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Corpo Desdobrado - Dossie (Diversos Autore - Viviane Matesco

Date post: 02-Jun-2018
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    Flix Gonzlez-TorresUntitled (Perfect Lovers), 1987-1990.35,6 x 71,2 x 7 cmWadsworth Atheneum Museum of Art

    Hartford, Connecticut, Estados Unidos(Fonte: http://www.thewadsworth.org/collection)

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    Revista do Programa de Ps-Graduao em Estudos Contemporneos das Artes

    Universidade Federal Fluminense

    Rua Tiradentes 148 Ing Niteri RJ | CEP 24.210-510

    tel. (55+21) 2629-9672

    ISSN 1517-5677 - verso impressa

    ISSN 2177-8566 - verso on-line

    Corpo Desdobrado

    Editor: Luiz Srgio de Oliveira

    Coeditora: Viviane Matesco

    Coeditor convidado: Patricio Rodrguez-PlazaAno 14 Julho-Dezembro de 2013

    21-22

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    Universidade Federal Fluminense

    Instituto de Arte e Comunicao Social

    Poisis / Revista do Programa de Ps-Graduao em Estudos Contemporneos das Artes

    Editor

    Luiz Srgio de Oliveira

    Coeditores

    Viviane Matesco

    Patricio Rodrguez-Plaza

    Conselho Editorial

    Luciano Vinhosa

    Luiz Srgio de Oliveira

    Viviane Matesco

    Tania Rivera

    Conselho Consultivo

    Ana Beatriz Fernandes Cerbino (UFF/PPGCA)

    Ana Cavalcanti (UFRJ/ EBA-PPGAV)

    Andrea Copeliovitch (UFF/PPGCA)

    Andr Parente (UFRJ/ ECO)

    ngela ncora da Luz (UFRJ/ EBA-PPGAV)

    Carolina Arajo (UFRJ/ IFCS-PPGF)

    Jorge Vasconcellos (UFF/PPGCA)

    Josette Trpanire (UQTR/Canad)Leandro Mendona (UFF/PPGCA)

    Ligia Dabul (UFF/PPGCA)

    Luciano Vinhosa (UFF/PPGCA)

    Luiz Srgio de Oliveira (UFF/PPGCA)

    Maria Luisa Tvora (UFRJ/EBA-PPGAV)

    Martha DAngelo (UFF/PPGCA)

    Martha de Mello Ribeiro (UFF/PPGCA)

    Nina Tedesco

    Pedro Hussak (UFRRJ - UFF/PPGCA)

    Sally Yard (University o f San Diego , EUA)

    Tania Rivera (UFF/PPGCA)

    Ued Maluf (UFF/ PPGCA)

    Viviane Matesco (UFF/PPGCA)

    Tato Taborda (UFF/PPGCA)

    Agradecimentos EspeciaisAngela Taddei

    Alexei Vergara

    Aline Pires Luz

    Bernardita Abarca Barboza

    Carlos Eduardo Borges

    Caroline Alcione de Oliveira Leite

    Eliana Kuster

    Daniel Gallo

    Fbio Oliveira Nunes

    Helena Panussis Pea

    Isabel Carneiro

    Joana Lima

    Juliana Bragana

    Marcelo Campos

    Marcia Kranz

    Mara Jos Contreras

    Martha de Mello Ribeiro

    Patricio Rodrguez-Plaza

    Regina Melin

    Romano

    RoseLee Goldberg

    Stphane Dis

    Sybil Brintrup

    Tania BrugueraTania Rivera

    Viviane Matesco

    Equipe EditorialLuiz Srgio de Oliveira

    Almir Miranda da Silva

    Caroline Alciones

    Joana Lima

    Juliana Bragana

    Produo EditorialAlmir Miranda da Silva

    Produo GrficaProjeto Grfico: Joo Alt e Joana Lima

    Designer Grfico: Joana Lima

    Reviso Lingustica: Caroline Alciones e Luiz Srgio de Oliveira

    Web-designer: Cludio Miklos

    Poisis uma publicao semestral do Programa de Ps-Graduao em Estudos Contemporneos das Artes da Universidade FederalFluminense.Verso online: http://www.poiesis.uff.br/

    2013 by PPGCA permitida a reproduo total ou parcial do contedo desta publicao, desde que para fins no comerciais e que

    os crditos e referncias publicao sejam feitos.

    Esta publicao foi parcialmente financiada com recursos da Pr-Reitoria de Pesquisa, Ps-Graduao e Inovao da Universidade

    Federal Fluminense, atravs do Edital FOPESQ.

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    Sumrio

    09 EDITORIAL

    DOSSI: CORPODESDOBRADOORGANIZADORA: VIVIANEMATESCO

    13 OLHARPARASERViviane Matesco

    25 [PERFORMANCESIMPRESSAS]Regina Melim

    31 CAMPOSAUTNOMOSFloriano Romano

    37 MEMRIAEEXPERINCIANOTRABALHODOPERFORMER: OWORKCENTERDEGROTOWSKIETHOMASRICHARDSMartha Ribeiro

    45 CORPONARRATIVO: UMLUGARQUEMEATRAVESSAMarcelo Campos

    53 O CORPO-HORIZONTE: SOBREMIRAGENSDEREGINADEPAULATania Rivera

    DOSSI: CORPODESDOBRADOORGANIZADOR: PATRICIORODRGUEZ-PLAZA

    67 ELCUERPOCOMOPOSIBILIDADINFORMATIVA, REFLEXIVAYCREATIVAPatricio Rodrguez-Plaza

    71 LAPRCTICACOMOINVESTIGACIN: NUEVASMETODOLOGASPARALAACADEMIALATINOAMERICANAMara Jos Contreras Lorenzini

    87 PERCEPCINACTORAL: FORMACININICIALDELACTORENLAESCUELADETEATRODELAPONTIFICIA UNIVERSIDADCATLICADECHILE

    Alexei Vergara Aravena

    97 ELCUERPO: FUNDAMENTODEUNAPOTICAACTORALDaniel Gallo Orrego

    PGINADOARTISTA115 ACCINPBLICAPBLICA

    Sybil Brintrup (com Helena Panussis Pea)

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    ENTREVISTA123 SERCUBANO(ENTREVISTACOMTANIABRUGUERA)

    por RoseLee GoldbergTraduo: Caroline Alciones e Luiz Srgio de Oliveira

    ARTIGOS137 O GRANDECARROSSELURBANODEJACQUESTATI: ATRANSIOPARAUMAMODERNIDADEURBANA

    CONSTRUDAATRAVSDOSFILMESMONONCLEEPLAYTIMEEliana Kuster

    151 COLOCARUMAPEDRANESSEASSUNTO

    Carlos Eduardo Dias Borges164 PROVOCAESDEAGENTESTECNOLGICOSCOMOARTISTAS

    Fbio Oliveira Nunes

    177 O MINIMALISMOEAEXPERINCIAPSICODLICAAline Pires Luz

    189 PARTITURACOMOANTEPAROIsabel Carneiro

    PGINADOARTISTA205 (SINTA-SEEMCASA)

    Stphane Dis

    213 CADERNOSDEPESQUISASisuama Nzonkanu

    Ivana Denise Grehs

    Camila do Amaral Gomes Lopes

    Luciana Cao Ponso

    Marcos Vinicius Bonisson Machado

    Agatha Silvia Nogueira e Oliveira

    Andr Gracindo Gomes

    Luciara Franco Vidal Mota

    Eduardo Rangel Monteiro

    Janis Prez Clmen

    Alexandre Almeida Juruena de Mattos

    Carlos Gomes de Lima Junior

    Eliane Carvalho Zacharias

    229 NORMASPARASUBMISSO

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    9-Editorial

    Editorial

    A edio especial da Poisis, nmero 21-22, celebra a aproximao acadmica entre o

    Programa de Ps-Graduao em Estudos Contemporneos das Artes da UFF e a Facultad de

    Artes da Pontificia Universidad Catlica de Chile, em especial com o Postgrado en Artesinsta-

    lado no magnfico campus Oriente da Universidad Catlica, na cidade de Santiago, que conta

    com Magster en Artes, criado em 2007, e o recm-criado Doctorado en Artes, coordenados

    respectivamente pelos professores Andrea Ubal e Rodrigo Cdiz.

    Para alm das especificidades que os distinguem e os singularizam, os dois programas de ps--graduao em artes da Universidade Federal Fluminense e da Pontificia Universidad Catlica

    de Chile apresentam fortes pontos de convergncia e de interesse comum que afianam a

    aproximao acadmica e institucional em curso. Esta edio especial da Poisis, contando

    com a colaborao dos editores da revista chilena Ctedra das Artes, publicao da Facultad

    de Artes da Universidad Catlica, testemunho das ricas possibilidades de intercmbio e de

    desenvolvimento mtuo que se avizinham.

    Como parte da celebrao desse encontro, a Poisis21-22 apresenta um dossi em duas

    partes Corpo Desdobrado organizado pelos professores Viviane Matesco (UFF) e Patricio

    Rodrguez-Plaza (UC). A parte brasileira rene reflexes de Regina Merlim, Romano, Martha

    Ribeiro, Marcelo Campos e Tania Rivera, alm da contribuio da prpria organizadora, Viviane

    Matesco, enquanto a segunda parte do dossi traz as colaboraes de Mara Jos Contreras,

    Alexei Vergara Aravena, Daniel Gallo Orrego e a mediao crtica de Patricio Rodrguez-Plaza.

    Neste ponto, nossos agradecimentos pelo interesse e apoio fundamental da professoraBernardita Abarca Barboza, coordenadora editorial da revista Ctedra das Artes.

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    10-Poisis,n.

    21-22,p.

    9-1

    0,

    jul.-dez.

    2013.

    Em seu conjunto, o dossi Corpo Desdobrado apresenta dez textos que investigam e ques-

    tionam diversos aspectos da presena do corpo no cenrio contemporneo das artes a partir

    de perspectivas singulares e mesmo dspares, formando um escopo ampliado, diversificado epolissmico de interesse para estudiosos e aficionados.

    A Pgina do Artistadesta edio especial tambm participa dessa aproximao e se desdobra

    ela mesma em duas, trazendo as contribuies da artista chilena Sybil Brintrup (com interven-

    o virtual de Helena Panussis) e da artista brasileira, mestranda do PPGCA-UFF, Stphane Dis.

    De maneira a adensar ainda mais as reflexes em torno das relaes entre corpo, arte e po-

    ltica, apresentamos a traduo de entrevista conduzida por RoseLee Goldberg, curadora e

    historiadora norte-americana, com a artista cubana Tania Bruguera, na qual a artista discorre

    sobre os caminhos e os impasses no enfrentamento de questes de identidade e de percep-

    o da alteridade de uma artista que , ao mesmo tempo, cubana e internacional.

    A Poisis21-22 conta tambm com as contribuies dos artigos de Aline Pires Luz, Carlos

    Eduardo Borges, Eliana Kuster, Fbio Oliveira Nunes e Isabel Carneiro, que colaboraram

    para ampliar o conjunto de temas e de questes desta publicao, alm da inaugurao de

    uma nova seo Cadernos de Pesquisa com os resumos das dissertaes de mestradoconcludas no Programa de Ps-Graduao em Estudos Contemporneos das Artes da UFF

    no ano de 2013.

    Por fim, o registro de nossos agradecimentos a todos que colaboraram para a realiza-

    o do nmero 21-22 da Poisis, publicao do Programa de Ps-Graduao em Estudos

    Contemporneos das Artes da Universidade Federal Fluminense.

    Os Editores

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    13-Olharparaser

    Olhar para serViviane Matesco*

    *Viviane Matesco doutora em artes visuais pela Escola de Belas Artes/UFRJ. Atua como pesquisadora, professora, curadora e crti-

    ca. Sua principal rea de pesquisa se relaciona questo do corpo na arte, tema de sua tese e de diversos trabalhos como a exposio

    Sobre o corpo na arte contempornea brasileira(Itu Cultural/SP) e o livro Corpo, imagem e representao(Zahar, 2009). lder doGrupo de Pesquisa/CNPq Corpo e Arte Contempornea.

    RESUMO: O texto tem como ponto de partida a anlise de Ver para olhar,

    instalao da artista Cristina Salgado exposta no Centro Cultural Pao

    Imperial em 2012. O exame das relaes entre olhar, corpo e imagem a

    partir do trabalho de Salgado e de conceitos de Georges Didi-Huberman

    permite questionar dicotomias do pensamento ocidental e compreender

    como a arte contempornea as ultrapassa. O artigo investiga tambm es-

    ses termos no perspectivismo amerndio com intuito de estud-los me-

    diante outra lgica e, desse modo, distinguir sua singularidade em nossa

    sociedade.

    Palavras-chave: Cristina Salgado, corpo, imagem, arte contempornea

    ABSTRACT: This text begins by the analysis of Ver para Olhar(Seeing is

    Gazing), Cristina Salgados installation exhibited at Pao Imperial Cultural

    Center in 2012. The exam of relations among gaze, body and image from

    Salgados work and concepts of Georges Didi-Huberman allows us

    to question dichotomies of Occidental thought and to understand how

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    contemporary art goes beyond them. The article also investigates these

    terms from an Amerindian perspectivism point of view with the purpose

    of studying them with another logic, and this way distinguishes their sin-gularity in our society.

    Keywords: Cristina Salgado, body, image, contemporary art

    Cristina Salgado

    Ver para Olhar (detalhe), 2012.instalao - 25 m2

    Foto: Wilton Montenegro

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    Instalao de aproximadamente 25 metros, disposta em ambincia de penumbra esfumaa-

    da, permeada por feixe de luz, Ver para olharproporciona atmosfera enigmtica cujo sentido

    desvendado mediante a experincia de percurso espacialmente orientado. Composto detrs segmentos, o trabalho apresenta duas extremidades com funes distintas: uma no

    incio, que projeta, e outra no final, que recebe, mesmo que esses termos sejam invertidos

    ou posteriormente suspensos. De um lado, uma poltrona recoberta com drapeado em tom

    rseo ladeia um projetor que produz um canho de luz; no outro extremo, uma poltrona dis-

    tinta e totalmente neutra acolhe a projeo. Entre as duas, uma srie de 30 caixas de madeira

    pousadas em mobilirio diversificado, como cadeiras, poltronas e bancos atravessada por

    uma barra de ferro e, paralelamente, perpassada pelo forte feixe de luz proveniente do proje-tor. As caixas em diferentes dimenses exibem neutralidade conferida pela uniformidade da

    madeira. Cncavas, elas revelam ambiguidade proveniente do contraste entre os formatos

    geomtricos e da qualificao advinda da relao com as cadeiras: como se estivessem sen-

    tadas. Embora variado e carregando a memria de usado, o mobilirio no manifesta nenhum

    outro significado alheio sua funo: acolher corpos. A relao entre as caixas e o feixe de luz

    institui uma potncia, significa tanto projeo que penetra esses diversos corpos quanto fonte

    que captura e significa esse atravessamento.

    Cristina Salgado

    Ver para Olhar (detalhe), 2012.instalao - 25 m2

    Foto: Wilton Montenegro

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    A poltrona neutra posicionada no lado oposto do percurso atua como anteparo para a bar-

    ra de ferro e para o feixe de luz agora revelado em imagem. Diminuta, porm potente, ela

    focaliza uma mulher de mos dadas com uma menina, a sugerir, tanto pela diferena de ta-manho quanto pelo gesto, a relao simblica entre me e filha, analogia central para a rede

    de significados engendrada pelo trabalho. A proximidade entre o final da barra de ferro em

    ponta e a rea da imagem atribui direcionamento espacial ao feixe de luz e funciona como

    se o projetor a olhasse em retrospecto, buscando atualiz-la. Essa afinidade torna-se literal

    pelo fato de o prprio aparato tcnico portar uma lmina com a reproduo fotogrfica que

    lanada no extremo oposto.1O atravessamento sugere mobilidade proveniente da extenso

    espao-temporal entre projeo e imagem: trata-se no de uma cronologia, mas de cena quese reatualiza. Tambm a perfurao da barra de ferro confere carter intenso ao cruzamento,

    qualificado simultaneamente como potncia e resistncia. A imagem aberta por meio desse

    atravessamento, operao que entrelaa e, ao mesmo tempo, dissolve passado, presente

    e futuro pela ativao de uma latncia. A percepo do trabalho implica, portanto, olhar am-

    bivalente que borra as fronteiras entre real, fictcio e imaginrio e, por isso, pe em colapso

    noes tradicionais de princpio e fim, bem como de espao interno e externo.

    Cristina Salgado

    Ver para Olhar (detalhe), 2012.instalao - 25 m2

    Foto: Wilton Montenegro

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    Ver para olhar, segundo a artista, proposto como um dispositivo que coloca o olhar, ele

    prprio como objeto a ser contemplado em suas mltiplas dinmicas: o olhar potencializado

    e simultaneamente o olhar mediado, na exposio de sua construo ntima a partir do de-sejo. (SALGADO, 2013, p. 1376) Mquina do olhar, a instalao relaciona o olho funo de

    orifcio pelo qual o mundo nos penetra e nos constitui. Olhar atravessado pelo outro, esse

    outro com quem o embate d o prprio sentido de vida, movimento que se atualiza constan-

    temente, fantasma que atua em passagem, imagem que nos constitui. Ver para olhar funda-

    -se como aparelho simblico cujo funcionamento revela lao indissocivel entre imagem e

    corpo. Referncia importante para Cristina Salgado, a psicanlise inverte a compreenso co-

    mum do corpo ao desnudar os fantasmas que visitam nossos desejos inconscientes. Sendoinconsciente, essa experincia primitiva fantasmtica s pode ser apreendida indiretamente

    por refraes ou disfarces que forjam nossa linguagem. O corpo deve ser interpretado nessa

    mesma linguagem que ele designa; no nada alm dessa linguagem.

    Em O que vemos, o que nos olha, Georges Didi-Huberman (1998) explicita como o olhar

    perpassado por um corpo fantasmado. Toma o exemplo do famoso jogo infantil do Fort-Da

    interpretado por Freud em Alm do princpio do prazerpara desenvolver o modo como a au-

    sncia materna, que racha a criana e que a olha, a via pela qual ela ir fazer uma imagem,como uma ferida visual.2 atravs do jogo de ocultamento que a criana nasce para a lingua-

    gem e, dessa maneira, o jogo do Fort-Dainventava um lugar para a ausncia, permitindo que

    ela ocorresse. A partir desse exemplo, Didi-Huberman anuncia sua proposta: quando o que

    vemos suportado por uma obra de perda e quando disto alguma coisa resta. Aqui no se

    trata de visibilidade evidente, uma vez que a vocao ideal de toda superfcie que nos olha

    abrir uma ciso do que nos olha no que vemos. Didi-Huberman defende que as imagens da

    arte sabem compacificar esse jogo da criana ao impor sua visualidade como abertura: exatamente da que a imagem se torna capaz de nos olhar.

    interessante observar como essa ciso permeia a instalao de Cristina Salgado mediante a

    interconexo entre os termos corpo, espacialidade, imagem e olhar. So esses os elementos

    que Lacan (1998) examina no ensaio O estdio do espelho,3estrutura primordial de dilacera-

    mento do sujeito quando v a imagem de outro apreendido na totalidade de sua Gestalt. A

    relao entre espao, imagem e corpo, operao pela qual o sujeito que olha se define como

    um sendo-visto, justamente o eixo da constituio do sujeito. Sem ser nosso objetivo

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    aqui o aprofundamento da complexa questo, queremos realar a ideia de que oeu um

    Outrocomo elemento distintivo da constituio da subjetividade. Ver para olharsubverte

    concepes tradicionais de espao interno e externo; na realidade, as coloca em suspenso,o que nos propicia refletir sobre essa dicotomia. A instalao significa olhar corpreo, no

    desencarnada; ao contrrio, constituda pelo questionamento do pressuposto tradicional do

    dentro e do fora para pensar o corpo humano.

    Cristina SalgadoVer para Olhar (detalhe), 2012.

    instalao - 25 m2

    Foto: Wilton Montenegro

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    Dois elementos da instalao impem corporeidade, mas o fazem por lgica oposta: as caixas

    sentadas perpassadas por luz e a poltrona recoberta com drapeado. Ambas pressupem a

    imagem do corpo humano. A artista, no entanto, estabelece relao dbia entre imagem ematerialidade, ambiguidade implicada a como processo significante. H contgio entre o pro-

    cedimento escultrico, o material e a imagem. A sequncia de caixas pousadas no mobilirio

    sugere a imagem de corpos sentados e, consequentemente, uma analogia antropomrfica

    o fato de serem cncavas e abrigarem a luz empresta corpo ao processo construtivo. J na

    poltrona drapeada, a imagem atua em duplicidade: do corpo que senta e de seu invlucro, a

    pele encarnada. Dessa maneira, alm de estar de p como um corpo e de ser seu receptcu-

    lo, ela incorpora a imagem de pele, a cobertura do corpo. Podemos identificar a trs termos: omaterial em tecido drapeado, o processo escultrico de costurar e a semelhana a imagem

    de pele. Na conexo que a artista institui entre os trs, um qualifica o outro; a maleabilidade

    do tecido tanto evoca o processo de costura e sua correlata gestualidade como a consistncia

    da pele. A matria tratada como substncia condutora de sentido e o processo de constru-

    o da escultura no se desvincula da imagem, o que inviabiliza qualquer antinomia. Processo

    construtivo e imagem situam-se como campos complementares qualificados no trnsito do

    material e desafiam, portanto, dualidades clssicas como matria/esprito, corpo/mente. Apoltrona recoberta com o drapeado rseo invoca a pele como limite, mas tambm clama por

    carne, expresso convulsionada, contingncia pela qual toco o mundo e este me toca, borda

    entre o que sente e o que sentido. (SERRES, 2001, p. 16) Contingncia quer dizer tangn-

    cia comum: nela, mundo e corpo se cortam, acariciam-se. A pele como fluxo entre interior e

    exterior tanto objeto quanto sujeito, alma e mundo, lugar de dilogo fundamental com as

    coisas e com os outros. Como pontua poeticamente Michel Serres, a pele significa o eu,

    porque a alma mora no ponto onde o eu se decide. Esse ser convulso dimenso sensvelque corporifica o processo escultricoeimpe o Encarnado4como questo; fundamento que

    possibilita a prpria constituio do pensamento a respeito de corpo e imagem na Europa.

    Isso significa que, alm da dimenso corprea, pela mediao entre imagem e matria que

    concebemos esse Ser.

    Tambm pelo jogo fundado na ambivalncia entre dentro e fora que concebemos esse

    Ser que olha e olhado: ele fonte da luz que perpassa as caixas que, tal como carcaas,

    assinalam uma interioridade. Seres cncavos, as caixas parecem ganhar vida pelo facho de

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    luz: Animaque movimenta e distingue a ambiguidade constituinte do Corpo. No Ocidente,

    o humano definido por uma interioridade, seja alma, racionalidade mental, faculdade lin-

    guageira ou ainda moral, e no pela natureza de seu corpo: a dimenso subjetiva que formao n da humanidade. (WINISK, 2012) Pela lgica dual, no Ocidente o eu um Outro que no

    coincide consigo mesmo; corpo e alma, corpo e esprito, corpo e mente, o ponto em comum

    pensar o corpo a partir de um modelo, um Outro que assinala sua incompletude. Isso

    porque o corpo representado sempre em funo de um ideal do qual ele tira ao mesmo

    tempo sua forma e seu ideal (ver nota 4).

    Guerreiro incorporando Jaguar - Populao Yanomani

    Foto: Napoleon Chagnon (1970)

    Fonte: VIVEIROS DE CASTRO, Eduardo. Un corps fait de regards.

    In Quest-ce quun corps? Paris: Muse du Quai Branly/Flamarion,2006, p.176.

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    Para compreender como a instalaoVer para olhar coloca em suspenso o funcionamento da

    mquina corpo-imagem ocidental, podemos imaginar outra lgica, que no tenha a incom-

    pletude como fundamento: um corpo que se baste, como aquele distinguido pela lgica doperspectivismo indgena. Em estudo sobre os ndios da Amaznia, Eduardo Viveiros de Castro

    (2006) analisa como o corpo humano recebe sua forma pelo olhar do outro, ou seja, depende

    da perspectiva de uma testemunha. Esse corpo atribui uma posio de sujeito a um grande

    nmero de seres no humanos, quer se trate de esprito, animais ou plantas. Em vez de uma

    pura imagem-representao, como no Ocidente cristo, o corpo amaznico uma pura rela-

    o-perspectiva. Ele no representao de nada e sua imagem apenas o olhar daquele que

    est diante dele; se sou suscetvel de ser comido por outrem, este se manifesta com corpo dejaguar ou de guia; se, ao contrrio, uma presa para mim, eu o vejo como um tatu e tenho

    sobre ele o ponto de vista de um jaguar. Para o perspectivismo indgena, tudo tem alma e todo

    ser vivo um humano que olha de certo lugar e, nesse sentido, todo olhar humano sobre

    as vrias espcies. Opondo-se lgica da humanidade ocidental definida pela interioridade,

    poderamos falar ento que o Outro um eu, sem o qual eu no sou, pois, para os ndios, no

    a dimenso subjetiva que forma o n da humanidade. A subjetividade no tem relao com

    um espao privado, opaco ao outro, anterior a toda maneira social que ns associamos aoesprito.5A humanidade assim um modo de percepo acessvel a todos os tipos de seres

    e no uma espcie; por isso os ndios antropomorfizam entidades no humanas, figuram-nas.

    Se h apenas uma maneira de ser pessoa, existe uma multiplicidade de corpos: dos mosqui-

    tos, do jaguar, das araras, ou seja, dos seres encarnados pelas diferentes espcies. Ser uma

    pessoa possuir diferentes formas de interao com o outro e ter tambm um corpo que vai

    junto. A diferenciao fsica entre sujeitos virtuais a grande questo, pois, para os ndios,

    o corpo como a alma so imagens, um to material quanto o outro. Aqui a relao prevalecesobre a representao. Por isso no fabricam representaes do corpo, mas corpos mediante

    ornamentao e mscaras.

    O perspectivismo indgena nos ajuda a compreender o corpo humano a partir de fundamento

    distinto do ocidental e a dimensionar a toro operada em Ver para olhar. Aqui como l se

    trata de um corpo, flutuante e relativo. Tambm os objetos parecem adquirir alma a partir de

    um direcionamento espacial como se o olhar emprestasse alma e incorporasse seres inani-

    mados, tornando-os humanos.Invertendo a dualidade entre sujeito e objeto, estes deixam de

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    22-Poisis,n.

    21-22,p.13

    -24,

    jul.-dez.

    2013.

    ser elementos constitudos para incorporar qualidades de sujeito, figurando por deslocamento

    o nexo do eu um Outro. (WINISK, 2012) o que encarna a poltrona recoberta constituda

    pelo olhar do outro. Em vez de uma pura imagem-representao, o trabalho de Salgado in-troduz uma relao-perspectiva que desarranja a lgica ocidental. Entretanto, apenas por

    intermdio do lao indissocivel entre imagem e corpo que conseguimos entrar no trabalho.

    Mais do que subverter o pensamento do Ocidente, ocorre uma suspenso nos mostrando,

    em cmera lenta, a mediao dual que o permeia.

    Ver para olhar uma correlao que a artista estabelece entre o processo escultrico, a ima-

    gem, o material e o jogo de palavras, olhar no lugar de crer, como explicita:

    Ver para olhar, como ttulo, faz um jogo com a expresso ver para crer, em que olharentra no

    lugar de crer. Essa analogia coloca olharentre o substantivo e o verbo e o conecta com o verbo

    crer, relacionando-o a uma esfera mais obscura, menos explicvel, ao absurdo: Tertuliano e seu

    creio porque absurdo. Isso tudo, porque desejo conectar, dessa forma, absurda, meu trabalho

    ao sagrado. Estou construindo uma imagem encarnada. (SALGADO, 2013, p. 1374-1377)6

    A poltrona encarna e d sentido instalao, pois ao mesmo tempo em que confere vida ela

    tomada: define sua existncia a partir da incorporao da imagem. Como no perspectivis-mo indgena, tanto corpo quanto alma material; a imagem, tal como uma alma, ganha vida,

    como se figurasse esse olhar que a constitui.

    Notas

    1 O projetor porta um gobode cristal lmina de 1cm de dimetro em que foi impressa a imagem da mulher e da menina retirada deuma foto antiga. A reproduo foi encaixada no interior do refletor elipsoidal para ser lanada a 30 m de distncia. Trabalhada por um

    jogo de lentes, essa imagem viajar atravessando os furos nos 25 anteparos, de modo que, ao final da jornada, bater no encosto da

    poltrona de veludo rosado, a ampliada para uns 30 cm de dimetro. Descrio de Cristina Salgado, 2013.

    2 Freud descreve um menino que agarrava e atirava um carretel para longe e enquanto o fazia emitia um longo e arrastado o-o-o-

    - acompanhado por expresso de interesse e satisfao. Sua mo interpretava a palavra alem fort, que significa ir embora. Ele

    depois puxava o carretel de volta e saudava com a expresso da(ali), momento de maior prazer. Freud interpretou por meio dos sons

    o jogo constitudo da alternncia entre desaparecimento e aparecimento, ausncia e presena em relao desapario do corpo

    da me. Dessa maneira, a criana deixava uma situao passiva e tornava-se ativa nessa ausncia imposta pela me; ao jogar longe

    o objeto, de maneira que fosse embora, poderia satisfazer um impulso de vingar-se da me por dela afastar-se. Neste sentido, o

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    23-Olharparaser

    carretel exposto a seu olhar um objeto agido. Obra da ausncia, da perda no corao desse objeto que a criana v aparecer e

    desaparecer, pois toda sua eficcia pulsional prende-se ao intervalo rtmico que ele mantm ainda sob o olhar da criana. Sigo anlise

    de Didi-Huberman (1998, p. 80-87).

    3 O eu constitudo como um outro imaginrio que lhe aparece em espelho, como uma imagem do corpo dos fantasmas que a

    dominam, como um autmato. essa relao dual com a imagem do semelhante que estrutura o sujeito como uma projeo. O

    estdio do espelho um drama cujo impulso interno se precipita da insuficincia para a antecipao e que fabrica para o sujeito,

    apanhado no engodo da identificao espacial, as fantasias que se sucedem de uma imagem despedaada do corpo para a armadura

    assumida de uma identidade alienante que marcar a estrutura de todo seu desenvolvimento mental. O n da questo gira em torno

    da possibilidade de a criana antecipar no plano mental a conquista da unidade funcional de seu prprio corpo ainda inacabado no

    plano da motricidade. H uma primeira captao da imagem que lhe oferece o espetculo de forma total antes mesmo de ela ter a

    possibilidade de viver sua prpria unidade corprea. Essa captao se acentua quando ela reconhece nessa forma sua prpria ima-

    gem. Identificando-se primordialmente forma visual de seu prprio corpo, assumindo sua imagem, a criana nela se joga como um

    Eu ideal que ser o tronco de todas as identificaes secundrias. Eu ideal porque a forma especular do corpo na qual ela se

    reconhece situa a instncia do eu, antes de toda determinao social, numa linha de fico que estar sempre alm do vir a ser do

    sujeito. Ver Lacan (1998, p. 96-103) e Bernard (1995, p. 91).

    4 O pensamento sobre a Encarnao elemento constituinte do pensamento sobre corpo e imagem no Ocidente. Ao encarnar, Deus

    se oferece aos humanos sob uma forma que participa ao mesmo tempo da transcendncia espiritual e do corpo humano. Foi pelo

    modo como a doutrina crist interpretou a interdio judaica de representao de Deus que a concepo de corpo se pde constituir

    em categoria. O criacionismo monotesta impe uma relao assimtrica de semelhana entre o homem e Deus. A semelhana crist

    se exprime hierarquicamente, pois fixa uma cpia que se assemelha a seu modelo e cujo inverso nunca deve ser dito, pois desclassi-

    ficaria a relao de semelhana. O n filosfico da questo da semelhana e da figura humana consiste na evidncia que reveste uma

    caracterstica de interdio exemplar: quando se diz que duas coisas ou duas pessoas se assemelham, supomos normalmente que

    elas no se tocam, que elas permanecem num distanciamento material mais ou menos afirmado, ou seja, a matria no deve tocar

    a forma. A possibilidade dessa relao introduzida pela doutrina da Encarnao, pois permite compreender que, apesar do carter

    irrepresentvel de Deus, uma circulao possa existir entre Ele e o homem. Graas imitao de Cristo o homem aproxima-se de

    Deus, o que significa uma mediao entre o corpo humano e seu modelo. Em funo desses elementos o pensamento do corpo

    inseparvel do pensamento da imagem na Europa; o corpo humano ento pensado em relao a um modelo que sua fonte e seu

    ideal, como se fosse uma imagem ou trao. A quase ausncia do nu no Extremo-Oriente demonstra o quanto estranho para essas

    sociedades nosso conceito de um Deus criador. Da mesma maneira, a pintura no Oriente no pensada como representao (no

    sentido de imitao, de reproduo). A esse respeito ver Schaeffer (2008) e Matesco (2009).

    5 A subjetividade uma questo coletiva e a pessoa representa um pedao da sociedade antes de ter carter individual. Assim, mais

    do que ser o princpio justificando uma posio do sujeito, a corporeidade humana e a subjetividade ou a vida interior resultam da

    qualidade de membro de um coletivo. A subjetividade dada pela comunicao, mas tambm pela arte de ornar o corpo; um sujeito

    amaznico ou um humano um ser que tem as propriedades corporais, as disposies e as atitudes necessrias para desenvolver

    as relaes com seus congneres. Sua interioridade constituda do conjunto de coisas que nomeamos cultura (a nossos olhos, do

    domnio pblico) partilhada por todos. A metafsica dos ndios apresenta uma configurao diversa de nossa concepo de mundo:

    a identidade entre humanos e no humanos no se relaciona natureza, como em nosso caso (que aceitamos ter em comum com

    os animais uma parte natural de bestialidade); ela repousa sobre a partilha da mesma cultura. Sigo Viveiros de Castro (2006, p. 153).

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    21-22,p.1

    3-24,

    jul.-dez.

    2013.

    6 A artista refere-se a Tertuliano, telogo do sculo III cujos textos introduzem a problemtica da encarnao como resposta crist

    alternativa que tradicionalmente opunha imagem pag recusa bblica das imagens. Tertuliano tinha como projeto arrancar eficcia

    imaginria da encarnao fora da eficcia imaginria da imitao. Imitar Jesus Cristo designaria um limite. Aqui o corpo do Cristo

    nasce da encarnao do Verbo, puro esprito revelando a carne. O visual se constitui segundo a miraculosa converso de uma palavraem carne. Esse limite designa tambm a tentativa de exceder a imagem pela imagem encarnada. A prpria crena completamente

    implicada por esse n. Enquanto a imitao visava semelhana que se dava no espelho como questo visual, a encarnao prope

    processo e o primado da matria a partir da noo de traos ou vestgios de Cristo. Por isso os mitos da origem da imagem crist im-

    plicam a luz, o sangue e o contato, enquanto os mitos plinianos ou ovidianos tal como Narciso implicam mais a sombra, o reflexo,

    a distncia insupervel. A esse respeito ver Didi-Huberman (2007, p. 97-152).

    Referncias

    BERNARD, Michel. LeCorps. Paris: Editions du Seuil, 1995.

    DIDI-HUBERMAN, Georges. O que vemos o que nos olha. So Paulo: Ed. 34, 1998.

    DIDI-HUBERMAN, Georges. La couleur de chair, ou le paradoxe de Tertullien. In LImage ouverte. Paris: Gallimard, 2007.

    LACAN, Jacques. O estdio do espelho como formador da funo do eu. In Escritos. Rio de Janeiro: Zahar, 1998.

    MATESCO, Viviane. Corpo, imagem e representao. Rio de Janeiro: Zahar, 2009.

    SALGADO, Cristina. Olhando para ver para Olhar. (comunicao) Anais do 22oEncontro Nacional da Anpap. Belm: UFPA, 2013, p.

    1374-1377.

    SCHAEFFER, Jean-Marie. O corpo imagem. Arte & Ensaios, Rio de Janeiro (EBA/UFRJ), 2008.

    SERRES Michel. Os cinco sentidos, filosofia dos corpos misturados. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 2001.

    VIVEIROS DE CASTRO, Eduardo. Un corps fait de regards. In Quest-ce quun corps? Paris: Muse du Quai Branly/Flamarion, 2006.

    WISNIK, Jos Miguel. O Globo, Rio de Janeiro, junho de 2012.

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    25-[PerformancesImpres

    sas]

    [Performances Impressas]Regina Melim*

    *Regina Melim professora e pesquisadora do Departamento de Artes Visuais e do PPGAV/UDESC, Florianpolis, SC. Desde 2006

    coordena a par(ent)esis, uma plataforma independente para produo e edio de projetos artsticos e curatoriais no formato de pu-

    blicaes. autora do livro Performance nas Artes Visuais, Ed. Zahar, 2008.

    RESUMO: Performances Impressas so publicaes e performances ao

    mesmo tempo. So modos, formatos ou dispositivos de tornar o transi-

    trio e nico em permanente e possvel de ser repetido indefinidamente.

    Isso nos permite vislumbrar uma noo mais ampliada para a performan-

    ce, restrita no apenas s apresentaes ao vivo, mas prolongado-se na

    performatividade presente em suas documentaes. Assumido por esse

    vis, possvel considerar a performance nas artes visuais como um pro-

    cedimento cuja vida continua atravs da publicao.

    Palavras-chave: performances, publicaes, performatividade, documen-

    taes

    ABSTRACT: Printed Performances are performances and publications

    simultaneously. They are ways, formats or devices to make the transition

    into permanent and unique, and they can be repeated indefinitely.

    This allows us to envision a broader concept for performance, not only

    restricted to live performance, but extended in the performativity of itsdocumentation. With this in mind, it is possible to consider performance in

    the visual arts as a procedure which stays alive by publication.

    Keywords: performances, publications, performativity, documentation

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    5-30,

    jul.-dez.

    2013.

    Em 1931, meses depois de entrar em sentido contrrio em uma procisso de Corpus Christi e

    ser quase linchado pela multido fervorosa, Flvio de Carvalho relata essa experincia em um

    livro conhecido como Experincia no2.

    Em 1963 George Brecht publica Water Yamno formato de uma caixa contendo pequenos car-

    tes impressos com instrues para a realizao de ready mades temporrios.

    Em 1964 Yoko Ono publica pela primeira vez Grapefruitcom cento e cinquenta instrues de

    trabalhos, divididos em cinco sesses: msica, pintura, evento, poesia e objeto. Em 2000, uma

    nova edio publicada acrescida de oitenta instrues e duas outras sesses: filme e dana.

    Entre 1969 e 1973, uma srie de projetos de performances de Vito Acconci so continuamen-

    te registrados como anotaes, esquemas e/ou fotografias. Muitas nunca foram realizadas,

    outras tantas o foram, no espao privado de seu ateli ou no espao pblico das ruas de Nova

    York. Em 2006, tudo publicado sob o ttulo de Diary of Body.

    Em 1969, Cildo Meireles inicia os fonomenosque, muito prximo das obras-partituras dos

    artistas Fluxus, so instrues de trabalhos/aes que podem ser feitas por qualquer um, a

    qualquer hora e em qualquer lugar.

    Durante 4 dias e 4 noites do ano de 1970, Artur Barrio perambulou pelas ruas do Rio de

    Janeiro. Como registro, apenas um caderno-livrocom pginas em branco.

    Em 1970, Bas Jan Ader envia para amigos um postal da ao Im too sad to tell you.

    Em 1973, a dupla Bruscky & Santiago envia como obra para o 30oSalo Paranaense de Arte

    um telegrama contendo trs instrues sob o ttulo Salo Limpo Salo Desenvolvido.

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    27-[PerformancesImpres

    sas]

    Em 1974, em Dusseldorf, na exposio Yellow Bodyna Galeria Konrad Fischer, Bruce Nauman

    apresenta pela primeira vez Body Pressure. Tratava-se de uma pilha de papis rosa com ins-

    trues impressas e que ficavam disposio para o pblico levar e realizar.

    Em 1975,so publicadas nas pginas do encarte Espalhafato da Revista Panorama, editada

    em Curitiba, cinco instrues de performance de Rettamozo, livremente inspiradas nas instru-

    es de Grapefruit, de Yoko Ono.

    Em 1975, publicado Rates of Exchange, de Allan Kaprow, com instrues e fotos de aes

    realizadas em sua prpria casa.

    Em 1976, Martha Rosler produziu uma srie de postais compostos por fragmentos de trs de

    seus romances, A Budding Gourmet, McTowers Maide Tijuana Maid. Em 1978, so publica-

    dos sob o ttulo Service: a Trilogy on Colonization.

    Em 1978, Hudinilson Jr. iniciou as Xerox Actionsfotocopiando partes de seu corpo.

    Entre 2 de agosto e 4 de setembro de 1983, Sophie Calle publicou no jornal dirio francs

    Librationuma srie de vinte e oito artigos provenientes de entrevistas com pessoas listadasem uma agenda telefnica encontrada na rua. Atravs desses depoimentos a artista buscava

    construir o perfil do dono da agenda.

    Em 1998, publicado por Ricardo Basbaum Novas Bases para a Personalidade Conto, como

    parte integrante da obra G. x eu, apresentada no Espao P., no Rio de Janeiro.

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    5-30,

    jul.-dez.

    2013.

    Em 1999, uma compilao de desenhos de Erwin Wurm sobre suas investigaes das fron-

    teiras existentes entre escultura, performance e interao do pblico publicada sob a deno-

    minao de One Minute Sculpture.

    Em 2000, Jonathan Monk edita dez mil cpias de um convite para um encontro em Paris, na

    Torre Eiffel, ao meio dia do dia 13 de outubro de 2008. Meeting # 13, como chamada essa

    publicao, integra a srie de trabalhos denominados de encontros marcados.

    Tambm em 2000, a companhia metropolitana de transportes de Nova York imprime cartazes

    que so colocados nas estaes de metr. Tratava-se de uma campanha que oficializava a

    ao Safety Pills, empreendida por Minerva Cuevas, que distribua plulas de cafena aos pas-

    sageiros do metr de Nova York para no serem roubados enquanto dormiam.

    Em 2001, durante trs dias no Kunst-Werke em Berlim, onze artistas de diferentes nacio-nalidades reapresentaram performances a partir de registros, fotografias, depoimentos ou

    outros documentos. Nesse mesmo ano, foi publicado em A Little Bit of History Repeatedas

    correspondncias entre os artistas e Jens Hoffmann, curador do projeto. Nenhuma imagem

    acompanha a publicao, no seu lugar apenas uma sequncia de pginas brancas.

    Entre 2004 e 2013, Raquel Stolf trocou anonimamente sabonetes (de sua coleo secreta)em banheiros de quarto de hotel. No final de 2013, parte dos registros dessas aes foram

    publicadas no livro Troca de Sabonetes.

    Em 2005, na exposio Verbo, durante uma semana, Fabio Morais enviou por e-mail, diaria-

    mente, o texto de uma ao dO Performer, que era impresso e colado na parede, sobreposto

    ao texto do dia anterior, como um lambe-lambe. Em 2007, doze performances dO Performer

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    so apresentadas impressas na parede no Pao das Artes, em So Paulo. Em 2009, o artista

    edita um livro-objeto com vinte e uma performances dO Performer.

    Em 2006, so publicadas instrues de performances enviadas por trinta e seis artistas para a

    exposio que aconteceu somente no espao de uma publicao e que se chamou PF.

    Em 2008, publicado I got up de On Kawara que consiste em doze volumes, em um total

    de 4.160 pginas, resultado de uma ao que teve incio em 10 de maio de 1968 at 17 de

    setembro de 1969. Em todos os dias desse perodo, o artista enviou dois postais que mostra-vam onde ele estava. No verso ele datilograva levantei-me s seguido da hora em que havia

    se levantado naquele dia.

    Em 2009, publicado Steal this book, livro que rene as correspondncias trocadas entre a

    artista Dora Garcia e todas as pessoas que realizaram, no perodo de 2006 e 2008, onze de

    suas performances.

    Em 2009, Adriana Barreto e Laercio Redondo publicam Parasos Instveis. Tratava-se de uma

    pilha de papis que ficavam disposio para o pblico levar, com as imagens da ao realiza-

    da por ambos, a partir da instruo Paraso Aqui, de 2006, para a publicao PF.

    No perodo de 8 de dezembro de 2010 a 7 de dezembro de 2011, Felipe Bittencourt desenha eposta diariamente no Flickr uma instruo de performance. Em A ltima performance, ttulo da

    ltima instruo, o artista escreve: O performer deve lanar um livro com todas suas aes,

    estar presente no lanamento e, finalmente, ganhar vida e sair do papel. Em 2012, o livro

    publicado.

    Entre 22 e 30 de janeiro de 2013, foi realizado no Espao Ivorypress, em Madri, a performance

    El trabajo es la dictadura,de Santiago Sierra. Trinta trabalhadores foram contratados por uma

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    21-22,p.2

    5-30,

    jul.-dez.

    2013.

    jornada de oito horas em cada um dos sete dias da performance pelo salrio mnimo recomen-

    dado pelo Servio Nacional de Emprego espanhol. O trabalho consistia em preencher com a

    frase El trabajo es la dictadura todas as pginas pautadas e em branco dos 1.000 livros que

    seriam publicados como registro da performance.

    Em 2013, Amir Brito Cadr e Daniela Maura lanam Manual de boas prticascontendo uma

    srie de reencenaes realizadas pelo prprio casal a partir de fotografias de performances.

    Publicado em 2013, Feuillet, de Julien Ndlec, composto inteiramente de impressesdigitais do artista, resultantes do ato de folhear a superfcie em branco das pginas do livro.

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    31-CamposAutnomos

    Campos AutnomosFloriano Romano*

    * Floriano Romano artista visual e sonoro. Criou o programa de rdio Oinusitadoque foi um ponto de encontro da cena de arte sono-

    ra carioca de 2002 a 2004. Trabalha com intervenes urbanas e sonoras, abertas participao do pblico. Recebeu vrios prmios,

    entre eles, o Prmio MARCANTONIO VILAA 2012 da Funarte e a Bolsa de Apoio Pesquisa Artstica 2008 da Funarte. Participou da

    7 Bienal do Mercosul, 2009. professor da Escola de Belas Artes da UFRJ.

    RESUMO:O texto trata do ato falante e da experincia do corpo como al-

    ternativas s formas de poder estabelecidas na sociedade contempornea

    e da construo de outro lugar sonoro a partir da multido, onde o rudo

    dos corpos no espao pblico o elemento dissonante do discurso globa-

    lizado representado pela sonoridade urbana e sua rotina.

    Palavras-chave: multido, territrio, corpo sonoro

    ABSTRACT: The text deals with the speaker act and the experience of the

    body as alternative to of established forms power in contemporary socie-

    ty and with the construction of another place sound from the multitude,

    where the noise of the bodies in the public arena is the dissonant element

    to the globalized discourse represented by urban sonority and its routine.Keywords: multitude, territory, sounding body

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    21-22,p.3

    1-36,

    jul.-dez.

    2013.

    I

    A sociedade contempornea constitui-se metaforicamente de redes. Redes que se misturam

    graas s novas possibilidades de acesso generalizado ao conhecimento. Redes de experin-cias e de processos que se misturam graas s distncias relativas do mundo digital. Redes

    de poderes de quem retm esse conhecimento e que se aplicam no cotidiano da sociedade

    contempornea, em seus aspectos macro e micropolticos. Seu ethosest intimamente liga-

    do tecnologia. Ela a condutora de um discurso que se impe como nico, (quase) autn-

    tico. Discurso esse que pura repetio, a fala da concretude. Um lgos oco e sem reflexo.

    A tecnologia representa o poder constitudo.

    Ao ouvi-lo, perceb-lo, acess-lo estamos como os discpulos de Pitgoras, ouvindo vozes.

    Acusmatas, aqueles que no vem a origem da fonte sonora. O filsofo, ao falar por trs da

    cortina, em sua invisibilidade, tornou o lgos espacial, som em toda parte. A presena do

    discurso.

    O capitalismo contemporneo busca essa ubiquidade, essa presena, atravs do uso da tec-

    nologia para a repetio e no para a vivncia criativa. Busca preencher nossa experincia

    com fragmentos disponveis de outras experincias, que no se completam em um todo. S

    sabemos a parte do processo que nos destinada e que nos toma o tempo de uma vida para

    seu consumo. Apreendemos um discurso que imita secretamente as vozes que nos acostu-

    mamos a ouvir desde a infncia. Esse discurso que reconhecemos e percebemos como uma

    presena ubqua e controladora. Que est sempre escuta para ouvir o que possa divergir de

    sua hegemonia. Que absorve os discursos ressonantes e dissonantes.

    Essa fala ubqua, hegemnica, organiza o dissenso, orienta o corpo passivo, arbitra e pune o

    desvio. Elucida parcialmente as coisas do mundo e d a elas significado apenas segundo sua

    ordem. Contra ela se coloca a fala dissonante, a criao de palavras, a nomeao do mundo,

    a experincia do corpo, os atos em que o corpo se entrega transformao. Em um mundo

    sem deuses ou em que deus se tornou a tecnologia, esse o nosso desafio: refutar a passi-

    vidade e reinventar os significados da vida comum. Ser falante.

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    Romano

    Falante: Ao Sonora na Praa da S, 2007.

    Exposio Futuro do Presente (2007)

    Curadoria: Cristiana Tejo e Agnaldo Farias,

    Ita Cultural, So Paulo

    Foto: Edouard Fraipoint

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    34-Poisis,n.

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    1-36,

    jul.-dez.

    2013.

    II

    Nas florestas s vezes ouve-se uma voz, o vento entre as rvores. Nas barrigas as crianas

    ouvem o canto de suas mes. Na mitologia os deuses aparecem e nos ensinam falando co-nosco. Por voz, fala, ora podemos entender o som humano propriamente dito, o rudo do

    mundo metaforizado, os rudos industriais da cidade. Mas sua maior expresso contempor-

    nea a fala poltica das multides que tomam as ruas. Porque alm do discurso, a presena

    fsica no espao que se ope iluso acusmtica. Contrria ubiquidade do poder invisvel.

    Sobrepondo-se ao excesso de informao e ao otimismo que tudo aceita com docilidade.

    Unidos criam um lugar atravs de seus cantos, desinteressados de seus significados, mas

    interessados em quo ruidosos podem ser. Produtoras de rudo, interferentes, as multidestomam as ruas, o espao destinado discusso poltica retomado do poder invisvel.

    O espao da fala. A fala como ressonncia.Falar aqui reagir repetio, uma outra forma

    de interpretar a experincia da vida, ter seu prprio som, rugir para o mundo com sua prpria

    voz. A Voz uma ampliao do alcance do corpo humano para dentro e para fora. Para fora,

    seu alcance fsico, onde o som pode chegar com o deslocamento das partculas do ar. Por

    dentro, na interioridade, na abstrao da linguagem que ela carrega.A cidade, desde seu surgimento, mudou radicalmente a vida humana; os discursos, as vozes

    no so apenas dos indivduos, mas das mquinas e dos sons industriais. A cidade sonora.

    Se o homem cria a msica para subjugar o caos ruidoso do mundo, como procede ele frente

    nova paisagem sonora que nos envolve ritmicamente? Como dominar e transformar em msi-

    ca rudos sem expresso e criados por sistemas que mantm o poder e o status quodo poder

    hegemnico? A rede ruidosa da cidade maqunica informa sobre suas prioridades e poderes.

    No iria nossa mudez contra o empoderamento do humano pela tecnologia? No estamos

    mais do que nunca preparados para falar por ns mesmos, instrumentalizados pela tecnologia

    e pelo conhecimento acumulado por sculos? Desvios devem surgir para rivalizar com essa

    hegemonia e falas autorais devem criar pontos de fuga para equilibrar a percepo do mundo.

    A experincia no pode ser percebida por um filtro, uma fala nica, um s ponto de vista,

    onde existem milhares deles, nossas interpretaes, nossas divergncias, nossos gritos que

    o otimismo tecnolgico parece desprezar.

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    35-CamposAutnomos

    O poder e o conhecimento gerados pela tecnologia no podem se concentrar para sempre

    em mapas, guerras e sistemas de controle. Deve haver um impulso contnuo em direo

    liberdade e esse impulso se d com nossos corpos. e sempre ser a hora de produzir micro-

    polticas que se insiram nesse discurso como o som se infiltra por nossos ouvidos, atravessaa fresta dos dedos, utiliza a carne dos dedos para transmitir suas vibraes.

    Uma vez poderosos, no podemos aceitar formas de controle que venham de fora para den-

    tro, nem pagarmos o usufruto tecnolgico com docilidade. Ao invs disso, devemos transfor-

    mar a tecnologia com a mesma sagacidade da multido, reorganizar sua semntica funcional.

    O corpo no pode se limitar ao seu uso como ferramenta, da mesma forma que o conheci-

    mento no pode se aplicar eternamente na amarga repetio da rotina. Os desvios falantes

    surgem para compensar essa disputa pelo imaginrio do mundo.

    III

    A medio e a pesquisa buscam esmiuar esse mundo ruidoso da cidade em seus decibis.

    Mas as paisagens sonoras no contm os elementos da transformao social. A transformao

    cultural e a natureza autntica. O caos sua potncia e de onde provm seu equilbrio. Para

    ns, ela um esttico conjunto de fenmenos que podem ser medidos e conhecidos (e agora,

    salvos da destruio). Apenas conhecendo os dados de seus fenmenos no superamos seuslimites, no alcanamos todos os seus significados e no nos autorizamos a penetr-la.

    Terminamos por viver o mundo urbano como nossa natureza, algo que criamos e sustenta-

    mos, inclusive sua paisagem sonora, com seu descontrole, seus rudos, sua singularidade,

    menosprezada em seu potencial, por nossa falta de tempo, nossa dedicao religiosa ao

    trabalho. Essa temporalidade urbana tem um ritmo, um ritmo que nos faz danar. Um ritmo

    ilusrio, delirante, sem relao com nada, pura repetio.

    Por isso o corpo sonoro, falante, de extrema importncia para a arte e para a poltica. Oenvolvimento fsico como prolongamento do pensamento, uma vez separados do plasma

    ruidoso, tendemos a v-lo como inconveniente, assustador, catico. Da manipulao da na-

    tureza geramos novas naturezas, que ocupamos e vivenciamos como autnticas. Projetamos

    sociedades futuras, esquecendo-nos de projetar homens futuros, crentes na cincia e na

    tecnologia como formadoras do cidado tecnolgico. Esquecemos da criao como algo ca-

    paz de ampliar nossa interpretao do mundo e que permite que nos expressemos sobre as

    transformaes que vivemos.

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    1-36,

    jul.-dez.

    2013.

    IV

    Quando falamos, empurramos molculas de ar frente. Ocupamos o ar. A potncia do som

    que emitimos gera um campo sonoro em torno de ns na mesma proporo da amplitude de

    nossa voz. Toda fala, toda emisso de som que produzimos com nosso corpo, gera um campo

    sonoro autnomo e ativo dentro da paisagem sonora do mundo com seu deslocamento me-

    cnico e o alcance ntimo de seu significado.

    Quando falamos, nos dirigimos a algum ou a algo. uma projeo sonora externa e in-

    terna. Ocupao de um territrio, de um espao fsico, em torno e dentro de ns. Fala que

    nos diferencia como habilidade, a capacidade de descrever o mundo e faz-lo com clareza.

    Fisicamente o som de nossa voz atua ao mesmo tempo em que nossa audio se empenhaem interpretar o que ouvimos.

    O som ocupa o espao fsico do mundo ao redor de sua fonte e, com sua invisibilidade, es-

    timula o potencial imaginrio dos ouvintes, impulsionando-os em suas memrias. Ouvindo,

    recorremos sempre ao nosso repertrio e encaixamos continuamente os fragmentos em

    nossas experincias vividas. O incio da criao a fala. Fluindo de voz em voz, a fala produz

    ressonncias. Para alm de nosso territrio se propaga nosso discurso.

    O encontro dessa fala com a vivncia do corpo a poesia sonora. Produzir essa fala criarum campo autnomo, pensar a arte e a ocupao poltica das ruas ao mesmo tempo, porque

    o som produz territrios desde o indivduo at a multido, campos de autonomia que se do

    na esfera pblica. a escuta de tal forma sensvel que nos demanda repensar o nosso senso

    de percepo.

    Referncias

    LABELLE, Brandon. Acoustic Territories: Sound Culture and Everyday Life. Londres: Continuum, 2010.

    ALS, Francis. A Story of Deception: Patagonia, 2003-2006. Buenos Aires: Fundacon Eduardo F. Constantini, 2006.

    NANCY, Jean-Luc. Listening. Bronx, Nova York: Fordhan University Press, 2007.

    POE, Edgar Allan. O homem da multido. In: Obras Completas. Rio de Janeiro: Nova Aguilar, 2001.

    TOMS, Lia. Ouvir o lgos: msica e filosofia. So Paulo: Ed. UNESP, 2002.

    ULPIANO, Claudio. Gilles Deleuze: a grande aventura do pensamento. Rio de Janeiro: Funemac Livros, 2013.

    ZIZEK, Slavoj. O violento silncio de um novo comeo. In: HARVEY, David; IEK, Slavoj; ALI, Tariq et al. Occupy: movimentos de

    protesto que tomaram as ruas. So Paulo: Boitempo Editorial, 2012.

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    Memria e experincia no trabalho do performer:oWorkcenter de Grotowski e Thomas Richards

    Martha Ribeiro*

    *Martha Ribeiro diretora teatral, professora adjunta no Departamento de Arte e docente no Programa de Ps-Graduao em Estudos

    Contemporneos das Artes da Universidade Federal Fluminense. Publicou pela Editora Perspectiva o livro Luigi Pirandello um teatro

    para Marta Abba, 2010. Coordena o Laboratrio de Criao e Investigao da Cena Contempornea, e o projeto de pesquisa Pirandello

    Contemporneo (www.pirandellocontemporaneo.uff.br).

    RESUMO: Em visita ao Workcenter de Grotowski e Thomas Richards loca-

    lizado na cidade de Pontedera na Itlia, em junho de 2013, buscamos com-

    preender in locoo treinamento do ator, a partir do legado de Grotowski,no entendimento da Arte como Veculo. Neste artigo, iremos nos deter

    seguinte questo: possvel compreender a arte como veculo enquanto

    um antdoto, uma sada, para o declnio da experincia, apontado por

    Benjamim?

    Palavras-chave: Jersy Grotowski, Arte como Veculo, performer, experincia

    ABSTRACT: Visiting, in June 2013, The Workcenter of Jerzy Grotowski and

    Thomas Richards, located in Pontedera in Italy, we intend to understand

    in loco the actor training from the perspective of the legacy of Grotowski,

    comprehending Art as Vehicle. In this article, we will focus our attention on

    the following question: is it possible to understand the concept of art as a

    vehicle as an antidote, a means for escaping from decline of experience,

    appointed by Benjamin?Keywords: Jerzy Grotowski, Art as Vehicle, performer, experience

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    ianotrabalhodoperforme...

    significavam. Pelo menos assim para muitos de ns. [...] Mas ento, o que necessrio? O

    que vivo? A aventura e o encontro, mas no qualquer um. (GROTOWSKI apud OSINSKI, 2004,

    p. 296. Traduo nossa)

    Esses conceitos, condenados por Grotowski, imediatamente nos remetem a tudo de impu-

    ro, de contaminado, de ficcional que inerente ao teatro. Toda essa estrutura da ordem

    da representao, dos simulacros, dos vus, das mscaras e aparncias, ser obviamente

    questionada por este pensador que sempre buscou a transparncia, a pureza, a essen-

    cialidade no contaminada pelo artifcio. Em seu lugar, Grotowski deseja a aventura viva do

    ensaio, o encontro real, completo, o gesto no automatizado. Como dir em O Performer, o

    performer um homem de ao (do impulso), do fazer. Contrariamente, o homem da repre-

    sentao pertence a outra ordem, tudo nele responde a algo anterior ao, teoria, aos

    conceitos. Afinal, este homem que representa um homem fraturado, dividido entre corpo e

    mente, tudo que faz j cpia, desencontro, pois buscando imitar, buscando criar uma vida

    ficcional, buscando o melhor gesto, buscando acertar, preenchendo os vazios com cdigos

    preestabelecidos, j catalogados, esse homem da representao se perde dele mesmo para

    imitar um artifcio, uma casca oca, sem vida, exterior a ele. As experincias prticas do Teatro

    Laboratrio caminharam em sentido contrrio a esta dilacerao dualista, de negao desta

    via representativa, para enfim alcanar a viso grotowskiana de um homem lmpido, pleno.

    Um dos caminhos para ascender via criativa e vir a ser este homem lmpido, transparente,

    o Performer, ativar, descobrindo em si mesmo, uma corporalidade antiga qual somos

    ligados por uma relao ancestral forte. Essa afirmao de Grotowski, presente no funda-

    mental texto O Performer(1988)2, nos instiga, pois lana mo de termos como memria e re-

    miniscncia, conceitos que buscamos compreender pela via do processo atoral. O pedagogo

    observa que quando ele trabalha muito perto da essncia, ele tem a impresso de atualizar amemria: quando a essncia ativada como se potencialidades muito fortes se ativassem.

    A reminiscncia talvez uma destas potencialidades. Tratamos aqui de evocar a famosa ima-

    gem contida no Eu-Eu de Grotowski: o pssaro que bica e o pssaro que olha; famosa imagem

    do Upanishadda rvore da vida dos dois pssaros, um ativo e o outro contemplativo. Essa

    imagem, que corresponde a uma dupla dimenso da vida, um duplo caminho, vertical e hori-

    zontal, essencial para pensarmos as experincias laboratoriais do artista. Para Grotowski, a

    experincia do performer sempre dupla, ele est dentro e fora do tempo, ao mesmo tempo,

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    pois percorre uma terceira via que o faz escapar do dualismo dilacerante. A terceira via (para

    Osinski, Grotowski seria um dos artistas do sculo XX mais ativos nesta busca), a totalidade

    que existe no Eu-Eu:

    Podemos ler nos textos antigos: Ns somos dois. O pssaro que bica e o pssaro que olha.

    Um morrer, um viver. Embriagados de estar dentro do tempo, preocupados em bicar, nos

    esquecemos de fazer viver a parte de ns mesmos que olha. Existe ento o perigo de se existir

    somente dentro do tempo e nulamente fora do tempo. Se sentir olhado pela outra parte de si

    mesmo, esta que est como que fora do tempo, d uma outra dimenso. Existe um Eu-Eu. O

    segundo Eu quase virtual; no est em ns o olhar dos outros, nem o julgamento, como

    um olhar imvel: presena silenciosa, como o sol que ilumina as coisas e tudo. O processo

    de cada um pode se completar somente no contexto desta presena imvel. Eu-Eu: na ex-

    perincia a dupla no aparece separada, mas como plena, nica. [...] O Eu-Eu no quer dizer

    estar cortado em dois, mas ser duplo. Se trata aqui de ser passivo na ao e ativo no olhar (ao

    contrrio do habitual). Passivo quer dizer receptivo. Ativo ser presente. (GROTOWSKI, 1988)

    A plenitude alcanada por essa dupla presena corresponde experincia do ritual, vai dizer

    Osinski: o ritual est ligado, sobretudo, verticalidade, mas tambm possui referncias hori-

    zontais, por exemplo, interpessoais e sociais. (2004, p. 300) Eugenio Barba, em A Canoa de

    papel(2009), assim observa o processo criativo do performer a partir da terceira via: as tc-

    nicas extracotidianas do corpo consistem em procedimentos fsicos que aparecem fundados

    sobre a realidade que se conhece, mas segundo uma lgica que no imediatamente reco-

    nhecvel. [...] que faz emergir o essencial das aes e distancia o corpo das tcnicas cotidia-

    nas. (BARBA, 2009, p. 63) Quer dizer, os automatismos inerentes s tcnicas cotidianas so

    substitudos, mas no h um desligamento completo da via horizontal, pois no se persegue

    o assombro, o corpo crvel, porm potencializado em um corpo-memria.O simbolismo arcaico dos dois pssaros j foi observado em Mircea Eliade em 1962:

    O motivo da rvore da Vida com estes dois pssaros se pode encontrar desde a pr-histria. H

    muito tempo desejava escrever um artigo sobre este simbolismo arcaico. Mas por que estou

    assim comovido ao ouvir estes pssaros na magnlia? Qual misterioso sentido se revela sem

    a interveno da minha conscincia, para que a revelao chegasse ao mais profundo do

    meu ser? Lembro-me improvisadamente de alguns textos indianos, aos quais no pensava h

    trinta anos. Mais uma vez constato o quanto concreta a filosofia indiana aos seus herdeiros,

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    indissoluvelmente ligada s imagens e aos gestos. (Mircea ELIADE, Religione, letteratura e

    comunismo, apud OSINSKI, 2004, p. 301. Traduo nossa)

    Neste ponto, evocamos Walter Benjamim em suas consideraes sobre a memria e a remi-

    niscncia, contidas no ensaio O Narrador(1936). Benjamim vai dizer que a memria a mais

    pica de todas as faculdades (1985, p. 210) e que a reminiscncia aquilo que se conserva na

    memria. Interessante notar que para Benjamin o declnio da narrativa se deu pelo romance,

    que encontrou seu elemento favorvel no florescimento da burguesia, mas seu derradeiro fi-

    nal veio com o surgimento da informao, pois se a narrativa trata do saber que vem de longe,

    a informao aspira a uma verificao imediata. Ora, a informao no se detm na memria,

    ela avessa contemplao, ao surpreendente, ela instantnea, porque j vem com uma

    explicao plausvel, anterior experincia. J a narrativa evita explicaes: o extraordinrio

    e o miraculoso so narrados com a maior exatido, mas o contexto psicolgico da ao no

    imposto ao leitor. Ele livre para interpretar a histria como quiser. (BENJAMIN, 1985, p. 203)

    O que fica claro at aqui a ideia de que a narrativa, avessa a explicaes psicolgicas, a

    arte de conservar na memria a experincia, seja ela sua prpria experincia ou aquela relata-

    da por outro. A narrativa, nestes termos, um processo de assimilao da histria prpria

    experincia, um processo de ligao, de pertencimento, a algo que vem de longe, ancestral.E Benjamin completa afirmando que esse processo de assimilao se d em camadas mui-

    to profundas e exige um estado de distenso cada vez mais raro. (1985, p. 204) O que se

    conserva na memria da ordem do conhecimento e aqui novamente podemos pensar no

    processo criativo do performer, isto , o homem de conhecimento, dir Grotowski: [...] um

    rebelde que deve conquistar o conhecimento; mesmo se ele no maldito pelos outros, ele

    se sente diferente, como um outsider. [...] O homem de conhecimento dispe do doing, do fa-

    zer e no de ideias ou de teorias. [...] O conhecimento uma questo do fazer. (GROTOWSKI,1988) E se a reminiscncia, no dizer de Grotowski, uma potncia ativada pela essncia, para

    Benjamin, a reminiscncia funda a cadeia da tradio. (1985, p. 211) Ao ativar essa potencia-

    lidade, o performer realiza o ato total, assim definido por Grotowski:

    muito difcil explicar no que consiste o caminho em direo a este tipo de ato, de ato atoral

    [...]. Se vocs viram, por exemplo, O Prncipe Constante, possvel ter uma ideia dele atra-

    vs do papel de Ryszard Cieslak, o Prncipe Constante; ou se viram Akropolis, isso acontece

    na cena do final, quando o cortejo vai em direo ao forno crematrio; [...] Se o ato tem lugar,

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    ento o ator, isto , o ser humano, ultrapassa o estado de incompletude ao qual ns mesmos

    nos condenamos na vida cotidiana. Esmorece ento a diviso entre pensamento e sentimento,

    entre corpo e alma, entre consciente e inconsciente, entre ver e instinto, entre sexo e crebro;

    o ator que faz isso alcana a inteireza. [...] Se o ator consegue cumprir este tipo de ato e issona coliso com o texto, que mantm para ns a sua vitalidade, a reao que nasce em ns con-

    tm uma singular unio daquilo que individual e coletivo. [...] O que coletivo, como ligado

    espcie, e o que pessoal, se conjugam no mesmo ponto, essa uma das caractersticas fun-

    damentais do ato. [...] No se trata mais de atuar, eis porque um ato. [...] Esse o fenmeno

    da ao total (eis porque queramos cham-lo de ato total). Ele, o ator, no est mais dividido,

    naquele momento no existe mais pela metade. Repete a partitura e ao mesmo tempo se des-

    vela at os limites do impossvel, at aquela semente do seu ser, que chamo de arrirre-tre.

    O impossvel possvel. (GROTOWSKI, 2010, p. 134)

    A imagem do ato total, do homem total, se ope ao dualismo que separa o essencial e o

    temporal, o coletivo do individual, o interior do exterior. So esses duplos (espontaneidade e

    disciplina; corpo e mente; pensamento e emoo etc.) a matria prima do pensamento de

    Grotowski: o conjunction oppositorum entre espontaneidade e estrutura. So os detalhes pls-

    ticos, os pequenos gestos, resultados das experincias de cada performer, que ativam o corpo-

    -memria, que permitem a imerso do performer nas recordaes. No entanto, para ativar amemria a totalidade do nosso ser, ser preciso eliminar tudo que excessivamente artificial

    ou esttico, tudo aquilo que bloqueia o corpo-memria, o corpo-vida. Os detalhes improvisa-

    dos, espontneos, no podem ser apenas gestos, envolvendo braos e pernas, eles devem

    estar radicados na totalidade do corpo. Afinal, como dir Grotowski, toda reao autntica

    tem incio no interior do corpo. O exterior somente o fim desse processo. (2010, p. 172)

    E aqui, novamente podemos voltar ao texto O Narrador no trecho em que Benjamin citaLukcs: o sujeito s pode ultrapassar o dualismo da interioridade e da exterioridade quando

    percebe a unidade de toda sua vida... na corrente vital do seu passado, resumida na remi-

    niscncia.... (LUKCS apud BENJAMIN, 1985, p. 212) E para ficarmos com Benjamim, nos

    perguntamos ao lado do filsofo: a relao entre o narrador e sua matria a vida humana

    no seria ela prpria uma relao artesanal? No seria sua tarefa trabalhar a matria-prima da

    experincia a sua e a dos outros transformando-a num produto slido, til e nico? Para

    Benjamin, o narrador figura entre os mestres e os sbios, pois s ele pode recorrer ao acervo

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    de toda uma vida, que no s dele, mas que inclui as lembranas de outras vidas. O narrador

    a figura na qual o justo se encontra consigo mesmo. (1985, p. 221) E aqui citamos Grotowski:

    Por que nos preocupamos com arte? Para cruzar fronteiras, vencer limitaes, preencher nosso

    vazio para nos realizar. No se trata de uma condio, mas de um processo atravs do qual o

    que obscuro em ns torna-se paulatinamente claro. (GROTOWSKI apud OSINSKI, 2004, p. 323)

    A ideia de uma relao artesanal, proposta por Benjamim, entre o narrador e sua matria pri-

    ma, se assemelha com os objetivos dos exerccios corporais de Grotowski pensados para os

    atores, nos quais se trabalha um longo caminho de seleo e de eliminao. Podemos enten-

    der, a partir de Benjamim, que os bloqueios observados por Grotowski em seus atores (no

    s fsicos, mas principalmente de sua atitude em relao ao prprio corpo) so o resultadode um excesso de informao que impede a experincia real do performer com seu corpo,

    que impede o despertar do corpo-memria ou o acontecimento do corpo-experincia(termo

    cunhado a partir da influncia benjaminiana). Ento os exerccios so um caminho para supe-

    rar a diviso entre mim e meu corpo, dir Grotowski. A informao, assim como o teatro

    que treina seus atores para o virtuosismo corporal, domestica ou adoece o corpo j que, ante-

    rior experincia, impede que o corpo tenha a possibilidade de viver uma experincia viva:

    O corpo no temmemria, ele memria. O que devem fazer desbloquear o corpo-mem-

    ria. Se comeam a usar detalhes precisos nos exerccios plsticos e do o comando a vocs:

    agora devo mudar o ritmo, agora devo mudar a sequncia dos detalhes etc., no liberaram o

    corpo-memria. Justamente porque um comando. Portanto a mente que age. Mas se vocs

    mantm os detalhes precisos e deixam que o corpo determine os diferentes ritmos, mudando

    continuamente o ritmo, mudando a ordem, [...] ento quem d os comandos? No a mente e

    nem acontece por acaso, isso est em relao com a nossa vida. (GROTOWSKI, 2010, p. 173)

    O corpo comandado, bem-informado, seria um corpo pobre de experincias, pois todo o gestoacionado vem precedido de uma explicao, quando o que se deseja no treinamento do ator,

    na arte como veculo, evitar o comentrio, interromper o automatismo e permitir o despertar

    do corpo-memria, o corpo-vida, esvaziando o ator dos excessos de informao, permitindo

    a fluidez, o ato. E aqui citamos Benjamim: o narrador o homem que poderia deixar a luz

    tnue de sua narrao consumir completamente a mecha de sua vida. (1985, p. 221) Assim

    como o narrador de Benjamin, o Performer (assim, com letra maiscula) de Grotowski sabe

    rememorar, ele um fazedor de pontes e no tem medo de sua morte.

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    Notas

    1 O vdeo integra o acervo pessoal da autora.

    2 Conferncia pronunciada por Grotowski e publicada pela Art-Press em 1987. Texto original em francs traduzido por Celina Sodr(sem publicao).

    Referncias

    BARBA, Eugenio. A Canoa de Papel: Tratado de Antropologia Teatral. Braslia: Ed. Dulcina, 2009.

    BENJAMIN, Walter. O Narrador. In: Magia e tcnica, arte e poltica: ensaios sobre literatura e histria da cultura. Obras escolhidas, vol.

    1. So Paulo: Editora Brasiliense, 1985.

    DE MARINIS, Marco. Nova Teatralogia e Performance Studies: Questes para um dilogo. Repertrio: Teatro & Dana, Salvador

    (UFBA), v. 13, n. 15, 2010.

    GROTOWSKY, Jerzy. Performer. In: Centro di lavoro di Jerzy Grotowski Workcenter of Jerzy Grotowski. Pontedera: Centro per la

    Sperimentazione e la Ricerca Teatral, 1988.

    GROTOWSKY, Jerzy. Jersy Grotowski. Teatro e Ritual. In: O Teatro Laboratrio de Jersy Grotowski 1959-1969. So Paulo:

    Perspectiva, 2010.

    OSINSKI, Zbigniew. Grotowski e la Gnosi. Teatro e storia, XVIII, 2004.

    Corpo narrativo: um lugar que me atravessa

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    lugarquemeatravessa

    Corpo narrativo: um lugar que me atravessaMarcelo Campos*

    *Marcelo Campos professor adjunto do Departamento de Teoria e Histria da Arte do Instituto de Artes da Universidade do Estado

    do Rio de Janeiro (UERJ).

    RESUMO: O artigo procura problematizar as relaes entre corpo e lu-

    gar nas obras da arte contempornea brasileira. Buscam-se referncias

    em trabalhos nos quais a presena do corpo do artista se faz de modo

    narrativo. A anlise se detm na produo de Berna Reale, Brgida Baltar,

    Efrain Almeida, Jos Rufino e Rosana Paulino. Ao mesmo tempo, pensa-

    -se o lugar como condio narrativa nas teorias de Nestor Garcia Canclini e

    Homi Bhabha. A arte contempornea, a partir dos anos 1990, potencializou

    a ideia de autofico coadunada com a presena do narrador em primeira

    pessoa. A constncia do sujeito na narrativa evidencia uma mudana na

    compreenso das dicotomias entre pblico e privado. Hoje, a localidade se

    reelabora como negociao de um presente conectado em instantneos.

    E o corpo permanece ativando esferas de significados.

    Palavras-chave: arte contempornea brasileira, brasilidade, corpo, autorre-

    presentao

    ABSTRACT: The paper aims to discuss the relationship between body

    and place in the works of contemporary Brazilian art. References are

    sought on works in which the presence of the artists body becomes the

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    jul.-dez.

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    narrative mode. The analysis delves into the production of Berna Reale,

    Brigida Baltar, Efrain Almeida, Jos Rufino and Rosana Paulino. At the

    same time, it is thought the place as narrative condition in Nestor Garcia

    Canclini theories and Homi Bhabha. Contemporary art from the 1990s

    enhanced the idea autofiction, coalescing with the presence of the first-

    person narrator. The constancy of the subject in the narrative indicates

    a change in understanding the dichotomies between public and private.

    Today, the location trading as a present connected in snapshots. And the

    body remained activating spheres of meaning.

    Keywords: Brazilian contemporary art, national identity, body, self-representation

    A ferramenta infogrfica apresenta imagens reais e um passeio contnuo pelo bairro da infn-

    cia. Podemos ver a antiga moradia, o jornaleiro, a venda, a igreja, a escola. Diante das ima-

    gens, pendulamos entre um sentimento melanclico de preservao de relquia e a vontade

    de enfrentar o futuro, sensaes misturadas inevitvel veleidade de apagamento do prpriorecurso. Como substituir o caminhar? Mas, o modo como um corpo atravessava tais lugares

    permanece intacto na memria. O lugar atravessa o corpo no mesmo istmo em que atra-

    vessado pelo sujeito.

    Nas imagens projetadas na sala do museu, a artista empenha-se em executar gestos preg-

    nantes. Em um dos vdeos, apresenta-se disfarada de mulher rica, com colares de prolas,

    tailleur, cabelos escovados, preservados em laqu. A personagem dirige uma biga, antigo

    carro de guerra de duas rodas, originalmente puxado por cavalos. Agora, em um bairro pobre,

    perifrico, do Brasil, a biga conduzida por porcos que chafurdam diante das cmeras. A rua

    enlameada, as casas sem reboco, as crianas descalas configuram a locao prxima s

    condies de abandono do poder pblico. Ali, exibem-se, em latncia, os perigos de uma so-

    ciedade neoliberal, na qual a distino entre as esferas pblicas e privadas mudam de funo.

    De que maneira conjugar consumo capitalista e condies de habitao? O que se configura

    como caracterstica de um lugar e o que se tornou ponto de um descaso problemtico?

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    Berna RealeSoledade, 2013.

    vdeoRegistro fotogrfico: Janduari Simes

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    jul.-dez.

    2013.

    O lugar atravessa a personagem, mas agora, em conflito. Ela no pertence quela casta,

    quele grupo, quele tempo. Berna Reale consegue nos colocar diante de ambivalncias,

    contradies. E, acima de tudo, mantm-se sem cacoetes de arte contempornea. A perso-

    nagem farsa. Uma histria contada pela segunda vez, como nos ensinara Karl Marx. E Bernase agarra a esta condio, com tailleurfeito na costureira, longe de Coco Chanel, perto do

    Mercado Ver-o-peso. Assim, Belm do Par atravessa seu corpo, ainda que no consigamos

    responder: de que lugar trata uma paisagem?, pergunta lanada por outra artista, Brgida

    Baltar, em vdeo produzido no serto brasileiro.

    O lugar que atravessa um corpo foi um dos pontos de inflexo do trabalho de Brgida Baltar,

    Efrain Almeida, Jos Rufino, Rosana Paulino, entre outros artistas surgidos na cena brasileira

    dos anos 1990, e continua potente em trabalhos como os de Berna Reale. A arte contempor-

    nea brasileira, desde os anos 1960, acostumara-se a refletir sobre caractersticas identitrias

    em objetos de apropriao, advindos da cultura popular. Por outro lado, a conscincia espa-

    cial misturava-se a questes socioculturais, como nas relaes entre as favelas e a obra de

    Hlio Oiticica. Porm, a gerao que surgira com as discusses dos anos 1990 enfrentara a

    condio hibridizada entre vida privada e pblica. As categorias antes ampliadas como classe

    e gnero tornaram-se conscincia das posies do sujeito, denominao dada pelo indiano

    Homi Bhabha (2003). Com o surgimento do vrus da AIDS, o sexo se transformara em discur-

    so, campanhas de preveno, luta contra preconceitos veiculados no horrio nobre da TV. O

    corpo, ento, virou panfleto para tais discusses. Narrar as diferenas, segundo Canclini, mar-

    ca um desejo de convergncia, mas nunca uma unicidade de termos. (CANCLINI, 2009, p.

    57) Problematizam-se o gnero, a sexualidade, a etnicidade. E, ento, tais narraes passam

    a atravessar o corpo dos artistas.

    Porm, que lugar servir como vrtice para tais discursos? Aqui teremos a grande mudanaempreendida por artistas que se empenham em relatos sobre seus amantes, seus amigos,

    seus dirios, sua casa, sua cama. Os sujeitos gritaro a partir de entre-lugares, nos exce-

    dentes da soma das partes das diferenas. (BHABHA, 2003, p. 20) Tal articulao, afirmar

    Bhabha, uma negociao complexa pelo direito de se expressar a partir das margens, das

    fronteiras, reinscrevendo a condio do contingente histrico, localizado, pessoal. Questiona-

    se o modo de representao da alteridade (BHABHA, 2003, p. 107) que agora deixa os

    discursos grandiloquentes para assumir a micronarrativa desde a casa, desde o corpo.

    P b b il i B id B l f d l d

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    49-Corponarrativo:uml

    ugarquemeatravessa

    Percebemos, na arte brasileira, Brgida Baltar fazer de seu corpo um lugar a ser atravessado,

    metamorfoseado, vivido. Em projetos iniciais, Brgida explorou a fisicalidade de seu prprio

    ateli, fazendo experimentaes, cavando buracos na parede, retirando o p de tijolo, cole-

    tando goteiras da casa, criando simbioses com personagens como a abelha, por exemplo.E quem enfrenta a narrao o corpo da artista; prximo, de dentro da casa, estranhando o

    lugar e se deixando atravessar por ele. Efrain Almeida faz da escultura uma possibilidade de

    autoimagem, autofico, na qual o lugar geogrfico, o interior do Cear, passa a se apresentar

    na madeira caracterstica de santeiros do interior, a umburana, deixando, muitas vezes, o lugar

    atravessar seu corpo, apresentado em autorretratos. Esta arte assumira a primeira pessoa

    como situao, um lugar que questionara o formalismo autnomo, apresentando problemati-

    zaes sobre a diferena, sobre a desigualdade. Jos Rufino traz os arquivos familiares, tradi-es ligadas cultura canavieira, em cartas de seus ascendentes paraibanos. Vemos, no uso

    de um mobilirio colonial, o Brasil dos senhores de engenho, atualizado, posteriormente, nas

    discusses sobre o corpo desaparecido da ditadura militar. Rosana Paulino faz da etnicidade

    uma condio, observando a herana familiar em imagens enclausuradas de retratos impres-

    sos sobre bastidores, instrumentos de bordar, com rostos de negros costurados nos olhos, na

    boca. Ali, as representaes se coadunam, o cone de Escrava Anastcia mescla-se s fotos

    corriqueiras de menores negros infratores.

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    Jos Rufino

    Cartas de areia, 1980-.

    desenho (tmpera, sangunea e

    lpis sobre envelope de famlia)

    15,6 x 24,6 cm

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    Efrain Almeida

    Autorretrato vitruviano, 2013.

    umburana e leo

    27 x 27 x 6 cm

    Cortesia: Galeria El Museo

    Assim os lugares atravessam o corpo Percebemos como nos esclarecera Homi Bhabha

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    52-Poisis,n.

    21-22,p.

    45-52,

    jul.-dez.

    2013.

    Assim, os lugares atravessam o corpo. Percebemos, como nos esclarecera Homi Bhabha

    (2003), que a localidade s vale, s vence, quando precisa ser negociada. O lugar, a nao

    preenche o vazio deixado por vrias disporas, um lugar de partida, de separao, de desa-

    gregao. E a arte exercita a metaforicidade (BHABHA, 2003, p. 201) que empreende umretorno, agora consciente da perda, mas presentificado por um outro evento, aquele que o

    artista prope para refazer laos de confiana com o pblico. A brasilidade na arte contempo-

    rnea , ento, um modo de negociar a presentificao destes eventos ligados a problemas

    sociais, s desigualdades praticadas pelo sistema da arte, concentrado no sudeste, diferen-

    a dos discursos de gnero e de etnicidade. Exercita-se um modo de perceber as fronteiras,

    as quebras, a autonomia como ameaa de desconexo, silncio das anomias.

    Canclini nos alerta que existe uma luta pela significao, a partir da cultura do instant-neo sem histria. (CANCLINI, 2009, p. 220) Conectar-se e desconectar-se. Organizar bases

    slidas ou solidificar a fugacidade dos instantes? Evaporam-se as utopias e responde-se ao

    risco de excluso a beleza uma qualidade do acontecimento, no do objeto, decretara

    Zygmunt Bauman. (apud CANCLINI, 2009, p. 219) A experincia corporal na arte deixa eviden-

    te esta sensao de que tudo est no instante e que precisamos captar sua densidade.

    (CANCLINI, 2009, p. 219) Pensar a periferia de Belm do Par, o serto cearense, a Casa-

    grande paraibana ou um ateli em Botafogo conferir densidade a histrias irreproduzveis, asensaes de dispora, exlio, perda, memria e melancolia.

    O corpo, no entanto, pode agir sobre a perda. Deste modo, Berna Reale deixa-se atravessar

    pelo Brasil perifrico, na favela de Belm do Par. Um lugar que pode se apresentar conecta-

    do ao GoogleStreet Viewda tela do computador, mas que carece de descrio particularizada,

    inventiva, pois no ato de conectar-se ficamos cada vez mais diante do assombro de instant-

    neos sem histria, mas que o corpo, nas falcias do presente, tratar de percorrer, de projetar

    em um tempo memorvel, narrvel, sobretudo.O lugar s existe na arte como um corpo narrativo.

    Referncias

    BHABHA, Homi. O local da cultura. Belo Horizonte: Editora UFMG, 2003.

    CANCLINI, Nestor Garcia. Diferentes, desiguais, desconectados. Rio de Janeiro: Editora da UFRJ, 2009.

    O Corpo-Horizonte: sobre Miragensde Regina de PaulaTania Rivera*

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    53-OCorpo-Horizonte:

    sobreMiragensdeReginade

    Paula

    Tania Rivera*

    *Tania Rivera mestre e doutora em Psicologia pela Universit Catholique de Louvain (1996). Realizou ps-doutorado em Artes

    Visuais na EBA-UFRJ (2006). Foi professora da Universidade de Braslia de 1998 a 2010 e atualmente professora da Universidade

    Fed


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