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As potencialidades da arbitragem em contratos relacionados ...

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© Cadernos de Dereito Actual Nº 12. Núm. Ordinario (2019), pp. 304-326 ·ISSN 2340-860X - ·ISSNe 2386-5229 Recibido: 10/08/2019 Aceptado: 21/10/2019 As potencialidades da arbitragem em contratos relacionados ao agronegócio no centro-oeste brasileiro The potentialities of arbitration in contracts related to agribusiness in Brazilian Midwest Paulo Antonio Rodrigues Martins 1 Universidade de Rio Verde (Brasil) Rildo Mourão Ferreira 2 Universidade de Rio Verde (Brasil) Sumário: 1. Introdução. 2. Os meios judiciais e extrajudiciais de solução de conflitos. 2.1. Da arbitragem. 3. Do agronegócio e do direito do agronegócio no Brasil. 4. Os contratos do agronegócio e a autonomia privada. 4.1. Da arbitragem nos contratos de agronegócio (e agrários). 5. Considerações finais. Referências. Resumo: Este trabalho discute as vantagens da adoção da arbitragem nos contratos agrários e do agronegócio produzidos na cidade de Rio Verde, localizada no Estado de Goiás, Centro-Oeste do Brasil. Parte-se da premissa de que grande parte dos conflitos oriundos das relações agronegociais e agrárias no país são resolvidos pelos mecanismos judiciais tradicionais. Isso gera uma sobrecarga no Poder Judiciário e afeta a segurança jurídica e os custos de oportunidade nessa seara econômica. Um dos maiores entraves para a adoção da arbitragem nos mencionados contratos é a legislação antiga e arcaica, formulada numa época de agricultura de subsistência e sem avanços tecnológicos. Referida norma é pautada por regras de ordem pública, que sofrem uma interpretação ortodoxa. Não obstante, é possível perceber que os tribunais brasileiros têm admitido plenamente a inclusão de cláusulas de arbitragem nesses contratos, o que pode tornar o agronegócio mais competitivo. Com a solução arbitral, pautada por decisões céleres, eficientes e técnicas, os conflitos envolvendo contratos agronegociais e agrários serão resolvidos de forma juridicamente justa e economicamente vantajosa. Tais estudos foram produzidos considerando ampla referência bibliográfica e dados obtidos por meio de associações em Rio Verde, Goiás. Palavras-chave: Contratos. Agronegócio. Arbitragem. Abstract: This paper discusses the advantages of adopting arbitration in agrarian and agribusiness contracts produced in the city of Rio Verde, located in the state of Goiás, Midwest of Brazil. It is assumed that most conflicts arising from agribusiness and agrarian relations in the country are solved by traditional judicial mechanisms which creates an overload on the judiciary and affects legal certainty and opportunity costs in this economic area. One of the biggest obstacles of adopting arbitration in these types of contracts is the old and archaic legislation, formulated in a period of subsistence agriculture and without technological advances. This norm is based on 1 Mestre em Direito, Relações Internacionais e Desenvolvimento pela Pontifícia Universidade Católica do Estado de Goiás (PUC-GO). Doutorando em Direito Público pela Universidade do Vale do Rio dos Sinos (UNISINOS). Professor Adjunto da Faculdade de Direito da Universidade de Rio Verde (UniRV). Arbitralista. 2 Pós-Doutor em Desenvolvimento Sustentável pela Universidade de Brasília (UnB). Doutor em Ciências Sociais pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP). Professor Adjunto da Faculdade de Direito da Universidade de Rio Verde (UniRV). Arbitralista.
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© Cadernos de Dereito Actual Nº 12. Núm. Ordinario (2019), pp. 304-326 ·ISSN 2340-860X - ·ISSNe 2386-5229

Recibido: 10/08/2019 Aceptado: 21/10/2019

As potencialidades da arbitragem em contratos relacionados ao agronegócio no centro-oeste brasileiro The potentialities of arbitration in contracts related to agribusiness in Brazilian Midwest Paulo Antonio Rodrigues Martins1 Universidade de Rio Verde (Brasil) Rildo Mourão Ferreira2 Universidade de Rio Verde (Brasil) Sumário: 1. Introdução. 2. Os meios judiciais e extrajudiciais de solução de conflitos. 2.1. Da arbitragem. 3. Do agronegócio e do direito do agronegócio no Brasil. 4. Os contratos do agronegócio e a autonomia privada. 4.1. Da arbitragem nos contratos de agronegócio (e agrários). 5. Considerações finais. Referências. Resumo: Este trabalho discute as vantagens da adoção da arbitragem nos contratos agrários e do agronegócio produzidos na cidade de Rio Verde, localizada no Estado de Goiás, Centro-Oeste do Brasil. Parte-se da premissa de que grande parte dos conflitos oriundos das relações agronegociais e agrárias no país são resolvidos pelos mecanismos judiciais tradicionais. Isso gera uma sobrecarga no Poder Judiciário e afeta a segurança jurídica e os custos de oportunidade nessa seara econômica. Um dos maiores entraves para a adoção da arbitragem nos mencionados contratos é a legislação antiga e arcaica, formulada numa época de agricultura de subsistência e sem avanços tecnológicos. Referida norma é pautada por regras de ordem pública, que sofrem uma interpretação ortodoxa. Não obstante, é possível perceber que os tribunais brasileiros têm admitido plenamente a inclusão de cláusulas de arbitragem nesses contratos, o que pode tornar o agronegócio mais competitivo. Com a solução arbitral, pautada por decisões céleres, eficientes e técnicas, os conflitos envolvendo contratos agronegociais e agrários serão resolvidos de forma juridicamente justa e economicamente vantajosa. Tais estudos foram produzidos considerando ampla referência bibliográfica e dados obtidos por meio de associações em Rio Verde, Goiás. Palavras-chave: Contratos. Agronegócio. Arbitragem. Abstract: This paper discusses the advantages of adopting arbitration in agrarian and agribusiness contracts produced in the city of Rio Verde, located in the state of Goiás, Midwest of Brazil. It is assumed that most conflicts arising from agribusiness and agrarian relations in the country are solved by traditional judicial mechanisms which creates an overload on the judiciary and affects legal certainty and opportunity costs in this economic area. One of the biggest obstacles of adopting arbitration in these types of contracts is the old and archaic legislation, formulated in a period of subsistence agriculture and without technological advances. This norm is based on

1 Mestre em Direito, Relações Internacionais e Desenvolvimento pela Pontifícia Universidade Católica do Estado de Goiás (PUC-GO). Doutorando em Direito Público pela Universidade do Vale do Rio dos Sinos (UNISINOS). Professor Adjunto da Faculdade de Direito da Universidade de Rio Verde (UniRV). Arbitralista. 2 Pós-Doutor em Desenvolvimento Sustentável pela Universidade de Brasília (UnB). Doutor em Ciências Sociais pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP). Professor Adjunto da Faculdade de Direito da Universidade de Rio Verde (UniRV). Arbitralista.

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rules of public order, which suffer an orthodox interpretation. Despite that, it's clear that Brazilian courts have fully accepted the inclusion of arbitration clauses in these contracts and this may make agribusiness more competitive. With the arbitration solution, based on fast, efficient and technical decisions, the conflicts involving agribusiness and agrarian contracts will be settled in a legally fair and economically advantageous way. Such studies were produced considering a broad bibliographic reference and data obtained from associations of Rio Verde, Goiás. Keywords: Agribusiness. Contracts. Arbitration. 1 Introdução

A arbitragem é um instituto jurídico antigo no Brasil e foi prevista na primeira Constituição brasileira, a denominada “Constituição do Império”, de 1.824. Atualmente, ela se caracteriza pela eleição de um terceiro imparcial e de confiança das partes para tomar uma decisão definitiva sobre um determinado conflito de interesses. Essa decisão é irrecorrível; produz um título executivo equivalente a uma decisão judicial e geralmente é cumprida voluntariamente pelas partes.

No ano de 1.996, a arbitragem foi regulamentada por lei federal (Lei nº 9.307/1996). Entretanto, a arbitragem somente assumiu um lugar de destaque na data de 23 de julho de 2002, com a promulgação do Decreto Federal nº 4.311, ratificando a Convenção da Organização das Nações Unidas (ONU) sobre o Reconhecimento e Execução de Sentenças Arbitrais Estrangeiras (Convenção de Nova Iorque). Ou seja, inicialmente a arbitragem no Brasil se desenvolveu no campo das relações privadas internacionais.

Não obstante, o Poder Judiciário brasileiro assumiu o monopólio da distribuição de justiça. Justiça denota, no sentido amplo, o que é correto, justo e legítimo. Por influências culturais, acadêmicas e ausência de políticas públicas específicas, a arbitragem (nas relações jurídicas internas) foi relegada a segundo plano. Com isso, o Poder Judiciário se sobrecarregou e deixou de prestar um serviço público eficiente e de qualidade.

De outro lado, nos últimos anos, o agronegócio se tornou relevante e importante para a economia brasileira e representa, atualmente, uma parcela significativa da riqueza produzida no país e nas exportações realizadas. Não obstante, quanto mais atividade econômica e comercial, mais conflitos de interesses surgem. Entre eles: contendas nos contratos agrários tradicionais de arrendamento rural e parceria e nos contratos específicos do agronegócio como financiamento rural, mútuo; disputas sobre commodities, compra e venda de insumos; direito de superfície; divisões de terras; e dissolução de condomínios. Os conflitos oriundos dessas relações negociais precisam ser resolvidos em tempo razoável, para que haja pacificação social e, principalmente, desenvolvimento da atividade econômica em ambiente de segurança jurídica.

Ademais, os conflitos negociais no meio agropecuário se acentuam, na medida em que algumas legislações que regulamentam tais atividades econômicas são antigas e anacrônicas, como o próprio Estatuto da Terra (Lei nº 4.504/1964). Sem contar o fato de que vários contratos são atípicos e carecem de uma legislação segura e previsível. Essa difícil equação exige do julgador uma especialização profunda, que nem sempre é encontrada nas varas judiciais das comarcas interioranas do país. Algo muito diferente da arbitragem, em que as partes podem eleger alguém de confiança, no sentido de possuir credibilidade e formação específica.

É justamente nesse cenário de forte abundância econômica e acentuadas relações conflituosas, próprias da convivência em sociedade, que a arbitragem pode se apresentar como uma opção adequada para o desenvolvimento econômico. Como é um modelo privado de acesso à justiça, ela permite que as

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partes definam com precisão e rapidez as medidas satisfatórias para a manutenção lucrativa da atividade produtiva, sem deixar de lado o cumprimento da função social da propriedade.

O presente artigo se divide em três capítulos. No primeiro, cuidar-se-á de fazer uma apresentação dos principais mecanismos para solução de conflitos no Brasil, destacando-se em subdivisão própria o estudo específico da arbitragem.

O segundo capítulo trata do agronegócio e do direito do agronegócio no Brasil, tendo como ponto fulcral da evolução da agropecuária brasileira nos últimos anos. Perquirir-se-á sobre o regime jurídico adotado nesse período e as eventuais incongruências da legislação agrária. Apresentar-se-á números recentes da maior feira de tecnologia rural do país, realizada na cidade de Rio Verde, Estado de Goiás, localizado no Centro-oeste brasileiro.

O último capítulo aponta as diversas potencialidades da adoção da arbitragem nos contratos do agronegócio, abordando, ainda, os meios mais adequados para que essa prática se expanda para todo o interior do país. Analisou-se, também, a plena possibilidade de inclusão da arbitragem em contratos agrários tradicionais, que possuem uma legislação exageradamente protetiva e uma ortodoxia na resolução de conflitos (apenas pelo Poder Judiciário).

Assim, a construção desse trabalho se pautou em uma pesquisa qualitativa e objetiva uma análise das inúmeras vantagens da arbitragem no agronegócio brasileiro, especialmente nas relações domésticas.

2 Os meios judiciais e extrajudiciais de solução de conflitos

Procura-se, tradicionalmente, o Poder Judiciário para a solução dos conflitos em sociedade. Nas últimas décadas, esse aparelho estatal se incumbiu de tentar distribuir justiça e promover a pacificação social no Brasil. De acordo com o último relatório do CNJ3, o Poder Judiciário brasileiro encerrou o ano de 2018 com 78,7 milhões de processos em tramitação e, pela primeira vez em uma década, o montante de litígios solucionados superou o número de casos abertos. Mesmo assim, são números ruins e demonstram que o Poder Judiciário não oferece uma resposta rápida e satisfatória para todos os conflitos de interesses litigiosos.

Além disso, a Justiça estadual do Brasil levava, em média, 04 anos e 04 meses para proferir a sentença de um processo de 1ª instância4. Se for computar o prazo para a execução e, ainda, o acesso ao duplo grau de jurisdição, esse prazo aumenta exponencialmente. Esses dados são preocupantes, pois sobrecarregam o aparelho estatal e oneram o orçamento público. Registre-se, novamente, que em 2019 esses números melhoraram

Outrossim, isso fere o dispositivo constitucional da duração razoável do processo previsto no art. 5º, inciso LXXVIII, da Constituição Federal de 1988: “A todos, no âmbito judicial e administrativo, são assegurados a razoável duração do processo e os meios que garantam a celeridade de sua tramitação”5. Registre-se, ainda, que esse modelo concentrado de acesso e distribuição de justiça põe em xeque o próprio princípio da inafastabilidade do Poder Judiciário, previsto no artigo 5°, inciso XXXV, da Carta Magna. Do que adianta acessar uma justiça inoperante? A advertência do celebrado jurista baiano Rui Barbosa é sempre atual: “Justiça

3 BRASIL. Conselho Nacional de Justiça. Justiça em número 2019 – ano base 2018. Brasília: CNJ, 2019. Disponível em: <https://www.cnj.jus.br/files/conteudo/arquivo/2019/08/4668014df24cf825e7187383564e71a3.pdf>. Acesso em 10 de setembro de 2019, p.77. 4 Ibidem, p. 125. 5 BRASIL. Constituição Federal de 1988. Promulgada em 5 de outubro de 1988. Disponível em <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituição.htm>. Acesso em: 15 de março de 2019. Não paginado.

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tardia não é justiça, senão injustiça qualificada e manifesta”6. A ideia de que justiça tardia é injustiça também está presente na clássica obra de Mauro Cappelletti e Bryant Garth.

Em muitos países, as partes que buscam uma solução judicial precisam esperar dois ou três anos, ou mais, por uma decisão exequível (21). Os efeitos dessa delonga, especialmente se considerados os índices de inflação, podem ser devastadores. Ela aumenta os custos para as partes e pressiona os economicamente fracos a abandonar suas causas, ou a aceitar acordos por valores muito inferiores àqueles a que teriam direito. A Convenção Européia para Proteção dos Direitos Humanos e Liberdades Fundamentais reconhece explicitamente no artigo 6°, parágrafo 1° que a Justiça que não cumpre suas funções dentro de “um prazo razoável” (22) é, para muitas pessoas, uma Justiça inacessível7.

Seguindo esse paradigma, em pouco tempo, o Poder Judiciário brasileiro

estará completamente inoperante e não poderá atender aos anseios sociais por uma justiça célere e eficaz. Não adianta contratar mais servidores e empossar mais juízes, pois os conflitos na sociedade brasileira crescem diariamente, fruto de influências sociológicas complexas e multifacetadas.

Entretanto, existem meios extrajudiciais de solução de conflitos tão eficazes quanto uma sentença judicial, os quais podem contribuir para desafogar o Poder Judiciário. Explicado de outra forma, esses instrumentos são meios adequados de solução de disputas, dependendo da natureza do conflito e da necessidade das partes envolvidas. Desafogar o aparelho estatal é consequência e não objetivo fundamental. Citem-se, entre eles, a mediação, a conciliação e a arbitragem.

Em síntese, pela mediação de conflitos, as partes podem recuperar a comunicação (diálogo) entre elas e tomar a decisão mais adequada para a solução do impasse (autocomposição), o que representa uma prática pedagógica que restabelece vínculos e fortalece o convívio em sociedade. Ela gera pessoas emancipadas e donas do próprio destino. Recentemente regulamentada pela Lei n° 13.140, de 26 de junho de 2015, a mediação, seguramente, é uma das principais formas de superação dos paradigmas atuais centrados na ideia de que o conflito é algo extremamente negativo e que precisa ser rapidamente extirpado do meio social.

Pelo contrário, a mediação encara o conflito de frente e ensina como administrá-lo, para o bem das próprias partes envolvidas. Enxergar o conflito como algo natural nas relações sociais é fundamental, pois permite pautar o processo na relação “ganha-ganha”, diferentemente do processo judicial, em que apenas uma das partes sai vitoriosa (“ganha-perde”).

Aliás, a mediação de conflitos não é só pedagógica, terapêutica e emancipatória; ela apresenta um valor democrático extremamente significativo. Mais do que isso, a mediação de conflitos é uma ponte da modernidade (consciência racional) para a transmodernidade (consciência holística), que nos comentários de Rafael Mendonça apresenta o seguinte significado:

6 FUNDAÇÃO CASA DE RUI BARBOSA. Oração aos moços. 1999. Disponível em: <http://www.casaruibarbosa.gov.br/dados/DOC/artigos/rui_barbosa/FCRB_RuiBarbosa_Oracao_aos_mocos.pdf.> Acesso em: 10 de março de 2018, p. 02, grifo nosso. 7 CAPPELLETTI, M.; GARTH, B. Acesso à justiça. Trad. Ellen Gracie Northfleet. Porto Alegre, Fabris:1988, p.20.

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Inserida na contemporaneidade e em processo de desenvolvimento, a Mediação de Conflitos já apresenta diversas características que a transmodernidade deseja e idealiza, como a complexidade, o reconhecimento da alteridade, a transdisciplinaridade etc. Tende ao crescimento e à abertura, pois seus resultados são fortemente eficientes na resolução de disputas, no melhoramento da qualidade de vida e no aprofundamento de uma consciência eco-psicopedagógica nos seres humanos. [...] Enfim, fortes laços se mantém entre a Mediação de Conflitos e a matriz utópica assinalada, possibilitando à mediação ser uma ponte para o devir transmoderno, uma das trilhas “mediadoras” entre a sociedade contemporânea e seu futuro idealizado, uma possibilidade de libertação para os sujeitos da sociedade atual, sem a imposição de seus princípios (cooperação, respeito e responsabilidade) – como a praticada violentamente na modernidade -, mas oferecendo, através do diálogo, um entendimento hermenêutico, uma nova forma de viver – não num plano ideal nem num daqueles céus dos prometidos, mas aqui e agora, no mundo da vida – que quando aplicada já representa em si uma transmodernidade8.

Já na conciliação, o problema é identificado de imediato e a solução para o

conflito é apresentada de plano, independentemente da manutenção da relação entre as partes. A obtenção do acordo é o apotegma absoluto. Inclusive, o conciliador tem um papel ativo e até sugere soluções. Ou seja, não é emancipatória como a mediação, mas produz resultados satisfatórios em casos específicos9.

A arbitragem se aproxima, em certo sentido, do modelo judicial tradicional, uma vez que um terceiro imparcial e qualificado é eleito pelas próprias partes para colocar fim à disputa entre elas, através de uma sentença arbitral. O instituto é previsto antecipadamente ao conflito (cláusula compromissória no contrato) ou posteriormente (compromisso arbitral). Serão elucidadas mais à frente suas vantagens, entre elas: a flexibilidade, a especialização do árbitro, a irrecorribilidade das suas decisões e a confidencialidade.

Todos esses modelos de solução extrajudicial de conflitos só passaram verdadeiramente a ter importância no país após a aprovação da Resolução n° 125, de 2010, do Conselho Nacional de Justiça10. Por meio dessa Resolução, foi criada a ideia de “tribunal multiportas”, em que cabe às partes envolvidas no conflito, escolher a forma mais adequada de resolvê-lo. Nesse caso, a “porta” do Poder Judiciário é apenas mais uma dentre outros instrumentos eficazes para a tão sonhada pacificação social.11

8 MENDONÇA, R. (Trans) modernidade e mediação de conflitos: pensando paradigmas, devires e seus laços com um método de resolução de conflitos. Petrópolis KBR: 2012, p. 138-139. 9 NUNES, A. C. O. Manual de mediação: guia prático para conciliadores. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2016. 10 BRASIL. Conselho Nacional de Justiça. Resolução nº 125, de 29 de novembro de 2010. Dispõe sobre a Política Judiciária Nacional de tratamento adequado dos conflitos de interesses no âmbito do Poder Judiciário e dá outras providências. Disponível em: <http://www.cnj.jus.br/busca-atos-adm?documento=2579>. Acesso em: 05 de março de 2018. 11 CAHALI, F. J. Curso de arbitragem: mediação: conciliação: resolução CNJ 125/2010. 5. ed. revista e atualizada, de acordo com a Lei 13.129/2015 (Reforma da Lei de Arbitragem), com a Lei 13.140/2015 (Marco Legal da Mediação) e o Novo CPC. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2015.

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O Código de Processo Civil de 2015 também foi responsável pelo revigoramento dos meios extrajudiciais de solução de conflitos

Art. 3º do Código de Processo Civil. Não se excluirá da apreciação jurisdicional ameaça ou lesão a direito. §1º É permitida a arbitragem, na forma da lei. §2º O Estado promoverá, sempre que possível, a solução consensual dos conflitos. §3º A conciliação, a mediação e outros métodos de solução consensual de conflitos deverão ser estimulados por juízes, advogados, defensores públicos e membros do Ministério Público, inclusive no curso do processo.12

Tanto é verdade, que a arbitragem está em franco processo de desenvolvimento e consolidação no país e a solução consensual de conflitos se tornou política pública, a ser seguida por todos os operadores do direito.

Nesse desiderato, aprofundar-se-á no estudo da arbitragem e da sua aplicabilidade aos contratos relacionados ao agronegócio (e agrários).

2.1 Da arbitragem

A palavra arbitragem, para o brasileiro comum, remete, inicialmente, ao árbitro que coordena as competições desportivas como o futebol. Mas ela não é só isso. No campo das relações jurídicas, a arbitragem representa um modelo privado (extrajudicial) de solução de conflitos e envolve direitos patrimoniais disponíveis.13

A arbitragem não é instituto novo, diga-se novamente. Existem relatos históricos da arbitragem na Grécia Antiga e no Direito Romano. Sálvio de Figueiredo Teixeira, de forma clarividente, apresentou seus estudos sobre a presença da arbitragem em várias ordens jurídicas dos povos antigos:

Historicamente, a arbitragem se evidenciava nas duas formas do processo romano agrupadas na ordo judiciorum privatorum: o processo das legis actiones e o processo per formulas. Em ambas as espécies, que vão desde as origens históricas de Roma, sob a Realeza (754 a.C.) ao surgimento da cognitio extraordinária sob Diocleciano (século III d.C.), o mesmo esquema procedimental arrimava o processo romano: a figura do pretor, preparando a ação, primeiro mediante o enquadramento na ação da lei e, depois, acrescentando a elaboração da fórmula, como se vê na exemplificação de Gaio, e, em seguida, o julgamento por um iudex ou arbiter, que não integrava o corpo funcional romano, mas era simples particular idôneo, incumbido de julgar, como ocorreu com Quintiliano, gramático de profissão e inúmeras vezes nomeado arbiter, tanto que veio a contar, em obra clássica, as experiências do ofício. Esse arbitramento clássico veio a perder força na medida em que o Estado romano se publicizava, instaurando a ditadura e depois assumindo, por longos anos, poder absoluto, em nova relação de forças na concentração do poder, que os romanos não mais abandonaram até o fim do Império.

12 BRASIL. Código de Processo Civil. Lei nº 13.105, de 16 de março de 2015. Não paginado. Disponível em:<http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2015-2018/2015/lei/l13105>. Acesso em 18 de março de 2019. Não paginado. 13 GABBAY, D. M. Meios alternativos de solução de conflitos. Rio de Janeiro: Editora FGV, 2013.

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Nesse novo Estado romano, passa a atividade de composição da lide a ser completamente estatal. Suprime-se o iudex ou arbiter, e as fases in jure e apud judicem se enfeixam nas mãos do pretor, como detentor da auctoritas concedida do Imperador, donde a caracterização da cognitio como extraordinária, isto é, julgamento, pelo Imperador, por intermédio do pretor, em caráter extraordinário. Foi nesse contexto, como visto, que surgiu a figura do juiz como órgão estatal. E com ela a jurisdição em sua feição clássica, poder-dever de dizer o Direito na solução dos litígios. A arbitragem, que em Roma se apresentava em sua modalidade obrigatória, antecedeu, assim, à própria solução estatal jurisdicionalizada.14

É interessante notar que a arbitragem foi instituída antes mesmo do

aparelho estatal representado pela figura do juiz. Isso quebra o paradigma de que a Justiça Estatal é (e sempre foi) o único instrumento institucionalizado para a solução de conflitos na sociedade. Percebe-se que a dependência do Poder Judiciário é resultado de um longo processo histórico e cultural, que pode ser revisto; não que a arbitragem seja mais ou menos importante do que a estrutura estatal. Na verdade, ela é adequada e propícia para casos específicos, notadamente quando envolvidas relações negociais especializadas.

No Brasil, a arbitragem se consolidou com a aprovação da Lei nº 9.307, de 23 de setembro de 1996 (LArb). E sua principal inovação, em relação à legislação anterior, foi dispensar a homologação da sentença arbitral pelo Poder Judiciário.15 A partir de então, a arbitragem se tornou, finalmente, independente do poder estatal e passou a observar apenas os seus próprios ditames legais.

Disciplina o art. 3º da Lei nº 9.307/1996 o seguinte: “As partes interessadas podem submeter a solução de seus litígios ao juízo arbitral mediante convenção de arbitragem, assim entendida a cláusula compromissória e o compromisso arbitral.” 16 Ou seja, as partes no exercício da autonomia da vontade (privada) e na discussão de direitos patrimoniais disponíveis elegem a arbitragem como o procedimento necessário para pôr fim ao (eventual ou existente) conflito de interesses. As partes se obrigam ao procedimento arbitral e renunciam conscientemente ao processo judicial, sendo que a discussão sobre a constitucionalidade desse regime jurídico já foi superada17. Em decorrência dessa autonomia privada, as partes possuem flexibilidade procedimental e podem eleger e definir as regras mais importantes do processo arbitral.

Por conseguinte, podem-se citar mais algumas vantagens na instituição da arbitragem, segundo a Lei nº 9.307 (LArb) 18:

14 TEIXEIRA, S. de F. “A arbitragem no Sistema Jurídico Brasileiro”. In: GARCEZ, José Maria Rossini. A arbitragem na era da globalização. Forense: 1999, p.25. 15 CAHALI, F. J. Curso de arbitragem: mediação: conciliação: resolução CNJ 125/2010. 5. ed. revista e atualizada, de acordo com a Lei 13.129/2015 (Reforma da Lei de Arbitragem), com a Lei 13.140/2015 (Marco Legal da Mediação) e o Novo CPC. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2015. 16 BRASIL. Lei nº 9.307, de 23 de setembro de 1996. Dispõe sobre a arbitragem. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/L9307.htm>. Acesso em: 15 de março de 2019. Não paginado, grifo nosso. 17 CAHALI, F. J. Curso de arbitragem: mediação: conciliação: resolução CNJ 125/2010. 5. ed. revista e atualizada, de acordo com a Lei 13.129/2015 (Reforma da Lei de Arbitragem), com a Lei 13.140/2015 (Marco Legal da Mediação) e o Novo CPC. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2015. 18 BRASIL. Lei nº 9.307, de 23 de setembro de 1996. Dispõe sobre a arbitragem. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/L9307.htm>. Acesso em: 15 de março de 2019. Não paginado.

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a) A escolha do julgador (art. 13, da LArb): a escolha do árbitro irá recair sobre pessoas qualificadas, especializadas, experientes e que transmitam confiança. Essa qualificação técnica é fundamental para solução de negócios jurídicos complexos, como os contratos relacionados ao agronegócio. Muito diferente do que ocorre no Poder Judiciário, que raramente possui varas especializadas na área empresarial e agronegocial.

b) Celeridade (art. 23, da LArb): o processo arbitral tem prazo certo para se encerrar (06 meses para apresentação da sentença arbitral). Esse termo final é importante para as relações econômicas, que não podem ficar dependentes de uma decisão indefinida no tempo; uma disputa jurídica de longa data pode contribuir para a falência de uma empresa. No Judiciário, como foi visto em linhas passadas, o processo tem data para começar, mas não tem data para se encerrar.

c) Instância única (art. 18, da LArb): eis a principal insatisfação de alguns operadores do direito com a arbitragem, sob o argumento de que a ausência de recurso fere de morte o princípio constitucional do duplo grau de jurisdição. Por esse princípio, a parte insatisfeita com a decisão (judicial) pode procurar a revisão do julgado em instâncias superiores, composta por juízes mais experientes e julgamentos colegiados. Contudo, na arbitragem, isso é desnecessário, pois as partes puderam escolher um julgador experiente e qualificado. Subentende-se que ele tem todas as condições para proferir um julgado justo e legítimo. Se houver algum vício grave, o caso é de nulidade perante o Poder Judiciário (art. 32, ad LArb), não de reforma da decisão.

Além disso, o recurso no campo da arbitragem seria inconveniente, pois o seu objetivo maior é a solução do conflito, sem medidas protelatórias e procrastinatórias típicas do processo judicial em segundo grau19. O que se pretende na arbitragem é a solução definitiva da disputa e isso é uma prioridade num mundo negocial envolvido em práticas comerciais complexas e dependentes de instrumentos rápidos e seguros para a geração e distribuição de riquezas, pautada na máxima: “Tempo é dinheiro”.

A escolha pela arbitragem e a aceitação de uma decisão (negativa ou positiva) em instância única representa um verdadeiro empoderamento processual20, que não exclui a possibilidade das partes preverem excepcionalmente a possibilidade de reexame da decisão por outra instância arbitral (pouco recomendado, pelos custos envolvidos). Esse paradigma ainda é de difícil compreensão pelos atuais operadores do direito, formados num modelo jurídico processual anacrônico e totalmente dependente (da intervenção) do Estado-juiz.

d) Cumprimento espontâneo: como foram a próprias partes que escolheram o árbitro (julgador), elas tendem a cumprir espontaneamente o que foi decido por ele. Isso, pois, as partes participam ativamente do processo e do

19 CAHALI, F. J. Curso de arbitragem: mediação: conciliação: resolução CNJ 125/2010. 5. ed. revista e atualizada, de acordo com a Lei 13.129/2015 (Reforma da Lei de Arbitragem), com a Lei 13.140/2015 (Marco Legal da Mediação) e o Novo CPC. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2015. 20 A palavra empoderamento é derivada da expressão em língua inglesa ‘empowerment’, cuja ressignificação foi promovida pelo educador Paulo Freire na obra Pedagogia do oprimido. Para ele, empoderamento é “dar poder a alguém” para realizar algo ou promover sua emancipação humana. Os indivíduos abandonam sua passividade e passam a protagonizar a própria vida. (FREIRE, 1987, p. 64). No tocante à arbitragem, o empoderamento processual poderia ser conceituado como o poder de escolha das partes por um procedimento extrajudicial ‘informal’ e célere para solução dos seus conflitos, a elaboração da convenção arbitral com autonomia e liberdade, a escolha do árbitro, a interferência na fixação de prazos, rateio de despesas, valoração de provas e, inclusive, no estabelecimento excepcionalíssimo de reexame da sentença arbitral por outro juízo arbitral.

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procedimento na arbitragem; são os principais atores do processo. Muito diferente do processo judicial tradicional, em que o juiz é a principal referência e as partes meras coadjuvantes. Claro que tal realidade tende a mudar com a instituição no novo Código de Processo Civil dos negócios jurídicos processuais, que nada mais são do que analogias dos modelos legais instituídos inicialmente pela arbitragem.

Art. 190: Versando o processo sobre direitos que admitam autocomposição, é lícito às partes plenamente capazes estipular mudanças no procedimento para ajustá-lo às especificidades da causa e convencionar sobre os seus ônus, poderes, faculdades e deveres processuais, ante ou durante o processo. Parágrafo único. De ofício ou a requerimento, o juiz controlará a validade das convenções previstas neste artigo, recusando-lhes aplicação somente nos casos de nulidade ou de inserção abusiva em contrato de adesão ou em que alguma parte se encontre em manifesta situação de vulnerabilidade.21

Em tempo, merecem relevo duas vantagens extremamente importantes no

campo da arbitragem, enunciadas por Francisco José Cahali:

A primeira, quanto à confidencialidade. Embora não se tenha na Lei de Arbitragem a exigência de procedimento arbitral confidencial ou sigiloso, geralmente não só a convenção arbitral dispõe sobre esta reserva de publicidade, como também os regulamentos das principais câmaras de arbitragem (arbitragem institucional) estabelecem esta regra, salvo se o procedimento envolver a administração pública. A vantagem é nítida. Tanto as partes quanto o objeto conflituoso não serão divulgados, evitando-se, por exemplo, ferir a imagem da empresa, a divulgação de segredos industriais ou o quantum da demanda. O segundo benefício provável deste método é econômico-financeiro. Em um primeiro momento, os valores para se instaurar um procedimento arbitral poderiam desencorajar o uso do instituto, mas o resultado final, medido a partir do custo-benefício (por exemplo, a própria confidencialidade, tecnicidade do árbitro ou a insegurança das decisões judiciais), bem como, e especialmente, a celeridade na obtenção do resultado, podem levar a outra conclusão quando comparado a um processo na justiça estatal. Aliás, só em pensar no julgamento em instância única, sem os ônus decorrentes da demora e das despesas para se sustentar o processo com diversos recursos, já se pode reconhecer a vantagem aqui referida.22

Por seu turno, registre-se que recentemente a Lei de Arbitragem no Brasil passou por uma reforma legislativa importante (Lei nº 13.129/2015), que conferiu

21 BRASIL. Lei nº 13.105, de 16 de março de 2015. Código de Processo Civil. 2015. Disponível em:<http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2015-2018/2015/lei/l13105>. Acesso em 18 de março de 2019. Não paginado. 22 CAHALI, F. J. Curso de arbitragem: mediação: conciliação: resolução CNJ 125/2010. 5. ed. revista e atualizada, de acordo com a Lei 13.129/2015 (Reforma da Lei de Arbitragem), com a Lei 13.140/2015 (Marco Legal da Mediação) e o Novo CPC. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2015, p.117-118.

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mais segurança ao processo arbitral e o conformou às alterações processuais do Código de Processo Civil de 2015 e, principalmente, aos precedentes judiciais em matéria de arbitragem23.

Diante disso, pode-se perceber que a arbitragem é mais do que uma alternativa eficaz para solução de conflitos, quando comparada ao Poder Judiciário. Ela é uma ‘porta’ adequada e propícia para solução de conflitos relacionados a direitos patrimoniais disponíveis (negócios, contratos, etc) e possui condições de promover o desenvolvimento econômico do país, com celeridade e segurança jurídica (previsibilidade). No campo do agronegócio, ela é perfeitamente aplicada e recomendada, conforme será delineado nas linhas abaixo.

3 Do agronegócio e do direito do agronegócio no Brasil Atualmente, o termo agricultura é insuficiente para designar todas as

relações produtivas existentes no meio rural. De um processo produtivo voltado inicialmente para dentro da fazenda, a produção agropecuária ultrapassou a porteira e alcançou complexos sistemas agroindustriais. Nas palavras de Massilon J. Araújo:

Para que haja produção agropecuária e para que o produto chegue ao consumidor, aparece um complexo de atividades sociais, agronômicas, zootécnicas, agroindustriais, industriais, econômicas, administrativas, mercadológicas, logísticas e outras. Assim, a produção agropecuária deixou de ser “coisa” de agrônomos, de veterinários, de agricultores e de pecuaristas, para ocupar um contexto muito complexo e abrangente, que é o do AGRONEGÓCIO, envolvendo outros segmentos.24

Esse termo agronegócio é derivado da palavra agribussiness, que foi

cunhada a partir dos estudos implementados em 1957 por dois professores da Universidade de Harvard, nos Estados Unidos da América (John Davis e Ray Goldberb). Para eles, o agribussiness representa toda a atividade produtiva relacionada ao meio rural, encabeçando um sistema industrial complexo cheio de arranjos comerciais e jurídicos25.

A visão sistêmica do agronegócio, por sua vez, engloba os setores denominados “antes da porteira”, “dentro da porteira” e “após a porteira”.

Os setores “antes da porteira” ou a “montante da produção agropecuária” são compostos basicamente pelos fornecedores de insumos e serviços, como: máquinas, implementos, defensivos, fertilizantes, corretivos, sementes, tecnologia, financiamento. “Dentro da porteira” ou “produção agropecuária” é o conjunto de atividades desenvolvidas dentro das unidades produtivas agropecuárias (as fazendas), ou produção agropecuária propriamente dita, que envolve preparo e manejo de solos, tratos culturais, irrigação, colheita, criações e outras. “Após a porteira” ou “a jusante da produção agropecuária” refere-se às atividades de armazenamento, beneficiamento,

23 CAHALI, F. J. Curso de arbitragem: mediação: conciliação: resolução CNJ 125/2010. 5. ed. revista e atualizada, de acordo com a Lei 13.129/2015 (Reforma da Lei de Arbitragem), com a Lei 13.140/2015 (Marco Legal da Mediação) e o Novo CPC. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2015. 24 ARAÚJO, M. Fundamento de agronegócio. 4 ed. São Paulo: Atlas, 2013, p.01. 25 Ibidem.

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industrialização, embalagens, distribuição, consumo de produtos alimentares, fibras e produtos energéticos provenientes da biomassa.26

No Brasil, somente após a década de 1980, o termo agronegócio passou a

se difundir. Justamente no período em que a produtividade nacional aumentou. Por isso, a visão sistêmica do agronegócio é fundamental para subsidiar os tomadores de decisões. O agronegócio brasileiro representa atualmente 36% da pauta de exportações e contribui decisivamente para o superávit da balança comercial27.

A produtividade brasileira aumenta exponencialmente, fruto principalmente do uso de novas e modernas tecnologias. Por exemplo, os investimentos na aquisição de máquinas, implementos agrícolas e tecnologias em geral, somente na maior feira do centro-oeste brasileiro (Tecnoshow Comigo), realizada em Rio Verde, Estado de Goiás, ultrapassaram o valor de R$ 1,7 bilhão em 201728. No ano de 2019, na sua 18ª edição, essa feira movimentou R$ 3,4 bilhões em volumes de negócios e se tornou a maior feira do segmento no Brasil29.

Além disso, estatísticas informam que a demanda mundial por alimentos nos próximos anos aumentará significativamente. A própria FAO/ONU (Organização das Nações Unidas para a Alimentação e Agricultura) tem discutido formas adequadas de compatibilizar a crescente demanda por alimentos, a sustentabilidade do meio ambiente e a eficiência na produção e comercialização dos produtos agrícolas:

Para responder a demanda dos 9 bilhões de habitantes do planeta em 2050, a eficiência do uso dos recursos naturais – principalmente a água, energia e terra – deverá ser aumentada. Os sistemas de alimentação devem ser mais inteligentes e mais eficientes para alimentar o futuro, afirmou o diretor-geral da Organização da ONU para a Alimentação e a Agricultura

26 Ibidem, p.12. 27 CONFEDERAÇÃO NACIONAL DA AGRICULTURA. Balança comercial do agro. Disponível em: <http://www.cnabrasil.org.br/sites/default/files/sites/default/files/uploads/05_balancacomercialagro.pdf>. Acesso em: 05 de junho de 2017. 28 Com R$ 1,7 bilhão, a Tecnoshow Comigo registra número recorde de negócios e está em sua 16ª edição. Organizada pela COMIGO, a Feira tem crescido a cada ano, tanto em número de expositores e de comercialização de produtos, quanto em quantitativo de visitantes. A diversidade é uma marca registrada do evento. Máquinas e equipamentos agropecuários, plots agrícolas, animais das mais variadas espécies, palestras técnicas e econômicas, educação ambiental (através do Espaço Ambiental) e dinâmicas de máquinas são alguns atrativos. Trata-se de uma extensa vitrine de tecnologias para o homem do campo, seja ele pequeno, médio ou grande produtor. (COMIGO, 2017, não paginado). 29 Em sua 18ª edição, feira superou novamente as expectativas dos organizadores, registrando a participação de 580 expositores e público de 118 mil pessoas. Em 2020, evento será realizado de 30 de março a 3 de abril. Otimistas com os rumos da agropecuária brasileira em 2019, os produtores rurais marcaram presença na 18ª edição da Tecnoshow Comigo, em Rio Verde (GO), e contribuíram para que a feira superasse as expectativas em relação aos números alcançados em edições anteriores. De 8 a 12 de abril, foram R$ 3,4 bilhões em negociações (aumento de 36% em relação a 2018, quando a feira registrou R$ 2,5 bilhões), 580 expositores e público de 118 mil pessoas de todas as regiões produtoras brasileiras. Considerada a grande feira de tecnologia rural do Centro-Oeste e entre as duas maiores do Brasil, a Tecnoshow Comigo já tem data confirmada para 2020. Será de 30 de março a 3 de abril no Instituto de Pesquisa e Tecnologia Comigo (ITC) – antigo Centro Tecnológico Comigo (CTC). (COMIGO, 2019, não paginado).

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(FAO), o brasileiro José Graziano da Silva, durante sua participação no Fórum Global para a Alimentação e a Agricultura, parte da “Semana Verde” em Berlim (Alemanha), na última sexta-feira (16). Uma mudança de paradigma é necessária para substituir o modelo agrícola dos últimos 40 anos, em um mundo que enfrenta alterações provocadas pelas mudanças climáticas e uma disputa acirrada pelos recursos naturais, disse Graziano. Se o atual ritmo de consumo continuar, em 2050 será necessário 60% a mais de comida, 50% a mais de energia e 40% a mais de água. Para responder a demanda dos 9 bilhões de habitantes do planeta em 2050, são necessários esforços concertados e investimentos que promovam essa transição global para sistemas de agricultura e gestão de terra sustentáveis. Estas medidas implicam no aumento de eficiência do uso dos recursos naturais – principalmente a água, energia e terra – mas também na redução considerável de desperdício de alimentos. Ao abordar o uso de terras para a produção de biocombustíveis, o chefe da FAO ressaltou que é preciso deixar para trás o debate de “comida versus combustível” para alimentar o debate “comida e combustível”. Para ele, graças a experiência angariada nos últimos anos com a tecnologia de produção, os países possuem hoje mais conhecimento para avaliar as oportunidades e riscos do desenvolvimento dessa forma de combustível e, portanto, podem decidir melhor se o seu uso compensa no âmbito social, econômico e em questões ambientais. 30

É bem verdade que as crises econômicas e financeiras advindas da

globalização podem reduzir a demanda por alimentos, além das limitações ambientais. Mas é fato que a produção de alimentos no mundo precisará aumentar nos próximos anos. E o Brasil tem um papel preponderante nessa quadra, pois possui terras férteis, tecnologia, expertise e mão-de-obra suficiente para atender a esses reclamos e será, em 2050, pelo que tudo indica, responsável pela produção de 40% do volume de alimentos e bioenergia no mundo.31

Nesse contexto, o sistema produtivo no campo incorporou de vez o modelo empresarial, próprio dos fatores de produção (permitindo a produção em larga escala e cumprindo sua função social com a estabilização de preços). Através de redes negociais complexas, o agronegócio assumiu um papel social importante no cenário nacional. Não obstante, a agricultura familiar tem papel relevante na redução das desigualdades sociais e regionais.

Entrementes, o que o agronegócio precisa atualmente é de mais planejamento, organização (gestão), qualificação da sua mão-de-obra e, sobretudo, segurança jurídica. Segurança jurídica que interfere diretamente nos custos da transação (fixos e variáveis), notadamente na elaboração e cumprimento de contratos. Em estudo econômico pormenorizado sobre as

30 ONU (Organização da ONU para a alimentação e agricultura). FAO: se o atual ritmo de consumo continuar, em 2050 mundo precisará de 60% mais alimentos e 40% mais água. 2016. Disponível em:<https://nacoesunidas.org/fao-se-o-atual-ritmo-de-consumo-continuar-em-2050-mundo-precisara-de-60-mais-alimentos-e-40-mais-agua/>. Acesso em 20 de junho de 2017. Não paginado. 31 BURANELLO, R. Manual do direito do agronegócio. São Paulo: Saraiva, 2013.

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características dos contratos no agronegócio do Brasil, Rocha Júnior, Bittencourt e Ribeiro elucidaram o seguinte32:

A competividade pode ser traduzida em redução de custos, nos quais se destacam os custos de transação. Estes podem ser classificados em quatro níveis: o primeiro relaciona-se aos custos de construção e negociação dos contratos; o segundo envolve os custos de mensuração e monitoramento dos direitos de propriedade existentes no contrato. Este incorpora também os custos de observação dos contratos ao longo do tempo para seu desempenho e atende às expectativas das partes que fizeram a transação. O terceiro engloba os custos de manutenção e execução dos contratos internos e externos da firma. O quarto e último nível refere-se aos custos de adaptação pelos quais passam os agentes com as mudanças ambientais (FARINA, 1999). Por isso, quanto mais rápida for a adaptação, menos custos de transação existirão, resultando em lucros maiores. Os sistemas eficientes são a consequência de um conjunto de instituições que fornecem, com baixo custo, as medidas e os meios para que os contratos sejam cumpridos, sendo o contrário também verdadeiro.

Como visto, o agronegócio no Brasil passou por uma verdadeira revolução

(verde), muito distante daquele modelo de agricultura de subsistência própria do início do século passado. Isso, pois, o agronegócio é o conjunto articulado de atividades econômicas que perpassam todo o processo produtivo, desde o fornecimento de insumos até a distribuição dos produtos para o consumidor final, além dos modernos instrumentos financeiros disponíveis para atenuar os riscos e prejuízos assumidos pelos exercentes dessa atividade econômica.33

De outro lado, esse modelo complexo e arriscado de produção não se coaduna mais com as orientações legislativas dos idos de 1960. Como exemplo dessas orientações, tem-se o direito agrário representado principalmente pelo Estatuto da Terra (Lei nº 4.504, de 30 de novembro de 1964). O cerne fundamental do direito agrário é a reformulação do sistema fundiário (distribuição da terra) com base na função social da propriedade (relação homem-terra). Foi construído num período diferente do atual estágio de desenvolvimento. Caracterizado principalmente pela presença de normas de ordem pública, limita (excessivamente) a autonomia da vontade das partes nos contratos agrários (definição de prazos, preços, etc.). Está ligado ao conceito de exercício individual da exploração da terra, com poucos investimentos e tecnologia, visando inicialmente à produção de subsistência de uma pequena comunidade. Em resumo: pautado num regime econômico pouco produtivo, comparativamente à empresa rural (agronegócio).

Por derradeiro, essas transformações vivenciadas na agricultura precisam alcançar os principais instrumentos jurídicos utilizados no tráfico econômico e agroempresarial, que são os contratos.

32 ROCHA JÚNIOR, W. F. da; BITTENCOURT, M. V. L.; RIBEIRO, M. C. P. “Análise das características dos contratos no agronegócio do Brasil”. Revista Brasileira de Planejamento e Desenvolvimento. Curitiba. v. 4, n 2, p. 94-118, jul/dez 2015. Disponível em:<https://periodicos.utfpr.edu.br/rbpd/article/view/3569>. Acesso em 12 de junho de 2018, p.96-97. 33 BURANELLO, R. Manual do direito do agronegócio. São Paulo: Saraiva, 2013.

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4 Os contratos do agronegócio e a autonomia privada Contrato é um acordo de vontades com a finalidade de criar, modificar ou

extinguir direitos, na sua acepção mais tradicional. Ele é o principal responsável pela circulação da riqueza produzida no sistema econômico capitalista. Através do contrato, as operações econômicas são realizadas, com mais ou menos eficácia, a depender dos instrumentos utilizados.

A doutrina consagrada de Enzo Roppo é ilustrativa quando aduz: As situações, as relações, os interesses que constituem a substância real de qualquer contrato podem ser resumidos na ideia de operação econômica. De fato, falar de contrato significa sempre remeter - explícita ou implicitamente, directa ou mediatamente – para a ideia de operação econômica.34

Por sua vez, um elemento fundamental para a formação do contrato é a

autonomia da vontade (autonomia privada). A vontade é importante na formação do contrato, pois é ela que estabelece as regras e cláusulas contratuais, disciplina a sua execução e extinção. Inicialmente, no período oitocentista (Pós Revolução Francesa), a manifestação da vontade era exercida na sua plenitude. O contrato fazia lei entre as partes e devia ser cumprido integralmente. Entretanto, após inúmeras transformações sociais da modernidade essa manifestação de vontade, passou a sofrer algumas barreiras, notadamente em prol do interesse público. O contrato passou a possuir uma função social e o Estado passou a interferir na legislação contratual, estabelecendo normas de ordem pública (dirigismo contratual).

A intervenção do Estado, no âmbito dos contratos, geralmente pretende proteger a parte mais vulnerável na relação negocial (consumidor, por exemplo), ou aquela que utiliza do insumo (terra) para sua própria sobrevivência (pequeno produtor rural, por exemplo). Na seara empresarial, essa intervenção nem sempre é salutar, embora a interferência em um contrato não acarrete necessariamente o controle das atividades econômicas privadas, pois estas podem pressupor um ou mais contratos. (ROPPO, 2009).

Na verdade, a interferência estatal precisa ser pontual e não ultrapassar o necessário para a manutenção de uma ordem econômica capitalista próspera e com justiça social. A própria Constituição da República Federativa do Brasil de 1988 estabeleceu que a base do modelo econômico no Brasil é pautada na livre iniciativa e na livre concorrência, sopesada pela promoção de justiça social (art. 170, CF/88). Uma equação difícil, mas extremamente necessária.

De mais a mais, essa limitação da autonomia da vontade não anulou propriamente a vontade das partes, que continua sendo preponderante na formação do negócio jurídico. A doutrina de José Fernando Lutz Coelho é salutar quando aduz que:

É importante salientar que mesmo havendo a relativização da autonomia da vontade, que nunca foi absoluta, deve-se observar obrigatoriamente a força vinculante do contrato expressado no pacta sun servanda, já que os contratos são pactuados para serem cumpridos. Pensar de forma contrária é atentar contra a própria função econômica e social dos contratos. Assim, tem-se que, observados os pressupostos de validade dos

34 ROPPO, E. O contrato. Biblioteca Nacional de Portugal. Catalogação na Publicação. Edições Almedina S.A. Coimbra: 2009, p.11.

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contratos, eles devem ser executados, sob pena de insegurança contratual.35

Atualmente, os contratos comumente utilizados pelo agronegócio envolvem

o financiamento rural, o mútuo, as disputas sobre commodities, a compra e venda de insumos, o direito de superfície, divisões de terras e dissolução de condomínios. Sem mencionar os inúmeros instrumentos contratuais utilizados pelo comércio internacional. Em praticamente todos eles, a autonomia privada é preponderante, pois são operações econômicas vestidas sob o manto da empresarialidade.36 Negociações celebradas num contexto econômico complexo e dirigidas por profissionais extremamente especializados é a regra geral.

Na inexistência de regramento específico, as partes podem construir livremente as cláusulas contratuais mais adequadas para o negócio jurídico que desejam celebrar. E, no momento de apresentar soluções eficazes para eventuais conflitos, o ‘julgador’ também precisa possuir especialidade qualificada.

De outro lado, nos contratos agrários (típicos e atípicos), como arrendamento rural, parceria rural, comodato rural, fica, pastoreio ou invernagem, roçado e leasing agrário, a discussão sobre a autonomia da vontade das partes é mais sensível e delicada. A princípio, nesse campo das relações negociais, o Estatuto da Terra (Lei nº 4.504/1964) quer reformular o sistema fundiário com base na função social da propriedade rural. Existem proteções específicas para o produtor rural, como cláusulas obrigatórias no contrato que limitam a autonomia da vontade.

No caso específico do contrato de arrendamento rural, por exemplo, existem cláusulas obrigatórias envolvendo a fixação do preço. Nesse contrato, o preço é certo e deve ser ajustado em dinheiro, mas o pagamento poderá ser em produtos (limitação de preço a 15% sobre o valor cadastral do imóvel). Tal dirigismo contratual foi construído na tentativa de proteger a renda do produtor e de evitar o êxodo rural, numa visão que o arrendatário é apenas o típico homem do campo, aquele desprotegido que merece a proteção do Estado. Contudo, atualmente, tal relação negocial também é celebrada por grandes produtores rurais e empresas rurais, que nem sempre carecem dessa tutela estatal.

A partir da década de 1990, com o avanço das agroindústrias e o aumento da produção rural, implementação de tecnologia de ponta e maior rentabilidade agropecuária, o produtor rural passou a ser empreendedor, se preocupar com o futuro, programar o plantio, cultivo, colheita e venda da sua mercadoria, além de diversificar culturas. Agora, ele é assessorado por equipe técnica, agrônomos, economista, contabilista, advogado e sindicato. Uma verdadeira mudança de cultura, do típico ‘homem do campo’ para o arrendatário empreendedor.

Outrossim, os questionamentos mais comuns no Poder Judiciário envolvendo o contrato de arrendamento rural estão relacionados justamente à forma de pagamento. Em diversas oportunidades, principalmente quando o produtor rural questionava a forma de pagamento do arrendo, em situações de dificuldades, as decisões judiciais determinavam o cumprimento irrestrito das disposições legais presentes no Estatuto da Terra (em média 15% sobre o valor da terra nua declarada no ITR – Imposto sobre a propriedade territorial rural). A título de exemplo, com essa orientação o pagamento do arrendamento na cidade de Rio Verde - GO, de 100 (cem) alqueires goianos, poderia alcançar a cifra anual de R$800.000,00 (oitocentos mil reais). Um verdadeiro massacre ao arrendatário rural e enriquecimento excessivo do proprietário rural, inviabilizando a própria atividade econômica. (Referências para o cálculo: valor do VTN para áreas de soja em torno de R$ 11.025,00 por hectare e alqueire com preço em torno de R$ 53.361,00).

35 COELHO, J. F. L. Contratos agrários: uma visão neoagrarista. 2 ed. Curitiba: Juruá, 2016. 36 BURANELLO, R. Manual do direito do agronegócio. São Paulo: Saraiva, 2013.

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Além disso, existem questionamentos judiciais envolvendo outras cláusulas obrigatórias nos contratos agrários, como o direito de preferência. Nesse diapasão, algumas mudanças puderam ser notadas, especialmente quando o STJ (Superior Tribunal de Justiça), proferiu uma decisão no ano de 2016 relativizando a aplicabilidade das cláusulas obrigatórias nos contratos agrários (ampliando a autonomia da vontade das partes), quando houver pactuação em sentido contrário e na relação contratual não houver um simples produtor rural (homem do campo).

Segue ementa: RECURSOS ESPECIAIS. CIVIL. DIREITO AGRÁRIO. LOCAÇÃO DE PASTAGEM. CARACTERIZAÇÃO COMO ARRENDAMENTO RURAL. INVERSÃO DO JULGADO. ÓBICE DAS SÚMULAS 5 E 7/STJ. ALIENAÇÃO DO IMÓVEL A TERCEIROS. DIREITO DE PREFERÊNCIA. APLICAÇAO DO ESTATUTO DA TERRA EM FAVOR DE EMPRESA RURAL DE GRANDE PORTE. DESCABIMENTO. LIMITAÇÃO PREVISTA NO ART. 38 DO DECRETO 59.566/66. HARMONIZAÇÃO DOS PRINCÍPIOS DA FUNÇÃO SOCIAL DA PROPRIEDAE E DA JUSTIÇA SOCIAL. SOBRELEVO DO PRINCÍPIO DA JUSTIÇA SOCIAL NO MICROSSISTEMA NORMATIVO DO ESTATUTO DA TERRA. APLICABILIDADE DAS NORMAS PROTETIVAS EXCLUSIVAMENTE AO HOMEM DO CAMPO. INAPILICABILIDADE A GRANDES EMPRESAS RURAIS. INEXISTÊNCIA DE PACTO DE PREFERÊNCIA. DIREITO DE PREFERÊNCIA INEXISTENTE. 1. Controvérsia acerca do exercício do direito de preferência por arrendatário que é empresa rural de grande porte. 2. Interpretação do direito de preferência em sintonia com os princípios que estruturam o microssistema normativo do Estatuto da Terra, especialmente os princípios da função social da propriedade e da justiça social. 3. Proeminência do princípio da justiça social no microssistema normativo do Estatuto da Terra. 4. Plena eficácia do enunciado normativo do art. 38 do Decreto 59.566/66, que restringiu a aplicabilidade das normas protetivas do Estatuto da Terra exclusivamente a quem explore a terra pessoal e diretamente, como típico homem do campo. 5. Inaplicabilidade das normas protetivas do Estatuto da Terra à grande empresa rural. 6. Previsão expressa no contrato de que o locatário/arrendatário desocuparia o imóvel no prazo de 30 dias em caso de alienação. 7. Prevalência do princípio da autonomia privada, concretizada em seu consectário lógico consistente na força obrigatória dos contratos (“pacta sunt servanda”). 8. Improcedência do pedido de preferência, na espécie. 9. RECURSOS ESPECIAIS PROVIDOS. STJ (SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA). RECURSO ESPECIAL Nº 1.447.082 – TO (2014/0078043-1). RELATOR: MINISTRO PAULO DE TARSO SANSEVERINO. RECORRENTE: JOSÉ EDUARDO SENISE. RECORRENTE: HAYDEE MARIA PENNACHIM SENISE. ADVOGADO: DENISE ROSA SANTANA FONSECA E OUTRO (S). RECORRENTE: BUNGE FERTILIZANTES S/A. ADVOGADO: IRAZON CARLOS AIRES JUNIOR E OUTRO (S). RECORRIDO: SPI AGROPECUÁRIA - SISTEMA DE PRODUÇÃO INTEGRADA

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AGROPECUÁRIA DO TOCANTINS LTDA. ADVOGADO: JOAQUIM PEREIRA DA COSTA JUNIOR E OUTRO (S).37

Referida decisão demonstra que os contratos agrários (típicos e atípicos)

passam por uma reinterpretação e a autonomia da vontade das partes (autonomia privada) não pode ser limitada por apotegmas absolutos, que insistem em dizer que todo produtor rural é um simples homem do campo. O julgado poderia, também, indicar uma clara adoção de regras civilistas em contratos agrários? Sim, no encontro do que estipula o art. 38, do Decreto nº 59.566/1966. Quanto aos contratos do agronegócio, essa autonomia é plena, pois as características da empresarialidade são preponderantes.

Não obstante, a doutrina de José Fernando Lutz Coelho defende uma terceira via, que seria uma posição Neoagrarista, que não quer civilizar o Direito agrário, mas apenas flexibilizar a base principiológica dos contratos de arrendamento e parceria rural, bem como os contratos inominados e atípicos. Mais do que isso, ele pontua que:

Novos paradigmas para discernimento e interpretação dos problemas originados dos contratos agrários são na verdade, um caminho de pedras, é uma questão de complexidade, já que o rigorismo das normas de ordem pública do Estatuto da Terra e o seu regulamento, estão sedimentadas, e os doutrinadores agraristas tradicionais ficam perplexos, apontam os riscos, mas, como dissemos, não é transformar o Direito agrário em Direito civilista, é contornar a inércia e absolutismo, através de novas premissas necessárias a soluções equilibradas dos dilemas e controvérsias dos pactos contratuais, e nesse sentido, puramente objetivista, que visamos a um novo contorno aos contratos agrários nominados e inominados.38

Nesse momento, a pretensão desse estudo não é enveredar por esse

caminho, na investigação profunda das influências do direito civil sobre o direito agrário. Fato é que a interpretação desses negócios jurídicos vem mudando e vai exigir do hermeneuta criatividade e responsabilidade na releitura de institutos jurídicos sedimentados e consagradas pela doutrina.

De toda forma, percebe-se que as regras de hermenêutica, envolvendo os contratos agrários (e do agronegócio), passam por uma transformação crítica e que precisam se coadunar com as necessidades socioeconômicas contemporâneas.

4.1 Da arbitragem nos contratos de agronegócio (e agrários)

Como ficou consignado na parte inicial desse estudo, o instituto da arbitragem não é novo. Ele surgiu antes mesmo da jurisdição estatal. Contudo, o Poder Judiciário é a ‘porta’ mais procurada pelo cidadão para solucionar seus conflitos de interesses. Nas suas relações interindividuais, isso é regra geral. Mas na seara empresarial, essa realidade muda com mais rapidez.

Já é comum as empresas procurarem resolver suas pendências legais por meio de um procedimento arbitral, que oferece rapidez e especialização na solução

37 BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Recurso especial nº 1.447.082 – TO (2014/0078043-1). Relator: Ministro Paulo de Tarso Sanseverino. Pesquisa de Jurisprudência, 29 de maio de 2014. 2016. Disponível em: <http://www.stj.jus.br/portal/jurisprudencia/pesquisarJurisprudencia.asp>. Acesso em: 05 de março de 2019. Não paginado. 38 COELHO, J. F. L. Contratos agrários: uma visão neoagrarista. 2 ed. Curitiba: Juruá, 2016, p.62-63.

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do conflito. Em várias capitais do país existem dezenas de Câmaras Privadas de Arbitragem e, no interior, a instalação dessas instituições vem crescendo bastante. Na cidade de Rio Verde-GO, por exemplo, existe uma Câmara de Arbitragem e Mediação em funcionamento há praticamente 20 (vinte) anos39. Câmara essa que, inclusive, tem convênio firmado com o Sindicato Rural da cidade para arbitrar e mediar conflitos negociais envolvendo questões rurais.40

A instituição do procedimento arbitral em contratos relacionados ao agronegócio é perfeitamente possível. Isso, pois, a premissa mais importante para aplicabilidade da cláusula compromissória e do compromisso arbitral nos contratos é a disponibilidade do direito. Disponibilidade que permite às partes transacionar quando necessário e renunciar à jurisdição estatal (autonomia da vontade).

O juízo arbitral é eleito pelas partes e decidirá a questão conforme foi determinado no termo de arbitragem (pelas próprias partes). Não há ofensa aos princípios e regras legais contratuais previstas no ordenamento jurídico brasileiro. Trata-se, apenas, da eleição de um procedimento mais célere e eficaz para solução de conflitos. Caso alguma decisão arbitral contrarie os mandamentos legais, ela poderá ser anulada perante o Poder Judiciário. Ou seja, tudo dentro do procedimento arbitral é feito em respeito ao devido processo legal, de acordo com o art. 5º, da CF/88.41

No agronegócio, diversas cadeias de produção se comunicam (antes, dentro e depois da porteira), exigindo do empreendedor rural a assunção de riscos elevados e a possibilidade de lucros razoáveis. Mas para isso, ele precisa reduzir o custo na formação, manutenção e execução de seus contratos, inclusive custos que envolvam eventuais inadimplementos. Nada mais salutar do que se valer do processo arbitral. A arbitragem confere maior segurança jurídica ao negócio jurídico, pois é pautada em vários princípios importantes para a atividade empresarial, como especialização e confidencialidade.

De outro lado, também na seara dos contratos relacionados ao direito agrário (típicos e atípicos), a instituição da arbitragem é perfeitamente cabível. Não há no Estatuto da Terra, ou qualquer outra regulação legal, proibição de instituição do juízo arbitral. Isso seria um completo non sense. A arbitragem é apenas um instrumento processual diverso do processo estatal tradicional, sendo que não pode violar regras legais e descumprir o termo de compromisso que foi celebrado pelas partes. Claro que, várias releituras dos princípios agraristas estão sendo promovidas atualmente, conforme verificado no decorrer desse texto, inclusive pela mais alta corte infraconstitucional do país (STJ). Aliás, esses movimentos hermenêuticos podem enriquecer com a participação de árbitros especializados em questões rurais e agrárias, contribuindo para o fortalecimento da economia do país e a promoção da justiça social.

No caso dos contratos de arrendamento rural, por exemplo, existe significativa manifestação da autonomia da vontade (privada) das partes contratantes. Ao estabelecer regras de pagamento, tempo de arrendamento, o

39 Inaugurada no ano de 1998, a Câmara de Arbitragem e Mediação de Rio Verde integra-se à rede de câmaras conveniadas em todo o território nacional, com atuação sistêmica, com o mesmo padrão de qualidade por todo o país, através da denominada Rede CBMAE – Câmara Brasileira de Mediação e Arbitragem Empresarial. Em março de 2016, a ACIRV e a CACB – por meio da CBMAE, realizaram, na sede da ACIRV, o “Encontro pela solução pacífica de conflitos empresariais e Adesão ao Pacto pela não judicialização dos conflitos”, um marco que mostrou a necessidade de se quebrar o paradigma da dependência do Estado para resolver as controvérsias, seja nas empresas, seja na comunidade em geral. (ACIRV, 2019). 40 Ibidem. 41 BRASIL. Constituição Federal de 1988. Promulgada em 5 de outubro de 1988. Disponível em <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituição.htm>. Acesso em: 15 de março de 2019.

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que será plantado, forma de pagamento de benfeitorias, direito de preferência, forma de plantio, forma de correção do solo, agricultura convencional ou plantio direto, as partes estão tratando de inúmeros direitos disponíveis.

Registre-se, por seu turno, que o próprio Tribunal de Justiça do Estado de Goiás (TJGO) reconheceu a incompetência da Justiça Estadual em julgar conflito oriundo de contrato de arrendamento rural com cláusula arbitral, em julgado proferido no ano de 2009 e reforçou a validade da autonomia da vontade das partes nesses negócios jurídicos:

AGRAVO DE INSTRUMENTO. REINTEGRAÇÃO DE POSSE. CONTRATO DE ARRENDAMENTO DE IMÓVEL RURAL. CLÁUSULA COMPROMISSÓRIA. CONVENÇÃO DE ARBITRAGEM. EFEITO TRANSLATIVO DO RECURSO. INCOMPETÊNCIA DO JUIZO COMUM. EXTINÇÃO DO PROCESSO NA ORIGEM. I – Convencionada cláusula compromissória elegendo juízo arbitral para dirimir conflitos porventura existentes sobre o contrato de arrendamento de imóvel rural, exclui-se a competência da Justiça Comum. II – O reconhecimento da incompetência da Justiça Comum para processar e julgar a possessória, deve-se a aplicação do efeito translativo ao agravo, decretando a extinção do processo na origem, sem resolução do mérito com fulcro nos artigos 516 e 267, VII, CPC. III – Agravo conhecido para examinar questão de ordem pública, decretando a extinção do processo na origem. TJGO. ACÓRDÃO: 10/09/2009. RELATORA: DES. BEATRIZ FIGUEIREDO FRANCO. PROC/REC. 76155/180. AGRAVO DE INSTRUMENTO. PROCESSO Nº 200902464293. COMARCA DE RIO VERDE. PARTES. AGRAVANTE: GILDO DA SILVA TOMAZ. AGRAVADO: MARIA GRACIEMA ROCHA JAIME.42

A instituição da cláusula arbitral nesses pactos rurais, repita-se, confere

mais segurança jurídica para esses negócios. Enquanto as decisões judiciais costumam ser genéricas, a arbitragem apresenta um grande trunfo que é a celeridade e especialização do julgamento.

Para ilustrar, apresenta-se abaixo uma sugestão de cláusula compromissória para os diversos contratos agrários e do agronegócio:

Cláusula compromissória: Todo litígio ou controvérsia originário ou decorrente deste instrumento será definitivamente decidido por arbitragem. A arbitragem será administrada pela CÂMARA DE ARBITRAGEM E MEDIAÇÃO da ACIRV, localizada na Rua Dona Maricota, 199, Jardim Marconal, na cidade de Rio Verde, Estado de Goiás, eleita pelas partes e indicada nesta cláusula, cujo Estatuto e Regimento Interno, registrado no Cartório de Títulos e Documentos, as partes adotam e declaram conhecer e concordar. A arbitragem processar-se-á na sede da CAM/ACIRV e o (s) árbitro (s) decidirá (ão) com base nos usos e costumes e nos termos das cláusulas deste contrato. O idioma oficial da arbitragem será o português, tudo conforme a Lei nº 9.307/1996. As partes elegem o foro da comarca de Rio Verde-GO, para a propositura

42 GOIÁS. Tribunal de Justiça do Estado de Goiás. Agravo de Instrumento. Proc/Rec. 76155/180. Des. Beatriz Figueiredo Franco. Pesquisa de Jurisprudência, 10 de dezembro de 2009. Disponível em:<http://tjgo.jus.br/index.php/consulta-atosjudiciais>. Acesso em: 10 de novembro de 2016. Não paginado.

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de eventuais medidas cautelares e execução da sentença arbitral.43

Ademais, o entendimento do citado agrarista José Fernando Lutz Coelho é

esclarecedor no sentido de que a arbitragem deveria ser mais comum no meio agroempresarial brasileiro:

Embora não seja utilizado na prática, como deveria, é perfeitamente concebível que nos contratos agrários nominados e inominados, em questões que envolvam direitos patrimoniais disponíveis, ou seja, bem inerente ao patrimônio ou interesse dos contratantes, sem vulnerar as normas de ordem pública emanadas no Estatuto da Terra e seu regulamento, que utilizem do meio de composição da lide, pela arbitragem, nos moldes proporcionados pela Lei 9.307, de 23.09.1.996.44

De mais a mais, o mesmo autor defende a aplicabilidade da arbitragem em

todo e qualquer pacto rural (agrário e do agronegócio), que envolvam direitos patrimoniais disponíveis, embasada na lei que dispõe sobre a arbitragem e no próprio Código Civil (Do compromisso).45

Na verdade, a discussão mais importante já não é mais sobre a legalidade da arbitragem nos contratos relacionados ao agronegócio, e sim os motivos da sua pouca aplicação prática, que perpassa questões culturais e sociais sensíveis e complexas.

Como visto, o objetivo da arbitragem não é retirar a autonomia da vontade das partes e afastá-las compulsoriamente da jurisdição estatal, vez que o procedimento arbitral depende de eleição consciente dos interessados e não pode violar preceitos legais consolidados. Também não promove o uso abusivo da autonomia privada, pois existem controles legais eficientes para corrigir eventuais excessos (violação clara de normas de ordem pública), como a anulação da sentença arbitral.

Em síntese, reforça-se que a instituição da arbitragem em contratos relacionados ao agronegócio (e agrários) é perfeitamente cabível, conveniente e necessária.

5 Considerações finais

A arbitragem é um instituto mais antigo do que o próprio sistema judicial. Criou-se o (mal) hábito de encaminhar praticamente todos os conflitos para o Poder Judiciário e, pensar de outra forma, é inverter radicalmente os paradigmas consagrados atualmente. Com essa sobrecarga desnecessária, o Poder Judiciário não consegue atender à demanda e se torna inoperante. Isso ocorre diferentemente na arbitragem, que costuma ser célere e eficiente, conferindo mais condições para o progresso econômico e social.

Também mereceu relevo a demonstração de que a agricultura sofreu inúmeras transformações no Brasil e no mundo, adotando fatores de produção próprios do sistema econômico capitalista (principalmente tecnologia), que a tornou mais eficiente e lucrativa. Não só isso: quanto mais produtiva a atividade

43 ACIRV (Associação Comercial e Industrial de Rio Verde). Câmara de Arbitragem e Mediação Disponível em: <http://www.acirv.com.br/page/camara-de-conciliacao-e-arbitragem/>. Acesso em: 20 de maio de 2019. Não paginado. 44 COELHO, J. F. L. Contratos agrários: uma visão neoagrarista. 2 ed. Curitiba: Juruá, 2016, p.279. 45 Ibidem.

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rural, mais ela cumpre a sua função social, pois atende às necessidades alimentares da sociedade com preços acessíveis e estáveis.

A legislação, todavia, não acompanhou essa revolução, notadamente quando envolvidos os contratos agrários tradicionais que limitam excessivamente a autonomia da vontade das partes. Aliás, nem mesmo os contratos do complexo sistema agroindustrial possuem a segurança jurídica necessária para a celebração dos acordos de vontade. É justamente nesse ponto que reside a importância do presente objeto de estudo, pois a aplicação da arbitragem nos contratos relacionados ao agronegócio (e agrários) pode promover mais desenvolvimento econômico e social para toda a sociedade, na medida que os conflitos de interesses serão resolvidos mais rapidamente e de forma qualificada, em razão da especialização do árbitro ou tribunal arbitral.

Além do mais, foi possível perceber que os tribunais estão relativizando muitos princípios tradicionais que sustentam os pactos rurais, acompanhando a própria evolução do sistema agroindustrial. De certa forma, estão reconhecendo que em determinadas situações, que não envolvam diretamente o homem do campo (que trabalha diretamente e pessoalmente com a terra), a autonomia da vontade precisa ser respeitada e os pactos fielmente cumpridos. Resta claro que o objetivo não é desqualificar a justiça social, mas, sim, atualizar os parâmetros legais para as necessidades atuais.

Diante disso, com a inclusão da cláusula de arbitragem nos contratos relacionados ao agronegócio (e agrários), mais conflitos serão resolvidos rapidamente e de forma eficiente, trazendo progresso econômico para o corpo social. Ou seja, ela é um meio bastante propício para a solução de conflitos. Referências

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