigemA Intervenção Participativa dos Atores nos

Assentamentos Rurais do Ceará, tem sua origem no

4 Empowerment palavra inglesa, que tem sido interpretada diferentemente por diferentes pessoas e grupos. Por um lado pode trazer àmente, massivas demonstrações do poder do povo nas ruas, clamando por mudanças. Por outro lado, este conceito hoje tem sefortalecido no sentido de significar a conscientização dos indivíduos, para ativamente tomarem decisões e ações, assumindo aresponsabilidade e controle de suas vidas, saindo da resignação e subserviência, para o envolvimento ativo no processo de desen-volvimento. Assim, "o povo se torna capaz de organizar e influenciar as mudanças, com base no seu acesso ao conhecimento, aparticipação nos processos político, financeiro, social e utilização dos recursos naturais", Thomas-Slayter, 1995). Ele é visto, comomeio e fim, porque é essencial para que se tenham instituições democráticas e para que a própria democracia seja sustentável.

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trabalho de assessoria e acompanhamento, aos Pro-jetos de Assentamento, estadual e federal, principal-mente onde o MST atua. Foge inteiramente dosprocedimentos tradicionais, adotados pelos órgãosoficiais de desenvolvimento, principalmente porquebusca atender aos questionamentos levantados pelostécnicos e pelos próprios assentados, de que todos osesforços desprendidos até então, pelos técnicos, nãoapresentam os resultados esperados.

Um seminário no INCRA (1993), onde essesproblemas são discutidos e sistematizados, suscita umasérie de encontros de capacitação que congrega técni-cos da Cooperativa Central dos Assentamentos deReforma Agrária do Ceará -CCNMST e as liderançasdeste, e das instituições oficiais: INCRA, IDACE,Secretaria de Agricultura - Empresa de AssistênciaTécnica e Extensão Rural do Ceará - EMA TERCE. Ametodologia desenvolve-se a partir do trabalho con-junto de técnicos e assentados, realizado nos últimoscinco anos. Os registros, detalhados, estão sintetiza-dos em relatórios elaborados pelos técnicos e agricul-tores, em primeira instância, nos próprios encontrosiniciais -nas oficinas' - e sistematizados 'pelos pesqui-sadores responsáveis pelo trabalho. Ao longo do per-curso, formaliza-se um projeto de pesquisa-ação oupesquisa-intervenção, como se prefere chamar, quepermite a construção e sistematização da metodologia,a partir da prática nos assentamentos e dos encontrosde reflexão sobre a mesma.

Reconhecendo os limites históricos e institu-cionais das práticas desenvolvidas pelas instituiçõesgovernamentais - Extensão Rural e Assistência Téc-nica - e os órgãos de terra (INCRA e IDACE)-, a re-flexão sobre estas práticas e o processo de teorizaçãolevam a uma sistematização que busca marcar umrumo metodológico que conduza a um processo trans-formador.

Formam-se grupos de técnicos que têm suaprimeira preparação em oficinas organizadas separa-damente, ou seja, os técnicos do INCRA, os do MSTe suas lideranças e os do IDACE, cada um por seuturno. Na seqüência, parte-se para as oficinas con-juntas: de reflexão da prática de campo que até então

estes técnicos vêm desenvolvendo; de estudos teóri-cos; e de confronto entre a teoria e a prática. Em to-das as oficinas são utilizadas técnicas e dinâmicasque os considera sujeitos da ação e objetivam tam-bém, sua utilização nos futuros encontros e ativida-des nos assentamentos, quando da preparação dosassentados para a fase de pesquisa. Participam inicial-mente 49 técnicos, sendo 22 do INCRA, 9 do IDACEe 18 do MST.

Feita essa re ara ão inicial, são levantados~ados secundários gerais, junto às instituições,promovem-se vários encontros com os dirigentes doMST e as lideranças dos assentamentos seleciona-dos, e começa-se o trabalho de campo. São envolvi-dos no início, 35 assentamentos, sendo os técnicosdistribuídos em equipes, conforme sua vinculação,ou seja, INCRA, IDACE ou CCA/MST. O trabalhocom os técnicos do INCRA não se concretiza de for-ma oficial, juntamente com as outras instituições,naquele momento, pela ausência de apoio oficial àcontinuidade do trabalho, dentro da abordagem pro-posta. Apenas alguns técnicos que se mostram con-victos, passam a desenvolver na medida do possívelsuas atividades isoladas, reunindo-se por seu própriointeresse.

As outras instituições, CCA/MST e IDACE,iniciam em seguida (1994 e 1995, respectivamente),o trabalho sistemático nos Assentamentos, observan-do as etapas sugeri das pela metodologia, mas seguin-do seus próprios passos. Esta fase culmina com aelaboração dos Planos de Ação em 22 Assentamen-tos, no final de 1997. A partir deste momento, estasinstituições adotam a Intervenção Participativa dosAtores, como rotina de trabalho nas suas ações vol-tadas aos Assentamentos Rurais. O INCRA atravésdo projeto LUMIAR,6 decide finalmente em 1997,abraçar a metodologia, no trabalho cotidiano dos As-sentamentos. Atualmente (março/98) existem 75 téc-nicos (CCAIMST,INCRA e IDACE) atuando em 59assentamentos, estaduais e federais e envolvendo4.277 famílias.

Em todo o decorrer da experiência, tenta-sesu erar os as ectos meramente fonativos e de

5 Encontros de trabalho participativo, onde a abordagem pedagógica dos conteúdos e os procedimentos operacionais têm comoparadigma metodológico, a construção coletiva do conhecimento.

6 Programa do governo federal, coordenado pelo JNCRA, para atuar nos assentamentos do país, que compreende os projetos:Gestão de Crédito; Assistência Técnica e Capacitação; Infra-estrutura e Serviços Sociais; lnfra-estrutura Produtiva; Informaçãoe Comunicação; Sistemas Agrários e Mercado; meio Ambiente. Na concepção do LUMIAR, os serviços de assistência técnicasão contratados pelas associações dos próprios assentados, junto a órgãos públicos ou privados, com técnicos credenciados(lNCRA, 1997).

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ca acita ão ue sem dúvida estiveram em jogo,transformando-se num momento "privilegiado cIeTrl-VeStígação, de reflexão crítica e sistemática sobre arealidade. Isso se dá no sentido de fazer com que ostécnicos estejam conscientes do seu papel crítico eatuante inserido no contexto, e que os trabalhado-res possam sentir-se como agentes de sua própria~mancipação.

Daí, ter-se ao longo da pesquisa, optado porestruturar uma metodologia participativa de interven-ção na realidade que pretende apontar caminhos àque-les envolvidos na gestão dos assentamentos aencontrar respostas por eles próprios. Ob' etiva for-mar um grupo capaz de analisar a or anizaçao socialdo sistema no ual está inserido e pro~r mudan-as ositivas criar novos instrumentos de conheci-

mento, organização e ação sobre a realidade na qualvivem. Dessa forma, funda-se na crença de que éimprescindível um trabalho conjunto e participativode técnicos, lideranças, deles próprios e suas organi-zações. Resumindo, considera como básicos os se-guintes elementos: a um coletivo de trabalhocomposto por técnicos e assentados, b um levanta-mento conjunto da realidade: autodiagnóstic c umaanálise reflexiva da realidade: ação-reflexão-ação e,d a tomada coletiva de decisão.

A ação conjunta entre os atores com diferentesvisões de mundo, combinada com diferentes perspec-tivas analíticas e as dinâmicas de grupos, propiciadapela metodologia, age como a mola do processo deaprendizagem à medida que o grupo busca a compre-ensão dos seus problemas para atuar sobre eles dediferentes modos. 1/

A Abordagem e os Métodos Pedagógicos

A abordagem e os métodos pedagógicos aquidelineados, Q!oporcionam a conscientização e com-reensão da ró ria realidade dos técnicos e dos as-

sentados e ajudam a desenvolver o sentido da buscade transforma ão dessa realidade/As interações ofe-recidas aos membros do grupo ao desenvolver a In-tervenção Participativa na forma de investigaçãosobre a realidade, ajudam a transformar as pessoasenvolvidas ou mesmo as organizações, em um grupo

com perspectivas e objetivos comuns, com tarefas eresponsabilidades definidas no coletivo. A troca deexperiências, idéias e conhecimentos entre técnico eassentado, dá-se num clima de respeito mútuo, de for-ma que, dependendo de suas experiências e dos te-mas tratados, um ou outro terá uma maior ou menorparticipação na re a ao Ia o Ica. Então se estabele-ce o compromisso que resulta do trabalho conjunto edo desejo de agir sobre a realidade, o que constitui abase para a implernentação das ações de mudanças.\; Implica portanto, numa mudança das atitudestradicionais características dos técnicos: de domina-dora para construtivista, de fechada para aberta, deindividual para grupal, de verbal para visual, de pre-ocupação única com o mensurável, para a preocupa-ção em oferecer possibilidades de comparação,também.

As técnicas e dinâmicas de grupo utilizadasajudam a estabelecer a comunicação e a coopera-ção para descobrir a realidade, levantar e priorizaros problemas e formular ações conjuntas, "realis-tas"e possíveis de serem implementadas comsustentabilidade. É crucial que exista: a coopera-ção entre os vários atores envolvidos; b comunica-ção efetiva no trabalho interno ao assentamento ena relação com as instituições envolvidas; c trans-parência e concordância entre os diferentes atoresquanto aos interesses e objetivos a perseguir, d umgrau de divisão e coordenação de tarefas de modoque todos no grupo tenham conhecimento das açõese persigam a mesma meta.

_- -c,É importante lembrar, como dizem~Engel (1997), que em muitas situações de Desen-

vo vimento Local,' é preciso tempo para que os ato-res cheguem à compreensão entre si, e da mutualidadede seus interesses: trabalhar juntos, concordar e dis-cordar, chegar a planos comuns e possíveis de seviabilizar, consultar outras pessoas ou instituições ese comprometerem com a ação. Por essa razão é ofe-recida uma variedade de técnicas educativas, dinâ-micas de. grupo, atividades concretas para obterinformações sobre idéias relevantes ou eventos,organizá-Ias e interpretá-Ias. Tudo isso propiciadirecionamentos e a criação de novas técnicas, dinâ-micas e atividades, permitindo aprofundar a análise

7 Abordagem que permite aos atores locais se organizarem no sentido de valorizar e otimizar os recursos locais na defesa dasinfluências externas (outros mercados, por exemplo) que causam dependências. O ambiente, a cultura, a parceria e a dinâmicasocial, são os motores deste desenvolvimento e o combustível é uma microeconomia, que tem como objetivo a economia porproduto e não por cadeias (Complexos Agroindustriais) e de troca, no interior do município em direção à região e países. (Roux,B. e Gueffaoui, O., 1997)

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da realidade, o máximo possível, e dando suporte àconstrução coletiva e criativa do saber.

Em resumo, pode-se dizer que o trabalho seinicia com encontros entre técnicos e assentados parao estudo reflexivo do papel do cidadão inserido na suasociedade e na História, e da própria realidade a en-frentar ou seja: elaborar os Planos de Ação para aAutogestão dos Assentamentos. Em seguida, parte-separa o trabalho cotidiano nos assentamentos, para aprática, e então novo encontro de reflexão, teorizaçãoe avaliação, e, assim sucessivamente, de forma cíclica.

Os procedimentos metodológicos sugeridosaos agricultores e técnicos para sua atuação, consi-derando a participação das comunidades dos assen-tamentos, apontam para as seguintes questões: aincorporar a visão das pessoas dos assentamentossobre o contexto; trazer o processo de tomada dedecisão para elesr c) excluir o paternalismo e oassistencialismo; d promover uma combinação de-mocrática entre o conhecimento local e o formal; ecriar condições para que os técnicos e lideranças aju-dem os assentamentos a determinar suas necessida-des concretas e superar seus problemas, a iniciar umprocesso de organização, ou reforçá-Ia aonde exista(Furtado e Furtado de Souza, 1994).

Dessa maneira, a Intervenção Participativados Atores na realidade dos assentamentos, dá-se apartir da realização de um autodiagnóstico,", que partedos interesses das pessoas envolvidas. Constitui umaforma simples de conhecer a realidade cientificamen-te, isto é, com base numa ação organizada. É vitalque os assentados participem desde o início do pro-cesso de conhecimento científico da realidade paraque possam analisar metodicamente seus problemase suas possibilidades de ação e iniciem as mudançassegundo os seus interesses. Para isso, a participaçãodeve ser incentivada, tendo em vista a ação conjun-ta, a conscientização, o senso de responsabilidade, avalorização dos conhecimentos e da cultura local. Éimportante também, que a avaliação perpasse todasas etapas do processo, sendo portanto, uma atividadecoletiva e contínua. Trata-se pois, de processoeducativo, onde o exercício da cidadania deve serassumido, na busca da autogestão dos assentamentos(Furtado e Furtado de Souza, 1994).

--.-.:r_BCH-lF- '~.PERIÓDICOS

Os técnicos atuam como facilitadores, contri-buindo com sua ca acidade teórica de análise e sua~olog~ São também atores do processo. De acor-do com ~n e otelo (1981 :5), três as ectos sãoim ortantes no autodia nõstíco.a teoria, o método e aa ão. A teoria dá elementos para interpretar os pro-blemas concretos que se busca conhecer na realidade.Ajuda a interpretar a realidade, a modificá-Ia, mas tam-bém pode ser modificada por esta mesma realidade.Ela entra no processo de forma dinâmica e refletidapara "explicar porque as coisas acontecem da maneiracomo acontecem". método é o caminho para se con-seguir alcançar os objetivos de forma lógica e sim-ples. Por sua vez, a@é importante também paratestar se o conhecimento obtido da realidade é ou não,adequado. Ela justifica o conhecimento que a comu-nidade precisa ter de sua realidade.

O autodiagnóstico é, pois, um processo quenão pretende esgotar de uma vez por todas, a realida-de. Ele se constrói em cima dos problemas que a co-munidade vai tendo e sobre os quais deseja atuar. Éadequado para ser trabalhado junto com aqueles quenecessitam conhecer bem sua realidade, para agirsobre ela em benefício de seus próprios interesses.

Uma vez concluída a fase de preparação comas oficinas introdutórias, são definidas algumas eta-pas. I - Levantar os dados secundários da região,município e do assentamento (Cadastros de Imóveisdos órgãos de terra), or arte dos técnicos, antes deir ao cam o e contatos com instituições úblicas, ór-ãos de classe representações populares e técnicosue atuam ou atuaram no município onde o assenta-

~nto está localizado e/ou no próprio assentamento.Estas informações deverão ser socializadas com osagricultores. Elas também sinalizarão a necessidadede possíveis capacitações técnico-agronômicas, prin-cipalmente, a serem ministradas aos técnico que irãose envolver na Intervenção Participativa II - Sensi-bilizar as lideranças e toda a comunidade para a ne-cessidade de conhecer a realidade do assentamentoem toda sua abrangência e ao mesmo tempo, expli-car aos assentados, o novo tipo de trabalho (aborda-gem e métodos) que se está propondo e sentir quaisas suas expectativas. Para isso é im ortante: romo-ver encontros de motiva ão, com os agricultores, as

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8 Devido a semântica e considerando que a formação do profissional engajado com desenvolvimento no Estado, leva-o a confundiro Autodiagnóstico com Diagnóstico ou Estudo de Realidade, faz-se necessário destacar a diferença conceitual entre os termos. Odiagnóstico que ficou bastante conhecido na fase do Crédito Supervisionadado da Extensão Rural é uma etapa estanque e dife-renciada na elaboração de projetos de crédito rural, principalmente, enquanto o Autodiagnóstico é processual, dinâmico eabrangente, compreendendo resumidamente, o diagnóstico propriamente dito, a intervenção e a avaliação, com a participaçãodos sujeitos, num processo cíclico intermitente.

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mulheres, os jovens e idosos; realizar conversas in-formais, visitas às famílias, fazer perguntas diretas~obre as coisas relevantes do assentamento, a dife-rentes pessoas, e fazer entrevistas grupais; elaborarcódigos de conduta e intera ão: o grupo combinanormas de comportamento e ação, modos deinteração, formação de grupos e pares, autocrítica,ajuda mútua, como se comportar no trabalho de cam-po, nas apresentações, entre outras; representar situ-ações: através do teatro, os grupos tentam expressarsuas idéias ou informações. Quando ossível recor-rer ao teatro do oprimido, d Boa ; 11- Preparar ogrupo para que as informações coletadas sejam ex-pressas tal como foram colhidas, evitando ao máxi-mo a interferência de opiniões pessoais; destacar aimportância de, ao final de cada dia, reunir o grupopara av iar como foi o trabalho e corrigir possíveiserros; IV - Fazer o levantamento e priorização dosproblemas, tendo os assentados como investigadoresde sua própria realidade -homens, mulheres e jovens;professores, técnicos, agentes de saúde e todos en-volvidos com o assentamento; decidir 'onde e comocolher as informações e como registrá-Ias. Divi-dem-se os grupos para o conhecimento do assenta-mento, lançando mão de diferentes métodos etécnicas. a conversas informais, entrevistas, questi-onários, relato verbal, história de vida, discussões emgrupo e reuniões; b mapeamento participativo emodelagem: os assentados elaboram mapas, dese-nhando e colorindo, colando, usando palitos, semen-tes, pedras em folhas de papel ou no próprio chão.Isto para representar em forma de mapas ou maquetes,não só o assentamento como um todo, e/ou particu-larmente os seus recursos naturais, as benfeitorias, aagrovila, a escola e outros; c elaboração de calendá-rios: distribuição dos dias de chuvas, quantidade dechuva, umidade do solo, culturas (plantio, tratos cul-turais, colheita), outras atividades agrícolas e nãoagricolas, saúde humana, consumo de alimentos, pre-ços, manejo animal, receita e despesa, pagamentos,festividades, entre outros; d estimativas, compara-ções e contagens: muitas vezes usando medidas 10-

cais, julgamentos e materiais como sementes, frutas,pedras, gravetos e outros, por vezes combinadas commapas e modelos elaborados; e) linha do tempo, ten-dências e análise de mudanças;(f) Leitura de Paisa-gem, para permitir uma visão global do assentamento:escolher um ponto estratégico de onde se visualise apropriedade como um todo fazer observações,analisá-Ias e representá-Ias; g) "Transect Walks " -caminhadas sistemáticas com algumas pessoasinformantes-chaves, na área do assentamento, obser-vando, perguntando, ouvindo, discutindo, tentandoconhecer sua cultura e identificando diferentes zonas,tecnologias próprias, levantando problemas, buscan-do soluções, descobrindo oportunidades, peandoou diagramando os recursos e "achados"; V Orde-nar as informações obtidas; colocam-se juntas as in-formações sobre um mesmo tema e depois seestabelece relações entre elas. Utilizar o método da"Tabela Cruzada" (cruzar as informações), para umaverificação das mesmas, prom r reuniões grupais,coordenadas pelos técnicos; I - Socializar as in-formações a toda a comunidade, transmitindo-as atra-vés de diferentes métodos e técnicas, para prosseguircom a reflexão sobre a realidade. Como por exem-plo, cartaz mural, diagrama, sociodrama, teatronecos, audiovisuais, maquetes, mapas e outros; II -Definir com clareza e precisão os problemas que-in-teressam conhecer e agir de imediato e limitá-Ios aseus aspectos fundamentais. As discussões em gru-pos e ssembléias ajudam a encontrar esta defini-ção; III Relacionar os problemas com a teoria, parabuscar os elementos que ajudem a entendê-Ios me-lhor, permitindo uma interpretação da realidade eaumentando o conhecimento sobre ela. Trabalhar al-guns textos teóricos, de diferentes formas, usandodiferentes métodos e diferentes dinâmicas de grupo:expressar o conteúdo das idéias através do teatro, dosociodrama, de representações gráficas, da apresen-tação oral, entre outros; 1 I - Dar um objetivo aoque se quer conhecer das possíveis soluções dos pro-blemas, isto é, esclarecer o que interessa saber sobreos problemas e que ainda não é conhecido, quais suas

9 Teatro interativo em que um pequeno grupo inicia a representação sobre um tema combinado, da realidade que os oprime, econvida a "platéia" para interagir e dar continuidade à representação (Boal, Augusto - Le Théatre de L'Opprimé. La Decouverte,1996).

10 Em todas as etapas do trabalho insiste-se na participação dos técnicos e assentados, porém aqui, os primeiros desempenham umpapel de relevância, devido serem possuidores do conhecimento elaborado (científico). Para isso, eles devem estar capacitados atrabalhar com o conhecimento do agricultor "Indigenous Knowledge " (Brokensba, D.; Warren, D.M.e Werner, O., 1980)respeitando-o e introduzindo o conhecimento técnico onde ele se aplica e quando for necessário. Deve-se cuidar para que não seadote postura autoritária e não se estabeleça uma relação de dependência, característica das abordagens tradicionais. Lembrarque aqui, o agricultor é sujeito-investigador das ações.

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causas, os efeitos e o que fazer para resolvê-los, nocontexto em que está inserido. Fazem-se suposições,formulam-se as hipóteses, X - Identificar claramenteque tipo de informação é necessária obter-se paraprovar que os problemas existem exatamente comoforam delineados pelo grupo;(xl- Definir qual a for-ma lógica de conseguir as informações complemen-tares, delimitando o universo de conhecimento e aunidade de estudo e decidir como trabalhar com osdados;~ - Interpretar a realidade com base nas in-formações obtidas. Busca-se explicar o "porquê" dosproblemas estudados. Examina-se a contribuição dateoria para interpretação da realidade e buscam-seos dados colhidos à luz da teoria, para encontrar ocaminho da ação.

A cada etapa vencida faz-se uma análise mi-nuciosa sobre o processo desenvolvido e os resulta-dos alcançados, levando em conta as críticas,sugestões e dúvidas colocadas para que assim se fe-che o ciclo de avaliação progressiva.

À medida que se define no grupo que açõesdesenvolver, vai-se definindo uma programação cla-ra. O "Plano de Ação" _éassim elaborado a partir doque se conhece da realidade e do gue se espera con-seguir realizar. Dessa forma, tendo claros os objeti-vos, é necessário um planejamento, ou seja, 1) pensarnas tarefas ou atividades para atingi-Ios 2) desco-brir as alternativas ou formas de solucionar os pro-blemas 3 analisar as possibilidades 4) priorizá-Ias;5 escolher as alternativas mais convenie tes" 6) de-finir de maneira concreta as metas; e,' 7) elaborarcronograma de atividades, identificando os respon-sáveis para realizá-Ias, o que é necessário para tal, ea época (quem vai fazer, o quê, como e quando).

Estas etapas servem como guia. Em algumassituações elas são modificadas ou adaptadas confor-me a necessidade e o contexto na qual se desenvol-vem. Vários métodos são utilizados tendo em vista ogrande número de pessoas que não sabem ler nemescrever. Em todas as ocasiões, cuida-se para que oambiente seja de construção social. Insiste-se bas-tante nesse ponto, especialmente nos primeirosencontros, quando se recorre às práticas de intera-ção-dinârnicas de grupos, no sentido de desenvolvercomportamentos sociais que viabilizem a construçãocoletiva. Exercícios de reflexão, sensibilização etransmissão de energia são importantes para estabe-lecE uma "atmosfera cultural de cooperação" e uma

cum licidade entre os artici antes. Por isso, estesencontros são chamados de "oficinas". Os registrose a sistematização das idéias dos participantes se dãode maneira simples, sempre que possível, através da"visualização móvel", instrumento metodológico doMetaplan."

Então, pode-se dizer que a abordagem pedagó-gica dos conteúdos e os procedimentos operacionaisadotados, têm sempre em mente a característica de"um amplo processo de consulta-confronto entre osdiversos interesses envolvidos".

OS ATORES E A PEDAGOGIA: LIÇÕESDOS ASSENTAMENTOS CEARENSES

A partir do que aqui foi exposto, vê-se que aimplantação e o desenvolvimento da IntervençãoParticipativa, envolve técnicos e assentados numamplo processo que exige compreensão e interaçãode todos os tipos e em todos os níveis. Usando aspalavras d -Chainbers et ali (1989:2), "inclui o rela-cionamento social, troca de idéias e informações, Ij-

ações entre pessoas, e, a dimensão institucional".Leva em consideração as interações entre técnicos etrabalhadores, entre homens e mulheres, entre o co-nhecimento científico e o popular. Não se limita aseguir estágios cronológicos estanques e seqüenciais.Conforme um dos relatórios do trabalho, "utiliza al-

umas técnicas educativas e dinâmicas de grupoconhecidamente u~adas, _algumas criadas, .outrasadaptadas, e, de estudos de textos teóricos, §egundoas comunidades, no sentido de estruturar essa- -- -inte ra ão. Deixa de lado ao máximo possível, ins-trumentais metodológicos convencionais e autoritá-rios" (Furtado, Furtado de Souza e Castro, 1996:2).

Por isso, os "Planos de Ação" dos Assenta-mentos, o produto final, "oficial", exigido para a atu-ação na realidade agrícola e rural dos mesmos, naorganização da produção e do próprio assentamentocomo um todo, são elaborados com a plena partici-pação e integração entre técnicos e assentados. Issooferece a possibilidade de que eles serão consulta-dos, manuseados ao longo do trabalho cotidiano detodos os envolvidos na gestão dos assentamentos ealterados sempre que a necessidade exigir. Abre ho-rizontes para a conquista da auto gestão e conseqüen-te emancipação dessas explorações, na perspectivado Desenvolvimento Local.

11 Metodologia participativa, desenvolvida por uma empresa de consultor ia denominada Metaplan Gmbh. Vide o livro:KLAUSMEYER, A. e RAMALHO, L.(org.) -Introdução a Metodologias Participativas (Sactes/ded ABONG, Recife, 1995).

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Além disso, os registros e os "Planos deAção" elaborados propiciam: a tipificar e carac-

terizar os sistemas de produção agrícola b) conhe-cer a lógica da agricultura explorada e suasustentabilidade Íc identificar as relações sociaisde trabalho; d tomar ciência da repercussão daspolíticas públicas nos assentamentos e caracteri-zar a organização social e política; estudar aquestão da produção e mercados (comercialização),autoconsumo e venda de seus produtos, agregandovalores (agroindústria, por exemplo), como estra-tégia de segurança alimentar.

Pelas análises qualitativas realizadas, pode seafirmar que a Intervenção Participativa tem ajudadoaos assentados a atuarem sobre a realidade dos as-sentamentos de forma consciente. De posse dos "Pla-nos de Ação", elaborados por eles próprios, sãocapazes de realizar com segurança, as tarefas do seucotidiano, elaborar projetos e discutir as questões definanciamento como os bancos, por exemplo.

Por outro lado, são agora capazes de identi-ficar entre aqueles que atuam no espaço agrário, quetipo de intervenção é adequada à sua realidade. Ago-ra sabem ue recisam ser os "atores", verdadeiros"su' eitos da a ão", e ue areia ão de res eito mi!-tuo é im rescindível entre os que vivem e os quenão vivem no rural. A pedagogia e os métodos U!!ll-zados odem ser ajustados e construídos ao longoda ex eriência. As a ões não odem ser I!reestabe-

lecidas ou reconcebidas de forma autoritária, da!nesma forma que não podem ser improvisadas, sur-girem ao acaso.

Ainda é importante que se ressalte que, mes-mo que as condições políticas sejam mínimas paraas mudanças pretendidas pelos agricultores.ji Inter-ven ão Partici ativa ermite atuar sobre a realidade,como é possível naquele momento, tendo em pers-pectiva os objetivos mais amplos que se quer atingir.Melhor explicitando, mesmo participando de um pro-grama de assentamentos rurais, chamado de "Refor-ma Agrária", a Intervenção Participativa cria um~mbiente propício para que os trabalhadores, desen-

volvendo atitudes críticas, exerçam a cidadania,emanci em-se econômica, social e politicamente,

~om vistas à Reforma A rária que eles desejam.

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