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AS DONAS DA
HISTÓRIA Capítulo 53.
Novela de Renan Fernandes.
Escrita por Renan Fernandes.
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AS DONAS DA HISTÓRIA CAPÍTULO 53
CENA 1. PENITENCIÁRIA ESTADUAL DE PIRAQUARA. EXT. DIA.
Retrospectiva da última cena do capítulo anterior.
Música de suspense. Constantinopla surge de táxi no local e, ao descer, nota
a estrutura da fachada da penitenciária, a qual se situa perto de uma represa.
Após ficar um tempo parada, ela decide entrar no local.
CENA 2. PENITENCIÁRIA ESTADUAL DE PIRAQUARA. CORREDORES.
INT. DIA.
No mesmo clima de tensão da cena anterior, Constantinopla agora se encontra
andando pelos corredores gradeados que a conduzirão para o pátio em que
estão os detentos, sejam presos provisórios como Antônio, sejam condenados.
Assim, quando chega à porta de ferro que a leva ao pátio, um agente
penitenciário abre para a mesma entrar. Por fim, Constantinopla caminha
comedidamente e nota Antônio de costas para ela, conversando com Codinome
e alguns outros detentos.
CONSTANTINOPLA — Meu filho. Que bom te reencontrar.
Surpreso, Antônio vira em direção a ela e não demonstra nenhuma reação. Por
sinal, dá para notar uma fina expressão de ironia no seu sorriso discreto.
ANTÔNIO — Que surpresa é essa agora, minha mãe? Justo
você, que tem verdadeira aversão por cadeia.
CONSTANTINOPLA — É uma mistura de saudade e desespero que me
trouxe aqui. Eu preciso muito de você.
Principalmente, de dinheiro. A minha situação não
tá mais fácil do que a sua. Está até pior. Ajude a sua
mãe, meu querido. Eu te peço.
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AS DONAS DA HISTÓRIA CAPÍTULO 53
ABERTURA DO ENREDO
Tema: UNDER PRESSURE-QUEEN.
CENA 3. PENITENCIÁRIA ESTADUAL DE PIRAQUARA. PÁTIO DE
VISITAS. INT. DIA.
Continuação imediata da última cena do capítulo anterior.
Clima tenso. Ainda com a mesma expressão de ironia, Antônio observa os seus
colegas de cárcere, dá uma olhada de soslaio para a sua mãe e nota que ela
está com uma sacola de compras nas duas mãos.
ANTÔNIO — (irônico) A sua vida tá tão complicada e, mesmo
assim, você ainda tem a extravagância de fazer
compras pro seu querido filho?
CONSTANTINOPLA — Não está ainda em estado de calamidade pública.
Mas está prestes a se tornar, sim, uma condição
insustentável. Quanto a essas compras, eu sei muito
bem como é difícil sobreviver com a marmita
fornecida pelo Estado. Esse Poder Executivo, hein?
Não sabe nem lidar com os seus presidiários de uma
maneira decente.
Todos os presos acham graça das críticas ferinas de Constantinopla.
Inclusive, Antônio.
ANTÔNIO — Bom, pessoal. A gente se vê depois, quando for
possível. Agora eu vou conversar com a minha mãe
num lugar mais sossegado.
CODINOME — Pode ir, parceiro. Depois a gente conversa sobre
aquela “treta” que eu te passei.
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AS DONAS DA HISTÓRIA CAPÍTULO 53
Você sabe que tá procedendo aqui a chance quase
certa de rolar uma rebelião de duas facções rivais.
Som de suspense. Constantinopla fica bastante assustada, porém se contém
ao ver a reação natural e frívola de seu filho.
ANTÔNIO — Claro, tô sabendo, sim. É bom mesmo a gente
conversar sobre isso e tomar alguma atitude. Então
é isso! (p/Constantinopla) Vamos lá naquela
mesinha, mãe.
Antônio indica o local, situado nos fundos do pátio. Constantinopla apenas
acena com a cabeça e segue o seu filho.
CENA 4. CURITIBA. AGÊNCIA VITAL. SALA DE GENE. INT. TARDE.
Gene e Cláudia continuam dialogando sobre a proposta dela, de patrocinar o
ateliê de sua mãe, Jaqueline, e de Renée.
GENE — Bom, Cláudia. A verdade é que nós só poderíamos
cogitar a hipótese de patrocinar o ateliê da dona
Jaqueline com a anuência do Guilherme. Caso
contrário, nada feito.
CLÁUDIA — É, você tem razão. Bom, eu até fico sem jeito de
falar diretamente a ele. Até porque, eu realmente
sou muito leiga em questões que envolvem contratos
e obrigações. Não é à toa que já fui achando, de
maneira prepotente, que poderia, de um jeito tão
simples, propor isso a você.
GENE — Mas não se preocupe. O que você me propôs não
foi nada inusitado ou inviável.
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AS DONAS DA HISTÓRIA CAPÍTULO 53
Com certeza, se eu conversar com o Guilherme, ele
vai compreender a problemática. Inclusive, vou ligar
pra ele agora.
CLÁUDIA — Que ótimo.
Corte descontínuo. Minutos depois, Guilherme bate a porta e entra. Ele fica
mexido ao notar Cláudia sentada na cadeira de visitante, porém foca em Gene.
GUILHERME — Muito bem, Gene. Você me deu uma ideia prévia
do que poderia ser essa proposta da Cláudia. E, pra
te falar a verdade, eu achei bem promissora.
CLÁUDIA — Eu espero que você não julgue que eu esteja
sendo muito folgada.
GUILHERME — Folgada, não. Achei você bastante decidida. Eu
não vejo problema algum em patrocinar o ateliê da
sua mãe e, com isso, ressaltar a campanha
publicitária da minha empresa. Eu tenho certeza de
que, em matéria de business, a tendência é nós
estarmos no caminho certo do sucesso.
Cláudia fica empolgada e se levanta da cadeira para cumprimentar Guilherme.
Ele compreende ser isso uma aceitação tácita de que ambos acabaram de
firmar um acordo. Gene observa tudo, contente.
GENE — Excelente. Problema resolvido, Cláudia.
CLÁUDIA — Maravilha.
CENA 5. PENITENCIÁRIA ESTADUAL DE PIRAQUARA. PÁTIO. INT.
DIA.
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Música de suspense. Após alguns minutos, Antônio e Constantinopla se
direcionaram até a mesinha situada no canto do pátio de visitas da
penitenciária. As sacolas de compras estão em cima do objeto, entre os dois,
que se encaram de maneira constrangida e, ao mesmo tempo, apreensiva.
ANTÔNIO — (mexe nas sacolas) Eu realmente não esperava
uma atitude dessas vinda de você. Ainda mais por
saber do seu jeito, sempre frio, debochado. Mas eu
tiro o meu chapéu. Você me surpreendeu
positivamente. Vamos ver se tanta generosidade
assim é desprovida de qualquer interesse.
CONSTANTINOPLA — (aproxima-se) Meu filho! Eu só não te visitei
antes porque, além de não saber onde você seria
julgado, eu também estava muito nervosa. Muitos
acontecimentos marcaram a minha vida nesses
últimos tempos. Até agora, eu ainda estou tentando
assimilar essa virada do avesso do destino.
ANTÔNIO — A sua vida continua sendo a mesma porcaria!
Sempre fugindo do seu passado, dos seus crimes.
Por isso, é melhor que você não venha querer me
incomodar com as suas lamentações gratuitas. Você
sabe muito bem se virar sozinha.
CONSTANTINOPLA — É aí que você se engana. Nessa situação atual,
duvido muito que eu consiga me sobressair sem o
seu aparato, meu filho. (pega a mãe dele) Você
acredita que até a Malu me extorquiu, pegando um
dinheiro que eu tinha guardado no apart?
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AS DONAS DA HISTÓRIA CAPÍTULO 53
Antônio fica chocado e, mecanicamente, afasta-se de sua mãe.
ANTÔNIO — Como assim? Qual seria o interesse da Malu em
querer a bolada da clínica Arcádia?
CONSTANTINOPLA — Interesse em atingir todos que a enganaram. Por
uma coincidência trágica, a Malu conheceu a Taís,
aquela garota que quase me botou na cadeia e por
quem você nutre essa curiosidade de adolescente,
por achá-la parecida com a Letícia. Parece que
nasceu uma amizade muito forte entre as duas. Com
certeza, a Taís desabafou os problemas dela pra
Malu, que tomou as dores da nova amiga de infância
e teve a ousadia de me ameaçar. A Malu chegou ao
ponto de mirar um revólver contra mim.
ANTÔNIO — Caramba! Como a Malu mudou, meu Deus! Quer
dizer, eu não me surpreendo se toda essa avalanche
de revelações fez com que ela se mostrasse como
realmente sempre foi: uma pessoa impulsiva, cheia
de ódio e nem um pouco tolerante.
CONSTANTINOPLA — E isso fez com que eu ficasse à míngua, contando
com a minha obstinação de sobreviver nessa selva
de pedra. Mas persistência não é o suficiente pra
eu reagir diante dessas dificuldades. Por isso, eu te
peço, para o nosso bem: assine uma procuração
pública, passando, temporariamente, todo o seu
patrimônio pra eu administrar.
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AS DONAS DA HISTÓRIA CAPÍTULO 53
Aqui nesse buraco é impossível você gerenciar a
própria vida. Lá fora, eu tenho mais autonomia e
posso te ajudar, também.
Antônio fica alguns instantes quieto, deixando sua mãe bastante curiosa e
angustiada. Após alguns segundos, Antônio começa a rir sem parar, deixando-
a ainda mais nervosa.
CONSTANTINOPLA — Mas o que foi, Antônio? Você acha mesmo que
isso foi uma piada?
ANTÔNIO — Eu acho que você é a pessoa mais cara de pau que
eu conheci em toda a minha vida. Você é muito pior
do que eu pensava. Meu Deus, olha o nível da sua
falta de escrúpulos, minha mãe. Você pouco tá se
importando com os meus problemas atuais. Muito
pelo contrário, pra você seria até preferível que eu
morresse logo pra você dar entrada em um
inventário e abocanhar o meu patrimônio sujo.
CONSTANTINOPLA — (ríspida) Mas Antônio, você está distorcendo o
que eu acabei de lhe dizer/
ANTÔNIO — Eu tô muito consciente não só do que você disse,
mas principalmente do que você quer! Só que a sua
audácia é incompatível com a realidade na qual você
tá inserida, Constantinopla. A sua ingenuidade
chega ao nível máximo de burrice inata! E quer
saber de uma coisa? Bem feito a Malu ter te dado
uma lição, te feito perder o controle da própria
vida. Isso com certeza não te fez aprender nada.
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AS DONAS DA HISTÓRIA CAPÍTULO 53
Porque você não tem jeito. Mas eu tô aprendendo
muito aqui nesse lugar que você carinhosamente
intitula de buraco! A minha resposta, em alto e bom
som, é não! Não vou assinar uma procuração pública,
não vou dar chance pra você depenar a minha grana
e, pode apostar, não vou mais permitir que você
venha aqui atazanar a minha vida medíocre. Porque
de mediocridade eu já estou saturado. Não preciso
de você pra me afundar ainda mais!
CONSTANTINOPLA — (quase chorando) Então isso é uma
determinação? Você não me quer mais aqui?
Neste momento, uma música de emoção começa a tocar. Antônio controla a
sua tristeza e se aproxima gradativamente de sua mãe.
ANTÔNIO — Pra bom entendedor, não é? Você sabe que o
nosso vínculo um dia tinha que acabar.
CONSTANTINOPLA — (levanta-se/seca as lágrimas) Tudo bem. Eu
esperava mesmo encontrar uma pessoa revoltada, e
cansada de viver. Mas não é justo, Antônio, não é
justo você despejar todo o seu ódio numa pessoa
que só te quer bem!
ANTÔNIO — Eu não preciso desse seu bem querer, desse seu
sentimentalismo chulo e superficial.
Por fim, Antônio também se levanta da mesa e, lá atrás, pode-se notar que os
colegas de cárcere dele observam o clima pesado, conversando entre si.
CLOSE em Antônio e Constantinopla, lado a lado.
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ANTÔNIO — Eu só preciso ter a certeza de que, um dia, esse
pesadelo que eu tô vivendo vai acabar. E que eu vou
sair daqui sem ser estigmatizado como um criminoso
qualquer, sem chance de recomeçar e, quem sabe,
de aprender a acertar!
Assim, Constantinopla olha para o chão, reflexiva, e vira de costas ao seu
filho, seguindo o rumo para a saída do pátio da penitenciária. Ela passa ao lado
dos colegas de Antônio, os quais se aproximam dele. Nervoso, Antônio senta-
se novamente na mesa e coloca as mãos sobre a cabeça. Codinome,
sensibilizado com o sofrimento do amigo, coloca as suas mãos sobre as costas
de Antônio.
CODINOME — Eu sei que é barra, Antônio. Mas tudo se ajeita.
ANTÔNIO — Entre mim e a minha mãe nada se ajeita mais. É
muito melhor que cada um siga o seu rumo. Acabou
qualquer tipo de vínculo entre a gente.
Desse modo, Antônio se levanta e abraça Codinome. CAM se afasta do local e
mostra Constantinopla surgindo perto do agente penitenciário e notando seu
filho pela última vez.
CENA 6. CURITIBA. BAR 14 BIS. INT. TARDE.
O movimento no local está fraco, por conta do horário. É muito cedo. Por isso,
Eriberto se encontra, no momento, sentado numa das mesas do barzinho e
tomando um chope juntamente com seu primo, Afonso.
ERIBERTO — (olha o relógio) A Sônia tá demorando, hein?
Justo agora, com essa novidade maravilhosa?
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AFONSO — Eu tô vendo que você tá muito apreensivo, mas
fique tranquilo. Ela já chega e aí é só comemoração.
Tinha que ser pessoalmente pra eu dar essa notícia
a ela.
ERIBERTO — Vou aguardar. E aproveitar o momento pra pegar
mais uma geladinha pra gente.
AFONSO — Opa! (levanta o copo)
Enquanto Eriberto vai pegar a bebida, do outro lado do balcão, Sônia
estaciona o carro lá fora, desce, atravessa a calçada e entra no
estabelecimento. Eriberto fica feliz da vida ao ver a sua mulher e interrompe
o que fazia. Ele corre em direção a ela e a enche de beijos.
SÔNIA — Mas quanta afobação, Eriberto! Eu realmente não
esperava. Afinal, o que tá acontecendo, Afonso, pro
seu primo tá tão animadinho assim?
AFONSO — (levanta-se/tira um documento de uma pasta)
Algo que já estava se protelando demais no tempo,
mas que graças a Deus chegou ao seu termo.
Curiosa, Sônia se desvencilha de Eriberto, abre o documento e começa a ler.
Instantes depois, ela também vibra de emoção, ao som de Say You Say Me –
Lionel Ritche.
SÔNIA — Isso é bom demais pra ser verdade. Graças a
Deus, a realidade vem se mostrando muito querida
com nós dois.
AFONSO — Exatamente, Sônia. Finalmente, o juiz expediu a
decisão do divórcio.
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AS DONAS DA HISTÓRIA CAPÍTULO 53
Nesse momento, você e o Eriberto estão livres pra
firmar a vida de vocês, sem nenhuma restrição ou
ligação com o passado.
ERIBERTO — Bom! Livre nós estamos. Agora, quando
consolidarmos o nosso compromisso...
SÔNIA — Quando a gente consolidar o nosso compromisso,
meu amor, pode apostar que vai ser uma decisão
repleta de maturidade, muito bem calculada, sem
dar margem a arrependimentos futuros. Agora nós
estamos cientes do que é amar de verdade. E isso
com certeza nos ajudará a nos respeitarmos cada
vez mais.
AFONSO — Olha que eu fico até com inveja quando vejo essa
alegria dos dois. Lógico, uma inveja branca, de
alguém que admira muito a relação de vocês.
Sônia e Eriberto se abraçam de lado e encaram Afonso com bastante euforia
e felicidade.
SÔNIA — E você, Afonso?
AFONSO — (rindo) Eu o quê?
SÔNIA — Não pense que a gente não percebeu. Eu acho que
já tá mais do que na hora de você lutar pela pessoa
que você ama.
AFONSO — Justo eu, tão fechado pra vida sentimental,
deixei tão evidente assim os meus sentimentos?
SÔNIA — Evidente você não deixou. Mas existe algo muito
presente e forte na percepção das mulheres,
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AS DONAS DA HISTÓRIA CAPÍTULO 53
e isso se chama intuição. Eu sei que você ama a
Cláudia e, pelo que eu percebi dela, também notei
uma grande afinidade e uma forte atração. Por isso,
eu te incentivo a perder essa timidez, esse seu
excesso de formalismo. Não tenha medo de se jogar
de frente. É a oportunidade de você também ser
feliz, meu querido!
AFONSO — Você tem razão. Eu vou lutar, sim, Sônia. Eu vou
conquistar a Cláudia.
ERIBERTO — (levanta um copo de chope) E assim... Todo
mundo brinda o futuro de casais apaixonados.
Os três riem da situação e fazem um brinde de confraternização.
CENA 7. CASA DE FABIANO. RUA. EXT. TARDE.
Música de suspense. Malu deixa Taís na esquina da rua onde esta reside. Estas
se despedem com um abraço apertado e, depois disso, Taís desce do veículo
com a bolsa de dinheiro que roubou de Constantinopla em mãos. Num clima de
bastante tensão, CAM acompanha os passos vagarosos e amedrontados dela,
até o instante em que abre o portão e entra na sua casa.
CENA 8. CASA DE FABIANO. SALA. INT. TARDE.
Taís abre a porta dupla da casa e somente encontra Leandrinho e Sandra
sentados no sofá. No começo, ela se mostra aliviada.
TAÍS — Só vocês estão aqui, então?
NEUSA — (off) Por quê, Taís? Tava sentindo falta da
presença da sua mãe?
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AS DONAS DA HISTÓRIA CAPÍTULO 53
Música de suspense. Tais se choca quando Neusa surge juntamente com
Raquel, dos fundos dos corredores. Por sinal, Neusa se mostra bastante
desconfiada e vai se aproximando de sua filha, que está evidentemente
amedrontada.
NEUSA — Que bolsa diferente é essa, minha filha? Posso
dar uma olhada?
Sem resposta, Taís entrega a bolsa e sua mãe a abre, ficando surpresa com o
que vê.
NEUSA — Mas o que é isso? Qual a procedência desse
dinheiro, Taís? O que você andou aprontando, posso
saber?
Som de suspense no final da cena.
CENA 9. FACHADA DO SHOPPING METRÓPOLE. EXT. TARDE.
Música com tom de emoção. Constantinopla acaba de descer a estação tubo
de um ônibus biarticulado, demonstrando abatimento e amargura. Ela, antes
de atravessar a avenida, observa a fachada do shopping Metrópole, com nítido
pensamento maquiavélico de pedir ajuda a Irineu. Quando vai atravessar a
avenida, quase é atropelada por um ciclista. Mas este se desvencilha a tempo
e Constantinopla coloca as mãos sobre o peito, aliviada. Por fim, ela volta a
fitar fixamente o shopping e entra no local.
CENA 10. SHOPPING METRÓPOLE. CORREDORES. INT. TARDE.
Constantinopla surge de uma escada rolante, nos fundos dos corredores onde
se situa a sala presidencial de Irineu.
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AS DONAS DA HISTÓRIA CAPÍTULO 53
Ela recua quando o vê conversando com outra pessoa. Mas, após alguns
instantes, ele a observa e pede licença para a pessoa com quem estava
conversando. Ele se aproxima de Constantinopla.
IRINEU — Eu não esperava a sua vinda aqui, Constantinopla.
CONSTANTINOPLA — Ah, Irineu, é um problema tão difícil o qual eu tô
passando. Tudo isso que aconteceu com o meu filho
repercutiu na minha vida de tal forma... Desculpa,
não queria te incomodar, mas... Eu precisava muito
conversar com alguém. Você me ouviria sem críticas,
sem julgamentos precipitados? É uma pessoa
desesperada que venho te procurar!
CLOSES alternados em Irineu, extremamente agitado e surpreso com o jeito
de Constantinopla, e nela, dissimulada e demonstrando uma fachada de uma
mulher que, de fato, aparenta ser uma coitada. Será que Irineu cairá na lábia
da vilã?
PRIMEIRO BREAK.
CENA 11. SHOPPING METRÓPOLE. SALA DE IRINEU. INT. TARDE.
Continuação imediata da última cena do bloco anterior.
Clima tenso. Segundos depois de Constantinopla ter a ousadia de procurar
Irineu, este, educadamente, a conduziu até a sua sala.
IRINEU — Fique à vontade, Constantinopla. Se você quiser,
eu peço uma água ou um café pra nós dois.
CONSTANTINOPLA — Imagina, meu querido. Nesse momento, eu acho
que nada desce na minha garganta.
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AS DONAS DA HISTÓRIA CAPÍTULO 53
Assim, Irineu senta na sua cadeira, fica extremamente constrangido, porém,
não deixa de se compadecer da falsa angústia de Constantinopla, que encena
tão bem que chega a curvar o corpo para baixo, numa demonstração de
inferioridade e opressão.
IRINEU — Eu sei que você não tem relação alguma com as
falcatruas do seu filho, Constantinopla, e que, de
certa forma, você pode me julgar como um traíra,
tendo em vista que sempre fui amigo do seu filho/
CONSTANTINOPLA — Calma, Irineu! Não precisa se justificar. Eu
compreendo perfeitamente a sua posição. Eu é que
demorei pra enxergar que tipo de pessoa eu criei.
E, pra uma mãe, constatar que o filho não presta, é
muito mais traumático e muito pior do que um amigo
o virar as costas. É mais do que uma traição no meu
caso, é uma prova de covardia!
Música de suspense. Irineu começa a cair na lábia profissional da vilã.
IRINEU — Não se culpe, também, Constantinopla. É errado
nós ficarmos aqui tentando minorar as maldades do
Antônio. É até mesmo errado ficar criticando uma
pessoa que já está numa pior/
CONSTANTINOPLA — Sim! Você tem razão. E é isso o que me
desespera. Eu acabei de visitar o meu filho. Ele tá
no presídio de Piraquara, no meio de muitos
psicopatas, e, até mesmo, entre facções rivais.
Fiquei desesperada quando soube. Mas ele não quis
a minha ajuda.
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AS DONAS DA HISTÓRIA CAPÍTULO 53
Chegou ao ponto de me desprezar e exigir que eu
não viesse mais o visitar. Imagina o que é isso pra
uma mãe? Ele, no meio do fogo cruzado, é claro que
eu não posso rejeitá-lo.
IRINEU — É muito complicada essa situação mesmo. Eu até
poderia fazer alguma coisa. Conversar com alguém
de lá dentro pra ajudá-lo a ficar em segurança. Mas
se isso viesse à tona, como ficaria a minha imagem?
CONSTANTINOPLA — De maneira nenhuma, eu quero jogar nas suas
costas essa responsabilidade. O Antônio
infelizmente procurou isso. Mas agora eu me
encontro numa condição de existência que mistura
medo, apreensão e desespero!
IRINEU — A sua situação financeira, como tá?
CONSTANTINOPLA — Péssima! Eu não sei nem o que fazer. Estou
desamparada. Me perdoa, Irineu. Eu não queria vir
aqui mendigar auxílio. Você é um empresário, não um
dono de ONG.
IRINEU — (coloca as mãos sobre as dela) Mas o que eu
puder fazer pra te ajudar, você pode ter certeza
de que eu faço sem pensar duas vezes. Não é
questão de mendigar e se humilhar, é questão de
constatar que você está passando por um momento
de provação, e que precisa do apoio dos amigos. Não
se preocupe.
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AS DONAS DA HISTÓRIA CAPÍTULO 53
Desamparada por mim você não estará. Ainda mais
sabendo a pessoa boa e correta que você é.
Som de suspense. Constantinopla ri mentalmente, porém disfarça o semblante
de euforia, dissimulando emoção e alívio.
CONSTANTINOPLA — Muito obrigado por tudo, meu amigo. Eu sabia que
poderia contar com você.
Ela aperta bem forte a mão dele e sorri. Irineu é recíproco com esse gesto.
CENA 12. CASA DE FABIANO. SALA. INT. TARDE.
Música de suspense. Neusa continua verificando o dinheiro contido na bolsa
suspeita trazida por Taís. No fundo do corredor, podemos notar Raquel, de
pé e com os braços cruzados, e Leandrinho e Sandra, sentados no sofá e
cochichando entre si.
TAÍS — Esse dinheiro era o restante da quantia que eu
fiquei de acertar no meu antigo emprego, na clínica
Arcádia.
NEUSA — (desconfiada) Mas tudo isso? Não faz sentido. O
seu emprego não era nenhuma maravilha, não tinha
nenhum diferencial. E, pelo que eu fiquei sabendo, a
clínica está temporariamente interditada.
TAÍS — Eu não quis comentar com você, mas eu encontrei
um amigo meu aí, que era parente de um advogado
da área do trabalho. Esse advogado me incentivou a
mover uma ação trabalhista, exigindo os meus
direitos.
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AS DONAS DA HISTÓRIA CAPÍTULO 53
Porque os funcionários foram os mais prejudicados
com essa interdição. Não podiam ficar com as mãos
abanando.
NEUSA — Nossa, mas que rapidez, hein? A justiça parece
que tá ficando mesmo mais ágil, menos toupeira. Tão
rápida quanto a apelação do Lula no TRF-4.
TAÍS — Pra você ver como são as coisas.
O clima de suspense diminui quando Raquel se intromete no assunto.
RAQUEL — Por favor, Neusa. Chega de fazer perguntas. A
Taís deve tá morrendo de fome, e aposto que nem
café foi tomar.
NEUSA — Também pudera, passou a noite fora. Mas tudo
bem, não vou perguntar mais nada. Nem onde e com
quem você passou a noite. Vamos lá, minha filha. Vou
fazer um outro cafezinho pra você.
Taís sorri aliviada.
TAÍS — Ótimo. Eu tô mesmo morrendo de fome.
Assim, Taís segue Neusa e Raquel até a cozinha. Por fim, CAM se aproxima
de Leandrinho e Sandra, que observam a movimentação, intrigados.
SANDRA — Pelo jeito a Taís tá conseguindo levar a nossa tia
na conversa numa boa.
LEANDRINHO — Eu acho que a dona Neusa cansou de se estressar.
E com a dona Raquel fazendo mediação, os conflitos
aqui em casa só tendem a diminuir.
Ambos riem e voltam a prestar atenção na televisão.
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AS DONAS DA HISTÓRIA CAPÍTULO 53
CENA 13. AGÊNCIA VITAL. FACHADA. EXT. TARDE.
Cláudia sai da agência Vital juntamente com Guilherme.
CLÁUDIA — Muito obrigada por me oferecer carona,
Guilherme. Mas eu acho que já tô abusando demais
da sua boa vontade.
GUILHERME — Com certeza, não, Cláudia. Você tem que parar
com essa mania de sempre achar que está
incomodando.
CLÁUDIA — (sorri) É a educação da gente que nos deixa,
assim, tão prudentes.
GUILHERME — Claro! Prudência nunca é demais.
Eles chegam até o carro dele.
GUILHERME — Mas nesse momento, falta de educação seria você
não aceitar a minha carona até a sua casa.
Sorrindo, Cláudia se convence e entra no veículo. Guilherme entra depois, liga
a chave de ignição e acelera.
CENA 14. RUA PEDRO IVO. EXT. TARDE.
Jaqueline e Renée se encontram, nesse momento, no alto das escadarias do
brechó Le Freak. Elas avistam Afonso estacionando o veículo lá embaixo e
acenam para ele, que retribui e sobe.
JAQUELINE — Que surpresa boa, Afonso. Ainda mais de um
advogado tão conceituado como você.
AFONSO — Tudo bem, dona Jaqueline? Na verdade, eu tava
procurando a Cláudia, ela tá por aí?
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AS DONAS DA HISTÓRIA CAPÍTULO 53
JAQUELINE — A Cláudia saiu faz tempo. Mas já deve tá
voltando. Ela tinha ido até a agência Vital pra
resolver uma pendência.
AFONSO — Então eu vou pra lá.
De maneira afobada, Afonso vai descer as escadas, mas Renée o interrompe.
RENÉE — Calma, Afonso. Fique esperando aqui com a gente.
Faz mais de duas horas que a Cláudia foi pra lá.
Como a Jaqueline disse, ela já vem.
AFONSO — Então, tá. Vocês nem liguem se eu tiver muito
afobado.
JAQUELINE — (sorri) A gente percebeu mesmo. Mas não se
acanhe, não. É algum problema no seu escritório?
AFONSO — Não, a minha vida profissional tá bem
encaminhada. O problema é outro mesmo, uma
insegurança aí.
JAQUELINE — Sei.
Jaqueline sorri disfarçadamente e olha para Renée, que entende o recado.
De chofre, CAM se afasta deles e foca no veículo de Guilherme estacionando
lá embaixo. Afonso avista Cláudia descendo juntamente com Guilherme e
demonstrando estar muito à vontade. Inclusive, ele fica bastante chateado
quando a vê abraçando o seu rival. Jaqueline e Renée logo percebem que
Afonso ficou enciumado. Por fim, Cláudia sobe as escadarias juntamente com
Guilherme e se surpreende ao ver Afonso. Este cospe fogo de raiva ao vê-la
naquela situação.
CLÁUDIA — Que surpresa boa, Afonso, tudo bem com você?
Som de suspense no final da cena.
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CENA 15. MANSÃO DE SÉRVIA. SALA. INT. TARDE.
Música triste. Malu chega ao local de supetão e surpreende Sérvia, a qual está
cabisbaixa, sentada no sofá. Elas se encaram por alguns segundos com
expressões peculiares. Malu, com um olhar de altivez e revolta. Sérvia, com
um olhar triste e compenetrado.
SÉRVIA — Não precisa achar que eu vou perguntar o que
você andou fazendo. Eu sei que não tenho o direito
de me meter na sua vida depois de tudo o que
aconteceu.
MALU — (aproxima-se) É! Não tem mesmo.
Aos poucos, Malu vai se aproximando de Sérvia e percebendo a sua expressão
descontente. Assim, ela decide deixar um pouco de lado o seu jeito resistente
e senta ao seu lado.
MALU — O que foi, agora? Essa tristeza toda sendo
encarada com sobriedade, sem nenhuma gota de
álcool na boca, é de me surpreender.
SÉRVIA — É porque eu decidi encarar a minha realidade e
parar de me ludibriar com doses de etílico. É melhor
sofrer de maneira limpa, sem nenhum filtro ou
entorpecimento.
MALU — Eu sei muito bem qual é a razão da sua tristeza,
e quem é a pessoa que permeia a sua mente e o seu
coração. Eu não posso fazer nada pra te ajudar
nisso. É claro, eu sei muito bem que eu te incentivei
a abandonar o Irineu. Peguei pesado, confesso. Mas
eu fiz o que eu achei conveniente no momento.
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AS DONAS DA HISTÓRIA CAPÍTULO 53
SÉRVIA — Você não tem culpa. A nossa relação já estava
desgastada. Ontem eu tentei me reaproximar, e ele
me fez se situar, me enxotando de uma vez.
MALU — Sei que é difícil. Mas esses homens não merecem
o nosso respeito. Sei também que, nessa história,
você só está arcando com as consequências das suas
maldades. Por mais raiva que eu sinta de você, sei
que não é fácil sofrer por conta dessas coisas.
Força é só o que eu posso te desejar.
SÉRVIA — (emocionada) Obrigada.
De chofre, Malu levanta-se, ríspida.
MALU — Mas agora... Chegou o momento de focar em
algumas pendências.
SÉRVIA — Mas o que você vai fazer, sendo que acabou de
voltar?
MALU — Lembrei que preciso procurar uma pessoa.
Justamente o próprio Irineu. Ele tem que me
esclarecer alguns pontos do contrato da agência que
foi rescindido.
SÉRVIA — Então tá. Se cuida.
MALU — (seca) Pode deixar. Não tenho hora pra voltar.
Ambas voltam a se olhar fixamente, porém, Malu ainda se mostra resistente
e magoada. Por isso, deixar de fitar Sérvia e vai embora. Esta, por sua vez,
levanta-se do sofá, fica pensativa e se aproxima de um porta retrato daquela.
Sérvia pega o retrato e o acaricia.
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AS DONAS DA HISTÓRIA CAPÍTULO 53
SÉRVIA — A gente ainda vai se entender, Malu. Eu não perco
as esperanças.
CENA 16. SHOPPING METRÓPOLE. CORREDORES. INT. TARDE.
Constantinopla caminha com Irineu pelo estabelecimento. Ambos se
direcionam à saída do shopping.
IRINEU — Então é isso, Constantinopla. Pode ficar
despreocupada, porque eu não vou te deixar na mão.
CONSTANTINOPLA — Muito obrigada mesmo. Eu sabia que poderia
contar com você.
Ambos se entreolham no centro do corredor próximo à entrada do shopping.
De repente, alguém se aproxima deles, deixando Irineu bastante surpreso.
Constantinopla vira o olhar imediatamente depois e se mostra ainda mais
assustada e constrangida. É Malu quem surge, bastante determinada e
encarando Constantinopla com bastante deboche e ódio no olhar.
MALU — Que belo encontro é esse, hein? E eu jurando que
nunca mais teria o prazer de me deparar com você,
minha sogra querida!
Constantinopla olha Irineu rapidamente e este, por sua vez, estranha a
apreensão da vilã.
IRINEU — Tudo bem, Malu?
MALU — Eu não vou responder essa pergunta idiota. Deixa
de ser cínico, Irineu. Eu espero que você já tenha
terminado a sua conversa com essa velha ordinária,
porque o assunto entre nós dois é privativo e direto
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AS DONAS DA HISTÓRIA CAPÍTULO 53
ao ponto, sem ter como ser adiado. Compreendeu
bem?
Som de suspense. O clima se torna ainda mais tenso e constrangedor. Malu
faz questão de sorrir cinicamente e cruzar os braços, à espera da resposta
de Irineu. Constantinopla fica com medo de encarar aquela, olhando para o
chão, enquanto ele alterna o seu olhar para as duas, evidentemente sem saber
como contornar a situação e evitar discussões mais sérias no local.
SEGUNDO BREAK.
CENA 17. SHOPPING METRÓPOLE. CORREDORES. INT. TARDE.
Continuação imediata da última cena do bloco anterior.
Clima tenso. Irineu tenta cortar o clima pesado que se instaurou nos
corredores do shopping.
IRINEU — Por favor, Malu. Eu não vejo motivo pra você
perder a cabeça aqui no meio da multidão.
MALU — Por qual razão? Você não gosta de escândalos, de
grandes eventos?
CONSTANTINOPLA — (sem jeito) Bom, eu tô vendo que o assunto é
sério. Eu vou embora. Tchau, Irineu.
IRINEU — Até mais, Constantinopla.
No entanto, quando esta está prestes a sair, Malu a surpreende com uma
indireta.
MALU — Existem pessoas que têm vocação pra sair à
francesa.
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No seu caso, Constantinopla, isso não é nem um dom,
mas sim uma necessidade, não é mesmo?
CONSTANTINOPLA — (constrangida) Malu, eu entendo a sua revolta.
Mas é melhor você tentar se controlar e encarar
friamente os seus problemas, ao invés de vir
atacando todo mundo com o seu sarcasmo.
MALU — Não é sarcasmo. Você está completamente
equivocada. Isso é palavra pura, sem afetações ou
ironias. (aproxima-se) Sobre seguir os seus
conselhos, acho melhor você poupar o seu latim
vulgar. Use as suas palavras pra uma ocasião mais
oportuna. Num momento em que você só tiver a sua
lábia pra garantir a sua dignidade.
Malu sorri cinicamente, enquanto Constantinopla controla o seu ódio, dando
meia-volta. Depois disso, Irineu se aproxima daquela.
IRINEU — Se você quer tanto conversar comigo, Malu, é
melhor eu te conduzir até a minha sala. Você mesma
disse ser algo privativo. Showzinho público só vai te
deixar ainda mais desgastada.
MALU — Exatamente. Então, vamos.
Irineu tenta demonstrar um gesto de compressão e tranquilidade. Mesmo
assim, Malu não se intimida, seguindo o seu rumo para a frente e antecipando-
se até a escada rolante. Irineu a segue.
CENA 18. BAIRRO SÃO FRANCISCO. EXT. ANOITECER.
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AS DONAS DA HISTÓRIA CAPÍTULO 53
Nas proximidades do Largo da Ordem, Constantinopla caminha, desnorteada
e bastante apreensiva. Ela para um pouco para respirar, focando o olhar nos
enormes prédios do local e no sol alaranjado sumindo por detrás dos mesmos.
CONSTANTINOPLA — (pensativa) Eu não acredito que a Malu apareceu
na hora em que eu tava conseguindo fazer a cabeça
do Irineu. É inacreditável que essa vaca tenha se
tornado um karma mais pesado do que a própria
Taís. Eu não posso continuar amedrontada por conta
dessa ameaça evidente. A Malu tá pedindo pra
sofrer com a minha mão pesada. Ela não sabe com
quem tá lidando.
Som de suspense no final da cena.
CENA 19. SHOPPING METRÓPOLE. SALA DE IRINEU. INT.
ANOITECER.
Irineu e Malu conversam. Ele está sentado. Ele, de pé.
IRINEU — Por favor, Malu. Você pode sentar.
MALU — O que eu vou falar eu pretendo que seja breve.
Eu tô bem assim.
IRINEU — O que você quer, agora?
MALU — (agacha-se até ele) Eu quero uma gratificação
por todo o lucro que eu gerei pra esse shopping com
aquela campanha publicitária que eu fiz junto com a
traíra da Cláudia. Pelo que eu andei apurando, a
maior parte do lucro ficou com a agência Vital,
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AS DONAS DA HISTÓRIA CAPÍTULO 53
que teve a desfaçatez de me desligar sem direito
a ampla defesa e contraditório. Ou você me ajuda,
me adiantando um pagamento que serve como
indenização, ou eu não terei a menor pena em mover
uma ação contra o seu shopping e a agência,
responsabilizando vocês solidariamente por não me
pagaram o que era devido, agindo com dolo.
Música de suspense. CLOSE na expressão chocada de Irineu, que se levanta
da cadeira, ríspido.
IRINEU — Mas que absurdo é esse que você tá falando?
Você está me inserindo no meio desse carnaval que
foi o problema que você arrumou com a agência Vital
e a perfumaria do Guilherme?
MALU — Todos vocês, no fundo, são da mesma turminha
de empresários mercenários. Se aproveitam da
ingenuidade dos seus empregados, tratam eles
como marionetes e os privam de vários direitos em
troca de lucros exorbitantes. É claro que eu não sou
louca de inserir você no meio da confusão
envolvendo a mim e a agência Vital. Mas você tem
que admitir os vícios do contrato que nós assinamos
naquela nossa primeira campanha publicitária. Você
me fez assinar cedendo a minha imagem com a
garantia de uma quantia irrisória, o que facilmente
poderia ser objeto de anulabilidade.
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Ou vai me dizer que você já se acostumou tanto a
tirar vantagem que acha normal lesar os trouxas
que você encontra pela frente?
IRINEU — Você realmente está disposta a mover uma ação
contra mim na justiça?
MALU — Eu já deixei bem claro que nós podemos resolver
isso com um acordo extrajudicial. Uma conciliação.
Só se você preferir insistir no litígio, e gerar ainda
mais transtorno e dor de cabeça.
IRINEU — Eu admito, Malu. De fato, eu acabei te fazendo
assinar omitindo detalhes essenciais pra um
equilíbrio contratual. Você deveria ter sido
recompensada com um valor muito maior do que
merecia, ainda mais pelo sucesso que foi aquela
campanha do meu shopping. Agora, se for pra te
pagar uma quantia considerável, primeiro, eu vou
precisar de ajuda pra calcular o valor exato.
MALU — Por uma questão de bom senso, a restituição
deveria ser no mínimo em dobro.
IRINEU — Dobro do valor que você deveria ganhar naquela
ocasião? Mas Malu/
MALU — Ou será assim, ou será de acordo com o que o juiz
determinar. Você sabe que nesses tipos de
processos, o juiz geralmente estabelece um
quantum considerável, às vezes, chegando em até
quatro vezes mais do que o pedido.
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AS DONAS DA HISTÓRIA CAPÍTULO 53
Eu ainda estou sendo bastante razoável com essa
minha condição. E então, tudo feito ou nada feito?
IRINEU — Tudo bem! Você vai receber o valor que você
deseja.
Ao som de uma música de drama e tensão, Malu esboça um sorriso fechado,
insatisfeito, mas conformado.
MALU — Que ótimo. Então me faça o favor de depositar o
dinheiro nessa conta aqui.
Malu senta-se rapidamente na cadeira de visitante, tira de dentro da bolsa
um papel com caneta e anota ali a sua agência bancária e o número da sua
conta corrente. Depois disso, ela destaca o papel da caderneta e entrega a
Irineu, que pega, olha rapidamente e guarda no bolso da sua calça.
IRINEU — Então era só isso, não é? Eu acredito que você
não queira mais nenhum outro tipo de assunto
comigo.
MALU — (levanta-se) Era só isso mesmo. (vai até a
porta) Que pena, né, Irineu? Tão próximos que nós
éramos, tão amigos. Que pena que eu descobri tão
tarde o tipo de pessoa que você era. Que pena que
eu me dei conta de que nesse mundo ninguém presta,
sem estar preparada pra lidar com isso. (controla o
choro) Quem sabe algum dia eu ainda te entenda e
te perdoe, não é mesmo?
IRINEU — Eu espero que isso não demore a acontecer.
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AS DONAS DA HISTÓRIA CAPÍTULO 53
Malu sorri levemente, porém vira-se de costas a Irineu e vai embora. Ele, por
sua vez, volta a pegar o papelzinho de Malu, senta-se na cadeira e pega o
telefone ao lado para fazer uma ligação.
IRINEU — Por gentileza, eu quero fazer um depósito. Já te
dito a agência e o número da conta corrente.
CENA 20. RUA PEDRO IVO. EXT. ANOITECER.
No topo das escadarias do brechó Le Freak, Afonso se mostra irritado ao ver
Cláudia juntamente com Guilherme. Jaqueline e Renée percebem o clima
pesado.
AFONSO — Tudo ótimo, Cláudia. Bom, chegou a hora de eu ir
resolver os meus problemas. Esqueci que tenho que
verificar o andamento de um processo no Projudi.
Com licença.
Ao som de Vangelis – Hymne, Afonso, de maneira impulsiva, desce as escadas
sem se despedir. Cláudia percebe a atitude ríspida, ficando intrigada.
Guilherme, por sua vez, também se despede.
GUILHERME — Bom, eu só vim te deixar mesmo, Cláudia. Já estou
indo.
CLÁUDIA — Tudo bem. Até mais.
GUILHERME — Até. (p/Jaqueline e Renée). Tchau pra vocês.
ELAS — Tchau.
Assim, Guilherme também desce, enquanto Cláudia, Jaqueline e Renée se
direcionam para o interior do recinto.
CENA 21. BRECHÓ LE FREAK. SACADA. EXT. ANOITECER.
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AS DONAS DA HISTÓRIA CAPÍTULO 53
As três observam os prédios do local, e o sol se pondo por detrás deles.
Cláudia se mostra reflexiva e intrigada.
CLÁUDIA — Eu não tô entendendo. Se o Afonso queria tanto
conversar comigo, porque foi embora desse jeito?
RENÉE — Ele realmente tava numa expectativa muito
grande de te encontrar, Cláudia. Sinceramente, eu
acredito que ele ficou sem jeito quando te viu com
o Guilherme.
JAQUELINE — Mais do que sem jeito. Ele ficou possesso.
CLÁUDIA — (sorri) Onde vocês estão querendo chegar com
essas afirmações?
JAQUELINE — (aproxima-se) À realidade dos fatos. Você não é
ingênua, minha filha. Tá na cara que o Afonso tá
interessadíssimo em você. Tava esperando a
oportunidade certa de te procurar e se declarar.
Mas aquela cena de hoje fez ele deduzir bobagens.
Por isso, procure ele pra esclarecer essa história.
Eu sei muito bem que você também tá na dele. Não
seja boba, Cláudia. Vai ser feliz no amor porque
você merece.
CLOSE em Cláudia, que disfarça o sorriso e olha para sua mãe e Renée com
os olhos brilhando.
CENA 22. APART DE AFONSO. SALA. INT. ANOITECER.
Afonso mora no 17º andar de um prédio situado no bairro Bacacheri. Ele chega
nervoso na sua casa, se direciona até a sacada e começa a observar a vista
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AS DONAS DA HISTÓRIA CAPÍTULO 53
panorâmica da cidade de Curitiba, com a luz dos prédios sendo ligados por
conta do anoitecer. De chofre, a campainha toca e ele fica surpreso. Desse
modo, ele se direciona até a porta, abre-a e se surpreende ao ver Cláudia.
CLÁUDIA — Oi, Afonso. Você foi embora tão afobado e nem
deu tempo de eu explicar e esclarecer alguns fatos.
Você teria paciência de me escutar?
CLOSE na expressão surpresa e contente de Afonso.
CENA 23. PALÁCIO IGUAÇU. EXT. ANOITECER.
Nas proximidades do Palácio Iguaçu, mais precisamente numa praça, André e
Fabiano caminham pelo local e conversam, até sentarem num banquinho
próximo de um poste com luz.
ANDRÉ — Foi bom você ter me tirado da minha toca pra sair
um pouco. Eu tava precisando tomar um ar e pensar
sobre os últimos acontecimentos.
FABIANO — Pois é. Eu percebi mesmo que você não tava bem.
Mas meu amigo, você, que sempre foi um ótimo
conselheiro, praticamente um psicólogo da alma
humana, agora é que tá precisando de um
encaminhamento. E, nesse sentido, eu só posso
pedir pra você encarar de frente essa adversidade.
O problema que você fez de tudo pra fugir tá
voltando justamente pra você solucionar o caso. Não
pra protelar ainda mais a resolução.
ANDRÉ — (senta-se na cadeira) A verdade é que a gente
não tá preparado pra tudo nessa vida.
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AS DONAS DA HISTÓRIA CAPÍTULO 53
A minha vida em Vitória foi muito traumática. Os
laços de família foram cortados de uma forma
embrutecedora.
FABIANO — Mas agora é momento de retomar esses laços
perdidos. A sua mãe é a sua parente mais próxima.
Te humilhou, te renegou, mas com certeza está
disposta a tentar reparar os danos causados.
(abraça-o de lado) Se você quiser, eu fico perto
de você quando ela voltar, pra poder, quem sabe,
mediar esse conflito.
ANDRÉ — Eu vou ser bem taxativo com ela, Fabiano. Agora
é a minha vez de renegar. Ela vai procurar, mas eu
não pretendo dar muita trela. Vou fazer ela voltar
pra cidade dela e me deixar em paz.
FABIANO — Você acha mesmo que essa é a única saída?
ANDRÉ — Não tem a menor chance de eu a dona Bernadete
nos entendermos. Ressentimentos são difíceis de
serem superados e cicatrizados com uma
conversinha mole. Mas obrigado por tudo. Você,
sempre um amigo de primeira linha. Eu sabia que não
estaria sozinho.
Ambos sorriem, levantam-se novamente e voltam a andar pelo local, agora,
conversando, em off, sobre outros assuntos.
CENA 24. MANSÃO DE SÉRVIA. SALA. INT. ANOITECER.
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AS DONAS DA HISTÓRIA CAPÍTULO 53
Malu se encontra, neste instante, conversando com Irineu no celular. Sérvia
observa no canto, sentada na adega.
MALU — (no celular) Ótimo. Eu vi mesmo na internet que
o depósito foi efetivado. Assim, nós evitamos
conflitos desnecessários, não é mesmo? Passar
bem.
Malu desliga o celular e nota que Sérvia ficou curiosa.
MALU — Aflita em saber o que eu queria com o Irineu?
Não era nada demais. Só a resolução de alguns
detalhes pontuais daquela campanha que eu fiz no
shopping dele.
SÉRVIA — Claro! Imagina! Eu e o Irineu já nem temos vínculo
mesmo. Agora é cada um por si, fazendo o que bem
entender da vida.
MALU — (aproxima-se) Mas eu tenho certeza de que toda
essa aparente indiferença sua vai acabar com a
novidade que eu tenho pra lhe dizer. Uma novidade
que nada mais é do que um alerta.
SÉRVIA — (levanta-se) Do que você tá falando, Malu?
MALU — Eu acho muito bom você tomar cuidado. Porque
algumas pessoas bem oportunistas estão se
aproveitando da solteirice do Irineu e tentando
fisgá-lo de todas as formas possíveis e imagináveis.
SÉRVIA — Ele já arrumou uma nova mulher?
MALU — Ainda, não, mas já está caindo na conversa de uma
ordinária bastante gabaritada na arte da
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AS DONAS DA HISTÓRIA CAPÍTULO 53
manipulação. Hoje, eu encontrei o Irineu junto com
a Constantinopla. E, pela cena que eu presenciei,
eles pareciam estar muito à vontade.
Música de suspense. Sérvia, que estava segurando uma taça de vinho, ao ouvir
esse nome aperta a taça com tanta força que a faz se quebrar em cacos.
SÉRVIA — Eu não acredito que aquela maldita tá querendo
roubar o Irineu de mim! Só que ela não vai conseguir
prosseguir nessa empreitada. Ela que se prepare,
porque, independentemente do que essa vagabunda
queira, eu não vou ficar mais quieta aqui,
lamentando a falta de sorte. Eu vou jogar pesado! A
Constantinopla vai se arrepender de se meter de
novo comigo!
FIM DO CAPÍTULO 53.