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ANÁLISE DO PROCESSO HISTÓRICO E POLÍTICO DO...

Date post: 08-Nov-2018
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1 ANÁLISE DO PROCESSO HISTÓRICO E POLÍTICO DO MUNICÍPIO E SUA INSTALAÇÃO NO BRASIL Vitor Potrik Junior ABSTRACT This work intends to argue and to examine the process of historical formation and politics of the city, to understand its functional trajectory, its variations and the current situation. For this, it was necessary to make a rescue on the origin, with the intention to understand its changes promoted for the historical moments. We send to it the Romans, visigodos and Arabs, passing for the Portuguese until arriving in the moment of the installation of the city in Brazil. Exactly having I arrive with all historical load and politics still passed for modifications, to adapt it the Brazilian territory. Problem is that the different conceptions politics were reflected even though in the constitutions, that however granted, however removed the power of the cities. We lock up with the current situation of the Brazilian city. Key words: municipalities, territory, region, limit, autonomy, government. Licenciado em Geografia pela UFPR - Universidade Federal do Paraná, especialista em Geopolítica e Relações Internacionais pela UTP - Universidade Tuiuti do Paraná.
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ANÁLISE DO PROCESSO HISTÓRICO E POLÍTICO DO MUNICÍP IO

E SUA INSTALAÇÃO NO BRASIL

Vitor Potrik Junior ••••

ABSTRACT

This work intends to argue and to examine the process of historical formation and politics of the city, to understand its functional trajectory, its variations and the current situation. For this, it was necessary to make a rescue on the origin, with the intention to understand its changes promoted for the historical moments. We send to it the Romans, visigodos and Arabs, passing for the Portuguese until arriving in the moment of the installation of the city in Brazil. Exactly having I arrive with all historical load and politics still passed for modifications, to adapt it the Brazilian territory. Problem is that the different conceptions politics were reflected even though in the constitutions, that however granted, however removed the power of the cities. We lock up with the current situation of the Brazilian city.

Key words: municipalities, territory, region, limit, autonomy, government.

• Licenciado em Geografia pela UFPR - Universidade Federal do Paraná, especialista em Geopolítica e Relações Internacionais pela UTP - Universidade Tuiuti do Paraná.

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1. INTRODUÇÃO

O movimento ocorrido para se realizar a fragmentação do município de

Colombo a partir de 1990, criando o município de Guaraituba chamou a atenção, uma

vez que, desta data até o ano de 2006, ainda não havia instituído essa divisão, que

tanto ocorreu em todo território brasileiro apresentado em determinadas épocas uma

ampliação do número de municípios que surpreende, principalmente nas décadas de

1950-1960-1970-1990.

Diante disso, realizei várias pesquisas em busca de informações em

órgãos como a SEMA (Secretaria Estadual de Meio Ambiente), Prefeitura Municipal

de Colombo, Sub-Prefeitura de Colombo, e percebi que para encontrar respostas

deveria conhecer a origem do processo de formação do município e sua trajetória

histórica, já que os fatos ainda permaneciam sem explicações consistentes. É dentro

desse contexto que propus a realização deste trabalho, com a intenção de esclarecer

essa temática pouco discutida, examinar a formação histórica e política dos

municípios, pois sua trajetória não é recente e por isso, merece ser analisada de

forma a explicar todo esse processo de desenvolvimento, que tem inicio há dois mil

anos com o Império Romano que controlava grande parte do mundo. Assim, os

romanos garantiam, para algumas das regiões conquistadas, certa autonomia. Eles

recebiam o titulo de municipium. Esse era um privilégio que garantia o direito de ter

suas próprias leis e seus administradores. Já nas regiões que não possuíam o titulo

de municipium, o governo romano impunha a lei e os administradores.

O território atualmente ocupado por Portugal fez parte das áreas

conquistadas pelo Império Romano. Dessa maneira, os portugueses receberam

muitas influências dos romanos que por sua vez, ao ocuparem o Brasil, essa

influencia foi disseminada ao povo brasileiro. Muitas das nossas leis, especialmente o

Código Civil, que trata da família e do casamento, vêm de leis romanas.

De 1500 a 1822, o Brasil foi colônia de Portugal. Nesse período, os

municípios tiveram muitos poderes. Eles faziam as leis, julgavam os criminosos,

arrecadavam parte dos impostos, zelavam pela defesa da terra e distribuíam terra

para os novos moradores.

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Em 1922 o Brasil deixou de ser colônia e se tornou independente, até 1889

foi governado por imperadores, nessa época houve uma forte tendência à

concentração do poder nas mãos dos imperadores. Com isso, as Províncias (atuais

estados) e os municípios foram perdendo a autonomia. As decisões mais importantes

eram tomadas pelo governo central.

Com o fim do império, o país passou a ser governado por presidentes eleitos

pelo povo. As leis republicanas devolveram a autonomia aos municípios, voltando a

ser administrado sem interferência do poder central.

Na primeira metade deste século o poder dos municípios estava nas mãos

dos grandes fazendeiros. Utilizando até capangas armados, impondo sua própria

vontade aos demais moradores do município.

A tendência atual da política e das leis tem sido garantir a democracia e dar

mais autonomia aos municípios. O caminho nessa direção foi construído pela

Constituição de 1988.

Como podemos perceber esse recorte espacial possui seu arcabouço político

e social construído através do tempo para chegar nessa estrutura que vivenciamos

hoje.

2. CONCEITOS DA GEOGRAFIA SOBRE O TERRITÓRIO

Este estudo de caráter geográfico envolve problemas de formação de

municípios, fragmentação e anexação de áreas, mais precisamente do processo de

partilhas municipais. Priorizou-se um dos conceitos geográficos, pois, “Pela amplitude

da temática espacial, certos conceitos em geografia acabam priorizando um

determinado tipo de questão e uma especifica dimensão social” (HAESBART, 2004,

p. 62),deste modo, utilizaremos o conceito de território, que é o recorte espacial

apropriado para o desenvolvimento do estudo que está ligado à geografia política “na

geografia política, território e mesmo territorialidade são tidos como conceitos

fundamentais”. (HAESBART, 2004, p. 62)

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O conceito de território mais apropriado para a realização deste trabalho o de

Marcelo José Lopes de Souza, que define “os territórios são, antes, relações sociais

projetadas no espaço, configurando-se como espaços definidos e delimitados por

relações de poder, ou em outros termos, com relações de poder espacialmente

delimitadas que operam sobre um substrato referencial” (SOUZA, 2005, p. 87). Esta

noção do conceito de território despe a idéia de a palavra território estar ligada

somente ao território nacional e evoca outros recortes espaciais, tais como, estados,

municípios, vilas entre outros que podem estar projetados em quarteirões, em ruas,

ou em praças. Como apontado na definição, esses recortes espaciais são formados a

partir de relações sociais projetadas no espaço definido e delimitado por relações de

poder. Arendt define perfeitamente a relação de poder:

“O ‘poder’ corresponde à habilidade humana de não apenas agir, mas de agir em uníssono, em comum acordo. O poder jamais é propriedade de um individuo; pertence ele a um grupo e existe apenas enquanto o grupo se mantiver unido. Quando dizemos que alguém está no ‘poder’estamos na realidade nos referindo ao fato de encontrar-se esta pessoa investida de poder, por um certo número de pessoas, para atuar em seu nome. No momento em que o grupo, de onde originara-se o poder (potestas in populo, sem um povo ou um grupo não há poder), desaparece, ‘o seu poder’ desaparece”. (ARENDT, 1985, p, 24)1.

GOTTMAN (1952, p, 71)2, já tinha a idéia de que os recortes espaciais “Em

qualquer caso, trata-se de um compartimento do espaço politicamente distinto e uma

entidade jurídica, administrativa e política. Relata também que estendendo-se para o

conjunto de terras agrupadas em uma unidade que depende de uma autoridade

comum e que goza de um determinado regime”.

Com Gottman podemos concordar que o território é uma entidade jurídica,

administrativa e política e que está unidade depende de uma autoridade comum

eleita por um grupo em um determinado regime. 1 Citado por (SOUZA, 2005, p. 80). 2 Citado por (HAESBAERT, 2004, p. 67).

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Nota-se que a idéia de território para Gottman está ligada diretamente à

política como podemos notar em uma frase do autor “a unidade política é o território”.

Comparando-se Souza, Gottman e Arendt, podemos dizer que estes

possuem muitas coisas em comum referente aos conceitos de território. Além de ser

um recorte espacial, este precisa ser habitado, as pessoas necessitam de

organização e concordar que o território precisa de representantes, estas autoridades

devem estar em comum acordo com o grupo para não haver revoltas, pois “O poder

jamais é propriedade de um individuo, pertence ele a um grupo e existe apenas

enquanto o grupo se mantiver unido”. ARENDT (1985, p. 24)

São as relações sociais que dão sentido as ações que serão projetadas no

espaço, essas serão delimitadas a partir de relações de poder, que pode causar no

grupo um sentimento de pertencimento ao substrato referencial ou ao seu território

com uma boa relação entre as autoridades e o grupo. No entanto, se não houver

comum acordo entre as autoridades e o grupo, pode ocorrer revoltas para

estabelecer um bom convívio em seu substrato que é o seu local de ‘origem’.

É a partir das relações sociais e de poder projetadas no espaço formadas por

autoridades eleitas por um grupo que podemos afirmar que o território é uma

entidade política, administrativa e jurídica.

Para demarcações dos territórios temos limites e fronteiras. Esses termos

passaram por evoluções no decorrer do tempo decorrentes de relações de poder, por

isso, concordamos com (RAFFESTIN, 1993, p.69), quando afirma que “o limite ou a

fronteira não decorrem somente do espaço, mas também do tempo”.

Os limites e as fronteiras não são imutáveis e passam por mudanças

causando modificações na configuração do território Raffestin, nos explica as causas

dessas mudanças.

“Se as fronteiras passam por fases de funcionalização ou de disfuncionalização isso em geral é determinado, ou comandado, por modificações socioeconômicas ou sociopolíticas. A funcionalização ou a disfuncionalização não afetam somente o território, mas também o tempo social no interior desse território”. (RAFFESTIN, 1993, p. 168).

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Como vemos o tempo e o espaço social são afetados pelas mudanças

causadas pela funcionalização ou disfuncionalização das fronteiras.

No caso dos limites (RAFFESTIN, 1993, p. 169), nos relata que “O jogo

estrutural do poder conduz a assegurar ora a continuidade, deslocando os limites, ora

a provocar a descontinuidade, criando novos limites”.

Esse jogo de poder que acarreta a oscilação dos limites ocorre por falta de

regras e pela má definição. CIGOLINI (1999, p. 62) exemplifica o problema que essa

falta de regras e má definição pode causar num território, comentando o caso de

Manfrianópolis, “Ao perceber que o núcleo urbano era tão pequeno que não somava

cem casas, o limite desse núcleo foi sendo expandido, avançando sobre a zona rural,

até que abrangesse as cem casas necessárias para cumprir a legislação e conseguir

sua emancipação”.

Assim, o jogo de poder e as práticas sociais, de certo modo comandam e

manipulam o avanço ou contração dos limites, ou seja, suas modificações.

Já a fronteira é vista pelo Estado moderno como controle territorial, linhas

rígidas e impermeáveis.

Mas a “demarcação (a delimitação também, mas com riscos de contestação,

permite o exercício das funções legal, de controle fiscal. A função legal delimita uma

área no interior da qual prevalece um conjunto de instituições jurídicas e normas que

regulamentam a existência e as atividades de uma sociedade política”. (RAFFESTIN,

1993, p.168).

Por haver um maior controle as fronteiras são menos mutáveis, pois, para se

realizar mudanças fronteiriças é necessário cumprir o exercício das funções legais.

Se isso não ocorrer, a invasão do território pode causar conflitos territoriais,

ocasionando guerra, isto, mais referente aos Estados-nação.

3. A TRAJETORIA DO TERMO MUNICÍPIO: A ORIGEM DO MUN ICÍPIO

BRASILEIRO

A construção do território envolve representações, discursos, consciências. A

Geopolítica nada mais é do que a fundamentação dos desígnios do ator mais

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poderoso neste jogo: o Estado. Portanto, o território pode e será utilizado como um

caminho para analisarmos a formação histórica do município.

O Município brasileiro como unidade político-administrativa tem origem no

modelo da República Romana. Os Romanos, ao expandir seus domínios, impunham

as Regiões conquistadas uma forma de governo instituído por unidades Político-

administrativas, os vencidos deviam obediência às leis Romanas. O Senado que era

o órgão máximo da República controlava toda a administração, as finanças, além de

decidir pela guerra ou pela paz, no caso de revolta ou de desobediência dos povos

dominados.

Cada município era uma unidade-administrativa. Para que o município ou a

unidade administrativa fosse considerado um confederado ou aliado, deveria obter do

Senado alguns privilégios em troca de sua sujeição e fiel obediência as Leis romanas

como:

“O direito de contrair matrimônio (jus connubium), ao comércio (jus commercium) e à eleição de governantes para suas cidades (jus suffragii). Se obtivesse todos estes privilégios, o Município era tido como aliado ou confederado (foederata), gozando da maior autonomia que o Senado concedia, em relação ao direito romano (jus italicum); os que não tinham todos estes privilégios também não tinham direito a voto (municipia coeritas = municípios cujos cidadãos eram privados do voto)”. (IBAM, 2005).

O município confederado ou aliado que obtivesse essas vantagens gozava de

maior autonomia, pois estaria de acordo com as Leis Romanas que o Senado

pregava.

“A administração de uma Cidade/Município era exercida: (a) por um colegiado, composto de dois (duumviri juridicundo) ou quatro (quatuorviri juridicundo) magistrados, com plenos poderes, especialmente o de justiça; (b) pelos edis, ou servidores auxiliares, encarregados do setor administrativo e de polícia; (c) pelo questor ou exator, encarregado da arrecadação de tributos; (d) pelo curador (curator), ou fiscal dos negócios públicos; (e) pelo defensor da cidade (defensor civitatis); (f) pelos notários (actuaria) e (g) pelos escribas, ou copistas dos documentos públicos. Todos os servidores eram auxiliares do colegiado”.

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“A legislação local (editus) provinha de um Conselho Municipal (Curia ou Ordo Decuriorum), formado de cidadãos escolhidos periodicamente (de cinco em cinco anos) e com funções semelhantes às do Senado”. (IBAM, 2005).

Até chegar ao Brasil o modelo de município inspirado nos romanos recebeu

algumas influências, como a dos bárbaros que ao retomarem seus territórios e com o

passar do tempo à lei municipal sofreu mudanças promovidas por conquistadores e

por próprias características. Os Árabes e Visigodos introduziram nas então chamadas

comunas (Municípios): o pagamento de tributos e criaram cargos como o de oficial de

justiça, vereador e inspetor de pesos e medidas. Com as modificações sofridas no

decorrer do tempo, modelo de município que chega ao Brasil exerce

simultaneamente, funções administrativas, policiais e judiciais.

Em Portugal durante a luta contra o islã, na Guerra de Reconquista além do

aspecto militar, a centralização do poder da Coroa se escorava nas formas de

ocupação do espaço. Essa luta resultou na aquisição do fundo territorial, que era

distribuído pelo rei por meio da “carta de doação de terras”, sendo os beneficiários as

classes senhoriais, o clero, a nobreza, e a própria coroa a quem cabia um quinto das

terras libertadas.

Mais tarde nas tentativas de colonização, Portugal empreendeu nas Ilhas da

Madeira 1418, dos Açores 1427, e de cabo Verde 1456 uma ocupação de fato,

utilizando o sistema (derivado da Reconquista) das capitanias hereditárias, com

doações da coroa aos envolvidos na empresa marítima.

Vemos desse modo, que a noção de município que chega ao Brasil tem

origem no modelo da República Romana que o impôs às regiões conquistadas, como

a Península Ibérica de onde, naturalmente, chegou ao Brasil-Colônia. Mas, com toda

carga histórica, temporal, espacial e territorial.

4. O MUNICÍPIO NO BRASIL COLÔNIA

O intuito geopolítico da implantação do sistema de capitanias no Brasil

transparece a relação estabelecida entre o rei e o donatário, onde este é definido

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como o ocupante da terra por graça real, terra que não sai do domínio do soberano.

Devemos observar que nessa relação havia um móvel mercantil que a tudo presidia e

que os donatários eram membros da nobreza, militares ou funcionários envolvidos

com negócios ultramarinos.

Para o donatário a efetivação da terra recebida passava pela criação de uma

estrutura produtiva em sua área de lavouras de gêneros tropicais.

O primeiro instrumento político administrativo territorial implantado no Brasil

foi à divisão do território em Capitanias Hereditárias, primeiro grande passo á

colonização efetiva do Brasil.

O sistema político já era conhecido de Portugal, que o havia aplicado com

relativo sucesso nas Ilhas Atlânticas (Açores e Madeira) onde havia se desenvolvido

o plantio da cana-de-açúcar.

O sistema de Capitanias Hereditárias era regulado por dois instrumentos

Jurídicos que definiam os direitos e os deveres dos donatários (administrador da

Capitania), a Carta de Doação e o Foral.

A Carta de Doação era um documento que comprovava que uma ou mais

Capitanias tinham sido doadas ao donatário, bem como sua administração, rendas e

o poder legal para interpretar e ministrar a lei. O Foral estabelecia os direitos e os

deveres dos donatários. Um dos deveres era promover a prosperidade da Capitania

em beneficio próprio e em especial da Coroa. Além de conceder sesmarias, que era

uma propriedade privada e diferentemente da Capitania que era Hereditária o

sesmeiro podia vendê-la.

O donatário podia fundar vilas, povoações, criar instrumentos administrativos

jurídicos, civis e criminais para regê-las, podia julgar e condenar inclusive a morte,

exceto os protegidos da Coroa.

A fundação da Vila São Vicente é o ato pioneiro na instalação do aparelho

administrativo na colônia, Cigolini confirma ao relatar que “Martim Afonso de Souza,

na Capitania de São Vicente, fundou a primeira vila, no ano de 1534, nascendo entre

nós o município. Assim o poder local antes de ser obra do estado, surgiu no Brasil

como obra da necessidade privada”. (CIGOLINI, 1999, p. 8-9)

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Os municípios brasileiros mesmo subjugados pelo excesso de autoridade e

soberania assumido pelos donatários em suas Capitanias, que se chocava com a

autoridade do poder Monárquico, sempre buscaram autonomia e independência

administrativa através de suas câmaras. Algumas tentativas tiveram êxito,

desafiando a Coroa. Com a criação de novas vilas levantavam o pelourinho e

escolhiam seus administradores. Campos, Parati e Pindamonhangaba são exemplos

da força e determinação do povo, no século XVII.

O Governo Geral, de 1548, é a tentativa de centralizar o poder e a

administração pública todo nas mãos do Governador Geral. Para que a Coroa

portuguesa tivesse mais controle, esse sistema duraria até 1808, apesar de a partir

de 1720 os Governadores passarem a ser chamado de Vice-Reis. Por esse

Regimento competia ao Governador geral inúmeras funções como fundar vilas e

povoações, explorar e descobrir terras no sertão e outras.

Portanto, a instituição do governo geral viria no sentido de reforçar uma

formação já em movimento de colônias agrícolas, cuja viabilidade começava a ter

maior segurança. Dessa maneira, não se trata de uma alteração radical dos rumos da

geopolítica portuguesa para a colônia, mas de uma medida que visava expandir e

sedimentar o processo de instalação e domínio. Isso pode ser percebido porque o

governador geral era essencialmente militar, tendo sua jurisdição de sobrepor-se aos

direitos dos donatários.

“A formação de vilas passou a ser incentivada como forma de garantir a

colonização” (CIGOLINI, 1999, p. 8) e enfraquecer o poder dos donatários.

“Essas vilas e cidades possuíam Estatutos jurídicos que disciplinavam seu

funcionamento. Esses Estatutos feitos pela Coroa Portuguesa” (CIGOLINI, 1999, p. 8)

chamavam-se Ordenações Afonsinas, Manuelinas e Filipinas, que regendo Portugal,

governaram o Brasil desde o seu descobrimento até a independência. O modelo era

semelhante ao Português, com as mesmas atribuições políticas, administrativas e

judiciais. Desse modo, no Brasil os municípios tinham segundo CIGOLINI, “um

presidente, três vereadores, um procurador, dois almotacés (inspetor de pesos e

medidas, responsável por taxar mercadorias), um escrivão, um juiz de fora vitalício e

dois juizes comuns, eleitos com os vereadores”.

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“as ordenações Afonsinas (1446) que estabeleceram as eleições para juizes e vereadores nas câmaras municipais”; “As ordenações Manuelinas (1521) mantinham as regras já estabelecidas pelas ordenações afonsinas”; “As ordenações Filipinas (1603) que fixavam as atribuições gerais dos municípios e um sistema de eleições para os oficiais das câmaras” (CIGOLINI, 1999, p. 8-9).

Essas ordenações eram válidas tanto para a metrópole quanto para as

colônias e, se em Portugal conseguiram regulamentar as funções municipais, isto não

se verificou no Brasil.

Em toda a história do Brasil Colônia o poder estava concentrado nas mãos

dos grandes proprietários de terra, a classe senhorial latifundiária dominante, mesmo

com a existência do Governador Geral (figura 1).

FIGURA 1: Organograma administrativo da Colônia até o séc. XVIII.

FONTE: Organizado pelo autor, a partir das informações do livro, História do Brasil.

Francisco de Assis Silva, 1992

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Essa classe dominava a vida política, social, econômica e cultural da colônia,

sendo seus interesses representados e difundidos pelas Câmaras Municipais que

decidiam sobre a administração dos Municípios, impostos, salários, abastecimento a

guerra e a paz com os índios.

A elite local que assumia o controle dos órgãos políticos locais escolhia os

vereadores entre os homens bons do lugar, isto é, membros dela própria, “homens

bons” eram todos aqueles com projeção social e riqueza advinda da exploração do

trabalho escravo indígena ou negro.

5. O MUNICÍPIO NO BRASIL IMPERIAL

No período Imperial as câmaras perderam suas funções políticas financeiras.

O Império inspirado na legislação napoleônica de 1804 transformou as Câmaras

municipais em corporações meramente administrativas.

É como registro do poder e da crescente autonomia dessas Câmaras que o

projeto da Constituição de 1824 lhes foi submetido. Infelizmente, o período imperial

foi de trágica restrição da ação das Câmaras Municipais, que perderam funções

políticas e financeiras, embora seu Presidente exercesse funções executivas (sob

protestos e denúncias de políticos e estadistas).

Os Municípios pela Lei Regulamentar de 1º de outubro de 1828 “passaram a

ser tutelados, perdendo as funções judicantes, que lhes dera prestígio e poder no

período colonial. Pode-se dizer que o Império congelou as instituições municipais,

impedindo-lhes a dinâmica e a ação e reduzindo-as ao imobilismo e à apatia”. (IBAM,

2005).

Essa centralização segundo (CIGOLINI, 1999, p. 13), “ocorreu tendo em vista

que a Coroa, estando mais próxima e melhor aparelhada, conseguiu estender sua

autoridade sobre o território nacional com mais eficiência”.

Essa morbidez dos municípios imposta nesse período terá reflexos na

Republica Velha, onde esse recorte espacial vai ser manipulado pelas oligarquias

Estaduais. Sem forças e com os poderes concentrados nas mãos dos “caciques” ou

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chefes políticos, os municípios tornam-se frágeis, facilmente manipulados para

perpetuarem o poder das oligarquias.

6. O MUNICÍPIO NA REPÚBLICA VELHA (1889-1930)

A morbidez imposta aos municípios pelo Império vai servir na República como

objeto de manipulação por parte das oligarquias estaduais. Sem forças e com

poderes concentrados nas mãos dos “caciques” ou chefes políticos, os municípios

tornam-se frágeis e facilmente manipuláveis para perpetuarem o poder das

oligarquias.

Tamanho era o desinteresse pelo Estado que a primeira constituição da

República só lhe dedica o art. 68, que diz: “os Estados se organizarão de forma que

fique assegurada a autonomia dos municípios, em tudo que diga respeito ao seu

peculiar interesse”. (IBAM, 2005). No entanto, sem diretriz clara o município ficou

atrelado aos interesses do Estado como: Organizar as instituições municipais; definir

a competência destas instituições; definir a composição do governo; definir os tipos

de controle que exerceria sobre o Município; nomear o Chefe do Poder Executivo

(apenas em 8 Estados era eleito); denominar o Chefe do Executivo: em alguns, era

Prefeito, noutros, Intendente e, ainda noutros, Presidente Municipal; sem exceção,

manipular as finanças municipais. (IBAM, 2005).

Isto propiciou numerosas intervenções do Estado em seus Municípios. “O

abuso e a arbitrariedade só foram estancados pela reforma constitucional de 1926, ao

conceder à União o direito de intervir nos Estados para proteger a autonomia

municipal, também reforçada graças aos movimentos políticos dos anos 20,

conhecidos como "tenentismo", que levaram à Revolução de 30. Entre as metas

revolucionárias, estava a redução do poder do estado e o fortalecimento da União e

dos Municípios, tirando – os dos excessos do controle estadual.” (IBAM, 2005).

Mas os municípios não obtiveram autonomia, ao contrário, com o fim dos

órgãos legislativos no país houve maior centralização. Interventores foram nomeados

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para os Estados o chefe do executivo, nesse contexto, passa a ser o prefeito nos

municípios.

Mesmo com a adoção do sistema federalista após a declaração da república,

que tem como princípio a descentralização política em oposição ao modelo

centralizador imperial, os municípios continuaram sem autonomia.

Logo, que assumiu o poder, Getulio Vargas dissolveu o Congresso Nacional,

as Assembléias Estaduais e as Câmaras. A razão da centralização do poder no

governo Vargas “era a proposição do Estado novo de desmontar a máquina da

República Velha, sustentada pelas oligarquias, cujo reduto estava nos municípios”

(IBAM, 2005).

7. DA CONSTITUIÇÃO DE 1946 A 1964

A Constituição Municipalista promulgada em 1946 demonstrava grande

preocupação pelo restabelecimento da democracia local e fortalecimento dos poderes

municipais. Essa constituinte faz com que o município tenha mais autonomia diante

dos Estados e da União.

A nova feição municipal pode ser resumida assim: é uma das três divisões

político-administrativas do País, junto com a União e os Estados; seus Prefeitos e

Vereadores serão eleitos pelo povo; mantém, como privativo, cinco imposto; podem

cobrar taxas por serviços prestados e contribuições de melhoria; as intervenções

municipais (extremamente livres, até então) só podem ocorrer, agora, sob duas

condições: atraso no pagamento de dívida fundada ou de empréstimo garantido pelo

Estado. (IBAM, 2005).

Durante a regência da constituição de 1946 o Brasil teve o maior número de

municípios criado na história, ou seja, o território foi intensamente partilhado.

“Uma causa da onda emancipacionista que se verifica no Brasil, a partir da década de 1940 está no sistema de tributos partilhados, o qual favorece, sobretudo os

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municípios mais pobres, através do FPM3 Quando foi introduzido pela constituição de 1946, as cotas eram iguais para todos os municípios. Assim os governos estaduais estimulavam a criação de novos municípios para atrair mais recursos do governo federal para seu Estado” (MELLO, 1992, p. 26)4.

Segundo o Instituto Brasileiro de Administração Municipal:

“A falsa visão de que poderiam arrecadar mais recursos federais, por conta das cotas do imposto de renda que a União restitui os municípios onde é arrecadado, brotaram municípios em todos os Estados em proporções evidentemente alarmantes, evidenciando a falta de critério, e como era de se esperar, o inverso dos benefícios esperados. Todos os Estados o fizeram, mas há que se destacar o exemplo de São Paulo, Minas Gerais, Ceará, e Paraná. O Estado do Amazonas, por exemplo, que tinha 44 em pouco tempo passou a ter 296 municípios”. (IBAM, 2005).

Podemos perceber com o confronto das duas citações que o que interessava

para o Estado era aumentar a arrecadação com recursos federais. A vontade da

população não contava, mesmo sendo ela a maior interessada e a que mais sentia

com o processo de fragmentação.

Os municípios passaram a ter maior autonomia política quando o movimento

municipalista, que teve como fonte inspiradora o Instituto Brasileiro de Geografia e

Estatística e o reforço e apoio da Associação Brasileira dos municípios - ABM,

conseguiram aos poucos maior autonomia financeira e passaram a ter o direito de

eleger seus prefeitos, não mais sendo nomeados. O último município a conquistar o

direito de eleger seu prefeito foi São Luiz no Estado do Maranhão.

Com o golpe de 64, houve a extinção de vários municípios. Em 1963 estes

eram em torno de 4.235. Em 1965 esse valor era de 3.957. Essa queda no número

de municípios se deveu ao fato de que:

3 Fundo de participação dos Municípios. 4 citado por CIGOLINI, 1999, p.17.

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“Surgiram centenas de municípios – fantasmas verdadeiras ficções do ponto de vista econômico, sociológico, administrativo e até geográfico, pois muitos nem divisas delimitadas possuíam. No Estado do Amazonas, a sede de um desses municípios, localizada próximo de Manaus, era o “flutuante” do prefeito, que simplesmente desancorou o seu barco, desfazendo-se assim, o único vestígio organizacional daquela ficção ou melhor, daquela farsa – quando o mesmo soube do ato de extinção do município. (MELLO, 1971,p. 29)5.

Esses abusos praticados como a criação de municípios fantasmas justificava

as medidas tomadas pelo governo militar que controlava o surgimento de municípios.

Devido às regras rígidas para a criação de novos municípios impostas pela

Lei complementar nº 1 de 1967, “entre 1970/88, foram instalados 226 municípios.

Após sua prescrição, somente entre 1989-90, criavam-se outros 314 municípios”

(MOURA e ULTRAMARI, 1994, p.83).

8. O MUNICIPIO NA CANSTITUIÇÃO DE 1988

Diferentemente da Lei complementar nº 1 de 1967, onde a União tem o direito

de ditar as regras quanto à área a ser emancipada “A constituição de 1988 repassa

aos Estados a competência quanto aos critérios de desmembramentos e dispõe

sobre a realização de plebiscito por parte dos eleitores da área a ser emancipada”.

(MOURA e ULTRAMARI, 1994, p.84).

A constituição de 1988 introduziu mudanças importantes: os municípios

tornaram-se de grande importância, “são considerados na atualidade entes

federativos, ou seja, integrantes da União e não resultantes apenas da

descentralização administrativa”.(CIGOLINI, 1999, p.19).

Dentre as mudanças realizadas pela constituição com relação aos

municípios, destaca-se:

5 Citado por CIGOLINI, 1999, p. 17.

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“A presença de associações comunitárias, como as de bairros, unidades de vizinhança, distritos ou usuários de determinados serviços, como associações de pais e alunos, quando bem organizado e enquanto se mantiverem livres da manipulação política, representam um dos mais eficazes instrumentos do exercício da cidadania e da participação comunitária... outra forma de participação popular nos governos municipais que vem sendo praticada em muitos municípios é os orçamentos participativos, cujo projeto é discutido com vários setores da sociedade para a definição das prioridades, muitas delas não constantes no projeto”.(IBAM, 2005).

A Constituição de 1988 caminhou nessa direção. Nela consta que os

municípios têm: Autonomia política: direito de governo próprio; Autonomia jurídica:

direito de fazer as suas próprias leis; Autonomia financeira: direito de recolher

impostos municipais.

A partir dessa constituição, além do Estado obter autonomia política e

administrativa, a sociedade tem chances de participar ativamente da melhoria dos

serviços municipais, bem como fiscalizá-los.

O poder de legislar sobre a criação de novos municípios é resguardado ao

Estado, em respeito as diferentes características neles inerentes e pelo fato de ser o

seu território o produto da fragmentação.

Dessa maneira, com os Estados definindo as regras para a emancipação,

surge novamente um acréscimo do número de municípios. De 1989 a 1990 foram

instalados 314 novos municípios.

A partir de 1996 o governo Federal estabelece novas regras para a criação de

municípios, por meio da emenda constitucional número 15. Os novos

desmembramentos continuavam sendo de responsabilidade dos Estados, porém

teriam de obedecer a regras tais como: Consulta à população do município que

deseja emancipar-se, bem como do município que ainda faz parte; Divulgação de

estudos para estabelecer se essa fragmentação será vantajosa.

Essas novas regras diminuíram o processo de fragmentação territorial, pois:

“As causas comumente apontadas como motivadoras de parcelamentos de municípios e amplamente utilizados nas

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justificativas dos processos emancipatórios contém em sua aparência aspectos tecnicamente sustentados, mas ao mesmo tempo, interesses meramente demagógicos em sua essência” (MOURA e ULTRAMARI, 1994, p.87).

A partir disso, podemos dizer que as novas regras para o estabelecimento de

novos municípios são salutares, pois é necessário existir mecanismos de controle na

formação de municípios, para que políticos não façam uso de políticas populistas e

demagógicas para formação de pequenos redutos de governo.

Assim, defende-se aqui um estudo apurado de cada caso, com a participação

da população, no intuito de impedir um desmembrando que prejudique o município

criado.

A defesa de uma lei rígida na formação de municípios, não está ligada a um

discurso antidemocrático, ao contrário, é para que isso não ocorra, por isso, todos os

atos da fragmentação de um município devem passar pelo conhecimento, pela

participação e pela aprovação ou reprovação do maior interessado que é a população

residente no local a ser emancipado.

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9. CONCLUSÃO

Como podemos perceber essa entidade político administrativa não é produto

de uma criação recente, mas de uma transformação que se iniciou com os romanos e

passou por vários períodos históricos e políticos até estruturar-se no modo que

conhecemos hoje.

No Brasil essa entidade administrativa chegou com toda a carga histórica,

política e ideológica acumulada pelos ibéricos. Teve como berço o Império Romano,

sendo modificado pelos Árabes e Visigodos que introduziram o pagamento de tributos

pelos municípios.

As Capitanias Hereditárias foram o primeiro instrumento político

administrativo implantado no Brasil. Essa divisão do território foi o primeiro grande

passo à colonização efetiva do Brasil, que fracassou, com exceção das capitanias de

Pernambuco e São Vicente.

Para unificar a administração e centralizar o poder político foi criado, em

1548, o Governo Geral incentivando a formação de vilas como forma de garantir a

colonização e fazer frente aos donatários enfraquecendo seu poder.

No período imperial foi restringida a ação das Câmaras Municipais, que

perderam suas funções políticas e financeiras, fazendo das câmaras organismos

administrativos. Essa restrição da autonomia dos municípios no período Imperial se

refletiu até a Revolução de 30, sendo manipulados por parte das oligarquias

estaduais. A dissolução de todos os poderes realizados por Getúlio Vargas e a

implantação da constituição de 1934 afirma a autonomia municipal. Mas, sua

trajetória até os dias de hoje sofreu oscilações de ganho e perda de poder, como

podemos perceber com a criação dos municípios em território brasileiro de 1940 a

2000.

“Em 1940, havia 1.574 municípios e em 1950, já totalizavam 1.889 unidades. Entre 1950 e 1960 foram criados 877 e, somente entre 1960 e 1963 criaram-se mais 1.469 municípios totalizando 4.234 unidades....No ano de 1964 com a ruptura constitucional ocorre um

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decréscimo do número de municípios no Brasil. No final de 1963 o número de municípios era de 4.235 e, no final de 1965, diminuiu para 3.957. de 1970 a 1980 somente 40 municípios foram criados. A pequena quantidade de emancipações deve-se ao estabelecimento da Emenda constitucional 01 de 1967, regras rígidas para a criação de novos municípios. Na década de 1980 o processo de fragmentação é retomado e, em 1988, 186 novos municípios foram criados em todo território brasileiro. No ano de 1991, já havia 4.491 municípios devido ao repasse para os Estados a competência de legislar sobre a emancipação municipal. Somente entre 1993 e 1997 a malha municipal teve um acréscimo de 1.016 novos municípios, totalizando atualmente, 5507 municípios”. (CIGOLINI,1999, p.16-20).

As causas que podemos apontar como agentes motivadores para se realizar

a criação de um novo município contém aspectos sustentáveis, mas o que vem a

tona com o decorrer do tempo e pode ser sentido e visualizado é o interesse

meramente demagógico em sua essência.

No Brasil a criação de municípios é gerada pela criação do sistema de

tributos, o qual favorece os municípios mais pobres, através do Fundo de

Participação Municipal. Introduzido na Constituição de 1946, todos os municípios

recebiam cotas iguais. Esse fato, faz com que, os estados apóiem a criação de novos

municípios, que na verdade podem ser classificados como “redutos políticos” com a

intenção de atrair mais recursos do governo federal para o estado.

Esses recursos recebidos do governo federal através do fundo de

participação municipal, com a criação de uma nova unidade administrativa, poucas

vezes ou nenhuma era investido nessa nova unidade. O que se pôde assistir, foi o

surgimento de centenas de municípios fantasmas como retratado no decorrer do

texto, onde a sede de um dos municípios, próximo de Manaus, era o “flutuante do

Prefeito”, que ao saber da extinção do município simplesmente desancorou seu barco

(MELLO,1971,p .29).

Com a Lei Complementar nº 62, de 28 de dezembro de 1989 “Um novo

município, mesmo incluído no menor coeficiente do FPM, irá receber uma quantia

suficiente para a instalação da Prefeitura e da Câmara Municipal, para a sua

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manutenção, bem como para a prestação de alguns serviços” (MOURA e

ULTRAMARI, 1994, p.84).

Apenas com a constituição de 1988, o município tornou-se de grande

importância, considerados entes federativos, integrantes da União e não resultantes

apenas da descentralização administrativa. Nas constituições anteriores os

municípios não tinham liberdade de elaborar suas próprias leis. Os governos

estaduais faziam um conjunto de leis que serviam para todos os municípios do

Estado.

A constituição de 1988 mudou isso. Cada município desde então, passou a

elaborar suas leis básicas. O conjunto destas são chamadas de Lei Orgânica do

Município. Ela regula questões como: horário do comércio, questões ambientais,

abertura de bairros, normas dos transportes coletivos entre outros.

A partir desse cenário as pessoas foram percebendo a enorme influência que

a política tem sobre as nossas vidas e passaram a querer participar mais da política

através de partidos políticos, organizações populares (sociedades de amigos,

associação de moradores entre outros) e movimentos populares (movimento pela

educação, movimento dos trabalhadores sem terra).

De toda essa trajetória política do município, recorte espacial onde ocorrem

as relações de poder a população aprendeu a realizar o diálogo entre os governantes

e grupos organizados da população a respeito dos custos e da importância das

medidas a serem tomadas nesse espaço de acordo com o interesse da população.

Com a participação da população e a criação de novas regras através da emenda

constitucional nº 15 de 1996, o abuso da fragmentação, que atendia muitas vezes o

desejo político de arrecadar recursos federais no sistema de tributos (1946) em

beneficio próprio e para criação de redutos políticos (muito ocorrido no Brasil). Tem

menos chance de ocorrer se houver uma participação ativa e democrática da

população.

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RESUMO Este trabalho pretende discutir e examinar o processo de formação histórica e política do município, para entendermos sua trajetória, suas variações funcionais e a situação atual. Para isso, foi necessário fazer um resgate sobre a origem, com a intenção de compreender suas mudanças promovidas pelos momentos históricos. Remetemo-nos aos romanos, visigodos e árabes, passando pelos portugueses até chegarmos no memento da instalação do município no Brasil. Mesmo tendo chego com toda carga histórica e política, ainda passou por modificações, para adaptar-se ao território brasileiro. O problema é que as diferentes concepções políticas refletiam-se até mesmo nas constituições, que ora concediam, ora retiravam o poder dos municípios. Encerramos com a situação atual do município brasileiro.

Palavras chave: município, território, região, limite, autonomia, governo.

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