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C O M E N T Á R I O B Í B L I C O f l I O S ANTIGO TESTAMENTO
-
••.. .. :
Walton, John H„ 1952- Comentário bíblico Atos: Antigo Testamento /
John H. Walton, Victor H. Matthews,
Mark W. Chavalas; [tradutor Noemi Valéria Altoé]. - Belo Horizonte:
Editora Atos, 2003.
Título original: The IVP Bible background commentary: Old
Testament. Bibliografia. ISBN 85-7607-025-1
_
índices para catálogo sistemático: 1. Antigo Testamento: Bíblia:
Comentários 221.7 2. Comentários: Antigo Testamento: Bíblia
221.7
Comentário Bíblico Atos — Antigo Testamento Copyright © 2003
Editora Atos
Tradução de The IVP Bible Background Commentary: , Copyright © 2000
p o r John H. Walton, Victor . The IVP B ible Background Commente ,
Walton e Victor H. M atthews
Noemi Valéria Altoé da $ij
Supervisão dt Walkyria F reitar*
Revisão ( '\ { We) Nems Lima
'ayfe Vilas Boas
1euteronomy © 1997 p o r John H.
Projeto grá fico Rodrigo Ortega
Julio Carvalho
Editora Atos Ltda. (11) 33123330 Caixa Postal 402 30161-970 Belo
Horizonte MG www. editoraatos. com. br
Sumário
Pentateuco: Introdução
.......................................................................................................................
21
GÊNESIS
..............................................................................................................................................
27 A mitologia do Antigo Oriente Próximo e o Antigo Testamento
................................................ 30 Relatos
diluvianos do Antigo Oriente Próximo
............................................................................
36 A religião de A braã o
.........................................................................................................................
45 Principais rotas de comércio no Antigo Oriente Próximo
...........................................................
70
ÊXODO
................................................................................................................................................
77 A data do Êxodo
...............................................................................................................................
86 M a p a
..................................................................................................................................................
87
LEVÍTICO
.............................................................................................................................................
121 NÚMEROS
...........................................................................................................................................147
JUÍZES
...................................................................................................................................................
249 Contexto político na Idade do Ferro Antiga
...................................................................................269
RUTE
.....................................................................................................................................................
285 1 SAM
UEL.............................................................................................................................................291
2 SA M U
EL.............................................................................................................................................333
I R E I S
.....................................................................................................................................................367
2 R E IS
.....................................................................................................................................................
397 As campanhas de Tiglate-Pilese III no Ocidente, 734-732
......................................................... 415
1 CRÔNICAS
......................................................................................................................................
425 Significado das genealogias no período Pós-Exílio
........................................................................425
2 CRÔNICAS
......................................................................................................................................
433 As inscrições de Senaqueribe
........................................................................................................467
L á q u is
.................................................................................................................................................468
ESD RA
S.................................................................................................................................................473
SALMOS
...............................................................................................................................................
539 PROVÉRBIOS
.......................................................................................................................................579
ECLESIASTES.......................................................................................................................................
591 CÂNTICO DOS CÂNTICOS
...........................................................................................................597
JEREMIAS
.............................................................................................................................................
663 Selos e bulas
.......................................................................................................................................668
LAMENTAÇÕES DE JEREMIAS
....................................................................................................
707 Lamentos pela queda de cidades no mundo an tigo
.........................................................................708
EZEQUIEL.............................................................................................................................................
711 D AN
IEL..................................................................................................................................................751
A G EU
......................................................................................................................................................825
ZACARIAS
...........................................................................................................................................827
Literatura apocalíptica
.....................................................................................................................
828 Resumo das relações entre a construção do templo e as visões de
Zacarias ................................832
MALAQUIAS
......................................................................................................................................
840
Prefácio da edição em inglês
Esta obra tem o objetivo de preencher uma lacuna existente no vasto
campo dos comentários bíblicos. Em vez de abordar os variados
aspectos da teologia, da estrutura literária, do signi ficado das
palavras, da história da erudição e assim por diante, nosso desafio
principal foi oferecer informações sobre os contextos histórico,
geográfico e cultural do Antigo e do Novo Testamento.
Alguns talvez questionem até que ponto as informações relacionadas
a esses contextos são importantes para a interpretação do texto. O
que esperamos proporcionar ao leitor a partir das informações
contidas nesse comentário? Tem sido corretamente demonstrado que o
conteúdo teológico da Bíblia não depende do conhecimento de
localidades geográficas ou do contexto cultural. Também é correto
afirmar que é possível reunir todas as evidências históricas e
arqueológicas que, por exemplo, atestam a ocorrência do êxodo
israelita do Egito, sem, contudo, comprovar que Deus foi quem o
orquestrou - e certamente o envolvimento de Deus é o aspecto mais
importante para o autor do texto bíblico. Por que então, deveríamos
investir tanto tempo e esforço tentando entender o contexto
cultural, histórico, geográfico e arqueológico de Israel?
O objetivo desta obra não é apologético, embora algumas das
informações aqui apresen tadas possam ser usadas em discussões
nesse campo. No entanto, não foi o interesse apologético que
orientou nossa seleção e apresentação dos dados. Em vez disso,
procuramos lançar luz sobre a cultura e a cosmovisão israelitas.
Por quê? Quando lemos a Bíblia sob a ótica da fé, queremos extrair
do texto o máximo de conteúdo teológico possível. Como resultado,
as pessoas tendem a enxergar significados teológicos até mesmo nos
detalhes. Se não estiver mos atentos às diferenças existentes
entre nossa maneira de pensar e a maneira de pensar do povo hebreu,
estaremos inclinados a fazer uma leitura do texto bíblico com base
em nossas próprias perspectivas e visão de mundo, na tentativa de
entender seu significado teológico. O vasto mundo do antigo Oriente
Próximo torna-se significativo na medida em que, muitas vezes,
serve como janela para a cultura israelita. Ao oferecer uma
compreensão correta do modo de pensar israelita ou do antigo
Oriente Próximo, as informações contidas neste livro podem evitar
algumas conclusões equivocadas por parte do estudioso. Assim, por
exemplo, o significado teológico da coluna de fogo ou do bode
expiatório ou o uso do Urim e Tumim pode ser interpretado de uma
nova forma, a partir de sua relação com a cultura geral do antigo
Oriente Próximo.
Não limitamos a identificação das relações de similaridade apenas a
períodos precisamen te definidos. Reconhecemos plenamente que a
ocorrência de alguma característica cultural na cidade de Ugarit,
em meados do segundo milênio pode não ter nenhuma relação com a
maneira de pensar dos israelitas que viveram em meados do primeiro
milénio. Não obstante, nosso interesse, muitas vezes, foi
simplesmente mostrar a existência de certas idéias ou con ceitos
nas culturas do antigo Oriente Próximo. Há possibilidades de que
tais idéias possam representar aspectos da matriz cultural geral do
mundo antigo, por isso procuramos simples mente citá-las como
exemplos do tipo de pensamento existente no mundo antigo. Essas
informações, porém, devem ser usadas com cautela, porque não
podemos asseverar a exis tência de uma homogeneidade através das
eras ou entre as regiões ou grupos étnicos do antigo Oriente
Próximo. Seria o mesmo que falar atualmente de uma "cultura
européia", dada nossa consciência das diferenças significativas
entre italianos e suíços, por exemplo. Procuramos assim demonstrar
certa sensibilidade nessas questões, mas não impusemos limi tações
estritas sobre as informações oferecidas.
O assunto em questão não é se os israelitas adotaram ou não algumas
características de seus vizinhos. Não estamos procurando descobrir
uma linha literária, nem acreditamos que seja necessário comprovar
que os israelitas estivessem familiarizados com uma determina da
obra a fim de adotar temas similares. Evitamos o uso de termos como
"influência" ou "impacto" para descrever a maneira como as
informações eram partilhadas porque tenta mos destacar aqueles
elementos que podem simplesmente ter sido parte da herança cultu
ral do antigo Oriente Próximo. Essa herança pode estar refletida em
diversas obras literári as, mas os israelitas talvez não tivessem
conhecimento delas ou sofrido influência dessa lite ratura, que é
simplesmente uma parte da matriz cultural comum. O processo pelo
qual Deus se revelou a nós exigiu que Ele se irmanasse conosco,
assumisse a nossa humanidade e se expressasse numa linguagem e
através de metáforas familiares. Não devemos nos surpre ender
então, pelo fato de muitos elementos comuns da cultura da época
terem sido adotados, algumas vezes adaptados, outras totalmente
modificados, mas de qualquer forma, usados para cumprir os
propósitos de Deus. Na verdade, o contrário é que seria
surpreendente. Para haver comunicação, é preciso compartilhar de um
círculo de convenções e entendi mentos comuns. Quando falamos de
"horário de verão", presumimos que quem está nos ouvindo entenda
essa convenção estritamente cultural, sem necessidade de
explicação. Al guém de uma época ou cultura diferente, que não
tivesse o costume de ajustar o horário num determinado período do
ano, ficaria totalmente perdido quanto ao significado da ex
pressão e teria de familiarizar-se com nossa cultura a fim de
entendê-la. O mesmo acontece quando tentamos penetrar na literatura
israelita. Portanto, se a circuncisão deve ser enten dida no
contexto israelita, é útil entendê-la na forma como era praticada
no antigo Oriente Próximo. Se quisermos aquilatar o valor dos
sacrifícios em Israel, é bastante útil comparar e contrastar o que
representavam esses sacrifícios no mundo antigo. Embora algumas
vezes essa busca por conhecimento resulte em problemas difíceis de
serem resolvidos, permane cer na ignorância não significa que
esses problemas desapareceriam. Na maioria das vezes, novos
conhecimentos trazem resultados positivos.
As vezes, algumas das informações apresentadas são meras
curiosidades. Como profes sores, no entanto, temos aprendido que
grande parte de nossa tarefa é despertar em nossos alunos uma
curiosidade acerca do texto e então, procurar satisfazê-la, pelo
menos até certo nível. Nesse processo, quase sempre é possível dar
vida ao mundo bíblico, auxiliando-nos a sermos leitores atentos e
informados. Quando alguma informação é fornecida em um verbe te,
isso não significa necessariamente que ela irá ajudar a interpretar
a passagem; talvez esteja ali apenas para fornecer dados que possam
ser pertinentes à interpretação daquele trecho. Assim, as
informações encontradas no comentário sobre Jó 38 relacionadas às
imagens mito lógicas da criação no antigo Oriente Próximo não
estão sugerindo que o ponto de vista presente no Livro de Jó deva
ser considerado nos mesmos termos. Os dados estão ali simples
mente a título de comparação.
Esta obra é dirigida a um público leigo, e não tem a pretensão de
atender às comunidades acadêmica e erudita. Se fôssemos apresentar
notas de rodapé para cada uma das informações aqui apresentadas, de
maneira que nossos colegas pudessem verificar as fontes e as
publica ções originais, acabaríamos com uma obra em diversos
volumes, detalhada demais para ser usada por leigos, a quem
desejamos oferecer esse trabalho. Embora muitas vezes tenha sido
doloroso omitir referências bibliográficas de alguns periódicos e
livros, reconhecemos nossa dívida para com nossos colegas e
esperamos que as poucas referências bibliográficas ofereci das
possam conduzir o leitor interessado na consulta às fontes por nós
utilizadas. Além disso, procuramos agir com cuidado quanto à
autoria de idéias e informações, a fim de que fosse mantido um
padrão de integridade e ética. Outra conseqüência de adotarmos como
público-
9 PREFÁCIO DA EDIÇÃO EM INGLÊS
alvo o leitor leigo é que nossas referências às fontes primárias
foram, de certa forma, vagas. Em vez de citar a obra de referência
e a data de publicação, tivemos de nos contentar em dizer: "As leis
da Babilônia contêm..." ou "Os regulamentos hititas incluem..." ou
ainda "Os relevos egípcios mostram...". Conscientes de que o leitor
leigo geralmente não tem oportunidade nem interesse de procurar as
fontes, e sabendo que muitas citações seriam obscuras e inaces
síveis a esse tipo de leitor, concentramos nossos esforços em
fornecer informações pertinen tes, em vez de oferecer um roteiro
de pesquisa bibliográfica. Reconhecemos que isso poderá gerar uma
certa frustração naqueles que gostariam de seguir em busca de mais
informações. Só nos resta recomendar a essas pessoas que retomem a
bibliografia indicada e que, a partir daí, iniciem sua pesquisa.
Para auxiliar os leitores que não estão familiarizados com certos
termos que aparecem repetidamente, fornecemos um glossário no final
da obra. Os asteriscos (*) no texto indicam ao leitor quais os
termos que podem ser encontrados nesse glossário.
E possível que, ocasionalmente, algumas informações causem certa
confusão ao leitor leigo. Nosso objetivo foi apenas oferecer as
informações, sem entrar em detalhes sobre o modo como podem ser
usadas ou o que comprovam ou refutam. Muitas vezes, o leitor talvez
faça a seguinte pergunta: "Para que serve essa informação?". Em
muitos casos, para nada em especial, mas ter acesso àquele dado
específico pode evitar que alguém dê uma interpretação errada ao
texto bíblico. Por exemplo, informações concernentes à "redondeza
da Terra" citada em Isaías 40.22 (edição Revista e Atualizada)
podem não resolver os dilemas dos leito res em relação a como
considerar teologicamente o uso nas Escrituras das idéias do mundo
antigo quanto ao formato da Terra, mas darão ao leitor dados
suficientes para evitar a concep ção errônea de que o texto
bíblico contém, em suas entrelinhas, conceitos científicos moder
nos. De modo geral, mesmo que um dado específico não possa ser
aplicado a nenhum contex to, permitirá ao leitor um melhor
reconhecimento dos vários modos como Israel e o Antigo Testamento
refletem a herança cultural do antigo Oriente Próximo.
Referências bibliográficas sobre o contexto cultural do Antigo
Testamento
A relação a seguir fornece ao leitor algumas fontes importantes,
que consideramos úteis para o desenvolvimento das informações
apresentadas nesta obra. Não se trata de uma bibliogra fia
"básica", visto que algumas das referências alistadas são de
natureza bastante técnica e avançada. Tampouco pode ser considerada
uma bibliografia exaustiva - muitas obras impor tantes, até mesmo
de destaque, foram omitidas. Não obstante, essas podem ser
consideradas as principais obras de consulta, caso o leitor queira
obter mais informações sobre os tópicos apresentados.
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PENTATEUCO
Introdução Existem várias razões para se considerar o Pentateuco
uma obra literária única e dotada de unidade, no entanto, os
elementos pertinentes ao contexto de cada Livro diferem
grandemente. Em vista disso, oferecemos separadamente uma
introdução para cada um dos cinco Livros.
Gênesis O Livro de Gênesis geralmente é dividido em duas partes
principais (capítulos 1 -1 1 e 12 - 50). O material de contexto de
maior utilidade para compreender a primeira parte é a literatura
mitológica do antigo Oriente Próximo. Tanto a mitologia
mesopotâmica como a egípcia for necem uma grande quantidade de
material que referendam as perspectivas contemporâneas da criação
do mundo e dos seres humanos. Essas obras incluem o Enuma Elish e o
Épico Atrahasis, bem como uma série de mitos sumérios* da região da
Mesopotâmia. No Egito há três textos principais sobre a criação, um
em Mênfis, outro em Heliópolis (nos Textos Pirami dais) e mais um
em Hermópolis (nos Textos dos Esquifes). Além desses, existem
diversas narrativas sobre o dilúvio na região da Mesopotâmia,
encontradas no Épico de Gilgamés e no Épico Atrahasis. O exame
dessa literatura nos ajuda a observar as várias semelhanças e dife
renças entre os conceitos do antigo Oriente Próximo e de Israel. As
semelhanças nos permiti rão perceber a base comum existente entre
Israel e os povos vizinhos. Por vezes, a semelhan ça estará nos
detalhes da narrativa (por exemplo, soltar pássaros da arca) ou em
aspectos do texto que passaram despercebidos (como dar nome às
coisas, em combinação à sua criação). Outras semelhanças podem nos
levar a questionar se enfatizamos demais o significado teoló gico
em certos elementos do texto (por exemplo, a criação da mulher de
uma costela), ou se deixamos de notar a importância teológica de
alguns detalhes do texto (por exemplo, o passeio de Deus no jardim,
quando "soprava a brisa do dia"). Em geral, tais analogias nos
ajudam a entender os relatos bíblicos através de uma perspectiva
mais ampla.
As diferenças entre a literatura do antigo Oriente Próximo e a
literatura bíblica nos ajuda rão a avaliar algumas das
características tanto da cultura de Israel como da fé bíblica.
Também aqui estarão incluídos alguns detalhes específicos (formato
da arca, duração do dilúvio), bem como conceitos fundamentais (o
contraste entre a visão bíblica da criação através da Palavra de
Deus e a visão mesopotâmica que associava a criação do mundo ao
nascimento das divin dades cósmicas). Em muitos casos, as
diferenças relacionam-se (direta ou indiretamente) à fé monoteísta
de Israel, sem paralelo entre outros povos.
É possível encontrar semelhanças e diferenças num único elemento. A
idéia da humanida de sendo criada: (1) a partir da argila da terra
e (2) à imagem da divindade, é predominante no antigo Oriente
Próximo, mas Israel concede a esse conceito um caráter ímpar,
colocando-se assim numa esfera totalmente diferente.
Porém, nem sempre é possível identificar as diferenças e
semelhanças de forma tão clara ou conclusiva como gostaríamos.
Muitos eruditos terão opiniões divergentes das implicações de
alguns conceitos por vezes devido às suas próprias pressuposições.
As questões, muitas vezes, são bastante complexas e as conclusões
pessoais de um erudito podem ter um caráter altamente
interpretativo. Por essa razão, é mais fácil oferecer informações
do que respostas satisfatórias.
Finalmente, a literatura comparativa não apenas apresenta
informações paralelas a alguns dos relatos encontrados em Gênesis 1
- 11, mas também oferece uma comparação sobre a
estrutura total dessa parte. No épico mesopotâmico Atrahasis, assim
como em Gênesis 1 -11, encontramos um resumo da criação, três
ameaças e uma resolução. Observações como essas nos ajudam a
entender os aspectos literários ligados a essa porção da Bíblia.
Além disso, se esse paralelo for legítimo, pode nos ajudar a
enxergar as genealogias sob uma ótica diferente. Ao apresentar as
genealogias, o texto bíblico está refletindo a bênção de frutificar
e multipli car-se, presente no Livro de Gênesis, enquanto que no
texto paralelo do Atrahasis, os deuses se mostram aborrecidos com o
aumento da população humana e tentam refreá-lo.
Encontrar paralelos literários para o trecho de Gênesis 12 - 50 é
um desafio maior. Embora os eruditos tenham tentado atribuir
diversos termos descritivos às narrativas patriarcais (tais como
"sagas" ou "lendas"), qualquer terminologia moderna é inadequada
para abranger a natureza da literatura antiga e pode tanto servir
de ajuda como prejudicá-la. Não existe nenhum paralelo na
literatura do antigo Oriente Próximo para as histórias dos
patriarcas. O material mais próximo encontrado no Egito é a Saga de
*Sinuhe, embora esse relato seja restrito à vida de um homem, sem
acompanhar as gerações seguintes e sem nenhuma relação com a posse
da terra ou com o relacionamento com Deus. Até mesmo a história de
José, se considerada à parte, é difícil de ser classificada e
comparada. Novamente, podem ser feitas comparações com as histórias
de Sinuhe, *Wenamon ou *Ahiqar (todas relacionadas à vida e época
dos cortesãos reais), mas as semelhanças são bastante
superficiais.
As informações contextuais que nos ajudam a entender essas
narrativas originam-se de diferentes tipos de materiais. Esses
capítulos tratam da vida dos patriarcas e de suas famíli as, à
medida que se dirigem da Mesopotâmia para Canaã e daí para o Egito,
durante o processo de formação da aliança. Vários documentos
(*Nuzi, *Mari, *Emar, *Alalakh) des cobertos na Síria e na
Mesopotâmia fornecem informações sobre a história, a cultura e os
costumes do antigo Oriente Próximo durante o segundo milênio,
permitindo uma melhor compreensão dos eventos políticos e do
povoamento histórico da região. Também nos aju dam a entender como
as famílias viviam e por que faziam certas coisas que hoje nos
pare cem estranhas. Paralelamente, obtemos informações importantes
que nos ajudam a estabe lecer comparação com o material bíblico.
Por exemplo, geralmente procuramos uma orien tação ética no
comportamento dos personagens bíblicos (embora esse procedimento
nem sempre seja produtivo).
A fim de entender por que as pessoas agem de determinada maneira e
por que tomam certas decisões, é importante conhecer os padrões da
cultura em que estão inseridas. Ao analisarmos alguns aspectos da
cultura israelita, podemos descobrir, então, que determinadas
atitudes dos patriarcas resultam de alguns costumes que não
entendemos bem e que poderíamos facilmente interpretar
erroneamente. Na maioria das vezes, esses documentos fornecem
informações que permitem corrigir esses equívocos.
Uma das conclusões interessantes a que se pode chegar a partir
desse tipo de análise é a compreensão de que a visão de mundo dos
patriarcas e de suas famílias se diferenciava muito pouco da visão
comum das culturas do antigo Oriente Próximo da época. Novamente,
uma compreensão da cultura geral pode nos ajudar a identificar
quais os elementos do texto bíblico que realmente contêm
significado teológico. Por exemplo, a compreensão da prática da
'"cir cuncisão dentro do contexto do antigo Oriente Próximo pode
fornecer diretrizes úteis para a avaliação que fazemos dessa
prática na Bíblia. Observações sobre o uso de tochas e incensórios
em *rituais praticados no antigo Oriente Próximo podem ser a chave
para descobrir o sentido de Gênesis 15. Até mesmo a compreensão que
Abraão tinha de Deus pode ser melhor esclarecida pelas informações
contidas em documentos do antigo Oriente Próximo.
Ao nos deparamos com tal quantidade de informação, o que nos chama
a atenção é a freqüência com que Deus usa algo familiar para fazer
pontes até o seu povo. A medida que
nos familiarizamos com os hábitos, costumes e crenças do povo de
Israel, somos capazes de entender melhor o texto bíblico. Por outro
lado, é importante entender que os propósitos do Livro de Gênesis
ultrapassam em muito o de qualquer literatura disponível do antigo
Oriente Próximo. O fato de existirem semelhanças não sugere, de
maneira nenhuma, que a Bíblia seja simplesmente uma compilação de
segunda mão ou de segunda categoria, de textos do antigo Oriente
Próximo. Ao contrário, as informações relacionadas ao contexto
bíblico nos ajudam a enxergar o Livro de Gênesis como uma obra
teológica ímpar, ligada a pessoas e eventos inseridos num contexto
cultural e histórico específico.
Êxodo O Livro de Êxodo contém uma rica variedade de gêneros
literários, incluindo textos narrati vos, mandamentos e leis, além
de instruções de arquitetura, todos harmoniosamente combi nados
para narrar a seqüência de eventos que levou um povo, que se sentia
abandonado por Deus, a compreender que era o povo escolhido de
Deus. Como resultado, existem várias fontes primárias que podem nos
servir de ajuda.
Como seria esperado, o Livro de Êxodo apresenta mais conexões com
as fontes egípcias do que qualquer outro Livro. Infelizmente, a
incerteza quanto à data dos eventos e a ausência de dados sobre
alguns períodos relacionados à história egípcia deixam muitas
questões sem resposta. Conseqüentemente, dependemos não só dos
textos de literatura histórica do Egito, mas de todas as fontes que
contêm informações geográficas ou culturais. Conseguir localizar as
cidades e lugares mencionados no texto bíblico é uma tarefa
difícil, de forma que algumas dúvidas permanecem; no entanto,
algumas das lacunas têm sido preenchidas gradualmente, conforme o
avanço das investigações arqueológicas nos locais
importantes.
As passagens que relatam as leis no Livro de Êxodo podem ser
comparadas à ampla variedade de códigos de leis da Mesopotâmia,
incluindo os textos das leis *sumérias, tais como a reforma de
Uruinimgina (ou Urucagina), as leis de *Ur-Namu e as leis de
*Lipite-Istar. São textos fragmentados que datam do final do
terceiro milênio e início do segundo milênio a.C.. Os textos mais
extensos são as leis de *Esnuna e *Hamurabi (do período *babilônico
antigo, 18° século a.C.), as leis *hititas do século 17 e as leis
medo-assírias, do século 12. Essas coletâne as legais, conforme
indicam os parágrafos que as introduzem, tinham como objetivo
testificar aos deuses o quanto o rei tinha sido bem-sucedido em
estabelecer e manter a justiça em seu reino. Desta forma, as leis
eram elaboradas de maneira a refletir as decisões mais sábias e
justas que o rei poderia imaginar. Assim como um candidato em
campanha eleitoral, em nossos dias, procura reivindicar como sendo
de sua autoria todo e qualquer projeto de lei que possa encontrar,
também o rei queria apresentar-se da melhor forma possível.
Essas leis nos ajudam a enxergar que a legislação que determinava o
modelo da sociedade israelita não era tão diferente, na superfície,
daquela que teria caracterizado as sociedades assíria e babilónica.
A diferença estava no fato de que para Israel, a lei era vista como
parte da revelação de Deus e de seu caráter. Os babilônios tinham
proibições tão severas em relação ao homicídio quanto os
israelitas, mas a diferença era que enquanto os babilônios
refreavam o impulso para cometer esse crime para não quebrar a
ordem social e os princípios da civiliza ção, os israelitas
refreavam seus impulsos assassinos por saberem quem era Deus. As
leis podem parecer iguais, mas a base do sistema legal era
notavelmente diferente. Para os israelitas, *Yahweh, o seu Deus,
era a origem de toda a lei e o fundamento de todas as normas
sociais. Na Mesopotâmia, o rei era investido de autoridade tanto
para conceber como para estabele cer a lei. Os deuses não tinham
um padrão moral, nem exigiam um comportamento moral, embora
esperassem que os humanos preservassem os valores da civilização e,
portanto, agissem de maneira ordenada e civilizada.
Assim, o caso em questão é que a lei dada no monte Sinai não
necessariamente representa uma nova lei. Essa legislação, na
verdade, talvez fosse bem parecida com as leis sob as quais o povo
de Israel havia vivido no Egito, e era similar às leis encontradas
em outras sociedades do antigo Oriente Próximo. A novidade está na
revelação de Deus consumada através da institucionalização da lei
como parte da *aliança entre Deus e Israel. A comparação da lei
bíblica com os códigos de leis do antigo Oriente Próximo pode nos
ajudar a entender tanto o conceito de lei e ordem, como seu
embasamento teológico e filosófico.
Quando chegarmos na parte do Livro de Êxodo relacionada à
construção do tabernáculo, talvez nos seja proveitoso entender o
uso e a forma de construção dos santuários (móveis ou fixos) no
antigo Oriente Próximo. A descrição detalhada dos materiais usados
na construção do tabernáculo pode ser melhor entendida à medida que
conhecermos o valor que a cultura atribuía a esses materiais. Por
exemplo, considere o valor que nossa sociedade atribui a um casaco
de pele de marta, a uma escrivaninha de madeira de lei, a uma
poltrona de couro ou a um colar de brilhantes. Além dos materiais,
também valorizamos o local, como no caso de um apartamento de
cobertura, um escritório num bom ponto comercial ou uma casa nas
monta nhas. Assim, à medida que nos familiarizarmos com os
materiais e lugares valorizados pelos antigos israelitas, poderemos
avaliar o que motivou certos detalhes. Novamente, constatare mos
que em grande parte dos casos, o motivo é mais cultural do que
teológico. Uma vez que entendemos os elementos culturais, poderemos
evitar atribuir um significado teológico ina dequado a alguns
aspectos do texto.
Levítico O Livro de Levítico contém instruções concernentes à
manutenção do Lugar Santo, um local separado para a presença de
Deus, incluindo detalhes do sistema sacrificial, instruções para os
sacerdotes e leis concernentes à *purificação. No mundo antigo
acreditava-se que a *impureza criava uma situação propícia à
possessão demoníaca, assim a *purificação precisava ser mantida,
sendo obtida geralmente através de um processo que envolvia certos
*rituais e encantamen tos. Para os israelitas, a *purificação era
um valor positivo que incluía tanto regras para um comportamento
ético, como normas de etiqueta.
O material do antigo Oriente Próximo que melhor pode nos servir
para a compreensão do Livro de Levítico é aquele que oferece
informações sobre sacrifícios, rituais e instruções para sacerdotes
e sobre o tratamento dado à *impureza. Essas informações geralmente
não estão reunidas em um único documento, portanto, foi preciso
extrai-las de diferentes fontes. Exis tem, no entanto, alguns
textos rituais importantes que servem como fontes significativas de
informação. Embora a literatura *hitita esteja repleta de textos
relacionados aos rituais, o texto Instruções para os Oficiais do
Templo, de meados do segundo milênio, é um dos mais úteis,
fornecendo detalhes dos recursos que deveriam ser usados para
proteger o santuário contra invasões e impedir que fosse profanado.
As fontes mesopotâmicas também são numerosas.
Os textos maqlu contêm oito tabuletas de encantamentos e uma de
rituais ligados aos encantamentos. Esses encantamentos, na maior
parte, eram uma forma de opor-se aos pode res da feitiçaria.
Outras importantes séries incluem os textos shurpu, relacionados à
purifica ção, os textos bit rimki, relacionados à ablução real e
os rituais namburbu, que visavam à destruição.
A maioria desses textos estava inserida num contexto de magia e
adivinhações, em que a feitiçaria, as forças demoníacas e os
encantamentos representavam ameaças poderosas à so ciedade. As
crenças israelitas não compartilhavam dessa cosmovisão e seus
conceitos de *pu- rificação e *impureza apresentavam diferenças
marcantes. Não obstante, o estudo desse
material pode trazer à tona muitas facetas da cosmovisão do mundo
antigo compartilhadas por Israel. Embora a literatura bíblica tenha
eliminado o elemento mágico dos rituais, as práticas
institucionalizadas e a terminologia usada para descrevê-los ainda
contêm em certos aspectos, alguns resquícios da cultura mais
ampla.
Certamente as crenças e os costumes israelitas estavam mais
próximos dos conceitos de ritual, magia e *purificação do antigo
Oriente Próximo, do que da nossa própria concepção sobre rituais e
magias. Por termos uma compreensão limitada em relação à visão de
mundo israelita, freqüentemente somos inclinados a fazer uma
leitura bastante inadequada dos con ceitos teológicos ou dos
simbolismos de algumas de suas práticas e regras. Essa atitude,
muitas vezes, acaba gerando uma visão equivocada da natureza e dos
ensinamentos contidos no Livro. Ao tomarmos conhecimento da visão
de mundo do antigo Oriente Próximo, pode mos evitar esse tipo de
erro e ter uma compreensão do texto mais próxima da maneira como os
israelitas o entendiam.
Números O Livro de Números contém instruções para a jornada do povo
pelo deserto e sobre como erguer um acampamento, bem como registros
dos eventos que aconteceram durante aproxi madamente os quarenta
anos que o povo de Israel passou no deserto, além de incluir uma
série de trechos sobre rituais e leis. Várias fontes que auxiliam o
entendimento dos Livros de Êxodo e Levítico também fornecem
informações sobre o contexto do Livro de Números. Além disso,
itinerários encontrados em documentos egípcios podem ajudar a
localizar diver sos lugares alistados durante a peregrinação de
Israel. Esses itinerários encontram-se em uma série de documentos
distintos, incluindo os Textos da *Abominação ou Execração (onde os
nomes de certas cidades eram escritos em vasos que eram espalhados
em rituais de maldição; 12a Dinastia, Idade d& Bronze *Média) e
as listas topográficas esculpidas em relevo nas pare des dos
templos, como em Karnak e Medinet Habu (Idade do Bronze Moderna).
Esses regis tros apresentam mapas em forma de listas, permitindo
encontrar o nome de cada cidade de acordo com o itinerário da
viagem. É interessante que alguns lugares bíblicos, cuja existência
é colocada em dúvida por alguns arqueólogos pela ausência de
vestígios desse período no local, são citados nos itinerários
egípcios dessa mesma época.
Números, como outros Livros do Pentateuco, contém informações sobre
o calendário ritual de Israel. Essas informações sobre festas e
rituais são abundantes no antigo Oriente Próximo, porque os
calendários geralmente eram determinados pelos sacerdotes. No
entan to, é difícil deslindar alguns detalhes importantes de suas
práticas e, principalmente, descobrir o que está por trás da
formação das tradições institucionalizadas nesses calendários.
Embora haja evidências da existência de trocas culturais ou mesmo
dependência em muitas áreas, é arriscado tentar estabelecer alguma
relação entre festivais de diferentes culturas.
Deuteronômio O Livro de Deuteronômio acompanha o formato dos
acordos entre as nações, conforme descrito na nota de rodapé
intitulada "A Aliança e os Tratados no Antigo Oriente Próximo".
Nesses pactos da Antigüidade, o trecho mais longo geralmente
tratava das condições do acordo e detalhava as obrigações do
vassalo, incluindo o que se esperava dele, de modo geral, -
lealdade, por exemplo -, assim como alguns itens mais específicos,
tais como paga mento de impostos e prover alojamento para as
tropas que ocupavam o território. Não era permitido ao vassalo dar
acolhida a fugitivos nem fazer alianças com outras nações.
Além
disso, ele também era obrigado a colaborar para a defesa da nação
suserana e honrar seus representantes.
Em Deuteronômio, as cláusulas são apresentadas na forma de leis,
que detalham tanto as obrigações como as proibições. Alguns
estudiosos acreditam que as leis apresentadas nos capítulos 6 a 26
(ou 12 a 26) estão organizadas de acordo com os Dez Mandamentos.
Assim como os antigos códigos de leis tinham um prólogo e um
epílogo, a fim de lhes conferir uma estrutura literária (ver a
introdução a Êxodo), aqui é a aliança que concede à lei mosaica uma
estrutura literária. A estrutura literária das leis de *Hamurabi
nos ajuda a entender que esse código de leis não foi planejado
apenas para estabelecer regras, mas para demonstrar o quanto o
reinado de Hamurabi era justo. Do mesmo modo, a estrutura literária
de Deuteronômio nos permite ter uma idéia do porquê dessas leis
terem sido compiladas. A lei é apresentada no Livro de Deuteronômio
não como um conjunto de regras, mas como uma *aliança.
Quando os povos do antigo Oriente Próximo concordavam com um
tratado, eram obri gados a submeter-se aos termos e condições
desse tratado. Seria o mesmo nível de obrigação relacionado às leis
de uma nação, mas a diferença está na maneira como fun9
ciona, pois não está inserida no sistema legal. Por exemplo, no
mundo moderno cada país tem suas próprias leis, aprovadas pelos
órgãos legislativos, e que devem ser obedecidas pelos cidadãos
daquele país.
Mas existem também leis internacionais que, em parte, foram
estabelecidas por órgãos mundiais, muitas vezes como resultado de
acordos ou tratados. Essas leis internacionais devem ser obedecidas
pelas partes envolvidas no acordo. O tipo de compromisso exigido em
Deuteronômio está mais ligado ao tratado do que à lei (ou seja,
mais ligada à aliança do que às leis). Isso significa que as
obrigações do povo de Israel estavam relacionadas à ma nutenção do
relacionamento disposto na aliança. Se eles fossem realmente o povo
de Deus (da aliança), deveriam se conduzir de acordo com as normas
apresentadas (cláusulas).
Assim, não devemos entender essas leis como sendo apenas um
conjunto de regras para a nação (embora elas tenham sido). Os
israelitas não deveriam cumprir a lei apenas por obediência à lei,
mas sim por ela ser um reflexo da natureza e do caráter de Deus. A
lei revelava o que Deus esperava dos israelitas como seu povo e
como eles deveriam obedecê-lo para desfrutarem de um relacionamento
com Ele.
Uma característica adicional do Livro de Deuteronômio é o fato dele
se apresentar na forma de exortações de Moisés ao povo.
Conseqüentemente, Moisés é visto como o media dor da aliança, pois
como mensageiro ou representante de Deus, é ele quem determina os
termos do tratado. Nos tratados *hititas, consideravam-se apenas as
determinações firmadas pelo acordo, sem dar importância à pessoa
que enunciara os termos do tratado. Outros textos, porém, nos
ajudam a entender melhor o papel do mediador. De modo geral, o
mediador apresentava sua mensagem verbalmente, mas possuía também
uma cópia escrita para fins de documentação e registro. As palavras
de Moisés advertindo o povo a ser leal aos termos da aliança seguem
a mesma linha daquilo que se esperava de um representante real. O
vassalo deveria considerar um privilégio poder participar do
acordo, portanto, deveria ser prudente e refrear qualquer ação que
pudesse colocar em risco esse privilégio.
G Ê N E S I S
v 1 .1 - 2.3 Criação 1.1. no princípio. Um texto egípcio de Tebas,
ao refe rir-se à criação, fala do deus Am on que, no princípio, ou
"n a primeira ocasião", expandiu-se. Os egiptólo- gos interpretam
essa expressão não como uma idéia abstrata, mas como uma referência
a um evento que aconteceu pela primeira vez. Do mesmo modo, a pa
lavra hebraica traduzida como "princípio" geralmen te refere-se
não a um determinado ponto no tempo, m as a um período inicial.
Isso sugere que o período inicial são os sete dias do capítulo um.
1.2. sem form a e vazia. Na concepção egípcia sobre as origens, o
conceito de "inexistente" pode ser bastante próximo a essa
expressão encontrada em Gênesis. É a idéia de algo que ainda não
foi diferenciado, ao qual não foi atribuída função, e cujos limites
e definições ainda não foram estabelecidos. O conceito egípcio,
porém , tam bém traz a idéia de potencialidade e a qualidade de um
ser absoluto. 1.2. o Espírito de D eus. Alguns hermeneutas traduzi
ram essa expressão como um vento sobrenatural ou impetuoso (a
palavra hebraica traduzida como "E spí rito" às vezes é traduzida
como "v en to" em outras passagens), que tem um paralelo no Enum a
Elish babilónico. Nesse texto, o deus do céu, Anu, cria os quatro
ventos que agitam as profundezas e sua deu sa, Tiam at. N esse
caso, é um vento rom pante que provoca agitação. O mesmo fenômeno
pode ser visto na visão de Daniel sobre os quatro animais, em que
"o s quatro ventos do céu agitavam o Grande M ar" (7.2), causando
perturbação aos animais. Se esse em prego do termo estiver
correto, então o vento seria parte da descrição negativa do
versículo 2, em parale lo com as trevas. 1.1-5. a tarde e a m
anhã. O relato da criação não tem a pretensão de apresentar um a
explicação científica moderna sobre a origem de todos os fenômenos
natu rais, e sim abordar os aspectos mais práticos da criação que
cercam nossas experiências de vida e sobrevivên cia. Ao longo
deste capítulo, o autor narra como Deus instituiu períodos
alternados de luz e trevas - a base do tem po. A narrativa m
enciona prim eiram ente a tarde, porque o primeiro período de luz
está se fin dando. O autor não se aventura num a análise das
propriedades físicas da luz, nem está preocupado com sua fonte ou
energia geradora. A luz é o que regula o tempo.
1.3-5. luz. Os povos do mundo antigo não acredita vam que a luz se
originasse do Sol. Na época, desco nhecia-se o fato de que a lua
simplesmente reflete a luz do Sol. Além do mais, não há nenhum
indício no texto de que a "lu z do dia" fosse causada pela luz do
Sol. O Sol, a Lua e as estrelas eram vistos como porta dores de
luz, mas a luz do dia estava presente mesmo quando o sol estava
atrás das nuvens ou num eclipse. Ela chegava antes do nascer do sol
e perm anecia após o pôr-do-sol. 1.6-8. firm am ento. De m aneira
semelhante, a exten são (às vezes chamada de "firm am ento")
instituída no segundo dia é o regulador do clima. As culturas do
antigo O riente Próxim o entendiam o cosm os como um a estrutura
composta por três camadasios céus, a terra e o m undo inferior. O
clim a se originou nos céus, e a extensão era considerada o
mecanismo que controlava a umidade e a luz do sol. Embora no
mun
do antigo a extensão geralmente fosse concebida de maneira mais
concreta do que a entendemos hoje, não é a sua composição física
que realmente importa, mas sim sua função. No épico babilónico da
criação, Enuma Elish, a deusa que representava esse oceano cósmico,
Tiamat, é dividida em duas por M arduk para formar as águas acima
do firmamento e as águas que ficavam debaixo. 1.9-19. função do
cosm os. Assim como é D eus quem estabelece o tempo e determina o
clima, Ele também é responsável por estabelecer todos os outros
aspectos da existência humana. A disponibilidade de água e a
capacidade da terra produzir vegetação; as leis da agricultura e os
ciclos das estações; o desem penho específico de cada uma das
criaturas de Deus - tudo isso foi ordenado por Deus. E tudo era
bom, não tirâ nico ou ameaçador. Isso reflete o entendimento
antigo de que os deuses eram responsáveis por estabelecer um
sistema de operações. O funcionamento do cos mos era muito mais
importante às pessoas do mundo antigo do que sua form a física ou
composição quími ca. Elas descreviam o que viam, e o mais
importante, aquilo que experim entavam do m undo criado por Deus. O
fato de que tudo foi considerado "b o m ", reflete a sabedoria e
justiça de Deus. Ao mesmo tem po, o texto mostra algumas sutis
discordâncias com a concepção do antigo Oriente Próximo. O m ais
notável é o fato da narrativa evitar o uso das palavras sol e lua,
que eram os nomes das divindades correspondentes
entre os povos vizinhos de Israel; e em vez disso, refere-se a eles
como luminares m aior e menor. 1.14. sin ais para m arcar estações,
dias e anos. No prólogo de um tratado astrológico dos sumérios, os
deuses principais, An, Enlil e Enki, posicionam a lua e as estrelas
a fim de determinar dias, meses e pressá gios. No famoso Hino
Babilónico a Shamash, o deus sol, também se faz m enção a seu papel
de controlar as estações e o calendário de m odo geral. É
intrigante que ele seja tam bém o patrono da adivinhação. A palavra
hebraica usada para "sin al" tem um cognato na palavra acadiana
usada para presságios. A pala vra hebraica, no entanto, tem um
sentido m ais neu tro, e novam ente o autor esvazia os elem entos
do cosmos de seus traços m ais personificados. 1.20. répteis de alm
a vivente (ARC). No Hino Babiló nico a Shamash, o deus sol recebe
louvor e honra até m esm o dos piores grupos. Incluídos na lista
estão os temíveis monstros do mar. Logo, o hino sugere que há uma
submissão total de todas as criaturas para com Sham ash, exatam
ente com o o relato da criação do Gênesis mostra que todas as
criaturas feitas por Yahweh estão subm issas a Ele. O m ito de
Labbu registra a criação da serpente do mar, cujo comprimento era
de sessenta léguas. 1.20-25. categorias de anim ais. As categorias
de ani mais incluem diversas espécies: seres que vivem nas águas,
aves, criaturas que vivem na terra, subdividi das em animais
domésticos e selvagens e ainda "cria turas que se arrastam no
solo" (talvez os répteis e/ou anfíbios) e, por ultimo, os seres
humanos. Os insetos e o mundo das criaturas microscópicas não são
mencio nados, mas as categorias são abrangentes o suficiente para
inclui-los. 1 .26 -31 . fu n çã o d as p esso a s . Em bora o en
foque organizacional ou funcional do relato da criação tenha
semelhanças com a perspectiva do antigo Oriente Pró ximo, a razão
subjacente é bastante diferente. No an tigo O riente Próxim o, os
deuses criaram o m undo para seu próprio deleite e p ara nele
viverem . As pessoas foram criadas apenas como uma decisão de
última hora, quando os deuses precisaram de traba lho escravo para
suprir as comodidades da vida (por exemplo, abrir sulcos de
irrigação). N a Bíblia, o cos m os foi criado e organizado para
funcionar a serviço das pessoas, idealizadas por Deus como peça
central da sua criação. 1.26-31. criação da hum anidade nos m itos
do antigo O riente Próxim o. Nos relatos sobre a criação da anti
ga M esopotâmia, uma população inteira já civilizada é criada por m
eio de uma m istura de argila e sangue de um deus rebelde. Essa
criação acontece como resul tado do conflito entre os deuses,
obrigando o deus organizador do cosmos a controlar as forças do
caos,
trazendo assim a ordem ao mundo criado. O relato do Gênesis retrata
a criação não como parte de um confli to entre forças oponentes, m
as como um processo de terminado por Deus, controlado e sereno.
1.26, 27. im agem de D eus. Quando Deus criou o ho mem, colocou-o
como responsável por toda a criação. Ele foi feito à sua imagem e
semelhança. No mundo antigo, acreditava-se que um a im agem
continha a essência do que representava. A im agem de um a
divindade, m esma terminologia aqui empregada, era usada na
adoração porque continha a essência daque la divindade. Isso não
significava que a imagem pu desse fazer o m esm o que a divindade,
nem que se parecesse com ela. Ao contrário, a obra da divindade era
desempenhada através do ídolo. De m odo seme lhante, a obra de
governar o mundo deveria ser de sempenhada pelo homem, criado à
imagem de Deus. Mas isso não é tudo. Gênesis 5.1-3 compara a imagem
de Deus em Adão à im agem de Adão em Sete. Isso ultrapassa a noção
de plantas e animais se reprodu zindo de acordo com sua espécie,
embora certamente os filhos compartilhem das características
físicas e da natureza básica (geneticamente) de seus pais. A rela
ção entre a imagem dos ídolos e a imagem dos filhos é o conceito de
que a imagem capacita a criatura não apenas para servir no lugar de
Deus (representando- o com sua essência), mas também para ser e
agir como Ele. As ferram entas que Ele providenciou para que
pudéssemos dar conta dessa tarefa incluem a consci ência ou razão,
a autopercepção e o discernim ento espiritual. As tradições m
esopotâm icas falam de fi lhos à imagem de seus pais (*Enuma
Elish), mas não falam de seres humanos criados à imagem de Deus; m
as o texto egípcio, as Instruções de M erikare, identifi ca a hum
anidade como formada por imagens de Deus, de cujo corpo se
originaram. Na M esopotâmia, pode- se apreender um significado para
imagem no costu me que os reis tinham de erigir imagens de si m
es mos em lugares onde queriam estabelecer sua autori dade. A
parte disso, apenas outros deuses são feitos à imagem dos deuses
(ver comentário em 5.3). 2.1-3. descanso no sétim o dia. No relato
egípcio da criação, em Mênfis, o deus criador Ptah descansa, após
terminar sua obra. A criação dos hum anos pelos deu ses da
Mesopotâmia também é acompanhada de des canso. N a Mesopotâmia,
porém, os deuses descansam porque as pessoas foram criadas para
fazer o trabalho outrora feito por eles. Não obstante, o desejo de
des cansar é um dos elementos m otivadores dessas narra tivas da
criação. A destruição ou o controle de forças cósmicas caóticas,
que constitui com freqüência a par te central das narrativas da
criação do m undo antigo, culmina no descanso, na paz ou repouso
dos deuses. Do mesmo modo, o Dilúvio é resultado da
impossibi
lidade de os deuses encontrarem descanso em meio ao barulho e
tumulto causados pela humanidade. Em todos os relatos, fica
evidente que as ideologias anti gas consideravam o descanso como
um dos principais objetivos dos deuses. Na teologia israelita, Deus
não precisa descansar por causa de certos incômodos cósmi cos ou
provocados pelo homem, mas Ele busca des canso em um lugar de
repouso (ver especialmente SI 132.7, 8, 13, 14). 2.1. o sábado como
divisor do tempo. O costume de dividir o tempo em períodos de sete
dias ainda não foi comprovado nas demais culturas do antigo Oriente
Próximo, em bora na M esopotâmia alguns dias parti culares do mês
eram considerados de mau agouro, e freqüentem ente ocorriam com um
intervalo de sete dias (ou seja, o sétimo, o décimo quarto dia do
mês, etc.). A celebração do sábado em Israel não estava determinada
a certos dias do mês, nem estava ligada aos ciclos da lua ou a
qualquer outro ciclo da natureza; simplesmente era celebrado a cada
sete dias.
2 .4 -2 5 O homem e a mulher no jardim 2.5. categorias de plantas.
Encontramos apenas des crições gerais de plantas. Árvores,
arbustos e plantas são mencionadas, mas nenhum gênero específico.
Sa bemos, porém, que as principais árvores encontradas no Oriente
Próximo eram a acácia, o cedro, o cipreste, a figueira, o carvalho,
a oliveira, a tamareira, a romã- zeira, a tamargueira e o
salgueiro. Os arbustos inclu íam o oleandro e o junípero. Os
principais grãos culti vados eram o trigo, a cevada e a lentilha.
A descrição das plantas nesse versículo difere daquela do terceiro
dia em que são mencionadas plantas cultivadas e ár vores
frutíferas. Não se trata, porém, de um período anterior ao terceiro
dia, mas sim ao fato de que ainda não havia a prática da
agricultura. 2.5. descrição das condições. Um texto de Nippur apre
senta o cenário da criação dizendo que as águas não ti nham ainda
jorrado pela abertura da terra e que nada crescera e nenhum a
porção de terra fora lavrada. 2.6. s istem a de irrigação. A
expressão usada para descrever o sistema de irrigação no versículo
6 ("bro tava água da terra") é de difícil tradução, aparecendo
apenas em Jó 36.27. Um a palavra semelhante aparece no vocabulário
*babilônico originado do *sum ério, num a menção ao sistem a
subterrâneo de águas, os lençóis de água que deram origem aos rios.
O mito sumério de *Enki e Ninhursag também menciona um sistema de
irrigação semelhante. 2.7. o hom em do pó da terra. A criação do
primeiro homem do pó da terra é semelhante ao que encontra m os na
mitologia do antigo Oriente Próximo. O Épico A trahasis retrata a
criação da hum anidade feita de
argila m isturada ao sangue de uma divindade. A s sim como o pó na
Bíblia representa o que o corpo se torna na m orte (Gn 3.19), a
argila, no pensam ento *babilônico, era o que o corpo voltava a
ser. O sangue da divindade representava a essência divina na
hu
manidade, um conceito semelhante ao sopro de vida que D eus colocou
em Adão. No pensamento egípcio, as lágrimas dos deuses são
misturadas à argila para form ar o hom em , em bora as Instruções
de M erikare tam bém m encionem deus soprando a vida no nariz do
homem. 2.8-14. localização do Éden. Com base na proximida de dos
rios Tigre e Eufrates, e na lenda *suméria da terra mística e
utópica de *Dilm un, m uitos eruditos identificam