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Análise do discurso relatado

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Universidade Federal do Paraná Setor de Ciências Humanas, Letras e Artes Departamento de Lingüística, Clássicas e Vernáculas Análise do Discurso Relatado: As formas de marcar o discurso do outro Curitiba, Paraná 2007
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Universidade Federal do Paraná Setor de Ciências Humanas, Letras e Artes

Departamento de Lingüística, Clássicas e Vernáculas

Análise do Discurso Relatado:

As formas de marcar o discurso do outro

Curitiba, Paraná 2007

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ANDREA CÔRTES

Análise do Discurso Relatado:

As formas de marcar o discurso do outro

Trabalho de conclusão de curso apresentado como requisito parcial à obtenção de grau de Bacharel em Letras Português, ao Setor de Ciências Humanas, Letras e Artes da Universidade Federal do Paraná.

Profª. Orientadorª: Ligia Negri

Curitiba, Paraná

2007

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SUMÁRIO

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Resumo

A monografia a ser elaborada como trabalho de conclusão de curso – Análise do

discurso relatado: formas de marcar o discurso do outro - tem como tema central estudar as

formas de relatar o discurso do outro dentro do texto jornalístico e consequentemente, a

presença de opinião e o significado implícito no uso dos verbos que introduzem o discurso

relatado em determinados veículos impressos, no caso o jornal Folha de S. Paulo. Pela

análise do funcionamento destes verbos no texto jornalístico, busca-se compreender também

como as relações sociais são manifestadas através das escolhas lingüísticas.

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INTRODUÇÃO

O objeto de estudo desta monografia é a análise de matérias do período entre

16/07/2007 – 22/07/2007, do jornal Folha de S. Paulo e foram escolhidas aquelas que

tratassem dos temas mais proeminentes, a saber, o caso Renan Calheiros e a crise aérea.

O ponto de partida para a monografia Discurso jornalístico e seu funcionamento

discursivo: análise dos verbos introdutores de opinião é a premissa de que a neutralidade é

um objetivo impossível de ser alcançado e de que, por meio de uma leitura mais crítica e

atenta de determinados veículos de comunicação impressa, é possível perceber que, no caso

da escolha dos verbos, essa não é uma operação meramente estilística.

Os manuais de redação mencionam, por exemplo, a necessidade de se escrever textos

imparciais e objetivos – “a busca da objetividade jornalística e o distanciamento crítico são

fundamentais para garantir a lucidez quanto aos fatos e seus desdobramentos concretos”

(Manual de Redação da FOLHA DE S.PAULO, 2002, p. 22) -, deixando a opinião para os

editoriais, excluindo teoricamente, a opinião do profissional no texto noticioso. No entanto,

sabe-se, através da seleção do que é ou não publicado e também das escolhas lingüísticas, o

ponto de vista do jornal.

A transição de um texto estritamente informativo, tolhido por normas pouco flexíveis, para um outro padrão textual que admita um componente de análise e certa liberdade estilística é conseqüência da evolução que estamos procurando identificar. Trata-se, porém, de política a ser administrada com parcimônia e cautela, seja para que não se perca a base objetiva de informação, seja para que o leitor não fique à mercê dos caprichos da subjetividade de quem está ali para, antes de mais nada, informar com exatidão. A um texto noticioso mais flexível deve corresponder um domínio superior do idioma, bem como redobrada vigilância quanto à verificação prévia das informações, à precisão e inteireza dos relatos, à sustentação técnica das análises e à isenção necessária para assegurar o acesso do leitor aos diferentes pontos de vista suscitados pelos fatos (MANUAL DE REDAÇÃO FOLHA DE S.PAULO, 2002, p. 15).

Outra constatação possível de ser feita é a de que o discurso jornalístico, por meio da

linguagem, pode ser entendido como meio de representação da realidade e espaço onde se

legitimam posições sociais e opiniões. Como afirma Bakhtin (1986, p. 14),

a palavra é a arena onde se confrontam os valores sociais contraditórios; os conflitos da língua refletem os conflitos de classe no interior do mesmo sistema: comunidade semiótica e classe social não se recobrem. A comunicação verbal, inseparável das outras formas de comunicação, implica conflitos, relações de dominação e de resistência, adaptação ou resistência à hierarquia, utilização da língua pela classe dominante para reforçar seu poder etc.

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Considerou-se então a necessidade de não tratar na superficialidade este tema, pois o

jornalismo é um meio legítimo de difusão de conhecimento e de representação social. Isto só

é possível através do poder de selecionar, interpretar e dar sua versão sobre os

acontecimentos do mundo. No espaço do jornal, várias vozes sociais se manifestam através

de seus pontos de vista, no entanto, somente o jornalista tem o poder de escolher o

significado que ele deseja dar para determinada afirmação, utilizando-se, dessa forma, de

recursos lingüísticos específicos para chegar aos objetivos desejados.

Nesse sentido, procura-se entender como são reproduzidas as vozes sociais dentro do

discurso jornalístico e quais marcas lingüístico-discursivas podem ser anotadas que

evidenciem as opiniões da imprensa. Serão analisados os verbos introdutores de opinião, os

tipos de citação – discurso direto e indireto e o uso das aspas. Estes recursos podem revelar a

interpretação do jornalista em relação a um determinado fato.

É claro que não se pode deixar de citar também a influência de aspectos

extralingüísticos na produção do discurso jornalístico. Segundo Mikhail Bakhtin (1986,

p.106), “o sentido da palavra é totalmente determinado por seu contexto. De fato, há tantas

significações possíveis quantos contextos possíveis”. Por isso é praticamente impossível ser

neutro e objetivo.

A maneira diferenciada com que o jornal interpreta e age sobre as declarações é uma

das marcas que evidenciam as relações de poder envolvendo a produção jornalística e os

entrevistados. As relações de poder existentes na sociedade são, claro, transferidas para o

texto, onde a variação de significado das palavras pode se alterar de acordo com o que ou

quem quer se evidenciar.

A palavra é a arena onde se confrontam os valores sociais contraditórios; os conflitos da língua refletem os conflitos de classe no interior do mesmo sistema: comunidade semiótica e classe social não se recobrem. A comunicação verbal, inseparável das outras formas de comunicação, implica conflitos, relações de dominação e de resistência, adaptação ou resistência à hierarquia, utilização da língua pela classe dominante para reforçar seu poder etc (BAKHTIN, 1986, 14).

Pierre Bourdieu (1989, p. 11-12) afirma que as diferentes classes e frações de classes estão envolvidas numa luta propriamente simbólica para imporem a definição do mundo social mais conforme aos seus interesses (...) por meio da luta travada pelos especialistas da produção simbólica (produtores a tempo inteiro) e na qual está em jogo o monopólio da violência simbólica legítima (...) do poder de impor (...) instrumentos de conhecimento e de expressão (taxinomias) arbitrários - embora ignorados como tais - da realidade social.

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Bakhtin (1986, p.17) considera, também, “a língua como expressão das relações e lutas

sociais, veiculando e sofrendo o efeito desta luta, servindo, ao mesmo tempo, de instrumento

e de material.”

TEMA / PROBLEMA JUSTIFICATIVA OBJETIVOS METODOLOGIA

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“A linguagem foi e continua sendo a raiz e o vínculo da relação entre os homens”

(Juan BENEYTO, 1974, p. 9).

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CAPÍTULO 1

CARACTERÍSTICAS DA LINGUAGEM JORNALÍSTICA

Este capítulo tem por objetivo descrever algumas características da linguagem

jornalística, essencial para o desenvolvimento dos próximos capítulos. Busca-se nesse tópico

analisar os principais aspectos do discurso jornalístico, enfatizando principalmente àqueles

que exemplifiquem a ausência da objetividade e da imparcialidade.

O desenvolvimento da sociedade moderna, e tudo o que está relacionado a ela, está

diretamente relacionado com as mudanças econômicas, políticas e, consequentemente,

sociais, que ocorreram ao longo dos anos, mais marcadamente na modernidade1. O que mais

interessa evidenciar neste trabalho, no entanto, é a influência destas mudanças na construção

da linguagem jornalística da forma como conhecemos atualmente. Como afirma

THOMPSON (1998, p. 73-74), “a evolução tecnológica e a abolição dos impostos

permitiram reduzir os preços, e muitos jornais adotaram um estilo de jornalismo mais leve e

mais vivo, como também uma apresentação mais atraente para alargar o circulo de leitores”.

As características da atividade jornalística, de acordo com Ciro Marcondes Filho são,

entre muitas, o caráter de atualidade, a aparência de neutralidade e a objetividade. Além

destas características, com o advento da tecnologia, a produção jornalística tomou outras

proporções. A busca incessante pelo lucro fez com que a notícia virasse mercadoria e os

jornalistas dessem outro tratamento para o texto: “criam-se as manchetes, os destaques, as

reportagens, trabalha-se e investe-se muito mais na chapa, no logotipo, nas chamadas de

primeira página” (MARCONDES, 2002, p. 24).

Vários mecanismos foram criados para facilitar tanto a produção de matérias pelo

jornalista como a compreensão das informações pelo leitor. Um destes mecanismos é o uso

da técnica da pirâmide invertida, no qual as informações mais essenciais são colocadas no

começo do texto, respondendo às perguntas do lead – por que, o que, quando, onde, como,

quem. A distribuição das informações no texto jornalístico, em ordem decrescente de

importância, veio atender as novas necessidades do mundo moderno que carecia de

informação rápida e em um curto espaço de tempo. Como afirma Leandro Ramires

Comassetto (2003, p. 51) “a economia de tempo proporcionada ao leitor que está apenas em

1 THOMPSON, John B. Mídia e Modernidade: uma teoria social da mídia.

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busca de informações rápidas para se manter atualizado é também algo a ser levado em

consideração quando se fala em estrutura da notícia.”

Segundo vários autores, incluindo os manuais de redação dos grandes jornais

brasileiros, as notícias devem ser escritas no modo indicativo e em ordem direta, além de

privilegiar as frases curtas e o vocabulário simples. “Nas frases extensas perde-se a atenção

do leitor e frequentemente se perde também, a de quem escreve. O sinal ortográfico do ponto

é uma das instituições gramaticais mais admiráveis” (AMARAL, 1987, p. 56).

É importante dar preferência para os verbos na voz ativa e eliminar sempre que

possível os verbos auxiliares. Deve-se também tentar ao máximo a condensação do texto,

evitando “escrever com várias palavras o que puder ser redigido com apenas duas ou três”

(ERBOLATO, 2001, p. 94).

Para reduzir ou ampliar a faixa de eventuais receptores das mensagens políticas e culturais é suficiente ajustar a sintaxe, o quadro de referências e o léxico. Uma construção sintática mais complexa pode ser suficiente para dirigir a um grupo mais restrito uma mensagem encaixada de dentro de um discurso de nível geral muito mais acessível (GNERRE, 1985, p. 15).

Nilson LAGE (2002, p.22), explica que “a limitação do código – reduzindo tanto o

número de itens lexicais (palavras e expressões) quanto de operadores (regras gramaticais)

de uso corrente – aumenta a comunicabilidade e facilita a produção da mensagem, o que é

útil no caso de um produto industrial como a notícia”. No entanto, esta mesma limitação tem

a capacidade de reduzir “a amplitude de conteúdos a serem comunicados”.

Outra característica evidenciada em relação à linguagem jornalística é a redução da

variedade lingüística. Deve-se utilizar, segundo os manuais de redação, linguagem coloquial

“nos limites do que se considera socialmente correto e adequado à abrangência do veículo”

(LAGE, 2002, p. 23).

Opera-se uma radical redução do universo lingüístico do jornalismo, geralmente associada à idéia de inteligibilidade ou simplicidade. O jornal restringe o número de termos de seu uso diário através de manuais de redação, que, mais além, passam a funcionar na cultura e na sociedade em que são hegemônicos como fontes normativas da linguagem efetivamente falada ou escrita. O linguajar jornalístico enterra a experiência viva, individual, no clichê (MARCONDES, 2002, p. 44).

Apesar da utilização de uma linguagem coloquial, o uso da norma padrão prevalece

sobre as demais formas de se escrever. Isso se deve, de acordo com Marcos Bagno, a

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estrutura colonial existente no país, em que se valorizava e considerava-se correta a língua

usada pelas classes sociais mais altas. A tentativa de aquisição da norma-padrão encontra ampla acolhida em determinadas camadas sociais que vêem no domínio desses estereótipos lingüísticos um instrumento de “ascensão social” e de “inserção no mercado”. A “língua certa” se torna, assim, um objeto de desejo para esses grupos, demanda que é atendida pelo comércio com a transformação dessa “língua” num bem de consumo supostamente acessível a todos e disponível sob as mais diferentes embalagens e modelos (programas de televisão e de rádio, colunas de jornal e de revista, programas para computador, cd-roms, livros, revistas, fascículos, sites na internet, cursos, tira-dúvidas por telefones, manuais de redação das grandes empresas jornalísticas) (BAGNO, 2002, p. 195-196).

Como afirma Dorival Soares RAMOS (apud ERBOLATO, 2001, p. 91), a linguagem

da imprensa não deve ir aos extremos do classicismo nem ao desmazelo em que se

comprazem certos escritores e alguns jornalistas relaxados.

Pode-se afirmar também que a tecnologia teve influência direta no modo como o

jornalista tratava a linguagem. Com o surgimento da internet, foram introduzidos novos

conceitos na linguagem dos meios de comunicação.

Como efeitos da hegemonia da imagem sobre o trabalho jornalístico contam, principalmente, a sobrevalorização da visualidade em detrimento da literalidade; a sobreposição das ‘notícias fabricadas’ sobre os chamados ‘fatos reais’; a subseqüente auto-referência mediática; a substituição do texto jornalístico clássico (compreensão e redução lingüísticas); e as novas formas de jornalismo minimalista (MARCONDES, 2002, p. 37 - 38).

Acima de tudo, o jornalista deve estar ciente de que a linguagem não é apenas um meio

que ele se utiliza para veicular informações, como revela Maurizio Gnerre (1985, p.3), mas,

muito além disso, a linguagem jornalística é uma maneira de revelar a realidade dos atores

sociais que a vivem. Os profissionais da comunicação também são responsáveis pela

formação de opinião dos leitores. Como cita Pierre Bourdieu (apud MARCONDES, 2002, p.

69) “eles podem impor ao conjunto da sociedade seus princípios de visão de mundo, sua

problemática, seu ponto de vista.”2

Segundo Gnerre, a linguagem, incluindo a jornalística, é utilizada para exercer

influência no ambiente em que se realiza. A linguagem, portanto, pode ser utilizada como

forma de manter o poder. No entanto, mais do que as palavras, pode-se perceber que o que

determina o valor do que está sendo dito são os seus falantes. Uma variedade lingüística,

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“‘vale’ o que ‘valem’ na sociedade os seus falantes, isto é, vale como reflexo do poder e da

autoridade que eles têm nas relações econômicas e sociais” (GNERRE, 1985, p. 4).

1.1 Mito da objetividade “O jornalista que tem o culto

do fato é um profissional fracassado. Sim, amigos, o

fato em si vale pouco ou nada. O que dá autoridade é o acréscimo da imaginação”.

(Nelson Rodrigues)

“A objetividade é apontada como uma das principais virtudes da matéria jornalística,

qualidade defendida há quase um século pela imprensa americana, espelho de muitas,

inclusive da brasileira” (AMARAL, 1996, p. 17).

Uma outra característica difundida nas academias e nas redações de todos os meios de

comunicação é que o jornalista deve ser o mais imparcial e objetivo possível. No entanto,

sabe-se que é impossível ser objetivo quando se trata de observar os fatos do mundo e

escrever sobre eles. “Um signo não existe apenas como parte de uma realidade; ele também

reflete e refrata uma outra. Ele pode distorcer essa realidade, ser-lhe fiel, ou apreendê-la de

um ponto de vista específico, etc” (BAKHTIN, 1986, p. 32).

No entanto a imprensa nem sempre foi dessa maneira. Segundo Luiz AMARAL (1996,

p. 25-26),

Até a primeira metade do século XIX não havia preocupação, por parte do editor e do leitor, com o equilíbrio e imparcialidade. Como a imprensa era, sobretudo, político-partidária, comprava-se (assinava-se) jornal para saborear a versão parcial dos acontecimentos e para se ler as críticas aos adversários (...). A idéia de notícia, como depois passamos a ter, demoraria a amadurecer. A transformação iria depender, ao longo dos anos, de uma série de fatores, como democratização, desenvolvimento tecnológico, expansão da economia de mercado, aumento do índice de alfabetização e crescimento em importância da classe média urbana.

Por um lado o discurso jornalístico representa a realidade objetivamente, já que

apresenta dentro de seu discurso várias opiniões e versões de um fato e todos em constante

diálogo. No entanto, da mesma maneira que ele apresenta estas várias vozes, elas são, de

certa maneira, homogeneizadas e, sobretudo, valorizadas de acordo com a prestígio que o 2 O trecho pode ser encontrado em original BOURDIEU, Pierre. Sur la télévision. Suivi de l´emprise du

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falante ocupa perante o público. Como afirma Marcelo Lima (2003, p. 237), “o que garante

que um discurso seja verdadeiro é a qualificação de quem o enuncia. O texto jornalístico até

mesmo pode dar espaço para falantes ‘desqualificados’; no entanto, a construção da verdade

exige que o falante tenha uma qualificação”.

Os manuais de redação exigem que sejam retirados do texto, se não for relevante para

a notícia, quaisquer expressões da linguagem oral, no entanto, isso vai de encontro com a

característica da língua, considerada um conjunto heterogêneo. Portanto, o discurso

jornalístico, para ser fiel, deve eliminar usos regionais, discursos especializados e registros

formais.

Do ponto de vista da eficiência da comunicação, o registro coloquial seria sempre preferível. É mais acessível para as pessoas de pouca escolaridade e, mesmo para as que estudaram ou lidam constantemente com a linguagem formal, permite mais rápida fruição e maior expressividade. No entanto, o registro formal é uma imposição de ordem política, esteja ou não em lei. A pressão social valoriza seu emprego e qualifica de erro todo desvio. (...) A conciliação entre esses dois interesses – de uma comunicação eficiente e de aceitação social – resulta na restrição fundamental a que está sujeita a linguagem jornalística: ela é basicamente constituída de palavras, expressões e regras combinatórias que são possíveis no registro coloquial e aceitas no registro formal (LAGE, 2003, p. 37-38).

Em se tratando do conceito de objetividade, mais precisamente, pode-se dizer que

apesar de ser uma regra primordial dentro do jornalismo – “a busca da objetividade

jornalística e o distanciamento crítico são fundamentais para garantir a lucidez quanto ao

fato e seus desdobramentos concretos” (MANUAL DE REDAÇÃO FOLHA DE S. PAULO,

2002, p. 22). O jornalista Nilson Lage (2003, p. 42) segue esta linha de raciocínio e explica

que “as grandes e pequenas questões da ideologia estão presentes na linguagem, porque não

se faz jornalismo fora da sociedade e do tempo histórico”.

Esta afirmação é paradoxal, já que encontram-se nos próprios manuais, páginas

adiante, a seguinte afirmação: “Não existe objetividade em jornalismo. Ao escolher um

assunto, redigir um texto e editá-lo, o jornalista toma decisões em larga medida subjetivas,

influenciadas por suas posições pessoais, hábitos e emoções” (FOLHA DE S. PAULO,

2002, p. 45). O que garante a objetividade e a imparcialidade dentro do discurso jornalístico,

no entanto, é a capacidade de representar da maneira mais fiel possível a grande

multiplicidade encontrada na realidade que ele representa. Essa multiplicidade, representada

journalisme. Paris, Raisons d´Agir editions, 1996, p. 53

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através das vozes sociais e da presença de vários gêneros jornalísticos, garantem, como

afirma Ítalo Calvino, “que uma verdade não seja parcial” (CALVINO, 1990, p. 131).

Para Cláudio Abramo, por exemplo, a idéia de objetividade no jornalismo é uma

“ilusão”. “Não existe um jornalismo objetivo, existem vários” (ABRAMO apud AMARAL,

1996, p. 76).

Outros estudiosos da linguagem servem de base para afirmar que a idéia de

objetividade pregada pelo jornalismo vai contra muitas colocações a respeito da própria

linguagem: “os elementos verbais, na dinâmica sócio-histórica, estão sempre totalmente

ensopados de valores (mesmo quando marcados pela retórica da neutralidade e da

objetividade” (FARACO; NEGRI, 1997, p. 6). Mikhail Bakhtin foi um dos grandes teóricos

que destacou a impossibilidade de se analisar a linguagem fora de seu contexto de produção.

Para alguns autores, a impossibilidade de ser objetivo vem do fato de que a

objetividade se dá por meio da relação entre o observador e o objeto observado. “Qualquer

pessoa quando observa o mundo o faz através de uma ótica particular, de acordo com a sua

educação, tipo de inserção social, experiências anteriores e toda uma série de

condicionantes” (SILVA, 1991, p. 89). Essa busca pela objetividade tem conseqüências

diretas no modo como se escrevem as notícias.

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CAPÍTULO 2

BASES TEÓRICAS

Neste capítulo vamos tratar especificamente dos autores e teorias que foram base

importante para o desenvolvimento do trabalho, em especial, para a análise do material

selecionado. Os conceitos de dialogismo e polifonia, ambos de Mikhail Bakhtin, nortearam a

análise no sentido de que tanto um quanto o outro ajudam a entender as formas de discurso

relatado, e, mais do que isso, são conceitos intrínsecos ao discurso jornalístico, apesar de

pouco difundidos nesse meio.

Além de Bakhtin, Luiz Antônio Marcuschi e seu estudo a respeito dos verbos

introdutores de opinião foram de extrema relevância para o desenvolvimento e concretização

da análise. Marcuschi marcou sua pesquisa de duas maneiras: classificou os verbos pela

função que eles exercem no texto e também o modo de ação destes sobre o discurso relatado.

De acordo com a análise que pretendemos propor para este trabalho, é importante considerar

as duas perspectivas: a primeira mais “pragmático-argumentativa”, nas palavras do autor, e a

segunda mais ideológica.

No entanto, como Marcuschi não tinha preocupação em diferenciar as formas de

apresentar o discurso relatado, considerando principalmente a presença de valoração em

todas as formas de introduzir o discurso do outro, para esta parte do trabalho vamos utilizar a

análise de Dominique Maingueneau, que caracterizou as diferenças entre o discurso direto;

indireto e o uso das aspas.

2.1 Dialogismo e Polifonia “Não considerar a natureza dialógica da linguagem é o mesmo que apagar a ligação que existe

entre a linguagem e a vida”.

(BARROS in TEZZA; FARACO; CASTRO (org.) 2001, p. 35).

Dominique Maingueneau, no livro Análise de Textos de Comunicação3, explica que o

discurso só adquire sentido quando no interior de um universo de outros discursos. “Para

interpretar qualquer enunciado, é necessário relacioná-lo a muitos outros – outros

enunciados que são comentados, parodiados, citados etc.” (MAINGUENEAU, 2001, p. 55).

Essa materialidade de um discurso, ou de vários, dentro de outro discurso é o que

Mikhail Bakhtin chama de dialogismo, processo de interação entre textos e o princípio

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constitutivo da linguagem. Em se tratando de jornalismo impresso, o dialogismo é

encontrado não somente no interior do texto – fotos, gráficos, tabelas, etc. - quanto na

presença de vários gêneros textuais diferentes.

A Central Globo de Comunicação disse, por meio de nota, que “este tipo de comparação não procede, pois, como empresa de comunicação, a TV Globo não cuida da vida privada das pessoas e sim de temas de interesse público. Como empresa, ela paga salários aos seus funcionários e não pensão”. O ex-presidente FHC disse, por meio de sua assessoria que não iria comentar o caso.

Bakhtin (2005, p. 184) afirma também que

as relações dialógicas são possíveis não apenas entre enunciações integrais (relativamente), mas o enfoque dialógico é possível a qualquer parte significante do enunciado, inclusive a uma palavra isolada, caso esta não seja interpretada como palavra impessoal da língua, mas como signo da posição semântica de um outro, como representante do enunciado de um outro, ou seja, se ouvimos nela a voz do outro. É importante colocar também, demonstrando mais uma vez a característica dialógica

da linguagem e a presença da subjetividade no texto

jornalístico, que o nosso discurso é sempre carregado do discurso do outro: “existe

uma dialogização interna da palavra, que é perpassada sempre pela palavra do outro, é

sempre e inevitavelmente também a palavra do outro. Isso quer dizer que o enunciador, para

constituir um discurso, leva em conta o discurso de outrem, que está presente no seu”

(FIORIN in FARACO; TEZZA;CASTRO (org.) 2001, p. 128).

2.2 Polifonia

O conceito de polifonia é definido por Bakhtin como a presença de várias vozes no

discurso. No caso do jornalismo impresso, por exemplo, essa polifonia é facilmente

verificada. Na matéria Para especialista, pacote é tímido em segurança4 do dia 21 de julho

de 2007, pode-se observar a presença de várias vozes sociais diferentes, como por exemplo:

3 Ver dados completos nas Referências Bibliográficas desta monografia. 4 Ver texto na integra no anexo (3) desta monografia.

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Para o professor da Escola Politécnica da USP Jorge Leal Medeiros, as medidas anunciadas pelo governo, dias depois da maior tragédia da aviação civil no país, são “uma resposta política a problemas técnicos”. Mas para Alessandro Marques de Oliveira, coordenador do Néctar (Núcleo de Estudos em Competição e Regulação do Transporte Aéreo), do ITA (Instituto Tecnológico da Aeronáutica), o pacote, que não reage só ao acidente, mas também ao chamado “caos aéreo”, vai na direção correta. Fernando Alberto dos Santos, superintendente do Sneta (Sindicato Nacional de Táxi Aéreo), também elogiou o pacote: “Sempre advogamos que fazer de Congonhas um redistribuidor de vôos era um erro”. Estas vozes estão em constante diálogo, ora confrontando-se, ora se complementando,

como no exemplo abaixo:

Santos e Oliveira coincidem que um novo aeroporto é necessário e que as medidas sobre Congonhas são “indigestas” e já previstas e provavelmente foram postergadas por pressões, das companhias e de passageiros – as primeiras preferem a lucratividade de Congonhas; os segundos, a proximidade.

Um aspecto importante a ser ressaltado é que apesar da presença de todas estas vozes,

sempre existirá, no caso do texto jornalístico, a presença de uma voz “dominadora”: a do

jornalista. É ele quem tem o poder de selecionar e escolher que partes da fala de um

personagem quer destacar. Por ser dialógico, o jornalista também participa do diálogo.

Portanto, por maiores que sejam a liberdade e a independência das personagens, serão sempre relativas e nunca se situam fora do plano do autor, que as promove como estratégia de construção dos seus romances, onde as vozes múltiplas dão o tom de toda a sua arquitetônica (BEZERRA in BAKHTIN, 2005, p. VIII).

2.2.1 Papel fundamental do contexto

Uma das contribuições mais importantes de Bakhtin foi a afirmação de que não se

deve estudar um texto isoladamente. Bakhtin considera o dialogismo o princípio constitutivo da linguagem e a condição do sentido do discurso. Insiste no fato de que o discurso não é individual, nas duas acepções de dialogismo mencionadas: não é individual porque se constrói entre pelo menos dois interlocutores que, por sua vez, são seres sociais; não é individual porque se constrói como um “diálogo entre discursos”, ou seja, porque mantém relações com outros discursos (FARACO; TEZZA;CASTRO (org.) 2001, p. 33).

Ele afirma ainda que “além da realidade da própria personagem, o mundo exterior que

a rodeia e os costumes se inserem no processo de autoconsciência, transferem-se do campo

de visão do autor para o campo de visão da personagem” (BAKHTIN, 2005, p. 49). Quando

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Bakhtin fala em “personagem” e “autoconsciência”, ele se refere especificamente ao estudo

do romance, base de suas teorias. Transferindo esta citação para o meio jornalístico, entende-

se que, de maneira geral, a subjetividade está implícita no discurso, tanto daqueles que estão

no interior do texto, quanto do próprio jornalista. Este, por sua vez, emite sua opinião a partir

do momento que seleciona determinada fala em detrimento a outra ou prioriza certas fontes

em relação a outras.

Existem, nesse caso, dois tipos de gênero: os dialógicos monofônicos – uma voz domina as outras –

e os dialógicos polifônicos – vozes polêmicas. Boris Schnaiderman (apud BRAIT, 1997, p. 16) afirma que

mesmo sem saber Bakhtin tinha razão “ao afirmar que a linguagem autoritária reduz tudo a uma única voz,

sufocando a variedade e riqueza que existe na comunicação humana.”

Polifonia às vezes é entendida como a presença de outros textos dentro de um texto. Esse conceito é

identificado também como heterogeneidade enunciativa – citações de outros autores – ou constitutiva –

influência de autores de forma implícita. Bakhtin explica ainda que esse conceito está equivocado e pode ser

confundido com a noção de intertextualidade – entrecruzamento de vários outros textos. Na visão do teórico

russo, polifonia pode ser definida como a forma de um tipo de romance – polifônico – ao contrário do

romance monológico.

“A multiplicidade de vozes e consciências independentes e imiscíveis e a autêntica polifonia de vozes

plenivalentes5 constituem, de fato, a peculiaridade fundamental dos romances de Dostoiévski” (BAKHTIN,

2005, p. 4). Dessa maneira, romance polifônico seria aquele em que cada personagem funciona como um

ser autônomo com juízo de valor e voz própria.

Bakhtin tem a sensibilidade aguçadíssima para captar em cada palavra a existência de uma segunda voz, o que o leva, em um plano mais amplo e mais profundo,a perceber em cada obra de arte literária elementos de estilização, de ironia, de paródia, elementos esses que ele sintetiza no conceito de discurso do outro. Ele ouve vozes de mundos e existências inacabadas, vê o mundo como um processo em formação e o homem como um ser em formação, donde sua aversão a toda idéia do dogmaticamente acabado, do monologicamente fechado, da conclusão como ponto final. Sua concepção é polifônica, para ele a polifonia é o discurso do diálogo inacabado; não é possível dizer tudo sobre uma época por mais que dela se saiba. Daí a saída na polifonia, que é o discurso sobre os problemas insolúveis no âmbito de uma época, é o discurso da verdade dialética de uma realidade em transformação e renovação (BEZERRA in BAKHTIN, 2005, p. XI-XII). A voz do herói se estrutura da mesma forma que a voz do autor num romance comum, possuindo

independência no todo da obra, “como se soasse ao lado da palavra do autor, coadunando-se de modo

especial com ela e com as vozes plenivalentes de outros heróis” (BAKHTIN, 2005, p. 5).

O gênero romance estudado por Bakhtin, principalmente o romance dostoievskiano, é caracterizado

por ser um “fenômeno pluriestilístico, plurilíngüe e plurivocal” (BAKHTIN, 1993, p. 73). Para Bakhtin, o

romance apresenta diferentes vozes sociais que se defrontam, manifestando diferentes pontos de vista

sobre o mundo ou sobre um determinado objeto. Essas características o tornam um gênero polifônico.

5 Segundo o que consta no livro de Bakhtin (2005, p. 4), plenivalente significa cheia de valor, que mantêm com as outras vozes do discurso uma relação de absoluta igualdade como participantes do grande diálogo.

Page 19: Análise do discurso relatado

Dessa maneira, como é explicado no livro Diálogos com Bakhtin, nos textos polifônicos pode-se notar

a presença de várias vozes, além do diálogo, considerado como condição da linguagem e do discurso. A

partir do momento que as vozes são abafadas, escondidas, passa a existir um discurso autoritário. A palavra

polifonia é empregada para “caracterizar um certo tipo de texto, aquele em que o dialogismo se deixa ver,

aquele em que são percebidas muitas vozes, por oposição aos textos monofônicos que escondem os

diálogos que os constituem” (BARROS in TEZZA; FARACO; CASTRO (org.) 2001, p. 36).

2.2 Estudo dos verbos – Marcuschi

2.3 Análise de discurso

Aqui vale ressaltar que a vertente utilizada será a da análise de discurso francesa.

no jornalismo a voz do redator - geralmente em terceira pessoa – assume o comando das outras vozes. “Com

efeito, a maneira de integrar ‘o discurso de outrem’ no contexto narrativo reflete as tendências sociais da interação

verbal numa época e num grupo social dado” (BAKHTIN, 1986, p. 18).

Os discursos das autoridades, por exemplo, abafam as vozes transformando-se num discurso autoritário e,

logicamente, monológico6. “Nos discursos autoritários abafam-se as vozes, escondem-se os diálogos e o discurso se faz

discurso da verdade única, absoluta e incontestável” (FARACO; TEZZA; CASTRO (org.) 2001, p. 36).

Ainda segundo Bakhtin, o mundo só pode ser representado de forma fiel a partir do momento que seus sujeitos

forem representados em toda a sua complexidade, com todas as diferenças e semelhanças. Ainda mais porque o mundo é

heterogêneo, com pessoas com opiniões e visões de mundo diferentes e em constante evolução. Ao transportar isso para

o texto, para que seja o mais real possível, deve-se, é claro, respeitar essas diferenças.

No livro de Bakhtin Marxismo e Filosofia da Linguagem é possível encontrar mais uma vez suas afirmações

acerca da relação entre a linguagem e a sociedade, de modo que ele considera esta relação de forma inseparável. Tudo o

que envolve as relações sociais entre os atores do mundo é e pode ser representado dentro do discurso, principalmente

do discurso jornalístico.

As relações de produção e a estrutura sócio-política que delas diretamente deriva determinam todos os contatos verbais possíveis entre indivíduos, todas as formas e os meios de comunicação verbal: no trabalho, na vida política, na criação ideológica. Por sua vez, das condições, formas e tipos da comunicação verbal derivam tanto as formas como os temas dos atos de fala.(...) Estas formas de interação verbal acham-se muito estreitamente vinculadas às condições de uma situação social dada e reagem de maneira muito sensível a toda as flutuações da atmosfera social (BAKHTIN, 1986, p. 42).

6 Para lembrar rapidamente, o conceito de monológico faz referência a existência de uma única voz dentro do texto, ou de uma voz sobrepondo as outras. Assim como esse tipo de texto esconde os diálogos que o constituem.

Page 20: Análise do discurso relatado
Page 21: Análise do discurso relatado

Somente na comunicação, na interação do homem com o homem, revela-se o “homem no homem”, seja para si mesmo, seja para os outros. O diálogo não é o limiar da ação, é a própria ação. Quando ele termina, tudo termina. Por isso, o

diálogo não pode terminar.

(BAKHTIN, 2005, p. 77)

Page 22: Análise do discurso relatado

CAPÍTULO 3

O DISCURSO RELATADO

Dentro do discurso jornalístico é possível observar uma série de formas de introduzir a

fala de um “personagem”. No entanto, ao contrário do que muitos pensam, e até mesmo do

que a imprensa ‘prega’, a inserção de outros discursos não é feita de maneira aleatória e sem

critérios ideológicos. Como cita Maingueneau (2001, p. 57), os locutores podem ser

hierarquizados, no caso do discurso relatado, ou seja, quando um locutor inclui em sua fala

as palavras de um outro locutor.

Neste capítulo iremos tratar especificamente das formas encontradas nos veículos

impressos, no caso, a Folha de S. Paulo, e falar de cada um delas em separado. O objetivo

desta análise, após discorrer dois capítulos teóricos, respectivamente sobre a linguagem

jornalística e sobre as bases teóricas utilizadas para embasar o trabalho, é demonstrar com

exemplos retirados da atualidade, além das várias formas de introduzir o discurso relatado,

apontar a existência de verbos introdutores da opinião de maneira estigmatizada, ou seja,

com marcas ideológicas implícitas. Os capítulos anteriores serviram de base para que

compreendêssemos os conceitos de dialogismo e polifonia e também a pesquisa de

Marcuschi em relação aos verbos.

Esta análise ficou restrita ao conteúdo noticioso do jornal Folha de S. Paulo, escolhido

por se tratar de um jornal de grande circulação nacional e com grande credibilidade perante

os leitores. O período determinado ficou entre os dias 16 a 22 de julho de 2007, escolhido

por ser um dos mais críticos em relação aos fatos escolhidos – crise aérea (culminando no

acidente do avião da TAM) e caso Renan Calheiros.

Page 23: Análise do discurso relatado

3.1 Discurso Relatado

Dentro do discurso jornalístico é possível perceber a existência de várias vozes sociais,

caracterizada como polifonia por Mikhail Bakhtin, e que podem ser transcritas de várias

maneiras. Tanto o discurso direto quanto o indireto são formas de citação que fazem parte da

estrutura do texto jornalístico, que, além de adquirir caráter polifônico, pode ser visto

também como dialógico, pois é a materialidade de outros discursos dentro de um outro

discurso.

Como afirma Bakhtin (1986, p 144)

o discurso citado é o discurso no discurso, a enunciação na enunciação, mas é, ao mesmo tempo, um discurso sobre o discurso, uma enunciação sobre a enunciação. Aquilo de que nós falamos é apenas o conteúdo do discurso, o tema de nossas palavras. (...) Mas o discurso de outrem constitui mais do que o tema do discurso; ele pode entrar no discurso e na sua construção sintática, por assim dizer, “em pessoa”, como uma unidade integral da construção. Assim, o discurso citado conserva sua autonomia estrutural e semântica sem nem por isso alterar a trama lingüística do contexto que o integrou.

3.1.1 Uso das aspas

As aspas, consideradas por Maingueneau (2001) como uma modalização autonímica7

podem ser utilizadas nos casos em que se transcreve literalmente o discurso de alguém –

discurso direto – como no exemplo a seguir:

“O conselho não tem atribuição constitucional para provocar a ação da Polícia Federal”, disse Eduardo Ferrão. (Folha de S. Paulo – 16 de julho de 2007) “Estamos no sentindo impotentes porque inúmeras demandas que enviamos ao órgão apontando irregularidades não são respondidas”. (Folha de S. Paulo – 21 de julho de 2007).

O autor explica que

ao colocar palavras entre aspas,o enunciador, na verdade, apenas chama a atenção do co-enunciador para o fato de estar empregando exatamente as palavras que ele está aspeando; salientando-as, delega ao co-enunciador a tarefa de compreender o motivo pelo qual ele está chamando assim sua atenção e abrindo uma brecha em seu próprio discurso (MAINGUENEAU, 2001, p. 160).

Outro caso em que se evidencia o uso das aspas é quando o jornalista que escreveu a

matéria quer ser irônico em relação a algo que foi dito:

7 “Não se limita às palavras colocadas entre aspas, mas engloba o conjunto dos procedimentos por meio dos quais o enunciador desdobra, de uma certa maneira, seu discurso para comentar sua fala enquanto está sendo produzida” (MAINGUENEAU, 2001, p. 158).

Page 24: Análise do discurso relatado

Ou algum dos professores “especialistas”, como os jornais deram de dizer, que analisaram o ocorrido no Maracanã. (Folha de S. Paulo – 17 de julho de 2007)

Este exemplo foi encontrado em um texto opinativo de Jânio de Freitas8, e os outros

exemplos retirados de matérias assinadas, consideradas imparciais e objetivas, portanto, não

podendo conter qualquer resquício de opinião. Considerando o contexto em que o texto foi

escrito, percebe-se a ironia, pois o autor não quis dizer que os professores eram realmente

especialistas no assunto, ao contrário, estava dizendo que os jornais estavam utilizando

opiniões de quaisquer professores e considerando-as como especializadas. “Na realidade,

porém, o significado das aspas sempre excede sua interpretação: o texto libera possibilidades

de interpretação que o autor não pode prever ao fazer uso delas” (MAINGUENEAU, 2001,

p. 164).

No entanto, queremos chamar a atenção para um uso muito comum nos textos

jornalísticos: a utilização das aspas para dar alguma informação que o jornalista não acha

conveniente ser escrita como se fosse dele. Como diz Maingueneau (2001, p. 161), “muitas

vezes colocar uma unidade entre aspas significa transferir a responsabilidade de seu emprego

a outra pessoa”. Pode-se colocar entre aspas uma palavra ou uma sentença. Os exemplos

abaixo ajudam a esclarecer o que foi dito.

Bologna evitou relacionar o apagão aéreo dos últimos meses com o acidente. Disse que a discussão sobre a crise “é um pouco mais ampla” e que há duas CPIs apurando o (...)(Folha de S. Paulo – 19 de julho de 2007)

Segundo Dominique Maingueneau, (1997, p.90), colocar um termo entre aspas

significa manter o que foi dito pelo outro à distância. “Colocar entre aspas não significa

dizer explicitamente que certos termos são mantidos à distância, é mantê-los à distância e,

realizando este ato, simular que é legítimo fazê-lo.” O chefe do SRPV não negou nem confirmou a versão. Disse que há “muita especulação”. (Folha de S. Paulo – 19 de julho de 2007)

O governo Lula caracteriza-se por anunciar, por exemplo, o “espetáculo do crescimento”, que, passados quatro anos do anúncio (...) ( Folha de S. Paulo – 22 de julho de 2007) Segundo Berzoini, o PT não aceita “linchamento público” para forçar a saída de Renan. (Folha de S. Paulo – 17 de julho de 2007)9

8 Ver texto na integra no anexo (2) desta monografia. 9 Ver texto na integra no anexo (5) desta monografia.

Page 25: Análise do discurso relatado

Lendo a matéria na íntegra pode-se perceber claramente a intenção do jornalista em se

manter à distância em relação ao que foi dito. Como o próprio Maingueneau (2001, p. 161)

explica, colocar uma unidade entre aspas significa transferir a responsabilidade de seu

emprego a outra pessoa. Tanto no título quanto no trecho destacado logo acima, temos o uso

das aspas, no entanto, considerando deve-se observar a afirmação de Ricardo Berzoini que

contém o trecho em destaque:

"Não aceitamos linchamento público nem constrangimento para forçar o presidente Renan Calheiros a se licenciar ou a renunciar", afirmou Berzoini. (Folha de S.Paulo – 17 de julho de 2007).

Nos últimos dois exemplos pode-se perceber também uma certa dose de ironia, quase

confundindo o leitor sobre a responsabilidade do que foi dito. Se, na primeira citação, os

pilotos do Legacy realmente “confundiram” os aparelhos, o termo entre aspas garante o

distanciamento do jornalista em relação a versão do fato. No entanto, este mesmo verbo

pode ter uma conotação muito mais irônica, se considerarmos a presença de opinião do

jornalista ou do veículo, contrários a conclusão a que chegou a perícia sobre o acidente.

A segunda citação segue a mesma linha de raciocínio. Caso os militares tenham dito

àquela informação, o verbo entre aspas garante a legitimidade do discurso. Se for considerar

a presença da ironia, parte-se para a conclusão de que, na situação de crise aérea que se

encontra o país, aumentar em “apenas” 3 milhões o número de passageiros não seria pouca

coisa. Foi assim com a derrubada do Boeing da Gol, cujas hipóteses nem sequer se aproximaram da conclusão pericial de que os pilotos do Legacy “confundiram” o rádio e o transponder (...) (Folha de S. Paulo – 19 de julho de 2007)

De acordo com a Aeronáutica, Cumbica recebe atualmente cerca de 15,3 milhões de passageiros a cada ano. Na prática, segundo os militares, poderia aumentar em “apenas” 3 milhões esse volume. (Folha de S. Paulo – 21 de julho de 2007)

3.1.2 Discurso Direto

“Nos próximos dias, cada familiar será contatado para falar de valores e datas, sempre com respeito à legislação e ao sigilo desse tipo de informação. Discutiremos individualmente pagamentos antecipados

Page 26: Análise do discurso relatado

para fazer frente às despesas urgentes”, disse o vice-presidente de planejamento da companhia aérea, Paulo Castello Branco. (Folha de S. Paulo – 19 de julho de 2007).

O excerto acima é um exemplo clássico de discurso direto, em que nota-se a presença

das aspas que (de)marcam o discurso citado e também a presença do verbo introdutório de

opinião “disse”. O discurso direto é considerado mais fiel porque representa exatamente o

que o entrevistado disse. Dominique Maingueneau (1996, p.105) afirma, no entanto, que

utilizar o discurso direto não garante, no entanto, a objetividade.

Na realidade, a particularidade do discurso é que um mesmo “sujeito falante” se apresenta como o “locutor” de sua enunciação, mas delega a responsabilidade da fala citada a um segundo “locutor”, o do discurso direto. Esse distanciamento é uma encenação no interior da fala, uma maneira de apresentar uma citação, mas de modo algum uma garantia de objetividade. Aqui o discurso citado só tem existência através do discurso citante, que constrói como quer um simulacro da situação de enunciação citada. Como é possível observar no Manual da Redação da Folha de S. Paulo (2002, p. 39), o

discurso direto é limitado, deixando-o para as declarações mais importantes, como na

matéria Renan agora quer deter votação na Mesa, do dia 16 de julho de 2007, em que se

verifica a presença de apenas três citações de ordem direta. 10

Quanto menos usado o recurso da declaração textual, mais valor ele adquire. Reserve-o para afirmações de grande impacto, por seu conteúdo ou pelo caráter inusitado que possam ter. (…) A reprodução das declarações deve ser literal. Só podem ser reproduzidas entre aspas frases que tenham sido efetivamente ouvidas pelo jornalista, ao vivo ou em gravações.

Este fato é facilmente verificado na análise das matérias escolhidas já que na grande

maioria dos textos existem poucas ou quase nenhuma citação direta.

O discurso direto além de dar mais autenticidade ao que foi relatado permite que o

jornalista se distancie do fato,

seja porque o enunciador citante não adere ao que é dito e não quer misturar esse dito com aquilo que ele efetivamente assume; seja porque o enunciador quer explicitar, por intermédio do discurso direto, sua adesão respeitosa ao dito, fazendo ver o desnível entre palavras prestigiosas, irretocáveis e as suas próprias palavras (citação de autoridade) (MAINGUENEAU, 2001, p. 142).

Este tipo de situação se verifica tanto em relação a discursos de pessoas de autoridade,

como nos exemplos:

Page 27: Análise do discurso relatado

“Não aceitamos linchamento público nem constrangimento para forçar o presidente Renan Calheiros a se licenciar ou a renunciar”, afirmou Berzoini. (Folha de S. Paulo – 17 de julho de 2007).

O discurso direto pode ser usado também quando o jornalista quer se distanciar daquilo

que foi dito, seja por ser uma declaração polêmica, ou, como consta no Manual da Folha de

S. Paulo, para “afirmações de grande impacto”.

“Pergunto a vocês se já compararam a situação do Renan Calheiros com a do Fernando Henrique Cardoso, que teve um filho com uma colega nossa (uma jornalista). Nunca foi entrevistada, o filho nunca apareceu no jornal. E essa colega nossa foi para Portugal à expensas de uma empresa de comunicação, conhecida no Brasil inteiro como TV Globo”, disse o governador.(Roberto Requião) (Folha de S. Paulo – 17 de julho de 2007). Outra maneira de apresentar a fala de alguém no discurso direto é utilizando a seguinte

forma: Segundo informações da TAM, havia 170 passageiros e alguns funcionários da empresa que pegavam carona na aeronave, além de seus tripulantes. (Folha de S. Paulo – 18de julho de 2007).

3.1.3 Discurso Indireto

Diferentemente do que ocorre com o discurso direto, o indireto necessita de uma

prévia interpretação do jornalista sobre o que está sendo dito. “Enquanto o discurso direto

supostamente repete as palavras de um outro ato de enunciação e dissocia dois sistemas

enunciativos, o discurso indireto só é discurso citado por seu sentido, constituindo uma

tradução da enunciação citada” (MAINGUENEAU, 1996, p.90). Assim, como afirma o

autor (2001, p.149), não são as palavras exatas que são relatadas, mas o conteúdo do

pensamento.

A seguir têm-se alguns exemplos de discurso indireto que foram encontrados no

material de análise:

Apesar de haver várias dúvidas ainda, o brigadeiro disse que está praticamente comprovado que o avião estava em velocidade acima do normal para pousos e que o piloto tentou desesperadamente arremeter, sem sucesso. (Folha de S. Paulo 19 de julho de 2007).

10 Ver matéria completa no anexo (5) deste trabalho.

Page 28: Análise do discurso relatado

Ferrão disse que não pretende recorrer ao STF para impedir que a PF conclua a perícia, mas não descartou usar o artifício posteriormente para anular os trabalhos do conselho. (Folha de S. Paulo, 16 de julho de 2007). O senador nega que pretenda pedir tempo, mas diz que a Polícia Federal não pode fazer a perícia sem autorização do STF (Supremo Tribunal Federal). (Folha de S. Paulo, 16 de julho de 2007). Neste último exemplo, pode-se verificar que o primeiro verbo empregado tem uma

valoração negativa, apesar de fazer referência a uma pessoa de autoridade. No entanto, pelo

contexto da situação em que se encontra o senador Renan Calheiros, a colocação do verbo

demonstra a posição do jornal(ista) em relação ao assunto. Vamos tratar deste assunto com

mais detalhes posteriormente. Agora basta fixar-se na estrutura do discurso indireto.

3.2 Verbos Introdutores de Opinião

Como no exemplo citado acima, percebe-se que alguns verbos, dependendo do

contexto em que se encontram os envolvidos na produção e recepção da notícia ou da

posição do veículo em relação a determinado fato ou pessoa, tem valoração muito

No estudo de Luiz Antonio Marcuschi (2007), os verbos que introduzem declarações,

sejam elas no discurso direto ou no indireto, envolvendo pessoas de autoridade – discurso do

poder – são considerados, do ponto de vista argumentativo, mais positivos e fortes, como

afirmar e declarar. Os verbos que introduzem discursos menos importantes ou de pessoas

estigmatizadas – discurso popular – são, por exemplo, os verbos contar e lembrar.

Maingueneau (1996, p. 113) afirma também que as escolhas dos verbos introdutores “tem

portanto conseqüências importantes na maneira pela qual o leitor vai interpretar a citação; a

ação do verbo passa despercebida quanto maior for a eficácia da orientação do verbo.”

A partir da análise destas matérias pode-se observar que existe uma valoração na

escolha dos verbos introdutores de opinião, ou seja, a utilização de verbos que introduzem o

discurso do outro não é feita aleatoriamente e sim baseada em escolhas ideológicas, de

acordo com os valores e opiniões de quem está escrevendo ou da linha editorial do veículo

de comunicação em questão.

De acordo com os textos analisados, chegou-se a algumas observações importantes:

pode-se notar que na maioria das matérias, como se trata de política, usam-se verbos mais

Page 29: Análise do discurso relatado

fortes, mesmo que negativamente. Quando o jornal é favorável a determinado

“personagem”, utilizam-se verbos fortes e positivos. “Tem que pedir (autorização) ao Supremo”, afirmou Malta. “O conselho não tem atribuição constitucional para provocar a ação da Polícia Federal”, disse Eduardo Ferrão, advogado do presidente do Senado. (Folha de S. Paulo, 16 de julho de 2007). Ao contrário, no entanto, quando se quer marcar negativamente uma pessoa, os verbos

têm uma conotação forte, porém negativa. O senador nega que pretenda pedir tempo, mas diz que a Polícia Federal não pode fazer a perícia sem autorização do STF (Superior Tribunal Federal). (Folha de S. Paulo, 16 de julho de 2007). Renan ligou para os demais membros da Mesa – seis titulares e quatro suplentes – e negou que esteja articulando para atrasar o processo que enfrenta no Conselho de Ética. (Folha de S. Paulo, 17 de julho de 2007). Neste último exemplo percebe-se que não somente o verbo negar, mas aliado ao verbo

articular, dão uma conotação negativa à fala de Renan Calheiros. É importante notar que

toda a matéria11 tem um caráter negativo da imagem do presidente do Senado, com a

utilização de verbos que dão a impressão de que o senador estava arquitetando um “golpe”.

Outros verbos que exemplificam esta afirmação são: declarar; ignorar; acusar; alegar.

Ao analisar matérias com gente “comum”, percebe-se a existência de verbos mais

“fracos”, mas não necessariamente caracterizando negativamente estas pessoas. “Foi horrível. O barulho do corpo batendo no chão eu nunca vou me esquecer”, lembra a jornalista TV Cultura, Laís Duarte. A auxiliar de faturamento Lucilene de Souza, 24, que mora a quatro prédios de onde o avião caiu, contou que, no momento do acidente, foi até o local e filmou “tudo”.

3.2.1 Verbo dizer

Em depoimento ao Conselho de Ética, Gontijo disse que esse é o maior interesse de Renan. (Folha de S. Paulo, 16 de julho de 2007). Em entrevista à Folha, Veloso disse que sabia das atividades agropecuárias de Renan, mas sem detalhes. (Folha de S. Paulo, 16 de julho de 2007). “É o assunto por que ele mais se interessa, que ele mais gosta de tratar, que mais tem prazer de conversar é sobre essa fazenda, a cerca, o detalhe do boi que não sei o quê”, disse o lobista. (Folha de S. Paulo, 16 de julho de 2007).

11 Ver matéria completa no anexo (4) deste trabalho.

Page 30: Análise do discurso relatado

“A minha paixão evidente é o Renda Básica de Cidadania e acho que não há dúvida disso. Eu não conhecia esse gosto de Renan por bois e nunca o vi falando disso”, disse o senador Eduardo Suplicy. (Folha de S. Paulo, 16 de julho de 2007). “Às vezes ele falava de gado, mas não sei dizer se era do tamanho A, B ou C”, disse ela. (Folha de S. Paulo, 16 de julho de 2007). “Renan nunca me ligou nem me sugestionou”, disse Magno Malta. (Folha de S. Paulo, 17 de julho de 2007). “Do ponto de vista ético e moral, é a mesma coisa. Ou não, porque o Renan disse que quem pagou a moça foi ele mesmo”, disse o governador. “Com as medidas que anuncio hoje e com outras providências que o governo irá tomar nos próximos dias, tenho certeza de que o nosso sistema aéreo voltará a se adequar às necessidades do país”, disse Lula. (Folha de S. Paulo – 20 de julho de 2007). Segundo Marcuschi, o verbo dizer é tido como neutro, no entanto, como se pode

verificar após a análise de todo o material, é que essa neutralidade varia conforme o contexto

da notícia.

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REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

BAKHTIN, Mikhail. Marxismo e Filosofia da Linguagem. São Paulo: Hucitec, 2004. BOURDIEU, Pierre. O Poder Simbólico. Lisboa: Bertrand Brasil, 1989. CÔRTES, Andrea. Dialogismo, polifonia e carnavalização no discurso jornalístico. Curitiba, 2005. 184 f. Trabalho de Conclusão de Curso (Graduação em Jornalismo) – Setor de Ciências Humanas Sociais e Aplicadas. CORTINA, Arnaldo; BRITO-SILVA, Maria Auxiliadora. Olhares Oblíquos da mídia impressa: A questão da Terra no Pontal do Paranapanema. Revista do GEL, Araraquara, nº. 4, p. 9 -26, 2007. ERBOLATO, Mário L. Técnicas de Codificação em Jornalismo: redação, captação e edição no jornal diário. 5. ed. São Paulo: Ática, 2001. FARACO, Carlos Alberto; NEGRI, Lígia. O falante: que bicho é esse, afinal?. Curitiba,1997. FOLHA de S. Paulo. Manual da redação. 5º ed. São Paulo: Publifolha, 2002.

GNERRE, Maurizio. Linguagem, escrita e poder. São Paulo: Martins Fontes, 1985. MAINGUENEAU, Dominique. Elementos de lingüística para o texto literário. São Paulo: Martins Fontes, 1996. MAINGUENEAU, Dominique. Análise de Textos de Comunicação. São Paulo: Cortez, 2001. MARCUSCHI, Luiz Antônio. Fenômenos da linguagem: reflexões semânticas e

discursivas. Rio de Janeiro: Lucerna, 2007, pág. 146 – 168.

SILVA, Carlos Eduardo Lins da. 2. ed. O adiantado da hora: a influência americana sobre o jornalismo brasileiro. São Paulo: Summus, 1991.

Page 32: Análise do discurso relatado

ANEXOS

Page 33: Análise do discurso relatado

ANEXO 1

Renan agora quer deter votação na Mesa

Presidente do Senado manobra para que não seja votado amanhã requerimento que pede continuidade de perícia da Polícia Federal

Magno Malta (PR-ES) pode ajudar Renan; se a votação for adiada, só em agosto a apuração será retomada por conta do início do recesso

FERNANDA KRAKOVICS DA SUCURSAL DE BRASÍLIA Em mais uma manobra protelatória, o presidente do Senado, Renan Calheiros (PMDB-AL), articula para que membros da Mesa Diretora peçam vista (suspensão da votação) amanhã do requerimento, encaminhado pelo Conselho de Ética, para que a Polícia Federal aprofunde perícia feita em documentos apresentados por ele em sua defesa. Como o recesso parlamentar começa na quarta-feira, isso significaria que a Polícia Federal só retomaria os trabalhos em agosto. A manobra pode ser neutralizada se o vice-presidente do Senado, Tião Viana, que conduzirá a reunião, conceder apenas algumas horas para a análise do material. Aliados de Renan apostam na iniciativa de Magno Malta (PR-ES) para o pedido de vista e não descartam que ele receba apoio de outros membros da Mesa. O senador nega que pretenda pedir tempo, mas diz que a Polícia Federal não pode fazer a perícia sem autorização do STF (Supremo Tribunal Federal). Esse é um dos principais argumentos da defesa de Renan. "Tem que pedir [autorização] ao Supremo", afirmou Malta. "O conselho não tem atribuição constitucional para provocar a ação da Polícia Federal", disse Eduardo Ferrão, advogado do presidente do Senado. Ferrão disse que não pretende recorrer ao STF para impedir que a PF conclua a perícia, mas não descartou usar o artifício posteriormente para anular os trabalhos do conselho. "A gente só vai recorrer ao Supremo se houver atropelo ao devido processo legal e restrições ao direito de defesa", disse o advogado. Em representação enviada ao conselho na semana passada, Ferrão apontou supostos erros na tramitação do processo e restrições ao direito de defesa do presidente do Senado. Ferrão e o senador José Nery (PSOL-PA), autor da representação contra Renan, poderão participar da reunião da Mesa, além do presidente do Conselho de Ética, senador Leomar Quintanilha (PMDB-TO). Ferrão deve pedir ainda que sejam excluídas algumas das 30 perguntas a serem encaminhadas à PF e que constam do ofício elaborado pelo conselho. O objetivo é verificar se as operações de venda de gado declaradas pelo presidente do Senado realmente ocorreram e também se a evolução de seu patrimônio é compatível com sua renda. A perícia da PF é a principal linha de investigação do conselho. Renan é acusado de ter despesas pessoais pagas por um lobista da Mendes Júnior. Para comprovar que teria renda suficiente para custear seus gastos, o presidente do Senado declarou ter ganho R$ 1,9 milhão nos últimos quatro anos com venda de gado. Laudo preliminar da PF apontou inconsistências em notas fiscais apresentadas por Renan referentes a operações de venda de gado. A lucratividade obtida pelo presidente do Senado é considerada fora dos padrões por pecuaristas nacionais. Outra forma de protelar a decisão é esvaziar o quórum da reunião da Mesa, o que é mais difícil, já que a oposição tem número suficiente para garantir a presença de pelo menos quatro senadores, que é o mínimo necessário. Ignorando acordo feito entre líderes partidários e integrantes da Mesa, Renan adiou a reunião do colegiado de quinta-feira passada para amanhã. A medida irritou a oposição, que se retirou do plenário e ameaça obstruir as votações se o pedido de perícia não for encaminhado antes do recesso.

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ANEXO 2

JANIO DE FREITAS Entre Renan e a China

Mais do que o presidente do Congresso, os chamados oposicionistas é que estão aliviados com as férias

O COQUETEL de uma dose de Renan com outra de Lula pode ser meio indigesto, mas é o que existe para brindar o último dia de atividade dos congressistas, cujo desempenho no primeiro semestre os fez merecedores, com mínimas exceções, de partir para as férias escolares. Neste último dia, Renan, o inesgotável, personifica a única expectativa disponível. A Mesa Diretora do Senado vai decidir se manda à Polícia Federal, para exames pedidos pelo Conselho de Ética, os documentos da alegada defesa de Renan. Há fértil especulação sobre novos golpes do senador, para obter mais retardamento do processo com pedido de vista por um dos senadores a ele associados. Ou mesmo obter o encaminhamento de anulação do processo, sob o argumento do seu advogado de que o Conselho de Ética não tem poderes para recorrer à PF (se bem que, no caso, a remessa seria da Mesa, e não do conselho). A batalha no Senado, a propósito, já começou ontem entre oposição e aliados de Renan, quase todos governistas, mas esquenta mesmo na manhã de hoje. Com um aspecto lateral, na expectativa, mais interessante do que o central: caso ocorra nova manobra contra o andamento do processo, que atitude a oposição de PSDB e DEM vai tomar -se, afinal, tomar- para sair do papel patético que Renan lhe impôs até agora? Mais do que Renan, e inversamente à impressão difundida, os ditos oposicionistas é que estão aliviados com as férias, que põem meia pausa nesta encrenca em que a tibieza dos oposicionistas não os deixa com imagem muito melhor que a do Pelotão Renan. Já para o próprio Renan, a mim parece -outra vez inversamente à impressão difundida- que a protelação com o recesso não lhe atenua a situação em nada. As manobras com que Renan obteve sucessivos retardamentos do processo só renderam, todas, acirramento cumulativo da opinião pública contra sua permanência como presidente do Senado, senão mesmo como senador. É verdade que a imprensa brasileira não quer ter memória, mas o recesso será pouco para favorecer muito Renan Calheiros. A tendência é maior acúmulo de animosidade. Sobre efeito cumulativo na opinião pública, por favor consultar Lula, que desde a abertura do Pan tem os dados mais recentes a respeito. Ou algum dos professores "especialistas", como os jornais deram de dizer, que analisaram o ocorrido no Maracanã. Por exemplo, o professor Marco Antonio Villa, que integra a leva mais recente dos "cientistas" que a imprensa ascende à notoriedade para explicarem o país ao país. O professor constatou que Lula, como "não sabe conviver com a vaia", mostrou que "não sabe conviver com a adversidade". O que deixou o eminente professor "muito preocupado", porque se houver "um problema com a China", problema de relacionamento, Lula não saberá "o que fazer" em tal situação de adversidade. É o caso de ficarmos também "muito preocupados". Embora não propriamente com Lula, com a China ou com a vaia.

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ANEXO 3

Para especialista, pacote é tímido em segurança DA REPORTAGEM LOCAL DA SUCURSAL DE BRASÍLIA Para o professor da Escola Politécnica da USP Jorge Leal Medeiros, as medidas anunciadas pelo governo, dias depois da maior tragédia da aviação civil no país, são "uma resposta política a problemas técnicos". Medeiros aponta que o pacote não privilegiou questões de segurança. Chamou-lhe a atenção também o curto prazo (90 dias) dado para a localização de um novo aeroporto em São Paulo -construção à qual ele se opõe- e a ausência de pontos mais técnicos, como a realização do "grooving" (sistema de escoamento de água) na pista principal de Congonhas e a construção de um equipamento chamado "arrestor bed"(barreira seguida de um tapete de concreto triturado disposto ao redor do final da pista). Sobre as medidas de diminuição do tráfego em Congonhas, como proibição das escalas, Medeiros ressaltou que "quantidade de movimento não tem nada a ver com segurança", já que os intervalos entre os vôos estariam dentro da margem de segurança. Tardias, mas corretas Mas para Alessandro Marques de Oliveira, coordenador do Nectar (Núcleo de Estudos em Competição e Regulação do Transporte Aéreo), do ITA (Instituto Tecnólogico da Aeronáutica), o pacote, que não reage só ao acidente, mas também ao chamado "caos aéreo", vai na direção correta. "São medidas tardias, mas corretas. E via canetada. Foi preciso o Conac [Conselho de Aviação Civil] se reunir para agir. A percepção de que Congonhas está sobrecarregado não é nova", diz Oliveira. Com fim de escalas e conexões, diz o coordenador, Congonhas terá o uso para o qual está preparado e "vocacionado": ser o receptor da ponte aérea que vem do Rio e das principais praças aéreas. Fernando Alberto dos Santos, superintendente do Sneta (Sindicato Nacional de Táxi Aéreo), também elogiou o pacote: "Sempre advogamos que fazer de Congonhas um redistribuidor de vôos era um erro". Ele estima que entre 40% e 45% do tráfico de Congonhas pode ser reduzido com o fim de escalas e conexões. Santos e Oliveira coincidem que um novo aeroporto é necessário e que as medidas sobre Congonhas são "indigestas" e já previstas e provavelmente foram postergadas por pressões, das companhias e de passageiros -as primeiras preferem a lucratividade de Congonhas; os segundos, a proximidade. "É isso que um agente regulador tem de fazer. Dar a sensação de que medidas corretas mesmo que impopulares serão tomadas", diz Oliveira. O pacote diz que "limitará" o uso do aeroporto para aeronaves executivas. Santos, do sindicato do setor, disse que não está claro como funcionará. "O bom senso diz que nossa operação seguirá em Congonhas."

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ANEXO 4

São Paulo, terça-feira, 17 de julho de 2007 Renan busca limitar perícia; oposição reage e cobra pressa Presidente do Senado diz que não recorrerá ao STF, mas tenta restringir investigação da PF Sob vigilância e pressão da oposição, Mesa Diretora se reúne hoje para decidir se haverá aprofundamento nas apurações da polícia FERNANDA KRAKOVICS DA SUCURSAL DE BRASÍLIA Na véspera da reunião da Mesa Diretora, o dia ontem foi de articulações políticas no Senado. A oposição se mobilizou para garantir o envio hoje, à Polícia Federal, de pedido de aprofundamento da perícia em documentos apresentados por Renan Calheiros (PMDB-AL). Já o presidente do Senado se empenhou na reconstrução de sua base de apoio na Casa. Renan ligou para os demais membros da Mesa -seis titulares e quatro suplentes- e negou que esteja articulando para atrasar o processo que enfrenta no Conselho de Ética. Disse ainda que não pretende recorrer ao STF (Supremo Tribunal Federal) para anular os trabalhos do conselho. "Não estou pensando nisso, não", afirmou. Renan mandou ontem ao plenário ofício em que se declara impedido de tomar decisões relativas ao processo contra ele. No texto, pede ao presidente do conselho, Leomar Quintanilha (PMDB-TO), que passe ao vice-presidente da Casa, Tião Viana (PT-AC), correspondências referentes ao caso. A perícia da PF é a principal linha de investigação do conselho. Renan é suspeito de ter despesas pagas por um lobista da Mendes Júnior. Ele nega e, para provar que tinha rendimentos, declarou ter ganho R$ 1,9 milhão com venda de gado nos últimos quatro anos. Ignorando acordo feito entre líderes partidários e membros da Mesa, Renan adiou para hoje -véspera do recesso- a reunião do colegiado, que estava prevista para quinta passada. Em outra frente, ele articulava para que o senador Magno Malta (PR-ES) pedisse vista do pedido de perícia, o que jogaria a decisão para agosto. "Renan nunca me ligou nem me sugestionou", disse Magno Malta. A estratégia de Renan agora é tentar limitar as investigações da PF. Seu advogado, Eduardo Ferrão, que deve participar da reunião da Mesa, deve tentar excluir algumas das 30 perguntas a serem encaminhadas à PF. O objetivo da perícia é verificar se as operações de venda de gado declaradas por Renan ocorreram. O senador quer limitar a análise à autenticidade dos documentos, impedindo uma investigação fiscal. No entendimento do senador, a PF precisa de autorização do STF para aprofundar as apurações. Em laudo preliminar, a PF apontou inconsistências nas notas fiscais apresentadas. A oposição reiterou a ameaça de paralisar o Senado se não for enviado à PF o requerimento de aprofundamento da perícia e avisou que vai monitorar os passos da reunião da Mesa. Crítica à mídia O governador do Paraná, Roberto Requião (PMDB), acusou a mídia de tratar de modo diferenciado o presidente do Senado, Renan Calheiros, e o ex-presidente da República Fernando Henrique Cardoso (PSDB, 1995-2002). "Pergunto a vocês se já compararam a situação do Renan Calheiros com a do Fernando Henrique Cardoso, que teve um filho com uma colega nossa [uma jornalista]. Nunca foi entrevistada, o filho nunca apareceu no jornal. E essa colega nossa foi para Portugal às expensas de uma empresa de comunicação, conhecida no Brasil inteiro como TV Globo", disse o governador, depois de um encontro com Paulo Bernardo (Planejamento), no Planalto. FHC teria tido uma filha com uma jornalista quando era senador. Nenhuma das partes envolvidas confirma, porém, a veracidade da história, nem se mostra disposta a levá-la a público. A política da Folha tem sido a de considerar que tais situações devem permanecer na esfera particular enquanto não houver indício de que interfiram na administração pública. No caso de Renan, suspeita-se que o dinheiro do pagamento de pensão judicial ao filho nascido de uma relação extraconjugal pudesse pertencer a uma empreiteira. Renan alega que o lobista Cláudio Gontijo, da Mendes Júnior, apenas intermediava os pagamentos -e que o dinheiro era dele, Renan. O Senado investiga o caso. Questionado, Requião disse que ambos os casos são "exatamente a mesma coisa". "Do ponto de vista ético e moral, é a mesma coisa. Ou não, porque o Renan disse que quem pagou a moça foi ele mesmo", disse o governador. "O Renan está sendo fuzilado e o FHC foi protegido à exaustão", completou.

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A Central Globo de Comunicação disse, por meio de nota, que "este tipo de comparação não procede, pois, como empresa de comunicação, a TV Globo não cuida da vida privada das pessoas e sim de temas de interesse público. Como empresa, ela paga salários aos seus funcionários e não pensão". O ex-presidente FHC disse por meio de sua assessoria que não iria comentar o caso.

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ANEXO 5

PT defende Renan de "linchamento público"

Ricardo Berzoini, presidente da sigla, afirma não aceitar pressão para a saída do peemedebista da presidência do Senado Deputado avisa, no entanto, que legenda não vai se posicionar oficialmente hoje, na reunião da Mesa comandada por petista GABRIELA GUERREIRO RENATA GIRALDI DA FOLHA ONLINE, EM BRASÍLIA

O presidente do PT, deputado Ricardo Berzoini (SP), saiu ontem em defesa do presidente do Senado, Renan Calheiros (PMDB-AL), suspeito de ter despesas pessoais pagas por um lobista de uma construtora. Segundo Berzoini, o PT não aceita "linchamento público" para forçar a saída de Renan. Na véspera de a Mesa Diretora decidir se a Polícia Federal deve ampliar as investigações sobre Renan, Berzoini disse que o peemedebista não pode ser julgado sem que as investigações sejam concluídas nem deve ser pressionado para deixar o comando do Senado. "Não aceitamos linchamento público nem constrangimento para forçar o presidente Renan Calheiros a se licenciar ou a renunciar", afirmou Berzoini. A reunião da Mesa será presidida amanhã pelo petista Tião Viana (AC), vice-presidente da Casa. Apesar de defender o presidente do Senado, Berzoini disse que o PT não vai se posicionar oficialmente. "Não há razão para o partido se posicionar do ponto de vista partidário. Nunca houve nenhuma cobrança do senador Renan em relação a nosso posicionamento. Todas as vezes em que conversei com o senador nesse período foi uma conversa tranqüila", afirmou. Integrantes da base aliada do governo cogitam pedir vista ao requerimento do Conselho de Ética que solicita novas investigações da PF sobre os documentos da defesa de Renan. Se o pedido for acatado por Viana, as investigações serão adiadas para agosto, após o recesso parlamentar de julho. Oficialmente, os governistas negam a disposição de pedir vista ao processo. Mas nos bastidores se articulam com advogados do peemedebista para evitar a nova perícia. O presidente do Senado também não descarta recorrer ao STF (Supremo Tribunal Federal) caso a Mesa aprove o aprofundamento das investigações. A perícia da PF tem como alvo documentos apresentados pelo senador para comprovar que sua renda permitia pagamentos feitos a uma jornalista com quem teve uma filha.


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