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Alcida Rita Ramos - O PAPEL POLÍTICO DAS EPIDEMIAS

Date post: 07-Apr-2018
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    SRIE ANTROPOLOGIA

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    O PAPEL POLTICO DAS EPIDEMIAS:O CASO YANOMAMI

    Alcida Rita Ramos

    Braslia1993

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    O PAPEL POLTICO DAS EPIDEMIAS

    O CASO YANOMAMI1

    Alcida Rita Ramos

    Universidade de Braslia

    "No doubt the Plymouth colonists had prepared themselvesfor hard confrontations with the natives (...), but by the timethey had begun building their homes alongside the still-intactcornfields of Patuxet the following month, they were givenample reason to believe that Providence had, for their sake,all but cleared the entire countryside of its native population"(Sanders 1978:300).

    Um dos temas mais recorrentes na ideologia brasileira da soberania nacional odos vazios demogrficos que tm como eptome a regio amaznica. O seu carter de"zona de fronteira" tem tido srias repercusses para as populaes indgenas que avivem. Assim como as terras da Amaznia aparecem como imensides geogrficas vazias,tambm os seus habitantes indgenas se tornam eles mesmos existncias baldias, invisveis lgica expansionista dos "civilizados". Decorre disso que a tomada ilcita de territriosnativos no vista como invaso, mas como ocupao natural - e at obrigatria - porfrentes nacionais que esto alargando suas fronteiras demogrficas e econmicas. Como sefossem terras de ningum, as reas indgenas so objeto de especulaes nos graus mais

    variados de ilegalidade. Na maioria dos casos, tais ilegalidades permanecem impunes.Como se no existissem para os invasores, os indgenas assistem, perplexos, a essasinvases e a essa impunidade, sem compreender imediatamente a magnitude dos danos quelhes esto causando e dos graves problemas que logo enfrentaro. A baixa concentraodemogrfica que caracteriza atualmente as populaes indgenas da Amaznia - emcontraste com o que os primeiros exploradores encontraram na regio2 - contribui para essa"invisibilidade", ao ser interpretada pelos brancos como indcio de que os ndios estodesaparecendo e, inevitavelmente, desaparecero por completo ante o avano dacivilizao. Apesar da assombrosa dizimao sofrida pelos ndios desde o sculo 16, o fato que a Amaznia brasileira abriga hoje cerca de 63% da populao indgena do pas, ouseja, 140 mil pessoas pertencentes a 175 povos diferentes. No entanto, isto no muda em

    nada o clich dos "vazios demogrficos". Ele foi e continua sendo o leit motif favorito para justificar a invaso de territrios indgenas simbolizado no refro da "muita terra parapouco ndio".

    Quem articula a retrica dos vazios demogrficos e a quem serve a manuteno daideologia por ela veiculada? Para responder a essa perguntas, farei aqui uma tentativa de

    1 Uma verso mais curta deste trabalho foi apresentada no simpsio "Povos Indgenas em Risco

    de Extino", organizado por Miguel Bartolom para o XIII Congresso Internacional de CinciasAntropolgicas e Etnolgicas, Mxico, 29 de julho a 5 de agosto de 1993.

    2

    Sobre a ocupao da Amaznia antes e depois da conquista europia vide Denevan 1976;Gonalves 1991; Hemming 1978; Meggers 1971; Moreira Neto 1988; Porro 1993; Ribeiro 1993.

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    identificar esses agentes e demonstrar que epidemias de sarampo e malria, entre outras,tm sido instrumentais para transformar a retrica dos vazios em situao de fato.

    Naturalmente, essa demonstrao s pode ser feita por evidncias indiretas, j que moral,tica e politicamente um tal projeto no poderia tornar-se explcito. Na conjuntura atual em

    que o horizonte dos direitos humanos se ampliou para alm de fronteiras regionais enacionais, a intencionalidade de tirar vantagem de choques epidemiolgicos para eliminar

    populaes indgenas vistas como empecilhos ao progresso3 seria impronuncivel. Comoveremos, o caso dos ndios Yanomami no Brasil exemplar para se levar a cabo umaanlise da retrica dos vazios, dos efeitos de epidemias e da dialtica do processo histrico

    pela qual certas aes trazem em seu bojo a possibilidade de reaes contrrias. Emprimeiro lugar, vejamos a quem interessa propor a existncias de "vazios demogrficos".

    * * *

    "An effective fifth column, smallpox ravaged Tenochtitlan'sdefenders, enabling Corts and his followers to capture thecity" (Reff 1991:100).

    A Amaznia sempre foi alvo da ateno dos militares desde o tempo do Brasil-colnia (Ramos 1991). Mas, na histria recente do pas, foi a partir do fim do regimemilitar que as Foras Armadas concentraram seus esforos para conquistar a hegemonia

    poltica da regio.Em 1985, primeiro ano de governo civil depois do golpe de estado militar em 1964,foi elaborado o chamado Projeto Calha Norte, ambicioso plano de ocupao edesenvolvimento da Amaznia, produto das preocupaes geopolticas e nacionalistas doConselho de Segurana Nacional. Gestado em absoluto sigilo, esse projeto expeclaramante a viso militar da Amaznia:

    "o imenso vazio demogrfico da regio, o ambiente hostil e poucoconhecido, a grande extenso da faixa de fronteira, escassamente povoada,

    bem como a susceptibilidade da Guiana e do Suriname influnciaideolgica marxista, aspectos estes que tornaram vulnervel a soberanianacional. A anlise desses aspectos e de outros de ordem econmica,

    poltica e social, permite concluir por um planejamento abrangente, demdio e longo prazo, visando direcionar a atuao governamental, emconjunto com a iniciativa privada, para promover a ocupao e odesenvolvimento da rea de modo harmnico e adequado aos interessesnacionais" (Exposio de Motivos No. 018/85 de 19 de junho de 1985assinada pelo General Rubens Bayma Denys, o Secretrio-Geral doConselho de Segurana Nacional do governo Sarney)

    3 Esta expresso tem sido utilizada nas trs ltimas dcadas por diversos representantes do

    estado brasileiro com referncia aos ndios Yanomami. Por exemplo, o governador de Roraima em

    1975 afirmou que "uma rea como aquela no pode se dar ao luxo de ter meia dzia de ndiosatrapalhando o desenvolvimento" (Taylor 1979:49).

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    Um pouco antes, diz esse mesmo documento:

    "Trata-se de rea praticamente inexplorada, correspondendo a 14% do

    Territrio Nacional e delimitada por uma extensa faixa de fronteira praticamente habitada por indgenas. Este ltimo aspecto, por si s, vemacrescendo nova magnitude ao problema geral da rea, uma vez que aconhecida possibilidade de conflitos fronteirios entre alguns pasesvizinhos aliada presente conjuntura no Caribe podem tornar possvel a

    projeo do antagonismo Leste-Oeste na parte Norte da Amrica do Sul".

    A insidiosa associao de uma guerra fria com a presena de povos indgenas ganhou forosde verdade e logo passou a justificar a subordinao ao Conselho de Segurana Nacional detodos os grupos indgenas que vivem na faixa de 150 km entre o Brasil e seus vizinhos donorte. O projeto que se seguiu a essa Exposio de Motivos descreve como uma de suas

    estratgias a implantao de "projetos especiais" em quatro reas indgenas do norteamaznico, dentre elas a

    "rea caracterizada pela presena de ndios Yanomami, com uma pequena populao estimada em 7.500 ndios4 que vivem em dezenas de malocasesparsas, adjacente (sic) a um longo trecho de 900 quilmetros de fronteiracom a Venezuela, pas onde tambm residem numerosos contingentesindgenas da mesma etnia. H bastante tempo, observam-se presses, tantode nacionais quanto de estrangeiros, visando constituir - s custas do atualterritrio brasileiro e venezuelano - um Estado Yanomami5 (minha nfase).

    O Projeto Calha Norte prope a construo de uma vasta infraestrutura -aerdromos, rodovias, quartis, escolas, bancos, distribuidores de alimentos - para tornar

    possvel a "vivificao" da zona de fronteira internacional. Por vivificao quer-se dizer oassentamento de colonos brasileiros e a instalao de projetos minerais que demonstrem o

    poder e o controle do Estado brasileiro, com o objetivo de obter a hegemonia geopoltica naregio amaznica (Ramos 1991).

    A falcia dos espaos vazios, associada ao suposto perigo da cobia estrangeira, um inesgotvel manancial que alimenta a imaginao da conquista. Vemos no ProjetoCalha Norte uma preocupao com a possvel criao de um Estado Yanomamiindependente. Esse Projeto toma a vida autnoma dos Yanomami como uma ameaa soberania nacional e acaba por cair em contradio: por um lado, a rea Yanomami no

    Brasil seria habitada por uma pequena populao de apenas 7.500 ndios; por outro lado, osndios representam numerosos contingentes; so, afinal, tantos que, com algumas pressesdaqui e dali, poderiam mesmo criar um Estado independente. Mesmo assim, frequentesdeclaraes tanto de militares como de civis mantm a falcia de grandes espaos vaziosem territrio Yanomami e que esses ndios tm terra demais6. L onde no existem vazios

    4 Esse nmero baseia-se, provavelmente, em um levantamento da FUNAI de 1977. Em1987/88, os militares fizeram seu prprio levantamento em Roraima e no Amazonas e chegaram aototal de 9.910 Yanomami.

    5 As outras trs reas citadas no Projeto Calha Norte so o Alto Rio Negro, o Leste de Roraima

    e o Alto Solimes.

    6 Algumas citaes da imprensa atestam essa postura: "Mais da metade dos deputados e

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    demogrficos, ento necessrio invent-los.O efeito perverso dessa atitude resulta de um componente de auto-confirmao,

    self-fulfilling prophecy, que lhe inerente, ou seja: com um pouco de esforo, o vazioinventado passar a ser o vazio de fato. Se, por um lado, tal postura advoga o vazio que

    justifica a ocupao dessas terras por nacionais, por outro lado, ela tambm reconhece queexiste uma presena indgena na regio. Mas, ao invs de considerar essa presena indgenacomo uma ocupao demogrfica legtima, ela v as populaes indgenas como inimigasda nao brasileira e, portanto, passveis de conquista.

    Vejamos como essa estratgia foi posta em prtica no caso dos Yanomami noBrasil.

    O Projeto Calha Norte em territrio Yanomami inclui a construo de quatro postos(batalhes) e sete aerdromos. A justificativa para esse aparato militar era inicialmente omelhor controle da zona de fronteira e a manuteno da ordem no processo de colonizaoda rea. O embuste dessa retrica veio tona quando as Foras Armadas se omitiram na

    preveno e no controle das atividades desordenadas e ilegais de dezenas de milhares degarimpeiros que, a partir de agosto de 1987, invadiram as terras Yanomami7.

    Em 1986, no mesmo ano em que veio a pblico o Projeto Calha Norte, a ForaArea ampliou uma minscula pista de pouso no corao das terras Yanomami, num localconhecido como Paapi, em plena floresta tropical do Estado de Roraima. De um pequenoretngulo de cerca de 300 metros de comprimento, at ento utilizado por aviesmonomotores da Misso Evanglica da Amaznia (MEVA) ou da Fundao Nacional doIndio (FUNAI), a pista do Paapi cresceu para cerca de mil metros; os cem metros de cadalado da pista passaram a ser rea de segurana nacional. Por isso, os Yanomami foramobrigados a demolir sua grande casa comunal que por acaso haviam muito antes construdadentro dessa faixa de cem metros.

    Como os militares no tinham qualquer plano de construir uma base naquele local,assim que completaram o trabalho, foram embora, deixando para trs os escombros da casacomunal Yanomami e um mal aparelhado posto da FUNAI. Poucos meses depois, a pistaera invadida por centenas de garimpeiros em busca de ouro. Em dois anos o nmero deinvasores havia aumentado para quase 50 mil, quase oito vezes a populao Yanomami doEstado de Roraima. De Paapi irradiaram-se para virtualmente todo o territrio Yanomamino Brasil, atravessaram a fronteira e foram explorar ouro tambm na Venezuela.

    Enquanto os garimpeiros provocavam um colapso na subsistncia dos ndios eintroduziam devastadoras epidemias de malria - doena at ento praticamente ausente naregio do Paapi - mdicos, missionrios catlicos e antroplogos que trabalhavam com osYanomami eram expulsos da rea. Durante dois anos nada se pde saber do que acontecia

    l dentro. Os Yanomami foram totalmente privados de servios de sade justamentequando mais necessitavam deles, pois as epidemias de malria e outras molstias trazidas

    pelos garimpeiros comeavam a se propagar pelas comunidades como fogo selvagem.Alguns jornalistas conseguiram infiltrar-se na rea e trouxeram de volta imagens em fotos esenadores (51%) ... acha que a rea [Yanomami] deve ser diminuda" (Folha de S. Paulo, 30 deagosto de 1993. "Eles [Yanomami] ocupam uma faixa de terra equivalente a trs vezes a superfcieda Blgica" (O Globo, 19 de agosto de 1993). "A diminuio das reservas defendida pelosgovernos do Estado da Amaznia (sic), de Roraima e do Par e pelos garimpeiros. O argumento

    principal de que h muita terra para pouco ndio" (Folha de S. Paulo, 4 de outubro de 1993).

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    Pelas leis brasileiras so proibidas as atividades de garimpagem em reas indgenas por no-ndios.

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    vdeos de desnutrio aguda: homens, mulheres e crianas esquelticos como j nosacostumamos a ver nos telejornais sobre a Etipia ou a Somlia, cadveres de Yanomamiabandonados pelo mato, arrogantes garimpeiros distribuindo remdios e enlatados aosndios enquanto zombavam deles, comparando-os a macacos.

    Em junho de 1989, depois de uma torrente de ms notcias vindas da rea comrelao ao estado de sade dos Yanomami e aos estragos ambientais causados pelogarimpo, uma comitiva da Ao pela Cidadania - grupo constitudo de parlamentares,membros da Igreja, representantes de associaes cientficas e Organizaes No-Governamentais - foi a Roraima obter informaes em primeira mo.

    "Isto um Vietn!", exclamou um dos parlamentares ante a viso apocalptica deavies e helicpteros em constante movimento que saturavam a pista do Paapi com umrudo infernal e sem trgua. A, a longa faixa de lama de quase um quilmetro,continuamente sulcada por avies de diversos tamanhos, palmilhada por constantes ondasde pees, empresrios, comerciantes, prostitutas e Yanomami de ambos os sexos e de todasas idades, servia de palco para um dos captulos mais trgicos da curta histria do contatodos Yanomami com o mundo de fora. Suas plantaes foram transformadas em grandescrateras abertas com jatos dgua, suas vias de comunicao na mata foram cortadas poroutras tantas crateras, fazendo com que vrias comunidades ficassem isoladas umas dasoutras. Os animais de caa fugiram do rudo ensurdecedor dos avies e maquinrio, os

    peixes morreram pela poluio dos rios.Se Paapi a eptome do desastre que desabou sobre os Yanomami encarnado

    naquilo que foi descrito como "faroeste areo"8, os barracos devastados do posto da Funaieram o smbolo concreto da conivncia oficial com esse desastre. O que havia sido afarmcia tornara-se um quarto de despejo, com vidros quebrados coalhando o cho de terra

    batida, seringas descartveis expostas a qualquer mo, livros de registro amontoados na

    poeira, numa atmosfera de saque e agresso.Em Boa Vista, a comitiva parlamentar entrevistou os oficiais do Exrcitoresponsveis pelo Projeto Calha Norte em Roraima. Foram levantadas questes sobreatribuies responsabilidades por parte dos organismos oficiais que operam na regio. Ocomandante do Batalho Especial de Fronteiras (BEF) em Roraima estimou em cerca de 50mil o nmero de garimpeiros trabalhando na mata e de 80 a 100 mil na cidade de BoaVista, o que representaria praticamente o dobro de sua populao. Sendo assim, disse oCoronel, tornava-se impossvel a retirada de garimpeiros fora. Seria preciso empregarexrcito de campanha e no havia recursos para isso. O fato que existia ouro em"quantidade compensatria", de modo que era preciso achar um modo de continuar com aexplorao. O BEF e outros rgos do Exrcito faziam parte de uma comisso criada pelo

    governo do estado para ordenar o assentamento dos garimpos, pois era necessrio encontraruma soluo conciliatria juntamente com o governo de Roraima.

    Na poca, o governador era Romero Juc Filho, recm-sado da presidncia daFUNAI em Braslia. Sua gesto na FUNAI tornara-o notrio por suas aes anti-indgenas,como, por exemplo, a venda ilcita de madeira de reas indgenas em Rondnia. Enquantofoi governador de Roraima, Juc encorajou abertamente a entrada franca de garimpeiros narea Yanomami, executou as ordens dos militares quanto proibio de entrada na rea por

    pesquisadores e Organizaes No-Governamentais e elaborou um plano para disciplinaras atividades de garimpo quando estas j haviam produzido danos considerveis ao meio

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    Expresso utilizada no relatrio do ento Secretrio Geral do Ministrio da Justia, aps umavisita de surpresa a Paapi em fins de 1988.

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    ambiente e s comunidades Yanomami.O Coronel do BEF prosseguiu em sua explanao para os membros da Ao pela

    Cidadania, dizendo que o governador Juc tinha planos bem definidos para administrar ogarimpo em terras Yanomami. O Projeto Meridiano 62, idealizado por Juc, contemplava a

    organizao da garimpagem dentro das pequenas ilhas reservadas pelo Projeto Calha Norte para os Yanomami9, pois os garimpos "so um fato consumado". O restante da rea, ouseja, os corredores entre as ilhas, seria administrado pelo companhia estatal dedesenvolvimento de Roraima, Codesaima, que subcontrataria outras empresas paraexplorao de minrio (no apenas ouro, mas tambm cassiterita). Os royalties geradosdesses empreendimentos seriam revertidos FUNAI que ento os repassaria aosYanomami.

    Algumas perguntas diretas foram feitas ao Coronel:Pergunta: O que faz o Exrcito sobre as pistas clandestinas? Resposta: Isso com

    a Aeronutica; as pistas no so clandestinas, so apenas no homologadas; no h nadaque impea um avio de decolar.

    Pertunta: O que faz o Exrcito sobre as invases descontroladas de garimpeiros emrea de fronteira?

    Resposta: Ns somos aqui rgo de execuo; o CMA (Comando Militar daAmaznia) que manda.

    Pergunta: O que faz o Exrcito para coibir o contrabando de ouro?Resposta: O Exrcito no tem ingerncia nos casos de contrabando, isso com a

    Receita Federal".Pergunta: O que faz o Exrcito sobre a violncia e assassinatos nos garimpos?Resposta: Isso com a Polcia Civil e Federal.Pergunta: O que faz, afinal, o Exrcito na rea?

    Resposta: Cuida da segurana interna, da segurana externa e d apoio aodesenvolvimento de assistncia s comunidades, como sade, por exemplo.Pergunta: Em que consiste essa segurana interna?Resposta: Criar condies para as comunidades; Surucucus um plo de

    desenvolvimento para a fixao de populaes.Pergunta: Mas Surucucus rea indgena!Resposta: Isso no comigo, o governo que decide.

    Restou a pergunta que no chegou a ser feita: se Paapi no est previsto como posto doCalha Norte, por que foi ampliada a pista?Ou, inversamente, se o Projeto Calha Norte prev a ordenao da ocupao em rea defronteira, por que o Exrcito no est em Paapi?

    Vemos, ento, um conjunto de fatos que, a partir de 1985, apontam numa mesmadireo, ou seja, a conquista das terras Yanomami para propsitos de exploraoeconmica: a instalao do Projeto Calha Norte; a ampliao da pista de Paapi, abrindouma porta invaso garimpeira (h muito esperada, como veremos adiante); a inao dos

    poderes constitudos face instalao ilegal dos garimpos, o que redunda emconsentimento tcito invaso; o retalhamento da rea Yanomami segundo diretrizes desseProjeto; o fechamento da rea Yanomami a todos que no fossem militares, funcionrios daFUNAI, missionrios protestantes ou garimpeiros, isto , queles que at ento vinhamcontribuindo mais ativamente para a proteo cultural e sanitria dos Yanomami; aelaborao do Projeto Meridiano 62 contemplando tanto a continuao da garimpagem

    9 Sobre os planos militares para a demarcao da rea Yanomami ver Albert 1992.

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    como a instalao de minerao industrial.

    H que ter em mente que, a partir da metade dos anos 70, quando foi realizado umlevantamento exaustivo dos recursos minerais da Amaznia pelo chamado Projeto Radam

    Brasil, praticamente toda a rea Yanomami do lado brasileiro passou a ser objeto de desejode um grande grande nmero de companhias mineradores, tanto estatais quanto privadas(CEDI 1988).

    A dificuldade de acesso rea (quase toda alcanvel apenas por avio), asoscilaes do mercado internacional de ouro e de cassiterita, e a visibilidade dosYanomami no circuito internacional dos direitos humanos so alguns dos fatores que tmesfriado o mpeto dessas mineradoras em investir direta e imediatamente naquela regio,mantendo-as em compasso de espera.

    No seria descabido levantar a hiptese, alis bastante frequente, de que ainstalao dos militares na rea Yanomami tem servido de cabea de ponte para abrircaminho invaso de dezenas de milhares de garimpeiros numa avalanche desenfreada eno raro letal. Por sua vez, o assalto garimpeiro criaria condies politicamente favorveis entrada de grandes mineradoras que ento assumiriam o papel de agentes racionais,disciplinadores do caos deixado pelos aventureiros do garimpo. Uma afirmao recente

    parece confirmar isso:"O ministro-chefe da Secretaria de Assuntos Estratgicos (SAE) [substitutado antigo Conselho de Segurana Nacional], almirante Mrio Csar Flores,

    prope a entrada de empresas mineradoras na reserva ianommi. Segundoele, essa a melhor forma de se controlar a atividade dos garimpeiros

    porque as empresas teriam 'mais responsabilidade' no relacionamento comos ndios e com o meio ambiente.

    As mineradoras teriam reas determinadas de atuao e contratariam osgarimpeiros. Flores acha que isso facilitaria a fiscalizao da regio. Oministro parte do pressuposto de que no h como impedir que osgarimpeiros invadam a reserva: ' invivel impermeabilizar qualquer regioda floresta', afirma" (Folha de S. Paulo, domingo, 3 de outubro de 1993, p.6-5).

    E mais:"O ministro Paulino Ccero (Minas e Energia) apresentou ao Congresso, nasemana passada, um projeto para regulamentar a explorao mineral nas

    terras indgenas. (...) Uma vez aprovado o projeto no Congresso, os ndiosdevero receber um 'bnus que lhes assegurar uma participao noempreendimento', afirmou o ministro" (Folha de S. Paulo, 7 de setembro de1993).

    A fora poltica das grandes empresas de minerao no pode ser menosprezada.Embora a Constituio Federal de 1988 tenha trazido conquistas significativas para os

    povos indgenas (Gaiger 1989), ela abriu espao para a atuao legalizada de mineradorasem reas indgenas. Com a nova Constituio, a garimpagem continua tacitamente

    proibida, mas a minerao industrial em terras indgenas ser permitida mediante aaprovao do Congresso Nacional e depois de ouvidas as comunidades indgenas. Emltima instncia, so essas mineradoras as maiores beneficiadas pela atuao militar e pelorastro de doenas e morte deixado pela garimpagem em terras Yanomami. No momento

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    propcio, elas estariam prontas para entrar em cena como legtimos agentes do progresso edo desenvolvimento do pas.

    * * *

    "Smallpox came to Brazil in 1562 and 1563 and carried offtens of thousands of Indians, but left the Portugueseunscathed. In some villages no one was left who washealthy enough to tend the sick" (Crosby 1972).

    De meados de 1987 a janeiro de 1990, o auge da corrida do ouro, estima-se quecerca de mil Yanomami, ou seja, 14% de sua populao em Roraima, tenham morrido

    principalmente por causa de doenas como a malria (Fundao Nacional de Sade1991:73). Se considerarmos que esse nmero se refere apenas aos cerca de 6.700Yanomami que vivem no estado de Roraima, temos a uma percentagem de mais de 22%de mortes em menos de trs anos.

    Mas a saga Yanomami no comeou a. Ela tomou corpo no incio dos anos 70,com a construo da rodovia Perimetral Norte e com o levantamento mineral da Amaznia.Pees com m sade, garimpeiros despreparados e empresrios gananciosos fizeram emquatro anos mais estrago entre os Yanomami afetados por essa invaso do que tudo queesses ndios tinham at ento na memria, mesmo considerando os tempos de guerra comoutros grupos indgenas da regio (Arvelo-Jimenez 1974; Ramos 1980). No primeiro ano

    da construo da Perimetral Norte, em 1974-75, molstias infecciosas mataram 22% dapopulao de quatro aldeias, as primeiras atingidas pelas obras (Ramos 1979). Dois anosdepois, mais 50% dos habitantes de outras quatro comunidades sucumbiram a umaepidemia de sarampo. No rio Apia, no extremo leste do territrio Yanomami, estima-seque cerca de 100 ndios j teriam morrido em meados da dcada de 70, restando apenas 30sobreviventes (Taylor 1979). Desgarrados, acabaram abandonando a rea e juntaram-se aoutras comunidades. Em fevereiro de 1992, o que fora suas terras era agora uma gigantescarea de queimadas de mais de 30 mil hectares transformados em projeto de colonizaoregional. Por sua vez, os 60 remanescentes dos 102 indgenas que habitavam a regio do rioAjarani, na parte mais meridional do territrio Yanomami em Roraima, tambm sedispersaram, abrindo caminho para uma intensa ocupao por colonos brasileiros do que

    fora terras suas. Alguns desses Yanomami vivem hoje como agregados nos stios dessescolonos.

    Enquanto nas plancies meridionais do territrio Yanomami a Perimetral Norteexauria vidas indgenas e expunha os sobreviventes ao esbulho, mais ao norte, nasmontanhas do Parima, comeava o interesse pelos minrios espalhados pela Serra deSurucucus. A partir de um ncleo inicial de oito garimpeiros em busca de cassiterita e dointeresse episdico da companhia de minerao Icomi (Taylor 1979), criou-se umaefervescncia garimpeira que chegou a 500 homens a pago de pequenas empresas locais

    para extrair cassiterita. Os poucos meses de atuao desses garimpeiros geraram conflitosarmados com os ndios e problemas srios de sade, como atestam fotografias da poca. Osgarimpeiros acabaram expulsos em 1976 pelo governo federal (Taylor 1979).

    O ouro viria depois. Em 1980, quando o mercado internacional alcanou picosinusitados, cerca de 2 mil garimpeiros ocuparam uma das bordas da rea Yanomami, no

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    Furo de Santa Rosa, no alto rio Uraricoera. Os Yanomami daquela regio, conhecidoscomo Yanam ou Xirixana, no tardaram em sentir os efeitos de epidemias de malria quese seguiram invaso. Essa invaso continuou localizada at fevereiro de 1985, quando umempresrio de garimpo, num ato arrojado, arregimentou cerca de 60 pees que, vestidos

    com uniformes do Exrcito e portando armas automticas, tomaram de assalto a base daFUNAI em Surucucus (CCPY 1989:18). Poucos dias depois foram expulsos de l por umcontingente do Exrcito que obedecia a ordens anteriores s ditadas pelo Projeto Calha

    Norte.A voraz corrida do ouro iniciada em 1987 no veio, portanto, de surpresa. J havia

    sido amplamente anunciada e de tal modo que houve tempo e oportunidade suficientes paraque as autoridades responsveis pela sobrevivncia dos Yanomami tomassem as

    providncias necessrias proteo dos ndios, demarcando suas terras - uma demanda quecomeara em 1968 (IWGIA 1979) - e vacinando sua populao, alm de desencorajarinvestidas como a de 1985. Ao contrrio, as terras foram retalhadas e os agentes de sadeexpulsos delas.

    Os efeitos letais da invaso garimpeira comearam a ser avaliados a partir dejaneiro de 1990, quando a situao de sade dos Yanomami chegou a um ponto to crticoque atrau a ateno internacional, forando o governo brasileiro a criar s pressas um

    programa emergencial de sade. Na regio de Paapi e Surucucus, onde antes a incidncia de malria era

    praticamente nula, algumas comunidades chegaram a apresentar 91% de seus habitantesinfectados, a maior parte pela forma mais severa de malria, o Plasmodium falciparum."No Paapi, 43% das pessoas recenseadas perderam de um a sete parentes diretos (pais,filhos ou irmos) entre 1987 e 1989, sendo que 13% das crianas at 14 anos perderam o

    pai e/ou a me durante o mesmo perodo" (Ao pela Cidadania 1990:32).

    "A partir de 1988, com a entrada de um enorme contingente de brancos em buscado ouro, a malria disseminou-se por toda a rea, apresentando nveis de pandemia,sendo a principal responsvel pelos bitos ocorridos. O adoecer coletivo da aldeiaque no conta com armazenamento de alimentos, aliado s dificuldades de acessos comunicaes e dos servios de assistncia, influi significativamente nasatividades de subsistncia e eleva o nmero de casos e bitos" (Fundao Nacionalde Sade 1991:105).

    * * *

    "There have been numerous instances in which malarialepidemics, some of which have claimed thousands of lives,

    began after one or more individuals harboring Plasmodiumentered an area where anopheline mosquitoes andsusceptible hosts coexisted in large numbers" (Reff1991:106).

    A ttulo de demonstrao de como a invaso epidemiolgica, mesmo quandopropagada por uns poucos indivduos, pode afetar uma comunidade indgena vulnervel sdoenas vindas de fora, detenho-me em algumas comunidades no norte do territrioYanomami, na bacia do alto rio Auaris, onde vive o subgrupo que se autodenomina

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    Sanum. Minha primeira convivncia com ele foi em 1968-70; retornei por dois meses em1973 e em 1974 (Ramos 1990a). Depois de 16 anos de ausncia, revisitei Auaris, no fim de1990, para coletar dados demogrficos em preparao para futuras visitas de equipesmdicas do Ministrio da Sade. Nessas quase duas dcadas, verifiquei um sensvel

    aumento na populao das aldeias visitadas. Exemplifico com as duas com quem mantivecontato mais prximo:

    1970 1990

    Kadimani 52 112

    Auaris 94 237

    O aumento da populao de Kadimani e de Auaris - 115% e 152% respectivamente - deve-se essencialmente ao crescimento vegetativo que reflete, antes de tudo, uma diminuio damortalidade infantil. Por mais restrita que seja a cobertura sanitria fornecida pela MissoEvanglica instalada em Auaris desde os anos 60, o resultado significativo nascomunidades a ela adjacentes, como so as que compem as aldeias de Kadimani e Auaris.Porm, esse crescimento demogrfico que se fez sentir ao longo de mais de 30 anos, podeser revertido em apenas alguns meses. No incio de 1991, essa populao em alta s no foidrasticamente dizimada pela malria graas presena de uma equipe mdica que, porcoincidncia, fazia um levantamento sanitrio em Auaris numa fase em que a enfermeira daMisso estava ausente. A terra dos Sanum foi ento palco de uma das mais severas crisesde sade registradas no territrio Yanomami.

    O alto rio Auaris, por estar na periferia da atividade garimpeira, a cerca de 40minutos de vo de Paapi, fora at ento considerado de baixo risco quanto aos efeitos das

    epidemias que assolavam o resto da rea Yanomami. L no houve grande concentrao degarimpeiros, como em Paapi, Homoxi ou Xidea mais ao sul, nem severos danos ao meioambiente pela abertura de garimpos. Entretanto, ao longo do ano de 1991, enquanto o totalde mortes registradas por malria nas 15 reas que compem a totalidade do territrioYanomami no Brasil foi de 110, entre os Sanum o nmero chegou a 60, ou seja, mais dametade de toda rea Yanomami no Brasil. (Fundao Nacional de Sade 1991, TabelaXVII da p. 105). Com apenas uma equipe mdica para atender a cerca de mil pessoasvivendo em comunidades muito dispersas, uma grande parcela da populao Sanum ficoutotalmente desatendida, merc da letalidade do P. falciparum. Em apenas 12 meses, 6%de vidas Sanum foram ceifadas pela malria. Nesse mesmo ano, a equipe mdica visitououtras comunidades Sanum e uma de falantes Carib conhecidos no Brasil como

    Mayongong e na Venezuela como Yekuana ou Makiritare, com o seguinte resultado:

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    INCIDNCIA DE MALRIA

    BAIXO OLOMAI15 a 18 de maro de 1991

    FALCIPARUM VIVAX MISTA TOTAL POSITIVO POPULAO

    1142%

    1350%

    28%

    2625%

    103

    EM TORNO DA MISSO19 de maro a 15 de abril de 1991

    FALCIPARUM VIVAX MISTA TOTALPOSITIVO

    POPULAO

    SANUM 4259%

    2231%

    710%

    7130%

    237

    MAIONGONG 3467%

    1631%

    12%

    5135%

    147

    OUTRAS COMUNIDADES16 de abril a 23 de maio de 1991

    FALCIPARUM VIVAX MISTA POPULAOEXAMINADA

    POPULAOTOTAL

    WALOBIU 1 34%

    2632%

    34%

    82 82

    WALOBIU 2 13%

    38%

    13%

    36 --

    KUDAWAKANI -- 730%

    14%

    23 --

    Somente nos cinco primeiros meses de 1991 foram registradas as seguintesmortes:

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    BITOS SANUM

    Fevereiro a maio de 1991

    MULHERES HOMENS TOTAL

    Adultos Crianas Adultos Crianas

    OLOMAI 2 1 1 2 6

    KADIMANI 2 1 1 2 6

    KODAIMADIU 1 - 3 - 4

    KUDAWAKANI - 1 - 1 2

    MISSO - - - 1 1

    MAIONGONG 1 - - - 1

    TOTAL 6 3 5 6 20

    Nos meses seguintes e at o fim de 1992, esse quadro iria agravar-se,principalmente nas reas de mais difcil acesso.

    * * *

    "Outra explicao que no a imunidade ou avulnerabilidade biolgica cabvel para a alta letalidadedas epidemias em grupos tribais. Pelo menos largamargem de mortalidade (...) se deve abrupta paralizaodas atividades produtivas pelo acometimento quasesimultneo de toda a comunidade, o que, numa triboindgena, representa verdadeira condenao, uma vez queela no conta com um sistema de estocagem de alimentos

    que permita fazer face a tais eventualidades" (Ribeiro1970:278).

    Uma radiografia do que ocorreu com a comunidade de Kadimani revela otrauma que produz uma epidemia generalizada, quando apenas trs ou quatro pessoasesto sadias em meio a mais de uma centena de doentes. Nos meses de maro e abril de1991, Kadimani, a cerca de duas horas a p da sede da Misso, registrou um surtoavassalador no s em quantidade de doentes como em termos de gravidade do estadode sade de seus habitantes.

    No perodo de 20 dias, foram registrados 151 casos de malria em 133 pessoas(a maioria de Kadimani e mais algumas de outras aldeias a ela associadas), numassombroso percentual de 114%! A incidncia maior foi de P. falciparum que, aps o

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    tratamento com Mefloquina, deu lugar ao P. vivax. O estado de sade dos habitantes deKadimani era deplorvel. A anemia e a desnutrio agudas saltavam aos olhos,

    principalmente nas crianas, mulheres jovens e velhos. As gotas de sangue extradaspara anlise de malria no tinham a esperada cor vermelha, mas um inquietante rosa

    plido. A tabela abaixo mostra esse quadro.

    INCIDNCIA DE MALRIA EM KADIMANI

    27 de maro a 15 de abril de 1991

    FALCIPARUM VIVAX MISTA TOTAL POSITIVO POPULAOEXAMINADA

    10771%

    2818%

    1611%

    151114%

    133

    Foram duas as principais razes para essa calamidade: a infestao de malriapelo trnsito de garimpeiros em suas terras, localizadas no corredor que os leva da pistade pouso de Auaris ao garimpo de Ximara Woche, na Venezuela, e um longo perodo deentressafra entre a produo exaurida de velhas plantaes e a de outras ainda imaturas.O atraso no plantio de novas plantaes deveu-se a vrios fatores: 1. dois anosconsecutivos de estao seca extremamente curta dificultou o corte e a queima da mata;2. a comunidade mudou de local de residncia sem que houvesse um perodointermedirio de plantio anterior mudana; e 3. segundo algumas verses, a atrao da

    comida pronta e fcil fornecida nos acampamentos de garimpeiros, como arroz esardinha em lata, incentivando a postergao do trabalho nas plantaes. A conjunodesses fatores resultou em uma aldeia inteira faminta e prostrada pela forma mais letalde malria, o P. falciparum, que tomou de assalto uma populao em crise alimentar.

    Uma semana depois que a nossa equipe mdica chegou a Auaris, comearam aaparecer mensageiros dos Kadimani com notcias do estado desesperador de seus

    parentes que, como de hbito na poca da seca, estavam h dias acampados na matanuma localidade distante dois dias a p da nossa base, do lado venezuelano. Por falta detransporte, no conseguimos alcan-los imediatamente e mandamos de volta osmensageiros para que os doentes tentassem chegar a Auaris.

    Alguns dias depois, chegou o primeiro grupo de enfermos numa desoladora filaindiana de gente desnutrida, amparada em bastes ou nas costas dos mais fortes,arrastando-se at a casa onde se instalara a equipe de sade. A semana que se seguiu foi

    pautada pelo trabalho frentico de atender a todos, dia e noite, ao mesmo tempo que nosdesdobrvamos para conseguir alimentar toda aquela gente com os limitados recursosque adquiramos dos outros Sanum residentes junto misso. Foi necessrio mandarvir alimentos de Boa Vista para fazer frente demanda de 133 pessoas famintas edesnutridas.

    Casos de anemia profunda necessitaram de transfuso de sangue. Foram feitasnove transfuses com doadores indgenas em condies extremamente precrias. Foramremovidas para Boa Vista dez pessoas de Kadimani, sete das quais com anemia

    profunda. Vieram a falecer trs desses enfermos. Os corpos foram devolvidos aos parentes. A cada avio que chegava com um cadver, redobrava-se o desespero dos

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    parentes, alojados precariamente ao lado da clnica da misso. O pranto pungente esofrido somava-se ao desalento dos desnutridos em lamentos sonoros que replicavam adesolao visual. O choro das famlias Kadimani debruadas sobre seus mortosretornados um aps outro da cidade dos brancos, tornou-se eco repetido e smbolo

    fnebre de uma situao insustentvel. A comunidade de Kadimani s no foitotalmente destruda pela malria graas coincidncia da presena da equipe mdicanaquele momento em Auaris. Malria falciparum, quase sempre letal sem o devidotratamento, teria levado aquela comunidade a uma morte fulminante, deixandodesgarrados um punhado de sobreviventes, a exemplo do que estava ocorrendo nocentro do territrio Yanomami, mais pesadamente exposto s operaes dosgarimpeiros.

    As violentas epidemias que grassaram pelo vale do rio Auaris e por muitasoutras partes do territrio Yanomami so o resultado direto e reconhecvel da

    permanncia ou da simples passagem de garimpeiros pelas aldeias, plantaes e zonasde caa dos ndios. Garimpeiros que nunca chegam a curar suas malrias acampam etransitam pelos rios e caminhos da mata como se fossem viveiros ambulantes dePlasmodium alimentando a infestao do mosquito anofelino. Kadimani , de fato, uma

    pequena amostra do que pode ser a situao sanitria dos Yanomami - e quem dizYanomami diz qualquer outro grupo indgena em condies semelhantes - se forem

    permitidas invases caticas como esse desastroso gold rush. Demonstram ao vivo oque pode acontecer se o Estado deixar que o territrio indgena seja considerado terrade ningum e se tornar conivente com o trnsito livre de multides de transmissores demalria, para no falar em tuberculose, leishmaniose e outras pragas estranhas aosndios. Se o caso Kadimani ensina alguma coisa, que ele serve de rplica em miniaturado que poderiam ser os gigantescos corredores rasgados na mata por milhares de

    forasteiros, disseminando pestilncia, morte, fome e confuso social. Basta uma rpidaleitura das tabelas apresentadas pelo Relatrio de 1991 da Fundao Nacional de Sadee cotej-las com o mapa da rea Yanomami para se perceber que a movimentao dosgarimpeiros coincide com as rotas das epidemias.

    Que populaes "de solo virgem" como os Yanomami sucumbem facilmente sprimeiras epidemias, sejam elas de gripe, de sarampo ou de malria, no mais um fatodesconhecido nem surpreendente. Os prprios Yanomami da poca da construo darodovia Perimetral Norte so testemunhas do que representa perder metade de seus

    parentes para o sarampo e ter que conviver com o medo de novas infestaes. Como, aofinal do sculo 20, no seria politicamente correto exterminar essas populaesindgenas pela fora, o caminho mais econmico, prtico e "limpo" criar condies

    para que ataques epidemiolgicos desempenhem a tarefa de fazer desaparecer os ndiosdas regies que esto na mira da conquista.

    * * *

    "Y no se diga que no se debe juzgar los hechos del sigloXVI con criterio del XX. No es cuestin de siglos sino deconsciencia, de respeto al ser humano; porque en el sigloXVI, mientras los hechos ocurran, Las Casas tronabairacundo contra el crimen (...) Y no se diga tampoco quefue el choque de dos culturas. Sera una grave ofensa aEspaa suponer que unos aventureros sin escrpulos de

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    ninguna clase eran los portadores de su cultura (...)" (Coll1974:12-13).

    Nos ltimos 15 anos, os Yanomami passaram de exticos e ferozes selvagens(Chagnon 1968) a smbolo dos povos indgenas em risco de desaparecimento. Lanadosno circuito da mass media internacional por uma srie de campanhas visando ademarcao de seu territrio no Brasil, eles passaram, mesmo sem o saber, adesempenhar um papel emblemtico para as Organizaes No-Governamentais(ONGs) na luta pelos direitos humanos e preservao do meio-ambiente: "Neste final desculo, o Brasil e o mundo assistem pelos jornais e pela TV o genocdio de um dosmaiores povos indgenas da floresta amaznica" (CEDI 1991:172). Representantesinvoluntrios da oposio ao desenvolvimento econmico desumanizante, osYanomami foram colocados em lugar de destaque na arena internacional dos direitosuniversais do homem, envolvendo instncias como a ONU, a OEA, ou a OIT (CEDI1991:178-193). Essa visibilidade nacional e internacional conquistada no por eles,mas por seus aliados brancos, tem sido instrumental para contrapor os efeitos dasinvases descontroladas sobre suas vidas. A prpria estratgia destinada a conquist-los

    pela via da vulnerabilidade epidemiolgica acabou voltando-se a favor dos prpriosYanomami: espalharam doena e morte entre eles, sim, mas foram essas mesmasdoenas e mortes que os salvaram do extermnio.

    Vejamos, pois, como a reao da opinio pblica veio frustrar as aes demilitares, empresrios e polticos que tm tentado dispor das terras Yanomami como sel no existissem Yanomami.

    Com as notcias do morticnio, uma artilharia de acusaes de genocdio cau

    sobre o governo brasileiro, de fora e de dentro do pas, at que, em outubro de 1989, oPoder Judicirio interditou os 9,5 milhes de hectares do territrio Yanomami,reconhecidos pela FUNAI em 1985, e ordenou o Executivo a retirar os invasores. Areao a essa ordem judicial veio rpida e ousada: empresrios, donos de avies eoutros agentes de garimpo comearam a despejar dezenas de ndios doentes noshospitais e na Casa do Indio em Boa Vista, uma espcie de albergue para os ndios queiam cidade para tratamento de sade. Transferiam, assim, para a Fundao Nacionaldo Indio as atenes acusadoras da opinio pblica. Em novembro de 1989, mais de 200Yanomami se amontoavam na Casa do Indio, praticamente sem assistncia mdico-sanitria, famintos pela falta de alimentao suficiente, assistindo morte contnua defilhos pequenos. Uma avalanche de jornalistas brasileiros e estrangeiros desceu sobre

    Boa Vista e comeou ento o espetculo macabro da dizimao dos Yanomami.Com esse escndalo que exps o governo brasileiro a uma das piores campanhas

    de repdio, o Estado encheu-se de brios e comeou a organizar programas emergenciaisde sade. Todos aqueles que estavam proibidos de retornar rea foram chamados paracolaborar no esforo de estancar a sangria de vidas Yanomami.

    O caso Yanomami conseguiu congregar numa mesma arena poltica um nmeroinslito e inesperado de personagens desencontradas com posturas e interesses os maisantagnicos, ou seja: o capital selvagem dos empresrios do ouro, as massas falidas de

    pees desenraizados, os ndios Yanomami e sua multiplicidade interna, o governo localabertamente a favor desse tipo de extrao de ouro, o governo federal numa oscilaode pndulo entre atender aos interesses privados e manter uma imagem de democracia,o poder judicirio local a servio dos poderes econmicos e o poder judicirio federal aservio do estado de direito.

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    A reao da opinio pblica gerou um pingue-pongue de decises e contra-decises, um dia a favor dos ndios, outro dia a favor dos garimpeiros, enchendo osnoticirios com imagens dramticas de ndios morte e de garimpeiros em desespero,cometendo atos de violncia, como a tentativa de incendiar a casa do bispo no centro de

    Boa Vista. Cerca de 1,5 milho de dlares foi liberado para algo que nunca aconteceuno governo Sarney, ou seja: a retirada dos garimpeiros. Foi a partir de 1990, j nogoverno Collor, que comeou a exploso de pistas clandestinas e a expulso dosinvasores; por fim, em 1991, o governo federal demarcou as terras Yanomami, depoisde quase um quarto de sculo de tentativas frustradas (IWGIA 1979:113-115).

    Terras demarcadas, porm, no estancaram as invases. Enquanto a opiniopblica se dava por satisfeita (ou frustrada) com a demarcao oficial, novas levas degarimpeiros refluam aos garimpos abandonados. Durante o ano de 1992 e incio de1993, a FUNAI calculava em 11 mil o nmero de garimpeiros em atividade na reaYanomami. Foi deslanchada nova operao para evacuar os invasores e, em agosto de1993, esse nmero havia cado para cerca de 600 concentrados em algumas reasespecficas, boa parte no lado venezuelano da fronteira. Foi em um desses redutosgarimpeiros em terras venezuelanas que, em meados de 1993, empresrios de garimpo

    brasileiros conceberam o plano de assassinar os 85 habitantes da aldeia de Haximu, eque resultou nos atos de crueldade que caracterizaram a chacina de 16 Yanomami, amaioria crianas.

    No demais concluir que, ao deixar acontecer a invaso ilegal das terrasYanomami na forma de uma fulminante corrida do ouro, os responsveis por esseconsentimento contavam com a eficcia dos agentes patognicos como instrumento parase atingir da maneira mais rpida o maior grau de contaminao possvel. A malriaestaria assim a servio da criao dos supostos vazios demogrficos que at agora, por

    fora do processo dialtico do embate entre a conquista e a defesa dos povos indgenas(Ramos 1990b), no tm sido mais do que figura de retrica daqueles que propem aexpropriao das terras Yanomami.

    Restaria, porm, um pequeno contratempo: como na fbula do aprendiz defeiticeiro, resulta a incmoda questo de como controlar o avano da malria para evitarque o tiro saia pela culatra, j que a malria, no obedecendo a linhas de demarcaoque separam ndios de no-ndios, ataca gregos e troianos, e j que a parasitologia temrazes que a cobia dos brancos desconhece. sabido que no so poucos osgarimpeiros (embora o nmero nunca tenha sido adequadamente estimado) queacabaram morrendo pela mata, apodrecidos pela malria, despojados de recursos graasao sistema altamente expoliativo do trabalho no garimpo, em total indigncia e

    anonimato. Na guerra epidemiolgica no declarada aos Yanomami, os peesgarimpeiros no passam de bucha de canho, meros coadjuvantes de uma pea em queos atores principais atuam como que num teatro de sombras, escondidos atrs de umacortina de desenvolvimento que deixa transparecer uma situao que, afinal, acabatrazendo ao pas mais problemas do que solues, como so, por exemplo, ocontrabando de ouro pelos empresrios de garimpo, a implicao de que as atividadesgarimpeiras estejam acobertando o narcotrfico, o aumento da criminalidade dentro dosgarimpos e nas reas urbanas e o espantoso aumento da incidncia de AIDS no estadode Roraima (no auge da corrida do ouro, em 1989-90, Boa Vista era a terceira cidade doBrasil em nmero de pessoas contaminadas com HIV). Aparentemente, to difcil deerradicar quanto esse vrus o constante fluxo e refluxo de garimpeiros em terrasYanomami.

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    "Os garimpeiros voltaram a nossas terras durante estems. Essas pessoas no tm dinheiro para invadir nossasterras. Quem realmente est invadindo nossa floresta soas pessoas que tm dinheiro, os polticos (de Roraima) ...

    Os (simples) garimpeiros no tm dinheiro para comprarmantimentos, no tm avies, no tm dinheiro paracomprar combustvel. Ento quem est realmente nosinvadindo (por trs deles) o Projeto Calha Norte e osempresrios do Brasil e outros pases (...) Essas pessoasimportantes tm dinheiro para pagar as invases dosgarimpeiros" (Davi Kopenawa Yanomami 1992:39).

    Agradeo a meu colega de Departamento, Wilson Trajano Filho, por sua crtica primeira verso deste trabalho que muito contribuu para me fazer perceber aspectosapenas pressentidos do problema.

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