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7/24/2019 Alcance e Limites Do Movimento Tenentista Na Bahia
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UNIVERSIDADE FEDERAL DA BAHIA
FACULDADE DE FILOSOFIA E CINCIAS HUMANAS
PROGRAMA DE PS-GRADUAO EM HISTRIA
MESTRADO EM HISTRIA
Alexandra Cerqueira Freitas
AAllccaanncceeeeLLiimmiitteessddooMMoovviimmeennttooTTeenneennttiissttaannaaBBaahhiiaa::
AACCoonnssppiirraaooRReevvoolluucciioonnrriiaaddee11993300
Orientador: Prof. Dr. Antnio Fernando Guerreiro de Freitas
Salvador, Bahia
2010
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UNIVERSIDADE FEDERAL DA BAHIA
FACULDADE DE FILOSOFIA E CINCIAS HUMANAS
PROGRAMA DE PS-GRADUAO EM HISTRIA
MESTRADO EM HISTRIA
Alexandra Cerqueira Freitas
AAllccaanncceeeeLLiimmiitteessddooMMoovviimmeennttooTTeenneennttiissttaannaaBBaahhiiaa::
AACCoonnssppiirraaooRReevvoolluucciioonnrriiaaddee11993300
Dissertao de Mestrado, apresentada ao Programa de
Ps-graduao em Histria da Faculdade de Filosofia e
Cincias Humanas da Universidade Federal da Bahia,
como pr-requisito para obteno do grau de Mestre em
Histria.
Orientador: Prof. Dr. Antnio Fernando Guerreiro de Freitas
Salvador, Bahia
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Freitas, Alexandra CerqueiraF866 Alcance e limites do Movimento Tenentista na Bahia: a Conspirao
Revolucionria de 1930 / Alexandra Cerqueira Freitas.Salvador, 2010.144 f.: il.
Orientador: Prof Dr. Antnio Fernando Guerreiro de Freitas
Dissertao (mestrado)Universidade Federal da Bahia, Faculdade deFilosofia e Cincias Humanas, 2010.
1. BrasilHistriaRevoluo, 1930. 2. BrasilPoltica e GovernoSc.XX. I. Freitas, Antnio Fernando Guerreiro de II. Universidade Federalda Bahia, Faculdade de Filosofia e Cincias Humanas. III. Ttulo.
CDD981.05______________________________________________________________________
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FOLHA DE APROVAO
ALCANCE E LIMITES DO MOVIMENTO TENENTISTA NA BAHIA:
A CONSPIRAO REVOLUCIIONRIA DE 1930
Alexandra Cerqueira Freitas
Dissertao submetida ao corpo docente da Faculdade de Filosofia e Cincias Humanas da
Universidade Federal da Bahia, como parte dos requisitos necessrios para a obteno do grau de
Mestre.
Salvador, de de 2010.
BANCA EXAMINADORA:
Prof Fernando Antnio Guerreiro de Freitas ________________________________________Doutorado em Histria pela Universite de Paris IV (Paris-Sorbonne) FranaUniversidade Federal da Bahia
Prof. Dlton Oliveira de Arajo __________________________________________________Doutorado em Histria, UFBAUniversidade Federal da Bahia
Prof. Jorge Almeida Uzda_______________________________________________________Doutorado em Histria, UFBAUniversidade Salvador - UNIFACS
Salvador, Bahia
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Para Abenilson, Cain, Mon e Main,
por todo o amor que me fortalece a cada dia.
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AGRADECIMENTOS
Ao Prof. Antnio Guerreiro, orientador deste trabalho, pela confiana reiterada mesmo com as
adversidades que se apresentaram no percurso de sua realizao e, mais do que isso, por ter
alimentado, atravs da sua paixo pela Histria da Bahia, o meu desejo de trilhar este
caminho.
Ao Prof. Dlton Oliveira de Arajo que acompanhou os primeiros passos deste estudo, ainda
na Pesquisa Orientada da Graduao, me ajudando a perceber as possibilidades e a viabilidade
desse tema.
Prof. Lina Brando de Aras, pelo acompanhamento, incentivo e demonstrao deconfiana tantas vezes demonstrada.
Aos professores do curso de Graduao e do Mestrado da Faculdade de Filosofia e Cincias
Humanas.
Aos funcionrios do Arquivo Histrico do Exrcito, do Centro de Documentao e Pesquisa
da Fundao Getlio Vargas e da Biblioteca Nacional que, apesar da distncia, foram de
extrema importncia para a realizao deste trabalho.
Ao 19 Batalho de Caadores, pela autorizao e acessoria para utilizao dos seus arquivos.
Secretaria Municipal de Educao e Cultura de Salvador que incentivou este trabalho
permitindo o afastamento temporrio das minhas atividades docentes.
Aos meus colegas professores, companheiros da luta diuturna das salas de aula, espao
primordial da construo e da significao da Histria, pelo apoio, solidariedade e incentivo.
Aos meus amigos, por serem parte fundamental da minha trajetria individual.
Aos meus pais (in memoriam), irmos e demais familiares, os que esto perto e os que esto
longe, pelos valores construdos e pelas lies da convivncia.
E, mais uma vez, e especialmente, ao meu companheiro Abenilson e aos meus filhos Mon,
Cain e Main, por tudo que temos construdo com amor, companheirismo e dedicao.
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RESUMO
Este trabalho tem por objetivo analisar o alcance e os limites das idias tenentistas na Bahia
no perodo que antecedeu Revoluo de 1930 e nos primeiros momentos da construo do
governo revolucionrio liderado por Getlio Vargas. A incurso por este tema prope uma
discusso acerca da atuao de um grupo de tenentes do Exrcito, especificamente do 19
Batalho de Caadores que, desde o incio de 1930, organizaram um ncleo militar na Bahia,
liderados por Juarez Tvora - chefe militar da revoluo no Norte do Brasil, concentrando
esforos polticos e militares para a vitria da revoluo no estado.
Contextualizado s questes polticas da Bahia na Primeira Repblica e articulando-se com o
cenrio nacional que, desde o incio dos anos 1920 era bastante influenciado pelas ideias
revolucionrias dos tenentes, este trabalho pretende, tambm, aprofundar alguns aspectos da
discusso sobre uma "poltica de acomodao" na Bahia republicana, contrapondo, sobretudo,
as expectativas das elites polticas locais e as dos tenentes em relao ao reordenamento
poltico preconizado pela Revoluo de 1930 a nvel nacional, e suas especificidades na
Bahia.
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ABSTRACT
This work has for objective to analyze the reach and the limits of the lieutenantist ideas in
Bahia in the period that it preceded to the Revolution of 1930 and at the first moments of the
construction of the revolutionary government led by Getlio Vargas. The incursion for this
subject considers a quarrel concerning the performance of a group of lieutenant of the Army,
specifically of 19 Battalion of Hunters who, since the beginning of 1930, had organized a
military nucleus in the Bahia, led for Juarez Tvora - military head of the revolution in the
North of Brazil, concentrating efforts politicians and military for the victory of the revolution
in the state.
Contextualized to the questions politics of Bahia in the First Republic and articulating itself
with the national scene that, since the beginning of years 1920 was sufficiently influenced for
the revolutionary ideas of the lieutenants, this work intends, also, to deepen some aspects of
the quarrel on one politics of accommodation in the republican Bahia, opposing, over all,
the expectations of the local politics elites and of the lieutenants in relation to the politicians
reorganiziment praised for the Revolution of 1930 the national level, and its especificities in
Bahia.
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SUMRIO
Introduo............................................................................................................................10
1. A revoluo dos tenentes: ideologia e prxis na conspirao
revolucionria......................................................................................................................21
1.1 Personagens em movimento: a Bahia a caminho da revoluo...............................29
1.2 Idias em movimento: avanos e recuos da conspirao revolucionria na
Bahia....................................................................................................................................36
1.3 A crtica poltica e a construo da prxis tenentista..............................................43
2. Da legalidade a rebeldia: a adeso do 19 batalho de caadores conspirao
revolucionria.....................................................................................................................55
2.1 Os tenentes entram em cena: a Bahia como teatro de
operaes.............................................................................................................................62
2.2 Em nome do pugna sagrado: a adeso do 19 BC e o avano revolucionrio na
Bahia....................................................................................................................................69
3. Entre homens e idias: os limites da revoluo na Bahia..............................................91
3.1 A revoluo chega ao serto: o coronelismo como alvo..............................................95
3.2 A interventoria de Artur Neiva: administrao e poltica na Bahia
revolucionria.................................................................................................................. 104
3.3 O tenente e o coronel: o combate entre homens e
idias..................................................................................................................................116
Concluses........................................................................................................................ 129
Fontes................................................................................................................................132
Anexos...............................................................................................................................134
Referncias Bibliogrficas............................................................................................... 142
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INTRODUO
() A imparcialidade, na viso dos acontecimentos histricos, alm deconstituir uma aberrao, chega s raias do inexplicvel. S penetramos,ardorosamente, aquilo que nos apaixona. Os grandes historiadores tm
sido facciosos. Porque o esprito da faco foi o primeiro incentivo paraque se dedicassem aos estudos histricos.
Nelson Werneck Sodr
Pode parecer arriscado iniciar a apresentao dos resultados de uma pesquisa citando,
e corroborando, a idia de que o trabalho do historiador no contm, pelo menos como
pretendem alguns, o fiel da imparcialidade. Resulta, antes de qualquer coisa, do interesse
motivado por percepes e expectativas pessoais, e por que no dizer apaixonadas, sobre um
tema. Esses interesses e expectativas sobre o objeto a ser pesquisado esto sempre
relacionados histria de vida de quem o investiga.
Do percurso individual no qual vivenciamos experincias que nos colocam frente a
frente com as questes da vida e da nossa existncia da forma como ela se concretiza, ou do
convvio da formao acadmica quando as nossas questes, pessoais e carregadas de
paixes, se confundem com outrasmaiores, visveis, importantes que surge ou se afirma
o nosso desejo de historiador. Isso, ao que nos parece, essencialmente parcial, porque
motivado, antes de tudo, pelo desejo de um indivduo e marcado, obviamente, pelo contexto
do seu tempo.
Foi, verdadeiramente, por uma inquietao apaixonada que nos aproximamos desse
tema. Inicialmente, a Revoluo de 1930 e tudo que ela encerrava a Primeira Repblica e
suas contradies sociais e, sobretudo, polticas - era um cenrio de muitas interrogaes emnossa perspectiva. Mas, no era exatamente em sique a Revoluo de 1930 nos seduzia, mas
nas idias que se desenvolveram antecipadamente quele movimento e que acabaram por
caracteriz-lo como um movimento de ruptura com velhas estruturas de poder.
Algo, entretanto, nos chamava ateno: o tratamento revolucionrio dado quele
movimento pela historiografia nacional no se desenvolveu, com a mesma nfase, no cenrio
acadmico da Bahia. Ao contrrio, as leituras sobre a revoluo na Bahia atestavam que por
aqui ela praticamente no acontecera e que, o panorama poltico do estado manteve-se
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praticamente inclume ao grande desequilbrio de foras traduzido no desfecho poltico-
militar do movimento que, em outubro de 1930, levou Getlio Vargas ao poder.
Ao pensarmos as estruturas polticas da Bahia na Primeira Repblica no nos
identificvamos com uma certa confluncia de interpretaes que nos designava um lugar
acomodado, quase esttico, diante daquele processo. A partir da, pensamos ento em outros
lugares de anlise daquele movimento, uma vez que investig-lo a partir da insero dos
grupos polticos dominantes direcionaria muito mais aos seus resultados do que s suas
causas.
Analisando o movimento revolucionrio de 1930 e tendo o contato com alguns
documentos organizados sobre a revoluo na Bahia1, nos entusiasmamos pela possibilidade
de interpret-lo a partir da atuao de um segmento que, incontestavelmente, foi fundamentalao desenvolvimento ideolgico do projeto revolucionrio e da sua organizao: os militares
revolucionrios organizados em torno do chamado Tenentismo.
Da crise poltica e social do incio dos anos 20 Revoluo de 1930, o Brasil
experimentou momentos de acirrados conflitos e o Tenentismo se destacou como um
movimento que radicalizou atravs das armas a sua insatisfao com as prticas polticas do
regime oligrquico e protagonizou, em diversos estados, violentos levantes. Articulando-se
com a Aliana Liberal, liderou a ao militar na tomada do poder em 30. Mas, na Bahia, qualfoi a repercusso desse movimento?
Na anlise dos documentos sobre a conspirao revolucionria de 1930 na Bahia
percebemos indcios de uma possvel articulao entre militares e civis baianos. As
possibilidades apresentadas nas primeiras fontes com as quais tivemos contato nos encorajou
a observar mais atentamente os sujeitos que despontavam naquele cenrio e, ainda
superficialmente, um ponto de partida sobre as suas idias.
No caminhar da pesquisa a constatao dessa articulao e contornos mais claros sobreas idias, os conflitos e as prticas vivenciadas na poltica baiana daquele perodo reforaram
a legitimidade do tema Tenentismo na histria da Revoluo de 30 na Bahia, na medida em
que, a partir de um momento especfico de convergncia de interesses - a conspirao
revolucionria viabiliza-se uma anlise sobre o alcance e os limites desse movimento no
estado por ser um momento no qual se agudizaram questes polticas locais.
1 SILVA, Jos Calasans Brando. A Revoluo de 1930 na Bahia (Documentos e Estudos). Mestrado emCincias Sociais, UFBA, 1981.
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A historiografia da Primeira Repblica dedicou ao Tenentismo parcela significativa da
sua produo.2A diversidade das abordagens suscitou a discusso de outros elementos que se
configuraram como imprescindveis sua interpretao. Os aspectos ideolgicos do
movimento, relacionados diretamente formao militar, as prticas radicais de contestao
do sistema oligrquico, a relao do movimento com a sociedade civil, sobretudo com as
camadas mdias urbanas, e a polmica questo da representao dos interesses destas
camadas pelo Tenentismo, so exemplos dos vrios debates que se estabeleceram e se
constituram interesse da nossa discusso.
O nosso objetivo nesse trabalho analisar o alcance e os limites do Tenentismo na
Bahia, haja visto que as referncias a este tema no tm se constitudo em uma anlise
especfica sobre o seu desenvolvimento e a sua trajetria. Consideramos que, no mbito danossa histria poltica foram privilegiados, em grande medida, os sujeitos relacionados ao
poder poltico constitudo, em detrimento de diversos grupos que participaram, das mais
variadas formas, do processo histrico de construo da Bahia contempornea. por esse
motivo, entre outros, que buscamos analisar a ao dos tenentes revolucionrios da Bahia e
suas idias.
na relao entre estes indivduos e suas idias, especificamente, do grupo de
tenentes revolucionrios do 19 Batalho de Caadores, liderados pelo jovem oficial JoaquimRibeiro Monteiro, que buscamos analisar a conspirao revolucionria na Bahia e, a partir
dela, compreender as suas especificidades e a relao entre a poltica e o novo projeto trazido
pelo movimento que aproximou momentaneamente grupos de formao e interesses to
distintos.
O movimento tenentista no se constituiu, para a historiografia sobre o perodo, num
acontecimento relevante para a histria da Bahia, porque as expectativas sobre este, em sua
maioria, buscaram parmetros fora do contexto baiano. No nosso ponto de vista, aconspirao revolucionria que se desenvolveu na Bahia com a participao efetiva de
militares, apesar da sua tmida repercusso, pode representar um significativo momento na
sua histria poltica.
A conjuntura poltico-social do Brasil na Primeira Repblica propiciou o surgimento
deste movimento considerado um marco na sua histria. As tenses poltico-sociais e
transformaes culturais deram um tom efervescente dcada de 20. O caf gerava riquezas e
a indstria dava novas feies aos grandes centros urbanos. Nas ruas, greves e agitaes. Com
2Parte considervel dessa produo encontra-se nas referncias bibliogrficas deste trabalho.
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a Semana de Arte Moderna, o impacto de uma nova leitura da arte brasileira. No poder, o
domnio oligrquico.
O contexto baiano dos anos 20 no reflete, a priori, as caractersticas citadas,
encontra, porm, na ltima delas, a sntese da sua vida poltica. com base nessa
contextualizao que buscamos refletir, luz das suas especificidades histricas, o possvel
desenvolvimento de um iderio revolucionrio na Bahia.
Sobre a poltica na Bahia da Primeira Repblica o trabalho de Consuelo Novais
Sampaio discute a formao e a composio dos partidos polticos naquele perodo e contribui
para o conhecimento da dinmica e dos mecanismos estabelecidos por estes em suas relaes
com a sociedade baiana e com o poder.3
Priorizando em sua abordagem uma configurao da poltica baiana ondeprotagonizam os grandes chefes polticos com suas personalidades dominadoras que se
confundiam, muitas vezes, com a prpria identidade dos partidos: seabristas, gonalvistas,
vianistas, severinistas, mangabeiristas, calmonistas, entre outros, a historiadora no prope
uma anlise mais direta de propostas ou intervenes de outros setores. Entendendo que o
objetivo de tal trabalho , de fato, uma anlise da poltica partidria, sobretudo do seu carter
personalista e conservador, tal constatao no se constitui numa crtica ao alcance do
referido estudo, mas, ao contrrio, reconhece nas suas entrelinhas a evidncia de outroscaminhos.
Aproximando-se, em sua anlise, da Revoluo de 30, a autora reconhece que
... no entanto, quando elementos de uma nova gerao, ainda que comcerto embarao, no sentido de incluir, no programa partidrio, certocontedo que possa beneficiar as camadas desfavorecidas da sociedade, aelite poltica levanta-se contra, porque soa desafinadamente em relaoaos seus interesses. Sem dvida, contudo, no ltimo lustro que precedeu a
Revoluo de 30, idias liberais menos tmidas comearam a incomodar oconservadorismo da elite dirigente local.4
Sobre os ideais aliancistas indica que, alm dos poucos elementos seabristas, ... a
revoluo era pregada, na Bahia, por um grupo restrito de jovens acadmicos, que se
encarregavam de romper o ritmo montono e rgido do conservado rismo baiano.5E ainda,
sobre as manifestaes populares na revoluo, transcreve das suas fontes: Ao fim de algum
3 SAMPAIO, Consuelo Novais. Os partidos polticos da Bahia na Primeira repblica. Rio de Janeiro: Paz e
Terra, 1998.4 SAMPAIO, Consuelo Novais, Os partidos polticos da Bahia..., p. 236.5 SAMPAIO, Consuelo Novais, Os partidos polticos da Bahia..., p. 223.
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tempo, a cidade ficou colorida de lenos vermelhos. Houve gente que apareceu embrulhada
em amplos lenis encarnados! No se imaginava haver tantos revolucionrios na Bahia.6
A despeito do adesismo que caracterizava a poltica baiana, nos parece legtimo que as
manifestaes populares na Revoluo de 30 sejam tratadas como contedo relevante daquele
processo e que, contextualizadas no apenas em relao predominncia dos interesses
polticos dos setores dominantes, o que as faz parecer menores, mas tambm ao clima de crise
social, poltica e econmica no qual o pas se encontrava, possam revelar a atuao de outros
setores da sociedade baiana, concedendo-lhes, criticamente, a sua importncia histrica.
Queremos citar aqui apenas dois deles: as camadas mdias urbanas e os militares.
Mesmo considerando que se no fosse pela atividade conspirativa de alguns poucos
militares e civis obscuros, a revoluo de 1930 teria chegado Bahia como surpresa aindamaior, Lus Henrique Dias Tavares aponta elementos que indicam a participao efetiva de
militares na conspirao que se desenvolveu na Bahia sob a direo do tenente Joaquim
Ribeiro Monteiro.7
Apesar do fechamento do estado da Bahia para a campanha da Aliana Liberal por
causa do apoio do grupo poltico dominante naquele perodo candidatura Jlio Prestes,
barganhando, inclusive, para Vital Soares, ento governador do estado, a Vice-Presidncia,
seguidos encontros aconteciam entre militares e civis.O Comit da Aliana Liberal na Bahia, atravs dos tenentes Joaquim Ribeiro Monteiro
e Hanequim Dantas, os aspirantes a tenente Humberto de Melo e Joo Costa e do mdico
Eduardo Bizarria Mamede, entre outros, manteve, a partir de fevereiro de 1930, inmeros
contatos com os tenentes Juracy Magalhes e o capito Juarez Tvora, lderes da revoluo no
Norte.
O alcance do movimento tenentista na Bahia ainda pouco conhecido, este trabalho
praticamente inaugura um estudo especfico sobre este tema na literatura histrica da Bahia, jos seus limites foram mais apontados e se tornaram mais visveis. Em documentao referente
ao perodo da conspirao revolucionria8, o capito Juarez Tvora considerava
problemtico o levante do Exrcito na Bahia. Entre outros fatores, chamava a ateno para
a falta de uma ligao mais efetiva entre os oficiais do 19 BC e os sargentos e entre os
militares e os civis. A deficincia dessa articulao parece-nos estar diretamente relacionada,
6SAMPAIO, Consuelo Novais, Os partidos polticos da Bahia..., p .225.7TAVARES, Lus Henrique Dias. Histria da Bahia. So Paulo: Editora UNESP, Salvador, BA: EDUFBA,
2001, p. 378.8SILVA, Jos Calasans Brando. Op. cit.
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no primeiro caso, s questes de hierarquia institucional e, no segundo, ao fato de que os civis
que dela participavam estavam fora do jogo poltico baiano. Eram seabristas em tempo de
calmonistas.
Outros fatores, contudo, sinalizam que os problemas de organizao de um ncleo
revolucionrio militar na Bahia ultrapassavam as dificuldades estratgicas. O rompimento de
Lus Carlos Prestes com a Aliana Liberal, em maio de 1930, gerou inquietaes no restrito
ncleo militar baiano. Os tenentes se preocupavam com o rumo poltico que tomaria o
movimento revolucionrio e, antes disso, desconfiavam das intenes liberais.9
Pensar, no contexto poltico da Bahia nos anos 20, um movimento poltico-militar
radical que pudesse unir os ideais revolucionrios da jovem oficialidade do Exrcito, com
marcas prprias da sua formao profissional, poltica e ideolgica, e os interesses dos grupospolticos civis que, por muitas vezes, protagonizaram um modelo de poltica personalista e
clientelista, seria uma ingenuidade e comprometeria a possibilidade de sua contextualizao
com os aspectos poltico-sociais da Bahia naquele perodo.
Nesse sentido, foi nossa preocupao constante o cuidado na observao das estruturas
polticas e sociais do contexto nacional e suas adaptaes na poltica local. Tal fato no
restringiu as expectativas de anlise da participao militar no cenrio poltico baiano, apenas
nos proporcionou a cautela necessria frente s demandas de uma pesquisa inaugural edesenvolvida no sinuoso percurso da histria poltica da Bahia.
A despeito de discursos inovadores, ainda, em alguma medida, os trabalhos em histria
poltica despertam certa preocupao (para no dizer uma certa desconfiana). Tal
situao no nos imps nenhuma cautela diferenciada na relao do nosso objeto com o
quadro terico-conceitual do qual lanamos mo. O campo da histria poltica, perspectiva na
qual esse projeto de pesquisa se orientou e buscou refletir o tema proposto, nos ofereceu
terreno firme.Jacques Julliard10, ao trabalhar a histria poltica, aponta alguns elementos que
provocaram nossas expectativas em relao ao sentido poltico do movimento tenentista e,
mais incidentemente, em relao aos aspectos terico-metodolgicos da historiografia poltica
da Bahia republicana.
O primeiro elemento se refere ao que o autor denomina de acontecimento gerador.
No seu entendimento, o acontecimento, sobretudo na sua forma poltica, evidencia uma
9Conforme carta dos tenentes ao Cap. Juarez Tvora, in SILVA, Jos Calasans Brando. Op. cit.10JULLIARD, Jacques. A poltica. In: LE GOFF, Jacques. Histria: novas abordagens. Rio de Janeiro: Francisco
Alves, 1995.
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dialtica entre o social e o poltico. As estruturas sociais e o acontecimento poltico so
complementares. O ltimo no pode, portanto, ser considerado como um simples produto
da estrutura social. Deve ser tomado tambm como produtor (gerador) de novas
mentalidades e de uma nova ordem social.
Nesse sentido, acreditamos que os acontecimentos polticos protagonizados pela
jovem oficialidade do Exrcito na Primeira Repblica brasileira no foram apenas um efeito
daquele momento histrico. Engendraram, ainda, novas discusses e prticas polticas na
sociedade brasileira.
O segundo elemento se refere, especificamente, produo historiogrfica no campo
da histria poltica sobre a Bahia na Primeira Repblica. Conduzimos aqui as nossas
observaes tomando como ponto de partida a evidncia de algumas lacunas dessa
produo. Referimo-nos s opes terico-metodolgicas que privilegiaram, enquanto agentes
histricos, os grupos no poder.
A partir do que Julliard prope, este modelo de abordagem pode ser equivocado uma
vez que em resumo, essa histria poltica confunde-se com a viso ingnua das coisas, que
atribui a causa dos fenmenos a seu agente o mais aparente, o mais altamente colocado, e que
mede a sua importncia pela repercusso imediata na conscincia do espectador.11
Identificamos, na histria poltica da Bahia na Primeira Repblica, sinais de umaleitura que, muitas vezes, fez confundir as insuficincias do mtodo com a irrelevncia dos
objetos. Acreditamos que no haver uma histria poltica da Bahia, o mais prxima possvel
da totalidade, se no permitirmos a emerso de outros, novos, agentes histricos.
Discutindo a crtica dos Annales histria poltica tradicional, Julliard conclui que no
ocorreu por parte daqueles o abandono da poltica do universo social, ao contrrio, a histria
total, que desejaram, teve, entre outros mritos, o mrito de introduzir novamente os homens,
com a sua carne e o seu sangue, numa histria que parecia algumas vezes um teatro demarionetes.12 No queremos, entretanto, descartar a imbricao entre poltica e poder.
Consideramos apenas que essa relao deve ser analisada atravs de uma leitura mais aberta
da sociedade baiana daquele perodo.
Encontramos no centro das discusses sobre o Tenentismo, a relao entre o
comportamento poltico-ideolgico da jovem oficialidade do Exrcito e as aspiraes das
camadas mdias urbanas. A observao de setores que, a partir do conceito que tomamos por
camadas mdias urbanas, possam ser evidenciados atravs das fontes, trar, paralelamente
11JULLIARD, Jacques. A poltica , p. 181.12JULLIARD, Jacques. A poltica , p. 182.
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discusso da conspirao revolucionria de 1930 e trajetria do movimento tenentista na
Bahia, uma referncia, por no se tratar de uma anlise especfica da interveno dessas
camadas na poltica baiana da dcada de 1920.
Por camadas mdias urbanas tomamos a definio de aqueles setores da populao
urbana que, no sendo detentores do capital, realizam trabalho predominantemente no-
manual, quer trabalhando por conta prpria, quer vendendo a sua capacidade de trabalho a
terceiros.13Poderemos incluir nesse grupo os profissionais liberais, funcionrios pblicos,
trabalhadores de funes tcnico-administrativas da indstria, comrcio e bancos, etc.
De um modo geral os autores consideram que as camadas mdias urbanas no
conseguiram, por sua dependncia em relao ao modelo oligrquico, organizar uma prtica
expressiva de contestao daquele modelo. Insere-se ento a questo da representao. Teriamsido os tenentes porta-vozes das camadas mdias urbanas?
Para Maria Ceclia Spina Forjaz essa representatividade explcita, mas contraditria.
Considerando que o tenentismo expressou os interesses das camadas mdias urbanas, pela
ausncia de um partido poltico que o fizesse, a autora evidencia a ambigidade desse
movimento poltico:
... o tenentismo liberal-democrata, mas manifesta tendnciasautoritrias; busca o apoio popular, mas incapaz de organizar o povo;pretende ampliar a representatividade do Estado, mas mantm umaperspectiva elitista; representa os interesses imediatos das camadasmdias urbanas, mas se v como representante dos interesses gerais danacionalidade brasileira.14
Ao analisarmos memrias de participantes do movimento, identificamos que a
ambigidade destacada pelos diversos autores surge muito mais pela persistncia em
comprovar ou negar uma articulao entre os militares e as camadas mdias urbanas. Na
maioria dos relatos, essa identificao se expressa de uma forma descomprometida, no por
incapacidade, mas pelos objetivos do movimento, como sugere em seu depoimento, Juracy
Magalhes:
Na verdade, ns os tenentes, no seguamos uma ideologia definida, nonos ligvamos a esta ou quela classe social, embora nossas propostas dereforma tica e poltica atendessem aos anseios dos cidados do povo e da
13SAES, Dcio. Classe Mdia e Poltica na Primeira Republica Brasileira (1889-1930). Petrpolis: Vozes,1975, p.26.
14FORJAZ, Maria Ceclia Spina. Tenentismo e poltica: tenentismo e camadas mdias urbanas na crise daPrimeira Repblica. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1977, p. 31-32.
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classe mdia, ento excludos do Olimpo Oligrquico. Queramoscombater a injustia e ao mesmo tempo confrontar as altas patentes do
Exrcito que vinham sustentando esse tipo de opresso.15
A atuao poltica dos tenentes carregava tambm, nesse sentido, conotaes prpriasdas questes institucionais do Exrcito.
importante salientar que o contedo da interveno militar na Primeira Repblica
tem sido objeto de discusso de historiadores, socilogos e cientistas polticos e que, de um
modo geral, o Tenentismo tem sido considerado por estes, como um elemento chave do
entendimento da transio do que teria sido uma poltica no Exrcito para uma poltica do
Exrcito.16
Jos Murilo de Carvalho enfatiza as caractersticas prprias das Foras Armadas noBrasil e suas transformaes ao longo da sua institucionalizao na Repblica. Agrega a essa
discusso as questes relacionadas educao militar, aproximao dessa jovem
oficialidade do Exrcito com realidades distintas das que vivenciavam, como o estgio de
jovens militares brasileiros na Alemanha - os jovens turcos, e a Misso Francesa no Brasil,
que refletia o interesse em dar mais eficcia formao tcnica e profissionalizao das
Foras Armadas.
Para o nosso trabalho relevante um outro aspecto apontado pelo autor, que dizrespeito ao poltica do Exrcito. Para Carvalho, o Tenentismo dos anos 20 representa uma
fase contestatria do movimento. Os levantes, as agitaes, os discursos, evidenciavam o
descontentamento de uma parcela do Exrcito que por sua condio institucional se
percebiam como agentes transformadores destatus quo. Dessa interveno contestadora da
poltica os militares passariam a uma interveno controladora (em 1930, 1937, 1945,
1964).
No que concerne Bahia, o posicionamento dos tenentes em 1930 pretendia muito
mais uma interveno forte e direta, do que uma coadjuvao junto aos setores civis, como
veremos no decorrer deste trabalho. Ainda que, para tanto, argumentassem com base no
histrico das lutas dos anos 20, enfatizando o seu carter moralizador, regenerador, de uma
Repblica corroda por polticos profissionais.
O desenvolvimento deste trabalho se constituiu num esforo de interpretao do
tenentismo na Bahia e se apresenta como mais uma, entre as tantas anlises sobre o
movimento na histria nacional, amparando-se, particularmente, pelo referencial terico-
15GUEIROS, Jos Alberto. O ltimo tenente. Rio de Janeiro: Record, 1996, p. 44.16Ver Borges, 1992. Carvalho, 1985.
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metodolgico que o tem observado nas suas especificidades institucionais e ideolgicas, as
quais, em nosso entendimento, so relevantes.
Esta dissertao composta de trs captulos que buscam discutir a hipteses que a
esta altura j nos parece estar mais ou menos clara, de que apesar de no ter se inserido no
quadro dos principais acontecimentos da Primeira Repblica na Bahia, o movimento
tenentista se constitui como um importante elemento poltico no jogo do poder que se
apresentou a partir da conspirao e da execuo da Revoluo de 1930 no estado.
Nos utilizamos de documentao oficial como os arquivos do 19 Batalho de
Caadores, em Salvador; de arquivos pessoaiscomo o de Juarez Tvora, no Rio de Janeiro,
alm de jornais baianos e memrias de integrantes do Tenentismo.
O primeiro captulo, intitulado A revoluo dos tenentes: ideologia e prxi s na
conspirao revolucionria de 1930, analisa os principais aspectos ideolgicos que
permearam o discurso e a prtica poltica dos tenentes durante a fase conspiratria do
movimento na Bahia.
Para isso, resgata em alguns momentos antecedentes do movimento como os
levantes dos anos 20, e contextualiza as especificidades do cenrio poltico da Bahia luz do
contexto nacional sob o qual este movimento ganhou fora. Discutimos, tambm, as
estratgias utilizadas pelos militares da Bahia, evidenciando a incidncia direta da lideranade Juarez Tvora sobre o movimento e seus integrantes.
Acreditamos serem as interrogaes sobre o esvaziamento ideolgico e a falta de um
projeto poltico do Tenentismo o fio condutor das nossas reflexes neste captulo.
O segundo captulo se constitui em uma narrativa sobre a atuao militar do 19
Batalho de Caadores, ao qual pertenciam os jovens militares do ncleo revolucionrio
baiano, a partir da deflagrao do movimento revolucionrio no Sul do pas. Intitulado Da
legalidade rebeldia: a adeso do 19 BC ao movimento revolucionrio de 1930, estecaptulo dsetaca um momento de amlgama das idias e das aes dentro da perspectiva
revolucionria.
Entr e homens e idias: os limi tes da revoluo na Bahia o terceiro e ltimo
captulo deste trabalho e analisa os desdobramentos polticos da vitria revolucionria na
Bahia, a partir dos acontecimentos imediatos revoluo, como a nomeao e substituio de
interventores, a atuao poltica do ncleo militar, o combate aos chefes sertanejos e,
principalmente, o que temos chamado de combate de idias, o jogo de interesses no
reordenamento do quadro poltico local.
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Este capitulo nos inclinou a muitas perspectivas de anlise do movimento tenentista e
da revoluo, sobretudo, na interpretao de seus personagens. Mas, infelizmente, no caberia
aqui todo o tratamento das muitas possibilidades que encontramos. Ficamos, ento, com o
contexto do que, em alguma medida, compreendemos como uma fase de tentativa, por parte
dos tenentes, de execuo de um projeto verdadeiramente revolucionrio para a Bahia.
Ao fim, as concluses, que buscam organizar e expor as constataes elaboradas ao
longo deste percurso.
Muito do que foi aqui rapidamente apresentado ser retomado durante a exposio dos
captulos e, buscando o amparo das fontes, muitas dessas idias se tornaro mais
compreensveis. Esta , sem dvida, a nossa expectativa.
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1 A REVOLUO DOS TENENTES: IDEOLOGIA E PRXIS NA
CONSPIRAO REVOLUCIONRIA
Os homens fazem sua prpria histria, mas no a fazem como querem: no afazem sob circunstncias de sua escolha e sim sob aquelas com que se defrontamdiretamente, ligadas e transmitidas pelo passado. A tradio de todas as
geraes mortas oprime como um pesadelo o crebro dos vivos. E justamentequando parecem empenhados em revolucionar-se a si e s coisas, em criar algoque jamais existiu, precisamente nesses perodos de crise revolucionria, oshomens conjuram ansiosamente ao seu auxlio os espritos do passado,tomando-lhes emprestado os nomes, os gritos de guerra e as roupagens, a fim deapresentar a nova cena da histria do mundo nesse disfarce tradicional e nessalinguagem emprestada.
Karl Marx
Comando do 19 Batalho de Caadores. Estacionamento em Timb, 20 deoutubro de 1930.
Boletim n 1 Para conhecimento do Batalho e devida execuo, publico oseguinte:
ILEVANTE DO 19 BCProclamao
H vrios anos que o Brasil, sofrendo as conseqncias de uma Constituiomal compreendida, passa por crises polticas cada vez mais graves; nossas
rendas so desviadas, nossa liberdade usurpada, nossos direitos no existem.Fruto de polticos profissionais, que colocam as vantagens pessoais acima dasvantagens para a coletividade, a nossa idolatrada Ptria, tem cado do conceitodas naes e, ns os seus filhos, vamos com o corao em dores e as lgrimasaos olhos essa queda formidanda.
Entretanto, o desejo de melhores dias sempre existiu em nossas conscinciase uma mocidade forte de ideais, que se formava nos bancos dos colgios e apsnas Escolas, guiada por verdadeiros paladinos das grandezas da nossa Ptria,
jurou, cedo ou tarde, mesmo com o sacrifcio do seu sangue ardente e forte,elevar o Brasil grandeza e prosperidade das grandes naes modernas.
Aqueles que nos dirigiam tudo prometiam e nada nos davam, pelo contrrionossa queda cada vez mais se acentuava.
Basta de palavras precisamos de ao, foi o grito unssono que ecoou em
todo o Brasil.O momento chegado; do Norte ao Sul, o Brasil se levanta pedindo um novo
sistema de governo e o cumprimento de um programa organizado, depois de 40anos de observaes. E, caros camaradas, sabendo que em vossos peitos omesmo desejo de patriotismo se inflama, vos concito a que vos incorporeis aesses irmos de ideais jurando mesmo com o sacrifcio do nosso sangue arealizao do nosso ideal.
Viva a Revoluo Libertadora!Viva o Brasil!
Avante!17
17Transcrio de parte do referido boletim assinado pelo Ten. Joaquim Ribeiro Monteiro.
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As palavras escolhidas pelo jovem tenente do 19 Batalho de Caadores18, Joaquim
Ribeiro Monteiro, registraram, na ocasio, o levante e a adeso do batalho Revoluo de
1930 como ficou reconhecido na historiografia brasileira, o movimento que derrubou o
governo do presidente Washington Lus, sob a liderana dos militares e dos grupos
dissidentes da poltica do caf-com-leite.
Para Antoine Prost, as maneiras de falar no so inocentes [...] revelam estruturas
mentais, maneiras de perceber e de organizar a realidade, denominando-a.19 Distante da
pretenso de fazer uma anlise lingstica do texto transcrito e atravs dele buscar provas ou
caminhos, o que percebemos que, contextualizado e interpretado luz da produo
historiogrfica, o discurso, de tom eloqente e persuasivo, revela aspectos que possibilitam
uma anlise daquilo que o desfecho revolucionrio na Bahia concretizou ou pensouconcretizardos ideais tenentistas.
A retrica utilizada extrapola a simples realizao de um procedimento
administrativo de dar conhecimento, de tornar pblico, um fato ou uma deciso institucional,
nesse caso, procedimento cotidiano adotado, criteriosamente, pelo Exrcito. As palavras
utilizadas ganham fora medida que remontam, numa dicotomia bem demarcada entre as
mazelas e as esperanas de uma nao, a trajetria das crises polticas da Primeira Repblica e
o protagonismo do movimento tenentista como instrumento tensionador das relaes de poderestabelecidas sob o domnio das oligarquias.
A constatao da importncia daquele momento poltico surge, nas palavras do
tenente Monteiro, com a urgncia de uma deciso por parte dos seus companheiros. Era o
momento de uma possvel ruptura com o velho sistema. Tal ruptura fora preconizada pelos
ideais revolucionrios encampados pelo Tenentismo que, posteriormente, se ampliariam numa
perspectiva marcada por outras concepes que no aquelas, notadamente idealistas, pregadas
pelos jovens militares nos anos 20.A ao proposta pelo tenente Joaquim Ribeiro Monteiro no se reduzia ao levante do
19 Batalho de Caadores. Para ele, a necessidade de romper com os velhos quadros da
poltica profissional e com aquele sistema de governo estava no cerne de qualquer proposta
que desejasse modernizar a nao. Para isso, vislumbrava a necessidade de um programa
organizado e executado sob a liderana dos militares.
18O 19 Batalho de Caadores, Batalho Piraj, teve sua origem no 11 Regimento de Infantaria, RegimentoTiradentes, de acordo com o Decreto n. 13.916, de 11 de dezembro de 1919. Tomadas as providncias para a
criao do batalho, a 16 de janeiro de 1920, o 19 BC foi organizado e instalado no Forte de So Pedro, emSalvador.19Antoine PROST. As palavras. In: Ren RMOND. Por Uma H istri a Poltica. Rio de janeiro: Ed. UFRJ,1996. p. 312.
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Ao proclamar o levante do 19 Batalho de Caadores, o tenente Joaquim Ribeiro
Monteiro utilizou poucas, porm, significativas palavras. Ao examinarmos a trajetria da
atuao desse militar na conspirao revolucionria na Bahia, perceberemos que suas idias
tambm mantinham o mesmo trao de convico e eram fundamentadas, em grande medida,
na sua formao poltica e militar na Escola Militar do Realengo, de onde egressou grande
parte dos jovens tenentes revolucionrios e onde ele mesmo teve os primeiros contatos com as
idias da revoluo pregada pelo Tenentismo.
Destacando-se como um movimento que radicalizou atravs das armas a sua
insatisfao com as prticas polticas do regime oligrquico, o Tenentismo articulou vrios
levantes durante a dcada de 1920, perodo marcado por profundas transformaes para a
sociedade brasileira. Naquela dcada se manifestaram, alm da crise do poder oligrquico, ademanda de maior participao poltica dos setores urbanos que visualizavam na insatisfao
dos militares a possibilidade de uma renovao da poltica nacional.
A relao entre o Tenentismo e a agitao poltica dos anos 20 apontada por Anita
Leocdia Prestes que, ao analisar as origens daquele movimento, reconhece que
numa situao de crise econmica, social, poltica e cultural da RepblicaVelha, como a que se delineava no incio dos anos vinte quando o
movimento operrio se encontrava em refluxo aps ter sido violentamentereprimido no final da dcada anterior -, tudo parece indicar que se haviamcriado as condies para o surgimento de um clima revolucionrio, propciotanto ecloso das revoltas militares, consubstanciadas no movimentotenentista, quanto intensa atuao poltica dos grupos oligrquicosdissidentes, descontentes com o domnio da poltica do caf com leite,assim como das camadas mdias urbanas e de outros setores deoposio20.
A contestao da ordem vigente que se estabeleceu ao longo da Primeira Repblica
adquiriu formas distintas. No campo ou nas cidades, a excluso poltico-social de diversos
setores combinou fatores que se distinguiam em contedo, mas manifestavam o
descontentamento comum a diferentes grupos em relao aos mecanismos da Repblica
oligrquica.
A expresso repblica oligrquica", bastante ambgua e contraditria, revela que o
advento da repblica no Brasil no se constituiu na implantao de um governo preocupado
20Anita Leocdia PRESTES. Os militares e a Reao Republicana: as origens do tenentismo. Petrpolis:Vozes, 1993, p.18-19.
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em servir aos interesses coletivos. Seu papel foi extremamente limitado no processo de
construo da democracia e da cidadania.21
Para Maria Efgnia de Resende, alguns elementos podem explicar os motivos pelos
quais a proclamao de 1889 acabou por permitir a permanncia, salvo algumas inovaes
inegveis, de um sistema poltico que exclua a maioria da populao do processo de
participao poltica.
Um dos elementos evidenciados pela autora e que interessa diretamente nossa
discusso a Constituio de 1891, com destaque para a organizao federativa e o
individualismo poltico e econmico. Para a autora, a grande autonomia que os estados
ganharam no texto constitucional, rompeu com a relao direta entre o poder local e o poder
central que prevaleceu durante o Imprio. Os governadores passaram a ser eleitos eadquiriram uma enorme soma de poder. A reboque dessa estadualizao estaria tambm a
municipalizao, que garantia os interesses peculiares dos municpios. Pertencem a este
contexto a poltica dos governadores e o coronelismo.
O federalismo, implantado em substituio ao centralismo do Imprio,confere aos estados uma enorme soma de poder, que se distribui entre oestado e os municpios. Sobre esse princpio edifica-se a fora poltica doscoronis no nvel municipal e das oligarquias nos nveis estadual e federal.
A centralidade conferida aos direitos individuais, deixando de lado apreocupao com o bem pblico, ou seja, a virtude pblica ou cvica queest no cerne da idia de Repblica, funciona como barreira no processode construo da cidadania noBrasil. 22
A impossibilidade de acordos e as difceis negociaes entre interesses conflitantes
abriam espaos de confronto. Entretanto, no eram os temas sociais da nao a tnica dessa
disputa, mas, simplesmente, a organizao e distribuio do poder. Do ponto de vista da
participao poltica o regime republicano manteve uma representao bastante limitada,
resultado de um modelo liberal essencialmente conservador.
No campo, os movimentos sociais apontavam as mazelas de uma camada da
populao brasileira que no usufrua dos benefcios da Repblica. Carncia e reivindicaes
sociais, aliadas ou no ao carter religioso, configuraram uma recusa sistemtica forma de
21 RESENDE, Maria Efgnia Lage de. O processo poltico na Primeira Repblica e o liberalismooligrquico. In O tempo do liberalismo excludente: da Proclamao da Repblica Revoluo de 1930. Rio deJaneiro: Civilizao Brasileira, 2003. p. 91.22Idem, p. 93.
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domnio que lhes era imposta pela elite agrria. Canudos e Contestado so apenas exemplos
entre os diversos momentos de tenso no campo, durante a vigncia da Primeira Repblica.
As cidades, compostas por categorias sociais diversas, acumulavam os problemas
que, fruto do descaso dos governantes, constituram-se inmeras vezes em revoltas populares
ou com o apoio popular. Enquanto a industrializao se acelerava nos grandes centros
urbanos, sobretudo no Rio de Janeiro e em So Paulo, os trabalhadores se organizavam em
reivindicaes por melhores condies de trabalho e de sobrevivncia, alm de uma insero
poltica maior.
As camadas mdias urbanas23, ainda pouco articuladas, apresentavam uma tendncia
antioligrquica. Criticavam os seus mecanismos eleitoreiros e as sucessivas perdas a que eram
submetidas em funo de uma poltica econmica que privilegiava os setores cafeeiros emdetrimento da modernizao produtiva e poltica, aspectos que mais lhes favoreceriam.
Diante desse quadro, a conjuntura da Primeira Repblica se constituiu em solo frtil
ao surgimento do Tenentismo. E, apesar das transformaes e efervescncia da dcada de
1920, a persistncia do domnio oligrquico era cada vez mais evidente e suas contradies
tambm.
Na Bahia, o modelo republicano no se concretizou de forma diferente do resto do
Pas. A transio da Monarquia Repblica no prescindiu de um reordenamento poltico e,com efeito, utilizou instrumentos conhecidos das velhas oligarquias para adaptar-se ao novo
empreendimento poltico e social de construir um regime republicano, ainda que marcado,
inicialmente, pelo conservadorismo e pela acomodao dos agentes polticos.
Contrapondo-se persistncia de uma poltica centralista e personalista, que
contribuiu para processos sucessrios marcados por dissidncias e conflitos nos primeiros
anos da Repblica na Bahia, as manifestaes populares e de setores mais visveis da
sociedade baianacomo os comerciantes, representados pela Associao Comercial da Bahiadavam ao processo de consolidao do regime um tom menos ordeiro e disciplinado do que
muitos esperavam.
H um episdio sangrento, o 13 de novembro de 1899, dia em que o governode Lus Viana respondeu com fora policial militar s manifestaes de
protesto realizadas no bairro comercial (Cidade Baixa) contra o resultadooficial da eleio para prefeito da cidade do Salvador, acusada de
23Por camadas mdias urbanas tomamos a definio como sendo aqueles setores da populao urbana que, nosendo detentores do capital, realizam trabalho predominantemente no-manual, quer trabalhando por conta
prpria, quer vendendo a sua capacidade de trabalho a terceiros In SAES, Dcio. Classe Mdia e Poltica naPrimeira Repblica Brasileira (1889-1930). Petrpolis, Vozes, 1975, p.26.
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fraudulenta. A interveno da polcia militar causou mortos e feridos emnmero jamais estabelecido. Tambm ocorreram prises, muitas prises, deempregados do comrcio e populares. No mesmo dia 13, o comrcio fechou
suas portas. Com todo o comrcio fechado, os maiores exportadores eimportadores da Bahia apareceram no dia seguinte assinando nos jornaisum manifesto que no ficava apenas nos limites imediatos da condenao doato repressivo, mas se ampliava em conotaes polticas que indicavam a
presso do comrcio para ter maior participao nas decises do governo.24
Apesar de manter em seu estatuto, durante toda a Primeira Repblica, a proibio de
se envolver em questes polticas, a Associao Comercial da Bahia no pode, em alguns
momentos, se isentar de uma participao na poltica do Estado. Primeiro, porque
representava interesses concretos de grupos econmicos; segundo, porque sendo vista comouma fora, seu apoio era objeto de disputa. 25
Assim, a repercusso de tal insurgncia sugeriu, de fato, o protagonismo do seu
elemento mais notrio, a Associao Comercial da Bahia. Entretanto, a importncia da
participao de populares no pode ser desprezada se buscarmos compreender o conflito em
sua dimenso social e poltica. Para tanto, devemos dirigir nosso olhar a outros sujeitos
histricos e suas aes, alm daqueles j evidenciados como agentes do poder e mais
aparentemente colocados na observao desses episdios.As disputas e cises polticas constantes na histria da Primeira Repblica na Bahia
caracterizavam muito mais do que as divergncias entre as elites dominantes baianas.
Iniciadas dentro dos partidos locais, essas disputas alcanavam grande parte da populao,
sobretudo porque era para essa massa que, na maioria das vezes, pendiam os prejuzos
materiais de uma relao complexa entre os aspectos econmicos e polticos que se
entrelaavam naquela conjuntura.
Os primeiros momentos da Repblica na Bahia retrataram, em grande medida, as
incertezas e inconsistncias do regime que se inaugurava. Na verdade, deixava vista as
rivalidades histricas ou de ltima hora entre as lideranas locais. Sem o manto privilegiado
do Imprio acirraram-se os conflitos pelo poder. Agora, sob o escudo (e a espada!) da
Repblica Federativa vieram tona, mais explicitamente, as personalidades e seus interesses.
Analisando a conjuntura poltica da Bahia durante a Primeira Repblica, Slvia
Sarmento considera que os dirigentes republicanos nunca conseguiram criar um arranjo
24 Lus Henrique Dias TAVARES. Histria da Bahia. So Paulo: Ed.UNESP; Salvador: EDUFBA, 2001,p.312-313.25Conf. SANTOS, Mrio Augusto da Silva. Associao Comercial da Bahia na Primeira Repblica - UmGrupo de Presso. Salvador: ACB, 1991.
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estvel de controle do poder estadual. Essa instabilidade se explicaria, entre outros fatores,
pela falta de um produto econmico nico que pudesse gerar, como ocorreu em So Paulo
com o caf, a unio de interesses econmicos e polticos que pretendessem um controle mais
direto sobre a poltica estadual.
Outro fator que contribua para a instabilidade poltica, segundo Sarmento, era a
deficincia do controle do governo estadual sobre a totalidade do territrio, que se
relacionava, por um lado, falta de transportes rpidos para grande parte do interior, e, por
outro, fragilidade da fora policial.26
O fato que as sucesses polticas na Primeira Repblica baiana evidenciavam num
recorte local a frmula oligrquica que se implantou a nvel nacional. O processo eleitoral
para o governo da Bahia em 1912, por exemplo, foi precedido de grandes agitaes, desuniese alianas imprevisveis. Figuras como Lus Viana, Jos Marcelino, Severino Vieira e J. J.
Seabra atuavam ostensivamente no cenrio da disputa eleitoral. Este ltimo chegou ao poder
como nico candidato do pleito de 22 de janeiro daquele ano, aps a interveno do governo
federal que bombardeou a cidade de Salvador.
A memria do bombardeio tornar-se-ia mais distante com a reforma urbana
empreendida pela administrao de J. J. Seabra, contudo, os motivos e contendas que deram
origem ao mesmo permaneceriam, por um longo perodo, como realidade estampada docontinusmo poltico e da excluso social, aspectos estes que eram fomentados por disputas
polarizadas e descomprometidas com o interesse pblico.
Durante o governo de Antnio Moniz (1916-1920), sucessor de J. J. Seabra, a Bahia
experimentou, novamente, a imposio da interveno federal. Outra vez, a sucesso ao
governo do Estado gerava grandes atribulaes, precedidas de um perodo de agravamento
das dificuldades socioeconmicas relacionadas, entre outros fatores, ao contexto da Primeira
Guerra Mundial.Dessa vez, um ingrediente a mais na sequncia das violentas disputas eleitorais: a
articulao entre a oposio Seabracandidato oficial ao governo Estadoe os coronis da
Chapada Diamantina e da regio sanfranciscana. Culminado com o movimento que ficou
conhecido como a Revolta Sertaneja, este episdio evidenciou que os limites da ao
poltica na Bahia eram imprevisveis.
26Sarmento, Silvia Noronha. A raposa e a guia: J.J. Seabra e Rui Barbosa na poltica baiana da PrimeiraRepblica. Dissertao de Mestrado, Universidade Federal da Bahia, Faculdade de Filosofia e CinciasHumanas, 2009. p. 42-43.
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Seabra retornou ao poder. Fez acordos com os coronis revoltosos que garantiram
atravs de convnios o domnio poltico e administrativo de suas regies. Esta situao que,
aparentemente, polarizava as relaes de poder na Bahia num binmio capital X interior se
repetiria e a convocao dos coronis do serto pelos polticos da capital demonstraria, em
outras oportunidades, que estes poderes estavam mais imbricados do que separados..
Para um outro segmento poltico da Bahia - o movimento operrio - o conflito
interoligrquico tambm trouxe conseqncias importantes. Na busca pelo apoio do maior
nmero possvel de eleitores no pleito de 1919, tanto os seabristas quanto os rustas
disputavam o apoio da classe operria.
Segundo Aldrin Castellucci, na Bahia, apesar da quase ausncia do componente
nacional, os operrios e seus sindicatos aproveitaram-se da ciso no interior das elitespolticas, fazendo com que o conflito entre capital e trabalho se misturasse luta da classe
operria contra os rustase seus aliados poltico-eleitorais na burguesia mercantil, industrial, e
financeira local27.
Na interpretao do autor, a aproximao entre operrios e seabristas traduzia uma
necessidade mtua de apoio. O relaxamento frente organizao do movimento operrio
abria possibilidades de articulao que os seus componentes no deveriam recusar. A aliana
entre grupos historicamente to distintos num momento de crise poltica deve ser observada,sobretudo, pelas condies estabelecidas e seus desdobramentos.
Evidentemente, os fatores que levaram ecloso do movimento grevista dos
operrios baianos em 1919 no se distanciavam da realidade enfrentada pelos trabalhadores
em outros centros urbanos do Pas: as condies scio-econmicas e as disputas das
oligarquias locais, mescladas s questes intrnsecas classe trabalhadora, afirmavam a
incluso da Bahia numa estrutura nacional de crises e debates.
Se, para o movimento operrio baiano, essa conveniente aliana com as oligarquiasprojetou caminhos e possibilidades para a organizao da greve de 1919, objetivo imediato
das classes trabalhadoras baianas organizadas naquele momento, a aliana (inicialmente
menos explcita) entre os tenentes e as oligarquias dissidentes, sobretudo no Rio de Janeiro,
tambm representou a semente de uma articulao entre segmentos sociais distintos em suas
concepes de poltica, mas que, em 1930, se aproximariam em suas estratgias.
27 Aldrin A. S. CASTELLUCCI. Industriais e operrios baianos numa conjuntura de crise (1914-1921) .Salvador: FIEB, 2004. p.162.
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Nesse sentido, podemos argumentar que o movimento tenentista tangenciou uma
srie de acontecimentos que demarcaram espaos de disputa poltica e ideolgica, ainda que
muitas vezes reduzido a episdios de inexperiente ao militar.
Na Bahia, s vsperas da Revoluo, apresentavam-se todas as evidncias que
impuseram ao tenentismo o rtulo de um movimento contraditrio. No entanto, no eram
contradies baianas. O que se revelava era uma representao proporcionalmente compatvel
s questes locaismas eram, efetivamente, questes nacionais.
A temporalidade e a espacialidade do movimento tenentista enquanto luta armada
podem ser bem delimitadas nas aes e intervenes que os tenentes promoveram ao longo
dos anos 1920, do levante do Forte de Copacabana Coluna Prestes. O contorno desse
movimento como posicionamento ideolgico de um grupo de militares, apoiados, inmerasvezes, pelas camadas mdias e populares, menos perceptvel. Por suas limitaes, diriam
alguns. mais provvel que seja por sua complexidade.
1.1 PERSONAGENS EM MOVIMENTO: A BAHIA A CAMINHO DA
REVOLUO
Em fevereiro de 1930, a bordo do paquete28Rui Barbosa, jovens tenentes, egressosda Escola Militar do Realengo, no Rio de Janeiro, discutiam o destino poltico do Brasil. Mais
do que isso, esses jovens militares articulavam aquele que se tornaria, posteriormente, um dos
acontecimentos mais significativos da histria republicana no Brasil: a Revoluo de 1930.
Com destino ao 19 Batalho de Caadores, na capital baiana, os aspirantes
Humberto Melo e Joo Costa ouviram o discurso engajado do tenente baiano Jurandir Bizarria
Mamede. Este ltimo acabava de ser transferido para o 22 BC, na Paraba, juntamente com
aquele que seria um dos mais importantes articuladores das Foras Revolucionrias do Norte,o tenente Juracy Montenegro Magalhes, e com o no menos comprometido com a causa
revolucionria, o tenente Agildo Barata Ribeiro.
A convivncia durante a formao na Escola Militar e os inmeros encontros
destinados reflexo dos problemas nacionais e discusso dos caminhos a serem adotados
para a transformao poltica e social que pregavam contriburam para a aproximao desses
jovens militares.
28Navio a vapor para transporte de passageiros.
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O fato de serem nordestinos29 e, portanto, conhecedores da realidade social e
poltica da regio que seria palco para o desfecho do movimento revolucionrio de 193030se
constituiu num elemento de parceria e a reciprocidade entre aqueles que seriam conhecidos,
posteriormente, como os tenentes de Juarez.
Apesar das poucas referncias ao desempenho revolucionrio da regio em 1930, o
Norte proveu, com significativa importncia, o quadro dos jovens militares que abraaram os
ideais rebeldes dos anos 1920 e que, s vsperas da Revoluo, despendiam-se em manobras
polticas e estratgias militares e ainda mantinham o vigor e o idealismo dos levantes militares
da dcada que se encerrava.
Na Bahia, especificamente, o empreendimento revolucionrio foi liderado tambm
por um nordestino: o Tenente Joaquim Ribeiro Monteiro. Sergipano, mas extremamenteafeioado Bahia, espectador atento do cenrio poltico nacional e baiano, teve papel decisivo
na conspirao e execuo do movimento revolucionrio no Norte do Pas. Cadete da Escola
Militar do Realengo em 1924, Monteiro tomou parte em diversas conspiraes. Conhecia,
principalmente pela afinidade revolucionria, os tenentes Juracy Magalhes, Jurandir Mamede
e Agildo Barata, dentre outros companheiros dos tempos rebeldes31.
Em 1930, servia no 19 BC, em Salvador, poca localizado no Forte de So Pedro.
Gozava de prestgio entre os colegas e seus superiores, distinguindo-se, principalmente, porsua preparao tcnico-profissional, conforme destacado, inmeras vezes, nos boletins
internos do 19 BC32.
A chegada dos tenentes Juracy Magalhes, Jurandir Mamede e Agildo Barata ao 22
BC da Paraba reativou a sua participao na trama que pretendia depor o Governo Federal.
Participao que, como veremos mais adiante, trouxe importantes referncias discusso dos
ideais tenentistas e da situao poltica da Bahia nos momentos que precederam revoluo
de outubro.
29A idia de nordestinos e de Nordeste utilizada aqui se refere forma como alguns tenentes como JuracyMagalhes e Joaquim Monteiro, se identificavam em suas memrias. Sobre a regionalizao e a construo daidentidade nordestina referente ao perodo ver ALBUQUERQUE JNIOR, Durval Muniz. A inveno do
Nordeste e outras artes. Recife: FJN, Ed. Massagana; So Paulo: Cortez, 2001.30A Bahia foi o ltimo estado a reconhecer a vitria da revoluo, por motivos que destacaremos no decorrerdeste captulo.31Cf. depoimento dado pessoalmente pelo General Joaquim Ribeiro Monteiro ao prof. Jos Calasans Brando daSilva e publicado em coletnea de documentos e estudos intitulada A Revoluo de 1930 na Bahia, pelo
Mestrado em Cincias Sociais da Universidade Federal da Bahia, em 1980.32Os Boletins internos so documentos de emisso diria das corporaes do Exrcito, nos quais so descritostodos os eventos relacionados atuao dos praas e oficiais, e publicadas as ordens e despachos paraconhecimento e cumprimento por parte da corporao.
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Os nomes relacionados at aqui no fizeram sozinhos, obviamente, a Revoluo de
30. Alis, segundo Juracy Magalhes, a Revoluo de 30 no foi feita pelo Exrcito. Nasceu
na alma do povo33. Outros nomes sero mencionados ao analisarmos, posteriormente, as
aes polticas e militares que precederam o movimento. Muitos, contudo, no aparecero, a
no ser generalizados na palavra povo.
Muitos jovens militares, praas, aspirantes, oficiais e, at mesmo, experientes
comandantes se entregariam, na Bahia, aos propsitos revolucionrios. Alguns, no percurso,
no reconhecimento da causa; outros, na chegada, na constatao da vitria revolucionria.
Entre os meses de fevereiro e outubro de 1930, concentram-se as nossas
interrogaes no esforo de compreender as idias e as aes empreendidas pelos diversos
sujeitos histricos para a revoluo no Norte do Pas e, especificamente, na Bahia.Para Philippe Levillain, a biografia de um rei, ou de um general, no se confunde
com a histria dos acontecimentos em que um e outro se envolveram. Mas difcil manter-se
a distino34. Nesse sentido, mesmo sem a inteno de construir qualquer biografia, no
precederemos, num cenrio to marcado por crenas e aes pessoais, de lanar mo de
alguns aspectos da histria de vida desses sujeitos.
Ao acompanharmos a linha de anlise de Levillain, reconhecemos a biografia como
um meio de inserir o indivduo, com seus percalos e xitos pessoais, na sociedade do seutempo. Assim, no consideramos um equvoco ressaltar a importncia do capito Juarez do
Nascimento Fernandes Tvora, como liderana inconteste da Revoluo de 30 no Norte do
Brasil.
A relao entre Juarez Tvora e os tenentes conspiradores do Norte havia se iniciado
no Rio de janeiro, ainda durante as manifestaes tenentistas dos anos 1920, das quais Juarez
Tvora participou ativamente, tornando-se um cone para a jovem oficialidade rebelde. No
caso do tenente Juracy Magalhes, tal aproximao era ainda mais forte por seremconterrneos (os dois eram cearenses) e suas famlias manterem relaes pessoais bastante
estreitas.
Inicialmente, a admirao desses jovens tenentes em relao figura de Juarez
Tvora estava diretamente relacionada ao exemplo de bravura e coragem pela atuao deste
ltimo nos diversos episdios do movimento tenentista. Posteriormente, a admirao quase
ingnua pelo heri destemido se transformou em respeito ao homem de fortes convices que,
33Jos Alberto GUEIROS. O ltimo tenente(depoimento de Juracy Magalhes). Rio de Janeiro: Record, 1996,p.78.34Philippe LEVILLAIN. Os protagonistas: da biografia. In: Ren RMOND (Org.) Por Uma Histria Poltica.Rio de Janeiro: Editora UFRJ, 1996. p.146.
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em nome destas, alinhavou, com maestria, o movimento revolucionrio numa regio
extremamente marcada pelos conchavos polticos e personalismos.
certo que a figura do capito Juarez Tvora foi de grande importncia para a
continuidade do projeto revolucionrio aps a dissoluo da Coluna Prestes, em 1927. Da
Argentina, Lus Carlos Prestes, O Cavaleiro da Esperana, impedido de retornar legalmente
ao Brasil, continuou a desempenhar sua liderana sobre o movimento e contou, para isso, com
o indispensvel auxlio do capito Tvora.
A experincia revolucionria e o amadurecimento poltico e intelectual de Lus
Carlos Prestes o levaram, no entanto, a outros caminhos. Ele acreditava nos seus
companheiros revolucionrios, reconhecia-os enquanto depositrios de grandes virtudes
patriticas e os respeitava por suas aes. Era, no entanto, no programa da Aliana Liberalque Prestes no acreditava. Para ele, o programa da Aliana Liberal divulgado por Getlio
Vargas, candidato Presidente da Repblica, em janeiro de 1930, era inconsistente e pouco
conseqente para enfrentar os graves problemas que se abatiam sobre o Brasil35. A
desconfiana de Prestes no se direcionava apenas ao programa da Aliana Liberal, mas
tambm aos prprios liberais e ao contedo da revoluo defendida pelas oligarquias
dissidentes.
Segundo ele, Getlio no queria a luta armada. Queria, sim, usar o prestgio dos
tenentes para se eleger36. Foi assim que, em maio de 1930, Lus Carlos Prestes rompeu com
o movimento revolucionrio e, atravs de um polmico manifesto, exps suas idias sobre as
necessidades polticas do Pas. A revoluo que Prestes encampou da para frente pregava o
antiimperialismo e o antilatifundiarismo, entre outras questes. Mas, que rumos tomaria,
ento, a revoluo dos tenentes?
O abalo causado pelo Manifesto de Maio foi sentido pelo capito Juarez Tvora de
forma singular. Obedecendo s ordens que, como comandado de Prestes, buscava seguir semrasuras, a fim de concretizar a revoluo brasileira, Tvora viu no afastamento do referido
lder uma lacuna quase incontornvel. Mas o capito Juarez Tvora no foi o nico a
visualizar as dificuldades de se prosseguir no intento revolucionrio sem o Cavaleiro da
esperana.
Na Bahia, o tenente Joaquim Ribeiro Monteiro, lder militar local da conspirao
revolucionria, seguia as instrues do chefe das Foras Revolucionrias do Norte, mantendo
intenso contato telegrfico e, tambm, atravs do mdico, civil e adepto do movimento
35Francisco VIANA; Dnis de MORAES. Prestes, lutas e autocrtica. Rio de Janeiro: Vozes, 1982. p. 49.36Id. Ibid., p. 48-49.
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revolucionrio na Bahia, Eduardo Bizarria Mamede, irmo do tenente Jurandir Mamede. A
casa de Sade Nossa Senhora da Graa, ento dirigida pelo cirurgio tila do Amaral, era o
ponto de recebimento das instrues vindas da Paraba, onde se encontrava o capito Juarez
Tvora37.
A Bahia era um forte centro anti-Aliancista. Mas, apesar do fechamento do estado
para a campanha da Aliana Liberal por conta do apoio do grupo poltico dominante
naquele perodo candidatura Jlio Prestes, barganhando, inclusive, a vaga de candidato
vice-presidncia para Vital Soares, ento governador da Bahia , militares e civis baianos
articulavam as primeiras tentativas de organizao revolucionria.
A sucesso estadual de 1930 despertou um interesse muito maior nos meios polticos
da Bahia do que a campanha pela sucesso presidencial. Para Consuelo Novais, algunsmotivos explicavam esse descaso em relao disputa no mbito federal: o arraigado esprito
provinciano dos polticos locais, a fraca repercusso das idias revolucionrias na Bahia, e a
tranqila certeza da vitria da chapa Jlio Prestes Vital Soares, que contava com o apoio
declarado de presidente Washington Lus.38
O Comit da Aliana Liberal no estado, atravs dos tenentes Joaquim Ribeiro
Monteiro e Hanequim Dantas, os aspirantes a tenente Humberto de Melo e Joo Costa, e do
mdico Eduardo Bizarria Mamede, dentre outros, desempenhava o rduo trabalho dearregimentar apoio campanha aliancista. Essa articulao entre militares e civis na Bahia
mostrou-se bastante tensa em alguns momentos.
Ainda no incio do ms de maio de 1930, antes da publicao do manifesto de Lus
Carlos Prestes, o tenente Jurandir Mamede escreveu para Monteirinho (como costumava
tratar o tenente e amigo pessoal Joaquim Ribeiro Monteiro). Nessa carta, o tenente Jurandir,
que estava na Paraba com o capito Juarez Tvora e o tenente Juracy Magalhes, colocava o
amigo e chefe do ncleo na Bahia a par de algumas questes, imprimindo-lhe tambmopinies pessoais sobre o desenrolar do movimento.
Confirmava, naquela data, que o processo revolucionrio no Sul estava diretamente
chefiado por Lus Carlos Prestes, e que os conspiradores do Norte estavam sob direo do
capito Juarez Tvora. Expressava, ainda, as suas expectativas sobre a hora decisiva daquele
movimento:
37Cf. depoimento de Joaquim Ribeiro Monteiro... Op. Cit, p.47.38Consuelo Novais SAMPAIO. Os partidos polticos da Bahia na Primeira Repblica. Rio de Janeiro: Paz eTerra, 1998, p.218.
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[...] Ns esperamos com ansiedade o momento de darmos ao pas otestemunho do nosso amor e da nossa dedicao pela causa que abraamoscomo nica capaz de conduzi-lo salvao.
Pelo que voc deve ter lido no lhe deve mais restar a menor dvida de que
impossvel a regenerescncia de nossos costumes polticos por meiospacficos.
[...] Infelizmente, chegamos dura contingncia de nos vermos forados,ns, os moos, a no ter mais a confiana na integridade moral daquelesque dirigem os destinos de nossa terra, os quais, quanto mais velhos, maisindignos e pusilnimes so.
Embora tenha voc reconhecido isso, assim como eu, h bastante tempo,no posso deixar de referir-me situao atual como sendo bastante para
justificar qualquer movimento tendente a elimin-la. E convenhamos maisuma vez que o prprio regime que se presta ao desenrolar de fatosdaquela natureza. [...]39
A crtica do tenente Jurandir Mamede ao regime republicano, considerando-o
facilitador dos desmandos que envolviam a poltica nacional, principalmente no que se referia
fora das oligarquias e aos seus instrumentos eleitoreiros, no era uma posio isolada, pois
havia entre os militares da Bahia aquela mesma desconfiana que resultou na ruptura de
Prestes com o movimento. Os conspiradores no desejavam apenas mudar os polticos
pretendiam mudar a forma de governo. Isso ficaria claro mais adiante.
Pelo mesmo portador da carta de Jurandir Mamede, o tenente Joaquim RibeiroMonteiro recebeu, tambm, uma carta do capito Juarez Tvora. Anteriormente, como
admitiu ao destinatrio, Tvora j havia tentado manter contato com o tenente do 19 BC, que
no recebeu sua carta por esta no trazer apresentao que assegurasse ser, de fato, de autoria
do referido capito.
A carta do capito Juarez Tvora buscava confirmar o apoio dos tenentes da Bahia e
sua disposio para cumprir as instrues que levariam ao sucesso do movimento no estado.
Para isso, exps algumas opinies sobre a poltica nacional, confirmou os princpios quesustentavam a atuao dos militares naquele processo e logo instruiu a chefia militar
revolucionria da Bahia no direcionamento de atitudes para o fortalecimento do movimento.
Prezado Camarada Ten. Monteiro:
[...] Vamos atravessando neste momento uma degradante crise deprepotncia e subservincia polticasque, ou provocar um gesto supremode salvao nacionalou nos atirar de uma vez no rol dos povos escravos,
39Transcrio de trechos da carta do Tenente Jurandir Mamede ao Tenente Joaquim Ribeiro Monteiro, de 1 demaio de 1930. A Revoluo de 1930 na Bahia.Mestrado em Cincias Sociais da Universidade Federal da Bahia,1980. p.11. ntegra em anexo.
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para os quais nem restam j esperanas de liberdade poltica, nem sombrasde independncia econmica.
Julgo ocioso recapitular ao prezado camarada a verdadeira srie deultrajes com que o atual governo legtimo fruto de uma mentalidade
poltica apodrecida tem escarnecido do nosso pseudo regimeConstitucional mostrando, brutalmente, a todos os homens de boavontade, que no passa de platonismo inoperante, esperar das virtudes dovoto, ou de outros recursos legais, o milagre que s uma revoluo violenta
poder operar.
E para a eventualidade deste remdio extremo que venho pedir o apoio dodistinto camarada e de todos aqueles que na Bahia estejam dispostos aacompanh-lo. [...]40
carta do companheiro Jurandir Mamede e solicitao de apoio do comandante do
Norte, o tenente Joaquim Monteiro respondeu demonstrando sua satisfao em poder
colaborar com o movimento. Por outro lado, no escondeu os problemas que detectava em sua
articulao no 19 BC e, de um modo geral, na Bahia.
Em carta de 10 de maio, a exposio dessas dificuldades se fazia a partir de um
levantamento dos principais pontos referentes organizao do movimento em Salvador e a
sua conseqente execuo:
Conforme o nosso companheiro reconhece a Bahia mesmo um ponto fracoporquanto os elementos somos ns somente, tendo j anteriormenteprocurado sondar com muita habilidade, inclusive o mais graduado docorpo, nada podendo contar.
[...] A vigilncia aqui ultimamente se tem acentuado pois soube comsegurana terem sabido na polcia da passagem do nosso companheiro comum outro por aqui com destino at a via Sergipe, para o que chamo especialateno pois foram tomadas providncias para Sergipe e Alagoas nada
podendo adiantar com referncia a outros estados.
[...]A topografia da cidade, alm de sua grande extenso, - com os pontosnecessrios a serem tomados se acharem afastados um do outro, o queacarreta sub-diviso de elementos, enfraquecendo-os portanto, istoestudamos ontem detalhadamente.
A ligao com elementos civis acho de todo perigoso porquanto noconheo nenhum, seria arriscar a um insucesso pois quase no tenhorelaes aqui (...) pelas conversas que ouo no entanto como em todo o
Brasil penso que ser bem acolhido o movimento no meio civil.
Do exposto aqui continuaremos trabalhando e se o nosso companheirojulgar necessrio o movimento aqui, mesmo com todos os insucessos
40Transcrio de trechos da carta do Capito Juarez Tvora ao Tenente Joaquim Ribeiro Monteiro, de maio de1930. A Revoluo de 1930 na Bahia, pelo Mestrado em Cincias Sociais da Universidade Federal da Bahia,em 1980. p.11.
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provveis que exponho leal e sinceramente para que no pense na certeza,nos achamos dispostos para o sacrifcio pela nobre causa comum.41
1.2 Idias em movimento: avanos e recuos da conspiraorevolucionria na Bahia
Em 20 de maio de 1930 foram expedidas, pelo capito Juarez Tvora, instrues a
todas as chefias revolucionrias do Norte. A inteno do comando era colocar em andamento
estratgias de organizao para os levantes na regio. Da ao simultnea entre o Sul, o
Centro e o Norte dependeria o xito do movimento. Nas consideraes preliminares, o lder
revolucionrio ainda afirmava a direo de Lus Carlos Prestes na revoluo que seorganizava:
Conforme temos reiteradamente comunicado a todos os camaradas e amigosque nos ouvem, no Brasil, vimos estudando, desde h anos, as possibilidadesde organizar um movimento revolucionrio de carter geral, isto ,abrangendo simultaneamente, o Sul, o Centro e o Norte do pas, como meioexterno, mas nico eficiente, de sanear o ambiente poltico que asfixia anossa ptria. [...]
S ARMAS! bem j a invocao exclusiva que, como um murmrio
tmido, ou como um grito de desespero insopitado, escapa de todas asconscincias limpas, de um extremo a outro do Pas, contra o despotismomonstruoso que nos explora e nos avilta.
Por isso a chefia revolucionria sintetizada na pessoa do general LUISCARLOS PRESTES que, tendo evitado qualquer ingerncia na recentecampanha eleitoralporque, desde h muito, descrera da eficincia do votoentre ns nunca, porm, se desinteressou do rumo realmente prtico A
REAO ARMADA para o qual ele poderia encaminhar-sevem agora,dar a voz de alerta a todos os seus amigos, civis ou militares, no Brasil.
E espera que todos os verdadeiros revolucionrios espalhados peloterritrio da Repblica, entrem imediatamente em recproco entendimento,apresentando-se para receber, no momento oportuno, a ordem de ocupar
posies.42
Estendiam-se muitos itens que orientavam estrategicamente as chefias do Norte.
Minuciosamente, o capito Juarez Tvora alinhavava uma seqncia de aes para garantir
41Transcrio de trechos da carta do Tenente Joaquim Ribeiro Monteiro ao Tenente Jurandir Mamede, de 10maio de 1930. A Revoluo de 1930 na Bahia. Mestrado em Cincias Sociais da Universidade Federal da
Bahia, 1980. p.11. ntegra em anexo.42Transcrio de trecho da carta do Capito Juarez Tvora ao Tenente Joaquim Ribeiro Monteiro, de 20 de maiode 1930. A Revoluo de 1930 na Bahia. Mestrado em Cincias Sociais da Universidade Federal da Bahia,1980. p.19. ntegra em anexo.
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que nas regies por ele lideradas, o esforo militar e tambm civil se desse de forma
organizada e enrgica, alcanando os resultados esperados pelo movimento.
A misso do Norte, tal qual esboada nas orientaes de Juarez Tvora, era a de
neutralizar as foras do Governo Federal na regio, impedindo o arregimentamento de
quaisquer recursos por parte do governo naquela regio.
Era certo, na viso do capito, que o palco das operaes seria o Centro-Sul. O
Norte, muito afastado e com grandes dificuldades de comunicao terrestre, deveria promover
um fechamento sincronizado com as aes dos revoltosos do Rio de Janeiro e So Paulo,
garantindo a sua expanso aos estados da regio e evitando qualquer esboo de resistncia.
As instrues que se seguem orientaro essa fase preparatria domovimento armado.
INSTRUES GERAIS:
O movimento a irromper simultaneamente no Sul, no centro e no Norte dopas, visar a deposio do governo federal, pelo esmagamento de suasforas de reao, concentrada principalmente no Rio e em S. Paulo. [...]
Aos revolucionrios do Norte caber, principalmente, a misso deneutralizar, em toda a zona que se estende da Bahia at o extremo Norte, ainfluncia do governo central, impedindo por todos os meios possveis, queele retire da quaisquer recursos blicos, para reforar sua defesa nos
teatros de operao do centro e do sul. [...]43
Estrategicamente, o comandante revolucionrio organizaria uma sucesso de levantes
nos quais pensava incluir elementos revolucionrios do Exrcito, das polcias estaduais e dos
grupos civis. Previa, com certa lgica, que a zona sob seu comando se manteria fiel ao
Governo Federal e, para tentar romper aquela situao, pretendia constituir ncleos de ao
que pudessem enfrentar e, consequentemente, dominar os governos legalistas.
Em Bahia e Alagoas possumos fracos elementos militares com os quaisj me entendi por escrito, dando instrues e recomendando imediataligao com o respectivo elemento civil.
Julgo problemtico o levante da fora federal ali aquartelada e menosprovvel, ainda, a deposio dos respectivos governos pelos elementosrevolucionrios locais.
Caso falha, como receio, a colaborao inicial dos elementosrevolucionrios de Alagoas, Sergipe e Bahia a zona constituda por essesestados ser, naturalmente, o nosso verdadeiro teatro de operaes, para
43Ibid, p. 19 e 20.
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onde tero de convergir, numa rpida concentrao, todas as forasregulares disponveis dos estados revolucionrios da zona Norte.44
Apesar da viso do Norte como uma zona estratgica para o movimento
revolucionrio, as constataes do capito Juarez Tvora sobre a fraqueza dos elementos
militares e civis revelavam, por outro lado, que as idias revolucionrias ainda no tinham se
fortalecido dentro dos prprios ncleos articuladores. A resistncia conservadora no Norte,
prevista pelo capito, se constituiria em seu maior adversrio.
Seguiam-se a estas instrues outras que se referiam organizao poltico-
administrativa dos estados revolucionados. Em linhas gerais se delineava a execuo dos
levantes projetados. Pensava-se nas eventualidades que poderiam impactar sobre os resultadose mantinha-se a certeza das dificuldades estratgicas a serem superadas. Outras, ainda, seriam
agregadas a este rol.
At aquele momento, os contatos entre Juarez Tvora e o tenente Joaquim Ribeiro
Monteiro confirmavam a proposta de execuo da revoluo e, tambm, a continuidade de
Luiz Carlos Prestes na liderana do movimento. Um duro golpe estaria, no entanto, a
caminho: a publicao em 30 de maio de 1930, do manifesto de Lus Carlos Prestes
declarando-se no apenas afastado do movimento revolucionrio, mas, engajado em umaperspectiva impensvel para a maioria dos seus companheiros: o comunismo.
Ao saber das declaraes emitidas por Prestes, o capito Juarez Tvora apressou-se
em posicionar-se frente aos seus companheiros e liderados da Bahia. Exps de imediato a sua
negao s idias do lder revolucionrio que, naquele momento, abandonava a revoluo
pregada durante os anos 20, quando esteve frente da Coluna Prestes.
Prezados camaradas e amigos de S. Salvador-Bahia:
J devem conhecer, pelas notcias telegrficas, a natureza do ltimomanifesto publicado, no Rio, pelo general Luiz Carlos Prestes.
Dele discordei, como devem ter discordado todos os espritos equilibrados,e disso j dei cincia quele chefe exonerando-me imediatamente dequalquer dever de obedincia sua nova e inslita orientaorevolucionria.
Acabo tambm de comunicar essa minha atitude a todos os camaradas que,como eu, se encontram frente de chefias de responsabilidade (Cordeiro de
Faria, Eduardo Gomes, Ary Parreiras (marinha), Djalma Dutra, RicardoHoll, Miguel Costa, Estillac Leal e Joo Alberto.) concitando-os a
44Ibid, p. 20.
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procederem um exame criterioso da prpria situao e pedindo-lhes que meinformem com urgncia, se querem ou podem levar avante o movimento
projetado, com a excluso do chefe que acaba de abandonar-nos. Esperoreceber, dentro de 10 ou 15 dias, no mximo, uma resposta decisiva.45
O capito prosseguia em sua carta, expondo aos companheiros da Bahia as hipteses
que poderiam se confirmar em uma situao to adversa quanto aquela em que se
encontravam. Eventualmente, seria necessrio dar continuidade ao movimento, ainda que com
o claro que se apresentara com a retirada de Luiz Carlos Prestes.
Para que a chefia baiana tambm se posicionasse frente s possibilidades de
concretizao do projeto revolucionrio, o capito Tvora orientou a emisso de uma resposta
urgente e franca que consistia numa deciso que se traduziria, conforme as orientaes docapito Tvora, num texto de duas palavras a serem telegrafadas pelo tenente Monteiro:
SIM pt SIM que significar:Estamos dispostos a fazer o movimentosob uma nova chefia, com o apoio do Centro e Sul, ou sem ele desde que aParaba se disponha a nucle-lo, opondo-se interveno federal.
SIM pt NO que significar:estamos dispostos a fazer omovim