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ASPECTOS DO DIMENSIONAMENTO HIDRÁULICO DO CANAL DE ... · coeficientes de rugosidade de...

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COMITÊ BRASILEIRO DE BARRAGENS XXX SEMINÁRIO NACIONAL DE GRANDES BARRAGENS FOZ DO IGUAÇU PR, 12 A 14 DE MAIO DE 2015 RESERVADO AO CBDB XXX Seminário Nacional de Grandes Barragens 1 ASPECTOS DO DIMENSIONAMENTO HIDRÁULICO DO CANAL DE DERIVAÇÃO DA UHE BELO MONTE Renato GRUBE Supervisor Técnico Intertechne Consultores S.A. Franciele REYNAUD Engenheira Civil Intertechne Consultores S.A. Marcus Fernandes ARAÚJO Filho Engenheiro Civil Intertechne Consultores S.A. RESUMO Neste artigo apresentam-se as características principais do Canal de Derivação da UHE Belo Monte e se destacam alguns aspectos sobre seu dimensionamento hidráulico. Os taludes laterais do Canal de Derivação são predominantemente revestidos com enrocamento, sendo que, em algumas porções, as paredes mantém as superfícies escavadas em rocha. O piso do Canal de Derivação é revestido em sua maior extensão com enrocamento. O artigo descreve os estudos em modelo reduzido que visaram determinar as características de resistência à erosão deste material granular. Adicionalmente, são apresentados os resultados de análises hidráulicas numéricas, por meio de modelos matemáticos tridimensionais para a determinação do nível de tensões tangenciais às quais as superfícies do Canal de Derivação estarão expostas e para avaliar as condições de estabilidade do enrocamento quanto aos efeitos de erosão. ABSTRACT The following article presents the main characteristics of the diversion channel of the Belo Monte Hydroelectric Project. It also describes some of the main aspects of the channel’s hydraulic dimensioning. The channel slopes are lined predominantly with rockfill and the channel floor is also lined with selected rockfill. Complementarily, the article describes the hydraulic model tests that helped to determine the erosion resistance of the rockfill. A hydraulic computational model based on mathematical 3D analysis was developed to assess the level of strains in the channel’s surfaces and to evaluate the rockfill stability conditions against erosion effects.
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COMITÊ BRASILEIRO DE BARRAGENS XXX – SEMINÁRIO NACIONAL DE GRANDES BARRAGENS FOZ DO IGUAÇU – PR, 12 A 14 DE MAIO DE 2015

RESERVADO AO CBDB

XXX Seminário Nacional de Grandes Barragens 1

ASPECTOS DO DIMENSIONAMENTO HIDRÁULICO DO CANAL DE DERIVAÇÃO DA UHE BELO MONTE

Renato GRUBE

Supervisor Técnico – Intertechne Consultores S.A.

Franciele REYNAUD Engenheira Civil – Intertechne Consultores S.A.

Marcus Fernandes ARAÚJO Filho

Engenheiro Civil – Intertechne Consultores S.A.

RESUMO

Neste artigo apresentam-se as características principais do Canal de Derivação da UHE Belo Monte e se destacam alguns aspectos sobre seu dimensionamento hidráulico. Os taludes laterais do Canal de Derivação são predominantemente revestidos com enrocamento, sendo que, em algumas porções, as paredes mantém as superfícies escavadas em rocha. O piso do Canal de Derivação é revestido em sua maior extensão com enrocamento. O artigo descreve os estudos em modelo reduzido que visaram determinar as características de resistência à erosão deste material granular. Adicionalmente, são apresentados os resultados de análises hidráulicas numéricas, por meio de modelos matemáticos tridimensionais para a determinação do nível de tensões tangenciais às quais as superfícies do Canal de Derivação estarão expostas e para avaliar as condições de estabilidade do enrocamento quanto aos efeitos de erosão.

ABSTRACT

The following article presents the main characteristics of the diversion channel of the Belo Monte Hydroelectric Project. It also describes some of the main aspects of the channel’s hydraulic dimensioning. The channel slopes are lined predominantly with rockfill and the channel floor is also lined with selected rockfill. Complementarily, the article describes the hydraulic model tests that helped to determine the erosion resistance of the rockfill. A hydraulic computational model based on mathematical 3D analysis was developed to assess the level of strains in the channel’s surfaces and to evaluate the rockfill stability conditions against erosion effects.

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1. INTRODUÇÃO A UHE Belo Monte se localiza no rio Xingu (região norte do Brasil), nos municípios de Altamira e Vitória do Xingu, no Estado do Pará. A usina hidrelétrica, quando finalizada, será a terceira maior do mundo em capacidade instalada com um total de 11.233 MW, ficando apenas atrás da usina de Três Gargantas (21.035 MW) e de Itaipu (14.000 MW), no Rio Paraná. A vazão máxima turbinada da Casa de Força Principal da UHE Belo Monte é de 13.950 m³/s sendo a condução desta vazão, entre o rio Xingu e a Tomada de Água realizada pelo Canal de Derivação e pelo Reservatório Intermediário. O presente trabalho tem por objetivo apresentar os principais estudos hidráulicos que levaram à concepção do Canal de Derivação, uma vez que o mesmo possui características geométricas e condições de funcionamento (vazão de adução) atípicas.

2. ARRANJO GERAL A UHE Belo Monte é uma usina com reservatório à fio d´água e possui um sistema de derivação para conduzir a vazão para a Casa de Força Principal. O empreendimento apresenta uma abrangência territorial muito grande, sendo dividido em sítios distantes entre si, desde o Sitio Pimental, com as obras para o barramento do rio Xingu, até o Sítio Belo Monte, onde será construída a Tomada de Água e Casa de Força Principal do empreendimento. A distância entre estes dois sítios, em linha reta, é de aproximadamente 40 km, sendo que entre estes dois sítios será construído o sistema de adução constituído pelo Canal de Derivação e pelo Reservatório Intermediário (formado por barragens e canais de transposição). Na Figura 1 a seguir é apresentado o arranjo geral da usina, conforme descrito. No sítio Pimental se localizam a Casa de Força Complementar, o Vertedouro Principal e barragens de terra e enrocamento que propiciam o barramento do rio Xingu propriamente dito. O Canal de Derivação situa-se na margem esquerda possuindo cerca de 16 km de extensão interligando o Sítio Pimental até o Reservatório Intermediário, sendo que este consiste num lago artificial sobre a Volta Grande do Xingu delimitado por diversas barragens. No seu interior existem diversos Canais de Transposição que possibilitam o escoamento da vazão de adução de 13.950 m³/s com perdas de carga limitadas. O Sítio Belo Monte encontra-se próximo à localidade de mesmo nome na margem esquerda do Xingu, e está localizado a 52 km da cidade de Altamira, pela rodovia Transamazônica. Neste sítio será construída a Casa de Força Principal, Tomada de Água e o Canal de Fuga, com fechamento do Reservatório Intermediário por barragens, em particular a Barragem da Vertente do Santo Antônio.

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Figura 1 - Arranjo geral do empreendimento

3. CANAL DE DERIVAÇÃO 3.1. DIMENSIONAMENTO O Canal de Derivação é definido como o trecho desde a entrada do reservatório principal do Sítio Pimental até o km 16. Neste trecho ele é totalmente confinado por taludes escavados ou por diques de conformação. A partir deste ponto inicia o Reservatório Intermediário, com um trecho escavado com 280 m de largura de fundo, sem conformação lateral por diques. Esta definição é necessária pela diferença de distribuição do fluxo de água ao longo do sistema. No trecho do Canal de Derivação, o escoamento está confinado na seção que sofre pouca variação ao longo do escoamento e por isso pode ser considerado como unidimensional. Para o trecho inicial do Reservatório Intermediário, apesar de escavado, porém sem a conformação lateral por diques, o escoamento espraia ao longo de toda a área disponível, não tendo, portando, as características de um escoamento unidimensional. O dimensionamento hidráulico do Canal de Derivação consistiu na verificação da perda de carga ao longo do mesmo, sendo este valor definido a partir das características geométricas e de revestimento (rugosidades) de cada trecho do canal. Em decorrência da natureza unidimensional do escoamento no Canal de Derivação, esta verificação hidráulica foi efetuada com o modelo computacional HEC-RAS, de uso corrente para o dimensionamento de canais artificiais e cálculos de remanso em canais naturais. Para o cálculo da perda de carga, este modelo utiliza como dados de entrada, entre outros elementos (características geométricas), coeficientes de rugosidade de Manning-Strickler para os diversos tipos de revestimento. Em decorrência das dimensões atípicas do Canal de Adução de Belo Monte, a utilização de coeficientes de Manning obtidos diretamente das referências bibliográficas pode levar a estimativas equivocadas das perdas de carga. Para evitar

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este tipo de imprecisão, optou-se por utilizar a expressão universal de perda de carga que se baseia nas alturas de rugosidades de Nikuradse das diversas superfícies de revestimento para se calcular os valores equivalentes de coeficientes de Manning-Strickler. A relação entre o coeficiente de Strickler e o parâmetro f da expressão universal de perdas de carga é dada pela expressão abaixo.

31.

8

hRf

gKs

Onde: f = coeficiente universal de perda de carga = função (Re; kn/4Rh) – Diagrama de Moody; Re = número de Reynolds; Ks = 1/n = coeficiente de Strickler; n = coeficiente de Manning; kn = altura de rugosidade (m); Rh = raio hidráulico (m)

A seção transversal do Canal é composta por diferentes tipos de materiais, dependendo se o mesmo é escavado em rocha ou solo. Em taludes laterais escavados em solo, o revestimento empregado é o enrocamento denominado 5D. Para taludes escavados em rocha, os mesmos não serão revestidos. Já para o fundo do canal, independente se o mesmo é escavado em solo ou rocha, este será revestido com o material 5D’. Dados os diferentes materiais que conformam a superfície hidráulica do canal, para cada um é determinada uma diferente altura de rugosidade, e consequentemente um Ks, conforme apresentado a seguir, baseado nos estudos realizados por GARCIA [3]:

Tipo de Superfície Cenário Básico (Ks)

Fundo revestido com material 5D’ 35,67

Superfícies revestidas com material 5D 34,0

Taludes escavados em rocha 32,0

Existem diversas metodologias para a determinação dessa rugosidade ponderada para cada seção, sendo adotada a metodologia proposta por Lotter (ver referência [7]) que se julgou mais adequada para as características do canal. Nesta metodologia, o canal é subdividido em trechos que, com a mesma declividade da linha de energia, apresentam uma determinada capacidade de descarga, sendo o somatório destas parcelas a vazão total escoada pelo canal. Em termos de equivalência, o coeficiente de Manning-Strickler é calculado através da expressão a seguir. A Figura 2 ilustra a subdivisão para o cálculo dos parâmetros geométricos observando-se que foi avaliada a sensibilidade dos valores obtidos, tendo em conta a separação entre os trechos efetuada pela bissetriz.

3/5

3/5

333

3/5

222

3/5

111

TT RhP

RhPKsRhPKsRhPKsKS

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sendo que nesta expressão: Ks = coeficiente de Strickler; P = Perímetro Molhado (m); Rh = Raio hidráulico (m).

Figura 2 - Subdivisão Conceitual da Seção para Cálculo da Rugosidade Equivalente

A utilização do método de Lotter parte da premissa de que as velocidades nas laterais do canal são distintas das velocidades do fluxo na porção central do canal, de modo que ocorrem fluxos em "canais" divididos. A vazão total escoada corresponde ao somatório das vazões do canal central e das laterais, sendo o coeficiente de Manning-Strickler um artifício que conduz à mesma capacidade de descarga total. Decorre desta análise que as velocidades na porção central do canal são maiores que as das laterais e que o valor médio considerado na análise unidimensional. Observa-se que a participação dos taludes escavados em rocha varia ao longo do Canal de Derivação, de forma que a rugosidade ponderada foi obtida seção a seção, considerando esta variação.

Para o cálculo de remanso em regime fluvial, é necessário estabelecer as condições de contorno a jusante em termos de nível de água ou energia. A jusante do Canal de Derivação, o fluxo se espraia no Reservatório Intermediário, sendo que para a análise deste último realizou-se um estudo numérico com o modelo RIVER2D (modelo hidráulico de “águas rasas”). A análise numérica bidimensional fornece, para uma determinada seção (no caso a seção de junção do Canal de Derivação com o Reservatório Intermediário), os valores de velocidade do fluxo e nível de água pontuais, apresentando, portanto, níveis de energia variáveis ao longo da seção. Para a imposição da condição de contorno a jusante do Canal de Derivação, obteve-se o nível de energia médio corrigido pelo coeficiente de Coriolis na seção de interseção. Para a vazão de 13.950 m³/s, a perda de carga atribuída ao Canal de Derivação é de aproximadamente 2,05 m. A configuração do Canal ao longo do seu desenvolvimento é, em principio, variável e dependente da configuração topográfica do terreno e do horizonte do topo rochoso. Para o estudo das diversas possibilidades estudadas, desenvolveu-se um programa computacional em CAD para o dimensionamento do Canal visando a obtenção do menor custo total, levando em conta todas as escavações, aterros e revestimentos. Como dados de entrada, o programa requer as seguintes informações: 1. Configuração do terreno (curvas de nível obtidas do perfilamento laser).

2. Vazão de dimensionamento.

3. Nível de água no início do Canal.

4. Declividade da linha de energia.

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5. Características geométricas das seções (declividade dos taludes, pistas de acesso nas laterais do Canal, e outros).

6. Espessuras dos revestimentos no fundo do Canal e nos taludes laterais.

7. Características de rugosidades dos diversos tipos de revestimento.

8. Preços unitários estimados para cada item (escavações, aterros e revestimentos).

A Figura 3 ilustra a janela de entrada do programa. O programa computacional considera o alinhamento do Canal e utiliza seções topográficas equidistantes com um valor pré-estabelecido (50 m). Para cada seção são arbitradas diversas profundidades do escoamento, obtendo-se as respectivas larguras do fundo do Canal, tendo em conta a declividade da linha de energia, características geométricas e de revestimento do Canal, selecionando-se a configuração com menor custo total. Este procedimento é repetido para cada uma das seções, obtendo-se como resultados os volumes dos diversos materiais e a configuração ótima do Canal (cota do fundo e largura) em cada trecho.

Figura 3 - Programa de Otimização para o Canal de Derivação

Visto que o resultado obtido do programa compreende cotas do fundo (e larguras) variáveis ao longo do Canal, realizou-se um ajuste das características geométricas do Canal visando evitar mudanças bruscas em sua configuração. Depois de selecionada uma alternativa para o Canal, fez-se uma verificação dos volumes calculados através da modelagem tridimensional do Canal em CAD. Os volumes obtidos com o programa de otimização apresentaram-se aderentes aos volumes obtidos a partir da modelagem tridimensional em CAD. Dado que o cálculo neste programa contempla somente as perdas de carga contínuas ao longo do Canal, foi realizada uma verificação do cálculo hidráulico da perda de carga no Canal por remanso (HEC-RAS). Essa verificação foi feita através de seções retiradas do modelo tridimensional que são exportadas para o modelo HEC-RAS. Como condição de jusante do modelo unidimensional, se utiliza um nível de água que resulte em um nível de energia igual ao nível de energia de montante do Reservatório Intermediário para a geometria escolhida. Foram adotados para os coeficientes de perda de carga por contração e expansão os valores usuais adotados pelo programa, sendo eles 0,1 e 0,3, respectivamente.

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A Figura 4 apresenta o perfil da linha de água para a geometria ótima e vazão máxima de engolimento, 13.950 m³/s. A Figura 5 apresenta o detalhe do talude típico das seções transversal do Canal de Derivação, sendo que na Figura 6 apresenta-se a planta geral do Canal de Derivação. Pode-se observar que a cota do fundo do canal é horizontal e situa-se na elevação 75,0 m, apresentando uma largura de 210 m. Os taludes laterais do Canal de Derivação apresenta bermas intermediárias situadas nas cotas 84,0 m e 93,0 m, sendo que os taludes escavados em rocha apresentam declividade de 0,5H:1,0V e os escavados em solo apresentam declividade de 2,5H:1,0V. Para a vazão máxima de engolimento, as velocidades médias ao longo do canal de derivação são da ordem de 2,5 m/s e as tensões tangenciais obtidas da análise unidimensional resultam em cerca de 18 N/m², conforme a Figura 4. O piso do canal foi revestido com enrocamento 5D´ (dmáx = 0,2 m) e os taludes laterais com enrocamento 5D (dmáx = 0,6 m) sendo as curvas granulométricas destes materiais apresentadas na Figura 7.

94.0

94.5

95.0

95.5

96.0

96.5

97.0

97.5

0 2000 4000 6000 8000 10000 12000 14000 16000

Nív

el (

m)

Distancia (m)

NA (m) NE (m)

0

5

10

15

20

25

30

0.0

0.5

1.0

1.5

2.0

2.5

3.0

0 2000 4000 6000 8000 10000 12000 14000 16000

Ten

são

Tan

gen

cial

(N

/m²)

Nív

el (

m)

Distancia (m)

Velocidade (m/s) Tensão Tangencial (N/m²)

Figura 4 - Perfil da linha de água do Canal de Derivação,

Velocidades e Tensão Tangencial

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Figura 5 – Detalhe típico das Seções Transversais do Canal de Derivação

Figura 6 – Planta do Canal de Derivação

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Figura 7 – Curvas Granulométricas

3.2. MODELAGEM COMPUTACIONAL A seleção do alinhamento do Canal de Derivação teve como critério principal, para uma determinada perda de carga, a minimização dos custos de escavação (solo e rocha) visto que os volumes desses serviços são de tal ordem (superiores a 100.000.000 de m³ de escavação) que fazem parte do caminho crítico do cronograma de construção do empreendimento. Com este critério, o alinhamento que se mostrou mais adequado seguiu o leito dos igarapés Galhoso e Paquiçamba, que por se situarem em cotas mais baixas do terreno, possibilitaram a redução dos volumes de escavação. A consequência direta em se utilizar esse critério para a determinação do eixo do Canal de Derivação é que o mesmo apresenta curvas ao longo de seu desenvolvimento. Em linhas gerais, as curvas ao longo do canal foram projetadas com raios iguais ou superiores a 600 m, de modo a minimizar os seus efeitos no escoamento no canal. Tendo em conta as dimensões atípicas do canal de derivação e a própria vazão de adução (13.950 m³/s), se julgou necessária uma avaliação mais detalhada dos efeitos no escoamento do canal tendo em conta as curvas existentes ao longo do mesmo. Por essa razão, foi desenvolvido em conjunto com a equipe do Laboratório de Hidrossistemas Ven Te Chow (Universidade de Illinois), e sob a orientação do Engenheiro Doutor Marcelo H. Garcia (diretor do laboratório), um estudo de modelagem computacional tridimensional do Canal de Derivação para avaliar os

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efeitos das curvas, sobretudo na estabilidade do enrocamento de revestimento do canal. O estudo foi realizado em duas etapas, onde foram usados dois modelos numéricos distintos. O primeiro modelo avaliou toda a extensão do canal de derivação utilizando-se o programa TELEMAC3D (águas rasas). Na segunda etapa do estudo selecionou-se o trecho mais crítico do canal (curvas mais acentuadas e próximas entre si) no qual se estudou os efeitos tridimensionais do escoamento com o programa Ansys-Fluent.

3.2.1 Estudos com Telemac3D

O TELEMAC3D, desenvolvido originalmente pela Electricité de France (EDF) e hoje disponível gratuitamente como um modelo do tipo open-source, é um modelo numérico de águas rasas que resolve as equações de Navier-Stokes para escoamentos de superfície livre e permite a modelagem tridimensional do escoamento através da discretização de uma malha bidimensional subdividida em camadas. No estudo realizado, foi utilizado o módulo hidrostático do modelo, sendo desconsideradas as acelerações do fluido no sentido vertical. O modelo foi composto por três partes principais: (i) uma pequena porção do Reservatório de Pimental a montante do Canal de Derivação, a qual teve por objetivo reproduzir as condições de entrada do canal, (ii) o Canal de Derivação propriamente dito e (iii) um trecho de jusante para representar as condições de escoamento já no Reservatório Intermediário. A Figura 8 a seguir exemplifica a configuração estudada. Para a modelagem do escoamento, utilizou-se uma malha triangular não-estruturada formada por triângulos de 5,0 m de aresta na região do Canal de Derivação e triângulos com 10,0 m de aresta na região de aproximação (reservatório), totalizando uma malha bidimensional de cerca de 550.000 elementos. Para a consideração tridimensional do escoamento, os elementos foram divididos verticalmente em 10 camadas, o que resultou num total de 5.500.000 elementos. Como condições de contorno de cada condição estudada, foram impostos os níveis de água a jusante e respectiva vazão afluente imposta a montante.

Uma vez definida a configuração geométrica, a malha de elementos e as condições de contorno do modelo, o mesmo foi simulado tipicamente por um tempo total representando 5 h (tempo de protótipo) até que o modelo atingisse um estado de escoamento permanente, ou seja, que não houvessem mais alterações nos níveis de água e velocidades ao longo do fluxo. A Figura 8 apresenta o resultado da simulação (em termos de velocidades do fluxo, sendo que nesta figura se apresentam as principais curvas do canal que foram numeradas de 1 a 6. A primeira avaliação do comportamento do fluxo foi baseada na análise das velocidades ao longo do canal. O primeiro trecho, até o início da curva 2, mostra uma distribuição de velocidades típica de um canal retilíneo, sendo que as pequenas inflexões que o eixo do canal apresenta nessa região causam pouca perturbação no escoamento. Ao entrar na curva 2, o escoamento é direcionado para a margem esquerda do canal sem resultar, entretanto, numa concentração de velocidades, uma vez que essa curva apresenta um raio de 2.000 m. O efeito devido às curvas começa a ser mais pronunciado quando o escoamento chega à curva 3 e em seguida está sujeito a uma sequência de curvas, cada uma muito próxima à outra.

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Na Figura 8 é possível perceber que começa a existir uma concentração de velocidades em algumas regiões, representada pela mancha avermelhada na figura, principalmente no talude direito da curva 4. Esse efeito de concentração de velocidades (regiões com velocidades da ordem de 3,5 m/s) segue até praticamente o final do Canal de Derivação.

. Figura 8 – Distribuição de velocidades (m/s) [2]

Da mesma maneira que a região a jusante da curva 3 apresenta uma

concentração de velocidades, ela é a região em que as tensão tangenciais são mais elevadas, decorrente desta concentração de velocidades. A Figura 9 mostra em detalhes essa região. Pela figura, é possível perceber que, nos trechos mais retilíneos do canal, as tensões tangenciais são da ordem de 20 a 25 N/m² sendo que na margem direita da curva 4 os valores resultam da ordem de 40 N/m².

Figura 9 – Distribuição da tensão tangencial (N/m²) [2]

3.2.2 Avaliação Teórica da Resistência a Erosão do Enrocamento 5D e 5D’

A concentração de velocidades tem como principal implicação a possibilidade de dano nos materiais de revestimento do canal, uma vez que tanto o talude quanto o fundo são revestidos com enrocamento. Nesse sentido, foi avaliada a resistência à

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erosão de cada um dos materiais empregados no revestimento do canal (enrocamento 5D e 5D’) sendo que para tal, foi utilizado o método de Grass-Gessler. Em linhas gerais, esse método utiliza a curva granulométrica do enrocamento para determinar se o mesmo é estável sob a aplicação de uma determinada tensão tangencial causada pelo fluxo. Essa metodologia determina um coeficiente de estabilidade, o qual varia desde zero, material totalmente instável, até a unidade, material totalmente estável, existindo a indicação de que para um coeficiente de 0,5 o material pode ser considerável estável. Tendo em conta incertezas associadas a fenômenos de transporte de sedimentos, o método indica que, para efeitos práticos, se utilize um coeficiente de estabilidade de 0,65. Conforme já mencionado neste artigo, a proteção com enrocamento do Canal de Derivação apresenta dois materiais distintos, um para o fundo do canal e outro para os taludes laterais. O fundo do canal é protegido com material mais fino denominado 5D’ e os taludes com um enrocamento mais grosso, denominado 5D. Assim, a partir da aplicação do método de Grass-Gessler (considerando o coeficiente de estabilidade de 0,65) se chegou a uma máxima tensão tangencial admissível de 44 N/m² para o material 5D’ e 75 N/m² para o material 5D. Essa avaliação é feita considerando-se o material em uma superfície horizontal e visto que o material 5D é aplicado nas laterais do Canal de Derivação (1H:2,5V) é necessária uma correção (ver referência [2]) no valor de tensão admissível atribuída a este material. Com essa correção, a tensão admissível do material 5D aplicado no talude resulta em 56 N/m², ou seja, as superfícies laterais do Canal de Derivação apresentam maior resistência à erosão que o fundo do canal. Deve-se ressaltar que, apesar da denominação de condição de material estável, a metodologia empregada admite que parte do material (fração mais fina do enrocamento) pode ser transportada, sendo a integridade do revestimento garantida pelos blocos maiores que não sofreram movimentação.

3.2.3 Estudos com ANSYS Fluent’

Tendo sido identificado o trecho mais crítico do Canal de Derivação, optou-se por estudar esta porção do canal de derivação com um modelo numérico tridimensional através da utilização do programa ANSYS Fluent. O modelo ANSYS Fluent é um modelo numérico que usa um esquema de discretização por volumes finitos para resolver as Equações de Reynolds para escoamentos turbulentos. Esse modelo permite avaliar melhor o escoamento tridimensional, uma vez que não há a necessidade de considerar a pressão como hidrostática. A demanda computacional para esse modelo, quando comparado com o TELEMAC, é consideravelmente maior, sendo que não foi possível (por limitação de capacidade computacional) a simulação do canal completo. Dessa maneira, foi selecionado um domínio compreendendo a curva 4 para a análise mais detalhada do comportamento do canal. Para esse modelo, foi utilizada uma malha computacional com um total de 6.600.000 elementos e, como condição e contorno para o modelo, foram utilizados o valores de níveis de água resultantes no TELEMAC. As Figuras 10 e 11 a seguir mostram, respectivamente, o perfil de velocidades tridimensional resultante do modelo e o mapa de tensões tangenciais. Ao se analisar

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estas figuras, é possível observar que os padrões e magnitudes, tanto da distribuição de velocidades quanto das tensões tangenciais, resultou muito semelhantes aos obtidos pelo TELEMAC. Pode-se observar que as regiões mais críticas desta curva do canal estão sujeitas a tensões tangenciais da ordem de 40 N/m² resultando, portanto, inferiores às resistências dos enrocamentos 5D´ (44 N/m²) e 5D (54 N/m²).

Figura 10 – Distribuição de velocidades do modelo ANSYS Fluent (m/s) [2]

Figura 11 – Distribuição de velocidades do modelo ANSYS Fluent (N/m²) [2]

3.3. ENSAIOS EM MODELO REDUZIDO Para auxiliar o projeto do Canal de Derivação de Belo Monte, foram desenvolvidos estudos em Modelo Hidráulico Reduzido realizados nos laboratórios do LACTEC – Centro de Hidráulica e Hidrologia Prof. Parigot de Souza – CEHPAR. Em linhas gerais, foram feitos os seguintes estudos principais: 1) Estudos para avaliação do revestimento do canal com enrocamento; 2) Estudos para avaliação do processo de

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enchimento sobre o revestimento do canal e 3) Estudos para avaliação de um trecho parcial do canal em curva. Devido às dimensões do canal de derivação (~16 km), tornou-se praticamente inviável o desenvolvimento de estudos em modelo reduzido do canal como um todo, tendo sido necessária a utilização de modelos parciais baseados em semelhança de Froude. Os dois primeiros estudos foram feitos num modelo parcial retilíneo numa mesma instalação, a qual sofreu adaptações conforme a necessidade. O terceiro estudo ainda está em fase de elaboração e requereu a construção de um modelo especifico para o estudo das curvas mais críticas.

3.3.1 Estudos para o Revestimento com Enrocamento

Para as avaliações, o modelo reduzido do revestimento com enrocamento foi construído um modelo em escala 1:10 com 30 m de comprimento, 1,0 m de largura com lâminas de água da ordem de 0,6 m. No protótipo, pode-se tipicamente atribuir ao escoamento um nível de água próximo á elevação 96,0 m, que representa uma lâmina de 21,0 m sobre o fundo do canal na elevação 75,0 m. A limitação da lâmina de 0,6 m no modelo (que equivale a 6 m no protótipo) decorreu da capacidade das instalações do laboratório e das próprias dimensões do modelo que seriam necessárias para o estudo com uma lâmina de 21 m. Nestes ensaios, foram impostas as velocidades equivalentes ao protótipo associadas a uma lâmina de 6,0 m (0,6 m no modelo) que resulta em condições mais críticas para o revestimento, sendo que diversas análises e ensaios foram feitos para se compensar este efeito. Na Figura 12 apresenta-se a configuração geral do modelo. As paredes laterais do canal foram revestidas com argamassa, resultando numa superfície mais lisa, enquanto que no piso foi imposta uma rugosidade artificial que visa reproduzir um Ks de 37. Na parte central do modelo (4,64 m) se configurou uma pista (trecho rebaixado em 6 cm) para colocação do revestimento de enrocamento a ser ensaiado, sendo uma das laterais deste trecho provida com uma janela para visualização das condições do fluxo.

Figura 12 - Configuração geral do modelo reduzido [4]

Em linhas gerais, estudou-se os materiais de enrocamento denominados 5D (não processado) que reveste as laterais do canal e o material 5D´ (processado) que reveste o piso do canal. As curvas granulométricas destes materiais são

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apresentadas na Figura 7. O material ensaiado (peso específico de 2,78 t/m³) teve a sua granulometria definida por semelhança de Froude (escala geométrica) tendo sido verificada pouca distorção nas condições de transporte do material ensaiado no modelo (condição de transporte incipiente de Shields). Esta distorção se restringe ao material mais fino. Foram tomados cuidados especiais para a colocação do material ensaiado no modelo, visando minimizar efeitos de segregação e reproduzir da melhor maneira possível as condições de execução do revestimento no protótipo.

Ao longo dos estudos, as metodologias dos ensaios sofreram algumas variações, mas em linhas gerais o procedimento de ensaio foi o seguinte: 1) Colocação do material na pista de ensaio visando a reprodução das condições

de protótipo. Após esta colocação, procedeu-se ao levantamento topográfico da pista que, na maioria dos ensaios, foi efetuado com scanner óptico de alta precisão (0,03 mm). A curva granulométrica do material também foi determinada por procedimentos convencionais;

2) Para o início do ensaio, o modelo foi enchido lentamente, sendo a vazão de

ensaio imposta de modo a não exceder as condições de regime permanente do teste. A condição de fluxo sobre o revestimento foi mantida por um período de tempo julgado adequado que variou entre 24 h a 96 h. Em decorrência do longo prazo de ensaios, os mesmos foram efetuados com intervalos contínuos de 8 h (período de 8 h em um dia) com interrupções intermediárias sempre se atentando para o processo de enchimento cuidadoso do modelo entre as etapas;

3) Durante a execução das etapas, procedeu-se à observação do fluxo visando a

identificação de movimentação do material, além da execução de levantamentos de perfis de velocidades de modo a se caracterizar o perfil vertical de velocidades e transversal (para avaliação da influência das paredes). Estas medições foram feitas com Tubo de Pitot e/ou medidor acústico (ADV);

4) Após cada etapa de 8 horas procedeu-se ao esvaziamento do modelo para

registro fotográfico da pista e coleta do material transportado para jusante, determinando-se a quantidade em peso e a curva granulométrica deste material. Em alguns ensaios, procedeu-se também ao levantamento topográfico da pista em etapas intermediárias;

5) Após a conclusão do ensaio, executaram-se os mesmos procedimentos (registro

fotográfico, levantamento topográfico, quantificação e granulometria do material coletado). A camada de revestimento ensaiado possuía 6 cm de espessura, sendo que após a conclusão de alguns ensaios coletou-se o material remanescente da pista por camadas visando a quantificação da granulometria do material mais superficial (2 cm);

3.3.2 Estudo do Revestimento com Material 5D

Os ensaios iniciaram pelo estudo do material 5D (Dmáx = 60 cm) sendo que para este material foi executado um ensaio de 56 h (7 intervalos de 8 h) com a imposição de uma velocidade média do escoamento de 2,5 m/s com profundidade de 6,0 m

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(protótipo). Ao final do ensaio, houve a remoção de cerca de 307 g de material (o peso total da pista é da ordem de 470 kg) identificando-se que a partir do 4º dia houve uma redução gradual da quantidade transportada. Do material transportado, cerca de 90% corresponde a uma fração menor que 6,35 mm (6,35 cm no protótipo) e 71% menor que 4,76 mm (4,75 cm no protótipo). Uma análise das condições de transporte incipiente (Shields) de cada fração de material confirma que partículas menores que 4 cm estão sujeitas a movimentação para as condições ensaiadas. Através da medição dos perfis verticais de velocidade medidas nas diversas etapas do ensaio, obtiveram-se tensões de arrasto sobre o material que variaram entre 36,1 N/m² a 41,2 N/m² com valor médio da ordem de 38,4 N/m². A título de exemplo, um fluxo com velocidade de 2,5 m/s associado a uma lâmina de 6 m resulta numa tensão tangencial da ordem de 25 N/m² ao passo que, para a mesma velocidade, com uma lâmina de 21 m obtém-se uma tensão tangencial da ordem de 16 N/m², ou seja, a realização de ensaios associadas á lâmina de 6 m resulta numa condição mais severa (~56% superior) em termos de tensão tangencial atuante no revestimento submetido à lâmina de água de protótipo (21 m).

3.3.3 Estudo do Revestimento com Material 5D´

Para o estudo do material 5D´ (Dmáx = 20 cm) que reveste o piso do canal, utilizaram-se informações de curvas granulométricas obtidas em pista experimental no protótipo. Adicionalmente, foi efetuada a confrontação do aspecto acabado na pista experimental obtida no campo e no modelo, tendo-se o entendimento de que as condições em ambas as pistas são semelhantes. Em linhas gerais foram realizados 7 ensaios cujas características são apresentadas na Tabela 1.

Tabela 1 – Condições de Ensaio do Material 5D´

Ensaio Duração

(h)

Velocidade Protótipo

(m/s)

Lâmina de referencia

em protótipo (m)

Quantidade de material

removido no modelo (g)

Tensão Tangencial no protótipo (N/m²)

faixa média

1 80 2.5 6 7,16 38 a 56 43

2 40 2,5 6 1,66 26 a 43 37

3 40 2,03 21 0,81 20 a 28 23

4 40 3,5 6 2283,13 104 a 122 114

5 96 3,5 6 3066,79 - -

6 24 3,0 6 24,08 - -

7 24 2,84 21 2,38 - -

Os ensaios 1 e 2 correspondem à imposição de uma velocidade de 2,5 m/s sobre o revestimento associado a uma lâmina de 6 m em protótipo. O ensaio 2 consistiu numa repetição do ensaio 1. O ensaio 3 (velocidade de 2,03 m/s) equivale à imposição da velocidade de 2,5 m/s associada a uma lâmina de 21 m no protótipo, ou seja, a imposição de uma velocidade no modelo de 2,03 m/s (lâmina de 6 m) equivale em protótipo a uma velocidade 2,5 m/s (lâmina de 21 m).

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Para o ensaio 1, o material arrastado foi de 7,16 g, sendo que a maior parte do material (4,54 g) foi arrastado no 1º dia de ensaio (8h). Do material transportado, 57% do material corresponde a uma fração menor que 4,76 cm e não houve transporte de material maior que 12,7 cm. No 10º dia não foi identificado nenhum transporte de material. O ensaio 2 teve um transporte de material de apenas 1,66 g, sendo que todo o material transportado foi inferior a 4,76 cm. Para o ensaio 3, o material transportado foi 0,81 g, apresentando dimensões das partículas menores que 4,76 cm. Uma avaliação das tensões tangenciais (gráfico de Shields) ao qual o material de revestimento foi submetido durante o ensaio, indica (apesar das simplificações envolvidas) que partículas menores que 5 cm (ensaio 1 e 2) e 4 cm (ensaio 3) estão efetivamente sujeitas a movimentação. De um modo geral, estes ensaios dão a indicação de que o material apresenta condições de estabilidade adequadas para a velocidade de protótipo de 2,5 m/s, praticamente inexistindo transporte do material do revestimento e, quando o mesmo ocorreu, houve a movimentação da fração mais fina. Apesar disso, foi observado ao final do ensaio (com os levantamentos topográficos e inspeção da pista), que alguns blocos, de maiores dimensões sofreram movimentação em pequenos deslocamentos, A Figura 13 apresenta as condições da pista antes (esquerda) e após (após) a realização do ensaio 2.

Figura 13 – Aspecto típico antes e após a execução dos ensaios

Após a realização dos ensaios 1 a 3, (associados a velocidades da ordem de 2,5 m/s) buscou-se investigar o comportamento do revestimento do piso (5D´) submetido a velocidades da ordem de 3,5 m/s. O ensaio 4 (40 h) resultou num transporte de 2.283 g que corresponde a cerca de 0,5 % do peso total de material aplicado na pista de ensaio (o peso do material aplicado na pista foi de 472 kg). Do total do material transportado, 57% possui tamanho maior que 12,7 cm e cerca de 83% do material possui tamanho maior que 9,52 cm. Ao final do 5º dia não se identificou uma tendência clara de decaimento na quantidade de material transportado, e constata-se que mesmo os maiores blocos podem sofrer movimentação. Além do transporte de material observado, também se observou, ao final do ensaio, o deslocamento de blocos na pista (similar a figura 13).

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Visando identificar se ocorre uma tendência de decaimento da quantidade de material transportado para uma velocidade de 3,5 m/s, realizou-se o ensaio 5 que repetiu as condições do ensaio 4 com uma duração de 96 h. O total transportado após o 12º dia (96 h) foi de 3066 g (cerca de 0,6% do peso total da pista) sendo que uma parte significativa do transporte (33%) ocorreu no 1º e 2º dias. De modo similar ao ensaio anterior, 55% do material transportado apresenta dimensão maior que 12,7 cm e 87% do material apresenta dimensão maior que 9,52 cm. Ao final do ensaio, não se identificou o decaimento do material transportado, ocorrendo um transporte da ordem de 25 g/h. A avaliação das tensões tangenciais das condições ensaiadas (gráfico de Shields) revela que, em termos teóricos, partículas maiores que 13 cm não deveriam ter sido transportadas durante o ensaio. Os ensaios 4 e 5 estão associados a uma velocidade de 3,5 m/s conjugada a uma lâmina de água de 6 m que resultam em condições mais severas de tensões tangenciais sobre o revestimento no protótipo. No protótipo, a lâmina sobre o piso do canal é da ordem de 21 m e para se ter a equivalência de tensões tangenciais no ensaio a velocidade deve ser reduzida para cerca de 2,84 m/s. Para se avaliar esta condição, realizou-se os ensaios 6 e 7 com velocidades de 3,0 m/s e 2,84 m/s ambos realizados sequencialmente (cada ensaio com 24 h de duração) sobre a pista remanescente do ensaio 5, ou seja, para a realização dos ensaios 6 e 7 não se reconstruiu a pista no modelo. Para os ensaios 6 e 7 o total transportado foi de 24,08 g e 2,38 g, respectivamente, representando uma fração muito pequena do total de material empregado na pista. Ressalva-se que previamente a pista foi submetida a velocidades equivalentes a 3,5 m/s que resultou no transporte do material mais superficial. Em linhas gerais conclui-se que o material 5D´, quando sujeito a velocidades da ordem de 3,5 m/s para uma lâmina de 21 m (equivalente a uma velocidade de 2,84 m/s para uma lâmina de 6 m considerada no modelo) apresentou-se estável.

3.3.4 Estudo do Revestimento Submetido ao Processo de Enchimento do Canal de Derivação

Visando avaliar os efeitos do fluxo sobre o revestimento do canal durante o processo de enchimento, executaram-se ensaios específicos com condições transientes e permanentes. Para a etapa inicial do enchimento do canal de derivação, considerou-se a imposição de vazões variáveis (0 a 100 m³/s ou 0 a 200 m³/s) ao longo do primeiro dia de enchimento, de modo a se ter um processo controlado. O processo de enchimento do reservatório intermediário demorará diversos dias, nos quais as condições do fluxo ficam praticamente constantes (permanentes) com vazões contínuas que variam entre 200 m³/s (com uma lâmina da ordem de 3,3 m) a 1000 m³/s (lâmina da ordem de 5 m). Para avaliar estas condições, foram realizados ensaios transientes e permanentes que não revelaram movimentação significativa do revestimento durante este processo.

3.3.5 Ensaios do Trecho em Curva do Canal de Derivação

As análises numéricas realizadas revelaram os trechos em curva mais críticos em termos de velocidades e tensões tangenciais ao longo do Canal de Derivação e

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optou-se por estudar este trecho mais crítico em modelo reduzido, construído em escala 1:70, baseado em semelhança de Froude. A Figura 14 apresenta o trecho em questão e uma vista geral do modelo reduzido já em operação. Os ensaios referentes a este modelo ainda estão em execução, sendo que o objetivo do estudo é avaliar a aderência dos resultados numéricos (perfis de velocidades nas curvas) com o modelo físico, podendo eventualmente indicar a necessidade de reforço no revestimento neste trecho mais crítico.

Figura 14 – Modelo reduzido para estudo das curvas mais acentuadas

4. CONCLUSÕES

O Canal de Derivação da UHE Belo Monte apresenta proporções atípicas, com uma extensão de 16 km com largura de fundo de 210 m e largura do espelho de água da ordem de 340 m. A vazão de adução chega a 13.950 m³/s e talvez não existam precedentes para canais de adução com estas características. No presente artigo, foram apresentados os principais estudos hidráulicos que levaram ao dimensionamento do Canal de Derivação que passaram por dimensionamentos teóricos baseados em hipóteses unidimensionais, análises numéricas bi e tridimensionais além de estudos em modelo hidráulico reduzido. Uma quantidade e diversidade bastante grande de estudos foram feitos visando subsidiar o projeto do Canal de Derivação de Belo Monte sendo as informações contidas no presente trabalho representam uma amostra limitada dos estudos realizados. Destes estudos tornou-se evidente a importância de utilização conjunta de modelos numéricos e estudos em modelo reduzido para o projeto do canal que nas etapas iniciais foi baseado em cálculos unidimensionais. As análises numéricas auxiliaram na avaliação das tensões tangenciais e velocidades ao longo do canal como um todo podendo-se identificar o trecho mais crítico do canal (curvas) que atualmente estão sendo estudado em modelo reduzido. Somente com estudos extensivos em modelo reduzido foi possível avaliar a resistência à erosão dos revestimentos do canal com enrocamento. Deste conjunto de estudos conclui-se que os materiais de enrocamento empregados no revestimento do Canal de Derivação são adequados para resistir aos efeitos erosivos causados pelo escoamento no canal.

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5. AGRADECIMENTOS Os autores do presente trabalho gostariam de agradecer aos Eng. Kamal Kamel, Eng. Lourenço Babá e Eng. Roberto Bertol, pelos ensinamentos, auxílio e tutoria durante o projeto do Canal de Derivação da UHE Belo Monte. Ao Prof. Eng. Nelson de Souza Pinto, por compartilhar sua imensa experiência e visão. À Norte Energia S.A., pela autorização e contribuição na elaboração deste artigo. Ao Centro de Hidráulica e Hidrologia Prof. Parigot de Souza, por realizar e ceder os resultados dos ensaios em modelo reduzido. E ao Prof. Marcelo Garcia, juntamente com sua equipe do Laboratório de Hidrossistemas Ven Te Chow (Universidade de Illinois - EUA) pela realização e disponibilização dos dados do modelo numérico.

6. PALAVRAS-CHAVE Canal de adução, grandes obras hidrelétricas, UHE Belo Monte, revestimento com enrocamento, análise numérica.

7. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

[1] INTERTECHNE, PCE, ENGEVIX. (2012) – “UHE Belo Monte – Projeto Básico Consolidado”. INTERTECHNE, PCE, ENGEVIXGARCIA, H.M.

[2] DUTTA,S. FYTANIDIS, K.D. SANTACRUZ, S.S. e WARATUKE, A. (2013) – “Identification of potential high shear stress zones in the 16 km-long diversion channel of Belo Monte Hydroelectric Project using multiple 3-Dimensional numerical model”, Ven te Chow Hydrosystems Laboratory, University of Illinois at Urbana-Champaign, Urbana-Champaign.

[3] GARCIA, H.M. (2008) – “Sedimentation Engineering: Processes, Measurements, Modeling, and Practice”. American Society of Civil Engineering (ASCE).

[4] PROJETO HL-178 – Estudos Hidráulicos em Modelo Reduzido Parcial do Canal de Derivação da Usina Hidroelétrica Belo Monte – Relatório n° 02 – Estudo do Revestimento do Fundo em Enrocamento – Fevereiro 2013 – LACTEC/CEHPAR.

[5] PROJETO HL-178 – Estudos Hidráulicos em Modelo Reduzido Parcial do Canal de Derivação da Usina Hidroelétrica Belo Monte – Relatório n° 03 – Estudos do Revestimento do Fundo em Enrocamento – Avaliações Complementares – Junho 2013 – LACTEC/CEHPAR.

[6] PROJETO HL-178 – Estudos Hidráulicos em Modelo Reduzido Parcial do Canal de Derivação da Usina Hidroelétrica Belo Monte – Relatório n° 04 – Estudos do Revestimento do Fundo em Enrocamento – Avaliações do Processo de Enchimento do Canal – Novembro 2013 – LACTEC/CEHPAR.

[7] CHOW, V. T., “Open Channel Hydraulics”, McGraw-Hill, 1959.


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