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Aula 01 (8)

Date post: 15-Sep-2015
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Unknown ALGUMAS CONSIDERAÇÕES SOBRE OS CRIMES DE CORRUPÇÃO ATIVA E PASSIVA. A PROPÓSITO DO JULGAMENTO DO "MENSALÃO" (APN 470/MG DO STF) Some considerations on the crimes of active and passive bribery Regarding the judgment given in "Mensalão" (Criminal Case 470/MG) Revista Brasileira de Ciências Criminais | vol. 106/2014 | p. 181 | Jan / 2014 DTR\2014\297 Gustavo de Oliveira Quandt Defensor Público Federal. Área do Direito: Penal Resumo: O artigo analisa os aspectos mais relevantes do julgamento da APn 470/MG no STF (mensalão), relativos aos crimes de corrupção ativa e passiva. Palavras-chave: APn 470/MG - "Mensalão" - Corrupção ativa - Corrupção passiva - Funcionário público - Ato de ofício. Abstract: The article analyzes the most relevant aspects concerning the crimes of active and passive bribery in the judgment given in Criminal Case 470/ MG (mensalão) by the Brazilian Supreme Federal Court. Keywords: Criminal Case 470/MG - "Mensalão" - Active bribery - Passive bribery - Public official - Official act. Sumário: 1.Introdução - 2.Os atos de corrupção discutidos na APn 470/MG - 3.A vantagem indevida - 4.O conceito de funcionário público "para os efeitos penais" - 5.Corrupção e ATO de ofício - 6.Considerações finais - 7.Bibliografia 1. Introdução O STF julgou, ao longo dos anos de 2012 e 2013, um processo penal de notoriedade sem precedentes em sua história - a APn 470/MG, 1 mais conhecida como "processo do ‘mensalão'". 2 Nele eram imputadas, a algumas dezenas de pessoas, dentre as quais políticos de grande projeção e influência - aos quais se deve justamente a repercussão do caso - sete figuras delituosas: corrupção ativa e passiva, peculato, lavagem de dinheiro, evasão de divisas, gestão fraudulenta de instituição financeira e formação de quadrilha. Todo o esquema criminoso descrito no acórdão certamente caberia num conceito amplo de corrupção, 3 e foi aos crimes denominados de corrupção pelo Código Penal que o processo foi mais imediatamente associado, devendo-lhes o próprio epíteto que recebeu: o "mensalão" 4 seria o pagamento de vantagem indevida para que deputados votassem segundo os interesses do grupo patrocinador da propina, isto é, o pagamento da verba com que os corruptores teriam comprado os votos dos deputados corrompidos - o pagamento ou a própria verba. 5 Assim, nada mais justo que dedicar algumas linhas aos aspectos centrais dos crimes de corrupção ativa e passiva, em especial aqueles que tiveram algum destaque no julgamento da APn 470/MG. 2. Os atos de corrupção discutidos na APn 470/MG A denúncia e o acórdão do "mensalão" descrevem três situações distintas de corrupção: a entrega de dinheiro ao então presidente da Câmara dos Deputados para que favorecesse o grupo publicitário que venceria a licitação realizada por aquele órgão e, posteriormente, auferiria vantagens indevidas na vigência do contrato; 6 a entrega de dinheiro ao então diretor de marketing do Banco do Brasil S.A., o qual transigiria com a apropriação indevida de valores do banco pelo mesmo grupo publicitário 7 ; e, por fim, o emprego de parte das vantagens indevidas obtidas nos crimes anteriores para a compra de votos de parlamentares - o "mensalão". 8 Todas essas situações foram julgadas pelo STF como configuradoras dos crimes de corrupção ativa e passiva (ainda que alguns imputados tenham sido absolvidos por ausência de provas). Os comentários a seguir se concentram nos três grandes eixos dos crimes de corrupção ativa e Algumas considerações sobre os crimes de corrupção ativa e passiva. A propósito do julgamento do "Mensalão" (APn 470/MG do STF) Página 1
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    ALGUMAS CONSIDERAES SOBRE OS CRIMES DE CORRUPO ATIVA EPASSIVA. A PROPSITO DO JULGAMENTO DO "MENSALO" (APN 470/MG

    DO STF)Some considerations on the crimes of active and passive bribery Regarding the judgment given in

    "Mensalo" (Criminal Case 470/MG)Revista Brasileira de Cincias Criminais | vol. 106/2014 | p. 181 | Jan / 2014

    DTR\2014\297

    Gustavo de Oliveira QuandtDefensor Pblico Federal.

    rea do Direito: PenalResumo: O artigo analisa os aspectos mais relevantes do julgamento da APn 470/MG no STF(mensalo), relativos aos crimes de corrupo ativa e passiva.Palavras-chave: APn 470/MG - "Mensalo" - Corrupo ativa - Corrupo passiva - Funcionriopblico - Ato de ofcio.Abstract: The article analyzes the most relevant aspects concerning the crimes of active and passivebribery in the judgment given in Criminal Case 470/ MG (mensalo) by the Brazilian Supreme FederalCourt.

    Keywords: Criminal Case 470/MG - "Mensalo" - Active bribery - Passive bribery - Public official -Official act.Sumrio:

    1.Introduo - 2.Os atos de corrupo discutidos na APn 470/MG - 3.A vantagem indevida - 4.Oconceito de funcionrio pblico "para os efeitos penais" - 5.Corrupo e ATO de ofcio -6.Consideraes finais - 7.Bibliografia

    1. Introduo

    O STF julgou, ao longo dos anos de 2012 e 2013, um processo penal de notoriedade semprecedentes em sua histria - a APn 470/MG,1 mais conhecida como "processo do mensalo'".2 Neleeram imputadas, a algumas dezenas de pessoas, dentre as quais polticos de grande projeo einfluncia - aos quais se deve justamente a repercusso do caso - sete figuras delituosas: corrupoativa e passiva, peculato, lavagem de dinheiro, evaso de divisas, gesto fraudulenta de instituiofinanceira e formao de quadrilha. Todo o esquema criminoso descrito no acrdo certamentecaberia num conceito amplo de corrupo,3 e foi aos crimes denominados de corrupo pelo CdigoPenal que o processo foi mais imediatamente associado, devendo-lhes o prprio epteto querecebeu: o "mensalo"4 seria o pagamento de vantagem indevida para que deputados votassemsegundo os interesses do grupo patrocinador da propina, isto , o pagamento da verba com que oscorruptores teriam comprado os votos dos deputados corrompidos - o pagamento ou a prpria verba.5 Assim, nada mais justo que dedicar algumas linhas aos aspectos centrais dos crimes de corrupoativa e passiva, em especial aqueles que tiveram algum destaque no julgamento da APn 470/MG.2. Os atos de corrupo discutidos na APn 470/MG

    A denncia e o acrdo do "mensalo" descrevem trs situaes distintas de corrupo: a entregade dinheiro ao ento presidente da Cmara dos Deputados para que favorecesse o grupo publicitrioque venceria a licitao realizada por aquele rgo e, posteriormente, auferiria vantagens indevidasna vigncia do contrato;6 a entrega de dinheiro ao ento diretor de marketing do Banco do BrasilS.A., o qual transigiria com a apropriao indevida de valores do banco pelo mesmo grupopublicitrio7; e, por fim, o emprego de parte das vantagens indevidas obtidas nos crimes anteriorespara a compra de votos de parlamentares - o "mensalo".8 Todas essas situaes foram julgadaspelo STF como configuradoras dos crimes de corrupo ativa e passiva (ainda que alguns imputadostenham sido absolvidos por ausncia de provas).Os comentrios a seguir se concentram nos trs grandes eixos dos crimes de corrupo ativa e

    Algumas consideraes sobre os crimes de corrupoativa e passiva. A propsito do julgamento do "Mensalo"

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  • passiva: a vantagem indevida, a figura do funcionrio pblico e o ato de ofcio relativo funopblica ao qual se deveria o pagamento.3. A vantagem indevida

    Nas trs situaes de corrupo discutidas no acrdo da APn 470/MG, a vantagem indevidaconsistia em dinheiro em espcie e transferncias bancrias. Dessa forma, uma das discussespertinentes ao conceito de vantagem indevida - se deve ser patrimonial ou se pode ter outra natureza- no teve lugar no julgamento.9 No entanto, o carter necessariamente indevido da vantagem, ousua correlao com a funo dos corrompidos10 foi discutido em termos um pouco turvos.

    Alguns rus alegaram que as vantagens por si pagas ou recebidas se deviam a acertos de contasrelativos a despesas eleitorais - ou, mais abreviadamente, "caixa dois de campanha eleitoral".Segundo pensamos, a tese corresponde a dizer que os pagamentos no correspondiam a vantagemindevida, nem se relacionavam funo pblica exercida por seus receptores. Ao cuidar dessaalegao, o acrdo insiste em vrios pontos11 que a destinao da propina recebida irrelevantepara a caracterizao dos crimes de corrupo passiva e ativa. Cremos que essa forma de refutao defeituosa, pois corresponde a retorquir afirmao de que o pagamento no era propina, que adestinao da propina era irrelevante, incorrendo em petio de princpio e transformandoequivocadamente um problema probatrio12 num problema material: descremos que algum ru tenhaafirmado que a propina muda de natureza (ou seja, que deixa de ser propina) em razo dadestinao que lhe dada. De toda forma, o acrdo, em seus vrios votos, fundamentouextensamente a concluso de que os pagamentos se deviam, sim, qualidade de funcionrio pblicodos destinatrios e aos atos de ofcio que compunham seu plexo de atribuies - ou seja, que elesconstituram propina. Assim, embora a imperfeio do acrdo da APn 470/MG neste ponto nochegue a lhe custar a validade, no escondemos o receio de que esse tipo de raciocnio viciado, sealastre na jurisprudncia dos demais tribunais - sob o argumento de que foi utilizado pelo prprioSTF no julgamento do "mensalo" - com efeitos profundamente nocivos.13 Imagine-se o caso em queum funcionrio pblico acusado de receber dinheiro em razo da funo, e alega em sua defesaque a vantagem percebida era o pagamento por um bem que ele havia vendido a outrem, semrelao alguma com sua qualidade de funcionrio pblico ou os atos de ofcio de seu mister: evidente que a simples afirmao da irrelevncia da destinao da propina no seria um fundamentohbil para afastar a tese de defesa, uma vez que, como dito anteriormente, a tese consisteexatamente em dizer que o dinheiro recebido no era propina.

    Feitas essas consideraes, passemos um assunto referido apenas de passagem no acrdo daAPn 470/MG, mas merecedor de ateno mais detida do que em geral vem recebendo: o conceito defuncionrio pblico.4. O conceito de funcionrio pblico "para os efeitos penais"

    Por questes prticas, o Cdigo Penal prev separadamente a corrupo ativa e a passiva.14 Detoda forma, certo que ambas as infraes - corrupo ativa e passiva - exigem, cada uma suamaneira, a figura do funcionrio pblico: naquela, como destinatrio da oferta ou promessa devantagem; nesta, como solicitante ou receptor dessa mesma vantagem ou aceitante de promessadela.

    Na realidade, o funcionrio pblico figura central do Ttulo XI da Parte Especial do Cdigo Penal (Dos crimes contra a Administrao Pblica), pois, alm de ser o sujeito ativo de virtualmente todasas infraes do seu Captulo I (Dos Crimes Praticados por Funcionrio Pblico contra aAdministrao em geral), referido ainda em delitos de outros captulos, como resistncia,desobedincia, desacato, trfico de influncia e corrupo ativa (arts. 329 a 333 do CP). Tambm emoutros setores o Cdigo Penal lhe faz referncia (art. 141, II: aumento de pena dos crimes contra ahonra praticados contra funcionrio pblico, em razo de suas funes). Em razo disso, o CdigoPenal conceitua expressamente em seu art. 327 o funcionrio pblico, para os efeitos penais.

    No julgamento da APn 470/MG, o STF deu de barato a condio de funcionrio pblico para osefeitos penais das pessoas que receberam vantagem indevida. E o fez corretamente, pois no existedvida alguma de que os membros do Poder Legislativo so funcionrios pblicos para os efeitospenais;15 quanto ao diretor de marketing do Banco do Brasil, sociedade de economia mista institudapelo Poder Pblico Federal,16 aplica-se diretamente o S 2.o do art. 327, o qual dispe que "a pena

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  • ser aumentada da tera parte quando os autores dos crimes previstos neste Captulo [Dos CrimesPraticados por Funcionrio Pblico contra a Administrao em Geral] forem ocupantes de cargos emcomisso ou de funo de direo ou assessoramento de rgo da administrao direta, sociedadede economia mista, empresa pblica ou fundao instituda pelo poder pblico". No entanto, umexame da jurisprudncia e da doutrina sugere que no apenas nos casos evidentes que a condiode funcionrio pblico afirmada sem maiores reflexes.

    pacfico que a noo de funcionrio pblico, no Direito Penal, no se vincula aos conceitos maisprximos do Direito Administrativo e Constitucional, como os de servidor pblico ou empregadopblico, sendo mais abrangente do que eles17 ou mesmo que sua reunio. Do ponto de vista daclareza e preciso conceitual, cremos que o Direito Penal acabou se beneficiando com o progressivoabandono, naqueles outros ramos do Direito, da expresso funcionrio pblico,18 que hoje utilizadaapenas no Cdigo Penal: a ressalva "para os efeitos penais", contida no art. 327, tornou-se ociosa,19pois atualmente a qualidade de funcionrio pblico (com essa denominao) sempre para osefeitos penais.20 Contudo, essa definio meramente negativa de funcionrio pblico - segundo aqual o conceito no se confunde, com o de servidor ou agente pblico - ou mesmo a proclamao deque a noo de funcionrio pblico mais ampla do que a de servidor pblico, constituem apenasuma aproximao carente de detalhamento: as afirmaes de que a rea ocupada pela Amazniano corresponde exatamente ao (ou no se confunde com o) territrio do Estado do Amazonas, oude que o gnero msica erudita mais amplo que a espcie pera, no valem como definies deAmaznia ou de msica erudita. Em particular, a premissa de que o conceito de funcionrio pblico mais extenso do que o de servidor pblico, por exemplo, proporciona apenas um ncleo mnimo deabrangncia do conceito, mas no lhe fornece quaisquer limites exteriores.

    Assim, a fixao do conceito de funcionrio pblico deve partir necessariamente da exegese do art.327 do CP, o qual no segue um sistema uniforme, cada uma de suas partes adotando distintocritrio: o caput e o incio do S 1.o procuram apreender em poucas palavras o universo de pessoasque intervm na Administrao Pblica, e a doutrina usualmente apresenta definies de cargo,emprego e funo,21 cuja reunio forneceria a noo de funcionrio pblico. A segunda parte do S1.o, includa pela Lei 9.983/2000, volta-se a alcanar certas hipteses de parceria entre o PoderPblico e a iniciativa privada, valendo-se da expresso "atividade tpica da Administrao Pblica".Por fim, o S 2.o, acrescentado pela Lei 6.799/1980, institui uma causa de aumento de pena em quese indicam de forma mais casustica do que no caput as pessoas que a merecero.22

    A interpretao desse art. 327 mais difcil do que parece.23 O STF, como dito, concluiu tranquila eacertadamente que o diretor de marketing do Banco do Brasil funcionrio pblico. Contudo, aatribuio dessa mesma qualidade a um empregado comum de empresa estatal24 demanda algumesforo.25 Diz o caput do art. 327 do CP: "considera-se funcionrio pblico, para os efeitos penais,quem, embora transitoriamente ou sem remunerao, exerce cargo, emprego ou funo pblica".Poder-se-ia supor que todo o empregado de empresa estatal ocupa "emprego pblico". Sucede queessa expresso tanto se pode interpretar extensivamente, como qualquer vnculo empregatcio coma Administrao Pblica direta e indireta, que compreende as empresas estatais, as quais sopessoas jurdicas de direito privado,26 como de forma mais restrita, significando apenas o vnculocom uma pessoa jurdica de Direito Pblico (os entes polticos - Unio, Estado, Municpio e DistritoFederal - suas autarquias, fundaes pblicas e agncias). Assim, considerando-se apenas ostermos cargo e emprego, questionvel se o empregado do Banco do Brasil, Caixa EconmicaFederal, Petrobrs, Casa da Moeda e outras empresas estatais so funcionrios pblicos. certoque a Constituio da Repblica alude a empregos pblicos (art. 37, I, da CF/1988) e pareciaproscrever o regime de emprego nas pessoas jurdicas de Direito Pblico,27 previses das quais sepoderia extrair, por eliminao, que emprego pblico o emprego em pessoas jurdicas de direitoprivado integrantes da Administrao Pblica, como as empresas estatais. No entanto, a vedao doregime de emprego nas pessoas jurdicas de Direito Pblico no existia em Constituies anteriores -a de 1946 aludia expressamente a "emprego em entidade autrquica" em seu art. 141, S 31 - e osantigos empregados das pessoas jurdicas de Direito Pblico no foram automaticamentedesvinculados com o advento da atual Constituio Federal.28 Assim, no nos parece que aterminologia da Constituio Federal vigente auxilie na interpretao da locuo "emprego pblico", aqual permanece dbia.29

    Destarte, ainda que os principais problemas apaream na interpretao do conceito de funopblica, as noes de cargo e emprego tambm podem oferecer suas dificuldades,30 que asdefinies oferecidas pela doutrina31 no so capazes de arrostar completamente. Quanto funo

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  • pblica,32 pacfico o reconhecimento da existncia de algumas delas que no se compreendem nosconceitos de cargo ou emprego, como as de jurado (art. 436 ss. do CPP), mesrio (art. 120 e ss. doCdigo Eleitoral) e tabelio (art. 236 da CF/1988; art. 3.o da Lei 8.935/1994).33 No entanto, o desafio extrair, desse ncleo de consenso,34 algum critrio que permita dirimir as dvidas relativas a outrasposies, tendo-se em vista a imensa variedade de formas de colaborao dos indivduos com aAdministrao Pblica.35

    Voltemos ao exemplo dos empregados das empresas pblicas. Um setor da jurisprudncia os tratacomo funcionrios pblicos em razo da equiparao instituda no S 1.o do art. 327 do CP, que aludea "entidade paraestatal": "Equipara-se a funcionrio pblico quem exerce cargo, emprego ou funoem entidade paraestatal, e quem trabalha para empresa prestadora de servio contratada ouconveniada para a execuo de atividade tpica da Administrao Pblica". Assim decidiu o STJ emrelao a um empregado do Banco do Brasil no julgamento do RHC 11.691;36 idntica orientaofora adotada pelo STF no HC 79.823 em relao a empregado da empresa pblica Petrobrs,37oportunidade em que se registrou o grande desencontro no uso da expresso "entidade paraestatal"no Direito Administrativo e a necessidade de interpret-la de acordo com as finalidades do art. 327do CP.38 Da mesma forma, ao julgar o RHC 1.469, o STJ considerou funcionrio pblico o chefe dadiviso financeira de uma autarquia estatal, em razo do disposto no S 1.o do art. 327 do CP em suaredao original;39 j no voto-vista do RHC 1.371, so invocados tanto o S 1.o como o S 2.o40 do art.327 do CP para se considerar funcionrio pblico o delegado regional do Banco Central do Brasil.41Por fim, h decises que parecem considerar suficiente o caput do art. 327 para tratar comofuncionrios pblicos os empregados de empresa estatal.42

    Infelizmente, esse cuidado de indicar qual trecho do art. 327 do CP faz de algum um funcionriopblico nem sempre observado pela jurisprudncia: na prtica, parece prevalecer a tendncia desupor que o art. 327 do CP autoexplicativo, de insistir que o conceito de funcionrio pblico "doDireito Penal" diverso dos conceitos anlogos do Direito Administrativo e mais abrangente queesses43 - como se tal afirmao fornecesse, por si s, os contornos do primeiro - e de concluir, semmaiores delongas, que tal ou qual pessoa funcionrio pblico.44 Assim, no CComp 2.806, o STJsimplesmente pontuou que os empregados da Caixa Econmica Federal so funcionrios pblicos,aludindo genericamente ao art. 327 do CP.45

    Como dito,46 o conceito central do art. 327 do CP o de funo pblica, a qual seria exercida,segundo o STJ pelo empregado de empresa privada prestadora de servios polcia federal(recepcionista terceirizado).47 Contudo, o Dec. 2.271/1997, que "dispe sobre a contratao deservios pela Administrao Pblica Federal direta, autrquica e fundacional e d outrasprovidncias", estabelece que "no mbito da Administrao Pblica Federal direta, autrquica efundacional podero ser objeto de execuo indireta as atividades materiais acessrias,instrumentais ou complementares aos assuntos que constituem rea de competncia legal do rgoou entidade", e que "as atividades de conservao, limpeza, segurana, vigilncia, transportes,informtica, copeiragem, recepo, reprografia, telecomunicaes e manuteno de prdios,equipamentos e instalaes sero, de preferncia, objeto de execuo indireta" (art. 1.o, caput e S1.o). Isso porque, como se sabe, um dos requisitos da terceirizao de mo de obra naAdministrao Pblica que se trate de uma funo perifrica, de mero apoio s atividadesfinalsticas do rgo.48 Todavia, aceita essa premissa e admitida a regularidade de determinadahiptese de terceirizao, a afirmao de que o empregado terceirizado exercia funo pblica setorna bastante discutvel e praticamente deduz a funo pblica do local de trabalho: funcionriopblico todo aquele que trabalha em repartio pblica, ainda que suas atribuies se limitem apreparar e servir o indefectvel cafezinho. A mxima segundo a qual "estagirio de repartio ouempresa pblica funcionrio pblico", geralmente enunciada sem qualquer ateno s exatasatividades desempenhadas pelo estagirio,49 talvez se deva a essa noo quase espacial defuncionrio pblico.

    A dificuldade de se definir funo pblica no resolvida pela invocao do velho lugar-comum,50segundo o qual funo pblica no se confunde com mnus pblico. Essa distino mais aparentedo que real e apenas permite que se legitime qualquer deciso intuitiva: para afastar a incidncia doart. 327 do CP, diz-se que se tratava de mero mnus, e para aplic-lo, declara-se haver autnticafuno pblica. No RHC 1.208 do STJ,51 o paciente era acusado de calnia por um perito judicial, ese discutia a legitimao ativa para a ao penal em questo.52 Nesse julgamento, manteve-se aorientao do STF de considerar-se funcionrio pblico o perito oficial, porque ele atua no interesseda Justia. No entanto, o STJ negou ao advogado dativo atuante em processo criminal a qualidade

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  • de funcionrio pblico,53 embora tal profissional desempenhe (ao menos nos casos de ru pobre),uma atividade expressamente cometida ao Estado pela Constituio da Repblica,54 e sem a qual oprocesso penal entraria em crise sempre que o ru permanecesse revel,55 razes pelas quais essaatividade nos parece de evidente interesse da Justia.56 Nesse ltimo julgamento, o STJ baseou-seem alguma medida na distino entre funo pblica e mnus pblico; no entanto, no RHC 1.208supracitado, relatado pelo mesmo ministro, a distino havia sido reputada irrelevante para o DireitoPenal. O antigo sndico do processo de falncia57 tambm atuava no interesse da Justia, epredominava o entendimento de que ele no era funcionrio pblico;58 o sndico era justamente umdos exemplos de Hungria do tal mnus pblico.59 Em outro julgamento, no qual havia convnio entreo poder pblico e o advogado privado que, remunerado pelo Estado, atuava em favor dosnecessitados, o STJ reconheceu a este a qualidade de funcionrio pblico,60 afirmando que oconvnio transformava o advogado dativo, executante de um mnus, em advogado pblico, titular deuma funo. difcil dizer se, para aquele tribunal, a existncia de convnio realmente era decisiva,ou se a superao do entendimento anteriormente adotado no julgamento do RHC 1.208 foisimplesmente disfarada de distinguishing. Nota-se ainda que o prprio acrdo da APn 470/MG, emnumerosas passagens, denomina mnus a funo pblica dos funcionrios condenados.61 Por fim,uma viso de conjunto das concluses alcanadas na doutrina e jurisprudncia com a aplicao dadicotomia "funo versus mnus" prontamente revela seu pouco valor: segundo ela, o recepcionistae o estagirio exercem funo pblica, mas o administrador da falncia, no.62

    Como dito anteriormente, a 2. parte do S 1.o do art. 327 do CP segue estrutura diversa da do caput;inclui algumas hipteses bastante razoveis, como a de empresa privada responsvel pelafiscalizao do trnsito: no h dvida de que o empregado de tal empresa que solicitar dinheiropara destruir a fotografia comprobatria da travessia do sinal vermelho comete corrupo passiva.63No entanto, da mesma forma como "atividade paraestatal", a expresso "atividade tpica daAdministrao Pblica" ambgua. Tal como ocorre com o conceito de funo pblica, aqui o perigo se considerar funcionrio pblico todo empregado terceirizado, o que oneraria o servente que varreo cho da repartio com um discutvel dever de fidelidade Administrao Pblica, sem qualquercontrapartida. O principal mbito de aplicao do dispositivo a relevante questo prtica dosmdicos de clnicas e hospitais privados conveniados ao Sistema nico de Sade (SUS), queindevidamente exigem dinheiro dos pacientes: o STJ havia decidido, antes da modificao do S 1.odo art. 327 do CP, que os mdicos do SUS no eram funcionrios pblicos,64 mas tambm haviadecises em sentido contrrio, baseadas naquela suposta noo autoexplicativa de funcionriopblico, "que no a mesma do Direito Administrativo" e por isso parece ser capaz de abrangerqualquer coisa.65 Aps a alterao do S 1.o, algumas decises se basearam expressamente nele.66As decises anteriores modificao do S 1.o do art. 327 do CP se pautavam no fato de que aprestao da sade uma funo do Estado. Mas esse argumento torna praticamente ociosa amodificao operada pela Lei 9.983/2000 (que incluiu entre os funcionrios pblicos aqueles quetrabalham para empresa prestadora de servio contratada ou conveniada para a execuo deatividade tpica da Administrao Pblica)67 e implica considerar funcionrio pblico o motorista denibus da empresa concessionria do servio pblico essencial de transporte coletivo (art. 30, V, daCF/1988). Tal extenso pode conduzir a resultados insatisfatrios em relao ao desacato, desobedincia ou causa de aumento de pena dos crimes contra a honra (art. 141, II, do CP).A aplicao do S 1.o do art. 327 do CP aos crimes em espcie tambm capaz de gerar dvidas. Seo empregado da empresa conveniada para fiscalizao do trnsito se apropria do computador porttilda empresa, ele comete apropriao de bem particular no exerccio de sua funo, o que constituiriapeculato (art. 312 do CP).68 No entanto, o prejuzo da decorrente sequer afeta a AdministraoPblica, pois obviamente no integra o clculo do equilbrio econmico-financeiro do contratocelebrado entre a administrao e a prestadora de servios nem atinge a confiana da populao namquina estatal; de outra parte, o dever de fidelidade violado foi aquele, de cunho privado, existenteentre empregador e empregado, e no um dever especial do agente em relao AdministraoPblica.

    A noo de prejuzo Administrao Pblica tambm usada, s vezes, como critrio dedelimitao do conceito de funcionrio pblico: em processo no qual atuamos, o presidente de umaassociao de pais e mestres foi condenado em primeira instncia por peculato, sob o argumento deque era funcionrio pblico porque administrava verbas pblicas.69 No entanto, a ideia de prejuzopoderia servir unicamente como limitao ao art. 327 do CP, e no como critrio decisivo de suainterpretao. Do ponto de vista literal, certo que uma associao, tal como definida na lei civil (art.53 e ss. do CC/2002), no constitui "empresa prestadora de servio" (art. 327, S 1.o, 2. parte, do

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  • CP), pois associao e empresa so noes mutuamente exclusivas: esta tem fim lucrativo, e aprimeira, no.70 De toda forma, o critrio do manuseio de dinheiro pblico origina um raciocniocircular no crime de peculato: o sujeito considerado funcionrio pblico porque gere dinheiropblico, e comete peculato porque se apropria do dinheiro pblico que geria na qualidade defuncionrio. Com isso, toda a apropriao indbita de dinheiro pblico se converte automaticamenteem peculato.

    A fim de contornar as dificuldades expostas, poder-se-ia buscar, entre os crimes que tm comoelementar a figura do funcionrio pblico, algum que funcionasse como teste, ou prova dos noves,desse conceito. Uma hiptese interessante seria o desacato: funcionrio pblico seria o sujeitosuscetvel de figurar como sujeito passivo desse delito. No entanto, notveis vozes defendem que oS 1.o do art. 327 do CP no se aplica aos crimes em que o funcionrio pblico o ofendido.71 Muitoembora o STF j tenha repelido tal interpretao,72 o fato que ela demonstra, em certa medida, queum critrio unitrio tenderia a obscurecer as especificidades e a ratio legis de cada infrao quepressupe de alguma forma um funcionrio pblico.

    Assim, em que pese o otimismo de algum autor,73 os conceitos de cargo, emprego, funo, entidadeparaestatal e atividade tpica da Administrao Pblica permanecem obscuros, da decorrendo a faltade contornos seguros para o conceito de funcionrio pblico. Cremos que se impe a urgentereviso do tema pela doutrina e jurisprudncia, com particular ateno a alguns cuidados. Emprimeiro lugar, preciso reconhecer que o art. 327 do CP no autoexplicativo, e que, com algumaspoucas excees (como a dos membros dos poderes da Repblica, como parlamentares e chefes doPoder Executivo), a noo de funo pblica tudo menos bvia, o mesmo tanto se podendo dizerda "atividade tpica da Administrao Pblica". Um problema cuja existncia no se reconhecedificilmente recebe boa soluo.74 Um excelente comeo seria deixar de fingir que a afirmao deque "funo pblica no se confunde com mnus pblico" resolve alguma coisa e rever criticamenteas concluses atualmente fundamentadas nessa distino.75 Outra boa iniciativa seria apurar, emcada caso, quais as efetivas atribuies do empregado terceirizado e do estagirio, antes de seafirmar sem mais que so funcionrios pblicos.

    Em segundo lugar, a grande variedade de situaes em que se discute a aplicao do art. 327 do CPsugere a necessidade de se distinguirem algumas questes, sob pena de se sobrecarregar oconceito de funcionrio pblico. Normalmente, interessa ao ru restringir esse conceito, para arguir aatipicidade do fato ou afastar uma causa de aumento de pena; s vezes, porm, convm-lheampli-lo, como no caso da imputao do crime de desobedincia, o qual, segundo a jurisprudnciadominante, no se verifica quando a ordem desatendida era inerente s funes do funcionriopblico.76 Do ponto de vista processual, o ru pode invocar para si a qualidade de funcionrio pblicopara exigir a aplicao do art. 514 do CPP, e discutir a condio de funcionrio pblico da vtima emrazo do j referido problema da legitimidade ativa para a propositura da ao penal.77 Por fim, aqualidade de funcionrio pblico federal pode ser determinante da competncia da Justia Federal.78

    Como dito, convm separar os problemas. Essa ltima questo - da competncia - talvez pudesseser resolvida sem necessidade de qualificao do agente como funcionrio pblico. No HC 47.364,julgado pelo STJ e j referido acima,79 duvidoso que a afirmao da qualidade de funcionriopblico do agente fosse indispensvel para o reconhecimento de que o crime imputado foi cometido,em tese, "em detrimento de bens, servios ou interesse da Unio ou de suas entidades autrquicasou empresas pblicas" (art. 109, IV, da CF/1988), uma vez que o verbete n. 254 da smula dejurisprudncia do TRF punha uma condio suficiente, mas no necessria, para a determinao dacompetncia da Justia Federal, e que os crimes imputados no eram funcionais.

    Curiosamente, em um tema em que a separao dos problemas mais discutvel, a jurisprudnciatem-na feito sem peias, ao criar excees aplicao do art. 514 do CPP. Assim, a notificao dodenunciado para responder antes do recebimento da denncia acusao por crime funcional,prevista naquele artigo, seria dispensvel quando a denncia fosse precedida de inqurito policial,80ou quando houvesse a imputao conjunta de crimes comuns81 (isto , no funcionais).Mas tambm no campo material possvel separarem-se aspectos diversos da questo. A maiorparte dos crimes que de alguma forma referem a funcionrio pblico - como sujeito ativo (exemplo:peculato), passivo (exemplo: desacato) ou em outra posio (exemplo: corrupo ativa) - exige umarelao entre o fato e as funes do funcionrio pblico; do contrrio, toda apropriao indbitacometida por funcionrio pblico seria peculato, e toda injria a funcionrio pblico seria qualificada

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  • (art. 140 c/c art. 141, II, do CP). Pois bem: essa indagao sobre o exerccio de funo pblica pelosujeito, voltada a determinar se ele funcionrio pblico, deve ser feita separadamente, e segundocritrios geralmente diversos, da indagao concernente relao entre o fato e as funes doagente. Alm disso, essa ltima investigao teria de seguir diretrizes prprias para cada tipo dedelito. Cremos que tal separao tenderia a proporcionar solues mais satisfatrias para alguns dosexemplos expostos ao longo do texto:

    (1) o empregado da empresa que celebrou convnio com os rgos de trnsito para manter osradares fixos de controle de velocidade ("pardais"), funcionrio pblico, por fora do art. 327, S 1.o,segunda parte, do CP mas a subtrao de um bem dessa mesma empresa no ocorre "valendo-sede facilidade que lhe proporciona a qualidade de funcionrio [pblico]", razo pela qual no deve serconsiderada peculato: a qualidade de que o sujeito abusa de empregado da empresa, e no delonga manus da Administrao Pblica. J a solicitao por esse mesmo funcionrio de algumavantagem para eliminar uma fotografia comprobatria do excesso de velocidade de um motoristaconstituiria corrupo ativa.

    (2) o empregado da Caixa Econmica Federal sempre funcionrio pblico, e quando desviadinheiro no exerccio da funo, comete peculato. No entanto, se um cliente do banco o insulta emrazo de sua recusa em receber o pagamento de dvida vencida estampada em boleto de outrobanco,82 tal injria no praticada "contra funcionrio pblico, em razo de suas funes", uma vezque a qualidade de empregado de banco oficial irrelevante no caso. Com isso se evita que oempregado da Caixa Econmica Federal, do Banco do Brasil ou de outro banco estatal recebamproteo penal mais intensa do que os bancrios em geral. Tal soluo parece-nos mais convincentedo que a aplicao do S 1.o do art. 327 do CP apenas para o sujeito ativo, aplicao esta que criaproblemas quanto ao crime de corrupo ativa (em que o funcionrio pblico no agente, massimples destinatrio da oferta ilcita).Essa desvinculao da interpretao do art. 327 do CP e dos tipos penais que de alguma formaaludem a funcionrio pblico j vem sendo feita para alguns dispositivos incriminadores quemencionam unicamente o cargo, como o caso dos arts. 312, caput (peculato), 323 (abandono defuno) e 325 (violao de sigilo funcional), todos do CP. De fato, se a palavra cargo fosseinterpretada nesses dispositivos da mesma forma como o na exegese do art. 327 do CP,83 seriaforoso concluir que o empregado pblico, ou aquele que exerce funo sem ocupar cargo (nosentido do art. 327 do CP), no comete violao de sigilo funcional nem peculato; no entanto, notm faltado condenaes por peculato de empregados de empresas pblicas.84 Isso somente possvel porque o termo cargo, no art. 312, vem sendo interpretado diversamente da mesma palavrano art. 327do CP.85

    Sem dvida, conservam-se vrias dificuldades, como definir se o recepcionista da Polcia Federal funcionrio pblico, e, em caso positivo, se ele pode ser vtima de desacato. De toda forma, cremosque a compreenso desses problemas aumenta se eles forem desvinculados e enfrentados cada uma seu tempo e modo.5. Corrupo e ATO de ofcio

    Dos aspectos centrais dos crimes de corrupo ativa e passiva, o que mais exigiu a ateno do STFno julgamento da APn 470/MG foi a relao entre a vantagem indevida e o ato de ofcio, qual sededica o presente tpico.5.1 Corrupo passiva e ato de ofcio potencial

    Como j observado,86 a lei brasileira divide a corrupo em ativa e passiva, ainda que cominando asambas a mesma pena.87 Em todo o resto, porm, o STF parece tratar as duas figuras delituosascomo verso e reverso da mesma moeda; em especial, transporta para o crime de corrupo passiva,que no a prev, a exigncia legal contida no art. 333 do CP de que a vantagem indevida guarderelao com algum ato de ofcio do funcionrio pblico corrompido.88 Tal orientao, que aproxima osarts. 317 e 333 do CP ao exigir para os dois - e no apenas para o segundo, tal como sugere o textolegal - que a vantagem indevida prometida, solicitada etc. se relacione a algum ato de ofcio dofuncionrio pblico, foi firmada no julgamento da APn 307/DF (caso Collor),89 reiteradamentemencionado no acrdo da APn 470/MG, e constitui um dos pontos mais obscuros este ltimo.

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  • Tal obscuridade denotada pelos desencontros dos ministros em relao aos votos uns dos outros.O relator, e vrios outros ministros, enfaticamente se propuseram a manter a orientao firmada nojulgamento da APn 307/DF, e exigiram, para o reconhecimento do crime de corrupo passiva, que avantagem solicitada ou recebida se relacionasse com a possvel prtica ou omisso de algum ato deofcio pelo funcionrio corrupto ou corrompido. No entanto, no exigiam que o ato de ofcioefetivamente fosse omitido ou praticado, conforme o caso, bastando-se com a perspectiva dessaprtica ou omisso de ato de ofcio.90 Boas snteses dessa orientao foram oferecidas pelo Min.Mendes e pelo Min. Fux, respectivamente: " indispensvel ato de ofcio em potencial paraconfigurao do crime de corrupo passiva, apesar de no ser necessria sua efetiva prtica pelocorrupto";91 "o ato de ofcio funciona como elemento atrativo ou justificador da vantagem indevida,mas jamais pressuposto para a configurao da conduta tpica de corrupo".92

    Os Ministros Lewandowski e Toffoli, no entanto, supuseram - ao nosso ver, erradamente93 - que seuscolegas, afastando-se da orientao precedentemente firmada na APn 307/DF, dispensavam essareferncia ao ato de ofcio em potencial.94 Os demais ministros, por sua vez, repeliram a afirmaode que se distanciavam da orientao firmada na APn 307/DF, insistindo que exigiam, sim, o ato deofcio em potencial.95

    Essa aparente divergncia tem duas causas visveis. A primeira a impreciso com que a exignciado ato de ofcio potencial foi expressa ao longo dos votos. A advertncia, em si correta, de que aefetiva prtica do ato de ofcio que motivava a solicitao ou recebimento da vantagem96 eradesnecessria,97 foi feita em algumas passagens de forma ambgua, permitindo a interpretao deque nem sequer o ato de ofcio potencial seria necessrio para a corrupo passiva.98 Assim, a fraseda min. Weber "a indicao do ato de ofcio no integra o tipo legal da corrupo passiva",99 fraseesta que tanto pode se referir literalidade do art. 317 do CP - que efetivamente no alude ao ato deofcio, o que feito unicamente no art. 333 do CP, conforme destacado no princpio deste tpico -como efetiva prtica ou omisso do ato de ofcio; igualmente dbios so alguns trechos do voto doMin. Fux: "como j exaustivamente demonstrado, a prtica de algum ato de ofcio em razo davantagem recebida no necessria para a caracterizao do delito. Basta que a causa davantagem seja a titularidade de funo pblica";100 "conclui-se, assim, que o 15.o denunciado ()recebeu vantagem indevida em razo das funes exercidas na Presidncia da Cmara dosDeputados".101 O prprio Min. Lewandowski, em passagem de seu voto, pareceu exigir a efetivaprtica do ato de ofcio visado pela corrupo para que o crime ocorra:102 "uma questo recorrenteque surge no debate desse tema se a corrupo passiva exige ou no, para a sua caracterizao,a prtica de um ato de ofcio pelo funcionrio pblico, como contraprestao da vantagem indevida,solicitada ou recebida. A doutrina mais abalizada, contudo, ressalta que preciso que o agentepratique, retarde ou omita um ato de ofcio relacionado com a vantagem indevida".

    Confrontados os diversos votos, e as passagens conflitantes dentro de um mesmo voto, possvelconcluir que todos os ministros mantiveram-se na mesma posio intermediria de exigir a relaoentre a propina e um ato de ofcio, mas dispensar a efetiva realizao desse ato.103 Todavia, comovisto, alguns dos votos so bastante confusos a respeito.

    A segunda causa dessa polmica, em que votos convergentes foram tidos como conflitantes poralguns ministros, o problema da determinao do ato de ofcio mercadejado. Em outras palavras: oquo certo e delimitado precisa ser o ato de ofcio cogitado pelo corruptor ou pelo corrompido (ou porambos) para que se reconheam os crimes dos arts. 317 ou 333 do CP? De certa forma, cremos queesse foi o verdadeiro ponto de divergncia entre os ministros, e que acabou obscurecido pela falta depreciso dos votos. Tal assunto - a determinao do ato de ofcio - ser abordado no item 5.3 Antes,porm, conveniente investigar-se o conceito mesmo de ato de ofcio.5.2 Conceito de ato de ofcio

    Uma vez que os crimes dos arts. 333 e 317 do CP - aquele por expressa dico legal, e este pelainterpretao do STF firmada no julgamento da APn 307/DF e mantido no da APn 470/MG - serelacionam a um ato de ofcio, a exegese desses dispositivos passa pela fixao do conceito deste.

    Em relao a esse conceito, a questo mais relevante no julgamento da APn 470/ MG era se amercancia, pelos congressistas, de seus votos em relao a projetos de lei e de emendaconstitucional, e, mais especialmente, se a venda de apoio aos projetos de interesse do governoconstitua corrupo passiva.104

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  • Neste ponto, o acrdo da APn 470/MG rene consideraes de ordens e qualidades bastantedspares. O min. Mendes, em mais de um ponto, transcreve a lio de Paulo Jos da Costa Jnior,em trecho que principia com a frase "a expresso ato funcional no empregada no sentido tcnicode ato administrativo".105 Tal afirmao talvez seja correta, mas diz muito pouco sobre o que ato deofcio;106 o mesmo sucede com o esclarecimento do Min. Britto de que ato de ofcio, para os crimesde corrupo, no apenas o ato que o agente pblico pode praticar de ofcio, isto , semprovocao.107 Uma vez mais, advertimos para a insuficincia de definies mnimas e negativas(que dizem que A mais amplo que B, ou que A no idntico a B). Mas a consideraoverdadeiramente problemtica veio do relator, Min. Barbosa, o qual, baseando-se em excerto deCirino dos Santos,108 afirmou: "assim, como elemento normativo do tipo, o ato de ofcio' deve serrepresentado no sentido comum, como o representam os leigos, e no em sentido tcnico-jurdico".109 Sucede que o trecho transcrito da obra de Cirino dos Santos se refere ao problema do objeto dodolo (ou seja, para o problema do grau de conhecimento e compreenso que o agente deve possuirpara que se possa dizer que ele praticou, omitiu, comercializou etc. ato de ofcio) e no interpretao dos elementos normativos. A tradicional frmula de Mezger, segundo a qual acompreenso exigida do agente para que se possa afirmar o dolo em relao aos elementosnormativos do tipo, apenas aquela "valorao paralela na esfera do profano",110 e a advertncia deBeling de que a exigncia da compreenso exata, por parte do agente, desses elementosnormativos, faria com que apenas juristas pudessem cometer crimes,111 nada dizem sobre o modocomo o juiz deve interpretar os elementos normativos do tipo penal. Pelo contrrio: a pesquisa decritrios especficos para a afirmao do dolo frente aos elementos normativos do tipo pressupejustamente que o juiz possa (ou deva) interpret-los de forma diversa do leigo, pois se todo elementonormativo devesse ser compreendido no sentido comum das palavras, como parece supor o MinistroRelator, o problema da determinao do dolo em relao a tais elementos sequer existiria: a fixaodo tipo objetivo automaticamente delimitaria o tipo subjetivo em todas suas nuanas. Felizmente,essa afirmao equivocada sobre os elementos normativos do tipo permanece isolada nas oito mil etantas pginas que compem o acrdo e, com um pouco de sorte, no far escola.

    Alm dessas definies mnimas e negativas, segundo as quais o ato de ofcio no algo, ou no seconfunde com algo, e do mau uso das consideraes de Cirino dos Santos, o acrdo contmalgumas indicaes do que seria ato de ofcio, para efeitos dos arts. 317 e 333 do CP. Na mesmalinha da interpretao pelo sentido vulgar da linguagem, o min. Britto prope que " expresso legalato de ofcio' deve corresponder o sentido coloquial de ato do ofcio' a cargo do agente pblicocorrompido",112 muito embora seja discutvel que no plano coloquial da comunicao sequer exista aexpresso "ato de ofcio". A maior parte das definies propostas associa o ato de ofcio esfera deatribuies do funcionrio: assim, para o Min. Celso de Mello, o ato de ofcio "deve obrigatoriamenteincluir-se no complexo de suas [do funcionrio] atribuies funcionais"113 ou estar "inscrito em suaesfera de atribuies funcionais".114-115

    Essas definies tm o duplo defeito de supor esperadamente que, para cada cargo, emprego oufuno pblica, o feixe de atos a eles inerentes seja bem delimitado, e de deixar impunes asaceitaes e promessas de vantagens voltadas prtica de atos materiais ao alcance do sujeito,mas que no compem exatamente suas atribuies. Pense-se no serventurio da justia lotado nocartrio da vara que aceita propina para alterar a ordem de armazenamento dos autos dos processosconclusos para sentena no gabinete do juiz, sabendo que essa ordem corresponde ordem em queos processos sero julgados.116 Uma vez que essa ordenao no atribuio do funcionriocorrupto, esse fato haveria de permanecer impune.

    Mas o mesmo acrdo da APn 470/MG contm outras definies que parecem contentar-se com asimples proximidade entre o ato de ofcio praticado (ou omitido) e as funes do agente. Assim, adefinio de Rui Stoco, transcrita pelo Min. Celso de Mello: "o ato a que visa a corrupo praticadano deve necessariamente constituir uma violao do dever de ofcio (). Deve, todavia, o ato serda competncia do agente ou estar relacionado com o exerccio de sua funo".117 J o rel. Min.Joaquim Barbosa, citando o voto do Min. Ilmar Galvo na APn 307/DF, considerou que basta que o"ato subornado caiba no mbito dos poderes de fato inerentes ao exerccio do cargo do agente"; umpouco adiante, transcreve excerto do voto do Min. Celso de Mello na mesma APn 307/DF de difcilclassificao: "constitui elemento indispensvel [para o crime de corrupo passiva] () a existnciade um vnculo que associe o fato atribudo ao agente estatal (solicitao, recebimento ou aceitaode promessa de vantagem indevida) com a perspectiva da prtica (ou absteno) de um ato de ofciovinculado ao mbito das funes inerentes ao cargo desse mesmo servidor pblico".118 Confessamos

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  • nossa dificuldade em discernir se o circunlquio "ato de ofcio vinculado ao mbito das funesinerentes ao cargo desse mesmo servidor pblico" efetivamente exige que o ato componha o feixede atribuies do agente ou no; essa mesma perplexidade se apresenta diante da frase "atorelacionado queles que compem o pertinente ao mbito das funes inerentes ao cargo"119formulada pelo Min. Celso de Mello no acrdo da APn 470/MG. De toda forma, o mesmo Min. Britto,em outra parte de seu voto, endossa a opinio de Cezar Roberto Bitencourt, segundo a qual, "para aconfigurao do crime de corrupo ativa exige-se que o ato cuja ao ou omisso pretendidaesteja compreendido nas especficas atribuies funcionais do servidor pblico visado".120

    Como se v, as definies fornecidas no so muito alentadoras, e os Min. Britto e Celso de Mellono conseguem deixar claro se o ato de ofcio tem de estar compreendido nas atribuies dofuncionrio pblico ou se basta um vnculo mais tnue. Em particular, seguimos sem saber como oSTF, em sua composio atual, enfrentaria o caso do serventurio que ordena e acomoda os autosjudiciais conforme os lances dos litigantes. De toda forma, no caso especfico do mensalo, deve-seao min. Britto uma soluo admiravelmente engenhosa para relacionar o "apoio parlamentar" dosdeputados corrompidos ao elemento do tipo "ato de ofcio": oferecer dinheiro em troca do apoio dosdeputados da oposio, os corruptores procuravam garantir a omisso de quaisquer atos deimpugnao dos projetos de lei de interesse do governo.121

    Por fim, no h dvida alguma de que o voto de projetos de lei e de emendas Constituio Federal,bem como o debate desses projetos, constitui ato de ofcio do parlamentar; no dizer do Min. Celso deMello, "o exerccio do voto, pelos membros do Congresso Nacional, talvez represente o maisexpressivo dos momentos em que se desenvolve a prtica do ofcio parlamentar";122 "a votaoparlamentar traduz, de modo expressivo, exemplo conspcuo e clssico de ato de ofcio porexcelncia".123

    5.3 Determinao do ato de ofcio potencial

    Conforme visto nos tpicos anteriores, a corrupo ativa e a passiva, segundo a interpretao doSTF, exigem a relao entre a vantagem indevida solicitada, prometida etc. e algum ato de ofcio;alm disso, o voto e apoio do parlamentar aos projetos de interesse do governo constituem atos ouomisso de atos de ofcio. Falta precisar, contudo, qual o grau de determinao que o ato de ofcio apraticar ou omitir deve possuir no momento de sua mercantilizao.

    Como adiantado, deve-se em parte a esse tema a divergncia dos ministros acerca dacompatibilidade do decidido na APn 470/MG com aquele entendimento firmado na APn 307/DF(segundo o qual o crime de corrupo passiva tambm exigia relao com algum ato de ofcio);talvez seja mesmo possvel dizer que essa foi a verdadeira divergncia entre os MinistrosLewandowski e Toffoli e os demais. Isso porque imputar-se a algum a oferta de dinheiro a umparlamentar para que este genericamente "apoie os projetos de interesse do governo" bemdiferente de imputar-se a oferta de dinheiro para que o parlamentar vote em determinado sentido emuma certa votao.124

    Tambm aqui alguns votos no primaram pela exatido. O Min. Fux, abordando diretamente aquesto em anlise, estatuiu que "no necessrio que o ato de ofcio pretendido seja, desde logo,certo, preciso e determinado",125 mas adiante considerou que " indispensvel, para caracterizar acorrupo passiva, que o agente pblico, ao receber a vantagem indevida, saiba para que ele estrecebendo (para praticar certo e especfico ato de ofcio)".126 O Min. Britto foi mais consistente,transcrevendo trecho de Regis Prado segundo o qual "no necessrio que no momento em que ofuncionrio solicita ou recebe a vantagem o ato prprio de suas funes esteja individualizado emtodas as suas caractersticas. Basta apenas que se possa deduzir com clareza qual a classe de atosem troca dos quais se solicita ou se recebe a vantagem indevida - isto , a natureza do ato objeto dacorrupo".127

    Essa mesma passagem de Regis Prado foi transcrita pelo Min. Toffoli como portadora do mesmosentido da exposio de Nucci.128 No entanto, verifica-se que este ltimo autor muito mais flexvelem relao exigncia da relao da vantagem indevida com um ato de ofcio, conforme os excertostranscritos no voto do prprio Min. Toffoli: "a pessoa que fornece a vantagem indevida pode estarpreparando o funcionrio para que, um dia, dele necessitando, solicite, algo, mas nada pretenda nomomento da entrega do mimo. (). [Uma oferta nessas condies constitui] corrupo passiva domesmo modo, pois fere a moralidade administrativa".129-130

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  • Assim, bem vistas as coisas, a divergncia entre os ministros no se devia tanto questonecessidade de que a vantagem se relacionasse a um futuro ato (ou omisso de ato) de ofcio, massim ao problema da delimitao desse ato no momento da prtica do crime (ou seja, da oferta ouaceitao da propina).131 A orientao de Guilherme de Souza Nucci praticamente anula a exignciade vinculao da vantagem indevida ao ato de ofcio potencial, uma vez que se contenta com um atomeramente eventual e absolutamente indeterminado, que talvez jamais tenha o ensejo de ocorrer; nofundo, retorna dico literal do art. 317 do CP, que exige que a vantagem se deva apenas funopblica do servidor corrupto, sem referncia explcita a algum ato de ofcio. J Luiz Regis Prado, cujaopinio foi erroneamente identificada pelo Min. Toffoli com a de Guilherme de Souza Nucci, consentecom certa indeterminao do ato de ofcio potencial motivador da vantagem, mas no o dispensa porcompleto.

    Assim, embora o Min. Toffoli (juntamente com o Min. Lewandowski), atribua aos demais ministros oabandono da orientao firmada pelo STF na APn 307/DF - qual seja, de exigir que a vantagemindevida se relacione a um ato de ofcio potencial - o fato que foi ele prprio quem, ao invocar areferida opinio de Guilherme de Souza Nucci, mais se distanciou daquela orientao.

    Cremos que a completa (ou quase completa) dispensa da vinculao da vantagem a um ato de ofciotende a criar atritos entre os arts. 333 e 317 do CP. Com efeito, tem-se entendido que o pagamentode vantagem indevida, pelo particular, constitui participao no crime de corrupo passiva, e s no punido a tal ttulo porque conta com incriminao especfica.132 Mas se isso for correto, ento areferncia a ato de ofcio no art. 333 do CP se torna incua nos casos de corrupo bilateral, pois elano aparece expressa no art. 317 do CP. Em outras palavras: por mais que o Cdigo Penal exija, nacorrupo ativa (art. 333 do CP), a relao entre a vantagem indevida e algum ato de ofcio, oparticular que sucumbisse solicitao feita pelo funcionrio pblico em razo de sua funo, massem qualquer referncia, implcita ou explcita, a algum ato de ofcio, acabaria incorrendo emparticipao no crime de corrupo passiva, sofrendo as mesmas penas. Assim, julgamos que atendncia do STF de identificar os requisitos tpicos dos arts. 317 e 333 do CP correta, e a nicaforma de faz-lo acrescentar ao art. 317 do CP as exigncias adicionais do art. 333 do CP, pois ocaminho contrrio - supresso das exigncias abundantes do art. 333 do CP - obviamente violaria oprincpio da legalidade.

    De toda forma, alguma vaguidade quanto ao ato de ofcio potencial, no momento da ao tpica decorrupo - seja ela ativa, passiva ou bilateral - inevitvel, e a exigncia de uma preciso absolutado ato de ofcio posto venda implicaria ou a inutilidade da previso legal, ou (o que consideramosmais provvel) a infestao de presunes e fices na jurisprudncia. Se um empresrio ajusta comum juiz trabalhista de sua cidade o pagamento mensal de propina para que este "alivie" nojulgamento das inmeras aes trabalhistas por ele sofridas, impossvel associar cada pagamentoa certo ato de ofcio: no exemplo dado, se o empresrio deixa a critrio do juiz corrupto a seleodos casos que permitam o favorecimento - uma vez que o xito do empresrio em todas asreclamatrias trabalhistas julgadas pelo mesmo magistrado inevitavelmente despertaria suspeitas -nem ele prprio ser capaz de dizer quais foram as sentenas que comprou, e quais foram assentenas favorveis que apenas exprimiram o sincero entendimento do juiz. Assim, se se exigisse,para o reconhecimento do crime de corrupo, uma correlao estreita entre cada pagamento e cadaato de ofcio comercializado, justamente os casos mais graves de simbiose entre o pblico e oprivado no seriam punveis como corrupo. Como os tribunais dificilmente consentiriam com esseresultado, a consequncia previsvel de tal entendimento seria o fingimento de que as provas doprocesso permitiriam associar as vantagens a certos e especficos atos de ofcio, perfeitamenteidentificados j no momento da oferta ou promessa delas.Por tais razes, preciso transigir com alguma indeterminao do ato de ofcio mercanciado, com ocuidado de no aniquilar a prpria exigncia desse elemento dos tipos de corrupo ativa e passiva.Cremos que a "compra de votos e de apoio parlamentar para os projetos de interesse do governo"tem um grau aceitvel de determinao para a incidncia dos arts. 317 e 333 do CP.1336. Consideraes finais

    A interpretao feita pelo STF dos arts. 317 e 333 do CP no julgamento da APn 470/MG levou aresultados corretos. No entanto, se a qualificao dos agentes considerados corruptos comofuncionrios pblicos foi simples e imediata, tal facilidade no deve iludir os problemas por trs doart. 327 do CP. Da mesma maneira, a concluso inobjetvel de que os votos e o "apoio parlamentar"

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  • constituem atos de ofcio razoavelmente determinados no deve obscurecer as incertezas doconceito desses atos. Por fim, e mais importante, conclumos que o STF no se afastou daorientao firmada na APn 307/DF, de se exigir, para os crimes de corrupo ativa e passiva, arelao da vantagem indevida a um ato de ofcio potencial, e que as divergncias se referem ao graude concretizao que esse ato deve possuir quando de sua comercializao. Quanto a esse ponto,embora seja necessrio transigir com alguma indeterminao, ela no pode ser to intensa a pontode anular esse requisito do tipo.7. Bibliografia

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  • ______. REsp 762.249, 5. T., j. 02.02.2006, rel. Min. Gilson Dipp.______. RHC 1.208, 6. T., j. 18.06.1991, rel. Min. Luiz Vicente Cernicchiaro.______. RHC 11.691, 6. T., j. 21.02.2002, rel. Min. Vicente Leal.______. RHC 1.469, 6. T., j. 16.10.1991, rel. Min. Carlos Thibau.______. RHC 1.371, 6. T., j. 26.05.1992, rel. Min. Carlos Thibau.______. RHC 1.294, 6. T., j. 23.06.1992, rel. Min. Luiz Vicente Cernicchiaro.______. RHC 1.351, 6. T., j. 04.08.1992, rel. Min. Luiz Vicente Cernicchiaro.______. RHC 22.611, 6. T., j. 16.12.2004, rel. Min. Hamilton Carvalhido.______. RHC 9.602, 6. T., j. 23.05.2000, rel. Min. Hamilton Carvalhido.______. RHC 52.989, 5. T., j. 23.05.2006, rel. Min. Felix Fischer.______. RHC 3.900, 6. T., j. 12.09.1994, rel. Min. Luiz Vicente Cernicchiaro.______. RHC 2.904, 6. T., j. 29.11.1994, rel. Min. Adhemar Maciel.______. RHC 8.954, 6. T., j. 07.11.2000, rel. Min. Hamilton Carvalhido.______. RHC 17.321, 5. T., j. 28.06.2005, rel. Min. Felix Fischer.______. RHC 8.267, 6. T., j. 27.04.1999, rel. Min. Vicente Leal.______. RHC 8.174, 5. T., j. 18.02.1999, rel. Min. Edson Vidigal.______. RHC 7.966 e 8.271, 5. T., j. 18.05.1999, rel. Min. Gilson Dipp.______. RHC 47.364, 6. T., j. 04.04.2006, rel. Min. Hlio Quaglia Barbosa.______. RHC 164.643, 5. T., j. 25.09.2012, rel. Min. Laurita Vaz.Acrdo proferido pelo TRF-2. Reg., disponvel em: [www.trf2.jus.br]. Acesso em: 31.10.2013:Brasil. TRF-2. Reg. RSE 199951107591163, 1. T. Especializada, j. 26.102005.

    1 O acrdo da APn 470/MG citado na verso disponvel em: [www.stf.jus.br/portal/cms/verNoticiaDetalhe.asp?idConteudo=236494]. Acesso em: 02.07.2013. Os acrdos de que tomamosconhecimento por repositrios e manuais so citados com indicao dessa fonte; os demais foramlocalizados com as ferramentas de pesquisa das pginas dos respectivos tribunais na Internet.

    2 Embora o ttulo de "maior escndalo de corrupo da histria do Brasil" seja discutvel, o casodecerto no tem rivais em termos de divulgao. A conhecida revista semanal Veja dedicou nadamenos que 12 capas ao processo nos anos de 2012 e 2013 (edio 2.265, de 18.04.2012; 2.272, de06.06.2012; 2.280, de 01.08.2012; 2.285, de 05.09.2012; 2.287, de 19.09.2012; 2.290, de10.10.2012; 2.291, de 17.10.2012; 2.319, de 01.05.2013; 2.339, de 18.09.2013; 2.340, de25.09.2013; 2.348, de 20.11.2013; 2.349, de 27.11.2013).3 Como aquele utilizado no subttulo da RBCCrim 89 (mar.-abr. 2011): "edio especial - corrupo",que inclua, por exemplo, um estudo de Fabin Caparrs sobre lavagem imprudente de dinheiro (p.131).4 No encontramos essa curiosa palavra em nenhum dicionrio tradicional, e o Caudas Aulete Digital(http://aulete.uol.com.br/mensalo, acesso em 03.12.2013) parece t-la assimilado justamente emrazo dos fatos julgados na APn 470/MG. O uso dela para denominar o pagamento regular de

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  • propina aos deputados creditado, no acrdo, ao ru Roberto Jefferson (p. 2471), mas o prprio aatribuiu ao ex-Ministro das Comunicaes Miro Teixeira (p. 2007), que igualmente negou apaternidade do neologismo (p. 4938). O termo foi traduzido como "grande pagamento mensal" emalguns jornais estrangeiros (grsse Monatslohn no Frankfurt Allgemeiner[www.faz.net/aktuell/politik/ausland/korruptionsskandal-in-brasilien-prozess-um-den-grossen-monatslohn-11840684.html],acesso em: 03.12.2013 e big monthly allowance no New York Times [www.nytimes.com/2013/04/07/world/americas/brazil-opens-inquiry-into-vote-buying-claims.html], acesso em: 03.12. 2013), mas aimprensa de lngua espanhola preferiu manter o nome original [http://elpais.com/tag/caso_mensalao/a/], acesso em: 03.12.2013;[www.lanacion.com.ar/1495409-brasil-en-vilo-por-el-juicio-del-siglo], acesso em: 03.12.2013).5 Embora haja, no processo, outras acusaes de corrupo ativa e passiva sem relao direta coma compra de votos, cf. item 2 abaixo.

    6 Essa imputao foi descrita no item III.1 da denncia e por esse nmero identificada ao longo doacrdo. As vantagens indevidas em questo foram tratadas como peculato pelo STF.

    7 Imputao descrita no item III.3 da denncia. Tambm a apropriao desses valores consistiria,segundo o acrdo, peculato; vide, no entanto, os comentrios de Augusto Assis neste volume.

    8 Item VI da denncia.

    9 Sobre o tema: Fragoso, Heleno Cludio. Lies de direito penal: parte especial. 4. ed. Rio deJaneiro: Forense, 1984. vol. 2, n. 1088, p. 418.

    10 V. item 5 adiante.

    11 A comear pela ementa (p. 11-12).12 A valorao probatria realizada no acrdo no merecer maior considerao aqui, excetoquanto ao fato de que a palavra libi ("em outro lugar" em latim) foi empregada 81 vezes - em todaselas como sinnimo de "tese de defesa", e em nenhuma delas no sentido prprio do termo, que ode alegao de negativa de autoria baseada no fato de que o acusado estaria em outro lugar nomomento dos fatos.

    13 Esse temor foi demonstrado pelo Min. Mendes a propsito do tema discutido no item 5.1 infra:"Penso que muito importante assentar as bases tericas deste julgamento, inclusive pelarepercusso dos precedentes da Corte nas demais esferas do Poder Judicirio" (p. 4361).14 Tal ciso poltico-criminalmente necessria para que se possam punir no apenas a corrupobilateral (ou seja, aquela em que tanto o particular como o funcionrio esto implicados), comotambm a oferta e a solicitao de vantagem recusadas, respectivamente, pelo funcionrio e peloextraneus; tal resultado dificilmente se atingiria com a incriminao simultnea da corrupo ativa epassiva em uma frmula unitria. Nesse sentido, Smanio, Gianpaolo Poggio. Anlise da deciso daAPn 470/MG pelo STF referente aos crimes contra a Administrao Pblica - Corrupo passiva eativa - Elementos do tipo penal. Revista dos Tribunais. vol. 933. p. 195. So Paulo: Ed. RT, jul. 2013,com referncias. V., sobre a questo, Bitencourt, Cezar Roberto. Tratado de direito penal. 3. ed. SoPaulo: Saraiva, 2009. vol. 5, p. 84, com referncias.

    15 Vigorosamente nesse sentido, j Hungria, Nlson. Comentrios ao Cdigo Penal. 2. ed. Rio deJaneiro: Forense, 1959. vol. IX, n. 156, p. 402, nota 53.

    16 Segundo divulgado na pgina do Banco do Brasil na internet, a Unio detinha, em junho de 2013,58,3% das aes do banco [www.bb.com.br/portalbb/page3,136,3595,0,0,1,8.bb?codigoMenu=204&codigoNoticia=11380&codigoRet=1251&bread=5]. Acesso em: 31.10.2013.17 Ilustrativos dessa afirmao, extremamente frequente na doutrina, Hungria, Nlson. Op. cit. nanota 15, vol. IX, n. 156, p. 401; Bento de Faria, Antonio. Cdigo Penal (comentado). 2. ed. Rio deJaneiro: Record, 1959. vol. 7, n. 262, p. 125; Pierangeli, Jos Henrique. Manual de direito penalbrasileiro. 2. ed. So Paulo: Ed. RT, 2007. n. 48.1, p. 798.

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  • 18 Comparem-se o ttulo que precede o art. 156 da Constituio de 1937 (Dos funcionrios pblicos)e a denominao da Seo II do Captulo VII do Ttulo III da Constituio vigente (Dos servidorespblicos civis, rebatizada para "Dos servidores pblicos" pela EC 19/1998, conhecida como Emendada Reforma Administrativa ou "emendo"). Vejam-se ainda as observaes de Prado, Luiz Regis.Curso de direito penal brasileiro. 9. ed. So Paulo: Ed. RT, 2013. vol. 3, p. 653.

    19 Razo pela qual ser, no mais das vezes, omitida no texto a partir deste ponto.

    20 Essa nossa opinio provavelmente no conta com muitos adeptos. Rui Stoco e Tatiana de O.Stoco tacham a terminologia do "vetusto e desatualizado" Cdigo Penal de "antiga e incorreta" (emFranco, Alberto; Stoco, Rui (orgs.). Cdigo Penal e sua interpretao. 8. ed. So Paulo: Ed. RT,2007. p. 1467, art. 317). O projeto de Cdigo Penal em tramitao no Senado Federal (PLS236/2012) no apenas substitui a expresso "funcionrio pblico" por "servidor pblico" como aindasuprime a ressalva de que a definio contida no Projeto (art. 282) especfica do Direito Penal. J avigente Lei de Licitaes praticamente repete o art. 327 do CP, mas para definir o "servidor pblico"(art. 84). No entanto, seguimos crendo que utilizar denominaes distintas para conceitos diversosno vetusto, desatualizado e muito menos incorreto.

    21 V., por exemplo, Prado, Luiz Regis. Op. cit. na nota 18, p. 653; Nucci, Guilherme de Souza.Cdigo Penal comentado. 13. ed. So Paulo: Ed. RT, 2013. p. 1203, art. 327, nota 209; Jesus,Damsio Evangelista de. Direito penal. 13. ed. So Paulo: Saraiva, 2003. vol. 4, p. 118; Bitencourt,Cezar Roberto. Op. cit. na nota 14, p. 152; Delmanto, Celso et al. Cdigo Penal comentado. 8. ed.So Paulo: Saraiva, 2010. p. 928, art. 327; Costa Jr., Paulo Jos; Costa, Fernando Jos da. CdigoPenal comentado. 10. ed. So Paulo: Saraiva, 2011. p. 1124.

    22 Este ltimo dispositivo contm grave imperfeio, que omitir os dirigentes de autarquias (Prado,Luiz Regis. Op. cit. na nota 18, p. 660; Feliciano, Guilherme Guimares. Crimes contra aAdministrao - Atualizao e reforma penal - Por uma atualizao forma e substancial do captulodos crimes contra a Administrao Pblica. In: Franco, Alberto Silva; Nucci, Guilherme de Souza(orgs.). Doutrinas Essenciais de Direito Penal. vol. 6. p. 301. So Paulo: Ed. RT, 2010, publicadooriginalmente na Revista Brasileira de Cincias Criminais. vol. 32. p. 55. So Paulo: Ed. RT, out.-dez.2000).23 Contra a imagem tranquila oferecida por alguns manuais e Cdigos comentados, valem aindahoje as consideraes de Heleno Cludio Fragoso: "O conceito de funcionrio pblico para os efeitospenais oferece dificuldades que a doutrina e a jurisprudncia, entre ns, no tm enfrentado comoseria necessrio, havendo comumente interpretao superficial, incorreta e apressada de nossa lei".(Jurisprudncia criminal. 3. ed. So Paulo: Bushatsky, 1979. vol. 2, n. 250, p. 537). Veja-se, porm, anota 73 adiante. Feliciano, por sua vez, cr que o art. 327 do CP, em lugar de "coibir a polmicajudicial, acabou por foment-la" (op. cit. na nota 22, p. 292). Por fim, Casolato advertiu que "aexpresso funcionrio pblico' no , decididamente, daquelas cuja conceituao venha despida dedivergncias" (A doutrina, a jurisprudncia e o art. 327, do Cdigo Penal. In: Franco, Alberto Silva;Nucci, Guilherme de Souza (orgs.). Doutrinas Essenciais de Direito Penal. vol. 6. p. 416. So Paulo:Ed. RT, 2010 (publicado originalmente na Revista Brasileira de Cincias Criminais. vol. 22. p. 89.So Paulo: Ed. RT, abr.-jun. 1998).24 Designao genrica das espcies empresa pblica e sociedade de economia mista (v. nota 26abaixo).25 E foi vigorosamente impugnada por Fragoso, Heleno Cludio. op. cit. na nota 23, n. 250, p. 537,entre outros.

    26 Cf. art. 5.o, II e III, do Dec.-lei 200/1967.

    27 Art. 39 da CF/1988. Esse dispositivo foi alterado pela EC 19/1998, mas o STF suspendeucautelarmente a modificao (ADIn 2.135/DF, ainda em tramitao).28 No apenas no foram desvinculados como obtiveram, nas hipteses do art. 19 do ADCT,estabilidade no servio pblico.

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  • 29 Sobre o problema do mbito de aplicao do regime de emprego na Administrao Pblica,veja-se Bandeira de Mello, Celso Antnio. Curso de direito administrativo. 30. ed. So Paulo:Malheiros, 2013. p. 263, item VI/18.

    30 Em sentido contrrio, reconhecendo-as apenas quanto funo pblica, o acrdo proferido peloSTJ no RHC 1.208 (6. T., j. 18.06.1991, rel. Min. Luiz Vicente Cernicchiaro).31 V. referncias na nota 21.

    32 Concordamos com Nlson Hungria (op. cit. na nota 15, n. 156, p. 400), Heleno Cludio Fragoso(op. cit. na nota 9, n. 1051, p. 385, ), Luiz Regis Prado (op. cit. na nota 18, p. 653), Paulo Jos CostaJr. e Fernando Jos da Costa (op. cit. na nota 21, p. 1123), e Jos Henrique Pierangeli (op. cit. nanota 17, n. 48.1, p. 1000), entre outros, na avaliao de que o conceito central do art. 327 do CP afuno pblica; em nossa opinio, o cargo e o emprego so simplesmente considerados, ex vi legis,postos de exerccio de uma tal funo. Em outras palavras, cremos que a melhor interpretao doCdigo Penal de que todo aquele que ocupa cargo ou emprego pblico necessariamente exercefuno pblica (dispensada ou mesmo vedada qualquer avaliao das exatas atribuies do cargoou emprego), sem prejuzo da existncia das funes pblicas que no correspondem a cargo ouemprego. Em sentido prximo, Fragoso, Heleno Cludio. Op. cit. na nota 23, n. 250, p. 538.

    33 Entre vrios outros, vejam-se Bitencourt, Cezar Roberto. Op. cit. na nota 14, p. 153, e Pierangeli,Jos Henrique. Op. cit. na nota 17, p. 800.

    34 Consenso, alis, que mais se aproxima da simples repetio do rol oferecido h mais de meiosculo por Nlson Hungria (cf. nota 85 adiante), com um ou outro acrscimo: comparem-se Mirabete,Julio Fabbrini; Fabbrini, Renato N. Cdigo Penal interpretado. 7. ed. So Paulo: Atlas, 2011. n. 327.1,p. 1846, e Nucci, Guilherme de Souza. Op. cit. na nota 21, art. 327, p. 1203, nota 210, os quaiscoincidem inclusive na meno de figuras inusitadas, como o inspetor de quarteiro.

    35 Variedade esta talvez se tenha acentuado com o fenmeno das "parcerias", pelas quais osparticulares e entidades privadas colaboram com o Poder Pblico em regime de franquia, convnio,terceirizao de mo-de-obra etc. Vejam-se adiante as observaes sobre o S 1.o do art. 327 do CP.Sobre o tema em geral, muito proveitosa a obra de Di Pietro, Maria Sylvia Zanella. Parcerias naAdministrao Pblica. 9. ed. So Paulo: Atlas, 2012.

    36 6. T., j. 21.02.2002, rel. Min. Vicente Leal.37 HC 79.823, 1. T., j. 28.03.2000, rel. Min. Moreira Alves. Esse acrdo citado no voto da Min.Crmen Lcia na APn 470/MG (p. 1823).38 Sobre a diversidade de sentidos com que a expresso "entidade paraestatal" vem sendoempregada, consulte-se Di Pietro, Maria Sylvia Zanella. Direito administrativo. 26. ed. So Paulo:Atlas, 2013. n. 11.1, p. 551. Especificamente em relao ao art. 327, S 1.o, do CP, Casolato, RobertoWagner Battochio. Op. cit. na nota 23, p. 421. Negando aos empregados das empresas estatais aqualidade de funcionrio pblico, os acrdos publicados na RT 591/321 e RJTJSP 76/299 (cf.Franco, Alberto; Stoco, Rui (orgs.). Op. cit. na nota 20, CD-ROM de jurisprudncia, art. 327, item15.06) - o que importa dizer que tais precedentes tomaram a expresso "entidade paraestatal" emsentido mais estrito e excludente das figuras tpicas da Administrao Pblica indireta (art. 4.o doDec.-lei 200/1967).39 6. T., j. 16.10.1991, rel. Min. Carlos Thibau.40 O argumento que se baseia no S 2.o do art. 327 do CP para demonstrar que todo empregado deempresa estatal, funcionrio pblico (v., por exemplo, Mirabete, Julio Fabbrini; Fabbrini, Renato N.Op. cit. na nota 34, , n. 327.2, p. 1848), consideramo-lo inconclusivo. Embora parea plausvel, primeira vista, que a previso de um aumento de pena para o diretor da empresa estatal impliqueque o empregado comum dessa mesma empresa seja funcionrio pblico (de modo que oempregado comum incorre nas penas normais do crime que cometer, e o diretor incorre na penaampliada), o fato que a afirmao da qualidade de funcionrio pblico do diretor e a negao dessa

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  • mesma qualidade ao empregado comum no incompatvel com a existncia da dita causa deaumento. A suposio em contrrio de Nucci, Guilherme de Souza. Op. cit. na nota 21, art. 327, p.1204, nota 212, desconsidera que outros dispositivos da legislao penal preveem causas deaumento ou de diminuio que suprimem elementos da forma simples do crime. Um exemplo notvel a denunciao caluniosa privilegiada (art. 337, S 2.o, do CP), que, diferentemente da formasimples do delito, no exige que o fato falsamente imputado seja criminoso (mas apenascontravencional). Assim, a resposta do problema do empregado da empresa estatal deve serbuscada no caput e no S 1.o do art. 327, e no no S 2.o.

    41 6. T., j. 26.05.1992, rel. Min. Carlos Thibau. O voto-vista era do Min. Luiz Vicente Cernicchiaro,que repete a argumentao no HC 1.294, 6. T., j. 23.06.1992, e no HC 1.351, 6. T., j. 04.08.1992,todos de sua relatoria.

    42 STJ, HC 22.611, 6. T., j. 16.12.2004, rel. Min. Hamilton Carvalhido.43 Na doutrina, a nfase na abrangncia do conceito legal de funcionrio pblico encontrou suaexpresso mxima em Rui Stoco e Tatiana de O. Stoco: "deve-se buscar o conceito e o alcance deservidor pblico no art. 327 do CP, que o mais amplo possvel" (em Franco, Alberto; Stoco, Rui(orgs.). Op. cit. na nota 20, p. 1467, art. 317, sem grifos no original; v. tambm os comentrios ao art.327 do CP, p. 1524). Abstrado o problema da inviabilidade lgica de um conceito "o mais amplopossvel", percebe-se que a proclamao puramente retrica e no ajuda nada: dizer que se adotao conceito mais amplo possvel de msica erudita no esclarece, em absoluto, se ele abrange, porexemplo, os musicais da Broadway ou os tangos de Ernesto Nazareth.

    44 Veja-se o otimismo da fundamentao do REsp 466.357 (5. T., j. 28.09.2004,rel. Min. GilsonDipp) e do CComp 26.424 (3. Seo, j. 22.05.2002, rel. Min. Gilson Dipp), ou na ementa do REsp762.249: "a simples leitura do conceito de funcionrio pblico adotado antes mesmo dacomplementao realizada pela Lei 9.983/2000, revela que todos aqueles que, emboratransitoriamente e sem remunerao, venham a exercer cargo, emprego ou funo pblica, estoincludos no conceito de funcionrio pblico para fins penais" (5. T., j. 02.02.2006, rel. Min. GilsonDipp). Tal afirmao indiscutvel em face da lei; o grande problema, que o acrdo parece reputarinexistente, justamente determinar o que so "cargo", "emprego" e "funo pblica".45 3. Seo, j. 19.03.1992, rel. Min. Cernicchiaro.46 Nota 32.

    47 RHC 9.602, 6. T., j. 23.05.2000, rel. Min. Hamilton Carvalhido. Esse acrdo, de fundamentaobastante breve e consistente praticamente de transcries, um exemplo acabado de suposio deque o problema dos limites exteriores do art. 327 do CP simplesmente no existe.

    48 Detalhadamente sobre a questo, Di Pietro, Maria Sylvia Zanella. Op. cit. na nota 35, p. 215 e ss.,cap. 10.

    49 STF, RHC 54.197, 2. T., j. 09.03.1976, rel. Min. Moreira Alves, (RTJ 77/791); STJ, HC 52.989, 5.T., j. 23.05.2006, rel. Min. Felix Fischer, (o qual alude ao acrdo do STF); em obiter dictum, o REsp1.303.748, 6. T., j. 25.06.2012, rel. Min. Sebastio Reis Jnior, citado por Greco, Rogrio. CdigoPenal comentado. 7. ed. Niteri: Impetus, 2013. p. 950, art. 312.

    50 Utilizado j por Hungria, Nlson. Op. cit. na nota 15, n. 156, p. 402, , e encontradio em toda parte(Mirabete, Julio Fabbrini; Fabbrini, Renato N. Op. cit. na nota 34, n. 327.1, p. 1846; Greco, Rogrio.Op. cit. na nota 49, p. 1000, art. 327; Pierangeli, Jos Henrique. Op. cit. na nota 17, n. 48.1, p. 800;Fragoso, Heleno Cludio. Op. cit. na nota 9, n. 1051, p. 385; Bitencourt, Cezar Roberto. Op. cit. nanota 14, p. 153; Prado, Luiz Regis. Op. cit. na nota 18, p. 655; Casolato, Roberto Wagner Battochio.Op. cit. na nota 23, p. 419).51 V. nota 30.

    52 Tema subjacente ao verbete n. 714 da jurisprudncia do STF: " concorrente a legitimidade doofendido, mediante queixa, e do Ministrio Pblico, condicionada representao do ofendido, para

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  • a ao penal por crime contra a honra de servidor pblico em razo do Exerccio de suas funes".Sobre esse enunciado, vejam-se as interessantes consideraes de Oliveira, Eugnio Pacelli de.Curso de processo penal. 13. ed. So Paulo: Atlas, 2010. n. 5.6.4, p. 138.

    53 RHC 3.900, 6. T., j. 12.09.1994, rel. Min. Luiz Vicente Cernicchiaro. Registre-se a divergncia doMin. Adhemar Maciel, que considerava funcionrio pblico o advogado dativo.

    54 Art. 5.o, LXXIV, da CF/1988.

    55 Em razo da impossibilidade de se julgar algum sem que lhe seja assegurada defesa tcnica:art. 263 do CPP; art. 8.o, 2, e, da Conveno Americana sobre Direitos Humanos (Pacto de SoJos da Costa Rica), (integrado ao Direito brasileiro pelo Dec. 678/1992).56 Observe-se que esse interesse se deduz, no caso concreto, da necessidade da presena de umadvogado para que o processo possa prosseguir legitimamente e no seja unilateralmenteparalisado pelo ru, e no da afirmao geral de que "o advogado indispensvel administraoda justia" (art. 133 da CF/1988). O texto no pretende sugerir que todo advogado funcionriopblico, mas apenas que o advogado dativo no processo criminal age "no interesse da justia". Poroutro lado, evidente que a atuao do perito oficial se distingue da do advogado dativo na oprimeiro no vincula a nenhuma das partes, ao passo que ltimo, uma vez nomeado pelo juiz,assume um compromisso com a parte que defende. No entanto, duvidamos que essa diferena sejarelevante para a aplicao do art. 327 do CP. Em tom questionador do "interesse pblico" da atuaodo perito judicial - ao menos quando comparado com outros agentes que, no entanto, no vemsendo considerados funcionrios pblicos - Feliciano, Guilherme Guimares. Op. cit. na nota 22, p.295.

    57 A Lei de Falncias vigente (Lei. 11.101/2005) substituiu o sndico da falncia e o comissrio daconcordata (hoje, recuperao judicial) da lei anterior pelo administrador judicial.58 Ao que nos consta, a nica voz contrria era a do comercialista Rubens Requio (Curso de direitofalimentar. 15. ed. So Paulo: Saraiva, 1993. n. 194, p. 214). O STJ, julgando o HC 2.904 (6. T., j.29.11.1994, rel. Min. Adhemar Maciel), nada disse sobre a imputao de corrupo passiva aocomissrio de concordata (v. nota 57); ainda que esse no fosse o mote da impetrao, cremos queo STJ deveria ter concedido ordem de habeas corpus de ofcio (art. 654, S 2.o, do CPP) casoentendesse que o comissrio no funcionrio pblico.

    59 Op. cit. na nota 15, n. 156, p. 403.

    60 RHC 8.954, 6. T., j. 07.11.2000, rel. Min. Hamilton Carvalhido. Em sentido semelhante, mas commenos nfase no convnio, STJ, RHC 17.321, 5. T., j. 28.06.2005, rel. Min. Felix Fischer.61 V., entre outras passagens: "mnus pblico" nos votos dos Min. Fux (p. 1523 e 1530) e CrmenLcia (p. 1822, citando Rui Stoco); "mnus constitucional" no voto do Min. Barbosa (p. 3687); "mnusparlamentar" no voto do Min. Gilmar Mendes (p. 8196).62 A jurisprudncia fornece outros exemplos bastante discutveis de pessoas que exerceriam funopblica, como o vigilante noturno privado - sob o fragilssimo pretexto de que a atividade "supervisionada e diretamente controlada pela Polcia do Estado" (RT 370/188, citada em Mirabete,Julio Fabbrini; Fabbrini, Renato N. Op. cit. na nota 34, n. 327.1, p. 1847).63 Em precedente anterior mudana de redao do S 1.o do art. 327 pela Lei 9.983/2000, o STJdecidiu que o empregado de agncia franqueada dos Correios no era funcionrio pblico (CComp27.074, 3. Seo, j. 14.06.2000, rel. Min. Felix Fischer).64 RHC 8.267, 6. T., j. 27.04.1999, rel. Min. Vicente Leal.65 RHC 8.174, 5. T., j. 18.02.1999, rel. Min. Edson Vidigal; RHC 7.966 e 8.271, 5. T., j. 18.05.1999,rel. Min. Gilson Dipp. Posteriores mudana legal, mas relativas a casos anteriores: REsp 466.357(5. T., rel. Min. Gilson Dipp, j. 28.09.2004) e 714.236 (5. T., j. 19.05.2005, rel. Min. Felix Fischer).

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  • 66 REsp 331.055, 6. T., j. 26.06.2003, rel. Min. Paulo Medida.67 Em sentido prximo ao texto, o STF reconheceu que, antes da modificao do S 1.o do art. 327do CP, o mdico conveniado ao SUS no era funcionrio pblico: "a equiparao a servidor pblicode quem trabalha para empresa prestadora de servio contratada ou conveniada para a execuo deatividade tpica da Administrao Pblica somente ocorreu com a vigncia da Lei 9.983/2000, sendodescabido entender-se implcita a abrangncia do preceito, considerada a redao primitiva, no quealcanados os servidores pblicos e os exercentes de cargo, emprego ou funo em entidadeparaestatal" (HC 83.830, 1. T., j. 09.03.2004, rel. Min. Marco Aurlio). No mesmo sentido, o HC87.227, 2. T., j. 21.03.2006, rel. Min. Ellen Gracie. Na doutrina, veja-se Bitencourt, Cezar Roberto.Op. cit. na nota 14, p. 154. No entanto, o TRF-2. Reg. decidiu expressamente que as modificaesintroduzidas no art. 327 do CP pela Lei 9.983/2000 eram "meramente interpretativas" e de eficcia extunc (RSE 199951107591163, j. 26.10.2005, publicado na JSTJ 197/464 e citado em Mirabete, JulioFabbrini; Fabbrini, Renato N. Op. cit. na nota 34, item 327.2, p. 1850). Outros precedentes soindicados em Greco, Rogrio. Op. cit. na nota 49, p. 1002.

    68 Apreciando o problema da competncia para processar e julgar o feito, o STJ consideroufuncionrios pblicos federais os fiscais ambientais credenciados pelo Ibama (HC 47.364, 6. T., j.04.04.2006, rel. Min. Hlio Quaglia Barbosa).69 Deixamos de fornecer maiores detalhes do caso porque a apelao nele interposta ainda no foijulgada.70 Naturalmente, pode-se discutir se o Cdigo Penal, ao falar de empresa, tem em vista apenas associedades empresrias, tal como conceituadas na lei civil (art. 981 e ss. do CC/2002), ou abrangeoutras figuras, como as associaes e fundaes em geral, definidas no Cdigo Civil, ou asOrganizaes Sociais (OS) e Organizaes da Sociedade Civil de Interesse Pblico (Oscip), regidaspelas Leis 9.637/1998 e 9.790/1999, respectivamente.

    71 V., por exemplo, Delmanto, Celso et al. Op. cit. na nota 21, p. 931, art. 327. Em sentido contrrio,Fragoso, Heleno Cludio. Op. cit. na nota 9, n. 1051, p. 386.

    72 No HC 79.823, j referido no texto. Anteriormente, no RE 107.813 (2. T., j. 14.03.1986, rel. Min.Francisco Rezek), o STF havia considerado "quando menos razovel" a orientao diferenciadora.73 Heleno Cludio Fragoso (que escreveu, conceda-se, antes da alterao do S 1.o do art. 327 pelaLei 9.983/2000) supunha que "o Cdigo Penal, afastando as controvrsias, determinou comsegurana o que se deve entender, para os fins do direito penal, por funcionrio pblico" (op. cit. nanota 9, n. 1051, p. 384). Veja-se, porm, a nota 23.74 "A maior das astcias do Diabo persuadir-vos de que no existe" (Baudelaire, Charles.Pequenos poemas em prosa: XXIX - O jogador generoso. Trad. Aurlio Buarque de HolandaFerreira, em Charles Baudelaire: poesia e prosa, Rio de Janeiro: Nova Aguilar, 1995. p. 315).75 De toda forma, a reviso desse rol de pessoas que exercem mnus pblico, fornecido por NlsonHungria (v. nota 85 adiante), dificultada em razo do previsto no art. 168, S 1.o, II, do CP. Essedispositivo manda aumentar as penas da apropriao indbita cometida pelo tutor, curador, sndico,liquidatrio, inventariante, testamenteiro ou depositrio judicial, o que sugere fortemente que essessujeitos no cometem peculato - certamente o crime mais relevante a lhes ser imputado comofuncionrios pblicos, e que recebe tratamento muito mais severo do que a apropriao indbitaagravada. A escolha entre (1) considerar todos esses sujeitos (ou a alguns deles) funcionriospblicos com tratamento privilegiado no peculato, (2) exclu-los da prpria noo de funcionriopblico, deixando-os margem da punio da corrupo passiva, ou (3) buscar-se alguma outrasoluo - tal escolha escapa ao modesto mbito deste trabalho.

    76 STF, RHC 64.142, 2. T., j. 02.09.1986, rel. Min. Clio Borja.77 Cf. nota 52.

    78 Cf. verbete n. 254 da smula de jurisprudncia dominante do extinto TFR: "Compete Justia

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  • Federal processar e julgar os delitos praticados por funcionrio pblico federal, no exerccio de suasfunes e com estas relacionados".

    79 Nota 68.

    80 Verbete n. 330 da smula de jurisprudncia do STJ: " desnecessria a resposta preliminar deque trata o art. 514 do CPP, na ao penal instruda por inqurito policial". Deve-se observar que oSTF desautorizou tal entendimento ao julgar o HC 85.779 (j. 28.02.2007, rel. Min. Crmen Lcia).81 STF, HC 95.542, 1. T., j. 09.12.2008, rel. Min. Ricardo Lewandowski; STJ, HC 164.643, 5. T., j.25.09.2012, rel. Min. Laurita Vaz, ambos com indicaes de precedentes.

    82 notrio que, aps o vencimento, esses boletos geralmente no podem ser pagos em qualquerbanco, mas apenas naquele que o emitiu.

    83 V. nota 21 acima.

    84 Referncias em Mirabete, Julio Fabbrini; Fabbrini, Renato N. Op. cit. na nota 34, n. 312.1, p. 1769e 1770.

    85 Alguns (poucos) autores alertam para o fato de que os crimes citados referem apenas a cargo,mas acabam interpretando o termo em sentido ampliativo, abrangente de todas as formas deocupao de funo pblica. Guilherme Guimares Feliciano, por exemplo, considera que "seriaimpensvel, por exemplo, imaginar-se que o agente pblico exercente de funo, mas sem cargo,no pudesse cometer o delito de peculato" (op. cit. na nota 22, p. 302). Para uma anlise doproblema em relao ao art. 325 do CP, vejam-se Rui Stoco e Tatiana de O. Stoco, em Franco,Alberto; Stoco, Rui (orgs.). Op. cit. na nota 20, p. 1504-1505, art. 323; Bitencourt, Cezar Roberto. Op.cit. na nota 14, p. 132. O tema tambm mencionado por Nlson Hungria (op. cit. na nota 15, n. 135,p. 340), mas o tratamento dispensado ao problema decepcionante: aps salientar que a lei alude acargo e no ao exerccio de funo pblica, lembra que cargo no se confunde com mnus e excluido conceito de cargo aquelas mesmas pessoas identificadas como exercentes de simples mnus:tutor, curador, sndico, liquidatrio, inventariante, testamenteiro, depositrio (algumas delas sorepetidas nos comentrios ao art. 327 - v. nota 50 adiante). No entanto, se o mnus exterior aoconceito amplo de funcionrio pblico, obviamente o ser tambm especfica modalidade"ocupante de cargo". Com isso, a questo, to logo denunciada, varrida para debaixo do tapete.

    86 Nota 14.

    87 A identidade j existia na redao original do Cdigo e foi mantid


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