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As Noivas de Braden (Braden's Brides) Caryn Cameron (CLR) (PtBr)

Date post: 12-Dec-2015
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Lady Abigail Rosemont desembarcou na Austrália disposta a levar até o fim o romance que havia se iniciado no navio que a trouxera da Inglaterra. Duke Braden lhe roubara o coração em uma noite de tempestade, despertando-a para prazeres com que jamais sonhara. Não poderia mais viver sem esse homem. Que lhe importava se Duke viera na terceira classe, cercado das mulheres a quem todos chamavam “as noivas de Braden”, alvo dos comentários mais desairosos? Pois também ela seria uma noiva de Braden!Mas o abismo entre os dois mostrou-se bem maior do que Abigail poderia imaginar. Para seu horror, ela passou a ser encarada como parte do privilegiado grupo dos “seletos” que detinha o poder na colônia, enquanto Duke estava do outro lado, considerado pelos arrogantes ingleses como um reles agitador cujo destino só poderia ser a prisão…
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As noivas de Braden Caryn Cameron Clássicos da Literatura Romântica Copyright © 1991 by Caryn Cameron Publicado originalmente em 1991 pela Harlequin Books, Toronto, Canadá. Título original: Branden's Brides Tradução: Evelyn Kay Massaro Copyright para a língua portuguesa: 1992 EDITORA NOVA CULTURAL LTDA. Av. Brigadeiro Faria Lima 2000, 3º andar – CEP 01452 — São Paulo — SP — Brasil Esta obra foi composta na Editora Nova Cultural Ltda Impressão e acabamento: Gráfica Círculo Este livro faz parte de um projeto sem fins lucrativos. Sua distribuição é livre e sua comercialização estritamente proibida.
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As noivas de BradenCaryn Cameron

Clássicos da Literatura Romântica

Copyright © 1991 by Caryn Cameron Publicado originalmente em 1991 pela Harlequin Books, Toronto, Canadá.

Título original: Branden's Brides Tradução: Evelyn Kay Massaro

Copyright para a língua portuguesa: 1992EDITORA NOVA CULTURAL LTDA.

Av. Brigadeiro Faria Lima 2000, 3º andar – CEP 01452 — São Paulo — SP — BrasilEsta obra foi composta na Editora Nova Cultural Ltda

Impressão e acabamento: Gráfica Círculo

Este livro faz parte de um projeto sem fins lucrativos.Sua distribuição é livre e sua comercialização estritamente

proibida.Cultura: um bem universal.

Disponibilização: ROSANGELA

Apoio: contribuintes da caixinha

Digitalização: Palas Atenéia

Revisão: Madalena

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Lady Abigail Rosemont desembarcou na Austrália disposta a levar até o fim o romance que havia se iniciado no navio que a trouxera

da Inglaterra. Duke Braden lhe roubara o coração em uma noite de tempestade, despertando-a para prazeres com que jamais sonhara.

Não poderia mais viver sem esse homem. Que lhe importava se Duke viera na terceira classe, cercado das mulheres a quem todos

chamavam “as noivas de Braden”, alvo dos comentários mais desairosos? Pois também ela seria uma noiva de Braden!

Mas o abismo entre os dois mostrou-se bem maior do que Abigail poderia imaginar. Para seu horror, ela passou a ser encarada como parte do privilegiado grupo dos “seletos” que detinha o poder na colônia, enquanto Duke estava do outro lado, considerado pelos

arrogantes ingleses como um reles agitador cujo destino só poderia ser a prisão…

Na visão cativante de CARYN CAMERON, a história de um grande amor na dramática colonização da Austrália

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A AUTORA

CARYN CAMERON abandonou a carreira de professora de inglês para dedicar-se em tempo integral à literatura. Apaixonada pelos grandes dramas que marcaram o passado da humanidade, já produziu uma série de romances que fascinam tanto pela fidelidade da reconstituição histórica quanto pelas tramas densas de emoção e beleza. Em AS NOIVAS DE BRADEN, retrata um momento crítica da história da colonização da Austrália, em que a sociedade se encontrava profundamente dividida entre um privilegiado grupo de “seletos”, membros da aristocracia inglesa, e a grande maioria da população, os “miúdos”, descendentes de antigos prisioneiros lá enviados para cumprir pena. É uma época de injustiças e desigualdades, mas também de ferrenha luta por liberdade e pelo direito de amar sem os empecilhos gerados por preconceitos e abismos sociais.

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CAPÍTULO I

25 de fevereiro de 1835

— Não agüento mais ficar aqui!O pequeno cockerspaniel mal se mexeu ao ouvir a explosão de

sua dona. O barulho do vento e o balanço do navio estavam sendo demais para ele, pensou Abigail Anne Rosemont, estranhando o comportamento de seu cãozinho, sempre tão esperto. Ela também se sentia deprimida. Não suportava mais ver e ouvir seus baús forrados de couro deslizando de um lado para o outro do camarote. Seria impossível passar o resto da tarde lendo ou desenhando e ela ficaria maluca se não saísse daquele cubículo de três por quatro metros.

Os outros passageiros da primeira classe estavam indispostos.Como dissera o capitão Gates, depois de um dia atravessando a

embocadura da baía de Biscaia, todos estavam verdes por causa daquele velho vilão, “o mal do mar”. Porém, a única coisa que incomodava Abigail era aquela aflição de ficar fechada, que os marinheiros chamavam de “febre de camarote.” A viagem até Nova Gales do Sul, na Austrália, iria durar quatro meses. Que os outros ficassem deitados em suas camas, vomitando as entranhas. Ela não iria perder nem um minuto da aventura! O entusiasmo e a antecipação faziam seu sangue pulsar mais forte, como se tivesse bebido um vinho forte.

Como sempre acontecia, mesmo quando deixava o camarote para o desjejum no salão, Abigail estava vestida com esmero, ostentando inclusive o chapéu com laços de tule. Não trouxera uma criada de quarto, mas combinara com a esposa do capitão dividir com ela a moça que a atendia. Afinal, não havia motivo para diminuir o luxo e não gostaria que chegasse aos ouvidos dos Godfrey-Bennett, os parentes distantes, que estava indo visitar na Austrália, que ela não fora elegante e fina naquela viagem. Pela carta entusiasmada que agradecera sua aceitação do convite da família para passar uma longa temporada em Sidney, ela percebera que sua anfitriã adorava manter-se a par da moda da metrópole. Isso a incentivara a passar quinze dias em Londres comprando muitos presentes e atualizando o guarda-roupa. Nada mais necessário, pois ela, que antes fora o protótipo da elegância georgiana, depois da tragédia passara a usar somente trajes mais simples, adequados a sua vida campestre.

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Abigail envolveu-se na capa azul-escura, cobrindo cuidadosamente o chapéu com o capuz franzido. Em seguida, deixou o camarote e dirigiu-se para o salão deserto.

Comumente era ali que os passageiros da primeira classe passavam as noites. À luz dos lampiões, Abigail ou a Sra. Gates, a mulher do capitão, tocavam hinos e valsas no piano um tanto desafinado enquanto os dois velhos cientistas liam seus textos de botânica ou jogavam gamão. A senhora escocesa cochilava numa poltrona e os recém-casados, os Wainwright, tímidos e enamorados como dois pombinhos, recolhiam-se cedo.

Abigail não tinha a menor idéia de como os passageiros da segunda classe, que ocupavam os camarotes ainda menores no tombadilho inferior, e os da terceira, que se amontoavam sob o castelo de proa, faziam para passar a noite. Durante o dia, contudo, podia vê-los passeando na parte dianteira do navio.

Porém, quanto menos pensasse naquelas mulheres da terceira classe e nos estranhos homens que com elas conversavam, melhor. Ainda assim, gostaria de desenhá-los se de algum modo conseguisse se aproximar mais deles sem ser notada.

O vento frio que a recebeu no convés a fez sentir-se melhor.Combinando suas passadas com o balanço do navio, começou a

caminhar vigorosamente. O ar livre trouxe-lhe à lembrança sua querida Fairleigh, a propriedade que herdara do avô, com seus bosques e pomares. A neta de lorde Sinton era como à chamavam naqueles dias empolgantes de sua primeira e única temporada social em Londres. Mas, na semana anterior, quando fora fazer a prova final de suas roupas, ouvira uma costureira cochichar à outra:

— Essa é a herdeira do velho lorde Sinton, excêntrica e reclusa, que vem vivendo escondida no campo há quase dez anos.

Teria sido bem mais fácil permanecer para sempre na encantadora região de Kent, que conhecia tão bem, tendo suas lembranças por companhia. Lá, a essa hora, estaria cavalgando pelas colinas em seu alazão, Windsong, parando para desenhar os panoramas graciosos e os rostos tão familiares dos camponeses da região, mantendo escondidas no fundo da memória a vergonha e a tristeza causadas pela cruel traição de um homem. E pensar que a cigana que um dia fora ao castelo de Windsor afirmara, e bem diante da família real, que ela iria se casar com um príncipe ou duque! Agora era uma solteirona de vinte e seis anos que vivia muito satisfeita em seu exílio auto-imposto até que a querida Janet morrera e…

Uma violenta rajada de vento a atingiu no instante em que deixou a proteção da estrutura do tombadilho principal. Uma onda

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cortada pela proa a borrifou de água salgada, cegando-a momentaneamente.

O impacto do vento repuxou-lhe a capa e o vestido. Uma lufada vinda de baixo soprou suas saias para cima, expondo suas pernas e fazendo metros e metros de tecido voar como asas em torno de sua cabeça.

Tudo aconteceu rápido demais. O vento arrancou o capuz de Abigail, fazendo seu chapéu voar para longe. As trancas postiças, tão chiques e na moda, soltaram-se dos grampos e dos pentes de tartaruga que ela conseguira prender com arte sem o auxílio da mão firme de uma criada. Abigail foi atirada para trás, batendo na parede, e jogada de novo para frente pela anquinha dura e elíptica que armava a saia em forma de sino. Para ver alguma coisa, ela teve de afastar os cabelos crespos e ruivos que agora lhe caíam soltos até os ombros. Avistou a corda que servia de corrimão à escadinha que levava ao convés inferior. O navio balançou violentamente, a escada se inclinou.

Abigail ofegava, mal conseguindo respirar devido ao espartilho apertado e à faixa em sua cintura fina que não tinham sido feitos para proporcionar a alguém a capacidade de lutar contra os elementos.

Inclinada para frente, meio cega, ela atirou-se para a frente, tentando alcançar a escada. No entanto, tudo a desorientava: as rajadas de vento, o balanço do navio, o sal que lhe irritava os olhos e até mesmo o grito rouco e masculino que veio de perto. Ela estendeu o braço na direção de onde imaginava estar o corrimão, mas em vez dele agarrou o braço musculoso de alguém que subia pela escada. O capitão? Um membro da tripulação? Impossível dizer. Abigail soltou um gritinho aflito quando mãos fortes a pegaram pela cintura, por baixo da capa, saia e anáguas que estavam enfunadas como as velas do navio. Ao mesmo tempo grata e apavorada, ela agarrou-se desesperadamente ao seu salvador, que a puxou por vários degraus, até ambos se encontrarem num local mais abrigado.

— Segure-se firme! — foi a primeira coisa que ela o ouviu dizer. — Que diabos foi fazer lá em cima com este tempo?

Abigail mal conseguia respirar. Por um momento estonteante, a única coisa que estava separando de sua pele a mão quente e dura do homem era uma anágua de fina cambraia. Depois ele começou a ajudá-la a puxar para baixo as várias camadas de seu traje. O homem pareceu ao mesmo tempo intrigado e irritado diante da complexidade do vestuário feminino.

— Oh, meu Deus! Lamento muito! — exclamou Abigail, consternada ao reconhecer quem era seu salvador. O homem sério

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que estava sempre com o harém de jovens mulheres no convés da terceira classe. Aquele que freqüentemente andava em companhia da criatura estranha que o capitão Gates explicara ser um aborígene de Nova Gales do Sul. O sujeito nunca usava cartola e parecia olhar com raiva para os passageiros que avistava passeando nos convés da primeira classe, examinando-os com olhos que de longe davam a impressão de serem escuros e demoníacos. Agora ela podia ver que eram de um azul gelado e pareciam atravessá-la. — Oh! — repetiu, diante daquele rosto que a contemplava como se ela ainda estivesse com as saias até os ombros.

Abigail sentiu-se angustiada ao imaginar a própria aparência. O deslocamento da anquinha a fazia parecer torta, a trança postiça pendia, ridícula, presa a uma única mecha dos cabelos, estes agora totalmente encaracolados, como se tivesse corrido quilômetros e quilômetros sob a chuva.

E pior de tudo, sob as saias, no lugar em que aquele homem a tocara, ainda sentia a pressão de suas mãos como queimaduras que ardiam tanto quanto suas faces e pescoço.

O navio continuava jogando forte, mas os dois tinham conseguido se apoiar nas extremidades da escada estreita que levava ao tombadilho da segunda classe. O sol frio do fim de tarde que se insinuou por entre as nuvens iluminou o abrigo que ambos compartilhavam.

Um olhou para o outro cautelosamente enquanto Abigail lutava para se ajeitar um pouco.

— Nós… nós não fomos apresentados! — gaguejou como uma tola, logo ela que em certa época fora considerada a queridinha da sociedade pelas suas tiradas espirituosas. Isso, porém, fora naquela temporada em Londres, antes da tragédia se abater sobre ela e deixá-la tão devastada como estava agora. A lembrança, embora muito breve, acabou com o pouco que restava de sua pose.

— Acho que é um pouco tarde para convenções — disse o homem num tom desaprovador.

A atitude rude assustou Abigail e ela reagiu assumindo uma postura altiva, cerrando os lábios carnudos e franzindo a testa lisa. Sentiu vontade de esbofetear o desconhecido e correr para o refúgio de seu pequeno camarote. No entanto, a única coisa que conseguiu fazer foi encará-lo da maneira mais fria possível.

Ele, apoiado na parede de carvalho de um modo até insolente, continuava a avaliá-la. Abigail não via a hora de sair dali, mas teria primeiro de recompor-se. Notou pelas poucas palavras que o homem dissera que ele tinha um sotaque diferente, lembrando um pouco o dos escoceses ou irlandeses. Um selvagem, tal como o

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aborígene que o acompanhava, pensou. Tudo indicava que jamais usara um chapéu, pois seu rosto era bronzeado e os cabelos castanhos exibiam mechas clareadas pelo sol. Além disso, os cabelos eram mais longos do que os usados pelos verdadeiros cavalheiros e as costeletas mais curtas do que pedia a moda.

Sobrancelhas espessas cortavam a testa larga e escureciam os olhos vivos que continuavam a examiná-la despudoradamente. O nariz era reto e estreito. Ombros e peito largos enchiam a casaca marrom e o colete listrado, mas isso não o impedia de ter uma graça quase felina. O pescoço musculoso e o queixo quadrado, bem à vista devido à falta de um colarinho engomado e a gravata alta, como seria mais apropriado, exigiam atenção.

Abigail era bastante alta para uma mulher, mas o homem era bem maior do que ela. Mas acima de tudo, ela não pôde deixar de notar, dele emanava uma intensidade que chegava a assustar. Desapontada por estar examinando tão abertamente o homem, disfarçou arrancando a trança postiça, o que fez seus cabelos naturais soltarem-se de vez.

— Espero que tenha aprendido a lição — disse ele, não procurando se afastar para lhe dar mais espaço, como faria um cavalheiro.

— Estou mais do que acostumada a andar e cavalgar sob o vento e a chuva, senhor.

— Não é disso que estou falando. Espero que tenha aprendido que não deve andar por aí toda enfeitada, com fitas, babados, cabelos postiços e anquinhas, e tantas anáguas que o vento quase a fez alçar vôo como um pássaro…

— Eu agradeceria se o senhor não fizesse comentários sobre essas coisas particulares!

— Que quase se tornaram públicas um instante atrás! E eu que pensei que você ia me agradecer por ajudá-la.

— Bem… sim… foi um alívio o senhor estar passando. Depois dessa rápida troca de palavras, o silêncio caiu entre os dois. Sentindo que não conseguiria arranjar seus cabelos de uma maneira decente enquanto aquele sujeito a olhava tão rudemente, Abigail desistiu da tarefa e deu um puxão final nas saias amassadas. Apertando a capa contra o corpo para pôr um fim àqueles olhares ousados, começou a subir os degraus.

— Espere! É melhor você ir por aqui e só subir ao convés quando estiver mais perto da entrada de seu salão. — O homem avançou para pegá-la pelo braço.

— Não posso ir por aí — disse Abigail, desvencilhando-se.Porém, logo arrependeu-se de suas palavras. Dera a impressão

de que não se dignaria a pôr os pés na segunda classe. Não fora 8

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essa sua intenção, só não sentia a menor vontade de caminhar pelos corredores escuros na companhia daquele homem tão grosseiro.

— Eu… o que quis dizer… agora está tudo bem e me sinto preparada para o que vou encontrar lá fora. E obrigada, senhor, por ter evitado que eu caísse na escada. — Mas não, teve vontade de gritar, pelo modo como suas mãos me tocaram e pelo jeito confiado de você me olhar!

Em seguida, juntando as saias, abaixou-se rapidamente para enfrentar o vento frio.

Por uns bons dez minutos depois que a mulher se afastou, Duke Braden ficou parado no alto da escada observando o vento enfunar as velas e encapelar o mar cinzento. Só deixara a cabine de segunda classe que dividia com Kulalang para tomar um pouco de ar fresco e ver os últimos raios de sol antes de ir fazer uma visita para as senhoras na terceira classe. E, sem mais nem menos, terminara como Sansão, segurando a bela Dalila em seus braços. Sem dúvida, aquela madame, como todas as aristocratas melindrosas, gostaria de tê-lo colocado no devido lugar e cortado suas asas, além de seus cabelos. Conhecia muito bem o tipo. Se ela fosse soprada para o mar enquanto se dirigia para a primeira classe, melhor. No entanto, havia algo nela que o afetara num nível mais profundo e de uma forma diferente do que acontecia com a maioria das outras de sua categoria. Talvez fosse sua aparência tão incomum.

A moça tinha cabelos de um ruivo radiante que o fazia recordar do sol se pondo por entre os eucaliptos das montanhas Blue, perto de sua casa. Nem o vento nem a água seriam capazes de desmanchar aqueles cachos. Ela também possuía uma linguinha afiada, mas sem dúvida tinha de admirar o modo como enfrentava o balanço do navio, o olhar firme e a espinha ereta. Não era o tipo de rosto que ele apreciava. Era um pouco magro demais, sem o nariz arrebitado e as covinhas que costumavam atraí-lo.

Duvidava que ela fosse capaz de sorrir. E tinha certeza de que vivia fungando aquele nariz clássico com desdém contra tudo o que considerava abaixo de seu nível. Todavia, os olhos sombreados por cílios espessos eram sedutores. Havia neles uma combinação de todos os tons naturais que tanto o encantavam no vale Parramatta: esverdeados, azuis e castanhos todos misturados.

Apesar da montanha de rendas e babados, o corpo que o vento lhe revelara parecera deliciosamente arredondado, como diria seu irmão, Earl. Mas Earl, sem dúvida, teria estrangulado aquela pedante mimada.

Duke Braden jamais agiria assim. Ele bem sabia que uma 9

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cabeça fria obtinha melhores resultados do que um punho irado, pelo menos quase sempre. Ao pensar em punhos, lembrou que tinha muito trabalho nas mãos com as seis mulheres que estavam lá embaixo e que realmente precisavam de sua ajuda. Aquela ruivinha azeda não merecia nem mais um pensamento. Já a vira várias vezes se pavoneando no convés da primeira classe sob o guarda-sol cheio de rendinhas, e agora sabia muito bem como ela era, tanto por dentro como por fora!

Enquanto descia, Duke esfregou as mãos, sentindo ainda a carne firme e quente que tocara através da última camada de tecido que salvara a dignidade da moça. Suas palmas ansiavam por tocá-la de novo. Decidira ignorá-la, mas só a tirou do pensamento quando todas as suas seis protegidas começaram a falar ao mesmo tempo.

No dia seguinte, quando tanto o mar como o coração de Abigail haviam serenado, o veleiro Challenge fez a volta na ponta mais ocidental da Espanha e tomou rumo sul. Já recuperados do enjôo, passageiros da primeira classe voltaram ao salão para jantar, servidos pelos dois criados que também atuavam como cabineiros.

Gwendolyn Gates, a mulher do capitão, comunicou-lhes que o pernil que iriam comer era o último alimento fresco antes de começarem a dieta de carne e peixe salgados.

— Mas de vez em quando teremos uma galinha ensopada, daquelas que estão nas gaiolas no convés — consolou-os, sacudindo os cachos grisalhos. — É pena os seis carneiros que estão no porão serem reprodutores, ou poderíamos ter um bom assado ocasionalmente. Os animais pertencem àquele passageiro da segunda classe que está levando as mulheres para se casarem na Austrália.

Abigail quase deixou cair a colher no prato de sopa.— Quer dizer então que aquele homem que está com as moças

é um fazendeiro? — perguntou, tentando disfarçar sua perturbação.

— É o que sei, mas penso que deve haver muito que desconhecemos a seu respeito, não é, querido? — A Sra. Gates cutucou o braço do marido, que estava sentado à cabeceira da mesa.

— É possível — foram as únicas palavras do capitão. A Sra. Gates parecia adorar um mexerico e sem dúvida sentia falta deles no navio, mas não conseguiu incentivar o marido a entrar em maiores detalhes. Tanto ela como Abigail tiveram de conter sua ânsia por mais informações enquanto os outros comiam em silêncio.

— Parece-me bem apropriado que o homem que leva 10

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reprodutores seja o mesmo que está acompanhando essas noivas do programa de imigração — disse o sr. Jervis Crombie, um dos botânicos.

Seu companheiro, Michael Saxon, olhou por cima dos óculos e soltou uma risadinha. Até mesmo o capitão Gates, tão sério, sorriu.

O sr. Crombie continuou:— O fato é que esse sujeito é a única alma semicivilizada a

bordo capaz de nos dar informações sobre o tipo de flora que encontraremos em Nova Gales de Sul e que temos a missão de catalogar. Se o senhor e a senhora Gates não se incomodarem, poderíamos convidá-lo para jantar conosco uma dessas noites.

— Não vejo mal nenhum nisso — disse a Sra. Gates. — Eu também gostaria de lhe perguntar umas coisinhas. Só não quero que ele venha com aquele criado negro…

— Aborígene, Sra. Gates — interrompeu o capitão. — É um súdito de Sua Majestade. Nova Gales do Sul pode ter começado como uma colônia penal, mas agora é uma importante parte do reino.

Abigail quase engasgou diante da perspectiva de jantar com aquele criador de carneiros depois do que tinha acontecido. Mesmo assim, obrigou-se a tomar a sopa antes dos pratos serem tirados para a carne ser servida. Numa viagem longa como aquela, em que a água era racionada a um galão por dia para todas as necessidades de uma pessoa, devia tomar o máximo dos líquidos disponíveis, mesmo sentindo-se tão enjoada como agora, diante daquela conversa. Temia ficar cara a cara com o tal homem. O grosseiro talvez contasse o que vira e poderia até fazer piadas, embora ela não conseguisse imaginar aquele rosto severo aberto numa risada. Apesar de tudo, estava ansiosa para conversar com alguém sobre a vida em Nova Gales do Sul e tudo indicava que aquele homem era o único capaz de lhe dar informações.

Claro que jamais conversaria com aquele pagão que o acompanhava.

— O que me diz, srta. Abigail? — perguntava o sr. Jervis Crombie.

— Desculpe-me, eu não estava prestando atenção. O que falou?— Que admiro sua constituição de ferro. Foi capaz de dormir e

comer como um soldado quando nós estávamos nos virando do avesso na baía de Biscaia.

Todos riram, até mesmo os tímidos recém-casados e a Sra. Graham, de Edimburgo , sempre tão séria, que estava indo para a Austrália para se encontrar com o marido, um adido militar.

Agora Abigail podia avaliar o que seus companheiros de viagem tinham sofrido. Depois do desagradável acontecimento da

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tarde anterior ela não conseguira pegar no sono e até perdera o desjejum, perseguida pelas lembranças do passado e temores do futuro. Teria cometido um erro ao abandonar a vida segura e tranqüila em Kent, tudo que lhe era tão querido? Teria sido insensata por querer se lançar numa aventura grandiosa, temendo morrer jovem, sem conhecer o mundo, como acontecera com Janet? E como deveria agir com Phillip Godfrey-Bennett, filho de seus anfitriões, um rapaz de sua idade, que ficara viúvo há pouco tempo? Teria sido tolice concordar em passar uma longa temporada com aquela família quando não tinha a menor intenção de envolver-se novamente com um homem? Percebendo que estava divagando, ela se forçou a comer o presunto com batatas.

Em geral Abigail conseguia sufocar facilmente a angústia que às vezes a perturbava. No entanto, aquele homem no convés desencadeara uma torrente de lembranças. Os poucos momentos com ele a deixou dolorosamente consciente da própria solidão, mesmo que afirmasse a todo mundo que vivia muito bem. Dera-se conta de que não sentia saudade de sua família mais próxima, que não existia mais, nem de sua amiga Janet e tampouco do lar que deixara para trás. Sentia saudade de viver de verdade!

Embora fosse filha única, Abigail Anne Rosemont jamais se sentira solitária. Como seu pai morrera nas Guerras Napoleônicas, quando ela estava com quatro anos, fora criada pela mãe e o avô materno, que a adoravam. Havia sempre parentes distantes e amigos da família visitando ou passando temporadas na tranqüila propriedade de Kent. Depois de sua apresentação à sociedade, fizera muitas amizades entre os filhos dos aristocratas. Mas sua amiga mais íntima e querida era sua criada, Janet.

A mãe de Janet Jones fora criada de quarto da mãe de Abigail e as duas tinham crescido juntas. Como ambas gostavam de dizer, tinham a mesma idade, o mesmo tamanho e o mesmo coração. Abigail passava a sua companheira de brincadeiras tudo o que estudava com seus professores particulares. Quando aprendera a cavalgar insistira para Janet também ser ensinada e posteriormente as duas saíam para longos passeios a cavalo. Quando paravam, enquanto Janet bordava, Abigail desenhava uma das graciosas paisagens tão comuns naquela região. As duas sempre trocavam segredos de mocinhas como se fossem duas irmãs, indiferentes ao imenso abismo de classe que as separava. E só Janet a chamava de Abby.

O avô dirigia se a ela como “minha querida” ou então como “caríssima menina”. A mãe, que falecera muito jovem levada por uma febre terrível, a chamava de Abigail Anne.

Mesmo quando Janet tornou-se oficialmente a criada particular 12

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de Abigail, no dia em que completaram catorze anos, a diferença de classe entre as duas não toldou a amizade que as unia.

Elas riam e cochichavam enquanto os dedos hábeis de Janet penteavam os cabelos ruivos ou fechavam os ganchos dos vestidos.

Mais tarde, quando Abigail voltava das caçadas com lorde Northurst ou dos bailes nas casas da aristocracia, contava até os mínimos detalhes a sua querida amiga. Só a morte pudera separá-las.

No ano anterior, no exato mês em que Janet iria se casar com o principal cocheiro de Fairleigh, ela morrera por causa de um apêndice supurado. Na opinião de Abigail, a tragédia acontecera de uma forma injusta, de tão súbita e dolorosa.

Mas não fora apenas a perda de Janet que ferira Abigail até o âmago.

— Abby, Abby — arquejou Janet em seu leito de morte, enquanto seu chocado noivo, Jedediah, segurava-lhe a mão e Abigail debruçava-se sobre ela. — Odeio deixar você e Jed, mas sabe o que me entristece ainda mais?

— Por favor, Janet, não fale. Não se esforce…— Não, ouça. Eu estava pensando que não vi nada nesta vida.

— Ela respirava com dificuldade, os olhos brilhantes de febre. — Existem tantas coisas além de Kent, de Londres. Fairleigh é linda, mas há um mundo lá fora. Não sou ambiciosa ou ingrata… você sabe… o que estou querendo dizer.

Abigail Anne Rosemont a compreendeu, mas o pleno impacto do que Janet dissera só veio a atingi-la depois do funeral.

A partida de sua querida amiga impeliu-a a tomar a decisão de não perder mais tempo. Aquela que lhe fora mais íntima e a chamava de Abby não voltaria mais, mas deixara-lhe o desafio de viver.

Fora por causa de Janet que não trouxera uma criada como companhia naquela viagem, embora a Sra. Godfrey-Bennett tivesse deixado claro em suas cartas que empregados ingleses valiam seu peso em ouro em Nova Gales do Sul, onde os moradores tinham de se arranjar com serviçais egressos das prisões. Levar outra moça naquela aventura seria uma traição a sua amiga falecida.

A perda de Janet e a confissão de arrependimento no leito de morte tinham sido os verdadeiros motivos que haviam levado a herdeira de lorde Sinton a aceitar o convite dos Godfrey-Bennett, que há muito vinha sendo repetido. Ela viajaria para um lugar chamado Vale Parramatta, a cerca de doze quilômetros de Sidney, na colônia de Nova Gales do Sul, no outro lado do mundo. Abigail jurara a si mesma que iria ver e experimentar o máximo que pudesse daquelas coisas distantes, excitantes e exóticas pelas

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quais Janet secretamente ansiara.No entanto, isso não incluía manter-se próxima daquele

homem cheio de mulheres à sua volta e do assustador aborígene. Daria um jeito de desenhá-los de longe, não mais do que isso. A atitude e aparência daquele homem a faziam recordar de coisas que preferiria deixar guardadas em sua mente. Mesmo assim, não conseguia se esquecer de sua voz, de suas palavras e de seu toque. Os outros viajantes tinham sofrido do “mal do mar”. Ela estava sofrendo de “mal do homem” e nem mesmo sabia o nome dele!

Abigail passou uma segunda noite em claro, ouvindo as risadas das mulheres que o vento trazia. As vozes que entravam pela escotilha a perturbavam. Só podiam ser das seis moças que estavam com o tal homem. Por sorte ninguém tinha mencionado o nome dele durante o jantar. Não queria saber qual era! Mesmo assim, não pôde deixar de sentir uma certa perturbação ao ouvir sua voz grossa misturada às risadas das mulheres. Afinal, o que os levava a se divertirem tanto tão tarde da noite?

Abigail virou-se na cama estreita, empurrando o cachorro que dormia aos seus pés. H.M. só mudou de posição e voltou a dormir. Ela tentou, mas não conseguiu pegar no sono. Então levantou-se e acendeu o lampião de óleo de baleia. Pôs o robe azul de lã persa nas costas, mas logo deixou-o cair. Apesar de estar em alto mar em pleno mês de fevereiro, sentia um grande calor.

Com um suspiro irritado, sentou-se diante da mesinha e colocou a placa de madeira com o desenho inacabado à sua frente. Estiver a observando aquelas mulheres enquanto elas passeavam pelo seu convés de terceira classe. Duas loiras, uma ruiva, três morenas. Três eram altas, três baixas e todas usavam capas um tanto gastas, fora de moda. Nada parecido com o exótico albornoz que entrara em voga depois que os ingleses tinham derrotado Napoleão no Egito. Mas nada disso importava. O que realmente despertara sua atenção, e que estava tentando pôr no desenho, era que as mulheres pareciam se divertir imensamente.

E ele estava com as moças, ora de braço com uma, ora com outra, apontando para aqui e ali, como se de fato houvesse algo para ver que não fossem as ondas e a distante linha de costa de Portugal ou da Espanha. De novo o homem estava sem chapéu e o vento agitava seus cabelos. Ora, até mesmo os velhos botânicos tinham tido a delicadeza de colocarem elásticos em suas cartolas e não deixavam de tocar na aba sempre que cruzavam com as senhoras no convés.

O homem com as mulheres às vezes voltava-se para onde estavam os passageiros da primeira classe, mas Abigail de fato não poderia dizer se ele a havia notado. Quem sabe teria contado às

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suas companheiras que a surpreendera com as saias levantadas. Conhecia na própria pele os malefícios causados pelos mexericos e escândalos, e preferiria manter-se longe deles. No entanto, não podia passar o tempo todo escondida no camarote. Ficaria louca!

Abigail levantou a alavanca de prata de sua preciosa caneta tinteiro para fazer diluir a tinta. Em geral desenhava com várias penas de tamanhos diferentes, mas a caneta tinteiro era melhor quando o mar estava agitado. O desenho que começara mostrava dois grupos de mulheres, felizes e sorridentes.

Desenhara-as com roupas finas, enfeitadas, bem diferentes das usadas pelos seus modelos involuntários. Sua mente começou a divagar enquanto acrescentava novos detalhes aos penteados e vestidos, expressões e atitudes. Enquanto ouvia as vozes distantes concentrou-se em reproduzir o quadro que tinha na mente. Porém, continuou sem coragem de colocar o homem no espaço que reservara para ele bem no meio da cena.

Temia que ele se parecesse demais com aquele criador de carneiros de Nova Gales do Sul. Odiava admitir, mas sentia uma curiosidade insaciável a respeito dele, apesar do desagrado diante de suas maneiras. O pior era que a cada traço no papel, a imagem desse homem teimava em se mesclar com outra, que trazia à tona a lembrança do causador de sua desgraça.

Abigail acreditava que Tremont, lorde Northurst, reunia em si tudo o que ela imaginara sobre o perfeito namorado: belo, elegante, solícito, atencioso, portador de um título de nobreza. Ele fora o primeiro e único homem por quem se apaixonara. Tremont roubara seu coração desde a primeira vez em que o vira, no segundo baile depois de sua apresentação à corte. Ele também adorava cavalos e logo os dois estavam cavalgando juntos no Hyde Park e nos campos em torno de Fairleigh. Sempre cercados de amigos, assistiam às corridas em New Market e participavam de caças a raposas, embora Abigail não apreciasse esse esporte. Mas como Tremont era um aficionado, ela o acompanhava com prazer. Depois de algum tempo, Tremont declarara seu amor e pedira a mão de Abigail ao avô. Tratando-se da primeira temporada social da neta, lorde Sinton pedira-lhe para esperarem um ou dois anos antes de se casarem. Mas Tremont estava impaciente para tê-la só para si. Abigail, igualmente ansiosa, insistira com o avô:

— Mas eu não teria sido apresentada à corte se não estivesse pronta para me casar, vovô — protestou no gabinete em penumbra, com seu agradável aroma de couro. — Afinal, o senhor sabe que a temporada é uma espécie de mercado de casamentos.

— Só acho que você é jovem demais, caríssima menina. Ainda não conhece os homens.

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— Mas eu não quero conhecer outros homens. Só estou interessada em meu querido Tremont.

— Ele é bem mais velho do que você, mais vivido. Sei que é comum mocinhas de sua idade casarem com homens mais velhos, mas acontece também que eu soube que os Northurst estiveram investindo pesado em negócios que não deram certo e é possível que… embora eu não possa afirmar… O coração ardente e jovem de Abigail não queria ouvir falar em finanças e investimentos. Ela só pensava em entregar sua vida ao encantador Tremont e seu mundo excitante. Vendo que apenas o casamento a faria feliz, o avô acabara concordando. Mas uma semana antes da grandiosa cerimônia que iria se realizar na capela gótica de Fairleigh, o mundo de sonhos desabou sobre a cabeça de Abigail. Naquela noite terrível, ela vinha vindo para o salão por trás da tapeçaria que fora pendurada para afastar as correntes de ar quando ouviu Tremont conversando com um grupo formado de seus pais e amigos mais íntimos que estavam hospedados em Fairleigh, à espera da cerimônia.

— Não vejo a hora dessa palhaçada terminar para eu poder levá-la para a cama.

Abigail enrubesceu diante do fervor de seu noivo. Ele já deixara bem claro que não via a hora de possuí-la, mas não deveria comentar isso tão abertamente com os amigos. A pele de seu colo queimava contra o vestido de cetim.

— É difícil moças tão novas como Abigail engravidarem logo — observou um dos rapazes do grupo e vários outros concordaram.

— Mas tenho certeza de que você vai encontrar bons motivos para se consolar com as riquezas de Sinton, tanto no leito como fora dele, até conseguir um herdeiro para garantir as coisas.

Abigail sufocou um grito com a palma da mão. Seu primeiro impulso foi sair de trás da tapeçaria para repreender aquele homem que se atrevera a sugerir que sua fortuna tinha algo a ver com o amor maravilhoso e apaixonado que Tremont lhe devotava. Mas foi então que seu sonho desabou:

— Sem dúvida — concordou Tremont com veemência.— No entanto, não posso perder muito tempo. Os cofres dos

Northurst têm estado meio vazios ultimamente. Ainda assim, eu daria uma boa parte de minha fortuna recém adquirida para dar o fora desta maldita e poeirenta mansão que mais parece um convento. Sabem que o velho quer que fiquemos morando aqui? Não vejo a hora de voltar para Londres. Como eu disse, assim que terminar toda essa palhaçada, correrei para os braços de Sarah…

A conversa continuou, mas tudo estava acabado para Abigail.Ela tombou sobre o precioso tapete Aubusson e vomitou nele.

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No dia seguinte, encontrou em seu orgulho ferido a força de que precisava. Recusou-se terminantemente a ver Tremont, apesar de suas súplicas e dos sermões do avô. Furiosa, insistiu no cancelamento da cerimônia de casamento, apesar do estigma que isso deixaria em sua reputação.

— Diga a lorde Northurst que a palhaçada acabou! — gritou ela para os amigos e parentes do noivo que tentavam fazê-la mudar de idéia.

Cartões de desculpas foram enviados para os trezentos e quarenta convidados.

Os presentes, ricas baixelas de prata, aparelhos de cristal e porcelana, foram devolvidos.

Por algum tempo, ainda chocada com o acontecido, Abigail nem se deu conta de que não estava mais recebendo convites para os eventos sociais. Dois ou três meses depois, porém, descobriu por que fora cortada das listas da aristocracia. Tremont estivera falando contra sua honra!

Dizendo ao avô que ia fazer compras em Londres, Abigail foi procurar lorde Northurst em sua casa em Hanover Square.

— Como você e seu bando de amigos se atreveram a levantar rumores de que minha castidade já estava maculada antes de eu conhecê-lo! — Ela estava arrasada pela crueldade e grosseria do ex-noivo, mas manteve-se firme mesmo ao vê-lo avançando com insolência. — Você é o único maculado nesta história. Só me queria pelo dinheiro. Nem pretendia abandonar a sua amante!

Tremont soltou uma gargalhada. Se ela tivesse uma arma teria atirado nele sem piedade.

— Minha pobre garotinha, queira ou não esse é o mundo em que vivemos. Os casamentos são feitos por conveniência. Os homens, mesmo os casados, têm amantes. Isso até é esperado deles!

— Não de meu homem ou meu marido!— Sua tola! Por acaso acha que seu avozinho milionário não

teve dezenas de casos? Todo esse seu grandioso protesto deve tê-lo feito rir até as lágrimas às escondidas!

— Mas por que espalhar esses boatos sórdidos? Jamais deixei um homem me tocar e…

Tremont atirou-se sobre ela e tampou sua boca com a mão. Ele fumegava de frustração e raiva. Seu rosto estava contorcido.

Abigail tentava desesperadamente soltar-se para gritar por Janet que a esperava no corredor. Tremont, porém, atirou-a num sofá e levantou sua saia e anáguas com a mão livre.

— Então você é uma deusa virgem e casta que jamais foi tocada? O que me diz agora? — rosnou Tremont, enquanto

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apalpava maliciosamente a coxa nua de Abigail acima da liga que segurava sua meia. — Minha pequena herdeira, tão virtuosa, que se considera boa demais para os Northurst, que não concorda com o modo como as coisas são feitas nesta cidade e neste país, não é? Será que você pensou mesmo que eu ia esquecer todos os prazeres por sua causa? Você tem muito que aprender sobre a vida, menina!

Tremont machucava Abigail. Ele a apertava entre as pernas, em seu lugar mais íntimo. Indignada, ela mordeu os dedos que a continham e sentiu gosto de sangue. Tremont gritou, soltando a mão. Ela chutou. Tremont saltou para trás e Abigail levantou-se de um pulo, caindo de joelhos.

— Sua cadelinha mimada! — ele berrou.Abigail correu para a porta. Vendo que Tremont não a estava

perseguindo, virou-se para ele com o dedo em riste.— Não quero nem você nem seu mundo, canalha! Juro que

rebaterei suas mentiras uma a uma!— E vai enfrentar todos os olhares e cochichos? — retrucou

Tremont cinicamente. — Acha mesmo que acreditarão em você? E diga ao seu pobre avô para ele vir me desafiar se quiser limpar sua honra!

Abigail fugiu dali. Não contou nada ao avô sobre a perfídia de Northurst. Talvez seu maior medo tivesse sido ouvir de lorde Sinton que ele também tivera amantes e que assim era o mundo, como aquela víbora afirmara.

Ela não voltou mais à corte nem à sociedade, nem mesmo quando o novo rei, William IV, foi coroado seis anos depois daqueles terríveis acontecimentos e chegaram convites para os vários eventos comemorativos. Não queria mais ver lorde Northurst, nem que fosse de longe. Ouvira contar que ele se casara com uma rica herdeira e já estava com quatro filhos. Manteve-se recolhida em sua tranqüila vida em Kent e estava certa de que sentia-se contente e realizada até perder Janet e se conscientizar que ainda não vivera nada.

Ela ainda não vivera de verdade. As risadas das mulheres na proa a fizeram lembrar-se disso. Não vivera de verdade! Na profundeza de uma noite como aquela teve de admitir a si mesma que não levara uma vida tranqüila, mas terrivelmente solitária!

Abigail Anne Rosemont desenhou um encantador sorriso na moça que ficava no canto esquerdo do papel. Depois levantou o olhar da figura, mostrando-a como se estivesse contemplando os olhos do homem que logo estaria no centro da cena. Em seguida traçou uma outra mulher, mais baixa, também rindo alegremente para ele. No entanto, enquanto desenhava sorrisos e risadas, lágrimas silenciosas lhe corriam pelas faces e pingavam na mão

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que segurava a caneta com destreza.

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CAPÍTULO II

Os dois botânicos tinham convidado o passageiro da terceira classe para jantar! Embora o dia estivesse calmo e ensolarado, o navio pareceu dar uma guinada sob os pés de Abigail no instante em que ela ouviu a novidade.

Estivera desenhando as nuvens sobre a distante costa do Marrocos e entrara no salão bem a tempo de ouvir que o homem aceitara o convite que ela nem sabia que havia sido feito.

Apesar de estar faminta e sedenta, quase se acovardou, considerando a possibilidade de perder o jantar. No entanto, refletindo melhor, decidiu comparecer para não dar a entender que ainda estava impressionada com o absurdo encontro da semana anterior.

Vestiu-se e penteou-se com especial cuidado para parecer bem diferente da bruxa desgrenhada que ele vira no convés.

Estava adquirindo cada vez maior habilidade em prender os cabelos, embora fosse bastante difícil lidar com eles porque, com o racionamento de água doce, só conseguia lavá-los com água do mar. A rotina de banhos de esponja também já estava ficando tão cansativa quanto à dieta de carne ou peixe salgados, batatas e pão sem fermento, tão sem graça.

E pensar que ainda passaria meses naquele navio! O que não daria por uma pêra, uma maçã ou um bom banho de banheira.

Ultimamente vinha pensando muito nessas coisas antes tão simples, que agora eram um luxo. Os homens a bordo tinham melhor sorte, pois recolhiam a água de chuva que se juntava nas velas do navio. A Sra. Gates também lhe contara que quando chovia bem tarde da noite a tripulação tirava as roupas e ia banhar-se no convés. Infelizmente, uma dama jamais poderia imitá-los. Às vezes, quando ouvia as vozes das seis mulheres da terceira classe durante um aguaceiro, imaginava se elas não estariam se lavando na chuva. Se fosse verdade, gostaria de juntar-se ao grupo, mesmo arriscando sua reputação.

Com o auxílio da criada da Sra. Gates, Abigail pôs o vestido de musselina cor de creme com preguinhas no corpete. As sapatilhas presas com fitas e reveladas pela saia com barra em bicos, mais curta, terminando à altura do tornozelo, completavam o traje de

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verão. Ela tentou convencer-se de que o fato de ter escolhido um de seus vestidos mais simples não tinha nada a ver com o comentário do criador de carneiros de que laços e babados eram desnecessários a bordo. Seu penteado parecia totalmente sob controle, pensou, examinando no espelho os cabelos espessos divididos ao meio e presos num coque no alto da cabeça, o conjunto suavizado por alguns cachos soltos diante de cada orelha. Desta vez não usava nada de postiço.

Novamente Abigail garantiu a si mesma que preferiria nem ouvir o nome do homem que iria jantar na primeira classe naquela noite. Isso o tornaria mais real do que o retrato que fizera dele. Mas, como soube enquanto mantinha-se rígida como um soldado durante as apresentações, o nome era bem apropriado para alguém tão rude. Duke Braden. “Duque”. Dava a impressão de que ele queria ostentar um título que jamais possuiria por direito. Um bom nome para um cachorro, pensou, rindo por dentro. Por pouco não dera ao seu spaniel o nome de Duque. '

— Vejo que a senhorita é capaz de sorrir — murmurou Duke Braden enquanto todos se aproximavam da mesa e esperavam o capitão puxar a cadeira para sua esposa.

— Só quando a ocasião requer — respondeu Abigail altiva, sem devolver o olhar intenso.

Nesse instante H.M. enfiou-se por entre as saias de sua dona para ir cheirar as pernas de Duke Braden. Abigail não conseguiu reprimir um outro sorriso. De alguma forma, o nome do homem facilitara o encontro formal entre os dois.

— Como se chama o cãozinho?— H.M. São as iniciais de um dos filhos do rei Charles II. Não

sei se o senhor sabe, mas foi Charles II que desenvolveu essa raça.— Um cão aristocrata para uma dona aristocrata, nada mais

adequado.Alguns que ouviram a observação sorriram, mas Abigail notou

muito bem o tom sarcástico e considerou as palavras um novo insulto. Isso a fez levantar a guarda e manter-se calada a maior parte do jantar, embora estivesse fascinada com as histórias do homem.

Instado pelos dois cientistas, Duke Braden descreveu o que chamou de “beleza crua, não domesticada” de Nova Gales do Sul.

Falou em aves, animais e plantas que ela só vira em livros ou no zoológico de Londres: cangurus, cacatuas, árvores gomíferas, samambaias e eucaliptos. Abigail ouvia encantada, apesar de ainda estar irritada com ele.

Quando todos tomavam um clarete após a refeição, Duke Braden falou:

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— É uma pena, e pura idiotice, os proprietários ingleses que moram em Nova Gales do Sul não quererem admitir que lá não é a Mãe Inglaterra.

— Por que idiotice? — contestou o sr. Michael Saxon. — Não existe nada mais verdadeiro e estabelecido do que os costumes ingleses. E como Nova Gales do Sul é uma de nossas colônias…

— Mas no seu sentido mais profundo, lá não é a Inglaterra! — Duke Braden falou com veemência, batendo o punho na mesa, fazendo os copos tilintarem.

Abigail voltou a observá-lo disfarçadamente, como estivera fazendo a noite toda. Ele era intenso e passional quando expressava suas opiniões. Os olhos azuis cintilavam, o queixo tornava-se mais quadrado, as narinas estremeciam.

E pensar que naquela tarde, ele lhe dera a impressão de ter somente água gelada nas veias! E o modo de falar, o sotaque fluido, tão diferente do inglês seco ao qual estava acostumada, combinava perfeitamente com sua personalidade. Se os nativos de Nova Gales do Sul falavam daquele jeito, o lugar era mesmo bem diferente da Inglaterra.

Surpreendentemente, essa idéia, em vez de preocupá-la, à empolgou. Abigail sentiu um arrepio nos braços e uma sensação estranha na nuca que se espalhou pela espinha, obrigando-a a se acomodar melhor na cadeira.

— Vejam o aspecto da comida — continuou Duke Braden, apesar das exclamações de protesto e prevendo que logo teria de discutir com aqueles ingleses orgulhosos. Já estava cansado daquilo.

Durante o tempo que ficara em Londres tivera de enfrentar constantemente o preconceito contra tudo o que era diferente dos costumes ingleses.

Em todas as vezes que conversara com membros do Parlamento para defender a causa da livre imigração para mulheres ou reivindicar maiores direitos para os aborígenes ou condenados, encontrara o mesmo olhar frio, as mesmas atitudes rígidas que impediam bons acordos e maior compreensão. Claro que aquelas pessoas a sua frente não tinham culpa por pensar como pensavam, mas poderiam ser mais abertas para facilitar um entendimento.

— Comida? — interrompeu a Sra. Gates. — Acho que não existe nada melhor do que a comida inglesa. Eu até sonho com ela, especialmente aqui, quando somos obrigados a nos contentar com rações marítimas.

— Desculpe-me, Sra. Gates — disse Duke Braden, tentando esconder a irritação. — As ostras e lagostas de Sidney são mais

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deliciosas do que qualquer coisa encontrada em águas inglesas. No entanto, os “seletos” de lá, que é como são chamados os ricos que foram para Nova Gales do Sul de livre e espontânea vontade, mal ligam para a abundância de nossos mares, campos e rios. Eles continuam preferindo os alimentos salgados que vêm da metrópole, em vez de tentarem se adaptar à comida fresca dos nativos.

— É verdade que o ensopado de rabo de canguru é um prato delicioso? — quis saber a Sra. Graham.

— Sopa de canguru, é como a chamam. Contam que é muito melhor do que rabada de boi, mas não posso garantir, porque nunca tive coragem de experimentá-la. Sabe, em minha propriedade temos cangurus qüe são considerados bichinhos de estimação, como o seu H.M., srta. Rosemont.

Duke Braden queria melhorar o clima. Não gostaria que aquelas pessoas, especialmente a mimada srta. Rosemont fizessem julgamentos apressados sobre sua terra antes de lá chegarem.

Mal trocara duas palavras com a moça desde que tentara puxar conversa usando o pretexto do cachorrinho. Acostumado com suas protegidas, imaginara que ela iria responder com outra brincadeira.

Teria de tomar mais cuidado com a ruivinha de nariz em-pinado.

No entanto, notara seus olhos examinando-o a noite inteira. E os sentira até no fundo da alma! Procurou mudar de assunto, passando para generalidades, esperando incentivá-la a falar mais. Talvez fosse bobagem, mas se conversasse mais com ela possivelmente a conseguiria tirar do pensamento. Até mesmo suas companheiras de viagem, tão divertidas, não o tinham feito esquecer de seu primeiro e infeliz encontro com a jovem aristocrata.

— Pelo que entendi, todos aqui vão ficar em Sidney, não é, srta. Rosemont?

A resposta, porém, acabou com qualquer idéia de paz entre eles:

— Na verdade, vou ficar a uns doze quilômetros de Sidney. Passarei uma longa temporada com meus primos distantes, os Godfrey-Bennett, num lugar chamado vale Parramatta.

Abigail chocou-se ao ver o rosto antes sorridente congelar-se de novo em frio desdém.

— Entendo.— O senhor… o senhor os conhece?— Sim. Todos os conhecem. A propósito, sei muito mais do que

gostaria sobre eles. Bem, acho que já falei bastante depois de um 23

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agradável jantar inglês. — Para surpresa geral, Duke Braden levantou-se abruptamente.

Ninguém entendeu sua atitude, mas Abigail sentiu-se novamente insultada. Como aquele homem se atrevera a dar a impressão de que sabia algum segredo sobre seus parentes! E como um simples criador de carneiros ousava emitir julgamentos sobre uma família tão influente como os Godfrey-Bennett?

Como se estivesse falando pela sua dona, H.M. latiu para Duke Braden enquanto ele dava boa-noite e saía do salão.

Ainda bem que o sr. Braden se afastara rapidamente, pensou Abigail, ou teria atiçado H.M. contra ele. Mas uma mordida poderia envenenar o pobre animalzinho com amargura e rancor!

Na semana seguinte, quando o Challenge continuava rumando para o sul, seguindo a costa da África e aproximando-se do equador, Abigail resolveu ir desenhar no convés. O sol brilhava, o mar estava calmo e ela conseguiria lidar facilmente com papéis, penas e tinta. H.M. não daria problemas. Ele finalmente se acostumara com as galinhas, algumas das quais estavam em gaiolas colocadas junto à amurada.

Abigail sentou-se no banquinho emprestado pelo capitão e áuspirou ao ver os baldes de água pendurados em ganchos perto das gaiolas. Diariamente a água era retirada dos barris no porão e posta ali para arejar. Como gostaria de beber até se fartar e depois lavar o rosto adequadamente! Com um novo suspiro, acomodou a prancha de desenhar no colo.

Ultimamente ela vinha usando o vento forte como pretexto para não passear no convés em suas horas habituais. A verdade era que não tinha a menor vontade de ver o sr. Braden, nem mesmo a distância. Mas um dia tão bonito como aquele não podia ser desperdiçado. O criador de carneiros e seu harém tomavam sol no convés da proa. O aborígene estava agachado junto à amurada, parecendo cortar alguma coisa. Abigail examinou o grupo disfarçadamente por sob a aba do chapéu. Seria interessante desenhar o aborígene. Já retratara as mulheres e o sr. Braden de memória, conseguindo uma semelhança bastante satisfatória. Agora o papel branco à sua frente como que pedia para ser enchido com linhas reproduzindo a figura exótica que via a uma certa distância.

Ela virou-se um pouco para não ser surpreendida olhando diretamente para seu modelo involuntário. O aborígene era mais baixo e mais magro que o sr. Braden. A pele escura brilhava como cobre sob o sol e de longe os cabelos encaracolados davam a impressão de exibirem alguns fios brancos. Os membros pareciam ser feitos de fios flexíveis, pois ele estava todo encolhido,

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parecendo uma bola, enquanto se ocupava com sua tarefa. Vestia roupas inglesas, mas era fácil imaginá-lo usando algo mais… mais elemental. Embora estivesse usando apenas tinta preta, ela gostaria de saber a cor de seus olhos. Também sentia curiosidade sobre o homem.

Como falava, como vivia, em que pensava, com o que se ocupava agora? E por que estaria a bordo? Seria um criado ou um tipo de guarda-costas?

Abigail estremeceu ligeiramente ao ver o rosto do aborígene virar-se em sua direção. Estivera pintando a pele e cabelos de seu modelo com a aguada cinzenta e agora completaria o desenho com a caneta. Pegou a caneta tinteiro e levantou-a para verificar o nível da tinta. H.M., ainda sonolento, abriu os olhos ao ouvir duas galinhas cacarejando. Então tudo aconteceu ao mesmo tempo.

O aborígene soltou um grito estrangulado. Abigail olhou surpresa para ele. Duke Braden e as mulheres também gritaram.

Tarde demais Abigail percebeu que o aborígene levantara-se de um salto e atirara contra ela o objeto que estivera segurando.

O pedaço de madeira entalhada bateu na prancha de desenhar e saltou para dentro de uma das gaiolas, assustando as galinhas.

Abigail gritou, apavorada, e tentou levantar-se equilibrando tinta, penas e água sobre a prancha de madeira.

O aborígene avançou para o convés da primeira classe aos gritos, sacudindo os punhos. Duke Braden corria atrás dele, berrando algo que ninguém entendeu. O aborígene subiu a escada que separava os dois tombadilhos. Ao ver aquela criatura exótica tão perto dela, Abigail gritou de novo e recuou, chocando-se contra as gaiolas das galinhas e fazendo os preciosos baldes de água se derramarem.

— Não, Kulalang! Espere! Espere! — ordenou Duke Braden enquanto galgava os estreitos degraus, subindo para o convés da primeira classe.

As seis mulheres também subiram, chamando o aborígene.Kulalang estendeu a mão para pegar a prancha que Abigail

segurava contra o corpo como se fosse um escudo, sujando o vestido de tinta. Arrancou-a das mãos da moça, fazendo tinta, água e penas voarem. H.M., partindo em defesa de,sua dona, avançou para ele, mas depois deu a volta e enfiou os dentes no tornozelo de Duke Braden.

— Veja! Veja! — gritou o homem escuro para Duke. Este tentava desvencilhar-se de H.M., enquanto as mulheres o cercavam, olhando aflitas para o sangue que escorria do ferimento. — Olhe! Ela fez espírito! Ela apontou o osso! Ela apontou o espírito! Ela morre!

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A confusão era total. H.M. corria em círculos, latindo.Kulalang saltou sobre a caneta de marfim, esmigalhando-a, e

depois pegou o pedaço de madeira que caíra na gaiola e sacudiu-o na direção de Abigail. Ela soltou um gritinho apavorado e pegou H.M. no colo, preparando-se para fugir dali.

Neste instante o capitão Gátes surgiu em cena. Pediu silêncio, mas não conseguiu pôr fim ao burburinho.

— Olhe, sr. Braden — disse uma mulher alta, de cabelos castanhos. — Veja este outro desenho. Ela nos retratou também. Ora, essa moça é uma artista!

— Ai, que horror! — gritou uma outra mulher. — Meu vestido e sapatos estão salpicados de tinta. Você também está toda suja, Clarissa.

— Chega! — berrou Duke Braden, impondo silêncio para o capitão poder ser ouvido.

Mas nem Abigail nem Duke prestaram atenção às palavras do capitão. Ficaram olhando feio um para o outro por sobre o caos até ele precisar se inclinar para estancar o sangue do ferimento com um lenço.

Abigail queria pedir desculpas, mas as palavras estavam estranguladas em sua garganta. Enquanto era conduzida para um lugar mais seguro pelo capitão Gates, lançou um olhar para trás e viu outras coisas além da expressão severa no rosto de Duke Braden. As mulheres, consternadas, examinavam seus vestidos manchados de tinta. E o aborígene, antes tão assustador, estava caído aos pés delas, como se tivesse definhado de repente.

Durante a tarde, a noite e na manhã seguinte, Abigail sofreu por causa da confusão que causara. Claro, o pagão tentara agredi-la com o pedaço de madeira entalhado, mas ela obviamente fizera algo para provocar o ataque. O resultado não poderia ser pior: perda de três baldes de preciosa água doce, vestidos estragados, Duke Braden mordido e o tal Kulalang, ao que tudo indicava, em más condições. E ela só sabia que o aborígene a acusara de desenhar seu espírito e de lhe apontar um osso! O pior era que antes de cair semidesmaiado, ele dissera que ela deveria morrer!

Era como se todos estivessem presos naquele navio, no meio de uma luta de classes! Por que a maldita viagem tinha de durar tanto? Por que não existiam navios a vapor naquela rota como os que faziam a viagem entre Bristol e Nova York em apenas quinze dias? Como suportaria ficar meses naquele veleiro?

Por volta de meio-dia, Abigail tomou coragem, pegou em seus baús algumas roupas para substituírem as que tinham sido estragadas pela tinta e deixou o camarote decidida a fazer uma visita às mulheres da proa. O capitão a informara que o aborígene

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estava doente e ela imaginou se não seria devido ao remorso pelas suas ações e ameaças violentas. Sua intenção era pedir à Sra. Gates ou à Sra. Graham para acompanhá-la na incursão à segunda e terceira classes, onde perguntaria sobre o sr. Kulalang, as mulheres e… o sr. Braden. Estava resolvida a se desculpar e indagar o que poderia fazer para ajudar. Todavia, ao entrar no salão à procura de uma das senhoras, viu Duke Braden avançando pela porta.

Por um instante eles se entreolharam surpresos e sérios.— Eu vim para buscá-la — disse Duke.— E eu ia perguntar o que realmente aconteceu e se posso

fazer alguma coisa para ajudar. Não tinha idéia de que seu criado ia agir daquela maneira.

— Ele é meu amigo, não “meu criado”. Por sorte Kulalang só atirou na senhorita o woomera, o arremessador de lanças que estava entalhando. Se houvesse uma lança nele, agora sua espinha estaria partida em duas!

Abigail estremeceu. Seus joelhos ficaram ainda mais fracos e não poderia dizer se era por vergonha, medo ou pela simples presença daquele homem. Apertou as roupas que carregava contra o corpo, como procurando proteção.

— Está levando essas roupas para lavar? — perguntou Duke.— Seria a última coisa que eu poderia fazer depois de ter

derrubado os baldes quando o sr. Kulalang se atirou contra mim. Quero oferecer estas roupas para as senhoras que estão em sua companhia, para substituírem as que foram estragadas pela minha tinta.

Abigail viu as feições severas de Duke Braden se suavizarem pela primeira vez desde que o tinha conhecido. Ele não chegou a sorrir, mas seu olhar tornou-se tão doce que quase a fez cambalear. Ela teve de dar um passo à frente para se apoiar no espaldar de uma cadeira.

— Então, permita-me acompanhá-la até lá embaixo? — Ele inclinou-se polidamente, com uma das mãos nas costas. Era como se fosse um cavalheiro convidando-a para um passeio no parque. — Mas primeiro eu gostaria que a senhorita fosse até meu camarote para garantir a Kulalang que não era sua intenção amaldiçoar seu espírito quando desenhou o retrato e apontou o osso para ele.

— Mas de que osso o senhor está falando? — perguntou Abigail intrigada, enquanto caminhavam pelo convés.

— A caneta de marfim que Kulalang quebrou em pedacinhos. Ele pensou que a senhorita a estava apontando em sua direção. Depois, ao ver o próprio retrato, teve certeza de que a senhorita queria destruir seu espírito. Sabe, quando um aborígene

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surpreende alguém o apontando com um osso, desiste da vida e deita-se para morrer. Espero que a senhorita lhe explique que não pretendia prejudicá-lo. Estive tentando convencê-lo disso, mas creio que ele se recuperará mais depressa se ouvir as palavras de sua boca.

— Naturalmente! Nunca me passou pela cabeça…— Eu sei. Venha, temos de descer estes degraus.Abigail Anne Rosemont começou então a conhecer de perto as

pessoas que até então só avistara a distância. Esquecendo-se de que seria considerado impróprio para uma senhorita visitar sozinho o camarote de um homem, concentrou-se apenas em tentar entender as crenças de Kulalang e em pedir-lhe desculpas pelo acontecido. Emocionou-se ao ver o aborígene antes tão abatido levantar-se da esteira colocada ao lado da cama do sr. Braden e dirigir-se a ela com um sorriso.

— Senhora parecida comigo — disse Kulalang. — Cabelos como as ondas do mar. Só que há pôr-do-sol nos seus. Kulalang também desenha. Pegue! Presente. — E colocou nas mãos de Abigail o woomera que antes atirara contra ela. Os entalhes mostravam caçadores e suas presas exóticas.

Comovida demais para falar, Abigail só balançou a cabeça e piscou para afastar as lágrimas. Duke Braden assistia à cena, impassível.

Enquanto se dirigiam para a terceira classe, Duke Braden explicou que as mulheres que estava levando para Nova Gales do Sul chamavam-se a si mesmas de “as noivas de Braden”, embora ele não tivesse a intenção de casar-se com nenhuma delas.

Ao chegarem ao estreito compartimento de proa, onde os vários leitos ficavam enfileirados nas paredes, como se fossem prateleiras, Duke Braden começou a fazer as apresentações.

— Clarissa Nye, Deanna Dill, Evelyn Chase, Cora Mercer, Grace Buck e Beth Anne Clare. Estas senhoras são imigrantes. Estão viajando sob um novo plano do governo, que pretende aumentar a população de minha terra. Elas se casarão ao chegarem lá e os maridos arcarão com as despesas da viagem. '

— Tenho certeza de que essas senhoras contribuirão muito para o crescimento e progresso de Nova Gales do Sul — comentou Abigail.

As mulheres sorriram diante do cumprimento e duas delas chegaram a fazer uma mesura. Grace Buck, uma morena de olhos castanhos, foi a primeira a falar.

— Não temos a menor idéia de quem serão nossos maridos. O sr. Braden já nos avisou de que haverá muito confusão quando chegarmos. Por falar em confusão, a de ontem foi terrível, não

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concorda, srta. Rosemont? A gritaria, as galinhas… Ficamos surpresas com a reação de Kulalang. Ele é sempre tão quieto e delicado, não é mesmo, sr. Braden?

— A srta. Rosemont já conversou com Kulalang e explicou-lhe que não teve a menor intenção de fazer-lhe mal.

— Sim. Creio que agora está tudo acertado entre nós — concordou Abigail. — E agora quero dar-lhes estas roupas para substituírem as que ficaram manchadas de tinta.

— Mas não podemos aceitar coisas tão finas! — disse Grace Buck, passando timidamente a ponta do dedo no tecido azul de um dos vestidos.

— Sei por experiência própria que a água do mar não lava manchas de tinta e desejo compensá-las de alguma maneira. Por favor, aceitem. Além disso, já desenhei vocês várias vezes e estas roupas poderiam ser consideradas um tipo de pagamento por terem me servido como modelos.

— Ai, que lindo! — exclamou Evelyn Chase. — Agora somos modelos de uma artista! Mas diga-me, srta. Rosemont, o que vai dar ao sr. Braden para compensar pela casaca suja de tinta e o sangue na perna da calça? — acrescentou, com uma risadinha maliciosa e cutucando o braço de Duke com o cotovelo.

Houve um instante de silêncio enquanto as noivas de Braden esperavam para ver qual seria a resposta de uma dama tão fina à provocação. Abigail começou a gaguejar. Braden, também um tanto sem jeito, veio em sua salvação.

— A srta. Rosemont vai me prometer que não apresentará queixa contra Kulalang quando desembarcarmos. Posso contar com isso, senhorita? Uma denúncia de acusação tem graves conseqüências para um aborígene.

— Dar queixa? Claro que não. Mas imponho uma condição: quero que suas amigas aceitem meus presentes.

As noivas atiraram-se sobre as roupas como crianças entusiasmadas. Mostravam os vestidos e saias umas às outras e tocavam os tecidos com gritinhos de prazer. Abigail levantou os olhos para Duke e surpreendeu-o fitando-a com tal intensidade que ela se sentiu acariciada. Um frêmito de emoção espalhou-se pelo seu corpo.

Quando os dois estavam voltando para a primeira classe, Duke falou:

— Amanhã é o dia em que cruzaremos a linha.— Linha? Oh, sim, o equador. Ouvi contar que costumam fazer

uma grande festa para aqueles que o atravessam pela primeira vez. E também, pelo que o capitão Gates me disse, uma vez passado o equador, começaremos a atravessar o oceano até

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atingirmos as costas do Brasil.Duke estendeu a mão e segurou-a pelo cotovelo para fazê-la

parar antes de entrar pela porta do salão.— Mas, para mim, foi hoje o dia em que a senhorita cruzou a

linha. E foi uma festa e tanto.Abigail virou-se para encará-lo sob a luz do sol. Ambos

pareciam estar com os pés colados no piche quente que vedava o espaço entre as tábuas do convés. Eles entreolharam-se, quase sem respiração. Nenhum dos dois se mexeu, como se não quisessem romper o vínculo que se forjara entre eles.

Os olhos de Duke desceram para a boca de Abigail. Ela, numa antecipação que não conseguiu controlar, entreabriu os lábios, mas manteve as pálpebras ligeiramente abaixadas, sem coragem de mergulhar nas profundezas dos olhos azuis. Nesse momento, porém, vozes vindas do salão a forçaram a voltar para a realidade.

— Bem, agora preciso entrar. Um bom dia — despediu-se, com a voz subitamente rouca.

— Concordo inteiramente — disse Duke.A mão dele, que até então segurava o cotovelo de Abigail sem

que os dois se dessem conta disso, caiu para o lado.Abigail suspirou quando ele se afastou. Sem aquele homem ao

seu lado sentia-se como uma vela abandonada pelo vento.Depois que o veleiro atravessou o equador, os dias pareceram

voar. Abigail passava a maior parte do tempo desenhando e retratou as noivas uma a uma enquanto conversavam amigavelmente. Às vezes Kulalang vinha vê-la trabalhar e também fazia alguns desenhos. O aborígene falava pouco, mas Abigail prestava grande atenção às suas palavras, decidida a captar o máximo sobre a Austrália. Ela também conversava bastante com Duke Braden, mas entre eles ainda existia uma barreira, embora já não parecesse tão intransponível.

Nessas conversas, Abigail aprendeu muito sobre Nova Gales do Sul com Kulalang e Duke Braden, e também muito sobre uma Inglaterra que não conhecia com suas novas amigas da terceira classe. Ouviu histórias de miséria e tristeza.

Cora Mercer era a quinta filha de uma família de onze. Trabalhara como costureira de manhã até a noite, mas tivera de desistir do trabalho porque ficara com a vista fraca devido ao sarampo. Sem um tostão, estava pensando em fazer a “rua”, como dizia, quando alguém lera para ela o anúncio de Duke Braden estampado num jornal que caíra na sarjeta.

Grace Buck tinha um pai bêbado que lhe dava surras terríveis. Desesperada, ela fugira para a casa de conhecidos, mas fora mal recebida. Evelyn Chase era viúva de um marinheiro e seus dois

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filhos tinham morrido vítimas de uma febre. Estava certa de que não lhe restava nenhum futuro até encontrar no anúncio a oportunidade de começar uma nova vida em outro país.

Diante de tantas histórias tristes, Abigail nem teve coragem de falar sobre os acontecimentos de seu passado que a tinham feito procurar uma vida de reclusão. Em suas conversas, só dizia que estava indo à Austrália para visitar seus primos em segundo grau. No entanto, cada vez que tocava no assunto perto de Duke Braden o clima entre eles parecia escurecer.

Agora que o veleiro navegava pelos trópicos, chovia todas as tardes e à noite. Abigail precisava se controlar a cada aguaceiro para não ir ao convés e lavar-se sob a chuva quente e abundante. Para uma mulher acostumada com banhos diários, a escassez de água era o maior fardo daquela viagem.

As duas outras mulheres da primeira classe pareciam se contentar com o jarro de água que recebiam diariamente. Abigail queria e necessitava mais, mas hesitava em ser diferente delas. Não queria ser considerada mimada pelos seus companheiros de viagem e jamais se rebaixaria a oferecer suborno a um dos marinheiros para obter uma ração extra do precioso líquido. Numa certa noite, enquanto caía uma chuva morna, ela ouviu vozes femininas vindo da proa e imaginou se as noivas não estavam aproveitando a oportunidade para se banhar. Desejou poder imitá-las, mas não se atreveu a ir ao convés sozinha. No entanto, tomou uma decisão. Iria fazer como os homens, que recolhiam água doce nas velas.

Ela conseguira obter do capitão a informação de que entre três e quatro da manhã era a hora em que havia menos tripulantes acordados. Nesse intervalo, apenas o imediato e um marinheiro ficavam cuidando do timão. Assim, quando a tempestade acabou, pegou o jarro de louça e dirigiu-se para as velas mais próximas. Resolveu que repetiria o trajeto tantas vezes quantas fossem necessárias até ter tudo lavado: seus cabelos, suas roupas e até seu cachorro!

O plano funcionou com perfeição. O único inconveniente era que ela se molhava toda cada vez que puxava a corda da vela para recolher a água. Mas Abigail ria baixinho porque estava se divertindo muito com aquilo. Como se livrara do espartilho e anáguas, logo estava com o vestido completamente ensopado aderindo ao seu corpo como se fosse uma segunda pele. Na viagem seguinte, tirou os sapatos. Era bom demais estar ali no convés sozinha, livre, sentindo a brisa agitar seus cabelos recém-lavados. Decidira deixar o banho por último, mas não agüentou esperar. Voltando ao camarote, despiu-se e entregou-se ao luxo de se

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esfregar demoradamente com a deliciosa água doce e o sabonete de lavanda que a fez lembrar-se de Fairleigh.

Terminado o banho, voltou a pôr o mesmo vestido molhado. Que sensação maravilhosa! Faria mais uma ou duas viagens para lavar algumas roupas e depois chegaria a vez de H.M. Como já recolhera toda a água acumulada nas velas meriores, agora teria de tentar a joanete, a mais baixa no mastro principal. Ela ficava bem mais distante, mas nada seria capaz de impedi-la!

Abigail pegou o jarro e foi até o castelo de proa. Depois de quase dois meses no mar, sentia-se quase uma parte do veleiro. Olhou para cima e viu a vela pesada e redonda, como se fosse uma árvore frutífera pronta para ser colhida. A vela era larga. Ela teria de alcançar um de seus cantos. Indo para perto da amurada, segurou-se numa corda, levantou-se na ponta dos pés e ergueu bem alto o braço que carregava o jarro.

— Uma deliciosa e úmida ninfa do mar emergiu das ondas para tentar os pobres mortais.

A voz vinda de trás dela a fez saltar. Duke Braden! Abigail teria caído se a mão forte não a pegasse pela cintura para ampará-la. Outra mão cobriu a sua na alça de louça, ajudando-a a segurar o jarro. Abigail puxou-o com força, mas com o movimento brusco virou-se para a frente, ficando cara a cara com o homem.

Agora estava presa num abraço, com os quadris e coxas pressionados contra o corpo de Duke, o vestido molhado se esticando sobre seus seios ofegantes. Para seu completo embaraço, sentiu os bicos se enrijecendo contra o tecido úmido. Duke usava apenas calças e uma camisa branca aberta no pescoço.

— O senhor me assustou — sibilou Abigail, tentando se soltar. Duke nem se mexeu. Ela tentou enfiar o jarro entre os dois, mas não havia espaço.

— Foi por isso que a segurei. Se caísse ao mar, ninguém notaria sua falta até ser tarde demais. E longe de mim querer privar os ilustres Godfrey-Bennett de porem as mãos em você assim. Concorda? — A voz de Duke estava mais seca do que nunca.

Abigail sabia que devia exigir que ele a largasse, mas o corpo musculoso encostado ao seu, o braço forte que a apertava e até mesmo o leve hálito de conhaque que podia perceber atordoaram seus sentidos. Ela parecia entorpecida, embora correntes de energia percorressem seu corpo. Mas finalmente recuperou a voz:

— Os Godfrey-Bennett jamais porá as mãos em mim deste jeito!— Será? — desafiou Duke, soltando-a. — Vejo que você não

conhece Phillip, o herdeiro da família. Tenho absoluta certeza de que ele considerará você e sua fortuna um prato muito saboroso.

Ele voltou a sentar-se na amurada do castelo de proa, onde 32

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estivera quando Abigail aparecera. Cruzou os braços sobre o peito e as pernas na altura do tornozelo. Estava descalço.

— O senhor não tem o direito de falar desse jeito sobre Phillip ou sobre mim. Prato saboroso! — reclamou Abigail, segurando o jarro contra o peito arfante. — E o que sabe sobre minha fortuna? — acrescentou, desconfiada. Talvez fosse somente por causa de seu dinheiro que ele permitira que ela se juntasse ao seu grupo. Na certa só tolerava sua presença devido aos presentes que dera às noivas.

— Creio que um de seus ilustres companheiros da primeira classe mencionou sua herança. Eu não costumo me manter a par de nobres herdeiras e suas fortunas.

— Eu não sou nobre, embora o título adequado para mim na corte seja lady Abigail.

— Eu também não tenho nada de nobre — retrucou Duke, num tom de caçoada. — E por sorte, a corte está muito longe de minha terra.

Abigail começou a se afastar. Não chegou a dar nem quatro passos antes de ele puxá-la pela mão e voltar a abraçá-la.

— Você! Você escondeu toda sua pose para agradá-las! Subornou-as com presentes e retratos, e começou a se meter em suas vidas e corações para mais tarde se divertir à custa delas!

— Do que o senhor está falando? De seu pequeno harém? Não precisei fingir para elas. Tenho sido apenas gentil, mas o senhor parece incapaz de reconhecer o que é delicadeza. Kulalang, ao contrário, entendeu que…

— Então aprecia os selvagens, minha fina srta. Rosemont? Pois a selvageria talvez seja a receita para domesticar gente de seu tipo e da laia dos Godfrey-Bennett!

Abigail levantou a mão livre para esbofeteá-lo. Duke segurou-lhe o pulso. Ele não acreditava em violência nem em demonstrar raiva. Jurara nunca mais brincar com aquela mulher ou tocá-la, mas todo seu autocontrole se desvanecera quando a vira se inclinar perigosamente sobre a amurada para tentar alcançar a vela. O corpo flexível sob o vestido molhado o enlouquecera. E depois, o perfume de lavanda o afetara profundamente. Não sabia dizer por que aquela criatura exercia tamanha atração sobre ele, quando não podia suportar gente de sua classe! Furioso consigo mesmo, apertou-a com mais força e segurou-lhe o queixo enquanto sua boca cobria a dela.

Duke esperou por uma luta, uma bofetada, até mesmo uma mordida. Mas a moça pareceu amolecer contra seu corpo. A boca, porém, mantinha-se rígida. Ele quase quis se afastar para lembrá-la de respirar. No entanto, continuou com o beijo e a pressão

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acabou fazendo-a suavizar os lábios e entreabri-los. Então Duke Braden sentiu-se mergulhando em águas mais misteriosas do que o oceano que os cercava.

Abigail sentiu suas coxas macias se amoldando ao corpo rígido de Duke Braden. Agora respirava em uníssono com ele. A língua ousada penetrava nas profundezas de sua boca. A ponta atrevida tocou-lhe os dentes e a língua até obrigá-la a corresponder. Seus seios estavam pesados contra o peito musculoso.

Sentiu a mão que segurava seu queixo descer, acariciando a curva do pescoço, até ir se prender nos cabelos de sua nuca, forçando-lhe a cabeça para trás. Duke aprofundou o beijo. Ele a sondava com prazer e a fez recordar da deliciosa sensação que experimentara quando brincara na água quente e doce da chuva.

Ambos permaneceram trêmulos e abraçados depois que o longo beijo terminou.

— Loucura — disse Duke numa voz tão baixa que o vento levou a palavra.

— Pura insanidade.— Você vai nos desenhar assim?— Não seja ridículo! Duke suspirou e afastou-se.— Quando a vi ali, estendendo o corpo para apanhar a água, foi

como se a figura de proa tivesse adquirido vida. A ninfa do mar…— Então ela é uma ninfa? — Abigail tentou manter a conversa

para disfarçar a devastação que o beijo lhe causara. — A figura de proa é uma ninfa do mar?

— O capitão me contou que ela é Clitio, a ninfa apaixonada por Apolo, que não a suportava — explicou Duke, com a voz voltando ao normal. — A pobre ficava sentada à beira-mar, molhada e desarrumada, sonhando com seu amor impossível. Ela foi definhando e morreu. Os deuses a transformaram num girassol para seu rosto poder sempre acompanhar Apolo, o deus sol. Uma bela história para uma bela ninfa como você — acrescentou sarcástico. — Entendeu a moral da lenda?

— Pois esta ninfa não ama ninguém e jamais amará, se não encontrar alguém capaz de beijar melhor do que isso!

Furiosa, Abigail atirou nele o resto da água do jarro e fugiu.Duke não a seguiu, embora Abigail meio temesse, meio

desejasse que o fizesse. Ouviu a risada áspera atrás dela e correu mais rápido. Ela, sempre tão cautelosa e circunspecta, perdera a cabeça como se fosse uma adolescente. E tudo por causa de um homem orgulhoso e atrevido! Uma das coisas que mais a irritara era ele ter mencionado a probabilidade de Phillip Godfrey-Bennett vê-la como uma possível esposa. Claro que ela mesma pensara nisso, mas não imaginava que um estranho percebesse tão

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facilmente a situação.Também não gostara nada de ele ter falado sobre sua fortuna.Podia ser um sinal de que estivera sondando sua vida. Quem

sabe estaria até a par da causa do seu longo exílio em Kent. Duke Braden era o tipo de homem que acreditaria nos boatos espalhados por lorde Northurst. E conhecendo seu passado, poderia vê-la como uma presa fácil para suas paixões casuais.

Apesar de já ser madrugada, Abigail bateu a porta do camarote com força, mas depois teve de segurar o focinho de H.M. quando ele começou a latir.

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CAPÍTULO III

A calmaria, que fez com que o veleiro navegasse lentamente, foi boa para estabilizar os nervos de Abigail. A semana quente e quase sem ar terminou com uma súbita tempestade que quebrou vergas e rasgou velas. Depois dos reparos e aproveitando o vento favorável, eles rumaram para o cabo Horn. Percebendo que não poderia passar o tempo todo no camarote sem levantar suspeitas ou parecer tola, Abigail voltou a sair, mostrando-se amável com seus companheiros das várias classes, exceto com Duke Braden, que, sem dúvida, considerava-se membro de uma classe à parte.

Agora, depois de cada chuva, Abigail encontrava junto de sua porta um grande balde de água doce. Na primeira vez teve vontade de atirá-la no ousado sr. Braden, mas dando-se conta da preciosidade do presente que estava recebendo, agradeceu-lhe delicadamente. Talvez ele estivesse tentando compensar o atrevimento daquela noite esforçando-se para parecer um cavalheiro. Embora não tivessem tocado no assunto, Abigail percebeu que ele estava com remorsos por tê-la beijado. A gratidão pela sua atitude cavalheiresca e pela água misturou-se com a fascinação que sentia por ele.

Apesar do acontecido, teve de admitir a si mesma que apreciava muito sua companhia, como também a de Kulalang e as seis mulheres. Por isso, apesar do sofrimento que experimentara devido a mexericos no passado, escolheu ignorar as insinuações da Sra. Gates e da Sra. Graham, de que ela agora parecia preferir gente abaixo de seu nível.

Numa tarde em que Abigail e as moças conversavam com Braden no convés, ela comentou:

— Essas pastagens verdejantes e as montanhas Blue que o senhor descreve com tanto realismo nos dão a idéia de que tudo é maravilhoso em sua terra.

Abigail não se dera conta de que depois de semanas de convivência com Duke Braden ela voltara a deixar cair à guarda. Seu rosto agora se suavizara, mostrando uma expressão sempre esperançosa, e ela sorria com freqüência, exibindo os dentes brancos e pequenos. Duke Braden estava tão encantado diante daquela beleza radiante que muitas vezes nem prestava atenção no que ela falava.

— Garanto-lhe que é fascinante — foi tudo o que conseguiu

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dizer e, pela primeira vez em semanas, enquanto Abigail estava voltada para ele, deixou os olhos descerem de sua boca para o decote realçado pelo babado do corpinho do vestido. Ao notar os olhos dela se arregalando diante de sua ousadia, voltou a contemplar o mar. Não queria estragar a cordialidade que se estabelecera entre ambos depois do beijo louco de semanas atrás. Gostaria muito de cortejá-la, mas sabia que aquilo só poderia terminar em desastre. Com medo de que ela lesse seus pensamentos, pigarreou e disse ao grupo: — Que tal caminharmos um pouco? Quem vai passear comigo desta vez?

— Só está faltando a sita. Rosemont — disse Grace Buck, com uma risadinha travessa.

Duke sabia que de início a esperta Grace apaixonara-se por ele. A pobre moça, tão maltratada, encantara-se com suas atenções e confundira seus sentimentos. Agora, porém, ela agia como se ele não fosse nada além do que o guardião e conselheiro das noivas. Lembrou-se da conversa que ouvira entre ela e Abigail, e que o fizera dar boas risadas.

— Duke Braden é tão elegante — dissera Grace. — É tão controlado, parece ser capaz de resolver qualquer problema. Espero que os solteiros de Nova Gales do Sul sejam iguaizinhos a ele.

— É isso que você pensa? — respondera Abigail, aparentando surpresa. — Em minha opinião, “elegante” não é bem o termo para descrevê-lo, principalmente levando-se em conta que ele não faz a menor questão de seguir a moda. Mas vejo que você gosta muito dele.

— Todas nós o adoramos. Ele poderia ter nos enfiado neste navio e esquecido de nós. No entanto, fez tudo para nos animar e tornar a viagem mais fácil. Eu tive meus sonhos a respeito dele, se é que a senhorita me entende, mas acabei me conformando com a realidade. Na certa ele vai se casar com uma “troco miúdo”, uma moça nascida lá mesmo.

— Sim, claro, nada mais natural — concordara Abigail, embora dando a impressão de que não entendera muito bem.

Duke sorrira. A herdeirazinha mimada, com toda a certeza, jamais ouvira a expressão “troco miúdo” ser empregada daquela forma. Mas ela logo aprenderia o significado de “seleto” e “troco miúdo” em Nova Gales do Sul!

— Mas Grace — continuara Abigail —, você não tem a impressão de que o sr. Braden tem uma personalidade… que existe algo escuro em seu outro lado?

Grace Buck explodira numa gargalhada.— Para mim, ele tem um lado de trás tão interessante como o

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lado da frente, srta. Abigail, e não vi nada de escuro nele. Acho que a única coisa escura que existe aqui é o traseiro de Kulalang.

— Grace, o que é isso! — protestara Abigail, corando. Ele tivera de apertar os braços contra o peito para não se unir às risadas de Grace. Não saberia dizer por que, mas se divertia muito com o desconforto da fina srta. Rosemont diante das tiradas maliciosas de suas protegidas.

Agora, porém, estava resolvido a ser o mais atencioso possível para fazer Abigail gostar dele. Às vezes desejava-a tão desesperadamente que precisava lutar contra a tentação de agir como um selvagem e carregá-la para seu camarote, esquecendo-se de todas as convenções. Em outras, sentia vontade de estrangulá-la pelos seus modos aristocráticos que o faziam recordar do que encontraria quando ambos chegassem ao seu destino. Jamais estivera tão perto de perder o controle e isso o assustava. Como agiria quando cruzasse com ela em Nova Gales do Sul? Lembrou-se de como Abigail se mostrara entusiasmada quando lhe contara que a fazenda Braden ficava no vale Parramatta, fazendo divisa com a imensa propriedade dos Godfrey-Bennett.

— Tão perto e ao mesmo tempo tão longe — ele acrescentara, recusando-se a responder às perguntas ansiosas que se seguiram.

Mas naquele momento, com todos aqueles olhos femininos contemplando-o, não teve como recusar o desafio de Grace.

Enquanto Kulalang, que estava sentado de pernas cruzadas, batia numa tábua com duas varetas tirando um ritmo dançante, ofereceu o braço a Abigail e os dois saíram passeando pelo convés à volta do veleiro. Ela, como sempre, abriu a sombrinha como se os poucos raios de sol que se insinuavam por entre as nuvens pudessem prejudicar sua pele de seda.

— Não vejo necessidade de a senhorita carregar esse cogumelo quando está usando um chapéu de aba larga. Apesar de tantos cuidados a senhorita já está mais morena. O simples reflexo do sol na água é suficiente para queimar-lhe a pele.

— Não é apropriado uma dama ficar bronzeada nem um cavalheiro tocar nesse assunto.

— Se a senhorita está querendo insinuar que não sou um cavalheiro, devo dizer que entendo isso como um elogio. Mas quero lhe contar uma outra grande tolice das damas de Sidney e adjacências. Elas se recusam a andar a cavalo porque o sol de lá é mais forte e pode bronzear suas peles de marfim.

— Verdade? — Abigail virou-se para ele e seus olhos se encontraram pela primeira vez desde que tinham começado o passeio. Ela sentiu um nó no estômago só por encará-lo. — Que pena — lamentou —, mas prefiro me arriscar a ficar com sardas do

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que deixar de cavalgar.— A escolha é sua, mas todos vão comentar.— E daí? Eu adoro cavalgar. Usarei um véu para me proteger

do sol. E duvido que meus anfitriões e seus amigos falem mal de mim por isso!

Duke Braden gostou de ouvir o desafio saindo dos lábios deliciosamente carnudos. Mas sabia que esse modo independente de pensar se esvairia no instante em que Abigail Anne Rosemont se visse fechada em The Grange, com os pedantes, poderosos e ricos Godfrey-Bennett.

— A senhorita não sabe que até mesmo eles — acenou com a cabeça para a porta do salão da primeira classe, pela qual estavam passando —, estão falando em suas costas, censurando-a por se misturar com as classes inferiores?

Abigail estava bem a par dos falatórios, mas não quis dar a impressão de que aquilo a incomodava. Pesara os prós e contras e decidira não modificar seu comportamento. Além disso, não tinha a menor intenção de rever a Sra. Gates e a Sra. Graham quando chegasse à Austrália.

— Espero que eles apenas estejam comentando que fiz bons amigos e aprendi muito sobre Nova Gales do Sul com o senhor e Kulalang. Os dois botânicos, por exemplo, sempre vem me perguntar o que aprendi sobre a flora de lá.

Duke Braden sorriu. A sombra de elogio que percebera o emocionou, embora estivesse bem a par dos perigos de uma tal vulnerabilidade.

— Admiro sua atitude diante de certas coisas, srta. Abigail Rosemont. Será realmente uma pena vê-la mudar quando chegarmos.

— Mas eu não mudarei. Tenho vinte e seis anos, estou velha demais para modificar minha personalidade. Há muito tempo eu escolhi viver sozinha e acostumei-me a agir de acordo com minhas próprias opiniões.

— Ah, o passado que a senhorita jamais menciona.— Talvez eu fale nele no dia em que o senhor me contar por

que tem tanta má vontade em relação aos meus primos, os Godfrey-Bennett.

Duke já podia sentir a barreira erguendo-se entre os dois e ainda nem tinham feito uma volta completa no convés. Apesar de tentar se controlar, ele explodiu:

— Eu tenho má vontade em relação a eles? Pois vou lhe contar o que a gloriosa Sra. Godfrey-Bennett dirá se a vir queimada de sol depois de uma cavalgada. Que seu rosto está marrom-condenado! Essa é uma cor que eles consideram nojenta porque descreve tudo

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o que lhes é insuportável. — Duke quase gritava. Os malditos “seletos” de Nova Gales do Sul iam estragar a mulher voluntariosa que tinha a sua frente e ele não podia fazer nada para salvá-la.

Os dois viraram-se um para o outro como se fossem adversários. Duke cruzou os braços sobre o peito e apertou os lábios. Abigail segurava a sombrinha fechada como se fosse uma lança com a qual iria atravessá-lo. O som do tambor improvisado de Kulalang pareceu ficar mais forte.

— O senhor… — Abigail parou, mas logo começou de novo. — A Nova Gales do Sul que o senhor nos descreveu parece ser muito bonita, mas não podemos ignorar que está cheia de condenados. Ora, não creio que seja normal alguém gostar de prisioneiros ou fazer amizade com eles.

— Maldição! — Duke sentia-se ao mesmo tempo furioso e desapontado. Quando essa mulher descobrisse a origem de sua família, a origem de metade das famílias de Nova Gales do Sul, nunca mais iria querer vê-lo. Talvez fosse melhor assim. — Saiba, inglesa e seleta senhorita Rosemont, que o mundo está cheio de prisioneiros. Nós, por exemplo, somos prisioneiros deste navio!

— Não era disso que eu estava falando. Eu… — Abigail parou de repente, dando-se conta de que poderia ter cometido uma gafe. — O senhor… o senhor por acaso já esteve na prisão?

— Não, minha cara. Mas se eu tivesse sido condenado, provavelmente seria por atirar ao mar gente do seu tipo. E agora, com licença. Creio que será melhor para sua preciosa reputação, tanto aqui como lá, a senhorita não ser vista com uma pessoa tão suspeita como Duke Braden. Passe muito bem. — E ele afastou-se com um seco gesto de cabeça.

Depois disso, os dias se arrastaram para Abigail. Ela ainda passava boa parte de seu tempo na proa, conversando com as noivas, porque não iria permitir que o azedume do sr. Braden a afastasse delas. Mas ele passou a evitá-la, nunca aparecendo quando ela estava lá. Essa atitude chamou a atenção das mulheres e, sem dúvida, também das faladeiras da primeira classe. Grace Buck acabou perguntando sem rodeios o que tinha acontecido entre eles.

— Nós simplesmente descobrimos que não temos o mesmo modo de pensar — explicou Abigail, tentando aparentar descaso. — Somos de mundos diferentes e não me refiro apenas à Inglaterra e uma de suas colônias. Garanto-lhe que essa é uma situação mutuamente aceita e mutuamente desejada, Grace.

— Mutuamente desejada, duvido — resmungou Grace. De início não gostara de ver o interesse do sr. Braden pela srta. Abigail, mas com o passar do tempo aprendera a gostar deles e

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agora queria ajudá-los.Das seis mulheres, Grace era a mais chegada a Abigail. As

duas tinham longas conversas, que a ajudavam a exorcizar os fantasmas do passado. Sabendo que a moça gostava de coisas bonitas, Abigail às vezes a convidava para ir ao seu camarote ver as roupas que trouxera de Londres. Logo Grace começou a se oferecer para ajudá-la a se vestir e se pentear.

Numa tarde, as duas estavam na cozinha do navio, esquentando ferros no fogão para passarem alguns vestidos. Grace começou a falar do pai e depois confessou que se sentia culpada por não ter vivido bem com ele.

— Eu nunca fui grande coisa. Acho que muitas vezes mereci apanhar. Se eu tivesse sido mais compreensiva…

Mas Abigail a fez ver que alguns homens recorriam à violência quando não queriam admitir que estivessem errados.

— Uma vez tive a infelicidade de cruzar com um homem que era um perfeito vilão. Ele me agarrou, tampou minha boca e me machucou. Tenho certeza de que passou a me odiar ainda mais depois disso porque seu ato de violência só serviu para provar o quanto era vil. É possível que tenha acontecido algo parecido com seu pai. Vendo em você alguém melhor e mais forte, com quem não conseguiria se igualar, usava a força física para diminuí-la. Não houve nenhuma culpa sua Grace. Sabe, quando minha mãe faleceu e ouvi contar que a verdadeira causa de sua morte fora a saudade de meu pai, deixei-me envolver por um terrível sentimento de culpa, achando que eu não a amara o suficiente para compensar a ausência dele. Mas uma amiga querida me fez ver que eu não devia me punir pelo passado e que era digna de amor e carinho. O mesmo vale para você, Grace. Deixe o passado para trás e pense que daqui em diante você só atrairá carinho e compreensão.

— Oh, srta. Abigail, de hoje em diante vou pensar de outra maneira — prometeu Grace, com lágrimas deslizando pelas faces. — Já não tenho tanto medo de cair nas mãos de um marido igualzinho ao meu pai. Sei que isso não vai acontecer.

— Claro que não! O sr. Braden é um homem correto e bondoso, e jamais a deixaria se casar com um bruto.

— É bom ver que a senhorita o tem em tão alta conta — murmurou Grace.

Naquele mesmo dia Abigail decidiu que enfrentaria novamente o sr. Braden. Precisava de sua permissão para convidar Grace para ser sua criada e dama de companhia durante o tempo que permanecesse na Austrália.

— Absolutamente fora de questão — negou Duke Braden, no instante em que ouviu o pedido.

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Os dois estavam sozinhos no castelo de proa. Golfinhos e peixes voadores brincavam nas ondas, cintilando sob os raios do sol.

— Mas seria um excelente emprego para ela — insistiu Abigail, tentando manter-se calma apesar do rosto duro e olhos gelados que a enfrentavam. — Naturalmente, eu me encarregarei das despesas da viagem. Assim ela terá tempo de encontrar alguém de quem realmente goste em vez de ser obrigada a se casar com o primeiro homem que surgir nas docas disposto a pagar pela sua passagem, como determinado pelo seu programa de imigração.

— Meu programa?— Achei melhor falar com o senhor antes de dar esperanças a

Grace. Ela está muito assustada com a possibilidade de arranjar um marido que baterá nela, como fazia seu pai.

— Que tocante! Vejo que a senhorita já resolveu tudo para mim e Grace.

Abigail sentiu vontade de jogá-lo pela amurada, mas conteve sua irritação pelo bem de Grace e tentou uma outra abordagem:

— Grace é muito habilidosa com vestidos e penteados. Nós nos damos bem e ela seria uma ótima dama de companhia…

— Não vou deixar que os Godfrey-Bennett arruinem a vida dela também!

— Também? Quer dizer que eles arruinaram sua vida e o senhor está me culpando por isso?

— O que eu quis dizer é que eles estragarão a vida de Grace além da sua, lady Abigaill

— Olhe aqui…— Não, olhe aqui a senhorita. Grace Buck e as outras são as

primeiras mulheres livres que irão a Nova Gales do Sul para ficar. Elas se casarão com homens também livres, escolhidos a dedo, e financeiramente independentes. Com toda a certeza, nenhuma delas emigrou para se tornar criada de “seletos”. Se um dos repórteres do Sidney Gazette descobrir que uma das chamadas noivas de Braden se tornou empregada doméstica, todo o projeto irá pelos ares.

— Talvez Grace Buck queira decidir seu próprio destino — argumentou Abigail e em seguida acrescentou, com mais sarcasmo do que gostaria: — Mas claro, eu detestaria estragar sua vida em terra, apesar de o senhor ter feito tudo para estragar minha vida no mar.

— A resposta, srta. Rosemont, é não.— Então não temos mais nada a dizer um ao outro.— Concordo inteiramente.Abigail esteve a ponto de fazer sua proposta a Grace,

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ignorando o mau-humorado sr. Braden, mas acabou não tocando no assunto, nem mesmo na tarde em que levou às noivas alguns presentes pré-nupciais: uma capinha com pingentes para Clarissa, que sempre se mostrava friorenta; um regalo de veludo com um belo bordado para Deanna Dill, apreciadora de trabalhos de agulha; uma anágua com bicos na barra para Evelyn Chase e uma sombrinha para Cora. Beth Anne Clare ganhou um chapéu com penas em tons de azul para combinar com seus olhos e para sua amiga Grace, Abigail deu um par de luvas de pelica branca e uma caixa de madeira entalhada para guardá-las. Quando disse a Grace que gostaria que ela usasse as luvas em seu casamento, viu uma sombra de medo toldar os olhos da moça. Por que o sr. Braden era tão irredutível?, pensou. Como podia ser tão cruel, tão sem humanidade?

Ela resolvera não pensar mais no sr. Braden, mas nos últimos dias da viagem, enquanto passavam pela Nova Zelândia a caminho do litoral de Nova Gales do Sul, não conseguia tirá-lo da cabeça. Há algum tempo Kulalang também já não vinha procurá-la para lhe explicar sobre os ventos, as ondas ou para identificar os pássaros que voavam perto do veleiro. Com toda a certeza ele se afastara por lealdade ao patrão.

Abigail suspirou. Lamentava as coisas terem ficado tão mal entre ela e os primeiros moradores da Austrália que tivera a oportunidade de conhecer. A única vantagem da situação era que as senhoras Gates e Graham não incluiriam mais o nome do sr. Braden nos mexericos sobre ela. Quis convencer-se de que estava aliviada, mas acabou tendo de confessar a si mesma que se sentia à beira do pânico diante da possibilidade da viagem terminar sem o menor sinal de reconciliação entre eles. Horror dos horrores, ela sentia falta do maldito homem!

Abigail estremeceu por causa do vento frio. No hemisfério sul as estações eram completamente opostas ao que estava acostumada. Talvez a região toda fosse tão confusa como seu coração, pensou. Há várias noites vinha andando de um lado para outro de seu camarote cheio de malas e baús, dando quatro passos, voltando e dando outros quatro passos, perguntando-se se não deveria procurar o sr. Braden para agradecer pela sua companhia e das noivas durante a longa viagem. Agora, olhando para a linha cinzenta do continente que viera visitar, decidiu que a melhor opção seria pedir a Grace que entregasse a ele um bilhete simples, expressando sua gratidão.

De repente, desabou uma violenta tempestade. Meio aborrecida, meio aliviada, Abigail recolheu-se ao camarote, apesar de já estar mais do que acostumada com o balanço do navio.

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Na tarde de 20 de junho, depois de cento e vinte e dois dias no mar, a Sra. Gates veio bater na porta do camarote de Abigail.

— Já está dando para ver as cabeças de Sidney — avisou. Abigail sabia o que eram as cabeças de Sidney. O sr. Braden lhe descrevera as duas pontas dos promontórios que guardavam a entrada para a baía onde ficava o porto.

— Vamos tentar entrar antes que esta tempestade piore — continuou a Sra. Gates. — Prenda tudo o que estiver solto e segure-se o melhor que puder. Prepare-se para algumas horas bem difíceis, srta. Rosemont.

Apesar dos corcoveios do veleiro, Abigail, com H.M. nos braços, aventurou-se até a porta do salão para olhar para fora, mas não conseguiu ver nada além de borrifos de água, espuma e um céu fechado. Um arrepio percorreu-lhe a espinha. Lá, na escuridão, jazia sua nova vida na Austrália. O que poderia esperar dela? E como iria agir? Sua impressão era de que se tornara uma mulher bem diferente daquela que abandonara a segurança de Fairleigh e embarcara no Challenge quatro meses antes. Tremendo de frio e antecipação, segurou H.M. com mais força e retornou ao camarote. O cãozinho gania assustado com o barulho da tempestade.

Depois de prender e guardar todos os objetos soltos, Abigail acomodou-se na cama com H.M. no colo. As condições atmosféricas tinham piorado muito. Quando o uivar da ventania amainava ela conseguia ouvir os gritos estridentes, quase desesperados, da tripulação. O veleiro saltava, estremecia e gemia como se estivesse sendo sacudido por mão gigantesca. Nervosa, desejou que Grace estivesse ali para lhe fazer companhia. Pensou em ir chamá-la, mas seria loucura tentar caminhar pelo convés batido pelas ondas. Resolveu ir até o camarote da Sra. Graham e lá encontrou a mulher do capitão. Pelo ar assustado das duas, pôde ver que tinham mais com que se preocupar do que a vida alheia.

— Ainda estamos tentando entrar na baía? — gritou para a Sra. Gates.

— Agora é tarde demais para recuarmos — berrou a mulher em resposta, aninhada num canto da cama da escocesa. A Sra. Graham estava pálida, parecendo pronta a vomitar. — Reze para não nos espatifarmos ao pé do rochedo na cabeça Sul!

Sem encontrar o conforto que procurava, Abigail voltou ao próprio camarote e enfiou-se na cama com H.M. O cãozinho gania apavorado, como se estivesse prevendo um desastre.

O barulho lá fora crescia. O som dos ventos a fizeram lembrar-se de Kulalang, que lhe descrevera os uivos assustadores dos dingos, os cães selvagens da Austrália. A única coisa que impedia que ela ficasse totalmente à vontade com o aborígene era sua

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mania de chamar H.M. de dingo. Fora ele mesmo que a informara que os nativos caçavam e comiam os cachorros selvagens. Sua mente fervia com o que aprendera sobre a exótica terra que estava tão perto, mas que talvez nem chegaria a conhecer. Era horrível vir de tão longe e terminar naufragando ali!

Abigail não podia imaginar por que estavam demorando tanto para atingir a baía de Port Jackson. Seria inútil olhar pela escotilha. Daquele lado, só veria as ondas cinzentas. Ela segurou o cachorro com mais força e lutou para não bater a cabeça na parede a cada corcoveio do navio. Os baús rangiam. O lampião de óleo de baleia balançava loucamente, lançando sombras assustadoras. Abigail mordeu o lábio e piscou para afastar as lágrimas. Lembrou-se de Janet, inconformada em seu leito de morte por não poder ver o mundo que ansiara conhecer. A lembrança a deixou ainda mais apavorada com a possibilidade do Challenge afundar. Ela também poderia morrer sem conhecer nada!

De repente, começou a ouvir uma batida, como se algo tivesse quebrado. O fim devia estar próximo.

Abigail gritou assustada quando sua porta abriu-se com um estrondo. Uma figura grande e escura. Um homem. Duke Braden! Ele entrou e fechou a porta atrás de si.

— Você não me ouviu bater? Como está enfrentando a tempestade? Eu tinha de saber.

Ele tinha de saber. Ele tinha de saber. A frase continuava martelando na mente aturdida de Abigail quando Duke inclinou-se sobre a cama e segurou-a pelos ombros. H.M. continuou imóvel, mesmo diante de Duke Braden, com quem jamais fizera realmente as pazes. Mas Abigail se mexeu. Nem saberia dizer como, mas logo estava de joelhos, envolvida no abraço firme daquele homem, com a face pressionada contra seu peito forte.

— Eu estava com tanto medo! E as moças? — Ela teve de gritar para ser ouvida sobre a tempestade.

— Estão bem. Elas têm umas às outras para se confortar. Eu estava preocupado com você.

Preocupado com você. Preocupado com você. Abigail abraçou-se a Duke com mais força. Ele, num movimento ágil, sentou-se na cama, prendeu o salto das botas na grade e segurou-a no colo, apoiando as costas na parede. H.M. ficou entre os dois.

— Estou bem — disse Abigail com dificuldade, deixando as lágrimas correrem. — De verdade.

— Pensei que você seria bem capaz de inventar dar um passeio no convés no meio da tempestade. Então, quando atracássemos, você seria o escândalo da cidade com as saias levantadas.

Abigail não protestou contra a brincadeira nem reagiu à 45

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menção de escândalo. Só continuou abraçada a Duke, descobrindo, para sua surpresa, que se o veleiro afundasse naquele mesmo instante ela se afogaria calmamente, sentindo-se realizada. Quase desejou que a noite nunca acabasse, apesar do perigo. Os lábios de Duke estavam em seus cabelos. Ele parecia inalar a fragrância de lavanda. Ela os lavara para estar apresentável na chegada ao porto. Apresentável para os Godfrey-Bennett, que Duke tanto odiava. Mas nada mais lhe importava naquela noite.

Quando o lampião que balançava loucamente apagou, Duke só disse:

— Deixe-o. — E um instante depois murmurou tão perto das têmporas de Abigail que seu hálito fez balançar os pequeninos cachos que ficavam ali: — Mas eu não vou deixá-la.

Na escuridão, Duke começou a beijar Abigail. Primeiro as têmporas, depois a face, o nariz, o queixo e as pálpebras que estremeciam a cada cadeia. Abigail levantou os lábios para o beijo pelo qual ansiava desde a noite no convés semanas atrás. Sua boca suavizou-se. Ela estendeu a mão para segurar a nuca musculosa de Duke, querendo puxá-lo para mais junto dela. Foi um beijo que pareceu infindável, enquanto os dois ignoravam a turbulência causada pelos elementos.

Eles criavam sua própria turbulência. As mãos de Duke percorriam as costas de Abigail, fazendo-a estremecer de prazer. Ele acariciou a cintura delicada sob o vestido e a única anágua. Algum tempo antes, assustada com a possibilidade de o veleiro afundar e ela ser atirada na água, Abigail despira o espartilho.

— Eu não sei nadar — foi a única coisa que ela conseguiu dizer quando os dois interromperam o beijo tórrido para respirar. Queria compartilhar tudo com ele, contar seus sonhos e anseios, suas tristezas e insuficiências.

— Um dia eu a ensinarei — murmurou ele em seu ouvido, antes de acariciar sua orelha com a ponta da língua. —— Se afundarmos agora, eu a salvarei.

Mas Duke não podia salvá-la do desejo que a arrastava como num rodamoinho. Ao sentir as mãos brandas e firmes apalpando seus seios sobre o tecido do vestido teve a impressão de estar sendo sugada por uma onda imensa de prazer. Desejou que não houvesse nada entre seu corpo ardente e a mão que a tocava.

Entontecida pelo desejo, Abigail ousou explorar os ombros fortes de Duke. Passou a mão trêmula pelos músculos do braço que se destacavam sob a pele quente e macia. Depois acariciou o peito forte, deliciando-se com os pêlos levantando-se sob seus dedos. Duke gemeu e a teria deitado de costas na cama se o cãozinho não tivesse protestado com um latido por ter sido empurrado.

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— Quieto, H.M; — murmurou Abigail contra os lábios de Duke.— Será que ele não vai me morder de novo? — A voz dele soava

distante.— Não — prometeu Abigail, enquanto estendia a mão para

acalmar o cachorro. — Mas eu vou. — E mordiscou o lábio inferior de Duke até ele começar a beijá-la de novo, com imenso ardor.

Os beijos e carícias afastaram de Abigail a preocupação com o perigo. Ela só pensava na mão quente de Duke que subia pela sua perna, repuxando a bainha do vestido. Sentiu-a passar pela meia de algodão e depois apalpar deliciosamente a coxa nua acima da liga.

Mesmo na escuridão, Abigail sabia que os dois olhavam um nos olhos do outro enquanto perguntas não formuladas e infinitas possibilidades abriam-se diante deles. Como se sentia segura e esplêndida com Duke. Sua simples presença parecia fazer tudo o que a ameaçava deslizar para o profundo silêncio do mar.

Então, ainda abraçados e ofegantes, eles perceberam que a tempestade estava amainando.

— Acho que conseguimos — disse Duke, com voz rouca.— Você só veio porque imaginou que não sairíamos vivos

desta?— Não sei. Não. Eu não poderia deixar esta viagem terminar

sem abraçá-la de novo — explicou ele, antes de sua voz falhar. — Pelo menos uma vez… uma vez antes de tudo acabar.

Embora desejasse fechar as pernas com força para segurar ali a mão de Duke, Abigail conteve-se. Ele, com gestos rápidos, ajudou-a a abaixar a saia e desamassá-la. O mar já estava mais calmo. Eles continuaram abraçados, mas a racionalidade começava a voltar.

Duke afastou a cortina da escotilha e olhou para fora.— Estou vendo a luz do farol Macquarie atrás de nós.Conseguimos entrar na baía. Bem, é melhor eu sair daqui antes

que alguém apareça. Aí é que você ficará realmente comprometida. — Ele levantou-se e ajeitou as roupas e cabelos.

Abigail também se levantou. Tinha as pernas trêmulas. Não podia deixar Duke Braden sair sem lhe contar o que sentia.

— Eu… eu queria lhe agradecer. Tivemos muitas coisas boas juntos. Você, Kulalang e as noivas foram uma companhia excelente. Sinto que já tenho ótimos amigos aqui. Quando todos estivermos acomodados…

— Seus amigos serão as pessoas com quem você irá viver.A voz de Duke tornara a ficar dura. Ele inclinou-se sobre a

cama para afagar H.M. que, surpreendentemente, balançou a cauda e não rosnou.

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— Mas ficarei perto de você e sua família — insistiu Abigail. — Poderemos nos visitar.

— Moraremos perto, mas não seremos amigos, Abigail. Já lhe expliquei isso e você tem de acreditar e aceitar a realidade.

Embora estivesse emocionada por ouvi-lo usar seu nome de batismo pela primeira vez, ela não conseguiu evitar a raiva diante da teimosia dele. Ficou ainda mais irritada quando Duke tocou seu rosto com o mesmo gesto impessoal que usara para afagar H.M.

— Vejo que você é o preconceituoso, Duke Braden.— Pare, lady Abigail. — Ele levantou a mão como para impedir

súplicas ou discussões. — Vamos terminar tudo aqui mesmo, porque, por necessidade, de agora em diante as coisas serão muito diferentes. — Ele franziu o cenho e fechou a porta sem fazer barulho depois de passar.

Mais tarde, quando Abigail subiu ao convés para ver as luzes de Sidney se aproximando, avistou Duke Braden com as noivas perto do castelo de proa. Ele apontava coisas apesar da escuridão. Sua voz firme chegou até ela, mas foi impossível distinguir as palavras. Ninguém a viu ali oculta pelas sombras. Se sua presença tivesse sido notada, pelo menos Grace teria vindo ao seu encontro. Sentindo-se de novo solitária, forçou-se a afastar o olhar do grupo à sua frente, tentando divisar alguma coisa na baía. Mas a escuridão ainda a impedia de ver seu novo lar.

A tripulação começou a gritar para as pessoas no cais, que não podiam ser vistas por quem estava no veleiro devido aos lampiões que salpicavam de luzes as docas. O Challenge atracou com um balanço final. Finalmente tinham chegado, pensou Abigail, mais vazia do que contente, e apertou o albornoz contra o corpo, sentindo uma friagem súbita. Ela, naturalmente, continuaria a bordo até os Godfrey-Bennett serem avisados da chegada do veleiro e virem buscá-la.

Agora, salvo os gritos dos tripulantes prendendo cordas no cais lavado pela chuva, tudo parecia muito quieto em terra, como num anticlímax depois da viagem tão longa. Abigail subitamente sentiu medo da calmaria que encontraria depois de ter conhecido e perdido Duke Braden e as noivas. Não os veria mais somente por causa de certos ódios que lhe eram desconhecidos. Ela apertou a amurada com mais força, inclinou-se e olhou diretamente para a água que batia suavemente nas vigas do ancoradouro. Seus joelhos estavaín fracos, tanto de gratidão pela chegada segura do navio como de pesar pela perda do mundo que compartilhara com Duke, Kulalang e as noivas, e que agora estava desabando. Sufocando um soluço, afastou-se antes de alguém vê-la ou ouvi-la e entrou no camarote para tentar dormir um pouco antes do amanhecer.

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CAPÍTULO IV

Abigail lançou um olhar pela escotilha e viu que seu primeiro dia em Nova Gales do Sul seria claro e ensolarado. Grace, que a ajudava a se vestir e pentear, terminou de prender os colchetes nas costas, ainda falando sem parar, nervosa, comentando, entre outras coisas, o pedido do sr. Braden para auxiliar Abigail a preparar-se para o encontro com seus anfitriões. Por que um gesto tão delicado a aborrecera tanto? Perguntou-se Abigail censurando-se pela ingratidão.

Ela sentia-se exageradamente vestida depois das várias semanas que passara usando trajes mais leves. Escolhera um vestido verde com uma gola formada de três camadas de renda que caiam sobre a capinha e elegantes mangas presunto. A saia estava bem armada pelas anquinhas e quatro anáguas com babados na barra. Prendera um véu em torno do chapéu de seda plissada, enfeitado com plumas brancas. Era esse véu que usaria com um chapéu de abas largas no caso de os Godfrey-Bennett fazerem algum reparo contra seu desejo de cavalgar. Mas não acreditava que isso fosse necessário. Com toda a certeza Duke Braden estivera inventando aquelas coisas sobre seus parentes.

Quando terminou de se arrumar, Abigail abraçou a chorosa Grace numa despedida particular e em seguida prendeu a guia de couro na coleira de H.M., dirigindo-se para o convés.

Uma multidão barulhenta, constituída quase somente de homens, juntara-se no cais. Por volta das nove horas os visitantes receberam ordem de subir no navio. Abigail logo localizou seu primo em segundo grau, Griffin, um homem de cinqüenta e cinco anos. Acenou para ele e viu-o erguer a cartola e a bengala num cumprimento alegre. Lembrava-se bem da época em que ele estivera visitando Fairleigh, pouco antes da morte de seu avô. Agora estava mais velho, naturalmente, e mais gordo. Os maxilares pesados eram emoldurados por suíças grisalhas. Junto dele havia um homem mais jovem, usando casaca azul escura, colarinho engomado, gravata de seda e cartola, fumando um charuto e tentando abrir caminho para os dois.

Abigail ficou contemplando a caótica cena à sua frente. Logo avistou Duke Braden e as noivas descendo pela prancha. No último momento antes de desembarcar, Grace virou-se, acenou aflita e disse algo que ela não conseguiu ouvir. Por um único instante, onde tudo pareceu parar, seu olhar e o de Duke Braden se

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encontraram, mas ele logo o desviou, voltando sua atenção para as seis mulheres.

Os olhos de Abigail encheram-se de lágrimas de tristeza e orgulho. As noivas estavam usando os presentes que lhes dera e caminhavam de cabeça erguida, como se fossem rainhas. Até mesmo a tímida Clarissa, com sua capinha enfeitada, agia como se pudesse ser a dona da elegante carruagem estacionada perto do cais, que tudo indicava pertencer aos Godfrey-Bennett, já que exibia um enorme monograma em dourado, com as letras GG, pintado nas portas. Embora o dia estivesse bastante quente, Deanna Dill usava o regalo bordado. Cora Mercer girava a sombrinha londrina, as penas do chapéu de Beth Anne tremulavam ao vento e Grace acenava para a multidão com a mão vestida com a luva branca. A procissão de mulheres impediu Griffin de embarcar e fez sua esposa, uma dama pequenina, com um chapéu cheio de laços e plumas, inclinar-se curiosa para ver melhor pela janela da carruagem.

— Viva as noivas de Braden, o orgulho dos miúdos! começaram a gritar alguns homens. Outros logo se juntaram a eles e formou-se uma cantoria que acabou abafando os pregões dos vendedores de bolos, chá e tortas que circulavam pelo cais.

Abigail teve a nítida impressão de que a multidão abaixo dela formava dois grupos distintos: os que sorriam e os que pareciam reprovar Duke Braden e suas mulheres. Sem dúvida, entre os sorridentes encontravam-se os noivos em potencial, que tinham vindo para examinar as recém-chegadas. E, como Duke previra, estavam presentes os repórteres do Sidney Gazette. Eles corriam atrás das noivas com cadernetas e lápis nas mãos, como se além de descrevê-las pretendessem retratá-las. Os que exibiam expressões de reprovação estavam tão bem vestidos como Griffín Godfrey-Bennett, que obviamente fumegava de raiva por ser obrigado a esperar para subir na prancha de desembarque. Sim, era verdade, pensou Abigail, havia mesmo um tipo de guerra entre os chamados “seletos” e os “miúdos”. Naquele mesmo instante ela jurou a si mesma que procuraria saber o máximo sobre o conflito e evitaria tomar partido a não ser que…

— Minha querida menina! — o grito do primo a surpreendeu. Enquanto estivera com os olhos presos em Duke Braden e sua comitiva, Griffín e seu acompanhante tinham conseguido subir a prancha e agora se aproximavam pelo convés.

Abigail sabia que o outro homem era Phillip, o filho de Griffín, pois os dois eram bastante parecidos, embora tivessem uma coloração diferente. Griffín tinha pele avermelhada e cabelos castanhos. Phillip era mais pálido e loiro.

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— Lamento você ter sido obrigada a viajar com essa gentinha — disse Griffín, beijando-a nas duas faces. — Foi mesmo um azar. Um escândalo. Sinto muito. A patroa está esperando na carruagem, vamos partir direto para The Grange. O navio não poderia ter chegado em melhor hora. Estávamos passando algum tempo em nossa casa aqui em Sidney e por isso pudemos vir rapidamente ao seu encontro. Ele continuava carinhoso e jovial, pensou Abigail, embora os olhos sempre estreitados o fizessem parecer desconfiado ou insatisfeito. Depois notou que Phillip a examinava, ora pondo o peso sobre uma perna, ora sobre a outra, a fumaça do charuto sendo levada pelo vento. Era um homem robusto de rosto arredondado com a testa alta, lábios cheios e olhos castanhos. Devia estar com uns trinta anos. Parecia o retrato de um dandy londrino de dez anos atrás. A postura rígida e a cintura fina sugeriam que usava a cinta masculina que estivera em voga há algum tempo. Ele atirou a ponta do charuto pela amurada, sem nem mesmo pensar que poderia atingir alguém lá embaixo. Na outra mão girava um monóculo de haste comprida, como se pretendesse examiná-la como se fosse um inseto preso num alfinete.

— Minha querida Abigail, quero lhe apresentar meu filho e herdeiro, e seu primo em terceiro grau, Phillip Godfrey-Bennett. Ele enviuvou recentemente, lamento dizer.

— Sim, eu soube. Uma pena — disse Abigail, enquanto Phillip a beijava numa das faces. Em seguida, como se constatando que ela tivesse passado no exame, beijou-lhe a outra.

— Terrível você ter tido de viajar com essa ralé, querida prima — Phillip falou numa voz bem modulada que se elevou sobre o burburinho do cais. — Mas, naturalmente, uma dama como você soube manter-se afastada desses párias da sociedade. Esse rebelde, Duke Braden, está sempre cercado desse tipo de gente. É mesmo uma ovelha negra. Infelizmente, ele mora muito mais perto de nós do que gostaríamos. Devo dizer que o ar aqui se manteve bem mais fresco enquanto ele esteve fora, pregando seu sermão de livre sistema, não concorda papai?

— Sim, mas não vamos cansar a linda cabecinha de Abigail com essas bobagens.

Abigail tinha inúmeras perguntas a fazer sobre Duke Braden, mas não se atreveu a protestar. Esperaria um momento mais adequado.

— E agora, minha querida — continuou Griffin —, permita-nos acompanhá-la até a carruagem. Seus criados pegarão a bagagem e nos seguirão no carroção. A patroa está ansiosa para saber as novidades de Londres. Mas… onde está a sua criadagem?

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— Eu… eu… devido às circunstâncias, eu não trouxe criados. Usei os serviços da empregada da esposa do capitão e…

— Quatro meses sem criados? — admirou-se Griffin, como se ela tivesse cometido uma gafe irreparável.

— Claro, estou pronta a contratar alguém para cuidar da bagagem. E também uma moça para me servir…

— Não, não, não é disso que estou falando. Temos criados de sobra. Só achei estranho… mas tenho certeza de que você teve seus motivos.

Abigail ficou aliviada por descer à terra. No entanto, não conseguiu evitar uma expressão de desagrado ao notar que a Sra. Gates cochichava com Phillip enquanto ela se despedia dos dois botânicos.

A mulher na grande carruagem com os três criados de libre era mesmo Garnet Godfrey-Bennett. Loira, pequenina e pálida, com gestos nervosos, ela abraçou e beijou Abigail carinhosamente. Ao ouvir que a prima não trouxera criadagem, quase se deixou cair no assento forrado de couro, mas logo se recuperou para expressar seu encantamento diante das roupas da recém-chegada.

— Nada como a moda de Londres, nada! — garantiu, enquanto as duas se acomodavam, acertando as saias e afagando H.M., que latia excitado com tanto movimento.

Griffin sentou-se com elas. Phillip iria a cavalo. Um criado segurava um belo garanhão, que ele montou com um floreio.

— Trouxe várias coisas feitas para a senhora pelas costureiras de Londres. Espero que goste, madame — disse Abigail, enquanto partiam.

— Oh, que gesto encantador o seu. Todos ficarão maravilhados.“Todos” entendeu Abigail, eram os incluídos na lista um tanto

complicada de amigos que a Sra. Godfrey-Bennett começou a desfiar. Ela tentava responder à torrente de perguntas de sua anfitriã e ver Sidney ao mesmo tempo. Finalmente Phillip notou seus olhares insistentes para a cidade e aproximou-se da janela da carruagem.

— Sidney é uma cidade e tanto — falou, orgulhoso, e Abigail sorriu, grata pelo resgate temporário.

— Depois que passei tanto tempo no mar, ela me parece tão grande como Londres.

O porto congestionado, cheio de carroças transportando latas de óleo de baleia para os inúmeros armazéns e navios atracados, tornava muito lento o progresso da carruagem. Abigail virou-se para tentar ver Duke Braden e as noivas, mas eles estavam perdidos no meio da multidão e de uma infinidade de coches, cabriolés, diligências e carroções.

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Enquanto a carruagem avançava pela George Street, Phillip ia apontando os pontos mais notáveis da cidade em forma de crescente que se estendia ao lado e acima deles. Abigail viu alguns graciosos bangalôs com jardins bem tratados, prédios comerciais de dois ou três andares, e sóbrios edifícios oficiais construídos nas encostas. Uma verdadeira floresta de mastros de navios parecia brotar da baía atrás deles. À sua frente moinhos de vento e torres de igrejas destacavam-se contra o céu azul. Ao norte de Sidney Cove, entre o verde abundante que cercava o palácio do governo e do Jardim Botânico, ela pôde ver belas mansões em estilo georgiano. E, dominando tudo, o robusto forte Phillip, construído no alto de um penhasco.

— Eu até gostaria de me vangloriar, mas o forte não tem esse nome por minha causa — sorriu Phillip, inclinando-se para perto da janela. — Sabe, tentamos fazer Sidney o mais parecido com Londres possível. Temos até mesmo um Hyde Park e um Teatro Real. Costumamos ouvir concertos de banda na Dawes Battery e caçamos em Homebush. Naturalmente, só os homens participam das caçadas, porque as senhoras não montam.

— Mas eu monto — declarou Abigail e notou com um certo desconforto que sua anfitriã estava para protestar. Por isso, logo emendou: — Se aqui é igual à Inglaterra, todas as damas devem montar, não é? — Ela desejou que Duke estivesse ali para ouvi-la defender seu ponto de vista, já que acreditava que ela iria submeter-se aos costumes de seus anfitriões. — Mas devo admitir que não aprecio a caçada à raposa.

— Raposa! — riu Phillip, dando uma palmada na coxa. Como estavam entrando numa rua estreita, ele foi obrigado a ficar atrás da carruagem. — Eu adoro caçar e nós atiramos em dingos ou cangurus, prima — gritou.

Muito inglês mesmo, Abigail esteve a ponto de gritar de volta, mas se conteve. Devia a Duke Braden estar sendo tão instintivamente crítica diante dos costumes daquela família bondosa que fazia tudo para agradá-la. Jurou ser mais compreensiva e aberta com eles. Desculpou-se consigo mesma pela sua sensibilidade. Estava extenuada depois da tempestade daquela noite e devido à falta de sono. E o balanço da carruagem a fazia se sentir como se ainda continuasse no mar.

Mas, apesar da satisfação de finalmente estar em Nova Gales do Sul e a despeito das atenções de seus anfitriões, ela se sentia cada vez mais irritada. Os doze quilômetros até a propriedade dos Godfrey-Bennett, The Grange, pareciam-lhe intermináveis.

Quando estavam deixando Sidney, Abigail viu aborígenes quase nus mendigando perto do enfeitado pedágio na entrada da

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estrada para Parramatta e pensou no querido e estranho Kulalang.— Oh, aqueles pobres nativos pedindo esmolas — observou. —

Eles não têm o que caçar em suas terras?— Suas terras? — repetiu Griffín, como se ela tivesse feito a

pergunta numa língua estranha. — Eu gostaria de matar esses “abos” um a um por estarem enfeiando esta estrada construída em nossas terras. São uns patifes vagabundos!

Abigail chocou-se com a resposta. Aprendera a admirar Kulalang pelo seu orgulho e habilidades. Ele lhe contara sua tristeza pela perda das terras de sua tribo, os Badajong, mas não imaginava que encontraria tantos aborígenes na miséria.

Apesar da cerca baixa que ladeava a estrada, a carruagem quase atropelou um canguru que atravessou loucamente a pista de terra. Era uma fêmea com um bebê na bolsa. Duke explicara a Abigail que os bebês canguru eram chamados de “joey”. H.M. latiu ao sentir o cheiro do animal, embora não pudesse vê-lo por estar no chão, entre as dobras da saia de sua dona.

— Você vai acabar se acostumando com essa praga — disse a Sra. Godfrey-Bennett. — Eles estão em todos os lugares, são mais numerosos do que lebres. É melhor simplesmente ignorá-los.

Então era isso que as damas da terra deveriam fazer diante de algo que ferisse sua sensibilidade, pensou Abigail. Ignorar. Ignorar os cangurus e os “abos” famintos. Ignorar que ali se caçavam dingos e não raposas. Ignorar que ali não era a Inglaterra. Já os homens podiam eliminar um a um aqueles que os desagradavam.

E ali, do lado de fora da janela, jazia uma natureza bela e selvagem. Mato como diziam os Godfrey-Bennett, como se fosse algo que eles pudessem arrancar. O mato não tinha nada a ver com as florestas da Inglaterra. Abigail sentiu vontade de expressar seus sentimentos, mas manteve-se em silêncio. Já começara mal não trazendo sua própria criadagem e não queria criar mais problemas. Mas agora estava vendo que Duke Braden podia estar certo sobre algumas coisas.

O maior choque para Abigail veio quando a carruagem diminuiu a velocidade para passar por um grupo de homens vestidos de amarelo que consertavam parte da cerca num dos lados da estrada sinuosa. Eles estavam encurvados, andando com pernas rígidas, presos uns aos outros com grilhões. Uma guarda montada e armada gritava ordens.

— Meu Deus! Pobres condenados! — exclamou ela, levando a mão à boca.

— Não olhe! — disse a Sra. Godfrey-Bennett, estendendo o braço para afastá-la da janela enquanto Griffin puxava as cortinas.

— É uma cruz que temos de carregar — explicou Griffin, 55

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tomando um gole de bebida de um frasco de prata. — Nós os chamamos de transportados ou pensionistas da coroa.

Quando Abigail finalmente conseguiu persuadir seus anfitriões a levantarem as cortinas, eles já estavam entrando na larga alameda que levava a The Grange. A um seu pedido, a Sra. Godfrey-Bennett mandou o cocheiro parar para ela poder descer e admirar o vasto campo relvado que ia até a mansão distante. Grandes extensões de cercas brancas continham rebanhos de carneiros merinos que pareciam flocos de nuvens salpicando o verde acinzentado dos pastos. No final da alameda coberta de cascalho ficava uma casa de três andares com um telhado em forma de domo. Uma miniatura do pavilhão real de Brighton, construído por George IV durante seu período de regência, pensou Abigail. A fachada muito branca, com pilares e um elegante terraço brilhavam sob o sol da tarde.

Ventava muito. Eles estavam numa colina que dava para o vale Parramatta, cortado por um rio azul cinzento. Griffin apontou os acidentes geográficos mais notáveis: Iron Cove, a embocadura do rio e parte das montanhas Blue que podiam ser vistas por sobre as terras altas das colinas Pennat.

— Este lugar é lindo! — admirou-se Abigail.— A casa será ampliada brevemente. Só depende das costas

desses merinos que você está vendo, se é que me entende — disse Griffin, com uma risadinha.

Mas Abigail olhava para uma direção diferente.— A que distância ficam seus vizinhos mais próximos? —

indagou, esperando que a pergunta soasse bem inocente.— Não muito grande — resmungou Griffin. Phillip, que voltara

para ver por que a carruagem parará, concordou com um grunhido enquanto desmontava.

— Existe uma pequena confusão a respeito de um poço de água — continuou Griffin. — Consegui tirar todos os presos libertos desta área, menos um. Mas mais cedo ou mais tarde também ficarei com esses trinta e cinco hectares. — Ele apontou para oeste com o frasco de prata enquanto ajudava Abigail a subir na carruagem. — Eles são do pai transportado do maldito Duke Braden, o homem que viajou com você trazendo as mulheres que pretende entregar como concubinas para fazer um tipo qualquer de protesto…

— Sr. Godfrey-Bennett, por favor! — interrompeu Garnet, falando de dentro da carruagem. — Depois de ficar meses fechada no mesmo navio com aquela gentinha, tenho certeza de que Abigail não quer nem ouvir falar nesse homem horrível!

— É verdade. Concorda conosco, querida prima? — Phillip 56

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enfiara a cabeça na carruagem quando o cocheiro ia fechar a porta. Antes que Abigail pudesse dizer qualquer coisa, ele continuou: — A Sra. Gates, a esposa do capitão do navio, me contou quase a mesma coisa. Parece que ela agiu como uma mãe devotada, acompanhando suas idas e vindas.

Ele sorriu, exibindo dentes grandes e separados, e depois piscou, obviamente deliciando-se com algum mexerico que extraíra da Sra. Gates. Abigail quis perguntar que coisas vis a mulher contara, mas seu antigo medo de falatórios a fez ficar de boca fechada.

— Ora, Phillip, não brinque com nossa hóspede como costuma fazer com suas namoradinhas nos bailes da cidade — repreendeu-o a mãe.

— Não implique com o rapaz, minha cara — disse Griffin e em seguida tomou outro gole de rum. — Ele e Abigail têm muito em comum. São jovens e herdeiros de um orgulhoso passado e de grandes fortunas. Por isso, deixe a natureza seguir seu curso e não se intrometa.

A Sra. Godfrey-Bennett só fungou, irritada. Chocada com a mudança nos acontecimentos, Abigail sentou-se rígida no banco da carruagem. Esperaria uma hora mais tranqüila para falar com Phillip em particular.

No dia seguinte, Abigail, que não enjoara um único dia durante a longa viagem, caiu de cama atacada pela exaustão e pela estranha sensação de que continuava balançando, como se ainda estivesse no navio.

— Não se aflija querida. Griffin disse que essa é uma reação natural para quem volta à terra firme depois de tanto tempo — confortou a Sra. Godfrey-Bennett, enquanto uma criada trazia chá com torradas. — Amanhã você estará ótima.

Abigail dormiu muito, passando de sonho para sonho, e às vezes tinha certeza de que continuava em seu atravancado camarote, aninhada nos braços de Duke Braden, enquanto o navio era atirado de um lado para outro pela tempestade furiosa. Contudo, quando estendia a mão para tocá-lo, só encontrava o fiel H.M. deitado ao seu lado.

No meio de sua segunda noite em The Grange, Abigail acordou abruptamente e sentou-se na cama. Sonhara que se transformara num girassol, como a ninfa da figura de proa. Em seguida virara-se para Duke Braden com a intenção de desenhá-lo personificando Apolo e à maneira grega, nu e com os músculos à mostra. Ele concordara com a idéia. Ela correra até sua propriedade para retratá-lo. Ele tirara as roupas e em seguida a tomara no colo e a beijara…

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— Não, não posso pensar nessas coisas — murmurou, olhando à sua volta e vendo apenas o encantador quarto que lhe fora reservado. — Está tudo acabado, acabado.

Enrolou-se num robe de cetim azul e foi até a janela para olhar na direção onde Duke Braden vivia. Tão perto e tão distante. Mas não era justo. Estava ansiosa para saber o que aconteceria com suas amigas da terceira classe. Com quem se casariam, e onde elas morariam, o que aconteceria com elas em sua nova vida? E quanto à sua própria vida? Sim, sentia-se melhor agora. Suas pernas estavam firmes e a cabeça clareara. Pegou o cãozinho nos braços e passou a face nos pêlos sedosos das grandes orelhas macias. No dia seguinte lidaria com Phillip. Depois começaria sua nova vida.

Abigail imaginava que Phillip seria encarregado de lhe mostrar a mansão e contava com essa oportunidade para conversar com ele a sós. Porém, como ele tivera de ir a Sidney, foi sua anfitriã que a acompanhou.

— Esse menino passa tempo demais na cidade com seus amigos — admitiu Garnet, com voz orgulhosa, mas exibindo um ar um tanto sombrio. — Mas ele é devotado a Charlotte, sua filhinha, que chamamos de Lottie.

Charlotte era uma menina de sete anos, loira e coquete, que não parará quieta um minuto durante o desjejum e não dera sossego a H.M. Abigail não podia entender como Phillip podia ser um pai devotado se passava a maior parte do tempo na cidade. Percebeu que, de fato, era a avó de Charlotte que a adorava, mimando-a o tempo todo.

E mais, pensou Abigail, como Phillip preferia passar tanto tempo longe da bela e ativa propriedade dos Godfrey-Bennett quando ele era o herdeiro e teria de administrá-la um dia? Ora, ela, que era mulher, sempre procurara ajudar o administrador de Fairleigh a supervisionar os empregados e visitava diariamente os cantos mais distantes.

A enorme casa que Garnet lhe mostrou parecia um palácio georgiano transportado da Inglaterra por um passe de mágica. Cada sala exibia móveis e quadros vindos diretamente da metrópole. As duas salas de visita ovais, uma em cada extremidade do terraço com grandes colunas, foram as que mais a impressionaram. Eram claras e arejadas, com grandes portas de vidro que se abriam para o gramado. Na imponente sala de jantar, cada peça de fina porcelana ou de linho tinha o monograma GG. Havia também um salão de música com um piano. Um imenso jardim de inverno envidraçado estendia-se acompanhando toda a parte posterior da casa. As colunas refletiam-se no piso de mármore e a luminosidade tornava mais verdejantes as plantas

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cultivadas em grandes vasos.Abigail e Garnet sentaram-se ali para tomar chá sob o

agradável sol da tarde, envolvidas pelo doce aroma dos limoeiros e laranjeiras anãs.

— Tenho certeza de que amanhã Griffin terá imenso prazer em mostrar-lhe a parte externa da propriedade. Não quero cansá-la demais hoje — disse Garnet, servindo o chá.

— Agora já estou bem, madame — sorriu Abigail, mas logo franziu a testa ao ouvir Charlotte de novo perseguindo H.M. por entre as fileiras de vasos. — Mas eu pensei que Phillip iria me mostrar a parte externa, já que ele, como eu, gosta de cavalgar.

— Phillip? Não, meu bem. Como eu já disse, meu filho passa a maior parte do tempo na cidade. Lá ele cuida de nossa exportação de lã e do mercado de carne. Na verdade você não deve esperar vê-lo com freqüência. E quanto à idéia de você cavalgar…

A observação de Garnet terminou com um grito quando elas ouviram o barulho de porcelana se quebrando a distância. As duas mulheres correram para o lugar de onde viera o som, mas não encontraram nem criança nem cachorro, apenas os cacos de um vaso e os restos de uma figueira. Estavam para sair no encalço dos culpados quando Griffin e Phillip entraram abruptamente. O rapaz brandia um exemplar do Sidney Gazette. Então, o alvo da reprimenda que se seguiu não foram Charlotte e H.M., mas a própria Abigail.

— Ora, mal consegui acreditar quando li isto — reclamou Griffin, apontando a manchete do artigo de primeira capa que dizia: “As Noivas de Braden Chegam Usando Moda Londrina”.

E ele começou a ler trechos da reportagem, enquanto sua mulher só gemia, dizendo:

— O que nossos amigos irão dizer?—”Lady Abigail Rosemont, prima e hóspede da família Godfrey-

Bennett, de The Grange, em Parramatta, generosamente ajudou a vestir o primeiro grupo de mulheres imigrantes”.

— Isso significa — lamentou Garnet Godfrey-Bennett, sacudindo os cachos cheios de fitas —, que essas mulheres também foram agraciadas com presentes vindos de Londres, exatamente como eu. O que vou dizer às minhas amigas? Já contei a várias delas que você trouxe roupas especialmente para mim. Oh, o falatório vai se espalhar como fogo no mato!

— Ora, mamãe, ninguém vai culpá-la por isso — disse Phillip, lançando um olhar para Abigail enquanto acendia um fósforo raspando-o na sola da bota.

Corada, sentindo-se como uma criança que quebrara um objeto precioso, Abigail olhou sem jeito para o primo, que parecia se

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divertir com seu embaraço.Griffin continuou a leitura:— “Aos gritos de admiração sobre sua aparência, as chamadas

“noivas de Braden” responderam declarando que os elegantes trajes londrinos que ostentavam haviam sido doados por uma amiga, a dama inglesa mais gentil que já tinham tido oportunidade de conhecer. E pelo menos uma das mulheres, a srta. Grace Buck mostrou ter intimidade com a citada dama, pois referiu-se a ela como “srta. Abigail”, falando de lady Abigail Rosemont.”

— Então você… pelo que pude entender… — Griffin mal conseguia falar. — Você também deve ter feito amizade com o sr. Braden.

— Era um navio pequeno, senhor. Tive a oportunidade de conversar com ele e com seu amigo nativo, Kulalang.

— Aquele aborígene! — rugiu Griffin. — Aquele Badajong encrenqueiro que vive se metendo lá em nosso poço ocidental e…

— Cuidado com a pressão, papai — aconselhou Phillip. Abigail suspirou, desanimada. Pelo jeito, a única coisa de bom que iria resultar daquele péssimo começo era que Phillip Godfrey-Bennett dificilmente se interessaria por ela depois do acontecido. Não lhe escapara que Griffin estava bancando o casamenteiro enquanto Garnet procurara afastá-la do filho.

— Minha cara — começou Griffin com voz controlada, mas muito vermelho. — Acho que fiz mal em não lhe contar nada sobre o sr. Duke Braden no outro dia. Ele é um grande inimigo da estabilidade de nosso país, entende? Um inimigo de nosso modo de vida.

— Um maldito rebelde! — exclamou Phillip.— Sim, isso também — concordou Griffin. — Compreenda

minha querida Abigail, ele é um homem marcado… tem uma fraqueza moral herdada dos pais. O velho Squire Braden é um sujeito mau e depravado.

— O senhor está querendo dizer… — começou Abigail vagarosamente —, que Duke Braden tem uma falha moral porque … porque seus pais eram prisioneiros?

— Isso mesmo, embora o velho vagabundo tenha sido libertado por bom comportamento. Bom comportamento — caçoou Griffin. — Algo impossível para um lunático como ele. Infelizmente, metade da colônia está contagiada por ser descendente de condenados. E nós, seletos, temos de nos resguardar contra qualquer mistura com os miúdos, o grupo que os Braden chefiam. Os miúdos são o lixo daqui, minha cara. Da mesma forma que não podemos permitir que uma linhagem má estrague nossos carneiros, não podemos permitir qualquer mistura social com os miúdos. Espero que você

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compreenda isso.A cabeça de Abigail girava com os termos e o ódio que eles

disfarçavam.— Então o senhor está dizendo que as pessoas são como

carneiros e precisam ser cuidadosamente criadas?— Exatamente — disse Garnet Godfrey-Bennett. — Nós,

seletos, também somos chamados de merinos puros, em contraste com eles, esse bando de raças misturadas. — Ela levou a mão à boca, num gesto de espanto. — Mas querida, não posso me conformar com a idéia de que você teve coragem de conversar com aquele abo nojento que está sempre grudado em Duke Braden…

Abigail sentiu vontade de gritar e atirar a bandeja do chá naquela gente. Claro que tinha consciência de que estivera atravessando uma fronteira social ao fazer amizade com as noivas de Braden e se arriscara numa trilha perigosa ao se aproximar de Duke, mas seus anfitriões pareciam incapazes de entender que no navio tudo era diferente. Era como se os passageiros tivessem passado quatro meses num país completamente novo. Abriu a boca para explicar, mas as palavras de Phillip a contiveram.

— Tenho certeza de que agora Abigail já entendeu tudo e que lamenta os problemas que causou. Foi mesmo um grande azar aquele demônio e as mulheres estarem no mesmo navio. Imagino que minha querida prima mal trocou duas palavras com o aborígene, já que ele seria incapaz de compreendê-la. Quanto a Duke Braden, não creio que Abigail tenha passado dias e dias passeando com ele pelo convés, não é, prima? No que diz respeito as mulheres, não as verá mais, pois a esta altura elas estão espalhadas por este território com os homens que as compraram, como se fossem barris de mercadorias chegados da Inglaterra. Penso que é melhor pormos uma pedra sobre o acontecido e começarmos uma nova página. — Depois, virando-se para Abigail, acrescentou: — Querida prima, venha passear comigo. — Sua voz era puro mel. — Vamos rezar para que tudo isso logo seja esquecido. Eu a apresentarei às pessoas certas na primeira oportunidade. Quando nossos amigos a conhecerem, quando virem seus modos ingleses perfeitos, esquecerão esses infelizes eventos.

Antes que Garnet Godfrey-Bennett dissesse algo para impedi-los de saírem sozinhos, Phillip deu o braço a Abigail. Os dois deixaram o jardim de inverno, atravessaram o saguão e foram para o terraço, onde respiraram aliviados ao se verem longe dos mais velhos.

— Obrigada por me salvar — disse Abigail, soltando o braço do de Phillip. — Tive medo de me deixar levar pelas emoções e falar demais.

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— Não em defesa de Braden, suponho.— Não vejo nada de errado em mulheres inglesas virem para

cá procurando um casamento, uma nova vida… — Abigail falou sem pensar e parou ao notar o olhar intenso de Phillip. — Eu não estou incluída entre elas claro — acrescentou rapidamente.

— Ótimo. Sabe, meu pai tem idéias…— Mas não sua mãe.— Vejo que você é rápida em ler as cartas. — Phillip conduziu-a

até uma das salas de estar, onde se sentaram num pequeno sofá forrado de brocado verde-escuro. Depois de apagar o charuto, ele prosseguiu: — Agora sou eu quem vai pôr as cartas na mesa, Abigail.

O coração de Abigail começou a bater mais depressa. Estava ansiosa para descobrir o que o primo soubera através da Sra. Gates.

— Por favor, fale — pediu um tanto trêmula.— De momento não pretendo me casar com ninguém. Estou me

divertindo muito e aprecio minha independência. Meu pai deseja me ver unido a uma herdeira com um grande patrimônio. Quanto à minha mãe… ela quer que eu continue solteiro para manter o controle sobre mim e Lottie. Mamãe adora a menina, sabe?

— Sim. E, pelo que eu soube, você também é muito devotado a ela.

— Meu pai, contudo — continuou Phillip, como se ela não tivesse mencionado a criança —, deseja um herdeiro homem para mim, alguém que continue levando o nome da família.

— Entendo.— Bem, agora que lhe mostrei minhas cartas, devo avisar que

tenho um ou dois trunfos. Você será minha parceira e não minha adversária neste joguinho.

— E o que isso significa? — quis saber Abigail, cautelosa.— Que eu tenho certas informações que ainda não chegaram

aos ouvidos do Sidney Gazette. Você não apenas fez amizade com as mulheres, como também com o demônio em pessoa. Andou passeando com ele pelo convés, era presenteada com baldes de água, etcétera, etcétera.

— Não vejo nenhum mal nisso — disse Abigail, pronta a defender seus direitos.

— Ah, ouvi contar também que você vivia discutindo com ele, o que é um ponto a seu favor. Isso mostra que não chegou a perder a sanidade. E quanto ao aborígene, soube que ele tentou agredi-la. Parece-me muito estranho você não ter dado queixa…

— Foi um mal-entendido, ele não me machucou.— Maldição, prima, tudo isto a machucou! Estão falando de

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você em toda a Sidney! Mas, como vamos trabalhar lado a lado para impedir que meu pai tente nos casar contra minha vontade… embora eu esteja satisfeito em ver que você é bem bonitinha…

— Por favor!— Preste atenção, sua tola!Subitamente Phillip Godfrey-Bennett deu-se conta de que se a

independência de Abigail o irritava, ela também o divertia. Seria um prazer dominá-la, da mesma forma que dominara a sucessão de amantes que tivera na cidade. Todas eram da classe dos miúdos e mereciam ser seduzidas, degradadas e depois abandonadas. Essa era sua contribuição particular para humilhar e arrasar com aquela gentinha audaciosa. Mas lidar com sua prima rica e aristocrática, inteligente e de narizinho empinado, seria uma experiência bem diferente. Ela era uma cadelinha atrevida, mas tinha posição e fortuna. Phillip procurou se acalmar para não alarmá-la com os violentos sentimentos que estavam começando a tomar conta dele.

— Veja, Abigail — procurou falar no tom mais tranqüilo possível. — Você precisa entender que Duke Braden faz tudo o que pode para tentar nos arrastar para a lama onde ele vive. Os Braden se agarraram àquela fatia de terra que é nossa por direito. Duke e seu irmão, um sujeito esquentado, têm uma vendetta pessoal contra mim. Braden sem dúvida tentou usá-la, até mesmo seduzi-la…

— Ele não fez nada disso!— Para fazê-la acreditar que seus planos são nobres —

continuou Phillip, como se Abigail não tivesse protestado. — Mas a verdade é que esse patife vai acabar causando uma guerra civil aqui com suas idéias radicais sobre igualdade para os ignorantes aborígenes e gente da própria laia. Imagino que ele usou sua lábia para convencê-la a não apresentar queixa contra o abo. Garanto também que estava de olho em sua fortuna. Descobriu que você é uma herdeira e…

Abigail quis censurar o primo pelas suas idéias distorcidas, mas as acusações a atingiram fundo. Sim, Duke descobrira que ela era possuidora de uma grande fortuna. Sim, ele a convencera a não apresentar queixa contra Kulalang. E pior, ela o tinha irritado, como faziam os Godfrey-Bennett e os outros de sua classe, mas ele forçara-se a ser gentil. Tentara dominá-la através dos seus sedutores beijos e carícias nos momentos em que se encontrava mais solitária e vulnerável. E horror dos horrores, ela caíra na armadilha, apaixonara-se por ele. Era bem possível que Duke tivesse pedido às mulheres para distraí-la com o intuito de fazê-la se voltar contra aqueles que ele tanto odiava, os membros da classe dominante em Nova Gales do Sul. E, com toda a certeza, ele

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se mostrara tão agradecido ao vê-la dar roupas e presentes às noivas porque sabia que isso seria comentado nos jornais e a deixaria mal com os primos.

Por um momento Abigail permaneceu imóvel, devastada até o âmago, sem se dar conta de que Phillip a observava atentamente.

— E então, querida prima, estamos combinados? Abigail voltou à realidade.

— Garanto-lhe, Phillip, que não vim para cá com a intenção de me casar com você. De fato não pretendo casar com ninguém e isto é definitivo.

A falta de interesse que detectou na prima fez Phillip quase se arrepender por ter sido tão veemente e apressado em procurar afastá-la dele. Se havia algo que o herdeiro dos Godfrey-Bennett apreciava era um desafio. No entanto, não tinha a menor intenção de abandonar tão cedo a vida de prazeres que levava em Sidney, o que incluía perseguir e arruinar qualquer moça dos miúdos que o atraísse. De certa forma, seus pais aprovavam suas ações, embora a mãe tivesse se mostrado aborrecida ao descobrir que sua atual amante, Catty, era uma troco miúdo.

Phillip notou que agora Abigail estava furiosa, mas não por causa dele. Vagarosamente tirou uma caixinha de prata do bolso do colete e extraiu dela dois fósforos. Riscou um na sola da bota e com ele acendeu o outro.

— E então, Abigail?Ela ficou olhando para os fósforos sem entender bem o que o

primo pretendia com aquilo, mas depois disse:— Sim, está combinado. Você não espalhará os vis mexericos

da Sra. Gates e eu não incentivarei os planos de seu pai.— Ótimo. — Phillip atirou os fósforos no cinzeiro, levantou-se e

estendeu a mão para ajudar Abigail.Quando ela estendeu a mão, Phillip surpreendeu-a virando-a e

beijando a palma. Abigail levantou-se rapidamente, pediu licença e subiu apressada para o quarto.

Ela estava furiosa, mas não com o primo. De certa forma Phillip se mostrara uma agradável surpresa, pois se transformara em seu aliado apesar dos modos estranhos. Sua raiva era contra Duke Braden, aquele homem enganador, e contra ela mesma, por ter sido tão ingênua. Na primeira chance que encontrasse de se deparar com ele, iria dizer pessoalmente tudo o que pensava a seu respeito!

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CAPÍTULO V

Para evitar que as insinuações do Gazette se tornassem boatos amplamente disseminados, Garnet Godfrey-Bennett decidiu levar Abigail a Sidney o mais rapidamente possível para exibir sua presença muito inglesa nos lares de suas amigas. Ela esforçou-se ao máximo para cooperar, pois lamentava ter magoado seus parentes. Além disso, queria mostrar ao seu aliado e chantagista em potencial, Phillip, que não tinha nada contra os “seletos”. Mesmo assim, não conseguiu deixar de defender o programa de imigração de mulheres, o que causou olhares de reprovação.

Ela já não agüentava mais ouvir falar do ódio dos “seletos” pelas causas de Duke Braden — todas elas. Mas, por estar indignada com o comportamento dele, prestava grande atenção às mais variadas acusações para poder usá-las como munição na hora adequada.

Duke Braden era obcecado pelas suas crenças e tudo indicava que odiava os “seletos” tanto quanto eles o odiavam.

Abigail convenceu-se de vez que Duke estivera rindo dela pelas costas. Agora que conhecia bem o patife, iria lhe dizer umas boas verdades na primeira oportunidade. O problema era que quanto mais tentava endurecer seu coração contra ele, mais admirava suas metas.

Além de patrocinar assistência para os novos imigrantes, Duke Braden defendia ardorosamente os direitos dos aborígenes e colonos. Os colonos, aprendera Abigail, não eram os elegantes cavalheiros e suas esposas enfeitadas que freqüentavam os salões de Sidney, mas sim pessoas livres que ansiavam pela permissão de se estabelecerem nas terras não desbravadas ao oeste das montanhas Blue. Com poucas exceções, as pastagens entre o litoral e as montanhas eram de propriedade dos ricos “seletos” e ali eles só poderiam trabalhar como empregados. O que podia haver de tão terrível na ambição da classe “troco miúdo” de possuir suas próprias terras? Mas, quando ela fez a pergunta em voz alta, só recebeu olhares gelados como resposta.

Durante seu primeiro contato com a sociedade de Sidney, Abigail notou que Garnet Godfrey-Bennett ficava visivelmente assustada quando Phillip a convidava para um passeio ou uma visita à casa de amigos. Pensou então que se conseguisse convencer sua anfitriã de que não tinha intenções de lhe roubar o precioso filho, talvez fizesse dela uma aliada.

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Na volta ao vale Parramatta, a Sra. Godfrey-Bennett relaxou sua vigilância e Abigail pôde pensar na possibilidade de sair sozinha. Mesmo assim, foi só uma semana depois de sua chegada que surgiu a oportunidade de ir procurar Duke Braden. Numa tarde em que sua anfitriã estava aca-mada devido a uma dor de cabeça, ela vestiu um traje de montaria, prendeu uma guia na coleira de H.M. e ousadamente mandou o chefe da cocheira selar um cavalo. Depois de colocar o cãozinho numa mochila presa à parte dianteira da sela, como costumava fazer na Inglaterra, abaixou o véu preso ao chapéu de abas largas para proteger-se do sol e partiu na direção oeste, cavalgando de lado, à maneira das amazonas.

Depois de algum tempo apeou para abrir uma porteira com o monograma GG. Parecia ser o limite das terras de The Grange naquela direção. No entanto, depois de vencer a pastagem seguinte, viu-se diante de uma encantadora lagoa protegida por penhascos altos em três de seus lados. Quatro cangurus que bebiam água fugiram com grandes saltos ao ouvirem os latidos excitados de H.M.

— Não vá ficar convencido por ter assustado animais tão grandes, menino — brincou Abigail, afagando o spaniel.

Em seguida, olhou em volta, examinando as faces dos penhascos, cheias de cavernas e plataformas pedregosas.

O local transmitia paz, mas Abigail tinha a estranha impressão de estar sendo vigiada por olhos invisíveis. Estremeceu ligeiramente, porém logo procurou convencer-se de que sua única companhia naquele lugar encantador eram os esquisitos pássaros kookaburra, que riam como lunáticos empoleirados numa árvore próxima.

Sim, aquele devia ser o poço do qual Griffin falara, o objeto da disputa entre ele e o pai de Duke, o velho vagabundo, como o chamava. No entanto, o apelido transmitia a idéia de uma pessoa preguiçosa, incapaz de fazer algo de útil e, em sua opinião, seria melhor empregado para designar alguns “seletos” que conhecera na cidade. Mas, se era esse o poço, então ainda continuava em terras dos seus parentes. Depois de deixar o cavalo beber, ainda montada, voltou a dirigi-lo para oeste, continuando seu percurso.

Abigail venceu uma elevação suave situada ao lado da água e dos penhascos e avistou um pasto salpicado de carneiros e faixas de plantação de cevada, aveia e hortaliças. Mais adiante havia uma pequena casa e algumas edículas abraçadas por uma cerca branca. Um fio de fumaça saía da chaminé de uma das casinhas. O conjunto de edificações lhe pareceu minúsculo depois da grandiosidade de The Grange.

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Tudo ali era a essência da simplicidade. O telhado da casa térrea, com paredes de pedra, estendia-se nos quatro lados para formar uma varanda. No pátio, em vez dos arbustos podados e canteiros bem alinhados que existiam na propriedade de seus primos, só havia algumas árvores frutíferas.

A cena pastoral a encantou e quase fez esfriar sua raiva contra Duke Braden. Mas logo lembrou-se de que ele devia ter rido dela igualzinho aos kookaburra que encontrara na lagoa. Como fora tola e ingênua em se deixar levar pela sua lábia nas semanas que passara no mar! Talvez estivesse caçoando dela até agora. Imaginou seu sorriso sarcástico enquanto ele contava ao repórter do jornal sobre os presentes que dera às noivas, sabendo que a exporia, e também a seus parentes, ao ridículo.

Determinada a pôr tudo em pratos limpos, Abigail fez o cavalo entrar na alameda estreita, ladeada por altos pés de cevada. Estava quase chegando à cerca quando ouviu um homem gritar:

— Ei, você! Pare aí mesmo!Ela puxou as rédeas, pronta a começar seu ataque contra Duke

Braden, mas o homem que se levantara do meio das gramíneas, parecendo um espantalho, era um velho enrugado, de pele curtida pelo sol, portando uma foice de cabo comprido. Ele a fez se lembrar de um desenho do Pai Tempo que vira num livro infantil. H.M. começou a latir como um desesperado e ela gastou algum tempo acalmando-o. Em seguida, pensando estar se dirigindo a um empregado da fazenda, falou:

— Por gentileza, estou procurando o sr. Braden.— Pois já o encontrou. Sou Squire Braden e esta é minha

propriedade. — O velho acrescentou, indicando H.M. — Essa gracinha de menina é sua?

— Sim. Mas é um macho. O nome dele é H.M. Abigail ficou observando o homem enquanto ele saía do meio da plantação e aproximava-se dela, apoiando-se no cabo da foice. Quando levantou o véu, pôde ver que o cabo era entalhado com desenhos aborígenes iguais aos existentes no woomera que ganhara de Kulalang e que agora estava escondido sob seu colchão em The Grange.

Então aquele era o pai de Duke, pensou, e, apesar de sua mágoa, sorriu para o homem ao vê-lo tirar a cartola poeirenta com um floreio, como se fosse o mais polido dos cavalheiros ingleses. O velho Braden, ao contrário do filho, respeitava as convenções.

Squire Braden era baixo e magro, e estava'coberto de poeira. Salvo os olhos azuis, nada nele lembrava o filho.

— Que belo cachorrinho — disse o velho, e aproximando-se de H.M., começou a apresentar-se ao animal. — Me chame de Squire, menino, apesar de meus pais me terem posto o nome de Simon lá

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em Dorset. Foi por isso que dei às minhas terras o nome de Dorset Downs, as colinas de Dorset. Esta é minha propriedade, que plantei com o suor de meu rosto. Agora meus meninos querem transformá-la num maldito redil de carneiros, quando, para mim, carneiros só servem para me fornecer um bom estéreo para as plantas. — H.M. parecia estar entendendo as informações. — Esse cachorrinho é do tipo que espanta carneiros? — acrescentou Squire, agora dirigindo-se a Abigail.

— Não posso dizer com certeza. Mas ele late para cangurus. Espero que não vá espantar seus carneiros.

— Mas é o que eu gostaria que ele fizesse. Os cachorros que Duke e Earl arranjaram só servem para juntar os carneiros idiotas. Eu ficaria feliz se seu cãozinho espantasse todos os merinos de minhas terras, desde que o rei dos seletos, o Godfrey-Bennett, não ficasse com eles. Aí sim eu teria uma verdadeira fazenda inglesa para deixar para os meninos, como sempre planejei. Então, quem sabe, eles tirariam da cabeça a idéia de irem colonizar os territórios atrás das montanhas.

Squire Braden continuava afagando H.M. carinhosamente. As rugas em seu rosto formavam uma verdadeira teia e o faziam aparentar mais idade. Parecia pequeno demais para ser o pai de Duke, mas era possível que os anos passados na prisão o tivessem afetado.

— Conheci seu filho no navio que nos trouxe da Inglaterra — informou Abigail.

— Mas Você não parece ser uma das amigas de meu filho nem uma das noivas que ele trouxe. Eu lhe disse, case com uma dessas meninas e dê um neto ao seu pai. Mas Duke é teimoso, igualzinho a Earl. O cabeça dura do Earl vive dizendo que vai procurar uma noiva transportada na Fábrica das Mulheres, apesar de eu cansar de dizer que o nível das prisioneiras agora não é tão bom como na época em que fui escolher a mãe deles.

— Entendo. Mas Duke… ele está? Gostaria de falar com ele.Colocando a foice no ombro, Squire conduziu-a pela alameda

até o jardim, levantando a mão a cada poucos passos para afagar H.M.

— Earl! Earl! — ele gritou, ao chegarem perto da casa. — Uma dama veio visitar seu irmão grãfino.

Abigail puxou as rédeas, corando. Viera à procura de Duke e não para ser exibida. E por que o velho chamara Duke de granfino? Contudo, ao ver Earl sair da casa protegendo os olhos com a mão contra o sol forte da tarde, viu que Duke, comparado a ele, era mesmo um grãfino.

Os dois irmãos tinham a mesma altura e compleição, mas as 69

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similaridades físicas terminavam aí. Os cabelos negros e revoltos de Earl emolduravam um rosto redondo, de traços pesados. Os olhos eram escuros e brilhantes. E, quando falou, Abigail viu que era muito mais sorridente do que o irmão.

— Ora, ora, ora — brincou Earl. — Duke vai se dar um pontapé por ter ido ao pasto norte com o rebanho. Não quer entrar e esperar por ele, madame?

— Não, obrigada. Não tenho muito tempo — respondeu Abigail, nervosa, enquanto os olhos de Earl a analisavam abertamente.

— Vou buscar água para o cachorrinho — disse Squire, dirigindo-se para o poço.

Enquanto ela e Earl trocavam rígidas apresentações, Abigail deu-se conta do quanto fora tola e impulsiva ao sair atrás de Duke. Não avisara ninguém e podiam estar procurando por ela em The Grange. Não sabia nada sobre os homens com quem estava conversando e não tinha idéia de como Duke iria reagir quando ouvisse suas acusações. E mais, ela simplesmente invadira a propriedade dos Braden, mesmo sabendo que havia uma amarga disputa entre eles e seus parentes. O pior de tudo era que tinha de confessar a si mesma que perdera a cabeça e dispusera-se a enfrentar o desconhecido porque ansiava por ver o maldito Duke Braden de novo, por mais que o detestasse.

Squire Braden voltou com a cartola cheia de água e estendeu-a para H.M. O cãozinho mostrou sua gratidão bebendo com prazer.

— Está vendo? — disse Earl para Abigail. — Seu cão aceitou nossa hospitalidade. Entre, venha tomar uma xícara de chá. Enquanto isso, mandarei alguém ir avisar Duke. Venha, não há perigo. — Depois ele gritou para alguém:

— Bucky, menina, onde está você? Temos uma visita. Aqui!— E acenou na direção das edículas, enquanto continha o

cavalo de Abigail.Abigail virou-se para as edículas e teve uma surpresa. Uma

mulher de cabelos escuros vinha saindo do que devia ser a cozinha, pois era de onde se elevava a fumaça.

— Mas é Grace! — gritou. — Grace Buck!Ela desmontou rapidamente, sem dar tempo para Earl ajudá-la.

Grace gritou de alegria e veio correndo, o avental agitado pelo vento. Abigail, que começara a estender os braços, subitamente se imobilizou, como se tivesse ficado paralisada.

— Duke… Duke a trouxe para cá? Você veio para ficar?— Bem que eu gostaria, srta. Abigail — sorriu Grace.— Mas diga-me, não foi ótimo ver nossos nomes no jornal? Fiz

questão de dizer ao repórter que a senhorita nos deu todos aqueles presentes e que foi maravilhosa conosco durante a “viagem. Sabe,

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o homem que se aproximou de mim nas docas era um grosseirão. Eu me assustei com o jeito dele e perguntei a Duke se havia alguma coisa que me obrigasse a aceitá-lo. Parece que eu estava adivinhando, porque, quando o homem me ouviu, ficou uma fera. Partiu para cima de mim e só não me bateu porque Duke impediu-o com um soco. Um horror! Ainda tremo quando penso no que poderia ter acontecido se o tivesse aceitado. Agora, graças a Deus, estou livre. Duke, porém, disse que se o jornal descobrir que vim para cá, vai fazer uma gritaria dos diabos. Mas estou feliz como um passarinho cuidando da casa e fazendo a comida para Duke e o pai dele. E para Earl também — acrescentou Grace, lançando um olhar carinhoso que passou por Abigail e foi envolver Earl.

Abigail conhecia bem aquele olhar. Vira-o em Grace nos primeiros dias da viagem, quando ela ainda estava interessada em Duke. E o vira também em si mesma, no espelho do navio. Maldito Duke Braden. Grace podia considerá-lo o mais bondoso dos homens, mas ela sabia bem o quanto era cruel e ardiloso.

Sentia mais raiva dele agora. Mostrara-se irritado quando ela falara que gostaria de contratar Grace como sua criada de quarto e dama de companhia, e agora a fazia cozinhar para os três e os outros homens da fazenda.

Ela abraçou Grace carinhosamente. A moça não tinha culpa de nada. Não havia também nenhum motivo para recusar o convite para o chá. Simpatizara bastante com pai e filho, apesar de Earl ser um tanto grosseiro e Squire um tanto excêntrico. Sim, esperaria por Duke, poria tudo a limpo e depois nunca mais o veria.

Grace trouxe o chá e colocou sobre a mesa um pão redondo, típico da Austrália, que, segundo disse, ainda estava aprendendo a fazer. Earl mandou um homem ir chamar Duke. Abigail sentou-se, rígida e nervosa, e aceitou uma xícara.

O interior da casa era bastante agradável, pensou, tentando ocupar a mente com outras coisas para se acalmar. A simplicidade dos quatro grandes cômodos combinava perfeitamente com o exterior austero. Os poucos móveis, feitos de cedro, estavam bem polidos e deles emanava um aroma agradável. A maior parte dos objetos de decoração era constituída por peças aborígenes. Sobre o assoalho, em vez de tapetes, havia esteiras de vime, que emitiam um som agradável ao serem pisadas.

— E por que — perguntou Abigail, depois de tomar o chá e experimentar um pedaço do pão —, o senhor pôs o nome de Castle Keep em sua casa, sr. Braden?

Earl gemeu como se ela tivesse feito a pior das perguntas. O velho deu início a uma longa explicação de como fora libertado.

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— Durante o tempo em que trabalhei numa fazenda de criação de carneiros a cerca de uns oitenta quilômetros de Sidney, eu vivia sonhando com o dia em que teria uma casa bonita, um castelo, como os que eu via na Inglaterra, em Dorset. A maioria dos condenados detestava a vida rural porque eram forçados a trabalhar nas fazendas. Mas eu gostava daquilo, embora a perda de um único estúpido carneiro significasse um castigo de cinqüenta chibatadas.

Squire estendeu a mão para afagar as orelhas de H.M. e prosseguiu:

— Eu sempre amei a terra e tinha prazer em fazê-la dar boa comida. Assim, quando recebi o perdão do governador pedi o arrendamento dos dezesseis hectares que me cabiam pelo bom comportamento. Recebi mais oito da parte de minha mulher, por ela ser pensionista da prisão das mulheres e posteriormente mais quatro hectares para cada uma das três crianças.

— Então o senhor tem um outro filho?— Era uma filha — explicou Earl. — Margaret.— Queenie — corrigiu Squire, e Earl ergueu os braços, como se

fosse inútil teimar com o pai. — Sua mãe só a chamava de Queenie.— Queenie morreu bem novinha e mamãe foi logo depois —

continuou Earl. — E quando isso aconteceu…— Quando isso aconteceu — a voz profunda, vinda da porta,

terminou a história —, seus anfitriões, os ilustres Godfrey-Bennett, reivindicaram a posse das terras que cabiam às duas. Compraram os doze hectares por uma ninharia, ficando com a melhor fonte de água da região, uma lagoa que dividíamos com os Badajong, em quem começaram a atirar como se fossem animais quando eles punham os pés na terra que consideravam sagrada.

— Oh! — foi a única coisa que Abigail conseguiu dizer olhando boquiaberta para o rosto sombrio de Duke. Seu primeiro impulso foi levantar-se de um salto para enfrentá-lo em termos de igualdade, mas suas pernas fraquejaram, o que a obrigou a permanecer sentada.

— O que ela está fazendo aqui? — indagou Duke, dirigindo-se a Earl. — Eu lhes contei onde essa dama está hospedada.

Earl levantou-se, cerrando os punhos, parecendo disposto a começar uma briga. Grace pegou a bandeja e saiu rapidamente.

— Eu talvez tenha desejado vê-la de perto. E digo que gostei do que vi. — Ele dirigiu-se ao irmão como se Abigail não estivesse ali. — Além disso, eles não podem ter distorcido tanto sua mente, já que ela aceitou tomar chá com os Braden.

— Veio aqui para espionar — insistiu Duke. — Permita-me acompanhá-la até lá fora, srta. Rosemont.

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— Estou nesta casa a convite de sua família, não seu! — ela falou com voz firme, mas tremia como uma folha de outono.

Quando Duke fez menção para avançar para Abigail, Earl bloqueou sua passagem.

— Ela não é o velho Godfrey-Bennett nem seu precioso filho. Se você não é capaz de notar a diferença, eu sou.

— Deixe de bobagem, Earl, e saia do meu caminho. Este é um caso entre eu e ela. .

— Bem, já que você põe as coisas nesses termos… — Earl falou num tom de caçoada e afastou-se com um gesto dramático.

Duke ignorou o irmão e pegou o cotovelo de Abigail. Ela puxou o braço e levantou-se.

— Agradeço-lhes a hospitalidade, senhores — disse, dirigindo-se a Earl e Squire. — Eu gostaria de lhes informar que se Grace Buck um dia desejar um outro emprego, terei prazer em contratá-la.

— E eu trocaria Grace por esta belezinha aqui — brincou Squire, e inclinou-se para pegar H.M. no colo, que aceitou o carinho de bom grado.

Depois de desculpas apressadas, Abigail pegou H.M. e caminhou rigidamente até a porta, tomando a frente de Duke.

— Devo dizer — começou ela num tom seco quando chegaram à varanda — que nunca fui expulsa de um lar cristão, seu grosseiro…

— Mas eu já fui. Em todas as vezes que tentei ter uma conversa racional com seus parentes e os amigos deles. Diga-me, qual é a sensação? — Ele fez um ar de sarcasmo e continuou: — Não espero que você compreenda meus motivos, mas o fato é que perco a paciência quando vejo as pessoas incentivarem meu pai a falar de seu passado como prisioneiro. Ele não sente vergonha e eu também não, mas o importante é o que ele fez depois de ser perdoado.

— Eu só quis saber por que seu pai pôs o nome de Castle Keep na casa. E saiba que gostei muito dele.

Abigail acomodou H.M. na mochila. Pensava em montar antes que Duke tentasse ajudá-la, mas ele foi mais rápido. E não apenas a ajudou com um impulso. Levantou-a pela cintura e até se atreveu a colocar seu pé no estribo. Em seguida saltou para a sela do cavalo em que viera.

— Posso ter sido grosseiro lá dentro — disse ele —, mas foi pelo seu próprio bem.

— Não venha com sermões. Não sou criança!Os olhos azuis a examinaram de alto a baixo com tal ousadia

que a fizeram corar. Ela abaixou o véu para disfarçar.73

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— Garanto-lhe, lady Abigail, que não a vejo como uma criança. — E acrescentou, desarmando-a completamente:

— Sabe, você é impressionante. — Estendendo o braço, cobriu o punho delicado que segurava as rédeas com sua mão forte e morena. — Você gosta mesmo de correr riscos, não é, Abigail?

— Não. E não veja as coisas sob esse prisma. Para ser franca, vim até aqui para lhe dizer que entendi muito bem o seu joguinho. Não sou tão burra quanto você pensa.

— Penso muitas coisas sobre você, mas nunca a considerei burra.

— Eu dispenso elogios insinceros! — Ela puxou a mão e esporeou o cavalo, fazendo-o avançar rapidamente.

Duke alcançou-a com facilidade. Ao olhar para trás, Abigail viu Squire na varanda, acenando uma despedida.

— Você disse que queria falar comigo, Abigail. Agora estamos longe dos outros. Diga o que quiser.

— Não tenho a menor vontade de cavalgar ao seu lado!— Ela puxou as rédeas e parou. — Eu só queria lhe dizer que

sei o quanto você foi desprezível e enganador comigo!— Estou começando a entender. Então eles já viraram sua

cabeça, como imaginei que fariam. Imagino que seu primo Phillip andou falando as maiores vilezas sobre mim. Pois bem, lady Abigail, diga tudo o que quiser antes de eu entregá-la de volta, e intacta, apesar de seu pequeno passeio ao covil dos Braden.

Eles pararam numa colina sombreada por eucaliptos. No instante em que freou o cavalo, Abigail deu vazão a sua mágoa:

— Se você estava mesmo disposto a me expor ao ridículo, por que não contou ao jornal o resto de minhas tolices? Por que não lhes contou o que aconteceu no convés naquela noite chuvosa e no meu camarote, durante a tempestade?

— Estou contente em ver que você não esqueceu. Garanto-lhe que eu também não.

— Estou certa que tenho sido motivo de grande diversão para você! Agora sei que tudo foi parte de um plano! Você se aproveitou da amizade que eu lhe ofereci. Quando dei os presentes às noivas, o fiz de coração aberto. Você me engambelou para eu não apresentar queixa contra Ku-lalang. Você me usou. Só queria material para atacar os seletos. Fez-me parecer ridícula no jornal para atingi-los através de mim!

— Quer dizer então que você foi informada de que eu não faço mais nada senão criar problemas para seus ilustres amigos, os “merinos raça pura” de dois pés?

— E não é o que você faz?— Da melhor forma possível!

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Duke desmontou de um salto. Depois, levantando os braços, puxou Abigail da sela.

— E quer saber mais, senhorita inglesa e seleta? Tudo o que sei sobre sua família me fez ficar furioso com você! — admitiu ele, sacudindo-a com força.

— Está vendo como eu tinha razão? — disse Abigail, contente com a confissão. — Agora me largue. Quero ficar livre de você!

Duke não obedeceu. Puxou-a mais para perto, as mãos prendendo-a pelos ombros. Em seguida falou baixo, num tom amargo, e olhando-a com tal intensidade que a fez se sentir hipnotizada.

— Foi você mesma quem disse, Abigail. Quero ficar livre! Será que não tem noção de que os condenados… sim, sei que seus amigos têm nomes educados para eles… também querem ficar livres? Que os aborígenes querem ser livres para poderem caçar em suas próprias terras e adorar seus deuses nos lugares sagrados? Que os rapazes miúdos, que só podem ter os empregos mais humildes, querem ter a liberdade de irem para oeste, onde serão donos de suas terras? Diabos, eles conseguirão pagar por elas depois de uma ou duas tosquias e ajudarão a construir este país com a exportação de lã! É por isso que eu luto. Uso qualquer arma para defender a liberdade da minha gente! Você pode pensar o que quiser de mim. Mas fique longe de minhas terras e de minha vida também!

Abigail, diante do impacto do discurso, estava mole nas mãos de Duke. H.M. gania assustado. Duke continuava apenas segurando-a pelos ombros, mas era como se ele a tivesse agarrado inteira, por dentro e por fora. Ela estava decidida a não acreditar mais nele para não ser usada contra sua própria gente. No entanto, não conseguia se ver como um dos seletos. Gostava mesmo era das noivas. Squire, Earl e sua pequena fazenda lhe pareciam muito mais simpáticos do que seus primos pedantes e a grandiosa The Grange. E era esse homem, por cujo toque tanto ansiara, que tinha importância para ela.

Duke a fez sentar num tronco de eucalipto caído. Em seguida tirou H.M. da mochila. No silêncio embaraçado que se seguiu, ficou olhando para o chão entre seus pés enquanto o cachorrinho ia se sentar ao lado da dona.

— Mal posso acreditar que estou aqui com você. Eu tinha de vir. — Abigail deixou as palavras escaparem antes de se dar conta delas.

Duke sentou-se ao seu lado e encostou-se no tronco de um outro eucalipto. Ele continuava rígido e com o rosto fechado. O aroma que emanava das árvores parecia envolvê-los numa redoma

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de frescor. Abigail respirou fundo e Duke levantou a cabeça para olhá-la.

— É possível que você seja mesmo muito burra, Abigail. Ficou indignada com a reportagem contando que fez amizade com as noivas e com a insinuação de que esteve se misturando com Duke Braden. Mas será que não entende que isso não é nada diante do que poderá acontecer com sua reputação se descobrirem que você foi à minha casa? Seus primos, por mais contentes que estejam com a oportunidade de exibi-la por toda a cidade e com a possibilidade de unirem a fortuna que possuem à sua, através de um casamento com Phillip, não hesitarão em colocá-la na rua, com o rabinho entre as pernas.

— Não se refira a mim como se eu fosse um de seus estúpidos carneiros, como diz seu pai!

— Nós cortamos o rabo dos carneiros e nunca me passou pela cabeça fazer isso com você — sorriu Duke, com o rosto se suavizando. — Vejo que você não se assustou com meu pai.

— Claro que não! Ele é mais encantador do que você pode sonhar ser.

Duke sorriu de verdade, exibindo os dentes brancos que Abigail raramente via. Ela ficou surpresa ao constatar que estava relaxando. Agora sentia-se quase tão feliz como na noite da tempestade.

— Abigail — disse Duke, olhando-a atentamente. — Você é corajosa e, evidentemente, continua dona de sua cabeça depois de uma semana entre seus parentes. Mas foi pura loucura você vir às terras dos Braden, seja qual tenha sido seu motivo. Somos todos homens aqui e cuidar da reputação de Grace já é complicado. Por isso, se um pedido de desculpas for suficiente para impedi-la de voltar, estou disposto a me desculpar.

Não era esse tipo de contrição que Abigail desejava ouvir. A atitude de Duke dava a impressão de que ele não se incomodava muito com ela.

— Quer dizer que agora você não vê mais utilidade em mim — acusou.

— Maldição! Será que vou ter de desenhar os perigos para você entender? — Ele estendeu a mão e puxou-a para o seu colo.

Abigail, pega de surpresa, ficou rígida. Duke beijou-a com força e depois se levantou com ela ainda nos braços antes de soltá-la. Ela ficou em pé, cambaleando um pouco, querendo mais, embora de início tivesse tentado lutar.

— Eu farei muito, muito mais do que isso se você se atrever a voltar, mocinha — alertou Duke, de dedo em riste.

— E o mínimo que você vai conseguir é ver sua preciosa 76

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reputação em ruínas. Acredite-me, mexericos e escândalo a esperam e serão mais do que suficientes para expulsá-la de Nova Gales do Sul e da minha vida!

Ele a estava alertando! Gostava dela o bastante para tentar protegê-la. Duke estava lhe dando a oportunidade de fugir, de decidir seu próprio futuro, algo que o detestável Lorde Northurst não se dera ao trabalho de fazer antes de estragar sua vida com mentiras. Teve de admitir que gostava, e muito, dele.

— Sei tudo sobre mexericos e escândalo, Duke — disse, voltando a sentar-se no tronco —, por isso você não precisa me alertar. No navio, eu lhe ofereci minha amizade mesmo sabendo que corria o risco de ser vítima de falatórios.

— Ela pensou em lhe contar as ameaças de Phillip para conseguir sua aliança, mas resolveu deixar para outra oportunidade. — Desculpe-me por ter pensado mal de você. Fiquei nervosa devido ao que me aconteceu por causa de outro homem.

— Que homem? — indagou Duke rispidamente, sentando-se ao lado dela.

— Um enganador, que queria apenas meu dinheiro. Quando descobri suas mentiras e o expulsei de minha vida, ele arruinou minha reputação, o que me obrigou a me esconder no campo por anos, vivendo como uma freira.

Ela contou sua história de cabeça baixa. Falou sobre lorde Northurst e sobre sua tristeza pela perda de Janet. Quando terminou, sentiu a mão de Duke na sua. Então se atreveu a olhar para ele. A expressão carinhosa que viu nos olhos azuis fez seu coração se acelerar.

— Então você carregou sozinha essa cruz — murmurou Duke, com voz rouca. — Não é de admirar que nunca tenha querido tocar no seu passado.

— Mas agora está tudo acabado.— Será mesmo? E quanto a novos riscos? Você está disposta a

enfrentá-los? — Ele a olhou fixamente. — Você precisa entender que quero muito mais do que a “amizade” que diz ter me oferecido. Sou um homem teimoso, amargo e faminto. Não tenho nada de santo e não recusarei algo que você está oferecendo e que eu desejo muito. É melhor saber desde já que a quero como mulher e não somente como amiga. Portanto, não volte aqui se não estiver disposta a aceitar meus termos!

Abigail virou-se vagarosamente para encará-lo. Estava trêmula e corada. Esquecera-se de respirar durante a fala de Duke. Dessa vez, quando ele a fez levantar-se e tomou-a nos braços, não tentou lutar. Respondeu de coração aberto e corpo fluido ao abraço e beijo exigentes. Correntes de força e energia percorreram seu

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corpo. Ela o enlaçou pela cintura estreita, amoldando-se ainda mais ao seu físico musculoso. Quando Duke finalmente se afastou, ele sorriu e apontou para a poeira que transferira para o traje de montaria azul marinho.

— Agora vou ter de limpá-la — disse, e começou a passar a mão nos seios, cintura e coxas de Abigail.

— Duke! — ela protestou e bateu de leve nas mãos ansiosas. Sua voz estava trêmula, não irada. Ele abraçou-a de novo e segurou-lhe o queixo com a mão.

— Duke — ele repetiu. — Gosto de ouvir você dizer meu nome. E olhe, srta. Rosemont se puser novamente os pés nas terras dos Braden, vou chamá-la de minha Abigail. Não. — Ele sorriu com grande doçura, fazendo o coração de Abigail bater mais forte. — Vou chamá-la de Abby Rose. Porque, se você voltar aqui é porque decidiu ficar comigo para sempre. Então enfrentaremos tudo e todos. Compreendeu? Abby. Abby Rose. Ela não lhe contara que Janet era a única que usava o apelido. Compreendera perfeitamente o que ele dissera. Nunca imaginara que iria encontrar tanta abertura num homem. Em seu mundo, a corte a uma mulher era feita através de subterfúgios, jogos de salão e recados enviados por meio de damas de companhia. Nesse momento lembrou-se de que uma cigana previra que ela iria se casar com um príncipe ou duque, o que a fez sorrir. Afinal, estava numa terra estranha, sob árvores para ela exóticas, junto de um homem empoeirado e cheirando um pouco a carneiros.

— Por que o sorriso? — quis saber Duke. — Foi alguma coisa que eu disse?

— Não. Algum dia eu lhe contarei.Duke levantou-se para ajudá-la a subir no cavalo.— Você ainda não disse se aceita meus termos, mas, se voltar

às terras dos Braden, eu ficarei sabendo e então a encontrarei. — Ele colocou H.M. na mochila e depois montou em seu próprio animal. Enquanto acertava as rédeas, apontou para o cachorrinho. — Você está mesmo se adaptando a Nova Gales do Sul, Abigail. Transformou esse cavalo num canguru e H.M. anda nele como se fosse um “joey”.

— Espero que você não cace meu canguruzinho — ela brincou, enquanto ambos viravam os cavalos na direção de The Grange.

— Nunca caço e nunca como cangurus. Algum dia eu lhe contarei por quê.

— Lembro-me de que você disse que era porque tinha alguns deles como bichinhos de estimação.

— É mais do que isso.Ele fez um gesto com a cabeça, mostrando a direção da lagoa e

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dos penhascos de arenito. Seu rosto voltara a ficar sombrio.— Tem alguma coisa a ver com a lagoa que os Godfrey-Bennett

tiraram de sua família? — Abigail tentou continuar a conversa porque não queria afastar-se dele, embora tivesse consciência de que já ficara muito tempo longe de The Grange.

— Não vamos falar nisso agora, Abby Rose. — Duke estendeu o braço e puxou-a mais para perto, dando-lhe um leve beijo de despedida. — Lembre-se, se você voltar, esquecerá todas as fronteiras e diferenças, e ficaremos juntos. Vá agora. E se Abigail não quiser largar tudo para ser minha Abby Rose, eu entenderei.

Antes que ela pudesse responder, Duke bateu na anca do cavalo fazendo-o galopar na direção de The Grange. Quando Abigail já passara pela lagoa e se aproximava do portão com as letras GG, olhou para trás. No horizonte onde antes avistara a figura de Duke, agora só havia céu azul.

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CAPÍTULO VI

Bem agasalhada por causa do vento frio da manhã de julho, Abigail estava sentada no terraço da parte de trás da mansão, envolvida com tintas e penas. As montanhas Blue, visíveis em todos seus detalhes devido ao céu claro, como que a tinham convidado para desenhá-las. Pareciam muito distantes, mas Phillip a informara que as primeiras encostas ficavam a apenas cinqüenta quilômetros da propriedade. Seu coração alegre a incentivava a se aventurar para conhecê-las mais de perto, mas ansiava acima de tudo por escapar de The Grange e ir se tornar Abby Rose em Dorset Downs.

Dois dias antes voltara do encontro com Duke Braden em tal estado de graça que nem se incomodara com as admoestações de Garnet por ela ter demorado tanto e, principalmente, por ter saído a cavalo. Apesar das reprimendas estava decidida a voltar às terras dos Braden. Uma das coisas que faria lá seria desenhar a encantadora nascente de água que ficava entre as duas propriedades. Naturalmente, teria de esconder seu trabalho de seus parentes.

A lagoa a intrigava. Tinha certeza de que Duke e os Godfrey-Bennett ainda tinham muito a contar sobre ela. Talvez, pensou, lembrando-se das estranhas crenças de Kulalang, o lugar fosse guardado pelos espíritos protetores dos aborígenes. Seria a presença deles que a fizera estremecer? Sim, era possível. No entanto, não sentia medo do lugar, como não sentia medo de se aventurar além das montanhas. Podia ser corajosa, mas tinha de confessar a si mesma que temia voltar a encontrar Duke nas próprias terras e dentro dos próprios termos dele, embora ansiasse pela sua companhia.

Ainda tinha pavor do escândalo, tinha de admitir. Contara a ele tudo sobre seu passado, mas isso não servira para exorcizar totalmente a tragédia de seus pensamentos. Na noite anterior voltara a ter o pesadelo que constantemente a perseguia. Vira-se nua no meio de uma multidão de pessoas elegantemente vestidas que caçoavam dela, rindo como os kookaburra que guardavam a lagoa.

— Oh, Lottie, tome cuidado! — gritou, quando a menina passou correndo, puxando H.M. pela guia, fazendo-a se enrolar em torno do cavalete. — Lottie! Você vai deixar cair tudo! — Segurou as penas e o tinteiro que balançavam perigosamente.

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— A culpa é do seu cachorro, que vive correndo — acusou a menina com petulância, dando a volta no cavalete para soltar a guia. H.M. estava visivelmente cansado e deixou-se cair ao lado da dona, recusando-se a levantar. — Venha, venha, sua pestinha. — Lottie puxava a guia. — Vamos brincar!

— H.M. cansou de correrias — disse Abigail, estendendo a mão para soltar a coleira. — Se você gosta tanto de cachorros, por que não pede ao seu pai ou seu avô para ficar com um dos filhotes dos cães pastores? Assim…

— Pelo amor de Deus, não! — Garnet entrava no terraço. — Não quero mais bichos do mato em minha casa! Já não chega termos de suportar pensionistas do governo se arrastando por aí em lugar de empregados adequados? Antes pelo menos arranjávamos falsários ou batedores de carteira que sabiam pôr uma mesa e servir vinho. Atualmente só conseguimos gente atrasada, da pior espécie. Às vezes penso… Mas que surpresa, Abigail! Você desenha muito bem! Quer dizer então que as damas da sociedade lá em casa agora se distraem com tintas e pincéis?

Era estranho, pensou Abigail, como Garnet continuava referindo-se à Inglaterra como “lá em casa”, quando morava na Austrália desde os treze anos.

— De fato, desenhar não é um hábito comum. A maioria das damas da sociedade se diverte montando a cavalo — respondeu Abigail, pretendendo preparar o terreno para quando fosse pedir que lhe selassem um animal para poder escapar e ver Duke.

— Ah, vovó — reclamou Lottie, fazendo beicinho. — Do que vou brincar agora que o cachorrinho da srta. Abigail não quer mais correr comigo e não posso ter um filhote do celeiro?

A menina sabia muito bem que seria recompensada pelo seu pequeno infortúnio, pensou Abigail. Pelo ar satisfeito de Garnet, desconfiou que estava a ponto de ser arrastada para longe de The Grange e das proximidades de Duke. Lottie adorava passeios a Sidney, pois escapava das aulas particulares e via mais o pai. Além disso, a garota era virtualmente afogada com presentes saídos das lojas mais elegantes.

— Hoje à tarde partiremos para Sidney e passaremos uma semana inteira lá, queridinha. — Lottie bateu palmas de alegria, mas Garnet notou a mudança de expressão no rosto de Abigail. — Não faça essa carinha, meu bem. Você pode levar suas coisas e desenhar o porto e as colinas de Sidney. Com certeza, lançará uma nova moda entre as senhoras. Griffin irá nos encontrar no domingo, mas creio que veremos Phillip com freqüência, embora ele esteja ocupado com os negócios.

Lottie sorria, contente. H.M., parecendo pressentir uma 81

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novidade, balançava a cauda alegremente. Abigail forçou-se a sorrir. Sua anfitriã sem dúvida percebera que não haveria grandes riscos em deixá-la perto do filho, tendo detectado sua indiferença. Ela olhou para o oeste, com um leve suspiro. Não lhe agradava a perspectiva de ir à ativa e barulhenta Sidney quando seu coração pedia a visão das idílicas e intranquilas terras de Duke Braden.

Grace Buck amarrou um naco de carneiro assado, um pedaço de queijo e uma generosa fatia de pão num pano de prato e colocou o pacote numa cesta. Em seguida encheu um pequeno jarro com água fresca do poço. Como Earl não viera para o almoço junto com os outros, resolvera levar-lhe a comida. Duke dissera que ele viria logo, mas já passara algum tempo e nada de Earl.

Ela limpou as mãos no avental, nervosa, antes de deixar a proteção da cerca. Analisara bem os modos de Earl e sentia-se atraída pelo rapaz. Todavia, também sentia medo dele. Earl tinha pavio curto, especialmente quando conversava com Duke. Gostava de impulsividade num homem, mas não de mau gênio. Earl era sempre agradável com ela, mas talvez fosse porque nunca lhe tivesse dado motivo para reclamações. Estremeceu ao lembrar-se da discussão entre os dois irmãos no dia anterior. Até deixara cair a cesta de costura ao assustar-se com os berros de Earl.

— Você é igualzinho ao velho, Duke!— Não tenho nada parecido com ele! O pai só quer ficar no seu

canto para nunca mais arranjar encrenca. Posso entender a atitude dele, mas não vou desistir de provocar os seletos. É o único jeito que existe para arrancarmos alguma coisa deles!

— Você é igualzinho ao velho — repetiu Earl. — O pai pegou sete anos por se queixar publicamente das condições em Dorset depois da implantação da lei de inclusão. Outra pessoa pôs fogo nas pilhas de feno, mas foi ele quem acabou preso porque quiseram castigá-lo por estar sempre reclamando. Mais cedo ou mais tarde vai acontecer o mesmo com você, seu idiota! Um palhaço qualquer vai atear fogo numa casa ou rachar a cabeça de um seleto, e vão pôr a culpa em você e enfiá-lo na cadeia. Então, o que será do velho?

— Olhe só quem está falando! — berrou Duke. — Sua solução é ser você mesmo o incendiário ou assassino! Há anos venho lhe dizendo que violência não leva a nada e que você precisa aprender a controlar sua boca e seus punhos! Temos de lutar com eles com suas próprias armas. Conversa fiada, reuniões com o governador e pressão sobre o Parlamento na Inglaterra.

— Mas isso não adianta nada. As coisas vão se arrastando. Diabos, Duke, você vai acabar se tornando um deles. Quero só ver o que vai ser mais necessário quando finalmente participarmos da

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corrida para tomarmos posse das terras novas, sua conversa mole ou os meus punhos!

A discussão continuou acirrada, e Grace imaginou que os dois chegariam às vias de fato a qualquer momento, mas uma hora depois, ao voltar ao celeiro, avistou os irmãos trabalhando ombro a ombro, cuidando de uma ovelha doente.

Agora, depois de fechar o portão da cerca atrás de si, Grace respirou fundo e começou a subir a colina. Olhou para o leste, imaginando como estaria passando a srta. Abigail e o que acontecera na conversa particular que ela tivera com Duke. Quando ficara na porta da cozinha vendo os dois se afastarem na direção das terras dos seletos, desejara duas coisas: primeiro, ser capaz de cavalgar tão bonito quanto a senhorita e, segundo, ter Earl Braden ao seu lado, bem-humorado e tranqüilo, sorrindo para ela.

— Ei, dona Bucky, essa cesta é para mim?O grito vindo de trás dela, embora distante, a fez estremecer,

sobressaltada. Virou-se e viu Earl sentado numas pedras a uns quinze metros de distância, aparentemente apenas vigiando os carneiros que se espalhavam pela área.

— Se está com fome, é para você mesmo! — respondeu, sentindo o coração iniciar uma pequena dança enquanto galgava a elevação avançando contra o vento frio.

Earl levantou-se, veio encontrá-la a meio do caminho para pegar cesta e depois deu-lhe a mão para ajudá-la a acomodar-se nas pedras ao seu lado. Grace levou algum tempo arranjando as saias e prendendo alguns fios de cabelo que tinham escapado da touca de pano.

— Que linda vista — falou, encantada.— Especialmente agora — sorriu Earl, erguendo as

sobrancelhas com um toque de malícia.— Não venha com conversa fiada — protestou Grace, embora

estivesse feliz com o elogio. Gostava muito de Earl quando ele estava de bom humor.

— Quem gosta de conversa fiada é o Duke — resmungou Earl enquanto mordia uma fatia de pão. — Foi uma caminhada e tanto até aqui, principalmente com este vento. Você devia ter vindo a cavalo.

— Eu não sei montar.— Então vou ter de ensiná-la, srta. Bucky — ofereceu Earl,

depois de tomar um gole de água.— Eu gostaria que você me chamasse apenas de Grace.— Está bem. Grace. E talvez Gracie se acabarmos nos tornando

bons amigos. É mais carinhoso. O pai sempre chamava minha mãe 83

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de Annie e Margaret de Queenie. Mas tenho de admitir que Grace é um nome que lhe cai muito bem. Bucky também não é ruim.

— Meu sobrenome é Buck.— Eu sei, eu sei, mas por que não posso brincar? Afinal, não

temos muita diversão por aqui. — Earl observou os lábios da moça enquanto limpava a boca com as costas da mão.

— Não sei por que alguém que mora em Castle Keep e tem família precisa de diversão — disse Grace, torcendo uma dobra da saia em torno do dedo. — Ora, se eu tivesse uma família e uma casa tão grande como esta, viveria feliz, pensando que estava no céu.

Earl ficou ao mesmo tempo surpreso e emocionado. Depois franziu o cenho e desviou o olhar.

— Minha própria casa vai ser muito maior do que esta. Vou construí-la bem lá atrás das montanhas Blue — acrescentou, fazendo um gesto largo. — E vou buscar uma esposa na Fábrica das Mulheres como fez meu pai e só quero ver quem vai reclamar. Não tenho vergonha por ser filho de prisioneiros. Mostrarei isso a todos, inclusive a Duke. A maioria dos libertados são trabalhadores e respeitadores da lei. Sei que minha mulher será a companheira ideal para ter ao meu lado quando eu partir para desbravar as terras a oeste!

Grace ficou um pouco desapontada com o discurso.— Sua mulher… você… você já a escolheu e vai buscá-la

quando chegar a hora de partir?— Não. As coisas não são assim tão fáceis. Tenho de encher

uma porção de formulários para conseguir a licença para reivindicar as novas terras. O pior é que vou enfrentar muito mais burocracia do que os outros porque, devido às andanças de Duke, tudo é mais difícil para os Braden. Mas assim que eu estiver com a papelada, irei à Fábrica das Mulheres para procurar uma esposa.

— Entendo — disse Grace baixinho.Earl limpou as mãos no pano de prato e colocou-o na cesta.— Olhe, Grace, você disse que não precisa de diversão, mas eu

tive uma boa idéia. Duke vai passar o dia todo inspecionando as cercas e depois irá diretamente para Sidney, onde tem de cuidar de alguns negócios. Que tal fazermos uma pequena surpresa para ele? Amanhã é domingo. Iremos à cidade e faremos um passeio depois da igreja.

Grace parou de torcer a saia e tomou coragem de olhar novamente para o rosto de Earl. Ele a estava convidando para ir à igreja, de modo que não havia nada demais. Afinal, como ainda não escolhera uma noiva, podia ser considerado um homem livre.

— Então faremos uma surpresa para Duke? — sorriu ela, com 84

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um jeitinho tímido. Quando Earl mostrava-se assim tão doce era capaz de prometer-lhe qualquer coisa, mesmo que ele estivesse planejando se casar com uma prisioneira que vivia num lugar chamado Fábrica das Mulheres.

Ele fez que sim, descendo o olhar dos olhos escuros e brilhantes da moça para seus seios fartos. A simples visão dessa mulher desejável quase o fazia esquecer de seus propósitos. Porém, não iria sucumbir à tentação. Jamais desistiria da idéia de se casar com uma condenada para desafiar Duke, seu pai e toda a cidade de Sidney.

— Sim, mandarei alguém avisá-lo para se preparar para uma pequena surpresa no domingo.

— Então está bem — disse Grace.— Combinado! — E Earl, num impulso, inclinou-se para dar um

rápido beijo nos lábios da moça.No domingo, em Sidney, Abigail vestiu-se com grande apuro

mais para agradar seus anfitriões do que a si própria. O vestido de cetim azul-claro tinha saia bem ampla e mangas bufantes. Embora estivesse com luvas e chapéu de aba plissada, com fitas e plumas para proteger o rosto do sol, ela também carregava uma sombrinha em tons de rosa para combinar com as delicadas estampas do corpete.

Ela, Lottie, Griffin e Phillip assistiram ao culto no banco particular da família, na elegante igreja de St. James, no Hyde Park. Garnet Godfrey-Bennett acordara com uma terrível dor de cabeça e iria passar o resto do dia de cama. Terminado o último sermão, os fiéis saíram para passear pela praça. Phillip deu o braço a Abigail e Griffin pegou Lottie pela mão.

A igreja de St. James e o quartel de Hyde Park ficavam um diante do outro na Queen Street e seus jardins se somavam para formar uma ampla praça onde os elegantes circulavam, exibindo os vistosos trajes de domingo. Griffin e Phillip cumprimentaram vários amigos durante a caminhada e depois, com Lottie e Abigail, começaram a andar vagarosamente diante do quartel. O prédio fora construído por condenados e ainda abrigava uma boa parte deles. Nesse mesmo momento, uma longa fila de transportados veio se aproximando, vindos da igreja de St. Phillip, na Church Street.

Ao verem o grupo de homens vestidos de cinzento, caminhando com passos arrastados, várias das pessoas que passeavam afastaram-se rapidamente. Algumas ficaram olhando, com expressões de nojo ou reprovação. Aproveitando o instante de confusão, os acompanhantes de Abigail a levaram para o outro lado do quartel, onde havia uma praça mais malcuidada, chamada

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Government Domain.— Acho melhor não irmos muito para dentro — disse Griffin,

nervoso..— Certo — concordou Phillip. — E não contaremos nada a

mamãe. — Depois, falando por cima do ombro, acrescentou: — Vovó não pode saber que viemos aqui, Lottie. É um segredo, entendeu?

— Sabe, Abigail — disse Griffin —, eu e Phillip achamos que seria bom você conhecer que tipo de gente vai tomar conta da cidade e do país se não mantivermos as barreiras adequadas. Dê uma olhada à sua volta.

Lottie começou a gritar e apontar os tipos mais estranhos. Abigail ficou olhando, mais curiosa do que chocada. Seus acompanhantes ficariam muito surpresos em saber que as pessoas que via naquele novo ambiente não lhe causavam repulsa.

Uma rica e variada mistura de criaturas exóticas circulava em torno dela. “Elementos do interior, de trás das montanhas Blue”, como descrevera Phillip, estavam sentados ou conversando, parecendo Robinsons Crusoés, com longas barbas, chapéus de palha e cachimbos de haste comprida. Muitos comiam pedaços do pão redondo que Abigail experimentara na casa de Duke Braden.

— Essa ralé não conhece cartolas — caçoou Phillip e apertou a sua mais firmemente sobre os cabelos bem penteados.

— Só mesmo essa gentinha é capaz de comer esse horrível “damper” — informou Griffin, apontando para uma banquinha onde estavam expostos os pães redondos.

O pensamento de Abigail saltou para Grace Buck, que pusera o pão na mesa anunciando que ainda estava aprendendo a fazê-lo. Ela mesma o achara bastante saboroso, embora tivesse comido muito pouco devido ao nervosismo de esperar a chegada de Duke. Duke. Estaria ele aguardando, com impaciência sua volta às terras dos Braden, dentro dos termos que lhe impusera? Como seria bom ter algum meio de comunicar-se com ele, para poder avisá-lo de que fora forçada a viajar para Sidney.

— Olhe, papai. Olhe! — Os gritinhos de Lottie fizeram Abigail sair de seu devaneio. — De onde será que veio aquele homem escuro, de cabelos arrepiados?

— Não sei nem quero saber, Lottie — respondeu Phillip, com um ar enfadado. — Deve ser mais um pedaço de lixo trazido pelo mar. Provavelmente veio de Fiji ou Taiti. — Depois, dando algumas palmadinhas na mão de Abigail, falou: — E então, querida prima, já viu o bastante para entender nosso ponto de vista sobre os perigos da chamada sociedade livre?

Foi a vez de Abigail ficar olhando boquiaberta para alguém. 86

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Earl Braden vinha caminhando na direção deles, trazendo Grace Buck pelo braço! Ela estreitou os olhos, tentando descobrir Duke no meio da multidão colorida, mas para seu alívio e também pesar, não o viu por perto.

— Srta. Abigail! Aqui! Sou eu, Grace!O coração de Abigail saltou diante do pensamento de que um

dos dois poderia deixar escapar que ela estivera em Castle Keep. Sua pequena comitiva parou, trocando olhares intrigados, ao deparar com alguém daquela praça dirigindo-se ao elegante grupinho. Então Abigail ouviu Phillip praguejar baixinho ao reconhecer Earl Braden.

— Grace, que bom vê-la depois de “tanto” tempo — gritou Abigail e abraçou a moça, terminando o cumprimento com um leve beliscão, tentando alertá-la.

— Oh, sim. Claro, claro. Quero apresentar-lhe o sr. Earl Braden. Pelo que me contaram, ele é seu vizinho no vale Parramatta.

Abigail comoveu-se ao ver Grace usando as roupas que lhe dera, inclusive as luvas brancas que eram para um casamento que não tinha acontecido. Em seguida, enfrentou o olhar de Earl durante as apresentações feitas por Phillip, que tentava impressioná-la. E se o irmão de Duke resolvesse delatá-la por ódio ao seu primo?

— Parece-me que você está um pouco fora de seu ambiente, Braden — disse Phillip num tom gelado, assim que as convenções foram atendidas. — Não esperava vê-lo aqui na praça — acrescentou, soprando um anel de fumaça de charuto contra o rosto de Earl.

— E você está bem fora do seu. Nunca imaginei que fosse encontrá-lo junto de gente que trabalha para viver — contestou Earl, desmanchando o anel de fumaça com um gesto largo.

Os dois homens ficaram imóveis, encarando-se. Grace continuava agarrada ao braço de Earl e Abigail ao de Phillip. Griffin Godfrey puxou Lottie para trás.

— Então, vamos, Earl? — disse Grace, nervosa. — Foi um prazer vê-la novamente, srta. Abigail.

Earl não se mexeu. Seu rosto ia ficando mais vermelho enquanto o de Phillip empalidecia. Phillip bateu o castão da bengala na palma da mão, como ameaçando seu adversário de uma surra. Earl nem piscou.

— Viemos até aqui para mostrar à nossa hóspede com quem ela “não” deve se misturar — desafiou Phillip. — E entre eles, claro, está seu irmão petulante.

— Verdade? — Earl começou a abrir e fechar os punhos. Grace 87

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tentou puxá-lo inutilmente, depois deu um passo atrás, aflita, olhando à sua volta.

Um pequeno grupo de curiosos se juntara para assistir a uma óbvia confrontação de adversários. Os Braden e os Godfrey-Bennett eram bem conhecidos como as figuras de proa das duas facções em luta na cidade. Os que não sabiam nada da disputa estavam interessados num possível espetáculo grátis.

Abigail tentou pôr um fim na situação.— Por favor, Phillip, vamos voltar ao Hyde Park. Eu já vi o

bastante.— Vamos, filho, não vale a pena sujar a casaca com um Braden

— disse Griffin. — Este aqui, pelo que me lembro, é o que usa os punhos em vez de empregar truques e mentiras como o irmão.

Grace soltou um gritinho e acenou para alguém com a intenção visível de evitar que Earl se atirasse contra os dois homens. Abigail virou a cabeça para ver quem ela havia chamado. Duke! Sim, era Duke vindo apressado na direção deles, com o rosto mais fechado do que nunca. A visão a fez largar o braço de Phillip como se fosse um ferro em brasa.

— O que está acontecendo aqui? — Duke dirigiu-se ao irmão, mas seu olhar apunhalava Abigail. Estava usando cartola e parecia muito diferente com ela. — Essa é a pequena surpresa que tinha para mim, Earl?

— De início seríamos apenas Grace e eu, mas receio que o grupo aumentou — respondeu Earl, sem deixar de olhar desafiadoramente para Phillip.

— E foi mesmo uma surpresa ver lady Abigail Rosemont de braço com Phillip Godfrey-Bennett — começou Duke num tom amargo, empurrando o irmão para trás e colocando-se como uma barreira entre ele e Phillip. — Vejo que uma decisão foi tomada — acusou, mantendo os olhos fixos em Phillip.

Mas Abigail sentiu as palavras de Duke como se fossem uma bofetada. Embora os outros estivessem imaginando que elas eram dirigidas a Phillip ou Earl, Duke quisera insinuar que ela escolhera Phillip e Sidney em vez dele e Dorset Downs, que se decidira pelo mundo dos “seletos”, rejeitando-o.

— Olhem, senhores — começou, fazendo um gesto apaziguador. — Foi um infeliz incidente nós todos nos encontrarmos aqui…

— Foi mesmo! — interrompeu Duke, e Abigail soube que agora era ele que a estava rejeitando.

Phillip e o pai deram um passo a frente para desafiarem Duke e Earl. O grupo de curiosos começou a aumentar, murmurando, chegando mais perto. Grace torcia as luvas de pelica. Abigail,

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aflita, puxou Lottie para mais perto dela. O que aconteceu então foi muito pior do que a briga que temia.

— Ei — gritou um homem gordo, abrindo caminho entre os curiosos. — Ei, moça! — disse, dirigindo-se a Grace. — Você não é uma das noivas de Braden? Pensei tê-la reconhecido quando a vi passeando de braço dado com o irmão de Duke. Por onde tem andado? Nós do Gazette a procuramos em todos os cantos. Suponho que Duke Braden mexeu os pauzinhos para você ficar com o irmão dele. Vocês estão vivendo juntos? Casamento eu sei que não houve, porque não vimos seu nome junto com os das outras cinco nos proclamas na igreja…

— Tire Grace daqui! — ordenou Duke ao irmão. Earl, surpreendentemente, obedeceu sem pestanejar. Mas ao passar deu uma cotovelada em Phillip e quase atirou o repórter do jornal no chão.

— E então, o que aconteceu? — insistiu o homem, agora dirigindo-se a Duke. Vendo-o virar as costas, tentou Abigail. — Lady Abigail, talvez uma breve declaração da senhorita venha a esclarecer o que aconteceu. Na viagem para cá percebeu que o sr. Braden tinha planos de ficar com uma das chamadas imigrantes livres para si próprio ou sua família?

— Certamente que não, senhor! — respondeu Abigail, indignada, antes de Phillip puxá-la dali.

Seu primo parecia furioso, mas pelo menos a estava salvando do repórter e do olhar quase assassino de Duke. Ela ouviu Griffin falar de um modo áspero com o homem do jornal e este imediatamente desapareceu. Enquanto tudo acontecia, a multidão continuava a olhar e murmurar.

Abigail teve a impressão de estar vivendo o pesadelo que tantas vezes a perturbara. Tornara-se o centro das atenções e alvo da fúria de Duke quando não tinha culpa de nada! Ao chegar a Hyde Park com Phillip, teve de respirar fundo para se acalmar enquanto esperavam Griffin alcançá-los.

— Vamos ter de manter tudo em segredo? — perguntou Lottie, excitada. — O modo esquisito daquela gente se vestir, o jeito como vocês quase brigaram?

— Sim, é segredo! — berrou Phillip, fazendo a menina estremecer de susto.

Segredos, pensou Abigail. Precisava manter em segredo que Phillip estava a par de seu relacionamento com Duke no navio. Tinha de manter em segredo que ansiava por estar com ele em Dorset Downs. E se Duke estivesse pensando que ela se interessara pelo primo? Seu maior desejo era voltar à outra praça para se explicar. No entanto, voltar sozinha para lá significaria

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atravessar uma das várias fronteiras imaginárias que dividiam os habitantes da colônia e ela ainda não estava preparada para isso.

Eles começaram a caminhar na direção da carruagem. Abigail estava tão preocupada com suas próprias aflições que levou algum tempo para notar que o olhar de Phillip havia mudado. Não existia mais fúria estampada em seu rosto. Os olhos castanhos agora ferviam de desejo. Quando sentiu o braço do primo em torno da cintura, voltou à realidade. Ficou tão surpresa com a atitude de Phillip que tropeçou e ele precisou ajudá-la.

— Não é preciso, Phillip, estou bem.— Por favor, é um prazer.Enquanto Lottie saltitava à frente deles, pedindo doces em

troca de seu silêncio sobre o acontecido na praça, o olhar quente de Phillip percorria o corpo de Abigail. Ela parou para encará-lo.

— Lamento o que aconteceu, mas obviamente não foi culpa de ninguém… — Sua voz falhou. — Mas por que você está me olhando desse jeito?

— Você gosta muito do canalha do Braden, aquele que tem cérebro além de músculos, não é, prima?

— Por favor, Phillip, não transforme um mexerico de bordo numa acusação insensata.

— E ele a deseja — continuou o primo, ignorando-a. — Pude ver, pude sentir.

— Isso é absolutamente ridículo!— Eu sei. Mas também é muito excitante.Então era assim tão óbvio, pensou Abigail, apavorada,

enquanto continuava caminhando.— E você está disposta até a mentir para esconder seu

interesse — prosseguiu Phillip, incansável. — Ou será que você ainda não se deu conta do que sente? Estou começando a pensar que vendi meu silêncio barato demais. Fiquei impressionado com a paixão que vi por trás desses seus belos olhos. Foi igual a isto: — Ele riscou um fósforo com a unha e mostrou a chama a Abigail, que recuou, assustada. — Sabe — continuou, agora falando mais vagarosamente —, talvez papai esteja certo. Nós devíamos passar mais tempo juntos. Não preciso ver meus amigos da cidade com tanta freqüência. Os sentimentos que você está mostrando não devem ser desperdiçados com um canalha como Duke Braden.

— Phillip, fizemos um acordo e vamos mantê-lo, a não ser que você tenha mudado de idéia sobre se casar contra a vontade de sua mãe.

— Dificilmente. Mas as coisas mudam, sabe? Você é muito mais profunda do que aparentou de início, querida prima. E eu gostaria de sondar essas encantadoras profundezas.

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Abigail esteve a ponto de esbofeteá-lo. Mas como se explicaria diante de Griffin? Não agüentava mais aqueles jogos de palavras e insinuações. Seu único desejo era encontrar um modo de proclamar sua inocência a Duke e fugir dessa nova situação com Phillip. Estava se sentindo uma vítima da guerra surda que existia entre os “seletos” e os “miúdos”. Talvez conseguisse conter a impetuosidade do primo pedindo a Garnet que o vigiasse mais de perto. Se o pior acontecesse, se ele tentasse forçá-la a aceitar suas atenções, contaria aos pais dele a verdade sobre seu relacionamento com Duke Braden. Isso diminuiria o poder de Phillip sobre ela, mas sem dúvida a tornaria uma virtual prisioneira em The Grange ou na casa em Sidney. Como conseguiria escapar para voltar a Dorset Downs?

— Abigail, minha cara… — A voz de Griffin pareceu vir de muito longe. — Você não me ouviu. Eu disse que é melhor nós quatro fazermos um pacto para não piorarmos a dor de cabeça de Garnet. Ela ficará muito aborrecida se souber do acontecido.

— Sim, claro, foi um incidente muito infeliz — ela concordou, tentando manter a voz normal, enquanto Phillip a ajudava a subir na carruagem, demorando as mãos em sua cintura bem mais do que o necessário. Quando se acomodaram no amplo banco forrado de couro, o primo ficou perto demais, prendendo-a num canto e encostando a coxa na dela. Abigail precisou enfiar a ponta da sombrinha entre eles.

Duke finalmente alcançou Earl e Grace no lado do jardim botânico que dava para o mar. Apesar de ser inverno, vários arbustos exóticos exibiam flores coloridas, cujo aroma se misturava com o ar salgado vindo do oceano. Duke sentou-se no banco ao lado de Grace e falou, dirigindo-se ao irmão:

— Você e sua maldita surpresa. Não só estragou tudo para Grace como possivelmente acabou com minha chance de trazer mais noivas para cá.

— Quer dizer que não vou poder mais ficar em sua casa? — Os olhos de Grace se marejaram de lágrimas.

— Ela vai ficar conosco, não importa o que digam! — protestou Earl, levantando-se de um salto e pegando o ombro do irmão. — E quer saber mais? No domingo que vem vou levar Grace à igreja de St. James e assistiremos ao culto na primeira fila! E também vou levá-la ao baile de aniversário do governador. Isso vai chamar a atenção deles, já que você não consegue.

— O baile do governador? — murmurou Grace, surpresa, mas os irmãos a ignoraram.

— Você gosta de amolar os seletos — continuou Earl —, mas só à sua moda. Fica todo impressionado quando eles fazem cara feia e

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leva um tempo enorme para conseguir alguma coisa. Pois bem, eu vou fazer tudo andar mais rápido, até a permissão para irmos às novas terras! Vou chamar tanto a atenção deles que quererão nos ver pelas costas o mais rapidamente possível!

Duke levantou-se de um salto. Os dois ficaram se entreolhando, prontos para brigar.

— Chamar atenção? Ora, Earl, o que você vai conseguir é ser considerado um sujeito que não presta para nada e que deve ser preso ou ignorado. Eu luto com eles dentro da legalidade e da lógica.

— Lógica — fungou Earl, e cutucou o peito de Duke. — Esqueça a lógica e lute com tudo o que você tem. Mas, pelo menos, vi que você esquece a lógica quando se trata daquela potranquinha de cabelos vermelhos. Nunca o vi perder a cabeça por uma mulher como…

— Basta! — Duke empurrou o irmão com tanta força que ele quase caiu sentado em cima de Grace.

A moça saltou do banco e afastou-se, levando as mãos à boca, com os olhos arregalados de medo.

— Por favor, não briguem. Por favor. Vocês estão do mesmo lado, não é?

Earl recompôs-se rapidamente e avançou para Duke, pegando-o pelas lapelas da casaca. Duke ergueu os braços para empurrá-lo. Os dois irmãos, porém, ficaram imobilizados nessa posição enquanto a pergunta de Grace pairava no ar. Então ambos abaixaram os braços, respirando fundo. Grace mordia as luvas, aflita com a situação e com seu futuro. Agora talvez tivesse de sair de sob a proteção dos Braden. Por que aceitara o convite de Earl?

— Para onde eu irei se tiver de deixar sua casa, Duke? — indagou, enquanto ele acertava a casaca e punha a cartola. — Se aquele homem que queria casar comigo ainda estiver…

— Você só sairá de casa quando encontrar um bom marido, Grace — prometeu Duke, oferecendo-lhe o braço. — E será um homem que mostrará bom senso e uma atitude civilizada em todas as ocasiões — acrescentou, olhando para o irmão, e vendo sua expressão passar de orgulhosa para humilde.

— Eu já disse que pretendo levá-la ao baile do governador. Se ela aceitar o convite, claro.

— É possível que Grace venha a considerar o convite.— Já que você parece tão encantado com ela, por que não

convida a srta. Seleta?— Não diga besteiras e leve Grace para casa — rosnou Duke, e

transferiu a mão da moça para o braço do irmão antes de se afastar.

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Duke acertou a posição da cartola, uma peça que odiava e só usava quando precisava se apresentar como um porta-voz respeitável, e começou a subir a colina que levava ao alto do penhasco que dava para a prainha de Farm Cove. Depois de respirar fundo várias vezes para se acalmar e ficou olhando para o mar cinzento e as ondas que se quebravam contra as pedras.

Earl tinha razão. Ele perdia mesmo toda a lógica quando se tratava de Abigail. Apesar de seu contínuo esforço para manter a cabeça fria quando lidava com os “seletos”, estivera a ponto de arrebentar os dentes de Phillip com um soco ao vê-los de braços dados.

Phillip Godfrey-Bennett… Jamais se esqueceria do dia em que o sujeito atirara friamente no canguru doente que ele e Kulalang estavam tratando junto à lagoa.

Phillip, o auto-indulgente e mimado herdeiro de uma vasta fortuna e da nascente de água que era sagrada para os aborígenes, matara o animal por vários motivos: para se divertir e se exibir para os quatro rapazes que o acompanhavam; para mostrar a ele e Kulalang que estavam invadindo uma propriedade privada; para mostrar seu desdém por tudo o que eles valorizavam, e para avisar que poderia ter atirado nos dois por invasão. Vários Badajong tinham sido alvejados como se fossem uma caça e os sobreviventes que haviam se escondido nas cavernas tinham afirmado que o “caçador” era Phillip.

Mesmo passados dez anos, as palavras ainda ecoavam em seus ouvidos.

— Saibam rapazes, que eu poderia ter matado vocês dois também sem nem mesmo piscar de remorso! — berrara Phillip. — Mas é mais divertido ver vocês imobilizados pela minha arma. Vou deixar a tarefa de expulsá-los para o governo. Aí sim, vocês sairão daqui de uma vez por todas. Os estúpidos Badajong também estão condenados. Traduza bem o que eu disse, Braden! E vocês também, seus estúpidos Branden, estão acabados, porque tanto aqui como em qualquer outro lugar, os Godfrey-Bennett tirarão suas terras e os mandarão de volta para a lama de onde vieram!

A risada brutal ecoara nos penhascos que guardavam o lugar sagrado dos aborígenes. Kulalang resmungara uma ameaça em sua língua mas, como ele, continuara imóvel sob a mira das armas de Phillip e seus companheiros.

Daquele dia em diante, Duke Braden passara a ter um ódio pessoal por Phillip Godfrey-Bennett, como se tudo o que detestasse nos “seletos” estivesse centrado num único homem.

Seu ódio o fizera tomar uma decisão: lutaria contra todos os “seletos” e especificamente contra os Godfrey-Bennett. Faria uma

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guerra sem trégua contra os princípios injustos daquela gente. Porém, não usaria armas e punhos, mas sim a cabeça, para que suas vitórias fossem duradouras.

Com essa disposição, ele estudara como um obcecado sob a tutela de um amigo de Squire, um homem que saíra da prisão e que estava trabalhando em Dorset Downs até conseguir o dinheiro para pagar a passagem de volta para a Inglaterra. Condenado a sete anos por falsificação, James Mansfield era um homem culto, um ex-professor particular que enfrentara tempos difíceis. Não havia livros para Duke estudar. Squire não tinha como comprá-los e, mesmo que tivesse, não acharia certo gastar suas suadas moedas em algo que considerava desnecessário. No entanto, como sempre ensinara matemática, literatura, legislação e até mesmo mitologia, James Mansfield era um livro ambulante. Nos seis anos que trabalhara ombro a ombro com o jovem Duke, fora lhe transmitindo tudo o que sabia. Ensinara-o a ler sob a luz da lareira e das fogueiras dos acampamentos.

Nem Squire nem Earl quiseram participar das aulas, porque consideravam a erudição “coisa de almofadinha.” Quando Duke começara a falar em nome dos “miúdos” e obtivera algum respaldo financeiro, passara a comprar livros em Sidney e Londres. Depois de lê-los, emprestava a outros rapazes interessados em estudar.

Sim, pensou Duke, o estudo lhe dera a oportunidade de lutar contra os “seletos” com suas próprias armas. No entanto, quando se tratava de Phillip Godfrey-Bennett, ele quase se esquecia de tudo para afundar na violência.

E agora estava deixando a mulher “seleta” prejudicá-lo ainda mais. Sim, Earl tinha razão. Quando Abigail Rosemont entrara em sua vida, ele perdera o controle, a lógica e até saíra da trilha que se impusera.

Subitamente Duke alegrou-se por Abigail não ter voltado às suas terras para tentá-lo. Nos três dias anteriores ele cavalgara várias vezes até a fronteira com os Godfrey-Bennett esperando vê-la aparecer a qualquer momento. E, em vez de ir ao seu encontro, ela viera à cidade para passear de braços dados com seu arquiinimigo. Como fora tolo! Praguejou baixinho e chutou uma pedra com a ponta da bota, vendo-a cair no mar.

— É melhor assim — disse, endireitando os ombros. — De outra forma, o tiro poderia sair pela culatra, como a pequena surpresa que Earl quis me preparar hoje. Essa mulher e eu somos como fogo e pólvora. Portanto, adeus para ela.

Duke virou-se e voltou para os jardins.

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CAPÍTULO VII

No primeiro dia depois de terem voltado a The Grange, Phillip encurralou Abigail num dos corredores da mansão.

— Não estou gostando do jeito como você anda me evitando, querida prima. Venha, me dê um beijinho e eu a deixarei passar.

Ela tentou empurrá-lo, mas Phillip aproximou-se mais. Abigail virou o rosto para não ser beijada. O hálito fedendo a charuto a enojava.

— Deixe-me! Afaste-se já de mim ou gritarei por socorro! Abigail estava indo para a sala de estudos quando fora surpreendida pelo primo. Ele se afastou com alguma relutância, sabendo que um grito atrairia Lottie e o professor particular.

Como a Sra. Godfrey-Bennett ficara bastante debilitada devido à enxaqueca, a família passara mais tempo do que o planejado em Sidney. A brincadeira de gato e rato com Phillip deixara Abigail irritada e inquieta. Só conseguia escapar dele quando se fechava no quarto ou estava em companhia de outras pessoas. Assim, para se proteger, ela passara a maior parte do tempo no quarto em penumbra da doente, recebendo os amigos que vinham visitá-la, ou em companhia de Lottie, que atuava como uma involuntária protetora. Ao voltar a The Grange, oferecera-se para ajudar a menina nos estudos, de maneira a não ficar muito tempo sozinha.

A família retornara à mansão logo depois da publicação do artigo sobre Grace Buck no Gazette. O jornal não mencionara Abigail ou seus primos, já que Griffin tomara medidas para silenciar o repórter, mas Phillip achara melhor todos saírem da cidade. Como dissera a Abigail, em tons melosos, se continuasse em Sidney sua mãe acabaria sabendo da reportagem e ficaria muito preocupada com ela. O pior era que algum de seus visitantes com certeza comentaria a notícia e terminaria lhe contando o resto dos boatos que corriam pela cidade.

Abigail lera o jornal e aborrecera-se por ver que ele enfatizara o papel desempenhado por Duke em todo o caso. Afinal, fora ele que ordenara ao irmão que sumisse com Grace e se recusara a explicar por que uma das noivas estava vivendo “num lugar cheio de trabalhadores braçais da pior espécie”, quando deveria ter se casado com um homem financeiramente independente, segundo o programa de imigração livre.

Abigail estava ansiosa para ir a Dorset Downs. Queria explicar-

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se com Duke. No entanto, ali na mansão sentia-se ainda mais prisioneira das ávidas atenções de Phillip. Agora, quando estava certa de que o primo voltara a Sidney e ela teria um pouco mais de liberdade, ele a surpreendera no corredor.

— Vamos, priminha linda, só um beijinho rápido e silencioso — sussurrou Phillip. Ele estava com as duas mãos na parede, prendendo-a entre os braços.

Abigail tentou escapar por baixo, mas ele a pegou pelo pulso.— Vou gritar e Lottie virá aqui! — ameaçou ela. — E você sabe

muito bem que sua mãe não suporta barulho. Contarei tudo a ela, tudo, mesmo que isso signifique que eu tenha de me mudar sozinha para Sidney!

Isso o fez parar. Ele soltou-lhe o pulso, mas continuou bloqueando sua passagem. A expressão maliciosa, porém, logo voltou aos seus olhos.

— Ora, Abigail, não faça drama — zombou. — Mulheres de sua classe não moram sozinhas nem aqui nem em qualquer outro lugar sem parentes ou acompanhantes apropriados para guardarem sua reputação.

— Imagino que você se inclui nessa augusta categoria. Olhe, Phillip, eu vivi muitos anos sozinha na Inglaterra, tendo apenas a companhia de minha criada particular. Posso encontrar alguém em Sidney para morar comigo.

— Não com as associações que você tem com gente do outro lado da cerca, cara prima. Mas até que seria uma boa idéia você morar sozinha. Assim poderíamos nos divertir sem nos preocuparmos com os espiões de mamãe. Mas, sua reputação…

— Pela qual você não se interessa nem um pouco…— Não é verdade, minha cara. — Phillip tentava controlar seu

gênio e sua luxúria. Temia que a prima o denunciasse. Começou a ajeitar o colete e as mangas para ganhar tempo. — Muito bem, Abigail, peço-lhe desculpas por ter flertado um tanto ousadamente.

Ao ouvir essas palavras, Abigail pensou em Duke. Ele lhe pedira desculpas na tentativa de evitar que ela voltasse a Dorset Downs arriscando sua reputação, mas posteriormente a convidara a retornar dentro de suas condições. Porém, isso fora antes do incidente na praça.

Ela voltou à realidade quando sentiu Phillip pegar sua mão entre as suas, o rosto falsamente sincero e preocupado.

— Por favor, prima, esqueça a idéia de morar sozinha. E também esqueça minhas acusações de que existe algo de comum entre você e Duke Braden. Pense bem, nós dois poderíamos construir uma bela vida juntos. Juro que não mais tocarei na hipótese de você ter tido alguma coisa a ver com esse homem. Sei

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agora que eu estava gravemente enganado.Abigail analisou o rosto do primo, quase querendo acreditar

nele. Claro, Phillip tinha razão sobre o erro que seria ela morar sozinha. Na Inglaterra, tão cosmopolita, sua atitude despertara alguns comentários. Em Sidney, significaria sua expulsão da sociedade, do mundo dos “seletos”. Teria então de se juntar ao “miúdos”, mas nem sabia se iam aceitá-la. Refletiu sobre essa possibilidade, imaginando como passariam a ser as coisas entre ela e Duke. Phillip estaria certo ao dizer que os dois não tinham nada em comum?

— Abigail, você não está prestando atenção. Não me ouviu abrir o coração?

— Sim, ouvi. E aceito suas desculpas e sua oferta de amizade… estritamente amizade. Você me promete que não vai mais me ameaçar com os mexericos sobre minha viagem?

— Se você não se mostrar tão distante… se não ficar sempre me evitando.

— Já disse que podemos ser amigos.— E então, querida prima, sugiro um pequeno passeio depois

do jantar como um modo de selarmos nosso acordo. Caminharemos pelos jardins, sem Lottie por perto. Combinado?

— Está bem, mas se você fizer alguma coisa que me desagrade, contarei tudo à sua mãe, quer ela esteja ou não com enxaqueca.

— Mas saiba que se mamãe descobrir que eu… como direi… que me tornei avidamente interessado em minha priminha, ela vai sair da cama de um salto e fará daqui uma prisão para você.

— E para você também.— Eu fugirei. Sempre fugi. Prefiro morrer do que ficar preso.— Se você pensa assim, Phillip, por que não mostra um mínimo

de compaixão pelos que estão ou estiveram presos? Muitos dos condenados daqui cumpriram pena por ofensas muito leves. E os filhos deles, que não têm culpa de terem nascido de…

O tênue pacto entre eles se desfez. Phillip empurrou-a novamente contra a parede, segurando-a pelos ombros.

— Você não entendeu nada, sua tola! Essa gente foi parar na cadeia porque possui uma mácula moral de nascença, não foi a prisão que os corrompeu. Por isso eles têm de ser controlados e estritamente vigiados. Estou vendo que sua ligação com Braden e as noivas só serviu para distorcer sua mente! E ouça bem, se eu ficar sabendo que você trocou nem que seja uma palavra com Duke Braden…

Phillip parou de repente e sacudiu a cabeça, como se quisesse clareá-la. Abigail respirou fundo, ainda assustada. Por um instante seu primo lhe parecera outro homem, uma criatura odiosa e cruel.

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Ele resmungou outro pedido de desculpas, depois pigarreou e ajeitou a gravata. Evidentemente estava tentando recuperar o controle e planejando o passo seguinte. Ela também precisava fazer o mesmo. Mesmo estando aparentemente ao seu lado, Phillip era preconceituoso e orgulhoso demais para ser seu aliado.

— Lamento por ter me deixado levar pela emoção, prima. Acontece que eu e Duke Braden há muito estamos em competição. Afinal, somos ambos herdeiros de duas propriedades em conflito, por assim dizer.

Abigail sabia que havia muito mais do que isso entre eles. A verdade tinha ligação com a misteriosa nascente de água. A conversa de Phillip a fez se convencer de que não poderia mais perder tempo. Iria procurar Duke assim que o primo saísse para Sidney.

Phillip deu dois passos para trás e fez uma mesura.— Teremos muito com o que conversar em nosso passeio.

Vamos nos esforçar para mantermos um clima de civilidade. Sei que você não será tola de envolver mamãe em nossos negócios e prometo que eu também não lhe contarei nada. Bem, querida Abigail, devo ir à cidade agora, mas estarei aqui para o jantar. Até a noite. — E ele saiu andando pelo corredor, deixando-a parada ali, pensativa.

Alguns minutos depois, Phillip Godfrey-Bennett entrava na estrebaria para montar o cavalo, que já estava arreiado para a viagem de uma hora até a cidade. Como de hábito, ele sairia com quatro homens que lhe serviam de guarda-costas contra os possíveis ataques de bandoleiros.

A estada em Sidney seria breve. Ele iria ao banco, visitaria sua amante, Catty, e voltaria a The Grange para o jantar. Mandou os homens esperá-los um pouco e chamou um deles de lado.

— George, quando estivermos na estrada, quero que você dê meia-volta e retorne para cá sem ser notado. Tenho outra tarefa para você hoje.

George, robusto e moreno, de ombros caídos, era inteiramente dedicado ao herdeiro de seu patrão. Servia de guarda-costas para o patrãozinho, como dizia, desde que completara dezesseis anos.

— Sabe, George — começou Phillip, tentando escolher bem as palavras. — Lady Abigail tem uma… uma mania. Bem, digamos que é uma tendência de querer andar a cavalo sozinha. Não gosto disso, e não quero que lhe aconteça algo de mau. No entanto, se eu mandar você acompanhá-la, ela ficará ofendida. Portanto, se minha prima pedir um cavalo, quero que a siga para protegê-la, mas sem que ela perceba. Quando eu voltar, você me contará direitinho onde ela esteve para depois eu poder alertá-la.

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— Pode ficar tranqüilo, patrãozinho. Uma moça tão fina como lady Abigail não deve mesmo andar sozinha por aí, com tantos homens lidando com os carneiros e tudo o mais. Além disso, há o perigo dos dingos.

— Exatamente. Dingos e cangurus selvagens. Mas nós sabemos lidar com eles, não? — E Phillip deu umas palmadinhas na arma que tinha presa à sela.

Enquanto Phillip entrava na estrada de Parramatta, lembrou do dia em que pudera — e devia — ter baleado Duke Braden e o maldito aborígene junto à lagoa que nem os homens nem os carneiros de The Grange gostavam de freqüentar. A óbvia fascinação de Abigail por Braden e a amizade que ela fizera com o selvagem durante a viagem de navio eram um grave problema. Enquanto a família estava em Sidney, uma criada, obedecendo a suas ordens, revistara o quarto de Abigail e descobrira escondido sob seu colchão um objeto aborígene, que sem dúvida lhe fora dado por um dos dois.

Sim, George estava certo em pensar que Abigail poderia ser atacada por cães selvagens — cães humanos, os bandoleiros vindos de trás das montanhas que se escondiam no mato para investir contra os membros da classe governante. Gente da laia dos Braden. Duke Braden… Agora tinha de reconhecer que se enganara ao subestimar o patife e seus amigos. Ele conseguira estabelecer vínculos com o parlamento e com o governador da colônia, Bourke. Além disso tinha um grande número de seguidores entre os “miúdos” e pouco a pouco iria importando os chamados “imigrantes livres”, que com certeza conquistaria com sua lábia. O maldito estava ficando cada vez mais forte. E o pior de tudo era que ele de alguma forma ganhara a simpatia de Abigail, se não seu coração, o que a transformava numa traidora em potencial.

“Eu devia ter livrado Nova Gales do Sul dele anos atrás, quando o tive sob minha mira”, pensou Phillip. “Poderia alegar que o confundi com um canguru. E mais, o sujeito estava invadindo minha propriedade”. Agora teria de encontrar outro modo de livrar-se dele. Não suportava a idéia de haver alguma coisa entre ele e Abigail, a quem passara a querer mais do que qualquer outra mulher, até mesmo Catty.

Talvez fosse a hora de finalmente aceitar os conselhos do pai e se interessar mais pela família. Só que não se dedicaria ao enfadonho trabalho de supervisionar The Grange e a exportação de lã. Podia pagar empregados para isso. Não, ele encontrara uma causa por que lutar. Faria nome e fortuna livrando a colônia de Duke Braden e casando-se com Abigail Rosemont. Agora a queria

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desesperadamente, e não só pela sua riqueza. O que mais o incentivava era a perspectiva de competir com Duke Braden e acabar com ele. Phillip Godfrey-Bennett virou-se na sela para ver George se desgarrando do grupo e tomando a direção da mansão. Depois, gritando, esporeou o cavalo para deixar seus guardas temporariamente para trás. Imagine, ele pensou, ficara excitado e pronto para uma mulher só com a idéia de que gostaria de matar Duke Braden diante dos olhos de Abigail!

Abigail fez o cavalo tomar a direção da fronteira oeste da propriedade. No alforje carregava uma pequena prancha de desenhar, papéis, canetas e tinta. Desta vez não estava com H.M., apesar de saber que o cãozinho era seu melhor salvo-conduto para entrar nas terras de Squire Braden. Não quisera perder tempo procurando por ele. No instante em que Phillip e seus homens tinham se afastado, ela correra à cocheira para pedir que lhe selassem um cavalo.

O dia estava bastante quente e ensolarado para julho, mas Duke já lhe explicara que na região entre a costa e as montanhas Blue as estações se misturavam bastante. Ao chegar à lagoa, como fizera anteriormente, parou para o cavalo beber. A água devia ser fresca e boa, pensou, apesar de não se conseguir ver a fonte. Também não havia nenhum riacho desaguando ali. O lugar era tão belo que a lagoa podia bem ser feita de água do paraíso, que vinha diretamente das nuvens.

De novo Abigail sentiu uma presença indefinida que fez os pêlos de seu braço se eriçarem e um leve arrepio percorrer-lhe a espinha. Por um instante teve a impressão de ouvir um bebê chorando, mas foi como um eco vindo das profundezas da terra. Olhou para cima, examinando as faces dos penhascos de arenito. Nada. Mas, apesar das estranhas vibrações que captava quando chegava à lagoa, ela gostava desse lugar que os aborígenes e os Braden tanto prezavam, mas que parecia sempre deserto. Quando o cavalo terminou de beber, ela tomou a direção da terra dos Braden.

O homem robusto, de ombros caídos, seguia Abigail a uma distância segura. Três figuras escuras, um homem e duas mulheres, uma delas carregando um bebê, emergiram de uma das cavernas no alto dos penhascos.

— Warrang, balandra — sussurrou uma das mulheres. O bebê agora estava quieto.

O homem seminu, parecendo um esqueleto devido às pinturas feitas com tinta branca sobre sua pele cor de cobre, foi para a beirada da caverna e ergueu o braço. O cavaleiro que seguia a mulher branca estava chegando ao lugar sagrado de seus

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ancestrais. O aborígene lançou a arma em forma de V, feita de mogno pesado, e ela foi atingir a cabeça do intruso, atirando-o para fora da sela. A força do golpe não permitiu que a arma voltasse à mão de seu dono. O bumerangue caiu na água e ficou tão imóvel como o homem que derrubara. O cavalo, farejando perigo, partiu a galope na direção de The Grange.

Com movimentos rápidos e ágeis, o aborígene desceu pela face do penhasco e pegou o bumerangue. Bebeu um pouco da água limpa e fresca que sustentava seu corpo e sua alma. Olhou para sua caverna e fez um gesto com a cabeça numa despedida silenciosa. Em seguida saiu caminhando furtivamente na direção da propriedade dos Braden, mas não seguiu o mesmo caminho que a mulher tomara.

Duke Braden estava sentado no cavalo, com a perna apoiada na sela e o braço recostado no joelho. Olhava para os carneiros, mas em vez deles via a multidão reunida para a grande festa do governador, que se realizaria no mês seguinte. Repassava o discurso que pretendia fazer defendendo a união em Nova Gales do Sul, pedindo o fim de sua divisão em duas classes distintas. Mas sabia que agora talvez nem conseguisse ser o orador, pois o Gazette fora bem eficiente em macular sua integridade.

Esse era um dos motivos pelos quais sempre tomara cuidado em seu envolvimento com mulheres. Evitava ao máximo dar armas para os “seletos” usarem contra ele. Tivera alguns namoros apaixonados com moças da classe dos “miúdos”, mas jamais mantivera uma amante fixa. Mais tarde, quando seu pai começara a insistir que os filhos precisavam se casar para lhe darem netos, ele fora obrigado a reconhecer que simplesmente não encontrava mais tempo para romances.

Então, na entrega da primeira leva de noivas do programa que tanto defendera, ele virará a vida de cabeça para baixo. Envolvera-se com uma aristocrata inglesa e dera margem para ataques contra sua idoneidade por tentar proteger Grace de um marido violento. O pior era que tinha de protegê-la também do irmão, pois Earl, apesar de seu firme propósito de ir buscar uma noiva na Fábrica das Mulheres, estava claramente inclinado a levar a moça para a cama.

Duke suspirou e tentou mudar a linha de seus pensamentos, mas Abby Rose insistia em voltar à sua mente. Parecia que só conseguia pensar nela. Sofria por ela, especialmente à noite, quando, apesar de querer apenas um pouco de sono reparador, fervia de desejo a ponto de se sentir tentado a invadir The Grange e raptá-la!

— Malditos sejam todos — praguejou.102

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Tentou planejar o que diria ao governador Bourke quando se encontrasse com ele dali a poucos dias. Queria persuadi-lo a fazer um discurso pedindo um clima mais democrático na colônia por ocasião do grande baile. Estava tão envolto em seus pensamentos que custou a ouvir o sinal de Kulalang.

O som de vento passando por folhas secas o fez se endireitar na sela. Talvez um dos homens de The Grange estivesse tentando entrar em suas terras. Ficou de pé nos estribos e levantou a cabeça para ouvir melhor. Sim, o som vinha do primeiro afloramento de rochas depois de sua fronteira.

— Jeffreys! — gritou para o pastor que se achava a alguns metros de distância. — Vou sair mais volto já.

Duke fez o cavalo andar vagarosamente entre os carneiros para não assustá-los. Quando se afastou do rebanho, esporeou o animal e dirigiu-se para as pedras, sabendo que Kulalang apareceria assim que se aproximasse dele.

Ao chegar ao alto da colina, viu um bumerangue bater no solo a uns oito metros dele e depois voltar para a mão que o atirara. Freou o cavalo e esperou o amigo.

— A mulher de cabelos como o pôr-do-sol vem vindo de novo — disse Kulalang, apontando para a direção da lagoa. — Homem atrás dela. Bumerangue pôs homem no chão.

— Ele está morto?— Não. Homem não tocou na mulher de cabelos como o pôr-do-

sol. Se tocasse, estaria acabado — vangloriou-se Kulalang. — Era um dos homens do jovem patrão, um dos que estavam com ele quando jovem patrão atirou no malu. Ele caiu cara no chão.

Duke passara um bom tempo ensinando Kulalang a falar a língua dos brancos e conseguira aprender um pouco de aborígene, portanto, sabia que malu era canguru. Seu amigo, contudo, recusava-se sistematicamente a chamar as pessoas pelo nome. Assim, Abigail era a mulher de cabelos como o pôr-do-sol e Phillip Godfrey-Bennett, o jovem patrão. Usar nomes próprios era tabu para os Badajong. Em seu modo de pensar, usar nomes próprios era algo tão impossível como abandonar a lagoa vinculada ao totem da tribo, o malu. Duke às vezes tinha dificuldade de entender certos costumes de Kulalang, cujo nome real era outro, que nem mesmo ele conhecia, mas compreendeu perfeitamente o recado que o amigo lhe dera e saiu galopando na direção por onde Abigail vinha vindo.

Abigail pretendia ir direto para Castle Keep, onde pediria para alguém ir chamar Duke mas, em lugar disso, parou no alto da colina de onde, várias semanas antes, avistara pela primeira vez a fazenda dos Braden. Agora via vários homens trabalhando. Alguns

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tangiam os carneiros para um tipo de corredor que terminava numa valeta cheia de água, onde os animais estavam sendo banhados. Ela levantou o véu e abaixou o chapéu, deixando-o preso ao pescoço pela fita. Estava tentando ver se um dos homens seria Duke quando ouviu o som de patas de cavalo e virou-se na direção do ruído. Seu coração se acelerou. A simples visão de Duke Braden a fez ficar como que paralisada.

— Você se arriscou um bocado vindo até aqui — disse ele quando freou o cavalo tão perto dela que seus joelhos quase se tocaram.

— Uma vez você me disse que eu estava convidada.— E se a tivessem seguido?— Me seguir? — Abigail ensaiara vários começos de conversa,

mas todos fugiram de sua cabeça. Ela olhou para trás. — Você viu alguém me seguindo?

— Não.— Então deve estar irritado porque passei pelos seus guardas

de fronteira sem ser notada.— Meus guardas são invisíveis a certos olhos — retrucou Duke

—, portanto, não se preocupe com eles. Mas você pensa que tem todas as respostas, não é, Abby Rose? Mesmo quando não sabe as perguntas.

Ele pretendia encontrá-la, enfrentá-la cheio de desdém e expulsá-la de Dorset Downs, mas ao vê-la esqueceu-se de tudo. Desejava de tal forma essa mulher que poderia tê-la puxado para o chão e a beijado ali mesmo na poeira. Mas conseguiu controlar-se e apenas semicerrou os olhos enquanto a analisava disfarçadamente.

— Vejo que você está me dando outra amostra da hospitalidade do cavalheiresco Duke Braden — disse Abigail, com um sarcasmo que não pretendera usar. Estava assustada com seu desejo de se ver arrancada da sela e puxada para junto dele. E pensar que viera até ali decidida a se desculpar pela confusão na cidade e despedir-se logo em seguida! Mas, de novo, o lugar e o homem pareciam atraí-la como se fossem um ímã.

O brilho faminto que viu nos olhos de Duke ao mesmo tempo a atemorizou e envaideceu. Fora aquele olhar que Phillip notara com tanta facilidade? E ela, teria a mesma expressão estampada em seu rosto? Quando Duke voltou a falar no seu habitual tom rude, ela quase saltou na sela.

— É melhor você voltar para onde é seu lugar.Ele estendeu o braço para pegar as rédeas do cavalo de

Abigail, mas ela bateu-lhe na mão com força. Praguejando baixinho, ele insistiu. Desta vez Abigail arranhou-lhe a pele. Ignorando-a, ele começou a puxar o cavalo. Abigail teve de se

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segurar na crina do animal enquanto era levada para longe.— Se você quer brigar comigo, estou disposto — gritou ele por

cima do ombro. — Mas se quiser que seja uma disputa estritamente física, já aviso que vai perder.

— Estritamente física? Estritamente verbal, era o que eu tinha em mente. Não preciso nem de seus sermões nem de suas ameaças, Duke Braden — gritou ela, de volta. — Só vim lhe dizer que não tive nada a ver com o fato de seu irmão quase ter se engalfinhado com Phillip lá na praça. E para dizer também que fiquei muito aborrecida com as insinuações sobre você e Grace que saíram no jornal. Viu como eu estava certa desde o começo? Se tivesse me deixado contratá-la como dama de companhia, nada disso aconteceria. Duke! — gritou de novo, quando ele acelerou o galope dos cavalos, fazendo-os tomar uma direção oposta à qual ficava The Grange. — Duke! Para onde está me levando? Pare agora mesmo!

Ele tomou rumo norte, indo para uma área mais montanhosa. Algum tempo depois, diminuiu o passo dos animais e começou a descer por entre as árvores até chegarem a um pequeno vale. Abigail ouviu o barulho de uma cachoeirinha no instante em que Duke freou os cavalos e apeou para ajudá-la a descer. Viu então que estavam perto de uma graciosa lagoa salpicada de raios de sol. Duke pegou-a pela cintura e, ao pô-la no chão, foi deslizando seu corpo contra o dele.

— Olhe Duke — começou Abigail. — Não vim aqui para discutir nem para testar o que você disse sobre os seus termos.

— Ótimo — retrucou, ele por entre os dentes cerrados. — Só que estamos discutindo e não pretendo mudar meus termos.

— Mas eu vim como amiga, querendo ter uma conversa civilizada, para me explicar — protestou Abigail, abalada até o âmago de seu ser por estar tão junto dele.

— Maldição, Abigail! Por favor, diga que você só veio brigar comigo, que veio para me bater e arranhar, para atirar os termos que determinei em minha cara! Eu suplico, convença-me de que você não me quer, ou não sei o que será de nós.

O hálito quente de Duke escaldava o rosto e o pescoço de Abigail. As palavras, embora ríspidas, como que a acariciaram. Olhando para os olhos azuis, da cor da lagoa atrás deles, que pareciam devorá-la, ela pensou que poderia se afogar agora, embora estivesse em terra firme.

— Desculpe-me se o machuquei — foi a única coisa que conseguiu dizer antes de ele a calar com um beijo ardente.

Os dois se entregaram ao beijo. Abigail entrelaçou os dedos nos cabelos espessos da nuca de Duke. Mãos duras, mas ternas, a

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levantaram e apertaram contra ele. A língua de Duke sondava, brincava, incentivava, e Abigail respondia cada desafio à altura. Quando ambos pararam para respirar, ele acompanhou a linha dos lábios carnudos com a ponta da língua e depois a fez descer para o pescoço e a orelha, até Abigail rir de alegre prazer. Ela devolveu a carícia enquanto Duke apalpava seus seios, de início com carinho, mas logo em seguida com exigente ardor.

Num gesto rápido, Duke estendeu a mão para puxar um cobertor que estava enrolado atrás da sela. Depois pegou Abigail no colo e levou-a até uma pequena clareira protegida por uma vegetação mais espessa. Abriu o cobertor sobre a relva, a fez sentar e então, com mãos ansiosas, soltou o fecho da capinha do traje de montaria e começou a trabalhar nos pequenos botões da blusa.

— Oh, Duke, não devemos…— Não devíamos desde o início, mas fomos em frente —

retrucou ele, enquanto o corpinho do vestido se abria.— Agora é tarde demais para pararmos, minha Abby Rose.

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CAPÍTULO VIII

Duke cobriu o pescoço e o colo de Abigail com beijos. Ela jamais se sentira tão grandiosa. Como era maravilhoso estar deitada ali na relva enquanto o mundo girava à sua volta! Olhou para o rosto dele. Viu o lábio inferior tremer um pouco, imitando o frêmito que tomava conta de todo seu corpo. De repente estava ajudando-o a descer seu vestido até a cintura e a soltar os ganchos do espartilho.

— Já na primeira vez em que nos vimos — disse ele com voz rouca —, eu a avisei que não devia usar todas essas coisas.

Abigail riu como se tivesse ouvido uma grande piada, mas sua risada terminou num pequeno soluço quando sentiu Duke acariciando suas pernas por cima das meias. Ela começou a cobrir o queixo e o pescoço de Duke com pequenos beijos enquanto suas saias eram levantadas pouco a pouco.

— Hum, você vai tirar minhas meias? — murmurou, ao senti-lo soltar as ligas.

— Talvez a gente vá nadar. Eu lhe disse que um dia iria ensiná-la — ele respondeu, passando os lábios pelos seios nus e macios. — Você ficará inteirinha molhada e terá de bater essas lindas pernas.

Abigail sentiu a barba de um dia de Duke raspar de leve sua pele e fechou os olhos para se deliciar com essa nova sensação. Desesperadamente, como nunca acontecera antes, desejou saber tudo sobre o amor para poder agradá-lo. Mas uma coisa ela sabia, os dois não iam nadar na água, e sim no desejo e amor um do outro.

Amor! Abigail arregalou os olhos quando Duke agarrou a pele nua de sua coxa. Ele acabara de lhe beijar o bico do seio e ela o sentira endurecer sob a brisa leve e o toque úmido e quente da língua insistente. Porém, nada a tocara tão fundo quanto a descoberta de que amava esse homem. E não era só por causa do que estava acontecendo. Não conseguia tirá-lo de sua mente e de seu coração, porque admirava tudo o que ele defendia e pretendia fazer, admirava sua dedicação à causa que escolhera.

— Duke! — gemeu, ao sentir a mão quente subindo pelo interior de sua coxa. Num gesto reflexo, fechou as pernas, mas logo as separou vagarosamente. Logo ele estava mais perto do centro de seu ser, tocando-a num lugar que ela jamais poderia imaginar que… — Oh, Duke!

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Duke puxou-a mais para perto, como que querendo lhe dizer que ainda haveria mais, muito mais. Ela era ao mesmo tempo ousada e ingênua, pensou, profundamente comovido. Dava graças pelo maldito que a traíra na Inglaterra jamais tê-la levado tão longe ou a traumatizado para o amor.

Vagarosa e deliberadamente, seguindo a intuição feminina, Abigail puxou a camisa de Duke para fora das pesadas calças de trabalho e deslizou as palmas das mãos na pele quente e macia das costas.

Duke transferiu o peso para os cotovelos, que estavam perto da cabeça de Abigail. Ajoelhou-se entre as pernas dela e olhou para seu rosto. Depois, demorando um pouco para dar-lhe tempo de dizer não, começou a abrir os botões da calça. Em seguida, com um gesto delicado, afastou-lhe mais os joelhos.

A respiração de Abigail tornou-se rasa e rápida. Seus sentidos estavam se aguçando para tudo à sua volta: o aroma pungente dos eucaliptos, o som da água, a relva fresca e a textura áspera do cobertor sob suas nádegas e costas.

— Eu a desejo com loucura, querida, sempre a desejei — murmurou Duke. — Gostaria de poder me controlar, mas penso que nós dois queremos isto. Serei cuidadoso, mas, quando começarmos, não haverá mais volta.

— Eu não quero voltar, nunca — gemeu Abigail, abraçando-o com mais força. — Não quero voltar para a Inglaterra nem para eles!

Duke ergueu a cabeça e encarou-a, estreitando os olhos. Não fora exatamente o que quisera dizer, mas era esse o significado mais profundo de suas palavras. O pensamento o fez hesitar, um tanto temeroso de possuí-la. Ela era mais do que a mulher séria e empertigada que começara a desabrochar no navio e se abrira em flor em suas terras. Ela era sua Abby Rose e o emocionava até o fundo da alma.

Mas, quisesse ou não, Abigail teria de voltar para seu próprio mundo e jamais seria realmente dele, lamentou. Não poderia ser sua mulher e companheira ao longo das árduas lutas que tinha pela frente até conseguir o que era certo para os “miúdos”, dos quais ela nunca faria parte. Sabia que com sua atitude estava somente colocando o futuro dos dois em perigo. No entanto, se ela o queria a ponto de vir procurá-lo, apesar de ter compreendido os termos que ele impusera, não tinha por que se conter. Beijando-a, abraçando-a com ainda mais ardor, tomou a decisão de fazer amor com ela mesmo arriscando-se a depois perdê-la para sempre.

Um segundo antes de possuir Abigail por completo, Duke ouviu um som conhecido. Ele parou onde estava escutando. O alerta

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aborígene de novo? Talvez fosse só impressão. Não imaginava que Kulalang os havia seguido e não sabia o motivo do aviso. *

— O que foi? — perguntou Abigail, ainda tonta de desejo, mas desapontada com a imobilidade de Duke.

Ele sentiu-se tentado a possuí-la rapidamente só para o caso de nunca mais chegarem tão longe. Assim talvez conseguisse exorcizá-la de vez de sua mente. Contudo, sabia que não devia tomar essa mulher de tal forma. Ela merecia ternura e carinho, uma cama macia, um lar e segurança. Sufocando uma exclamação de pesar, desceu as saias de Abigail e virou-se de lado para se recompor.

— Por que paramos, Duke? O que eu fiz de errado?— Ouvi o sinal de perigo de Kulalang. Você não fez nada

errado. Muito pelo contrário, fez tudo certo para me deixar perder a cabeça.

Ele levantou-se e saiu andando, enquanto Abigail prendia as meias e abaixava as saias. Depois também levantou-se, ainda meio atordoada, lamentando o fim daquilo e ao mesmo tempo estranhamente aliviada por terem parado. Ela quisera muito mais, desejara Duke por completo, deixando-se levar de tal forma pelas emoções que nem pensara nas possíveis conseqüências. Estava prendendo a capinha do traje de montaria quando viu Kulalang, seminu e pintado de branco, emergir de trás de um arbusto distante e conversar com Duke perto de onde haviam deixado os cavalos. Com pernas trêmulas, abaixou-se para pegar o chapéu e o cobertor, e foi se juntar a eles.

— Kulalang disse que os Badajong estão se reunindo para um corroboree — explicou Duke. — É uma dança religiosa que deve ser realizada sob a luz da lua cheia. Eles comungam com os espíritos de seus totens, a energia da terra ou de animais dos quais acreditam retirar sua força. Ele está assustado porque você ainda não foi embora e como atacou o homem que a seguiu…

— Homem? Que homem? Não pode ser Phillip, ele…— Não quero nem ouvir o nome dele! — interrompeu Duke

rispidamente. — E também não quero que os capangas dos Godfrey-Bennett venham a usá-la como desculpa para atirarem nos Badajong durante a cerimônia na lagoa. Eu me culpo por não tê-la feito voltar assim que chegou aqui.

— Mas você disse que não tinha visto ninguém me seguindo. Sabia-se que havia alguém atrás de mim, por que me trouxe aqui, por que me fez ir tão longe… Duke pegou-a pela cintura e a fez montar.

— Digamos que foi tudo um grave erro meu e que não vai acontecer de novo. Vou levá-la de volta sem novas interferências —

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disse ele, montando num movimento ágil.Kulalang só balançou a cabeça, como se soubesse

perfeitamente o que os dois tinham estado fazendo para se demorarem tanto, pensou Abigail, e sentiu uma onda de calor tomar conta de suas faces e colo. Com um gesto rápido, amarrou o chapéu e desceu o véu. Mas sim, fora até bom Kulalang aparecer para pará-los. Ela também perdera a cabeça, e quase a virgindade, para um homem que… não, para um homem que, era obrigada a admitir, amava além de toda a razão!

Eles saíram do pequeno vale escondido e galoparam na direção de The Grange. Duke agora estava sério e com o rosto sombrio, e Abigail amaldiçoou-o por ser capaz de desligar suas emoções com tanta facilidade quando ela ainda se sentia trêmula e abalada. Estava tomada de temor e confusão, pois nenhum dos dois falara em amor ou futuro.

— Os Badajong vão fazer essa tal festa em sua fazenda? — perguntou, querendo quebrar o intolerável silêncio que caíra entre eles. Já estavam muito próximos da lagoa e não gostaria de se separar de Duke deixando a impressão de que se arrependia do que acontecera. Sabia que o quisera tanto quanto ele a desejara.

— Não é uma festa, Abby Rose, mas uma cerimônia. Ela será realizada aqui mesmo no kuri kuri, na calada da noite. Os aborígenes dão nomes para todas as fontes de água e o desta, kuri, significa lar. Antigamente, toda a área de The Grange era um lar para eles, sendo a lagoa o ponto mais sagrado, a fonte da vida. Isso foi antes dos Godfrey-Bennett a roubarem.

— Lamento muito. Mas diga-me, como a tribo pode se reunir aqui, tão perto de The Grange? Não é perigoso?

— Eles correm um risco terrível cada vez que fazem a cerimônia. Eu já os alertei inúmeras vezes, mas eles recusam-se a me ouvir. Continuam dançando em volta de fogueiras sob a luz da lua cheia, tornando-se alvos perfeitos para os guardas dos Godfrey-Bennett. Mas eu não devia ter lhe contado porque, no caso de acontecer alguma coisa de mau, eu poderia pensar…

— Que eu contei para alguém em The Grange? Eu nunca faria isso! Duke, você tem de entender que eu moro lá, mas não sou como eles! Um dia eu lhe provarei isso!

Quando chegaram à lagoa chamada kuri kuri, eles frearam os cavalos. Duke falou:

— O que nós quase fizemos hoje, Abby Rose, me provou o suficiente sobre suas intenções sinceras, mas intenções não bastam e não quero que você se machuque no fogo cruzado desta guerra. Eu tenho de ficar no meio dela, mas você não. Foi por isso que eu estava errado em querer fazê-la minha no dia de hoje.

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Abigail levantou o véu para ver melhor. Sentiu um medo terrível de ouvi-lo dizer que estava tudo acabado, que não se veriam mais.

— Você… você está lamentando o que aconteceu? Duke suspirou e deixou os ombros caírem. Depois se virou para encará-la, estreitando os olhos contra o sol da tarde.

— Lamento o que fizemos e também lamento não poder recomeçar tudo agora mesmo. — Seu olhar era tão quente que pareceu calcinar o ar entre eles. Abigail começou a tremer, ansiado pelo seu toque. — Cada vez que você vem aqui, sei que deveria ser a última — continuou Duke. — Agora é melhor você voltar. Faça deste lugar e do que compartilhamos um eterno segredo.

— Mas como este lugar pode ser um segredo? — Abigail olhou à sua volta, ainda trêmula. — Todos em The Grange sabem da existência da lagoa e se algum homem foi atacado aqui e voltou para avisar…

— O que eles não sabem é que este lugar costuma ser usado para o corroboree . Os empregados de The Grange não gostam daqui, dizem que é mal-assombrado. E, pelo que sei, há anos nem Griffin nem seu filho põem os pés aqui. Eles pensam que existem maus espíritos, talvez estejam certos.

Duke fez um sinal com a cabeça, indicando a face do penhasco. Seguindo seu olhar, Abigail avistou duas figuras emergindo de uma das cavernas mais altas. Duas mulheres, uma delas com um bebê no colo.

— Você as conhece? — perguntou.— São as duas esposas de Kulalang que restaram. Abigail

balançou a cabeça, chocada, visualizando uma centena de esposas, talvez todas as mulheres aborígenes que costumava ver esmolando na estrada de Parramatta. De fato, sabia muito pouco sobre Kulalang e seu povo. Lançou um olhar para Duke e abaixou o véu. Talvez não o conhecesse também. O pensamento a assustou. Mas, antes que pudesse perguntar mais sobre as esposas de Kulalang ou admitir a si mesma que daria tudo para ser à única esposa de Duke Braden, ele deu uma palmada na anca de seu cavalo e o fez partir galopando para The Grange.

Naquela noite, sabendo que não conseguiria suportar uma conversa particular com Phillip, Abigail pretextou uma tontura e permaneceu no quarto, tendo somente H.M. como companhia. Por volta das oito horas, a criada de quarto, Sally, veio trazer-lhe chá com torradas e um recado de Phillip. Ele estimava suas melhoras e esperava vê-la na manhã seguinte.

Quando a moça saiu, Abigail recostou-se na cama. Pensava em 111

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Duke e no que houvera entre eles. Ela o amava. Sim, tinha de aceitar a verdade. Não sabia o que ia acontecer com esse amor, mas agora era tarde demais para tentar mudar alguma coisa. Ficou um longo tempo acordada, olhando para o teto, recordando cada toque e palavra que trocara com ele. Quando finalmente adormeceu, teve um sonho estranho.

Foi um pouco parecido com o velho pesadelo que costumava perturbá-la, onde se via nua enquanto todos, inclusive lorde Northurst, a apontavam. Mas desta vez eram mulheres que a apontavam, que riam dela, escondidas em cavernas situadas ao longo do teto. Eram esposas de Duke e caçoavam, sabendo que Abby Rose jamais seria dele. Depois viu Duke nadando na lagoa chamada kuri kuri. A água estava cheia de rosas, que exalavam um perfume delicioso. Queria estar com ele, mas não sabia nadar. Uma cerca com o monograma GG a impedia de se aproximar dele. As mulheres conversavam entre si. Durante tudo isso, ela ouvia um ritmo constante…

Abigail acordou e viu-se no quarto às escuras. Ouviu H.M. rosnar perto da janela. Algo o havia perturbado. Foi então que, aguçando o ouvido, escutou tambores tocando a distância, O som era real e não parte de seu sonho!

Ela levantou-se, vestiu o robe e foi para a janela que dava para as estrebarias da mansão, de onde podia avistar ao longe a fronteira oeste da fazenda. A lua cheia iluminava a noite com sua luz azulada. Abriu a janela e respirou fundo o ar frio. Depois ouviu os tambores de novo. O corro-boreel Mas, se ela fora acordada, outros também deveriam estar escutando. O pessoal de The Grange com certeza estava desconfiando de que os aborígenes haviam “invadido” a propriedade. Se descobrissem o segredo depois dela ter dado a palavra de que manteria segredo…

Abigail soltou um soluço ao ver seus piores medos se confirmando. Avistou uma fileira de lampiões perto das portas da estrebaria e homens já montados, um bom número deles!

Ela calçou os chinelos e vestiu o albornoz por cima do robe. Tinha de fazer algo para impedir aqueles homens. Sem dúvida iriam praticar tiro ao alvo ao surpreenderem a tribo dançando em torno das fogueiras. Ela sabia que os capangas dos Godfrey-Bennett não hesitariam em atirar num aborígene como se fosse um animal. Griffin já deixara isso bem claro várias vezes!

Impulsionada por um frenesi, correu para a escadaria. Sem pensar no decoro ou perigo, abriu a porta da frente e começou a correr na relva molhada pelo sereno.

— O que está acontecendo? — perguntou para um dos homens ao chegar perto da estrebaria. — Para onde vocês estão indo?

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— Santo Deus, é lady Abigail! Sr. Phillip, lady Abigail está aqui!— Maldição! — ela praguejou baixinho. Mas talvez Phillip fosse

o único capaz de pôr um paradeiro naquela loucura.— O barulho me acordou — explicou, ao ver o primo saindo da

estrebaria, puxando seu cavalo pelas rédeas.— Um bando de abos. Devem estar em nossas terras. Vamos

lhes dar uma boa lição. — Phillip aproximou-se dela com um brilho malicioso no olhar, examinando-a de alto a baixo.

— Phillip, é perigoso demais — disse Abigail, puxando o albornoz para mais perto do corpo. — Não vá.

— Sua preocupação comigo é comovente. Mas veja, você saiu mesmo apressada. — Ele estendeu a mão para soltar uma dobra do albornoz que ficara presa à faixa do robe, aproveitando para tocar a coxa de Abigail por cima do cetim e do tecido fino da camisola. — Se está tão aflita por minha causa, talvez seja melhor eu ficar. Posso mandar os homens sem mim e ficaremos esperando aqui, nesta cocheira quentinha, até eles voltarem com as orelhas daqueles selvagens.

A voz, o toque e a insinuação de Phillip a enojaram.— Orelhas, Phillip? Você está louco. Seu ódio por essa pobre

gente tem de acabar.— Minha doce santinha, o que você sabe sobre essa gente? —

Phillip pegou-a pelos ombros, forçando-a contra a porta da estrebaria. — Ou será que sabe bastante? Creio que temos muito a conversar. — Ele soltou uma risadinha maliciosa. — Penso que você até estaria disposta a me oferecer algo de muito bom para eu mandar meu pessoal voltar ao alojamento. Mas não importa, vou ter você de qualquer maneira. Estamos destinados um ao outro, Abigail. Dedicarei minha vida à sua e vou ter o prazer de vê-la carregando meu nome e meu filho! Homens, vamos!

— Você está completamente doido. Nunca serei sua!Mas Phillip não ouviu. O barulho das patas de dez cavalos

abafou seu grito e o som dos tambores distantes. Ela pensou em pegar um cavalo e sair para avisar os Badajong, mas jamais chegaria a tempo na lagoa. Com lágrimas correndo pelas faces, voltou à casa. Trêmula de medo e fúria, correu para o quarto, decidia a esperar e rezar.

Abigail passou o que lhe pareceu ser uma eternidade sentada à janela, culpando-se por não ter acordado mais cedo, o que teria lhe dado tempo para sair antes de Phillip. Finalmente os cavaleiros voltaram. Ela precisou usar todo seu frágil autocontrole para não sair ao encontro deles para perguntar o que acontecera. Apesar da ansiedade, não queria ficar novamente sozinha com o primo.

Um pouco mais tarde, quando tudo voltou a ficar quieto, 113

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Abigail viu o vulto de Phillip atravessar o pátio, dirigindo-se para o interior da mansão. Descalça, ela abriu a porta do quarto e caminhou silenciosamente pelo corredor até chegar no alto da escadaria, onde parou, escondendo-se nas sombras, quando ouviu a voz de Griffin.

— Se você tivesse chegado lá sem essa barulheira toda conseguiria pegar alguns selvagens, filho.

— Eles sabem que estamos vindo pelo cheiro. Mais uma vez só encontramos fogueiras e rastros, nada de abos.

Abigail encostou-se na parede e suspirou de alívio. Eles não haviam encontrado ninguém!

— A melhor solução seria envenenarmos aquela água — continuou Griffin —, mas não quero me arriscar a perder algumas cabeças de nosso rebanho. No entanto, temos de tomar uma medida qualquer. Não admito que homens meus voltem com gaios na cabeça só porque foram procurar ovelhas desgarradas.

— Sim, temos de procurar uma solução definitiva. Vou aproveitar o baile para pedir ao governador que ele seja mais duro com os aborígenes que insistem em voltar para terras que não são mais suas. Mas aposto que Braden já andou virando a cabeça dele. Por falar em Braden — o tom de Phillip ficou mais amargo —, encontrarei um meio de acabar com aquele filho da mãe nem que eu tenha de persegui-lo até atrás das montanhas Blue!

As vozes estavam se aproximando da escadaria. Abigail voltou correndo para o quarto antes que eles começassem a subir. Fechou a porta atrás de si e encostou-se nela, trêmula e indignada, mas também cheia de alívio por saber que Kulalang, suas “duas esposas restantes” e a tribo estavam temporariamente em segurança.

Agora, depois do que ouvira, tinha de reconsiderar sua recusa em ir ao baile do governador com Phillip. Por mais que detestasse o primo, queria ficar ao seu lado para impedir que destilasse veneno nos ouvidos do governador. Também aproveitaria a oportunidade e sua posição para dizer alguma coisa em favor de Duke e sua causa!

De repente, Abigail sentia-se muito mais forte. Com H.M. nos calcanhares, começou a andar de um lado para outro, elaborando seus planos.

— Ei, moça — disse Earl, enfiando a cabeça pela porta da cozinha, na manhã seguinte, um pouco depois do desjejum. — Não diga que vai ficar o dia inteiro em cima desse fogão. Hum, que cheirinho bom… Eu estava pensando em lhe dar a primeira aula de equitação para não precisarmos sobrecarregar meu cavalo quando voltarmos a Sidney.

— Ora, ora, e eu que pensei que você tivesse gostado muito de 114

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me levar na garupa — brincou Grace, virando-se para encará-lo. Seu coração balançava cada vez que uma sombra passava pela porta da cozinha. A agilidade de Earl, estranha num homem tão grande, sempre a surpreendia. Agora os escuros olhos castanhos a acariciavam no cômodo pequeno, aquecido pelo forno onde o pão estava assando. Ele parecera ficar sem jeito com sua brincadeira, uma atitude que não combinava com uma pessoa governada pelo gênio e pelos punhos. — Eu lhe disse que ia fazer um verdadeiro pão inglês com a farinha branca e o fermento, Earl Braden. Está quase pronto. O certo seria ele descansar um pouco, mas vou deixar que o coma quente para experimentar. Vai ver como é gostoso.

— Aposto que é.Earl não conseguiu dizer mais nada. Em outras circunstâncias

teria fungado de desdém contra alguém preocupado em fazer pão inglês em vez de se satisfazer com o bom e sólido damper australiano, mas quando estava assim tão perto de Grace e podia dar uma boa olhada nela, ficava quase sem palavras. O traseiro suavemente arredondado e os tornozelos bem feitos que avistou quando ela se inclinou sobre o forno quase o deixaram tonto. Já sentira esse tipo de fome por uma mulher, mas sempre conseguira aplacá-la sem demora. Porém Duke lhe avisara mais de uma vez que ele não deveria nem mesmo tocar em Grace e a convivência com ela estava dificultando tudo. O pior é que sentia mais do que simples luxúria pela moça, e isso o preocupava.

Gostava até do som de sua voz, adorava sua risada. Não via a hora de vê-la quando voltava do trabalho e esperava ansioso por ouvir seus passos rápidos quando trazia a comida para a mesa. Sentia-se como um menino culpado quando aspirava disfarçadamente o doce aroma de seus cabelos ou lhe lançava olhares de soslaio para o decote quando ela se inclinava para servi-lo. Sentia uma enorme vontade de lhe comprar presentes, mas as únicas coisas que Grace aceitara quando estavam na cidade tinham sido a farinha branca e o fermento para o pão. Maldita mulher, ela o atraía demais! Earl encostou-se na pilha de lenha, apreciando os movimentos rápidos e ágeis de Grace enquanto lhe cortava uma fatia do pão.

— Está aqui — disse ela. — Quer um pouco de mel nele? — Sem esperar pela resposta, quebrou um pedaço do favo que Squire encontrara e passou o mel no pão.

Earl deu uma mordida e um pouco de mel lhe escorreu pelo queixo. Grace, num gesto automático, levantou a mão e limpou-o. O rapaz pegou-a pelo pulso e lambeu as pontas de seus dedos. Ela pulou para trás, como se tivesse sido queimada.

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— Desculpe, mas é uma delícia. O pão foi o que eu quis dizer, embora seja inglês.

— Está bem — assentiu Grace, esperando que sua voz tivesse saído forte o bastante para dar a impressão de um desagrado que não sentia. Seu coração batia acelerado. — Sabe, Earl, você vive dizendo que só quer uma moça da Fábrica e elas são todas inglesas, como eu. Duvido que encontre uma capaz de fazer um damper perfeito e ainda agüentar seu mau gênio. — Ela surpreendeu-se por ter ido tão longe. Nunca conseguira reunir coragem para ser tão direta.

Engolindo o último pedaço do pão, Earl levantou-se e puxou-a para perto dele.

— Gosto de mulher desbocada, mas que também conheça seu lugar. E já está mais do que na hora de eu lhe mostrar onde é o seu lugar — acrescentou, com os olhos semicerrados e o queixo contraído.

— Earl, por favor, não! — gritou Grace, assustada, pensando que ele fosse agredi-la. A lembrança dos ataques de seu pai a fez estremecer.

Mas Earl só puxou-a mais para perto e cobriu-lhe os lábios com' a boca.

O beijo pegou Grace de surpresa. Fazia semanas que ansiava pelas carícias de Earl embora soubesse que Duke não aprovaria. Mas ele ainda estava dormindo depois de passar a noite em claro com alguns de seus homens, guardando a dança de tribo de Kulalang num lugar qualquer da fazenda.

— Gracie, eu a quero demais — murmurou Earl quando o beijo finalmente terminou. — Mas tenho de ser fiel ao meu sonho.

Grace, que respondera à carícia com igual ardor, afastou-se um pouco para fitá-lo nos olhos.

— Você pensa que eu não tenho sonhos também, Earl? E saiba que amar alguém com um gênio como o seu alguém sempre pronto a comprar uma briga, certamente não é um deles!

— Amar? Você…— Só vou amar o homem que gostar de mim o bastante para se

casar comigo e Duke logo vai encontrar a pessoa certa.— E quanto mais cedo melhor, pelo que estou vendo. — A voz

severa veio da porta. Duke entrou e encarou Earl. O rapaz soltou Grace e deu um passo para trás.

— E por que você mesmo não casa com a srta. Buck, irmãozinho? — zombou. — O velho anda ansioso por ver alguns molequinhos bagunçando a casa.

— Não estamos falando de mim, Earl, porque…— Porque, se estivéssemos, teríamos de conversar com a ruiva

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“raça pura” com quem você tem andado por aí.— Pare com isso. Só vim aqui para dizer a Grace que gostaria

de alguma coisa para comer e avisar que pretendo apresentá-la a vários rapazes com bons ofícios e temperamento calmo durante o baile do governador. E, para facilitar isso, seria melhor eu levá-la, e não você.

Earl passou à frente de Grace e enfrentou o irmão. A moça apressou-se a arrumar a bandeja para Duke, mas seus olhos não abandonaram os dois homens.

— Eu a convidei e ela já o aceitou, não é Gracie? — perguntou Earl, por cima do ombro.

Grace olhou para Duke antes de responder. Devia muito a ele, considerava-o seu salvador. No entanto, era Earl que ela amava.

— Eu já prometi a Earl que iria com ele e é isso que gostaria de fazer, com sua permissão. — Ela dirigiu-se a Duke, mas seu olhar estava preso ao de Earl. — Mas, ainda assim, posso conhecer os rapazes, não é? E seria a última vez que eu sairia com Earl. Afinal, ele está mesmo decidido a ir buscar uma moça na Fábrica antes de vocês dois partirem para o oeste no outono.

Grace esperava ver um ar de triunfo no rosto de Earl por ela ter tomado seu partido contra Duke. No entanto, para sua surpresa, notou que ele estava um tanto abalado. Earl só balançou a cabeça e saiu da cozinha.

— Grace, espero que você saiba o que está fazendo com meu irmão — disse Duke. — Quando se atiça demais um carneiro bravo, ele acaba atacando e é capaz de derrubar tudo o que encontra no caminho. Especialmente se for para pegar uma ovelha…

— Compreendo Duke. Mas diga-me… foi a perda da mãe que deixou Earl assim tão amargo, não é? — A pergunta saiu antes de Grace pensar se teria coragem de fazê-la.

— Talvez. Mas creio que o motivo de toda essa fúria represada foi a atitude de nosso pai quando ela morreu. O velho não soube expressar sua dor. Saiu cedo para o trabalho, como se fosse um dia normal. Eu entendi que ele usou o esforço físico para se aliviar, mas Earl era muito jovem e ficou com a impressão de que o velho nem se incomodou com a perda. Não posso dizer com certeza, mas penso que meu irmão enfiou na cabeça que o velho tinha vergonha de nossa mãe por ela ser uma das mulheres da Fábrica. Grace ficou pensativa por um instante e depois disse:

— Earl não é só músculo e mau gênio, Duke. Creio que você devia pedir a opinião dele mais vezes, apesar de você ser o mais esperto e com melhor conversa. O que estou querendo dizer é que nem alguém tão inteligente como você é capaz de entender todos seus sentimentos e decidir com certeza o que deve fazer.

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Os olhos de Duke se estreitaram e ele desviou o olhar, surpreso por Grace ter praticamente lido sua mente e também ter lhe dado uma indicação de como poderia entrar em melhor contato com Earl.

— Às vezes não me sinto tão esperto assim, Grace — disse, e pegou a bandeja para levá-la para a casa. Ao chegar à porta, olhou para trás. — Tenho de ir a Sidney a negócios e ficarei lá até amanhã. Não estarei aqui à noite e você sabe que Squire dorme cedo. Portanto, cuidado com Earl, entendeu?

Grace sorriu e balançou a cabeça. Ficou vendo-o se afastar na direção da casa com a bandeja onde havia pão e chá ingleses, e manteiga e mel de Nova Gales do Sul.

Duke atravessou a pequena varanda da casa de Cumberland Street, em Sidney, e bateu na porta. Há anos tinha conhecimento do local onde Phillip Godfrey-Bennett instalava suas amantes, e nunca pensara em ir ate lá. Mas a moça que o herdeiro dos Godfrey-Bennett estava mantendo ultimamente era de uma família que conhecia bem. Seu pai, Charles Collister, trabalhava como supervisor no armazém do porto onde a lã dos Braden ficava guardada até ser enviada para as fábricas inglesas.

Ele bateu de novo, esperando que Catherine Collister, apelidada Catty, estivesse sozinha. Fora informado que às vezes havia por ali algum guarda de The Grange. Poucas semanas atrás, Collister lhe dera a entender que sua filha não vivia feliz apesar da carruagem, roupas e dinheiro que tinha, e do prestígio um tanto distorcido conferido pela sua posição de amante oficial de um “seleto”. Isso lhe dera a idéia de convidá-la para o baile do governador. Lá ela ficaria orgulhosamente ao lado de membros de sua própria classe, num desafio aos hipócritas “seletos”, que diziam odiar os “miúdos”, mas escolhiam suas amantes entre eles e as mantinham escondidas da sociedade.

Duke tentou ver o interior da casa através das cortinas de renda. Nenhum movimento. Bateu de novo, pensando que as moças de sua classe acabavam levando a pior na disputa que havia na colônia. Dada à vida difícil que levavam os “miúdos” por falta de melhores oportunidades, elas se tornavam uma presa fácil para canalhas endinheirados como Phillip.

Deu mais uma batida na porta e depois virou-se para descer as escadas. Obviamente Catty não se encontrava em casa. No entanto, mal chegara ao último degrau quando ouviu a porta se abrir. Olhou para trás, esperando encontrar uma criada, mas era Catty, olhando-o pela fresta. Tinha os cabelos soltos. Estava vestida, mas parecia desarrumada.

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— Você insistiu tanto… — disse ela. — Então entre. Duke entrou e viu-se num pequenino hall onde havia uma cadeira, um espelho e dois lampiões de bronze. Catty fechou a porta e encostou-se nela. Foi então que ele notou os hematomas no seu rosto e as olheiras fundas sob os olhos injetados que a faziam parecer velha e abatida.

— Catty, o que aconteceu?— Não quero explicar. Por que você veio aqui?Ela continuava na porta, como se não tivesse forças para se

mexer. Duke lembrava-se dela como uma mocinha linda, sempre sorridente. Ao voltar da Inglaterra, ficara muito aborrecido ao saber o nome do homem que a tomara sob seus “cuidados”.

— Se ele bate em você, e mesmo que não bata, devia largar dele.

' — Ouça, Duke, sei que existe um clima muito ruim entre vocês dois. Aliás, todos sabem. Mas não o ponha em encrencas. — As palavras saíram num tom monótono.

— É você que está numa encrenca, não ele.Catty cruzou os braços e apertou-os com força contra o peito.

Duke não teve coragem de lhe contar o motivo de sua visita. Se Phillip já chegara a esse ponto com ela, o que faria se Catty o traísse, comparecendo ao baile com os “miúdos”?

— Olhe, Catty, não vim para deixá-la nervosa. Lembre-se que seus pais a querem de volta e a amam.

— Amam! Oh, claro, quando têm tempo para mim. Eu queria amor e houve amor entre nós por algum tempo. Agora ele vive querendo brincar de lutar. Exige que eu o agrida, depois me força e continua a me bater… — A torrente de palavras dissolveu-se num soluço estrangulado. Ela cambaleou e teria caído se Duke não a amparasse.

— Catty, você tem de deixar esse homem. Junte algumas coisas e eu a levarei para a casa de seus pais agora mesmo!

Ela sacudiu a cabeça num gesto quase selvagem.— Phillip disse que não poderei levar nem um alfinete desta

casa se sair sem o seu consentimento.— Você pode levar sua independência e seu orgulho!— Orgulho! — Ela cuspiu a palavra. — Depois de tudo isto?

Depois de Phillip Godfrey-Bennett? Quem de nossa gente quererá ser visto comigo? — Catty meio riu, meio soluçou. Aceitou o lenço que Duke lhe ofereceu e tampou a boca com ele, como se estivesse sufocando.

— Catty, eu vim para convidá-la para ir conosco ao baile do governador. Conheço vários rapazes que teriam orgulho em vê-la do nosso lado. Mas você sabe que vai haver um confronto público e

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Phillip, com toda a certeza, estará lá. — Ele suspirou. — Pensando bem, talvez tenha sido uma idéia maluca a minha. — Depois ajudou Catty a sentar-se na cadeira. — Acho que cometi um erro vindo aqui. Mas agora, por favor, deixe-me levá-la para a casa de seus pais.

— E o que eu vou ter lá? Oito crianças, três cômodos…— Catty ainda soluçava. — Pensei que fosse ter uma vida

melhor. Ele me prometeu coisas bonitas, carinho. Tudo ia bem, mas ultimamente Phillip está muito estranho. Parece que não gosta mais de mim e só quer que eu finja ser outra mulher. Vive dizendo que gostaria que eu falasse o inglês dos seletos e que tivesse cabelos ruivos…

— O quê? — Duke falou num tom tão áspero que Catty estremeceu.

Estaria Phillip querendo que a pobre moça o ajudasse a fingir que ele estava agredindo e possuindo Abigail? Sabia que o sujeito era perigoso, mas imaginara que ela estaria a salvo de seus avanços devido ao parentesco com seus pais.

— Pelo amor de Deus, não me olhe com tanta raiva — disse Catty sem imaginar porque Duke ficara tão sombrio.

— É uma situação muito esquisita. Mesmo quando faço direitinho tudo o que ele quer, Phillip continua irritado e, depois que me usa…

Duke deu-lhe umas palmadinhas no ombro. Se Phillip Godfrey-Bennett estivesse ali, tê-lo-ia matado. Ficou na casa mais alguns minutos tentando persuadir Catty a voltar para seus pais, mas ela se manteve irredutível. Vendo que seria inútil insistir, despediu-se, preocupado, sabendo que teria de encontrar um meio de ajudá-la. Mais do que isso, precisava pôr um paradeiro no maníaco Phillip Godfrey-Bennett.

Ele continuava acreditando que Abby, morando com seus parentes, estava em segurança, mas lhe repugnava a idéia de ela viver perto de um homem com mente tão pervertida. Com toda a certeza fora Phillip quem dera ordem para alguém segui-la. Gostaria de alertá-la, mas, para isso, teria de revelar o que Catty lhe contara, o que poderia significar um grande perigo para a pobre moça.

— Maldito Godfrey-Bennett — resmungou, enquanto caminhava para as docas. — Eu acabarei com ele nem que seja a última coisa que faça!

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CAPÍTULO IX

A carruagem dos Godfrey-Bennett parou diante do palácio do governo, feericamente iluminado para o baile em honra do aniversário do rei. Bem, pensou Abigail para se animar, mesmo que a nata da cidade insistisse em fingir que ali era a Inglaterra, naquela noite ela estava decidida a se concentrar nos problemas de Nova Gales do Sul. Pronta para a batalha, sorriu de leve para Phillip quando ele lhe deu a mão para ajudá-la a descer. Seu plano era manter-se sempre ao lado do primo. Se ele tentasse envenenar o governador contra os aborígenes e os “miúdos”, não perderia um segundo para contestá-lo à altura.

Quando começou a caminhar para a porta, muitas damas começaram a murmurar sobre a “encantadora moda inglesa”. Escolhera para a ocasião seu melhor vestido de noite, feito de seda cor de esmeralda, com bordados na saia e no corpete. O decote largo expunha seus ombros e as mangas bufantes, terminando nos cotovelos, realçavam-lhe as linhas graciosas do colo. O traje era completado com luvas de camurça branca, que protegeriam adequadamente suas mãos e braços durante as danças. Como adorno usava apenas os brincos com pérolas e esmeraldas em pingente que herdara da mãe e uma tiara de filigrana de ouro enfeitando os cabelos num coque alto. Da tiara saía uma delicada correntinha, da qual pendia uma grande pérola presa a uma esmeralda, ornamentando graciosamente sua testa. O conjunto lhe dava uma aparência um tanto exótica e realçava os tons esverdeados de seus olhos.

Enquanto caminhava pelo salão sob olhares de admiração, Abigail lembrou-se de como Duke costumava brincar por ela “usar tanta coisa” e imaginou o que iria pensar ou dizer quando a visse.

— Abigail, estou esperando a primeira dança… e todas as outras — disse Phillip, interrompendo seus pensamentos.

— Talvez a primeira — respondeu ela de má vontade, olhando em volta.

Estavam entrando na grande câmara do conselho que fora transformada em salão de baile. Lampiões e candelabros lançavam uma luz amarelada que valorizava os arranjos de flores de seda e ramagens naturais. Havia cadeiras encostadas em três das paredes e as grandes mesas do bufê, com toalhas de linho e candelabros de prata, ocupavam o quarto lado. Vendo duas orquestras, uma em

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cada ponta do salão, Abigail achou que aquela era uma idéia interessante, pois a música nunca pararia.

Ela estava com a mão no braço de Phillip, esperando encontrar-se com o governador o mais rápido possível. Não tinha como escapar disso, mas não pretendia ser a parceira do primo em todas as danças. Se Duke ficara furioso por vê-la passeando de braços dados com Phillip, como reagiria ao avistá-la dançando com ele? Se conseguisse contemporizar até falar com o governador, dificilmente Phillip quereria sua companhia depois de ouvir suas palavras!

— Antes de dançar, eu gostaria ver melhor o salão. O bufê está muito bonito.

— Naturalmente, minha cara. Tudo o que seu coração quiser.A resposta quase fez o estômago de Abigail se revoltar contra a

variedade de pratos que via à sua frente. A mesa não deixava nada a desejar quando comparada com as que ela vira na Inglaterra. Salgados e doces de todos os tipos, ponche de frutas e vinho branco.

Ela só gostaria de algo fresco para beber, mas precisava ganhar tempo antes de dançar com Phillip. Enquanto ele preparava dois pratos, tentou ver se Duke já chegara.

— Aqui está querida — disse Phillip, entregando-lhe o prato. — Experimente o ganso.

— Ganso? Que prato tão inglês! — sorriu Abigail, e começou a comer de má vontade, ainda olhando para o salão. — E onde está sir Richard Bourke?

— Estou contente por saber que é ele quem você está procurando. — Phillip fez um ar de zombaria e tirou-lhe o prato das mãos. — Eu o apresentarei a você, depois da primeira de nossas muitas danças.

Vendo que não podia mais contemporizar, ela aceitou o braço do primo e foi levada ao centro do salão, onde os casais se preparavam para a quadrilha.

Onde estava o governador? Onde estava Duke? Tentando controlar seu nojo diante do toque de Phillip, observou:

— Que boa idéia usarem duas orquestras para a música nunca parar.

Phillip riu enquanto eles se posicionavam junto de três casais.— A que fica naquela ponta é só para os miúdos, Abigail —

explicou em voz baixa. — O bufê deles também está lá. Os dois grupos se manterão separados, só o governador e a primeira dama irão de um para o outro. Vejo que Bourke infelizmente já está com essa gentinha. Vão encher a cabeça dele de bobagens. Mas se ele sabe o que é melhor para si próprio e para a colônia, passará a

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maior parte do tempo deste lado.A música começou, mas Abigail ficou parada. Incrível! Mesmo

sob as vistas do governador, mantinha-se a odiosa separação social. Não era de admirar que Duke tivesse tanta raiva e a ânsia de mudar tudo isso. Ela afastou-se de Phillip, que já estava com as mãos em sua cintura para os primeiros passos. Surpreso, ele segurou-a pelo pulso e puxou-a. Abigail desvencilhou-se com um movimento brusco e foi para o lado do salão.

— Com todos os diabos! — reclamou Phillip, seguindo-a.— É abominável! Duas orquestras! Meu Deus, isso é ridículo.— Claro que é! — concordou ele, puxando-a para trás de um

vaso grande, com algumas palmeiras, para terem um pouco de privacidade. — Se não tivéssemos um governador molenga, que fica dando ouvidos a gente da laia dos Braden, não precisaríamos passar por isso. Os miúdos nem estariam aqui!

— Não posso mais ficar aqui. É insuportável!— Comporte-se, Abigail! Se mamãe ficar sabendo de sua

atitude intempestiva, vai cair de cama de novo.— Eu…Abigail, olhando por cima do ombro de Phillip, viu Duke entrar,

acompanhado de Earl e Grace. Ia empurrar o primo para correr para eles quando notou que Duke estava de braços dados com uma moça loira, de traços delicados. Seu coração quase parou.

Vendo a expressão chocada em seu rosto, Phillip virou-se para trás.

— Cadelinha maldita! — praguejou. — Vou matá-la por isso e a ele também! — E, com passos rápidos, afastou-se para onde estavam seus pais, esquecendo-se de Abigail.

Ela sentia-se feliz por ver Duke, mas tinha o coração apertado. Lembrou-se do que Squire lhe dissera em sua primeira visita a Dorset Downs, que ela não parecia com as amigas que seu filho tinha na cidade. Como pudera ser tão cega? Claro que um número enorme de mulheres devia adorá-lo e ele, como o irmão, quereria se casar com alguém da própria classe.

— Não — disse baixinho. — Não! — Era errado pensar em alguém como sendo da “classe” de Duke. Isso a fazia igual aos orgulhosos e pedantes “seletos”. Ela, como a mulher que o acompanhava, podia ser a esposa de Duke. Ela queria seu amor e aprovação e faria tudo para conseguir!

Ficou observando enquanto o grupinho liderado por Duke e Earl abria caminho por entre os “seletos”, indo para a outra extremidade do salão. Por um instante pensou que fossem desafiar as convenções, juntando-se à quadrilha que estava em curso, mas eles não pararam. Os “seletos” recuavam, como se estivessem se

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afastando de párias. Abigail viu Duke parar para falar com um homem calvo, acompanhado de uma senhora gordinha, que já notara conversando com outras pessoas, e achou que só poderia ser o governador.

E então, num gesto decidido, Abigail Anne Rosemont atravessou o salão, dirigindo-se para o grupo liderado pelos Braden. Mesmo desacompanhada, ia falar com o governador, fossem quais fossem as conseqüências. Pretendia mostrar a Nova Gales do Sul o que pensava sobre duas orquestras e a implicação decorrente desse absurdo.

Grace foi a primeira a vê-la. Sorriu satisfeita, como pronta a ir ao seu encontro, mas logo se conteve, lembrando-se do que lhe fora recomendado. Abigail chegou perto dela e beijou-a na face, do mesmo modo como as mulheres dos “seletos” se cumprimentavam. Earl sorriu e Duke franziu levemente o cenho.

— Estou muito feliz em reencontrar meus companheiros de viagem — declarou Abigail num tom bem alto, momentaneamente ignorando a moça no braço de Duke. — Que linda festa — acrescentou, com um aceno de cabeça para o governador. — Seria perfeita se não fosse essa separação forçada de pessoas que deveriam estar unidas e trabalhando ombro a ombro pelo progresso da colônia.

Pela primeira vez naquela noite, os olhos de Abigail e Duke se encontraram. Havia um brilho de orgulho nos dele. Apesar de estar de braços dados com a loira, ele estendeu a mão direita e apertou de leve a de Abigail.

— Lady Abigail, gostaria de apresentá-la ao nosso governador, sir Richard Bourke, e sua senhora — disse em seguida. — Senhor, madame, quero apresentar-lhes lady Abigail Rosemont.

Houve em seguida uma série de apresentações formais. Abigail ficou sabendo que o nome da loira era Catherine Collister, sendo chamada de Catty pelos mais íntimos.

— Já li e ouvi sobre a senhorita — comentou o governador, lançando um olhar de admiração para Abigail. — Pelo que me lembro, meu pai dava-se com seu avô, lorde Sinton. Quer dizer então que a senhorita pensa que existe uma separação pouco natural aqui, nesta noite? — Ele olhou para o salão à sua volta. — Agradeço-lhe por ter vindo, como também agradeço a presença dos irmãos Braden. Nós dois estamos tentando mudar as coisas para o futuro, não é, Duke?

— Estão pensando também numa melhoria de vida para os aborígenes e igualdade de direitos para os posseiros? — perguntou Abigail ousadamente.

— Ora, ora — observou o governador, achando graça.124

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— Ninguém me contou que ela era uma agitadora — acrescentou, fingindo que sussurrava para Duke.

— Talvez ninguém soubesse — respondeu Duke, enquanto o governador lhes dava novamente as boas vindas e afastava-se para outro grupo. Depois, virando-se para Abigail, acrescentou: — Acho que seria melhor você não se envolver tanto, apesar de eu apreciar seu apoio. E enquanto o governador e a primeira-dama estiveram aqui, sua presença não despertou muitos comentários, mas se você permanecer conosco será acusada de uma grave quebra de convenções.

— Nunca imaginei que você fosse um covarde — ela o desafiou.

— Mas eu sempre soube que você adora riscos. Olhe Abigail, prometi ao governador que não haverá discórdia esta noite. Além disso, ele me prometeu que vai instituir um sistema de licenciamento para os posseiros. Eles receberão uma espécie de arrendamento do governo das terras a oeste das montanhas e poderão pagá-lo quando estiverem com as fazendas já bem desenvolvidas. Isso será um grande golpe para os que pensam que têm direitos divinos sobre aquela região.

— Como os Godfrey-Bennett — disse Earl. — Por que não me contou Duke? Era algo assim que eu estava esperando para colocar alguns planos em andamento! — Grace, que estava ao lado dele, abaixou o olhar e mordeu o lábio, decepcionada.

— Você está linda com essa pérola na testa. Faz-me lembrar de um retrato de uma princesa hindu que vi em Londres — elogiou Duke, dirigindo-se a Abigail.

Sua voz e seu rosto tinham ficado muito ternos. Era como se os dois estivessem sozinhos no imenso salão. Se ele a estava elogiando na frente da moça chamada Catty, pensou Abigail, não podia ter algo mais sério com ela.

— Mas é melhor você voltar rápido para seus parentes — prosseguiu Duke, quebrando o encantamento —, ou, acredite-me ou não, eles jamais a receberão de novo!

— Não me importo com isso. Cheguei a um ponto onde devo tomar uma posição!

— Eles a expulsarão daqui, Abby.— Nunca!De repente, Earl virou-se para o irmão:— E então, Duke, vamos em frente? Você pode ficar com

Abigail se eu encontrar alguém para Catty. Que tal?— O que vocês vão fazer? — indagou Abigail.— Não! — disse Duke, ignorando-a. — Dançar conosco seria

um suicídio social para ela.125

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— Duke Braden, não queira mandar em mim! — protestou Abigail.

— Você é um idiota se recuar agora — disse Earl ao irmão, e afastou-se com Grace, deixando Duke, Catty e Abigail no meio do salão.

,Duke explicou que eles tinham planejado dançar na metade do salão reservada para os “seletos” como uma forma de protesto. Abigail lançou um olhar à sua volta, começando a se dar conta do preço que pagaria pelo seu desafio. Muitas pessoas a fitavam e tentavam apontá-la discretamente. A lembrança do velho pesadelo acorreu à sua mente, mas ela a ignorou. Que todos olhassem! Estava protestando por coisas em que acreditava e junto com o homem que amava.

Abigail prendeu a respiração ao ver Phillip e Godfrey se aproximando rapidamente, com expressões de fúria no rosto.

— Sua vagabunda sem vergonha! — insultou Phillip, dirigindo-se a Catty, que recuou, apavorada. — Eu devia…

— Já disse que não quero confusão aqui! — interrompeu Griffin, e depois virou-se para Abigail. — Minha cara prima, exigimos que você abandone essa companhia e venha ficar conosco. A Sra. Godfrey-Bennett vai ficar doente…

— Espero que não — disse Abigail, com sinceridade. — Mas sou eu que estou ficando doente com o tratamento desigual que é dado aos “miúdos” e aborígenes. Não suporto mais e…

— Eu acabarei com vocês dois… com todos vocês, por essa ofensa! — rosnou Phillip, por entre os dentes.'— Você se aproveitou da situação, Braden, porque sabia que um cavalheiro não poderia protestar em público!

— Venha, Abigail. Agora! — ordenou Griffin.— Pedi a Abigail que me conceda a próxima dança — interferiu

Duke. — Agora só depende dela.Phillip parecia a ponto de estrangulá-la. Lançando um olhar

para Duke, Abigail viu que ele estava com os punhos cerrados e o corpo tenso, preparado para um confronto.

— Eu aceitei o convite do sr. Braden — disse, dirigindo-se para Griffin, sem se atrever a olhar para Phillip de novo. — Será apenas uma dança para mostrar a todos que não deve haver separações nesta terra!

Phillip parecia à beira de um ataque. Abigail teve a impressão de que ele gostaria de arrastá-la pelo salão. Griffin conteve o filho com o braço.

— Existem outros meios — murmurou para Phillip, puxando-o do centro do salão.

Earl voltou com um parceiro para Catty e um outro casal. O 126

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rosto de Abigail abriu-se num sorriso ao reconhecer Beth Anne Clare, uma das noivas.

— Que bom vê-la de novo! — exclamou, abraçando-a. Beth Anne apresentou seu marido. Um outro rapaz ofereceu o braço a Catty.

O pequeno grupo foi para a outra extremidade do salão e colocou-se em posição para a quadrilha. A orquestra dos “seletos” recusou-se a tocar. Depois de alguns instantes de tensão, a orquestra dos “miúdos”, mais distante, começou a música. Pessoas dos “miúdos” começaram a se aproximar, sorrindo e aplaudindo, enquanto os “seletos” olhavam feio e até vaiavam. Quando se abaixou fazendo a cortesia diante da mesura de Duke, Abigail viu que só seu quarteto estava começando a dançar!

Todos os olhares os seguiam. Earl dançava com surpreendente graça, pensou Abigail. Grace parecia triste e alegre ao mesmo tempo. Beth Anne usava o chapéu azul que ganhara dela, embora estivesse totalmente fora de lugar no salão de baile.

Tire da cabeça todos os pensamentos sobre o que é certo ou errado esta noite, admoestou-se Abigail. Estava dançando em público com o homem que amava, arriscando sua reputação como nunca, e nunca se sentira tão feliz! Talvez se arrependesse no dia seguinte, mas nada importava agora. Olhou para a moça loira, que dançava com grande graça. Quem seria essa Catty que Duke, de alguma forma, parecia ter tirado de Phillip?

Ela tentou conversar com Duke entre os rodopios. —, Quero que você saiba que não fui eu quem avisou Phillip sobre o corroboree.

— Nem pensei nisso. Foi o vento que mudou de direção de repente e levou o som para os lados de The Grange. Meus guardas conseguiram avisar os Badajong a tempo.

— Essa Catty … — começou Abigail, meio temerosa de ouvir a resposta para sua pergunta. — O que ela é para você e Phillip?

— Eu conheço a família dela há muito tempo. Abby, você tem de se manter longe de Phillip, ele é mais violento e brutal do que se pode imaginar. Catty é a amante que seu primo mantém na cidade e…

Abigail errou um passo, mas a mão firme de Duke a impediu de tropeçar. Não era de admirar que seu primo passasse tanto tempo na cidade. Sentiu pena da moça.

— Ouça, Abby, Catty deixou Phillip e nós vamos protegê-la. Ela vai ter de morar num lugar onde seu primo não possa encontrá-la. Será uma situação perigosa e não quero ver você envolvida nela. Foi por isso que tentei afastá-la de nós. Mas agora estou contente por você ter insistido. Nunca me senti mais feliz ou orgulhoso!

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Abigail experimentou tal alegria que teria sido capaz de voar. Duke a amava! E, depois desse baile, a amizade que os unia tornara-se pública. Quando ele a pedisse em casamento, tornaria público seu amor também! E ela o ajudaria ao longo dos anos, como fizera um pouco antes ao conversar com o governador…

Mas cedo demais a música e sua enorme autoconfiança terminaram.

— Bem, já fizemos nosso protesto — disse Duke, e acrescentou abruptamente: — Vamos embora.

— Eu devo ir junto? — perguntou Abigail, ainda de braços dados com ele. Naquele instante teria ido a qualquer lugar, mandando às favas a sociedade e as convenções.

O grupinho rebelde voltou à extremidade do salão reservado para os “miúdos”.

— Você não pode vir conosco — respondeu Duke. — Vamos esconder Catty no interior, agora que ela nos ajudou a pôr seu precioso Phillip no devido lugar.

— Meu Phillip? Ele não…A voz alta de Grace interrompeu Abigail. Ela se dirigia a Earl.— Se é assim que você se sente, esqueça qualquer coisa entre

nós. Se ainda quer uma mulher condenada, vá buscá-la e aproveite para ir para o inferno!

Earl virou-se para Duke.— Você lhe disse que eu teria de me casar com ela se nós

dançássemos em público?— Não, Earl — respondeu Duke calmamente. — Falei que se

você gostava dela a ponto de convidá-la para o baile, seria um tolo em não se casar com ela. Agora o jornal e todos aqui acabarão com a reputação de Grace. Você não quis que eu a trouxesse. Se não dá a mínima importância para ela, vá até a Fábrica e…

— E vou mesmo, droga! Vocês dois tentaram me enganar. E olhe só quem está falando sobre arruinar a reputação de uma mulher — gritou Earl, apontando Abigail. — Olhe aqui, Duke, eu tenho minhas metas e sonhos, não tente mudá-los!

Grace puxou-o pelo braço, afastando-o de Duke.— Não implique com seu irmão, Earl Braden. Estou contente

por isso ter acontecido, porque significa o fim. Foi burrice minha me impressionar com um bruto egoísta quando estou cansada de saber como eles agem! — Depois, aproximando-se de Duke, acrescentou: — Se você não se importar vou continuar aqui no baile com o cavalheiro que você convidou para me conhecer, o sr. Melvin Mott. Ele, pelo menos, é atencioso e quer mesmo encontrar uma moça carinhosa para ser sua esposa. — Ela deu meia-volta e saiu marchando na direção do sr. Mott.

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Earl afastou-se resmungando. Catty veio ficar perto de Duke.— Duke — disse Abigail —, não posso voltar para eles.— Eu não posso escondê-la numa fazendola como vou fazer

com Catty — murmurou ele, sem enfrentar-lhe o olhar. — Você está em segurança com o casal Godfrey-Bennett. Eles servirão como proteção contra Phillip até você decidir o que quer fazer.

— Mas depois disto — Abigail fez um gesto mostrando o salão — eles nunca me deixarão sair para vê-lo!

— É melhor assim, Abby — ponderou Duke em tom baixo, falando só para ela. — Você corre perigo quando vai me visitar. Nos dois corremos perigo. Devido ao que quase aconteceu na última vez… '

— Você é igualzinho a Earl! Você me usou, como ele fez com Grace, para protestar…

— Abby, aqui não é o lugar… — Duke tentava controlar a voz. Catty esperava por ele, muda. — Nós… não daria certo. É para seu próprio bem, creia-me…

— Não! Você fala dos seletos, mas é tão preconceituoso quanto eles! Nunca mais acreditarei em você!

Com as faces em fogo, Abigail caminhou para a outra extremidade do salão. Serviu-se de um copo de ponche enquanto olhares e murmúrios indignados como que a apunhalavam. Maldito Duke Braden! Maldita Austrália! Ela lhe dera seu amor e fora rejeitada. Jogara sua reputação na lama por ele! O escândalo e os mexericos iam persegui-la novamente, mas agora não tinha uma Fairleigh para se esconder, nem o ombro de Janet para chorar nele.

Ela estremeceu ao ouvir uma voz masculina chamando-a. Ao virar-se, viu Griffin Godfrey-Bennett.

— É melhor irmos embora agora. Phillip já foi há bastante tempo. Garnet está com dor de cabeça.

— Sim, claro, eu também estou com dor de cabeça — disse Abigail, não ousando enfrentar o olhar de Griffin. — Você tem certeza de que ainda deseja me levar para sua casa?

— É a vontade de Garnet. — O rosto de Griffin estava duro e sombrio. — Parece que ela não dispensa sua companhia quando está acamada. Por Garnet, sim, venha para casa conosco.

Caminhando rigidamente ao lado de Griffin, Abigail atravessou de cabeça erguida o salão e o comprido hall para tomar a carruagem onde Garnet já os esperava. Para casa, dissera seu primo, mas The Grange não era sua casa e nunca seria. Onde haveria um lar para ela depois da rejeição e abandono pelo segundo homem em quem confiara, pensando amar? Um lar, disse a si mesma, enquanto endireitava os ombros, subindo na

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carruagem, é um lugar onde eu e H.M. viveremos. Agora só lhe restava um cachorrinho para amar. Sua vitória se transformara em pó. Ela mordeu o lábio com força para não chorar. Garnet Godfrey-Bennett deu-lhe algumas palmadinhas na mão como se quisesse consolá-la enquanto a carruagem se afastava do palácio do governo e de suas luzes.

No dia seguinte, Abigail resolveu permanecer fechada no quarto. No entanto, quando Sally a informou de que o “patrãozinho” não voltara de Sidney e não era esperado por vários dias, ela se aventurou a levar H.M. para um passeio pelo gramado que ficava entre a casa e a cocheira. Não agüentava mais ficar no quarto, precisava de ar fresco para pensar melhor. Pensar… Era o que estivera fazendo desde a noite anterior, mas ainda não conseguira chegar a uma conclusão sobre sua situação com Duke.

Sentia, em sã consciência, que não poderia mais ficar em The Grange. Insultara seus primos e os amigos da família ao desdenhar das crenças deles. Sua reputação, de início muito em alta pelo fato de ser inglesa, estava completamente maculada.

Já enfrentara circunstâncias parecidas antes, quando era jovem e tola, e sobrevivera. Mas na época fora magoada por um homem egoísta e frívolo, indigno de seu sofrimento. Agora, não tão jovem e talvez não tão tola, estava sofrendo por um homem a quem amava muito. Queria Duke, apesar dos mundos diferentes em que viviam.

Abigail suspirou. Parou de andar e olhou para o oeste. As montanhas Blue pareciam chamá-la. Era como se pudesse sentir o aroma das florestas de eucaliptos que as cobriam. Pouco a pouco foi sentindo a raiva substituir a mágoa.

Como Duke pudera descartá-la de maneira tão cruel! Como se atrevera a rejeitar sua oferta de manter-se ao lado dele, oferta feita em público? Como pudera agir daquela maneira depois do que tinham compartilhado no pequeno vale? Diante da lembrança, sua fúria tornou-se frustração. Guardava como um tesouro cada palavra, cada toque que haviam trocado. Gostaria de voltar a Dorset Downs, mas sabia que jamais conseguiria pôr os pés naquelas terras sem ser vigiada. E desta vez talvez Kulalang não estivesse por perto para atirar seu bumerangue. Pior ainda, os homens de Phillip poderiam matá-lo. Não, seria arriscado demais tentar visitar os Braden e Grace enquanto vivesse em The Grange.

Já que sua reputação estava em ruínas, talvez devesse alugar uma casa em Sidney. Recusava-se terminantemente a aceitar a possibilidade de tomar um navio para a Inglaterra. Ainda não se considerava derrotada! Morando em Sidney, arranjaria alguém para ir falar com Grace e lhe pediria para ser sua dama de

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companhia. Grace também fora rejeitada por um Braden. Ficaria na Austrália o tempo necessário para decidir se e quando deveria voltar para a Inglaterra. Durante esse período, tentaria lutar pelas causas em que passara a acreditar. Talvez oferecesse moradia para o próximo lote de noivas até elas encontrarem mandos de sua própria escolha.

— Abigail, Abigail!Ela virou-se, surpresa, e depois juntou as saias para correr até

a casa. Garnet estava na varanda, chamando-a. Devia haver algo de errado para ela estar fora do quarto. Talvez estivesse se sentindo mal.

— O que foi? Você está bem?— Sim, querida, sim. Fiquei assustada quando vi seu quarto

vazio. Venha tomar uma xícara de chá comigo.Abigail surpreendeu-se ao ver que não havia nenhum criado na

sala de visitas, apesar da mesa já estar posta.— Mandei Lottie tirar um cochilo para não sermos perturbadas

— explicou Garnet, servindo o chá.Era uma nova Garnet que estava à sua frente, pensou Abigail.

Lottie detestava ser mandada para o quarto à tarde e a avó estava sempre pronta a atender seus caprichos.

— Eu compreendo muito bem seu sofrimento, querida — começou Garnet. Abigail arregalou os olhos. — Ah, vejo que está surpresa. Mas não sou tão velha a ponto de esquecer como são as coisas no auge da juventude.

— Já estou com vinte e seis anos.— Mas não é casada, querida. É o casamento que dá a alguém

experiência nas coisas do coração.— Coisas do coração? — repetiu Abigail, aceitando a xícara. —

Mas eu…— Por favor, só ouça, meu bem. Vi seu rosto enquanto dançava

com aquele homem. Depois me lembrei de como agiu quando chegou aqui. Você estava distraída, mal parecia ouvir o que dizíamos. Ficou o tempo todo lançando olhares pela janela da carruagem, como se quisesse ver alguém nas docas. E, naturalmente, quando notei sua falta de interesse em Phillip, principalmente nestes últimos tempos em que ele vem demonstrando seu afeto, calculei que você tinha entregado seu coração a outra pessoa, talvez errada.

Abigail olhava atônita para a prima. Uma mulher aparentemente frívola, só interessada em moda e sociedade, adivinhara seu segredo.

— Calma, calma, querida. — Garnet deu-lhe umas palmadinhas na mão, como fizera na noite anterior na carruagem. — Agora

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deixe-me lhe contar uma história antes de continuar. Era uma vez uma mocinha inglesa que veio morar em Sidney com a família, quando tinha treze anos. Se você acha que existem poucas mulheres aqui para cada homem, deveria ter visto naquela época! Essa mocinha poderia escolher entre um vasto número de rapazes ricos e bem posicionados e ela teve mesmo muitas propostas de casamento. Mas, acredite ou não, ela se apaixonou por um homem que fora libertado para ser professor particular de seu irmão. Especiais. Era assim que chamávamos os criados com boa instrução. Bem, esse especial cumpria pena por falsificação. Era terrivelmente bonito e sabia seduzir as mulheres. Mulheres que mal haviam completado quinze anos e não conheciam a vida.

— Oh! — exclamou Abigail, antes de perceber que não devia falar.

— Sim. Mas por sorte não aconteceu nada que… que redundasse em ruína. A mocinha, numa mesma manhã em que o especial a estivera beijando, encontrou-o numa posição… bem, numa posição altamente comprometedora com sua irmã mais velha. Ela ficou muito magoada, mas desejou… — a voz aguda de Garnet tornou-se quase doce — durante anos e anos ser aquela que estava nos braços do homem! Decepcionada, a mocinha delatou os dois e eles foram punidos. O especial recebeu um castigo de muitas chibatadas e foi embarcado para a Terra de Van Diemen, para cumprir pena de trabalhos forçados. A irmã nunca mais falou com ela até morrer.

— Sinto muito… por todos. — Abigail pôs a xícara na mesa e torceu as mãos. Já entendera quem era a mocinha.

Mas o relato significaria que Garnet sancionava seus sentimentos por um homem como Duke?

— Sim, foi uma pena as duas mocinhas sofrerem. Mas não teria dado certo para nenhuma delas. Paixões loucas não sobrevivem quando existe tanta diferença social entre os amantes. — Garnet piscou para afastar as lágrimas e recomeçou: — E agora vamos voltar a você, Abigail. Estou satisfeita em ver que compreendeu que Phillip ainda está guardando luto pela sua falecida esposa e não pretende se casar antes de muitos anos…

— Prima, como você pode ser tão arguta num instante e tão cega no outro? Não percebeu que eu não tenho o menor interesse em Phillip?

— Mas eu vejo que ele gosta de você!— Gosta! — Abigail levantou-se de um salto. — Se ele gosta é

da maneira errada, pelos motivos errados. Se Phillip não passasse tanto tempo em Sidney, era para lá que eu mudaria de modo a não impor minha presença sobre você e Griffin.

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— Mas, minha cara jovem, é pura perda de tempo você gostar de Duke Braden. — Desta vez Garnet conseguiu dizer o nome. — Jamais dará certo. Isso foi o que eu quis ilustrar com minha história. Existe um abismo entre vocês dois. Você deve denunciá-lo, e a suas maneiras, publicamente depois do que aconteceu na noite passada. Se tem esperança de que Phillip a veja pelo menos como uma amiga…

— Por favor, compreenda! Não desejo que Phillip participe de minha vida! Você pode amá-lo, mas eu não. Somos completamente diferentes em temperamento, interesses e ética!

Pronto, pensou Abigail, agora está feito. Por mais que tivesse ajudado Garnet quando estava de cama, por mais tempo que tivesse conversado com ela, sem dúvida agora seria expulsa daquela casa. Não lhe restaria escolha senão mudar-se para a cidade e arriscar-se a enfrentar o desagradável comportamento de Phillip.

Mas Garnet Godfrey-Bennett não acabara com seu estoque de surpresas.

— Minha querida, foi um prazer constatar que você está firme em sua decisão de não querer nada com meu Phillip. Venha, sente-se de novo. Quero lhe contar sobre minha amiga, a Sra. Cranbrook. Ela é idosa e viúva e mora numa grande casa à beira-mar, atendida por muitos criados.Tenho certeza de que teria prazer em receber uma hóspede por tempo indeterminado. Ela é quase surda e não liga mais para os falatórios da sociedade, se é que você me entende. O melhor ainda é ela não permite que nenhum homem entre em sua propriedade, e isso inclui Phillip, de modo que você estará a salvo de qualquer admoestação que ele possa querer fazer pela sua atitude da noite passada. Sendo assim, a sociedade também saberá que o vil Duke Braden igualmente não terá como incomodá-la. Você precisa admitir que essa associação nunca daria certo.

Quase sem respiração, Abigail voltou a sentar-se. Agora que a prima se convencera de que ela não queria nada com seu precioso filho, pretendia ser sua aliada. Talvez, na casa da Sra. Cranbrook, ela pudesse contratar Grace e salvar o que restava da reputação da amiga, também. E então, quem sabe, as duas poderiam ir visitar os irmãos Braden.

— Abigail, o que você me diz? — Garnet parecia ansiosa.— Só posso lhe dizer que agradeço muito sua preocupação.

Vejo com toda a certeza que as dores de cabeça não afetaram seu raciocínio.

— Então concorda? Phillip ficará irritadíssimo comigo, claro, mas sei como lidar com ele.

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Abigail mais uma vez agradeceu à anfitriã enquanto pensamentos desencontrados passavam pela sua mente. Depois de tudo o que acontecera, só uma coisa sabia com certeza: Se Duke Braden achava que ia descartá-la depois do que acontecera no baile, devia se preparar para uma surpresa!

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CAPÍTULO X

Dois dias depois, Abigail mudou-se para o palacete em estilo georgiano da Sra. Sarah Cranbrook, situado na praia de Sidney Cove. Cercada por árvores e vastos gramados, e defendida, por uma alta cerca de ferro batido, Cliffside House destacava-se na fileira de elegantes mansões dos ricos e poderosos.

Desconfiando dos homens em geral, a excêntrica viúva não permitia nenhum deles em Cliffside House. A grande criadagem era constituída apenas de mulheres. Algumas amigas, como Garnet Godfrey-Bennett, a visitavam, mas a mulher levava praticamente uma vida de reclusão.

Abigail logo começou a se sentir reclusa também. A única hora em que conversava com alguém, além das criadas, era à tarde, quando tomava chá com sua anfitriã. Mas já estava rouca de tanto gritar na trompa de latão que a Sra. Cranbrook levava constantemente à orelha.

Nos primeiros dias, ocupara-se explorando a propriedade e fazendo planos. Sua suíte de cinco cômodos a agradava, não tanto pelo tamanho e mobília luxuosa, mas principalmente pela vista que tinha das janelas. A casa era construída em torno de um quadrado, e assim, de um lado ela podia ver os jardins internos, onde havia árvores aromáticas e canteiros de flores. Era ali que costumava passear, observando os pássaros e periquitos barulhentos.

No outro lado de sua suíte ficava o mar. Da janela avistava os rochedos e depois uma praia muito branca, onde se quebravam grandes ondas. No primeiro dia de sol, distinguiu pessoas nadando.

— Vi nadadores na água! — gritou para a Sra. Cranbrook durante o chá. — Como vão longe!

— Nadadores? São banhistas públicos. Sim, sim — disse a velha, sacudindo a cabeça. — Minha copeira, Rebecca, esteve lá. Eu lhe passei um bom pito! As ondas ali são muito fortes. Mas essas moças troco miúdo nadam como peixes, igual aos rapazes. As pessoas que entram nessas águas podem ser multadas pela polícia, mas elas não ligam. Antes havia uma área de banhos separada para os miúdos, uma praia de águas mansas situada do outro lado da baía, mas essa gente é teimosa e só quer nadar onde existem ondas fortes. Mais chá, lady Abigail?

Enquanto olhava os banhistas no dia seguinte, Abigail pensou no que a viúva lhe contara. Duke dissera que ia ensiná-la a nadar.

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Sabia que sentiria um grande medo de entrar no mar, mas também sabia que faria tudo para agradá-lo, se estivesse com ele. As ondas ali eram muito fortes, dissera sua anfitriã. No entanto, estava pronta para enfrentar o perigo e o desafio de se tornar parte dessa terra quase selvagem que tanto a atraía. Apoiou a testa no vidro fresco da janela e ficou olhando para os banhistas que cortavam as ondas cheias de espuma.

Tentou limpar a mente de devaneios. Já perdera muito tempo. O que acontecera com Duke e Phillip não ia fazer dela uma reclusa, prisioneira numa casa de luxo, quando tudo à sua volta era livre e selvagem. Sabia o que queria, e quem queria, e chegara a hora de tomar decisões e ir em frente. Ia saltar e aprender a nadar, e não apenas no oceano!

Abigail sentou-se à escrivaninha e redigiu um bilhete para Grace Buck. Naquela mesma tarde mandou duas criadas contratarem um rapaz para cavalgar até Castle Keep. Em seguida, solicitou que uma das carruagens da mansão fosse limpa e preparada para ela usá-la, pois pretendia se movimentar bastante no futuro próximo.

No dia seguinte, Grace Buck veio viver em Cliffside House, como dama de companhia de lady Abigail Rosemont.

— A senhorita salvou meu pescoço. Juro, srta. Abigail! — gritou Grace, enquanto as duas se abraçavam. — Earl estava a ponto de me agarrar e me levar para o mato e o pior era que eu o queria também, o malvado. E durante o tempo todo eu sabia que ele continuava firme na decisão de ir buscar uma noiva na Fábrica. Por que um homem tem de agir assim quando deseja uma mulher que o ama?

— Porque às vezes eles são teimosos e orgulhosos demais para saberem o que é melhor para eles, Grace. Mas isso não significa que não podemos lutar com todas as armas ao nosso alcance!

— Lutar? Bem que eu gostaria, mas Earl, com toda a certeza, me daria uma surra.

— Ele já se atreveu a bater em você?— Não, claro que não. Mas ele tem um gênio…— Ele pode ter gênio forte, mas aposto que nunca tocaria num

fio de cabelo seu, Grace. Já vi o modo como a olha, e não foi raiva o que observei em seu rosto! Penso que temos de lutar pelo que queremos nesta terra e devemos estar dispostas até a enfrentar as ondas, mesmo que haja um pouco de perigo nisso.

— Enfrentar as ondas? Não entendi. — Grace arregalou os olhos. — Mas como vamos enfrentar um sujeito tão teimoso como Earl Braden? E, a propósito, a senhorita e o sr. Duke não estão nadando em nenhum mar de rosas!

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— Veremos! — Abigail lançou um olhar para a janela de onde via a praia. — Primeiro temos de ir à cidade para contratarmos um cocheiro e alguns guardas para a carruagem que acabei de emprestar da viúva. Vamos fazer um pequeno passeio no vale Parramatta e depois veremos!

Porém, dois dias depois, quando as mulheres estavam começando a planejar sua ida à casa dos Braden, receberam uma visita surpresa.

— É uma moça que diz se chamar Catty Collister, lady Rosemont — informou a governanta, Sra. Penrod.

— Faça-a entrar, por favor!Depois de cumprimentos apressados, Catty foi logo dizendo:— Não tenho muito tempo, só quis ver se estava tudo bem com

vocês. Agora estou limpando e cozinhando para o sr. Squire Braden — explicou, no instante em que se sentou. — E, srta. Grace, quero lhe agradecer por ter me deixado esse emprego.

Grace e Abigail trocaram olhares, depois voltaram sua atenção para Catty, que continuou:

— Vim à cidade fazer compras na companhia de quatro homens fortes para tomarem conta de mim, para o caso do sr. Phillip ficar sabendo que estou aqui. Mas estou segura em Castle Keep, apesar de ser perto da propriedade dos Godfrey-Bennett. É tão bom me sentir… bem, limpa de novo, apesar de toda aquela poeira. Acho que vocês me entendem.

— Claro — disse Abigail. — E, conhecendo Phillip, estou contente por você ter se livrado dele, como eu também.

— Sem dúvida! — concordou Catty, balançando a cabeça num gesto sábio. — Bem, mas Duke me mandou para ver como vocês estão passando.

O coração de Abigail deu um salto. Ele se incomodava com seu bem estar!

— E Earl… ele disse alguma coisa? — quis saber Grace, esperançosa.

— Hum… não. Mas ele tem andado uma fera! Grita com todo o mundo, vive resmungando e mais de uma vez esteve a ponto de trocar socos com o irmão.

— Talvez ele esteja nervoso porque se aproxima a hora de ir para oeste — sugeriu Grace, com voz trêmula, com as mãos cruzadas com tanta força que os nós dos dedos ficaram brancos.

— Ou pode ter descoberto que cometeu um grave erro deixando-a partir — disse Abigail, cobrindo as mãos de Grace com a sua. — Penso que, acima de tudo, está com raiva de si mesmo e…

— Olhe, srta. Grace — interrompeu Catty —, depois do que passei com o sr. Phillip, posso afirmar que Earl jamais seria capaz

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de maltratar uma mulher. Espero que eu esteja certa, porque senão a pobre mulher que ele vai buscar amanhã passará um mau pedaço…

— Amanhã? — perguntaram Grace e Abigail em uníssono.— Ele e Duke vão à Fábrica das Mulheres em Parramatta. Essa

é uma outra coisa estranha. Earl teve um trabalho imenso para conseguir a ordem de libertação de uma mulher e depois deixou o documento dobrado num canto. Ontem ele me pediu para passar o papel, como se fosse um lenço! — Catty fez um ar intrigado. — Bem, acho que está na hora de eu ir. Obrigada, de novo, srta. Grace, por ter deixado Castle Keep, abrindo espaço para mim.

— Por favor, fique um pouco mais — pediu Abigail, enquanto Grace continuava imóvel como uma estátua. — Vou pedir chá.

Mas Catty insistiu que estava com pressa. Os guardas que a acompanhavam tinham ficado do lado de fora da casa, já que homens não eram aceitos na propriedade.

Quando, depois de acompanhar Catty até a porta, Abigail voltou para a sala, Grace continuava sentada na cadeira, com as mãos cruzadas.

— Eu o perdi. Nunca acreditei que Earl fosse mesmo fazer o que dizia — murmurou, quando Abigail pôs a mão em seu ombro. — Pensei que viria atrás de mim. Pensei que eu fosse capaz de fazê-lo mudar de idéia. Agora…

— Agora, só temos mais uma única chance e precisamos aproveitá-la ao máximo. Você tem de ser determinada.

' — Determinada? Para fazer o quê? Amanhã ele vai buscar sua noiva, como Catty disse.

— Talvez não escolha nenhuma delas ao ver, no último minuto, a mulher que ele ama. Vamos até essa tal Fábrica. Afinal, como uma dama inglesa como eu poderia saber que precisa de uma permissão especial para ir buscar uma criada para seu próprio uso?

— O quê? Ir à Fábrica? A senhorita… nós não podemos. O lugar é mal-afamado. Só os homens…

— Bobagem, Grace, você parece uma seleta! Além disso, Catty disse que Duke vai junto e tenho algumas coisas para esclarecer com ele. Se meu plano não funcionar, o máximo que você vai conseguir é continuar como está sem Earl.

— É claro — choramingou Grace.— Então está decidido. Veremos se nós duas não seremos

capazes de dobrar Earl Braden. Você precisa de um marido e nada me deixaria mais contente do que anunciar nessa praga do Sidney Gazette que a srta. Grace Buck vai se casar de papel passado com o sr. Braden!

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Na manhã seguinte, as duas foram de carruagem até o porto na margem do rio Parramatta, de onde partia, quatro vezes ao dia, o vapor para a cidade de Parramatta, onde ficava a Fábrica das Mulheres.

Grace, que nunca entrara num vapor, estava muito nervosa. Abigail procurou acalmá-la, fazendo-a arranjar a capinha e o chapéu que lhe dera para a ocasião. As duas desembarcaram na cidade algumas horas depois e foram contratar uma charrete para levá-las até a Fábrica.

— Onde, dona? Lá não é lugar para moças como as senhoritas. É uma prisão de mulheres, onde são feitas as roupas para todos os condenados do território.

—' Sim, é para lá que queremos ir — insistiu Abigail. — E sem demora, por favor. Vamos nos encontrar com alguém lá.

O longo prédio feito de pedras atrás dos altos muros não tinha nada de assustador, pensou Abigail, enquanto descia da charrete. Depois de pagar o cocheiro e pedir-lhe para esperar, puxou Grace, que tremia como uma vara verde, e foi falar com o sentinela antes que perdesse a coragem.

— Lady Abigail Rosemont e srta. Grace Buck. Viemos nos encontrar com Duke e Earl Braden — disse ao guarda em voz firme, segurando com força o pulso de Grace.

Obviamente surpreso por se ver diante de duas damas, o guarda lançou um olhar para a folha de papel à sua frente.

— Eles ainda não chegaram.— Melhor assim — disse Abigail. — Nós os esperaremos lá

dentro, já que vim para arranjar uma criada.— Damas como a senhorita nunca vêm aqui. Elas costumam

mandar um bilhete para a diretora e ela escolhe a criada de acordo com o pedido. — O guarda parecia em dúvida.

— Eu gosto de escolher minhas criadas pessoalmente. Grace sabe disso, não é? — Abigail deu um pequeno empurrão na moça para fazê-la concordar.

Grace só balançou a cabeça, atordoada. Com olhos arregalados, fitava a rua atrás delas esperando ver Earl.

Com alguma relutância, o guarda as fez entrar e apresentou-as à diretora, uma mulher alta e robusta, muito séria. Abigail quase encolheu diante do olhar severo, mas respirou fundo e começou sua explicação sobre querer uma criada. Quando a mulher soube que ela não havia obtido a licença necessária, pareceu pronta para pô-las para fora, mas Abigail explicou que queriam esperar a chegada dos irmãos Braden, que as levariam até a cidade.

— Eu também posso escolher a criada hoje e providenciar os documentos amanhã — acrescentou, enquanto a diretora as

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conduzia até um banco colocado no corredor, perto de sua sala.— Meu Deus, que coragem — gemeu Grace, depois que o som

dos passos da diretora desapareceu no longo corredor.— Situações desesperadas pedem medidas desesperadas —

declarou Abigail com firmeza, embora seu coração estivesse aos saltos. — Dou graças por termos chegado a tempo!

Depois de esperar o que lhe pareceu ser uma eternidade, Abigail levantou-se para olhar por uma janela que dava para o pátio central. Prendeu a respiração ao ouvir a voz de Duke vindo do fim do corredor. Eles tinham chegado! Pela janela, viu prisioneiras vestidas de brim cinzento entrando em fila no pátio. Todas usavam toucas brancas e todas tinham cabelos cortados tão curtos que mal lhes cobriam as orelhas!

Grace correu para Abigail e pegou-lhe a mão.— Ouvi a voz deles! Não devíamos ter vindo. Earl vai me

esfolar viva e Duke… Ei, o que está fazendo? — reclamou, enquanto Abigail desamarrava as fitas de seu chapéu e o tirava com gestos rápidos.

— Tire os grampos de seus cabelos. Depressa! Solte-os! Não temos muito tempo.

— Mas o quê…— As pobres criaturas que estão lá fora têm cabelos curtos.

Quero que Earl veja a diferença, entendeu? Agora, rápido, Grace.Abigail ajudou a moça a afofar os cabelos soltos e amarrar o

chapéu de novo. Duke e Earl já estavam chegando. Os irmãos pararam surpresos, ao verem as duas ali.

— Que diabos é isto? — rugiu Earl, enquanto Duke apenas olhava fixamente para Abigail.

— Estou precisando de uma criada, agora que saí de The Grange. Soube que é aqui que os interessados costumam vir procurá-las — explicou Abigail. — Como Grace é minha dama de companhia, veio comigo — acrescentou, dando um grande sorriso forçado para Duke, que parecia querer estrangulá-la. — Então iremos juntas enquanto Earl escolhe sua noiva. Já está tudo arranjado.

— De jeito nenhum! — berrou Earl.Abigail virou-se para Duke com uma súplica no olhar. Ele

lançou um olhar para Grace que estava ali parada, trêmula, com lágrimas ameaçando correr pelas suas faces, os cabelos caindo em cascata pelas costas. Depois virou-se para o irmão, que parecia muito abalado.

— Se vocês quiserem vir junto para ver como são os procedimentos, não tenho nada contra — falou, para óbvio desagrado do irmão. — Tenho certeza de que Earl também não se

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importa.— Por mim, as duas podem até ficar morando aqui!Earl saiu andando pelo corredor com passos rápidos. Duke

notou que Abigail quase precisou arrastar Grace para irem atrás dele. Não pôde deixar de admirar sua coragem e esperteza em tentar juntar Grace e Earl antes de ser tarde demais. Maldição! Ele deveria ter pensado nisso quando Grace lhe contara o quanto amava seu irmão e depois Saíra praticamente fugindo para Sidney.

Quanto ao fato de Abigail ter deixado The Grange e se tornado muito mais independente, era uma situação que tanto o animava como perturbava. Podia entender a atitude de Earl que, apesar de amar Grace, era teimoso demais para abandonar seus planos. Afinal, ele mesmo sempre pensara em ter uma orgulhosa e forte moça dos “miúdos” ao seu lado. Se decidisse se casar com uma “seleta”, por mais atraente e admirável que fosse, seria motivo de escárnio por parte de todos que vinham ouvindo seus discursos ao longo dos anos. Ele praguejou baixinho e apressou-se a seguir as duas.

No pátio, a diretora falou com um guarda, que começou a berrar ordens para as prisioneiras.

Quando Grace viu a fileira de mulheres pálidas, com cabelos cortados curtos e expressões que variavam da indiferença até a belicosidade, pareceu recobrar a consciência.

— E então, como andam as coisas desde que eu saí, Earl? — perguntou, tocando de leve a mão no braço rígido do rapaz. — Catty sabe fazer um damper tão bom quanto o meu?

— Catty sabe fazer damper desde que era menina — resmungou Earl, sem olhar para ela. — Você ainda estava aprendendo.

— Eu queria aprender e estava me esforçando — disse Grace, num tom meloso. — O mais triste é que nunca mais vou ter lições de equitação com você!

Abigail quase caiu numa gargalhada com a atitude melodramática de Grace, apesar da situação em que se encontravam. Ela estava se transformando de uma tímida violeta numa rosa espinhosa. Levando a mão à boca para disfarçar um sorriso, deu um passo para trás e colidiu com Duke, que segurou-a pela cintura para ajudá-la a recuperar o equilíbrio. O toque foi leve e muito rápido, mas o suficiente para deixá-la com as pernas bambas.

Earl lançou um olhar para Grace. Ela balançava a cabeça e os cachos escuros e brilhantes saltitavam em torno de seu pescoço e ombros.

— Eu o conheço bem, Earl Braden, de modo que terei prazer 141

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em ajudá-lo a escolher — ofereceu-a, com um sorrisinho adocicado. — Mas acho que alguém deve pensar muito bem antes de se decidir por um companheiro, não concordam, sr. Duke e srta. Abigail? — indagou, por cima do ombro, mas sem tirar os olhos de Earl. — Eu, por exemplo, tenho refletido muito sobre o futuro e acho que vou mesmo ficar com Melvin Mott, o rapaz gentil que conheci no baile.

Earl parecia ter sido atingido por um raio. Abigail observava Grace em ação, mas tremia por dentro devido à proximidade de Duke. A voz forte da diretora a assustou.

— Vocês, mulheres, fiquem com as costas retas e tirem as toucas para o caso do moço querer ver se não estão com piolhos! E também mostrem os dentes se ele quiser! Esse moço está procurando uma boa ajudante para trabalhar no transporte de carneiros para o interior. Ele pretende estabelecer uma fazenda no outro lado das montanhas. Portanto, a que for escolhida tire da cabeça a idéia de que poderá fugir, pois lá só tem mato!

— Não sei por que a mulher que você escolheria teria vontade de fugir, Earl — disse Grace, e apontou para uma morena robusta, com uma expressão amarga. — Olhe, aquela ali parece ser uma mulher capaz de agüentar seu mau humor…

— Chega! Chega! — Earl gritou tão alto que as prisioneiras em fila se sobressaltaram.

Ele agarrou o braço de Grace e quase a arrastou para o interior do prédio, enquanto Abigail e Duke se apressavam para segui-los. No corredor em penumbra, sacudiu-a pelos ombros. Abigail fez menção de ir em socorro da amiga, mas Duke a conteve.

— Você pensa que preciso de alguém se metendo em minha vida num dia tão importante como este? — rugiu Earl. — Eu fiz uma promessa a mim mesmo e vou cumpri-la! Jurei, no dia em que minha mãe morreu, que eu ia arrumar uma mulher aqui na Fábrica e nunca sentiria vergonha dela!

— O sr. Squire não tinha vergonha dela, Earl! — disse Grace, com voz trêmula, mas forte. — Ela lhe deu três filhos e os dois trabalharam ombro a ombro para construir um lar. Seu pai não soube expressar a dor que sentiu com a perda da mulher que ele amava. Eu entendo bem o que o sr. Squire passou porque, se a srta. Abigail não me tivesse dado muito serviço para fazer eu teria me atirado de um rochedo depois que o perdi!

— Grace, você pensou nisso?— Pensei, seu bruto. Você está me machucando, por isso me

solte. Mas eu nunca faria uma coisa dessas por alguém como você, que não via a hora de me ver pelas costas!

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— Grace, eu… eu nunca quis… — Earl tomou-a num abraço enquanto a confusa diretora entrava no corredor. — Grace, Grace, minha vida tem sido um inferno sem você.

— Querido — ela murmurou, e devolveu o abraço com força.Earl entrelaçou os dedos nos cabelos luxuriantes que caíam

nas costas de Grace e beijou-a com ardor. A diretora olhava surpresa para a cena apaixonada diante dela.

— Graças a Deus! — exclamou Abigail, comovida até as lágrimas.

— Earl prometeu ao nosso pai que haveria um casamento depois de amanhã e parece que vai cumprir sua palavra — disse Duke, e limpou uma lágrima do rosto de Abigail com a ponta do dedo. — Espero que você venha acompanhando a noiva, Abby Rose. Afinal, é a principal responsável por isto. Estamos muito ocupados com a tosquia, algumas ovelhas estão dando cria fora de época! O lugar está uma bagunça, mas Earl e eu poderemos dormir com os tosquiadores. Você e Grace ficarão com nosso quarto. Uma mulher que esteve em meus braços no baile do governador e depois teve coragem de vir aqui, não terá receio de dormir na casa dos Braden e especificamente em minha cama, embora eu não vá estar lá.

O pequeno discurso fez Abigail voltar a tremer de amor e ânsia por ele, mas ela sabia que não devia demonstrar seus sentimentos. Teria de fazer Duke entender que ele necessitava dela mais do que qualquer coisa no mundo.

— Agora eu não respondo a ninguém, senão a mim mesma — disse, tentando manter a voz calma. — Não sou uma seleta nem uma troco miúdo. Acho que nem mais sou inglesa. Eu me vejo apenas como… como eu mesma.

— Eu senti saudade de você, Abby Rose.Ela quase derreteu. Precisou contrair os joelhos para se

manter ereta.— Muito bem. Eu irei… por Earl e Grace — falou, no tom mais

frio que conseguiu. — E levarei H.M. para agradar Squire.A ponta de desafio que Duke sentiu nas palavras fez seus olhos

se iluminarem, mas ele afastou-se para tentar acalmar a enfurecida diretora. Abigail secou as lágrimas com o lencinho de cambraia e depois foi parabenizar Earl e Grace. Esta abraçou-a carinhosamente.

Abigail afastou-se do grupo para lançar um último olhar pela janela. As prisioneiras estavam saindo do pátio em fila. Sentiu pena das pobres criaturas, das quais nenhuma ganharia a liberdade naquele dia. Sentiu-se subitamente muito triste, apesar da alegria de seus companheiros.

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Enquanto os quatro deixavam a Fábrica das Mulheres, ela estava feliz por Grace, mas não conseguiu deixar de pensar em seu próprio futuro com o mais velho dos irmãos Braden.

Earl e Grace estavam sob a sombra de uma árvore. Abigail e Duke, perto deles, serviam como testemunhas do casamento. Era um agradável dia de setembro, a primavera estava chegando a Nova Gales do Sul. Os carneiros barulhentos tinham sido reunidos nos currais, prontos para a tosquia. Os empregados da fazenda, pastores e tosquiadores, assistiam à cerimônia. Squire tinha H.M. no colo e Catty, ao seu lado, enxugava lágrimas silenciosas. Em pé ao lado de Duke, como se fossem os dois que iriam se casar, Abigail percebeu o quanto sonhava em se tornar uma noiva de Braden.

Enquanto o pastor que viera de Sidney lia um salmo, Abigail se deu conta da fria realidade. Earl e Grace partiriam para a região atrás das montanhas dentro de pouco tempo. Eles iriam seguir a estrada que vencia as Blue e se estabeleceriam perto de uma vilazinha chamada Bathurst, uma cidade rural que estava em formação, e lá demarcariam e desbravariam o terreno para a fundação de uma grande fazenda de carneiros.

Abigail ouvia, distraída, o pastor recitar o salmo 23. Águas calmas. Sim, do outro lado da montanha tudo seria bem diferente do mar revolto do litoral e das vidas turbulentas dos “troco miúdo” que desafiavam as ondas. Mas ela estava pronta a enfrentar águas calmas ou ondas selvagens se tivesse Duke ao seu lado. Naquele instante, jurou fazer o possível e o impossível para conseguir o amor de Duke Braden!

Quando a cerimônia terminou, Kulalang, suas esposas, o bebê e vários aborígenes como que se materializaram saídos da terra, trazendo presentes para o casal. Depois se sentaram no pátio para compartilharem o almoço constituído de ensopado de carneiro, empadões, salada de beterraba e bolo de mel. Os outros convidados sentaram-se na grande mesa montada sob a sombra da varanda. Embora Grace e Earl protestassem, Abigail insistiu em ajudar Catty e alguns empregados mais jovens a servirem a comida. Sua mão tocou de leve a de Duke quando foi colocar o ensopado no prato.

— Por que não deixou isso para Catty e os rapazes, Abby Rose? — indagou ele baixinho.

— Eu quero ajudar. — O uso do apelido deixava Abigail comovida. Desejou desesperadamente ser capaz de ler o pensamento de Duke sobre o futuro dos dois. — E amanhã quero ver como se tosquia um carneiro.

— É um serviço sujo, poeirento, pouco adequado para uma 144

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dama — protestou Duke, mas havia mais promessa do que negação em sua voz.

— Neste lugar é mais importante ser mulher. — Ele que pense bem nisso, pensou Abigail, afastando-se para ir servir os Badajong.

Squire levantou-se para propor um brinde aos noivos, erguendo a caneca cheia de rum.

— Enfrentei muitos dias bons e muitos dias ruins — disse ele, enquanto a mesa se aquietava. — Sempre tentei ser o que os prisioneiros chamavam de seixo, significando um homem que não se desmancha nas horas difíceis. Entendam, uma pedra de arenito é exatamente o contrário, ela se desfaz com facilidade. Mesmo nas ocasiões mais tristes eu tentei não ser arenito. Mas agora não me importo. Como eu gostaria que minha querida esposa e Queenie estivessem aqui para verem o quanto estou orgulhoso de Earl e Grace, e Duke também.

Earl passou o braço pela cintura de Grace, puxando-a mais para perto. Os dois estavam com os olhos marejados de lágrimas.

— Mas hoje — continuou Squire — eu tenho motivo para algumas lágrimas. — Ele pigarreou. — Há muito venho insistindo com meus meninos para se casarem e me darem netos para viverem aqui em Castle Keep depois que eu me for. E agora o sonho de Earl é ir para o oeste, de modo que ele vai embora…

A voz do velho falhou. Não confiando em si mesmo para dizer mais, ele simplesmente ergueu a caneca. Foi Duke quem fez o brinde.

— Para Earl e Grace! Para o noivo e a noiva! Para a noiva de Braden!

Todos se juntaram ao brinde. O rosto de Duke abriu-se num sorriso e ele mostrou os dentes brancos que raramente apareciam no seu rosto sério. H.M., agora de volta ao colo de Squire, juntou seus latidos às vozes. Lady Abigail Rosemont, tomada de amor, não conseguiu dizer nada. Nunca, nem mesmo na Inglaterra, sentira tal alegria ou a sensação de pertencer a alguém. E nunca ansiara tanto por ser a simples Abby Rose num lugar que sentia ser lar para ela.

Abigail virou-se na cama de Duke, sem conseguir pegar no sono. Catty dormia pesadamente na cama de Earl. Às vezes ainda ouvia as vozes dos homens, denunciando os efeitos do rum depois de um dia de celebração.

Além dos pastores e ajudantes habituais, dois tosquiadores e vários guardas de fronteira tinham sido contratados pelos Braden. Duke não quisera dizer nada de início, mas acabara admitindo que Phillip Godfrey-Bennett contratara um pequeno exército de capangas, de modo que a família tinha de estar preparada.

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Abigail tinha certeza de que ouvira os tambores dos Badajong mais de uma vez e num certo momento poderia jurar que escutara o sinal de perigo de Kulalang. Estava muito cansada, mas a tensão não a deixava dormir. Pensar em Grace e Earl passando a primeira noite no quarto de Squire também não ajudou. Lembrou-se do abraço da moça e de suas palavras quando viera dar boa noite:

— Eu lhe devo tudo isto — sussurrara Grace. — E um dia, de alguma forma, vou ajudá-la a conseguir o sr. Duke.

Tudo isso fazia Abigail pensar em quanto ansiava pelas carícias de seu amado. A simples lembrança de um sorriso de Duke fazia arrepios lhe correrem pela espinha. Queria poder sentar no colo dele como Grace fizera com o marido… e como ela mesmo sentara na noite de tempestade no Challenge. Ansiava sentir-se novamente esmagada contra seu corpo firme num beijo ardente. Desejava ser pressionada contra um cobertor áspero atirado sobre a relva como no dia em que eles quase, quase…

— Oh! — resmungou contra o travesseiro, e sentou-se na cama para passar as mãos pelo rosto. Repreendeu-se por seus pensamentos e voltou a deitar-se.

Algumas horas antes, quando Duke lhe dera boa noite, desejara que ele a beijasse. Mas ele só apertara seu ombro de leve e se afastara na direção do celeiro. Como gostaria de poder sair correndo atrás dele na escuridão! Deitaria com ele num catre ou numa pilha de palha macia! Duke prometerá que no dia seguinte a levaria para ver a tosquia antes de ela voltar a Sidney. Mas ela não queria voltar a lugar nenhum, deixando-o ali!

Ela suspirou e virou-se de novo. Pensou em todas as noites que Duke passara naquela cama, sonhando,, planejando. Começava a se sentir sonolenta quando teve uma idéia sobre como obrigar Duke a reconhecer que a amava, exatamente como acontecera com Earl. Convencê-lo-ia a amá-la e dessa vez sem a interrupção de Kulalang!

Começou a entrar e sair de sonhos. Num deles viu Duke posando para ela. ,

— Por que você não faz um retrato de nosso casamento? — ele perguntou. Depois, sorrindo, apoiou o salto da bota na cerca do redil.

— Meu querido Duke, meu amado noivo — ela ouviu-se murmurar. — Deixe-me desenhá-lo despido, como um deus grego, como Apolo.

Mas, pensou, enquanto dormia, inquieta, Apolo não amou a ninfa que se transformou num girassol. Agora ela era apenas uma figura de proa, desafiando as ondas sozinha.

Ouviu a gargalhada de um homem e não soube distinguir se 146

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estava dormindo ou acordada. Espreguiçou-se e seus olhos se encheram de lágrimas devido à exaustão.

Sua última prece foi bastante profana, mas não conseguiu evitá-la. No dia seguinte, quando pusesse seu plano em ação, Duke não escaparia de deitar com ela!

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CAPÍTULO XI

No dia seguinte, depois de um apetitoso desjejum, Duke manteve a promessa de levar Abigail para ver a tosquia. Squire foi atrás dos dois, carregando H.M. no colo.

— Não posso deixar que um principezinho como este seja perturbado pelos cães pastores dos meninos — explicou.

— Receio que H.M. seja muito mimado — admitiu Abigail. — Ele tem levado uma vida de luxo até agora e não conhece o que é trabalho duro.

— Esse é o problema — concordou Duke, olhando para o movimento de homens e carneiros por trás da grade do redil. — Por mais que H.M. queira se adaptar para se tornar um cão pastor, não conseguirá devido ao seu passado de luxo.

Irritada, Abigail acertou a posição da alça da bolsa onde levava sua prancha de desenhar e as canetas. Entendera o que Duke quisera dizer.

— Não sei se você está certo sobre isso, Duke Braden, mas não tentarei persuadi-lo apenas com palavras — afirmou.

— Admito que atos falam mais alto do que palavras, mas duvido que você se dê bem com este tipo de vida, especialmente a que Grace vai enfrentar em sua viagem para o oeste.

Abigail não queria ver as coisas começarem tão mal quando estava decidida a convencer Duke de uma vez por todas de que ele precisava dela, e não somente na cama. Com sinceridade, achava a perspectiva de uma vida rural realmente entusiasmante. Era uma mulher rica, e um lugar como aquele, recebendo bons investimentos, poderia se transformar numa grande fazenda. E ela se deliciaria com cada minuto de sua vida, desde que Duke estivesse trabalhando ao seu lado.

— Nunca pude ver o que meus meninos vêm nesses bichos — resmungou Squire, enquanto observavam um tosquiador pegar um carneiro no redil e fechar a porta para os outros não saírem. Depois, no pequeno curral, o rapaz prendeu o carneiro entre as pernas e começou a cortar a lã com uma tesoura sem ponta.

— Eu não faço tosquia, mas o segredo é aprender como segurar o carneiro do jeito certo — explicou Duke. — Aprendi muito sobre esses animais desde que eu e Earl insistimos em criar um rebanho, em vez de nos concentrarmos apenas na plantação de papai.

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— E o negócio deu certo — admitiu Squire, de mau humor —, mas eu queria que aqui fosse uma fazenda igual àquela em que cresci, sem essa bicharada estúpida!

Abigail sorriu para o velho. De certa forma, ele era tão ligado aos costumes ingleses quanto os “seletos” que detestava. Seria a geração seguinte, homens como Earl e Duke, que construiria o futuro daquela terra. Ela, depois de conhecer e amar Duke, estava pronta para deixar seu passado inglês para trás. A mudança seria bem vinda. Só precisava convencer Duke disso!

— As botas do tosquiador… como brilham — notou.— Você tem mesmo olho de artista para detalhes — comentou

Duke. — É por causa da lanolina no pêlo. Dizem que as mãos dos tosquiadores são mais macias do que as de uma dama. Agora venha cá que vou lhe mostrar como separar a lã.

Eles deixaram Squire e H.M. para trás e foram para uma mesa rústica e comprida, onde os homens espalhavam a lã e removiam as partes coloridas ou manchadas pela lama, e os gravetos presos a ela. Abigail observou por um instante e depois tentou ajudar.

— Ai! — gemeu, quando uma farpa enfiou-se em seu dedo.Ela arrancou-a e viu uma gota de sangue se formar. — Tenho

certeza de que conseguirei aprender a fazer isto sem tingir sua lã de vermelho.

— Você está tão ansiosa para agradar… — observou Duke num tom baixo e íntimo, que só ela pôde ouvir. — Eu devia pôr você, seu cocheiro e seus guardas na estrada antes disto crescer entre nós.

— Não vou sair daqui enquanto não conhecer tudo. Além disso, quero terminar o retrato de casamento de Earl e Grace antes de partir. E eu gostaria de desenhar você — ela acrescentou, esperando que sua voz parecesse muito natural, enquanto puxava outro chumaço da lã empoeirada.

— Eu? E o que vai fazer com meu retrato? Vendê-lo ao Gazette para acompanhar a próxima reportagem acabando comigo?

— Pretendo guardá-lo comigo — sorriu Abigail. — Para praticar com dardos. Seria o alvo perfeito.

Duke deu uma risadinha e Abigail se conscientizou de que raramente ouvia uma risada dele: Pegando-a pelo braço, Duke conduziu-a até o barracão onde Earl estava supervisionando a classificação e embalagem da lã em grandes fardos marcados D / E BRADEN, PARRA.

— E como está o noivo hoje? — perguntou Duke, batendo nas costas do irmão.

— Ainda sonolento! — Earl piscou para Abigail antes de pegar outra braçada de lã. — E vocês?

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— Eu dormi como um bebê — respondeu Duke, e acrescentou: — Daqui a pouco voltarei para ajudá-lo.

O último comentário preocupou Abigail. Ele quisera dizer que ia mandá-la embora o mais rapidamente possível para depois vir ajudar o irmão? E ela que pensara que levaria uma boa parte do dia vendo a tosquia. Precisava de tempo para uma conversa. Queria ficar com ele sozinha!

— Duke — começou, quando os dois começaram a voltar para o pátio, deixando atrás a cena barulhenta. — Eu poderia ajudar vocês… ou pelo menos desenhar enquanto vocês trabalham.

Duke virou-se para olhá-la e encostou-se na cerca.— Abby, prometo que vou visitá-la na cidade quando a tosquia

acabar, mas agora você me ajudaria muito mais se fosse embora daqui.

— A viúva Cranbrook não admite a presença de homens. Você sabe disso. E eu…

— Maldição, por que você está sempre no meu caminho? Eva solta no jardim do Éden mostrando a maçã para Adão! E ele quer muito morder a maçã, Abby, mas isso poderia estragar tudo.

— Você parece Earl falando dias atrás. Agora ele sabe que Grace é a mulher certa e…

— Não é a mesma coisa! Grace sempre foi a mulher certa para Earl, mas os dois não vêm de mundos tão diferentes. Abby será que não entende o que está fazendo comigo? Não consigo me concentrar em nada senão você!

Abigail sorriu, saboreando sua pequena vitória. Mas por que Duke era tão teimoso? Tinha certeza de que se não houvesse tantos homens por perto, ele a teria agarrado e beijado ali mesmo. Em vez disso, Duke virou-se e correu ao encontro de um rapaz que chegava a cavalo, aos gritos.

— O que foi, O’Brien?— As ovelhas que o carneiro desgarrado pegou estão

começando a dar cria, sr. Duke, e algumas estão passando um mau pedaço! Por causa da tosquia, sou o único lá em cima. Tem alguém aqui que possa me ajudar?

— Irei eu mesmo!O rapaz fez que sim com a cabeça e deu meia-volta, partindo

num galope. Duke correu para o estábulo, de onde tirou um cavalo, colocando nele o bridão e as rédeas.

Abigail correu atrás, gritando:— Eu posso ajudar! Vi muitas vacas darem cria na minha

propriedade. Sei o que se deve fazer!Duke saltou no lombo do cavalo, olhando muito sério para ela.

Abigail estava certa de que seus planos de mostrar o quanto se 150

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sentia preparada para aquela vida tinham ido por água abaixo. Ele sairia a galope, deixando-a ali, no meio da poeira. Porém, Duke praguejou baixinho e estendeu o braço para ela. Um segundo depois, Abigail viu-se, ainda segurando a bolsa com as penas e tinta, sentada no cavalo à frente de Duke.

Ela agarrou-se às suas coisas e a ele. Estava conseguindo sua oportunidade! Afinal, dissera a verdade sobre assistir e até ajudar no nascimento de vários bezerros.

— O malandro desse merino que chamamos de Henrique VIII desgarrou e entrou num rebanho de ovelhas cinco meses atrás — contou Duke, enquanto cavalgavam. — Ele se viu num verdadeiro paraíso de carneiro, pegando cada uma delas. Depois passou quase uma semana desmaiado de cansaço.

Abigail sentiu as faces coradas, embora estivessem falando só de animais.

— E quantas ovelhas?— Vinte e duas. E todas pegaram cria! O malandro! Mas

precisamos de cada animal para começarmos a fazenda atrás das Blue. Não sei como acontece com as vacas na Inglaterra, mas a maioria dessas ovelhas são mães de primeira viagem e algumas darão à luz gêmeos. Por isso, não puxe com muita força.

Puxar com força? pensou Abigail. Somente com as mãos? Em Fairleigh eles tinham um instrumento moderno, pinças de latão para entrarem dentro do animal e facilitar o nascimento. Ela ajudara algumas vezes, mas a moça que trabalhava na leiteria estava sempre ao seu lado. Por que Duke falara como se ela fosse cuidar de tudo sozinha? Mesmo um tanto assustada, preparou-se para aprender e auxiliar da melhor forma possível.

Eles chegaram a um vale curto, dividido ao meio por um riacho. O’Brien já estava ajoelhado ao lado de uma ovelha. Duke freou o cavalo na extremidade oposta do vale, fez Abigail descer com um gesto rápido e logo apeou. Havia ovelhas espalhadas por toda a área e elas eram guardadas por um cão pastor silencioso e esperto, que ocasionalmente corria pelo perímetro para trazer de volta algum desgarrado. Abigail pôde ver que algumas das ovelhas já tinham tido cria e lambiam seus filhotes. Com um gesto rápido, guardou a sacola com o material de desenho sob um arbusto e limpou as mãos na saia do vestido marrom enquanto se aproximava de uma ovelha com olhos assustados que gemia e se esforçava.

— Cuide dessa aí primeiro! — ordenou Duke. — O nome dela é Quick Step e mais atrás está Feather. Converse com elas para acalmá-las, assim não sairão correndo nem darão coices. — Depois ele virou-se e apressou-se para um outro grupo de ovelhas.

Abigail abaixou-se perto de Quick Step. Então eles davam 151

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nomes a todos os animais. Como os reconheciam? Para ela, eram iguais.

— Tudo bem agora, Quick Step. Eu vim para ajudar. Tem certeza de que não quer fazer tudo sozinha? Como vamos indo? Deixe-me dar uma olhadinha aqui atrás. Oh, parece que você está pronta.

Abigail respirou fundo para se acalmar. Dissera que podia ajudar e era o que ia fazer! Mas estava mais nervosa que a pobre ovelha à sua frente. Vendo o olhar aflito do animal, começou a acariciar-lhe as costas desnudas. Prendeu a respiração ao ver patinhas saindo pela abertura.' Não puxe com muita força, dissera Duke.

Com o coração disparado, Abigail fez o melhor que pôde. Encharcada de suor, sempre falando com a ovelha para acalmá-la, logo estava puxando um cordeirinho molhado e esperto que caiu na relva.

— Duke, olhe, consegui um! Como vou saber se são gêmeos? — gritou. Ele parecia muito distante.

— Cuide da seguinte, mas fique de olho em Quick Step.Abigail ajudou a seguinte, depois mais uma e outra ainda.

Tinha as costas doloridas e as mãos machucadas. Uma ovelha nervosa pisara em seu pé e ela estava mancando. Mas vencera seu medo e ignorância, e sentia-se orgulhosa de si mesma!

— Quantas? — perguntou Duke aproximando-se dela e massageando seus ombros.

Abigail lançou um olhar para o sol e se deu conta de que várias horas tinham se passado.

— Oito, contando os dois pares de gêmeos, mas aquela ali não quer amamentar o filhote e fica empurrando-o com o focinho. Daqui a pouco vai machucá-lo.

Duke correu para salvar o cordeirinho.— Um dos meus morreu e a mãe está procurando alguém para

amamentar. Se Feather não aceitou o bichinho agora, nunca mais vai querê-lo.

O jovem O’Brien começou a reunir mães e filhotes com a ajuda do cachorro enquanto Abigail seguia Duke até onde estava a fêmea sem cria. Ela quase deixou cair o cordeirinho que segurava ao ver Duke arrancar a pele do animalzinho morto.

— Não vá desmaiar agora, Abby Rose — disse Duke num tom brincalhão, ao vê-la fechar os olhos com força. — E agora segure bem esse bichinho para eu pôr a pele nele.

Trêmula, ela ficou observando-o encaixar a pele no cordeirinho.

— A ovelha primeiro vai cheirá-lo para se certificar se é a sua 152

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cria. É um truque, mas justificável para salvar uma vida.— Entendo. — Sim, pensou Abigail, ela também pretendia usar

de um artifício para convencer e seduzir Duke. Um truque, mas justificável para salvar o futuro dos dois.

Quando O’Brien veio reconhecer as ovelhas restantes, Duke pegou Abigail pela mão e levou-a até a beira do riacho. Os dois lavaram as mãos e o rosto e sentaram-se lado a lado, cansados, sem falar.

— Você foi formidável, Abby Rose — elogiou Duke, depois de alguns minutos.

— Obrigada. Estou contente por você ter me deixado ajudar.— O tempo esquentou mais do que eu imaginava — comentou

ele, com um olhar vagaroso que percorreu todo o corpo de Abigail. — Quente.

— Sim.— Este riacho vem de uma lagoa. Não é a mesma com a

cachoeirinha — ele acrescentou rapidamente. — Vamos nos lavar melhor lá em cima. Talvez seja a hora de sua primeira aula de natação.

— Está bem. — Se ele pensava que eu ia recuar, enganou-se redondamente, refletiu Abigail. — Vou só pegar minhas coisas.

Os dois cavalgaram seguindo a margem do riacho até chegarem à lagoa que ficava no meio de um bosque de gomíferas.

— Os carneiros não bebem aqui, por isso a água é limpa — explicou Duke, enquanto a fazia descer. Seus olhares se encontraram. — Gosto demais desta época do ano — acrescentou ele, como se tivesse de preencher o espaço entre os dois com palavras. — Na primavera parece que estamos sempre à beira de novas possibilidades.

Duke levou-a até a margem da lagoa e depois tirou as botas. Abigail livrou-se dos sapatos e também da anágua.

— Se entrarmos vestidos, haverá muito o que secar depois — lembrou Duke, como se deixando para ela a decisão de se despirem ou não.

— Mas nossas roupas também estão precisando de uma boa lavada. — Abigail sentiu vontade de se chutar por ter falado sem pensar. Afinal, ficarem nus era parte de seu plano e agora reagira instintivamente contra a idéia.

— Então está bem. — Duke pegou-a no colo e entrou na água que lhe chegava à cintura.

Abigail não protestou. Aproveitou a oportunidade para pôr os braços em torno do pescoço de Duke e encostar a cabeça em seu ombro. Adorava o toque e o cheiro dele.

— Oh! Está um pouco fria! — riu, quando ele a pôs na água.153

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Duke começou a virar-se de um lado para o outro, ainda com ela nos braços, fazendo ondas e espirrando água. Abigail segurou-se com mais força, batendo os pés.

— Chegou a hora da primeira lição — avisou ele. Fez Abigail virar de bruços e se equilibrar em suas mãos, e a ensinou a bater os braços e enrijecer as pernas. A saia encharcada a atrapalhava, mas ela conseguiu dar algumas braçadas. Riu muito quando Duke enfiou a cabeça na água e soltou bolhas. Depois, sentindo os cabelos pesados, tirou os grampos e soltou-os. Finalmente Duke considerou-a apta para nadar sozinha.

— Agora venha até aqui e não entre em pânico se seu rosto afundar. Só prenda a respiração.

Abigail pensou que seus pulmões fossem estourar, mas conseguiu chegar até ele. Duke abraçou-a com força e depois a ergueu da água, pegando-a pela cintura. Vagarosamente foi abaixando-a até os dois ficarem boca a boca, ofegando por causa das brincadeiras.

— Agora vamos ter de tirar estas roupas para não pegarmos um resfriado — disse ele. — Não podemos voltar encharcados com todos aqueles homens perto de casa.

— Sem dúvida.— Atrás daquela colina tem uma cabana de pastor.

Encontraremos cobertores lá. Com O’Brien ocupado com os cordeirinhos e todos os outros cuidando da tosquia…

— Sim — disse Abigail sacudindo a cabeça, sem saber exatamente com o que estava concordando. Mas qualquer coisa na companhia de Duke era bom.

Ele estava tornando seu plano muito mais fácil, pensou, enquanto tentava enxugar os cabelos com a anágua que deixara na margem. Evidentemente não precisaria de todas as frases que ensaiara para persuadi-lo a posar nu!

Na pequenina cabana de pastor, Duke fechou a porta e segurou um cobertor pelas pontas, cobrindo o rosto, para dar um pouco de privacidade para Abigail. Tremendo, arrepiada de frio, ela soltou a faixa da cintura e abriu botões.

— Estou pronta — disse finalmente, depois de ter se livrado de tudo e segurando as pontas do cobertor.

Duke riu e enrolou o cobertor em torno dela como se fosse um casulo.

— Pronta para o quê, Abby Rose? — Ele abriu outro cobertor para ela segurar como se fosse uma cortina. — Será que vai fechar os olhos como a dama que é? — brincou.

Esse novo e brincalhão Duke quase a fazia derreter. Sentia-se inebriada, embora não tivesse bebido nada mais do que goles de

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água da lagoa.— Prometo que não olharei se você não quiser — falou,

fechando os olhos com força. — Mas devo confessar que seria muito divertido desenhá-lo… bem, você sabe, ao natural.

Duke manteve-se em silêncio e ela receou ter ido longe demais. Depois sentiu as mãos dele em seus ombros e abriu os olhos. Ele tirara o colete e tinha a camisa desabotoada.

— Eu penso que conseguir fazer um homem posar ao natural custa bem caro para um artista — disse Duke com voz rouca. — Você está disposta a pagar meu preço?

Abigail, em pânico diante do sorriso malicioso, quase suplicou para fugir da situação em que se colocara. Era o que desejava, mas não pensara que as coisas seriam tão fáceis. Seu plano era convencê-lo de que precisava dela e devia casar-se com ela, mas não previra o clima que estava se formando entre eles.

— Estou disposta a pagar se souber o preço — respondeu, ofegante.

— Você terá de posar para mim, só isso. E o artista escolhe a pose do modelo.

— Você me desenhar? Será capaz?— Não faça perguntas. Concorda ou não, Abby? Ele tirou as

mãos de seus ombros para puxar a camisa para fora da calça. Retirou o cinto e despiu a camisa, sem deixar de olhar para ela. Suas mãos desceram para os botões da calça. Um canto de sua boca ergueu-se numa insinuação de um sorriso maroto.

Safado! Ele a estava desafiando, brincando com ela! Se recuasse, com toda a certeza Duke a colocaria na carruagem e a mandaria de volta a Sidney antes do anoitecer. Passariam semanas antes de ela conseguir vê-lo de novo. Nenhum homem entrava na casa da viúva e ela não poderia voltar a Dorset Downs sem boas desculpas. Não podia perder tempo, tinha de mostrar a esse homem o quanto ele precisava dela!

— Certo, está combinado. Mas eu desenharei primeiro. Ela ocupou-se com a prancha, papéis e canetas para ter

um motivo para não vê-lo se despir. Sentou-se de pernas cruzadas no chão e lançou-lhe um olhar de soslaio. Duke havia desabotoado a calça, mas agora estava imóvel, com as mãos na cintura. Abigail mordeu o lábio com força. No peito dele, um V de pêlos apontava diretamente para dentro de sua calça. Pôde ver que ele estava excitado.

— E então? — perguntou.— Você também, ao mesmo tempo. Preciso de uma entrada do

pagamento para saber que você está agindo de boa-fé.Abigail abriu a boca para dar uma resposta à altura, mas

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nenhuma lhe ocorreu. Palavras, tramas e planos fugiram de sua cabeça. A única coisa que sabia era que amava e desejava esse homem agora e para sempre. Colocou a prancha de lado e levantou-se. Soltou o cobertor e deixou-o cair aos seus pés.

Duke prendeu a respiração. Ficou olhando por um instante, incapaz de se mover. Estava impressionado com a coragem de Abigail e profundamente tocado pela sua beleza. Percorreu-a de alto a baixo com o olhar.

Ela estava em pé, orgulhosamente, e só um leve tremor em suas pernas denunciava-lhe a comoção. A pele era puro alabastro na semi-escuridão da pequena cabana e parecia refletir o vermelho dos cabelos úmidos que caíam, acompanhando a linha suave dos ombros bem feitos. Os seios altos e deliciosamente arredondados eram encimados por mamilos rosados, contraídos pelo frio, que pareciam chamá-lo para carícias. Na junção das pernas bem torneadas, o triângulo avermelhado apontava para os segredos entre as coxas.

Foi a vez de Abigail olhar. Duke tirou a calça e ela se assustou um pouco ao vê-lo tão pronto. Recuou, encostando-se na parede. Ele chegou mais perto, fitando-a com um brilho intenso no olhar.

— Não é um lugar bom para nossa primeira vez, Abby Rose. Você merece muito mais. É tão forte, tão especial, me ajudou tanto hoje … — Incapaz de continuar falando, beijou-a com ardor e depois deslizou a boca pelo seu pescoço e colo.

— Oh, Duke, eu te a… — Abigail conseguiu dizer antes dos lábios dele cobrirem novamente os seus; Logo estava no colo de Duke, sendo abaixada para o cobertor aberto sobre a palha do chão.

Deitada de costas, olhou para Duke que estava sobre ela. As mãos dele a tocavam em todos os lugares do corpo, acariciando, agarrando, invadindo…

Ele ajoelhou-se entre suas pernas e abriu-as mais.Abigail agarrou-se a Duke, confiante, enquanto a língua ousada

explorava sua boca. Sentiu-o se acomodar mais pesadamente sobre ela, fazendo-a respirar de modo entrecortado e ansioso, algo que não conseguiu controlar.

— Você está bem pronta, minha querida — sussurrou Duke em seu ouvido. — Você nos desenhará assim depois? Quero o desenho… não, quero a coisa real, sempre quis.

Ele beijou-a novamente, com imensa paixão. Empurrou, fez uma pausa e então penetrou no mais profundo de seu ser de mulher. O gritinho de surpresa foi sufocado no beijo. A dor passou imediatamente, desfeita pela ânsia do desejo. Abigail agarrou-se a ele com braços e pernas.

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Ficaram assim, imóveis, por um instante. Ela jamais sentira um encantamento igual.

— Olhe para mim, Abby Rose — ele murmurou. Ela olhou dentro dos olhos azuis semicerrados de paixão.

— Você é tão linda, tão especial… — Ele começou a mover-se dentro dela.

— Eu não sabia… tudo isto… — ela tentou explicar, mas o movimento a fez se afundar nas ondas de êxtase onde eles nadavam juntos.

Duke estava tocado pela honestidade e ingenuidade de Abigail, pela confiança que estava mostrando nele, apesar de tudo o que os separavam. Empolgado, começou a murmurar comandos eróticos em seu ouvido. Ela rapidamente obedeceu e logo os dois moviam-se em uníssono e de modo febril.

— Minha Abby Rose! — gritou ele e temeu que nunca mais encontraria um modo de controlar sua vida.

— Meu querido! — respondeu Abigail, agarrada a ele.Uma hora depois, Duke e Abigail juntaram suas roupas ainda

úmidas e as vestiram com alguma relutância. Como fora maravilhoso ficar deitada nos braços de Duke, sentindo-se segura, em silêncio, pensou ela. Mas esse momento não durara muito e logo os dois estavam novamente se amando com renovado ardor. Agora, enquanto se agarrava a ele na garupa do cavalo, ainda sentia como se estivesse flutuando.

— É melhor tirarmos esse ar de recém-casados de nossa cara antes de entrarmos — ponderou Duke, novamente sério. — Senão, bastará um olhar e eles saberão.

— Não! Tem de ser um segredo só nosso por algum tempo.Eles estavam se aproximando das ovelhas e seus cordeiros.— Uma excelente porcentagem de aumento no rebanho —

disse Duke, mais para si mesmo, e acrescentou: — Tentamos evitar estar com crias na viagem para o oeste. Agora teremos de levar os bichinhos a cavalo na maior parte do tempo. Com nosso rebanho pequeno, precisamos de cada cabeça e só espero não encontrarmos dingos e outros perigos. Pelo menos os malditos salteadores não costumam atacar pastores que viajam com suas ovelhas porque sabem que não terão lucro.

Enquanto saíam do vale, Abigail comentou:— Sabe, Duke, nem todo o meu dinheiro está vinculado à

propriedade na Inglaterra. Se Earl e Grace precisarem de alguma coisa para a viagem, terei prazer em…

— Seu presente de casamento foi muito generoso, Abby. Tenho certeza de que a maior parte será gasta na compra de suprimentos.

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Abigail apertou a face contra as costas musculosas de Duke, saboreando os últimos instantes de proximidade antes de chegaram a casa. Embora a camisa e o colete estivessem úmidos, ele irradiava calor. Queria sentir-se novamente em seus braços. Uma vez em Castle Keep, ele provavelmente nem tocaria nela até terem tudo combinado sobre o futuro. Como homens não podiam entrar em Cliffside House, teriam de dar um jeito de se encontrar em Sidney ou ali mesmo na fazenda para fazerem planos.

— Vou sentir muita falta de Grace e Earl — disse ela, ainda se deliciando com a lembrança da intimidade que tinham compartilhado. — Imagino que você ficará extremamente ocupado depois de eles terem partido, mas eu virei para ajudar em que puder.

— Se você trouxer seus guardas e H.M., especialmente, meu pai ficará muito satisfeito. — A voz de Duke agora estava mais sombria e distante. — Mas Abby, já vi que você não entendeu tudo. Eu vou partir com Earl e Grace.

Abigail endireitou-se abruptamente.— O quê? Mas eles estão indo para sempre! Você… você tem

coisas a fazer aqui e Squire…Duke fez o cavalo parar na colina de onde se podia avistar a

casa e os homens entrando e saindo do galpão da tosquia.— Eu ficarei fora por alguns meses, uns quatro ou cinco,

talvez. Depois passarei uns seis aqui.— Mas você não me contou nada. Agora ha pouco estávamos

tão… tão íntimos e você sabia que ia partir e…— Earl, de início, gostaria que eu ficasse, mas acabei decidindo

que a viagem é importante demais e que ele precisa de mim. Além disso, seu eu mesmo for um posseiro, poderei falar com mais autoridade sobre o direito de propriedade quando estiver em Sidney. Por favor, entenda, Abby.

Mas ela mal ouvia suas explicações. Quatro ou cinco meses? Quatro ou cinco meses! O que faria sem ele?

— Quero ir também, Duke. Por favor. Já lhe mostrei que posso aprender e ajudar. Você sabe que sou excelente amazona e estou disposta a aprender a fazer o damper e tudo o mais. Também já lhe disse que tenho dinheiro para investir. Comprarei um bom pedaço de terra e…

— Absolutamente não! Impossível. A última coisa que desejo ver lá é algum seleto rico comprando terras quando a região foi aberta para aqueles que precisam trabalhar para pagá-la. Se você comprar terras, gente da laia dos Godfrey-Bennett quererá imitá-la e nós, posseiros, seremos expulsos das planícies de Bathurst! Além disso, uma mulher com sua formação…

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— Maldito! — gritou Abigail, descendo do cavalo e mostrando o punho cerrado. — Você não me contou nada de propósito. Não me disse que ia me deixar, me abandonar, para conseguir o que queria!

— Maldita você, Abigail! — Duke também desmontou e avançou enquanto ela se abaixava para pegar a sacola com o material de desenho e começava a andar na direção da casa. — Eu nem tinha certeza se ia até pouco tempo! — Ele agarrou-a e a fez virar. Quando Abigail tentou atingi-lo com a sacola, deu-lhe um tapa que a mandou longe. — Você estava tão interessada como eu em se deitar comigo. Por que continuou quando viu para onde as coisas estavam indo? Por acaso eu não deveria tomar o que você estava me oferecendo tão abertamente?

— Me solte! Eu… eu…Duke tomou-a nos braços, segurando-a com força. Ela agarrou-

se à sua cintura, enquanto ele a ninava na colina batida pelo vento. Abigail conseguiu relaxar um pouco. Afinal, disse a si mesma, teria algumas semanas para convencê-lo que devia levá-la junto. Earl e Grace ficariam ao seu lado quando soubessem. Mesmo se não conseguisse persuadi-lo a se casar, não tinha a menor intenção de ficar sozinha em Sidney, praticamente escondida em Cliffside House, só saindo com guardas para o caso de se encontrar com Phil-lip. Quatro ou cinco meses sem Duke? Mas era o tempo que levara a viagem da Inglaterra até ali! Tinha de encontrar um jeito de ir com ele.

— Lamento ter lhe dado a notícia tão abruptamente. — A voz de Duke agora estava macia.

— Você devia ter me contado antes.— E teria feito alguma diferença?— Não faz mal — respondeu Abigail e afastou-se para ajeitar as

dobras da saia. — Você não me conta coisas que podem afetar nossas vidas. Posso seguir seu exemplo.

Duke voltou a puxá-la para perto.— Em que está pensando? Você não vai e está decidido.— Este é um país livre, Duke Braden — insistiu ela, olhando

firme para seu rosto sombrio. — Não é por isso que você luta? O que estou querendo dizer é que gostaria de conhecer as Blue de perto e que uma vila pastoral como Bathurst me parece bastante atraente.

— Você não vai!— Talvez não com você.Duke levantou-a do chão com braços rígidos. Seus olhos

estavam gelados.— Olhe, não quero vê-la machucada. Existe uma estrada, mas o

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trajeto é longo, difícil e perigoso, e nem todos que você encontrar serão afáveis. Você vai ficar esperando por mim, lady Abigail, e decidiremos sobre nós quando eu voltar. Está decidido!

Abigail olhou para ele, desafiadora, e foi posta no chão.— A decisão é sua, não minha — falou, com a voz mais gelada

que conseguiu. — Não tenho a menor intenção de ficar esperando como uma idiota. E obrigada por tudo o que me ensinou hoje! — Ela abaixou-se para pegar a sacola e saiu marchando pela trilha poeirenta que levava a Castle Keep.

Chorou durante o caminho, mas enrijeceu os ombros para Duke não vê-los tremer com os soluços. Sentira-se assustada, furiosa e traída de início, mas agora estava apenas determinada. Fosse como fosse, iria para o oeste com os Braden. E Duke acabaria admitindo o quanto estivera errado e lhe agradeceria pela sua ajuda.

Naquele instante, pelo canto do olho, Abigail viu um brilho entre as rochas da colina pedregosa que ficava a leste. O sol batera em algo metálico, talvez. Imaginou se não seria um sinal aborígene. Virou-se para tentar ver melhor mas não avistou mais nada. Continuou andando, ignorando Duke quando ele a alcançou a cavalo, cavalgando ao seu lado como se a escoltando até a casa.

Deitado de bruços, escondido nas rochas, Phillip Godfrey-Bennet abaixou a luneta que estivera usando para espionar a tosquia em Castle Keep. Mal conseguira acreditar em seus olhos quando vira Abigail ali, caminhando pelas colinas ao lado de Duke Braden. Meretriz! Ela o traíra em público e na privacidade com seu pior inimigo, mesmo sabendo o quanto ele a queria. Soubera pela mãe que Abigail estava morando com a viúva Cranbrook, de modo que pensara que tinha tempo para decidir entre cortejá-la ou destruí-la. Mas agora a situação era completamente diferente.

Embora Abigail estivesse a pé e Duke Braden a cavalo, eles evidentemente tinham estado juntos em algum lugar. Já avistara Catty, a cadelinha sem vergonha, servindo os homens. Talvez Braden estivesse desfrutando de seus encantos também! Ele socou a pedra e jurou que faria todos pagarem pelo atrevimento!

Envenenaria a nascente onde os malditos aborígenes se escondiam, mesmo se isso significasse a perda de alguns carneiros de The Grange. Surpreenderia Catty mais cedo ou mais tarde. Melhor ainda, pagaria para ela ser raptada apesar do número maior de guardas que agora havia em Castle Keep. Ele mesmo só entrara na propriedade sem ser notado porque chegara a pé, bem antes do alvorecer. Porém, mais importante de tudo, ia fazer o canalha do Braden pagar pelo que vinha fazendo ao longo dos anos. Daria um jeito de colocá-lo na cadeia para cumprir uma pena

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bem longa. Assassinato… sim! Isso provaria a todos que tinha razão quando afirmava que os “miúdos” possuíam uma mácula moral de nascença.

E como Abigail, mais do que todos — pois era de sua própria classe — o desafiara e rejeitara, ela teria a pena dos traidores. Sim, a vítima do assassinato cometido por Duke Braden seria lady Abigail Rosemont! Justiça perfeita para todos!

Phillip pegou o frasco com água que deixara na sombra, junto a uma pedra, e bebeu um gole. Riscou um fósforo na sola da bota e acendeu um charuto, aspirando com prazer a fumaça calmante. E pensar que de início ele apenas planejara pôr fogo no mato naquela noite, esperando incendiar a casa, as pastagens e espantar os carneiros. Mas agora Abigail estava ali e, portanto, havia muito mais em jogo. Ora, quando ela morresse, pelo menos parte de sua fortuna caberia aos Godfrey-Bennett.

Ele aspirou uma longa baforada e pensou em judiar de Abigail. Viu-a implorando misericórdia, suplicando pela própria vida. E imaginou Braden com os olhos arregalados de pavor, um pouco antes de ele apertar o gatilho, sabendo que seria acusado da morte de Abigail. Phillip Godfrey-Bennett sorriu e ergueu o frasco num brinde ao seu plano perfeito.

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CAPÍTULO XII

Na terceira semana de setembro, Abigail estava na varanda, ao lado de Squire Braden, enquanto os irmãos e seus empregados reuniam os carneiros para a viagem ao oeste. Grace veio abraçar o sogro e depois virou-se para novamente se despedir da amiga. As duas ficaram de mãos dadas.

— Não fique assim tão triste — confortou Grace. — Duke vai voltar para a senhorita, pode apostar. E tenho certeza de que quando voltar para lá, irá levá-la. — Sua voz parecia firme, mas grandes lágrimas lhe escorriam pelas faces.

— Não é o bastante — resmungou Abigail com amargura. Ela não queria dizer mais nada. Nem Grace sabia de seu plano, porque, sem dúvida, revelaria o segredo ao marido, que então contaria a Duke.

— Fico tão triste em vê-la com essa carinha, srta. Abigail! — Grace olhou para trás quando ouviu Duke chegando a cavalo. Virou-se para Abigail e acrescentou apressadamente: — Nunca me esquecerei do que a senhorita fez de bom para mim. Assim que construirmos nossa casa, poremos na parede o retrato de casamento que a senhorita fez para nós.

Duke saltou do cavalo, ajudou Grace a montar no seu animal e depois foi se juntar a Abigail na varanda. Ela precisou lutar contra as lágrimas de decepção. Duke se recusara terminantemente a levá-la junto. Mas seu plano secreto era ir se encontrar com a caravana nas montanhas, quando já fosse tarde demais para alguém tentar levá-la de volta!

— Grace! — chamou, antes de a moça se afastar para ir se juntar ao marido. — De agora em diante, não quero mais ser chamada de srta. Abigail. Por favor, diga Abby ou Abigail.

O rosto de Grace iluminou-se num lindo sorriso e depois ela saiu galopando.

— Imagino que essa recepção fria significa que não ganharei um beijo de despedida — observou Duke.

— Penso que um beijo de “adeus” seria uma boa idéia — retrucou Abigail, evitando encará-lo. Tinha medo de que seus olhos denunciassem seu plano. — Afinal, quando você voltar, é capaz de eu já estar na Inglaterra ou então em The Grange novamente e…

— Nem pense nisso! — Ele pegou-a pelos pulsos e puxou-a mais para perto. — Eu já lhe disse que gosto muito de você, mas

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precisamos de tempo até acertarmos as coisas.— E enquanto isso, claro, devo ficar me lamentando na casa da

viúva Cranbrook, num exílio voluntário, vendo a vida passar. — Ela tentou se afastar mas se viu presa nos braços de Duke.

— Sei que não é justo, Abby, mas a vida…— Claro. Mas você também não é justo! Eu lhe mostrei que sou

capaz de lidar com carneiros. Oh, não adianta! Já discutimos sobre isso milhares de vezes nas últimas semanas.

— Entenda, Abby, se decidirmos passar o resto de nossa vida juntos, não é certo começarmos numa viagem árdua e perigosa para o outro lado das montanhas. Eu e você… não somos Earl e Grace. Tentei pensar em outros meios para fazer as coisas funcionarem para nós, mas tenho de ir para ajudar Earl a se estabelecer e marcar minha posição sobre os direitos dos posseiros. Quando eu voltar, as pessoas me ouvirão melhor…

— Eu não! Nunca mais vou prestar atenção às suas palavras se me deixar abandonada aqui!

Os dedos de Duke se entrelaçaram nos cabelos espessos sob o chapéu de palha. Sua testa empurrou-o para trás quando ele se inclinou para beijá-la. Apesar do desejo de permanecer impassível, Abigail amoldou-se ao corpo de Duke, respondendo a carícia com desespero. Que todos olhassem! Além disso, provavelmente ele ficaria furioso quando a visse se reunir à caravana, por isso teria de guardar esse último beijo como um tesouro até chegar a hora de ter outro. Duke soltou-a vagarosamente.

— Fique longe de Phillip, como já recomendei, embora tudo indique que o covarde se contentou em ficar emburrado. Eu voltarei. Eu te amo, Abby Rose, e aconteça o que acontecer…

A voz de Earl chamando a distância o interrompeu.— Duke! Está na hora!Duke acabara de dizer que a amava, pensou Abigail, enquanto

os dois ignoravam o chamado. Apesar disso, estava deixando-a.— Você me ama e o quê? — insistiu, agarrada ao braço de

Duke.— Depois decidiremos tudo. — Ele apertou-lhe o ombro, desceu

as escadas e montou no cavalo. — Abby, sinto muito pelas coisas não terem sido diferentes entre nós desde o início. Mas é que apesar das impossibilidades nós…

— Duke! — chamou Earl de novo.Ele levou dois dedos à testa num tipo de saudação e depois fez

o cavalo acompanhar o comprimento da varanda até estar perto de Squire, de quem se despediu com um aperto de mãos. Em seguida esporeou o cavalo para a direção onde estavam os carroções e logo desapareceu de vista.

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Só então Abigail voltou à realidade. Foi ficar ao lado de Squire enquanto o pátio, antes apinhado, ia se esvaziando. Pela primeira vez notou Kulalang, sem a família, sentado ao lado do condutor do último carroção. Duke não dissera nada sobre o aborígene acompanhá-los, mas talvez fosse junto até uma parte do caminho. Então o último carroção também foi engolido pela névoa da manhã e a nuvem de poeira, enquanto cães pastores e homens a cavalo tangiam o rebanho na direção da estrada que levava às primeiras encostas das montanhas Blue.

— São bons meninos, os dois, e merecem ver seus sonhos transformados em realidade — comentou Squire, que agora tinha H.M. no colo. — Um velho como eu não poderia esperar que tivessem sonhos iguais aos meus. Eu formei esta fazenda e ficarei aqui até morrer. Por sorte Duke vai ficar indo e vindo, e eu o verei com freqüência. Isso é o que importa.

— Sim, é o que importa — repetiu Abigail tristemente, mas decidindo que era chegada a hora de parar com as lamentações sobre o que poderia ter acontecido.

Precisava voltar rápido para a cidade e preparar sua própria viagem. Não queria ficar a mais do que um dia de distância da caravana. Tomou a primeira providência.

— Sr. Braden, já que vocês dois são tão amigos, quer me fazer o favor de cuidar de H.M. por algum tempo?

O rosto moreno e enrugado abriu-se num largo sorriso.— Quer dizer deixar o principezinho aqui comigo? Claro, será

um prazer!Isso fez Abigail se sentir melhor. A parte mais dura de seu

plano era passar quatro ou cinco meses longe de H.M. Não poderia levá-lo junto por causa do perigo dos dingos.

— Você vai ser meu por algum tempo, principezinho. Vamos nos divertir muito — disse Squire, dirigindo-se a H.M., mas depois olhou para Abigail. — Obrigado por ter pensado num velho como eu. Agora que estou sozinho, preciso mesmo de alguém com quem conversar.

Abigail olhava para a nuvem de poeira formada pela caravana distante. Deixaria um bilhete para Squire, explicando suas intenções, que seria entregue uma semana depois de sua partida. Só esperava que o velho, e Duke também, entendessem seus motivos.

Phillip Godfrey-Bennett estava entre seus homens na colina mais a oeste de The Grange vendo a procissão de cavaleiros, carroções e carneiros tomando a direção das montanhas.

— Malditos Braden! Não posso acreditar que conseguiram o empréstimo de fundos para suprirem a caravana apenas com o

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rendimento da última tosquia! Tentei bloquear os bancos para impedir essa viagem.

— É um rebanho de nada — caçoou George, o fiel guarda-costas de Phillip. — Podemos ir atrás deles e, lá nas montanhas, pegaremos alguns carneiros e cavalos. Também não seria a primeira vez que um mateiro bêbado desse uns tiros em homens montados — acrescentou, com uma ri-sadinha.

— Não — disse Phillip calmamente, apesar de estar fervendo de raiva por dentro.

Já era bastante ruim ver os irmãos Braden partindo para estabelecerem uma grande fazenda de carneiros quando não tinham dinheiro para isso. O que o deixava mais furioso era que quando acabara de elaborar um plano perfeito para dar fim em Abigail na estrada de Parramatta, atirando a culpa do assassinato em Duke Braden, este estava partindo para centenas de quilômetros para o oeste. Jamais imaginara que o atrevido porta-voz dos “miúdos” abandonasse sua causa para fazer a viagem. Claro, tal fato deixava Abigail e Dorset Downs mais à sua mercê, apesar dos guardas armados que ainda patrulhavam as fronteiras, mas não fora para isso que passara três semanas planejando e subornando funcionários públicos em Sidney!

Ele virou o cavalo com tanta violência que a sela estalou. Talvez tivesse uma melhor oportunidade agindo no interior. Podia raptar Abigail em Sidney e gozar “o prazer de sua companhia” até conseguir pegar Duke sozinho. E lá ele e seus homens poderiam incendiar mais facilmente o novo rancho dos Braden, pois haveria menos interferências e testemunhas.

Então todos em Sidney o veriam como um grande salvador ao ouvirem que Duke Braden estava preso em Bathurst por assassinato. A morte de Abigail seria vista como algo que Phillip Godfrey-Bennett, o primo da pobre vítima, tentara corajosamente evitar indo atrás da infeliz mulher que Duke Braden raptara ou seduzira. A opinião pública ficaria toda favorável aos “seletos”. Ele e o dinheiro e influência dos Godfrey-Bennett contribuiriam para isso. As causas dos “miúdos” seriam esmagadas.

Phillip riu baixinho e depois pensou no pai, que teria de mudar sua atitude em relação a ele. Griffin sempre o chamava de “menino”, deixando implícito que não tinha seu herdeiro e único filho em grande conta. Ultimamente vinha censurando-o por perder a oportunidade de se casar com uma rica e aristocrática inglesa. Mas ele iria mudar de atitude quando visse que seu filho conseguira acabar com a fama dos Braden e com sua defesa dos direitos dos posseiros.

Phillip teve de admitir a si mesmo que nunca sentira tanta 165

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urgência em se aproximar das montanhas e muito menos em atravessá-las.

— Eu vou lhes ensinar! — declarou numa voz tão alta que seus capangas pensaram que estavam a ponto de receberem ordem de atacar a caravana.

— Vamos pô-los para correr? — perguntou George. — Vamos atacá-los em vez de queimá-los mais tarde, patrãozinho?

— Vamos fazer tudo isso, George, mas não aqui nem hoje, quando poderão desconfiar de nós. Rapazes iremos para o oeste. Bem, agora temos muito que fazer porque não quero ficar mais do que três dias atrás dessa maldita caravana.

Phillip voltou a The Grange num galope rápido. Seus pensamentos corriam na mesma velocidade. Haveria uma mudança de planos. Agora não adiantaria mandar alguns homens a Dorset Downs na escuridão da noite para lhe trazerem Catty. Deixaria para depois a lição que pretendia lhe dar. Precisaria enfrentar a choradeira de sua mãe quando fosse lhe comunicar que passaria algum tempo em visita a Bathurst. Ela, sem dúvida, cairia de cama. Seu pai entenderia. Quanto a Lottie, não importava o que ela pensava ou sentia. O fato era que ninguém, ninguém, ficaria sabendo quais eram seus planos em relação a Duke ou Abigail até ele e seus homens estarem com o cadáver e Braden preso numa pequena cadeia da vilazinha de Bathurst.

Com o coração batendo forte diante da própria ousadia, Phillip Godfrey-Bennett esporeou o cavalo e cortou como uma flecha o vale que levava a The Grange.

Abigail nunca se sentira tão empolgada ou com tanta certeza de que estava fazendo a coisa certa. Contratara quatro guardas, inclusive dois que conheciam Bathurst. Apesar de seu entusiasmo, tinha de admitir que estava entrando numa empreitada arriscada. Mas agora, a apenas poucos quilômetros de Sidney, vendo as montanhas azuladas ao longe, podia se dar ao prazer de gozar a aventura.

O grupo estava atravessando a savana porque Abigail não quisera usar a estrada de Parramatta, onde alguém poderia reconhecê-la apesar de seu disfarce. Ela usava roupas masculinas e prendera os cabelos ruivos num coque, escondendo-os sob um chapéu de abas largas. Enquanto se vestia, sorrira ao lembrar do que Duke sempre lhe dizia sobre usar coisas mais simples. Nada mais simples do que aquilo!

Abigail sorriu de novo, olhando para as montanhas. Seu guia, Samson Reilly, lhe explicara que a estrada que cortava as montanhas fora aberta por prisioneiros e era o único caminho para atravessá-las. E era lá, onde começava a estrada, que ela pretendia

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deixar seus guardas para trás e se reunir à caravana dos Braden.Ela sentia-se empoeirada e o suor escorria pelas suas costas e

entre os seios. Mas isso não tinha importância. Ia se juntar a Duke para começar uma nova e aventureira vida com ele. Mesmo assim, imaginou o que as pessoas que a tinham conhecido em Londres e Kent, pensariam se a vissem agora. E pior, o que pensariam inclusive seu avô e sua querida amiga Janet, já falecidos, sobre uma mulher indo atrás do homem que queria, atravessando o mato na companhia de quatro homens!

— Isto aqui parece outro mundo, Sam — disse ela ao guia, que ia um pouco à frente. Era um homem de cerca de quarenta anos, um pouco grisalho, e experimentado mateiro.

Fora ele quem escolhera os três outros que a acompanhavam. Dois eram mais jovens, inclusive, por coincidência, um dos sete irmãos de Catty, Clemmie Collister. Ele sorria muito e era gago, mas, segundo Sam, não hesitava em usar uma arma quando necessário. O outro rapaz era Frank Fen-cer, loiro e pálido, que a irritava um pouco por parecer que estava sempre cochilando na sela. O quarto homem, chamado Tibbets, barbado e de olhos de águia, não falava quase nada.

Cada um desses três homens puxava um cavalo de carga. Os animais não só transportavam os suprimentos necessários para o grupo como mercadorias que Abigail usaria para a viagem com os Braden. Ela queria mostrar-lhes que planejava ser uma ajuda e não um estorvo. Passara um bom tempo na cidade comprando roupas adequadas, panelas e alimentos que seriam ajuntados aos suprimentos que já estavam no carroção.

O dinheiro que carregava consigo estava num cinto de couro colocado sob a camisa, que a fazia transpirar ainda mais. Ela confiava nos seus acompanhantes e lhes prometera uma boa gorjeta quando a deixassem perto da caravana, mas não podia descuidar. O resto de suas coisas continuava na casa da viúva Cranbrook, a quem dissera que ia visitar amigos. A mulher, com toda a certeza, estaria imaginando que ela fora ver os Godfrey-Bennett e só ficaria sabendo de toda a verdade quando ela voltasse casada com Duke. Bathurst não seria tão primitiva a ponto de não ter um juiz de paz!

— Ei, olhem aqui! — gritou Sam, puxando as rédeas e apontando para o chão. Os outros se aproximaram para examinar a descoberta. — Parece que um daqueles sujeitos pretos esteve aqui e há bem pouco tempo.

Abigail olhou para os restos de uma fogueira típica dos aborígenes, bem menor e mais bem arranjada do que as dos brancos.

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— E por que não haveria aborígenes por aqui? — perguntou. — Antes todo este território era deles e alguns ainda entram no mato para caçar. Para eles isto aqui ainda é seu lar.

Sam trocou olhares com os outros homens e balançou a cabeça, como se considerasse aquela uma idéia maluca.

— É, esses negrinhos têm umas manias engraçadas — disse a Abigail. — Eles falam que os pássaros e animais uma vez foram humanos e mais um monte de besteiras. Bem, vamos em frente. Fiquem todos de olhos abertos, rapazes. Não queremos tropeçar em negrinhos nem outro tipo de gente até entregarmos a srta. Rosemont sã e salva.

Houve um barulho que assustou a todos. Tibbets e Clemmie sacaram seus revólveres. Uma risada, um grito e um barulho de asas. Abigail abaixou-se quando uma sombra passou por ela. Um kookaburra tinha uma cobra no bico e tentava matá-la batendo-a numa pedra.

— Ui, que nojo! — exclamou Abigail.— Não é pior do que o que acontece por aqui dia e noite —

observou Sam.— Entendo por que os aborígenes dizem que pássaros e

animais um dia foram humanos — comentou Abigail, enquanto continuavam o caminho. — Acho que foi desse jeito que os brancos caíram sobre eles e roubaram suas terras!

— Ora, ora, temos uma pregadora e tanto aqui — disse Sam, virando-se para os homens, que riram com ele.

Abigail franziu o cenho. Aquele incidente estragara a glória do momento e o lugar que atravessava agora já não lhe parecia tão especial. Um pensamento caiu sobre ela tão subitamente como o pássaro atacara sua presa. E se Duke tivesse resolvido ir com a caravana para se afastar dela e romper o que havia entre eles?

— Bem, agora é melhor voltarmos para a estrada — disse Sam, interrompendo seus pensamentos. Eles estavam um pouco além das terras dos Braden onde a caravana começara a viagem. — O mato é espesso demais aqui, embora corramos também alguns riscos na estrada. Mas temos horas pela frente até avistarmos a poeira dos carroções, mesmo se eles estiverem indo a passo de tartaruga. Vamos!

No escuro da noite, Phillip Godfrey-Bennett andava de um lado para outro diante da grade de Cliffside House, esperando a copeira da Sra. Cranbrook, Rebecca, voltar. Atrás dele, escondidos nas sombras, dois capangas seguravam cordas, uma mordaça e um grande saco de aniagem para acomodar Abigail. Irritado com a demora da criada em retornar para deixá-los entrar, ele praguejou baixinho, calculando todo o dinheiro gasto com subornos que até

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agora tinha rendido tão poucos resultados. Posteriormente teria de engraxar um bocado de mãos em Bathurst para fazer com que Duke Braden fosse condenado e executado lá mesmo.

Finalmente ouviu os passos da mocinha. Ela ficou no outro lado do portão, sem fazer menção de abri-lo.

— E então, menina?— Ela saiu, senhor. Eu não sabia.— Saiu? Foi à cidade? A esta hora?— Não, senhor. A criada dela disse que ela partiu para visitar

amigos. Juro, senhor, eu não sabia que ela não estava aqui. Tenho de entrar agora.

— Visitar que amigos? Ela disse se ia a The Grange? — Phillip atirou algumas moedas pela grade.

A moça parou e voltou para trás, lançando um olhar para o dinheiro caído no chão.

— Ninguém sabe nada. Mas as outras me contaram que ela se encontrou com quatro homens armados que a estavam esperando aqui perto do portão. Ela saiu cavalgando como um homem! E estava com os cabelos presos, escondidos embaixo de um chapéu.

— Maldita! — sibilou Phillip. — Ela foi encontrar-se com o demônio.

— O quê, senhor? Quer dizer que ela morreu e foi para o inferno? Acha que eu devo contar à Sra. Cranbrook?

— Fique de boca fechada, sua tonta, e haverá mais moedas para você depois.

Phillip virou-se e encostou-se na grade, respirando com dificuldade. Seus planos tinham sido prejudicados de novo!

Como poderia imaginar que Abigail fosse se esquecer por completo da própria reputação, correndo atrás de Braden? Ficou ali, fumegando de ódio por tanto tempo, que George aproximou-se para tocar-lhe o braço.

— Não vamos entrar para pegá-la, patrãozinho?— O quê? Não. Não. Vamos sair para pegá-la! — E fez um

gesto largo na direção oeste. Arrancou as rédeas do cavalo da mão de George e tocou a arma que carregava na sela como para se certificar de que ela estava pronta. — Vamos! — disse enquanto montava. — Partiremos amanhã, à primeira luz. Temos um longo caminho pela frente. — Depois acrescentou baixinho: — Essa mulher me enganou pela última vez. Agora vou ter prazer não apenas em usá-la, mas também em matá-la!

No terceiro dia de viagem, a caravana alcançou os primeiros contrafortes das montanhas. Duke, cavalgando à frente do rebanho, tentava não contar a vagarosa passagem de quilômetros que o afastavam cada vez mais de Abby.

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Preocupava-se com ela, mesmo sabendo que estava na chamada civilização. Por várias vezes a fizera prometer que não sairia sem uma escolta. No caso de querer visitar Squire ou Catty, deveria antes mandar alguém avisar para os guardas irem esperá-la. No entanto, sabia que Abigail não tinha medo de nada e esse pensamento pesava sobre ele como uma nuvem escura naquele dia claro e ensolarado.

Ouviu patas de cavalo atrás dele e virou na sela para ver Earl se aproximando.

— Alguma encrenca? — perguntou.— Não para nós — gritou Earl, chegando mais perto. — Mas os

rapazes lá do outro lado encontraram dois sujeitos que foram atacados por salteadores e ficaram nus em pêlo. Eu lhes dei água, pão, dois cobertores e um cavalo para eles voltarem. Disse-lhes para mandarem entregar o animal a papai depois que estiverem em Sidney.

Duke balançou a cabeça, com pena dos homens, mas já ouvira histórias piores. Os bandoleiros preparavam tocaias contra os viajantes que passavam pela estrada.

— Uma boa coisa de viajarmos em caravana é que esses ladrões sabem que gente como nós não carrega dinheiro nem jóias. Mas manterei os olhos abertos.

— Os salteadores provavelmente já se enfiaram no mato. Kulalang disse que vai atrás deles para dar uma olhada. E então, como você está se sentindo aí, sozinho com seus pensamentos?

— Tudo bem, irmãozinho — respondeu Duke, mal-humorado.— Hum, pela cara, acho que você já está com saudade dela. Vai

ficar muito pior nas longas e frias noites que temos pela frente.— Ela seria um desastre nesta viagem, portanto, cale a boca.— O que pretende fazer quando voltar? — Earl ignorou o olhar

severo do irmão. — Eu estava pensando… se é que você perdoa um pobre ignorante em comparação com o ilustre porta-voz dos miúdos dar sua opinião… eu estava pensando que seu casamento com Abigail seria o melhor argumento em favor da igualdade social que você já usou.

— Nada disso. Eu jogaria fora toda minha luta.— Que nada! Vejo que você não é tão sabido como parece.

Casando-se com uma moça dos miúdos você vai estar dizendo que nós devemos ficar com gente de nossa própria classe, apesar de todos os seus belos discursos. Casando-se com uma seleta, especialmente uma que pensa como nós, você estará derrubando a maior cerca que gente como os Godfrey-Bennett poderia construir para nos deixar de fora!

Earl disse mais alguma coisa antes de se afastar, mas Duke 170

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não ouviu. Ficou imóvel sobre o cavalo, pensando nas palavras do irmão. Nunca lhe passara pela cabeça olhar para a situação sob esse ponto de vista. Mas será que não iriam dizer que ele se casara apenas para marcar um ponto político e não pela mulher em si? Não queria que ninguém, especialmente Abby, pensasse que se casara com ela por interesse político ou financeiro. Droga! Havia muito mais em jogo do que os dois!

Duke gemeu e socou a maçaneta da sela. Tinha um longo tempo pela frente e talvez conseguisse pensar melhor. Pelo menos Abby estava na cidade, sã e salva. Quem sabe, com toda a distância entre eles, as coisas se mostrassem diferentes por ocasião de sua volta. Agora, o que não podia fazer era passar o tempo todo ansiando por ela. Lady Abigail Anne Rosemont seria um estorvo naquela viagem, tentou convencer-se, procurando tirá-la de vez da cabeça.

Abigail sentiu o perigo antes de qualquer um deles se mexer. Os pássaros e até os sapos se calaram abruptamente junto à pequena nascente de água situada a uns cem metros da estrada, onde ela e seus homens tinham parado para descansar. Estava ainda com as mãos na caneca que pusera na fogueira para preparar chá, quando virou-se para perguntar ao sonolento Sam se ele ouvira alguma coisa, mas, antes que pudesse abrir a boca, quatro homens atacaram como que saindo do nada e o mundo pareceu explodir à sua volta.

Ela gritou. Seus acompanhantes, pegos de surpresa, tentaram pegar as armas, mas os salteadores atiraram primeiro. Tibbets tombou, segurando a barriga. Frank Fencer dobrou-se com um gemido. Sam e Clemmie deixaram cair as armas no instante em que um dos invasores berrou:

— Em pé! Entreguem tudo ou morram!Ainda atordoada, Abigail olhava boquiaberta para a cena à sua

frente. Não podia ser! Eles tinham vindo silenciosamente, surpreendendo seus guardas bem pagos e experientes.

— Em pé, eu já disse, moça! — berrou um outro homem. Ela, que continuara agachada perto da fogueira, como que paralisada, levantou-se vagarosamente.

— Não temos nada de valor aqui — disse Sam.— Como pode dizer isso quando está com essa moça tão bonita

vestida de homem? — contestou outro salteador, que falava com um claro sotaque irlandês. — Sabe, os últimos que pegamos na estrada deixamos nus em pêlo. Agora veremos uma cena mais bonita, não é, cavalheiros?

Os salteadores riram enquanto olhavam para Abigail.Furiosa e com medo, ela analisou os ladrões pela primeira vez.

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Dois pareciam muito jovens mas os que haviam falado tinham barbas espessas e malcuidadas, e davam a impressão de serem sujos e perigosos. Os quatro estavam usando roupas finas e descombinadas, evidentemente tiradas de suas várias vítimas. Relógios e anéis que brilhavam sob o sol do fim da tarde pendiam dos arreios dos cavalos.

— Por favor, se têm alguma piedade, deixem-nos cuidar dos feridos — implorou Abigail, esforçando-se por não estremecer diante dos olhares maliciosos. — Nós lhes daremos o que temos e vocês vão embora.

— Muito justo — respondeu o homem de aspecto brutal que fora o primeiro a falar. — Afinal, o que você tem, dona, é de grande interesse para nós. Concordam, rapazes?

— Olhe aqui! — Clemmie tentou intervir colocando-se entre Abigail e os ladrões, mas o que estava mais próximo afastou-o com um pontapé no queixo.

Abigail gritou e saiu correndo, mas foi rapidamente agarrada por mãos fortes e atirada sobre a sela como se fosse um saco.

— Peguem as coisas e os cavalos! — berrou seu captor.— Foi uma colheita e tanto, portanto não vamos desafiar a

sorte. E o que me dizem de uma dona que fala como uma dama para nos servir chá, hein, rapazes? — Ele gargalhou e deu-lhe uma palmada no traseiro.

Abigail gritou mais de surpresa do que de dor. Esse pesadelo não podia estar acontecendo! Mas o chão começou a passar cada vez mais rápido sob o cavalo. Os golpes de sua barriga contra a sela a faziam estremecer de dor. Mal conseguia respirar. Finalmente, quando já caía a noite, eles pararam.

— Acho que não foi boa idéia trazer a moça — protestou o ladrão com sotaque irlandês. — Roubo é uma coisa, mas rapto é… é…

— Estupro? — completou o bruto. — Não consegui resistir a esses cabelos ruivos nem ao jeito desafiador com que ela me olhou, Bolter Bob. Além disso, se formos pegos seremos enforcados de qualquer jeito. Por que então não gozarmos da companhia de uma moça bonita? Meu nome é Jack, o Gentil, madame — disse, apalpando as nádegas de Abigail. — E se você se comportar, pode ser que eu a guarde só para mim em vez de dividi-la com os outros. — Ele lhe deu outra palmada e esporeou o cavalo, saindo a galope.

Abigail estava terrivelmente enjoada, mas não conseguiu vomitar. Só lágrimas pingaram da sela caindo na poeira.

Naquela mesma noite, Abigail estava junto da fogueira dos salteadores com um de seus próprios cobertores nas costas. Ainda se sentia atordoada. Seu cérebro recusava-se a pensar. Cada vez

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que pensava em escapar, só lhe ocorriam as imagens mais assustadoras. Estuprada, torturada, ferida ou assassinada. No mínimo a deixariam ali para morrer, como tinham feito com seus homens, abandonados sem viver e sem os cavalos. O bandido a quem chamava mentalmente de O Bruto, apesar de ele ter se apresentado como Jack, o Gentil, já encontrara seu cinto com dinheiro quando lhe apalpara os seios do modo mais nojento possível. Mas o outro, Bolter Bob, O Irlandês para ela, também a queria e agora os dois estavam tirando a sorte perto da fogueira.

O pensamento a fez ficar mais alerta. Os dois estavam jogando dados e o prêmio para o vencedor seria ela! Ela, lady Abigail Anne Rosemont, de Fairleigh, que só quisera se juntar aos seus amigos e ao homem que amava. Ela, a civilizada e muito inglesa herdeira de lorde Sinton, que viera em busca de aventura e aprendera a amar essa terra ainda meio selvagem, mas cheia de encantos.

A noite estava fria. As estrelas olhavam para o mundo com indiferença. Ela estremeceu ao ouvir os uivos dos dingos. Se tentasse correr para o mato, certamente seria atacada por eles. Mas talvez cães selvagens fossem preferíveis. Não era de admirar que o povo de Kulalang pensasse que pássaros e animais tinham sido humanos numa certa época.

Abigail apertou os joelhos contra o corpo e tentou ver a área à sua volta sem virar a cabeça. A mata fechada cercava o pequeno acampamento. Nunca encontraria a estrada, mesmo que os salteadores a libertassem. Não tinha a menor idéia de que direção tinham vindo. O guarda encarregado de vigiá-la, um rapaz de chamavam de Lag Along, estava com a pistola apontada para ela e bebendo rum de uma garrafa que segurava com a outra mão.

Não via nenhuma esperança de fuga ou salvação. Só podia rezar para os bandidos beberem até cair ou começarem uma briga por ela, onde se feririam uns aos outros. Aproveitando-se de alguns minutos de distração, poderia se esconder no mato até os quatros saírem à sua procura. Assim que amanhecesse tentaria alcançar a estrada e…

— Ganhei a honrada primeira dança — anunciou O Bruto, aproximando-se dela. Ele abriu a boca num sorriso malicioso, exibindo dentes cariados.

Os rapazes riram. Ela só olhou para cima, sem se mexer, embora um arrepio gelado percorresse sua espinha.

— Só porque os dados estavam viciados — protestou o Irlandês. — Mas estou disposto a esperar minha vez.

— Olhem aqui, vocês têm meu dinheiro e todos os meus bens — insistiu Abigail mais uma vez, apesar de sempre ter recebido ordens de fechar a boca quando tentava conversar. — Tenho muito

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mais do que isso em Sidney. Se me levarem até lá… Não acham que ganhar um resgate seria melhor do que…

— Cale a boca! — O Bruto abaixou-se para pegá-la. — Você não vai precisar desse cobertor porque eu tenho o meu e a manterei bem quentinha.

O fedor de bebida em seu hálito a paralisou por um instante.— Por favor, por favor, quero só mais algum tempo —

implorou, enquanto o ladrão a arrastava pelo pulso para o lugar onde deixara suas coisas. Ele definira uma área só para si, cercada pelas selas capturadas dos guardas. Sentou-se e puxou-a para o colo.

— Venha, venha, agora quero que você vista um dos vestidos que trouxe. Depois vai tirá-lo e nos dar um belo espetáculo! — resmungou O Bruto, apalpando-a por cima da camisa e da calça. — Não quero deitar com um rapaz!

Tempo! Podia tentar ganhar tempo! Dentro do alforje tinha pentes, grampos, alfinetes de chapéu que poderia usar como armas. Trouxera essas coisas pensando em um dia ficar bonita para Duke. Duke! Ele parecia tão irreal, tão distante! Talvez nunca ficasse sabendo o que tinha acontecido com ela e quanto ela o amava.

— Está bem. Porei um vestido — disse, levantando-se do colo do Bruto.

Enquanto os homens a olhavam como se nunca tivessem visto uma mulher, abriu o alforje e tirou um vestido azul, puxando junto um alfinete de chapéu que escondeu na palma da mão. Soltou a camisa das calças, mas enfiou o vestido sobre ela, apesar das vaias e assobios dos ladrões.

— Deixem ela em paz! — berrou O Bruto. — Quando o vestido sair, o resto virá junto!

Querendo ganhar mais tempo, Abigail tirou as calças com um gesto rápido, protegendo-se com a saia do vestido.

Quase gritou quando viu O Bruto lambendo os lábios, mas forçou-se a ficar calma. Seu plano era feri-lo nos olhos com o alfinete e depois tentar pegar sua arma. Então…

— Estou cansado da brincadeira — anunciou O Bruto, e levantou-se pesadamente. — Bolter Bob, segure os braços dela e eu terminarei o trabalho.

A delicada arma caiu da mão de Abigail quando O Irlandês puxou seus braços para trás. O Bruto aproximou-se e apalpou-lhe os seios enquanto erguia a saia com a outra mão. Ela só conseguia ouvir a respiração áspera dos homens e o crepitar da fogueira. Mordeu o lábio, sentindo a garganta paralisada, embora sentisse vontade de gritar. Tentou apagar a expressão de lascívia que tinha

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diante de si sobrepondo-lhe a lembrança de seu amado Duke.Então Abigail ouviu outro ruído, o som do vento passando pelas

folhas, um som estranho, mas maravilhoso, que ela já conhecia. Aborígenes ali? Se gritasse agora, eles viriam em seu socorro? E qual seria seu destino? Seus guardas tinham lhe contado que havia aborígenes que atacavam viajantes, como os salteadores.

Os homens não perceberam nada. O Bruto levantou uma de suas pernas nuas, apoiando-a no quadril e depois estendeu a mão para pegar a outra.

— Nem um pio agora, nem um pio a não ser que seja para pedir mais — murmurou ele.

A barba áspera arranhou o rosto de Abigail. O Irlandês, segurando-a por trás, deu uma gargalhada e depois beijou seu pescoço. Ela voltou a ouvir o som esquisito quando estava abrindo a boca para gritar.

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CAPÍTULO XIII

Um bumerangue atingiu a nuca do Bruto. Ele soltou as pernas de Abigail e caiu. Desequilibrada, ela tombou sobre o Irlandês.

— Balanda! Balanda! — um grito fantasmagórico cortou a escuridão.

Abigail ficou paralisada por um instante, mas logo tentou se libertar das mãos do homem.

Com gritos frenéticos, seus outros dois captores entraram em ação. Ela soltou um gritinho de pavor quando uma lança atingiu um dos mais jovens no peito, prendendo-o ao chão junto dela.

— Atirem neles! Estão por todos os cantos! — rugiu o Irlandês, empurrando-a para longe. Agachado, ele disparou a arma na direção do mato e depois rolou para pegar outra pistola.

Abigail abaixou-se perto do homem atingido pela lança enquanto as balas zuniam sobre ela. Ficou olhando, quase sem conseguir acreditar, enquanto uma grande mancha vermelha ia brotando no peito dele. Sentiu o cheio de pólvora e de morte. Com um grito estrangulado, tentou levantar-se para correr.

Conseguiu ficar primeiro de joelhos e depois em pé, entre balas e gritos. Sentiu uma pontada no tornozelo. Uma luxação? Um tiro? Mesmo assim, tinha de correr! Num mergulho desesperado, afastou-se da fogueira e entrou na escuridão.

O mato fechado interrompeu seu vôo. Abigail levantou-se, mancando, com medo de tocar a perna. Cambaleando, tentou se afastar o máximo possível dos tiros e gritos, mas lhe parecia que teria de correr quilômetros para escapar daquele caos. Ouviu patas de cavalo. Talvez a estivessem perseguindo! De repente, todos os sons se suavizaram. Um súbito silêncio caiu sobre a mata e ela agora só ouvia a própria respiração e gemidos de dor. Sem forças, tomada de medo, abraçou-se a uma árvore como se esta fosse sua última amiga na terra. Apoiando o peso na perna boa, deslizou para o chão e pôs a mão no tornozelo.

— Oh, não! — murmurou, sentindo o sangue viscoso. Então, na escuridão, ouviu um pio fúnebre. Levantou-se o mais rápido que conseguiu, com as costas pressionadas contra a árvore. Começou a tremer, batendo os dentes. Precisava encontrar um pau ou uma pedra para se defender no caso de ser um animal. Tinha também de encontrar um jeito de chegar à estrada sem ser surpreendida pelos salteadores que haviam sobrevivido ao ataque dos

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aborígenes. E, acima de tudo, tinha de sair viva para encontrar-se com Duke! Prendendo a respiração, ouviu algo se arrastando no mato. Patas de animal? Estendeu a mão e quebrou um galho seco, segurando-o como um bastão. Mas o que isso adiantaria contra um dingo? Mais perto, mais perto, algo se aproximava com passos quase inaudíveis. Ela mordeu o lábio, lágrimas escorriam pelas suas faces. E se fosse um dos salteadores ou um aborígene hostil?

— Mulher de cabelos pôr-do-sol? — uma voz perguntou. Abigail virou a cabeça. Os passos não tinham vindo da direção para onde olhara.

— Kula… Kulalang?— Dois homens mal-acabados. Dois fugiram. Homens não vão

mais machucar mulher de cabelos como pôr-do-sol — ele falou num tom normal, como se estivesse fazendo um relatório.

— Graças a Deus é você! Duke está por perto? Ou Earl? Onde está o resto de sua tribo?

Kulalang como que se materializou perto dela. Recuperara o bumerangue e a lança. A pintura branca o fazia parecer um esqueleto.

— Só Kulalang.As forças de Abigail sumiram. Ela deslizou para o chão.— Tudo bem agora — disse Kulalang, abaixando-se sobre ela,

sem tocá-la. — Meu amigo, seu homem, vou andando buscar.— Eles levaram todos os cavalos? — Abigail falava com

dificuldade por causa dos tremores. — Não posso andar. Onde está Duke? Você não pode me deixar aqui sozinha. Os dingos vão me pegar.

— Esperar em cima da árvore. Dingos não sobem. Meu amigo, seu homem, virá quando tiver sol, não estrelas.

Ela não tinha escolha. Ficou só balançando a cabeça, concordando. Kulalang a salvara sozinho, quando estava certa de que havia dezenas de aborígenes. Ele traria Duke. A dor já não era tanta. Sentia o tornozelo mais entorpecido do que dolorido. Ela veria Duke. Ela teria de enfrentar Duke. Sentia-se confusa, tonta. Seus preciosos planos arruinados. Mas esperar no alto de uma árvore quando estava tão atordoada…

Kulalang tirou a faixa que tinha nos cabelos para amarrá-la na perna de Abigail, como um torniquete. Ela continuava falando e ele se mantinha em silêncio.

— Eu trouxe muitos presentes nos cavalos de carga, sabe? Uma coisa para você também, Kulalang, uma faca muito bonita. Comprei porque o vi saindo com a caravana.

Kulalang enfaixou-lhe o tornozelo com tiras cortado do vestido azul sujo e amarrotado, que ela estava usando solto e desabotoado,

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sobre a camisa de homem.— Agora tudo sumiu, meu dinheiro também. Duke vai me

esfolar viva, ele… ai, ai! Está doendo. Mas foi bom eu não trazer H.M., porque os homens e os dingos iriam machucá-lo.

Abigail não saberia dizer como, mas Kulalang colocou-a numa forquilha no alto da árvore. Ela sentia calor, um calor estranho porque não havia sol. Agarrou-se ao tronco, desejando que fosse Duke. Percebeu então que Kulalang a amarrara a ele com cipós. Mas as amarras em sua cintura eram como as mãos do Bruto e os homens, os homens…

— Não! — gritou.— Sem falar! Sem falar, mulher de cabelos como pôr-do-sol. —

Espere sol estar no alto do céu.Então ela ficou sozinha com seu medo na imensidão da noite

escura. Agarrou-se à árvore, desejando e fingindo que era Duke.Abigail entreabriu os olhos. O sol estava no alto. Kulalang

prometera… Todo seu corpo doía. A perna… Então ouviu vozes de homens.

Ela arregalou os olhos e tentou se sentar. Não estava mais na árvore. Duke! Kulalang trouxera o seu Duke!

— Deite e descanse! — ordenou Duke.Abigail ficou olhando para sua boca, esperando mais palavras.

Queria abraçá-lo e beijá-lo, mas viu os lábios fechados numa linha tensa enquanto os braços musculosos a obrigavam a deitar. Estava na sombra e dois cavalos pastavam perto. Nada da árvore onde evidentemente passara a noite e a manhã.

— Você teve uma febre — contou Duke. — Mas acho que já cedeu.

Sua voz era tão fria e controlada que ela sentiu um aperto no coração. Por que Duke não a tomava nos braços dizendo que agora estava tudo bem entre eles? Agora que enfrentara terríveis perigos, que vira a morte de perto conhecia o valor de cada minuto que tinham compartilhado.

Tentou pôr tudo em palavras, mas a voz se recusava a sair.Duke colocou um pano úmido em sua testa. Com um suspiro,

Abigail relaxou sob seus cuidados. Ele a amava. Já dissera isso. Como se sentia feliz em vê-lo! Os eventos da noite anterior agora pareciam apenas um pesadelo apavorante. Duke a protegeria contra tudo. Mas ele estava muito sério e ela podia ver claramente a pulsação de uma artéria no seu pescoço, que aparecia quando estava muito, muito bravo.

— Lamento o que aconteceu, mas eu tinha de vir, Duke.— Eu lamento também, mas falaremos sobre isso mais tarde. E

lamento também você ter acordado porque precisamos tirá-la 178

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daqui para o caso de seus captores voltarem. A bala só a atingiu de raspão, mas você perdeu muito sangue.

— Não tenho como agradecer a Kulalang.— Não tem mesmo — resmungou ele. — Você se esforçou o

máximo para ser morta me desobedecendo e não respeitando a mata e seus perigos.

Abigail ergueu-se num cotovelo e empurrou a mão de Duke com a compressa.

— Eu não me esforcei para ser morta! Estava com quatro guardas armados…

— Que foram burros e se deixaram atacar por salteadores. Eu gostaria de estrangulá-los. Mal posso acreditar que você veio até aqui quando não era desejada!

— Seu ingrato! Só fiz isso para estar com você, para ajudá-lo na viagem! — gritou Abigail, apesar da dor de cabeça.

— Me ajudar? — zombou Duke e inclinou o rosto tão perto dela que Abigail teve de se deitar. — Já foi ruim o bastante eu me apaixonar por você e depois ficar me preocupando com seu bem estar em Sidney. Mas aqui…

— Agora que estou com você, vai dar tudo certo. Eu pagarei pelas coisas que usarei no caminho e o ajudarei com meu trabalho!

— Imagine! — zombou Duke. — Este é um mundo diferente, Abigail, um mundo que você não conhece. E ele pode ser muito cruel para quem não toma cuidado!

— Não venha com sermões! — protestou Abigail, furiosa com a atitude fria de Duke. Por que ele não se mostrava encantado por vê-la com vida e não gritava de alegria em vez de cólera? — Além disso, você me disse a mesma coisa no navio e eu me saí bem até agora, não é?

— Verdade? — Duke levantou-se e pôs as mãos na cintura. A barba de um dia e as sombras escuras sob seus olhos o faziam parecer ainda mais sisudo. — Depende do ponto de vista, lady Abigail. Pela primeira vez tenho de concordar com os Godfrey-Bennett. Você fez uma bagunça e tanto!

A raiva sugou o resto de energias de Abigail. Ela sentia-se tonta só por ter estado olhando feio para Duke. Como ele se atrevia a repreendê-la quando passara por momentos tão difíceis e talvez estivesse ainda sangrando? Ia lhe mostrar que não precisava dele, nem agora nem nunca!

Tentou se levantar, mas a dor no tornozelo foi como uma punhalada. Ficou imóvel por um momento, pensando que dali a pouco conseguiria, mas suas pálpebras se fecharam. Bem, assim que estivesse em companhia de gente sã, como Grace e Earl, iria lhe mostrar!

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Suspirou e tentou mudar de posição. Duke iria lhe pedir perdão antes que terminasse com ele! Quanto a esperar que ele se casasse com ela, ridículo! Talvez nunca mais quisesse ser uma noiva de Braden. A não ser que Duke suplicasse, implorasse, não o queria mais depois de sua cruel atitude, quando ela planejara uma reunião tão diferente.

Ouviu os homens mexendo em selas e arreios, talvez se preparando para montar. Kulalang disse algo a Duke em sua voz nasal e cantada. Ela também tinha muitas coisas para dizer a Duke. Precisava também agradecer a Kulalang, mas o que acontecera a deixara tão tonta…

— Segure o cavalo enquanto a ponho na sela — ordenou Duke a Kulalang.

Ele pegou Abigail com cuidado, grato pelo sono pesado que não a deixaria sentir muita dor. Equilibrou-a na sela e depois montou, puxando-a para junto do corpo. O contato fez uma onda de desejo percorrer suas coxas, deixando-o ainda mais furioso. Kulalang, que detestava cavalgar, insistiu em ir andando, levando a outra montaria pelas rédeas.

— Encontrei água para os cavalos lá atrás — informou Kulalang, fazendo um gesto largo na direção da mata. — A nascente agora está assombrada pelos espíritos dos homens que pegaram mulher de cabelos como o pôr-do-sol.

Duke apertou Abby contra o corpo, olhando para seu rosto pálido. O simples pensamento do que poderia ter lhe acontecido o afligiu com um terror que impulsionou sua cólera. De repente ele ouviu um barulho distante mas bem conhecido.

— Cangurus, muitos deles — disse a Kulalang.— Sim, muitos malu. Nossos irmãos vieram nos ver. Muitos

anos antes, Kulalang ficara observando de uma das cavernas à beira da lagoa o jovem Duke Braden, então com apenas doze anos, cuidar de um canguru ferido. Essa atitude forjara o vínculo de confiança que passara a uni-los. Kulalang, que via no malu o seu totem, adotara o rapaz como irmão.

O bando de cangurus veio se aproximando, levantando uma grande nuvem de poeira. Eram uns cinqüenta, pensou Duke, e Kulalang, como sempre, estava certo. Os gigantes saltadores de cor cinzento avermelhado se dividiram, dando a volta em torno deles, como se respeitassem aqueles que os honravam.

O silêncio voltou a reinar. Abigail se mexeu e, ainda adormecida, levou a mão à cabeça. A poeira assentou, mas os confusos sentimentos de Duke estavam longe de se assentar.

Maldição pensou ele, estava inclusive com raiva de si mesmo por tê-la repreendido, mas não conseguira se conter. Ela nunca o

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obedeceria? E ele que estivera preocupado com o bem estar dela na civilizada Sidney! Abigail poderia ter sido estuprada e morta pelos salteadores se Kulalang não chegasse a tempo. E fora uma bênção Kulalang encontrá-la.

Alguns aborígenes tinham o costume de matar mulheres desacompanhadas, mesmo se fossem de suas próprias tribos. Se Abigail tentasse fugir para o mato, como dissera enquanto estava delirando de febre, os dingos a teriam atacado ou então ela ficaria vagando sem rumo até morrer de inanição, como acontecera com tantos antes dela.

Olhou para o rosto de Abigail e viu gotas de suor sobre o lábio superior. Esperou que não fosse a febre voltando.

— Kulalang, acho melhor eu parar por aqui para ela descansar. Você vai ficar conosco?

— Eu fico. Pare ali — acrescentou o aborígene, indicando um bosque de bambus. — Não tem nascente, mas tem água.

Duke dirigiu o cavalo para o bosque. Nesse instante tomou uma decisão. Não ia deixar passar a oportunidade de ensinar algumas coisinhas a lady Abigail. Mesmo salva da morte por pouco, ferida, desgrenhada e tonta, ela ainda estava convencida de que agira certo ao vir até ali.

E ela dissera que estava disposta a pagar pela sua estadia. Ora, não precisava mais nada do que vê-la exibindo sua fortuna e parentesco com os Godfrey-Bennett em Bathurst! A augusta srta. Abigail precisava aprender a ter respeito pela mata e algumas coisas sobre ela que Kulalang fora lhe ensinando ao longo dos anos. Sim, era isso que tinha de fazer! Assim ela parada de ignorar seus desejos e os limites da racionalidade só para fazer as coisas à sua moda. Além disso, a idéia de que Abigail conseguiria fazer as coisas à sua moda, levando-o para onde ela queria, não lhe dando escolha, o aterrorizava. O pior era que ele a desejava. Abotoara seu vestido sujo e rasgado nas costas, mas desejando o tempo todo tirá-lo, mesmo depois do que ela passara com os bandidos. Onde tinha ido parar o controle que exercia sobre sua vida antes de Abigail entrar nela com seu jeito atabalhoado? — Droga! — rosnou.

Abigail abriu os olhos e segurou-o com mais força antes de acordar de vez e se enrijecer em seus braços.

— Você não precisa me segurar. Posso montar.— Duvido.— Onde estamos?— Voltando. É melhor descansarmos.— Sonhei que estava ouvindo tambores. Parecia um

corroboree.— Foi um bando de cangurus — explicou Duke, tentando evitar

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os olhos de Abigail. Os cabelos ruivos, soprados pela brisa, entraram em sua boca e o fizeram estremecer de desejo. Era impressionante como seu corpo respondia tão rápida e poderosamente ao dela, mesmo quando queria por toda a força manter-se frio e impassível, pelo menos até ela admitir que não devia ter vindo. — Se você estivesse sozinha, eles a teriam esmagado como uma panqueca — disse, começando a primeira lição.

— Duvido — respondeu Abigail atrevidamente, apesar da fraqueza que sentia. Pegou o pulso de Duke e afastou a mão que ele pusera em sua coxa, sobre o tecido fino do vestido.

Abigail dormiu a tarde toda, mas já estava se sentindo melhor quando anoiteceu. O que a aborrecia era o jeito brusco de Duke e o silêncio de Kulalang. Eles haviam acampado perto do bambuzal. Os uivos distantes dos dingos tinham começado de novo, mas agora ela confiava no fogo e nos dois homens que a acompanhavam para livrá-la dos perigos.

— Sabe, Abigail — começou Duke no tom sonoro que estava usando com ela desde a manhã —, você precisa aprender a respeitar este território ainda selvagem.

— Eu gosto daqui. Acho tudo bonito, à sua própria moda. Mesmo depois de tudo o que aconteceu, continuo gostando — teimou Abigail, enquanto tomava um gole de água do cantil, irritada por precisar dele. — Tenho certeza de que eu aprenderia muito bem a viver aqui se não fosse por esta perna.

— Sim, esse é que é o problema. — Duke passava toicinho de carneiro num pedaço de damper torrado. — Aqui ninguém está livre de um acidente inesperado. Você poderá se ver sem água, seu cavalo poderá quebrar uma perna numa toca de animal, de repente pode haver uma inundação ou um incêndio. Aqui os elementos são hostis.

— Igualzinho a um homem hostil furioso com uma mulher que quer detestar, mas não consegue.

Duke olhou feio para ela, depois acrescentou:— Você precisa de mim, Abigail. Confesse. Você depende de

mim para obter água e comida, para manter essa sua vida de seleta mimada.

— Eu não sou dependente de você, Duke Braden! — Abigail estava quase chorando. Por que ele tinha de ser tão mau só porque ela o desobedecera? — Eu… eu tenho Kulalang para me ajudar.

— Ah, ah, só porque ele pensa em você como minha mulher, não é mesmo, Kulalang? — O aborígene só encolheu os ombros. Era sábio demais para entrar naquele combate de vontades. — Mas, já que você acha isso, por que não pede para Kulalang lhe dar

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um pouco de sua comida?— É isso mesmo que vou fazer. Ele não é orgulhoso demais

para aceitar meus agradecimentos e uma promessa de que será recompensado depois, não é, Kulalang?

Um outro erguer de ombros. Duke não deu a Abigail o pedaço de pão com toicinho. Encostou-se na sela e começou a comer ele mesmo. Enfiou o cantil entre as coxas, como para dizer, se você quer, venha buscá-lo. Depois bocejou e espreguiçou-se, tão obviamente entediado que Abigail sentiu vontade de estrangulá-lo. Por um instante, a raiva que fervia dentro dela quase a fez se esquecer do tornozelo latejante.

— Kulalang, lady Abigail gostaria de compartilhar de seu jantar e o recompensará regiamente quando… e se… acabar encontrando o caminho de volta para Sidney e a mãe Inglaterra. O que você está comendo esta noite meu amigo? Kulalang apontou para uma massa amarelada parecendo um pudim, que trazia dobrada dentro de uma folha. Não pareceu tão mal para Abigail, algo como um creme “à Iamata virgem”. Gostaria de comer tudo, só para mostrar a Duke Braden o que achava de seus sermões.

— Ah, parece delicioso — prosseguiu Duke. — Quer um pouco, Abigail?

— Eu não estou com muita fome — mentiu ela. — O que é isso? .

— Como eu já disse, leva um tempo até um branco se adaptar aos costumes desta terra — disse Duke, num tom professoral. — Isso aí é um purê de larvas gordas e amarelas. Se estivéssemos perto de uma nascente de água, Kulalang lhe fritaria alguns girinos ou serviria um refresco feito de formigas verdes, que vem sendo um alimento básico para os aborígenes há muitos séculos. Já comi essas coisas e posso lhe garantir que são gostosas.

— Eu… não… Obrigada, Kulalang. — Abigail, com um sorrisinho amarelo, tentou ignorar a expressão de zombaria de Duke enquanto Kulalang lhe estendia a folha com a comida.

Por que ele a estava tratando desse jeito? Abigail levantou-se e apoiando-se no galho em forma de Y que Duke lhe cortara para servir de muleta, mancou até onde estava sua cama improvisada e enrolou-se num cobertor. Sentou-se de costas para eles, não se preocupando mais em manter a espinha ereta, num gesto de desafio. Estava com frio, fome, sede e dolorida, e não só fisicamente. Lutando contra as lágrimas, não olhou para trás ao ouvir os homens conversando baixinho nem quando passos se aproximaram.

— Abby, pegue — disse Duke.Ela levantou a cabeça para olhá-lo. O fogo atrás dele delineava

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sua silhueta viril, com ombros largos e quadris estreitos. Ele lhe entregou um pedaço de bambu.

— É uma arma para eu afastar dingos ou homens… homens hostis?

— É água para beber. Ela se acumula no interior do caule. Se você quiser beber mais ou se lavar um pouco, vou cortar outros. Olhe, sei que você está cansada e com dor. Não quis me divertir à sua custa agora há pouco.

— Mas se divertiu — retrucou Abigail, porém pegou o bambu e levou-o aos lábios. A água era doce e fresca.

— Olhe, Abigail, só quero que você aprenda que aqui não pode ficar na dependência de ninguém. Não existe um mordomo para trazer mais chá com torradas como na bela Inglaterra.

— Se eu quisesse uma vida de luxo, voltaria para lá. Mas já lhe disse que não tenho medo de enfrentar a vida aqui. Nem um pouquinho!

Duke voltou a endurecer o coração. Por que continuava desejando ardentemente essa mulher quando ela era mais vinagre do que mel? Sua simples presença o fazia queimar como se estivesse deitado na fogueira. Queria acariciá-la, abraçá-la, possuí-la. Se houvesse um poço de água por perto, se atiraria nele de roupa e tudo para se acalmar.

— Parabéns por não sentir medo de nada aqui no mato — disse, sarcástico. — Mas se eu fosse você, chegaria mais perto do fogo. Ele ajuda a espantar dingos e cobras.

— Cobras! — Abigail tentou levantar-se com a ajuda da muleta e quase caiu.

Duke amparou-a, passando a mão em torno de sua cintura e segurando-lhe a mão livre. Depois abaixou-se para pegar o cobertor. Até que enfim conseguira assustá-la, pensou.

Abigail deixou-se conduzir. Gostaria de não se sentir tão confusa. Apesar de querer se mostrar forte e decidida, ansiava por ficar mole nos braços de Duke, confessando sua fragilidade.

— Onde está Kulalang? — perguntou, ao chegarem perto da fogueira.

— Ele foi dormir sozinho — informou Duke. — Idéia dele, não minha.

— Por favor, ponha o cobertor aqui — pediu Abigail, tentando um tom despreocupado e indicando um lugar onde ficaria separada dele pela pequena fogueira.

— Pelo menos essa seca impede o aparecimento de moscas varejeiras — prosseguiu Duke.

Ele ainda estava tentando impressioná-la, pensou Abigail. Resolveu ignorá-lo, se pudesse. Se conseguisse deitar, talvez a

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exaustão dominasse a fome de seu corpo por comida e pelo homem que tinha à sua frente. Observou-o com desconfiança enquanto ele desenrolava um pedaço de corda e fazia um círculo com ela em torno de sua sela e cobertor.

Ela odiava lhe dar a satisfação de lhe explicar o ritual, mas sua curiosidade falou mais alto.

— Isso é uma superstição aborígene?— A corda? Não. As varejeiras não gostam da seca, mas cobras

não ligam para ela. E cobras não gostam de se arrastar sobre coisas ásperas, como a corda. Mas não se preocupe, as venenosas estão em minoria aqui.

— Você… você tem uma outra corda para mim? — Ela esqueceu-se de sua decisão de permanecer impassível.

— Claro — sorriu Duke. — Deixe-me colocá-la em torno de seu cobertor, já que você está com a perna machucada.

Ele ganhara uma batalha, pensou Abigail, mas recusou-se a admitir a derrota. Afinal, Kulalang estava por perto e viria em seu socorro se algo realmente terrível acontecesse.

— Tome — disse Duke, depois que terminou a tarefa e voltou a sentar-se em seu cobertor. — É melhor você comer este pão ou ele estará mofado pela manhã.

Sem pensar em mais nada, Abigail ficou de joelhos para pegar o grande pedaço de damper com toicinho. Então, quando seus dedos se tocaram rapidamente por cima das chamas, deu-se conta de que arma poderia usar no caso de Duke querer continuar com seu joguinho. Sim, ele conhecia muito mais o mato do que ela; vivera a vida toda em torno dele e aprendera muito com Kulalang. Mas ela estava com uma vantagem. Agora mesmo vira o desejo brilhando claramente em seus olhos. Sim! Duke ainda a queria, mas estava tentando fazê-la se desculpar por ter feito o que ele considerava ser uma tolice. Queria uma rendição sem condições! Ora, isso nunca aconteceria antes de ele pedir desculpas por ter sido tão malvado!

Esperando que Duke não desconfiasse do que ela realmente pretendia, Abigail levou um bom tempo comendo o pão e lambendo os lábios e dedos.

— Hum, estava delicioso, obrigada — murmurou, consciente dos olhos que, mais quentes do que o fogo, a contemplavam das sombras. Limpou os dedos na relva e começou a pentear os cabelos com eles, sacudindo as mechas para fazê-las brilhar como cobre líquido à luz das chamas. Depois, espreguiçando-se, começou a comentar o “encantamento sensual” que lhe provocava a beleza da noite.

A voz de Duke quebrou-se mais de uma vez durante as 185

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respostas. Ele continuou imóvel como uma estátua até Abigail dizer que ainda sentia frio. Então lhe atirou um outro cobertor e deitou-se, enrolando-se no seu. Abigail ouviu sua sela ranger enquanto ele procurava uma posição para a cabeça e ombros.

— Se você ouvir sons arrastados, talvez seja apenas uma colônia de nesóquias — murmurou ele roucamente.

Abigail não tinha a menor idéia do que seria um nesóquia, mas não ia se deixar assustar por um outro truque, principalmente não agora quando estava por cima. Quase podia sentir o calor e o desejo que emanavam de Duke. O problema era que ela também estava louca pelas carícias dele.

— Não me incomodo com nesóquias — disse, num tom indiferente, rezando para ele ter inventado aquele bicho.

O nome lhe parecia incrivelmente ridículo. — Boa noite, Duke.— Como está sua perna?— Na verdade, está rígida e inchada, e lateja um pouco. Eu

gostaria de algo para aliviá-la, se é que você me entende.Abigail ouviu-o virar sobre o cobertor, dando as costas para ela

e prendeu a respiração.— Sim — concordou ele, num tom estranho. — Eu já levei um

tiro.E daqui a pouco vai levar outro, se não confessar que precisa

de mim, pensou Abigail. Ela sentia-se ao mesmo tempo feliz e culpada por recorrer a esse tipo de jogo sensual contra ele. Mas estava envolvida numa luta muito importante: por esse homem, essa terra, Earl e Grace, por uma vida onde poderia ser Abby Rose e não lady Abigail, a não ser que isso fosse capaz de ajudar a causa de Duke. Sua própria causa agora era ganhar a pequenina guerra em que os dois estavam combatendo.

Forçou-se a ficar imóvel e finalmente acabou pegando no sono.Duke ficou acordado por muito tempo, ouvindo os ruídos da

noite e a respiração de Abigail. Sentia-se a ponto de explodir. Se ela tivesse dito mais uma única palavra sedutora, teria se atirado para o outro lado da fogueira. Era estranho dormir ao ar livre sem o rebanho inquieto e barulhento ao qual havia se acostumado e sem a obrigação de acordar para pegar seu turno de guarda. Mas finalmente adormeceu, só para ser acordado pelos gritos de Abigail.

— Não! Não! Tem sangue na minha perna. O homem! O homem!

Ele saltou sobre a fogueira e num instante estava ninando-a em seus braços.

— Não! Não! — ela voltou a gritar, socando-lhe o peito e tentando arranhar seu rosto antes de acordar e perceber que tinha

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tido um pesadelo.— Abby, é Duke! Duke! — Ele soltou-a para não assustá-la

ainda mais, mas Abigail piscou, aflita, e depois atirou-se contra ele.— Oh, Duke, Duke, eu pensei…— Está tudo bem. Descanse agora. Os dois se abraçaram com

ardor.— Quando tudo aconteceu, eu… eu tive medo de não vê-lo de

novo.— Estou aqui, querida, estou aqui. Nunca mais vou deixar que

algo ruim lhe aconteça — prometeu Duke, antes de perceber o que estava fazendo. — Não enquanto eu estiver por perto — emendou. — Amanhã, quando chegarmos à caravana, você poderá ficar junto de Grace e os guardas o tempo todo.

— Acho que Grace e Earl não vão gostar muito dessa idéia nas longas e frias noites como esta — replicou Abigail, agora bem acordada e voltando à carga.

Um tanto sem jeito, os dois se afastaram do abraço desesperado e sentaram-se, mas suas mãos ainda se tocavam.

— Está muito frio — comentou Duke. — Vou aumentar a fogueira. Não, tive uma idéia melhor.

Se ele tivesse lhe pedido para deitar nua ao lado dele, Abigail teria aceitado no mesmo instante. O que mais queria da vida era sentir a força, segurança e amor que poderia extrair daquele corpo quente e musculoso. Mas Duke começou a cavar uma vala com sua muleta improvisada. Primeiro fez uma comprida e depois, a uns trinta centímetros de distância, cavou a outra.

— O que você está fazendo?— Um outro truque aborígene. Veja, vou colocar as cinzas

quentes nessas valas e depois as cobrirei com uma camada de terra. Então deitaremos em cima e nos aqueceremos.

Ele fez o que dissera e depois ajudou-a a deitar.— Hum, que gostoso — sorriu Abigail. — Uma delícia.— O único defeito é que você vai se sujar de terra, mas vale a

pena.— Mais suja do que estou, impossível — observou Abigail,

enquanto Duke a cobria com dois cobertores. — Tenho certeza de que agora vou dormir sem pesadelos.

Duke atiçou o fogo e as chamas se tornaram mais altas, delineando-lhe o perfil com sua luz amarelada. Abigail sentiu vontade de desenhá-lo, usando os dedos para acompanhar os traços viris de seu modelo. Então lembrou-se, pela primeira vez, do material de desenho que perdera, com o qual pretendia retratar tudo o que via, para mais tarde mostrar os quadros a Squire.

— Obrigada por tomar conta de mim aqui, Duke — murmurou.187

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— É um prazer — disse ele, inclinando-se sobre ela. Abigail enrijeceu-se em expectativa. Estava certa de que Duke iria beijá-la. Sorriu. Viu-o hesitar. O potencial de seu poder para abalá-lo a arrepiava. Depois ele estragou tudo.

— E de agora em diante você vai fazer o que eu digo para se manter fora de encrencas!

Furiosa, Abigail fechou os olhos e a boca. Quase conseguiu ouvir os dentes de Duke rangendo enquanto ele se acomodava em sua própria cova. Ficaram ali, lado a lado, meio enterrados.

Ela estava tão linda! pensou Duke. Mesmo rasgada e suja, com os encantadores cabelos ruivos cheios de terra. Não tinha como agradecer a graça de ela não ter sido maltratada pelos ladrões…

Fez parar o pensamento para não mais se deixar capturar pela raiva. Mas já fora capturado por Abigail e não tinha certeza se encontraria uma escapatória, ali ou em qualquer outro lugar, mas tinha de se esforçar para descobrir…

Saiu de seu devaneio quando a mão de Abigail venceu a pequena distância que os separava para tocar-lhe a perna. Tencionou os músculos do abdômen para levantar a cabeça e ombros para olhar para ela. Abigail parecia estar dormindo, mas seus dedos tinham se acomodado bem alto em sua coxa, perto da virilha. Nunca mais dormiria, nunca.

Mas de madrugada, quando o fogo se transformou em cinzas, Duke Braden tinha sido vencido pelo sono.

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CAPÍTULO XIV

No final da tarde seguinte, Duke e Abigail avistaram o acampamento dos Braden e aceleraram os passos dos cavalos. Quando Grace os viu, saiu correndo de perto dos carroções, acenando entusiasmada.

— Earl! Earl! Eles chegaram! — gritou por cima do ombro. — Kulalang nos contou tudo! Oh, srta. Abigail… quer dizer, Abigail, como é bom vê-la!

Earl também veio correndo. Antes que Duke pudesse desmontar, já estava tirando Abigail do cavalo.

— Cuidado com a perna — avisou Duke, enquanto as mulheres se abraçavam.

Abigail estava com os olhos marejados, comovida com a calorosa recepção. Duke fora ficando cada vez mais formal à medida que se aproximavam do acampamento. Ele se irritara por ter dormido até mais tarde e depois a fizera se apressar. Durante todo o percurso mantivera a arma na mão, dando a impressão de que esperava o ataque de salteadores a qualquer momento. Agora tinha o rosto inescrutável. Como gostaria que ele tivesse agido como o irmão e a cunhada!

— Foi simplesmente terrível o que aconteceu! — disse Grace enquanto ajudava Abigail a caminhar até os carroções.

— Mais terrível é o que poderia ter acontecido! — exclamou Duke com voz tão alta que as mulheres se viraram para trás. Depois Abigail começou a andar de novo e Grace, um tanto incerta, a alcançou.

— O mais terrível é o que vai acontecer se esse homem e eu não nos entendermos — desabafou Abigail, sentando num banquinho. Fez um relato sobre o ataque dos salteadores e expressou sua preocupação por ter sido obrigada a deixar para trás seus guardas mortos e feridos. — Duke disse que os dois que sobreviveram provavelmente encontrarão a estrada e serão ajudados por algum passante. De qualquer forma, Kulalang voltou para ver se os encontra. Estou rezando pela segurança de Sam e Clemmie. — Depois contou sobre o desentendimento entre ela e Duke, que continuava pior do que nunca. — Fui humilhada em mais de uma maneira, minha amiga. Este vestido estragado e os sapatos são tudo o que possuo neste instante.

Grace ficou chocada.

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— Mal consigo acreditar, sendo você uma dama e tudo o mais. — Ela balançou a cabeça. — Mas nunca foram as roupas que fizeram de você uma dama. Uma coisa me deixa contente, agora posso ajudá-la da mesma forma que me ajudou no navio, quando meu vestido se sujou de tinta. Vou pegar algumas roupas para você. Sou mais baixa e a saia vai mostrar um pouco de perna, mas ninguém vai reparar.

Como uma criança excitada, Grace subiu no carroção e em seguida voltou com um vestido de algodão cor-de-rosa.

— Este vai combinar com seus cabelos.— Acho que a esta altura estou grisalha, Grace. E parece que

andei tomando banho de poeira.— Temos dois barris de água lá atrás. Agora vou ajudá-la a se

lavar antes de cuidar do jantar dos rapazes. — Grace fez Abigail subir no carroção e depois encheu uma tina. — Lembra-se de quando você pediu a Duke para eu ser sua criada de quarto?

— Não minha criada, Grace, mas minha amiga.— Claro, claro. E agora seremos amigas a vida toda. Deus

abençoe Grace, pensou Abigail, enquanto conversavam animadamente. As horas boas e ruins que passamos juntas solidificaram nossa amizade. Se ao menos eu e Duke não discutíssemos tanto! Às vezes duvidava se haviam feito progresso desde que tinham atravessado juntos dois oceanos até agora, quando estavam para atravessar as montanhas. Pela extremidade do carroção podia ver as Blue cobrindo o horizonte entre o acampamento e as nuvens. Imponentes, imóveis, desafiando-a a atravessá-las, exatamente como a grande barreira que havia entre ela e Duke Braden.

— Agora procure descansar um pouco — sugeriu Grace, interrompendo seus pensamentos. — Tenho de fazer o damper para o jantar.

— Não, eu não conseguiria descansar agora, Grace. Estou aqui para ajudar de todas as maneiras possíveis. E fazer o damper é um bom meio de começar!

Cerca de meia hora depois, Duke entrou no círculo formado pelos carroções. Lançou um olhar para Abigail, inclinada sobre uma mesa improvisada ao lado de Grace. Ao virar-se, Abigail o viu observando-a de alto a baixo, dedicando um especial interesse aos seus tornozelos expostos. Grace parou de tagarelar.

— Não force demais essa perna — falou Duke. — Mas estou contente por ver que você a está usando. — Ele não se aproximou, mas Abigail achou que seus olhos pareciam mais azuis do que nunca devido ao reflexo das montanhas.

— Eu lhe disse que pretendia pagar pela minha estadia — 190

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informou Abigail, depois de um silêncio embaraçoso. — Vou me encarregar do damper, embora não tenha nenhuma experiência em cozinha. O que sei fazer direito é cavalgar, por isso vou dizer a Earl que gostaria de ajudar a conter os carneiros.

— Vai ser perigoso demais quando chegarmos às escarpas de arenito. Isso é trabalho para homem.

— Homens fazem muitas coisas aqui que não aprovo e pretendo mudar! — gritou Abigail, vendo-o começar a se afastar. Não queria ter perdido a paciência, mas era impossível conversar civilizadamente com ele. — E pretendo começar com você, Duke Braden, o grande porta-voz que defende a igualdade para todos! — acrescentou, enquanto ele desaparecia de vista.

— Meu Deus! —murmurou Grace. — Eu não teria coragem de falar com Earl desse jeito, mesmo sendo casada com ele.

— Droga! — resmungou Abigail, socando a massa para o damper. — Ele me tira do sério! Está decidido a me mostrar que não combino com esta vida e…

— E você o ama tanto que mal consegue respirar quando Duke está por perto — terminou Grace suavemente.

— Infelizmente é verdade! — Abigail gemeu e voltou a descarregar sua irritação na massa.

A sova que Abigail deu na massa foi apenas o primeiro erro. Grace veio explicar como deveria cuidar dela durante o cozimento, mas Abigail estava tão nervosa que mal prestou atenção. Finalmente conseguiu dividir a massa em quatro pães grandes e redondos com o auxílio do fundo de uma frigideira. Depois se preparou para assá-los, desejando ter ao menos uma das ajudantes de cozinha de Fairleigh para auxiliá-la, pois Grace estava muito ocupada para repetir as instruções.

Aliviada por ter alguma ajuda, Grace cuidava do ensopado de carneiro, preparado num grande caldeirão, e punha a água ferver para o chá. Enquanto esperava o damper assar, Abigail encarregou-se de cortar as frutas secas e colocar os pratos e canecas sobre a prancha que servia de mesa. Os homens viriam aos poucos, quando pudessem deixar suas tarefas.

Quando Abigail foi pegar os pães que tinham ficado assando dentro das cinzas, tentou limpá-los como Grace lhe ensinara. Todavia, as cinzas estavam entranhadas na casca.

— O que será que deu errado? — perguntou, mostrandoos a Grace.

— Nossa! Está assado em alguns pontos e melado em outros.Abigail ficou extremamente frustrada. Agora daria outra

oportunidade para Duke caçoar dela como a “inútil lady Abigail” diante de todo mundo!

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— Mas eu enfiei a faca, como você me ensinou, e ela saiu limpa! — choramingou.

— Vai ver que você pegou um dos lugares cozidos. Algo deve ter acontecido durante a preparação da massa.

— Não podemos fazer alguma coisa rápida para hoje e tentarmos fazer o pão direito amanhã?

— Bem que eu gostaria, mas nossa farinha e sal estão medidos para a viagem. Além disso, os rapazes vão querer seu damper. — Grace diminuiu a voz, como se os carroções tivessem ouvidos. — Inventaremos uma desculpa qualquer. Diremos que passou do ponto, por exemplo.

Abigail sentiu um nó no estômago quando se sentou no banquinho perto do caldeirão para servir o ensopado à medida que os grupos de homens iam chegando. Suou de nervoso quando cortou os pedaços do damper cinzento e embatumado, que deveria ter crescido pelo menos mais cinco centímetros.

Os primeiros homens não deixaram de notar.— Alguém esteve usando este damper para praticar tiro ao

alvo, Sra. Braden?— Acho que as ovelhas correram com ele na boca quando se

desgarraram umas horas atrás, não é, Joe?— Acho que Earl e Grace são tão felizes por causa do damper

que ela faz — caçoou um outro pastor.— Não foi Grace quem fez o pão, cavalheiros — anunciou

Abigail, achando melhor fazer sua penitência pública antes de Duke chegar.

Ela ouviu murmúrios, risadinhas e assobios. Dois dos homens mais brincalhões começaram a atirar seus pedaços de pão como bolas, dizendo algo sobre envenenar o próximo dingo que se atrevesse a chegar perto dos carneiros. Outros só ficaram olhando feio. Abigail sentia-se mortificada por ter servido uma coisa tão ruim para homens famintos, que tinham passado a tarde inteira trabalhando, mas seu orgulho a impediu de ir se esconder no carroção. Ia aguentar firme, desculpar-se com todos — menos com Duke se ele se atrevesse a criticá-la em público — e pediria uma segunda oportunidade.

Mas Duke e Earl se aproximaram antes de ela poder dizer qualquer coisa. Primeiro olharam intrigados para o damper. Depois Duke levantou a cabeça para encontrar o olhar desafiador de Abigail.

— Você fez isto de propósito? — perguntou Duke.— Fiz o melhor possível — respondeu ela, altiva.— E, mais uma vez, não foi o suficiente.Isso a fez calar, mas sua vontade seria atirar o ensopado na

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cara dele e sair correndo, chorando, para o carroção.— Grace levou um bom tempo para acertar o ponto — disse

Earl bondosamente, mas Abigail podia ver que ele também estava irritado com o que encontrara depois de um dia de trabalho duro. Ele foi sentar-se no chão perto de Duke e olhou várias vezes para o prato antes de começar a comer.

— Homens, tenho uma coisa a dizer! — comunicou Abigail, com voz trêmula. — Lamento se o damper não saiu do modo como vocês estão acostumados. Também não sou uma pessoa acostumada com esta vida, mas gostaria muito de ajudar a tanger os carneiros. Sei montar bem e desejo muito ser útil. Por favor.

Quase todos pararam de comer e olharam para Duke. Ele corajosamente mordeu e mastigou um pedaço de pão com molho e depois pigarreou. Abigail mordeu o lábio, esperando pela observação mordaz que não poderia faltar.

— Ora, o damper não está tão ruim assim — disse ele. — Os pedacinhos mais moles até que chupam bem o molho. Além disso, estivemos comendo poeira por tanto tempo que nem se consegue sentir o gosto das cinzas. O que me diz, Earl?

— Temos de ter paciência com os novatos — ajuntou Earl, depois de trocar olhares com Grace. — Ninguém nasceu sabendo. Quando atravessarmos as montanhas, seremos todos novatos e vamos querer novas oportunidades.

Lágrimas de alívio e gratidão marejaram os olhos de Abigail. Estava tão rígida que nem conseguiu sorrir. Quis dizer alguma coisa, mas não encontrou a voz. Apertava as mãos com tanta força que tinha os dedos entorpecidos. Earl e os outros homens não tinham ficado tão irritados como imaginava e, quanto a Duke… Com os olhos brilhantes conseguiu dar um sorrisinho trêmulo para ele.

— E quanto a tanger os carneiros — prosseguiu Duke —, só se alguém estiver sempre ao seu lado. Vai ser bom tê-la conosco, porque assim Grace ficará encarregada do pão.

Todos riram. A tensão quebrou. Grace abraçou Abigail.Duke, obviamente não querendo fazer mais concessões,

inclinou-se sobre a comida. Quando os homens devolveram os pratos, não havia nenhum resto de damper neles. Talvez, pensou Abigail, na escuridão além das fogueiras, eles haviam sido atirados para nesóquios, cobras e dingos.

A difícil subida pela trilha tortuosa começou. Se alguém quisesse ultrapassar a caravana na estrada estreita ou se um carroção estivesse descendo para a planície, os nervosos carneiros tinham de ser tangidos para os acostamentos à beira de ravinas ou para as pedras das encostas. O primeiro dia deixou todos exaustos,

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mas Abigail estava entusiasmada porque os homens a haviam aceitado sem um resmungo. Manter as ovelhas em fila ou pescar cordeirinhos desgarrados com longas varas ou cordas lhe pareceu muito mais fácil do que preparar um damper.

Na hora do jantar, Kulalang apareceu trazendo a notícia de que Samson Reilly e Clemmie o irmão de Catty, tinham conseguido voltar para a estrada e estavam viajando para Sidney num carroção de suprimentos. O aborígene continuava indo e vindo, mas nunca dormia com a caravana.

Quando terminou de ajudar Grace a servir e lavar a louça, Abigail sentou-se à luz de um lampião para desenhar. Pedira a Earl para lhe ceder algumas folhas do livro de registros e as dividira em oito pedaços. Queria fazer uma surpresa para os homens, retratando-os um a um.

Na tarde do terceiro dia de subida, eles pararam num platô para acamparem. Abaixo deles estavam os contrafortes e a extensão verde acinzentado do mato e, muito além, os distantes rios e vales de onde tinham começado a viagem. Pela primeira vez em dias Abigail e Duke tiveram uns momentos sozinhos. Ele parecia tenso e cansado.

— Kulalang vai voltar daqui — informou, sem um cumprimento, mas examinando-a de alto a baixo com um olhar vagaroso, como não fazia há algum tempo.

— Eu nem sabia que ele ainda estava conosco.— Ele vai e vem como um anjo protetor.— E como se eu não soubesse disso! Gostaria de me despedir

dele e agradecer de novo por me salvar a vida.Duke concordou com um aceno de cabeça e conduziu-a por

uma trilha em torno das rochas até onde Kulalang estava sentado, olhando para a planície. Ele usava roupas cedidas pelos homens, como uma concessão ao vento frio. Tinha uma sacola pendurada no ombro, o bumerangue no cinto e carregava a lança numa das mãos. Abigail ouviu um barulho de água, olhou para cima e avistou uma cascata. Depois, virando-se para o outro lado, viu um arco-íris.

— Olhem! Boa sorte para o futuro!— Significa perigo, não boa sorte — disse Kulalang.— Não diga isso, meu amigo. — Duke pegou no ombro do

aborígene. — Ele está nos dizendo que ainda temos muito cansaço pela frente antes de chegarmos ao outro lado.

Em silêncio, os três ficaram olhando para o panorama iluminado pelos últimos raios do sol. Duke odiava despedidas, mas foi a beleza do momento e a presença de seu velho amigo — e da mulher que era tão especial para ele — que fizeram sua garganta se contrair e lágrimas umedecerem seus olhos.

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— Quero lhe agradecer de novo por tudo o que fez por mim, Kulalang — disse Abigail. — Quando eu voltar a Sidney, pretendo fazer alguma coisa para ajudar seu povo. Mas agora tenho este presentinho para você.

Abigail tirou o retrato do bolso da calça que emprestara de Duke — ela e Grace tinham levado um bom tempo ajustando a cintura e o comprimento — e estendeu-o ao aborígene. O desenho mostrava-o em traje de batalha, com a pintura que o fazia parecer um esqueleto, e as armas em punho.

— Você salvou minha vida — prosseguiu Abigail. — Nunca poderei lhe agradecer o suficiente.

— Muito bom — reconheceu Kulalang olhando para o pequeno pedaço de papel. — Vou dar às minhas mulheres.

Com um movimento gracioso, o aborígene levantou-se. Apertou o ombro de Duke, levantou a mão enquanto se afastava e dirigiu-se para a estrada por onde a caravana estivera subindo. Apertou o passo e não olhou mais para trás.

Chocados com a rapidez de sua partida, Duke e Abigail ficaram mudos, olhando para a curva da estrada, agora vazia.

— Se você quer mesmo fazer algo pelo povo dele — disse Duke afinal —, seria uma boa idéia comprar um espaço no Gazette para pedir uma melhor proteção para as terras aborígenes.

— Será que seu desejo de ajudar os posseiros não vai entrar em conflito com os direitos dos aborígenes às terras para onde estamos indo? — perguntou Abigail, pensando nisso pela primeira vez.

— Se eu descobrir que as terras que pretendemos desbravar para formar nossa fazenda são um lugar sagrado para uma tribo qualquer, continuarei viajando até a outra costa do país para encontrar uma região sem dono.

— É uma pena você ser um em um milhão, Duke Braden, mas acho que isso me agrada.

— Você também é uma em um milhão, Abby Rose. Assim que vencermos a montanha, voltaremos a nós dois. Agora vamos antes que eu comece uma coisa que não poderei acabar.

Abigail não respondeu. Sentiu o coração bater mais acelerado quando Duke lhe deu a mão para passar sobre uma pedra. Era bom não estarem brigando. Ele prometera que voltaria “a nós dois”. Ansiou por uma carícia, um beijo, por mais rápidos que fossem. Pensou em tropeçar de propósito para colidir com ele, mas convenceu-se de que tinha de controlar seu desejo exatamente como Duke estava fazendo, para agir sob seus termos, como ele queria.

De volta ao acampamento, Duke imediatamente montou no 195

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cavalo que Earl segurava para ele.— A maioria dos homens vai ficar acordada esta noite —

informou. — O lugar é perigoso para os carneiros, alguns desgarrados poderão cair nas ravinas. Diga a Grace que nós dois voltaremos mais tarde para comermos alguma coisa.

Earl começou a afastar-se, mas Duke ficou mais um pouco, olhando Abigail nos olhos, fazendo-a estremecer de alegria e desejo.

— Fique com Grace esta noite, Abby Rose, eu lhe peço — disse ele, antes de virar o cavalo.

Ela gostaria de ter ouvido algo como “eu a amo e a quero sempre ao meu lado”, mas trêmula e suspirando, jurou, pela primeira vez, fazer o que Duke havia mandado.

À primeira luz do alvorecer, Phillip Godfrey-Bennett e seus capangas levantaram acampamento. Encontravam-se a cerca de oito quilômetros da caravana. Phillip estivera mais nervoso do que nunca nos três últimos dias porque devido ao terreno pedregoso e à umidade das montanhas, não tinha a grande nuvem de poeira para seguir a um passo tranqüilo. A qualquer momento, poderia encontrar a caravana parada devido a um imprevisto qualquer e seria avistado. Apesar disso, fazia questão de ver mais uma vez Abigail com os Braden para provar a si mesmo que ela realmente o desafiara e merecia morrer.

Mas, quando ele e os seis capangas estavam se preparando para montar e voltar para a estrada, George levantou uma das mãos e sussurrou:

— Esperem!— O que foi? — sibilou Phillip.George entregou as rédeas do seu cavalo a um companheiro e

foi vagarosamente até uma pedra que dava para a estrada abaixo deles, voltando logo em seguida.

— O senhor não vai acreditar, patrãozinho, mas juro que é o amigo abo dos Braden que vem descendo a montanha. Está vestido como um branco, mas eu já o vi de perto algumas vezes e…

Phillip foi até a pedra.— Talvez você esteja certo. Mas, seja ele ou não, é uma boa

hora para praticar tiro ao alvo. — Ele fez um gesto pedindo o fuzil e um dos homens logo o atendeu. George veio ficar ao seu lado.

— Ele só não notou nossa presença porque o vento está soprando para cá — sussurrou George, enquanto Phillip engatilhava a arma. — Esses abos conseguem farejar um branco a quilômetros de distância.

Phillip surpreendeu a si próprio hesitando um momento, embora já estivesse com o dedo no gatilho. Pensou em quando

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faria isso com Abigail. Ela estaria na mesma posição do aborígene, a poucos segundos de ser justamente punida por deserção e traição. Depois Duke Braden seria mandando para a prisão e…

Ele esperou demais. Como se tivesse farejado alguma coisa, Kulalang virou-se na direção das pedras, quando o tiro partiu. Depois tombou na estrada, contorcendo-se em dores.

— Peguei! — vangloriou-se Phillip, soprando o fio de fumaça que saía da arma. Saltou no cavalo, chamando os homens. — Vamos até lá dar uma olhada antes que apareça alguém!

Eles desceram por uma trilha ainda escorregadia por causa dos chuviscos da madrugada. Ao chegarem na estrada, não encontraram nada.

— Que diabos…Todos se levantaram nas selas para tentar avistar o aborígene.— É sempre assim — sussurrou George, impressionado. —

Parece que têm parte com o diabo. A gente pensa que os vê, pensa que os atingiu e eles desaparecem como por encanto.

— Não seja burro! — A voz de Phillip saiu esganiçada. Ele tem de estar em algum lugar. Ali! Ali! Sangue e uma sacola! E um rastro de sangue na beira da encosta. Eu o peguei! Espalhem-se e procurem por ele.

Os capangas começaram a procurar a cavalo e a pé enquanto Phillip desmontava e remexia na sacola atrás de alguma prova que lhe indicasse que o aborígene era mesmo o amigo dos Braden. Para ele todos eram parecidos. Encontrou um papelzinho no fundo. Um desenho de um guerreiro com pintura de guerra e portando o bumerangue e uma lança.

Ele conhecia o estilo! Conhecia a artista! Mesmo se tivesse dúvidas, havia as letras A.A.R. no canto esquerdo que vira nos muitos desenhos deixados em The Grange.

— Abigail, sua cadela — rosnou. — Retratando o abo dos Braden, vivendo com o inimigo! Traidora, traidora!

— Nem sinal dele — disse George, aproximando-se. — Mas claro que existem muitas ravinas e rochas onde ele pode ter se escondido.

Phillip, trêmulo de ódio, guardou o desenho no bolso e atirou a sacola na encosta.

— Se o sujeito rolou por aqui, já está morto. Vamos, homens, para a frente!

A garoa parou por volta do meio dia e, depois disso, a caravana dos Braden progrediu com relativa facilidade. No final da tarde acamparam perto da grande cachoeira que tinham avistado durante o percurso e que parecia chamá-los. Apesar de haver pouca relva ali, era um lugar ideal para os animais beberem. Havia

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vários poços escavados na rocha pela força das águas durante a época de cheia. O pessoal aproveitou para nadar no que ficava mais perto da cachoeira.

Apesar do sol a água estava fria, mas ninguém pensou nisso. Estavam todos ansiosos por um banho depois de dias de poeira e suor, e entraram de roupa e tudo. Grace e Earl brincavam como crianças. Duke mergulhou e depois ficou vendo Abigail nadar de um lado para o outro, como lhe ensinara. Notou que ela o olhava intensamente, por isso mergulhou de novo e foi por baixo da água até ela, emergindo como um peixe saltando no mar.

— Oh! — gritou Abigail. — Eu estava pensando onde você tinha ido!

— Você me salvaria se eu estivesse me afogando?— Acho mesmo que você está precisando ser salvo —

respondeu ela, flutuando de costas.— De você? — Ele se aproximou e amparou-a pelos ombros e

cintura para fazê-la boiar.Abigail olhou diretamente para ele. O sol, batendo em seus

cabelos molhados, formou uma espécie de halo. Mas Duke Braden não era nenhum anjo. Mesmo assim, não podia deixar o momento passar. Estivera pensando e planejando muito nos últimos dias.

— Você precisa ser salvo de você mesmo, Duke Braden. Eu admiro demais suas causas, mas por que sacrificar sua própria felicidade por elas quando pode ter as duas coisas? — Abigail livrou-se dos braços que a amparavam para o caso de ele querer afundá-la. Duke parecia muito surpreso com o que ouvira. — Se você não enfrentar o fato de que nos amamos e devemos estar juntos, estará traindo a si próprio e isso não me interessa!

— Você sempre tem todas as respostas, não é?— Nem sempre. Na maioria das vezes, como você mesmo já

disse, eu não sabia nem quais eram as perguntas, mas agora que experimentei a vida deste país e provei…

— Sr. Duke! — gritou um homem da margem. — Sr. Duke! É Kulalang, ele levou um tiro e está mal!

Duke atirou-se para a margem com Abigail atrás dele.Herb, um dos pastores mais antigos, saiu correndo de volta ao

acampamento depois de dar o alerta. Duke, Abigail, Grace e Earl o seguiram.

Duke caiu de joelhos ao lado de seu amigo, que se achava deitado no chão. A camisa que lhe dera estava manchada de sangue.

— O que aconteceu? — perguntou, ao ver Kulalang de olhos abertos. — Onde? Earl, vá pegar alguma coisa para pormos neste ferimento!

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— Ele já pôs lama no ferimento, sr. Duke — informou Herb. — Quando o encontrei lá atrás, subindo a estrada…

— Subindo pela estrada? — interrompeu Earl. — Ferido deste jeito? Duke, vou pegar um cavalo e tentar descobrir quem…

— Ele não está conseguindo falar agora, mas me contou quando o encontrei…

Duke segurava os ombros de Kulalang tentando impedi-los de tremer. O aborígene não mostrava dor, mas respirava com grande dificuldade.

— Fale, homem! — ordenou a Herb.— Bem, ele disse que se escondeu entre as pedras enquanto

seus atacantes o procuravam. Então deu uma volta pelo mato até chegar mais perto de nós na estrada. Eram sete homens, sr. Duke, e Kulalang diz que alguém que ele chama de “jovem patrão” atirou nele.

— Jovem patrão? — espantou-se Duke. — Mas é assim que ele chama Phillip Godfrey-Bennett!

— Phillip? Aqui? Não pode ser! — duvidou Abigail, que segurava a mão de Kulalang entre as suas, tentando esquentá-la.

— Se for verdade, se Kulalang já não estava fora de si com a dor e a perda de sangue, creio que sei o que o canalha está procurando, além de nossas vidas! — disse Duke, olhando fixamente para ela.

— Eu? Mas por que Phillip viria atrás de mim? Duke voltou a inclinar-se sobre Kulalang que respirava cada vez com maior dificuldade.

— Você foi muito valente em vir nos avisar, amigo. Os olhos de Kulalang se abriram um pouco.

— Estou acabado — sussurrou. — Não é bom morrer aqui em Katumba. Quero morrer na lagoa dos Badajong…

— Não tente falar! Descanse, amigo. Eu o levarei para casa assim que você melhorar.

Com os últimos restos de sua força, Kulalang balançou a cabeça. Mas logo franziu o rosto de dor.

— E juro que vou pegar o canalha que fez isso! — prometeu Duke, falando com dificuldade como se fosse ele o agonizante.

Abigail viu os lábios de Kulalang se mexendo e inclinou-se para tentar ouvir as palavras.

— Ossos — sussurrou o aborígene. — Ossos em kuri kuri.— Duke, penso que ele está pedindo para levarmos seus ossos

para a lagoa em The Grange… — começou Abigail.Kulalang tentou fazer que sim. Uma sombra de sorriso

apareceu em seus lábios enquanto olhava para Abigail com gratidão. Depois relaxou a testa franzida de dor e exalou o último

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suspiro.Todos ficaram olhando para ele em silêncio. Duke, ainda

segurando o amigo, começou a chorar em silêncio. Lágrimas escorriam dos olhos de Abigail.

— Ele previu o perigo — disse Duke finalmente. — Pensei que estava pensando em nós, por causa da travessia da montanha. Mas se o filho da mãe do Godfrey-Bennett está mesmo vindo atrás de nós…

Ele levantou-se. Seus olhos se encontraram com os de Earl, que fez um gesto de cabeça, concordando.

— Temos duas horas antes do anoitecer! — berrou Duke. — Vamos partir em honra de Kulalang dos Badajong! E, em honra dos costumes de seu povo, nunca mais pronunciaremos seu nome!

Abigail levantou-se, sem entender o que estava acontecendo.— Partir? Mas precisamos enterrá-lo para depois pegarmos

seus ossos para levá-los para a lagoa. Quanto a nunca mais pronunciarmos o nome dele… você não acredita nessas coisas, não é?

— Não, mas meu amigo acreditava. Para ele, o lugar de sua morte deve ficar deserto e seu nome não pode mais ser pronunciado. Só assim seu espírito ficará livre para ascender ao caminho das estrelas no céu. Além disso, se seu primo está mesmo atrás de nós, quero pegá-lo agora mesmo!

— Não, Duke! — gritou Earl. — Você virá conosco agora e depois, nós dois juntos, cuidaremos dele. Se Phillip está pretendendo nos seguir até Bathurst para criar problemas para nós, vamos deixar para acertarmos nossas contas lá! Prometa-me que não vai fazer nenhuma besteira, Duke. Depois, nós todos o enfrentaremos.

Duke concordou com alguma relutância. Começara a chover de novo, mas como estavam ensopados por causa do banho junto à cachoeira, ninguém ligou. Os dentes de Abigail batiam enquanto ajudava Duke a cavar uma cova para enterrar o amigo. Ela insistira nisso e, ao cobri-la, renovou o voto de levar os ossos na volta a Sidney. Ficou um tanto surpresa ao ver Duke amarrar dois galhos em cruz e colocá-los sobre a cova.

— Pensei que fôssemos fazer tudo à moda dos aborígenes.— Eu contei a Kulalang tudo sobre Jesus e o paraíso, tal como

ele me contou sobre o caminho das estrelas. — Duke parecia muito cansado. — Vou sentir muita falta dele. De certo modo, nesta terra eu tive dois pais além de Squire. Um foi o homem que me ensinou a ler e raciocinar, e o outro foi… este amigo. Meu pai aborígene me ensinou a amar e compreender a terra de uma maneira que Squire jamais conseguiria fazer, mesmo sendo um ótimo fazendeiro.

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— Sim. Entendo. Duke sinto muito — disse Abigail, sabendo que qualquer palavra seria inadequada naquele instante.

— Seu maldito primo seleto é quem vai sentir! — rosnou ele e puxou-a para longe da cova. Depois a ajudou a se agasalhar com o cobertor que Grace trouxera e a colocou na sela do seu cavalo.

Muito triste, Abigail olhou por sobre o ombro para o lugar que seu amigo e salvador chamara de Katumba, o lugar ao qual tinham chegado em alegria e estavam deixando em agonia.

Por favor, meu Deus, rezou baixinho enquanto tangia as ovelhas, não deixe acontecer o mesmo conosco quando chegarmos à planície de Bathurst. Por favor, faça com que não encontremos inimigos. Por favor, não deixe Phillip destruir mais vidas!

Lutando contra os temores e as lágrimas, ela incitou o cavalo para ir atrás do primeiro carneiro que avistou se desgarrando do rebanho.

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CAPÍTULO XV

A beleza e vastidão da planície de Bathurst os silenciaram quando a viram pela primeira vez. No dia anterior, descendo as encostas no lado ocidental, tinham avistado apenas partes dela. Agora, na última noite de acampamento nas montanhas todos sorriam algo que não acontecia desde a morte de Kulalang uma semana atrás. Tinham conseguido! Tinham atravessado as Blue!

Abigail aproveitou a oportunidade do clima de alegria para distribuir os pequenos retratos que fizera. Num lado havia uma caricatura mostrando a expressão da pessoa ao comer seu damper: olhos arregalados, língua para fora, caretas. No outro o retratado aparecia com seu verdadeiro aspecto. Os homens ficaram satisfeitos. Alguns riram abertamente, outros se mostraram comovidos. A distribuição terminou com três “vivas” para Abigail, que ecoaram no sopé das montanhas.

— Guardei o seu para entregá-lo em particular — disse Abigail a Duke mais tarde, ao lado do carroção onde ela dormia.

— Está escuro demais aqui para eu vê-lo — Duke respondeu num tom mais leve pela primeira vez desde a morte de Kulalang. — Mas se estiver tão bom quanto o de Earl, eu desde já a parabenizo e agradeço. E agradeço também pela ajuda que você nos deu nas montanhas e principalmente por ter compreendido o quanto estive ocupado e aborrecido.

— E eu lhe agradeço por ter me deixado ajudar e a ser eu mesma, Abby Rose.

— Diga-me — sorriu Duke —, esse meu retrato não é o que você ameaçou fazer antes?

— Ameacei? Pelo que me lembro você ia me desenhar em troca! Não. Não é aquele porque você não mostrou interesse em posar como eu queria — retrucou Abigail, mas sua voz tremeu.

Ele abraçou-a e beijou-a, dando-lhe boa noite. Não fizera nada parecido durante toda a viagem. O beijo foi determinado e possessivo. Abigail agarrou-se aos ombros largos. Queria que ele não se afastasse e subisse para o carroção. Mas logo Duke a largou e caminhou até a fogueira, talvez para ver o desenho. De um lado ele aparecia tangendo os carneiros e no outro Abigail retratara Kulalang sentado numa pedra, como o tinham visto pela última vez. Ela continuou diante do carroção por alguns minutos, na esperança de Duke voltar. Mas ele sentou-se junto à fogueira, de costas para

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ela, e ali ficou. Com o coração pesado, apesar da alegria de ter dado os presentes e a proximidade do fim da viagem, Abigail subiu no carroção para dormir sozinha.

Mesmo morando numa cabana improvisada, feita com dois estrados de cama colocados em V e cobertos com lona, Abigail sentia-se em seu lar na imensa e nova propriedade dos Braden.

As terras que tinham demarcado iam do sopé das Blue até o rio Macquarie e num dos lados acompanhavam a estradinha de terra que levava à cidade de Bathurst, a cerca de quinze quilômetros de distância.

Alguns dos homens, inclusive Duke e Earl, já tinham ido à cidade para comprarem suprimentos e madeira, e os irmãos haviam voltado com presentes para as mulheres. Abigail ganhou uma saia, uma blusa, um agasalho e um chapéu de palha, além de papel, tinta e canetas. Grace foi presenteada com um vestido para substituir o que dera a Abigail e mais vários metros de tecido para as cortinas de uma casa que só seria construída bem mais tarde. Mas as outras novidades que vinham da cidade eram ruins: Phillip Godfrey-Bennett e um bando de capangas tinham estado lá, partindo logo em seguida. Com alguma relutância, Duke e Earl tiraram mais homens do pastoreio para servirem de guardas. Abigail ouviu Duke falando com o irmão sobre Phillip.

— Ele não só matou nosso amigo como atravessou as montanhas para nos criar mais problemas. Temos de vigiar o rebanho com o máximo de cuidado. O canalha poderá querer envenenar nossa água, como sempre ameaçou fazer no kuri kuri. Ele sabe muito bem que se nosso empreendimento fracassar, os que se opõem às nossas idéias em Sidney dirão que os posseiros não têm competência para possuírem terras tão extensas!

— Não consigo acreditar que esse molenga teve tutano para chegar até aqui — resmungou Earl. — Quem sabe ele só se arriscou a isso para tirar sua prima de nós, querendo evitar que no futuro mulheres seletas não venham a se rebelar contra os costumes, unindo-se aos miúdos. Talvez ele queira Abigail para si próprio.

— Não diga isso! — Duke bateu o punho na lateral do carroção. — Não a junte com ele nem em palavras! Estive pensando no que fazer e acho que o melhor é levarmos esse assassino ao tribunal de Bathurst, acusando-o de ter matado um aborígene. Mas primeiro terei de encontrá-lo. — Ele falava com os dentes cerrados. — Eu lhe digo Earl, gostaria de poder estrangulá-lo com minhas próprias mãos!

— Agora você está certo!— Não, não é o certo. Tenho de me controlar. Preciso me

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manter dentro da linha de ação que sempre defendi. Sou pela igualdade para todos e os tribunais devem proteger todos os habitantes desta terra, mesmo um Godfrey-Bennett assassino.

— Você e sua estúpida confiança em governadores, juízes e tribunais! Acha que nós, que já não vemos justiça social em Sidney, vamos encontrá-la aqui? Por acaso você pensa que o juiz vai acreditar em sua palavra sobre o que disse um aborígene, nos estertores da morte, contra um Godfrey-Bennett? Olhe, o melhor que temos a fazer é voltarmos à cidade dentro de alguns dias, encontrar o sujeito e lhe darmos uma boa surra antes de o levarmos para qualquer lugar.

— Nós dois não podemos deixar o acampamento ao mesmo tempo.

— Com bons cavalos, conseguiremos chegar à cidade em uma hora. Estive errado em insistir que deveríamos esperar por ele e seu bando aqui para acertarmos as contas! Juro, já posso sentir os dentes dele se quebrando contra meu punho!

Abigail sobressaltou-se quando Grace chegou perto dela. Pelo olhar aflito no rosto da moça, soube que ela ouvira as palavras do marido.

— O gênio de Earl… — sussurrou Grace, enquanto as duas se afastavam. — Pensei que com nosso casamento ele passasse a agir de um modo diferente.

— Grace, eles estão falando de Phillip Godfrey-Bennett, por isso Earl está nervoso.

Naquele instante, Abigail decidiu que tinha de fazer alguma coisa para manter Phillip longe dos carneiros e dos irmãos Braden. Duke estava certo. Seu primo deveria ser formalmente acusado de ter matado Kulalang. E, com toda a certeza, um juiz acreditaria mais nela do que em qualquer outra pessoa. Na primeira oportunidade que surgisse iria à cidade. Encontraria o magistrado e apresentaria os indícios contra Phillip. Lamentava o golpe que Garnet e Griffin sofreriam ao ver o filho nessa situação, mas Phillip era um criminoso frio, que saíra dos limites da lei civilizada.

— Venha, Grace — disse. — Está na hora de subirmos ao morro para continuarmos a trabalhar em nossa surpresa. Mais do que nunca, é melhor levarmos o guarda. Phillip está por perto e temos de nos prevenir.

Abigail dissera a todos que estava retratando Grace sentada no morro que dava para o vale e a pastagem onde ficavam os carneiros. Mas isso era só parte da verdade. Pretendia mesmo enviar o desenho a Squire para lhe dar uma idéia de como era a região, mas havia mais.

A água vinda da neve que continuava a se derreter no alto das 204

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montanhas e as chuvas de primavera tinham erodido a margem de um riacho que descia para o rio Macquarie. Os homens tinham falado em construir um pequeno dique para desviar o riozinho quando tivessem tempo, de modo a impedir que ele corresse pela encosta, prejudicando a pastagem. Lembrando-se do que haviam visto em Dorset Downs, Grace e Abigail vinham rolando ou carregando uma ou duas pedras por dia para formar uma barreira. E hoje era o dia em que pretendiam colocar as últimas pedras e depois exibir sua obra.

Elas guardaram o material de desenho sob um arbusto e começaram a lidar com a última grande pedra. Sabiam que Joe, o guarda, precisava ficar alerta, por isso nunca haviam aceitado sua oferta de auxílio. Ele também jurara não revelar o segredo das duas. Joe passava o tempo todo sentado numa elevação, observando as mulheres e a pastagem abaixo deles, salpicada de carneiros.

Ao sul da nova propriedade, alguns homens trabalhavam na remoção de arbustos perenes que sugavam a água do solo, preparando o terreno para futuros redis. Andava chovendo menos do que o comum nessa época e fazia bastante calor.

Cada dia, antes de começarem a sessão de desenho, Abigail e Grace banhavam-se na água fria do riacho para ninguém notar que tinham passado a maior parte do tempo suando como trabalhadores braçais. Mas nesse dia começou uma chuvinha fina. Joe foi se abrigar sob uma rocha e as mulheres viram que poderiam dispensar o banho quando acabassem sua tarefa.

A última grande pedra que rolavam, junto com um pequeno arranjo nas que já estavam no lugar, cortaria o riacho caudaloso em dois regatos, um dos quais se afastaria do morro antes de descer. Ambos posteriormente poderiam ser desviados para formarem uma lagoa para carneiros beberem ou uma vala para lavar os animais antes da tosquia.

Com as saias erguidas e água até os joelhos, as mulheres esforçavam-se para rolar a grande pedra.

— Está pesada demais — disse Abigail, ofegante. — O degelo aumentou por causa do calor e agora com essa chuva… acho melhor deixarmos para terminar num outro dia.

— Sim, está difícil, mas eu queria mostrar a represa para Earl hoje. Ele está tão nervoso! Se a correnteza não estivesse tão forte… Oh, Abby… ela está escorregando! Não consigo segurá-la!

As duas gritaram em uníssono quando a grande pedra saiu de seu controle e rolou, batendo nas outras já assentadas e soltando a água que tinham estado represando.

Abigail agarrou Grace quando as duas começaram a rolar 205

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morro abaixo com a torrente. Agarrando-se a arbustos conseguiram voltar para o que até há pouco fora a margem do riacho, enquanto pedras e água desciam numa cachoeira na direção dos carneiros e dos carroções.

— Joe! Joe! Socorro! — berrou Grace.— Cuidado vocês aí embaixo! — gritou Abigail, tentando avisar

os homens.Uma onda de pedras, lama e água encheu o riozinho que

descia pela encosta. A força da cachoeira erodiu as margens, levando mais lama. As duas ficaram olhando horrorizadas e em seguida começaram a descer aflitas por outro caminho enquanto carneiros e madeiras eram levados pela inundação.

— Oh, não! — repetia Grace. — Eles estavam tão orgulhosos por termos perdido apenas seis carneiros na viagem! Earl vai ficar furioso comigo!

Na pastagem, homens a cavalo tentavam alcançar os carneiros que nadavam apavorados. Earl pescou uma carroça que flutuava na correnteza com uma vara de pastor e arrastou-a para a margem do regato antes estreito, em cuja proximidade Grace plantara uma horta que agora sumira sob a torrente de lama. O precioso bloco de sal que ficava à disposição dos animais foi se dissolvendo até desaparecer. Abigail avistou Duke no meio da confusão, salvando carneiros. Exausta, ofegante, ela entrou na água para pescar vários dos cordeirinhos que ajudara a nascer.

— Aqui, queridinho. Calma, eu o peguei!Duke aproximou-se ainda montado e arrastou-a para fora da

água, depositando-a ao lado de Grace, que tiritava, molhada até os ossos, e de alguns carneiros cobertos de lama.

Pouco a pouco a cachoeira foi diminuindo até restar somente o antigo fio de água.

— Parece que salvamos todos — disse Earl, quase sem respiração, saltando do cavalo. Em seguida virou-se para as mulheres: — Que maluquice foi essa que Joe me contou, embora eu só tenha conseguido tirar alguma coisa dele depois de ameaçá-lo com um bom murro no queixo? — Ele avançou para Grace e sacudiu-a pelos ombros. — Que invenção foi essa, sua maluca! Você poderia ter morrido, matado os carneiros e todos nós também por causa da sua burrice!

Grace estava paralisada de medo. Abigail percebeu que a amiga revivia a agonia de se ver à beira de uma surra.

— Earl! Não faça isso! — gritou e se aproximou deles com dificuldade por causa da lama escorregadia. — A idéia foi minha. Eu a convenci a me ajudar. Tentamos construir uma pequena represa para desviar o regato, mas ela desmoronou.

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— Grace, sua idiota, você… Oh, Grace, eu podia tê-la perdido! — Earl quase esmagou a mulher num abraço desesperado.

Grace ficou suspensa no ar por alguns instantes e depois abraçou o marido, soluçando.

— Earl, a culpa também foi minha. Eu queria tanto agradar você! Eu e Abigail tivemos a idéia juntas.

Earl pegou-a no colo e enfiando os pés na lama até a canela, levou-a para uma área seca. Duke, porém, só puxou o braço de Abigail e a fez virar para ele.

— E eu que pensei que você estava mesmo querendo ajudar! — acusou. — Eu deveria saber que não ia dar certo!

Abigail agora soluçava. Não poderia distinguir as lágrimas da chuva e do suor.

— O que não ia dar certo? — falou com dificuldade. — Uma nossa união? A ajuda que eu sempre pretendi lhe dar aqui ou em Sidney? Ou, pior ainda, seu amor por mim? Ora, isso não passa de desculpa! Você já decidiu que não sou de sua classe, que você é bom demais e “seleto” para mim! Eu e Grace estávamos trabalhando junto pelas mesmas razões, Duke Braden! Eu também amo um Braden e desejo ser uma noiva de Braden, idiota que sou! Mas não se preocupe, não vou atrapalhar mais. Fique com suas causas e não se dê ao trabalho de “voltar a nós”, como prometeu! — Abigail estava quase histérica, em pânico devido à derrota e perda. — Não me importo mais com você. Vai ver isso bem claramente quando eu demarcar minha própria propriedade nesta planície e torná-la a melhor de todas!

Ela deixou Duke parado na chuva e se afastou dele caminhando na lama funda, salvando alguns objetos enquanto avançava.

Duke sentia-se preso no mesmo lugar. A tirada e o olhar furioso de Abigail tinham sido como lâminas cortando-o fundo. Foi obrigado a admitir a si mesmo que estivera evitando-a. E sabia por quê. Estava pronto para aceitar a derrota. Ele a queria. Ansiava por se casar com ela. No modo de pensar de seu irmão, tudo parecia muito fácil.

Duke Braden se casaria com lady Abigail Rosemont.Mas ele ainda sentia medo de ou sacrificar tudo pelo que havia

lutado até agora ou então ser obrigado a enfrentar novos problemas surgidos com o casamento. A fortuna de Abigail, que para muitos poderia ser um atrativo, o assustava.

Ainda na noite anterior estivera pensando que seria muito bom casar-se com ela em Bathurst, pois ali Abigail seria obrigada a deixá-lo pagar por tudo. Mas ainda havia uma questão a ser resolvida. Primeiro tinha de acertar as contas com Phillip. Fora tolice concordar com o plano de Earl, aceitando esperar o canalha

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dar o primeiro lance. Pretendia arrumar sua vida e para isso precisava pôr Phillip fora dela o mais rápido possível.

Xingando a avalanche de pedras e lama, xingando a si mesmo, Duke saiu de perto da encosta escorregadia. Quando parasse de chover ele e alguns homens construiriam a represa do modo certo, em vez da forma que fizera a mulher que além de devastar sua pastagem, devastara sua vida.

Mesmo depois de escurecer, Abigail continuou se preparando para o dia seguinte. Lavou a saia e a blusa enlameadas, e deixou-as penduradas para secar. Limpou o chapéu e os sapatos. Em seguida tentou dormir, mas os pensamentos ferviam em sua mente. Planejava o que tinha de acertar com o homem que detestava para ter outra oportunidade com o homem que amava.

Ao alvorecer, levantou-se e prendeu os cabelos num coque, rezando para estar fazendo a coisa certa. Pegara sem permissão uma arma extra que Duke deixara no carroção de Earl e Grace. Não atirava desde a época em que saía em caçadas com lorde Northurst, mas depois de ser atacada por salteadores, não queria mais correr riscos. Teria de ir sozinha, pois se pedisse a um dos homens para acompanhá-la, ele sem dúvida contaria a Duke. Sua idéia era ficar na beira da estrada até passar um grupo de pessoas indo à cidade. Juntar-se-ia a ele e ao chegar em Bathurst procuraria as autoridades.

Quanto a lidar com Duke quando ele descobrisse o que fizera… rezava para ele ser grato pelo seu depoimento contra Phillip. Se não a quisesse depois dessa última prova de seu desejo de ser útil, mandaria buscar dinheiro para comprar uma propriedade só sua na planície. Sem Duke ao seu lado, não havia nada para ela em Sidney ou na Inglaterra.

Perto de Bathurst seria vizinha de Earl e Grace, a quem tanto estimava. Contrataria homens para ajudá-la a implantar a fazenda e, claro, mandaria alguém buscar H.M. para ter um pouco de carinho. Quanto a Fairleigh, tão distante e na outra vida que antes fora dela, a venderia ou arrendaria e talvez construísse uma mansão igual em sua nova fazenda, à qual pretendia dar o nome de Kulalang.

Ajudou Grace com o desjejum, como sempre, esperando que a ansiedade não estivesse estampada em seu rosto. Todos pareciam tensos e sombrios apesar do sol e da agradável brisa de primavera. Os carroções tinham sido atingidos pela inundação e vários suprimentos estavam estragados. Dois carneiros tinham morrido. Por sorte, pensou ela, era a vez de Duke de inspecionar as fronteiras, e Earl saíra com quatro homens para ver se seria possível reconstruir a represa.

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Ela esperou até Grace se afastar para pendurar roupa na corda que estendera nos galhos de uma árvore. Escreveu um bilhete dizendo qual era seu plano e que voltaria à noite. Mesmo se Grace contasse aos outros, já teria um bom tempo de vantagem. Colocou o papel na cesta de costura, onde só seria encontrado no final da tarde. Escondendo a arma no alforje, saiu andando do acampamento e só foi selar seu cavalo num lugar protegido por arbustos. Se Grace a visse de longe, talvez pensasse que tinha ida ajudar no pastoreio.

Ela cavalgou rapidamente até a estrada e ficou esperando sob uma árvore até alguém aparecer. Os primeiros a passar foram dois casais de posseiros, indo a Bathurst para compras.

Eram falantes e sorridentes. Abigail desejou ter tido tempo para aguardar um outro grupo. Nervosa como estava, não sentia a menor disposição para se envolver em conversas despreocupadas.

— Que lugar perfeito para os patifes dos Braden terminarem seus sonhos e suas vidas! — resmungou Phillip Godfrey-Bennett para si mesmo, examinando novamente a vilazinha de Bathurst.

Apenas uma fileira de pequenos prédios oficiais, construídos pelos condenados, e um punhado de casinhas de madeira ou de pedra. Um lugar feio e atrasado, bem apropriado para os “miúdos”! As ruas não eram pavimentadas, pensou Phillip, mas a cadeira lhe parecera bem segura para gente da laia de Duke Braden. E a praça principal seria perfeita para um enforcamento!

George interrompeu os pensamentos de Phillip.— Patrãozinho, a compra desse barril inteiro de óleo de baleia

causou um certo alvoroço no empório. Dei uma gorjeta para o balconista ficar de bico fechado.

Phillip lançou um olhar de desdém para a única loja da cidade. Recusara-se até mesmo a entrar nela devido à bagunça e mistura de mercadorias baratas, próprias para posseiros.

— Será que esses patetas do interior nunca ouviram falar em pôr fogo para levantar a caça? — perguntou, riscando um fósforo para acender o charuto.

— Essa foi boa, patrãozinho, dizer que estamos caçando dingos. Mas o sujeito avisou para tomarmos cuidado com queimadas. Tem sido uma primavera seca apesar das últimas chuvas, e o mato incendeia com facilidade.

— Estou bem a par disso — resmungou Phillip. — Bem a par.Ele aspirou uma longa baforada e exalou vagarosamente para

se acalmar. Já não agüentava mais aquela vida de desconforto.Acampara fora da cidade depois de passar algumas noites na

cama dura de uma pensão, esperando os Braden virem comprar alguma coisa ou então relaxarem a guarda em suas fronteiras.

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Chegara a hora de agir. Iria obrigá-los a sair, atraindo os guardas para ele poder pegar Abigail e acertar as contas com Duke Braden no inferno que iria devorar suas pastagens, carneiros e bens!

Chegara o dia de seus sonhos se tornarem realidade. Abigail, a traidora, morta. Duke preso e aguardando enforcamento. As causas dos “miúdos” desmoronadas. A nova propriedade dos Braden, que pretendia ser uma fazenda-modelo, incinerada.

Então ele, Phillip Godfrey-Bennett, o vitorioso, o salvador de tudo o que era considerado justo e precioso em Sidney, voltaria finalmente à civilização! Ele estremeceu de antecipação enquanto soltava as rédeas do cavalo que amarrara num mourão da rua principal da cidade.

Então segurou a respiração, ficando imóvel como uma estátua. Como se um cordeiro de sacrifício estivesse sendo entregue a ele pelos deuses, viu Abigail chegar com um grupo de estranhos e ir direto para um dos prédios do governo.

— Patrãozinho, aquela era lady Abigail, não era?— Sim, Sim! Vá para atrás do prédio com meu cavalo e mande

os homens saírem o mais rápido possível da cidade levando o óleo. Vou pegá-la antes de Abigail tentar estragar tudo, como sempre. Depressa! — Ele partiu ao encalço de Abigail, escondendo-se na sombra das varandas improvisadas.

Quando Abigail despediu-se de seus companheiros de viagem perto do prédio do governo, experimentou um momento de indecisão. Estava muito nervosa. Não sabia se deveria entrar com a arma. Decidiu então carregar o alforje para não criar desconfiança. Mas, antes que pudesse soltar a correia que o prendia, uma pistola como que se materializou diante de seu rosto, fazendo-a saltar de susto.

— Nem um pio, traidora, ou juro que usarei isto!Abigail levou a mão à boca e virou-se para encarar Phillip.

Como ele ousava ameaçá-la com uma arma diante do prédio do governo? Mas não era o Phillip que ela conhecia, percebeu, assim que olhou para um rosto contorcido de ódio.

— Nem um pio! — ele repetiu por entre os dentes cerrados. Escondendo a arma sob o braço esquerdo, fez um gesto com ela. — Vamos até lá atrás para uma conversinha!

Abigail afastou-se do cavalo — e de sua arma — e saiu andando com o cano da pistola enfiado em suas costelas. Atrás do prédio, numa rua com poucas casas, um homem de ombros caídos esperava com dois cavalos.

Ela tentou se acalmar apesar de seu coração estar batendo tão forte que parecia querer sair pela boca.

— Sei que você não atiraria em mim, sua própria prima… — 210

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começou.— Você me traiu, traiu nós todos! — rosnou Phillip. — Agora

suba no meu cavalo. Um movimento em falso e eu atiro!— Phillip, você não pode…Ele a fez virar com brutalidade e agarrou-a pelos cabelos.

Apertou o barril do revólver contra seu queixo, obrigando-a a olhar para cima.

Aquele olhar… Abigail lembrou-se dos homens que haviam jogado dados por ela, que a teriam matado sem pestanejar depois de a violentarem.

— Não se aflija, priminha — murmurou Phillip, com uma expressão de malícia. — Vamos fazer uma visitinha ao seu namorado, ou melhor, ele virá nos visitar.

As palavras deram um pouco de esperança a Abigail. Mas esse era o demente que atirara em Kulalang a sangue frio!

— Phillip, por favor, pense nos seus pais… Ele a esbofeteou com a mão livre.

— É pelos meus pais e pelo futuro de todos nós que estou fazendo isto, cadelinha! E você só vai ganhar o que merece, traidora. Agora suba nesse cavalo!

Phillip empurrou-a com tanta brutalidade que ela quase foi cair no outro lado do animal. Agarrou-se à sela como pôde, sentindo o rosto e o couro cabeludo ardendo. Sabia com certeza que o pesadelo estava apenas começando.

Duke voltou para o acampamento no final da manhã. Pensava ficar inspecionando as fronteiras até a noite, mas decidira que tinha de ver Abby. Fora brusco com ela na noite anterior depois da avalanche, embora reconhecesse que ela só estivera tentando ajudar. Há semanas vinha se escondendo e fugindo dela, e do fato irrefutável de que não apenas a amava, como precisava muito dela. A força e o amor que existiam em Abigail não haviam diminuído nesse território inóspito. Ela não era arenito, como diria seu pai, mas um seixo forte e leal. Precisava lhe contar o quanto a admirava e adorava, e tentar chegar a um entendimento antes de ser tarde demais.

— Para onde ela foi? — perguntou a Grace, ao ser informado que Abigail não estava.

— Você a conhece. Na certa está cuidando dos carneiros ou dando uma mãozinha em qualquer outra tarefa — respondeu Grace, sentando-se à sombra do carroção e pondo a cesta de costura no colo. A camisa de Earl se rasgara na confusão da tarde anterior. — É bem capaz de Abigail ter ido conversar com os carneiros à procura de um pouco de carinho, já que o homem que ela ama está sempre a magoando — acrescentou, surpresa com a

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própria ousadia. Mas viu Duke só abaixar a cabeça, sem jeito.— Eu sei, Grace — concordou ele, desmanchando uma pelota

de lama com a ponta da bota. — Preciso conversar com ela sobre muitas coisas. Você sabe, a avalanche que vocês duas causaram acabou por nos mostrar que tínhamos escolhido errado o local para construirmos a casa. Ela deve ficar mais distante das encostas. Bem, vou andar por aí até encontrar Abby. Temos de conversar sobre os nossos planos. — Ele montou e, quando já estava virando o cavalo, acrescentou: — Se ela aparecer aqui, diga-lhe para ficar quietinha, esperando por mim.

Grace suspirou e balançou a cabeça enquanto Duke se afastava a galope. Gostaria muito de poder ajudar os dois. Pegou a camisa e abriu a cesta de costura. Então viu o bilhete em cima das linhas e sobras de pano.

— Meu Deus! — exclamou ao ler. — Meu Deus!Levantou-se de um salto, atirando a cestinha para longe. Tinha

de avisar Duke para reunir alguns homens e ir à cidade para o caso de Phillip Godfrey-Bennett estar por lá.

Não havia tempo para uma sela. Grace, com gestos nervosos colocou o bridão no cavalo e tirou-o do cercado. Se Abigail tivesse esperado! Earl lhe dissera que ele e Duke iam sair à procura de Phillip. Grace montou e saiu galopando na direção que Duke tomara.

— De jeito nenhum vou escrever um bilhete para Duke e Earl dizendo que comecei um incêndio! — gritou Abigail, tentando se desvencilhar das cordas que a prendiam a um tronco de eucalipto. Tinha de dar um jeito de adiar seu destino e o da propriedade dos Braden.

Phillip e seu capanga a tinham trazido a uma colina pedregosa junto às encostas das montanhas, onde outros homens os aguardavam. Dali era possível ver o topo do morro onde ela e Grace haviam tentando construir a represa, a fumaça que subia do fogão e, entre as colinas esverdeadas e a faixa azul do rio, os carneiros que ela agora conhecia pelo nome. Como aprendera a amar essa vida, essa terra.

Lágrimas marejaram seus olhos. Ainda não conseguira entender o plano de Phillip por completo, mas sabia que ele pretendia usar os ventos quentes da tarde para iniciar uma queimada e depois contar a Duke que ela fora a responsável. Se ao menos chovesse um pouco, como na tarde anterior!

— Eles vão acreditar nisso e muito mais! — ameaçou Phillip. — De qualquer modo, isso os fará sair da toca e nem precisaremos buscar Duke. Nós três temos uma questão não resolvida, de modo que um de meus homens irá trazê-lo até aqui para uma visita

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quando ele aparecer para lutar contra o fogo. E o vento está exatamente como eu queria. O destino está novamente ao meu lado, Abigail. Primeiro você surgiu de repente e agora as próprias forças da natureza estão me ajudando!

— Você está completamente louco!A resposta foi uma bofetada que fez o resto dos cabelos dela se

soltarem dos grampos.— Tudo certo, agora podem ir! — ordenou Phillip aos homens,

fazendo um sinal para eles derramarem óleo de baleia no ponto onde terminava o terreno pedregoso e começava a vegetação. — Assim que começarmos o fogaréu, vamos fazer nosso próprio foguinho, querida prima — disse, examinando com olhos baços a atividade de seus capangas.

— Está bem, Phillip, se você ainda quiser, escreverei o recado para Duke! — gritou Abigail, tentando ganhar tempo.

Depois que George a soltou, ela sentou-se numa pedra e, com mão trêmula, escreveu o que Phillip ditava:

“Decidi que você deve pagar pelas suas mentiras e crueldade para comigo e aqueles a quem amo, minha família em The Grange e as pessoas que desejam manter Sidney e a Nova Gales do Sul dentro de padrões de pureza, moralidade e justiça…”

Ela quase desistiu, mas Phillip, que olhava por cima de seu ombro, acariciou sua nuca com o cano da arma.

“Ninguém que não pode pagar tem o direito de vir roubar estas terras daqueles que merecem o que possuem. Isso prova mais uma vez a mácula moral que vocês miúdos possuem. E jamais o perdoarei por me seduzir, afastando-me daqueles que realmente gostavam de mim.”

— Assine — ordenou Phillip. — Já é o bastante.— Duke jamais acreditará nisso!— O bilhete não é para ele. Será entregue ao juiz que irá

presidir o julgamento de Duke Braden. — Phillip pegou o bilhete com um gesto brusco. Decidira não se arriscar subornando um magistrado rural. Do modo como estava fazendo as coisas, não precisaria nem mesmo recorrer a um juiz de Sidney subordinado à influência de sua família. Enfiou o papel num bolso e de outro retirou um charuto e um fósforo.

— O julgamento de Duke? — repetiu Abigail. — Ninguém vai acusá-lo de incendiar suas próprias terras! E existem muitas testemunhas de que ele não matou Kulalang!

Ela arrependeu-se de suas palavras no mesmo instante.Quando Phillip a interrogara brutalmente sobre o motivo de

sua ida à cidade, respondera apenas que pretendia obter a licença para demarcar suas próprias terras. Evitara ao máximo não tocar

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na morte do aborígene para ele não desconfiar de sua verdadeira intenção, que era acusá-lo de assassinato.

Mas ele não prestou atenção às suas palavras, nem mesmo à menção do nome de Kulalang, o que a deixou ainda mais enfurecida. Para seu primo, matar um aborígene era menos do que dar cabo de um animal.

Phillip esbravejou uma ordem e George veio segurá-la com os braços atrás das costas. Abigail gritou desesperada, tentando se soltar, quando viu Phillip avançando para a linha de óleo de baleia, mas ele não parou. Riscou um fósforo na sola da bota e, com um floreio, atirou-o sobre o óleo.

As chamas logo se alastraram para a vegetação. As chuvas esporádicas não tinham sido suficientes para protegê-la de uma queimada provocada. Phillip soltou uma gargalhada áspera e depois virou-se com a arma em punho.

Apontou-a para Abigail e fez sinal para George soltá-la.Ela só tinha olhos para a muralha de chamas que avançava

para o vale.— Agora, Abigail, vá para atrás daquelas pedras. — Phillip

apontou com a arma. — Já deixei um cobertor à nossa espera. Obedeça direitinho minhas ordens ou você não estará aqui para ver o filho da mãe do Braden quando meus homens o trouxerem.

— Por favor, Phillip. Se não for pelos nossos laços de família, pense ao menos em seus pais… em Lottie…

— Você não pensou neles! Você estragou tudo! Não faça essa cara de medo, querida. Prometo-lhe que vai gostar muito por algum tempo, muito mais do que gostou quando se submeteu aos apetites de Braden! Vamos!

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CAPÍTULO XVI

Quando Grace encontrou Duke e lhe mostrou o bilhete que Abigail deixara na caixa de costura, ele gritou para os homens mais próximos, Joe e Herb, e saiu galopando na direção da estrada e da cidade com os dois logo atrás.

Abby escrevera que seria cuidadosa, pensou Duke, tentando se acalmar. Mas todo o cuidado era pouco com o demônio do Phillip por perto. Ele obviamente estivera se escondendo e a presença de Abby logo seria notada na tranqüila Bathurst. E se corresse pela cidade a notícia de que ela estava ali para acusá-lo da morte de Kulalang? E pensar que ainda tinha quinze quilômetros pela frente!

— O que aconteceu, Duke? — berrou Joe, quando o alcançou.— Lady Abigail está numa encrenca. De novo!Joe só fez que sim com um gesto de cabeça, mas Herb gritou:— Ela vale ser salva mais de uma vez!Duke mordeu o lábio inferior até sentir gosto de sangue. Herb

usara poucas palavras mas fora muito mais eloqüente do que ele, o famoso orador, defensor das causas dos “miúdos”. Fora burro, teimoso e se mantivera calado, e agora estava apavorado com a possibilidade de não conseguir convencer Abigail de que a amava além de todas as crenças, além de todo o raciocínio!

— Duke, olhe! — gritou Herb, apontando para as encostas. — Aquele brilho… não é fogo vindo para o nosso lado?

Duke diminuiu a marcha. Viu uma longa linha de chamas descendo para o vale, devorando relva e arbustos!

— Voltem, vocês dois! Encontrem Earl e levem os homens lá para cima para tentarmos erguer uma barreira! Maldição, o vento está soprando para cá! Contem a Earl por que eu tive de ir à cidade. Mandarei gente para ajudar. Vou verificar a extensão da linha de fogo quando eu passar por perto. Agora voltem, depressa!

Os dois homens deram meia-volta. Duke acelerou o galope de seu cavalo. Queria chegar mais perto do fogo para ter uma melhor idéia de sua extensão e poder dar informações corretas ao chegar à cidade. Uma queimada nessa época do ano destruiria não apenas sua propriedade, como a dos outros posseiros no vale! Saindo da estrada e subindo as colinas, também cortaria um pouco de caminho até Bathurst.

Abby Rose. Abby Rose. As patas de seu cavalo batiam na terra

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ameaçada, fazendo-o recordar dos tambores dos aborígenes. Abby Rose. Abby Rose. Aconteça o que acontecer, eu a amo e vou à cidade lhe dizer isso.

— Você é pior do que um salteador de estrada! — gritou Abigail enquanto Phillip a arrastava para a pedra onde estava o cobertor. — Você fala em mácula moral, numa falha de caráter hereditária, mas…

Ele a empurrou com força, fazendo-a cair de joelhos. Ela levantou-se com dificuldade, ofegante. Estava desesperada. Até mesmo a morte seria melhor do que sentir Phillip tocando-a como tinham feito os ladrões. Lá fora salva por Kulalang, mas agora o amigo estava morto, assassinado por Phillip.

— Minha idéia inicial era fazer o canalha assistir à nossa brincadeira, querida prima, mas não quero mais perder tempo — anunciou Phillip, com uma risadinha maliciosa. — Portanto, tire a saia, tire tudo e deite-se de costas no cobertor.

A mente de Abigail fervia enquanto ela procurava meios de fuga. Deveria obedecer para depois tentar arrancar a arma dele? Ou seria melhor atracar-se com ele, tentar atirar terra em seus olhos? Se conseguisse pegar uma pedra…

— Patrãozinho! Patrãozinho! O senhor não vai acreditar em quem está vindo para cá! — A voz de George veio de trás da pedra enquanto o capanga corria ao encontro do patrão. — Duke Braden! Quer que o peguemos agora…

Phillip soltou uma gargalhada, com a cabeça voltada para o céu.

— Perfeito, tudo perfeito. É o destino! O destino! — Depois, num esgar de ódio, acrescentou: — Sim, tragam o patife até aqui, tenho algo a lhe mostrar!

Abigail tremia tanto que sentiu a terra faltar aos seus pés. Era como se estivesse no Challenge, navegando sobre mar revolto. Pensou no que tinha acontecido desde sua chegada. Como Phillip se tornara o louco que agora via à sua frente? Como Duke e ela tinham caído na emboscada enquanto o sonho de Earl e Grace era consumido pelas chamas?

— Duke! Duke! — gritou ao vê-lo de mãos na cabeça, caminhando sob a ameaça da arma do homem chamado George. Quis correr para ele, mas Phillip a impediu com o cano do revólver.

— Quer a arma dele, patrãozinho?— Sim, sim, quero muito — disse Phillip, com os olhos

arregalados. — Vai ser outra prova contra ele. Jogue-a para mim e depois o amarre para ver o espetáculo!

— Abby, ele machucou você? Ele a fez sofrer? — perguntou Duke, como se não tivesse ouvido nem uma palavra, enquanto

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George o arrastava para perto de uma árvore.— Não — gritou Abigail, por cima do ombro de Phillip. — Só

sofri quando pensei que tinha perdido você.— Nunca. Nunca, querida.— Calem a boca, vocês dois! — rugiu Phillip. — George, ponha

uma mordaça nele, porque…Um espoucar de tiros veio de trás da pedra. Phillip virou-se.

George vacilou. Duke, pela primeira vez desde que era menino, atacou com os punhos. George tombou, atordoado com um soco no queixo. Duke chutou a arma do capanga para longe e mergulhou para as pernas de Phillip. Os dois caíram aos pés de Abigail, rolando, grunhindo, trocando socos e pontapés. Ela correu para pegar o revólver de George antes de ele se levantar.

— Eu atiro, juro! — disse, apontando para ele. — Você ajudou a matar meu amigo Kulalang! Eu atiro!

Duke estava sobre Phillip, socando-o no rosto e no peito. Depois pegou-lhe a cabeça e bateu-a no chão. Ao ver Earl, Joe e Herb chegando e agarrando George, fez Phillip se levantar puxando-o pelas lapelas, mas ele logo caiu, desacordado.

— Eu porei uma bala nele por você! — gritou Earl. — Ele começou o fogo com óleo de lampião e as chamas estão se espalhando rápido!

— Nada de balas! Ele vai ser julgado por isto e muito mais! — disse Duke, enquanto arrastava o ensangüentado Phillip pelo colarinho. — Agora vá lutar contra o fogo, Earl. Cave uma trincheira em volta do acampamento. Se você já pegou os capangas deste louco, daqui a pouco estarei lá.

— Eles fugiram. Pelo jeito, nunca mais os veremos. Earl e os outros saíram a galope. Duke amarrou Phillip com sua própria corda. Abigail, ainda de arma na mão, pegou o cobertor, imaginando que poderia usá-lo para abafar as chamas. Porém, quando olhou para o vale, soube que ele seria inútil. O inferno criado pelo ódio de Phillip devastava tudo à sua frente.

— Tem certeza de que ele não a machucou? — perguntou Duke, pegando-a pelos ombros, com a ansiedade estampada no rosto.

— Sim, está tudo bem. Só não quero que você pense quetive parte nisto. Phillip me obrigou a escrever um bilhete…

Duke só balançou a cabeça, não querendo ouvir mais. Tinha o rosto arranhado e poeirento, e sangue lhe escorria pelo nariz. Puxou Abigail e deu-lhe um abraço rápido e ansioso.

— Você só teve parte em me ensinar o quanto necessito de você, o quanto desejo vivermos juntos para sempre. Mas agora temos de descer para ajudar Earl. Veremos o que é possível salvar.

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Ele colocou Phillip de bruços na sela de seu próprio cavalo e depois montou, ajudando Abigail a subir na garupa.

Ela lançou um olhar aflito para a queimada que prosseguia, incontrolável. Efi então que a idéia lhe ocorreu.

— Acho que sei como pararmos as chamas perto de onde estão, Duke. A represa que desmoronou ontem! Se conseguirmos afastar as pedras que Earl colocou lá, tentando consertá-la…

Duke não respondeu: já esporeara o cavalo, galopando na direção do topo do morro. Phillip, gemendo, semi-inconsciente, quase caiu da sela.

Eles chegaram ao morro um pouco antes das chamas. Tiveram de diminuir o passo quando entraram na nuvem de fumaça e cinzas. Com alguma dificuldade, desmontaram perto do riacho, acima da represa. Duke rasgou tiras do cobertor e os dois as amarraram em torno da cabeça. Já estavam parecendo aborígenes com o rosto e cabelos enegrecidos. Abigail pensou em Kulalang e em como ele salvara sua vida. Talvez tivesse sido para isso: tentar salvar o sonho de Earl e Grace, e poder amar Duke para sempre.

Em pé no riacho, tossindo por causa da fumaça, eles começaram a empurrar as pedras que tinham sido repostas.

— Para trás! Para trás! Está indo! — gritou Duke e agarrou o braço de Abigail para puxá-la do riacho.

Como não chovera, a água represada não era tanta como no dia anterior, mas ela desceu em cachoeira pelos dois regatos, arrastando lama, indo apagar a linha de fogo que se dirigia para o coração da propriedade.

Abigail gritou de alegria e engoliu fumaça através da tira de cobertor. Tossiu, tossiu, tossiu e aplaudiu e aplaudiu. Exultante, Duke deu-lhe alguns tapas nas costas e depois pegou-a no colo. Abigail agarrou-se a ele, mal acreditando que nesse mundo de fogo e inundação seu amor pudesse finalmente ser real. Como dois bandidos com máscaras no rosto, eles se entreolharam com imenso carinho.

— Case-se comigo, Abby Rose, por favor — pediu Duke, com a voz rouca devido à fumaça e aos gritos de alegria. — Aqui ou no outro lado das Blue, em Sidney, fique ao meu lado e seja a minha noiva de Braden!

— Sim! — ela gritou e abaixou as duas máscaras. — Sim, para sempre! — acrescentou, pouco antes de os dois se beijarem.

— Uma inundação, um incêndio, uma prisão e um casamento. Nossas primeiras semanas aqui têm sido um bocado agitadas — comentou Earl enquanto ele e Duke esperavam Abby e Grace saírem do armazém da rua principal de Bathurst. — E não tenho certeza de qual deles vai resultar em maior encrenca.

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Duke soltou uma risadinha. Estava nervoso demais para falar. Não gostaria de ter saído direto da audiência onde Phillip Godfrey-Bennett fora formalmente acusado de assassinato e incêndio criminoso para a cerimônia de seu casamento, mas não quisera esperar nem mais um dia.

Imaginou qual seria o impacto da notícia da prisão de Phillip quando chegasse a Sidney. Em outra ocasião, seria bom estar lá para ler o Gazette ou ver o espanto dos cidadãos ao serem informados de que o orgulhoso herdeiro dos Godfrey-Bennett, um dos mais ilustres “seletos”, iria cumprir uma longa pena.

Mas agora não queria pensar nisso. Não quisera esperar nem mais um dia pelo casamento por que já perdera tempo demais. Devia ter se casado com Abby na chegada do navio a Sidney. Ele a queria desesperadamente desde essa época! Agora não via a hora de ver como Abby gastaria o dinheiro que lhe dera para a compra do vestido de casamento. Talvez, sendo acostumada à elegante moda inglesa, ficasse desapontada com o que encontraria à sua disposição na pequena vila rural. E não queria vê-la triste. Seu único desejo era compensá-la por tudo que a forçara a passar, fazendo-a sempre feliz.

Ao vê-la saindo da loja, prendeu a respiração. Ela estava corada e também parecia tensa. Uma leve brisa ergueu o babado na barra do vestido azul e o fez recordar da primeira vez em que a vira no convés do navio. O vestido, apesar de simples, era perfeito para ela. O chapéu pequeno era enfeitado com fitas azuis num tom mais escuro, que se repetiam no entremeio da saia.

— Eles tinham quatro vestidos à venda — contou Abigail. — Escolhi este para combinar com a cor de seus olhos.

Duke pegou-lhe a mão e olhou-a de alto a baixo, como que sorvendo sua beleza. Admirou a cinturinha fina e a pele macia exposta pelo pequeno decote. As mangas franzidas eram curtas e os braços bem feitos estavam nus.

— Decidi não gastar dinheiro em luvas — explicou Abigail, um tanto tímida. — Preferi reservar o restante para substituir a pedra de sal que se derreteu na inundação.

Duke sorriu e fez que sim. Ainda não tinha certeza se seria capaz de falar. Dava graças por tudo ter saído bem.

Só a pastagem sul fora queimada e o fogo até fora útil para eliminar os arbustos perenes que estavam dando trabalho para serem arrancados. Phillip ficaria preso por muitos anos e sua condenação representava uma grande vitória para o argumento dos “miúdos” de que a tendência para o crime não era algo passado de pai para filho e que qualquer classe social estava sujeita a transgredir as leis. E, mais importante, ele e Abby Rose

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agora iam ser marido e mulher!Os quatro ficaram diante do altar da pequena igreja anglicana

que fora construída pelos prisioneiros, como tantas outras robustas estruturas de Nova Gales do Sul. Os olhos de Abby estavam marejados de lágrimas de alegria. Duke, o admirado orador, gaguejou na hora de dizer o “sim”. O pastor os abençoou e lady Abigail Anne Rosemont finalmente se tornou uma noiva de Braden.

De volta à propriedade, eles comemoraram com comida e bebida que os quatro trouxeram da cidade.

— Está sendo um dia perfeito, como quando Earl e eu nos casamos — disse Grace abraçando novamente Abby ao som da gaita de um dos homens, que tocava perto da fogueira.

— Só estão faltando Squire e H.M.! — lamentou Abby, enquanto Duke vinha puxá-la para mais uma dança improvisada.

Os homens não mostravam nenhuma timidez. Quando não conseguiam Grace ou a noiva como parceiras, dançavam uns com os outros, às gargalhadas.

Abby e Duke dançaram sob as estrelas. Seu brilho a fez se recordar dos diamantes que vira nas damas de Londres durante sua primeira e única temporada social. “Não”, pensou, segurando com mais força o ombro e a mão do marido, “esta é minha temporada. Esta é minha vida e meu país agora e serei sempre grata pela minha felicidade, mesmo no meio de poeira e cheiro de carneiros”. Continuou girando, girando nos braços de Duke, só parando para dar alô ou até logo para os homens enquanto eles iam ou vinham de seus turnos. Finalmente Duke apertou sua mão e sussurrou:

— Hora de irmos.— Irmos aonde? — ela perguntou, surpresa. — Grace disse que

poderíamos usar o carroção até você encontrar um bom lugar.— Já encontrei um bom lugar — retrucou Duke e completou

com um beijo tão longo que os homens começaram a assobiar e vaiar. — Earl e eu o arranjamos pela manhã e ele me jurou que não levará ninguém até lá no meio da noite. Venha!

Os dois se despediram. Grace abraçou-os chorando de alegria.— Eu lhe disse que conseguiríamos domesticar os dois mais

cedo ou mais tarde — sussurrou no ouvido de Abby — mas não os queremos dóceis demais, não é?

Como uma princesa encantada dos livros de história que lera em menina, Abby viu-se levantada pelos braços de Duke e colocada em seu cavalo. Percebeu que ele não carregava nenhum suprimento. Então não poderiam estar indo para muito longe, pensou. Earl aproximou-se com uma tocha que entregou a Duke, acompanhada de uma brincadeira:

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— Deus abençoe vocês dois meu velho irmão e minha nova irmã!

Duke deu rédeas ao cavalo e eles começaram a tomar a direção das encostas.

— Por acaso vamos atravessar as montanhas para irmos dormir em Castle Keep? — brincou Abby, aninhando-se contra o corpo de Duke.

— Quando atravessarmos as Blue de volta já estaremos com meses de casamento. Primeiro temos de recuperar todo o tempo que perdemos.

O cavalo começou a subir o morro e finalmente Abby percebeu para onde estavam indo. Ao chegarem perto do riacho que primeiro devastara e depois salvara as terras dos Braden, Duke levou-a para um telheiro que ele e Earl tinham construído no meio de um bosque de eucaliptos.

Com a tocha, ele acendeu a pequena fogueira no estilo aborígene que já estava preparada.

Abby aninhou-se nos braços do marido, saboreando a segurança que extraía dele. Mas logo a necessidade aguda que sentiam um pelo outro foi demais para carícias lentas e ternas. Duke começou a beijá-la com ardor. Puxou o decote do vestido, expondo a pele macia do ombro, que mordiscou apaixonadamente.

— Estou com calor por causa das danças — sussurrou tão perto do ouvido de Abby que balançou os cachos que Grace fizera com tanto cuidado. — Quero me refrescar no riacho.

— Mas eu quero ir com você para todos os lugares! Vamos então começar com o riacho!

— E depois iremos a Castle Keep, ao palácio do governo em Sidney e ao parlamento se voltarmos a Londres. Também tenho de conhecer sua Fairleigh e mais tarde construiremos nossa própria casa perto de Bathurst…

— Para mim, qualquer barracão ou clareira será suficiente.— Um dia eu lhe perguntei se você queria nadar com ou sem

roupas — disse Duke, mas não esperou pela resposta. Suas mãos trabalharam rápido nos botões do colete e do vestido de Abby. — Creio que devemos a nós mesmos um desenho do que vai acontecer esta noite.

— Então esta será minha terceira lição de natação? — brincou Abby.

Ela tremia inteirinha de ansiedade. Entregou-se aos toques de Duke enquanto ele ia tirando sua roupa, beijando, lambendo e mordendo cada pedaço de pele que descobria.

— Tenho muito que gostaria de lhe ensinar, mas querida, o mais importante foi o que você me ensinou. Você me ensinou a

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amar.O beijo começou terno e depois se tornou quase desesperado.

Abby agarrou-se aos quadris estreitos de seu homem, seu marido, para não cair na água. A simples presença dele a entontecia.

Os dois deixaram as roupas na margem e entraram no riacho. A água que vinha das montanhas era muito fria, mas eles não se importaram. Mãos começaram a levantar a água e a acariciar pele molhada. Os dois fizeram suas próprias ondas, virando, abraçando, contorcendo, como se estivessem nadando no oceano revolto. A luz do fogo iluminava curvas e ângulos de pele, o cobre e o dourado de cabelos molhados. Depois de alguns minutos, Duke pegou Abby nos braços e a levou para a cama macia feita de cobertores assentados sobre uma camada de fragrantes folhas de eucalipto.

As folhas amassadas exalaram o perfume que Abby considerava a essência daquele país. As mãos e os lábios de Duke cobriam seus seios, seu abdômen, suas pernas. Enlevada pela onda de sensações, entregou-se para saboreá-la. Acariciou os ombros e braços musculosos, mordiscou o tendão do pescoço orgulhoso e depois lambeu-o como para se desculpar.

A língua de Duke brincava com seu corpo e seus sentidos. Ela não conseguia se manter imóvel. Instintivamente começou a mover os quadris em pequenos círculos, gemendo e puxando-o cada vez mais para perto.

— Minha querida, meu amor, diga-me agora como você se sente — falou Duke, contra a pele de cetim de seu ventre.

— Feliz… muito feliz. Apaixonada, encantada.— Eu também, minha querida e linda esposa. Eu costumava

sentir medo quando achava que estava perdendo o controle sobre minha vida por sua causa. Mas você é minha vida. De agora em diante — acrescentou ele, ajoelhando-se quase com reverência entre as pernas de Abby para abri-la para ele —, terei prazer em perder o controle.

Abby queria sorrir, mas o desejo falou mais forte. Ela fechou os olhos. Puxou Duke e moveu-se para encontrá-lo. Percebeu que sua ansiedade o agradou. A maravilha da união a surpreendeu de novo enquanto ambos cavalgavam até atingirem as nuvens luminosas do êxtase. As longas noites de agonia e os dias de espera explodiram dentro dela e a fizeram se mesclar com Duke em mente e coração para sempre.

Mais tarde os dois estavam deitados abraçados, enrolados em cobertores, por causa do frio da noite.

— Gelada? — perguntou ele por entre pequenos beijos.— Nunca mais. E não preciso de uma cova com cinzas por

baixo quando tenho você.222

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— E agora você me tem mesmo — riu Duke. — E custou um bocado!

— Sim. O oceano, a cidade, o mato, as montanhas, a planície…— O que eu quis dizer foi que levamos muito tempo até

juntarmos nossas vidas como marido e mulher.— Sabe, eu estava pensando que talvez nosso amigo esteja lá

em cima no seu caminho de estrelas, olhando e sorrindo para nós.Duke abraçou-a com mais força e os dois ficaram olhando para

o céu. Abby sentiu as lágrimas turvarem-lhe a visão. Aninhou-se mais contra o corpo musculoso do marido. Ele começou a acariciá-la.

— E nosso querido amigo espera um belo futuro para nós e para seu país — acrescentou Duke, trêmulo de emoção.

Abby queria dizer alguma coisa, mas as palavras ficaram presas na garganta. Mas conversa não seria necessária. A paz interior que sentia era imensa e continuou quando Duke começou a amá-la novamente, com todo o ardor. Ele perguntara como se sentia. Sentia-se parte desse homem e dessa terra. E nunca se sentira mais completa, mas contente ou mais feliz. Era Abby Rose, uma noiva de Braden na realidade e não só em sonhos.

Nota da AutoraO ano seguinte, 1836, foi uma época de grande importância

para Nova Gales do Sul. O governador Bourke, que estivera ouvindo os porta-vozes dos “seletos” e dos “miúdos”, deu grandes passos na tentativa de solucionar as injustiças sociais.

Ele outorgou um sistema de licenciamento protegendo os direitos dos posseiros e assim evitou que grandes extensões de terra ficassem em poder de uma minoria. Por uma taxa de apenas dez libras por ano, os posseiros mantinham o uso legal de suas fazendas de carneiros. Por volta de 1847, puderam comprar as terras pela módica quantia de umas duas libras por hectare. Sendo um homem prático, o governador percebeu que a prosperidade da colônia dependeria cada vez mais da lã produzida pelos posseiros. Os porta-vozes dos “miúdos” o ajudaram a entender que essas pessoas possuíam iniciativa, independência, força e ambição — exatamente as qualidades que distinguem o caráter dos australianos de hoje em dia.

A luta pela justiça social iniciada pelos porta-vozes dos

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“miúdos” resultou em outras mudanças positivas na colônia, antes firmemente controlada por alguns poucos ricos, que só pensavam em seu próprio benefício. Uma comissão britânica condenou o tratamento cruel dado aos aborígenes e indicou protetores, embora a espoliação e abuso dos nativos tenham continuado por anos sob esse sistema paternalista.

A imigração tornou-se mais aberta por volta dos meados do século XIX, especialmente para mulheres inglesas solteiras. O transporte de prisioneiros para Nova Gales do Sul terminou em 1840 e o para a Terra de Van Diemen — a atual Tasmânia — terminou em 1853. No entanto, a pratica continuou na Austrália ocidental até 1868. E, à medida que mais e mais membros da classe dos miúdos começaram a se destacar no campo dos negócios e outras profissões, a velha idéia de que havia uma falha moral inerente à “classe dos condenados” foi-se desvanecendo. Atualmente, muitos australianos têm grande orgulho de serem descendentes de prisioneiros que construíram uma grande nação com sua determinação e trabalho.

Quanto à tranqüila cidadezinha de Bathurst, anos depois ela tornou-se o centro da corrida do ouro da Austrália, e os proprietários de terras na região tornaram-se fabulosamente ricos.

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BELA SEDUTORAMary Daheim

Inglaterra,1695

A revelação foi recebida com alegria e perplexidade por Éden Berenger: ela, uma humilde camponesa, era filha de um conde!

Uma vida de riqueza e felicidade poderia aguardá-la na corte, se o pai não fosse subitamente preso sob a terrível acusação de traição. Para salvá-lo, ela precisava conquistar a simpatia do rei William…

Tinha de se tornar sua amante!Princípios morais e religiosos afligiam a alma atormentada de

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Éden. Mas a pior provação era conviver com o enigmático e atraente nobre Maximilian de Nassau-Dillenburg.

Encarregado de prepará-la para entrar na corte, acaba conquistando seu coração. Cheia de amor e ousadia, Éden iria

surpreender Maximilian e o inflexível rei da Inglaterra.

MARY DAHEIMUma das melhores escritorascontemporâneas descreve osbastidores da corte inglesa

do século XVIII com seuinsuperável estilo.

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