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Boltanski - A Moral Da Rede

Date post: 28-Oct-2015
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FORUM SOCIOLOGICO, n."' 5/6 (2.' Serie), pp. 13-35. A MORAL DA REDE? CRfTICAS E JUSTIFICA<;6ES NAS RECENTES EVOLU<;6ES DO CAPITALISMO Lue Boltanski* Urn dos principais objectivos do trabalho que temos vindo a desenvolver, nos ultimos quinze an os no ambito do Grupo de sociologia polftica e moral 1 e reins- crever a questao da moral no seio da sociologia. Pensamos, efectivamente, que subjacente a uma serie de falsas oposi<;:6es e de conflitos superficiais (como por exem- plo entre economia e sociologia ou ainda entre abordagens "holistas" e "individua- listas, etc ... ) se encontra urn problema central dentro das Ciencias Sociais que e 0 da rela<;:ao entre, por urn lado, as constru<;:oes que afastam do seu sistema de inter- preta<;:ao os motivos morais invocados pelas pessoas e, por outro lado, as constru- <;:oes que, pelo contrario, os tomam em considera<;:ao e tentam incorpora-los nas analises que propoem, tendo em conta a maneira como as pessoas se justificam face as outras (e tambem, muitas vezes, face a si proprias) ou, ao inves, se dedicam a crftica. 1. Que fazer dos motivos morais? A revela<;:ao de uma necessidade que poderia escapar a consciencia e mesmo a ac<;:ao voluntaria das pessoas, que se faria mais ou menos de acordo com as suas proprias leis, e que seria, como tal, orientada para uma finalidade sem que esta seja patente, e algo muito tentador para as Ciencias Sociais, porque da a impressao de seguir 0 caminho da unifica<;:iio das Ciencias Sociais e das ditas Ciencias da Nature- za. Mas, nao e a propria natureza por vezes compreendida - como se pode distin- tamente ver na actual discussao do construtivismo - como sendo, precisamente, 0 conjunto ao qual pertencem os seres que sao indiferentes a maneira como os seres humanos os concebem, indiferentes as suas ideias, aos seus ideais, aos seus valores, aos seus prindpios de dassifica<;:ao, etc. 2 ... Se a sociedade obedece a leis, se tern como base estruturas, se e movida por for<;:as susceptiveis de estarem em confronto, em * Ecole des Hautes Etudes en Sciences' Sociales, Paris.
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FORUM SOCIOLOGICO, n."' 5/6 (2.' Serie), pp. 13-35.

A MORAL DA REDE? CRfTICAS E JUSTIFICA<;6ES NAS RECENTES EVOLU<;6ES DO CAPITALISMO

Lue Boltanski*

Urn dos principais objectivos do trabalho que temos vindo a desenvolver, nos ultimos quinze an os no ambito do Grupo de sociologia polftica e moral 1 e reins­crever a questao da moral no seio da sociologia. Pensamos, efectivamente, que subjacente a uma serie de falsas oposi<;:6es e de conflitos superficiais (como por exem­plo entre economia e sociologia ou ainda entre abordagens "holistas" e "individua­listas, etc ... ) se encontra urn problema central dentro das Ciencias Sociais que e 0

da rela<;:ao entre, por urn lado, as constru<;:oes que afastam do seu sistema de inter­preta<;:ao os motivos morais invocados pelas pessoas e, por outro lado, as constru­<;:oes que, pelo contrario, os tomam em considera<;:ao e tentam incorpora-los nas analises que propoem, tendo em conta a maneira como as pessoas se justificam face as outras (e tambem, muitas vezes, face a si proprias) ou, ao inves, se dedicam a crftica.

1. Que fazer dos motivos morais?

A revela<;:ao de uma necessidade que poderia escapar a consciencia e mesmo a ac<;:ao voluntaria das pessoas, que se faria mais ou menos de acordo com as suas proprias leis, e que seria, como tal, orientada para uma finalidade sem que esta seja patente, e algo muito tentador para as Ciencias Sociais, porque da a impressao de seguir 0 caminho da unifica<;:iio das Ciencias Sociais e das ditas Ciencias da Nature­za. Mas, nao e a propria natureza por vezes compreendida - como se pode distin­tamente ver na actual discussao do construtivismo - como sendo, precisamente, 0

conjunto ao qual pertencem os seres que sao indiferentes a maneira como os seres humanos os concebem, indiferentes as suas ideias, aos seus ideais, aos seus valores, aos seus prindpios de dassifica<;:ao, etc. 2 ... Se a sociedade obedece a leis, se tern como base estruturas, se e movida por for<;:as susceptiveis de estarem em confronto, em

* Ecole des Hautes Etudes en Sciences' Sociales, Paris.

14 Luc Boltanski

"rela<;:6es de for<;:a" (termo que e, alias bastante problematico, tendo em conta que, para falar de rela<;:ao, ha que supor alguem capaz de por em rela<;:ao, de fazer uma aproxima<;:ao), entao, nada de fundamental distingue as Ciencias Sociais das Cienci­as da Natureza, e as primeiras podem ser concebidas como tao ciendficas quanto as segundas e pretender os mesmos privilegios.

No fundo, pouco importa que tal necessidade seja estabelecida por urn jogo de entidades ou de estruturas supra-individuais, ou resulte de urn processo cego de agrega<;:ao. Como ja foi inumeras vezes constatado, uma concep<;:ao hegelian a da historia e absolutamente compadvel com 0 modelo da mao invisivel que teve, alias, urn papel na sua elabora<;:ao que nao se pode esquecer3.

No entanto, mantem-se diferen<;:as acerca da instancia sobre a qual se baseia a exigencia de necessidade e, correlativamente, quanto ao destino a dar ao tempo. Enquanto as abordagens estruturais tomam facilmente a forma paradoxal de uma historia sem acontecimentos, sendo a necessidade realizada pelo desdobramento das estruturas ao longo do tempo, as abordagens que partem de comportamentos indi­viduais agregados de maneira quase instantanea (ou, pelo menos, nao temporizada), sao estabilizadas por uma antropologia subjacente, que faz do interesse 0 motivo das ac<;:6es individuais, cuja composi<;:ao realizara a ordem necessaria.

As abordagens que acabamos de descrever de uma forma generalizada seriam perfeitamente satisfatorias se nao entrassem em confronto com a questao posta pela existencia dos motivos morais que as pessoas invocam para justificar as suas ac<;:6es ou criticar as dos outros. Tendo as ciencias do homem como objecto seres humanos de carne e osso, torna-se bastante complicado nao ter em considera<;:ao esses moti­vos. Mas entao, que fazer deles?

As sociologias que se preocupam principalmente com 0 alargamento de uma necessidade subjacente sao obrigadas a fazer uma antropologia dissociada. Quando procuram explicar as ac<;:6es individuais (0 que nao acontece sempre), fazem-no re­correndo a urn modelo disposicional da ac<;:ao: as pessoas agem de uma forma ne­cessaria (e, portanto, previsivel) porque interiorizaram modelos de comportamento (disposi<;:6es) que, enraizando-se na sua perten<;:a as estruturas, podem, por sua vez reproduzir. E assim seguidamente.

Mas, 0 que acontece, num esquema deste genero, aos motivos morais, aos ideais que as pessoas dizem professar? (Nesta concep<;:ao, as pessoas nao sao mais que os agentes ou portadores da estrutura.) Apresentam-se duas possibilidades igualmente pouco satisfatorias. De acordo com a primeira, estes motivos morais sao apenas a transfigura<;:ao de interesses estruturais faceis de desvendar. De acordo com a segun­da, a ac<;:ao (interessada) determinada pela perten<,;:a estrutural, nao se poderia reali­zar segundo os seus proprios fins a nao ser dissimulada por motivos de outra natureza, sem raizes na realidade. Nesta antropologia da ac<,;:ao desdobrada, a mao direita ignora o que faz a esquerda. 0 real realiza-se na inconsciencia e a consciencia e ilusoria.

Urn esquema desta natureza, que apresentou 0 interesse de tomar possivel uma certa unifica<;:ao das Ciencias Sociais em tomo da no<,;:ao de inconsciente (0 incons-

A moral da rede? Crfticas e justificac;:6es nas recentes evoluc;:6cs do capitalismo 15

ciente da psicanalise, 0 caracter nao consciente das estruturas linguisticas, 0 perio­

do longo em historia, a genealogia, sem falar da mao invisivel que realiza 0 que

ninguem quis), em bate todavia numa questao nao resolvida (e, sem duvida irresoluvel com os meios oferecidos por este esquema), que e a questao do papel desempenha­

do na vida social por esta enorme massa de criticas e justificas:6es, de referencia a ideais e a moral, que uma observa<;:ao, mesmo superficial, nao deixara jamais de notar. Entao, porque tanto esfor<;:o para criticar e justificar se, em ultima analise, for<;:as inconscientes fazem esse trabalho?

Contra as tentativas de reduc;:ao das justificac;:6es fornecidas pelos acto res a ideologias que dissimulam interesses e rela<;:6es de for<;:a, tomamos 0 partido de le­var a serio as exigencias normativas que as pessoas se fazem a si pr6prias, as suas justificac;:6es. Tal decisao supunha romper com urn determinado numero de pressu­

postos da sociologia critica, muito activa em Franc;:a nos anos de 1970, mas nao acarretava necessariamente da nossa parte 0 esquecimento ou a rejeic;:ao da critica. Pelo contrario, colodmos a crftica no centro das nossas indagac;:6es, mas conside­

rando que a critica, longe de ser apanagio do intelectual ou do soci610go ilumina­do, e uma pratica corrente das pessoas ditas "vulgares". Consideramos entao que a actividade critica das pes so as constituia urn dos objectos privilegiados da sociologia. Substituimos 0 programa de sociologia critica pe!o projecto de constituir uma soci­ologia da critica.

Quando se estuda a actividade critica desenvolvida na vida quotidiana, cons­

tata-se que a critica, tal como a justifica<;:ao, necessita de pontos de apoio robustos. o objecto privilegiado das nossas investiga<;:6es e, desde entao, constitufdo por se­

quencias de criticas e de justificac;:6es tais como podem ser observadas no decorrer

de disputas em situas:6es concretas. Na au sen cia de critka, a justifica<;:ao e inutil. A justifica<;:ao e uma resposta a critica. Mas e tam bern na medida em que a justifica<;:ao pode parecer insuficiente que existe a possibilidade de uma renova<;:ao da crftica.

2. "Cites" e regimes de justificac;ao

Em De fa justification, publicado em 1991 4 (em colabora<;:ao com Laurent Thevenot), acentuamos a necessidade de ter como apoio regimes de justifica<;:io ligados a prindpios cuja validade intrinseca seja reconhecida em situa<;:6es onde 0 julgamento

e, real ou virtualmente, submetido a uma critica em situac;:ao publica (por exemplo, no

decorrer de uma reuniao de empresa que reuna sindicalistas e gestores). Tais julgamen­tos podem ser concebidos como legitimos e to mar possive! urn acordo entre diferentes

pessoas, porque os referidos julgamentos sao considerados como nao dependentes das propriedades daque!es que os exprimem e, particularmente, do seu poder. Tendo estes

regimes uma validade generalizada sao susceptiveis de servir de apoio tanto aos argu­mentos enunciados de modo critico, como as justifica<;:6es desenvolvidas pelas pessoas que foram postas em causa ao responder a essas criticas.

Carina
Highlight
Carina
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16 Luc Boltanski

Recusando a habitual oposic,:ao entre uma sociologia do consenso e uma soci­ologia crftica, pensamos que estas ordens legftimas sustentam tanto 0 acordo como a crftica. Nos designamo-Ias por Cites tendo como referencia as filosofias classicas que atribuem como objecto a possibilidade de esboc,:ar uma ordem legftima que repousa sobre urn prindpio de justic,:a. Mas, em divergencia com essas filosofias poHticas, que procuram habitualmente fuzer assentar a ordem social num prindpio unico - 0 que e utopico -, consideramos que, nas sociedades modernas complexas, coexistem varios sistemas de justificac,:ao num mesmo espac,:o social, sendo sempre mais ou menos pertinentes de acordo com as caracterfsticas da situac,:ao em que sao invocados (isto e, mais concretamente, de acordo com a natureza dos objectos ma­teriais ou simbolicos inclufdos na situac,:ao).

Enfim, por oposic,:ao a "viragem lingufstica" e para escapar ao idealismo de uma construc,:ao que apenas conheceria os argumentos utilizados verbalmente, considera­mos que as pretensoes das pessoas devem ser confrontadas com a realidade segundo procedimentos mais ou menos estandardizados aos quais damos 0 nome de provas. Esta e a razao pela qual, a cada regime de justificac,:ao, estao associados repertorios de objectos pertinentes na ordem considerada, em que a sua junc,:ao esboc,:a os contornos de urn mundo. A presenc,:a destes objectos nas situac,:oes consideradas e a sua activa­c,:ao pelas pessoas empenhadas permite 0 agenciamento ordenado das provas. E fi­nalmente 0 resultado dessas provas que confere ao julgamento a sua forc,:a e torna diffcil po-Io em causa.

Identificamos seis regimes de justificac,:ao (seis cites): a cite inspirada, a cite domestica, a cite do renome, a cite dvica, a cite mercantil e a cite industrial. A iden­tificac,:ao e a modelac,:ao destas cites foram realizadas confrontando-se as filosofias poHticas cIassicas, em que cada urn destes prindpios era apresentado sob uma for­ma paradigmatica (por exemplo, para a cite domestica foi utilizada A polltica ... de Bossuet5) em exemplificac,:oes contemporaneas extrafdas de guias destinadas a em­presas e de enunciados recolhidos no decurso do trabalho de campo.

Na cite inspirada, a grandeza e a do santo que atinge urn estado de grac,:a ou a do artista que recebe inspirac,:ao. Revela-se no corpo puro, preparado pelo ascetismo, cujas manifestac,:oes (santidade, criatividade, sentido artfstico, autenticidade ... ) cons­tituem a forma privilegiada de expressao.

Na cite domestica, a grandeza das pessoas depende da sua posic,:ao hierarquica numa cadeia de dependencias pessoais. Numa formula de subordinac,:ao estabelecida segundo urn modelo domestico, 0 lac,:o poHtico entre os seres e concebido como uma generalizac,:ao do lac,:o da gerac,:ao conjugando a tradic,:ao e a proximidade. 0 "gran­de" e 0 mais velho, 0 antepassado, 0 pai, aquele a quem se deve respeito e fidelida­de e quem concede protecc,:ao e apoio.

Na cite do renome, a grandeza depende exclusivamente da opiniao dos outros, isto e, do numero de pessoas que concedem 0 seu valor e estima.

o "grande" da cite dvica e 0 representante de urn colectivo que exprime a von­tade geral.

I A moral da rede? Criticas e justificac;:6es nas recentes evoluC;:6es do capitalismo 17

Na cite mercantil, 0 "grande" e aquele que enriquece apresentando mercadori­as muito cobis:a.das num mercado concorrencial, nao desperdis:ando ali as oportuni­dades.

E, por ultimo, na cite industrial, a grandeza baseia-se na eficicia e determina uma escala de capacidades profissionais.

Cada urn destes regimes de justificas:ao assenta num principio diferente de avaliac;:ao que, ao encarar os seres sob uma determinada relac;:ao (excluindo outros tipos de qualificac;:ao), permite estabelecer entre eles uma dada ordem. Este princi­pio e designado princlpio de equivalencia, porque sup6e a referencia a uma forma de equivalencia geral (segundo urn padrao de medida) sem a qual a aproximac;:ao dos seres seria impossivel. Podemos entao dizer: sob uma tal relas:ao (por exemplo a efi­cicia numa cite industrial) as pessoas postas a prova revelaram-se como tendo mais ou menos valor. Chamamos grandeza ao valor atribuldo as pessoas dentro de deter­minada relac;:ao, quando tal atribuic;:ao resulta de urn procedimento legltimo.

Urn regime de justificac;:ao, para fomecer ao julgamento urn fundamento legitimo, deve ser construido de forma a tomar compadveis duas exigencias contraditorias. A primeira e a exigencia de humanidtule comum: consiste em reconhecer uma igual digni­dade a todos os seres humanos. A segunda e uma exigencia de ordenamento (hierarquizac;:ao): consiste em ordenar os seres humanos segundo 0 seu grau de grande­za. Sem desenvolver completamente 0 modelo, indicamos apenas dois constrangimen­tos que permitem reduzir a tensao entre estas exigencias contraditorias.

o primeiro constrangimento existe porque 0 estado de grandeza nao deve es­tar ligado de uma vez para sempre as pessoas que podem, sob determinadas condi­c;:6es, requerer que lhes seja permitido confrontar de novo uma prova que lhes foi desfavodvel (e a razao pela qual as formas de hierarquizac;:ao que se apoiam sob urn substrato de caracter biologico, racistas ou eugenistas, nao podem ser consideradas como legitimas). 0 segundo constrangimento existe porque 0 nlvel de satisfac;:ao que desfrutam aqueles que foram reconhecidos os maio res beneficia a todos, isto e, tam­bern beneficia os mais pequenos. A grandeza dos gran des so e legltima se estiver ao servic;:o do bern comum.

Estes regimes desenvolvem-se segundo uma gramatica sumaria que especifica, nomeadamente: a) 0 princlpio de equivalencia, segundo 0 qual sao julgados os actos, as coisas e as pessoas no interior de uma determinada cite; b) 0 estado de grande, 0

grande sendo aquele que encarna intensamente os valores da cite assim como 0 esta­

do de pequeno definido por defeito em relac;:ao a qualidade de grande; c) a definic;:ao daquilo que e considerado em cada urn dos mundos baseia-se, entre outras coisas, em categorias de coisas (0 repertorio de objectos e os dispositivos), em categorias de seres humanos (0 repertorio dos sujeitos) e em verbos (relafoes naturais entre os seres), designando modos de relacionamento proprios segundo uma dada grandeza; d) a relac;:ao de grandeza precisa a natureza das relac;:6es entre grandes e pequenos, preci­sando particularmente a forma como os grandes, ao contribuir para 0 bern comum, sao uteis aos pequenos; e) a formula de investimento e uma condis:ao superior de

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equilibrio da cite, visto que associa 0 sacrificio ao acesso ao estado de grande, fazen­do com que haja urn equilibrio entre os proveitos e os cargos de responsabilidadej f) a prova modelo design a, em cada urn dos regimes de justifica<;:ao, 0 tipo de prova

mais indicada para revelar a grandeza das pessoaSj g) por outro lado, a gramatica deve especificar a capacidade, presente em todos os homens, que tome possivel a sua elevac;:ao a estados superiores (a dignidade das pessoas)j h) finalmente, a figura

harmoniosa da ordem natural mostra os ideais-tipo correspondente a urn mundo no qual os estados de grandeza sao distribuidos de forma equitativa.

Cada uma das cites anteriormente descritas sumariamente pode servir tanto de apoio as justificac;:oes como as criticas. Neste contexto a critica consiste em denunciar 0

agenciamento de uma situac;:ao mais ou menos coerente dentro da logica de uma cite em nome de argumentos pertinentes na 16gica de uma outra cite. Denunciar a estandardizac;:ao {cite industria~ enquanto tal, por exemplo, nao permite a expressao da criatividade (cite da inspiratiio). 0 enquadramento regula tambem a possibilidade de compromisso entre regimes de justificatiio diferentes, em que a inscric;:ao nos dispositivos faz aumentar a estabilidade. Assim, podemos descrever 0 direito de trabalho frances como urn compromisso entre uma 16gica industrial e uma logica dvica.

o quadro de analise cujas grandes linhas acabo agora de recordar foi utilizado em muitas investigac;:oes empiricas, em particular na analise de situac;:oes de disputa nas quais 0 desacordo tinha por objecto a avalia90 de pessoas. Deste modo estuda­mos comissoes de professores destin ados a avaliar os alunos, os processos de selecc;:ao para admissao nas empresas, casos de erros profissionais, conselhos municipais que tinham de atribuir recurs os a departamentos em concorrencia, os procedimentos relativos a atribuic;:ao de premios literarios, etc ...

3. Da estatica a dinamica

Os seis regimes de justificac;:ao que identificamos em De la justification nao sao apresentados como seres transcendentais que seriam inerentes a natureza humana na sua dimensao social, mas como seres hist6ricos que produzem compromissos variaveis de acordo com as sociedades politicas em que estao inseridos. Enquanto seres hist6ricos, os regimes de justificac;:ao sao tambem submetidos a mudanc;:a atra­yeS do tempo, segundo modalidades relativamente contingentes resultantes do en­contro de series causais independentes. Em De la justification, afirmamos claramente que estes regimes aparecem e desaparecem ao longo da hist6ria, mas sem fornecer grande exactidao. 0 modelo apresentado nesta obra tern caracterfsticas estaticas. Os regimes de justificac;:ao ligados a filosofias politicas de epocas muito distantes sao apresentados numa simultaneidade relativamente as suas aplicac;:oes contemporaneas.

o problema da historicidade dos pontos de apoio normativos e uma das questoes abordadas por Eve Chiapello, professora no HEC6, e por mim, numa obra recente, Le nouvel esprit du capitalisme7, que tern urn alcance mais geral. Voltamos es-

A moral da rede? Criticas e jllstifica<;:6es nas recentes evolll<;:6es do capitalismo 19

pecificamente ao modelo das cites, mas tendo desta Vel como objecto a forma como os regimes de justifica<;:ao se formam ou, ao inves, desaparecem. Por outras palavras, pro­

curamos desenvolver de uma forma dinamica 0 modelo estitico apresentado em De fa justification.

o livro apresenta uma compara<;:ao sistematica de do is corpus compostos de

extractos das principais obras de gestao publicados em frances (embora alguns deles sejam traduzidos do ingles), referentes a duas epocas diferentes: uma referente a

decada de 60 a outra referente a decada de 90. Ao todo, aproximadamente 150 textos, foram numerados e tratados atraves de uma nova logica de analise de discur­

S08. Le nouvel esprit du capitalisme tern por objecto as mudan<;:as globais que afecta­ram nos ultimos trinta anos aquilo que, seguindo Max Weber, designamos 0 esp/rito

do capitalismo. Mas hoje referirei desta obra volumosa apenas os aspectos que dizem

directamente respeito a mudanya das formas de justifica<;:ao. A compara<;:ao entre os discursos de gestao dos an os 60 e os dos anos 90 re­

vela mudan<;:as tao importantes que nao podem apenas ser descritas como resultado

da variayao do peso relativo dos diferentes regimes de justificayao ou de urn novo

arranjo dos principais compromissos que associam os diferentes regimes entre si. Pareceu-nos que nao podfamos apresenta-Ios sem mencionar 0 aparecimento de urn

novo regime de justificayao, de uma nova cite, a qual chamamos a cite por projecto.

A literatura de gestao contem uma forte dimensao crftica. Destinada a mudar os dispositivos de organizayao e a modificar as disposis:oes gerais dos acto res da

empresa e, particularmente, os quadros - 0 seu ethos socio-economico -, ela e muitas vezes construfda segundo uma retorica do antes e do agora: antes fazfamos assim para ter exito face a concorrencia, agora temos de fazer de outra forma. Assim, a

literatura de gestao dos anos 90 comporta muitas criticas as normas de gestao em vigor nos anos 60, e, muitas vezes, a primeira e construida por oposiyao a segunda, como por exemplo, quando opoe a antiga exigencia de planificas:ao uma exigencia de flexibilidade fazendo apelo ao uso da intuis:ao.

Mas a procura de novos caminhos de lucro nao e 0 unico objectivo da litera­tura de gestao. Ela tern tambem uma dimensao moral, no sentido em que acentua

as maneira de obter lucro compatfveis com uma exigencia de justiya, em primeiro lugar relativamente aos empregados da empresa, mas tambem, de urn modo mais geral, em relayaO ao bern comum. Assim, critica tambem; embora muitas vezes de forma implkita, os modos injustos e brutais de procurar 0 lucro pelo lucr~. A lite­

ratura de gestao tern assim uma dimensao ideologica na medida em que fornece aos acto res da empresa, nao apenas directivas para atingir os objectivos economicos, mas

tambem boas razoes que justificam 0 compromisso na procura do lucro. Faculta­lhes, assim, argumentos para responder as criticas de que poderao ser alvo. E por apresentar esta dimensao ideologica que a literatura de gestao constitui urn materi­

al adequado para documentar a descri<;:ao dos regimes de justificas:ao. Uma das tarefas da literatura de gestao que se desenvolveu na segunda meta­

de dos anos 80 enos anos 90 foi a de coordenar as mudan<;:as ocorridas nas empre-

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sas a partir de meados dos anos 70. Foi por isso que se esfon;:ou por recolher e reconfigurar multiplas mudans:as dfspares, locais, e muitas vezes, pelo menos a pri­meira vista, de fraca amplitude, com a finalidade de as organizar e de formular uma representa<;:ao coerente do mundo da produ<;:ao e da troca. E ao fazer uma ampla utilizas:ao da metafora da rede e ao importar vocabulario do paradigma reticular que a literatura de gestao conseguira finalmen~e atribuir urn sentido - quer dizer, dar urn significado geral e uma orientas:ao - ao mundo caotico resultante de multiplas movimenta<;:oes experimentadas nas empresas, para sair daquilo que descreverei da­qui a pouco como a crise de legitimidade do capitalismo que marca 0 final dos anos 60 e 0 inicio dos anos 70.

4. Urn novo regime de justificas:ao: a cite por projecto

A literatura de gestao dos anos 90 parece fazer referencia a urn novo tipo de grandeza, pertinente num novo regime de justificas:ao ao qual chamamos a cite por

projecto. E claro que os textos dos anos 90 estao longe de conter apenas a retorica do projecto. Encontramos neles a referencia - embora em graus muito diferentes -a outras logicas de acs:ao, como sejam, por exemplo, as logicas mercantis, industri­ais ou orientadas para a reputas:ao. Mas, de acordo com 0 metodo de ideal-tipo, esfors:;imo-nos por extrair dos textos de gestao mais recentes aquilo que neles assina­lava a sirtgularidade, sem insistir em tras:os mais familiares e sempre presentes, como por exemplo, todos aqueles que remetem para uma logica industrial.

o termo cite por projecto foi transposto de uma denominas:ao frequente na lite­ratura de gestao: a organizas:ao por projectos. Esta invoca uma empresa em que a propria estrutura e constitufda por uma multiplicidade de projectos que associa varias pessoas algumas das quais participam em diferentes projectos. A propria natureza deste tipo de projectos, que e a de apresentar urn inicio e urn fim, os projectos sucedem-se e substituem-se, recompondo, ao sabor das prioridades e das necessida­des, os grupos ou as equip as de trabalho. Por analogia, podemos falar de uma estru­tura social por projectos ou de uma organizas:ao geral da sociedade por projectos. A cite por projectos apresenta-se assim como uma sistema de constrangimentos que pesa num mundo em rede (urn mundo de conexoes) incitando em so criar ligas:oes e em estender ramificas:oes que respeitem as maximas de acs:ao justificavel referentes aos proprios projectos.

o termo que codifica as formas pelas quais se deve adequar a justis:a a urn mundo reticular nao podia contentar-se com 0 facto de fazer directamente referencia a rede. Com efeito, urn determinado numero de constrangimentos devem pesar no funci­onamento da rede para que esta possa ser qualificada de justa, no senti do em que as grandezas relativas atribufdas aos seres aparepm naquele contexto como fundadas e legftimas. A equidade na distribuis:ao das grandezas supoe, em funs:ao das contri­buis:oes e num determinado momento, urn fechamento da lista que diz respeito aos

A moral da rede? Crfricas e jusrificac;oes nas recenres evoluc;oes do capitalismo 21

seres humanos. Ora num mundo em rede nao e possivel qualquer fechamento. A rede alarga-se e modifica-se sem parar, apesar de nao existir qualquer principio su­

ficientemente pertinente para fazer parar num determinado momenta a lista da­queles entre os quais uma justic;:a equilibrada possa ser estabelecida. E esta a razao pela qual a rede nao pode constituir, por si so, 0 suporte de uma cite. No topico da rede, a propria noc;:ao de bern comum e problematica porque, a elevada indeterminac;:ao de pertencer ou nao a rede, faz com que ilao se saiba entre quem possa ser partilhado em «comum» urn bern e tambem, por isso mesmo, entre quem possa ser estabelecida uma justic;:a equilibrada. De facto, uma exigencia de justic;:a nao e capaz de transpor inteiramente un ida des conhecidas na base de uma metafo­ra espacial (de unidades representaveis), no interior das quais possa ser avaliada a pretensao de as pessoas acederem aos bens materiais ou simbolicos em func;:ao do seu valor relativo.

A noc;:ao de "projecto", no sentido em que a entendemos aqui, pode ser com­preendida como uma formac;:ao de compromissos entre exigencias que se apresen­tern a priori como antagonistas: as que resultam da representac;:ao em rede e as que sao inerentes ao designio de proporcionar uma constituic;:ao que lhes permita fazer julgamentos e regenerar ordens justificadas. Sobre 0 tecido sem costuras da rede, os projectos configuram de facto uma multiplicidade de mini-espac;:os de dlculo, no interior dos quais as ordens podem ser produzidas e justificadas. A cite por projecto faz assentar sobre a rede urn constrangimento para a sub meter a uma forma de jus­tic;:a que salvaguarde apesar disso 0 procedimento e valorize as qualidades do artifice das redes, 0 que nenhuma das cites ja estabelecidas estava habilitada ou em condi­c;:oes para 0 fazer.

Esta cite apoia-se na actividade do mediador que lanya as maos na formac;:ao das redes, de forma a dotar-Ihe de urn valor proprio, independentemente dos objectivos procurados e das propriedades fundamentais das entidades entre as quais mediac;:ao se realiza. Nesta perspectiva, a mediac;:ao e urn valor em si mesmo, ou melhor uma gran­deza especifica da qual qualquer actor se pode fazer valer quando «poe em relac;:ao», «estabelece lac;:os» e contribui por seu intermedio para «tecer as redes».

Mas, formular a hipotese de que assistimos a formac;:ao de uma nova cite para as quais as provas que importam estariam relacionadas com a produc;:ao de lac;:os nao significa, evidentemente, que 0 estabelecimento dessas redes constituiria uma novi­dade radical, como 0 sugerem, por vezes, os escritos que Ihes sao dedicadas. A nossa posic;:ao e diferente. A formac;:ao de redes, mais ou menos extensas, nao e mais uma realidade nova tal como nao era a actividade mercantil na epoca em que Adam Smith escreve A Riqueza das Na~iies. Mas tudo se passa como se tivessemos que esperar pelo ultimo terc;:o do seculo XX para que a actividade de mediador, a arte de tecer e de utilizar os mais variados e longinquos lac;:os, se encontre autonomizada, identificada e valorizada por ela propria, separada de outras formas de actividades que ate ai a encobriam. E este processo que nos parece constituir uma novidade digna de atenc;:ao.

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Retomando a gramatica da exposiyao das cites que evoquei ha bocado you ago­ra apresentar as grandes linhas deste novo regime de justificayao que parece estar actual mente para emergir.

1) Superior comum: Numa cite por projectos, 0 equivalente geral, relativamen­te ao qual se mede a grandeza das pessoas e das coisas, e a activida­de. Mas, em discrepancia com 0 que se verifica na cite industrial, onde a actividade se confunde com 0 trabalho e onde os activos sao, por excelen­cia os que tern urn trabalho assalariado, esta.vel e produtivo, a actividade, na cite por projectos, esra a cima das oposiy6es do trabalho e do nao-traba­lho, do estavel e do instavel, do assalariado e do nao-assalariado, do inte­resse e da benevolencia, do que e avaliavel em termos de produtividade e do que, nao sendo mensuravel, escapa a toda e qualquer avaliayao contabilistica. A actividade tern como finalidade gerar projectos ou integrar-se em pro­jectos iniciados por outros. Mas 0 projecto, que nao e uma instituiyao preestabelecida, nao tendo existencia no exterior do encontro, a actividade por excelencia consiste em inserir-se nas redes e em explora-las, para rom­per 0 seu isolamento e possibilitar encontros com pessoas ou estar proxi­mo de coisas de modo a produzir urn projecto. A actividade manifesta-se na multiplicidade de projectos de todas as ordens que podem ser acompa­nhados conjuntamente ou ser desenvolvidos sucessivamente, constituindo o projecto, nesta logica, um dispositivo transitorio. A vida e concebida como uma sucessao de projectos, tanto mais validos quanto maior for a diferenya existente entre elas. A qualificayao destes projectos segundo ca­tegorias pertinentes noutras cites (tais como familiares, afectivos, educati­vos, artfsticos, religiosos, politicos, caritativos ... ) e sobretudo a sua classificayao de acordo com a distinyao entre aquilo que releva do lazer e aquilo que tem relayao com 0 trabalho nao e, na logica desta citi, aquilo que importa reter, a nao ser de forma muito secundaria. 0 que importa e desenvolver uma actividade, quer dizer, nunca ter falta de projectos, falta de ideias, ter sempre algo em vista, em preparayao, com outras pessoas com vontade de fazer qualquer coisa que as leve a encontrar-se. Cada um sabe, no momento em que se empenha num projecto, que 0

empreendimento para 0 qual vai contribuir esta destinado a ter um tem­po de vida Jimitado e que ele nao apenas pode mas deve efectivamente terminar. A perspectiva de urn fim inevitavel e desejavel acompanha 0 em­penhamento sem afectar 0 entusiasmo. E justamente porque 0 projecto e uma forma transitoria que se ajusta a um mundo em rede: a sucessao de projcctos, ao multiplicar as conex6es e ao fazer proliferar as ligay6es, tem como efeito 0 alargamento das redes.

A moral da rede? Criticas e justifica<;6es nas recentes evolu<;6es do capitalismo 23

2) Rela\;oes naturais: N urn mundo conexionista, os seres tern como preocu­pa<;:ao natural 0 desejo de estar ligados uns aos outros, de entrar em liga­c,:oes, de criar lac,:os para nao estarem isolados. Para terem exito, devem confiar e dar confian<;:a, devem saber comunicar e tambem de ser capazes de se ajustar aos outros e as situac,:oes de acordo com 0 que estas exigem aqueles, sem serem travados pela timidez, a rigidez ou a desconfian<;:a.

3) Estado de «grande»: 0 «grande» da cite por projecto adapta-se com facili­dade e e flexlvel. Pode passar de uma determinada situa<;:ao para outra muito diferente e ajustar-se a ela. Ele e polivalente, capaz de mudar de activida­de ou de ferramenta. Por isso, e empregavel, isto e, no universo da empre­sa, e capaz de se inserir num novo projecto. 0 grande desta cite e tambem activo e autonomo. Sabe correr riscos para fazer novos contactos, ricos em possibilidades e descobrir as boas fontes de informa<;:ao afim de evit;r os la<;:os redundantes. 0 «grande» da cite por projecto nao e 0 homem em parte nenhuma. A vontade por todo 0 lado em que se encontra, tambem sabe ser local. De facto, nao tendo a rede uma representac,:ao de desvio, as ac­c,:oes encontram-se sempre encastradas na contingencia da situac,:ao presente. Sabe valorizar a sua presenc,:a nas relac,:oes pessoais face a face. 0 «grande» torna manifesto ( sem que isso possa ser considerado fruto de uma estra­tegia ou de urn dlculo) aquilo nao e redurlvel as propriedades estatutarias que 0 definem no seu currlculo. Em presenc,:a, e uma verdadeira pessoa, no sentido em que, longe de realizar mecanicamente 0 seu papel social, sabe guardar a distancia e fazer do afastamento em relac,:ao ao papel aquilo que 0 torna sedutor. Mas estas qualidades nao sao suficientes para definir 0 estado de «gran­de», porque elas podem ser accionadas de forma oportunista, numa estra­tegia puramente individual para atingir 0 sucesso. Mas 0 «grande», na logica da cite, e tambem aquele que poe as suas qualidades espedficas ao servic,:o do bern com urn. 0 «grande» da cite por projecto e, por conseguinte, aque­Ie que e capaz de fazer com que os outros se empenhem, porque inspira confianc,:a, porque a sua visao produz entusiasmo. Tern qualidades para animar uma equipa que nao dirige de forma autoritiria como chefe hie­rarquico, mas escutando os outros de forma tolerante e respeitando as diferenc,:as. A equipa confia nele na medida em que ele redistribui as co­nexoes que soube fazer ao explorar as suas redes. 0 chefe de projecto de­senvolve assim a empregabilidade dos seus colaboradores.

4) Repertorio dos sujeitos: Os seres exemplares da cite por projecto sao todos aqueles que tern urn papel activo na expansao e na animac,:ao das redes e que agem como mediadores, como strategic brokers. Sao os chefes de pro­jecto agora designados em Franc,:a com 0 termo de manager para os distin-

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guir dos antigos «quadros», desacreditados e desvalorizados. Sao os inova­do res, que tern como modelo os sabios e, sobretudo, os artistas. Tern como principal qualidade a intuic;ao e 0 faro (por oposic;ao ao antigo «quadro» calculador e planificador).

5) Repert6rio dos objectos: Num mundo em que a principal operac;ao e 0

estabelecimento de conex6es, e normal encontrar uma forte presenc;a das novas tecnologias informaticas de comunicac;ao. Os dispositivos que carac­terizam a empresa posmoderna, posfordiana, em rede, etc. sao tam bern frequentemente mencionados (especializac;ao flexfvel, externalizac;ao, um­dades autonomas, franchises, Tc ... ).

6) Estado de «pequeno»: Numa cite por projecto, 0 «pequeno» e aquele que nao sabe comprometer-se, porque nao sabe dar confianc;a, ou ainda aquele que nao sabe comunicar porque e fechado, porque tern ideias paradas ou e autoritario e intolerante. A rigidez, que e 0 contrario da flexibilidade, constitui, neste mundo, 0 principal defeito dos «pequenos». Tudo 0 que diminui a mobilidade e urn factor de rigidez, como por exemplo, a liga­c;ao a uma profissao ou 0 enraizamento a uma regiao. 0 «pequeno» nao explora as redes. Por isso, escl ameac;ado de exclusao, isto e, num universo reticular, de morte social.

7) A rela!;ao de grandeza: A relac;ao entre os «grandes» e os «pequenos» e justa quando em troca da confianc;a que os «pequenos» deposiiam nos «gran­des» e do seu zelo no empenho em projectos, os grandes valorizam os pequenos afim de aumentar a sua empregabilidade, isto e, a sua capacida­de, uma vez terminado 0 projecto, de se inserirem num outro projecto.

8) Formula de investimento: Numa cite por projecto, 0 acesso ao estado de «grande» sup6e 0 sacrifkio de tudo 0 que pode constituir urn entrave a disponibilidade. 0 «grande» renuncia a ter urn projecto que dure toda a vida (uma vocac;ao, uma profissao, urn casamento, etc ... ). Ele e m6vel. Nada deve impedir as suas movimentac;6es. E urn nomada. Os sacriffcios feitos tern como efeito aumentar a ligeireza dos seres, quer sejam pessoas ou empresas (lean production). A exigencia de ligeireza supoe a renuncia a estabilidade, ao enraizamento, a dedicac;ao as pessoas e as coisas. Em rela­c;ao a propriedade que 0 torna pesado, 0 homem da cite por projecto prefe­re outras formulas, tais como 0 aluguer que tambem the possibilita desfrutar dos objectos. Pelas mesmas raz6es, 0 «grande» desta cite recusa as respon­sabilidades institucionais, que sao urn entrave a mobilidade, porque pre­fere a autonomia a seguranc;a. 0 «grande» da cit! por projecto tam bern e ligeiro no sentido em que esta livre do peso das suas pr6prias paix6es e

A moral da rede? Crfticas e justificac;:6es nas recentes evoluc;:6es do capitalismo 25

valores. Nao existe nenhum «valor» ao qual esteja definitivamente ligado, a nao ser a tolerancia relativamente a todos os valores. 0 homem ligeiro ja so pode, entao, criar raizes em si proprio, a unica ins ran cia permanente num mundo complexo, incerto e move!. Mas cada urn so e ele proprio porque e os lac;:os que 0 constituem.

9) prova modelo: A prova modelo e a passagem de urn projecto a outro. Se e verdade que a prova por excelencia e a passagem de urn projecto para outro, 0 mundo e, na logica de uma cite por projecto, tanto mais justa e competitivo quanto mais os projectos forem curtos, numerosos e mutaveis.

10) Configurac;:ao harmoniosa: A forma natural do mundo e a rede. Ela im­p6e-se a todos os seres, quer sejam humanos ou nao-humanos, e tudo isto mesmo sem 0 conhecimento dos aetares.

Entramos no dispositivo interpretativo das gramaticas dos seis mundos indica­dos anteriormente (mundos da inspirac;:ao, domestico, da rep utac;:ao , civico, indus­trial e mercantil) como no da gramatica da cite por projecto. As gramaticas sao representadas, na sua forma informatizada, por agrupamentos ou categorias de pa­lavras associadas a urn mundo ou a outro. De seguida, e possivel comparar os dois corpus de gestao, 0 dos anos 60 e 0 dos anos 90 sob 0 aspecto da presenc;:a ou da ausencia das diferentes categorias. A presenc;:a de uma cite sera aqui medida pela soma de todas as ocorrencias num dado corpus, dos membros da categoria criada para a representar.

A logica industrial e dominante nas duas epocas, 0 que nao e surpreendente visto que os dois corpus tern por objecto a melhoria da organizac;:ao do trabalho. Mas esta proemineneia e quase absoluta nos anos 60, enquanto que nos anos 90 e mais relativa devido ao lugar ocupado pelos seres da cite por projecto. Por outro lado, nos anos 60, a segunda logica, por ordem de importancia, e a logica domestica. Nos anos 90 e a logica da rede que ocupa esta posic;:ao, 0 que contribuiria para verificar a hipotese de uma substituic;:ao, ou melhor, de uma absorc;:ao da logica domestica pela ordem conexionista.

Por fim, a manutenc;:ao da logica mercantil em terceiro lugar sugere que as mudanc;:as que afectaram 0 mundo do trabalho de hi trinta anos a esta parte se aparentam menos com uma subida do poder dos dispositivos mercantis do que de uma reorganizac;:ao que se auto-descreve numa logica de redes. Devemos por fim notar 0 apagamento do mundo civico nos anos 90 (cuja imporrancia nos anos 60 exprimia uma forte implicac;:ao do estado na economia ) e, por outro lado, urn forte aumento do mundo da inspirac;:ao nos anos 90, que pode ser relacionado com a importaneia dada a inovac;:ao, ao risco e as qualidades pessoais (como a intuic;:ao) dos acto res da empresa.

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A cite por projecto, tal como a acabei de esbo<;:ar, refere-se 60bretudo ao mun­do da empresa. Mas, se tomarmos em considera<;:ao trabalhos recentes sobre, por exemplo, as mudan<;:as actuais da representacrao da familia ou sobre sinopses de fil­mes de ficcrao apresentados na televisao, poderemos notar que e real mente uma re­presentacrao geral que se esta a impor num grande numero de areas. Diferentes indkios (demasiado longos para que possam ser aqui descritos em detalhe) sugerem que a med.fora da rede tende progressivamente a ser adoptada com uma nova re­presentacrao geral das sociedades. E assim que a problematica do lacro, da rela<;:ao, do encontro, da ruptura, da perda, do isolamento, da separacrao enquanto preludio da instaura<;:ao de novas liga<;:oes, da forma<;:ao de novos projectos, se encontra no centro das mudan<;:as da vida pessoal, amigavel e sobretudo familiar. Estes universos sao, por isso, tal como 0 mundo do trabalho, marcados por urn crescimento da ten sao entre a exigencia de autonomia e 0 desejo de segurancra.

5. A dinamica da mudanCfa normativa: categorizaCfao e deslocaCfoes

Uma grande parte de Le nouvel esprit du capitalisme e consagrada a analise historica dos processos que levaram a formac;ao desta representacrao em rede do mundo social. Sem retomar estas analises em detalhe, you tentar, para terminar, descrever as gran des linhas do projecto que Eve Chiapello e eu proprio elaboramos, para dar conta dessas mudanc;as. Este projecto tern como particularidade evidenciar as formas de mudan<;:a (urn pouco como 0 modelo elaborado por Kuhn para dar conta das revolu<;:oes ciendficas) sem procurar discernir uma orientac;ao final nem estabelecer as «leis da historia», fossem elas tendenciais. Do mesmo modo, nao pro­curamos determinar as causas da mudancra, considerada, como teria sido 0 caso se, por exemplo, nos tivessemos empenhado em explicar a reticularizacrao do mundo atraves do desenvolvimento dos instrumentos de comunica<;:ao, da expansao das fer­ramentas informaticas ou do aumento de trocas e da mundializacrao.

Darei, em primeiro lugar, algumas indicacroes gerais sobre a forma como con­cebemos a formacrao destes apoios normativos a que chamamos cites, depois, nos paragrafos seguintes, darei informa<;:ao precisa sobre a forma como podemos enten­der 0 estabelecimento da cite particular, que e a cite por projecto na sua relacrao com a dinamica capitalista e, particularmente, com os seus recentes desenvolvimentos.

A mudan~ dos regimes de justificac;ao parece ligada, de forma muito geral, a formac;ao de grupos de actores que tomam a iniciativa de se libertar dos entraves que se opoem a perpetuac;ao das vantagens de que beneficiam, ou a sua extensao, procurando novos caminhos de sucesso e de reconhecimento sem passar pelas provas de selecc;ao legitimas naquele momento. Tentam, entao, contornar as provas instituidas, experimen­tando desloca<;:oes ousadas, locais e muitas vezes de fraca amplitude.

Estas desloca<;:oes, quando bern sucedidas, tendem a modificar 0 sistema de provas, substituindo as anti gas provas, institufdas, visfveis, muitas vezes, regulamen-

A moral da rede? Cdticas e justificalfoes nas recentes evolulfoes do capitalismo 27

tadas pelo direito e muito expostas a crftica devido a sua visibilidade, por novas provas, pouco formalizadas e pouco reconhecidas. Estas deslocac;oes permitem por essa via au men tar 0 peso relativo das relafoes de forfa, por oposic;ao as formas de relac;oes reguladas e reconhecidas como legftimas.

Distinguimos efectivamente, do is regimes de provas: urn regime de pro vas de forfa e urn regime de provas legltimas. Qualquer prova supoe 0 empenho de forc;as. Mas, as provas sao consideradas legftimas quando a inscric;ao da forc;a esta submeti­da aos constrangimentos do modelo de cite e, particularmente, quando e especificada a natureza da prova que pode ser posta em acc;ao e quando 0 dispositivo da prova permite separar 0 recurso aos outros recursos de outras forc;as. A prova legitima e, portanto, em primeiro lugar, urn teste de alguma coisa: por exemplo, da capacida­de industrial, do oportunismo mercantil, do respeito dos deveres domesticos ou ainda - para dar 0 comodo exemplo dos testes de selecc;ao escolar - de latim, de sociolo­gia, etc. No caso da prova legftima a forc;a em acc;ao e julgada aceitavel quando foi objecto de urn trabalho de qualificac;ao e de categorizac;ao. Por oposic;ao, pode-se definir a prova de forc;a pelo facto que ela constitui uma prova na qual qualquer forc;a se pode comprometer sem ser especificada. Tudo e born quando assegura 0

sucesso. A estes dois tipos de provas correspondem a dois regimes diferentes de acc;ao.

- Chamamos ao primeiro regime de categorizafiio, porque a acc;ao afronta 0 jul­gamento num espac;o publico. 0 julgamento apoia-se ali em prindpios de equivalencia expHcitos, reconhecidos, e, muitas vezes, inscritos no direito. Este regime supoe entao a referencia a convenfoes dotadas de validade geral e de uma exterioridade (isto e, se se quiser de uma forma de transcendencia) que podem, como tal, ser encaradas independentemente das situac;oes onde elas sao executadas.

- Designamos 0 segundo com 0 termo regime de deslocafiio, porque a orienta­c;ao da acc;ao e das forc;as empenhadas na acc;ao se modificam ao sabor das circunstancias e das resistencias que encontram. A prova e, neste caso, uma prova de forfas. A deslocac;ao faz a economia do julgamento. Por oposic;ao a categorizac;ao passa-se da referencia as convenc;oes e nao se supoe nem a exterioridade nem a generalidade. A deslocac;ao e, por isso, sempre local, ocasional, circunstancial. Confunde-se facilmente com 0 acaso e contenta-se com uma reflexividade limitada. A deslocac;ao pode ser descrita tendo em conta urn unico plano. Como tal, escapa ao constrangimento da justificac;ao que supoe a referencia a urn segundo nivel, aquele em que se situa precisamente a convenc;ao de equivalencia, quando se passa para uma 16gica da categorizac;ao.

Vma nova cite tern oportunidades de se estabelecer quando duas condic;oes se encontram reunidas. Por urn lado, quando aqueles que realizam os referidos deslo­camentos vern 0 seu poder a consolidar-se, de tal forma que se sentem em posic;ao

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de reivindicar urn reconhecimento proprio e de se vangloriar de terem dado uma contribui<rao espedfica ao bern comum. Por outro lado, quando as desloca<r0es que operaram, assumidas ate al pelos outros como individuais, circunstanciais ou mar­ginais, come<ram a ser encaradas 'na sua eficacia de natureza geral. Sao, entao, a partida, confrontados com a crftica, que reconhece nos dispositivos originados das suas desloca<r0es como novas provas ainda nao identificadas como tais nem categorizadas.

Os actores a quem estas desloca<r0es foram favoraveis podem entao procurar elaborar para si proprios e fazer reconhecer pelos outros urn valor, uma grandeza, que definem a forma espedfica como eles influenciam 0 mundo e the confere uma dimensao moral autonoma, de modo a tornar justificavel as novas provas originadas das desloca<r0es que foram desenvolvidas. E so entao que se realiza 0 trabalho de teoriza<rao (dependente outrora da filosofia moral e poHtica e hoje, numa larga medida, dependente das ciencias sociais), tornando possfvel 0 alargamento da vali­dade das praticas e dos valores assim resgatados e de preparar 0 fundamento de uma nova forma de bern com urn.

Este trabalho de legitimas:ao defronta-se com 0 estabelecimento de normas (e, muitas vezes, com uma regulamenta<rao de tipo jurfdico) de forma a distinguir as maneiras moralmente aceitaveis e as maneiras imorais e abusivas (puramente egofs­tas) de utilizar os novos recursos. A cite aparece-nos, enrao, vista sobre este angulo, como urn dispositivo critico autoreftrencial, interno, imanente a urn mundo em constru<rao e que cuja duras:ao deve ser limitada.

Assim, por exemplo, as actividades mercantis, que possuem urn caracter uni­versal, precedem a emergencia de justifica<roes legftimas que repousam sobre 0 mer­cado. Para que 0 mercado possa servir de medida a uma forma de bern comum, e necessario que a actividade comercial seja considerada pelo seu valor proprio e nao so pela contribui<rao que pode fornecer a grandeza de outros mundos (a potencia do Principe, a grandeza da Igreja, etc.). Mas a sua propria legitima<rao, ou a legitima<rao enquanto tal, supoe nesse momento 0 estabelecimento de regras (no­meadamente, regras que assegurem a transparencia do mercado e uma concorrencia equitavel) que sejam do mesmo modo constrangimentos que limitem a realiza<rao do lucro. Vma tal autonomizas:ao torna-se favoravel se aparecem, em grande mime­ro, pessoas cuja actividade e suficientemente especializada e equipada de dispositi­vos e de objectos espedficos, as rela<roes bastante densas e 0 papel social bastante importante para que a sua forma de vida seja objecto de urn trabalho colectivo de estilizas:ao e de justifica<rao.

Resumiremos agora 0 seguinte argumento: as transforma<roes do capitalismo ao longo dos ultimos trinta anos favoreceram 0 alargamento de urn mundo que podemos chamar conexionista (que se auto-descreve na metafora da rede), e a mul­tiplicas:ao de pessoas que encontram a sua justifica<rao numa actividade de media­dores. Nesta optica, a formulas:ao da cite por projecto aparece-nos orientada para a legitimafiio de urn tal mundo em conexao e para a limitafiio das praticas que podem

A moral da rede? Criticas e justifica<;:5es nas recentes evolu<;:6es do capitalismo 29

ali ser realizadas de maneira a que seja respeitada urn constrangimento de justifica­yao tendo como referencia urn bern com urn.

6. As transformas:6es do capitalismo e a formas:ao da cite por projecto

o modelo de mudanya normativa em curso associa a formayao de uma repre­sentayao do mundo em rede e da cite por projecto as mudanyas que afectaram 0 ca­pitalismo nos ultimos trinta anos. Esta apresenta urn suporte de cenografia que comporta tres actuantes: 0 capitalismo, 0 espirito do capitalismo e a critica.

1) 0 capitalismo: e caracterizado a) por uma f6rmula minima assente sobre uma exigencia de acumulayao ilimitada por meios formalmente padficos. o capital esta separado das formas materiais de riqueza e s6 pode aumentar se for constantemente reinvestido e circulante, 0 que the confere urn caric­ter real mente abstracto que vai contribuir para tornar perpetuo 0 processo de acumulayao; b) pela concorrencia: cada entidade capitalista e constante­mente ameayada pelas aCy6es provenientes das entidades concorrentes. Esta dinamica cria uma inquietayao permanente e oferece ao capitalista urn motivo muito poderoso de auto preservayao para continuar, sem fim a vista, 0 pro­cesso de acumulas:ao; c) pelo salariado: uma parte da populas:ao que tern pouco ou nenhum capital obtem os seus rendimentos da venda do seu tra­balho e nao da venda dos produtos do seu trabalho. Esta populayao nao disp6e de meios de produyao e depende das decis6es daqueles que os de­tern para trabalhar.

2) 0 espfrito do capitalismo: 0 capitalismo e, em muitos aspectos, urn siste­ma absurdo: os assalariados perdem a propriedade dos resultados do seu trabalho e a possibilidade de levar uma vida activa fora do ambito da su­bordinayao. Quanto aos capitalistas, encontram-se acorrentados a urn pro­cesso interminavel e insaciavel. Para estes dois generos de protagonistas, a inseryao no processo capitalista tern uma particular falta de justificay6es. Ora a acumulas:ao de capital exige a mobilizayao de urn grande numero pessoas que tern fracas oportunidades de lucro. Portanto, pelo menos uma boa parte destas pessoas nao esta particularmente motivada em empenhar-se em praticas capitalistas, quando nao lhes sao hostis. Este problema e particu­larmente espinhoso nas economias modernas que exigem, particularmente dos quadros, urn alto nfvel de empenho. A qualidade do empenho que podemos esperar nao depende unicamente dos estimulos materiais, mas tambem da pos­sibilidade de fazer valer as vantagens colectivas que 0 capitalismo proporciona. Chamamos espirito do capitalismo a ideologia que justifica 0 empenho no capi­talismo e que torna esse empenho desejavel.

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3) A critica: A critica do capitalismo e tao antiga quanto 0 proprio capitalis­mo. E porque e objecto de criticas que 0 capitalismo e levado a ser justifi­cado. Na ausencia de criticas, a justifica<;:ao e inutil. Mas, 0 capitalismo nao pode procurar essas justifica<;:oes em si proprio porque, definido pela exi­gencia de acumula<;:ao, ele e amplamente autonomo relativamente as justi­fica<;:oes morais e politicas. As justifica<;:oes do capitalismo apoiam-se, entao, em constru<;:oes normativas muito gerais a que designamos por cites.

Distinguimos dois tipos de criticas ao capitalismo, em curso desde 0 seculo XIX. A primeira e a critica social: ela coloca 0 acento sobre as desigualdades, a miseria, a explorac;:ao, e 0 egofsmo de um mundo que estimula 0 individualismo por oposi­<;:ao a solidariedade. 0 seu principal vector foi 0 movimento operario. A segunda forma de critica (a qual Eve Chiapello consagrou a sua obra anterior, Artistes versus managers), chamamos crftica artista. Desenvolveu-se em primeira insrancia em pe­quenos cfrculos de artistas e intelectuais e coloca 0 acento sobre outros tra<;:os do capitalismo: critica a opressao num mundo capitalista (a domina<;:ao do mercado, a disciplina da fabrica), a uniformiza<;:ao na sociedade de massas e a mercantiliza<;:ao de tudo, e valoriza um ideal de liberta<;:ao e de autonomia individual, a singularida­de e a autenticidade.

o espirito do capitalismo compreende um nudeo estavel em volta do qual se estendem as variantes historicas. A base relativamente estavel e composta de frag­mentos forjados principalmente pela teo ria economica. Estes argumentos sao essen­cialmente de tres tipos: colocam 0 acento a) no progresso indissociavelmente tecnologico e economico b) na efidcia e na eficiencia de uma produ<;:ao estimulada pela concorrencia c) no facto de 0 capitalismo ser um regime favorave! as liberdades individuais e particularmente as liberdades polfticas.

Portanto, as justifica<;:oes fornecidas pela ciencia economica tem um cadcter demasiado geral e demasiado estave! no tempo para atrair as pessoas vulgares nas circunstancias concretas da vida, particularmente da vida no trabalho, e para lhes proporcionar os recursos de argumentac;:ao que lhes permitem fazer face as den unci­as em situa<;:ao e as criticas que lhes podem ser pessoalmente dirigidas. As justifica­c;:oes susceptfveis de alimentar 0 espfrito do capitalismo devem ter um caracter mais concreto, de modo a sensibilizar as pessoas as quais se dirigem e de propor-Ihes modelos de ac<;:ao que estas possam apreender. 0 discurso de gestao constitui, hoje em dia, a forma por excelencia na qual 0 espfrito do capitalismo se encontra incor­porado e a disposi<;:ao de ser partilhado.

Tres dimensoes tem um pape! particularmente importante nas expressoes con­cretas do espirito do capitalismo. a) A prime ira da-nos indica<;:ao de como 0 empe­nho no capitalismo e "excitante". Dito de outra maneira, de que forma 0 capitalismo e Fonte de realiza<;:ao pessoal e de que forma pode suscitar 0 entusiasmo. Esta di­mensao "excitante" esta, na maioria dos casos, ligada as diferentes formas de "liber-

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ta<;:ao" proporcionadas pelo capitalismo; b) Urn segundo conjunto de argumentos, valoriza as formas de seguran<;:a proporcionadas aos que se empenham, por si pr6-prios e pelos seus filhos; c) Finalmente, urn terceiro conjunto de argumentos, par­ticularmente importantes para a nossa demonstra<;:ao, faz referencia a justi<;:a: refere de que forma 0 capitalismo serve 0 bern comum em conformidade com 0 sentido da justi<;:a.

Assim concebido, 0 espfrito do capitalismo esta sujeito a mudan<;:as historicas em fun<;:ao: a) Oas formas assumidas pela acumula<;:ao num determinado momenta (organiza<;:ao da produ<;:ao, mercados, Fontes de lucro, possibilidades tecnologicas, etc ... ) e b) Do genero de crfticas endere<;:adas ao capitalismo que 0 obrigam a justi­ficar-se e a tornar-se desejavel.

De urn exame da literatura sobre a evolu<;:ao do capitalismo podemos extrair 0

esbo<;:o de tres espfritos que se sucederam desde 0 seculo XIX. a) 0 primeiro, do qual encontramos a descri<;:ao em Sombart, por exemplo, corresponde a urn capita­lismo de dominante domestica. 0 burgues empreendedor e ali a figura dominante. A dimensao excitante e fornecida pelo espfrito de iniciativa. Enfim, os dispositivos de justi<;:a sao sobretudo da ordem da caridade e da ajuda individual; b) 0 segun­do espfrito, que encontramos, por exemplo, descrito entre os anos 30 e os anos 60 do seculo XX (por exemplo em Galbraith), e centrado na grande empresa integra­da. Ali a figura dominante e 0 director assalariado. A seguran<;:a e assegurada por mecanismos como a carreira e pela associa<;:ao do capitalismo privado ao desenvolvi­mento do Estado Providencia. Por fim, a justi<;:a apresenta formas fortemente meritocraticas apoiadas pela credito conferido as competencias certificadas em di­plomas. 0 segundo espfrito do capitalismo chama muitas vezes a si justifica<;:oes baseadas no compromisso entre a cite industrial e a cite civica; c) Vma terceira forma do espfrito do capitalismo aparece na decada de 80. Esta e uma nova formula que se apoia na cite por projecto, da qual ja indiquei os tra<;:os mais marcantes.

E preciso especificar que 0 espfrito do capitalismo, longe de ocupar simples­mente urn lugar de "suplemento de alma" ou de uma "superestrutura" (como 0

suporia uma abordagem marxista das ideologias), desempenha urn papel central no processo capitalista em que simultaneamente 0 serve e 0 constrange. Na verdade, as justifica<;:oes que permitem mobilizar as partes interessadas constituem urn entrave a acumula<;:ao. Se levarmos a serio as justifica<;:oes avan<;:adas, nem to do 0 lucro e legitimo, nem todo 0 enriquecimento e justo, nem toda a acumula<;:ao importante e rapida e Ifcita. A interioriza<;:ao pelos actores de urn certo espirito do capitalismo faz incidir sobre 0 processo de acumula<;:ao determinados constrangimentos que nao apresentam uma forma pura. 0 espfrito do capitalismo fornece assim ao mesmo tempo uma justifica<;:ao do capitalismo (ao inves de 0 por radical mente em causa) e urn ponto de apoio crftico que permite denunciar a distancia entre as formas con­cretas de acumula<rao e as concep<;:oes normativas da ordem social.

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7. Da critica dos anos 1960-70 as mudans;as dos anos 1980-90

Como se processou a passagem do segundo espfrito do capitalismo, ainda muito presente no nosso corpus de gestao dos anos 60, ao terceiro espfrito em que a litera­

tura de gestao dos anos 90 e uma clara ilustras;ao? Procuramos compreender esta passagem sem a basear completamente nas determinas;6es que exercem urn efeito mecanico e, de certa forma fatal, como e muitas vezes 0 caso quando apenas se acentua a mundializas;ao e 0 desenvolvimento dos mercados ou ainda as mudans;as tecnol6gicas. A nossa narrativa ref ere 0 exemplo frances, mas pensamos que, fazen­do especificas;6es em funs;ao das particularidades das diferentes sociedades ociden­tais, e!a poderia apresentar uma validade mais abrangente.

Propomos urn processo que faz agir dinamicamente os tres actuantes de que falei a pouco: 0 capitalismo, 0 espfrito do capitalismo e a crftica. Aqui estao, suma­riamente apresentadas, as etapas desse processo.

Os anos 1965-75 sao marcados por uma forte elevas;ao do nfvel da crftica de que foi objecto 0 capitalismo que culmina em 1968 enos anos seguintes. Estas crfticas fa­zem pender sobre 0 capitalismo a ameas:a de uma importante crise. Elas estao longe de ser apenas verbais, sao acompanhadas por greves e violencias, e tern como efeito uma desorganizas;ao da produs;ao que faz baixar a qualidade dos produtos industriais e que, segundo algumas estimativas, faz redobrar os custos salariais. Estas crfticas tern como alvo quase todas as provas institufdas sobre as quais repousava a legitimidade da ordem social. Assim, sao criticadas: a) as provas de que dependem as relas;6es entre salario e lucro e a divisao do valor acrescentado; b) as provas que legitimam as assimetrias em termos de poder e as relas;6es hierarquicas (no trabalho mas tambem na famflia), c) as provas sobre as quais repousa a selecs;ao social: escolares, as provas de recrutamento profissional, aquelas sobre as quais repousa 0 avans;o na carreira, etc.

A crftica revel a 0 que, nessas provas, infringe a justis;a. Essa reve!as;ao consiste particularmente em descobrir as fors;as escondidas que chegam a parasitar a prova e em desmascarar as vantagens imerecidas que beneficiam certos protagonistas.

Este e!evado nfvel de crftica alarm a os responsaveis das instituis;6es do capita­lismo, e, em primeiro lugar, 0 patronato, que se preocupa muito com esta «crise de autoridade» e com a «recusa do trabalho na empresa», sobretudo entre os jovens. Vma particularidade importante da crise, em que os acontecimentos de Maio de 68 sao 0 centro e que as duas crfticas, a crftica social e a crftica artista desempe­nham naquele contexto urn pape! mais ou menos equivalente, enquanto que, nas ante rio res crises sociais, a crftica artista s6 se manifestava em drculos restritos de inte!ectuais. Pode-se atribuir esta mudans;a ao crescimento notive! do numero de estudantes nos anos 60 e tambem a importancia igualmente crescente do pape! desempenhado no processo de produs;ao pe!os quadros, engenheiros e tecnicos de­tentores de capital social.

No mundo da empresa, a crftica artista manifesta-se sobretudo nas reivindica­s;6es auto-gestionarias (presentes sobretudo no sindicato CFDT) que exigem a par-

A moral da rede? Critic as e justificay6es nas recentes evoluy6es do capitalismo 33

ticipac;ao dos assalariados no controlo da empresa e assinalam 0 lugar central atri­buido a autonomia individual e a criatividade. Estas reivindicac;oes sao sobretudo manifestadas por tecnicos, engenheiros e quadros. Ao contririo, as reivindicac;oes tra­dicionais da critica social (aumento de salarios, diminuic;ao de desigualdades, etc ... ) sao sobretudo manifestadas pelo sindicato maioritirio, a CGT, proximo do partido comunista e dominado por operarios.

Em Franc;a, as organizac;oes patronais procurarao por duas vias muito diferen­tes, mas sucessivamente, urn meio de sair desta crise:

Ia via: uma primeira via consistira em rejeitar, nos anos 1968-73, as reivindica­c;6es da critica artista, mas ouvir as reivindicac;6es da crftica social. Isto conduz as orga­nizac;6es patronais a procurar chegar a urn acordo com os sindicatos, convergindo para provas instituidas desde os anos 50 (negociaC;6es no ambito das convenc;6es colectivas, negociac;oes a nivd nacional sob controlo do Estado, etc ... ). Os sindicatos, muitas vezes desorientados por movimentos sociais nem sempre iniciados por des, consentem 0 jogo. Estas negociac;oes tern como efeito, nomeadamente, urn aumento dos salarios mais baixos, uma diminuic;ao das disparidades sociais e a assinatura de inumeros acordos a nivel nacional, que reforc;am a seguranc;a dos assalariados. No caso das provas de que depen­dem a selecc;ao das pessoas e 0 exerdcio da autoridade, a crftica tern como efeito toma­las mais justas e mais conformes a urn ideal meritocratico, procedendo a modificac;ao dos seus dispositivos, de forma a tomar mais difkil 0 recurso a forc;as que nao estao incluidas na definic;ao oficial da referida prova. A critica tern entao como efeito aumen­tar aquilo que nos chamamos a tensiio das provas. A tensao crescente das provas penaliza acto res ate ai privilegiados uma vez que dispunham de diversos recursos que lhes davam uma vantagem em situac;oes de prova muito diversas.

2a via: 0 endurecimento das provas e as medidas favoraveis aos assalariados, que tern urn elevado custo economico e simbolico, tern como efeito nao conseguir parar a crise. 0 nivel da critica e da desorganizac;ao da produc;ao continua elevado. Mais ou menos a partir de 1975, e apoiando-se no primeiro choque petrolifero que cor­roeu os lucros, as organizac;oes patronais vao adoptar uma segunda estrategia. Esta consistira em abandonar 0 terreno das provas instituidas, onde se exprime a critica social, para comec;ar a escutar as novas reivindicac;oes provenientes da critica artista.

Esta mudanc;a vai sobretudo manifestar-se no dominio da organizac;ao do tra­balho. Urn grande numero de empresas importantes vao desenvolver inovac;oes e experiencias no ambito daquilo que vai ser chamado «0 melhoramento das condi­c;oes de trabalho», palavra de ordem do patronato a partir de 1975. Estas mudan­c;as realizadas primeiro de forma dispersa, serao mais ou menos coordenadas posteriormente pelas organizac;6es patronais que sob a influencia, nomeadamente, dos sociologos do trabalho e d~ novos consultores saidos do movimento de Maio de 68, adoptaram uma nova interpretac;ao da crise, encarando-a como uma revolta contra as condic;6es de trabalho e as formas tradicionais de autoridade.

Estas mudanc;as consistem, em larga medida, no reconhecimento da validade da exigencia de autonomia e em aplicar ao conjunto do pessoal modos de gestao ate

34 Luc Boltanski

ai reservados aos quadros (equip as autonomas, horarios flexiveis, bonus, salario de eficiencia, etc.). Ao nlvel do aparelho de produ<;:ao, as mudanc;as acompanham uma

serie de transformac;oes que fazem demolir a grande empresa integrada para a subs­

tituir por dependencias reunidas em pequenas unidades ligadas por redes de con­tratos (organizac;ao do trabalho temporario, subcontratac;ao, externalizac;ao das

fun<;:oes, que nao correspondem a actividade principal da empresa, etc. .. ). Esta segunda via consiste, para resumir, em abandonar os locais de prova ate ai

instituidos para comec;ar uma serie de deslocafoes. Estas desloca<;:oes introduzem novas

provas (por exemplo novas exigencias para os operarios, para os quais a capacidade

de comunica<;:ao se rorna urn criterio de selec<;:ao importante). Mas estas novas pro­vas sao difkeis de identificar por aqueles que se encontram ali submetidos porque elas nao foram objecto de urn trabalho, nomeadamente juridico, de categoriza<;:ao e

de regulamenra<;:ao. Nos anos 80, 0 trabalho de gestao consistira em coordenar as mudanc;as e a

conferir-Ihes sentido, em particular, interpretando-as numa linguagem das redes,

emprestada das Ciencias Sociais. A segunda via sera bern sucedida onde a primeira falhou. Estas mudan<;:as per­

mitiram tornar a tomar em maos a for<;:a de trabalho e voltar a desenvolver 0 capi­talismo. Este novo desenvolvimento encontra diante dele urn campo liberto porque as mudanc;as ocorridas conseguiram calar a critica, e de duas formas diferentes. A

critica social, feita pelos grandes sindicatos, viu-se quase sempre desarmada face a

estas mudan<;:as que nao soube interpretar. Perante a grande empresa integrada, construida em isomorfia com 0 seu adversario, a critica social perde, com 0 decorrer

deste processo, os apoios que the permitia ate ai inflectir, com alguma eficacia, as decisoes do patronato.

Quanto a critica artista, perde 0 seu cadcter mordaz por uma razao muito

diferente. Uma grande parte daqueles que se assumiram como porta-vozes, nos anos que circundam Maio de 1968, fica ram satisfeitos com as mudanc;as ocorridas na

organizac;:ao do trabalho, e mais geralmente, na sociedade, quando nao esrao eles proprios integrados nos novos dispositivos de poder, grac;:as a governac;:ao socialista.

o novo desenvolvimento do capitalismo nos anos 80 esra, por conseguinte, ligado a sua capacidade em considerar e a tomar obsoletos os constrangimentos que eram pertinentes no contexto do segundo espfrito do capitalismo. A desloca<;:ao das provas durante este periodo e 0 silencio de uma critica desnorteada permitem uma

nova expansao de urn capitalismo liberto da maioria dos constrangimentos que ti­nha ate ai de respeitar.

Urn dos resultados desta expansao e ter desequilibrado, num sentido favora­vel ao parronato, a partilha lucro/salarios. Mas isto a custa de urn crescimento das desigualdade, da precariedade e de urn empobrecimento de camadas importantes dos assalariados. Estas degradac;:oes da condi<;:ao salarial desencadeiam, nos anos 90, o retorno da critica testemunhado, nomeadamente, pelas grandes greves do Outo­

no de 1995. Este renovamento da crltica, que se manifesta actualmente sobretudo

A moral da rede? Criticas e justificac;:6es nas recentes evoluC;:6es do capitalismo 35

na terreno da critica social (permanecendo a critica artista muito silenciosa ou roti­neira) caminha sobretudo no sentido de uma reflexao levando a regulamentar as novas provas e a enraizar em novos dispositivos de justic;a 0 terceiro espirito do capitalis­mo. E assim que urn grande numero de dispositivos actualmente em estudo em Franc;a podem ser considerados como visando a enraizar a cite por projecto nos dis po­sitivos dotados de uma existencia juridica. E 0 caso, por exemplo, do contra to de actividade que se iria juntar ao contrato de trabalho e que daria possibilidade aos assalariados que a sua empresa nao pode ou nao quer conservar, de fazer uma for­maC;ao ou de ser empregados por organizac;6es nao lucrativas.

Resumirei, para finalizar, algumas das grandes linhas do modelo de mudanc;a que acabei de exemplificar. Este modelo tern como caracteristicas a) dar enfase as acc;6es das pessoas em situac;6es de incerteza ou de conflito, em vez de fazer assentar a mudanc;a em fon;:as impessoais que exercem urn efeito fatal; b) estar centrado na noc;ao de prova, com altern an cia de dois regimes de provas. 0 primeiro - regime de categorizaC;ao - caracteriza as provas reconhecidas como tais, instituidas e regulamen­tadas sobre as quais a critica pode ter influencia .. 0 segundo - regime de desloca­C;ao -, ao ser marcado por series de afastamentos relativamente as provas instituidas torna possivel modificar os processos de selecC;ao e os caminhos das vantagens, fa­zendo a partir daqui a economia de urn elevado nivel de reflexividade e de categorizac;ao 0 que permite acompanhar 0 movimento da critica; c) Por ultimo, este modelo nao esta finalizado. Ele nao assenta sobre uma seta temporal orientada para urn horizonte messianico, quer seja 0 desenvolvimento e 0 progresso, quer seja 0 da revoluc;ao ou 0 fim da hist6ria. 0 trabalho da critica nunca esta acabado. Esta sem­pre a refazer-se.

Notas

1 Ecole des Hautes Etudes en Sciences Sociales et Centre National de la Recherche Scientifique (Paris)

2 V. I. Hacking, The construction of What?

3 L.Ferry, ... 0 sistema das filosofias da Historia ...

4 Luc Boltanski, Laurent Thevenot, De la justification. Les economies de la grandeur, Paris, Gallimard, 1991

5 J. B. Bossuet, Politique tif(~e des propres paroles de LE.criture Sainte, Geneve, Doz, 1967 (10 edic;:ao: 1709)

6 Ecole des Hautes Etudes Comerciales (Paris, Jouy En Josas)

7 Luc Boltanski, Eve Chiapello, Le nouvel esprit du capitalisme, Paris, Gallimard, 1999.

8 Trata-sc do logicia Prospero, desenvolvido por F. Chateaurayaud e J.- P. Charriaud na EHESS


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