Date post: | 16-Apr-2015 |
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Crioglobulinemias
André Luquini - R3 Reumatologia2011
Breve HistóricoDate Discovery
1933 - Wintrobe and Buell Molécula crioprecipitável em caso de Mieloma Múltiplo
1947 - Lerner and Watson Crioglobulinas
1962 Crioglobulinemia mista
1964 - Meltzer and Franklin Quadro clínico da crioglobulinemia mista essencial
1974 – Brouet , Clauvel and Seligmann Classificação das crioglobulinas
1977 Associação com antigenemia VHB
1979-1980Papel do VHB na crioglobulinemia mista descartado
1990-1991 Associação do VHC com a crioglobulinemia mista
Definição
A crioglobulinemia é caracterizada pela presença no soro de uma ou mais imunoglobulinas que se precipitam em temperaturas menores que 37° C e tornam a se solubilizar ao reaquecimento.
Classificação
São reconhecidos 3 tipos de crioglobulinas:
• Tipo 1: imunoglobulina monoclonal, freqüentemente IgG; mas também pode ser IgM, IgA, cadeias leves;
• Tipo 2: IgG policlonal e IgM monoclonal com atividade de Fator Reumatóide
• Tipo 3: IgG e IgM (FR) policlonais.
Brouet JC, Clauvel JP, Seligmann M: Cryoglobulinemias: Clinical and biological correlations. AnnMed Interne 1975; 126:563-567.
As crioglobulinas do Tipo 1 estão presentes em grandes concentrações (até 8g/L) e não interferem na atividade do complemento in vitro. Precipitam rapidamente em baixas temparaturas . Estão freqüentemente associadas a doenças linfoproliferativas (mieloma, linfoma, macroglobulinemia) e a hiperviscosidade.
As dos tipos 2 e 3 são denominadas conjuntamente como crioglobulinemias mistas (80% de todas as crioglobulinas). Elas precipitam após longo período em baixas temperaturas (de 24hs a 1 semana a 4°C) e têm forte atividade anti-complemento. Têm sua propriedade de crioprecipitação reduzida ou abolida após ciclos repetidos de esfriamento e reaquecimento. Estão associadas a infecções crônicas e doenças autoimunes.
Winfield JB: Cryoglobulinemia. Hum Pathol 1983; 14:350-354.
TIPO COMPOSIÇÃO ALTERAÇÕES LABORATORIAIS
ALTERAÇÕES CLÍNICAS
DOENÇAS ASSOCIADAS
I Monoclonal (IgG, IgM, IgA, cadeia leve)
Pico monoclonal hiperviscosidade
Acrocianose, Raynaud, necrose (extremidades), Sd da hiperviscosidade
Mieloma, macroglobuline-mia, linfoma, idiopática
II Componente monoclonal (FR) e policlonal
FR, C4 diminuído, transaminases aumenadas
Nefrite, púrpura, neuropatia, artrite, ceratoconjuntivite
Infecção por VHC, leucemia linfóide crônica, macroglobuline-mia, Sjögren, linfoma
III Apenas componente policlonal
FR Vasculite, artralgia, artrite, nefrite
Infecções crônicas, doenças auto-imunes
Epidemiologia Afeta predominantemente mulheres de meia-idade. O VHC é o agente etiológico na maioria dos casos
de crioglobulinemia mista (60%-90%). A prevalência de crioglobulinas séricas nos
pacientes VHC+ varia de 19 a 50%. Manifestações clínicas ocorrem em 15% a 30% dos pacientes crio-positivos e em 5% a 10% de todos os pacientes infectados pelo vírus.
O genótipo 2a é o mais freqüente nos pacientes portadores do VHC que vieram a desenvolver crioglobulinemia mista.
. Gatta A, Giannini C, Lampertico P, et al: Hepatotropic viruses: new insights in pathogenesis and treatment. Clin Exp Rheumatol 2008; 26(1 Suppl 48):S33-S38
Epidemiologia da crioglobulinemia mista
Idade (anos)42-52
Sexo (mulheres : homens)3 : 1
Geografia Sul da Europa (área endêmica do VHC)
Associação genéticacontroversa
Patogenia Papel central do VHC na etiopatogênese da
crioglobulinemia mista: Produção de auto-anticorpos por mimetismo
molecular ou deposição de imunocomplexos contendo o vírus nos vasos e tecidos
A interação entre o VHC e os linfócitos B é mediada pelo CD81, expresso também pelos hepatócitos. Sua ligação reduz a ativação policlonal do linfócito B, favorecendo a formação de autoanticorpos e crioglobulinas
O VHC estimula cronicamente o sistema imune, com ativação de oncogenes que levam à emergência de clones protegidos contra a apoptose, o que favorece a persistência de clones auto-reativos e doenças linfoproliferativas
Quadro Clínico A crioglobulinemia mista geralmente mostra
progressão lenta, com períodos de exacerbação e remissão, e raras agudizações
Diferentes graus de púrpura são evidentes em quase todos os pacientes. Outras manifestações comuns são fraqueza, artralgias, acometimento hepático, Raynaud e mononeurite múltipla.
Histologicamente há uma vasculite leucocitoclástica de pequenos vasos
Púrpura Não pruriginosa, intermitente, tipicamente envolve
membros inferiores (a estase venosa favorece a precipitação das crioglobulinas). Em formas mais difusas e graves da doeça, pode também acometer o abdomen e o tórax
A associação de úlceras de perna com púrpura é o sintoma inicial em 22% dos pacientesGorevich PD, Kassab HJ, Levo Y, et al:
Mixed cryoglobulinemia: clinical aspects and long term follow up of 40 patients. Am J Med 1980; 69:287-308.
A imunohistoquímica de biópsias de pele revela antígenos associados ao VHC, sugerindo papel central dos imunocomplexos circulantes contendo o vírus na patogênese da púrpura crioglobulinêmica
Laboratório
Fenômeno de Raynaud
Presente em 25% dos pacientes ao diagnóstico. Sintomas são leves, geralmente sem lesões tróficas
Acometimento articular Artralgia está prsente na maioria dos casos e tem curso
intermitente ao longo da doença. As articulações mais comumente acometidas são as mãos, joelhos, tornozelos e cotovelos
Durante a infecção crônica pelo VHC, dois diferentes quadros de artrite foram descritos:
(1) artrite intermitente monarticular/oligoarticular em grandes e médias articulações, quase sempre relacionadas à presença de crioglobulinas; e
(2) artrite simétrica poliarticular semelhante à artrite reumatóide (mas com anti CCP negativo)
Palazzi C, Olivieri I, Cacciatore P, et al: Difficulties in the differential diagnosis between primitive rheumatic diseases and hepatitis C virus–related disorders. Clin Exp Rheumatol 2005; 23:2-6.
Acometimento Renal 1/3 dos pacientes Glomerulonefrite membranoproliferativa com
grau variável de lesão intersticial e vascular Clinicamente, a lesão renal varia da
proteinúria isolada à síndrome nefrítica, com períodos de remissão e exacerbação, podendo eventualmente levar à falência do órgão
14. Tarantino A, Campise M, Banfi G, et al: Long-term predictors of survival in essential mixed cryoglobulinemic glomerulonephritis. Kidney Int 1995; 47:618-623.
Acometimento neural Neuropatia periférica, quase exclusivamente
sensitiva. Sintomas que sugerem neuropatia periférica
presentes em mais de 90% dos pacientes com crioglobulinemia mista; manifestações objetivas como alteração da velocidade de condução sensitivo-motora em 50% dos pacientes
Desmielinização mediada por imuno-complexos, vasculite ou oclusão do vasa nervorum pela precipitação de crioglobulinas. Caniatti LM, Tugnoli V, Eleopra R, et al: Cryoglobulinemic neuropathy related to hepatitis C virus infection: clinical, laboratory and neurophysiological study. J Peripher Nerv Syst 1996; 1:131-138.
Acometimento hepático Mais de 2/3 dos pacientes com
crioglobulinemia mista Geralmente assintomático, com evidências
laboratorias de lesão hepatocítica discretas ou ausentes
Baixa correlação clínico-histológica, com sinais de inflamação periportal, fibrose, desarranjo estrutural e cirrose em 1/3 dos casos.
Gorevich PD, Kassab HJ, Levo Y, et al: Mixed cryoglobulinemia: clinical aspects and long term follow up of 40 patients. Am J
Med 1980; 69:287-308.
Doenças linfoproliferativas
Monti G, Pioltelli P, Saccardo F, et al: Incidence and characteristics of non-Hodgkin lymphomas in a multicenter case file of patients with hepatitis C virus–related symptomatic mixed cryoglobulinemias. Arch Intern Med 2005; 165:101-105.
O risco de desenvolver um linfoma é 35 vezes maior em pacientes com crioglobulinemia mista do que na população geralAssociada freqüentemente com uma doença linfoproliferativa pouco agressiva, com infiltrados de linfócitos B com fator reumatóide monoclonal em sua superfície (IgMκ) (crioglobulinemia tipoII), localizados no sistema porta, baço e medula óssea - 5% a 10% dos pacientes evolui para um franco linfoma não Hodgkin de células B.
Síndrome de hiperviscosidade
Apesar do aumento na viscosidade sangüínea ser demonstrado em uma grande porcentagem dos pacientes, uma franca sídrome de hiperviscosidade é relativamente incomum. A tendência à hiperviscosidade é compensada por uma tendência à redução do hematócrito em pacientes com crioglobulinemia mista
Ferri C, Mannini L, Bartoli V: Blood viscosity and filtration abnormalities in MC patients. Clin Exp Rheumatol 1990; 8:271-281.
Outras manifestações Xerostomia, xeroftalmia, edema de parótidas
bilateral, adenopatia generalizada, dor abdominal recorrente (atentar para vasculite de pequenos vasos mesentéricos), e acometimento do Sistema Nervoso Central
Acometimento pulmonar é frequente, porém leve, por deposição de imuno-complexos nas pequenas vias aéreas e espaços intersticiais
O VHC é um vírus sialotrópico e pode causar Sd de Sjögren secundária, mesmo na ausência de crioglobulinas
Laboratório GISC (Italian Study Group on Cryoglobulinemia) diagnostic criteria
=> (1) crioglobulinas; (2) FR; (3) C4 e/ou CH50; e (4) anticorpos anti-HCV e HCV RNA no soro do paciente
Seis meses de crioglobulinemia sintomática, e
Presença de pelo menos 2 dos seguintes sintomas: Púrpura Artralgias Fraqueza Detecção de alta atividade de Fator Reumatóide e/ou diminuição
do complemento(C4) Critério de exclusão: coexistência de outra doença
autoimune, linfoproliferativa ou infecciosa (exceto infecção pelo VHC) Ferri C, Sebastiani M, Giuggioli D, et al: Mixed cryoglobulinemia: demographic, clinical and serological features and survival in 231 patients. Semin Arthritis Rheum 2004; 6:355-374.
Detecção de crioglobulinas Amostra de 20ml deve ser mantida a 37°C até estar
totalmente coagulada, é centrifugada a 37°C a 2.500rpm por 5 minutos, e então guardada a 4°C por uma semana. Um precipitado branco no fundo do tubo indica a presença de crioglobulinas. Quando o tubo é reaquecido a 37°C, o precipitado se dissolverá.
Para caracterizar as crioglobulinas e classificar quanto aos clones, podem ser usados vários métodos imunológicos, como a imunofixação e o imunoblotting.
Tratamento Não há parâmetro sorológico utilizável como guia
da terapêutica, pois nenhum deles tem correlação com a gravidade ou com a atividade clínica da doença
Como o VHC é o gatilho para a maioria dos casos, deve-se almejar a erradicação do vírus => interferon + ribavirina
Entretanto, apesar da erradicação completa do vírus, há relatos de um número crescente de casos de recidiva da doença, ou piora ou aparecimento de algumas manifestações, como neuropatia periférica, úlceras cutâneas, durante o tratamento anti-viral
A presença de uma infecção crônica leva à questão referente à contraindicação de imunossupressores para esses pacientes
Dados de transplantes hepáticos sugerem evitar corticosteróides e preferir imunossupressores selecionados, como ciclosporina, azatioprina ou micofenolato mofetil, na vigência de infecção pelo VHC
Bombardieri S, Della Rossa A: How HCV infection has changed the clinical approach to mixed cryoglobulinemia. Ann Rheum Dis 2007; 66(Suppl II):45.
AINES podem ajudar no alívio de sintomas em pacientes com poliartrite não-erosiva, ou com predomínio da artralgia.
Doses baixas a moderadas de CE (0.1-0.3 mg/kg/dia) são suficientes para controle da maioria dos sintomas menores da crioglobulinemia mista, como púrpura, artralgias, artrites e fraqueza
Doses maiores (0.5-1.5 mg/kg/dia) são necessárias para tratamento do acometimento renal, neuropatia periférica e serosite.
Dieta pouco-antigênica: cara, difícil e com efeitos incertos a longo-prazo
Tratamentos agressivos como plasmaférese devem ser usados apenas em situações de risco de morte ou condições incapacitantes. Seu emprego, com ou sem imunossupressores, apresentou sucesso no tratamento da glomerulonefrite rapidamente progressiva, neuropatia motora e Sd de hiperviscosidade.
Bloqueio seletivo da célula B com anti-CD20 (Rituximab) parece ser uma terapêutica que muda o curso da doença e representa uma alternativa efetiva e segura para imunossupressão dos pacientes com crioglobulinemia mista.
Zaja F, De Vita S, Mazzaro C, et al: Efficacy and safety of rituximab in type II mixed cryoglobulinemia. Blood 2003; 101:3827-3834.
PrognósticoCausa imediata de morte %
AVC 5-25%
Hepatocarcinoma 10-12%
Acometimento hepático 13-18%
Linfoma 13-21%
Acometimento pulmonar 10-21%
Acometimento Renal 21-33%
Acometimento Gastrointestinal 12.5%
Infecção 25-26%
Vasculite 13-31%
Mais de uma causa 25-36%
Miscelânea 25%
Desconhecida 18-43%
Fatores prognósticos relacionados a maior mortalidade:
idade, acometimento renal; vasculite intestinal; vasculite disseminada; e tipo de crioglobulinas.
Della Rossa A, Marchi F, Catarsi E, et al: Mortality in mixed cryoglobulinemia: a review of the literature. Clin Exp Rheumatol 2008; 26(Suppl 51):S105-S108.
OBRIGADO!