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Caderno Seminal Digital - Universidade Do Estado Do Rio De ...1]Cad.Seminal_N19... · Caderno...

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Caderno Seminal Digital Ano 19, nº 19, V. 19 (Jan-Jun/2013) – ISSN 1806-9142

Caderno Seminal Digital – Vol. 19 – Nº 19 – (Jan-Jun/2013). Rio de Janeiro: Dialogarts, 2013. ISSN 1806-9142 Semestral 1. Linguística Aplicada – Periódicos. 2. Linguagem – Periódicos. 3. Literatura - Periódicos. I. Titulo: Caderno Seminal Digital. II. Universidade do Estado do Rio de

Janeiro.

CONSELHO CONSULTIVO EDITORA

André Valente (UERJ / FACHA) Darcilia Simões

Aira Suzana Ribeiro Martins (CPII) COEDITOR

Claudio Cezar Henriques (UERJ / UNESA) Flavio Garcia

Claudio Manoel de Carvalho Correia (UFAM) ASSESSOR EXECUTIVO

Darcilia Marindir Pinto Simões (UERJ/CNPq) Claudio Cezar Henriques

Denilson Pereira de Matos (UFPB) DIAGRAMAÇÃO

Flavio Garcia (UERJ / UNISUAM) Equipe Labsem

Jose Luís Jobim (UERJ / UFF)

Magnólia B. B. do Nascimento (UFF) PROJETO DE CAPA

Maria Geralda de Miranda (UNISUAM / UNESA) Carlos Henrique de Souza Pereira

Maria Suzett Biembengut Santade

(FMPFM E FIMI-SP)

(colaborador)

Maria Teresa Gonçalves Pereira (UERJ) LOGOTIPO

Regina Michelli (UERJ / UNISUAM) Gisela Abad

Rui Ramos (Universidade do Minho, Portugal) Contato:

Sílvio Ribeiro da Silva (UFG) [email protected]

Vilson José Leffa (UCPel-RS) [email protected]

Equipe de Designers: Diego de Vilela Marinho (Proatec IV); Guilhermy Lodi (Proatec III); Igor Cesar Rosa da Silva (TCT2) Equipe de revisão e preparação de textos: Darlene A. Moreira, Elisa Gomes Bento, Érica de Freitas Goes,, Isabela Eduardo Cruz, Tuane Silva Mattos ,Jessica Juliana Silva Bezerra

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Conselho Consultivo ad hoc

Ana Cristina dos Santos Malfacini UniFOA

André Nemi Conforte UERJ

Claudia Moura da Rocha Faculdade de São Bento

Claudio Artur O. Rei UNESA

Cláudio Luiz Abreu Fonseca UFMT

Danúsia Torres dos Santos UFRJ

Denise Salim Santos UERJ

Eliana Meneses de Melo UMC

Eulália Vera Lúcia Fraga Leurquin UFC

Flávio de Aguiar Barbosa UERJ

Helena Topa Valentim U. Nova de Lisboa

Kátia Regina Rebello da Costa CEFET

Lívia Márcia Tiba Rádis Baptista UNICAMP

Lucia Deborah de Araújo UERJ/UNESA/CP II

Mari Noeli Kiehl Iapechino UFRPE

Maria Aparecida Barbosa USP

Maria do Socorro Silva Aragão UFPB/UFC

Marlene Fortuna UNICAMP

Sílvio Ribeiro da Silva UFG

Sônia Maria Cândido da Silva UFPB

Tania Granja Shepherd UERJ

Vera Costa Pereira Bomfim Faculdade de São Bento

Wanilda Lima Vidal de Lacerda UFPB

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PALAVRAS DO EDITOR

Entrego ao leitor o volume 19 (1º semestre-2013) do Caderno Seminal Digital. Seguindo o modelo inaugurado no volume 17, tem-se então um Dossiê Temático sobre o Português como Língua Estrangeira e Temas Afins e uma Miscelânea com artigos de pesquisadores nacionais e estrangeiros.

São relatos de estudos e pesquisas concluídas ou em desenvolvimento, que se debruçam sobre temas de natureza linguística e pedagógica, trazendo à discussão uma variedade de questões que há muito povoam as salas de aula e as academias.

A iniciativa das Publicações Dialogarts é embalada pelo espirito extensionista, cuja meta é abrir as portas da academia e levar, aos mais diversos rincões, a produção de ciência, subsidiada por órgãos públicos e privados, portanto com a obrigação de ser apresentada ao grande público e, possivelmente, servir-lhe de base para redimensionamento de suas práticas ou de inspiração para novas invenções.

A criação dos volumes temáticos do Caderno Seminal Digital vem responder a demanda de submissões decorrentes de encontros acadêmicos no Brasil e no estrangeiro. Esclarecemos, ainda, que o conteúdo técnico-científico dos artigos, bem como sua expressão linguística, são de inteira responsabilidade dos autores.

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Seguindo o objetivo de nosso projeto editorial, buscamos reunir textos de qualidade e autoridade acadêmica que possam dar suporte ao ensino na graduação e na pós-graduação, consolidando o tripé em que devem assentar-se as Universidades: Ensino, Pesquisa e Extensão.

Darcilia Simões

UERJ/CNPq/SELEPROT

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SUMÁRIO

O USO VARIÁVEL DO VERBO “IR” EM CARTAS BAIANAS: UM CASO

DE GRAMATICALIZAÇÃO ................................................................. 9

Carolina Oliveira Azevedo, Gessilene Silveira Kanthack & Maria

D’Ajuda Alomba Ribeiro

EM BUSCA DE UMA CONCEPÇÃO DE MARCADOR DISCURSIVO PARA

O ENSINO DE PORTUGUÊS LÍNGUA ESTRANGEIRA (PLE) .................26

Maria D´Ajuda Alomba Ribeiro

PROBLEMATIZANDO O ENSINO DA REDAÇÃO ................................44

Darcilia Simões & Rosane Reis de Oliveira

A INTERAÇÃO VERBAL EM SALA DE AULA: LEITURAS BAKHTINIANAS

SOBRE O LUGAR DA PALAVRA NO PROCESSO DE ENSINO-

APRENDIZAGEM ............................................................................70

Agildo S. S. de Oliveira, Vânia Lúcia M. Torga & Maria D’Ajuda

A. Ribeiro

A PLURALIDADE SÍGNICA DAS PLATAFORMAS DIGITAIS E A

MUDANÇA DAS FORMAS DE PRODUÇÃO E RECEPÇÃO DA

INFORMAÇÃO NO WEBJORNALISMO .............................................92

Diego Braga Toledano & Claudio Manoel de Carvalho Correia

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A CRIAÇÃO DE VÍDEOS COMO INSTRUMENTO PARA DIVULGAÇÃO

CONTRA O PRECONCEITO LINGUÍSTICO .......................................115

Ricardo Joseh Lima

O PROCESSO LINGUÍSTICO DA COMPREENSÃO EM LEITURA: ENTRE A

CONSTRUÇÃO DO(S) DISCURSO(S) E A SUA DE(S)CODIFICAÇÃO. BREVES

ACHEGAS PARA O CONTEXTO DE LÍNGUA NÃO MATERNA ......................138

Sandra Marina Gonçalves & Paulo Osório

REFLEXÕES SOBRE OS ASPECTOS LEXICAIS NA FALA DO SERTANEJO

DO SUL DO MARANHÃO ..............................................................180

Maria Célia Dias de Castro

PERSPECTIVAS DE ANÁLISE SOBRE O USO DO DIMINUTIVO E DO

AUMENTATIVO NA FALA BALSENSE .............................................207

Gisélia Brito dos Santos & Marcia Meurer Sandri

RESSIGNIFICANDO MACHADO DE ASSIS HOJE: O LEITOR ENTRE O

LIVRO E A HQ ...............................................................................232

Patrícia Kátia da Costa Pina & Ricardo Tupiniquim Ramos

DIÁLOGOS: MARAVILHOSO E VERISMO EM LYGIA BOJUNGA ........254

Regina Michelli

PERFIL DOS AUTORES...................................................................274

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PARTE I – DOSSIÊ TEMÁTICO

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O USO VARIÁVEL DO VERBO “IR” EM CARTAS BAIANAS: UM CASO DE GRAMATICALIZAÇÃO

VARIABLE USE OF THE VERB TO GO IN BAHIAN LETTERS: A GRAMMATICALIZATION CASE

Carolina Oliveira Azevedo Gessilene Silveira Kanthack

Maria D’Ajuda Alomba Ribeiro UESC

Resumo: O presente trabalho descreve os usos do verbo ir, particularmente o que expressa o futuro do presente, em cartas produzidas por baianos, entre os anos de 1902 a 1962. Trata-se de um verbo que pode se manifestar tanto na forma sintética (com a função de verbo principal) como na forma perifrástica (com a função de verbo auxiliar), sendo esta última a mais recorrente, evidenciando, assim, que se trata de um caso de gramaticalização: processo de mudança linguística segundo o qual itens lexicais passam a assumir funções gramaticais, ou elementos gramaticais passam a assumir funções ainda mais gramaticais (cf. MARTELOTTA, VOTRE e CESARIO, 1996). Palavras-chave: verbo ir, usos, gramaticalização. Abstract: This paper describes the uses of the verb “ir” (Portuguese word for “to go”), particularly when it comes to how the future tense is expressed in letters from Bahia all along the period that ranges in between 1902 to 1962. It is a verb that can function as both a main verb (synthetic form) and as an auxiliary verb (periphrastic form), the latter being the most recurrent.Thus, indicating that it is a case of grammaticalization: the process of linguistic change whereby lexical items start to take over grammatical functions, or grammatical elements that start to take over further grammatical functions (cf. MARTELOTTA, VOTRE e CESARIO, 1996). Keywords: verb “ir” - variation - grammaticalization.

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INTRODUÇÃO

O funcionalismo linguístico é uma corrente de estudos que considera a linguagem sob uma perspectiva interacional, alinhando-se, assim, à tendência que analisa a relação entre linguagem e sociedade. Nessa perspectiva, as estruturas linguísticas não vistas como objetos autônomos, devendo ser descritas e analisadas a partir dos usos reais que os falantes fazem delas, pois o pressuposto é que a língua desempenha funções que são externas ao sistema linguístico em si, e que as funções externas influenciam na organização interna do mesmo (CUNHA, 2008).

Dentro dessa perspectiva de estudo, ganham destaques pesquisas sobre gramaticalização, entendida como um fenômeno linguístico em que itens lexicais, nos distintos contextos de uso, passam a adquirir propriedades de formas gramaticais e, se já possuem estatuto gramatical, tornam-se mais gramaticais ainda. Segundo Gonçalves et al (2007), esse tipo de estudo nos possibilita compreender o movimento realizado pela língua e apreender as mudanças pelas quais passam os itens linguísticos, a exemplo do verbo “ir”, usado na língua portuguesa, na forma simples, como verbo principal e valor espacial, e na forma perifrástica, como verbo auxiliar e valor temporal. Esta última forma é considerada gramaticalizada, pois, nela, o verbo assume função gramatical para a expressão do tempo futuro.

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De acordo com Oliveira (2006), esse processo de auxiliarização do verbo de movimento ir pode ser explicado por uma passagem do sentido espacial, intrínseco a essa forma verbal, para um sentido prospectivo temporal, mudança resultante da relação cognitiva entre as categorias de espaço e tempo, conforme pressuposto defendido por Hopper; Traugott (1993). Oliveira afirma que a forma perifrástica ir + infinitivo ganhou destaque na língua portuguesa a partir do Século XX, ocupando o espaço da perífrase haver de + infinitivo, principal concorrente do futuro simples até o Século XIX.

No intuito de confirmar o uso do verbo ir com a função de auxiliar, elegemos, como córpus, cartas escritas por falantes baianos entre os anos de 1902 a 1962. A escolha por esse período se justifica, pois o nosso objetivo é comparar os nossos resultados com os de Bragança (2008), que pesquisou o comportamento desse tipo de verbo no início do Século XXI, especificamente nos anos 2000 e 2006. De modo semelhante a essa autora, também analisamos a influência de fatores linguísticos no uso da forma perifrástica: extensão lexical, natureza regular ou irregular e tipo de conjugação, todos envolvendo o verbo principal.

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1. O VERBO “IR” EM DOIS PERÍODOS

1.1 Nos anos 2000 e 2006

Para investigar o uso do verbo ir e as diferentes funções que ele assume nas situações comunicativas, Bragança (2008) elegeu, como corpora, entrevistas retiradas do banco de dados do projeto O Português Falado na Cidade de Vitória (2000), desenvolvido pela Universidade Federal do Espírito Santo, e editoriais extraídos do jornal A Gazeta, do ano de 2006. Ela constatou que o uso desse verbo é realmente variável, ora desempenhando o papel de verbo principal, ora de auxiliar. Quando assume esta última função, pode denotar tanto o tempo presente como o tempo futuro.

Com o levantamento feito, a autora chegou à conclusão de que dois processos se entrecruzam, quais são: a gramaticalização do ir para manifestar tempo e a implementação da construção perifrástica para expressão do futuro do presente. Ao percorrer a trajetória rumo a uma função gramaticalizada, o verbo ir, incialmente com uma noção espacial, sofre uma mudança semântica que, por sua vez, promove um rearranjo estrutural na cadeia linguística, levando esse item a funcionar juntamente com outro verbo. Ao se cristalizar nessa posição, a construção (verbo auxiliar + verbo principal) especializa-se para designar tempo, uma noção que é mais gramatical.

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A autora também analisou a influência de alguns fatores linguísticos no uso das duas formas, chegando às seguintes conclusões: a forma sintética foi mais recorrente com verbos de uma sílaba, enquanto que a forma perifrástica, com verbos de maior extensão lexical; os verbos regulares influenciaram mais o uso da forma inovadora, tanto nas entrevistas como nos editoriais; quanto ao fator conjugação verbal, houve diferença significativa entre os dois tempos da perífrase: ir no presente foi mais usado com verbos de primeira conjugação, e ir no futuro com verbos de terceira conjugação.

Com os resultados, Bragança concluiu que o fenômeno designado como gramaticalização parece ter atingido tanto a modalidade oral como a modalidade escrita, uma vez que a nova forma já alcançou os dois gêneros analisados. Além disso, a perífrase encontra-se mais gramaticalizada para expressão de tempo, à medida que ocupa os contextos antes influenciados pela forma conservadora (ou sintética). O gênero representante da modalidade escrita influenciou mais o uso da forma sintética, enquanto que o da modalidade oral, mais o da forma perifrástica. Ela defendeu que a motivação discursiva para o uso das duas formas analisadas do verbo ir está atrelada a alguns aspectos textuais, como por exemplo, a sua formalidade. Desse modo, gêneros mais formais apresentam uma maior tendência de uso da forma sintética. Quando a construção perifrástica é usada, manifesta-se a morfologia de prestígio para o verbo auxiliar. Assim, os

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editoriais parecem mais resistentes à nova forma “e, somente quando o monitoramento da produção escapa ao produtor ou quando a construção utiliza outras marcas da oralidade, é que a perífrase encontra condições favoráveis para penetrar na escrita formal” (BRAGANÇA, 2008, p. 193).

1.2 Nos anos de 1902 a 1962

Considerando a afirmação de Oliveira (2006), de que o Século XX corresponde ao período de implementação da forma perifrástica na língua portuguesa, resolvemos investigar o quão de fato ela era recorrente. Para tanto, selecionamos uma amostra constituída de cinquenta cartas pessoais produzidas por falantes baianos, no período de 1902 a 19621, com o intuito de observar se, naquele momento, o verbo ir já se manifestava de forma mais gramaticalizada ou não. A escolha por esse tipo de texto se justifica porque ele é resultado de uma prática social efetiva, em que seus produtores “agem e expressam suas intenções com ações adequadas

aos objetivos em cada circunstância” (MARCUSCHI, 2008, p. 51).

De modo semelhante à Bragança (2008), procuramos também analisar a influência de fatores linguísticos, como a extensão lexical, natureza regular ou irregular e tipo de conjugação, envolvendo o verbo principal da forma

1Disponíveis no banco de dados do projeto Vozes do Sertão (http://www2.uefs.br/nelp/zenaide-nelp/historico.html), organizado pela Universidade de Feira de Santana.

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perifrástica, no sentido de confirmar que a gramaticalização não se limita apenas ao verbo em questão, mas que ela envolve toda a construção formada pelas relações sintáticas do verbo ir, conforme afirma Lehmann (1982, apud OLIVEIRA; OLINDA 2008).

Para início da análise, consideramos, então, como variável dependente, a realização do verbo ir para expressar o futuro do presente, em sua forma sintética (1) e em sua forma perifrástica (2):

(1) a. Etelvina já me entregou o embrulhinho da renda, irá com outras, saber se você tiver pressa. (07-ATW-18-02-1923)

b. Se o tempo continuar regular, ela irá na terça feira. (17-ATW-23-06-1934)

(2) a. Como vou escrever a Stella, deixo a carta de Virginia e Antonio para sábado. (16-ATW-12-06-1934)

b. Vou arrumar a malinha que vai amanhã e ainda escrever a Mamãezinha. (10-ATW-18-02-1923)

Feito o levantamento, o resultado do cômputo geral ficou assim distribuído:

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Forma sintética Forma perifrástica

Oc % oc %

9 32,2 19 67,8

Cômputo geral da variável dependente

Notamos que, no período que vai de 1902 a 1962, o verbo ir se manifesta variavelmente, sendo a forma perifrástica a mais recorrente (67,8%), revelando que, além de assumir uma função mais gramatical, a de verbo auxiliar, esse elemento linguístico perde o seu valor espacial (mais concreto) e passa a assumir uma noção temporal (mais abstrata). Ou seja, de natureza lexical, o verbo passa a assumir função mais gramatical, mesmo sendo na modalidade escrita da língua.

Constatada que a forma perifrástica é a mais recorrente, passamos a analisar a influência dos seguintes fatores: extensão lexical, natureza regular ou irregular e tipo de conjugação, que caracterizam o verbo principal:

Quanto à extensão lexical do verbo principal, consideramos a quantidade de sílabas que o mesmo apresenta (1, 2 e 3 ou mais sílabas) na construção perifrástica, como ilustram os exemplos abaixo:

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*Verbo principal de uma sílaba

(3) a. Vamos ver o que sai. (06-APF-06-12-1949)

b. Eis porque você vai ter de aguentar mais uns dias...(06-APF-06-12-1949)

*Verbo principal de duas sílabas

(4) a. Vou fazer o embrulho e por isso deixo muitas lembranças...(22-ATW-17-02-1939)

b. (...) a professora vai se mudar para o chalet do agente. (02-ATW-10-01-1922)

*Verbo principal de três ou mais sílabas

(5) a. (...) como você vai apurar esses trinta mil reis...(09-ALCF-13-02-1935)

b. Vou arrumar a malinha que vai amanhã...(10-ATW-18-02-1923)

Vejamos, agora, a frequência desses casos:

Até duas Mais de duas

oc % oc %

11 57,8 8 42,1

Forma perifrástica em função da extensão lexical do verbo principal

Vemos que a forma perifrástica foi mais frequente em construções onde aparecem verbos principais de até duas sílabas (57,8%). Isso significa dizer que verbos de menor

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extensão lexical influenciam o uso da forma inovadora, um resultado diferente daquele encontrado por Bragança (2008): verbos de maior extensão lexical eram mais usados com a forma perifrástica. Esse contraste revela uma mudança envolvendo o verbo principal da estrutura perifrástica. Antes, influenciada por verbos de extensão menor, agora, nos anos 2000 e 2006, é influenciada por verbos maiores.

No que diz respeito à natureza regular ou irregular dos verbos principais, vejamos, primeiro, alguns casos, e, em seguida, os resultados correspondentes:

*Verbo principal regular

(6) a. (...) professora vai se mudar para o chalet do agente. (02-ATW-10-01-1922)

b. (...) resolveu ir passar 2 meses em Santa Ignez. (12-ATW-12-02-1928)

*Verbo principal irregular

(7) a. Vou fazer o embrulho e por isso deixo muitas lembranças...(12-ATW-17-02-1939)

b. Eis porque você vai ter de aguentar mais uns dias...(06-APF-06-12-1949)

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Regular Irregular

Oc % oc %

16 84,21% 3 15,78%

Forma perifrástica em função do paradigma verbal do verbo principal

Observamos que a forma regular do verbo principal influenciou mais o uso da construção perifrástica (84,21%), em contraste com a irregular, que influenciou menos (15,78%). Com relação a esse fator, Bragança (2008) também constatou o mesmo, o que nos permite afirmar que não houve mudanças significativas no tocante ao tipo morfológico do verbo principal.

Quanto ao fator tipo de conjugação, consideramos:

*Verbo principal de primeira conjugação

(8) a. Estou escrevendo as pressas para entregar a carta de Aracy que chegou há pouco e vai mandar por Santo Amaro o que você pediu. (23-ATW-12-02-1939)

b. (...) a professora vai se mudar para o chalet do agente. (02-ATW-10-01-1922)

*Verbo principal de segunda conjugação

(2) a. Eis porque você vai ter de aguentar mais uns dias (...) (06-APF-06-12-1949)

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b. Como vou escrever a Stella, deixo a carta de Virginia...(16-ATW-12-06-1934)

*Verbo principal de terceira conjugação

(3) a. Landulpho vendeu a casa ao Pedro Tenorio e vão ficar com Helena Baggi até que fique pronta a casa que vão construir... (19-ATW-02-05-1938)

Eis os resultados:

1ª conjugação 2ª conjugação 3ª conjugação

Oc % Oc % oc %

12 63,15 6 31,57 1 5,26

Forma perifrástica em função da conjugação verbal do verbo principal

Como vemos, os resultados apontam para uma frequência maior de uso da forma perifrástica com verbos principais de primeira conjugação (63,15%), em seguida, com verbos de segunda conjugação (31,57%), e uma ocorrência pouco significativa com verbos de terceira conjugação (5,26%). Em Bragança (2008), também foi constatado que o verbo ir, no presente, foi mais recorrente com verbos de primeira conjugação, não havendo, assim, diferença entre os períodos investigados.

Da comparação entre os dois períodos, percebemos que a forma perifrástica é realmente a opção mais usada pelo

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falante, confirmando, portanto, a mudança da natureza do verbo “ir” na língua portuguesa.

2. O VERBO “IR” NAS CONSTRUÇÕES PERIFRÁSTICAS: UM CASO DE GRAMATICALIZAÇÃO

Para explicar a trajetória espaço > tempo, envolvendo o verbo ir, recorremos ao mecanismo da abstratização, apontado, por exemplo, por Heine et al (1991, apud Gonçalves et al, 2007), como um recurso que pode explicar as mudanças que atingem os itens linguísticos. Ao ser usado na forma perifrástica, o verbo ir, além de assumir uma noção mais abstrata, adquire também um posicionamento mais fixo, propriedade típica de uma forma gramatical. Desse modo, podemos afirmar que o que vem ocorrendo com o verbo ir caracteriza, de fato, o chamado fenômeno da gramaticalização.

Essa mudança pela qual passa o verbo ir revela um princípio cognitivo atuante no processo de gramaticalização, designado como princípio de exploração de velhas formas para novas funções, onde um conceito mais concreto é disponibilizado para explicar um fenômeno mais abstrato. Na visão de Heine et al (1991, apud Gonçalves et al, 2007),

[...] por meio desse princípio, conceitos

concretos são empregados para entender, explicar ou descrever fenômenos menos concretos. Desse modo, entidades claramente delineadas e/ou claramente

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estruturadas são recrutadas para conceitualizar entidades menos claramente delineadas ou estruturadas, experiências não físicas são entendidas em termos de experiências físicas, tempo em termos de espaço, causa em termos de tempo, ou relações abstratas em termos de processos cinéticos ou relações espaciais etc. (p. 42).

Ou seja, as novas criações acontecem na língua “porque o falante quer ser expressivo, precisa usar criativamente sua linguagem ou simplesmente porque o falante não encontra um termo específico para aquele momento, e usa um termo que lhe vem à mente através de transferência de domínio (...)” (CEZARIO, 2012, p. 23). É dessa necessidade, portanto, que o verbo ir vem alterando o seu estatuto: de lexical para gramatical.

3. CONSIDERAÇÕES FINAIS

Diante do exposto, podemos concluir que os postulados sobre gramaticalização foram suportes teóricos relevantes para o presente trabalho, uma vez que eles possibilitam explicar as mudanças sofridas pelo verbo ir, o qual pode exercer não só a sua função prototípica de verbo principal (forma sintética), mas também a de verbo auxiliar, em construções perifrásticas, onde assume uma função mais gramatical. Além disso, o elemento em análise adquire novas propriedades semânticas, pois sofre um processo de

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abstratização, uma vez que, na sua trajetória rumo a funções mais gramaticalizadas, ele perde seu valor espacial (mais concreto) e adquire um valor temporal (mais abstrato).

Os resultados obtidos em nossa pesquisa reforçam o que foi constatado por Oliveira (2006): que a forma perifrástica ganhou destaque, na língua portuguesa, a partir do Século XX; que, nesse período, tanto a forma sintética como a forma inovadora competiam entre si, sinalizando um processo de gramaticalização, já bastante marcado nos dados do Século XXI, como constatou Bragança (2008).

Para finalizar, é relevante destacar que o conhecimento sobre a multifuncionalidade do verbo ir, tendo como aporte teórico pressupostos sobre gramaticalização, pode contribuir muito para o ensino de língua portuguesa, uma vez que possibilita melhor compreensão de como se comporta o elemento linguístico em estudo, quando usado em diferentes contextos de interação social. Para isso, é importante que o professor esteja consciente de que a língua se encontra em íntima relação com a dinâmica da sociedade e com os anseios comunicativos dos falantes. Ter conhecimento das diferentes possibilidades de estudo da língua, pelo docente, pode proporcionar ao aluno não só o contato com os usos reais do verbo ir, mas também com o uso real da própria língua.

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REFERÊNCIAS

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BRAGANÇA, Marcela Langa Lacerda. A gramaticalização do verbo ir e a variação de formas para expressar o futuro do presente: uma fotografia Capixaba. Dissertação de Mestrado. Vitória: UFES, 2008.

CARNEIRO, Zenaide de O. Novais. Projeto vozes do sertão. Feira de Santana. Universidade Estadual de Feira de Santana, 2009. Disponível em: http://www2.uefs.br/nelp/zenaide-nelp/historico.html. Acesso em: 26 jun. 2013.

CEZARIO, Maria Maura. Efeitos da criatividade e da frequência de uso no discurso e na gramática. In: CEZARIO, Maria Moura; et al (Orgs.). Funcionalismo linguístico: análise e descrição. São Paulo: Contexto, 2012. p. 19-32.

CUNHA, Angélica Furtado da. “Funcionalismo”. In: MARTELLOTA, M. E. (Org.). Manual de linguística. São Paulo: contexto, 2008. p. 157-174.

GONÇALVES, S. C. L; et al (Orgs.). Introdução à gramaticalização: princípios teóricos e aplicação. São Paulo: Parábola, 2007.

HOPPER, P.; TRAUGOTT, E. Gramaticalization. Cambridge: Cambridge University press, 1993.

MARCURSCHI, L. A. Produção textual, análise de gêneros e compreensão. São Paulo: Parábola, 2008.

MARTELOTTA, M.; VOTRE, S.; CEZARIO, M. M. (Orgs.). Gramaticalização no português do Brasil: uma abordagem funcional.

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Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro, 1996.

OLIVEIRA, J. O futuro da língua portuguesa ontem e hoje: variação e mudança. Tese de Doutorado. Rio de Janeiro: UFRJ, 2006.

OLIVEIRA, J. M. de; OLINDA, S. R. M. de. A trajetória do futuro perifrástico na língua portuguesa: séculos XVIII, XIX e XX. In: Revista da Abralin. Vol. VII, nº 2, 2008, p. 93-117.

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EM BUSCA DE UMA CONCEPÇÃO DE MARCADOR DISCURSIVO PARA O ENSINO DE PORTUGUÊS LÍNGUA

ESTRANGEIRA (PLE) FOR A NEW CONCEPTION ON DISCOURSE MARKERS IN THE TEACHING OF

PORTUGUESE AS A FOREIGN LANGUAGE

Maria D´Ajuda Alomba Ribeiro UESC

Resumo: Atualmente, a abordagem intercultural tem orientado o ensino de línguas. Essa prerrogativa propõe novas orientações no âmbito do ensino, ampliando o campo de reflexão e estudo dentro da área de aprendizagem de línguas. O ensino de Português como Língua Estrangeira, (doravante PLE), por sua vez, tem sofrido vários avanços. Diante dessa notabilidade, a comunicação emergente apresenta uma reflexão sobre os resultados obtidos através da pesquisa desenvolvida na Universidade de Alcalá, cuja temática versou sobre o ensino dos Marcadores discursivos para estudantes hispanoparlantes aprendizes de português. A pesquisa teve como corpus a produção escrita desses aprendizes cujo enfoque centrou-se na análise qualitativa e quantitativa dos erros na construção do discurso. Os resultados obtidos contribuíram para a investigação do PLE na Universidade Estadual de Santa Cruz, em especial no discurso escrito dos alunos oriundos da Espanha possibilitando um olhar mais aguçado sobre as dificuldades enfrentadas por estes e as possíveis causas as que se podem atribuir ditos erros. Palavras- chave: Língua Estrangeira – Ensino – Língua Portuguesa – Marcadores discursivos. Abstract: Nowadays the cultural approach has supported Language teaching. This prerogative brings new conceptions for teaching, expanding the reflection upon teaching languages. The teaching of Portuguese as a Foreign Language (henceforth PFL) has been impacted by some advances. The emerging communication presents some reflections on the results

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obtained through research carried out at Alcalá University — Spain, with the topics focus on teaching of Discourse markers for Spanish speakers who were PFL students. That research had as its material the written production of those learners focused in the qualitative and quantitative analysis of the errors on discourse. The results obtained has contributed to investigation of PFL at UESC (St. Cross State University), specially written production of some of those students from some other countries, offering a more profound gaze about difficulties to be faced by them and the possible causes to some errors. Keywords: Foreign Language – Teaching – Portuguese – Discourse markers.

PRELIMINARES

Esta investigação foi alimentada por duas vertentes: a difusão do português no âmbito hispânico e a introdução no ensino dos marcadores discursivos. A respeito do primeiro, é um dado relevante a expansão da Língua Portuguesa como Língua Estrangeira (doravante PLE), as políticas para o ensino e aprendizagem de línguas estrangeiras (LE), as quais estão em ascensão. Há vários fatores contribuindo para essa tendência, entre os quais a globalização que dentro deste processo econômico, muitos países se juntaram e formaram blocos econômicos, cujo objetivo principal é aumentar as relações comerciais entre os membros e com isso surgem os acordos político-econômicos entre os países do MERCORSUL, que têm desencadeado um interesse pelo processo de ensino tanto do idioma espanhol como do português nos países envolvidos.

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Nesse contexto, observa que o ensino de PLE tem crescido muito nos últimos anos. Diante desse cenário, uma das razões mais frequentes que estimulam o estudante estrangeiro a aprender português é a interação comunicativa entre os interlocutores, tornando emergente a necessidade de um bom manejo do discurso falado e escrito. Assim, a produção escrita exige, entre ostros aspectos, o monitoramento linguístico e uso adequado dos marcadores próprios do estilo formal, responsável pela progressão argumentativa que o falante realiza para a aprendizagem do português como língua estrangeira.

Nessa perspectiva, entre o PLE e outras línguas observa-se que o aluno, cuja língua nativa é o espanhol, na sua aproximação com o português apresenta uma série de traços comuns, mesmo sendo aluno principiante. Ao discutir a aprendizagem de língua estrangeira, partindo dos pressupostos das teorias do ensino de línguas, todo falante de espanhol a priori tem conhecimentos e habilidades comuns entre a língua de origem e a língua-alvo. Para Almeida Filho (1993), o aluno vivencia uma incômoda sensação: a de perceber uma ausência de claros definidores de aspectos da nova língua que servem para construir o entremeado sobre o que fundamenta seu processo de aprendizagem. Este último aspecto se relaciona com a dificuldade que supõe para o aluno, na sua produção escrita ao usar os marcadores. Para os aprendizes hispanoparlantes, os quais geralmente alimentam uma falsa ideia de facilidade comunicativa induzida pela

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semelhança entre a língua materna e a língua estrangeira (LM e LE). Com essa crescente demanda, tem aumentado o interesse por parte dos professores de PLE porem desenvolver instrumentos de ensino mais eficazes que conduzam a superação das dificuldades provenientes em alguns casos de semelhança entre as duas línguas ao contrastá-las.

Entre as dificuldades, temos identificado as que se referem aos marcadores argumentativos pela dificuldade do uso dos conectores em contextos profissionais, pois isso exige dos falantes maior capacidade argumentativa na defesa ou discussão dos seus argumentos.

Assim, nossa atenção voltou-se para os conectores argumentativos. Esses são aqueles MDs que estabelecem uma relação argumentativa no discurso e que conduzem ao receptor determinadas inferências e conclusões. Daí que sua manifestação seja tratada como um signo de identidade do texto argumentativo, signo de identidade, mas não privativo, pois esses conectores se dão também na narração, na exposição e na descrição, esta última muito usada, sobretudo pelos aprendizes do nível inicial. Nessa linha de pensamento, não se pode surpreender que "em sentido débil todo texto é argumentativo" (NÚÑEZ e DEL TESO 1996, p. 193)2. O texto argumentativo é aquele tipo textual que aporta razões e

2 Esta é a intuição pela qual descansa a Rethorical Structure Theory de Mann e Thompson.

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argumentos com o propósito de mover ao receptor a uma determinada conclusão.

Com esta definição, podemos dizer que a argumentação, assim como qualquer outro tipo de texto, é o resultado de um processo cognitivo que precisa de conhecimento dos elementos linguísticos para constituir e relacionar argumentos que levem a umas determinadas conclusões, a favor ou contra uma determinada opinião.

Para fomentar esta investigação, analisou-se desde sua perspectiva teórica até chegar a aplicação sistemática da análise dos erros, um corpus de 150 composições livres, constituído de textos pertencentes não só às características argumentativas, mas também aos tipos narrativo e descritivo. As produções escritas foram produzidas por hispanoparlantes aprendizes de PLE, alunos do Centro de Línguas Estrangeiras da Universidade de Alcalá, entre o período de outubro de 2001 a junho de 2003. Elaboramos a classificação, descrição e análises detalhando os erros, podendo detectar que tipos de erros ou equívoco apresentam, quais são os mais problemáticos e porque se produz quando os alunos têm de usar os conectores argumentativos e contra-argumentativos na produção escrita. Para o entendimento do estudo dos erros, nos baseamos na teoria da metodologia da análise de erros.

Diante do exposto, fizemos uma reanálise dos marcadores discursivos incluindo uma proposta classificatória

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desde distintos enfoques teóricos da Linguística Aplicada, como a importância de analisar a aquisição linguística da língua-alvo através dos textos produzidos. A partir dessas classificações já existentes, propusemos uma adaptação que desse conta da nossa análise. Ressaltamos que a classificação que propomos é, sem dúvida, discutível, pois acreditamos ter cumprido nosso primeiro objetivo, de proporcionar uma visão um pouco mais clara do que sejam os marcadores do discurso no âmbito da Linguística Aplicada, ampliando um pouco mais os estudos neste campo.

Uma vez delimitado e caracterizado o grupo que denominamos marcadores discursivos, nosso segundo objetivo foi estabelecer a unidade mínima de análises desses conectores apresentados nas composições dos hispanoparlantes, pertencentes ao sistema da língua. Embora esta investigação tenha centrado na análise dos conectores argumentativos presentes no discurso escrito, não relegamos em ocasiões o encontro da realidade comunicativa no discurso oral, o que nos permitiu ampliar os usos e valores do conector quando aparece em diferentes contextos. Diante disso, foi possível observar se os alunos cometem erros ou se equivocam ao se apropriar de certos valores ao usar o conector na L2.

Para analisar os erros, nos apoiamos na teoria da Análise de Erros ( doravante AE) com algumas contribuições da Análise Contrastiva (doravante AC). As classificações

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desenvolvidas neste trabalho abarcam todas as categorias da língua, entretanto, no que se refere ao discurso, são bastante superficiais. Ante a inexistência (G. VAZQUEZ, 1991; SANTOS GARGALLO, 1993) ou inadequação (S. FERNÁNDEZ , 1997) dos critérios estabelecidos para a análise de erros discursivos, reelaboramos uma proposta de critérios desde uma perspectiva morfossintática e semântica, a partir da já existente, com o propósito de que nos proporcione uma classificação dos erros no uso dos conectores argumentativos e contra-argumentativos na produção escrita. Tal proposta, condicionada pelas unidades presentes no corpus, contemplou quatro tipos de erros: adição, omissão e eleição de modo e tempo verbal.

A interface entre a metodologia da AE, os conceitos e funções dos conectores tomados da Teoria de Argumentação mais as contribuições da pragmática nos levaram a entender claramente não só a finalidade dos conectores presentes no discurso, mas também a intenção do emissor. Inclusive, quando esta não estava explícita, devido ao uso inadequado dos marcadores, houve uma maior confiabilidade em nossa análise e uma maior segurança em nossas explicações.

Os dados proporcionados pela produção linguística dos hispanoparlantes aprendizes de PLE, a partir dos paradigmas quantitativo e qualitativo, ratificaram a hipótese de interferência da língua materna como causa da maioria dos erros no uso dos elementos linguísticos em estudo.

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No decorrer do estudo, quando resenhamos as teorias e os métodos no ensino de línguas estrangeiras, evidenciamos o papel da LM no processo de aprendizagem da L2. Embora não haja ainda um acordo sobre que tipo de influencia exerce exatamente a LM sobre o processo de aprendizagem da L2, se admite a existência de erros provocados pela interferência da LM na L2. Assim, na aprendizagem de uma língua que se assemelha a L1 dos aprendizes, como acontece com o espanhol e o português, a língua materna serve de base e facilita a aprendizagem da L2, sobretudo nos níveis iniciais. Entretanto, os níveis mais avançados, os erros tendem a persistir e são difíceis de excluir, devido a interferência da L1 e, no caso dos conectores, há a progressiva complexidade dos textos que se exige3. Em ambos os níveis, a LM interfere na aprendizagem da L2, mas não da mesma forma. No primeiro caso, funciona como fator de aperfeiçoamento da competência comunicativa. De fato, nessa investigação constatamos que a maioria dos erros no uso dos conectores argumentativos, produzidos pelos alunos de PLE, são devidos à interferência de sua língua materna.

Para melhor apreciação dos resultados quantitativos e qualitativos dos erros, transcrevemos a continuação um gráfico no que apresenta os casos e estrutura específica dos 3 Neste trabalho procuramos não centrar a atenção sobre os aspectos da transferência e interferência, pois ao utilizar as teorias de Análise de Erros e a metodologia de Análise Contrastiva não temos como indagação compreender os processos mentais que desencadeiam os erros direta ou indiretamente.

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erros produzidos pelos hispanoparlantes ao usar os conectores na L2.

Gráfico 1- Classificação por tipos de erros

Como se pode observar, 46% dos erros se referem à adição dos conectivos seguida por 27% de erros na omissão. O terceiro tipo de erro mais produzido corresponde à eleição errônea de um conectivo, seguida dos erros de modo e tempo verbal que representam a menor cifra com 9%.

Os dados revelam que a adição tem mais problemas para os aprendizes, seguido do uso errôneo da omissão e erros de modo e tempo verbal no uso dos conectores concessivos. Observando a porcentagem dos erros, pode-se dizer que houve um distanciamento entre os níveis elementar e intermediário, mas entre o nível intermédio e avançado

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nota-se uma evolução positiva do que vimos uma gravidade de erros nos níveis anteriores.

Os alunos do nível elementar são os que apresentam mais problemas, sendo que os erros apresentam uma evolução negativa. Nos primeiros níveis, sua porcentagem oscila entre diferentes etapas. Esse fato não quer dizer que houve mais assimilação ao usar o marcador, ocorre o fenômeno da omissão ou o câmbio por outra palavra para prevenir possível erros, podendo ser uma interação das interferências interlingual e intralingual, além de uma intervenção da língua materna ao longo da aprendizagem no uso dos conectivos que os aprendizes optam erroneamente. A respeito da omissão, estes são mais significativos, havendo uma tendência a diminuir os erros a medida que aumenta o conhecimento dos alunos.

Em termos numéricos, esta investigação analisou 402 erros (sendo 249 erros na construção do discurso e 153 significante), que em relação ao número total de usos corretos (919) que equivale a uma média de erros de 31%, número relativamente alto para o grupo de conectivo investigado. Isso quer dizer que o uso dos conectivos pelos hispanoparlantes é um problema acerca da interferência da LM. Portanto, essa categoria merece uma atenção especial no momento de realizar estratégia para o ensino dos conectivos no contexto de PLE. Não observamos os resultados só dos acertos e dos erros avaliados, mas também a porcentagem

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relativa, já que se pode pensar que um número maior de erros implica uma dificuldade maior para os aprendizes e não ter em conta seus certos na produção. No gráfico seguinte demonstramos a análise quantitativa e a média de erros em cada nível.

Gráfico 2- porcentagem de erros/acertos por nível

As porcentagens que mostram o gráfico são muito significativas e isso quer dizer que os erros no uso dos conectivos são persistentes em etapas sucessivas e mais elevadas, embora a porcentagem não diminua o número absoluto de erros. Sendo assim, se observa a porcentagem do nível elementar, nota se que os erros correspondem quase a metade das produções escritas pelos alunos, contudo estão nos níveis intermédio e avançado. Apenas existe diferença no

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processo de aprendizagem no uso dos conectivo tende a diminuir nestes dois níveis.

Enquanto ao tipo de erros, assim foi a distribuição. Os 402 erros foram distribuídos 114 de adição, 23 de eleição errônea, 66 de omissão e 46 erros de tempo e modo verbal que corresponde respectivamente a 46%, 9%, 27% e 18%. Dos erros encontrados, 153 são erros no significantes, dos quais 86 casos se referem ao uso do conector adversativo, provenientes dos seguintes níveis: 39 casos estão no nível elementar, 32 no nível intermédio e 15 no nível avançado. Esses erros podem ser atribuídos à confusão que os alunos têm em relação às normas de uso dos conectores da língua meta.

Dos conectivos contra-argumentativos, o que mais apresentou problemas foi o conectivo mas. Em 32 dos casos, a forma mas foi substituída pelo advérbio mais, segundo a seguinte distribuição: 11 desses se dão no nível elementar, 15 no nível intermédio e 6 no nível avançado. Este tipo de erro do vocábulo mais se podia classificar como um caso de interferência fonética entre o advérbio português mais e o advérbio espanhol más e, no caso do corpus utilizado, os alunos se apegaram à palavra mais quando ouviram não só a professora, como também aos companheiros, deduzindo erroneamente que a forma correta para utilizar a conjunção mas, que em português fala e escreve como em espanhol, era utilizar o mais em vez do mas. Nessa linha de pensamento,

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consideramos que este tipo de interferência pode afetar grau de dificuldade para o aluno de uma língua estrangeira, como também a interferência do registro oral. Com o objetivo de ensinar ao aluno a diferenciar mas de mais, podíamos recorrer a atividades auditivas. Contudo, as atividades podem realizar-se de maneira solitária, para fazer ouvir aos estudantes e apresentar um texto transliterado, com rigorosa ortografia da amostra de fala que tenha escutado.

No caso concreto da língua estrangeira, o conhecimento do léxico provavelmente será parcial, já que o aluno pode dominar algumas propriedades lexicais e não dominar outras. Laufer (1989) propõe que o conhecimento de uma palavra implica o conhecimento da sua forma (fonológica, gráfica e morfológica), seu comportamento sintático, seu significado (referencial, associativo, pragmático) e suas relações com outras palavras (paradigmáticas e sintagmáticas).

Finalmente, confirmamos que os alunos se apoiam em estratégias semânticas, sintáticas, pragmáticas e estilísticas que contribuíram com o cumprimento dos objetivos da produção. Esses recursos não são utilizados de forma consciente pelos alunos e em geral são aprendidas à medida que esses alunos passam a produzir diversos tipos de composições.

Assim, observamos o uso de determinadas estratégias sistemáticas e comuns em relação a alguns alunos em

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pequeno número, uma vez que estas podem ser válidas para outros aprendizes de português como língua estrangeira, cuja língua materna não tenha troncos comuns ao espanhol, considerando que são estratégias universais, como: a simplificação generalização. É um processo de aproximação dos idiomas onde surgem os inumeráveis problemas de generalização da igualdade ou de facilidade comunicativa, que oculta muitas vezes a dificuldade gramatical. Com relação a esse aspecto Toríjano & Agustin (2004) propõe que se aproveite as generalizações que o aprendiz faz para conhecer o ponto de partida e caminha muito lentamente, até a aquisição de outra língua.

A análise realizada nas composições dos alunos demonstra que tem um conhecimento linguístico suficiente para produzir textos, o qual se observa na maioria das relações explícitas dos conectores utilizados para introduzir os argumentos. Nesse trabalho, objetivamos uma situação em que os alunos deviam produzir textos livres. De acordo com os dados, observou-se que tais discentes utilizaram conhecimento de sua competência textual para produzir textos narrativos e descritivos com superestrutura para o texto argumentativo. Deste modo, comprova-se que os membros de uma cultura dada podem conhecer qual é a organização global de várias tipologias textuais da língua portuguesa.

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Os 21 informantes que participaram nesse trabalho constituem uma amostra representativa dos estudantes de PLE, são falantes de espanhol que estão motivados para aprender o português do Brasil. Embora os alunos não tenham estudado em um ambiente de imersão, observa-se que os resultados obtidos no que se refere ao uso dos conectores argumentativos e contra-argumentativos, apresentam coerência ao amparar os objetivos dessa investigação. O ensino do uso dos conectores na escrita dos alunos aprendizes de português precisa ser objeto de novas investigações pela importância que estes têm tanto na argumentação escrita, como no desenvolvimento de outras habilidades comunicativas. O ensino desses conectores é relevante não só para o ensino de PLE como também para o ensino da LM, além dos diversos pontos de vista não só desde uma perspectiva puramente gramatical já que:

Hoy se entrecruzan en provechoso maridaje la psicolingüística, la sociolingüística, la pragmática, la semiótica, la etnografía de la comunicación, la lingüística textual y el discurso oral con su joven hija la teoría de la conversación. Se estudia detenidamente el proceso de aprendizaje, se somete a diversos asedios el concepto de competencia comunicativa, se trabaja con detalle la multiplicidad de objetivos en relación con el tipo de enseñanza, se revisan y vuelven a revisar los contenidos curriculares, se replantea lo relativo a las

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habilidades lingüísticas que interesan, se analizan nuevos procesos de evaluación y se incorpora a todas estas tareas el maravilloso mundo de la tecnología. (MORALES, 2004, p.17).

Sendo assim, esperamos que os resultados dessa investigação possam contribuir a intervenção no ensino de PLE mediante uso de metodologia e materiais mais adequados e eficazes, que tenham em conta as estratégias, as interferências e as insuficiências na formação de estudantes de línguas estrangeiras, no que concerne a sua capacidade argumentativa no uso da linguagem escrita.

Acreditamos que esse trabalho tenha alcançado os objetivos propostos. Esperamos que não seja tarde para pensar que, dedicando um pouco mais de esforço, podemos, a partir do conhecimento das causas, dos erros, refletir sobre o ensino dos conectores argumentativos e contra-argumentativos na produção escrita de PLE e que esses possam promover uma progressiva aprendizagem de ditos elementos e a consequente redução dos erros nos níveis que esses deveriam estar superados. Assim, acreditamos, na possibilidade de que futuras investigações possam ir mais adiante.

Toda essa complexidade está ligada à atividade de estruturação dos enunciados pelos aprendizes. Ressaltamos o fato de que existe uma margem muito ampla de liberdade organizacional, suscetível a múltiplas pressões ligadas à

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necessidade e ao desejo de sucesso na interação. Entendemos, desse modo, as diferentes funções-textuais que o falante pretende demonstrar, já que a norma tradicional não responde o que questionamos, sobretudo no ensino de PLE. Para tanto, urge a necessidade de rever o uso desses elementos linguísticos sob o prisma do discurso, o que nos levará ao encontro de soluções metodológicas que possam superar não só a situação enganosa da facilidade, como também certas áreas de dificuldade no ensino-aprendizagem do português para hispanoparlantes.

REFERENCIAS BIBLIOGRÁFICAS

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SANTOS GARGALO, I. Análisis contrastivo, análisis de errores e

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interlengua en el marco de la lingüística contrastiva. Madrid: Síntesis, 1993.

TORÍJANO Pérez, J. Agustín. Errores de Aprendizaje, Aprendizaje de los Errores. Madrid: Arco Libros, 2004.

VÁZQUEZ, G. Análisis de errores y aprendizaje de español/lengua extranjera, Análisis, explicación y terapia de errores transitorios y fosilizables en el proceso de aprendizaje del español como lengua extranjera en cursos universitarios para hablantes de alemán, Frankfurt am Main: Peter Lang, 1991.

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PROBLEMATIZANDO O ENSINO DA REDAÇÃO4

RENDER PROBLEMATICS TO ESSAY WRITING TEACHING5

Darcilia Simões (UERJ-CNPq-SELEPROT) Rosane Reis de Oliveira

(UERJ-SELEPROT)

Resumo: Esta comunicação visa a promover reflexões sobre o ensino de redação, focalizando, em especial, a seleção lexical adequada. Desde 1972 nos dedicando a esse tema e, a cada dia, mais me inquieto com a qualidade dos textos, em particular no processo de redação das monografias, dissertações e teses. É frequente a presença de formas coloquiais nesses textos que devem ser escritos no registro formal. A frequência de sintagmas em que figuram signos impróprios é, no mínimo, preocupante. Esse problema indica uma lacuna no ensino da língua, no que concerne à ampliação do repertório dos estudantes. Trabalhando segundo a ótica icônico-funcional, tenho procurado demonstrar aos redatores como testar a adequação dos membros de um sintagma. Oriento a observação dos signos verbais segundo a proposta lexicogramatical de Halliday, a qual favorece a abordagem pelo viés icônico (que venho elaborando desde 2006), em que se busca não só a compatibilidade semântico-discursiva dos membros do sintagma, mas também sua potencialidade icônica (representativa) ou indicial (indutiva). Concluo que seja necessário que se dê mais atenção à semântica, uma vez que há uma antiga preocupação com a coesão e a coerência do texto. Ademais, o estudo embasado nos gêneros textuais implica domínio da variação linguística e suas consequências relacionadas ao tema, gênero, contexto de produção e, indiscutivelmente, a inteligibilidade do texto. Eis, portanto, pequena

4III Seminário Nacional de Português como Língua Estrangeira e II Jornada Regional de Linguística e Letras – UESC, 2012. 5Tradução: Victor Teixeira de Menezes Mendes. E-mail: [email protected]

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mostra do trabalho que praticamos desde 2002 — auxiliado pelo programa Wordsmith Tools — e que vem dando bom resultado, trazendo melhoria significativa aos textos dos orientandos. Palavras-chave: Ensino de Redação – Seleção Lexical – Gêneros Textuais - Variação Linguística - Língua Portuguesa. Abstract: Our communication aims at promoting the analysis of the essay writing teaching, focusing specifically on the selection of adequate lexis. Since 1972 I am dedicated to this theme, and day after day, the quality of the texts increases my curiosity, especially regarding the monograph, papers and thesis composition process. It is common to observe colloquial forms in such texts, which should be written in the formal register. The frequency of syntagmas where inadequate signs are detected is, at least, worrying. In my view, such problem indicates a gap in the language teaching concerning the increase of students’ vocabulary. Working in accordance to the iconic-functional perspective, I have been trying to show the students how to test the adequacy of the syntagmas members. I suggest the analysis of the verbal signs according to Halliday’s lexical-grammatical proposal, which guides to an iconic oriented approach (what I have been working on since 2006), through which not only the sematic-discursive compatibility of the syntagmas members is intended, but also their iconic (representative) or indicative (inductive) potential. It is concluded that it is necessary to give more attention to semantics, once there is a previous expectation regarding the text’s cohesion and coherence. Furthermore, the study based on the text genres implies mastering of the language variation and its consequences related to theme, genre, production context and, undoubtedly, the text’s intelligibility. I thus present a sample of my advising work, developed since 2002 — assisted by the software Wordsmith Tools — that is achieving good results, causing important improvements to the advisees’ texts. Keywords: Essay Writing Teaching – Lexical Selection – Textual Genres – Language Variation – Portuguese Language

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PRELIMINARES

Partindo da premissa de que os estudantes chegam ao terceiro grau sem a fluência verbal esperada, em especial no que tange à expressão escrita, pode-se afirmar que é preciso intervir no processo de ensino da língua portuguesa (L1), sobretudo no que concerne à preparação para a produção de textos.

Após pesquisas que venho realizando desde 2002, tendo por córpus textos produzidos por alunos da graduação em Letras do Instituto de Letras da Universidade do Estado do Rio de Janeiro, já foi possível concluir sobre a dificuldade de redação desses estudantes, mormente no domínio do léxico. Por isso, tenho centrado a atenção sobre a produção escrita dos graduandos em foco, com vista a não só apreciar e escalonar os tipos de dificuldade manifestados, mas tentar formular estratégias que venham a possibilitar a ampliação do repertório discente e a seleção/ativação adequada de itens léxicos em seus futuros textos.

Acrescento ainda que a renovação do processo de ensino da produção textual implica avanços no ensino da leitura, a qual alimenta a constituição do repertório do falante e, subsequentemente, possibilita a produção de textos mais eficientes.

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BASE TEÓRICA

Abre-se a revisão seguindo Charles Bazerman (2007, p. 110), quanto à íntima relação entre o desenvolvimento da escrita articular-se com o desenvolvimento das relações interpessoais. O ser social evolui à medida que interage com outras pessoas, negocia ideias, manifesta sensações, impressões, sentimentos, emoções. “Sua proximidade e distanciamento em relação aos outros e à sua consciência de si e dos outros” (id.ib.) são variáveis que operam no crescimento linguístico dos sujeitos e atuam na sua expressão, muito particularmente na escrita, que não conta com signos não verbais complementares e que cooperam na semiotização e na semiose em si (produção de sentido). Assim sendo, considera-se a atuação da linguagem na constituição do eu, na moldagem de sua face social — a que o sujeito apresenta ao mundo — e de seu eu interior. Tudo isso tem de ser considerado quando se trata do universo da escrita. O aprendizado da escrita é a preparação do sujeito para “assumir uma presença ousada no mundo e entrar em complexas relações com os outros” (idem), em qualquer que seja o tipo/nível de atuação/interação.

Bazerman afirma que o uso que se faz da linguagem é aprendido no universo das relações, e os sentidos e usos da linguagem são profundamente afetados pelas emoções relacionadas à segurança e à ansiedade. Portanto, é indispensável que o falante desenvolva uma atitude confiante

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quando da aquisição da linguagem e mais ainda quando de sua expressão verbal. Para tanto, o ensino da escrita exige que seja considerada a moldura sociocultural em que se inserem os aprendizes, para que o docente possa intervir positivamente no sentido de dar aos discentes condições de vencer a insegurança e a ansiedade e, assim, poder ampliar seus recursos verbais e produzir textos (orais e escritos) com menor dificuldade. Em alguns casos mais graves, o que se busca é deflagrar nos sujeitos a capacidade e a habilidade de produzir enunciados inteligíveis e, em seguida, transformá-los em textos.

Traduz-se enunciado como qualquer manifestação verbal articulada e sensível à interpretação por outrem. Já defini enunciado em perspectiva fonológica da seguinte forma: “Entendemos como enunciado6 a emissão de uma sequência acabada de palavras de uma língua, precedida e seguida por pausa respiratória não passível de pontuação7 (SIMÕES, 2006a)

6 O fechamento do enunciado é assegurado por um período de silêncio antes e depois da sequência de palavras, silêncios realizados pelos falantes. (cf. Dubois, op. cit.) 7Pontuação aqui está entendida como demarcação sinalizada de pausa média ou longa em decorrência da extensão dos enunciados, da inversão da ordem lógica e da indicação de termos que participam de funções especiais da linguagem, como: metalinguística (o aposto); conativa (o vocativo); fática (interjeições, operadores argumentativos, marcadores conversacionais etc.)

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Tomando o enunciado como unidade primária, pode-se deduzir a sua importância, pois se os enunciados não estiverem razoavelmente estruturados, é remota a chance de se produzir textos a partir deles. Para que o processo de ensino da escrita — aqui entendida como competência gráfica de expressão verbal — se realize e atinja a eficiência sociointeracionalmente desejada, algumas teorias vêm sendo desenvolvidas em várias partes do mundo e em várias áreas do saber. Como esta pesquisa é semiótico-funcional, trazemos à operação as contribuições da perspectiva lexicogramática de Halliday (1976, 19748 e 2004), da iconicidade lexical de Simões (2003, 2006ª e 2006b, 2007, 2009) e da proposta semiótico-discursiva dos gêneros de Gunther Kress (v. BALLOCO, 2005).

Para Kress, “os gêneros são tipos de texto que codificam os traços característicos e as estruturas dos eventos sociais, bem como os propósitos dos participantes discursivos envolvidos nos eventos” (KRESS, apud BALLOCO, 2005 p. 65). Por isso, os gêneros textuais não podem ser estudados sem que se considerem os elementos não verbais que os constituem. Nessa perspectiva a forma da linguagem escrita inclui elementos visuais verbais e não verbais que funcionam como âncoras textuais (SIMÕES, 1991) que auxiliam na produção da interpretação, uma vez que os textos em geral, trazem marcas ideológicas, socioculturais que interferem na elaboração do seu sentido. Como se pode ver, a perspectiva

8 Primeira edição de An Introduction to Functional Grammar data de 1985.

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discursivo-semiótica se distingue de outras teorias porque leva em conta a inter-relação entre signos verbais e não verbais na configuração de um texto.

A teoria da iconicidade verbal proposta por Simões (2009) bebe nas fontes da semiótica norte-americana (C. S. Peirce) e, no plano do léxico — iconicidade lexical – consiste na observação dos itens léxicos como índices e ícones que (dês) orientam a semiose. Segundo esse raciocínio, o falante deve ser orientado para captar as qualidades sígnicas que possam induzir um raciocínio ou mais bem representar uma ideia de forma icônica. A representação icônica, observada na perspectiva funcional, significa a possibilidade de um signo “desenhar no texto” uma imagem correspondente ao caminho seguido pelo raciocínio do falante.

Essa perspectiva dá forças à análise estilística, uma vez que permite interpretar semioticamente as decisões formais do enunciador representadas na escrita (ou mesmo na fala). Por exemplo, a ordem lógica é de baixa representatividade, uma vez que nem sempre corresponde à ordem de condução do raciocínio do enunciador. No entanto, a formulação em ordem psicológica — que antecipa termos a destacar ou projeta para diante termos secundários — exige maior domínio linguístico do falante, uma vez que as relações entre os termos das orações ou dos períodos dependem das relações semântico-sintáticas bem estruturadas. Por isso, é de muito mais rápida intelecção a frase “Economia brasileira tem

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menor crescimento dos últimos três anos”9 que “O Produto Interno Bruto, divulgado nesta sexta-feira (1º) pelo IBGE, foi mais baixo que o estimado pelo governo. Alguns setores encolheram.” Isto porque se deve ao fato de, na segunda frase, o jornalista intercalar a expressão “divulgado nesta sexta-feira (1º) pelo IBGE”10 entre o sujeito e o predicado, quebrando temporariamente a organização lógica dos termos. Na perspectiva estilística, a intercalação cumpre a função de dar destaque ao IBGE como informante de autoridade dos dados, a partir dos quais se afirma o baixo crescimento do PIB; ao mesmo tempo que insere o trecho “Alguns setores encolheram”, ao final do parágrafo, sugerindo assim a secundariedade desta informação.

Também é possível observar a iconicidade verbal em relação ao seu potencial de deflagrar a criação de imagens na mente do interlocutor. Veja-se a frase: “O Rio de Janeiro completa nesta sexta-feira (1º) 448 anos e ganha um presente encantador.11” ESSE texto parece levar o leitor a pensar alegoricamente o Rio, em plena festa de aniversário recebendo um presente. No entanto, a referência é a inauguração do Museu de Arte do Rio justamente na data de fundação da Cidade do Rio de Janeiro.

9 In http://g1.globo.com/jornal-nacional/ Acesso em 01/03/2013.

10 Idem. 11 http://g1.globo.com/jornal-nacional/noticia/2013/03/museu-de-arte-do-rio-e-aberto-com-presenca-de-dilma-rousseff.html

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Vejam-se algumas manchetes sobre esse fato:

1. Dilma inaugura Museu de Arte do Rio.12 2. Museu de Arte do Rio abre hoje e expõe peças de

acervo dos museus Ibram.13 3. MAR: conheça o Museu de Arte do Rio,

inaugurado nesta sexta-feira.14

O foco de cada um dos textos recai sobre objetos empíricos distintos: (1) Dilma, (2) Museu de Arte do Rio; (3) MAR (sigla do Museu de Arte do Rio). Observe-se que a escolha do foco, por conseguinte, da posição temática de sujeito faz com que cada uma das reportagens destaque dados distintos, dirigindo assim o interlocutor para leituras específicas. No caso 1, privilegia-se a presença do Governo Federal num evento do Rio; no 2, é o museu em si mesmo que é apresentado ao leitor como algo relevante; e em 3, o mar reativa o foco no museu, mas é secundário em relação ao dia da inauguração. Como se tratam de reportagens, essa movimentação de foco decorre do projeto jornalístico e de suas relações sociopolíticas com o tema da reportagem.

12 http://noticias.terra.com.br/brasil/politica/dilma-inaugura-museu-de-arte-do-rio,c62650a686f1d310VgnCLD2000000ec6eb0aRCRD.html 13 See more at: http://www.museus.gov.br/destaque/museu-de-arte-do-rio-abre-hoje-e-expoe-pecas-de-acervo-dos-museus-ibram/#sthash.QBjxoJau.dpuf 14 http://veja.abril.com.br/noticia/celebridades/mar-conheca-o-museu-de-arte-do-rio-inaugurado-nesta-sexta-feira

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Quanto à perspectiva lexicogramatical de Halliday, de alguma forma o enfoque icônico já denuncia a importância da escolha dos itens léxicos a serem ativados num texto. Halliday afirma que a linguagem é um complexo sistema semiótico composto por múltiplos níveis ou estratos, dos quais destaca a gramática como seu principal núcleo. Acrescenta que, para ser mais preciso, contudo, optou por tratar desse sistema como lexicogramatical porque abarca ambos, a gramática e o vocabulário, indiscutivelmente. No plano lexicogramatical, estuda-se a palavra no discurso-texto, no ato de interação. Na ótica da gramática funcional, põem-se em primeiro plano suas regras de construção do significado.

Pode-se concluir então que, Kress, Simões e Halliday investigam a interação verbal como fato concreto e buscam descrever como as relações gramaticais se realizam por meio das escolhas vocabulares com vista a produzir textos inteligíveis, portanto, suficientes para a concretização das metafunções ideacional (no plano das representações, icônicas e indiciais), textual (produzindo enunciados eficientes quanto ao projeto de dizer) e interpessoais (viabilizando a comunicação entre os interlocutores).

No entanto, para que se atinjam esses níveis da organização verbal, é preciso antes de tudo desenvolver o vocabulário e, em seguida, a competência semântico-sintática a partir da qual se constroem sintagmas inteligíveis e adequados ao tema em questão.

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PROPOSTA DE TRABALHO

Nossa proposta relativa ao desenvolvimento da competência textual tem como objetivo geral orientar a produção textual escrita do gênero (cf. KRESS) texto acadêmico no registro formal, mediante suporte na teoria da iconicidade verbal (SIMÕES) e na gramática sistêmico-funcional (HALLIDAY); e como objetivos específicos: (1) provocar a produção de textos em registro formal com até 6000 caracteres (incluídos os espaços) por meio digital; (2) apreciar a produção com auxílio do mecanismo de alterações controladas e balões de comentário com instrução para reescrita; (3) apontar problemas lexicais e seu impacto na colocação, na concordância e na regência verbal.

O caminho metodológico consiste em: (1) modificar o protocolo de ensino da gramática; (2) discutir a gramática diretamente nos textos dos alunos; (3) exercitar o trabalho no nível lexicogramatical (lexical + semântica + sintática); (4) explorar recursos digitais na produção de textos (MS Word), (4.1) na correção individualizada das redações produzidas e (4.2) no levantamento e discussão de itens verbais (Wordsmith Tools - WST) atualizados no texto.

Historicamente o ensino de língua tem sofrido mudanças que, no âmbito da produção dos textos, só começa a apresentar resultados a partir da década de 70, quando ganha força a Linguística do Texto ou Linguística Textual, doravante LT neste artigo. No Brasil, Koch é o nome que bem

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representa essa linha teórica. A partir de seus estudos, vêm à tona as propostas de Weinrich, Van Dijk, em seus trabalhos do início da década de 1970, Lang (1971, 1972) e Petofi (1972, 1974), entre outros (cf. Koch, 1997). As estratégias de abordagem técnico-didática pautadas na LT substituem o trabalho ascendente — da frase ao texto. Esse passa a ser visto como unidade linguística hierarquicamente mais elevada; uma entidade do sistema linguístico, cujas estruturas possíveis em cada língua devem ser determinadas pelas regras de uma gramática textual.

Cumpre mencionar alguns autores funcionalistas, cujos trabalhos tiveram enorme importância no desenvolvimento da LT. Halliday& Hasan (1976) em Cohesion in English definem e explicitam o conceito de coesão, que é fundamental nos estudos textuais. Os funcionalistas de Praga descreveram a organização hierárquica da informação em frases e sequências textuais, desenvolvendo as noções de tema/rema, dinamismo comunicativo e progressão temática, que são fundamentos da LT. Esses estudos provocaram a mudança de paradigma do ensino da língua, passando a valorizar o texto e dele partir para todos os demais estudos analíticos, em especial. E é essa perspectiva analítica que, de alguma forma, ainda atropela o processo de ensino e aprendizagem da escrita, da produção de textos.

A prática histórica de retalhamento dos textos em busca de formas gramaticais específicas como flexões,

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formações vocabulares, mecanismos sintáticos (colocação, concordância e regência), faz do texto uma peça a ser dissecada e não um objeto que comunica, que promove a interação entre os sujeitos. É frequente ouvir-se em reuniões docentes que o modelo de trabalho praticado é o textual, porém, as aulas sequer discutem gêneros, temas e subtemas, relações entre estes e o vocabulário ativado. O texto continua sendo usado como pretexto e reservatório de peças gramaticais e léxico-semânticas (buscam-se sinônimos, antônimos, parônimos etc.). Não se leva em conta o projeto comunicativo subjacente à superfície textual, a partir do qual são feitas as escolhas estruturais e estilísticas, uma vez que não se define algo da mesma forma um projeto que visa a informar claramente ou o que tem por objetivo ocultar o significado, despistar o leitor. Assim sendo, dependendo do projeto de dizer — instrucional, mandatário, intimidador, legislativo, judiciário, informativo, científico etc. — diferente será a organização do texto em todos os sentidos: desde o vocabulário até as estruturas frasais.

Temos lançado mão de recursos digitais não apenas na correção/orientação para reescritura do texto, mas também para processamento do material contido no texto com a meta de demonstrar os compromissos internos indispensáveis a tal produção: coerência, clareza e adequação. Estas são qualidades que implicam razoável domínio linguístico que, por sua vez, demanda o exercício da leitura como meio

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alimentador do manancial verbal a ser construído na mente do falante.

EXEMPLIFICANDO O LEVANTAMENTO POR MEIO DIGITAL.

Trabalhando apenas com os nomes presentes no conto “Frei Genebro” de Eça de Queirós (que integra o córpus de uma de nossas pesquisas atuais), o processador WST – segundo um corte que fizemos para reduzir a mostra em função dos limites deste artigo — produziu o seguinte gráfico a partir da frequência de cada item no texto.

QUADRO 1 - Gráfico da frequência de vocábulos no texto

Levantamentos dessa natureza demonstram o ajuste entre as escolhas léxicas, o tema e os subtemas que atravessam o texto. No conto em foco, o tema é religiosidade e caridade com vista à angelitude. Vê-se que o vocabulário

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ativado, no texto, comprova essa intenção temática (embora deixemos de fora neste exemplo considerações sobre o tom irônico do texto). Essa observação deve orientar o trabalho docente nas aulas de produção de textos. O estudante deve ser instruído no sentido de compreender a relevância da escolha apropriada das palavras com que produzirá suas frases e, por conseguinte, tecerá seu texto.

O processador digital WST fornece dados matemáticos que demonstram de modo objetivo a maior ou menor frequência de itens léxicos (palavras e expressões) com as quais o tema textual é reiterado (ou não).

Para a realização deste trabalho e atingimento de suas metas, é preciso que as práticas de produção textual sejam diuturnas, uma vez que a consolidação da competência escrita implica atividade orientada e continuada de produções. Essa proposta se consolida a partir das reescritas do texto após as correções e instruções propostas pelo docente, inseridas no arquivo digital do texto produzido pelo aprendiz. Ao estudante serão dadas oportunidades de reescrever por duas vezes (chegando à versão 3.0) o seu texto, tentando aprimorá-lo.

Assim sendo, toda aula promove uma redação, que é feita em aula e remetida ao docente em arquivo (*.doc ou *docx), anexo a um endereço de e-mail específico (combinado com a turma). Após a correção comentada, o texto é devolvido ao aluno pela mesma via. Em seguida, o aluno reescreverá o texto, usando não apenas as instruções apostas

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diretamente em seu texto, mas também usará uma tabela que reúne todos os comentários decorrentes da correção das redações da turma. Essa orientação inclui detalhamento sobre o gênero textual texto acadêmico, a variedade linguística culta, que é a apropriada ao gênero, e o recorte temático indispensável para que o texto seja viável.

Para ilustrar, apresento uma redação de aluno com marcas de correção / inserção em azul; apagamentos em vermelho; comentários e instruções gramaticais nos balões.

QUADRO 2 - Redação de aluno em processo de revisão

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Essa correção comentada é feita de modo semiautomático, pois a identificação dos problemas demanda conhecimento e habilidade docente e é feita texto a texto, cujos problemas serão específicos em alguns casos. A informação para a posterior reescrita — produção de nova versão do texto — é inserida em BALÕES DE COMENTÁRIO alimentados por MACROS

15 que o docente vai criando à medida que os problemas textuais se vão apresentando.

A TABELA DE CORREÇÃO (criada e utilizada por meio digital) automatiza o processo de correção, dá flexibilidade ao texto uma vez que permite a inserção de novos itens a partir da detecção de novo problema textual, sem, contudo, gerar borrões no texto em análise, os quais provocam dificuldade de leitura para a produção de nova versão pelo estudante. A seguir, mostra-se um recorte da tabela de correção.

FRASE DE CORREÇÃO MACRO DE RECUPERAÇÃO

Não se usa crase antes de plural, masculino ou forma verbal.

crs

Concordância verbal indispensável. cv

Quando quiser destacar algo, use o itálico. Deixe as aspas para a conotação ou para os títulos de textos.

destaca

Observe que a primeira forma de ADIÇÃO é feita por meio da conjunção E.

e

15 Substantivo feminino. 1. Inform. V. macroinstrução. [Aurélio, s.u.]

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A vírgula é índice da elipse verbal. lips1

O apagamento (ou elipse) de qualquer termo deve ser indicado com vírgula ou ponto-e-vírgula (este quando as ideias estão aparentemente completas).

lips2

QUADRO 3 – Recorte da Tabela de Correção

A frase de correção é a instrução gramatical, semântica, estilística, diagramática etc. que o aluno deverá seguir no processo de reescrita de seu texto. A macro de recuperação é um código de automação de procedimentos. Em nosso caso, cada macro aciona a ativação de uma frase de correção a ser inserida num BALÃO DE COMENTÁRIO vinculado a um problema textual. Assim:

QUADRO 4–Inserção de comentário

Digitando-se entre um e cinco caracteres (em média) — usando a tabela de correção que o docente produz e, em seguida, teclando-se F3, a frase correlata ao problema identificado é inserida no balão de comentário pré-aberto pelo corretor, conforme demonstrou a imagem anterior.

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Eis a tecla de Função F3

QUADRO5 - Localização da Tecla de Função F3

A seguir, a imagem da identificação do corretor no BALÃO DE COMENTÁRIO.

QUADRO 6 - Identificação do revisor -

Observe-se que o BALÃO DE COMENTÁRIO também é recurso do MS Word e, para inseri-lo no texto, clica-se na palavra REVISÃO (na barra superior). Esta abrirá nova barra

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onde aparecerá um ENVELOPE AMARELO com a inscrição, NOVO

COMENTÁRIO. Então, selecione no texto em apreciação o dado a ser corrigido e clique no envelope. Imediatamente se abrirá um balão com suas iniciais de revisão. No balão, digita-se a macro necessária e pressiona-se F3. Pronto, está dada a instrução para a reescritura.

Veja-se como funcionam as ferramentas de revisão.

QUADRO 7 - Ferramenta revisão

Aplica-se esse procedimento a cada problema encontrado no texto. Dessa forma, o aluno poderá realizar a reescrita orientada.

Como operar com macro? MS Word oferece, na barra superior de ferramentas, o recurso INSERIR > PARTES RÁPIDAS, a partir da qual se criam as macros para a correção. O código de macro — criado pelo docente — é um número mínimo de

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caracteres que funcionam como a “discagem rápida nos celulares”.

Uma vez digitado o texto que se pretende usar nas próximas correções, seleciona-se o texto (ctrl-T), clica-se, subsequentemente, nos ícones INSERIR > PARTES RÁPIDAS. Então se abre uma janela e o usuário clica lá embaixo, em SALVAR

SELEÇÃO NA GALERIA DE PARTES RÁPIDAS. Outra janelinha se abre, na qual se inserem as iniciais que representam a frase de correção.

QUADRO 8 - Instruções para inserção de partes rápidas.

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QUADRO 9 - Instruções para inserção de partes rápidas.

Com esses quadros, cremos (?) (creio?) que o docente já pode começar a testar o processo de revisão automatizada para orientação da produção de novas versões dos textos discentes. Entendemos que não há outra forma mais direta de intervenção, considerando que, em classe, não é possível atender individualmente os alunos. Logo, trabalhando-se os textos um a um, torna-se possível esse tão almejado diálogo de orientação direta: professor / aluno.

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GANHOS TÉCNICO-DIDÁTICOS DESTA PROPOSTA

A aprendizagem decorrente deste conjunto de estratégias permite ao aluno a reescritura automonitorada de seu texto, dando-lhe paulatinamente autonomia de produção. A autonomia vai-se instalando a partir das conclusões a que o enunciador (o redator, no caso) pode chegar: (1) ninguém escreve como fala nem fala como escreve; (2) é possível representar a fala na escrita; (3) todas as variedades linguísticas são válidas, mas devem ser usadas em conformidade com a situação de interação; (4) as diferenças de uso linguístico se manifestam no vocabulário e na formulação sintática, ou seja, no plano lexicogramatical.

A instrução sobre a iconicidade das formas explicita as relações semântico-gramaticais. O trabalho sistemático com as marcas estruturais e lexicais (ícones e índices) com que se organiza o texto — o aporte icônico-funcional — permite não apenas a compreensão das formas do texto como representação das ideias pelo código verbal, assim como o entendimento das escolhas sígnicas em relação aos seus papéis comunicativos pretendidos.

A contribuição didático-pedagógica é comprovável a partir da produtiva interação docente e discente; do avanço significativo nas práticas didáticas; do aproveitamento dos recursos cibernéticos disponíveis; da renovação e desenvolvimento de aulas mais dinâmicas e produtivas; da prática de um modelo de ensino atual e de fato eficiente.

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O resultado dessas novidades procedimentais é a revitalização do contexto de ensino e aprendizagem, que passa a ser prazeroso porque será eficiente. Todavia, é importante destacar que há todo um trabalho de base, invisível à sociedade, quando da preparação das aulas e da correção dos textos produzidos. Logo, o docente que decidir por adotar esta proposta de trabalho não deve iludir-se com as facilidades digitais, pois o trabalho técnico-teórico é suporte indispensável para a eficiência da prática pedagógica. Esta, a seu turno, deverá ser continuada para que surta os efeitos desejados.

A leitura e a produção sistemática de textos — prática diuturna — seguida de instrução gramatical direta nos textos promove a segurança no ato de ler e escrever, o estudante ganha confiança em seu potencial linguístico expressional, e o projeto docente de um ensino de qualidade se concretiza.

REFERÊNCIAS

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BAZERMAN, Charles. Escrita, gênero e interação social. Organização Judith Hoffnagel; DIONÍSIO, Angela. Equipe de tradução coordenada por Judith Hoffnagel. São Paulo: Cortez, 2007.

HALLIDAY, M.A.K.; HASAN, R. Cohesion in English. Oxford: Oxford

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_______. An introduction to Functional Grammar. 2 ed. London: Edward Arnold, 1994.

_______; MATHIESSEN, M.I.M. An introduction to Functional Grammar.3 ed. London: Edward Arnold, 2004.

KOCH, Ingedore Grünfeld Villaça. “Linguística Textual: Retrospecto e Perspectivas”, In Alfa, São Paulo, 41: 67-78, 1997. Disponível em seer.fclar.unesp.br/alfa/article/download/4012/3682 Acesso em 03/03/2013.

SIMÕES, Darcilia. Semiótica & ensino: uma proposta. Alfabetização pela imagem. Edição online16. Rio de Janeiro: Dialogarts, 2003.

______. Considerações sobre a fala e a escrita. Fonologia em Nova Chave. São Paulo: Parábola, 2006.

_____. “Seleção lexical e iconicidade diagramática”. Comunicação apresentada no Simpósio: Leitura e produção de textos: pesquisa e ensino. ABRALIN na SBPC – UFSC – 2006b.

_____. Iconicidade e verossimilhança. Semiótica aplicada ao texto verbal. Edição online. Rio de Janeiro: Dialogarts, 2007.

_____. Iconicidade verbal. Teoria e prática. Edição online. Rio de Janeiro: Dialogarts. 2009.

______; FERRAZ, Eleone de Assis. “Estudo do Léxico em Perspectiva Icônico-Funcional”. Comunicação apresentada no VIII CONGRESO

16 Os livros de Darcilia Simões estão disponíveis em http://www.dialogarts.uerj.br

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A INTERAÇÃO VERBAL EM SALA DE AULA: LEITURAS BAKHTINIANAS SOBRE O LUGAR DA PALAVRA NO PROCESSO

DE ENSINO-APRENDIZAGEM THE VERBAL INTERACTION IN CLASSROOM BAKHTINIAN READINGS ON THE

PLACE OF THE WORD IN THE TEACHING/LEARNING PROCESS.

Agildo S. S. de Oliveira Vânia Lúcia M. Torga

Maria D’Ajuda A. Ribeiro UESC

“Através da palavra, defino-me em relação ao outro, isto é, em última análise em relação à

coletividade. A palavra é uma espécie de ponte lançada entre mim e os outros. [...] A palavra é

o território comum entre o locutor e o interlocutor” Bakhtin/Voloshinov.

Resumo: O presente trabalho tem como objetivo geral propor uma reflexão sobre o lugar da palavra na interação verbal em sala de aula.

Duas importantes concepções são discutidas aqui, a palavra e a interação verbal, além da linguagem. Tais discussões terão apoio no pensamento bakhtiniano e seus pares sobre as categorias citadas. Para o autor russo, a interação é a própria concepção de linguagem,

enquanto a palavra é a sua principal mediação. Ainda para Bakhtin, quando interagimos, sempre fazemos isso de um lugar, que é só nosso, e, a partir dele, lançamos nosso olhar sobre o outro permeado de valores,

axiologias essas que têm como ponte de transmissão a palavra, que não por acaso é considerada o signo ideológico por excelência. É a partir dessa visão que procuramos mostrar essa relação “palavra e interação verbal em sala de aula”, tendo como principais interlocutores professores do ensino básico. A razão dessa escolha é justificada por entender que tanto a

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interação quanto a palavra cruzam o cotidiano escolar, bem como o da nossa vida. Por uma questão ética, os resultados do trabalho trazem uma contribuição social direta, que é colaborar na educação pública. Para que

os objetivos fossem alcançados, buscamos fundamentação teórica em Bakhtin/Voloshinov (2010), Bakhtin (2010; 2011), Faraco (2010) e Stella

(2008). Palavras-chave: Interação verbal; Palavra; Ensino-aprendizagem. Abstract: This present work has as its general aim to purpose an accuracy reflection on “the place of the word when in verbal interaction in classroom”. Two important conceptions are focused here: the word and the verbal interaction, also the language. Such discussion on them will receive the support of Bakhtin thoughts and his partners on the already mentioned categories. To this Russian author the interaction is the language conception itself and the word is its main mediation. Besides, according to him, when in interaction we always do it in a place, which is just ours, and from where we launch our look over the other, it naturally permeated of values, axiologies that have as their transmission bridge the word, which is not by chance that it is considered the ideological sign par excellence. Thus, It is from that vision we attempt to show the relationship “the word and verbal interaction in the classroom”, having as the main interlocutors the teachers from Elementary school. The reason for this choosing is justified in understanding that both interaction and word cross the school routine, as well as our lives. For an ethical issue the results here attempt to bring a direct social contribution, which is to collaborate to the public education. So that the objectives were achieved we seeked the theoretical basis in Bakhtin/Voloshinov (2010), Bakhtin (2010; 2011), Faraco (2010) e Stella (2008). Key words: Verbal interaction; Word, Teaching/Learning process.

0. INTRODUÇÃO

Atualmente têm-se desenvolvido inúmeros trabalhos na área da linguagem que concebem a língua como uma

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unidade viva do mundo social. Tal entendimento leva em consideração que essa unidade só pode ser analisada quando relacionada a outros fatores extralinguísticos, que estão situados social e historicamente em um mundo habitado e construído por sujeitos ativos que utilizam a linguagem

transformam-na, a partir de uma atividade socialmente organizada e concreta, ou seja, pela interação verbal.

Só entendendo a linguagem como dinâmica, o sujeito poderá entender-lhe as formas e funções. Essa compreensão de pensamento sobre a linguagem é conhecida na Linguística como funcionalista, uma vez que concebe a língua, enquanto enunciado, unidade da comunicação verbal, como uma interação.

As contribuições de estudiosos, que não necessariamente linguistas, são significativas, especialmente quando procuramos refletir a linguagem como vida singular e concreta. Nesse artigo, temos como bússola teórica o pensamento sobre linguagem do filósofo russo Bakhtin e de seu produtivo Círculo. Para eles, a linguagem não pode ser encarada como imanente, logo monológica, senão como dialética, logo dialógica. Assim, é a partir das discussões desse Círculo e de sua figura maior, Bakhtin, que discutiremos a interação verbal em sala de aula e como a palavra funciona nesse espaço.

O presente artigo tem as seguintes seções: “Interação verbal: algumas considerações”, onde discutiremos o

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entendimento do Círculo acerca da interação, bem como da singularidade do sujeito em seus atos de fala, da concretização da linguagem e do caráter dialógico da linguagem. No segundo ponto, intitulado “A dinâmica da interação em sala de aula”, discutiremos como ocorre à interação em sala de aula e sua complexa diversidade. A terceira parte, “A palavra no início, no fim, no meio... de tudo”, mostrará como a palavra tem lugar de destaque em qualquer interação verbal humana e, por último, teceremos nossas considerações finais acerca do tema.

1. INTERAÇÃO VERBAL: ALGUMAS CONSIDERAÇÕES

Falar de interação do lugar de professor, principalmente de línguas, parece ser algo necessário, tanto é que, se inquirido sobre o que vem a ser linguagem, teremos quase que unanimemente sua concepção atrelada à interação. Assim, não seria arriscado dizer que uma tornou-se sinônima da outra. Entretanto, se insistirmos no inquérito e pedirmos o significado de interação, talvez o resultado não seja o esperado, obrigando-nos a considerá-lo insatisfatório.

Não nos valemos do lugar em que estamos, para julgar a prática dos professores do ensino básico. Pelo contrário, nosso objetivo é refletir juntamente com ele(s) a importância de entendermos a concepção que abraçamos e que atravessa o nosso cotidiano profissional, familiar, social, enfim, que cruza nossas vidas. É por essa razão que tal noção foi trazida

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para as práticas docentes. Isso não quer dizer que, antes da posse desse entendimento, não havia interação. Ela sempre existiu, ainda que não a vislumbrássemos como hoje.

Outro ponto a ser esclarecido é que o entendimento de interação aparece em alguns estudos sobre a linguagem, dentre eles: Mead (1863 – 1931), Hegel (1807), Lévinas (1906 – 1995) e FARACO (2010, p. 144 – 157). Porém, nosso texto buscará apoio nos pensamentos de Bakhtin e do seu Círculo, bem como nos de seus pares contemporâneos.

Para Bakhtin e seu Círculo, linguagem é a própria noção de interação – salientamos que, quando as pessoas empregam a combinação linguagem-interação, recorrem a esse entendimento, mesmo quando não o conseguem situar cientificamente –, isso porque a interação é atividade e toda e qualquer atividade desenvolve-se em uma ação concreta de linguagem, que é sempre singular (BAKHTIN, 2010). A tessitura desse texto, por exemplo, dá-nos a dimensão do que o Círculo compreende, pois nós estamos situados em uma ação concreta, porque não ilusória, nem ilustrativa, em que a linguagem ao mesmo tempo em que ganha, dá e é vida, ou seja, ela existe.

Como evento singular, esse Ato não mais se repetirá, pois jamais haverá outros “nós” nos mesmos tempos e espaços que ocupamos. Ainda que voltemos para lermos esse texto e reescrevê-lo, já não o faremos nos mesmos tempos e espaços e nem seremos mais os mesmos, pois a tessitura dele

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nos alterou de tal maneira que, ao sairmos dele, já não seremos mais os mesmos. Outra noção cara a Bakhtin e que o acompanha sempre é o caráter ético que atribui à linguagem. Vejamos: se nós somos singulares, porque não existirá outro eu nos mesmos tempo e espaço, então todos os meus Atos dizem respeito a mim e só eu posso assumi-los. É assim que a filosofia bakhtiniana se faz presente em nossas vidas.

É em Marxismo e Filosofia da Linguagem que o tema da interação aparece com mais consistência, em específico no capítulo VI, intitulado A interação verbal. Bakhtin/Voloshinov iniciam a discussão expondo a maneira como os românticos entendiam a expressão. Para eles, essa expressão nada mais era que o resultado de uma atividade mental interior que se vinculava diretamente ao subjetivismo individual, é como se a expressão da consciência fosse um ato puramente individual, atendendo a seus próprios anseios. Tal individualismo marcou a corrente romântica bem como denunciou o caráter monológico da enunciação. É nesse sentido que Bakhtin/Voloshinov refutam tal ideia.

Para os autores, toda expressão entendida como [...] tudo aquilo que, tendo se formado e determinado de alguma maneira no psiquismo individual do indivíduo, exterioriza-se objetivamente para outrem com a ajuda de algum código de signos exteriores (BAKHTIN/VOLOCHINOV, 2010, p. 115) suporta dois aspectos, a saber: uma interior, que é o conteúdo, e outra que lhe é exterior, a objetivação para

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outrem. Isto é, toda expressão é dialógica, pois se constitui numa relação. Assim, para os filósofos russos,

o centro organizador e formador não se situa no interior, mas no exterior. Não é a atividade mental que organiza a expressão, mas, ao contrário, é a expressão que organiza a atividade mental, que a modela e determina sua orientação (BAKHTIN/VOLOCHINOV, 2010, p. 116)

Assim sendo, é a situação social mais imediata que determinará o aspecto da expressão-enunciação.

É partindo dessa concepção que os estudos do Círculo foram desenvolvidos. Importa para nós trazer ainda outras considerações decisivas para alcançar os objetivos propostos neste estudo. No que toca à interação, devemos dizer que ela traz como produto a enunciação, por isso chamamos acima, recorrendo ao texto de Bakhtin/Voloshinov, “expressão-enunciação. Se todas as nossas expressões se dão em atos de fala, tais atos são socialmente estruturados e têm como atores centrais o locutor e o interlocutor. Tais atores são relevantes à dinâmica da expressão, isso porque toda palavra é dirigida a um deles, o interlocutor, assim: “A palavra dirige-se a um interlocutor: ela é função da pessoa do interlocutor: variará se se tratar de uma pessoa do mesmo grupo social ou não” (BAKHTIN/VOLOCHINOV, 2010, p. 116).

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Se a palavra, como expressão, dirige-se a um tu, então esse tu também será significativo na sua arquitetura e esse interlocutor sempre ocupará um lugar na estrutura social – é o pai, a mãe, o filho, a irmã, a professora de Língua Portuguesa, de Matemática, Filosofia etc. Logo todos esses aspectos sociais são relevantes para o processo de a atividade mental produzir e externar uma expressão. Em resumo: a expressão não pode ser encarada como um subjetivismo individual e interior, logo monológico, mas sim como social, exterior e dialógico.

É nessa direção que os autores afirmarão ser a substância da língua constituída pelo caráter social da interação verbal, pelas enunciações. Tais afirmações são trazidas também como resposta negativa à concepção de língua como forma abstrata17 e como uma enunciação monológica, é só lembrarmos que “A língua vive e evolui historicamente na comunicação verbal concreta, não no sistema linguístico abstrato das formas da língua nem no psiquismo individual dos falantes.” (BAKHNTIN/VOLOSHINOV, 2010, p. 128)

Como pensar a dinâmica da evolução da língua nessa arena? Os autores nos dão as suas respostas. Para eles, ocorrem os seguintes passos: i) as relações sociais evoluem; ii) a comunicação e a interação verbal evoluem no quadro das

17 Essa resposta negativa refere-se à concepção estruturalista da língua, que tem como seu maior representante Ferdinand Saussure.

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relações sociais; iii) as formas dos atos de fala evoluem em consequência da interação verbal. Tais processos se refletem em mudanças das formas na língua. Traduzindo em imagens teremos:

Figura1

Um exemplo dessa dinâmica é eficaz quando refletimos sobre nós ontem e hoje. Até pouco menos de vinte anos as nossas relações sociais eram menos complexas que as de hoje, a comunicação entre uma pessoa que vive na Bahia e algum familiar seu que viva em São Paulo fazia-se via telefonema e cartas. No entanto, hoje as relações sociais são mais imediatas – e intricadas – e a evolução da língua acompanhou essas complexidades. Para nos comunicarmos com alguém que está em outro lugar, valemo-nos da internet. Com essa ferramenta, não enviamos carta, mas sim mandamos mensagens; com o telefone, não só falamos, mas

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também mandamos torpedos, pois a sociedade pede interações mais imediatas. Em um tempo ou em outro, a língua se faz presente nessa mediação, mas claro que acompanhando as transformações da sociedade, da comunicação, da interação verbal, como das formas dos atos de fala.

Já temos condições de dizer, em síntese, que o Círculo considera a interação verbal como toda atividade concreta de linguagem, toda ela sempre situada num meio social definido e estruturado, por sujeitos igualmente situados socialmente. Ele pondera, ainda, que há uma relação dialética interação-linguagem, pois, se toda ação humana é linguagem, não podemos desconsiderar que uma atua sobre a outra. Todos os elementos que circulam a interação têm um vínculo direto com a sociedade.

2. A DINÂMICA DA INTERAÇÃO EM SALA DE AULA

As atividades de linguagem que se desenvolvem na escola e, principalmente, em sala de aula levam em conta a instituição escola. Levar em consideração que sempre se diz de um lugar específico é crucial para que se possa ou não dizer alguma coisa. Essa percepção exterior conduz o processo interior, é isso que os autores russos afirmam. Se compararmos a interação na sala de aula de hoje com a da metade do século passado, concordaremos que a dinâmica

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era outra, a maneira como a interlocução era desenvolvida certamente era diferente.

Retomando a percepção da instituição escola, sabemos que ela tem uma força veemente para robustecer valores. Não por acaso, é tida por Althusser (1980) como um dos mais ativos aparelhos ideológicos do estado18. É na escola que se institucionaliza o certo e o errado, o não e o sim, a língua, o espaço, o tempo, a vida, o homem, a sociedade e a cultura. É nesse mesmo lugar que se institucionalizam o dizer e o silêncio, pois, quando nós, professores, falamos que a construção “os meninos” está correta e “os menino” está incorreta, nós oficializamos o que pode ser dito e todas as outras possibilidades são coercitivamente silenciadas; em outros termos, agregamos valores. De outro modo, quando nós argumentamos que tanto “os meninos” quanto “os menino” são construções possíveis e aceitáveis, a depender claro da interação, nós não mais permitimos que o silêncio se instale, nem que, por detrás desses ecos silentes, tantas pessoas sejam objetificadas.

O entendimento do processo e da dinâmica da interação em sala de aula parece ser simples, alunos e professor, mas não é bem assim. Retomando os preceitos de Bakhtin e de seu Círculo, a atividade de linguagem é sempre estruturalmente organizada – não podemos perder de vista

18 Para um aprofundamento no assunto consulte: ALTHUSSER, Louis. Ideologia e aparelhos ideológicos do estado. 3. ed Lisboa: Presença, 1980.

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isso – e tem como principais atores o locutor e o interlocutor. Frisamos ainda que, para o grupo, a atividade verbal é infinita e ramificada, não é adâmica; quando uma interação é finalizada, ela dá início a tantas outras. Numa sala de aula, a interação tem como principal ato de fala a aula expositiva. É nessa arena que se desenvolve a dinâmica representada abaixo:

Figura 2

A aula expositiva suporta toda a interação em sala de aula. Numa cadeia discursiva, o gênero aula é mediado por tantos outros gêneros, muitos deles compõem o livro didático

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adotado pela disciplina, seja ela de Língua Portuguesa, Geografia, História ou outro componente curricular. Nas aulas de Língua Portuguesa no 6º ano do Ensino Fundamental, por exemplo, os alunos estarão diante de contos, fábulas, piadas, anedotas, biografias, quadrinhos; nas aulas de Geografia, também estabelecerão relações de sentido com o mapa, planta alta, planta baixa, gráficos, tabelas, reportagem; assim como de notícia, lenda, mito, diário de viagem, resumo e outros gêneros, nas classes de História.

Como já afirmado acima, as relações travadas a partir dos gêneros ocorrem sempre entre os dois agentes da interação verbal, o eu e o outro. Tais atores da interlocução são vários: num primeiro plano, é o professor (eu) e o aluno (tu); em outro, é aluno (eu) e aluno (tu), ou seja, entre os colegas da classe; igualmente, podemos conceber a relação aluno (eu) e texto (tu). Essas interações dão-se pelas relações dialógicas em que ocorrem ininterruptas alternâncias dos interlocutores, o professor que assume o papel do eu já assumiu o papel do tu em tantas outras interações e, em sala de aula, quando se calar, ouvirá o aluno, que deixará de ser o tu e passará a ser o eu. Assim acontece com todos os outros eu e tu em qualquer interação verbal.

Os gêneros que compõem os livros didáticos são diversos em suas arquitetônicas: tema, estilo e composição, isso porque cada forma típica de enunciado pressupõe uma atividade de linguagem concreta diferente, ou seja, cada

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gênero atende a um projeto discursivo específico. Como exemplo, o gênero notícia é diferente do editorial, que, por sua vez, difere da reportagem, da propaganda, dos classificados. Levando em consideração as arquitetônicas dos dois primeiros gêneros, teremos: a notícia é um gênero construído por um tema atual, porém as informações narradas geralmente são ações do passado, como principal estratégia discursiva, ancora-se na objetividade, sua composição é sempre textual, não se explora tanto a imagem como na manchete ou na reportagem; já o editorial tem como tema um assunto polêmico e atual, como estratégia discursiva, vale-se de bons argumentos para validar seu ponto de vista e sua criticidade. Se na notícia o locutor narra, no editorial ela argumenta, assim como a notícia a composição é textual, o locutor, geralmente, não utiliza imagens. Levando ainda em considerações as vozes que cruzam cada gênero e cada situação, veremos que essa tessitura é bem arrematada e, desse modo, conseguimos entender a complexidade das diferentes formas de interação verbal mediadas pelos gêneros.

No que toca outras interações, ilustramos uma que acontece entre aluno e aluno, mediado pelas multimídias a exemplo do tablete, netbook, ipod e tantas outras ferramentas digitais. A essa interação nós chamamos de não institucionalizada por não ser autorizada pela instituição escola durante as aulas. Entretanto, essas mesmas mídias, ou semelhantes, são trazidas pelo professor para dinamizar as

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suas aulas e nesse sentido é um recurso autorizado para aquela interação; por essa razão, ao contrário da primeira, é uma interação institucionalizada. Em síntese: os recursos midiáticos só são autorizados nas interações em sala de aula quando há uma finalidade pedagógica.

Assim, essa dinâmica da interação em sala de aula é tecida por inúmeros fios, numa teia ininterrupta de atos de falas. Se as interações verbais em sala de aula têm como suporte os gêneros do discurso, tais gêneros buscam na palavra um apoio substancial; o porquê da escolha entenderemos na próxima seção, na qual discutiremos o poder da palavra, a partir das discussões do Círculo.

3. A PALAVRA NO INÍCIO, NO FIM, NO MEIO... DE TUDO

Discutir sobre palavra não é algo simples, sobretudo se tomarmos como ponto de partida os estudos científicos, pois tais estudos têm inúmeras correntes conflituosas. Por um lado “A palavra tradicionalmente foi tratada de forma abstrata, desvinculada de sua realidade de circulação e posta como imanente de significados captados pelo olhar/ouvido fixo do observador.” (STELLA, 2008, p. 177) e “nos trabalhos de M. Bakhtin e de seu Círculo não somente a palavra, mas também a linguagem em geral, é concebida e tratada de outra forma, levando-se em conta sua história [...] especialmente a linguagem em uso.” (STELLA, 2008, p. 178) Assim sendo, é pela segunda exotopia que discutiremos sobre a palavra.

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Pelo exposto, podemos entender que o olhar bakhtiniano sobre a palavra é um olhar de contraponto. Enquanto numa visão estruturalista ela se faz entendida por si mesma, em Bakhtin ela só pode ser entendida se levarmos em conta o território que habita. Seu funcionamento só pode ser interpretado diante da situação histórica concreta, ou seja, diante de uma interação verbal.

Em Bakhtin, a palavra é vista como ideológica por excelência. Nesse sentido, destacamos que, diferentemente da corrente estruturalista, a palavra nos estudos bakhtinianos / em seus estudos está diretamente relacionada à vida, ela é parte do processo interacional entre locutor e interlocutor, ela é o território comum entre eles. Todas as vezes que usamos a palavra imprimimos-lhe um tom intencionalmente, pois sempre atribuímos valores ao que dizemos. Esses valores são compartilhados histórica e socialmente pelos sujeitos em interações verbais. É no momento em que esses valores são avaliados pelos sujeitos da interlocução que se trava um diálogo com os valores da sociedade “São esses valores que devem ser entendidos, apreendidos e confirmados ou não pelo interlocutor” (STELLA, 2008, p. 178). Tais valores se originam de “um processo de interação na realidade viva.” (Idem)

Na sala de aula, vimos acima, que o processo de interação verbal é complexo, ainda que dinâmico. Compreendemos que as interações se dão sempre via formas

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típicas de enunciados (BAKHTIN, 2011), ou gêneros discursivos, e a palavra é inserida nesse projeto discursivo. Entenderemos como isso se realiza num estudo em sala de aula. Numa aula de Língua Portuguesa em que se discute o funcionamento do substantivo, há como sugestão de análise uma propaganda da Coca-Cola:

Figura 319

O professor pode trabalhar com os seguintes substantivos da propaganda: Coca-Cola, Promoção e Felicidade. Cada palavra tem sua especificidade: a primeira é um substantivo composto, as outras são simples. Mas quais

19 Disponível em: <http://www.fikdica.com.br/2012/04/promocao-coca-cola-2012-tampinhas.html> Acesso em 09 dez 2012 às 10h33

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delas são abstratas e concretas? Isso dependerá do caráter valorativo que o professor fixará a respeito de concreto e abstrato, mas não só isso, também dependerá de como as palavras são valoradas na interação verbal da propaganda. Sabemos que a Coca-Cola axiologicamente está relacionada à “coisa boa” e “prazerosa”. Não por acaso, temos na propaganda quatro palavras, cujos valores compartilhados dão a ideia de bondade e prazer são elas: Promoção, Felicidade e a própria palavra Coca-Cola e o adjetivo retornável. É nesse sentido que a noção da palavra como “objeto axiológico” em Bakhtin é concretizada, pois o que circula nas palavras são os valores agregados a elas historicamente e um exemplo é a palavra “retornável” que ganhou espaço e atenção privilegiados em muitas sociedades.

Ainda com respeito à interação verbal em sala de aula e a palavra, destacamos que nos gêneros discursivos o lugar da palavra é protagonista, porque media a relação eu x outro. Como afirmado em Marxismo e Filosofia da Linguagem, a palavra é a ponte entre eu e o outro; é definição do eu em relação ao tu porque é a partir dos valores circundantes a ela que construímos uma relação, de igualdade, superioridade ou de inferioridade. A todo tempo e em todas as disciplinas curriculares, a palavra está lá mediando conceitos, ampliando ou estreitando horizontes e concretizando atos. É na aula de Geografia que fixamos o valor de Norte e Sul; é na disciplina de Matemática de = que confirmamos o jogo da multiplicação e tantas outras operações; em Biologia, entendemos o sentido

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orgânico da vida; em História, validamos os heróis e algozes; na Literatura, consagramos autores, ao mesmo tempo em que negamos outros; e, em Língua Portuguesa, potencializamos o poder da palavra.

Em uma pequena problemática acerca de aspectos formais da língua russa, desenvolvida por Stella (2008), ficamos diante de um raciocínio fascinante. Stella evidencia que o termo “palavra” é gênero neutro na língua russa, em português neutro pode ser entendido como meio ou comum. Essa neutralidade confere à palavra a potencialidade de valor inesgotável, ou seja, ela não se nega a assumir nenhum valor, isso dependerá das relações que se estabelecerem entre os sujeitos no mundo concreto. Como meio, destacamos seu caráter mediador, pois é a ponte entre locutor e interlocutor. Essa mediação faz circular valores a serem fixados, ou rejeitados, ou mesmo ressignificados, mas não esvaziados, pois, se assim entendermos, voltaremos ao imanentismo da língua.

Da forma como a palavra é compreendida pela perspectiva abraçada, não podemos afirmar que é um termo que ocupa lugar de unanimidade, pois, se assim o fizéssemos, correríamos o risco de coadjuvar um pensamento que se realiza em espiral. Mas, certamente nas interações em sala de aula ela está no início, no fim e, principalmente, no meio de tudo. Carregada de valores, ela cumpre uma travessia axiológica contínua entre os sujeitos e as sociedades.

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4. CONSIDERAÇÕES FINAIS

Procuramos, com este texto, compartilhar com os nossos interlocutores a concepção de linguagem que foi desenvolvida pelo filósofo russo Bakhtin e seu Círculo. Buscamos um diálogo direto com professores do ensino básico por compreender que o trabalho com a linguagem que desenvolvem na escola é um exemplo da dinâmica discursiva defendida pelo Círculo.

A interação em sala de aula dá-se mediante atividade de linguagem concreta situada historicamente; por essa razão, a importância dos trabalhos com os gêneros do discurso, suporte fundamental para a comunicação humana. Outro ponto tocado foi a compreensão de que a interação em sala é um interação diversificada, sejam pelos inúmeros estudos com os gêneros, que pressupõem diversos tipos de interações, sejam pelas próprias interações professor – aluno, aluno – aluno, aluno – texto, aluno – espaço escolar.

A palavra nessa dinâmica destaca-se, ainda que não exclua outras categorias do pensamento bakhtiniano, pois representa os valores sociais que circulam entre os sujeitos. Tais valores passam por todas as disciplinas do currículo escolar, bem como em qualquer interação social. É nesse sentido que se afirma que a palavra é signo ideológico por excelência. Numa simples aula de substantivo, percebemos o quanto de valores transmitimos para nossos alunos, tais

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entendimentos são resultados históricos de relações entre sujeito e sociedade.

Num jogo metafórico, podemos dizer que palavra é ponte, cujos veículos são axiologias sociais; dessa forma, o lugar da palavra na sala de aula é sempre um lugar de destaque. Buscando no repertório social a interpretação do termo destaque na publicidade, “Promoção”, entenderemos a razão pela qual usamos esse termo para valorar a palavra.

REFERÊNCIAS

ALTHUSSER, L. Ideologia e aparelhos ideológicos do estado. 3ª ed. Lisboa: Presença, 1980.

BAKHTIN, M. (VOLSHINOV, V.N.). Marxismo e filosofia da linguagem. 14ª ed. São Paulo: Hucitec, 2010.

Bakhtin, M. Os gêneros do discurso. In: BAKHTIN, M. Estética da criação verbal. Trad.: BEZERRA, Pedro. 6ª ed. São Paulo: wmf, 2011.

BAKHTIN, M. Para uma filosofia do Ato Responsável. Trad.: MIOTELLO, V.; PONZIO, A. São Carlo – SP: Pedro & João Editores, 2010.

FARACO, Carlos Alberto. Linguagem e diálogo: as ideias linguísticas do Círculo de Bakhtin. São Paulo: parábola, 2009.

STELLA, P. R. Palavra. In: BRAIT, Beth. Conceitos-chave. 4ª ed. São Paulo: contexto, 2008.

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PARTE II – MISCELÂNEA

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A PLURALIDADE SÍGNICA DAS PLATAFORMAS DIGITAIS E A MUDANÇA DAS FORMAS DE PRODUÇÃO E RECEPÇÃO DA

INFORMAÇÃO NO WEBJORNALISMO THE PLURALITY SIGNIC OF DIGITAL PLATFORMS AND CHANGE OF PRODUCTION AND RECEPTION FORMS OF THE INFORMATION ON

WEBJOURNALISM

Diego Braga Toledano Claudio Manoel de Carvalho Correia

UFAM

Resumo: Este trabalho tem como objetivo observar como as plataformas digitais influenciam as formas e os meios pelos quais as notícias e as informações são propagadas, modificando os níveis cognitivos de recepção da informação nas redações jornalísticas, na medida em que o uso de dispositivos portáteis propiciam novas possibilidades e potencialidades de visualização da notícia em diferentes linguagens nas plataformas digitais. A linguagem hipermidiática que emerge no ciberespaço possui a natureza de diferentes signos e linguagens, exigindo uma leitura semiótica das informações por meio da integração de fotos, vídeos e textos, ou seja, a partir da união de ferramentas hipermidiáticas que equilibram os níveis da informação das mídias. Assim, este estudo irá observar a participação das plataformas digitais na propagação da informação e as formas como estas plataformas, constituídas por diferentes signos e linguagens, podem modificar a prática jornalística e as formas de recepção da notícia. Palavras-chave: Plataformas digitais, linguagens, informação, webjornalismo. Abstract: This research aims to observe how the digital platforms influence the ways and the means through which news and information are disseminated, changing the cognitive levels of reception in news companies, at the same time as the portable devices propitiate new possibilities of visualization of news in different languages on the digital

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platforms. A hypermediatic language that emerges from the cyberspace has the nature of different signs and languages, demanding a semiotical reading of information through the integration of photos, videos and texts. In other words, read information through the gathering of hypermediatic tools that balance the levels of information of medias. Therefore, this study will observe the participation of digital platforms during the propagation of information and the ways that these platforms, constructed by different signs and languages, can modify the practice of Journalism and the reception forms of news. Keywords: digital platforms, languages, information, web journalism

INTRODUÇÃO

Após o “boom” da Internet, durante o período de 1995 a 2000, e com o desenvolvimento posterior de ferramentas para a rede mundial de computadores, chegou um momento em que o receptor de uma mensagem passou da função de ouvir quietamente o monólogo da imprensa, ou esperar por semanas para dar um feedback da notícia, diretamente para a possibilidade de diálogo imediato entre agentes que revezam os papéis dentro do sistema de comunicação. Esta pesquisa20 tem como objetivo buscar respostas para as formas como as plataformas digitais influenciam as formas e os meios pelos quais as notícias são propagadas e, consequentemente

20

Este trabalho é parte do projeto de Iniciação Científica intitulado “Observações sobre o uso das plataformas digitais portáteis e sua influência nos níveis de recepção da informação”, PIBIC-CNPq, cadastrado no Departamento de Apoio á Pesquisa da Universidade Federal do Amazonas – DAP/UFAM.

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apreendidas e selecionadas por profissionais da área de Jornalismo.

1- TECNOLOGIA E INFORMAÇÃO: QUESTÕES CENTRAIS PARA O ENTENDIMENTO DAS NOVAS FORMAS DE PRODUÇÃO DA NOTÍCIA EM AMBIENTES DIGITAIS

A disseminação das informações jornalísticas corrobora a teoria de Castells (1996) que diferencia as definições entre os termos “informação” e “informacional”. A primeira definição, segundo o pesquisador, sempre existiu; já a segunda, devido aos avanços tecnológicos que a acionam, é fator central para a produtividade econômica, de forma que quem tem acesso à informação inicia um processo de desenvolvimento de poder. Inspiradas na teoria de Castells, Santaella e Lemos (2010, p. 16) listaram as características de uma sociedade em rede baseada nos valores informacionais de Castells, dos quais o quarto item se destaca por estar ligado às funcionalidades das Redes Sociais na Internet (RCI’s): “cultura da virtualidade real, construída por um sistema pervasivo, interconectado e diversificado de sistemas de mídia”.

Santaella e Lemos (2010) dissertam ainda sobre um sistema aberto no qual as partes integrantes são interdependentes, de forma que inputs (recebimento) e outputs (emissão) de informação influenciam o meio exterior. Além disso, tais sistemas possuem caráter autorregulatório e controle, tendo em vista a manutenção de seu equilíbrio.

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Podemos, assim, notar como tais sistemas abertos e como as definições desenvolvidas por Castells (1996) sobre informação e informacional nos levam ao meio digital portátil, no qual a informação é difundida via plataformas digitais criadas pelo desenvolvimento tecnológico e enriquecidas pela possibilidade de acesso mais rápido à informação. RCI’s como Twitter, Facebook e Google+ levam-nos a repensar as formas de produção da notícia.

O modelo de comunicação proposto por Lasswell (1957) sugeria a fixação dos papéis de produtor e de receptor de códigos; porém, Wiener (1950) alerta para o fato de que deve haver o equilíbrio entre a recepção e o processamento da informação do output sobre o sistema para que haja um feedback e, posteriormente, a entrada da informação no sistema para que este corrija os erros de informação primeiramente emitida, função que configura a atividade exercida de publicação de notícias nas RCI’s.

O conceito de inputs e outputs analisado por Santaella (2010) aproxima-se em muito das teorias desenvolvidas por Canavilhas (2001), cujo foco está na questão dos processos de interatividade propiciados pela Internet. Segundo a autora, há a criação de discussões entre os subsistemas da população e da imprensa para o balanceamento energético no grande sistema aberto chamado “Internet” por meio da possibilidade de diálogos igualmente ativos entre as duas partes; subsistemas estes englobados em um Rizoma, conceito

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desenvolvido por Deleuze (1993). Rizomas são universos sem limites definidos; o rizoma não é uma forma, mas condição de existência das formas. É o meio do qual as formas emergem, misturando o que aparentemente era distinto e o que estava anteriormente separado. Kastrup (2009) define que qualquer ponto de um rizoma está conectado a qualquer outro. O rizoma conecta-se por contágio mútuo ou aliança, e cresce para todos os lados, em todas as direções. A informação é compartilhada de forma bastante semelhante nas RCI’s, alcançando, dessa forma, diversos destinatários.

2- O PROCESSO DE SEMIOSE E A PLURALIDADE SEMIÓTICA DAS NOTÍCIAS NA HIPERMÍDIA

Vivemos em um mundo no qual somos constantemente bombarbeados por sistemas de linguagens. Porém, com o advento da hipermídia, as informações fragmentadas em signos de diferentes naturezas estão corporificadas em informações nas redes sociais. Como o profissional de Jornalismo seleciona o material para publicação em meio aos diferentes códigos e linguagens em jogo na hipermídia? Kastrup (1997) refere-se ainda à identificação de signos, palavras ou imagens, para a diferenciação do conteúdo, chamado por ela de “heterogeneidade”. Segundo a autora, os braços dos rizomas não estão necessariamente ligados a um traço linguístico único, mas conecta-se a diversos modos de codificação. Porém, como se dá o processo de interpretação e de

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decodificação dos sistemas de signos de diferentes naturezas em jogo na hipermídia? Os signos linguísticos misturam-se aos signos visuais e sonoros gerando uma nova forma de linguagem híbrida, cujos signos de diferentes naturezas estão mesclados na geração dos sentidos e das informações. Um caminho proposto por Correia (2012, p.91-121) para o entendimento dos processos de interpretação dos signos de diferentes naturezas em sistemas concretos de linguagem está em sua adaptação da “Teoria das Semioses Criativas e Orientadas” de Nöth (1995).

O processo de interpretação dos signos é, sobretudo, um processo semiótico. Assim, esta atividade mental de percepção e de interpretação de signos depende do substrato teórico-metodológico da ciência Semiótica, a Ciência Geral dos Signos.

O objeto da Semiótica – A Ciência Geral dos Signos – é a semiose, definida como a ação e atividade dos signos. A semiose é o processo de interpretação, o efeito dos signos na mente dos intérpretes. A semiose é o termo que define a ação e a atividade dos signos. Segundo Correia (2012, p. 94),

na geração dos significados na mente do intérprete, a semiose é o processo transformador dos fenômenos existentes no universo real da experiência, que, através da relação dialética entre mente interpretadora e signo, transforma o fenômeno-experiência em veículo portador de significação: o signo.

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Assim, o avanço analítico do uso do conceito de semiose neste trabalho está na ênfase dada ao sujeito cognitivo no processo de geração das semioses. Nesta perspectiva, as semioses podem ser analisadas e observadas a partir das situações reais de significação. Os diversos signos que são encontrados nas telas que veiculam as hipermídias reclamam por mentes interpretadoras para interpretá-los. Os usuários interpretam estes signos e traçam seus caminhos de interpretação nas vias virtuais do ciberespaço. Acreditamos que as escolhas das notícias em plataformas digitais realizadas pelos profissionais de jornalismos seguem uma lógica que depende das orientações sígnicas.

Segundo Correia (2012, p. 112) todo processo de interpretação de signos depende da procura, ou seja, depende do processo de leitura-interpretação de signos capazes de auxiliar os complexos caminhos da representação. Isto se torna mais evidente quando observamos a complexidade de signos de diferentes naturezas que compõem o ciberespaço. Porém, os usuários no ciberespaço não encontram apenas signos de orientação; ao contrário, encontram, constantemente, signos de desorientação no decorrer de sua navegação pelas infovias dos sites, portais e etc. Duas definições são importantes para o entendimento dos processos de interpretação dos signos: o conceito de semiose criativa e de semiose orientada.

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Nöth (1995, p. 107) propõe o conceito de “signo orientador”, enquanto um signo interpretado “com sucesso com base em um código válido, e o resultado dessa semiose está de acordo com as expectativas do intérprete”; já o processo de desorientação (no processo de interpretação dos signos) foi caracterizado por Nöth (1995, p. 108) como “semiose incompleta e transformada”, de forma que o “intérprete desorienta-se porque um dos correlatos do signo não pode ser identificado”. Para Nöth, estas transformações sígnicas nos processos de interpretação são enganosas ou criativas.

Seguindo as perspectivas de Correia (2012) e Nöth (1995), os conceitos de “semiose criativa” e de “semiose transformada” servem para a observação das formas como os usuários das plataformas digitais, como intérpretes de plataformas essencialmente semióticas (devido à natureza simbólica e à diversidade de signos) interpretam e escolhem as notícias que deverão ser trabalhadas e posteriormente veiculadas.

Assim, podemos perceber que a interpretação das linguagens depende das relações estabelecidas entre os receptores da informação e os signos, entre as mentes interpretadoras e a experiência. Este processo de tradução da experiência em signo, em cognição, em linguagem, é chamado na Semiótica de “semiose”. No caso da produção jornalística, o profissional possui a experiência para detectar em meio a

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gama de informações postadas nas RCI’s, em plataformas digitais portáteis, aquela que poderá servir como uma pauta plausível para publicação. O que parece rotineiro para o leigo na área de Jornalismo, salta aos olhos do jornalista capacitado para a apuração de notícias como material merecedor de publicação. Acreditamos que este processo de seleção das notícias pode ser explicado a partir das teorias das Semioses Orientadas e Criativas desenvolvidas por Nöth (1995).

3- O JORNALISMO DIGITAL E OS NOVOS NÍVEIS DE PRODUÇÃO DA INFORMAÇÃO

Na obra “Jornalismo Digital em Base de Dados (JDBD): Um paradigma para produtos jornalísticos digitais dinâmicos”, Barbosa (2007) fala sobre o surgimento do Jornalismo Digital em Banco de Dados, ocorrido entre as terceira e quarta gerações do desenvolvimento do Webjornalismo. Barbosa (2007) discute, no mesmo trabalho, as dezoito funções do Jornalismo em um site estruturado em uma base de dados: (1) Indexar e classificar as peças informativas e os objetos multimídia; (2) integrar os processos de apuração, composição e edição dos conteúdos; (3) conformar padrões novos para a construção das peças informativas; (4) agilizar a produção de conteúdos; (5) propiciar categorias diferenciadas para a classificação externa dos conteúdos; (6) estocar o material produzido e preservar os arquivos; (7) permitir usos e concepções diferenciadas para o material de arquivo; (8) garantir a flexibilidade combinatória entre os conteúdos; (9)

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gerar resumos de notícias estruturadas e/ou matérias de modo automatizado; (10) armazenar anotações semânticas sobre os conteúdos inseridos; (11) mineração de dados (data mining); (12) ordenar e qualificar os colaboradores; (13) orientar e apoiar o processo de apuração, coleta, e contextualização dos conteúdos; (14) regular o sistema de categorização de fontes jornalísticas; (15) sistematizar a identificação da redação; (16) cartografar o perfil dos usuários; (17) transmitir e gerar informação para dispositivos móveis e (18) implementar publicidade dirigida.

Estas funções serão utilizadas na análise dos dados que será apresentada no próximo subitem.

3.1 – Análise do processo de produção jornalística na hipermídia: o Portal Amazônia.

Como primeiro procedimento de análise, as teorias desenvolvidas por Barbosa, Machado e Pereira (2011, p. 167-182) foram selecionadas por trazerem subsídios para uma varredura de funções específicas que dizem respeito ao webjornalismo. Por questões metodológicas, e tendo em vista à aplicação da teoria estudada, decidimos neste momento do desenvolvimento da pesquisa analisar o Portal Amazônia, com o objetivo de observar, principalmente, as questões relacionadas com a interatividade entre o leitor e o processo de produção jornalística em hipermídia. O cibermeio foi escolhido por fazer parte de um conglomerado de produtos de Jornalismo, possibilitando a integração da informação entre as

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publicações, além de analisar o nível de importância de um portal online em uma empresa que conta também com veículos televisivo e radiofônico.

Além da integração com outros meios de comunicação, o histórico do cibermeio Portal Amazônia nos chamou a atenção por estar atuante no mercado desde 2001, durante a primeira fase do webjornalismo, definida como transpositiva, na obra “Características e implicações do Jornalismo na Web” de Mielniczuk (2001). Segundo a autora, esta fase refere-se ao período em que um cibermeio apenas copiava matérias publicadas por outros meios pertencentes a uma mesma empresa de comunicação, além do uso quase que inexistente de multimídia ou interatividade com leitores. O cibermeio aqui analisado passou pela segunda fase - chama de metáfora, com a inclusão de hiperlinks e estreitamento da relação entre jornalistas e leitores.

Atualmente, o cibermeio está registrado em redes sociais, o que possibilita contato em tempo real com leitores. Além disso, outra característica coloca o portal na terceira geração do webjornalismo: multimidialidade. O cibermeio analisado apresenta em sua página online fotos e vídeos que enriquecem a informação publicada. Com a utilização de mídias integradas ao texto, o cibermeio encaixa-se perfeitamente para a avaliação da utilização de banco de dados durante as fases de produção da informação.

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A metodologia proposta por Barbosa, Machado e Pereira (2011, p. 167-182) foi utilizada como recurso metodológico para a análise do Portal Amazônia. Assim o processo de análise foi dividido da seguinte forma:

Item Definição

Interatividade do leitor Avalia a possível existência de um cadastro no site para que ele possa ler, fazer comentários, participar de enquetes e compartilhar o conteúdo em redes sociais ou via e-mail.

Utilização da Base de Dados nas etapas de produção

Averigua em que etapas da produção jornalística (apuração, produção, busca e circulação) o leitor pode participar.

Intranet É uma rede local de uma empresa jornalística que funciona usando o mesmo protocolo da Internet. Nela, está interligada a redação do site, e esta intranet pode estar estruturada em uma base de dados para o melhor gerenciamento das informações produzidas e do fluxo informativo em um website.

Produção e circulação Este item busca saber se a produção e publicação de matérias jornalísticas são feitas por meio de uma única base de dados, ou se recorre a mais de uma plataforma para as diferentes etapas.

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Item Definição

Serviço Terceirizado Refere-se à origem da base de dados. O site contratou profissionais especializados para produção e manutenção da base de dados ou recorreu a uma empresa terceirizada para o serviço.

Software Livre Deve-se saber se o site está hospedado em uma host gratuita e de livre personalização. Na maioria dos casos, sites com mais recursos interativos precisam pagar pela utilização da plataforma.

Etapas de Produção Saber quais etapas da produção jornalística (apuração, produção, circulação e consumo) estão englobadas na base de dados do website.

Convergência Jornalística

Aqui, se está referindo às quatro áreas de abrangência da convergência jornalística. Pode ocorrer que a plataforma utilizada por um cibermeio apenas permita a distribuição entre meios distintos, isto é, multiplataforma (web, impresso, celular, Twitter, etc.), por exemplo. Ou, pode acontecer, dos profissionais trabalharem usando plataformas distintas (uma para o impresso, outra para o website). Quanto mais tipos estiverem integrados, mais robusta será a plataforma, o que será um indicativo também do nível de integração existente na redação de um cibermeio.

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Item Definição

Mídia Armazenada Procura-se saber se a base de dados é capaz de armazenar diversos tipos de dados, como áudio, vídeo, fotos, textos e hiperlinks.

Recuperação de Dados Refere-se à possibilidade de recuperar dados previamente publicados por meio da mesma base de dados

Mineração de Dados Consiste na possibilidade de procurar entre dados existentes informações contidas na base de dados e as suas relações e, a partir disso, gerar pautas.

Participação dos usuários

Observa-se no website de que forma o leitor é integrado à produção de notícias

Ação dos usuários Refere-se às possibilidades do leitor no site. Pode-se participar na sugestão de pautas, comentários das matérias publicadas, revisão das matérias propostas, comunicar erros nas matérias publicadas, apuração de matérias e publicação de matérias.

Distribuição de conteúdos nas multiplataformas

Trata-se de que possibilidades o site analisado traz para o leitor compartilhar o material publicado.

Templates São modelos visuais do site, o design aplicado para as páginas.

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Item Definição

Documentação Procura-se saber se o site utiliza algum padrão para a documentação das informações da base de dados.

Geração de conteúdo automatizada

Refere-se aos alertas noticiosos que os jornalistas possam receber a partir do sistema de apuração interligado à intranet e ao sistema de gerenciamento de conteúdo ou sistema editorial

Cadastro de anunciantes Trata-se de saber como acontece a escolha de anunciantes de publicidade dentro do site

Informações relacionadas

Trata-se de saber qual sistema o site utiliza para a base de dados e como elas se relacionam dentro do banco de dados

Recuperação de memória

Aqui, refere-se aos arquivos internos e de como os jornalistas têm acesso a esse material documental, de memória, para compor os conteúdos. Em muitos sites, a recuperação deste material se dá por meio de base de dados integrada à intranet e ao sistema de gerenciamento de conteúdos ou sistema editorial.

Tabela 1 – Procedimentos de Análise

No que diz respeito à interatividade do leitor, durante a análise do site foi possível perceber que não é necessário cadastro para ter acesso às matérias publicadas, tampouco para comentar ou compartilhar a página na Internet. No caso

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de postar um comentário em determinada matéria, o site solicita apenas o nome do internauta, além do e-mail do próprio. O comentário, porém, não é publicado imediatamente, dependendo de uma aprovação do editor. Já no caso de compartilhamento do material na Internet, o leitor deve fazer login em uma das redes sociais em uma página redirecionada pelo próprio portal, podendo, desta forma, realizar comentários e compartilhamentos por meio de plataformas digitais portáteis, como smartphones e tabletes.

Figura 1: Compartilhamento de matérias publicadas

Sobre a utilização de base de dados nas etapas de produção, o site utiliza o SGC desde a apuração (busca de informações publicadas em matérias anteriores que possam auxiliar em uma matéria em estágio de produção),

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recuperação e memória (rápida e fácil identificação de material armazenado). O cibermeio utiliza a Intranet estruturada entre todos os veículos de comunicação da empresa proprietária do site, que possui um canal televisivo e uma estação de rádio. Desta forma, um repórter da TV pode encaminhar uma mensagem com informações sobre um assunto para todos os outros meios para apuração conjunta. A empresa utiliza o software EasyNews, desenvolvido pela empresa de mesmo nome, porém não possui adaptação para plataformas portáteis, limitando-o ao trabalho in office.

Sobre a produção e circulação, serviço terceirizado e software livre, a base de dados utilizada para a publicação de informações é a mesma utilizada como base de dados para arquivar matérias anteriores, assim como multimídias publicadas nas mesmas. O cibermeio paga um host para a empresa Wordpress, especializada na montagem de blogs e sites.

No que concerne às etapas de produção, o Banco de Dados utilizado pelo cibermeio avaliado encontra-se: durante a apuração (caso seja necessário obter informações prévias sobre um assunto, o jornalista pode buscar na base de dados matérias anteriores para consulta) e produção (o jornalista utiliza a base de dados para escrever o texto, inserir fotos, vídeos e hiperlinks).

Sobre a convergência jornalística, mídia armazenada e recuperação de dados, cabe ressaltar que o banco de dados

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EasyNews permite a convergência de conteúdos do cibermeio com os outros produtos emitidos pela empresa, além de permitir que seus funcionários façam entradas ao vivo no canal televisivo para divulgação do material produzido online. O cibermeio é capaz de salvar e recuperar outras mídias, além do texto em sua base de dados, como áudios (no formato .mp3), vídeo (postados via hiperlink ou em formatos variados) e fotos (no formato .jpeg).

A mineração de dados consiste na busca de informações publicadas anteriormente para o enriquecimento do material ainda na etapa de produção. Este artifício é possibilitado por meio de tags. Estas “etiquetas” são palavras-chave que são publicadas juntamente à matéria para categorização do assunto discutido. Elas permitem que diversas matérias que tratam de um mesmo assunto sejam associadas entre si. A manutenção destas etiquetas é feita, na maioria das vezes, nos computadores dentro da própria redação, mas há a possibilidade de ser realizada, também, em smartphones e tabletes com acesso à Internet.

Uma questão fundamental para todas as pesquisas e estudos sobre a produção da informação no ciberespaço é a participação dos usuários e, também, a ação dos usuários. A plataforma de produção e gestão de conteúdos do cibermeio Portal Amazônia permite aos usuários cadastrados a interação em etapas como a apuração, a circulação e o consumo da notícia; para esta última etapa não se faz necessário um

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cadastro prévio. Comentários nas matérias publicadas, revisões e apurações de matérias propostas e, também, a divulgação de matérias através das redes sociais só são permitidas apenas aos usuários cadastrados.

Sobre a distribuição de conteúdos nas multiplataformas, o cibermeio Portal Amazônia permite aos usuários cadastrados a divulgação de seu conteúdo produzido em diversas multiplataformas, como RSS, Twitter, Portal e Redes Sociais.

Templates, ou ‘modelos de documentos’, são documentos sem conteúdo, com apenas a apresentação visual e instruções sobre onde e qual tipo de conteúdo deve entrar a cada parcela da apresentação. A plataforma de produção de conteúdos do Portal Amazônia não possui uma base de dados de templates com diferentes modelos de narrativa que possam ser utilizados pelos jornalistas no processo de produção. O cibermeio também não conta com uma norma padrão para a documentação do conteúdo produzido.

No cibermeio há seções ou editorias do menu informativo cujo conteúdo é gerado de modo automatizado. É cada vez mais comum tal prática na composição do conteúdo oferecido pelos cibermeios; ou seja, a partir das informações contidas e estruturadas nas bases de dados, e segundo alguns parâmetros definidos para os robôs efetuarem buscas, é possível exibir os conteúdos conforme categorias previamente definidas. No caso do cibermeio Portal Amazônia

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tem-se como exemplo as seções ‘Amazônia de A a Z’ e ‘Mais Lidas’.

Sobre o cadastro de anunciantes, informações relacionadas e recuperação da memória, vale ressaltar que boa parte dos sistemas de gerenciamento de conteúdos, ou sistemas editoriais, já tem integrado o módulo de publicidade para a melhor gestão dos anunciantes do cibermeio, principalmente no contexto da convergência e das redações integradas. Porém, isto não acontece com o cibermeio analisado. O cibermeio Portal Amazônia utiliza o sistema de base de dados EasyNews no processo de relacionamento de informações atuais e salvas na memória, bem como na recuperação das informações salvas na memória, relacionando-as automaticamente.

4- CONSIDERAÇÕES FINAIS

Ao final de nossas análises ficou evidente que a utilização de um sistema de banco de dados em um cibermeio é, como destacado por Moreno (2009, p.119), “fator primordial para a construção de um cibermeio”. Este objeto de estudo é o alicerce no qual todos os processos de produção da informação estão sustentados e possibilita a criação de um ciclo na prática jornalística, desde a proposição de pautas por meio da Intranet, a comunicação a outros veículos de comunicação sobre um acontecimento, passando pela produção (utilizando a base de dados como plataforma para

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publicação das matérias online), até o armazenamento e mineração deste conteúdo para futura consulta, o que levará novamente à sugestão de pautas.

Esta pesquisa possibilitou, também, a compreensão do avanço do webjornalismo na região amazônica. Há dez anos o cibermeio analisado apenas copiava o conteúdo publicado pela TV da mesma empresa e por assessorias de comunicação; hoje, além de produzir seu próprio conteúdo, ele investe em mídias online para enriquecer o valor informacional; mídias cuja natureza híbrida permite a mistura de signos e linguagens de diferentes naturezas, misturando informações e gerando novos sentidos. Todo este processo propicia a emergência de novos códigos e reclama por novas formas de produção e de recepção das notícias. Os caminhos da produção e da recepção da informação nas infovias do ciberespaço se apresentam como uma rede complexa, cujo funcionamento só pode ser entendido pelas complexas relações que estabelece com as mentes que percorrem os nós de conexão, buscando os significados, os sentidos e a comunicação.

REFERÊNCIAS

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A CRIAÇÃO DE VÍDEOS COMO INSTRUMENTO PARA DIVULGAÇÃO CONTRA O PRECONCEITO LINGUÍSTICO

FILMMAKING TO DISSEMINATE IDEAS AGAINST LINGUISTIC PREJUDICE

Ricardo Joseh Lima UERJ

Resumo: Este artigo apresenta uma proposta de como abordar a divulgação de ideias a respeito do preconceito linguístico. Muito já se tem escrito sobre esse tema, o que pode terminar gerando um canal de comunicação com a sociedade. No entanto, casos como a “polêmica do livro didático”, acontecida em maio/junho de 2011, têm mostrado que esse canal ainda é bastante incipiente, se tanto. A produção de vídeos pode ser vista como um instrumento alternativo para estimular novos canais de comunicação entre a academia e a sociedade. Pontos positivos e dificuldades intrínsecas desse tipo de instrumento são ressaltados nesse artigo, além de considerações de caráter geral sobre a atividade de divulgação de ideias linguísticas. Pretende-se demonstrar que duas linhas de ação distintas podem se encontrar e uma beneficiar a outra, gerando uma terceira linha de ação, voltada para divulgação linguística com base em recursos multimídias. Palavras-chave: Sociolinguística; Preconceito Linguístico; Divulgação Científica; Vídeos. Abstract: This paper aims to present a proposal on how to deal with the popularization of ideas concerning linguistic prejudice. There is already a considerable literature on the issue, reflecting the interest of the scientific community in creating a channel to communicate its ideas with society. However, events such as the polemics involving a didactic book have shown that, in spite of the interest, the channel created may not be regarded as efficient. The production of videos may be seen as an alternative instrument to stimulate the creation of new

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channels of communication between the scientific community and society. Positive aspects and difficulties intrinsic to this kind of instrument are stressed in this paper, altogether with considerations of a general nature about the activity of popularization of linguistic ideas. Keywords: Linguistic prejudice; Scientific Popularization; Videos; Sociolinguistics.

INTRODUÇÃO

Neste trabalho, temos como objetivo apresentar uma proposta de união de duas linhas distintas de ação. Argumentaremos que, apesar de manter sua autonomia, cada linha pode contribuir para o desenvolvimento da outra e que sua união resultará em uma nova linha de ação, que primará por seu ineditismo.

O preconceito linguístico é um tema ao qual se dedicam vários linguistas. Dentre eles, podemos destacar Bagno (1999, 2008), Scherre (2005) e Possenti (2009). De algum modo, podemos denominar esses linguistas como representantes da classe21”, uma vez que ideias como a inferioridade de uma norma em relação à outra não apenas são consensuais na área como também é consensual o desejo dos linguistas de ver ideias como essas derrubadas em nossa sociedade. Daí a denominação de “representantes da classe”,

21 O sentido de “representantes da classe” não é de que ambos representem a academia em seu pensamento majoritário, mas simplesmente representam porque são os mais visíveis na mídia e os que mais se expõem na academia sobre o assunto.

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pois as obras citadas se dirigem não a um público especializado, mas a todo e qualquer leitor interessado no tema.

A criação de vídeos como auxílio no processo de ensino e aprendizagem vem ganhando força nos últimos anos. Isso se deve a fatores como maior facilidade de lidar com máquinas e softwares e o desejo de tornar as aulas mais próximas da realidade do aluno. Já há vários trabalhos publicados mostrando os benefícios da inserção de materiais multimídia em sala de aula (Theodosakis, 2001 e Thompson, 2010). Podemos contar também com experiências na área de Linguística (Squires & Queen, 2011), o que demonstra que essa linha de ação está alcançando várias áreas do conhecimento.

Apresentadas as duas linhas distintas, chegamos ao momento de encaminhar uma proposta de sua união: se é preocupação dos linguistas disseminar ideias contra o preconceito linguístico e se há trabalhos voltados para a adequação dos vídeos como instrumentos de divulgação e ensino-aprendizagem, então é plausível que se pense utilizar os vídeos como instrumento de divulgação contra o preconceito linguístico. Pretendemos aqui que essa ideia, que vem sendo germinada em nossa prática docente nos últimos anos, ganhe impulso quando for pensada de modo estruturado e a médio e longo prazo.

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Estaremos, assim, aptos a cumprir o desafio proposto por Saussure, logo na abertura do Curso?

Qual é, enfim, a utilidade da Linguística? (...) não há domínio onde tenha germinado ideias tão absurdas, preconceitos, miragens, ficções. Do ponto de vista psicológico, esses erros não são desprezíveis; a tarefa do linguista, porém, é, antes de tudo denunciá-los e dissipá-los tão completamente quanto possível. (Saussure 1969, p.14) (grifo nosso)

A fim de verificar a resposta para a questão lançada, descreveremos na próxima seção os principais trabalhos e suas preocupações a respeito do tema do preconceito linguístico. Na seção seguinte, abordaremos questões relativas ao processo de ensino-aprendizagem e à divulgação que são pertinentes à criação de vídeos. Após, dedicaremos uma seção à apresentação de experiências já realizadas com vídeos que focalizaram o tema do preconceito linguístico. Propostas, encaminhamentos e discussões são expostos na seção que encerra o artigo.

PRECONCEITO LINGUÍSTICO: O QUE TEM SIDO FEITO CONTRA ELE? COMO TEM SIDO FEITO?

O fenômeno do preconceito linguístico é amplamente conhecido pela comunidade acadêmica. A citação de Saussure, na Introdução, contém a expressão “preconceitos” e

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pode-se imaginar, portanto, que a linguística enquanto ciência detectou esse fenômeno há quase cem anos. Com o surgimento da Sociolinguística, nas décadas de cinquenta e sessenta do século passado, ganha impulso a luta contra esse tipo de posicionamento social. O estudo da variação linguística e o objetivo de demonstrar que toda variação obedece a uma lógica, o que desmonta o argumento de um dialeto ou norma ser inferior a outro, são refletidos em estudos e trabalhos como os de Charity (2008) e de Wolfram (2000). O título do primeiro trabalho é bastante significativo a esse respeito (“Linguists as agents for social change”22) e uma citação do segundo revela a mesma linha de ação: “Two concerns should lie at the heart of public education about language: truth and equity.”23

No Brasil, a obra impactante de Marcos Bagno “Preconceito linguístico: o que é? como se faz?”, publicada em 1999, trouxe à tona para a sociedade a visão da Sociolinguística sobre temas como os conceitos de “certo” e “errado” e mitos sobre quem fala melhor o Português. Escrito em uma linguagem acessível e de modo bastante direto e panfletário, o livro tem se disseminado em cursos de graduação e de formação de professores, sendo amplamente conhecido por estudantes de Letras. “A Língua de Eulália”,

22 “Linguistas como agentes para mudanças sociais”, tradução minha. 23 “Duas preocupações deveriam estar no centro do ensino público sobre língua: verdade e igualdade”, tradução minha.

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publicado em 1997 pelo mesmo autor, trata dos mesmos temas utilizando-se de uma narrativa ficcional. Também é uma obra bastante conhecida no meio acadêmico e objetivou ampliar o público de interesse para o assunto. Por fim, podemos citar “Doa-se lindos filhotes de poodle”, de Scherre (2005), como mais um exemplo de livro escrito para divulgar ideias da Sociolinguística a respeito da variação linguística e como a mídia aborda o preconceito linguístico (não é outro o subtítulo do livro se não “variação, mídia e preconceito”).

Essas e ainda outras obras que poderiam ser citadas demonstram o interesse do meio acadêmico em divulgar trabalhos, argumentos científicos e opiniões contra o preconceito linguístico. No entanto, por mais que essas iniciativas sejam louvadas e que se reconheça o sucesso de algumas delas (como no caso do livro “Preconceito linguístico: o que é, como se faz”, que vendeu centenas de milhares de cópias), seria necessário realizar uma análise do alcance desse material para fora dos meios acadêmicos, para se verificar se o ideal de divulgação de ideias linguísticas foi atingido. Não parece haver estudos consistentes sobre esse tema e apenas de modo indireto poderíamos averiguar esse alcance. Ora, o evento midiático que pode ser denominado “polêmica do livro didático”, acontecido em junho de 2011, pode ser um instrumento para essa análise. Nesse evento, a mídia, em suas variadas formas, expressou e veiculou expressões de desconhecimento de princípios básicos como os conceitos de variação e de norma, além de não demonstrar a percepção de

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como esses conceitos podem ser trabalhados em sala de aula. A rejeição extremada à inserção do trabalho da norma não padrão em um livro didático24 que deve veicular a norma padrão levou a demonstrações explícitas de tudo aquilo que os linguistas convencionaram chamar de preconceito linguístico.

Poderíamos dizer, sem medo de hiperdimensionar o evento, que tal avalanche de informações, opiniões e discussões preconceituosas colocou em xeque todos os esforços realizados de divulgação da linguística fora dos meios acadêmicos. O que poderia explicar esse nosso fracasso de comunicação? Por que uma discussão tão consensual e difundida no meio acadêmico não havia ganhado espaço fora dele? Tais perguntas merecem uma análise aprofundada, mas desde já apontamos para um caminho que pode esclarecer o porquê dessa situação: o meio utilizado para a divulgação da mensagem (o preconceito linguístico deve ser combatido) pode não ter sido o mais adequado. Afinal de contas, os trabalhos citados acima são todos livros, que têm circulação restrita devido ao preço, a questões de direitos autorais, além do tipo de linguagem utilizada, a acadêmica. Seria possível, portanto, explorarmos algum meio alternativo de divulgação desse tipo de mensagem? É o que começamos a fazer na próxima seção.

24 Foram casos como “Os livro” e “os menino pega o peixe”.

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LUZ, CÂMERA, AÇÃO: A PRODUÇÃO DE VÍDEOS E SEUS ALCANCES

O meio alternativo a ser explorado nesse trabalho é o vídeo. Nessa seção, abordaremos os benefícios de se utilizar esse meio a partir de três perspectivas: a do aluno, a do professor e a da divulgação. As ideias veiculadas a seguir vêm dos trabalhos de Theodosakis (2001) e Thompson (2010) citados na Introdução, cujos conteúdos principais estão apresentados abaixo.

É notória a dificuldade dos alunos ingressantes em um curso de Letras em lidar com a produção acadêmica escrita. Muito mais facilidade eles possuem para manejar outros tipos de produção, e a produção em vídeo é uma delas. Por estarem em contato o tempo todo com esse tipo de material, eles se sentem mais à vontade em realizar trabalhos em vídeo. Desse modo, eles podem exercer sua liberdade criativa, elaborando trabalhos sem precisarem estar presos a amarras acadêmicas. Uma consequência positiva é a aproximação do aluno com o conteúdo da disciplina, uma vez que não se exige um tipo de produção que ele não domina, o que pode levá-lo ao fracasso, mas sim um em que ele consegue se expressar de modo mais autêntico. Sem perceber, o aluno está entrando em um mundo de desenvolvimento de habilidades em que a figura do professor desempenhará um papel muito importante.

Todo professor que leciona Linguística para alunos ingressantes em um curso de Letras parece também possuir uma notória dificuldade: a de despertar o interesse desses

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alunos pelo conteúdo das correntes teóricas da Linguística25. A produção de vídeos por parte dos alunos, uma vez que, como visto acima, é um atrativo para eles, pode servir também para o professor atrair os alunos para esse conteúdo. Uma vez realizado esse movimento, pode-se explorar outros efeito benéficos da prática com vídeos. O primeiro está diretamente relacionado com a dificuldade dos alunos ingressantes com a produção acadêmica escrita. Produzir um vídeo significa lidar de vários modos com a escrita. É necessário criar um roteiro, trocar ideias com outros componentes do grupo que elabora o vídeo e também pensar nas falas dos personagens. São vários níveis de escrita envolvidos, o que pode ser encarado como um convite à reflexão sobre esses níveis, incluindo o acadêmico. Mesmo que não inserido diretamente na produção do vídeo, esse nível pode ser introduzido ao aluno e a partir daí se iniciar o processo de conhecimento e domínio das exigências que esse nível demanda. Além disso, o processo de avaliação de vídeos pode envolver uma série de etapas que podem ampliar o alcance desse tipo de produção. Assim, por exemplo, criatividade pode ser um critério de avaliação. Ainda que subjetivo, faz com que o aluno explore possibilidades de realização não antes imaginada. A apresentação de relatórios com as etapas de produção do vídeo cria um compromisso do aluno com esse processo, além

25 Tal informação deriva da experiência acadêmica do autor e pode ser confirmada por seus colegas de trabalho. Os manuais introdutórios de linguística produzidos por várias editoras fazem comentários nesse mesmo sentido

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de mais uma vez criar espaço para a produção escrita. Considerar a qualidade do vídeo como critério de avaliação vai levar o aluno a ter mais cuidado na elaboração e edição do material, outras habilidades sendo desenvolvidas. Por fim, pode-se eleger como critério de avaliação o impacto que o vídeo pode ter em um público mais amplo. Nesse ponto, passamos a explorar a produção de vídeos a partir de uma nova perspectiva.

Um vídeo como produto para divulgação de ideias possui diferenças marcantes em relação a um livro que tenha o mesmo propósito. Sua circulação será bem mais ampla, uma vez que pode ser acessado com o uso da Internet; pode ser copiado e reproduzido, sem violar restrições de direitos autorais; o acesso é gratuito, ao contrário de livros, que podem chegar a custar R$ 40,00 cada um. Além disso, há a diferença na “linguagem” utilizada pelos dois meios. Enquanto o livro se prende a uma linguagem mais acadêmica, respeitando as exigências formais desse gênero, o vídeo tem uma linguagem mais livre, acessível a vários públicos. A produção de vídeos por alunos pode ter um papel relevante na divulgação de ideias da Linguística a respeito de temas como o preconceito linguístico.

Esse é o ponto em que as “duas paralelas se cruzam”. De um lado, a preocupação de linguistas em divulgar informações para a sociedade a respeito de seu trabalho e de perspectivas novas sobre temas como variação, ensino e

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preconceito linguístico. De outro lado, a produção de vídeos como instrumento de auxílio no processo de ensino-aprendizagem desses mesmos temas e como um meio de divulgação eficaz. Unir esses dois caminhos é a proposta desse trabalho. Não fossem apenas as vantagens que esse meio apresenta em relação à divulgação, vimos também aspectos positivos para quem estimula (o professor) a produção e para quem a realiza (os alunos). Essa combinação de aspectos positivos faz com que a produção de vídeos relacionados ao tema do preconceito linguístico mereça algum destaque quando se põe em consideração a busca de meios para divulgação de ideias linguísticas.

Como seria, na prática, a união da produção de vídeos com a luta contra o preconceito linguístico? Que experiências podem ter sido realizadas e que análises podem ser feitas para que futuros projetos aprendam com os erros do passado e consigam almejar metas mais ambiciosas? Essas e outras questões serão abordadas e respondidas na seção seguinte.

VÍDEOS CONTRA O PRECONCEITO LINGUÍSTICO: O QUE TEM SIDO FEITO? COMO TEM SIDO FEITO?

As experiências que têm sido realizadas com o intuito de apresentar ideias de combate ao preconceito linguístico através do meio de divulgação do vídeo tiveram início em 2007 e desde então têm sido recorrentemente realizadas. Nesta seção, será descrita a experiência inicial e mais três outras que se seguiram nos anos posteriores.

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“E se o Brasil fosse assim?” foi um vídeo realizado por alunos do primeiro período de Letras da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ) do segundo semestre de 2007. A intenção principal do vídeo era causar impacto com a troca de posições das normas padrão e não padrão em seus ambientes de uso. Assim, por exemplo, a fictícia apresentadora do “Jornau Nassionau” utilizava expressões como “nós vai” e “os telespectador”, enquanto um camelô comentava uma notícia utilizando expressões de acordo com a norma padrão. Não bastasse o impacto causado pela inversão, as notícias discutidas no telejornal apresentado no vídeo giravam em torno dos conceitos de “certo” e “errado”. Um advogado criticava o uso de “expressões erradas” como “nós vamos”, e “os meninos” enquanto um professor criticava quem falava “flamengo” em vez de “framengo”.

Essas notícias, portanto, criariam um pano de fundo para uma discussão mais ampla a partir da exibição do vídeo. A inversão de papéis entre norma padrão e norma não padrão do modo que foi apresentado apenas aparentemente “resolvia” o problema do preconceito linguístico e da não aceitação de registros distintos do padrão. Afinal de contas, a nova realidade era que a norma não padrão havia se transformado na norma padrão e com isso todos os preconceitos que existem na nossa realidade foram transportados para essa nova realidade. A aceitação de formas da norma não padrão não pode, portanto, passar pelos mesmos problemas de sua não aceitação. A inversão pura e

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simples de papéis não garantiria o fim do preconceito linguístico.

Esse tipo de discussão gerado por esse vídeo poderia ainda se estender e se ampliar por outros vieses. A capacidade de estimular discussões pode ser considerada o principal ponto positivo do vídeo, em contrapartida ao principal ponto negativo, que é a qualidade de som e imagem. Realizado com equipamentos simples e editado em programas básicos, sem legendas, há dificuldade de compreensão de certas passagens além do volume estar o tempo todo baixo. Isso prejudica a disseminação e uma adequada apreciação do vídeo, que, como apontado acima, tem seu valor por ser capaz de gerar discussões a respeito do tema do preconceito linguístico.

Durante os anos seguintes, foram feitos esforços para que os vídeos suprissem as falhas técnicas e tivessem uma qualidade superior. Como resultado, diversos vídeos que atendiam ao critério de qualidade foram criados. O vídeo de maior destaque é “Menas como você nunca viu” (http://www.youtube.com/watch?v=N3ER9CjLwt0), que passará a ser descrito a seguir.

O vídeo é resultado de um projeto informal de análise da exposição “Menas”, apresentada pelo Museu da Língua Portuguesa, em 2010. Focalizando a variação linguística e expressões não padrão, a exposição procurou mostrar aos visitantes a diversidade da língua portuguesa ao mesmo tempo em que se convidava a refletir sobre os significados da

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diversidade. Se tomarmos o tema do preconceito linguístico como critério de análise, é possível perceber que a exposição não se aprofundou em uma discussão que poderia ter sido abordada (ver Antunes & Lima, a sair, para uma crítica detalhada). A partir daí, surgiu a ideia de utilizar a expressão “menas” como ponto de partida para a realização de um vídeo que desse sequência às ideias da exposição, mas que ao mesmo tempo fosse mais enfático ao abordar o tema do preconceito linguístico. Paralelamente, descobriu-se que essa expressão era tema de um vídeo da série “Orto e Grafia”, veiculada pela TV Escola. Nesse vídeo, a expressão “menas” era combatida pelos personagens, que diziam que ela “dói no ouvido” e que “menas não existe”.

O vídeo “Menas como você nunca viu” une uma resposta ao vídeo da TV Escola e uma sequência à exposição do Museu da Língua Portuguesa. Na primeira parte, um teatro de fantoches é apresentado em que os personagens utilizam expressões da norma não padrão além de “menas”, como “a gente vamos”, “nós vai”, entre outras. Ao final do teatro, apresenta-se a ideia de que nenhuma dessas expressões está errada, que cada uma possui uma lógica e que considerar algo que não se sabe que tem uma lógica como errado seria preconceito. Na segunda parte, no estilo da exposição, uma voz em off narra uma possível explicação para a existência da expressão “menas”: o paralelismo com as formas “muito” e “pouco” quando antecedem substantivos (“muita manteiga”, “pouca manteiga”, “menas manteiga”). Com esquemas,

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tabelas e utilizando uma linguagem bem acessível, o recado do vídeo é passado: expressões da norma não padrão possuem uma lógica e não deveriam ser taxadas como erradas. Esse vídeo foi realizado por alunas do sétimo período de Letras da UERJ, no primeiro semestre de 2011.

Uma questão que permeou a produção de vídeos nesses anos foi a do tempo de duração. Uma vez que há uma série de ideias a serem veiculadas, a tendência é utilizar um tempo que dê conta de apresentá-las de modo adequado. Com isso, o vídeo de 2007 tinha cerca de dez minutos, assim como outros não descritos neste trabalho. Uma preocupação que acompanha essa questão é a de saber se a duração do vídeo prejudicaria sua divulgação. Quanto maior o vídeo, mais pesado é o arquivo para baixar ou assistir pela internet. Além disso, caso o interesse do espectador não seja capturado logo no início, ele pode desistir de ver o restante sabendo que ainda haveria muitos minutos pela frente. O vídeo “Menas como você nunca viu” dura cerca de cinco minutos e já se apresenta mais adequado para dar conta dessa preocupação. Uma solução mais radical foi implantada em 2010 com a ideia do “Festival do Minuto Ling”, um evento em que vídeos de um minuto sobre o preconceito linguístico deveriam ser apresentados.

O vídeo “Twins” foi o vencedor da primeira edição do “Festival”. Realizado por uma aluna do primeiro período de Letras da UERJ do segundo semestre de 2010, o vídeo

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apresenta dois gêmeos em ambientes distintos. Cada um se veste de um modo e utiliza expressões distintas para mesma forma: “praca” e “placa”. O gêmeo que veicula a expressão “placa” ri e ridiculariza o outro gêmeo. Este, indignado, literalmente joga na cara do outro gêmeo a capa dos Lusíadas, de Camões. É uma alusão ao fato de que o poeta português utilizou expressões como “ingrês” e ainda assim é considerado um dos maiores poetas da língua portuguesa. Os personagens não têm voz, o vídeo é apresentado em preto e branco, com uma música de fundo.

Considerando-se o tempo curto que se tinha disponível para passar uma mensagem, pode-se dizer que o vídeo é bastante bem sucedido. Entretanto, duas características presentes nele são recorrentes de outros vídeos produzidos nesse período. A primeira é a utilização de obras com restrição de direitos autorais. “E se o Brasil fosse assim?” utiliza-se de músicas como “Inútil”, do grupo Ultraje a Rigor; “Menas como você nunca viu” reproduz o vídeo da TV Escola; “Twins” utiliza uma gravação de um Noturno de Chopin. Ao mesmo tempo em que reconhecemos que é habitual vídeos utilizarem de outras obras para comporem sua estrutura, é mais forte o reconhecimento de que há legislações sobre direitos autorais que devem ser cumpridas e que violações prejudicam a divulgação de vídeos assim. A segunda característica é a utilização de termos ou conteúdos que são de domínio de um público restrito. Assim, por exemplo, só compreende o vídeo

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“Twins” quem entender a relação entre Camões e os encontros consonantais com “r”.

O último vídeo a ser analisado nesta seção é “Preconceito linguístico também é preconceito” (http://www.youtube.com/watch?v=Z7pfuC13pnY). Realizado pelas mesmas alunas do vídeo “Menas como você nunca viu” como trabalho final de uma disciplina eletiva no primeiro semestre de 2011, o vídeo mostra várias situações de preconceito (racial e sexual) enquanto uma voz em off faz um comentário sobre como a sociedade lida de forma diferente hoje com essas diferenças. Assim, por exemplo, segregar negros e homossexuais foi uma prática comum; embora ainda exista preconceito racial e sexual no Brasil, entende-se, hoje, como consensual, que esses preconceitos carecem de base científica e cultural e são considerados crimes. O vídeo então apresenta uma situação de preconceito linguístico e questiona: assim como os demais, o preconceito linguístico carece de base científica e cultural. No entanto, diferentemente dos demais, não é considerado crime e não parece haver uma postura diferente da sociedade em relação a ele. Esse vídeo consegue dar conta dos problemas levantados anteriormente: tem curta duração (um minuto e quarenta segundos), não utiliza obras com restrição de direitos autorais (há uma música de fundo de criação própria dos autores do vídeo) e não menciona conteúdos específicos de domínio restrito (os temas dos preconceitos racial e sexual são conhecidos da sociedade).

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Nesta seção, apresentamos algumas experiências realizadas com o intuito de divulgar ideias contra o preconceito linguístico através da realização de vídeos. Na seção anterior, foram levantados pontos positivos desse tipo de experiência e aqui além da descrição dos vídeos levantamos mais alguns pontos positivos juntamente com dificuldades inerentes a esse tipo de experiência. Na próxima e última seção, apresentaremos discussões de caráter geral sobre esse tipo de experiência, bem como apontamos perspectivas para a realização de novas experiências.

VÍDEOS CONTRA O PRECONCEITO LINGUÍSTICO: O QUE PODERÁ SER FEITO? COMO PODERÁ SER FEITO?

Nesta seção, retomamos alguns dos pontos levantados nas seções anteriores e os expandimos para criar dois tópicos de discussão a respeito do tema desenvolvido neste trabalho. O primeiro tópico diz respeito ao papel da linguística e do linguista em relação ao seu trabalho e comunicação com a sociedade. O segundo tópico, derivado do primeiro, aponta para as condições de produção de vídeos de combate ao preconceito linguístico.

Na Introdução desse trabalho, foi apresentada uma citação de Saussure que vale a pena ser repensada. Em seu trecho principal, o linguista suíço aponta que, a respeito dos preconceitos sobre questões linguísticas, “a tarefa do linguista, porém, é antes de tudo denunciá-los e dissipá-los tão completamente quanto possível”. Em seguida, apontamos

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para trabalhos e obras que foram realizadas no intuito direto de responder ao desafio lançado por Saussure. A polêmica do livro didático e seu evento midiático podem ser considerados um “balde de água fria” na pretensão de que esse desafio estaria sendo respondido à altura pelos linguistas brasileiros. A reação extremada de parte da sociedade revelou altos graus de preconceito linguístico. Todos os trabalhos realizados no âmbito da sociolinguística nos últimos quarenta anos pareciam estar cercados por um muro intransponível, uma vez que nada do que tem circulado nos meios acadêmicos sobre o preconceito linguístico havia transpirado para fora desses meios.

A produção de vídeos de combate ao preconceito linguístico deve ser analisada a partir do viés desse desafio e de como respondê-lo. A primeira pergunta é se devemos aceitar esse desafio ou considerá-lo ou como uma causa perdida, tendo em vista os fracassos até o momento, ou como uma causa que não deve ser levada adiante por linguistas. Recusar o desafio é a solução mais simples. No entanto, tornar o meio acadêmico uma fortaleza de saber enquanto a sociedade não usufrui desse saber não parece ser uma atitude derivada de um ambiente que se diz científico e acadêmico. A difusão do saber faz parte do próprio caminhar da ciência e negá-lo é negar o próprio fazer científico. Considerar o desafio como causa perdida ou que não é tarefa dos linguistas respondê-lo leva à mesma contradição apontada acima: cria-se um distanciamento nada saudável entre o fazer científico e

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a sociedade. Como, então, dar conta do desafio lançado por Saussure?

Um primeiro passo pode ser o reconhecimento de que os instrumentos até então utilizados têm sido inadequados para tal tarefa. O meio acadêmico tem se comunicado com a sociedade utilizando um instrumental que é inerente a ele, mas não a ela: o livro, pesquisas, linguagem acadêmica. Tudo isso leva a sérias restrições de circulação da informação. A produção de vídeos contra o preconceito linguístico, nesse sentido, não pode ser encarada como um evento isolado, lúdico, provocador. Se há provocação é no sentido de levantar a questão de como a demanda do próprio meio acadêmico em estabelecer uma comunicação com a sociedade pode ser satisfeita. Por isso, na segunda seção desse trabalho, essa produção de vídeos foi analisada segundo a perspectiva do aluno e do professor. Uma vez que se entendem os benefícios derivados desse tipo de produção para o processo de ensino-aprendizagem, tem-se uma real dimensão do alcance do que pode ser feito com a produção de vídeos.

Desse modo, a título de exemplo, a simples inserção da produção de vídeos como parte de avaliação de uma disciplina de Letras não satisfaz mais o grau de exigência que se tem desse tipo de produção em relação aos benefícios que dele se pode induzir. A produção de vídeos deve ser encarada como uma mecânica complexa, que envolve várias habilidades por parte dos alunos e do professor. No entanto, de principal,

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podemos destacar a disseminação da ideia, entre os alunos, de que todos, não apenas os linguistas formados, mas os que estão em formação, são peças responsáveis na engrenagem de comunicação do meio acadêmico com a sociedade. Chamar o aluno à responsabilidade que ele tem perante o desafio lançado deveria ser parte de sua formação acadêmica. Responder a esse chamado deveria, por conseguinte, também ser parte dessa formação.

Nesse momento, podemos abordar o segundo tópico de discussão final: as condições de produção dos vídeos. Como apontado no parágrafo anterior, não se trata de considerar a produção de vídeos como algo “a mais”, uma novidade, para atrair os alunos para um determinado tema. Justamente por ter a ambição de responder ao desafio lançado por Saussure, a produção de vídeos deve se constituir como uma tarefa, um exercício à altura do que se almeja. Por isso, as condições de produção devem ser cuidadosamente observadas. Pontos como elaboração de roteiro e apresentação de etapas na produção do vídeo devem ser considerados como cruciais para um bom resultado. Criar grupos de discussão sobre temas de vídeos auxilia no amadurecimento de sua produção bem como evita erros e falhas que tenham acontecido com experiências anteriores. Ao fim e ao cabo, estamos diante de uma nova realidade de concretizar as relações de ensino-aprendizagem, em que a produção de vídeos pode estar servindo a diversas exigências

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dessas relações e ainda acrescentar a resposta ao desafio lançado por Saussure.

Como consideração final, fica o destaque para que essa discussão possa ser veiculada da maneira mais ampla possível. É viável um vídeo sobre linguística ter acessos significativos, despertar interesses, estimular discussões de modo amplo e abrangente?26 Tal consideração deve ser considerada como “profana” em relação aos ideais acadêmicos de cientificidade, seriedade e formalismo? Ou estamos diante de uma nova realidade, em que atores e temas novos são inseridos para dar conta de problemas que uma velha ordem acadêmica não conseguiu? Questões que, longe de estarem em aberto, estão próximas no horizonte de eventos que a produção de vídeos pode estar construindo a partir de agora.

REFERÊNCIAS

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______. Preconceito linguístico: o que é, como se faz. São Paulo:

26 Um vídeo produzido por alunos do primeiro período de Letras do segundo semestre de 2009 sobre a obra de Saussure (“Saussure para todos”) já alcançou mais de 4100 exibições em dois anos e é um dos primeiros resultados indicados para a busca “Saussure” no site YouTube.

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O PROCESSO LINGUÍSTICO DA COMPREENSÃO EM LEITURA: ENTRE A CONSTRUÇÃO DO(S) DISCURSO(S) E A SUA

DE(S)CODIFICAÇÃO. BREVES ACHEGAS PARA O CONTEXTO DE LÍNGUA NÃO MATERNA27

THE PROCESS OF LANGUAGE READING COMPREHENSION: BETWEEN BUILDING(S) DISCOURSE(S) AND ITS DECODING.

BRIEF INCREASE FOR NON-MATERNAL LANGUAGE CONTEXT

Sandra Marina Gonçalves UNL

Paulo Osório UBI

Resumo: Esta investigação contextualiza-se num encontro de dois pólos. Por um lado, no âmbito da aquisição e, por outro, no do desenvolvimento da língua não materna. Descrevemos a investigação do processo de leitura, ou seja, dos mecanismos aí envolvidos e a investigação da compreensão que será estudada mediante determinados procedimentos. Palavras-chave: Leitura, Língua Não Materna, Aprendizagem, Aquisição Abstract: This investigation’s context thus at the crossroads of two researches. One centered on acquisition and the other focusing the development of non-maternal language. We describe, therefore, the investigation of reading process, namely, the mechanisms involved, and the research of comprehension, which will be studied through the procedures the reading process. Keywords: Reading, Non-maternal Language, Learning, Acquisition

27 O texto está redigido segundo o Novo Acordo Ortográfico, incluindo as citações que, igualmente, foram atualizadas para a nova grafia.

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PROLEGÓMENO

O objetivo primordial da aquisição de uma Língua Segunda (L2) e de uma Língua Estrangeira (LE) consiste na investigação do desenvolvimento linguístico dos falantes não nativos. Torna-se, ainda, fundamental identificar e descrever os fatores que o influenciam, bem como explicar as propriedades que caracterizam as gramáticas desses mesmos falantes. A aprendizagem das línguas estrangeiras emerge não apenas como uma mais-valia no desenvolvimento cognitivo e social do aprendente, mas também como procedimento de comunicação de valores, de cultura, de entendimento e resolução de problemas comuns, de cooperação universal. Ensinar uma língua envolve, assim, determinadas particularidades, tais como ponderar um destinatário característico, num contexto específico, abrangendo diferentes contextos ideológicos e geográficos e com um substrato linguístico particular. Poderíamos questionar, igualmente, se existe uma idade ideal para começar a aprender uma língua ou se existem condições específicas para a aquisição da mesma, ou, ainda, é possível indagar-se em que medida se assemelha a aquisição de uma L2 com a aquisição da Língua Materna (LM), no que respeita às etapas e processos de aquisição.

Boucher, Duplantié e Leblanc (1988) distinguem os termos “aquisição” e “aprendizagem”. Assim, a aprendizagem representa um processo ativo de construção de conhecimento

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que origina a criação de representações explícitas e conscientes da gramática da L2. A aquisição, por sua vez, é definida como um processo passivo e não consciente, que resulta na formação de um sistema de conhecimento implícito e não analítico, da gramática da L2, isto é, adquire-se o conhecimento de propriedades gramaticais abstratas que estão subjacentes à língua a que os aprendentes estão expostos. Segundo os autores, é o processo de aquisição que conduz a um uso eficaz da LE. Cohen (1998: 4) diferencia a aprendizagem de LE da de L2, afirmando: “enquanto a aprendizagem da língua estrangeira é usada para se referir exclusivamente a uma situação onde a língua não é ponderada a ser falada na comunidade, a aprendizagem da língua segunda refere-se à língua falada na comunidade e, às vezes, também serve como termo genérico utilizado para se referir tanto à aprendizagem da língua segunda como estrangeira”.

Como podemos unificar e homogeneizar aquilo que é, por natureza, heterogéneo? Quando abordamos a temática da aquisição da leitura, deparamo-nos com um processo em que a compreensão é altamente subjetiva, uma vez que cada leitor coloca na tarefa as experiências pessoais que vão determinar uma leitura específica, num mesmo momento, e uma leitura diferente para o mesmo leitor, em momentos diversos. Como afirma Kleiman (1989: 151), “ensinar a ler com compreensão não implica em impor uma leitura única, a do professor ou especialista, como a leitura do texto. Ensinar a ler é criar uma atitude de expectativa prévia com relação ao conteúdo

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referencial do texto, isto é, mostrar à criança que quanto mais ela previr o conteúdo, maior será sua compreensão”. Segundo Cohen (1998), a aprendizagem da língua pode ser diferenciada de acordo com quatro estratégias: cognitivas, metacognitivas, afetivas e sociais. As primeiras envolvem a identificação das estratégias de aprendizagem da linguagem, a retenção e o armazenamento da informação; as estratégias metacognitivas compreendem quer a pré-avaliação e planeamento, quer a avaliação das atividades de aprendizagem da linguagem; as estratégias afetivas servem para regular as emoções, motivação e atitudes; as estratégias sociais incluem, por sua vez, as ações que os aprendentes escolhem para interagir com outros aprendentes e falantes nativos.

Segundo Rivers (1964), existem quatro pressupostos principais na aprendizagem de línguas estrangeiras, nomeadamente o processo mecânico de criação de hábito, visto que o aluno pratica e repete os exercícios orais, até que os tenha completamente sob controlo. Depois, o aluno poderá elaborar um simples enunciado do princípio gramatical compreendido. A par do esforço intelectual, a linguagem reclama o desempenho automático de determinadas habilidades motoras. O segundo pressuposto reside nas capacidades linguísticas, que são detidas mais eficazmente se os itens da LE forem anunciados primeiramente em forma oral, antes da forma escrita, uma vez que a linguagem é algo que se entende e fala, antes de se ler e escrever. O terceiro pressuposto consiste na analogia, que proporciona uma base

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mais eficiente que a análise, visto que se os exercícios forem razoavelmente representativos e praticados, a analogia acompanhará o aluno ao caminho linguístico correto, tal como sucede na LM. Neste sentido, pode afirmar-se que o discente a quem somente se demonstra como funciona a linguagem, apenas conheceu algo que terá de omitir antes de efetuar qualquer aperfeiçoamento no domínio da linguagem. Por último, a autora apresenta o pressuposto das interpretações que os vocábulos de uma LE têm para o nativo que a fala. Estas só podem ser compreendidas num molde de referências à cultura do povo que fala essa língua, uma vez que, sem o conhecimento dessa cultura, a significação das palavras dificilmente será compreendida. Constata-se, deste modo, que se se ensinar uma língua sem fazer alusão, simultaneamente, à cultura existente, estamos perante uma aprendizagem apenas de símbolos sem significação. Ainda segundo Kleiman (1989), deve ensinar-se não apenas um conjunto de estratégias, mas criar uma atitude que faz da leitura uma procura de coerência. Para suscitar esta atitude no aprendente devemos, por um lado, sensibilizar a criança para os traços linguísticos que sustentam a reconstrução do quadro referencial apontado pelo autor e, por outro, criar situações na sala de aula para que o aprendente “conviva” com o autor por via do texto. Deste modo, Kleiman (1989) apresenta duas abordagens relativas às práticas mais usadas para avaliar adequadamente as habilidades de leitura: (i) a leitura em voz alta, que é geralmente utilizada para descobrir

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se o aluno conhece as regras ortográficas da língua, uma vez que, para ler dessa maneira, deverá conhecer as correspondências entre grafia e som. É, igualmente, usada para saber se o aprendente reconhece os valores dos sinais de pontuação; (ii) a leitura silenciosa, que possibilita ao aluno excluir a preocupação com a pronúncia e entoação, permitindo-lhe cingir-se totalmente à procura de significados.

Na ótica de Kato (1999), existem determinados tipos de conhecimentos e habilidades que a leitura subentende no ato da aprendizagem. Assim, o primeiro pré-requisito consiste na diferenciação da linguagem e refere-se à capacidade do aluno em diferenciar distintos sistemas de signos. O segundo tipo de conhecimento envolve a consciência da natureza simbólica da escrita. A concepção simbólica prenuncia a arbitrariedade do código escrito. Deste modo, a maioria dos alunos só aceita algo como escrita se houver variedade, linearidade e multiplicidade de signos. Na continuidade da apresentação dos tipos de conhecimentos, temos ainda o pré-requisito da capacidade de discriminação visual que consiste na distinção das diferentes letras do sistema ortográfico, bem como na percepção, no interior do texto, da coexistência de sistemas gráficos distintos. Segundo a autora, o uso de inferências é, igualmente, uma estratégia bastante recorrente para compreender o significado de determinados vocábulos. Estamos perante este procedimento quando nos deparamos com um termo desconhecido num texto e raramente se interrompe a leitura para consultar um dicionário e procurar o

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seu significado. Ao invés, esperamos que o contexto nos clarifique da sua significação. Kato (1999: 30) acrescenta, ainda, que “a utilização razoavelmente consciente dessa estratégia de inferência leva o leitor a prever que poderá fazer inferências mal sucedidas, o que faz desenvolver paralelamente procedimentos para autocorreção, isto é, uma monitoria de sua compreensão”.

O ensino-aprendizagem baseia-se na interação entre os indivíduos e o meio ambiente que os rodeia. Na ótica de Richterich (1985), ensinar e aprender uma LE envolve determinadas componentes:

Figura 1: As componentes do sistema de ensino-aprendizagem, Richterich (1985)

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Quer o ensino, quer a aprendizagem, se elaboram a partir de certo número de questões relativas aos elementos do sistema de interação, representando-se nos aprendentes, no docente, nos conteúdos, na instituição, nos objetivos, nos resultados, nas ações e nos meios.

Começando a análise pelo primeiro elemento, os aprendentes, sabemos que estes possuem características individuais, como a identidade, a biografia, particularidades psicológicas e afetivas, assim como características coletivas como a história e as influências dos indivíduos no grupo. O segundo fator, o docente, possui, igualmente, uma identidade, biografia, formação, particularidades afetivas e sociais. No que respeita aos conteúdos, ressaltam as questões, “o que ensinar?” e “o que aprender?”. Convém salientar que os termos que podem ser ensinados e aprendidos (quer sejam linguísticos, morfológicos, sintáticos, lexicais ou outros), de acordo com uma LE, não estão diretamente ligados entre si, uma vez que não é pelo facto de um conteúdo ser ensinado que ele é necessariamente aprendido. Outra componente mencionada pelo autor refere-se à instituição. A instituição deve ser um lugar onde os alunos descubram meios para agir sozinhos, mediante determinadas regras, de modo a entender os objetivos individuais e coletivos. Relativamente aos objectivos, sobressaem duas questões – Quem os escolhe e quem os define? Os conteúdos programáticos de cada ano/disciplina são definidos pelo Ministério da Educação, apesar de cada editora elaborar uma abordagem que julga ser

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a mais eficaz na sala de aula. No processo de elaboração de um manual escolar, recorre-se a investigações e processos de experimentação que envolvem os alunos e os grupos de trabalho, de modo a determinar os conteúdos que a obra terá de completar. Posteriormente, os conteúdos são elaborados pelos autores dos manuais, pela equipa editorial e pelos consultores científicos e pedagógicos. Quanto aos resultados, estes representam o que foi efetivamente aprendido no presente, o que pode ser avaliado ou observado. Tal como o ensino não é sinónimo de aprendizagem, assim os objetivos não se podem confundir com resultados. Neste caso, avalia-se periodicamente, através de exercícios de controlo, integrados ou não no manual, observação pessoal, autoavaliação e exames. Relativamente às ações, convém focar que se entende por este termo tudo o que o docente faz para ensinar a LE, desde dar instruções, explicações, informações, ler, escrever, assim como tudo aquilo que o aluno faz para aprender, como ouvir, olhar, repetir, ler, escrever, comparar, corrigir-se. Por último, surge a questão dos meios pelos quais são estabelecidas estas ações. Neste sentido, estas atividades são realizadas na sala de aula, na sala de projeção ou em lugares exteriores à instituição.

Constatamos, do sistema de interação, que as diversas questões e problemas que se colocam relativamente a cada elemento são consideráveis, tal como o é a multiplicidade das respostas e das decisões exequíveis. As respostas não são únicas e universais; ao invés, elas são múltiplas e diversificam-

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se consoante a situação de ensino e aprendizagem. Richterich (1985: 9) conclui, afirmando, que “pode-se argumentar que o que mais importa na aprendizagem de uma língua é o que é real e não tanto os conteúdos linguísticos (…). O que conta, portanto, são as ações que o professor e os alunos farão em conjunto para realizar o seu projeto de ensino/aprendizagem em comum. Os conteúdos são secundários e devem ser subordinados”.

A par das componentes do sistema de ensino-aprendizagem de uma língua, Rivers (1975) aponta duas correntes principais no que concerne ao ensino de línguas estrangeiras, nomeadamente os formalistas e os ativistas. Os primeiros apoiaram-se fortemente num tipo de ensino dedutivo, partindo da regra para o exemplo; os segundos defenderam a apreensão de uma generalização por parte do aprendente, ou seja, um processo de aprendizagem indutiva. A corrente formalista preocupa-se excessivamente com os detalhes gramaticais; por outro lado, os ativistas interessam-se mais em ensinar ao aluno o que é mais útil e de aplicação geral, deixando para estudos mais avançados a aprendizagem de algumas exceções. O ensino formalista tem-se focalizado, em demasia, em exercícios artificiais, enfatizando as características da língua escrita presente nos trabalhos literários, enquanto o ensino ativista procura familiarizar, primeiramente, o aluno com as formas linguísticas utilizadas na comunicação geral, na fala e na escrita menos formal, destinando o estilo literário para níveis mais avançados.

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Relativamente ao comportamento em sala de aula, o ensino formalista favorece a passividade do aluno, uma vez que este recebe instrução e aplica-a sob direção do docente. Existem, porém, professores que assumem uma posição intermediária, aplicando quer técnicas formalistas, quer ativistas no processo de ensino. As “atitudes divergentes em relação a vários aspetos do ensino de línguas têm levado a uma hierarquia diferente de prioridades no ensino das habilidades: a tendência formalista valoriza em alto grau a precisão na escrita (especialmente demonstrada na capacidade de traduzir), a ativista empresta ênfase à compreensão oral e à fala como elementos básicos e indispensáveis para a leitura fluente e a criatividade escrita” (Rivers, 1975: 11).

Perante estas correntes, compete ao professor de LE optar e favorecer o desenvolvimento e a autonomia através de metodologias, estratégias e atividades concretas, colocando o aprendente em contacto com a LE e desenvolver, assim, competências necessárias para caminhar sozinho.

Em suma, a investigação sobre estratégias de aprendizagem patenteia uma riqueza informativa relativamente aos tipos de estratégias que os discentes utilizam para aprender. Silva (2007) apresenta um quadro síntese sobre o uso das mesmas em L2:

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Autor Estratégias

Hosenfeld (1970; 1976)

Nos seus estudos, tentou perceber as estratégias de aprendizagem dos alunos de francês como segunda língua em Nova Iorque, usando entrevistas retrospectivas. Descobriu que os alunos encontravam respostas corretas usando pistas da ortografia e do manual de gramática.

Em 1976, a autora deu detalhes adicionais sobre estas características usando relatos verbais ou protocolos de reflexão em voz alta, para investigar os processos mentais dos alunos enquanto trabalhavam nas tarefas da língua.

Rubin (1975) Neste estudo, a autora sugeriu que o perfil do bom aluno de línguas poderia ser identificado observando as estratégias usadas pelos alunos que eram bem sucedidos na aprendizagem da L2.

Propôs um esquema de classificação que consiste em estratégias que afetam diretamente a aprendizagem e os processos que contribuem indiretamente para a aprendizagem.

Stern (1975) No seu estudo, identificou um conjunto de características do bom aluno e técnicas estratégicas associadas aos bons alunos de línguas.

Naiman et al. (1978)

Estes autores realizaram um estudo sobre estratégias de aprendizagem na L2 ou LE em larga escala, tendo por referência o bom aluno de línguas. O objetivo deste estudo era investigar os processos de aprendizagem da língua, estratégias que usavam alunos aprendentes do francês no ensino secundário

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no Canadá. Parte do objetivo do estudo foi validar as estratégias de aprendizagem da LE propostas por Stern. Este estudo foi interessante pelo seu desenho multimétodo.

Cohen & Aphek (1981)

Este estudo foi realizado em sala de aula, sendo os alunos observados e inquiridos após a realização de atividades. Uma das desvantagens deste estudo foi a presença intrusa dos investigadores, pois o facto de se questionar o aluno durante a aula coloca em risco a atenção dos alunos e o plano do professor.

O’Malley et al. (1985)

Estes autores publicaram um estudo sobre o uso de estratégias de aprendizagem com alunos de iniciação e níveis intermédios de LE (Inglês). O estudo procurou investigar estratégias dos alunos e ideias dos professores sobre as estratégias dos seus alunos, e também identificar o uso de estratégias em observações em sala de aula.

Oxford (1986) Esta autora desenvolveu o “Strategy Inventory of Language Learning” (SILL), usando mais de 60 estratégias identificadas na literatura sobre a aprendizagem de L2. Classificou as estratégias de aprendizagem como: cognitivas, compensatórias, metacognitivas, sociais e afetivas. A análise revelou que os alunos de língua podem não usar estratégias que a investigação indica serem mais eficazes.

Wenden (1987)

Neste estudo, a autora entrevistou alunos adultos de inglês para descobrir o que eles pensavam sobre como melhor abordar a tarefa de aprendizagem da L2 – as suas crenças prescritivas – e descreveu o conhecimento metacognitivo e estratégias que

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ajudam a regular a própria aprendizagem.

O’Malley & Chamot (1990)

Os autores, neste estudo, analisaram tarefas típicas dos alunos na aula de LE e também atividades fora da aula com alunos de Inglês como LS e LE, em salas de aula de escolas secundárias e níveis universitários. O sistema de classificação para capturar a natureza das estratégias referidas pelos alunos foi baseado na distinção, em psicologia cognitiva, entre estratégias metacognitivas, cognitivas e sócio-afetivas. Também foram sugeridas pelos autores estratégias adicionais, em particular estratégias de comunicação usadas em contextos sociais.

Vandergrift (1992)

Este estudo pretendia avaliar a audição e compreensão da L2 (francês). Segundo os resultados do estudo, as estratégias metacognitivas aumentam em cada nível de ensino: as raparigas referem usar mais estas estratégias do que os rapazes e a planificação é a mais comum das estratégias metacognitivas. Segundo o autor, as estratégias cognitivas eram as mais largamente usadas, enquanto as estratégias sócio-afetivas eram menos usadas.

Síntese de estudos sobre o uso de estratégias de aprendizagem, Silva (2007)

De acordo com a autora, à medida que a proficiência dos alunos aumenta, as estratégias podem agir de formas específicas, para estimular aspetos característicos da competência gramatical, sociolinguística e discursiva, como as estratégias de memória, o uso de imagens, as estratégias cognitivas como o raciocínio dedutivo ou, ainda, as estratégias

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sociais como colaborar e fazer perguntas. Desta forma, o papel do professor caracteriza-se por ser um facilitador, consultor, conselheiro, coordenador, sendo o seu papel mais diversificado e criativo (Silva, 2007).

DO(S) DISCURSO(S) À COMPREENSÃO

Crescer linguisticamente significa aprender a estrutura e as regras do uso da língua. O conhecimento apreendido através das regras linguísticas espelha a competência que cada falante possui da sua língua e exterioriza-se através do nível de compreensão dos enunciados proferidos. Segundo Sim-Sim (1997), a compreensão abrange a recepção e decifração de uma cadeia fónica e a sua correspondente interpretação mediante um determinado sistema linguístico. Para a autora, a compreensão abarca duas etapas, ou seja, a percepção da fala e a segmentação da cadeia sonora. Deste modo, a influência da compreensão amplia-se desde a identificação de palavras isoladas até à proficiência de estruturas complexas. Na ótica de Carrol e Freedle (1972), o termo “comprehension” surge essencialmente como sinónimo de “understanding”. Neste sentido, estes conceitos estão intimamente relacionados com os conceitos de explicação e conhecimento, uma vez que a explicação é o meio ou o processo de transmitir a compreensão e o conhecimento é o estado genérico sobre o qual recaem as várias espécies de compreensão. Por seu turno, Pedro (1992) salienta que a análise da linguagem na aula assenta em dois pressupostos

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que se inter-relacionam, nomeadamente a estrutura e a função da linguagem. Sinclair e Coulthard (1978) corroboram esta ideia e apontam três funções principais da língua, nomeadamente, a exposição, a pergunta e a ordem, cujas realizações se apresentam nas formas declarativas, interrogativas e imperativas. Pedro (1992), baseando-se em Bellack, refere que existem quatro movimentos centrais nos discursos da aula: os movimentos de estruturação, que preparam o contexto para uma atividade posterior; os movimentos de solicitação, que se projetam não só a criar uma resposta verbal ou física, como também a estimular aqueles a quem se pretenda que prestem atenção a determinado assunto; os movimentos de resposta, que incluem um relacionamento mútuo com os movimentos de solicitação e, por último, os movimentos de reacção, que surgem para alterar ou avaliar o que foi referido. De acordo com a reflexão da autora, estes quatro movimentos pedagógicos caracterizam as unidades elementares para uma análise do discurso de docentes e discentes. Relativamente às funções da linguagem, Pedro (1992), fundamentando-se em Halliday, apresenta, também, três funcionalidades do discurso da aula, ou seja, a função «ideacional», «interpessoal» e «textual»: “Porque a linguagem serve uma função «ideacional» generalizada, podemos usá-la para todos os fins específicos e tipos de contexto que envolvam comunicação de experiência. Porque serve uma função «interpessoal» generalizada, podemos usá-la para todas as formas específicas

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de expressão pessoal e interação social. E um pré-requisito para a sua atuação eficaz, sob estes dois aspetos, é o que referimos como função «textual», onde a linguagem se torna texto e se relaciona consigo própria e com o contexto em que é usada. Sem a componente textual de significado, não poderíamos fazer qualquer uso a linguagem” (Halliday apud Pedro, 1992: 64). Torna-se, assim, crucial avaliar a relação e a influência que os discursos dos professores exercem na aprendizagem dos discentes. Estes discursos afetam não apenas a maneira como se gere e se mantém a disposição das atividades na sala de aula, como também afetam os processos de pensamento dos alunos e, ao mesmo tempo, a sua aprendizagem (Loureiro, 2000). Desta forma, e mediante a perspectiva de Barth (1996), existem três tipos de falsas compreensões dos estudantes, nomeadamente: a confusão entre a palavra e o sentido – os alunos empregam um símbolo abstrato, como por exemplo «círculo», sem, na verdade, perceberem o seu significado, pois consideram que a própria palavra é o sentido; a confusão entre os elementos pertinentes e não pertinentes em relação a um dado problema – as crianças atribuem um valor errado a um elemento não pertinente e chegam a outro significado divergente da do professor – os estudantes estabelecem, por associação verbal, elos entre uma palavra e alguns exemplos. Os alunos estão, por exemplo, aptos a formular a palavra «verbo», perante determinados exemplos conhecidos de verbos: no entanto, não sabem diferenciar os elementos

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necessários para justificar essa classe gramatical. Loureiro (2000) destaca que os esclarecimentos verbais que representam os discursos dos docentes se entendem em três atos: (i) os atos de comunicação; (ii) os atos de compreensão e (iii) os atos de ensino-aprendizagem.

1.1. Os discursos na ótica da compreensão. A questão da leitura

Relativamente aos atos do discurso na perspectiva da compreensão, apresentados em Loureiro (2000), estes se baseiam na intuição de como deveria ser o procedimento do professor na transmissão do discurso. Os discursos dos pedagogos assentam em duas áreas essenciais: a área textual, que nos permite descrever em níveis distintos a organização que expõe os discursos e a segunda área, designada contextual, que permite comparar os níveis de estrutura com a exposição dos conteúdos, assim como com os processos cognitivos implícitos na compreensão. Uma vez que é crucial a organização dos discursos dos docentes para haver uma boa compreensão do mesmo, auxiliando os alunos na utilização das estratégias utilizadas, abordaremos, de seguida, os níveis de organização de um discurso.

Loureiro (2000) apresenta-nos os elementos estruturais de um discurso coerente do professor, baseado em Kintsch e Van Dijk. Neste sentido, refere o plano microestrutural, macroestrutural e superestrutural. O plano

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microestrutural, considerado o primeiro nível de organização do discurso, caracteriza as conexões lineares entre os componentes do discurso. Há que salientar, primeiramente, que os discursos são compostos por sequências de proposições sem relação entre si, mas constituem unidades coerentes e estruturadas. Entende-se por proposição uma unidade mínima de conhecimento com estatuto de independência. Na perspectiva dos autores, a primeira estrutura (supraordenada) possui um âmbito cognitivo, enquanto as restantes se relacionam através da repetição de segmentos. Esta recapitulação argumental contribui para a ordenação dos pensamentos do discurso, permitindo ajudar a delimitar o nível de importância para cada uma das ideias da estrutura supraordenada (Loureiro, 2000). A coerência linear do discurso subordina-se ao progresso temático. Graesser e Goodman (1985) apresentam as seguintes relações no que respeita ao nível da coerência da compreensão: (i) as relações causais, estabelecendo-se vínculos conceptuais entre as ações; (ii) as relações motivacionais, em que se associam as ações mediante planos dirigidos; (iii) as relações de propriedade e apoio (apuráveis nos textos expositivos), que possuem entre si as proposições. Ligam, ainda, proposições que contêm esclarecimentos gerais com outras proposições e que aceitam ou recusam a veracidade dessa informação geral.

No nível macroestrutural, os segmentos locais do discurso associam-se em unidades de informação com significação própria. De acordo com Loureiro (2000), para

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perceber como um determinado tema se relaciona com as respetivas proposições é fundamental compreender como se combinam as regras de organização semântica com a informação microestrutural. Segundo Loureiro (2000: 113), encontramos nos discursos duas orientações: “Os discursos possuem temas ou tópicos e o seu significado não se pode explicar unicamente em termos de análise do significado de cada proposição individualmente considerada. Os discursos apresentam também significados globais, macroestruturas discursivas, que não se expressam em proposições isoladas, mas em sequências autónomas e completas de proposições constituindo uma reconstrução teórica e linguística do tema ou tópico do discurso”. Em suma, entende-se por nível macroestrutural, as unidades de informação com significado próprio, que se organizam mediante elementos mais locais do discurso.

No que respeita ao nível superestrutural, podemos referir que este possui igualmente um caráter global e incide, mais precisamente, nas formas que os discursos podem assumir. Loureiro (2000), baseado na perspectiva de Meyer, refere que a consistência e organização de um texto assentam na sua estrutura. O modo como se relacionam as ideias do discurso é visível nessa estrutura. O autor realça, ainda, a existência de cinco categorias de relações retóricas entre os elementos do texto: (i) a Coleção, que apresenta a inter-relação de uma lista de segmentos que se pode expressar através de um seguimento temporal; (ii) a Casualidade, em

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que o teor do texto aparece ordenado em torno de uma textura casual, o qual possui antecedentes e consequentes; (iii) o Problema-solução, em que a conexão entre os conteúdos surge determinada pela descrição de um problema e pela sua própria solução; (iv) a Comparação, existindo uma comparação entre dois fenómenos e se expõem as semelhanças e diferenças; (v) a Descrição, cujo termo descritivo se refere ao tema, visto que as ideias se elaboram em torno do mesmo. Por sua vez, Van Dijk, mencionado por Loureiro (2000), propõe determinadas categorias protótipos relativamente aos textos expositivos: a Introdução, em que se expressam vários aspetos, tais como a dimensão de lugar, tempo, a definição do problema do discurso e do texto; o Problema, sendo descrita uma situação nova e imprevista; a Conclusão, havendo o resumo do teor do discurso; a Solução, apresentando uma maneira de resolver o problema e a Avaliação, enaltecendo as consequências e resultados das soluções utilizadas.

Ler é um dos grandes prazeres que a vida nos pode proporcionar, pois eleva-nos a um estado superior de criatividade. No entanto, não existe leitura sem compreensão textual. Campos (2003) refere que a atividade de leitura de um texto apreende uma série variada de processos cognitivos, como a análise visual das letras, a codificação destas em unidades linguísticas mais vastas, a ativação de reproduções lexicais, a extração do significado das frases, a comparação deste significado com informações encontradas

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anteriormente no texto, a evocação de imagens mentais, bem como a elaboração de raciocínios. De acordo com Costa (2004), a compreensão retém dois conceitos associados na leitura, a salientar: a descodificação e a compreensão. O ato da leitura baseia-se na descodificação da linguagem, que se manifesta através de sinais gráficos, extraindo-se deles uma significação, ou seja, ler é compreender: “a descodificação é vista como uma condição necessária mas não suficiente à compreensão sendo que a finalidade da leitura (e da sua aprendizagem) é compreender e não descodificar. A última é entendida como um meio de alcançar a primeira. Esta relação explica o facto de algumas crianças serem capazes de ler adequadamente, ou seja descodificarem, mas não serem capazes de extrair os significados do texto” (Costa, 2004: 29).

A concepção da compreensão na leitura nem sempre foi consensual. Primeiramente, os investigadores atribuíam à compreensão na leitura uma série de sub-habilidades a ministrar progressivamente de maneira hierarquizada. Consideravam que o domínio de determinadas habilidades como descodificar, descobrir a sequência das ações, identificar a ideia principal eram sinónimo de domínio na leitura. Contudo, torna-se delicado limitar a leitura a um conjunto de algumas habilidades. A comprovar esta teoria, constatamos que alunos fracos na leitura podem, por vezes, dominar melhor certas habilidades isoladas que leitores mais hábeis. Contudo, mesmo que a leitura possa ser considerada no plano das habilidades, a total realização de cada uma delas,

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encaradas separadamente, não representa em si um ato de leitura (Giasson, 1993). Uma habilidade de leitura isolada do seu contexto perderá uma grande parte do seu significado. Como refere Giasson (1993: 18), a leitura pode ser relacionada à interpretação de uma orquestra sinfónica: “para interpretar uma sinfonia, não basta que cada músico conheça a sua partitura, é preciso ainda que todas as partituras sejam tocadas de forma harmoniosa pelo conjunto dos músicos”. Costa (2004), baseando-se em vários autores, salienta alguns processos inerentes à compreensão na leitura, como a identificação de palavras e o recurso aos conhecimentos prévios, e a recuperação da informação da memória de longo prazo.

A compreensão textual é praticamente simultânea à leitura das palavras pelo indivíduo, processando-se rápida e automaticamente. Daí verificar-se que muitos dos processos inerentes à compreensão na leitura ocorram sem que o leitor se aperceba (Simão, 2002). Campos (2003) apresenta algumas dificuldades na compreensão leitora associada à variável do leitor, nomeadamente a existência de atraso mental em crianças (entre os 3 e os 6 anos), o vocabulário específico de uma determinada área, os problemas ao nível da linguagem oral e a consciência sintático-semântica. As pessoas com maior grau de dificuldade na compreensão dos textos possuem um menor grau de conhecimento na atribuição de sentido ao texto, focando-se, consequentemente, na descodificação em detrimento da compreensão. Brito (2002)

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avalia a compreensão em duas variantes, a compreensão como produto e como processo. Quanto à primeira variante, a compreensão é vista como um produto ou resultado final da interação entre o leitor e o texto. O produto fica retido na memória e pode verificar-se se o indivíduo expressa fragmentos valiosos da informação armazenada. Pretende-se desvendar de que modo o saber do leitor se alterou mediante a sua interação com o texto. Esta concepção atribui um protagonismo especial à memória de longo prazo. Por seu turno, a compreensão é considerada como um processo, visto que se realiza de forma imediata à medida que vai recebendo informação, dependendo da memória de curto prazo. De acordo com a autora, estas duas posições apontam para uma aproximação, relacionando os processos de compreensão e de memória. Na continuidade do seu pensamento, Brito (2002: 76) salienta que “a compreensão é o processo e o produto da interação entre o texto e o leitor, entre as condições de produto e as condições de resseção, o que leva a concluir que a análise da compreensão leitora tem de ser encarada nesta dupla perspectiva”.

De um modo geral, verificamos que, atualmente, os investigadores são unânimes em ponderar a leitura como um processo interativo, resultando desta os elementos do texto, do leitor e do contexto. A figura seguinte esquematiza a corrente mais patente nas investigações sobre a leitura:

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Modelo contemporâneo da compreensão na leitura, Giasson (1993)

No que respeita à variante do leitor, este compreende as estruturas que têm a ver com o que o sujeito é (os seus conhecimentos e atitudes) e os processos de leitura que dizem respeito ao que o indivíduo faz durante a leitura (habilidades que evoca). A variável do leitor é, certamente, a mais complexa de todo o modelo de compreensão, pois cada indivíduo desenvolve a atividade de leitura com as estruturas cognitivas e as estruturas afetivas que lhe são inerentes. Quanto às estruturas cognitivas, referem-se aos

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conhecimentos acerca da língua e do mundo que o leitor possui. Os conhecimentos que contêm, nomeadamente, sobre a língua, ser-lhe-ão bastante úteis. Mesmo antes de a criança abordar a aprendizagem, são desenvolvidos quatro conhecimentos, a salientar (i) os conhecimentos fonológicos, que diferenciam os fonemas particulares da sua língua; (ii) os conhecimentos sintáticos, que consistem na ordenação das palavras na frase; (iii) os conhecimentos semânticos, que se referem aos significados das palavras e das relações entre elas e o (iv) conhecimento pragmático, que se caracteriza por saber quando empregar uma fórmula, em que entoação deve falar com determinadas pessoas ou, ainda, quando utilizar uma linguagem mais formal. No que se refere aos conhecimentos relacionados com o mundo, estes estabelecem um fator essencial na compreensão dos textos que irá ler, uma vez que o leitor relaciona a nova informação proporcionada pelo texto, com os conhecimentos que já possui. Quanto mais conhecimentos o leitor tiver assimilado, maiores serão as suas oportunidades de sucesso. Por sua vez, as estruturas afetivas englobam a atitude geral face à leitura e aos seus interesses, ou seja, cada vez que um indivíduo for confrontado com uma atividade que seja de compreensão textual, a atitude pode ser de atração, indiferença ou repulsa.

Relativamente à variável do texto, este se relaciona com o material a ler, segundo três aspetos: a intenção do autor estabelece a orientação dos outros dois fatores; a estrutura do texto relaciona-se com o modo como o autor

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elaborou as ideias presentes no texto; o conteúdo refere-se aos conceitos, conhecimentos e vocabulário que o autor optou por comunicar. Por seu turno, o contexto apreende fatores que não fazem parte do texto, porém influenciam a sua compreensão. Temos o contexto psicológico, que se manifesta pela intenção e interesse da leitura e do texto; o social, que representa as intervenções dos colegas e professores e o físico, como o tempo disponível de leitura, ou o barulho (Giasson, 1993). Deste modo, a compreensão da leitura dependerá do grau de relação entre as três componentes: leitor, texto e contexto. Quanto mais estiverem interligados, melhor será a compreensão. De acordo com Giasson (1993: 24), existem três situações que tornam difícil a compreensão do texto. Na primeira situação, “…o texto utilizado corresponde ao nível de habilidade do leitor, mas o contexto não é pertinente”. Por exemplo, o contexto de leitura oral perante um grupo não ajuda na compreensão textual, mesmo que o texto esteja ajustado ao leitor. Na segunda situação, “o leitor é colocado num contexto favorável, mas o texto não é adequado às suas capacidades”, como por exemplo, um leitor que lê silenciosamente, mas o texto é excessivamente complicado. Na terceira situação, “as variáveis não estão imbricadas umas nas outras. O aluno lê um texto que não está ao seu nível e, além disso, o contexto de leitura não é adequado”, como, por exemplo, um aluno que foi colocado constantemente em circunstâncias de insucesso na leitura desde o princípio da escolaridade. Este discente

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considera frequentemente que os textos são muito difíceis para ele, e não enfrenta a leitura como um propósito importante, uma vez que não aprendeu a encontrar sentido na leitura.

A corroborar esta teoria, surge Lencastre (2003) que apresenta dois fatores principais envolvidos na compreensão de textos: as características do leitor e as características do texto: “as características do leitor referidas são o conhecimento prévio, a perspectiva interesses e atitudes, a capacidade cognitiva, o objetivo de leitura, as estratégias e estilos de processamento. No que se refere às características textuais elas são subdivididas em três aspetos fundamentais, que têm a ver com o conteúdo, estrutura e ajudas complementares” (Lencastre, 2003: 97). Às características do texto, a autora acrescenta a variável das ajudas complementares que englobam os assinalamentos (sic), as ilustrações, as questões auxiliares, os organizadores prévios que ajudam a promover a compreensão do texto. As ajudas complementares auxiliam o leitor a concentrar-se nas informações essenciais do texto (Lencastre, 2003). Giasson (1993) designa o atual modelo de compreensão na leitura como ensino explícito, atribuindo-se uma prioridade ao papel do professor. Neste sentido, o docente planifica a sua intervenção, devendo estar apto a entender quando os alunos necessitam de exercícios complementares para a clarificação de conceitos e, consequentemente, a compreensão do texto. Este tipo de ensino preocupa-se com o desenvolvimento da

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autonomia do leitor, pretendendo tornar os alunos autónomos, para que desenvolvam estratégias e habilidades que poderão aproveitar de modo flexível, dependendo da situação.

Lencastre (2003) apresenta uma classificação das principais medidas de desempenho na compreensão, a destacar (i) as medidas em tempo real, que englobam o tempo de leitura, o movimento dos olhos, o pensamento em voz alta e a interrupção da leitura e (ii) as medidas em diferido, que englobam os procedimentos de classificação, os testes de reconhecimento, os testes de evocação livre e guiada, bem como os testes de compreensão e o desempenho de ações.

2. A LEITURA COMO PROCESSO

Na ótica de Rebelo (1990: 74), ler “é um aspeto do comportamento linguístico, semelhante a outros comportamentos linguísticos”. Em primeiro lugar, é idêntico relativamente à sua finalidade básica, que é a comunicação; em segundo lugar, é parecido, pois envolve a mesma série de habilidades: fonológica, gramatical e semântica; e, em terceiro lugar, é semelhante em relação aos limites contextuais que atuam dentro de cada habilidade e entre as habilidades. Assim, “ler não é de modo nenhum a transformação de símbolos escritos em sons. Daí o não poder conceber-se a leitura como simples meio de receber uma mensagem. (…) A leitura, fenómeno complexo, compreende diferentes fases. No

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início é um processo perceptivo durante o qual o aluno reconhece símbolos. Depois se processa a transferência para os conceitos intelectuais. (…) Todo o trabalho mental se alarga num processo de pensamento, à medida que as ideias se combinam em frases e em unidades mais amplas da linguagem” (REBELO, 1990, p. 89).

Machado e Teixeira (1996) referem que a leitura, para ser eficaz, precisa de obedecer a determinados cuidados especiais, visto que ler consiste numa atividade bastante mais complexa que a interpretação dos códigos, ou seja, requer que o leitor esteja apto para interpretar o material lido, comparando-o e agrupando-o ao seu conhecimento pessoal. De acordo com os investigadores, existem cinco níveis de leitura que vão sendo alcançados ao longo da vida: o nível elementar, que se relaciona com o período de alfabetização; o nível da pré-leitura, onde existe a oportunidade de escolher o material a ler; o nível do conhecimento analítico, apelando-se à criação de imagens mentais, conferindo um certo grau de criatividade relativamente ao assunto; o nível de controlo, em que se verifica uma leitura rápida com a qual se acaba com qualquer dúvida ainda existente; o nível de repetição aplicada, que consiste na assimilação do conteúdo do texto, mas que se encontra relacionada com a prática de experiência de leitura ao longo da vida.

Na visão de Teixeira (1993), ler pode ser considerado como um processo gradual de aquisição de competências de

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leitura e de desenvolvimento das capacidades que permitem que estas competências operem de um modo eficiente e simultâneo. Ao desenvolvermos a leitura, criam-se condições indispensáveis para o acesso do saber, visto que este se difunde, em grande parte, através da forma escrita. A corroborar a mesma ideia, Viana (1949: 9) refere que “a leitura desordenada e sem método produz estragos lamentáveis, pois aquele que lê e não compreende, torna-se naturalmente, inimigo da mesma leitura”.

Ler implica compreensão, atribuição de sentido e uma ligação dinâmica entre o autor e o leitor. Cadório (2001) menciona que o ato de ler pressupõe do indivíduo uma interpretação e uma intenção. A interpretação subentende processos informativos cognitivos que se prendem com a execução de determinados exercícios que permitem a descodificação dos símbolos, e os processos informativos metacognitivos que se relacionam com a atribuição de significado. A complementaridade destes dois processos contêm em si três componentes, nomeadamente a descodificação, que corresponde ao instante em que se identificam os símbolos gráficos e se transformam em imagens mentais; a compreensão, que está na base da maioria das definições do ato de ler e o processamento da informação, que envolve as memórias a curto, médio e longo prazo. Nesta componente, a informação adquirida pelo cérebro vai ser incorporada na estrutura intelectual do sujeito.

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Ao refletirmos sobre a temática do processo da leitura, importa saber o que é necessário compreender para se entender o processo de leitura, bem como definir o que se entende por “processo”. Deste modo, a leitura, tal como outros processos, contém variados fatores que vão sendo influenciados pelo desenvolvimento cognitivo do leitor. Após a aptidão da linguagem falada, o leitor desenvolverá a leitura através da discriminação dos símbolos gráficos e, consequentemente, fará a tradução das letras em sons (Sequeira, Castro e Sousa, 1989). No que concerne à definição de “processos”, Giasson (1993: 32) afirma que “os processos de leitura dizem respeito ao recurso às habilidades necessárias para abordar o texto, ao desenrolar das atividades cognitivas durante a leitura. (…) Estes processos que se realizam a diferentes níveis, não são sequenciais mas simultâneos”. Relativamente aos processos de leitura, existe uma classificação que os orienta mediante a sua finalidade. Há processos encaminhados para a compreensão dos elementos da frase, outros orientados para a procura de coerência entre as frases, outros, ainda, possuem a função de construir um molde mental do texto ou uma visão que possibilitará ao leitor obter as componentes essenciais (Giasson, 1993).

Na perspectiva de Giasson (1993), os microprocessos auxiliam a compreensão de uma informação incluída numa frase e impõem como habilidades reconhecer palavras, agrupá-las e apurar os elementos da frase que convém reter. O reconhecimento de palavras é uma aptidão inerente aos

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microprocessos, possuindo uma fase intermédia, a descodificação ou identificação das palavras, agrupando-se, por exemplo, a correspondência fonema / grafema e a observação da sintaxe. No entanto, esta etapa é, usualmente, dispensada pelos bons leitores, visto que automatizam o reconhecimento. Consequentemente, estes leitores ficam mais soltos para efetuarem processos mais complexos. Outra aptidão intrínseca nesta fase dos microprocessos consiste na leitura de grupos de palavras em unidades de sentido, recorrendo a indicações sintáticas identificativas dos elementos ligados entre si. Admitindo esta habilidade como essencial, a autora indica, como plano pedagógico, a leitura repetida e a divisão do texto em unidades de sentido. Uma terceira capacidade inerente aos microprocessos consiste na determinação da ideia principal da frase, isto é, a microsselecção. Esta aptidão torna-se crucial, na medida em que é dela que depende a informação que a memória vai reter. Embora os microprocessos sejam processos basilares de leitura, representam um papel crucial no sentido de uma leitura eficaz, visto que intervêm na compreensão da frase.

Os processos de integração estabelecem elos entre as preposições ou as frases, através de determinados meios, como repetições, pronomes, conectores. De acordo com a autora, estes processos baseiam-se em perceber, não só as marcas explícitas entre as proposições ou frases, isto é, os referentes ou conectores, como também entender as relações

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implícitas entre as mesmas, ou seja, estas inferências podem fundamentar-se no texto ou no conhecimento do leitor.

No que concerne aos macroprocessos, estes norteiam-se para a compreensão integral do texto, tornando-o um todo coerente. Este processo rege-se pela identificação das ideias principais em textos, do resumo, assim como a utilização da sua própria estrutura. Quanto à ideia principal, algumas dificuldades ocorrem do facto de o que é importante é variar em função do leitor, em função da tipologia do texto, visto que é evidente explicar o seu conceito e diferenciar a ideia principal do assunto. Relativamente ao resumo, anotam-se como fatores influenciadores da qualidade de um resumo a diferente realização da atividade de aluno para aluno, a dificuldade em aplicar as regras desta técnica e, ainda, a falta de prática dos alunos. No que se refere à estrutura do texto, que também varia em função da sua tipologia (texto narrativo, informativo), o leitor pode recolher informações relevantes que o conduzirão mais eficazmente à compreensão da leitura.

Os processos de elaboração possibilitam aos leitores ir além do texto, ou seja, efetuar conclusões não especificadas pelo autor. Deste modo, o sujeito faz previsões, constrói imagens mentais e responde emocionalmente, ajuíza sobre o texto e completa a informação nova nos conhecimentos antecedentes.

Os processos metacognitivos originam a compreensão e possibilitam ao leitor acomodar-se ao texto e à situação,

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intervindo no próprio processo de leitura, na competência do leitor de reparar alguma perda de compreensão mediante o recurso a estratégias apropriadas. Segundo Vila Maior (2003: 51), os processos metacognitivos manifestam três aspetos importantes a destacar: “o processo mental propriamente dito que conduz à consciência que o sujeito tem das atividades cognitivas que acabou de efetuar ou do seu produto (exemplo: consigo memorizar melhor se for sublinhando aquilo que leio); o julgamento, verbalizado ou não, sobre a atividade cognitiva ou sobre o produto mental dessa atividade (exemplo: sublinhei, mas não tenho a certeza se estas eram as ideias principais do texto); a decisão que o sujeito pode efetuar no sentido de modificar ou não o tipo de estratégias cognitivas mobilizadas em função do julgamento que fez (exemplo: tenho que fazer uma primeira leitura para ver quais são as ideias principais e só depois sublinhar)”. Este processo permite ao leitor cumprir a finalidade primordial da leitura que assenta na compreensão do texto.

De acordo com Madruga et al. (1999), os problemas basilares na compreensão dos textos assentam na necessidade da criação de uma estrutura. Os estudiosos destacam que “uma vez que durante a pré-adolescência os leitores automatizaram os níveis mais básicos do processo de leitura, como o reconhecimento de palavras, os principais problemas que aparecem na compreensão e memória de textos estão relacionados com a necessidade de integrar os

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significados e construir uma estrutura coerente e hierárquica de texto – a macroestrutura” (Madruga et al., 1999: 99).

Os processos de inferência garantem a incorporação dos conhecimentos prévios durante a compreensão do texto, tornando-se imprescindíveis para atingir uma determinada integração do texto. Segundo Vila Maior (2003), os processos metacognitivos apresentam três aspetos: o processo mental propriamente dito, que transmite à consciência que o sujeito tem das atividades cognitivas que efetuou recentemente ou do seu próprio produto; o julgamento, verbalizado ou não, acerca da sua atividade cognitiva ou sobre o resultado mental dessa atividade; e a decisão que o leitor pode efetuar no âmbito de alterar, ou não, o tipo de estratégias cognitivas dispostas em relação à apreciação que fez.

Embora os vários processos de compreensão coexistam, as afinidades que existem entre estes e o texto são divergentes. Podemos verificar que os processos de elaboração estão para além do texto, ou seja, contêm os conhecimentos prévios do sujeito que servem de suporte para a nova informação, sendo que os processos metacognitivos fornecem o apoio a todos os processos.

2.1. Estratégias gramaticais e lexicais na leitura em PL2 e PLE

Durante muitos anos, o método seguido para o ensino das línguas estrangeiras baseou-se no estudo da gramática e do vocabulário do texto, através do qual se chegava à sua

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tradução. Os estruturalistas, cuja ênfase assentava na linguagem oral, conjeturaram um modelo de leitura em que a compreensão não derivava da interferência da língua materna, mas unicamente da língua estrangeira oral em análise. Neste sentido, a aptidão para a compreensão oral era, segundo essa ótica, um pré-requisito fundamental para a compreensão da escrita. A gramática era compreendida como algo que se alcança automática e inconscientemente na língua oral, não devendo ser, por isso, abordada no ensino de leitura. Por seu lado, Chomsky apresenta uma posição contrária, indicando que a escrita faculta uma interpretação semântica mais direta do que a forma oral. A existência de leitores aptos a ler um texto em LE sem compreenderem nada e de outros leitores que são capazes de entender um texto sem conseguir falar essa língua vem comprovar que o segundo modelo é o mais adequado para compreender os tipos de leitura em LE (Kato, 1999). Fonseca (1994: 135) salienta que “aprender a falar uma língua é adquirir um saber orientado para a ação, um “saber-fazer” condicionado pela interiorização de uma gramática implícita. Aprender gramática explícita é adquirir outro tipo de saber: não apenas saber falar a língua, mas também saber falar da língua”.

No que respeita à aprendizagem das estruturas gramaticais e lexicais, Kato (1999) menciona que o conhecimento da sintaxe atua de duas formas diferentes, uma mecânica e inconsciente, que age na base do reconhecimento instantâneo de padrões e funções, e outra que é consciente e

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que atua em situações de equívoco e incerteza. Assim, o reconhecimento automático e instantâneo dos padrões sintáticos pode ser atribuído a duas competências: o conhecimento da tipologia sintática da língua, como, por exemplo, no caso da língua portuguesa, SVO; o conhecimento da regência das palavras, entre outros. Relativamente à estratégia lexical, esta atua com a estratégia sintática. Deste modo, o surgimento de um item lexical no texto deverá impulsionar outros da mesma área, provocando no leitor o desencadeamento temático provável a partir desses itens. Neste sentido, Kato (1999: 121) menciona que “a compreensão de um item não se dá, portanto, de forma isolada, da mesma forma que não pode haver aprendizagem de um termo fora de sua rede de relações. A compreensão e a aprendizagem de um item lexical parece tanto mais efetiva quanto maior o número de relações que esse item consegue estabelecer com itens já compreendidos ou aprendidos”.

De acordo com Andrade e Sá (1992), existem determinadas atividades que se prendem particularmente com o ensino da componente linguística, ou seja, a compreensão e a capacidade de aplicação das regras do código em LE (lexicais, semânticas, morfossintáticas), como por exemplo os quadros linguísticos, que têm como objetivo adquirir meios linguísticos (lexicais e estruturais) relativos à apresentação e descrição das pessoas, bem como compreender a relação dos elementos numa frase; os exercícios de repetição, que visam percepcionar os sons,

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ritmos e entoações da LE, como também aperceber-se da importância do fenómeno perceptivo no processo de aquisição/aprendizagem da LE; os exercícios estruturais, que tendem não só a transformar duas frases simples numa fase complexa, mas também a utilizar corretamente estruturas linguísticas adequadas ao ato social e automatizar estruturas básicas da LE; a microconversão, que tem como finalidade soletrar em LE e reproduzir pequenas conversações; o relacionamento fonema-grafema, que propõe discriminar diferentes realizações fónicas do mesmo grafema, ampliar capacidades perceptivas e articulatórias e, por último, a análise de erro, que pretende cumprir o acordo do adjetivo com o nome, como também identificar erros morfológicos.

Segundo Fonseca (1994: 135 e 136), as estratégias pedagógicas devem despertar o interesse pelo objeto de estudo, apostando no interesse estabelecido pela diferença, pela estranheza face à outra cultura, hábitos e lugares. Sensibilizar os discentes para as particularidades da LE que adquirem pode criar um primeiro degrau de sensibilização relativamente a uma consistência cultural diferente. Assim, “aprender a falar uma língua não é interiorizar um sistema de regras gramaticais em abstrato, é adquiri-las como operações condicionantes de uma capacidade de construir textos e de, com eles, modificar situações”.

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REFLEXÕES SOBRE OS ASPECTOS LEXICAIS NA FALA DO SERTANEJO DO SUL DO MARANHÃO28

REFLECTIONS ON ASPECTS LEXICAL TALKING SERTANEJO SOUTH MARANHÃO

Maria Célia Dias de Castro UEMA/CESBA

Resumo: Este trabalho tem como objetivo discorrer sobre alguns processos da dinâmica léxica na formação e alteração de itens lexicais do sertanejo do Sul do Maranhão. São apresentados aspectos sócio-históricos dessa região e o processo de formação do léxico, no que diz respeito aos fenômenos morfofonêmicos e morfossemânticos da língua. Palavras-chave: itens lexicais, história, formação do léxico. Abstract: This paper aims to discuss some processes of the lexical dynamics in the formation and or alteration of lexical items to the backcountry of the south region of Maranhão. Aspects of the history of the region are presented and the processes of formation of the lexicon and the socio-historical, with regard to the phenomena of morfhofonological and the morfhossemantic aspects of the language. Keywords: lexical items, history, training lexicon.

INTRODUÇÃO

Esta pesquisa pretende fazer uma reflexão acerca de alguns processos motivadores da criação, aquisição e alteração que ocorrem nas formas léxicas peculiares do falar

28 Trabalho apresentado como avaliação final da disciplina Morfologia, do Programa de Pós-Graduação em Letras e Linguística da Universidade Federal de Goiás, Goiânia-GO.

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local da região Sul do Maranhão e apresentar algumas relações entre o léxico e os níveis fonológico e morfológico da língua.

Para atender às transformações ou novas necessidades com que se depara no seu ambiente linguístico, muitas vezes distante dos termos que preencheriam essas abstrações, o sertanejo vai-se utilizando de novos termos ou criando outros, como também dá novos significados a termos já existentes.

A FORMAÇÃO HISTÓRICO-CULTURAL DO SERTANEJO

A colonização da região Sul do Maranhão, conhecida na época como Pastos Bons, ocorreu de forma tardia em relação às do litoral maranhense, na segunda metade do Século XVIII. Vaqueiros pernambucanos e baianos por aqui adentravam, utilizando-se do sistema de Bandeiras, grupos de guerra que se compunham de centenas de homens, munidos com armas de fogo, com o objetivo de afugentar os povos indígenas habitadores do sul do Estado. Eles fizeram incursões margeando os rios que banham esta região, pelos rios Neves, Balsas e Macapá, à procura de terras para a criação do gado.

Nesse processo, fundaram vilas e dizimaram muitas tribos. Dentre essas, foram os Pimenteira29, os Gueguê e os

29 Esclarecemos que a escrita dos nomes dos povos indígenas e de suas respectivas línguas, utilizada neste trabalho, segue a convenção de 1953, promovida pela Associação Brasileira de Antropologia, atualmente adotada pela grande maioria de antropólogos, linguistas, missionários e pelos próprios indígenas. O ponto principal

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Acoroá que resistiram às invasões por mais tempo, numa luta sangrenta pela manutenção da terra e da cultura (CABRAL, 1992). Entretanto, em 1758, os bandeirantes conseguiram o aldeamento dos Acoroá, na aldeia de São Félix de Balsas, enquanto outros Acoroá e Gueguê haviam sido aldeados na missão de São Gonçalo, no Piauí. Ribeiro (2002 [1815; 1819; 1819]) nos informa que conheceu essa aldeia no início do Século XIX. Segundo ele, nesta região viviam mais de oitenta mil índios, conhecidos como Timbira30. Nesse período, aquele aldeamento já se encontrava em declínio e a frente de vaqueiros aprisionara e afugentara os indígenas das campinas para ceder lugar à civilização do couro (CABRAL, 1992). Dessa forma, misturou-se a base humana da região, a princípio, os remanescentes índios do grupo Timbira com os bandeirantes vaqueiros nordestinos (da Bahia e Pernambuco); posteriormente, alguns escravos trazidos da região litorânea maranhense, ou fugidios do sistema escravagista. O sertanejo da região de Balsas, “caboclo”, continuou sua mestiçagem da mistura de alguns remanescentes dos escravos com os retirantes nordestinos das secas do final e início dos Séculos XIX e XX, principalmente dos estados do Ceará e do Piauí. A

dessa convenção que aqui seguimos é “os nomes de povos (e de línguas) indígenas serão empregados como palavras invariáveis, sem flexão de gênero nem de número: a língua Boróro (e não Boróra), os índios Boróro (e não Boróros)” (RODRIGUES, 1986, p. 10). Esses nomes serão escritos em letras maiúsculas. 30 O antropólogo Darci Ribeiro (1986) informa que teria havido mais de duzentos mil índios, dos quais sobreviveram os Canela, os Krikati, os Gaviões e os Khrahô.

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partir da década de setenta (Século XX), chegaram agricultores gaúchos à procura de terra para o plantio no sistema mecanizado.

Há, pois, grande diversidade étnica que influenciou a formação histórica e cultural do nosso sertanejo, em que esse sincretismo cultural, sem dúvida, marcou a língua, no seu processo de formação. Assim, a história que constitui o homem sertanejo e a sua cultura é a própria história constitutiva dos falares regional e local. Para ilustrar essas marcas no discurso do sertanejo, utilizamo-nos do corpus levantado, por meio de entrevistas gravadas, para a nossa dissertação de mestrado (CASTRO, 2008), do qual deriva nossa análise.

1 ANÁLISE DOS DADOS

As duas funções primárias da linguagem humana, segundo Givón (2001), são a representação e a comunicação do conhecimento. Esta, dividida em dois subsistemas: de representação e de codificação cognitiva. O sistema de representação cognitiva compreende o nível léxico-conceptual, o da informação proposicional e o do discurso multiproposicional. O nível léxico-conceptual, segundo esse autor, é um repositório de conceitos estáveis no tempo, em que o fluxo do conhecimento é gradual; no compartilhamento social, em que as palavras possuem o mesmo significado para todos os membros de uma comunidade de fala; e como bem-

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codificado, em que o conhecimento lexical é apresentado associado com seus próprios rótulos de códigos perceptuais, constituindo um mapa cognitivo do nosso universo linguístico experiencial, organizado como uma rede semântica de nódulos e conexões.

Considerando essa rede semântica (GIVÓN, 2001), analisamos os itens lexicais sob as perspectivas da dinâmica sistemática, histórica e sociocultural. Primeiramente, apresentamos os grupos e respectivos subgrupos, com esclarecimentos acerca de cada um. Em seguida, os itens lexicais, com o significado e a etimologia extraídos do Houaiss e Vilar (2001), doravante HV2001. Especificamos o significado depreendido no ambiente linguístico original e discorremos acerca dos processos da dinâmica lexical.

Itens lexicais sob a perspectiva da dinâmica sistemática da língua

Esses processos morfológicos envolvem a mudança/recriação das formas existentes no plano intraléxico, em que há a eliminação, a alteração ou a inserção de segmentos vocálicos ou consonantais na raiz de formas já existentes, com repercussão ou não no significado destas formas. Identificadas essas ligações, passa-se a estudar a relação constitutiva das formas existentes, a estrutura morfológica e semântica que subjazem à constituição do item lexical e, a partir de então, a identificar a formação de unidades mínimas significativas, os morfemas e as palavras.

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Além desses, influenciam esses processos os fatores semânticos e pragmáticos (AIKHENVALD, 2007).

b) Inventário de itens que apresentam mudanças fonético-fonológicas

A sistematicidade do contexto fônico é o responsável pelas alterações que se processam na forma em virtude de motivações como a posição na sílaba ou no vocábulo, as condições do acento, o ambiente determinado por outros fonemas, processos de assimilação/dissimilação, maneira como o fonema se liga ao que se lhe segue.

Carcamanjo

Mudubim: Pois´é. Qui era do finadu Zé Vicenti, irmãu de Salumãu Carcamanju.

HV2001: carcamano substantivo masculino (1867); indivíduo nascido na Itália, macarrone. Indivíduo de origem árabe. Engraxate, vendedor ambulante. Etimologia de origem duvidosa.

[O termo refere-se a estrangeiros, vindos principalmente de países do oriente.]

[Em carcamanjo, há a alteração da forma fônica, com um processo de dissimilação, com a alteração da nasal /n/ e a

inserção do fonema palato-alveolar //, em virtude de o

ambiente da última sílaba ser influenciado pela existência de fonemas nasalizados da sílaba precedente, passando aquela a ter um aspecto palatal ou “molhado” em vez de nasal.]

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Cumbuero

Neuza: U meu pai era u cumbueru daqui di cima.

HV2001: Adjetivo substantivado (1734); aquele que comboia. Comboio é substantivo masculino (1654); conjunto organizado de veículos que transportam mercadorias, víveres, utensílios, pessoas etc. para um mesmo lugar sob a guarda de uma escolta; conjunto de animais ou pessoas que se deslocam próximos uns aos outros, demandando um mesmo destino; tropa de bestas de carga que levam gêneros e mercadorias. Etimologia francesa: convoi; derivado do latim popular conviare, ir pela estrada.

[Comboieiro é, na linguagem do sertanejo, o vendedor de mercadorias que não tinha propriamente um comércio estabelecido, mas também não tinha função como a atual de um camelô. Esse personagem comprava as mercadorias em quantidade suficiente, por um determinado período, para abastecer certa “redondeza”.]

[Em cumbueru (comboieiro), há o alçamento do traço de altura do fonema /o/, facilitado pela posição pretônica (influência do acento) e monotongação do ditongo ei.]

Invanti

Mudubim: Vamu prantá só di janeru invanti qui aí é terra seca.

HV2001: O mesmo que em vante, significa “em diante, de janeiro em diante (1655)”. Uso mais empregado nas locuções

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levar à vante. Levar à frente do navio, entre a caverna mestre e a roda de proa. À proa, na proa.

[Em invanti há o alçamento31 da primeira vogal, motivado pela assimilação do traço de altura do /i/ da última sílaba, além da junção da preposição para desfazer a locução adverbial.]

Tcheus

Mudubim: -Mininu, tu rá ta estudanu mininu?Rapaiz, vai cuidá di tcheus inguentu pá chegá im tcheu horáriu mininu!

HV2001: Teu, pronome possessivo que determina um substantivo (coisa ou pessoa) (s. XIII); que é relacionado às pessoas a quem se fala (segunda pessoa do singular), significando: pertence à, ou próprio da, ou provocando ou sentido pela pessoa a quem ou com quem se fala: a ti, de ti, por ti. Que te compete ou te é devido; que te cabe. Etim. latim: tuus, tua, tuum, tuum; teu tua.

[Tcheus é o mesmo que teus.]

[No pronome possessivo tcheus há a africação do /t/ diante de /e/, facilitada pelo ambiente fonológico, que é a tendência de o /t/ tornar-se uma africada diante de /i/ e, menos comumente, diante de /e/. Também ocorre com esse pronome diante de /a/ Tchas coisas, e de /o/ tcho pai.]

c) Inventário com processos de truncamento

31 Sobre o alçamento vocálico, veja Castro e Aguiar (2008b).

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O truncamento é um processo intra e interléxico alterativo de abreviação, que consiste na diminuição da estrutura da forma-base. Essa alteração pode espraiar-se também a nível semântico e se desdobra de várias formas. Denominado abreviação, redução, truncagem, truncação, de forma mais conhecida truncamento (ASSUMPÇÃO JÚNIOR, 1986). O truncamento é tido como um tipo de abreviação intencional, o que o distingue da apócope, sendo esta não intencional e inconsciente32. Araújo (2002) defende que o truncamento é um processo morfológico não linear ou não concatenativo, pela ausência de encadeamento, sendo substituído por supressão de elementos cujas formas truncadas são dissilábicas. Vilela, Godoy e Silva (2006) postulam que o truncamento é um fenômeno de encurtamento que gera formas com até três sílabas, como podemos verificar, a seguir.

Menopá

Disa: É qui tá quenti, i eu tẽu ũa agitaçãu da menopá i aí ela misturô aqui (risos).

HV2001: Menopausa é a interrupção fisiológica dos ciclos menstruais, devido à cessação de secreção hormonal dos ovários. Etim. men(o) + pausa.

[Menopá é o mesmo que menopausa.]

Vertença

32 Conforme Assumpção Júnior (1986, p.120)

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Disa: pruquê lá é bom, lá tẽi nossas vertença, nóiz...

HV2001: Diversão, Substantivo feminino (1660); ato ou efeito de divertir-se; algo que serve para divertir. Etim.: latim tardio diversio, onis, digressão, diversão.

[Vertença é o mesmo que diversão.]

[Vertença é formado pelo processo de truncamento, com a perda de di- e modificação morfofonêmica, com o acrescentamento da consoante de ligação –t- e do sufixo -ença. Nesses dois itens, há um processo alterativo de abreviação, denominado truncamento.]

d) Itens lexicais sob a perspectiva da dinâmica histórica

O processo de formação dessas palavras deu-se em virtude da história externa e interna, por meio da influência de outras línguas. Neste caso, as línguas indígenas e as línguas africanas. Assumpção Júnior (1986, p. 108) denomina este processo de apropriação por transposição, em que há a adoção do “signo estrangeiro”, preservada ou não sua estrutura fônica originária. Nestes casos, o autor diz haver adaptação, ou seja, um ajustamento da estrutura sonora da forma léxica ou aportuguesamento.

e) Inventário cujos termos constam de origem de línguas indígenas brasileiras

O território brasileiro, antes de sua ocupação, era formado por diversas nações indígenas, os Tupi ou Tupinambá. Em virtude da grande quantidade desses povos,

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no Século XVIII havia uma espécie de bilinguismo, em que os portugueses falavam tanto a língua materna quanto a língua geral Tupinambá33. Grande foi a contribuição das línguas indígenas para o português brasileiro. Não menos importante, a das línguas africanas, posto que chegaram ao Brasil, a partir do Século XVI, cerca de 18 milhões de escravos, principalmente de cultura banto e sudanesa. A contribuição africana para o léxico do português do Brasil resume-se a uma pequena quantidade de palavras. Entretanto, inúmeras formas foram conservadas, tanto de origem indígena quanto de origem africana, com algumas alterações morfofonêmicas, como ilustramos, a seguir.

Tindi/Timbó

Luzia: Tindi. Eu chamo timbó, maisi é porque quer chamar maisi o nome deli é tindi.

HV2001: Etim.: Tupi timbó (1560). Designação comum a várias plantas das famílias das leguminosas e das sapindáceas, cuja seiva é tóxica para peixes e, por isto, usada para pescar, variedade de cipó.

[Tindi e/ou timbó é uma fruta do cerrado bastante popular na região pesquisada. A forma variante tindi não foi encontrada no Houaiss.]

Catolé, Piaçaba

33 Língua de contato resultante da base do português com o léxico/morfologia Tupinambá.

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Neuza: Catolé, piaçaba, piaçaba...

HV2001: Substantivo feminino (1644); planta da família das palmas, espécie do gênero attalea frequentemente com frutos pequenos e oleaginosos, do Tupi pïa'sawa’. Catulé, etim.: Tupi (1817): katu’re.

[O catulé é uma fruta do cerrado bastante utilizada pelos sertanejos. A piaçaba ou piaçava é uma palmeira, cuja palma é utilizada para confeccionar vassouras, abanos, tapitis, entre outros utensílios, como também para fazer cobertura de casas.]

Tucum

Neuza: - Tucum, óliu di tucum.

HV2001: Substantivo masculino (1587); etimologia Tupi tuku, designação de várias espécies de palmeiras, geralmente cepitóras, do gênero Ostracaryum e Bactris, nativas do Brasil e de países vizinhos, com frutos frequentemente comestíveis e folhas das quais se extraem fibras, conhecidas como fibras de tucum, tucunzeiro.

[Fruta do cerrado, bastante comestível e nutritiva, de sabor adocicado, que possui uma água dentro do coco. Assemelha-se ao coco da praia, sendo bem pequeno.]

Caititu

Aninha: Mar lá no Balsĩa eu teum bola de caititu, roda de caititu.

HV2001: O caititu é um instrumento utilizado na engenhoca de ralar a mandioca ou em outros produtos; peça principal,

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cilíndrica à qual se adaptam serrilhas metálicas e que tem uma das extremidades em forma de roldana, para através dela, se imprimir movimento de rotação. Substantivo masculino (1610);

etim.: Tupi: taite’tu, porco do mato.

Cuim

Aninha: Aí comprê ûa raçãu qui eu compru, é u quilu di cuím, vinti i cincu centavu.

HV2001: Substantivo masculino (1866); resíduo deixado pelo arroz, limpadura de arroz. Etim.: Tupi: cuí com nasalização -í > -im em posição final.

[O cuim é uma palha de arroz triturada misturada aos grãos que, por serem muito pequenos, deixam de ser aproveitados, quando do processo de seleção do arroz. É bastante nutritivo, utilizado para alimentação de animais e como reforço alimentar para pessoas desnutridas.]

Mamucapo

Deci: Sim. É essi aqui, ó, qui é u mãmucapu.

HV2001: O mesmo que mamucaba ou mamucabo – trançado que liga o pano aos punhos da rede. Para Teodoro Sampaio, alteração de mambucaba, por sua vez, corruptela de mombucaba, furo, abertura, passagem, do tupi mombu'ka, o furo, o furado.

[O mamucapo é uma peça que ajuda a manter organizadas as linhas de fiar.]

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Capuera

Atividade - As capuera véa, paiandu, pãia macachera.

HV2001: Etim.: Tupi; área de mato cuja vegetação anterior foi roçada e/ou queimada para cultivo ou outros fins.

[Capueira é o mesmo que mata não utilizada no plantio de roça por já estar desgastada.]

[Inventário de origem africana presente no falar local pesquisado.]

Andu

Atividade - Si eu subessi eu levu u andu pa siôra ,eu levú u andu i nun custa nada nãun.

HV2001: Etim.: quicongo, o mesmo que guandu, subarbusto ereto de até 3m da família das leguminosas.

[Andu é uma espécie de feijão considerada bastante medicinal nessa região.]

Canga

Deci: Essa peça aí é ũa canga, pá botá nu boi.

HV2001: A canga é uma peça de madeira usada para prender as juntas de bois. De etim. quiconga, africana.

f) Itens lexicais sob a perspectiva da dinâmica sociocultural: processos criativos de formação do léxico

O sertanejo, ao dispor de certa quantidade de elementos que competem paradigmaticamente, seleciona os que lhe parecem

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mais convenientes, influenciado, principalmente, por fatores semânticos e pragmáticos. Esses processos criativos de formação do léxico nem sempre são coincidentes com os mesmos de derivação e composição que se apresentam nas gramáticas tradicionais. No entanto, as gramáticas translinguísticas trazem maiores possibilidades de identificação deles.

g) Inventário com processos de derivação não tradicional

Neste inventário, apresentamos os processos de derivação não tradicional. Posto que alguns afixos apresentam forma peculiar específica da região, o item lexical é geralmente uma forma recuperada/preservada, em função do caráter tanto conservador quanto inovador.

Apusentação

Conceição: Eu vim, demorei essi’ zôtu... essir dia pá arrumá essir documẽntu dessa apusentaçãu ...

HV2001: Etim.: aposentar + ação; foi acrescentado o sufixo -ção formador de substantivo (1871).

[Apusentação é o mesmo que aposentadoria.]

[Processo de sufixação, com o acréscimo do sufixo -ção.]

Malaquenta

Natividade: Agenti pranta poquin, puque a coiza tá poca, toda malaquenta véa toda duenti véa, num é?

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HV2001: Malacafenta, adjetivo (1899), quem está com malaca, doente, enfermiço. Etim. malaca + ento, com elemento de ligação arbitrário ‘f” mais o sufixo - enta, que está caracterizando a forma como um adjetivo.

[Processo de sufixação, com o acréscimo do sufixo -enta.]

Dicumê

Aninha: Mar u mais é tudo junto i teu pena quandu eli tá lá só, pois eli é quem faz u dicumer.

[De-Comer, que se transformou em dicumê; o mesmo que comida.]

[No item lexical dicumê há o processo de derivação imprópria, processo de substantivação, formado pela junção da preposição de com o verbo comer, formando um substantivo comum.]

h) Categoria de itens lexicais idiossincráticos

Nesses processos da dinâmica léxica, percebemos que há inovação pela mudança semântica de um termo, o qual adquire propriedades significativas especiais, próprias de cada pessoa ou de grupos específicos de pessoas, ou seja, idiossincráticas. Essas propriedades são motivadas, dentre os muitos fatores, pelo contexto sociocultural local. A forma adquire novo significado, sem, no entanto, perder totalmente o significado anterior do vocábulo, além de que, não necessariamente há modificação na forma.

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Amigá

Mudubim: Num gostu di casá fia mia, nãu. Gostu di vê é si amigá pá si batê na vida delis.

HV2001: O verbo (Século XV) significa ligar- (se) por mancebia, tornar- (se) amante de. Etimologia: amigo + ar.

[Amigá, viver maritalmente, sem o enlace matrimonial do casamento civil ou religioso.]

[Derivado do substantivo amigo, possui conotação meio pejorativa nas comunidades rurais.]

Trisca

Neuza: - Aqui era tãu difiçu, agenti cumia du trisca, du sal, é.

HV2001: Substantivo masculino (1560). Ato ou efeito de triscar; etimologia: gótico thriskan, debulhar, trilhar.

[Pequena quantidade com que era utilizado o sal, pela sua escassez, até o início do Século XX.]

[Há o processo de substantivação do verbo triscar, motivado semanticamente pela situação de carência do uso do sal até meados do Século XX.]

[Nestes quatro itens lexicais amigá, cercado, cuberta, trisca houve recategorização de função morfossintática dos termos, ou seja, a atribuição de uma nova categoria linguística diversa da já existente, comumente denominada por derivação imprópria. Assumpção Júnior (1986) denomina-os recategorização, derivação imprópria, transposição, translação e conversão. Este

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processo é bastante recorrente em diversas línguas, principalmente no português.]

Pratu

Aninha: Saía quatu hora, cum deis pratu de cocu i dois litro di azeiti na cabeça.

HV2001: O prato (1485), nas balanças antigas é um tipo de recipiente em forma de prato ou tigela em que são colocados os pesos e o que se quer pesar; unidade de medida para cereais.

[Na região pesquisada, o prato era muito usado como uma unidade de medida para cereais representada por duas medidas em caneca de flandre.]

Incosto

Mudubim: Tô pricisandu dum incostu.

HV2001: Substantivo masculino (1562), aquilo que serve de amparo, de proteção, de arrimo. Etimologia de encostar cost(i); do latim costa,ae, costela, lado, flanco.

[Incosto, na linguagem dos sertanejos pesquisados, é o mesmo que aposentadoria.]

Assunta

Mudubim: Ai, dona Célia, é bom dimais, purquê u seu fiu assunta, u meu assunta...

HV2001: O verbo assuntar (1872) é o mesmo que prestar atenção, reparar; pensar longamente, refletir, olhar, ver, verificar com detalhes; apurar. Etim.: assunto + ar. latim sum,

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praesumo,is praesumpsi, praesumptum,ere, tomar antes do tempo; fazer juízo antecipado, conjecturar, suspeitar, presumir.

[Assuntar é o mesmo que observar, analisar, ponderar sobre os estados de coisas.]

Papa-Fogo

Zezão: U papa fogu.

HV2001: isqueiro tosco.

[Papa-Fogo é um instrumento rudimentar bastante utilizado para acender um fogo, isqueiro rudimentar, tosco. Substantivo composto masculino.]

Tramóia

Deci: Eu, da mĩa lĩnguagi antiga, chamava era tramóia...

HV2001: Etim.: espanhola (1679), tramoya é um tipo de renda paulista, de pontos largos.

[Tramóia é um tipo de renda feita manualmente sem o uso de nenhum instrumento.]

[Esses três itens lexicais assunta, papa-fogo e tramoia passam por um processo de reativação, o qual consiste na retomada de uma forma ou significado que tenham caído em desuso, por terem sido superados por outros (escuta, presta atenção, observa; renda, varanda), principalmente nas áreas urbanas, onde o ambiente linguístico é mais propenso à dinamicidade. Entretanto, cremos nunca ter caído em desuso na zona rural pesquisada, o que nos faz pensar num processo de retenção

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dessas formas. Os termos são reativados ao nível do léxico local, pois parecem obsoletos nas demais regiões em que o português é falado.]

Dirmartiá

Zezão: Aí cumeçô dirmartiá a coluna.

HV2001: Verbo desmantelar (1648); fazer ruir ou ruir, fazer vir ou vir abaixo; descompor- (se) [algo] de maneira que deixe estar feito, montado, coeso, unido ou equilibrado; desagregar- (se), desmanchar- (se), desestruturar- (se); causar transtornos a; desarranjar, desorganizar, perturbar. Etimologia francesa: dèmanteler (1563).

[Dismartiar é o mesmo que desmantelar, adoecer da coluna.]

[Em dirmartiar há uma mistura das formas desmarcar (dismantelar), sair fora dos limites, com desmantelar (dismantelar > dismantiar), havendo a junção dos dois termos com todos os processos fonológicos de adequação, como a assimilação e supressão de fonemas para a formação do novo item, sem, no entanto, haver prejuízo do significado das duas formas componíveis.]

Furmina

Ciçu: Tei... Vixi! A penadia tá lá reservada, chega furmina!

HV2001: Etim.: latina; formigar é o mesmo que ter em abundância, pulular, fervilhar (1562).

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[Furmina é o mesmo que existir em quantidade quase que excessiva.]

[Há rotacismo do /l/ em /r/ no verbo fulminar quanto à alternância do vocábulo “formigar” com a assimilação do /g/ > /n/, ou ainda pode haver uma fusão morfológica e semântica das palavras formigar e fulminar, em virtude da semelhança entre as mesmas, tanto na forma quanto no significado. Em furmina, a junção de formiga com fulmina porta a ideia de grande quantidade de coisas/seres.]

Pècurei

Conceição: Não, eu fui lá, ela nũm tava. Aí eu pecurei a ela.

HV2001: Etim.: latina praecunto, as, avi, atum, are; percontare; Século XV perguntarrom, indagar; etim.: latina procuro, as, avi, atum, are, tratar com cuidado de negócios alheios, administrar, governar, olhar por, presidir, fazer expiações.

[Pècurei refere-se à alternância do vocábulo procurar, tendo em vista outras realizações em que ocorrem as seguintes alternantes: procurei > percurei > pecurei; ou ainda perguntei > peguntei > pecuntei > pecurei, assim, há uma fusão morfológica e semântica das palavras procurar e perguntar, em virtude da semelhança entre elas tanto na forma quanto no significado. Pècurei é o mesmo que perguntei.]

[Em palavras como dismartiar, furmina e pècurei ocorre a composição (acoplação) ou imbricação que é um tipo de conjunção em que há a formação de uma forma léxica pela

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junção de pelo menos duas outras palavras com prejuízo da forma fônica das palavras preexistentes. Assumpção Júnior (1986), baseado no termo francês acronyme, dá o nome de acronimização. Por acumular componentes de várias palavras recebe o nome de portemanteau (francês).]

i) Itens lexicais com especificação de significado

Nesses itens lexicais, os fatores motivadores da mudança/alteração, são os semântico-pragmáticos. Um determinado item passa a ter um nome mais específico, motivado por uma relação de semelhança metafórica e metonímica entre este item e outro já existente. O novo nome e o anterior se relacionam por algum tipo de contiguidade conceptual (relação metonímica) e ou por uma relação existente entre duas realidades semelhantes, com a mesma forma (relação metafórica).

Fuzil

Zezão: - Aqui é a pedra, aqui é u fuziu.

HV2001: Substantivo masculino (Século XIV), isqueiro de chifre de boi; binga. Etim do latim vulgar focile derivado do latim focus, i, fogo; providência abreviada de facilis petra, pedra de fogo.

[O fuzil, nesse contexto, é parte do papa-fogo ou binga que, em contato com a pedra, aciona a faísca que acende o algodão, ou pavio. Usado para acender o fogo, cigarros, ou cachimbos.]

[Há relação i) de semelhança (metafórica) entre o instrumento mais específico que aciona a faísca, o qual é cunhado fuzil, e a

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arma que leva a mesma denominação, ou seja, o instrumento que aciona a faísca; ii) de contiguidade (metonímica): o instrumento em si é denominado com o nome da arma inteira.]

Artifiçu

Zezão: - Chamava papa-fogu. Di primero, di primero a lingagi era artifiçu.

HV2001: Etim.: latim artificium,ii, arte, arte mecânica, trabalho artístico, conhecimento técnico, ofício, ocupação, astúcio, habilidade, aptidão, ciência, teoria, sistema.

[Artifício é um dos nomes que recebe o instrumento papa-fogo ou binga. Informalmente, isqueiro; artefato. O dicionário Houaiss registra este item como típico do Rio Grande do Norte, da Bahia e de Goiás. No entanto, é um termo bastante recorrente na zona rural da região pesquisada.]

[Há uma relação metonímica da significação de artefato, com o artefato específico fuzil.]

Penadĩa

Ciçu: Tei.. Vixi! A penadĩa tá lá reservada, chega furmina.

HV2001: Empenado, adjetivo (Século XIII) adornado com penas; emplumado. Etim.: do particípio de empenar, pen(i), elemento composto antepositivo, do latim, penna, ae, asa, o que serve para voar; asa (das abelhas); pena grande das asas ou da cauda das aves, em oposição a pluma.

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[Penadia, penadinha é o mesmo que galinha, frango, capão;

forma diminutiva de “penada” que por sua vez já é uma forma truncada de empenada.]

[Há uma relação de contiguidade da característica geral da espécie ave para denominar um tipo específico de ave, a galinha. Também aqui há uma recategorização do adjetivo para um substantivo (denominada derivação “imprópria” no português tradicional) em que essa conversão, nos termos de Aikhenvald (2007), carrega consigo a flexão de grau diminutivo.]

Congresso

Mudubim: As veiz um homi até di congressu...

HV2001: Substantivo masculino (1510); ato de conversar, de dialogar, entrevista, conversação, conferência. Etim.: do latim congressus, us, trato, comércio, relação, entrevista, conferência, conversação.

[De congresso significa, neste contexto, de responsabilidade, de caráter.]

[Há uma relação de semelhança e contiguidade entre as pessoas que representam o congresso, as quais o falante imagina que sejam de respeito, de boa reputação, e o sujeito a quem ele tenta qualificar.]

Tribuna

Mudubim: Ali têi muita tribuna, mia rimã, eu vô lhi dizê, nói

ramu lhi jogá lá dentu.

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HV2001: Substantivo feminino (Século XV); capacidade de falar e expressar-se com desenvoltura em público; eloquência. Etim. do latim tardio tribuna,ae, púlpito do tribuno.

[Tribuna, neste contexto, significa confusão, negócios duvidosos, “rolos”.]

[Há uma relação de contiguidade e semelhança entre tribuna e o que pode ocorrer durante o momento em que se esteja nesse local (por exemplo, as típicas discussões parlamentares) ou exercendo o ato de falar/discutir. Desta forma, o falante se utiliza conceptualmente desta relação para nomear os substantivos que têm relação de significado com congresso (pessoa culta, respeitosa) e tribuna (confusão).]

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Ao realizar esta análise, entendemos que cultura e linguagem estão ligadas por meio de um relacionamento estrutural, pois a cultura é o conjunto dos padrões de comportamento, atitudes, crenças, costumes e saberes que são inerentes ao indivíduo e ao meio social em que ele está inserido. Intrinsecamente ligada à cultura está a história, cujos eventos marcam a cultura e, por conseguinte, a língua dos sujeitos que as vivenciam. Logo, a cultura e a história “influenciam” o nosso pensamento, a forma como recortamos, como compreendemos, como categorizamos e classificamos as coisas, como propuseram Sapir (1985) e Worf (1988), e são esses elementos que constituem a essência do

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que é expresso pela língua. Significa dizer que por meio da língua são transmitidas as experiências, que são uma representação de mundo. Essa representação de mundo se dá, principalmente, através do léxico. Portanto, os itens lexicais são resultantes da memória conceptual, marcada pelo seu processo histórico (GIVÓN, 2001).

Com base nesses pressupostos, fizemos algumas reflexões preliminares acerca dos processos na dinâmica do sistema lexical do sertanejo balsense. Os exemplos se apresentam em mais de um dos níveis e não há uma delimitação precisa entre as categorias morfológicas e as semânticas, posto que houve não uma categorização tipológica, mas uma classificação, feita mais por necessidade didática, por ser difícil estabelecer uma fronteira entre a dinâmica sistemática, a histórica e a sociocultural dos processos dinâmicos desse léxico.

REFERÊNCIAS

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Maranhão. São Luís: SIOGE.

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GIVÓN, T. (2001). Syntax: An Introduction. V.1. Amsterdam; Philadelphia: John Benjamin.

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PERSPECTIVAS DE ANÁLISE SOBRE O USO DO DIMINUTIVO E

DO AUMENTATIVO NA FALA BALSENSE PERSPECTIVES OF ANALYSIS ON THE USE OF DIMINUTIVE AND

AUGMENTATIVE FORMS IN THE BALSENSE SPEAK

Gisélia Brito dos Santos UEMA/UFG

Marcia Meurer Sandri UEMA/UERJ

Resumo: Este trabalho traz uma análise das ocorrências do diminutivo e do aumentativo na fala do sertanejo do Sul do Maranhão. Apresenta-se a formação do diminutivo e do aumentativo e a conotação emocional e cognitiva que envolve a sua produção, assim como a quantificação dos usos em relação ao gênero do falante. Palavras-chave: Aumentativo. Diminutivo. Sertanejo. Região de Balsas-MA. Abstract: This paper presents an analysis of the occurrences of the diminutive and augmentative in the speech in the backcountry of Southern Maranhão. We present the formation of the diminutive and augmentative and the connotations they have, approaching the cognitive and emotional issues surrounding this production, as well as the quantification of uses in relation to the gender of the speaker. Keywords: Augmentative. Diminutive. Backcountry. Region of Balsas-MA.

INTRODUÇÃO

Ao realizarmos a análise dos aspectos do diminutivo e do aumentativo na fala do sertanejo do Sul do Maranhão, categorizamos gramaticalmente as palavras que apresentam o grau (aumentativo e diminutivo) e apreciamos o contexto em que elas são empregadas. Fazemos uma categorização da

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ocorrência e da maior recorrência desse processo no que se refere ao gênero do falante (colaborador), extraídos do corpus da dissertação de mestrado, “Descrição histórica das vogais na fala do sertanejo da região de Balsas-MA”, de Castro (2008). Extraímos as ocorrências de diminutivo e aumentativo da fala de duas mulheres e de cinco homens que têm acima de 50 anos, são moradores da zona rural da região de Balsas. Os dados foram gravados em mp3.

Para realizar essa análise tivemos como base a leitura de alguns estudiosos que convergem e outros que divergem no que se refere à taxionomia usada para classificar o processo de formação de grau dos nomes, se flexão, se derivação ou se processo independente na gramática. Dixon e Aikhenvald (2007), Bechara (2001), Araújo (1985) e Câmara Jr. (1970) classificam a formação do aumentativo e do diminutivo como derivação, Almeida (1994) apresenta o grau como flexão, e Lee (1999) aborda a formação do grau como um estatuto independente na gramática. Bechara (2001) e Araújo (1985) tratam ainda da produtividade do uso do grau no português brasileiro e da conotação sentimental e afetiva que envolve o emprego desse recurso gramatical da língua.

A categorização das ocorrências na fala dos informantes é feita de acordo com a classe gramatical a que pertence a palavra. As ocorrências são observadas em substantivos (próprio e comum), adjetivos e advérbios. Em seguida, procedemos à análise quantitativa das mesmas,

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mostrando o número de ocorrências de grau, tendo como parâmetro a classe gramatical das palavras e o gênero do falante.

As palavras utilizadas na análise, retiradas do corpus já mencionado, serão transcritas com reprodução da pronúncia e do padrão ortográfico.

1 A PALAVRA E SUAS FACES

Cada uma tem mil faces secretas sob a face neutra e te pergunta, sem interesse pela resposta, pobre ou terrível, que lhe deres: Trouxeste a

chave? (Carlos Drummond de Andrade)

A palavra e sua definição têm gerado muita polêmica. Os estudos linguísticos têm a palavra como “unidade básica da língua” (DIXON; AIKHENVALD, 2007). Para Lyons (1977), ela é a unidade linguística da gramática normativa. Bolinger34 (1963) define a palavra como “fonte de contrastes fonêmicos”. Bloomfield (1979) conceitua a palavra como forma livre mínima. Esses e outros conceitos em torno da palavra não são suficientes para defini-la, apenas oferecem pistas do que ela possa ser ou representar.

Dixon e Aikhenvald (2007) apresentam alguns critérios para definição da palavra, mostrando a visão de vários autores, do ponto de vista fonológico, gramatical e

34 A referida definição de Bolinger, por não ter sido encontrada, foi retirada da obra de DIXON, R. M. W.; AIKHENVALD, A. Y. Word A Cross-Linguistic Topology. Cambridge: Cambridge University Press, 2007.

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ortográfico. Para eles, a palavra fonológica é uma unidade da fonologia que excede os limites da sílaba e tem propriedades que são organizadas a partir de regras, traços segmentais e prosódicos; a palavra gramatical consiste num número de elementos gramaticais que ocorrem juntos, em ordem fixa, com ocorrência e significado convencionados; a palavra ortográfica é um agrupamento de morfemas organizados e separados entre espaços em branco.

Diante dessas definições de palavra podemos considerá-la como elemento fundamental numa língua e nos estudos linguísticos. A palavra contém carga semântica lexical e constitui os componentes do universo empírico e linguístico. Ela, em si mesma, é a base para a formação de novas palavras e para a comunicação. Na palavra são aplicados os processos gramaticais, fonológicos e morfológicos de uma língua. É a palavra que o falante usa, transforma e modifica, através dos processos de derivação, composição e flexão de uma língua. No processo de formação e flexão das palavras, o falante se utiliza de sua criatividade e de seu conhecimento científico ou empírico, para fazer com que existam variedades em uma língua. Nesse aspecto, a palavra se torna objeto de uso cotidiano, instrumento representador de um povo, de uma cultura, de um jeito particular de viver.

O processo de formação das palavras envolve a composição, que é a junção de duas ou mais palavras gramaticais as quais formam uma palavra fonológica; a

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derivação, que cria um novo vocábulo com o acréscimo de afixos, ou com a mudança de significado de uma palavra já existente na língua. Há também a formação de palavras por meio de siglas, abreviaturas e outros processos. Dixon e Aikhenvald (2007) afirmam que a derivação é característica das línguas sintéticas e a difere da flexão, e a morfologia derivacional cria novas palavras, com novos significados. A flexão, por sua vez, abarca a especificidade gramatical pertencente a uma classe de palavras particular. Esta acrescenta a uma palavra já existente desinências nominais e desinências verbais.

Câmara Jr. (1970) apresenta a formação do grau como um fator derivacional e demonstra com os diminutivos. A derivação envolve as classes abertas, como substantivo, adjetivo e advérbios (DIXON; AIKHENVALD, 2007). Tanto Dixon e Aikhenvald como Câmara Jr. dizem que as categorias tipicamente derivacionais são as que envolvem a formação do diminutivo e do aumentativo.

Apesar de envolverem, principalmente, as palavras do inventário aberto da língua (MACAMBIRA, 1999), os recursos derivacionais, algumas vezes, são aplicados às palavras do inventário fechado, como é o caso da formação do diminutivo a partir de demonstrativos no português brasileiro, como demonstram Dixon e Aikhenvald (2007), com os exemplos esse-zinho, aquele-zinho. Estes usados na variedade coloquial

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do português do Brasil de forma pejorativa ou com uma conotação de menosprezo.

2 A FORMAÇÃO DO DIMINUTIVO E DO AUMENTATIVO NO PORTUGUÊS BRASILEIRO

2.1 Algumas abordagens teóricas

As gramáticas tradicionais, entre elas a Gramática Metódica da Língua Portuguesa de Almeida (1994), definem o processo de formação do diminutivo e do aumentativo, no português, como flexão, assim como a formação de gênero e de número e a conjugação dos verbos. Muitos estudos acerca do grau dos nomes têm sido feitos por pesquisadores que já não têm mais na gramática tradicional a fonte de seus pressupostos teóricos. Entre estes estão J. M. Câmara Jr. (1970), Seung-Hwa Lee (1999), G. M. L. de Araújo (1987), R. M. W. Dixon e A. Y. Aikhenvald (2007), E. Bechara (2001), entre outros.

Esta nova perspectiva de estudo, especificamente dos processos de formação e flexão de palavras, na língua portuguesa, teve início com o desenvolvimento dos estudos linguísticos no Brasil, quando os fenômenos da língua começaram a ter uma nova interpretação e as lacunas deixadas pela gramática normativa foram sendo preenchidas. Araújo (1985) atesta que as palavras formadas a partir da derivação possuem o mesmo “status gramatical, paradigmas flexionais e funções sintáticas” que têm as palavras das quais

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elas derivam. Ela defende a derivação como formadora de novas palavras porque esse processo é optativo e não sistemático, pois, por questões de estilística e de gosto do falante, ele pode usar muito simpático por simpaticíssimo, muito magro por magérrimo e assim por diante. Com base nestas evidências, Araújo (1985) sugere a derivação e a composição como componentes de um mesmo fenômeno gramatical.

Portanto, a formação do diminutivo e do aumentativo em vez de flexão de grau passa a ser considerada derivação que com o acréscimo de –inho ou –zinho e –ão ou –zão, na maioria dos casos, forma novas palavras a partir de um nome já existente. Câmara Jr. (1970) apresenta a categorização de grau como derivação e acrescenta que categorizá-la como flexão não passa de uma inclusão errada de um aspecto da gramática latina para a gramática portuguesa, justamente por a flexão latina constituir-se pela declinação, o que não ocorre em português. Isto se reforça quando observamos que o diminutivo abarca advérbios, e estes não são membros das classes de palavras que normalmente recebem a flexão, como os nomes e os verbos. O autor diz ainda que o uso do grau, considerado como um processo de derivação, é muito particular e pessoal, não é obrigatório, pois o falante o escolhe ou não. “Não é um mecanismo obrigatório e coerente, e não estabelece paradigmas exaustivos e de termos exclusivos entre si” (1979, p. 83).

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Nessa mesma linha de pensamento, Bechara (2001) apresenta esse processo como componente da derivação e mostra uma lista de sufixos formadores do diminutivo e do aumentativo. Este autor defende que a formação de grau dos nomes, na língua portuguesa, se dá por mecanismos derivacionais ou sintáticos e confirma isso dizendo que a derivação gradativa dos substantivos ocorre de duas maneiras, uma sintética e outra analítica. A primeira abarca a formação do diminutivo e do aumentativo com os diversos alomorfes35 formadores desta categoria. A segunda é realizada com a adição de uma palavra que indica diminuição ou aumento, como grande ou pequeno(a), por exemplo. Tal fato, para este autor, tira esta produtividade do nível flexional, pois a flexão ocorre de maneira sistemática, coerente e obrigatória, o que não se processa na derivação.

Uma abordagem um pouco diferente é feita por Lee (1999). Ele afirma que a formação do diminutivo no português brasileiro é muito produtiva com os sufixos -inho e -zinho. Lee (1999) classifica este processo de duas maneiras com base no

35

Para Câmara (1970) –inho e –zinho são, respectivamente, morfema e alomorfe formadores de diminutivo. O alomorfe tem distribuição complementar para atender a formações junto a bases atemáticas. Vejamos: o diminutivo e o aumentativo de menino se realiza com -inho e -ão, respectivamente; enquanto para amor, usam-se -zinho e -zão.

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uso do sufixo. Se o diminutivo é formado com -inho, ele é um processo de derivação, isto porque este morfema é um sufixo. Se formado com -zinho é considerado composição pós-lexical, pois este afixo é visto como um elemento formador de um composto, uma palavra prosódica. Mas o autor continua dizendo que, em relação a esta taxionomia, há alguns problemas:

1) -inho: não se submete à regra de neutralização vocálica como acontece nos derivados, não se aplicam regras de alomorfia (assimilação e abrandamento da velar), não define gênero, como os sufixos derivacionais. Com isso, a produtividade, com esse sufixo, não pode ocorrer no nível da derivação.

2) -zinho: apresenta transposição de acento, submete-se à lei de preservação da estrutura, ao contrário dos compostos pós-lexicais. Por isto, esta formação não pode ser classificada no nível da composição.

Tiradas estas possibilidades, o autor diz que esta formação com os dois diminutivos encaixa-se no nível flexional, uma vez que as propriedades morfológicas são iguais às de flexão e as vogais médias envolvidas no processo não sofrem neutralização vocálica. Após analisar algumas regras de domínio morfológico e prosódico, Lee (ibidem) conclui que a realização do diminutivo no português brasileiro não se enquadra no nível da derivação, da flexão ou da composição e

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afirma que ela deve ser considerada um “estatuto independente na gramática” (1999, p.122).

Aikhenvald (2007) diz que a produtividade do diminutivo no Português do Brasil é mais frequente com alguns sufixos como -inho(a) e -zinho(a) e não muito com o sufixo emprestado do Tupinambá -mirim, e o sufixo -eco. O mesmo acontece com os formadores de aumentativo -(z)ão e -(z)ona que são mais produtivos, ao passo que o sufixo -aço(a) não o é. A autora justifica esta não produtividade, ou produtividade restrita, por meio de fatores fonológicos, morfológicos, semântico-pragmáticos e lexicais. Em relação aos fatores semânticos, é sabido que alguns usos do diminutivo e do aumentativo têm uma conotação pejorativa, o que lhes limita a produtividade, como é o caso de bonzinho (bobo, inocente), comidinha (comida que não é boa), sapatão (lésbica). O mesmo diz Bechara (2001, p.141) quando menciona que alguns sufixos de aumentativo e diminutivo, além de indicarem tamanho – grande e pequeno – são usados de forma pejorativa ou afetiva, são os chamados “aumentativos e diminutivos afetivos”, que expressam: i) crítica, desprezo, ironia, com base na conotação semântica do nome, e com o auxílio da entonação que pode ser de admiração, euforia, lamentação, ironia; ii) carinho, afetividade, amparados pela ideia de pequenez, como no caso de mãezinha, amorzinho, filhinho. O autor afirma ainda que o diminutivo com estes dois sufixos assume conotação patronímica quando o nome dos pais e filhos é o mesmo,

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como vemos em Pedro (pai), Pedrinho (filho), Ana (mãe), Aninha (filha).

2.2 Análise dos dados

O uso do diminutivo e do aumentativo, por ser optativo e estilístico, envolve questões emocionais. O emprego do diminutivo envolve o sentimento, a afetividade do falante, que assim torna a expressão um pouco mais agradável. É isto que faz o sertanejo da região de Balsas ao falar das coisas do seu cotidiano, tais como rossĩa, pexim, gatim, gadim, algudãuzim, ao qualificar o mundo que o rodeia bonzim, piquininim, coitadim, poquim, fraquim. “É o uso do diminutivo conotando não a dimensão da coisa ou do ser, mas a carga afetiva em jogo (que como os efeitos rítmicos que adquirem ou desencadeiam) faz da língua portuguesa uma língua bela e agradável” (ARAÚJO, 1985, p. 59). É o que podemos ver no uso dos sufixos de aumentativo (-ão e -ona) e diminutivo (-inho e -zinho) – este com um maior número de ocorrências – nos substantivos, adjetivos e advérbios, na fala dos sete sujeitos entrevistados, os quais estão sendo trabalhados neste artigo.

Observamos, ainda, que o emprego da graduação abarca também nomes próprios de rios, Bausĩa, e de lugares, Veredãum. Nos dados que apresentamos a seguir, os números entre parênteses referem-se à quantidade de ocorrências de uma mesma palavra e os determinantes que antecedem o

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nome indicam a substantivação do adjetivo ou do advérbio. A referência aos sujeitos falantes será feita pela numeração que os antecede. Vejamos as ocorrências.

1) Informante I

Na fala desse informante há ocorrência de diminutivo em nove substantivos, dos quais seis são comuns — dierim, pexim, alfinim, gatim, copim, rossĩa — e três são próprios — Manezim, Anĩa, Ritĩa — e ainda, em três adjetivos — coitadim, vermelim, alvim —. Nessa entrevista, a pesquisadora usa três palavras no diminutivo, sendo que duas são substantivos próprios — Maneuzim (2) e uma comum — gadim. Nesta fala não há registros de palavras no aumentativo.

2) Informante II

Esse informante apresenta em sua fala oito palavras no diminutivo e uma no aumentativo. O processo é feito em seis substantivos comuns — pezim, algudãuzim (2), cartauzim, burrim, salzim, um adjetivo — piquininim — e um advérbio — eu entru bonzim... Nessa entrevista não há registros de diminutivo e de aumentativo na fala da pesquisadora. Foi registrado o emprego de aumentativo em um adjetivo — grandãum — na fala de uma das colaboradoras.

3) Informante III

Na fala dessa informante há ocorrência de sete palavras no diminutivo e não há nenhum registro de

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aumentativo. O diminutivo está em quatro substantivos comuns (historĩa, aguĩa (2), diẽrim), em um adjetivo (suadĩa) e em dois advérbios —pertim e direitim.

4) Informante IV

Na fala desse informante há ocorrência de trinta e duas palavras no diminutivo, dentre elas, dezenove são substantivos comuns — vidĩa (2), carrim, dierim, radim, partim (2), bracim, solim, restim (2), tiquizim (2), bichim, eguĩa, gadim, mijolim, porquim, caldim —, duas são substantivos próprios — Bausĩa, Paulim —, quatro são adjetivos — agasaiadim, baratim, poquim e brigadim — e quatro são advérbios — ligerim, baratim e divagazim (2). Ressaltamos o fato de a palavra brigadim ter uso interjectivo, ou seja, ocorre também como agradecimento, como interjeição adjetiva brigadim. Não há registros de nomes no aumentativo.

5) Informante V

Esse informante faz uso de treze palavras no diminutivo, sendo que cinco são substantivos comuns — quadrim, coisĩas, (um) poquim, brejim e sonim —, cinco próprios — Raimundim (2), Bal(i)sĩa (3) —, há duas ocorrências do adjetivo poquim (2) e o advérbio jeitim. Nesta fala há registros de uma palavra no grau aumentativo, o substantivo próprio Zezãum.

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6) Informante VI

Essa informante faz uso de seis diminutivos em substantivos comuns — (um) poquim (2), pinguim, aguĩa, saquim, bichĩa — e um em adjetivo (fraquim). Há o emprego de duas palavras no aumentativo, as duas são substantivos comuns (assautãum, roçona).

7) Informante VII

Esse informante faz uso de dezoito palavras no diminutivo e uma no aumentativo. Das que estão no grau diminutivo, duas foram usadas pela pesquisadora: uma é substantivo próprio — Bausĩa — e a outra é substantivo comum — cafezim —. Das usadas pelo entrevistado, doze são substantivos comuns — gadim (3), pedacim, carrêrim (2), casĩa, impreguim, fazendĩa (2) e cafezim (2) —, dois adjetivos — istreitĩa e caladim — e dois advérbios — sozim e pertim —.

O entrevistado usou uma palavra no aumentativo que é um substantivo próprio — Veredãum — que designa um local na zona rural pesquisada.

2.2.1 Análise morfofonológica

Os sufixos utilizados na graduação foram somente -inho e -zinho para o diminutivo e -ão e -zão para o aumentativo. Com base nos postulados de Lee (1999), -inho é afixado, de modo geral, às formas não verbais que têm

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marcadores de palavra36 e -zinho às formas não verbais sem marcadores de palavras, às palavras terminadas em sílabas pesadas (sílabas que terminam em consoante e/ou semivogal, como: pas-ta, car-go, pau-ta, pai) e às que são proparoxítonas. Nos discursos analisados não há presença de proparoxítonas no diminutivo e há o emprego desta afixação em todos os vocábulos com sílabas pesadas. São eles: algodão > algodãozinho > algudauzim, cartão > cartãozinho > cartauzim, bom > bonzinho > bonzim, manoel > manoelzinho > manelzim, sal > salzinho > salzim, devagar > devagarzinho > devagazim, só > sozinho > sozim, pé > pezinho > pezim. A forma sem marcador de palavra que faz a graduação em -zinho é uma paroxítona: parte > partizinha.

Os registros de -inho(a) são feitos em formas com marcadores de palavras paroxítonas e ficam com o morfema de diminutivo reduzido em -im ou -ĩa, como em: agasalhado > agasalhadinho > agasaiadim, água > aguinha > aguĩa, alvo > alvinho > alvim, ana > aninha > anĩa, bicho > bichinho > bichim, bicha> bichinha > bichĩa, égua > eguinha > eguĩa, história > historinha > historĩa, sol(soli) > solinho > solim, peixe > peixinho > peixim. A palavra sol, usada pelo falante 4, foi analisada como paroxítona, pois o informante emprega a variação soli. Desta forma, de oxítona com sílaba pesada, ela passa a paroxítona, fazendo o diminutivo em -inho e não em -

36 Palavras que não possuem a desinência indicadora de gênero, tais como: parte, sol, caju, saci.

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zinho como seria a regra para as palavras que terminam com sílaba pesada.

Ainda segundo Lee (1999), o acréscimo dos sufixos do diminutivo não muda a palavra que os recebe nos aspectos lexicais e no gênero, o que comprovamos com os exemplos: o café < o cafezim, a vida < a vidĩa, um bicho < um bichim.

O fenômeno de redução dos dois morfemas de grau produtivos na fala do sertanejo estudado, ocorrido nos substantivos, adjetivos e advérbios, sofreu um fenômeno de redução chamado truncamento. Segundo Araújo G. (2002), truncamento é uma abreviação ou encurtamento de uma palavra-matriz, sem a perda do valor semântico. Os encurtamentos observados foram registrados nas palavras com os morfemas de diminutivo -inho(a) e -zinho, que se reduzem em -im, -ĩa e -zim respectivamente, como vemos em gadim < gadinho, cafezim < cafezinho, aguĩa < aguĩa, fazendĩa < fazendinha. As palavras com sufixo de aumentativo preservam a forma padrão do aumentativo em -ão e -ona. Com o -ao, ocorre a harmonia silábica com a dissimilação do o final em u e com o espraiamento da nasalidade, como observamos em grandãum < grandão, veredãum < veredão, asfautaum < asfalto. A forma em -ona não sofre alterações, roçona. As palavras com os sufixos do diminutivo que não sofreram truncamento foram usadas pela pesquisadora, são elas: poquinhu, riachinhu, em 2, coisinha, partizinha em 5 e direitinhu em 6. Ocorre nestas palavras apenas a harmonia

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silábica com a dissimilação do o em u nas palavras masculinas e nenhuma mudança nas femininas.

Há uma flutuação de classe gramatical das palavras de acordo com o contexto nas quais são usadas. Vejamos algumas ocorrências:

3) A palavra pouco, segundo o Dicionário Houaiss (2001), pode ser um pronome, um advérbio, ou, um substantivo. No corpus analisado, de acordo com a estrutura sintática do enunciado, ela aparece em duas categorias gramaticais: i) substantivo: substantivadas pela presença do determinante - “até mais um poquim” em 5, “cada quein comprava um poquim” e “Só um poquin mermu” em 6; ii) adjetivo: qualificando o substantivo presente no sujeito da oração - “Mas já é tãu poquinhu” em 3, “marr’é poquim” em 4, “É córregu quandu é poquim”, em 5. Não observamos registros desta palavra como pronome ou advérbio.

4) As palavras bom em 2 “eu entru bonzim” e ligeiro em 4 “i si acaba ligêrim” que, conforme o dicionário são adjetivos, nos discursos analisados estão adverbializadas, acrescentando circunstâncias de modo aos verbos entrar e acabar.

5) Direito, barato e só podem ser categorizadas como adjetivos ou advérbios conforme o ambiente sintático no qual elas são empregadas. Nos discursos analisados, direito em 3 “Marcu mĩa consuta direitinhu”, acrescenta uma circunstância de modo ao verbo marcar, portanto é advérbio; barato em 4 é

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usado como adjetivo, caracterizando o substantivo “Aí já num é baratim” e como advérbio, acrescentando circunstância ao verbo deixar “qui dexei baratim”;

A palavra jeito, substantivo, conforme o dicionário Houaiss (2001), assume função de advérbio, em 5, quando se refere ao verbo fazer, como vemos na locução adverbial “faiz ... du jeitim qui é ali”.

2.2.2 Análise semântico-pragmática (cognitiva)

Todos os diminutivos estudados neste artigo envolvem o sentimento do falante ao nomearem as coisas de seu universo particular, como fazenda, gado, roça, feijão, vida, o rio que passa na localidade, os nomes dos lugares, as pessoas próximas, enfim, tudo que rodeia a vida do sertanejo, neste caso, da região de Balsas. A entrevistadora também faz uso das mesmas palavras, ou de palavras diferentes, no grau aumentativo e diminutivo. Isto acontece porque ela usa uma técnica de pesquisa de campo que é a adequação do vocabulário e do jeito de falar à realidade do sujeito pesquisado.

O diminutivo e o aumentativo, como mostra Bechara (2001), além de tamanho – pequeno e grande – podem ter conotação pejorativa, conforme o significado do item lexical usado; e afetiva, principalmente se relacionados a pessoas e coisas ligadas emocionalmente a quem fala.

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No corpus analisado não se percebeu a conotação pejorativa que pode ser expressa na graduação, pois na fala não houve situações que exigissem ou demonstrassem esse cunho pejorativo.

Em relação ao uso afetivo, este foi percebido em grande número, pois o informante fala das coisas de sua vida, de seu dia a dia, das pessoas com as quais convive, admira ou mesmo de alguém que prestou algum tipo de ajuda ou serviço relevante ao falante ou à família dele. Este emprego é percebido em gatim, rossĩa, coitadim e gadim em 1; burrim, piquininim e bonzim em 2; historĩa, pertim, direitim e riachim em 3; carrim, bracim, radim, mijolim e Bausĩa em 4; quadrim, brejim, sonim e jeitim em 5; saquim, fraquim, bichĩa e direitinhu em 6; cafezim, gadim, fazendĩa e casĩa em 7. Observou-se que o falante 5 ao usar bichĩa expressa, além de carinho, um tratamento respeitoso, ao falar com a entrevistadora. É comum, nesta região, o uso de termos como fiĩa (filha), bichĩa, cumadĩa (comadre), tanto por mulheres como por homens, ao falarem com alguém que conhecem bem, que têm parentesco, que têm relações de amizade ou mesmo alguém que não conhecem, mas que por elas têm respeito e/ou admiração, no caso aqui da entrevistadora. O uso carinhoso destes termos de tratamento no diminutivo aproxima locutor e interlocutor e só ocorre quando realmente a relação entre eles não tem barreiras ou está confiante e agradável.

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Bechara (ibidem) afirma também que os usos dos diminutivos podem ter conotação patronímica, quando pais e filhos têm o mesmo nome, como citado anteriormente. Foi possível perceber nas falas analisadas alguns usos de nomes próprios de pessoas e lugares no diminutivo e aumentativo. Os nomes de pessoas usados no diminutivo podem expressar conotação patronímica, como Ritĩa, Anĩa e Manezim em 1; Paulim em 4; e Raimundim em 5; estes nomes podem indicar a filiação, mas neste caso, eles conotam admiração, respeito e gratidão às pessoas donas dos nomes, pois estes sentimentos são características do sertanejo da região estudada. Para eles, esse tratamento é expressão de honestidade, respeito e consideração pelo outro. O nome próprio de pessoa utilizado no aumentativo, Zezaum, em 5 expressa tamanho, pois a pessoa é de estatura alta e forte. Além disso, mostra poder, autoridade. Este é um sujeito que possui riquezas e poder na região. Com isso, percebe-se que há uma relação semântico-cognitiva com a formação do diminutivo e do aumentativo neste falar. Isto também é demonstrado no uso da palavra Veredãum em 7, nome de lugar que deriva do nome de planta chamada Vereda. Esta é uma planta medicinal, forte, amarga que serve para problemas no fígado, no estômago e dela se extrai substância empregada na curtição de cachaça. É muito usada na região. A denominação do lugar indica força, bravura; que este lugar é fértil para este vegetal e tem grande quantidade dele.

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Em relação aos diminutivos usados em algumas palavras que mostram riqueza material ou poder do dono proprietário (sujeito nomeado), há aqui uma certa modéstia, própria do sujeito falante em relação aos bens materiais, com a intenção de não demonstrar que tem mais do que o necessário para viver; revela com isso simplicidade e humildade no modo de viver. Observamos isso nas palavras dierim, rossĩa e gadim em 1; poquinhu em 2; dierim em 3; dierim, gadim, poquim, tiquinzim em 4; poquim em 5; poquim, saquim e pinguim em 6; gadim, pedacim, casĩa e fazendĩa em 7.

Há a ocorrência de Bausĩa na fala de vários informantes, este nome denomina um rio que corta a região dos Gerais de Balsas. No município, há ainda o rio maior que dá nome ao município, Balsas. O emprego do diminutivo na formação do nome do rio indica tamanho, o Rio Bausĩa é menor que o Rio Balsas, é como se fosse filho dele. Aqui, além da noção de tamanho, há, num sentido conotativo, uma relação patronímica no uso do diminutivo.

3 CONSIDERAÇÕES FINAIS

A partir da análise dos dados, optamos por não categorizar o diminutivo e o aumentativo como o fazem os autores citados neste trabalho, pois para isso é necessário uma pesquisa maior e mais aprofundada a respeito. Mas, podemos dizer que este é um processo muito produtivo no

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falar do sertanejo da região pesquisada e que envolve questões tanto gramaticais como cognitivas.

O que emerge dos dados é que os sufixos de diminutivo mais produtivos no falar da região de Balsas são -inho e -zinho, os quais em sua maioria sofrem redução em -im ou -ĩo(a) e -zim, processo que chamamos, com base nos trabalhos de Araújo G. (2002), de truncamento. Os afixos que não sofreram redução estão em algumas palavras utilizadas pela pesquisadora, cuja variedade de fala não é a mesma dos sertanejos entrevistados. A formação do aumentativo é feita com os sufixos -ão, -zão e -ona, os quais sofrem harmonização silábica da vogal final com a dissimilação do o em u, nas palavras do gênero masculino, ficando as do gênero feminino sem alterações.

Percebemos, como base nos postulados de Lee (1999), que no português brasileiro o sufixo de diminutivo -inho é utilizado nas formas com marcadores de palavra, enquanto o -zinho abarca as sem marcadores, as que terminam em sílaba pesada e as proparoxítonas, estas sem ocorrência nos discursos analisados. Os sufixos, além de tamanho expressam afetividade, emoção ou uma conotação pejorativa e ainda relação patronímica. Nos dados observados não percebemos o cunho pejorativo do diminutivo, ao contrário, os usos apontados são expressão de carinho e, de maneira conotativa, o uso patronímico. Em se tratando do aumentativo, este também pode ser usado carinhosa ou pejorativamente.

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Observamos que a produtividade do aumentativo no falar analisado é reduzida, mas, as ocorrências desta graduação indicam tamanho ou admiração.

O uso da graduação na região de Balsas é muito frequente, principalmente no diminutivo, e expressa, além de tamanho, o sentimento do sujeito falante em relação ao mundo, às coisas e pessoas que o rodeia. Usando o diminutivo, o sertanejo fala de sua vida de maneira expressiva, respeitosa e carinhosa. Expressa simplicidade, modéstia e faz da língua seu objeto de uso diário, modela-a e transforma-a com sua criatividade de sujeito falante.

Consideramos, finalmente, que o emprego do diminutivo é expressivamente maior na fala dos homens em relação às mulheres, o que foi comprovado pelo número de ocorrências levantado (83 para homens e 17 para as mulheres, incluindo a pesquisadora)37. Já o aumentativo, mesmo com ocorrência reduzida, é mais utilizado pelas mulheres, uma vez que foi constatada 01 (uma) ocorrência na fala masculina e 03 (três) na feminina. Devemos levar em conta, porém, que a análise foi feita em apenas sete discursos, o que faz com que

37 Ressaltamos que nossa análise não contemplou o mesmo número de mulheres em relação aos homens. Apesar de ser bem visível na análise a maior ocorrência de diminutivos na fala dos homens, não podemos ser categóricos nessa assertiva por nossa análise ter sido realizada em um número limitado de informantes, principalmente de mulheres.

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estes resultados não sejam determinantes, senão uma primeira experiência de pesquisa do tema na região eleita.

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RESSIGNIFICANDO MACHADO DE ASSIS HOJE: O LEITOR ENTRE O LIVRO E A HQ

RESIGNIFYING MACHADO OF ASSIS TODAY: THE READER BETWEEN THE BOOK AND HQ

Patrícia Kátia da Costa Pina Ricardo Tupiniquim Ramos

UNEB

Resumo: Este artigo discute alguns dos desafios que cercam a leitura de literatura, em face das novas mídias, tendo como objeto de estudo a narrativa machadiana O Alienista, em sua versão literária e em HQ. Discutir-se-ão as ideias de Benjamin, Vergueiro, Ramos entre outros, no sentido de se definir o ato da leitura como processo interativo. Palavras-chave: Leitura. Machado de Assis. HQ. Livro. Leitor. Abstract: This article discusses some challenges faced by the act of reading literature, in the advent of new media. The object of study is Machado de Assis’s O Alienista, in both versions, literary and comic strips. We are going to discuss Benjamin’s, Vergueiro’s, Ramos’s theories among others, trying to define the act of reading as process which involves an interaction. Keywords: Reading. Machado de Assis. Comic strips. Book. Reader.

PRELIMINARES

Obras traduzidas ou adaptadas exercem importante função tanto na formação quanto

no entretenimento do leitor jovem. (CADEMARTORI, 2009, p. 68)

A perspectiva tradicional e livresca dos estudos acerca da leitura literária e da formação de leitores define a originalidade artística como o maior valor para o objeto a ser

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lido e o domínio das especificidades da linguagem poética, narrativa ou dramática, como a habilidade leitora por excelência. Traduções vistas como traições e adaptações relegadas à marginalidade do não artístico são lugar-comum no discurso acadêmico-científico sobre o tema. A questão da originalidade literária parece-me dizer respeito a uma forma de concepção da literatura como linguagem adâmica, não representativa, desvinculada de uma relação imediata ou próxima com o mundo, à qual apenas iniciados teriam acesso, a fim de não corrompê-la com intervenções pessoalizadoras. Nesse sentido, uma adaptação ou uma tradução implicariam a cristalização de uma diferença, a qual estaria ligada à imposição de uma subjetividade Outra à subjetividade primeira – o tradutor precisa levar a obra para pertencimentos culturais diferentes, tornando-a legível; o adaptador reinventa a obra, aproximando-a de outras épocas, culturas, de variados grupos leitores.

Não pretendemos, aqui, discutir concepções de literatura. Queremos apenas tracejar o espaço que abriga este estudo: ocupamo-nos de adaptações literárias para quadrinhos em seu potencial de formação de leitores, de criação do prazer de ler, de estímulo à vontade de lidar com o impresso, a partir, exatamente, do hibridismo de sua linguagem. Isso significa afirmar que nem nos dedicaremos à formação específica do leitor pela literatura, nem pelos quadrinhos.

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A Literatura em Quadrinhos é uma forma de produção artística que se expõe como intervalar, pois em sua própria denominação conjuga duas linguagens originalmente polarizadas. A literatura pertenceu, desde a Antiguidade Clássica, quando ainda era poesia e primava pela oralidade, aos segmentos sociais privilegiados, sendo partilhada mais amplamente em momentos pontuais e, mais recentemente, com a constituição da família burguesa e com a preocupação acerca da educação “para todos”. Os quadrinhos são fruto da sociedade capitalista, industrial, representando a “perda da aura” a que Benjamin (1985, p. 168-169) se refere:

[...] o que se atrofia na era da reprodutibilidade técnica da obra de arte é sua aura. Esse processo é sintomático, e sua significação vai muito além da esfera da arte. Generalizando, podemos dizer que a técnica da reprodução destaca do domínio da tradição o objeto reproduzido. Na medida em que ela multiplica a reprodução, substitui a existência única da obra por uma existência serial. [grifo do autor]

As obras poéticas, narrativas e dramáticas, mesmo sendo publicadas inúmeras vezes e em variadas edições, direcionadas a públicos diferenciados, mantém-se as mesmas. A reprodução gráfica, dependendo dos protocolos de edição, pode, certamente, afetar de alguma maneira o texto, mas, em geral, ele é preservado em sua integridade original (CHARTIER, 1996, p.96). As edições podem agregar valores e sentidos, mas

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não alteram a palavra impressa, a menos que se assumam como adaptações, resumos, traduções.

Quando ocorre um processo de adaptação, os sujeitos nele envolvidos recriam a obra-fonte, de acordo com suas perspectivas. No caso das adaptações quadrinísticas, foco deste artigo, geralmente a adaptação é múltipla: há roteiristas, desenhistas, coloristas etc. Alguns volumes apresentam somente um adaptador, outros trazem um grupo, sem nomeação específica. Isso importa muito, pois mostra ao mediador de leitura ou ao leitor quantas possíveis vozes e individualidades dialogam no texto adaptado.

As Histórias em Quadrinhos partilham com a literatura algumas peculiaridades de linguagem: são ficcionais, logo, trabalham com personagens, ambiente/espaço, tempo, narrador, foco narrativo etc. Mas esses elementos partilhados são “traduzidos” para o hibridismo da linguagem quadrinística: são construídos visualmente, com algum apoio do verbal. Para Vergueiro (2009, p.22),

[...] a interligação do texto com a imagem, existente nas histórias em quadrinhos, amplia a compreensão de conceitos de uma forma que qualquer um dos códigos, isoladamente, teria dificuldades para atingir. Na medida em que essa interligação texto/imagem ocorre nos quadrinhos com uma dinâmica própria e complementar, representa muito mais do que o simples acréscimo de uma

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linguagem a outra – como acontece, por exemplo, nos livros ilustrados –, mas a criação de um novo nível de comunicação [...].

O trecho citado corresponde a texto que reflete acerca da importância dos quadrinhos na educação. Destacamo-lo por ressaltar a natureza híbrida da linguagem quadrinística e por apontar, com valoração diferenciada, claro, para a “grande liquidação” cultural (BENJAMIN, 1985, p.169) que caracteriza os últimos cem anos no mundo ocidental.

Se antes dessa industrialização dos bens culturais a literatura, como as demais formas de arte, tinha um público restrito e definido socialmente, após as inovações tecnológicas, com novos recursos sendo amalgamados às técnicas tradicionais, diferentes públicos, com níveis variados de repertório, se viram inseridos no mercado simbólico da cultura.

Os bens culturais demandam quem os faça circular: o sujeito desse mercado não é exatamente o criador, mas quem se apropria do objeto criado. Esse indivíduo vê o mundo que o cerca com a ótica que constrói em si e que interage com a visão de mundo de sua época e de seu lugar.

Certamente, quem cria o livro, o filme, a música, entre outros bens simbólicos, tem história pessoal, pertence a um espaço e a um tempo específicos e sua criação respira esses pertencimentos. Mas, as novas práticas culturais, viabilizadas

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pelo capitalismo, demandam que se considerem prioritariamente as expectativas de consumo, em detrimento das de criação.

E se o consumidor é a criança, é o jovem, a linguagem quadrinística adequa-se muito mais intensamente a suas expectativas e competências. McCloud (2006, p.19) afirma que os quadrinhos, após a crise dos anos noventa, incorporaram estilos e assuntos diversificados, viabilizando para o leitor experiências estéticas deleitosas. Dessa forma, a Literatura em Quadrinhos pode ser um instrumento potentíssimo para a formação de leitores interessados na leitura, inclusive na leitura literária, mas não apenas nela.

Na percepção de Cademartori (2009, p. 69),

O original de uma obra, como tudo, é suscetível à passagem dos anos, às mudanças ideológicas e de contexto. Quando o original se torna algo muito distinto para o público, a tradução e a adaptação podem preservar o que existe nele de essencial, no que pesem as dificuldades e armadilhas todas dessas intermediações.

As adaptações quadrinísticas de obras literárias tornam-nas divertidas, acessíveis, aproximando-as das possibilidades de compreensão e produção de sentidos das crianças e dos jovens estudantes de hoje. Elas não deixam as obras-fonte serem esquecidas e se apresentam como formas

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artísticas inovadoras, provocando leitores e mediadores de leitura.

O processo da leitura não é uma via de mão única, isto é, não é apenas o texto que invade o leitor, este também se insinua por entre palavras e imagens, efetuando uma pessoalização do objeto lido. Ler implica interpretar e criticar. As associações que estabelecemos ao ler nos revelam quem somos no e a partir do texto lido. O ato da leitura, portanto, não se constrói por um mero processo de decodificação do impresso, pois esse trânsito entre texto e leitor está situado histórica, cultural e politicamente, envolvendo, ainda, condicionamentos menores, de ordem psicológica, social, econômica, enfim.

É nessa perspectiva que este artigo quer trabalhar, enfocando as relações entre uma obra de Machado de Assis e o leitor de verdade contemporâneo, cujos padrões de gosto foram condicionados pelas mídias audiovisuais, pela Internet etc. O corpus escolhido é bastante significativo: uma narrativa machadiana muito conhecida entre os falantes de língua portuguesa e traduzida para outros idiomas, O Alienista, e sua adaptação para HQ, cujas ilustrações foram feitas por Cesar Lobo e cujo roteiro foi criado por Luiz Antonio Aguiar.

A Editora da obra aqui estudada tem uma estratégia básica: quer convencer o consumidor infantil, jovem ou adulto de que aquele volume de HQ está intimamente ligado à obra oitocentista, mas que a recria, que a reinventa, aproximando-

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a do mundo de hoje. Assim, é feita uma apresentação verbal-visual do volume, com o título “Uma História Muito Louca”.

A página, visualmente envelhecida, cuja cor é amarelada, o que pode sugerir ao leitor uma volta ao Século XIX, apresenta um longo texto verbal, uma imagem de contornos irregulares, com a figura de um homem magro, cujos ossos se desenham sob a pele, com olhos oblíquos. Dessa figura sai um balão retangular, ligado por bolinhas crescentes ao rosto desenhado. Os leitores habituados aos códigos híbridos das HQs sabem que esse tipo de balão indica pensamento, reflexão. O texto do balão ataca o ponto central da obra machadiana e de sua adaptação: “E se o alienista for um alienado? Mas que ideia insana!” (LOBO; AGUIAR, 2008, p. 3) A seleção vocabular usada pelo roteirista joga com palavras cujos sentidos remetem ao campo da loucura: alienista, alienado, insana. O rosto desenhado em escala de cinza e preto cria o ambiente de mistério e medo que cercava e cerca a loucura humana.

E como estratégia editorial de sedução do leitor/consumidor, ao fim da página, no canto direito, um balão de contorno estrelado, com uma chamada em letras graúdas e em negrito: “NÃO PERCA! As páginas finais, depois dos quadrinhos, trazem informações e curiosidades que vale a pena conhecer” (LOBO; AGUIAR, 2008, p. 3). Está fisgado o leitor: o assunto é apresentado visualmente de maneira provocante. E a esse apelo visual, soma-se um apelo verbal.

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O segundo parágrafo da referida página 3, aponta para o interessado na aquisição e na leitura desse volume de HQ o que pode ser considerado o ponto alto da adaptação – a visualidade criativa das imagens: “Nesta adaptação de O alienista para os quadrinhos, Cesar Lobo e Luiz Antonio Aguiar produziram uma versão autoral, recriaram a história de maneira que as cenas de ação e também o humor corrosivo de Machado ganham emoção ao vivo e em cores” (LOBO; AGUIAR, 2008, p. 3).

Emoção, vocábulo fundamental para o adolescente, o jovem e mesmo o adulto. E emoção provocada pela presentificação visual da narrativa. Outros pontos curiosos no trecho citado: não se trata simplesmente da quadrinização de uma narrativa de mais de cem anos, trata-se, sim, de uma recriação, pautada na ação e no humor, da obra-fonte. Certamente, de acordo com essa perspectiva editorial, ação, diversão e visualidade são as preferências dos consumidores de bens culturais impressos nesse nosso Século XXI.

Essas estratégias de escrita e publicação balizam o processo de leitura, ainda que não o constranjam, mas direcionam possíveis apropriações, tanto por parte de leitores com vasto repertório, como por parte dos neófitos das letras impressas.

As adaptações constituem apropriações que cristalizam determinadas formas de interação do escritor/editor com o texto-fonte. Isso significa que as adaptações trazem sentidos e

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valores agregados ao texto original, os quais o atualizam e transformam-no em um novo texto. Os quadrinhos trazem estratégias visuais de narrativa que encenam estratégias literárias e/ou cinematográficas, recursos fotográficos, de computação gráfica, mas que de tudo isso se distinguem, mesmo lidando com o realismo, a observação, o naturalismo dos detalhes.

Essas ferramentas narrativas quadrinísticas correspondem a outras tantas ferramentas próprias de outras linguagens, mas não nascem delas, nem delas dependem. As imagens quadrinísticas, por serem estáticas, por colocarem em interação elementos diferenciados, captam e fixam mais intensamente a atenção do leitor. Para McCloud (2008, p.3), “[...] o olhar do leitor é guiado de quadrinho em quadrinho e é como sua mente e persuadida a dar importância ao que vê.” As marcas da linguagem quadrinística tem função persuasiva, exatamente por estarem combinadas para criação dos efeitos desejados pelos quadrinistas.

As obras-fonte imprimem aos jovens leitores contemporâneos uma série de obstáculos que os quadrinhos relativizam. A representação visual é uma alternativa muito interessante nesse sentido. Segundo Martine Joly (1996, p.55),

Seja ela expressiva ou comunicativa, é possível admitir que uma imagem sempre constitui uma mensagem para o outro, mesmo quando esse outro somos nós mesmos. Por isso, uma das precauções

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necessárias para compreender da melhor forma possível uma mensagem visual é buscar para quem ela foi produzida.

Para quem a adaptação da obra machadiana para HQ foi criada? É claro que, pela relação com a obra-fonte, escrita e publicada para o leitor adulto oitocentista, essa adaptação dirige-se a um público, no mínimo, adolescente, mas não há um mecanismo censor que impeça, por exemplo, estes doutores em Letras que escrevem este estudo de comprar e ler a referida apropriação.

No entanto, o leitor desejado pelas editoras, a fatia do mercado que elas pretendem alcançar, corresponde aos jovens que, nas escolas, devem ser preparados para que se tornem leitoras dos grandes clássicos da literatura brasileira e universal. O interessante é que nesse jogo de construção simbólica e empírica do gosto pela leitura e de hábitos de consumo do impresso, essa adaptação propõe uma nova obra e viabiliza novas formas de se pensar e ler literatura.

O leitor que lê os quadrinhos toma conhecimento de uma história adaptada, ou seja, ele é conduzido pelo olhar de uma alteridade que se revela, que se faz presente desde a apresentação do volume de HQ. Esse leitor sabe que não está lendo o texto de Machado de Assis, mas, sim, uma leitura desse texto, ou seja, uma nova e diferente obra.

Tal jogo instaurado pelos quadrinhos pode convidá-lo a sair do circuito da visualidade e a entrar no campo da palavra,

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da imagem verbal. Ou melhor: pode fazê-lo conjugar, numa diferente experiência de percepção, o visual e o verbal (daí a linguagem dos quadrinhos ter um caráter híbrido), aproximando o impresso das mídias com as quais esse consumidor já está habituada em seu cotidiano. E a própria visualidade pode permitir-lhe reinventar o lido e reinventar-se a partir do lido.

Para fazer um leitor, isto é, para criar em alguém o gosto pela leitura literária, tornando-o um consumidor de livros, revistas etc., os escritores e os editores precisam jogar com o público que pretendem alcançar, criando um mundo à parte, um mundo mágico, composto de aventuras fantásticas, ou um mundo de aventuras históricas ressignificadas, ou, ainda, um mundo já ficcional, mas que, reinventado no processo de adaptação para uma linguagem híbrida, torna-se novo e sedutor.

Assim, os adaptadores dos clássicos para HQ desafiam os variados possíveis interlocutores, mostrando que ler é diversão, que é uma prazerosa brincadeira, para adultos, jovens e crianças. E, como em toda brincadeira, a tensão de reinventar a vida é fundamental: a tensão gerada pela representação visual/verbal preside o jogo e funciona como instrumento de provocação dos leitores, como meio de fazê-los gostar de ler.

O texto machadiano nos traz a história de um cientista, dedicado às pesquisas sobre a sanidade mental humana.

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Simão Bacamarte, eis seu nome, é um médico, a princípio, respeitadíssimo em Itaguaí, cidade do interior fluminense, onde fixa residência e se casa. No decorrer da narrativa, o narrador de Machado de Assis espalha suspeitas sobre a sanidade do próprio médico, suspeitas essas que se confirmam ao final, quando ele declara ser o único louco da cidade e se tranca na Casa Verde.

Trata-se de uma narrativa bem humorada, que joga com as ideias preconceituosas e excludentes acerca da loucura vigentes na época. Simão Bacamarte demonstra uma grave dificuldade para definir seu objeto de pesquisa. Quando consegue determinar critérios para capturá-lo e estudá-lo, percebe que os mesmos se desmancham no ar e precisa recomeçar todo o processo. Depois de recolher todos os maníacos e não maníacos das redondezas, o médico concluiu que loucos eram aqueles que primavam pela racionalidade e pelo equilíbrio e recolheu-se à Casa Verde, transformando-se em seu próprio objeto de investigação:

Isso é isto. Simão Bacamarte achou em si os característicos do perfeito equilíbrio mental e moral; pareceu-lhe que possuía a sagacidade, a paciência, a perseverança, a tolerância, a veracidade, o vigor moral, a lealdade, todas as qualidades enfim que podem formar um acabado mentecapto. Duvidou logo, é certo, e chegou mesmo a concluir que era ilusão; mas, sendo homem prudente, resolveu convocar um

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conselho de amigos, a quem interrogou com franqueza. (ASSIS, 1957, p. 96)

Todos os amigos consultados foram unânimes em reconhecer as qualidades destacadas no médico, o que o fez perceber sua “loucura”, internando-se ele próprio para estudar-se.

Na narrativa machadiana, Simão Bacamarte esforça-se por controlar o incontrolável: ele joga insistentemente com o senso comum e o conhecimento científico disponível na época, desafiando limites rígidos e brincando com conceitos e preconceitos. Brincadeira séria a do médico de Itaguaí.

A adaptação de O Alienista para os quadrinhos, efetuada por César Lobo (arte) e Luiz Antonio Aguiar (roteiro), cristaliza na linguagem híbrida desse tipo de produção impressa a convivência loucura/sanidade na personagem Simão Bacamarte. E essa cristalização é a porta de entrada desse médico no Século XXI, com suas novas mídias e seus diferentes grupos leitores.

Os adaptadores começam a edição com a apresentação estudada páginas atrás, ladeada pela imagem descrita anteriormente, a qual representa o alienista louco. A seguir, duas páginas, totalmente em quadros cinza, preto e branco, introduzem a história que será narrada. A página é preenchida por quatro quadros retangulares, organizados para leitura em linha vertical, de cima para baixo. No primeiro deles, a Casa Verde, com a frente sombria, ocupa o centro,

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trazendo somente uma janela com luz interna. É um grande plano geral, em que a lua projeta um jogo de luz e sombras. A casa está isolada, como se vivesse por si e não fizesse parte de Itaguaí. Esse quadro inicial direciona o leitor, inserindo-o de imediato num ambiente em que o imóvel quase respira.

De acordo com Ianonne e Ianonne (1994, p.63), “Os tipos de plano variam de acordo com o destaque que o artista quer dar ao cenário ou aos personagens. Parece que o desenhista usa uma lente zoom, como no cinema ou na fotografia, para aproximar uma figura ou mostrar uma visão geral da cena.” Cesar Lobo, ao compor esse primeiro quadro da adaptação destaca a Casa, levando o leitor a suspeitar de que ela centraliza a ação. A organização da imagem traz os elementos que traçam o jogo sanidade/loucura: luz e sombra alternam-se, a iluminação interna é pouca, também provocadora do imaginário do leitor.

Os dois próximos quadros têm uma progressão no corte da imagem: em um, em plano detalhe, duas mãos escrevem, são mãos magras, de dedos finos e angulosos, usam uma caneta tinteiro e, em ângulo picado, uma das frases do livro machadiano surge; no outro, em grande plano, um homem magro, visto pelos braços, ombros, peito e cabeça, desenhado em traços irregulares, está escrevendo, com velas e microscópio a sua volta. Essas imagens sugerem um ambiente denso e misterioso.

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Cirne (1972, p.93) afirma que “Transpor uma obra de uma dada prática estética para outra prática estética implica assumir semiologicamente os signos de uma nova linguagem”. A adaptação do texto machadiano implica, então, é claro, uma leitura primeira, uma dada apropriação do lido, e uma “tradução” dos sentidos produzidos para as estratégias que as novas mídias/suportes, e suas respectivas linguagens, envolvem.

As HQs concretizam palavras em imagens, hibridizando essas duas linguagens. Logo no início dessa adaptação, aqueles que conhecem a obra-fonte reconhecem Simão Bacamarte, ou melhor, seu lado louco, apenas revelado pelo narrador machadiano nas páginas finais da narrativa. Uma das estratégias dos adaptadores, para jogar com as expectativas dos que conhecem e dos que não conhecem o texto-fonte, é já iniciar toda a narrativa quadrinizada pela percepção da loucura do médico. O suspense se desloca desse ponto, não há mais mistério aí.

Na segunda página dessa “Introdução”, surgem seis quadros, de formato irregular. O primeiro deles traz Simão Bacamarte em plano detalhe, em vista frontal, da cintura para cima, com um candelabro com muitas velas e muita fumaça, vestindo um camisolão de pontas irregulares. A seguir, ele de costas, saindo do recinto, com móveis deslocados e desarrumados. No quadro seguinte, ele desce as escadas com o candelabro. O próximo quadro traz as escadas e a fumaça

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em plano detalhe. A seguir, o espaço em que ele se encontra aparece com uma cadeira virada, um rato fugindo. Por fim, no último quadro da página, Simão Bacamarte em um forte jogo de luz e sombra, olhos arregalados, sorriso seco, em ângulo contrapicado. Os adaptadores decidiram de antemão que o médico era o louco e apresentam-no assim para os leitores, que não terão dúvidas a respeito, não serão movidos, como no texto-fonte, pela curiosidade de saber quem é louco e quem não é, eles já sabem e os sinais tradicionais de loucura estão cristalizados nas imagens sob seus olhos.

A adaptação criada por Cesar Lobo e Luiz Antonio Aguiar coloca como centro das atenções e como direcionador explícito da leitura, uma vez que sua figura aparece em diferentes momentos como narrador ou comentarista dos fatos, Simão Bacamarte, dando às demais personagens um espaço secundário. Eleger essa personagem para a condução da narrativa verbal-visual é uma intervenção tanto na obra-fonte, como nas adaptações televisivas e parece-me apontar o caminho da apropriação quadrinística: trata-se do alienista-alienado, cuja presença explícita e distinta visualmente imprime a irreverência do lúdico à seriedade do conhecimento.

Em sua forma original, a obra machadiana não tem instrumentos para chegar aos jovens de hoje, ainda que trate de temas atemporais e universais. Esses novos leitores estão tendo suas habilidades de leitura e de consumo de bens

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culturais forjadas por essas novas mídias. Por si só, as obras clássicas encontrarão muitos obstáculos para interagirem com o leitorado juvenil brasileiro contemporâneo. Elas não têm artifícios que possam “matar” a fome de saber e lazer do jovem contemporâneo.

O ato de consumir determinados objetos hoje se transformou em instrumento de interação dos indivíduos. Para Canclini (2001, p.15), tornou-se “[...] espaço que serve para pensar, onde se organiza grande parte da racionalidade econômica, sociopolítica e psicológica nas sociedades.”. Esses jovens leitores identificam-se pelo que leem e pelo suporte daquilo que leem. E o fazem porque existem estratégias estruturais por parte do texto verbal e do não verbal e da edição que implicitam determinados padrões de gosto e consumo (leitor implícito) capazes de envolver o consumidor, gerando o prazer do consumo, no caso deste artigo, o prazer da leitura. Na verdade, pelas mídias que manipulam e às quais têm acesso.

Alessandra El Far, em O livro e a leitura no Brasil, aponta que as maneiras de ler e os tipos e objetos de leitura são práticas culturais que respondem a provocações históricas. Segundo ela (2006, p.64), "Se alguns tomam um livro entre as mãos para melhor conhecer o mundo ao seu redor, [...], muitos entregam-se ao prazer da leitura por diversão ou simplesmente pelo gosto de ver impresso no papel um arranjo ilimitado de tipos gráficos." Essas diferentes

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maneiras de apropriação de cada produto impresso resultam de um processo de interlocução não apenas com o texto, mas com seu suporte também.

Muito se discute ainda hoje no Brasil, e fora do Brasil, a questão da pouca ou nenhuma leitura literária que compõe o repertório das crianças e dos jovens, acusando-se a TV, a HQ, o cinema, a internet de serem os vilões malvados que corrompem o gosto de nossos pequenos e potenciais grandes leitores. Há, implícita nessa discussão, uma gama enorme de valores seletivos e hierarquizantes, que excluem do campo artístico-literário as novelas, as minisséries, os filmes, as narrativas híbridas das histórias em quadrinhos, os blogs, os chats etc.

Essas vozes preconceituosas que se multiplicam pelas famílias, igrejas, escolas e universidades, definem o leitor como aquele que lê da lírica trovadoresca à obra de Proust e Joyce, passando por Cervantes, é claro, e pela Bíblia Sagrada, podendo, após a leitura, encetar edificantes discussões sobre o sentido de cada texto. Tal forma de definir leitor e leitura arrasta-se há alguns séculos.

Cada linguagem é uma linguagem, cada obra tem sua natureza artística. As adaptações quadrinísticas de obras literárias atraem as crianças e os jovens para o mundo do impresso, fazem-nos manusear belas edições, levam-nos a usar seu tempo percorrendo o papel com os olhos encantados pelas cores, pelos traços, pelos balões.

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Existem, certamente, relações entre os elementos da narrativa literária – que compõem sua linguagem – e os elementos da narrativa quadrinística. Basicamente, são os mesmos. A diferença óbvia é que a literatura propõe verbalmente ambiente, ações, tempo, personagens etc.; a Literatura em Quadrinhos, por sua vez, casa o verbal e o não verbal.

O ambiente, por exemplo, não é descrito por palavras apenas, é proposto ao leitor por uma fusão de cores e traços, com forte influência do foco narrativo. O tempo, nos quadrinhos, é representado tanto por linhas cinéticas, como por cores e, principalmente, pela dimensão e organização das vinhetas (quadros).

O traço com que as personagens são construídas determina o tom da quadrinização. Muitas vezes, uma mesma obra é adaptada duas ou três vezes, por equipes diferentes. A comparação entre escolha de cores, traços, formas de vinhetas, mostra a perspectiva das edições, o público que desejam atingir, as finalidades – artística, educativa ou ambas.

Paulo Ramos define a peculiaridade e relevância da linguagem híbrida dos quadrinhos, para lhes dar o lugar de arte na contemporaneidade: “Ler quadrinhos é ler sua linguagem [...]” (RAMOS, 2009, p.14). A intimidade entre verbal e não verbal caracteriza a linguagem dos quadrinhos e lhe confere grande potencial no processo de formação do gosto pela leitura e criação de habilidades múltiplas para ler.

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No espaço simbólico das artes, as hierarquizações valorativas acabaram por privilegiar umas linguagens em detrimento de outras, isso numa perspectiva tradicional. Dessa forma, durante cerca de um século, no reino do impresso imperava a palavra literária como Arte. Imagem era algo menor. HQ, então, nem arte era.

Como aponta Jean Foucambert (2008, p.154), "Ler é um comportamento integrado aos diversos aspectos da vida e que é aprendido através deles...". Para ser leitor, o indivíduo não tem que apenas ler o livro, pode ler gibis, cordel, jornal etc. Ler é parte da vida contemporânea. Ou, pelo menos, pode vir a ser. Inclusive ler literatura, qualquer que seja a forma de ressignificação da obra literária.

REFERÊNCIAS

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DIÁLOGOS: MARAVILHOSO E VERISMO EM LYGIA BOJUNGA DIALOGUES: WONDERFUL AND “VERISMO” IN LYGIA BOJUNGA`S

TEXTS

Regina Michelli38 UERJ

Resumo: Lygia Bojunga é escritora contemporânea de reconhecido mérito. O objetivo deste trabalho é analisar como as instâncias do maravilhoso e do verismo dialogam em duas obras desta escritora brasileira: A bolsa amarela e Meu amigo pintor Palavras-chave: Lygia Bojunga – maravilhoso – verismo - A bolsa amarela - Meu amigo pintor Abstract: Lygia Bojunga is a contemporary writer of recognized merit. The aim of this paper is to analyze how the instances of the marvelous and the verism dialogue in two works of this Brazilian writer: A Bolsa Amarela and Meu amigo pintor. Keywords: Lygia Bojunga – Marvelous - Verism - A Bolsa Amarela - Meu Amigo Pintor

1 MARAVILHOSO

A literatura é categoricamente realista, na medida em que ela sempre tem o real por

objeto de desejo; e direi agora, sem me contradizer, porque emprego a palavra em sua

acepção familiar, que ela é também obstinadamente: irrealista; ela acredita

sensato o desejo do impossível. Roland Barthes

38 www.sepel.uerj.br;

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O maravilhoso tem servido de esteio à produção de obras de Literatura Infantil e Juvenil. Desde a origem desta literatura, narrativas – que não se destinavam à infância - vêm impregnadas de seres prodigiosos, objetos mágicos, eventos sobrenaturais:

Em seus primórdios, a literatura foi essencialmente fantástica: na infância da humanidade, quando os fenômenos da vida natural e as causas e os princípios das coisas eram inexplicáveis pela lógica, o pensamento mágico ou mítico dominava. Ele está presente na imaginação que criou a primeira literatura: a dos mitos, lendas, sagas, cantos rituais, contos maravilhosos, etc. (...) Compreende-se, pois, por que essa literatura arcaica acabou se transformando em literatura infantil: a natureza mágica de sua matéria atrai espontaneamente as crianças. (COELHO, 2000, p.52)

Se voltarmos nosso olhar aos contos escritos por Charles Perrault no Século XVII, oriundos de recolha da oralidade, percebemos a presença desse elemento. As fadas, herdeiras das Moiras gregas e das Parcas latinas (BRANDÃO, 2002, p.231), são responsáveis por definir o destino das personagens principais, surgindo nas histórias de “A Gata Borralheira”, “Pele de Asno”, “A Bela Adormecida do Bosque”, “Riquete do Topete” e “As Fadas”:

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A palavra “fada”, nas línguas românicas, tem um significado ligado ao conto maravilhoso ou de fadas, pois remonta a uma palavra latina feminina, fata, variante rara de fatum (fado), que se refere a uma deusa do destino. As fadas se assemelham a esse tipo de deusas, pois também conhecem os caminhos da sorte. Fatum, literalmente “aquilo que é falado”, o particípio passado do verbo fari, “falar”, em francês resulta em fée, no italiano em fata, no espanhol em hada, todas as palavras significando “fada” e contendo conotações ligadas ao fado; (WARNER, 1999, p. 40)

Em alguns contos de Perrault, elas desempenham ações benéficas, ajudando e premiando suas protegidas, como Cinderela ou a princesa Pele de Asno; em outros, porém, aproximam-se mais da função de juíza que da de ‘fada madrinha’, como se pode observar em “Riquete do Topete” e “As Fadas”. Não nos esqueçamos ainda que, em “A Bela Adormecida do Bosque”, a fada excluída do banquete surge a fim de se vingar da desonra sofrida, lançando a maldição da morte sobre a princesinha recém-nascida.

O revés da fada é o ogro, responsável por realizar feitos que o inserem no território do malefício, vencido, ao final, pelo herói. Arlette Bouloumié desenvolve um estudo profícuo sobre esta personagem na literatura, iluminando o fato de Perrault chamar sua obra de “Contos de Fadas e Ogros” (2000, p. 755), figura presente em “O Pequeno

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Polegar” e “O Mestre Gato ou O Gato de Botas”, com uma correspondente feminina, a ogra, em “A Bela Adormecida do Bosque”. A personagem do lobo, em “Chapeuzinho Vermelho”, é também uma espécie de ogro destruidor, conto sem caçador à espreita para salvar avó e neta das entranhas do animal, como ocorre na narrativa dos irmãos Grimm.

Elementos maravilhosos povoam as histórias, com animais falantes, objetos mágicos, metamorfoses. Há a chave de Barba Azul, a varinha das fadas, a transformação do ogro de “O Mestre Gato” e a bota de sete léguas, que permite deslocamentos inexplicáveis segundo a ordem do senso comum.

Faz parte do maravilhoso, a maneira instantânea, o “passe de mágica” que soluciona os problemas mais difíceis ou satisfaz os desejos mais impossíveis. Tais soluções atendem, sem sombra de dúvida, a uma aspiração profunda da alma humana: resolver, de maneira mágica ou por um golpe de sorte, os problemas insuperáveis ou conquistar algo aparentemente inalcançável. (COELHO, 2000, p. 178)

O maravilhoso, portanto, está presente nas narrativas da tradição. Para a significação do termo, reportamo-nos a Tzvetan Todorov, que distingue fantástico, estranho e maravilhoso. O primeiro é definido como “a hesitação experimentada por um ser que só conhece as leis naturais, em

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face de um acontecimento aparentemente sobrenatural” (1992, p. 31). Para este estudioso, se os acontecimentos sobrenaturais recebem uma explicação lógica e racional ao final da história, desfazendo-se todo o conteúdo extraordinário, estamos no território do ‘estranho’. O maravilhoso, ao contrário, aceita o sobrenatural sem questionamentos, gênero marcado por eventos sobrenaturais que não despertam qualquer estranheza em personagens ou leitores e está presente em muitos contos da tradição. Sua manifestação associa-se a vários tipos de ocorrência.

Relaciona-se geralmente o gênero maravilhoso ao conto de fadas; de fato, o conto de fadas não é senão uma das variedades do maravilhoso e os acontecimentos sobrenaturais aí não provocam qualquer surpresa: nem o sono de cem anos, nem o lobo que fala, nem os dons mágicos das fadas (para citar apenas alguns elementos dos contos de Perrault). (TODOROV, 1992, p. 60)

Para Jacques Le Goff, historiador medievalista, o significado do termo remete a imagens e metáforas relacionadas à visão: “Os mirabilia não são naturalmente apenas coisas que o homem pode admirar com os olhos, coisas perante as coisas se arregalam os olhos” (1990, p.18). A experiência do maravilhoso explica-se pela reação de espanto face à inapreensibilidade do significado do acontecimento, reflexo do deslumbramento diante de um inexplicável

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incorporado àquele universo, estabelecendo uma relação de estranhamento e de cumplicidade. O contexto em que Le Goff analisa o maravilhoso remete às novelas de cavalaria em que as personagens deparam-se com eventos sobrenaturais, em princípio inexplicáveis, como se vê em A Demanda do santo Graal.

Recorrendo a Tolkien (2006), escritor cujas narrativas estão imersas no cenário do maravilhoso, observa-se que ele caracteriza esse mundo imaginário, encantatório, como o Belo Reino, espaço de sonho que pode abrigar a existência das fadas e do sobrenatural. Para Tolkien, os contos de fadas carecem, porém, de ser apresentados como verdadeiros: “Mas, visto que a história de fadas trata de “maravilhas”, ela não pode tolerar qualquer moldura ou maquinaria que dê a entender que toda narrativa em que ocorrem é uma ficção ou ilusão.” (2006, p. 20-21). Garante-se, portanto, o pacto estabelecido entre narrador e leitor, “a suspensão voluntária da incredulidade”, diluindo-se o estranhamento: o leitor ou ouvinte mergulha naquele universo impregnado pela maravilha, mas, “No momento em que surge a incredulidade, o encanto se rompe; a magia, ou melhor a arte, fracassou.” (TOLKIEN, 2006, p. 44). Como explica Umberto Eco:

A norma básica para se lidar com uma obra de ficção é a seguinte: o leitor precisa aceitar tacitamente um acordo ficcional, que Coleridge chamou de “suspensão da descrença”. O leitor tem de saber que o

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que está sendo narrado é uma história imaginária, mas nem por isso deve pensar que o escritor está contando mentiras. (2004, p.81)

Na Literatura Infantil ou mesmo Juvenil, a passagem do real ao imaginário não causa grandes surpresas, talvez por estar consagrada pelo tempo. A própria expressão “Era uma vez” – que tem seu correlato em outras línguas, como Once upon a time, em inglês, e Érace una vez, em espanhol - remete ao tempo mítico, projetando seu leitor em um universo que se afasta da cotidianidade. Penetra-se, quase que automaticamente, em um cenário com castelos, florestas, reis, rainhas e princesas à espera de seu príncipe encantado...

2. VERISMO

Para Nelly Novaes Coelho, a linha fantasista caracteriza a literatura infantil desde sua origem, no Século XVII, mantendo-se durante o Romantismo, “quando o maravilhoso dos contos populares é definitivamente incorporado ao seu acervo” (2000, p. 53). Este momento também se caracteriza por obras centradas no realismo cotidiano, a fim de garantir a transmissão dos valores burgueses através das histórias direcionadas às crianças:

À medida que o homem avança no conhecimento científico do mundo, e começa a explicar os fenômenos pela razão ou pelo pensamento lógico, também vai exigir da literatura uma atitude científica

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que possa representar a verdade do real. (COELHO, 2000, p.52).

É ainda no Século XIX que o Realismo se impõe, defendendo a centralidade no conhecimento ‘positivo’, científico da realidade, tendência que se arrasta até os meados dos anos 60 do Século XX, quando alguns fenômenos começam a escapar à apreensão racional, pautada na lógica e no pensamento científico.

Regina Zilberman destaca a década de 70, no Século XX, como o período de renovação na Literatura Infantil e Juvenil brasileira, graças ao aparecimento de bons novos autores e “da adoção de um programa de perspectiva realista na criação dos textos, ao mostrar a vida ‘tal qual é’ ao leitor mirim” (2003, p. 195). Pode-se considerar que predomina na narração de cunho mais realista a apresentação das coisas que realmente existem no mundo cotidiano, empírico, onde “uma raposa é uma raposa, enquanto que uma menina é uma menina. Uma e outra não coincidem” (HELD, 1980, p. 25). Para Zilberman, o predomínio do verismo evidencia a preocupação de reproduzir, o mais fielmente possível, a realidade, retratando – e denunciando - os problemas da sociedade brasileira urbana, em que afloram profundas desigualdades econômicas e culturais. Esta escritora, porém, chama a atenção para um detalhe que evidencia sua crítica:

se faltam à criança um senso do real mais desenvolvido, vivências mais profundas e um conhecimento que lhe permita

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decodificar apropriadamente sua circunstância, não se pode esperar que uma literatura infantil rigorosamente realista preencha o efeito desejado, pois para tanto teria de contar com o que ainda não existe. (2003, p. 200)

Na literatura contemporânea destinada ao público infantil e juvenil, observa-se a irrupção do maravilhoso em muitas obras, algumas inclusive levadas às telas do cinema. Na literatura brasileira, voltada para o público citado, fantasia e realidade caminham muitas vezes de mãos dadas. A contemporaneidade abole, de certa forma, visões polares e maniqueístas, consagrando a relatividade que já vinha sendo fomentada em períodos anteriores. Assim, “Hoje as duas tendências [realista e fantasista] coexistem igualmente poderosas e vivas (ora separadas, ora fundidas no realismo mágico ou na ficção científica), tanto na literatura adulta como na infantil.” (COELHO, 2000, p.54).

3. LYGIA BOJUNGA

É inquestionável o valor literário da obra de Lygia Bojunga, o que se confirma pela obtenção de vários prêmios, dentre eles o Hans Christian Andersen – IBBY, obtido em 1982, e o ALMA - Astrid Lindgren Memorial Award, em 2004, ambos recebidos pelo conjunto de sua obra. Dentre os vários livros escritos por Lygia Bojunga, nosso olhar deter-se-á em dois, A bolsa amarela, de 1976, e Meu amigo pintor, de 1987,

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observando-se em que medida maravilhoso e verismo encontram-se nos dois textos da escritora.

A bolsa amarela é já considerada um “clássico”. Seu enredo focaliza as aventuras – e desventuras iniciais – de Raquel, protagonista da história que, em focalização autodiegética, vai narrando episódios ligados a sua vida. Raquel é a caçula de uma família composta pelos pais e quatro filhos - um rapaz, duas moças e ela, ainda criança. Caracterizando a produção da escritora, Marisa Lajolo e Regina Zilberman afirmam que

As personagens dessa autora vivem, no limite, crises de identidade: divididas entre a imagem que os outros têm delas e a autoimagem que irrompe de seu interior, manifestando-se através de desejos, sonhos e viagens, os livros de Lygia registram o percurso do protagonista em direção à posse plena de sua individualidade. (1985, p.158)

A narrativa de Bojunga dispensa as caracterizações iniciais em que se apresentam, de modo direto, os elementos narrativos. O leitor é enredado por uma intriga que o lança em meio aos conflitos narrativos: o início do primeiro capítulo traz as vontades da protagonista, desejos que se justificam face à problemática existencial vivenciada pela menina, silenciada em sua expressão pelos mais velhos, que também restringem sua livre ação: tal como Terrível, o galo de pensamento costurado para se fixar em apenas um objetivo – brigar para

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enriquecimento dos donos -, Raquel é incentivada a um comportamento de obediência e submissão, ainda que só se dobre às exigências quando não lhe resta alternativa. Suas vontades são: crescer, deixando de ser criança e, obviamente, prescindindo da tutela a que a submetem; ter nascido menino, uma vez que reconhece a prevalência deste gênero na organização de poder e no exercício de autonomia; escrever, manifestando o desejo de criar através da palavra, tornando-se escritora.

Na história de Raquel não aparece “fada madrinha” alguma para auxiliá-la a enfrentar suas dificuldades. Há uma bolsa, amarela, onde a protagonista consegue “esconder” suas vontades da curiosidade alheia, preservando-se de críticas e censuras que recebe. A bolsa, que intitula a obra, é uma espécie de inconsciente acionado pela imaginação da menina: lá, além das vontades e de outras pequenas coisas, moram Afonso, um galo falante; o Alfinete de Fralda, que se comunica riscando na mão da menina o que deseja expressar; a Guarda-chuva enguiçada, cuja fala precisa ser traduzida por Afonso. Há ainda Terrível, o galo de briga que, contra a sua própria vontade, permanece temporariamente na bolsa, forma encontrada por Afonso, outro galo. para preservá-lo da morte que adviria no confronto com Crista de Ferro, um galo de briga muito mais forte.

De certa forma, a bolsa amarela, com suas personagens, representa o espaço de permanência do

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maravilhoso. Há animais falantes e objetos antropomorfizados que com vida própria vão tecendo histórias, estabelecendo uma relação dialógica com Raquel. Gradativamente, a menina reestrutura seus paradigmas – começa a “pensar diferente”, como aparece explicitado no título do nono capítulo -, o que ocorre também em função do contato com uma estrutura familiar diversa da sua, na Casa dos Consertos, em que predominam a igualdade e o respeito entre seus membros - pai, mãe, filha e avô.

Paralelamente a esse mundo mágico, alimentado pela fantasia de Raquel, há a denúncia de injustiças na representação do espaço social narrativo, como as diferenças econômicas existentes entre a família nuclear de Raquel e a de tia Brunilda, destacando-se o poder abusivo centrado nas mãos dos adultos e a coerção à liberdade de pensamento. Através de uma narrativa que privilegia o ponto de vista infantil – como já foi citado, Raquel ocupa a função de narrador autodiegético -, apresentam-se os sentimentos da menina frente às vivências que ela experimenta, o que lhe permite reelaborar seu mundo interno e, ao final, reestruturar-se. Dos três desejos, permanece apenas um, o de ser escritora.

Meu amigo pintor tematiza a amizade entre um menino e um vizinho pintor que se suicida, questão por demais delicada – e até mesmo polêmica – para uma narrativa destinada a um público não adulto, não fosse o tratamento

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literário primoroso que o tema recebe na escritura de Bojunga. A obra foi originalmente publicada em 1983 sob a forma de cartas, Sete cartas e dois sonhos, adaptada para o teatro e encenada em 1985, com o título O pintor.

O livro apresenta nove capítulos cujos títulos são dias da semana, à guisa de um diário não cronológico, narrativa também em primeira pessoa, orientada por um narrador infantil, protagonista da história: Cláudio. A estrutura narrativa vai se construindo entre a memória das experiências do vivido, em especial com o amigo pintor (palavras deliberadamente grafadas com maiúsculas, a partir do segundo capítulo), e a tentativa de estruturar um significado para o suicídio dele, decorridos já três dias no primeiro capítulo. Na linha do verismo, a representação de um mundo considerado “real” configura-se na obra, denunciando-se: os desconcertos sociais, como a crendice de que suicida vai para o inferno – dito à queima roupa para um chocado Cláudio; as ideias cristalizadas em torno de algum tema, impedindo a relatividade, a pluralidade e a instauração do novo; a perseguição política à época da ditadura; o amor e suas diferentes nuances e relações; o valor estético da criação artística. Costurando toda a obra, a “leitura” de mundo realizada por Cláudio através da cor, aprendizagem de significação cuja mola mestre foi o amigo pintor: surgem o amarelo contente e o amarelo síndico, o silêncio dolorido do branco, o vermelho da paixão e da cor-de-saudade, o marrom de chateação...

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Dentro deste cenário, parece que o maravilhoso se extingue completamente. Pode se dizer que sim, mas prefiro considerar que há um maravilhoso que se executa – qual partitura musical – no sonho. Há o relato de dois sonhos de Cláudio que conferem um sentido à aparente falta de sentido do suicídio do amigo. Convém destacar que Clarice, a amada do pintor, também vive às voltas com as mesmas interrogações - por quê? por quê? por quê? – do menino: na carta que o pintor lhe deixara havia apenas um buquê de flor e um pedido de desculpas, elementos que não permitiam a Clarice configurar uma simples explicação, sequer plausível.

Retornando aos sonhos, eles acontecem no quarto e sétimo capítulos. No quarto, Cláudio sonha que está em um teatro, com cortina cor-de-saudade, quando aparecem três figuras, uma branca e duas azuis, semelhantes a uma das pinturas existentes no álbum que o amigo lhe havia dado. A branca é o pintor, atuando como fantasma; as outras duas representam o coro. O menino, ao perceber o amigo, dá vazão ao choro, que cessa com a reclamação do público por a peça não começar. Ele é chamado ao palco e, para acalmar a plateia, começa a contar a história daquele fantasma recém-morrido: a construção da narrativa permite que o protagonista elabore uma explicação para o suicídio através da metáfora do nevoeiro. No segundo sonho, o menino vê também as três figuras, que agora representam as três paixões do pintor: Dona Clarice, a Pintura e a Política, as duas últimas personificadas. No sonho, as três se integram, o que

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significa a possibilidade de paz e felicidade – “para sempre” – do pintor. Essa garantia de que o amigo está feliz tranquiliza Cláudio que, ao final da narrativa, desenvolve uma perspectiva de compreensão dos diferentes “lados” do amigo, tal qual a última pintura do álbum que recebera.

O material onírico afasta-se da lógica do senso comum que comanda o viver cotidiano, aproximando-se do fantástico. O sonho funde realidades, instaurando novas, ainda que tenha raiz nas experiências diárias. A abertura ao inconsciente permite o encontro das respostas no mais fundo do ser, função também exercida pelos contos de fadas, como atestou o psicanalista Bruno Bettelheim ao focalizar a importância desse tipo de narrativa:

Na verdade, em um nível manifesto, os contos de fadas ensinam pouco sobre as condições específicas da vida na moderna sociedade de massa; estes contos foram inventados muito antes que ela existisse. Mas através deles pode-se aprender mais sobre os problemas interiores dos seres humanos e sobre as soluções corretas para seus predicamentos em qualquer sociedade, do que com qualquer outro tipo de história dentro de uma compreensão infantil. (2002, p.13)

Ao lado de uma abordagem realista do viver, o maravilhoso habita, pois, as duas obras citadas de Lygia

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Bojunga, apenas metamorfoseado pela mestria da escritora em tempos outros.

4. CONCLUSÃO

Na busca de definir o fantástico, Jacqueline Held afirma que “se o fantástico se opõe ao real, será fantástico o que for ‘criado pelo espírito, pela fantasia’” (1980, p.23) de alguém. Considera como imersos nesse clima os contos de fadas tradicionais, citando Perrault, Grimm e Andersen, narrativas onde se movimentam fadas, gênios, bruxas e sereias. Held passa, então, a questionar o que é real e o que é irreal: “o fantástico seria o irreal no sentido estético daquilo que é apenas imaginável; o que não é visível aos olhos de todos, que não existe para todos, mas que é criado pela imaginação, pela fantasia de um espírito” (1980, p.25). Para ela, a narração “realista” nos interessa e nos toca porque apresenta talvez a realidade, mas também porque toda realidade é modelada pelo sonho, e recriada pelo autor, é ficção. A autora citada questiona a existência de um “fantástico puro” que nos apresentaria apenas o desconhecido, sem ponto de contato com a realidade cotidiana do leitor: “a obra fantástica, assim como qualquer outro gênero literário, encontra sua fonte numa experiência cotidiana, com personagens conhecidos, acontecimentos vividos” (1980, p.28). Afirma ainda que o fantástico “é feito de insólito, e o insólito ‘para nós’ poderá muito bem ser a realidade comum dos outros” (1980, p.29). Propõe a “polissemia do fantástico”, suscetível de várias

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leituras, oscilando entre real e imaginário, mistura de insólito e de cotidiano.

Em Bojunga, encontramos uma articulação entre esses diferentes planos. O maravilhoso habita o território da fantasia e do sonho, mundo encantado em que se deslocam seus protagonistas a partir de um contexto social encravado na realidade. Suas personagens situam-se num espaço social mais próximo da realidade cotidiana, ainda que as narrativas recuperem certa ambiência que caracterizava os contos de fadas através do aparecimento de situações insólitas ou imaginárias.

Regina Zilberman, na esteira dos pesquisadores alemães Dieter Richter e Johannes Merkel, vinculados ao estudo de uma Literatura Infantil progressista, destaca o poder da fantasia que, na concepção desses autores, não seria apenas compensatória, mas uma forma de transformar a realidade vivida como opressiva: “O exemplo oferecido é o do conto de fadas, cuja propagação deu-se durante o feudalismo, quando refletia o anseio da camada popular inferiorizada de se libertar de seus opressores.” (ZILBERMAN, 2003, p. 201). A escritora atribui à fantasia criadora funções que o verismo restrito não alcança, analisando algumas estratégias ficcionais com o objetivo de que a fantasia ultrapasse a função compensatória para ser emancipadora, “conduzindo a atenção da criança à discussão dos valores que a circundam e,

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concomitantemente, assentando-se na realidade imediata percebida pelo leitor” (2003, p. 203).

O maravilhoso permite que o ser humano saia de sua inserção comum, rotineira e penetre a ficção, o fingimento, o poder ser: “Elas [as narrativas dos contos de fadas] abrem uma porta para Outro Tempo e, se a atravessarmos, nem que seja por um momento, estaremos fora de nosso tempo, talvez fora do próprio Tempo.” (TOLKIEN, 2006, p. 39). A narrativa impregnada de maravilhoso “reúne, materializa e traduz todo um mundo de desejos: Compartilhar a vida animal, libertar-se da gravidade, tornar-se invisível, mudar seu tamanho e – resumindo tudo isso – transformar à sua vontade o universo” (HELD, 1980, p.25). Por sua vez, as narrativas maravilhosas oportunizam o contato com realidades outras, inclusive as internas que são, algumas vezes, bastante desconhecidas e inconscientes ao ser:

Um conto convida a psique a sonhar com alguma coisa que lhe parece familiar, mas em geral tem suas origens enraizadas no passado distante. Ao mergulhar nos contos, os ouvintes reveem seus significados, “leem com o coração” conselhos metafóricos sobre a vida da alma. (ESTÉS, 2005, p.12-13)

Lygia Bojunga é escritora contemporânea imersa em vivências do mundo em que se situa e do qual dificilmente conseguiria se apartar. Navega articulando diferentemente o maravilhoso e o verismo em suas criações literárias,

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revitalizando o gênero narrativo na Literatura Infantil e Juvenil. Suas narrativas são universais, não apenas porque abordam temas e problemáticas concernentes à dimensão humana, mas também pelo fato de poderem ser lidas, sob diferentes pontos de vista, por um público infanto-juvenil ou adulto. As obras de Bojunga transcendem em dimensão artística e humana, concorrendo para a emancipação do leitor a partir dos questionamentos que suscitam e da tomada de consciência que promovem durante a aventura da leitura – rima que se justifica ao fim e ao cabo deste trabalho.

5. REFERÊNCIAS

BETTELHEIM, Bruno. A psicanálise dos contos de fadas. São Paulo: Paz e Terra. 1980.

BOJUNGA, Lygia. A bolsa amarela. Rio de Janeiro: Objetiva. 2002.

______. O meu amigo pintor. Rio de Janeiro: José Olympio.

2002.

BOULOUMIÉ, Alette. O ogro na literatura. In: BRUNEL, Pierre (org.). Dicionário de mitos literários. Rio de Janeiro: José Olympio. 2000.

BRANDÃO, Junito de Souza. Mitologia grega. v.1. Petrópolis, RJ: Vozes. 2002.

COELHO, Nelly Novaes. Literatura infantil: teoria – análise – didática. São Paulo: Moderna. 2000.

ECO, Umberto. Seis passeios pelos bosques da ficção. 8.reimp. São

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Paulo: Companhia das Letras. 2004.

ESTÉS, Clarissa Pinkola. A Terapia dos Contos. GRIMM. Contos dos irmãos Grimm. Editado, selecionado e prefaciado pela Drª Clarissa Pinkola Estés; ilustrado por Arthur Rackham; tradução de Lya Wyler. Rio de Janeiro: Rocco, p.11-29. 2005.

LAJOLO, Marisa; ZILBERMAN, Regina. A literatura infantil brasileira – História e histórias. São Paulo: Ática. 1985.

HELD, Jacqueline. O imaginário no poder: as crianças e a literatura fantástica. São Paulo: Summus. 1980.

LE GOFF, Jacques. O maravilhoso e o quotidiano no ocidente medieval. Lisboa: Edições 70. 1990.

PERRAULT, Charles. Contos de Perrault. Belo Horizonte: Itatiaia. 1989.

TODOROV, Tzvetan. Introdução à literatura fantástica. 2 ed. São Paulo: Perspectiva. 1992.

TOLKIEN, J. R. R. Sobre histórias de fadas. São Paulo: Conrad. 2006.

WARNER, Marina. Da fera à loira: sobre contos de fadas e seus narradores. São Paulo: Companhia das Letras. 1999.

ZILBERMAN, Regina. A literatura infantil na escola. São Paulo: Global. 2003.

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PERFIL DOS AUTORES Agildo S. S. de Oliveira

Graduado em Letras, mestrando em Letras: Linguagens e Representações UESC, desenvolve pesquisas, desde a iniciação científica, sobre os manuais didáticos como divulgadores científico Contato: [email protected]

Carolina Oliveira Azevedo

Carolina Oliveira Azevedo: Graduada em Letras pela Universidade Estadual de Santa Cruz (UESC-Ilhéus-BA), e, atualmente, é estudante do mestrado em Letras: Linguagens e Representações, na mesma universidade. Contato: [email protected]

Claudio Manoel de Carvalho Correia

Doutor em Comunicação e Semiótica pela PUC-SP e mestre em Linguística pela UERJ. Professor Adjunto do Departamento de Comunicação Social da Universidade Federal do Amazonas – DECOM / UFAM, e professor do Programa de Pós-Graduação em Ciências da Comunicação – PPGCCOM / UFAM. É o 2º líder do grupo MEDIAÇÃO, grupo de pesquisa em Semiótica da Comunicação e membro do grupo SELEPROT. Contato: [email protected]

Darcilia Simões

Pesquisadora do CNPq - Nível 2. PROCIENTISTA (UERJ – Instituto de Letras). Professora Associada de Língua Portuguesa da UERJ. Pós-doutora em Linguística (UFC, 2009) e em Comunicação & Semiótica (PUC-SP, 2007); Doutora em Letras Vernáculas (UFRJ, 1994), Mestra em Letras (UFF, 1985). Líder do Grupo de Pesquisa Semiótica,

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Leitura e Produção de Textos (SELEPROT). Coordena o GT Ensino e Aprendizagem na Perspectiva da Linguística Aplicada — EAPLA (ANPOLL – 2012-2014). Contato: http://darciliasimoes.blogspot.com.br/. Contato: [email protected]

Diego Braga Toledano

Estudante acadêmico de Jornalismo pela Universidade Federal do Amazonas (UFAM); Membro discente do Grupo de Pesquisa Mediação, grupo de pesquisa em Semiótica de Comunicação. Contato: [email protected]

Gessilene Silveira Kanthack

Doutora em linguística pela Universidade Federal de Santa Catarina e professora titular da Universidade Estadual de Santa Cruz (UESC-Ilhéus-BA). Contato: [email protected]

Gisélia Brito dos Santos

Doutoranda da Pós-graduação em Letras e Linguística da Universidade Federal de Goiás, na área de Fonética e Fonologia. Realizou estágio de Doutorado Sanduíche (PDDE/CAPES) de fevereiro a julho de 2011 na Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa. Mestre em Letras e Linguística pela Universidade Federal de Goiás (2009). Especialista em Perspectivas Críticas da Literatura Contemporânea (2007) pela Universidade Estadual do Maranhão. Graduada Licenciatura Plena em Letras Português e Inglês pela Universidade Estadual do Maranhão (2004). Contato: [email protected]

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Marcia Meurer Sandri

Mestre em Língua Portuguesa pela UERJ, possui Especialização em Metodologia da Educação Superior e Especialização em Perspectivas da Crítica Literária Contemporânea, graduação em LETRAS Licenciatura com Habilitação em Língua Portuguesa, Língua Inglesa e Respectivas Literaturas pela Universidade Estadual do Maranhão (2004). Atualmente é Chefe de Departamento do Curso de Letras e Professor Assistente de Língua Portuguesa da Universidade Estadual do Maranhão no município de Balsas. Atua também como professora de Língua Portuguesa no Ensino Médio do Estado do Maranhão. Tem experiência na área de Letras, com ênfase em leitura e produção textual. Contato: [email protected]

Maria Célia Dias de Castro

Doutora em Letras e Linguística, UFG (2012). “Doutorado Sanduíche" (CAPES), na UL, Portugal (2010). Profa. Adjunta da UEMA/CESBA. Pesquisas em Linguística Histórica, atuando nos seguintes temas: Toponímia, municípios maranhenses, região de Balsas-MA, sertanejo, língua, cultura e História. E-mail: [email protected]

Maria D´Ajuda Alomba Ribeiro

Doutora em Linguística Aplicada pela Universidade de Alcalá de Henares-Espanha. Professora adjunta do Departamento de Letras e Artes (DLA), docente e coordenadora do programa de Mestrado em Letras: Linguagens e

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Representações e do projeto de extensão “Português como Língua Estrangeira” da Universidade Estadual de Santa Cruz (UESC). E-mail: [email protected]

Patrícia Kátia da Costa Pina

Pós-Doutora em Letras Vernáculas (UFRJ, 2010). Lidera o GPLEC (CNPq), Grupo de Pesquisa em Leitura, Cultura e Formação Docente. É Pesquisadora da CAPES/LIFE. É Consultora Ad Hoc da CAPES. É Professora Titular de Literatura Brasileira da UNEB, DCH VI, Caetité-Bahia. Professora permanente do Programa de Pós-Graduação em Crítica Cultural (Mestrado), UNEB, Campus II. http://lereconversar2013.blogspot.com.br/ E-mail: [email protected].

Paulo Osório

Professor Associado com Agregação na Universidade da Beira Interior (Covilhã, Portugal). É autor de diversos livros e inúmeros artigos no âmbito da Linguística e orienta, na mesma área, várias teses de mestrado e de doutoramento. E-mail: [email protected]

Regina Michelli

Professora associada da UERJ, área de Literatura Portuguesa, desenvolvendo pesquisas e pós-doutoramento em Literatura Infantil e Juvenil (USP). E-mail: [email protected]

Ricardo Joseh Lima

Doutor em Linguística pela UFRJ (2003) e atua como docente da UERJ desde 2002. Realizou pesquisas na área de afasias e atualmente tem focado seu trabalho na divulgação científica de

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ideias contra o preconceito linguístico, no programa de extensão que coordena. É orientador de graduação e pós-graduação. E-mail: [email protected]

Ricardo Tupiniquim Ramos

Licenciado em Letras Vernáculas com Inglês pela Universidade Católica do Salvador (1997), Mestre e Doutor em Letras pela Universidade Federal da Bahia (1999 e 2008), Professor-Assistente do Departamento de Ciências Humanas do campus VI (Caetité) da Universidade do Estado da Bahia, Sócio do Círculo Fluminense de Estudos Filológicos e Linguísticos. http://lereconversar2013.blogspot.com.br/ E-mail: [email protected]

Rosane Reis de Oliveira

Doutoranda em Língua Portuguesa da UERJ (2010-2013). Mestra em Língua Portuguesa pela UERJ (2009); Pós-graduada em LP pelo Liceu Literário Português (2005). Pesquisadora do Grupo de Pesquisa Semiótica, Leitura e Produção de Textos (SELEPROT/CNPq). Foi bolsista da CAPES para Mestrado (2007-2009) e da FAPERJ para Doutorado. Diretora do Dinâmico Centro de Ensino e do Redação Dinâmica. E-mail: [email protected]

Sandra Marina Gonçalves

Licenciada em Língua e Cultura Portuguesa pela Universidade da Beira Interior (Covilhã, Portugal) e doutora em Estudos Portugueses pela FCSH da Universidade Nova de Lisboa. E-mail: [email protected]

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Vânia Lúcia M. Torga

Doutora em Linguística pela UFMG, professora Adjunta da UESC, docente da graduação em Letras e do Mestrado em Letras: Linguagens e Representações/UESC, coordenadora do ProeD. E-mail: [email protected]


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