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Curso de português jurídico

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© 1993 by EDITORA ATLAS S.A.

1. ed. 1993; 2. ed. 1994; 3. ed. 1995; 4. ed. 1996; 5. ed. 1997;6. ed. 1998; 7. ed. 1999; 8. ed. 2000; 3^ tiragem

ISBN 85-224-2539-6

Cromo da capa: Getty Images/Tony Stone

Composição: Formato Serviços de Editoração S/C Ltda.

Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP)(Câmara Brasileira do Livro, SP, Brasil)

Damião, Regina ToledoCurso de Português Jurídico / Regina Toledo Damião, Antônio Henríques. — 8. ed. —

São Paulo : Atlas, 2000.

BibliografiaISBN 85-224-2539-6

1. Direito - Linguagem 2. Português - Estudo e ensino 3. Redação forense I.Henríques, Antônio, 1924- II. Título.

95.0658 CDU-340.113.1

índice para catálogo sistemático:

1. Linguagem jurídica 340.113.1

TODOS OS DIREITOS RESERVADOS — É proibida a reprodução total ou parcial, dequalquer forma ou por qualquer meio. A violação dos direitos de autor (Lei n8 9.610/98)

é crime estabelecido pelo artigo 184 do Código Penal.

Depósito legal na Biblioteca Nacional conforme Decreto n21.825, de 20 de dezembro de 1907.

Cód.: 1001 55 037Impresso no Brasil/Printed in Brazã

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SUMÁRIO

Nota dos Autores, 13

Parte I - Introdução à Comunicação

1 COMUNICAÇÃO JURÍDICA, 171.1 Conceitos, 171.2 Elementos da comunicação, 201.3 Funções da linguagem, 221.4 Língua oral e língua escrita, 231.5 Níveis de linguagem, 241.6 O ato comunicativo jurídico, 261.7 Conceitos básicos de lingüística e comunicação jurídica, 27

1.7.1 Quanto ao emissor, 281.7.2 Quanto ao receptor, 301.7.3 Estrutura do discurso comunicativo, 32

1.8 Exercícios, 33

Parte II - Vocabulário Jurídico

2 VOCABULÁRIO, 372.1 Léxico e vocabulário, 37

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2.2 O sentido das palavras: denotação e conotação, 382.3 O sentido das palavras na linguagem jurídica, 41

^ 2.4 Polissemia e homonímia, 432.4.1 Usos da linguagem jurídica: algumas dificuldades, 47

2.5 Sinonímia e paronimia, 482.5.1 Sinônimos, 482.5.2 Parônimos, 502.5.3 Usos da linguagem jurídica (sinonímia e paronimia), 51

2.6 O verbo jurídico: acepções e regimes, 542.7 Arcaísmos, 582.8 Neologismos, 602.9 Estrangeirismos, 612.10 Latinismos, 622.11 Campos semânticos e campos léxicos, 652.12 Dificuldades do vocabulário na linguagem jurídica, 662.13 Exercícios, 70

Parte III - A Estrutura Frásica na Linguagem Jurídica

3 FRASE, 733.1 Frase, oração, período, 73

3.1.1 Frase, 733.1.2 Oração, 743.1.3 Período, 74

3.2 Estrutura da frase, 753.2.1 As combinações da frase: coordenação e subordinação, 75

3.2.1.1 Coordenação, 753.2.1.2 Subordinação, 76

3.3 Relações sintáticas na expressividade da frase, 763.3.1 Concordância, 763.3.2 Regência, 783.3.3 Colocação, 79

3.4 Aspectos estilísticos da estrutura oracional, 813.4.1 A frase completa simples, 823.4.2 O fator psicológico da estrutura frásica, 843.4.3 A ordem dos termos no período simples, 853.4.4 A expressividade frásica na coordenação, 873.4.5 A expressividade frásica na subordinação, 88

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3.5 Feição estilística da frase e discurso jurídico, 893.6 Exercícios, 92

Parte IV - Enunciação e Discurso Jurídico

4 CONSIDERAÇÕES GERAIS, 974.1 Enunciação e discurso, 974.2 Algumas definições, 99

4.2.1 Texto, 994.2.2 Contexto, 1004.2.3 Intertexto, 101

4.2.3.1 Paráfrase, 1034.2.3.2 Estilização, 1054.2.3.3 Paródia, 1084.2.3.4 Recriação polêmica, 110

4.3 Tipos de texto, 1114.4 Coesão e coerência textual, 112

4.4.1 Coesão, 112 <.4.4.2 Coerência, 114

4.5 Principais elementos de coesão no discurso jurídico, 1214.6 Exercícios, 125

Parte V - O Parágrafo e a Redação Jurídica

5 A REDAÇÃO, 1295.1 Conceitos e qualidades, 129

5.1.1 Unidade, 1305.1.2 Coerência, 1315.1.3 Ênfase, 133

5.2 Estrutura do parágrafo, 1355.2.1 Tópico frasal, 1365.2.2 Desenvolvimento, 1365.2.3 Conclusão, 141

5.3 O encadeamento dos parágrafos, 1425.4 Elaboração do parágrafo: requisitos e qualidades, 1425.5 O parágrafo descritivo, 144

5.5.1 O parágrafo descritivo na redação jurídica, 1485.6 O parágrafo narrativo, 149

5.6.1 O parágrafo narrativo na redação jurídica, 152

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5.7 O parágrafo dissertativo, 1535.7.1 Tipos de dissertação, 155

5.7.1.1 Dissertação expositiva, 155

5.7.1.2 Dissertação argumentativa, 1565.7.2 Estrutura da dissertação, 1585.7.3 Raciocínio e argumentação, 1605.7.4 O parágrafo dissertativo na redação jurídica, 163

5.8 Posturas do emissor na elaboração do parágrafo, 1645.8.1 Posturas filosóficas, 164

5.8.2 Posturas psicológicas, 1655.9 Exercícios, 170

Parte VI - Português e Prática Forense

6 TEORIA E PRÁTICA, 1756.1 Procuração: conceitos e tipos, 176

6.1.1 Procuração Ad Negotia, 1786.1.2 Procuração Ad Judicia, 1826.1.3 Outras modalidades: Caução de Rato e ApudActa, 183

6.1.4 O substabelecimento, 1846.1.5 Estrutura da procuração Ad Judicia: comentários

lingüísticos, 1856.2 Requerimento: conceito e estruturas, 187

6.2.1 Estrutura do requerimento simples, 188

6.2.2 Estrutura do requerimento complexo, 1916.3 Requerimento e petição inicial, 193

6.3.1 Petição inicial: aspectos lingüísticos e estruturais, 194

6.4 A resposta do réu, 1986.4.1 Aspectos lingüísticos e estruturais da contestação, 198

6.5 A linguagem da sentença, 201

6.6 A linguagem nos recursos jurídicos, 2056.7 Particularidades da linguagem nas peças jurídicas, 206

6.7.1 Mandado de segurança, 2066.7.2 Habeas Corpus, 2076.7.3 A linguagem da denúncia, 2116.7.4 A linguagem das alegações finais, 2116.7.5 A linguagem dos contratos, 213

6.8 Exercícios, 214

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Parte VII - Estilística Jurídica

7 RECURSOS ESTILÍSTICOS NO DIREITO, 2197.1 Comentários preliminares, 2197.2 Figuras de linguagem, 220

7.2.1 Figuras de palavras, 2207.2.2 Figuras de construção, 223

7.2.2.1 Repetição, 2237.2.2.2 Omissão, 2267.2.2.3 Transposição, 2277.2.2.4 Discordância, 228

7.2.3 Figuras de pensamento, 2287.3 O valor estilístico da pontuação, 2377.4 A expressão oral, 240

7.4.1 Oratória forense, 2407.4.1.1 O plano de exposição, 2407.4.1.2 Recursos da expressão oral, 242

7.5 Exercícios, 244

Parte VIII - Apêndice

8 LEMBRETES GRAMATICAIS, 2498.1 Casos práticos de concordância nominal - modelos de exercícios, 2498.2 Algumas dificuldades gramaticais, 2518.3 Observações sobre a conjugação de alguns verbos, 255

8.3.1 Verbos da primeira conjugação, 2558.3.1.1 Verbos em EAR (passear, clarear, nomear,

presentear), 2558.3.1.2 Verbos em IAR (odiar, remediar, incendiar, ansiar

e mediar), 2558.3.1.3 Outros verbos, 256

8.3.2 Verbos da segunda conjugação, 259

8.3.2.18.3.2.28.3.2.38.3.2.48.3.2.58.3.2.6

Conter, 259Despender, 259Prover, 260Requerer, 261Soer, 261Viger, 262

8.3.3 Verbos da terceira conjugação, 262

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8.3.3.1 Verbos em UIR, 2628.3.3.2 Argüir, 2628.3.3.3 Convir, 2638.3.3.4 Falir, 2638.3.3.5 Impedir, 2648.3.3.6 Infringir, 2648.3.3.7 Redimir, 2648.3.3.8 Ressarcir, 2648.3.3.9 Verbos abundantes, 265

8.4 Abreviaturas, 2678.4.1 Principais abreviaturas, 2688.4.2 Algumas siglas, 271

8.5 Brocardos jurídicos e locuções latinas, 2728.5.1 Brocardos jurídicos, 2728.5.2 Locuções latinas, 274

8.6 Prefixos e sufixos latinos e gregos, 2778.6.1 Prefixos latinos, 2778.6.2 Prefixos gregos, 2808.6.3 Sufixos latinos, 2808.6.4 Sufixos gregos, 281

Bibliografia, 283

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NOTA DOS AUTORES

A linguagem é a base das relações sociais e, em razão disso, os diversosgrupos de uma comunidade lingüística organizam um código comunicativo pró-prio, formando, ao lado da língua-padrão, um universo semiológico.

Adequado é, por isso, falar-se em Curso de Português Jurídico: há impera-tiva necessidade de uma disciplina que estude o código lingüístico da língua por-tuguesa, aplicado ao contexto jurídico.

Independentemente do ensino acadêmico, porém, o presente livro desti-na-se a todos os estudiosos de lingüística e, em particular, aos que militam na áreado Direito e querem ampliar seu saber jurídico.

Não pretenderam os autores - e sequer poderiam desejá-lo - esgotar oassunto, mas buscaram um registro abrangente dos dados suscetíveis de umaanálise sêmica do discurso jurídico.

Fica, também, o convite para que se nos ofereçam críticas e sugestões des-tinadas ao aperfeiçoamento do presente livro.

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INTRODUÇÃO À

COMUNICAÇÃO

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COMUNICAÇÃO JURÍDICA

1.1 CONCEITOS

Já é sabido e, mesmo, consabido que o ser humano sofre compulsão natu-ral, inelutável necessidade de se agrupar em sociedade, razão por que é denomi-nado ens sociale. Cônscio de suas limitações, congrega-se em sociedade para per-seguir e concretizar seus objetivos; assim, o ser humano é social natura sua, emdecorrência de sua natureza.

Daí, a propensão inata do homem em colocar o seu em comum com o pró-ximo. Tal colocar em comum é o comunicar-se, é a comunicação. Já o latimcommunicare se associa à idéia de convivência, relação de grupo, sociedade. Oobjetivo da comunicação é o entendimento; como disse alguém, a história é umaconstante busca de entendimento.

A comunicação ultrapassa o plano histórico, vai além do temporal; por isso,assistiu razão ao poeta latino Horácio dizer que ele não morreria de todo e a melhorparte de seu ser subsistiria à morte.

Porque o homem é um ser essencialmente político, a comunicação só podeser um ato político, uma prática social básica. Nesta prática social é que se assen-tam as raízes do Direito, conjunto de normas reguladoras da vida social.

Aceito, então, que o Direito desempenha papel político, função social, pode-se dizer que suas características fundamentais são a generalidade (que não se con-funde com neutralidade) e a alteridade (bilateralidade).

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Constitui-se a sociedade não de eu + eus, mas, de ego + alter, ou, para seusar um neologismo de Carlos Drummond de Andrade (apud Monteiro, 1991:36),de "eumanos", isto é, de eu + humanos.

Dá-se a comunicação pelo falar e só ao homem reserva-se a determinaçãode falar. Eugênio Coseriu observa que o homem é "um ser falante" ou, melhor, é"o ser falante".

Comunica-se o homem de forma verbal ou não verbal; esta última acon-tece de várias formas como:

• Linguagem corporal

Na crítica cinematográfica é comum dizer que o corpo fala por CharlesChaplin e, constantemente, ressalta-se a expressividade dos olhos de Bette Davis.

No romance O processo Maurizius, Jakob Wasermann fala em olhosinterrogativos, olhar inquiridor, olhar sombrio e hostil etc.

Sabe-se que os olhos mereceram especial atenção de Machado de Assis,pois lhe retratavam a natureza íntima - boa ou má - das pessoas. Para ficar comapenas uma obra, encontram-se em Dom Casmurro, olhos dorminhocos (TioCosme); olhos curiosos (Justina); olhos refletidos (Escobar); olhos quentes eintimativos (Sancha); olhos policiais "(Escobar); olhos oblíquos e deressaca (Capitu).

Na debatida questão do adultério de Capitu, entre os argumentos, todosindícios, embora alguns veementes, há o olhar de Capitu perto do esquife deEscobar.

Frente aos fatos trágicos da vida, desfivelam-se as máscaras e frustram-seas dissimulações; é o que acontece com Capitu. Ela fita o defunto com olhos deviúva e revela, então, que o homem dela, seu marido, defacto, era Escobar.

Avalie-se a força do olhar nos versos de Menotti dei Picchia:

"A peçonha da cobra eu curo... Quem soubercure o veneno que há no olhar de uma mulher!"

As partidas de futebol tornaram-se mais atraentes com a linguagem gestualdos jogadores. Já na antiga Roma, nos jogos circenses, o imperador, com o pole-gar levantado ou abaixado, prolatava as sentenças de vida ou de morte.

Cesare Lombroso, fundador da Antropologia Criminal, procurava identi-ficar o criminoso pelo levantamento de determinados traços físicos ou pela con-formação óssea do crânio.

Assim, exprime-se Lombroso em Euomo delinqüente:

"Nessa manhã de um soturno dia de dezembro, não foi apenas uma idéiao que tive, mas um relâmpago de clarividência. Ao ver o crânio do salteador Vihella,percebi subitamente, iluminado como uma imensa planície sob um céu em fogo,

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a natureza do criminoso. Um ser atávico, reproduzindo os ferozes instintos dahumanidade primitiva, dos animais inferiores. Assim podemos explicar (o crimi-noso) pelas enormes mandíbulas, ossos salientes das maçãs, arcos proeminentesdos supercílios, tamanho exagerado das órbitas, olhar sinistro, visão extremamenteaguçada, nenhuma propensão à calvície, orelhas em alça, insensibilidade à dor,nariz tendendo à direita, falta de simetria geral. No comportamento, indolênciaexcessiva, incapacidade de ruborizar, paixão por orgias - e desejo insano do malpelo próprio mal. Vontade não apenas de tirar a vida da vítima mas também demutilar-lhe o corpo, rasgar sua carne, beber seu sangue."

(Soares, Veríssimo, Millôr, 1992:93)

Pela mímica pode-se conhecer o testemunho de surdos-mudos como ocor-reu em Mogi das Cruzes (.Folha de S. Paulo, 30-4-93).

A falsidade de um depoimento pode revelar-se até mesmo pelatranspiração, pela palidez ou simples movimento palpebral.

• Linguagem do vestuário

Os postulantes aos cargos públicos, em Roma, vestiam-se de túnicas bran-cas, indício da pureza de suas intenções e, por isso, chamavam-se candidatos (decandidus-a-um).

A toga, como qualquer peça do vestuário, é uma informação indiciai dafunção exercida pelo juiz e a cor negra sinaliza seriedade e compostura que de-vem caracterizá-lo. Não se misturam trajes como não se usurpam funções e, as-sim, andou com a razão um ex-senador ao dizer que "japona não é toga".

Tem-se notado a freqüência significativa de mulheres de preto em Macha-do de Assis, todas, ou quase todas, viúvas. Há mesmo um conto com o título: "Amulher de preto." De novo, a cor preta está associada ao respeito e à seriedade.Mas há quem se pergunte: Machado estaria realmente interessado na cor pretaou nas viúvas?

João Ribeiro, em nota de rodapé (1960:98), estabelece relação entre apropriedade básica - casa ou habitação - e os nomes de vestes: casa e casaca; capae cabana (capana); habitar e hábito. Vai mais longe e associa fatiota à enfiteuse.

Há de se dizer, como remate, que mesmo o calar-se é um ato de comuni-cação. Eugênio Coseriu considera o calar-se como o "ter deixado-de-falar" ou "onão falar ainda". É, pois, determinação negativa de falar, o que constitui, também,uma prerrogativa do ser humano.

Tanto o é que, segundo Ernout e Meillet, os latinos, pelo menos até a épo-ca clássica, tinham dois verbos para o ato de calar-se: silere, para os seres irracio-nais, e tacere, para os seres racionais.

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No Direito, fala-se em "tácita aceitação", "tácita recondução", "renúnciatácita", "confissão tácita", "tácita ratificação". Magalhães Noronha (1969:115) dizque o silêncio do denunciado pode ser interpretado contra ele.

Observe-se que nos bons filmes de faroeste há sempre aquele momento emque o silêncio desperta suspeitas no mocinho.

1.2 ELEMENTOS DA COMUNICAÇÃO

Estabelecido que o texto jurídico é uma forma de comunicação, nele ocor-rem os elementos envolvidos no ato comunicatório; deve haver, então, um objetode comunicação (mensagem) com um conteúdo (referente), transmitido ao recep-tor por um emissor, por meio de um canal, com seu próprio código.

Fundamental é lembrar que toda e qualquer forma de comunicação se apoiano binômio emissor-receptor; não há comunicação unilateral. A comunicação é,basicamente, um ato de partilha, o que implica, no mínimo, bilateralidade.

O ato comunicatório não pode ser ato solitário; antes, é um ato solidárioentre indivíduos inter-relacionados na sociedade, razão por que não se pode re-solver num ato individual ou na intersubjetividade.

Afirma-se que mesmo o ato de não-comunicação é comunicação e, nessecaso, a expressão preso incomunicável deve ser entendida cum grano salis.

Estabelecido que a comunicação não é ato de um só, mas de todos os ele-mentos dela participantes, verifica-se que a realização do ato comunicatório ape-nas se efetivará, em sua plenitude, quando todos os seus componentes funciona-rem adequadamente.

Qualquer falha no sistema de comunicação impedirá a perfeita captaçãoda mensagem. Ao obstáculo que fecha o circuito de comunicação costuma-se daro nome de ruído. Este poderá ser provocado pelo emissor, pelo receptor, pelo ca-nal.

Considerem-se os casos:

1. Numa sessão de júri: se o juiz não conhecer o código do acusado e ointérprete estiver ausente, suspender-se-á a sessão, pois há ruído im-pedindo a comunicação. O mesmo ocorrerá se houver quebra de sigi-lo entre os jurados. Há interferência negativa no sistema de comuni-cação.

2. Numa projeção cinematográfica: na exibição de um filme falado eminglês (não legendado), a comunicação será plena, parcial ou nuladependendo do domínio do código (inglês) por parte do espectador.O mesmo poderá ocorrer caso o ator fale extremamente rápido.

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3. Numa sala de aula: a comunicação não se fará, mesmo com o domíniodo código, se o referente for bastante complexo.

Para que se estabeleça interação comunicativa, o mundo textual deve sersemelhante.

Daí a necessidade de um juiz socorrer-se de peritos ou intérpretes paraelucidação de casos específicos. Magalhães Noronha (op. cit. p. 116) estabelece omodus operandi no interrogatório de mudos, surdos-mudos, analfabetos e estran-geiros.

No requerimento a seguir (petição), podem-se mostrar os elementos dacomunicação.

Excelentíssimo Senhor Doutor Juiz de Direito de...Eutanásio Boamorte, brasileiro, solteiro, R.G. n2 *....,

decorador, residente na Rua B, n2 16, Jardim Mascote, vem requerer seja expedidaordem de Habeas Corpus a favor de Asnásio da Silva pelas razões seguintes:

1. Asnásio da Silva foi preso no dia 10 do fluente mês, na rua B, n- 17(Jardim Mascote), por agentes policiais, constando ter sido conduzido para a De-legacia do 382 Distrito Policial.

2. A prisão é ilegal, pois não ocorreu em flagrante delito e não houvemandado de prisão.

3. O auto de prisão em flagrante, além de indevido, é nulo, pois o detidoé menor de vinte e um anos e não lhe foi nomeado curador no momento dalavratura do auto.

4. Os casos em que alguém pode ser preso estão disciplinados na lei e naConstituição. Qualquer prisão fora dos casos legais permite a impetração de HabeasCorpus.

5. Em face desta ilegalidade requer digne-se Vossa Excelência conceder-lhe a ordem pedida e determinar o relaxamento da prisão do paciente.

São Paulo, 10 de julho de 1993.

a. Eutanásio Boamorte.

Obs.: os nomes Eutanásio Boamorte e Asnásio da Silva são de Pedro Nava.

Elementos da comunicação:

Emissor - é o autor do requerimento, Eutanásio Boamorte; ele é odestinador, o produtor, a fonte da mensagem.

Receptor - é o Juiz de Direito; a mensagem lhe é enviada; ele é o desti-natário.

Mensagem - coação ilegal.

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Canal - no caso, o canal é a folha, o papel em que se faz o requerimento.O Habeas Corpus pode ser impetrado por telefone ou telegrama; en-tão o canal poderá ser o telefone ou o telegrama.

Código - é a linguagem verbal: escrita em língua portuguesa.Referente - ato prisional.

1.3 FUNÇÕES DA LINGUAGEM

O estudo de Karl Bühler sobre as funções da linguagem, assunto desen-volvido por Roman Jakobson em Lingüística e comunicação, aplica-se também aoDireito.

Um acusado, em seu depoimento, serve-se, em geral, de uma linguagemmarcadamente subjetiva, carregada dos pronomes eu, me, mim, minha,enfatizando o emissor; caracteriza-se, assim, a função emotiva.

A informação jurídica é precisa, objetiva, denotativa; fala-se, então, defunção referencial. Nada impede, porém, que o texto jurídico se preocupe, v. g.,com a sonoridade e ritmo das palavras, valorizando a forma da comunicação; tem-se, assim, a função poética.

A linguagem de dicionários e vocabulários jurídicos está centrada no có-digo e a função será metalingüística.

Sabe-se, por outro lado, que o texto jurídico é, eminentemente, persuasório;dirige-se, especificamente, ao receptor; dele se aproxima para convencê-lo a mu-dar de comportamento, para alterar condutas já estabelecidas, suscitando estímu-los, impulsos para provocar reações no receptor. Daí o nome de função conativa,termo relacionado ao verbo latino conãri, cujo significado é promover, suscitar, pro-vocar estímulos.

Faria (1989:28) fala de tais funções da linguagem servindo-se, embora, deoutros termos como função diretiva (conativa).

O discurso persuasório apresenta duas vertentes: a vertente exortativa e avertente autoritária (imperativa).

Os textos publicitários utilizam mais a vertente exortativa e, para maiorefeito, apelam para a linguagem poética; os mais idosos lembram-se, por certo,da propaganda de alguns remédios. Eis duas amostras:

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"Na sua casa tem mosquito, "Alka SeltzerNão vou lá. Existe apenas um.Na sua casa tem barata, E como Alka SeltzerNão vou lá. Não pode haver nenhum."Na sua casa tem pulga,Não vou lá.Peço licença para mandarDetefon em meu lugar."

A vertente autoritária é típica do discurso jurídico; basta atentar-se para oCódigo Penal e para expressões como: "intime-se", "afixe-se e cumpra-se", "revo-guem-se as disposições em contrário", "arquive-se", conduzir "sob vara" ou manumilitari, "justiça imperante" e outras muitas. Monteiro (1967a: 14) é taxativo: "Alémde comum a lei é, por igual, 'obrigatória'. Ela ordena e não exorta (jubeat nonsuadeat); também não teoriza. Ninguém se subtrai ao seu tom imperativo e ao seucampo de ação."

O discurso persuasório coercitivo caracterizou a igreja católica, cujas linhasdiretrizes eram o memento mori e os Novíssimos (morte/juízo, inferno/paraíso).Ingmar Bergmann lembra o clima de medo medieval e o Dies irae no célebre fil-me O sétimo selo. Hoje, o discurso eclesial é mais exortativo.

Aparece o mesmo tipo de discurso no texto dos chamados "justiceiros", cujorepresentante maior - Gil Gomes - parece revestir-se das funções de juiz no tri-bunal e, para maior efeito dramático, serve-se de tom de voz soturno como queprovindo do além-túmulo e como a prenunciar o Julgamento Final.

1.4 LÍNGUA ORAL E LÍNGUA ESCRITA

Efetuar-se-á o processo de comunicação por meio da linguagem oral ouda escrita. A expressão escrita difere, sensivelmente, da oral, muito embora a lín-gua seja a mesma. Não há dúvidas: ninguém fala como escreve ou vice-versa.

Em contato direto com o falante, a língua falada é mais espontânea, maisviva, mais concreta, menos preocupada com a gramática. Conta com vocabuláriomais limitado, embora em permanente renovação.

Já na linguagem escrita o contato com quem escreve e com quem lê é in-direto; daí seu caráter mais abstrato, mais refletido; exige permanente esforço deelaboração e está mais sujeita aos preceitos gramaticais. O vocabulário caracteri-za-se por ser mais castiço e mais conservador.

A língua falada está provida de recursos extralingüísticos, contextuais -gestos, postura, expressões faciais - que, por vezes, esclarecem ou complementamo sentido da comunicação. O interlocutor presente torna a língua falada mais alu-siva, ao passo que a escrita é mais precisa.

Page 24: Curso de português jurídico

1.5 NÍVEIS DE LINGUAGEM

A eficiência do ato de comunicação depende, entre outros requisitos, douso adequado do nível de linguagem.

Enquanto código ou sistema, a língua abre possibilidades de um sem-nú-mero de usos que os falantes podem adotar segundo as exigências situacionais dacomunicação.

Às variações - sociais ou individuais - que se observam na utilização dalinguagem cabe o nome de variantes lingüísticas (dialetos).

Dá-se o nome de fala, níveis de linguagem ou registros às variações quan-to ao uso da linguagem pelo mesmo falante, impostas pela variedade de situação.

Haveria, assim, três principais níveis ou registros:

A - Linguagem culta (variante-padrão). Em latim, era o sermo urbanusou sermo eruditus. Utilizam-na as classes intelectuais da sociedade, mais na for-ma escrita e, menos, na oral. É de uso nos meios diplomáticos e científicos; nosdiscursos e sermões; nos tratados jurídicos e nas sessões do tribunal. O vocabulá-rio é rico e são observadas as normas gramaticais em sua plenitude.

Esta linguagem, usam-na os juristas quando nos diferentes misteres de suaprofissão. Não é mais a linguagem de Rui Barbosa, mas dela se aproxima.

O vocabulário continua selecionado e adequado; dir-se-ia, até, ritualizadoou mesmo burocratizado e, por isso, menos variado. Se se escolhessem as "dezmais" usadas pelos juristas, por certo, figurariam na lista: outrossim, estribar,militar (verbo), supedâneo, incontinenti, dessarte, destarte, tutela, argüir, acoi-mar.

Alguns termos gozam de predileção especial por parte de certos autores:incontinenti e supedâneo (Miguel Reale); dessarte (Magalhães Noronha); destarte(W. M. de Barros).

Todos timbram em usar um estilo polido, escorreito e castigado no aspec-to gramatical. Há os que se excedem, mas, acredita-se, são poucos.

Segundo o Shopping News (27-9-92, p. 2), os ministros do STF usaramdezenove vezes a expressão "recepcionar o recurso" no julgamento do mandadode segurança de Collor contra atos da Câmara Federal. Por essas e por outras, opresidente do STF, Sidney Sanches, disse:

"- Agora, para melhorar nossa comunicação com a sociedade só falta eli-minarmos alguns preciosismos da linguagem jurídica."

Calha também citar Ceneviva {Folha de S. Paulo, 2-5-93, p. 4-2):

"O direito é uma disciplina cultural, cuja prática se resolve em palavras.Direito e linguagem se entrelaçam e se confundem. Algumas vezes - infelizmen-

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te, mais do que o necessário - os profissionais da área jurídica ficam tão empol-gados com os fogos de artifício da linguagem que se esquecem do justo e, outrasvezes, até da lei. Nas acrobacias da escrita jurídica, chega-se a encontrar formasbrilhantes nas quais a substância pode ser medida em conta-gotas. O defeito -também com desafortunada freqüência - surge mesmo em decisões judiciais queatingem a liberdade e o patrimônio das pessoas."

Exemplo de linguagem culta:

"O trabalho, pois, vos há de bater à porta dia e noite e nunca vos negueisàs suas visitas, se quereis honrar vossa vocação, e estais dispostos a cavar nos veiosde vossa natureza, até dardes com os tesoiros, que aí vos haja reservado, com ânimobenigno, a dadivosa Providência.

Ouvistes o aldabrar da mão oculta, que vos chama ao estudo? Abri, abri,sem detença. Nem, por vir muito cedo lho leveis a mal, lho tenhais à conta deimportuna. Quanto mais matutinas essas interrupções do vosso dormir, mais lhasdeveis agradecer.

O amanhecer do trabalho há de antecipar-se ao amanhecer do dia. Nãovos fieis muito de quem esperta já sol nascente, ou sol nado. Curtos se fizeram, osdias, para que nós os dobrássemos, madrugando. Experimentai, e vereis quantovai do deitar tarde ao acordar cedo. Sobre a noite o cérebro pende ao sono.Antemanhã, tende a despertar."

(Barbosa: 1951:36-37)

B - Linguagem familiar {sermo usualis). Utilizada pelas pessoas que,sem embargo do conhecimento da língua, servem-se de um nível menos formal,mais cotidiano. É a linguagem do rádio, televisão, meios de comunicação de mas-sa tanto na forma oral quanto na escrita. Emprega-se o vocabulário da língua co-mum e a obediência às disposições gramaticais é relativa, permitindo-se até mes-mo construções próprias da linguagem oral.

É claro que, como, aliás, o próprio Cícero disse, nenhum jurista vai usarem casa a mesma linguagem usada no Fórum.

C - Linguagem popular {sermo plebeius). Utilizam-na as pessoas depouca escolaridade ou mesmo analfabetas e, com maior freqüência, na forma orale, mais raro, na escrita. É a linguagem das pessoas simples (caboclos, faveladosurbanos, analfabetos) nas comunicações diárias. O vocabulário é limitado, larga-mente penetrado pela gíria, frases feitas e formas deturpadas. Nota-se despreo-cupação com regras gramaticais de flexão.

Como exemplo de linguagem popular, apresentam-se dois verbetes do glos-sário do linguajar dos pescadores da região de Iguape; foram extraídos da tese dedoutoramento defendida, na USIj com brilho, pela Prof. Maria Margarida deAndrade, da Universidade Mackenzie.

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CANSERA Dl PEITO - s.f. (VND). Bronquite. "Olhe, pur exemplo, qui nem essasimpatia, é pra cansera di peito. Cansera di peito, a pessoa pega... qui nem aaranha, na sexta-fera, né? Na sexta-fera chega i corta o "dente" nela, né? manum mata ela. Corta o "dente" i sorta ela. Porque depois aquilo ali, pelo tem-po, ela vai, vai... i aquele corte do "dente" qui feiz sara, né? Então, diz quiquando ela sara, a pessoa sara também..."

CARNE - s.f. (VDAC). Carne bovina. "Eu prifiro mais pexe do que uma carne".

Embora o emprego do registro familiar e até mesmo do registro popularse venha expandindo, é imperioso o domínio do nível culto. Há de se pôr cobro àviolentação grosseira das normas do bom falar e escrever. Urge resgatar a purezae dignidade do vernáculo tão vilipendiado mesmo no campo jurídico. Causa es-pécie o funcionamento de faculdades de Direito em que se exclui a cadeira Lín-gua Portuguesa da grade curricular.

1.6 O ATO COMUNICATIVO JURÍDICO

O ato comunicativo ocorre quando há cooperação entre os interlocutores.O emissor possui o pensamento e busca a expressão verbal para fazê-lo conheci-do no mundo sensível (direção onomasiológica); o receptor possui a expressãoverbal e caminha em direção ao pensamento, com o propósito de compreender amensagem (direção semasiológica).

A linguagem representa o pensamento e funciona como instrumento me-diador das relações sociais. As variações socioculturais contribuem para diversifi-cações da linguagem, só não sendo mais graves as dificuldades em razão do es-forço social de uma linguagem comum, controlada por normas lingüísticas.

No mundo jurídico, o ato comunicativo não pode enfrentar à solta o pro-blema da diversidade lingüística de seus usuários, porque o Direito é uma ciênciaque disciplina a conduta das pessoas, portanto, o comportamento exterior e obje-tivo, e o faz por meio de uma linguagem prescritiva e descritiva.

Assim, quando os interesses se mostram conflitantes ou uma ação huma-na fere os valores da norma jurídica, exigindo reparação dos mesmos, forma-se alide (litem > lite > lide = conflito), criando um novo centramento na relação entreos interlocutores processuais: a polêmica. No confronto de posições, a linguagemtorna-se mais persuasiva por perseguir o convencimento do julgador que, por suavez, resguarda-se da reforma de sua decisão, explicando, na motivação da sentença,os mecanismos racionais pelos quais decide.

O ato comunicativo jurídico não se faz, pois, apenas como linguagem en-quanto língua (conjunto de probabilidades lingüísticas postas à disposição dousuário), mas também, e essencialmente, como discurso, assim entendido o pen-samento organizado à luz das operações do raciocínio, muitas vezes com estrutu-ras preestabelecidas, e. g., as peças processuais.

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O ato comunicativo jurídico não é, porém, Lógica Formal, como pode su-por uma conclusão apressada.

Exemplifique-se pelo silogismo non sequitur:

Todo criminoso ronda a loja a ser assaltada, antes do crime.Pedro é criminoso e rondou a loja X, que foi assaltada.Logo, Pedro assaltou a loja X.

A ação criminosa de Pedro é tão-somente suposição apoiada em merosindícios que não têm força condenatória.

Embora o estatuto do pensamento jurídico não seja a Lógica Formal, nãopode prescindir das regras do silogismo lógico. As partes processuais organizamsuas opiniões com representação simbólica que possa ser aplicada ao mundo real,demonstrando a possibilidade de correspondência entre motivo e resultado.

A "realidade" do raciocínio lógico não pode ser afirmada com certeza ab-soluta nem mesmo se presente estiver a rainha das provas: a confissão {confessioest regina probationum), porque alguém pode ter o animus necandi (intenção dematar), atirar contra o alvo pretendido e o resultado morte pode não ser conse-qüência direta de sua conduta dolosa, exigindo-se prova argumentativa da exis-tência do nexo causai ação/resultado.

O ato comunicativo jurídico, conclui-se, exige a construção de um discur-so que possa convencer o julgador da veracidade do "real" que pretende provar.Em razão disso, a linguagem jurídica vale-se dos princípios da lógica clássica paraorganização do pensamento.

O mundo jurídico prestigia o vocabulário especializado, para que o exces-so de palavras plurissignificativas não dificulte a representação simbólica da lin-guagem.

O discurso jurídico constrói uma linguagem própria que, no dizer de MiguelReale (1985:8), é uma linguagem científica.

1.7 CONCEITOS BÁSICOS DE LINGÜÍSTICA ECOMUNICAÇÃO JURÍDICA

Em remate, bom é explicar o processo comunicativo jurídico, tendo em vistaconceitos lingüísticos básicos.

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Veja-se:

E(emissor)

ipossui o

M(mensagem)

1 direçãopensamento If > onoma-• busca a . ,, .siologicaexpressão ) °

R(receptor)

lpossuía 1 ... direçãoexpressão I, > sema-busca o [ . ., .siologicapensamento J

1.7.1 Quanto ao emissor

Antes de possuir o pensamento, o emissor deve realizar relações paradig-máticas, ou seja, associação livre de idéias (idéia-puxa-idéia), incluindo oposições,pois ninguém possui alguma coisa sem antes adquiri-la.

Diante de um assunto, o emissor deve pensar livremente, com idéias sol-tas. Quanto maior for o vigor e a elasticidade dessa ginástica mental, mais idéiasserão pensadas.

Possuindo o pensamento, ainda que desorganizado, o emissor busca aexpressão, por meio de rigoroso roteiro onomasiológico (nome dado à atividadede codificação da mensagem) compreendendo as seguintes perguntas:

a. Quem sou eu, emissor? Dependendo do papel social, a codificação devedirecionar a mensagem e selecionar o vocabulário, e. g., a linguagemdo Promotor de Justiça é diferente da utilizada pelo advogado de de-fesa.

b. O que dizer? Estabelecer com concisão, precisão e objetividade as idéiasa serem codificadas, é imprescindível no discurso jurídico.

c. Para quem? Não perder de vista a figura do receptor é fundamental.Seria impertinente ao advogado explicar, pormenorizadamente, umconceito simplista de direito, em sua petição dirigida ao Juiz, como selhe fosse possível "ensinar o padre-nosso ao vigário".

d. Qual a finalidade? O emissor nunca pode perder de vista o objetivocomunicativo, pois, dependendo de seu desiderato, irá escolher idéiase palavras para expressá-las.

e. Qual o meio? Quando o profissional de Direito peticiona, empregandoa língua escrita, deve cuidar esmeradamente da língua-padrão, orga-nizando com precisão lógica seu raciocínio, com postura diferentedaquela utilizada perante um Tribunal do Júri, ocasião em que a lin-guagem afetiva há de colorir e enfatizar a argumentação.

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Imagine-se que um estudante de Direito tenha que elaborar redação so-bre o menor abandonado.

Em primeiro lugar, deverá pensar livremente sobre o assunto, cogitandosobre todas as idéias associativas.

Depois, deverá retirar delas as idéias que possam expressar seu planoredacional de acordo com o roteiro onomasiológico.

Assim, não pode ignorar que, sendo estudante de Direito, deve ter preo-cupação com enfoque jurídico.

Também, deve fixar a idéia central que pretende trabalhar, e. g., a delin-qüência infanto-juvenil.

As idéias serão selecionadas de acordo com o interesse do receptor, e. g.,professor de Direito Penal.

A proposta temática indica a finalidade textual, e. g., discutir a antecipa-ção, ou não, da maioridade penal.

Deve, ainda, o redator empregar a língua culta, indispensável ao discursoescrito dissertativo-argumentativo.

Diante desse roteiro, o emissor busca a expressão, discurso sintaticamen-re organizado.

Ao roteiro onomasiológico cumpre organizar as idéias, selecionando eestruturando aquelas adequadas ao seu pensamento. Este processo de escolha dasidéias e da forma de estruturá-las denomina-se relações sintagmáticas.

Assim, o esquema comunicativo tem posição vertical e posição horizontal.Veja-se:

relações paradigmáticas(idéias livres - plano verticalde aprofundamento ideológico)

relações sintagmáticas(seleção e escolha das idéias, de acordo com

roteiro onomasiológico que serãoestruturadas sintática e estilisticamente)

Nas relações sintagmáticas, há um plano lógico de organização, de acor-do com os atributos da linguagem:

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recte: na primeira etapa do roteiro onomasiológico escolhem-se idéi-^ as lógicas e adequadamente inter-relacionadas à proposta

temática.

bene: em seguida, verifica-se a construção frásica que deve estar sin-j taticamente correta.

• pulchre: a frase deve ser revestida de recursos estilísticos que a tornam, ^. mais atraente e persuasiva.

1.7.2 Quanto ao receptor

A direção semasiológica requer, também, um roteiro para, da expressão,chegar-se ao pensamento do emissor, julgá-lo e avaliá-lo.

O receptor parte das relações sintagmáticas em direção às relaçõesparadigmáticas, em tríplice dimensão, de acordo com as operações do raciocínio.

a. alter > outro (compreensão): é a primeira operação do raciocínio.

O emissor deve captar literalmente a mensagem do emissor com análisegramatical do enunciado.

b. ego > eu (interpretação stricto sensu): é a segunda operação do racio-cínio.

O receptor, depois de recepcionada e compreendida a mensagem do emis-sor, deve julgá-la, com seu posicionamento ou com o auxílio de julgamentos deoutros emissores, ou, ainda, por meio das duas atividades.

No mundo jurídico, por muito tempo considerou-se que o receptor deve-ria ter o alter (outro) como atividade única e exclusiva da direção semasiológica,conforme o brocardo in claris cessat interpretatio.

Sendo clara a mensagem, bastaria compreendê-la passando-se para outrasoperações do raciocínio apenas se nebuloso ou incompleto, lógica e sintaticamente,for o pensamento do emissor.

Prevalece hoje o entendimento hermenêutico de que a claridade é requi-sito essencial do ato comunicativo do emissor, que não completa a atividade doreceptor, devendo este último, depois de compreender, julgar e avaliar a mensa-gem do emissor.

c. alter/ego > outro/eu (crítica): é a operação do raciocínio da crítica.

Não significa, como se diz vulgarmente, ser a crítica encontrar defeitos namensagem do emissor.

Page 31: Curso de português jurídico

Criticar é avaliar a validade/eficácia da idéia no mundo concreto, ava-liando sua aplicabilidade e efeitos = dimensão pragmática da hermenêutica.

Assim, ninguém interpreta, sem antes compreender. Pode haver a interpre-tação pura, mas não a crítica pura, pois criticar pressupõe ter antes interpretadoa mensagem, existindo, porém, a interpretação crítica, na qual as duas operaçõesdo raciocínio são realizadas concomitantemente, na forma, mas com anteriorida-de interpretativa na formulação do pensamento.

Veja-se o exemplo, com mensagem extraída do Código Civil.

"Art. 370. Ninguém pode ser adotado por duas pessoas, salvo se foremmarido e mulher."

1. Compreensão

O dispositivo legal inicia-se por pronome indefinido absoluto (ninguém),afastando exceções. Refere-se ao sujeito paciente da voz passiva, recaindo sobrea pessoa do adotado que, sendo o elemento subjetivo, é o interesse jurídico dolegislador.

O artigo afasta a possibilidade de alguém ser adotado por mais de umapessoa (não pode ser adotado por duas), em relação binaria: de um lado, umadotante; de outro, um adotado. É certo que não podendo ser alguém adotado porduas pessoas, não o será por mais de duas.

Na parte final do artigo, o legislador indica exceção, introduzida pela lo-cução conjuntiva condicional salvo se (eqüivale a exceto se, a menos que), permi-tindo, como exceção ao adotante, o binômio marido e mulher, que poderão ado-tar, excepcionando a regra inicial de que o adotado só poderá ter um adotante.

2. Interpretação stricto sensu

A adoção é regida atualmente pela Lei n2 8.069, de 13-7-1999, Estatutoda Criança e do Adolescente (ECA), mas não ab-rogou o Capítulo V do Direito deFamília (Livro I, Parte Especial do Código Civil Brasileiro), dando nova redação aalguns artigos, revogando outros, ou mantendo alguns dispositivos como sucedeucom o art. 370 do Código Civil.

De plano, deve-se anotar que a expressão adotante do Código Civil foisubstituída por adotando (ECA).

Tanto o Código Civil quanto o ECA destacam a relação binaria adotante(adotando)/adotado, e. g., arts. 369 e 376 do Código Civil e arts. 40, § 3S, e 49 doECA.

A exceção marido e mulher deve, porém, ser interpretada com ampliaçãosemântica, por força da Constituição Federal de 1988, que equiparou a União Es-tável (concubinato puro, não havendo impedimento para os concubinos conver-terem sua união estável em casamento civil) ao Casamento Civil.

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Assim, quando se lê marido e mulher, deve-se ampliar a compreensão paraos concubinos.

O Estatuto da Criança e do Adolescente realizou a tarefa ampliativa, veri-ficando-se que o § ls do art. 41 diz "Se um dos cônjuges ou concubinos", deven-do-se entender como cônjuges a expressão do art. 370, Código Civil, marido emulher.

O fato de não ter sido dada nova redação ao art. 370 não restringe a ex-pressão marido e mulher, pois a interpretação sistemática inclui a ConstituiçãoFederal de 1988 e o Estatuto da Criança e do Adolescente.

Todavia, a mantença da expressão marido e mulher destaca as figuras pa-terna/materna, afastando a possibilidade de ampliar a relação de cunho conjugaipara alcançar os homossexuais, para fins de adoção. Tanto o é que, mesmo o pro-jeto referente à relação contratual de homossexuais não admite a adoção entrecompanheiros do mesmo sexo.

Nota: Se na compreensão há univocidade na tarefa do receptor, o mesmo nãoocorre na interpretação stricto sensu, que resulta de posicionamento do re-ceptor. Assim, poder-se-ia até admitir interpretação de marido/mulhercomo papéis sociais, independentemente das diferenças biológicas, permi-tindo-se a adoção neste relacionamento, posição não defendida em nossainterpretação.

3. Crítica

O art. 370 do Código Civil indica que o legislador defende a concepçãocristã do casamento, que hoje se estende ao concubinato puro.

No casamento civil, homem e mulher deixam seus pais e constituem novafamília, na qual os dois se tornam um só, com unidade de valores, direitos e res-ponsabilidades.

Sob este enfoque, marido e mulher (e concubinos) são um só - adotante/adotando, porque se valoriza a harmonia na socialização do adotado, com o ideáriode que marido e mulher (e concubinos) formam um conjunto de valores que ex-pressam o conceito de família, por meio de processo assemelhado à aculturação.

1.7.3 Estrutura do discurso comunicativo

Conforme foi visto, tanto na direção onomasiológica quanto nasemasiológica existem relações paradigmáticas e sintagmáticas.

O emissor realiza as relações paradigmáticas, em primeiro plano, e, a se-guir, estabelece relações sintagmáticas.

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O receptor, por sua vez, parte das relações sintagmáticas para alcançar asrelações paradigmáticas do emissor.

As relações paradigmáticas formam a estrutura de profundidade do texto^camada semântica que indica a intenção/extensão da idéia).

As relações sintagmáticas formam a estrutura de superfície do texto (rela-ções sintáticas que asseguram a eficácia semântica, traduzindo exatamente a idéiaque se pretende transmitir).

1.8 EXERCÍCIOS

1. Cotejar os textos técnicos abaixo, considerando:

a. diferenças entre jargões: posturas do sociolingüista e do jurista diante dotema Linguagem e Comunicação.

b. semelhanças dos autores no emprego de normas da língua culta: coloca-ção pronominal e uso da vírgula.

TEXTO 1A Linguagem do Legislador e a Linguagem do Jurista

Paulo de Barros Carvalho

"Dentro de uma acepção ampla do vocábulo 'legislador' havemos de inserir asmanifestações singulares e plurais emanadas do Poder Judiciário, ao exarar suas senten-ças e acórdãos, veículos introdutórios de normas individuais e concretas no sistema dodireito positivo. O termo abriga também, na sua amplitude semântica, os atos administra-tivos expedidos pelos funcionários do Poder Executivo e até praticados por particulares,ao realizarem as figuras tipificadas na ordenação jurídica. Pois bem, a crítica acima adscritanão se aplica, obviamente, às regras produzidas por órgãos cujos titulares sejam portado-res de formação técnica especializada, como é o caso, por excelência, dos membros do PoderJudiciário. Se atinarmos, porém, à organização hierárquica das regras dentro do sistema,e à importância de que se revestem as normas gerais e abstratas, como fundamento devalidade sintática e semântica das individuais e concretas, podemos certamente concluirque a mencionada heterogeneidade de nossos Parlamentos influi, sobremaneira, na de-sarrumação compositiva dos textos do direito posto.

Se, de um lado, cabe deplorar produção legislativa tão desordenada, por outrosobressai, com enorme intensidade, a relevância do labor científico do jurista, que surgenesse momento como a única pessoa credenciada a desvelar o conteúdo, sentido e alcan-ce da matéria legislada.

Mas, enquanto é lícito afirmar-se que o legislador se exprime numa linguagem livre,natural, pontilhada, aqui e ali, de símbolos técnicos, o mesmo já não se passa com o dis-curso do cientista do Direito. Sua linguagem, sobre ser técnica, é científica, na medida emque as proposições descritivas que emite vêm carregadas da harmonia dos sistemas presi-didos pela lógica clássica, com as unidades do conjunto arrumadas e escalonadas segun-do critérios que observam, estritamente, os princípios da identidade, da não-contradição

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e do meio excluído, que são três imposições formais do pensamento no que concerne àsproposições apofânticas."

(Curso de Direito Tributário)

TEXTO 2

A Sociolingüística e o fenômeno da diversidade na língua de um grupo social

Dino Preti

"A freqüência com que certos fatores se repetem nas classificações dos estudiosospode levar-nos à conclusão de que o trabalho de levantamento das influências que pesamsobre as variações de linguagem dentro de uma determinada comunidade, seria relativa-mente fácil e preciso. A verdade, porém, é outra:

Mesmo no interior de um grupo para alguns homogêneo, pode-se dizer que nãohá dois sujeitos que se exprimem exatamente da mesma maneira; é manifesto ao nível doLéxico, é igualmente notável no plano da Fonologia. Assim, encontram-se pessoas quefazem a oposição e aberto/fechado em final, parisienses da mesma idade e da mesmacategoria social.

Por isso, Jespersen diz que a fala do indivíduo, considerado isoladamente dentrodo grupo, não é sempre a mesma. Seu tom na conversação e, com ele, a escolha de pala-vras muda segundo a camada social em que se encontra no momento. A isto se acrescenteque a linguagem toma diferente colorido segundo o tema da conversação: há um estilopara a declaração de amor, outro para a declaração oficial, outro para a negativa oureprimenda.

Devemos observar, em função das teorias aqui expostas, que há, apesar de tudo,uma relatividade nessa tentativa de identificação entre indivíduo e língua. Nem sempre épossível dizer-se com precisão que um indivíduo de determinada região, cultura, posiçãosocial, raça, idade, sexo etc, escolheria estruturas e formas que pudéssemos de antemãoprever. Como também nem sempre é possível estabelecer padrões de linguagem indivi-dual, de acordo com uma variedade muito grande de situações que pudessem servir deponto de referência para uma classificação mais perfeita dos níveis de fala."

(Preti, 1987:11-13)

2. Realize esquema de roteiro onomasiológico, explicando, de forma objetiva,cada uma das fases.

Sugestão: o emissor é estudante de Direito que participa de um debate sobreos efeitos da globalização no conceito de vida familiar, sendo o público for-mado por estudantes de Direito, Jornalismo, Pedagogia e Psicologia.Nota: Por indicação do professor, a situação pode ser alterada ou acrescida

por outras.3. Escolha um artigo do Código Civil (Direito de Família ou dos artigos em estu-

do na disciplina Direito Civil) ou do Estatuto da Criança e do Adolescente erealize a tríplice dimensão semasiológica.Nota: Devem ser escolhidos artigos de matéria já estudada, ou de assuntos

que requerem conceitos teóricos mais exigentes e inacessíveis ainiciantes do curso jurídico.

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VOCABULÁRIO

JURÍDICO

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VOCABULÁRIO

2.1 LÉXICO E VOCABULÁRIO

Os gramáticos costumam não estabelecer diferenças entre as palavras lé-xico, vocabulário e dicionário, conforme se verifica no ensinamento de Sousa daSilveira, em Lições de português (1972:21):

"O léxico de uma língua é o conjunto das palavras dessa língua: é o seuvocabulário, o seu dicionário."

Para os lingüistas, porém, há diferenças semânticas entre os vocábulos -aliás, vale a afirmação de que inexiste a sinonímia perfeita.

Léxico reserva-se à língua como um conjunto sistêmico posto ao usuá-rio; é um inventário aberto, com número infinito de palavras, podendo ser sem-pre acrescido e enriquecido não só pelo surgimento de novos vocábulos, mas tam-bém por mudanças de sentidos dos já existentes na língua.

Esse conjunto de palavras pode ser organizado, por ordem alfabética, indi-cando nos verbetes o significado. Dá-se a ele o nome de dicionário: é o elemen-to concreto da língua e possui grande mobilidade, apesar de não registrar ele to-das as possibilidades lexicais.

Vocabulário, por sua vez, é o uso do falante, é a seleção e o emprego depalavras pertencentes ao léxico para realizar a comunicação humana.

Explica-se: João é brasileiro, natural do Rio Grande do Sul, advogado. Joséé também brasileiro, natural do Rio Grande do Norte, médico. Ambos partilham

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o mesmo léxico português (língua), mas cada qual possui seu vocabulário próprio,um repertório fechado, sujeito a uma série de indicadores socioculturais.

Sendo o vocabulário expressão da personalidade do homem e de seus co-nhecimentos lingüísticos, é de capital importância, ao usuário de uma língua, oenriquecimento continuado de seu inventário vocabular, facilitando, assim, suatarefa comunicativa, principalmente redacional, por ampliar o leque para a esco-lha da palavra mais adequada. Para tanto, a consulta freqüente a dicionários e aleitura de autores renomados são atividades imprescindíveis para a riquezavocabular e, por conseqüência, à produção e compreensão das imagens verbais.

Citem-se alguns dicionários, muito úteis a quem milita na área jurídica:de Direito (Plácido e Silva e Pedro Nunes); de definições (Caldas-Aulete, LaudelinoFreire, Aurélio); de etimologia (Antenor Nascentes, José Pedro Machado); de si-nônimos e antônimos (Francisco Fernandes, Antenor Nascentes); de Filosofia(André Lalande, Régis Jolivet); de Lingüística (Dubois, Zélio dos Santos Jota) eDicionário Analógico da Língua Portuguesa (Francisco dos Santos Azevedo), alémdos dicionários especializados do vocabulário jurídico.

2.2 O SENTIDO DAS PALAVRAS: DENOTAÇÃO ECONOTAÇÃO

Ao se pesquisar o sentido da palavra denotação, encontra-se o conceitorealista de significado: é a representação de objeto ou pensamento por meio de umsinal concreto.

Quando alguém diz que sua casa está situada no centro comercial do bairro,tem-se, nesta comunicação, uma frase denotativa e o sentido encontrado nos di-cionários aponta uma família ideológica ampla - "morada", "residência", "habita-ção", "domicílio", que, alerte-se, possui distinções semânticas no vocabulário ju-rídico.

Todavia, quando uma pessoa diz: Esta escola é minha casa, tem-se a pala-vra casa em sentido conotativo. A similaridade é um dos processos para obter-se osentido conotativo - de valor afetivo. Escola/casa aproxima os grupos primáriosque se incumbem da Educação. A contigüidade é outro processo, designando o todopela parte, e. g.: Maria tem bom coração. A palavra coração representa o conjuntode elementos caracterizadores da personalidade de Maria. Este processo émetonímico; o outro, metafórico.

É o caráterpolissêmico (uma palavra possuir vários significados) da línguaque amplia a definição de um vocábulo; na ausência de uma relação direta pala-vra/coisa, vai-se alargando o valor semântico dos signos, tornando-se eles um feixede significados.

Amostra:

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"Com minhas frágeise frias mãoscavei um poçono fundo do hortoda solidão"

(Henriqueta Lisboa)

A leitura dos versos deixa claro ao leitor que a significação nominal poçofoi deslocada de uma representação simbólica para outra. Naturalmente, é possí-vel tal ocorrência em razão de o conteúdo formal de determinada palavra apre-sentar analogia com o conteúdo da nova intencionalidade. A palavra poço, nocontexto, apresenta-se como idéia de vazio, do escuro, sem nenhuma caracteri-zação real.

Quando se diz: Maria acordou para a vida, evidentemente, não se preten-de dizer que ela despertou do sono fisiológico.

Manuel Bandeira, evocando os parentes mortos (Evocação do Recife), diz:

"- Estão todos dormindoEstão todos deitadosDormindoProfundamente."

Na linguagem popular, dormir é morrer a prestações. Camões (Lusíadas X,9) nos fala do rio do "eterno sono", lembrando-se do perpetuus sopor de Horário.

Outros exemplos mostram que a palavra não é monossêmica, vale lembrar,não possui apenas um sentido.

Vejam-se os casos abaixo, em que o sentido denotativo (cognitivo) econotativo (figurado) revestem um mesmo significante:

1. Vamos dançar a quadrilha?A polícia prendeu o chefe da quadrilha.

2. Costumo lavar minhas roupas.É praxe lavar o dinheiro do narcotráfico.Consegui lavar a barra no tribunal.

Os dois sentidos podem ocorrer, ao mesmo tempo, como se vê no exem-plo de Millôr Fernandes (Isto É/Senhor, 14-3-92): "Se a separação é legal se cha-ma divórcio, todos sabem. Mas, uma coisa: a outra, que não se chama divórcio enão está na lei, é muito mais legal."

Agora, um exemplo de Alencar:

"Continuaram a caminhar e com eles caminhava a noite."

O que determina a gama de variação do significado é a carga emocional:a palavra vai assumindo vários sentidos dentro de uma perspectiva paradigmática

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de modo que um significante pode remeter o leitor a um significado 1, e a outro,que poderia chamar de significado 2, sendo possível uma numeração maior, àmedida que os contextos vão indicando novas dimensões significativas às palavras.

A par disso, a mesma palavra, e. g., morte, tem significado diferente parao médico, para o jurista ou para o poeta. E para cada indivíduo das classes sociaisaqui enunciadas haverá, também, variações de valores semânticos, conforme aassociação de idéias manifestar-se nas vivências e experiências particulares.

É a mesma carga emocional que produz, em um contexto lingüístico, pa-lavras simpáticas/antipáticas, solenes/vulgares, enfim, a direção psicológica em-presta dimensão conotativa aos vocábulos e, ainda, estabelece relação de valorpositivo ou negativo entre homem/palavra, resultando, disso, a diversidade voca-bular de uma língua.

Tome-se, como exemplo, a palavra madrasta. Além do sentido denotativo,faz-se ela acompanhar de uma carga semântica pejorativa. A vida, chama-a demadrasta Manuel Bandeira no poema "Canção para minha morte":

"Sei que é grande maçadaMorrer, mas morrerei- Quando fores servida -Sem maiores saudadesDesta madrasta vida,Que todavia amei..."

Com o fluir do tempo, reabilitam-se algumas palavras. É o caso de aman-te; aparece o termo em sentido próprio - que ama - no romance Senhora de Joséde Alencar; também no Misantropo de Molière e em Camões, no episódio de Inêsde Castro, sem qualquer conotação carnal.

Paulatinamente, associou-se a amores ilícitos (a amante era a segunda, afilial); já agora tende a readquirir foros de legitimidade, apesar de a palavraconcubina assumir o papel de uma companheira de vida conjugai de fato, mais doque o vocábulo amante, talvez pela ação depreciativa que o tempo lhe marcou.

Outras palavras sofreram desgaste e envilecimento em seu sentido. Ale-xandre Herculano usa, normalmente, a palavra mancebo que se degradou, pelomenos nos derivados mancebia e amancebar, correntes na área jurídica. Camõesusa esquisitos (Lusíadas, VI, 737) no sentido latino de delicados, esquecido emportuguês e mantido, v. g., no francês (exquis) e no inglês (exquisite). Gil Vicentee o Padre Vieira empregam o verbo parir em relação à mãe de Deus. CarolinaMichaelis de Vasconcelos cita (s. d.:281) uma cantiga popular arcaica:

"Quem é a desposada?- A Virgem sagrada.Quem é a que paria?

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Cortesã era apenas a dama da corte, a que assistia na corte; assumiu, de-pois o sentido de prostituta como no filme de Misoguchi: Oharu, a vida de umacortesã.

O termo latino tempestas passou por vários significados sucessivamente:"momento do dia", "estado atmosférico" (tempo bom ou não) para se fixar em"tempo borrascoso", tempestade. Na área jurídica, mantém-se o sentido primiti-vo nas formas "tempestivo" (em tempo devido, oportuno, adequado) e"intempestivo" (em tempo não devido, oportuno, adequado).

2.3 O SENTIDO DAS PALAVRAS NA LINGUAGEMJURÍDICA

A clareza das idéias está intimamente relacionada com a clareza e preci-são das palavras consoante assevera Othon Garcia (1975:135). No Direito, é ain-da mais importante o sentido das palavras porque qualquer sistema jurídico, paraatingir plenamente seus fins, deve cuidar do valor nocional do vocabulário técni-co e estabelecer relações semântico-sintáticas harmônicas e seguras na organiza-ção do pensamento.

Três são os tipos de vocabulário jurídico: unívocos, equívocos e análogos.

Unívocos: são os que contêm um só sentido. A codificação vale-se delespara descrever delitos e assegurar direitos, e. g.: furto (art. 155 CP - subtrair, parasi ou para outrem, coisa alheia móvel); roubo (art. 157 CP - subtrair, para si oupara outrem, coisa móvel alheia mediante grave ameaça ou violência, depois dereduzir a resistência da pessoa); mútuo (art. 1.256 CC - empréstimo oneroso decoisas fungíveis); comodato (art. 1.248 CC - empréstimo gratuito de coisas nãofungíveis).

São unívocas, ainda, palavras pertencentes ao jargão do profissional doDireito, e. g.: ab-rogar (revogar totalmente uma lei); derrogar (revogar parcialmen-te uma lei); ob-rogar (contrapor uma lei a outra); repristinar (revogar uma leirevogadora).

Bom de lembrar que a repristinação não é automática, pois não se restau-ra por ter a lei revogadora perdido a vigência nos termos do art. 2-, § 32, da LICC.

Pode-se dizer, assim, que a univocidade representa os termos técnicos dovocabulário especializado.

Equívocos: são os vocábulos plurissignificantes, possuindo mais de umsentido e sendo identificados no contexto.

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Direito Processual: apreender judicialmente bem em litígio.

Direito Penal: privar alguém de sua liberdade delocomoção.

Seduzir

Linguagem usual:

Direito Penal:

exercer fascínio sobre alguém parabenefício próprio.

manter conjunção carnal com mulher vir-gem, menor de dezoito anos e maior de ca-torze, aproveitando-se de sua inexperiênciaou justificável confiança.

O profissional do Direito deve empreender bastante esforço semântico aousar as palavras plurissignificativas. Para tanto, não deve empregar acepções quenão pertençam ao jargão jurídico, ou, se o forem, mas tiverem natureza equívo-ca, devem ser acompanhadas de especificadores que resguardem o sentido pre-tendido.

Análogos: são os que não possuindo étimo comum, pertencem a umamesma família ideológica ou são tidos como sinônimos.

Exemplos:

Resolução (dissolução de umcontrato, acordo,ato jurídico)

Resilição (dissolução pela vontadedos contraentes)

Rescisão (dissolução por lesão docontrato)

Veja-se que palavras análogas são comumente conhecidas como palavrassinônimas.

Todavia, as palavras não têm exatamente o mesmo sentido, podendo seragrupadas por um ponto em comum, mantendo suas significações específicas.

No exemplo citado, o vocábulo resolução é ponto comum (gênero) daspalavras resilição e rescisão.

No entanto, resolução é palavra equívoca, com diversos significados, en-quanto resilição e rescisão são palavras unívocas.

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Quando anteriormente foi lembrada a univocidade das palavras furto eroubo, bom é esclarecer, agora, serem elas análogas em relação ao tipo crimes contrao patrimônio.

"Ninguém se apodera da língua e dela faz uso exclusivo", afirma com elo-qüência Ronaldo Caldeira Xavier (1991:12). Se a assertiva é verdadeira, tambémo é o fato de a precisão vocabular contribuir para a eficiência do ato comunicati-vo jurídico.

2.4 POLISSEMIA E HOMONIMIA

A polissemia, como se viu, é a multiplicidade significativa de um mesmosignificante, e. g., pena. Casos há, também, em que a polissemia se encontra napalavra encarregada de representar um campo: Câmara por Câmara dos Deputa-dos.

Segundo Dubois (1978:326), "homonímia é a identidade fônica (homo-fonia) ou a identidade gráfica (homografia) de dois morfemas que não têm omesmo sentido, de modo geral".

Como exemplos de homônimos homófonos, têm-se:

a. acender: alumiar, pôr fogoascender: subir

b. acento: tom de voz, sinal gráficoassento: lugar de sentar-se

c. caçar: apanhar animais ou avescassar: anular

d. cessão: ato de cedersessão: reuniãoseção: repartição

e. cela: cubículo, prisãosela: arreio

f. estático: firme, imóvelextático: admirado, pasmado

g. laço: nólasso: frouxo, gasto, cansado

h. tacha: pequeno prego, labéu, manchataxa: imposto, tributo, percentagem

Faz-se mister atentar para o uso correto de tais formas: "...consertou (sic)a gravata num gesto automático, antes de começar a palestrar sobre ecologia"(Folha de S. Paulo, 10-4-92, p. 4).

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"Concertou o chapéu na cabeça." (M. de Assis)A homófona conserto = reparo, enquanto concerto significa acordo, espe-

táculo, arrumação.Exemplos de homônimos homógrafos:

1. Assentara. O réu assentou na ponta da cadeira.b. "a respeito desse conhecimento presumido assentou a jurisprudên-

cia a seguinte orientação..." (W. de Barros Monteiro)c. José assentou praça.d. Ele assentou a cabeça.e. O exército assentou acampamento em Itatiba.

2. Decadênciaa. Escreveu-se um livro sobre a decadência de Roma.b. No caso, não houve decadência da queixa.c. A partir de certa idade, começa a decadência da vida.

3. Diligênciaa. Realizou-se diligência para a elucidação do crime.b. O aluno estuda Direito Penal com diligência.c. O filme de John Ford "No tempo das diligências" é ótimo.

Além desses casos de homonímia total, pode ocorrer homonímia parcial,v.g.:

a. Olho o gato com olho carinhoso.b. Começo o livro no começo da minha vida.c. A estrela francesa estrela este filme.

Poderá perguntar-se o leitor: em que polissemia e homonímia se diferem?Na verdade, em ambos os fenômenos lingüísticos há um significante para váriossignificados. Na polissemia, o emissor alarga as acepções de uma única palavra,enquanto na homonímia, ele distingue várias palavras, e. g.:

vão = substantivovão = adjetivovão = verbo

Ulmann indica três fontes para a homonímia:

1. Convergência fonética: duas ou mais palavras, por meio de mudançasfonéticas, coincidem no significante. Na língua portuguesa, ricos são

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os exemplos de homonímia, provenientes de duas ou mais palavraslatinas:

sagrado: S. Pedrosadio: homem sãosão: eles são

2. Divergência semântica: dois ou mais significados da mesma palavraseparam-se de forma tal, que acaba por ocorrer plena ruptura entreeles, e. g.:a. escudo (arma defensiva)b. escudo (moeda)Difícil se torna precisar, nestes casos, a homonímia, diferenciando-a dapolissemia. Os registros ocorrem em razão de os estudiosos da línguaacompanharem a história das palavras. Mesmo assim, muitas decisõessão arbitrárias.

3. Influência estrangeira: os empréstimos, ao se adaptarem ao sistemafonético da língua, para serem incorporados, acabam por coincidir compalavras já existentes, e. g. manga (parte do vestuário), do latim manica(séc. XIII) e manga (fruta) do malaio (séc. XVI). Na opinião de Coutinho(1974:209), os homônimos provenientes de línguas diferentes tambémsão considerados convergentes.

No tocante à polissemia descarta-se, em geral, a possibilidade de proble-mas de compreensão ou ambigüidades pelo contexto; é o que se percebe nos exem-plos:

O juiz mandou relaxar a prisão.O guarda não pode relaxar a vigilância.Convém relaxar o corpo ao dormir.Não se deve relaxar a consciência.

O réu foi conduzido sob vara.O juiz da 5a Vara Criminal é severo.Esta vara é pesada.Comprei uma vara de porcos.

Casos há em que pode ocorrer a ambigüidade como no exemplo: foi as-sassinado no banco. Nas páginas humorísticas provoca-se ambigüidade: "O crimi-noso não deixou boa impressão no local do crime."

São extremamente polissêmicas palavras como cabeça, olho, linha etc; orermo latino res-rei (da quinta declinação) pode, segundo o contexto, significar:

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coisa, feito, negócio, assunto, questão, demanda, império, governo, ofício, parte,herança, patrimônio, modo, ocasião, fazenda, riqueza, utilidade, interesse etc.

A polissemia é corrente na linguagem jurídica; vale citar, a propósito,Washington de Barros Monteiro (Direito das obrigações, 1976:4): "Muitos são,portanto, suas acepções utilizando-se o legislador ora de uma ora de outra; aliás,na linguagem jurídica, tornam-se freqüentes essas polissemias."

O já citado Ulmann (s. d.: 331-346) analisa as cinco principais fontes dapolissemia:

1. Mudanças de aplicação

Ocorrem no contexto. Quando se diz que um rapaz é um gato desloca-seo sentido do animal, aplicando na pessoa humana alguns atributos do felino.

2. Especialização em determinado meio social

A palavra pode mudar o sentido de acordo com o meio em que é produzi-do. Veja-se a palavra ação: ação militar, ação comunitária, ação judicial etc.

A especialização pode ocorrer em um mesmo meio, e. g.: ação judicialpenal, ação judicial trabalhista.

3. Linguagem figurada

O caráter afetivo empresta novos significados às palavras. Veja o leitor apalavra beijo. Não se ouve falar em "beijo da morte" (máfia), "beijo da fecun-didade", "beijo cálido", "beijo frio"? É uma constante em Olavo Bilac a expressão"beijos do sol".

4. Homônimos reinterpretados

São casos de desvio semântico entendido pelos autores como polissemiapor assumirem as palavras relações psicológicas diferentes.

Egrégio {exgrege): usava-se para designar a ovelha separada do rebanho;hoje, fala-se em Egrégio Tribunal; hospício: passou de hospedaria para hospital e,daí, para hospital de alienados; insolente: excessivo, fora do comum, cristalizou-se como grosseiro; formidável: que causa medo (do latim formidare) e cujo senti-do, hoje, é excelente; escrúpulo: antes, pedrinhas da areia que perturbavam quandoentravam no sapato; hoje, perturbação da consciência.

5. Influência estrangeira

São empréstimos semânticos, acabando por o sentido importado abolir oantigo ou conviver com ele, instalando-se a polissemia.

Ulmann (op. cit.:342) oferece precioso exemplo. O termo francês parle-ment, cujo significado original era "fala", "discurso" (do verbo parler = falar),passou a designar um "tribunal judicial". Por influência do inglês parliament,

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adquiriu o sentido de "assembléia legislativa". Mais recentemente, dezembro de1992, encontra-se o termo cabendo, ainda, à ação judicativa.

Com a palavrafortuna (destino, sorte) aconteceu-lhe adquirir o sentido deriqueza por influência do francês (Andrade e Henriques, 1992b: 3 7).

2.4.1 Usos da linguagem jurídica: algumas dificuldades

O profissional do Direito, conquanto a ciência jurídica busque a univocidadeem sua terminologia, convive com um sem-número de palavras polissêmicas.

Exemplo clássico é o termo Justiça que tanto exprime a vontade de dar acada um o que é seu, quanto significa as regras em lei previstas, e, ainda, o apare-lhamento político-jurídico destinado à aplicação da norma do caso concreto.

O vocábulo Justiça (do latim Justitia) provém de ius, jus que, por sua vez,é oriundo do sânscrito iu, cuja idéia expressava proteção, vínculo ou ordem. NoDireito Romano, o jus não se identificava com a lex (lei), mas estendeu-se ao vo-cábulo direito em português, diritto em italiano, derecho em espanhol, droit emfrancês e recht em alemão, contaminando o sentido da aplicação da lei, porqueela busca o justo, tanto quanto o Direito procura pela Justiça.

Inadequados são, pois, adjetivos comumente empregados nos fechos daspeças processuais, e. g., lídima Justiça, porque só ocorre a aplicação da Justiçaquando se declaram direitos devidos ao titular e a punição de quem não os res-peita, sendo ela, desta sorte, sempre legítima.

Outro exemplo de polissemia jurídica é a palavra agravo (do latimaggravare) com acepção de afrontar, ofender. Como corolário deste sentido, cabedesagravo ao ofendido, reparando-lhe a injúria feita.

Na linguagem processual, porém, agravar é recurso interposto contra de-cisão interlocutória ou mesmo definitiva (neste último caso, quando não se deci-diu sobre o mérito) que, por sua natureza, exige do agravante ser parte no feito.O desagravo, na hipótese, indica que o recurso foi provido, com o desfazimentodo gravame praticado pelo juiz a quo.

Valem os exemplos:

a. A OAB desagravou o advogado Paulo Bernardes que, ao reclamar doimpedimento a ele imposto de assistir ao Interrogatório do Réu, emcausa patrocinada por um seu colega, recebeu do magistrado ordemde prisão.

b. O réu agravou da decisão denegatória de pedido de acareação de tes-temunhas, formulado pela defesa na fase do art. 499 do CPP, em ra-zão de declarações contraditórias prejudiciais ao conhecimento daverdade.

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A locução latina ex officio, quando modifica o substantivo recurso, signifi-ca que o juiz, ele próprio, recorre da decisão por força da lei. No entanto, ao es-pecificar o verbo processar, indica ter o juiz agido por interesse da Justiça, sempedido ou interposição das partes.

A polissemia pode ser, ainda, morfológica. Em sua acepção adverbial, aexpressão bastante indica intensidade. Aplicada à Procuração, é o vestígio do par-ticípio presente do verbo bastar (o que basta, o que é necessário). Assim, outor-gam-se poderes bastantes ao procurador, ou seja, os poderes necessários ao cum-primento do Mandato. Contaminado, foi, também, o substantivo procurador. Bas-tantes procuradores são os que reúnem condições e qualidades para praticar osatos necessários à validade do Mandato.

A homonímia há de merecer o mesmo exame acurado. Problemático seriaafirmar que houve a sessão de direitos ou que a seção do júri foi iniciada no horá-rio designado.

A conclusão óbvia que se pode tirar dessas observações é que, se o meroconhecimento dos conceitos jurídicos não é suficiente para a expressão do pensa-mento, torna-se imperativo, ao profissional do Direito, estar atento aos verbetesdo dicionário de terminologia jurídica para empregar as palavras de acordo comas idéias do contexto.

2.5 SINONIMIA E PARONIMIA

2.5.1 Sinônimos

A busca, no Dicionário de Sinônimos, de uma palavra com o mesmo sen-tido atende ao objetivo de eliminar-se a repetição e a conseqüente monotonia.Louve-se o esforço, mas a asserção de que não há sinônimos perfeitos é, hoje,comum. Por isso é que Mario Quintana diz haver apenas dois sinônimos perfei-tos: nunca e hoje.

De acordo com a Lingüística moderna, seria sinônimo perfeito aquele per-mutável em todos os contextos. No caso de uma série sinonímica é possível pro-ceder à substituição de um termo por outro, em determinados contextos. Tal fatopode verificar-se numa série sinonímica como:

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morrer, falecer, expirar, extinguir-se

A- O mendigo morreuO mendigo faleceuO mendigo expirouO mendigo 0

B - A chama do círio pascal morreuA chama do círio pascal 0A chama do círio pascal 0A chama do círio pascal extinguiu-se

0000

direitodireitodireitodireito

dededede

usufrutousufrutousufrutousufruto

000extinguiu-se

D - A flor do jardim morreuA flor do jardim 0A flor do jardim 0A flor do jardim 0

Em outra série sinonímica: soldo, féria, vencimentos, honorários e esti-péndios, os termos aplicar-se-ão:

soldo

^ soldados

vencimentos

^ deputados

salário

^ assalariados

honorários

* advogados

féria• \ - —

^ comerciantes

estipêndios

*• magistrados

Tome-se outra série sinonímica: velho, anoso, antigo, arcaico, remoto; ostermos aplicam-se: velho —> homens; anoso —» árvores; antigo —> objetos;arcaico —> termos; remoto —> épocas (Andrade e Henriques, 1992b:38).

Observe-se a diferença entre:

a. Separação judicial consensual ou litigiosa (põe termo aos deveres docasamento); divórcio (põe fim ao próprio casamento). Veja-se, ainda,que na separação judicial consensual há acordo entre as partes, ambasAutoras da Petição Inicial, enquanto na litigiosa existe conflito, havendoAutor (quem propõe a separação) e Réu (em face de quem há a pro-positura da ação).

b. Casa (sentido genérico de habitação); residência (lugar de parada oupermanência); domicílio (sentido estrito, residência com animuspermanendi; lugar onde a pessoa responde pelos atos da vida civil).

Verifique o leitor que houve em todos os casos "equivalência de significa-ção" entre palavras. Perceba, no entanto, que não houve "identificação" comple-ta. Isto ocorre porque cada palavra se reveste de feição própria, apresenta um graude afetividade ou expressividade peculiar; ajusta-se desta ou daquela forma a deter-minado conjunto, enfim, a palavra ganha vida própria e assume tonalidade própria.

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Segundo Almeida Torres (1959:35-36), a Rui Barbosa, repugnava-lhe o usode desvirginamento em lugar de defloramento; este lhe sabia a pudor, aquele teriaconotação de violência. O mesmo pudor levou, por certo, José de Alencar a poetizara perda da virgindade nos seguintes passos de "Iracema":

"Se a virgem abandonou ao guerreiro branco aflor de seu corpo, ela mor-rerá" e "Se a virgem de Tupã abandonar ao estrangeiro a flor de seu corpo, elamorrerá."

Enfim, um termo com sentido rigorosamente fixado seria um entrave aojogo rico e caprichado do estilo e sufocaria a densa vegetação de significados.

2.5.2 Parônimos

Denominam-se parônimas as palavras de sentido diverso, mas que se apro-ximam pela forma gráfica ou mesmo pelo som. Tal afinidade pode suscitar confu-sões, gerar equívocos e levar a situações jocosas ou mesmo embaraçosas. O so-corro ao dicionário é, por certo, a melhor forma para que se evitem situações dotipo. Os parônimos são inúmeros; citam-se apenas alguns mais relacionados coma área jurídica:

absolver (perdoar)deferimento (concessão)descriminar (isentar de crime)destratar (ofender)elidir (suprimir)emenda (correção)emitir (mandar para fora)flagrante (evidente)incontinenti (sem demora)infligir (aplicar pena)lide (demanda)mandato (procuração)prescrever (ordenar)ratificar (confirmar)tráfico (comércio ilegal)

Observação:

absorver (assimilar)diferimento (adiamento)discriminar (diferenciar)distratar (romper o trato)ilidir (refutar, anular)ementa (resumo)imitir (investir em)fragrante (perfumado)incontinente (falto de moderação)infringir (desobedecer)lida (trabalho)mandado (ordem, determinação)proscrever (banir)retificar (corrigir)tráfego (trânsito)

1. O termo incontinenti é encontradiço entre os juristas; Miguel Reale emseu livro de memórias (v. 2) usa-o, pelo menos, dezessete vezes.

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2. A respeito da expressão em flagrante delito, conta-se que FernandoPessoa enviou a um amigo uma foto dele (poeta), numa mesa de bar,ao lado de uma garrafa, com a dedicatória: "Em fragrante delitro".

3. Relacionado à paronímia, temos a Paronomásia, jogo de palavras comsons semelhantes e sentido diverso. É o que fez Oswald de Andrade:"Não confundir capitão de fragata com cafetão de gravata" ou "Caro-lina de Sá Leitão com caçarolinha de assar leitão."

Não se confunda: "Habeas Corpus" e "Habeas Copos", nome de um bar.

2.5.3 Usos da linguagem jurídica (sinonímia eparonímia)

As palavras podem ser agrupadas pelo sentido, compondo as chamadasfamílias ideológicas. Bom é esclarecer, porém: não há falar-se em sinonímia per-feita. Se é certo inexistir tal possibilidade na linguagem usual, mais ainda o é nalinguagem jurídica.

Ilustrando a assertiva, verifiquem-se os empregos dos verbos prolatar, pro-ferir, exarar e pronunciar. Referem-se todos eles à decisão judicial; não represen-tam, no entanto, exatamente a mesma idéia. O verbo prolatar é utilizado em suaacepção ampla: tanto significa declarar oralmente a sentença, quanto dá-la porescrito. Proferir ajunta-se à idéia da sentença oral, enquanto exarar correspondea lavrar, consignar por escrita a decisão judicial. O verbo pronunciar, por sua vez,a despeito de significar, sentido lato, despachar, declarar, decretar a sentença,encontra seu sentido preso ao Direito antigo que o recomenda para a decisãoanunciada em voz alta. Este uso não é seguido com rigor pela linguagem legislativa,sempre repleta de imperfeição semântica, que elege o verbo pronunciar para re-ferir-se ao ato de o juiz decidir sobre a interdição do surdo-mudo, art. 450 do CC.

Aliás, considerando ser seu antônimo impronunciar, palavra unívoca daterminologia criminal para indicar decisão absolutória no homicídio doloso,escoimando o acusado da incriminação e livrando-o do julgamento popular, hou-vesse o rigor técnico, mais exato seria reservar o verbo pronunciar para seu senti-do do Direito Penal, ou seja, decisão condenatória nos crimes contra a vida napresença do animus necandi, indicando que o juiz determina seja colocado o nomedo denunciado no rol dos culpados, sem especificação de pena, encaminhando oréu ao Tribunal de Júri.

De igual sorte, a sinonímia dos verbos acordar e pactuar não indica umamesma extensão de sentidos. Pactuar, do latim pactum (de paciscí) deveria serusado para representar o ajuste, a combinação, a própria manifestação da vonta-de, enquanto o termo acordar aplica-se mais à vontade firmada no plano concre-to, i. e., estarem concordes as partes quanto às cláusulas ou condições estabelecidas

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no ajuste, na convenção, no contrato. Os romanos, conta a história do Direito,faziam distinção entrepacta (pactos) e contracti (contratos), sendo que apenas osúltimos eram garantia de uma ação, porque os contratos tinham uma causa civil,fundada no caráter sinalagmático (reciprocidade de direitos e obrigações), aocontrário dos pactos que não importavam na existência de contraprestação, sen-do, no mais das vezes, cláusula acessória do contrato, v. g., pacto comissário (atri-buição conferida para alguém fazer alguma coisa).

Na linguagem usual, pacto guarda o sentido de ajuste de vontades que podeser desfeito sem garantia de ação jurisdicional do Estado, v. g., pacto de amor eter-no. Possivelmente, este uso orientou o legislador quando não disciplinou o con-trato antenupcial e sim opacto antenupcial que, embora solene, portanto objetivadona escritura pública, desfaz-se naturalmente se o casamento não se realiza.

Conclui-se dos comentários, a pertinência do emprego da palavrapacto noscasos em lei determinados: pacto compromissório, pacto constituto, pacto de nonalienando, pacto de non petendo, pacto de preferência, pacto de retrovenda, pactodotal, pacto sucessório, entre outras espécies, reservando o vocábulo acordo paraindicar o contrato ajustado entre as partes. Este cuidado não resolve, esclareça-se, o problema da sinonímia por serem estas palavras equívocas. Acordo trabalhistaé o entendimento entre patrão e empregado, tanto no ajuste de serviço a ser exe-cutado, quanto ao acerto realizado nos litígios. Pacto, no Direito Internacional, éo vocábulo escolhido para designar o ajuste ou tratado celebrado entre os Esta-dos, chamados, por isso, pactuantes.

Exercício obrigatório ao profissional do Direito é, assim, perscrutar comzelo os dicionários de palavras análogas e, firmada uma família ideológica,pesquisar os dicionários especializados para informar-se sobre os usos das pala-vras.

Aparentemente penosa, gratificante é a tarefa, porque o profissional, oumesmo o estudante, vai aprimorando sua linguagem, de sorte a não realizar tro-cas impensadas de palavras; ao contrário, vai ajustando com precisão crescenteas palavras às idéias, nomeando o pensamento de maneira lógica e designandocorretamente a idéia na linguagem jurídica.

Se exigente deve ser a tratativa dada aos sinônimos que cuidam de idéiasassemelhadas, mais criteriosa há de se configurar a seleção de palavras parônimas,porque os sentidos delas não fazem parte de uma mesma família ideológica, em-bora semelhantes na forma. Se a troca desmedida entre sinônimos compromete aprecisão do pensamento, a confusão na paronímia leva o usuário da língua a re-sultados desastrados e, muitas vezes, risíveis, expondo o infeliz ao escárnio.

Imagine-se a situação do profissional que dissesse ser imperativo ao juizdiferir sua manifestação contrária ao pedido da parte adversa que havia solicita-do aprocrastinação da audiência, alegando compromisso inadiável de negócio paraaquela data.

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Por outro lado, aprecie o leitor ao efeito obtido pelo correto uso dos parô-nimos em tela no feliz exemplo de Eliasar Rosa (1987:52): "O juiz deferiu o pedi-do. No despacho saneador, o juiz diferiu o exame da preliminar para a sentençapor julgá-la entrosada com o mérito."

Outras paronímias freqüentam a linguagem jurídica, exigindo cautelas noemprego, dentre elas:

1. Descriminar/DiscriminarTem sido bastante empregada a palavra descriminar (indica a exclu-são de criminalidade, denota a idéia de inocentar) nas discussões so-bre a reforma do Código Penal. Não há confundi-la com o vocábulo dis-criminar, significativo de separar, distinguir, dar tratamento diferen-ciado a uma mesma situação.

2. Delatar/DilatarA delação é ato acusatório, é revelar alguém como culpado. Os di-cionaristas têm anotado o verbo denunciar como sinônimo de delatar,na linguagem jurídica, no entanto, inconveniente é o emprego, porquea palavra denúncia, em Direito Penal, indica acusar, mas é ato exclusi-vo do Ministério Público que imputa a alguém a autoria de crime oucontravenção perante uma autoridade. Outro problema da utilizaçãoda palavra denúncia como sinônimo de delação é seu sentido na téc-nica forense. Derivado do verbo latino denuntiare (avisar, anunciar,citar), o vocábulo é de ampla acepção, não se referindo apenas ao con-teúdo de declaração de delito, mas de comunicação de fato que devaser noticiado, como ocorre nas expressões: denúncia à lide, denúncia àautoria, que se aproximam da notificação, implicando chamamento ajuízo.Dilatar é alargar, ampliar. No sentido jurídico é tido como equivalentea prazo, v. g.: Dilatam-se os prazos.

3. Infligir/InfringirInfringir (infringere) refere-se à violação da lei ou não cumprimentode obrigações. Infligir (infligere) tem o sentido de aplicar, impor, ati-rar. Em Direito, é aplicar pena ou castigo à pessoa, em conseqüênciade conduta criminosa ou lesiva por ele praticada.

Não se exaure a matéria nos exemplos citados. Aconselha-se ao profissio-nal do Direito uma pesquisa rigorosa nas boas gramáticas, com o fito de inventariaro maior número possível de parônimos que podem comprometer a expressão dopensamento, evitando, particularmente, confusões crassas, mas freqüentes, nalinguagem jurídica, v. g., genitor (pai)/progenitor (avô); intimorato (destemido,valente)/intemerato (puro, íntegro); inerme (sem meios de defesa)/inerte (semação, sem atividade).

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Fique gravado o alerta. O fato de um estudante de Direito ser incipienteno estudo da ciência jurídica não justifica ser ele insipiente no conhecimentovernacular porque já deve ele, neste passo, fruir de uma linguagem escorreita enão fluir dos bons ensinamentos gramaticais.

2.6 O VERBO JURÍDICO: ACEPÇÕES E REGIMES

O pensamento humano evoca ações, expressa estados ou qualidades e dáatributos a condutas. Para simbolizar o agir e o sentir, a linguagem encontra noverbo o centro nevrálgico de todo o ato comunicativo, porque é sua função esta-belecer as relações psicológicas do usuário de uma língua nas realidades por elerepresentadas.

Quando o verbo exprime o fato, a frase é verbal; quando ele integra adefinição de algum ser, denotando-lhe atributos, a frase é nominal. Existe, ainda,a possibilidade de se construir, em torno do verbo, uma frase mista, verbo-nomi-nal, do tipo: O réu saiu algemado do tribunal. (Ele saiu, estava algemado), ouentão: Os jurados consideraram o réu culpado. (Ele era culpado para os jurados).

Importante se faz ressaltar que estas distinções não são apenas sintáticas.Antes, elas retratam o elemento psicológico da representação da idéia.

Preciosa é a contribuição de Cândido Jucá (Filho) ao classificar as frasesou sentenças à luz do valor psicológico nelas contido (1971:9), apresentando adivisão genérica a seguir:

a. sentença verbal

b. sentença nominal

dramáticaafetivaabsoluta

durativatransitóriaincoativa

í afetivac. sentença mista <̂

[dramática

Valem algumas notações ao imperecível estudo do grande filólogo da lín-gua portuguesa:

1. A dramaticidade da frase verbal ocorre quando os protagonistas doenunciado desempenham o drama indicado pelo núcleo verbal:

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O juiz condenou o réu.A testemunha depôs favoravelmente ao réu.

2. A frase verbal afetiva, usada no sentido clássico do verbo afetivo (in-dica que o fato interessa a determinados seres) afasta o drama frásico:

O advogado de defesa tem prestígio.Faz calor na sala de audiências.

3. A frase absoluta ou factiva interessa menos ao mundo jurídico, porquea idéia nela contida, salvo excepcionais condições, não tem valor uti-litário, resumindo-se em construções do tipo chove, venta, entre outrosverbos meteorológicos.

4. As frases nominais centradas no verbo ser dão idéia de estado perma-nente: O réu é culpado. Todavia, o atributo que se declara a um sujei-to pode ser transitório, firmado no verbo estar. O réu está preso. Oatributo pode ser, ainda, incoativo, exprimindo mudanças de estado.O réu ficou inconformado com a sentença. Em aditamento aos tiposestudados pelo autor, oportuno é lembrar, no tocante ao estado depermanência de um atributo, que outros verbos ligativos há em tornodo verbo ser (estado permanente) e estar (estado temporário). Assim,o aspecto temporário pode denotar instabilidade: anda preocupado;indicar estado durativo mais estável: continua preocupado; e, na se-qüência da gradação: permanece preocupado. Antes de o homem defi-nir o atributo como ser, percebe-o como umparece ser, antes de afirmá-lo como estado de estar, considera-o como ficar. Se a duração é maispermanente, o aspecto é tornar-se, idéia aproximativa do verbo ser.

5. A frase mista, exprimindo um fato, encerra a definição de um ser. Overbo é palavra ideativa de fato:

O réu saiu triste do tribunal. (Há um fato afetivo - o réu saiu do tribu-nal - e um nominal - estava triste.)

ou então:

O advogado ilidia as provas apreensivo. (A base dramática do verboilidir - integrando a relação advogado/provas - encontra-se modifica-da pelo atributo nominal - estava apreensivo.)

O profissional do Direito, ao construir as frases, deve ter em conta o fatorpsicológico dos verbos para enfatizar a idéia com os termos acessórios adequados,principalmente os adjuntos adnominais e adverbiais, procurando o emprego dosdiversos tipos de frases, realizando, assim, um manejo expressivo da linguagem.

Conhecer os regimes e acepções do verbo é, também, ferramenta indispen-sável na atuação jurídica em seus diversos campos e especializações, devendo o

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profissional do Direito estar sempre disposto a consultar dicionários, em busca dasinformações semântico-sintáticas indicativas dos sentidos e das construções gra-maticais.

Bom é lembrar as abreviaturas empregadas nos verbetes: verbo de liga-ção (v.pred.); verbo transitivo direto (v.t.); verbo transitivo indireto (v.rel.).

Proveitoso é, ainda, recomendar a presença de livros sobre vocábulos ju-rídicos na biblioteca do estudante e do profissional do Direito para ajudá-los noenfrentamento das dificuldades lingüísticas.

Uma obra indispensável é a de Adalberto J. Kaspary, O verbo na linguagemjurídica - acepções e regimes (1990), da qual serão extraídos alguns exemplos parailustrar a importância da matéria, sem, no entanto, agrilhoá-los ao brilhante es-tudo do dedicado jurista.

1. Argüira. A defesa argüiu a sentença de injusta em suas razões de Apelação.b. A Contestação argüiu a incompetência do juiz para conhecer do pe-

dido.c. O juiz argüiu, exaustivamente, a testemunha.Nos exemplos, o verbo argüir assume diferentes significados. No item"a", tem o sentido de acusar, tachar de, construindo-se como objetodireto e indireto (emprego da preposição de). Já o item "b" cuida dasacepções alegar, apresentar como defesa alguma coisa (o sentido sem-pre guarda a idéia de oposição, podendo ser empregado quer comotransitivo direto, quer como transitivo direto e indireto). Finalmente,o item "c" aponta o sentido de interrogar, inquirir, que aparece com aconstrução transitiva direta, podendo, ainda, representar a idéia de in-dagar alguém sobre alguma coisa.

2. Carecera. O autor carece de interesse para agir.b. A acusação carece de provas mais contundentes.No item "a", carecer significa ter falta de, enquanto o item "b" empre-ga o verbo para indicar a idéia de necessitar de, precisar de.Quanto ao emprego do verbo carecer, vale citar os Comentários à polê-mica entre Rui Barbosa e Carneiro Ribeiro do preclaro mestre Artur deAlmeida Torres (1959:45) que registram as controvérsias em torno doverbo, em razão de Rui, no art. 18 do Projeto, ter proposto a substitui-ção do verbo carecer, que assim figurava:... "carecem de aprovação do Governo Federal os estatutos ou compro-missos de sociedades etc."

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Advertia o "Águia de Haia", que o verbo carecer só poderia ser usadoem seu sentido originário, ou seja, não ter alguma coisa, ou dela ter falta.Por sua vez, Carneiro Ribeiro, em suas Ligeiras observações, lembrouque o sentido do verbo carecer não se limitava ao que lhe fora dadopelos clássicos antigos, admitindo o sentido de precisar ou de necessi-tar, abonando-se em exemplos de Vieira e Castilho Antônio.O implacável Rui, no entanto, vociferou em sua Réplica que não igno-rava a existência deste sentido, "mas - acrescenta - são casos ainda malabonados pelo uso geral da língua, desde os seus primeiros tempos atéhoje".

3. Implicara. A inércia da defesa implica a revelia do réu.b. Em suas Alegações Finais, a defesa alegou que a vítima sempre im-

plicou com o réu.c. Conforme sobejamente demonstrado nos autos, o réu implicou-se

em tráfico de entorpecentes.Atente-se às diferentes regências e sentidos do verbo implicar. No item"a", implicar, v.t., significa acarretar, devendo ser repelida a preposi-ção em virtude da transitividade direta do verbo nesta acepção. O item"b" exemplifica o sentido de "ter implicância", v. rei., que é regido pelapreposição com, não devendo ser empregado como pronominal, for-ma exclusiva do sentido constante do item "c", usado na acepção deenvolver-se em.

4. Preferira. Na concorrência de vários pretendentes à remição, o que pode ofe-

recer o maior preço preferirá.b. O credor cuja condição deriva de documento ou título de garantia

prefere entre os quirografários.c. O crédito real prefere ao pessoal em qualquer espécie.d. A defesa preferiu alegar a legítima defesa a negar a autoria do cri-

me.O verbo preferir é intransitivo no sentido de ter primazia, como se vêno item "a", emprego encontrado no art. 789 CPC, admitindo, ainda,as construções preferir entre e preferir a, itens "b" e "c", no mesmo sen-tido. Já o item "d" cuida do sentido de dar preferência, querer antes.Neste caso, há sempre a obrigatoriedade de colocar os elementos com-parados sendo errônea a construção do tipo "Prefiro Direito Tributá-rio", porque é preciso esclarecer em relação a que ocorre tal preferên-cia. Vale lembrar ainda, que o sentido do verbo preferir "querer antes"repele advérbio de intensidade do tipo muito mais, porque seria um

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pleonasmo indesejável; também a forma a que é preferível à constru-ção do que, cada vez mais freqüente na linguagem jurídica.

2.7 ARCAÍSMOS

De uma forma ou de outra, os autores sempre têm assinalado o perpétuoestado de mudança da linguagem. Já Horácio no-lo diz na Ars poética (w. 70 esegs.):

"Multa renascentur quae iam cecidere, cadentqueQuae nunc in honore vocabula si volet usus,Quem penes arbitrium est et ius et norma loquendi."

"Muitos vocábulos que já morreram terão um segundo nascimento e cai-rão muitos daqueles que gozam agora das honras se assim o quiser o uso em cujasmãos está o arbítrio, o direito e a lei da fala" (Apud Ulmann, s. d.:10).

Cherry (1974:129) fala que se tem comparado a linguagem à mutávelsuperfície do mar e ao cintilar das ondas. Cunha (1975:24) afirma que a língua,por ser criação da sociedade, não pode ser imutável; antes, deve viver em perpé-tua evolução.

Palavras, expressões e tipos de construção sintática caem em desuso, saemde circulação. A essas formas que cumprem sua missão em determinada fase dahistória e, depois, desaparecem na escuridão dos tempos, dá-se o nome de arcaís-mos. Costumam ser subdivididos em léxicos, morfológicos e sintáticos; o presen-te trabalho interessa-se pelos primeiros (arcaísmos léxicos).

Arcaísmos léxicos são as palavras caídas em desuso por desnecessárias oupor força de substituição, como chus, evolução normal de plus, sobrevivente ape-nas na expressão "não dizer chus nem bus"; duana, presente ainda em, v. g., im-posto "aduaneiro"; matroca viva na expressão "à matroca".

Alguns arcaísmos sobrevivem com sentido alterado no uso atual (arcaís-mos semânticos). Assim, v. g.:

Ontem Hoje

I Itratante (que trata, cuida) embusteiro, malandrosaúde (salvação) bem-estarvianda (alimento) carne (viande, no francês)censor (magistrado que avaliava vigilante da conduta dos cidadãosos bens dos cidadãos)

formidável (terrível) excelente

parvo (pequeno de estatura) pequeno de cabeça

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Em determinadas palavras houve arcaização da forma primitiva e perma-nência delas nos compostos, como:

mundo -honestar -denementado -puneconcusso -formegrenhadiabroleixado -

imundocoonestarindenecomentadoimpuneinconcussodisformedesgrenhadodiabruradesleixado

ditavictovoluto -astresolenteauditonuptosoneconsútil -seio

desditainvicto, evictodevolutodesastreinsolenteinauditoinuptoinsoneinconsútil

ínscio

O estilo pode justificar o uso de arcaísmos.Alexandre Herculano projeta-se no passado histórico com seus romances

e, para conservar a cor local, socorre-se de termos já sepultados como defensão(proibição);gardingo (nobre); donzel (rapaz); refusar (proibir) e inúmeros outros.

Cecília Meirelles, em Romanceiro da inconfidência, com o fito de recriar oambiente colonial, lança mão de palavras agora aposentadas: meirinho (funcio-nário judicial); terçados (espada); dobla (moeda);palude (pântano) etc. Aredon-dilha menor, própria do período arcaico, reponta na mesma obra de Cecília:

"(Salvai-o, Senhora,com o vosso poder,do triste destinoque vai padecer!)"

Quem vai a Ouro Preto volta ao passado e aspira o ar dos tempos idos. Nãoé de admirar que o Juiz de Direito e poeta Alphonsus de Guimaraens vivesse pre-so ao passado e o deixasse transparecer em suas poesias: giolhos (joelhos); landas(terras); resplandor (resplendor) etc.

A linguagem jurídica, de acentuado caráter conservador, agasalha várioselementos arcaicos. Algumas amostras:

• Teúda e manteúda - No português arcaico, os verbos da segunda con-jugação tinham o particípio passado em udo (conhoçudo, vençudo,manteúdo, conteúdo). Teúda e manteúda continuam no Direito paraindicar a concubina tida e mantida às expensas do parceiro. Na litera-tura, em determinados contextos, aparece a expressão como, v. g., emLygia Fagundes Telles: "Teúda e manteúda, acrescentaria a sogra noseu quarto de oratório aceso, o olhar aceso sondando escuros..." Tam-

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bém José Cândido de Carvalho, por sinal advogado, alude a tal tipode concubina ao falar que Juju Bezerra sustentava, de anel no dedo,como se casado fosse, cinco mulatas.Conteúdo - Particípio passado arcaico do verbo conter; hoje, usa-secomo substantivo. Rui Barbosa, bem como outros autores, usa-o comoadjetivo em casos citados por Almeida Torres (1959:160).De juro - Corresponde à expressão de jure; era usual na expressão "dejuro e herdade" (por direito e herança). Aparece, v. g., em Os Lusíadas(VI-27).Lídimo - De Plácido e Silva registra o termo com o sentido de legíti-mo, em se tratando do filho procedente do legítimo casamento. Tor-res (1959:163) considera que, hoje, ninguém mais diria "filho lídimo,prole lídima, sucessão lídima".Pertenças - Substantivo usado no plural cujo sentido é benfeitorias.Peitar - O significado é subornar; o substantivo é peita, suborno ofe-recido, não exigido.Avença - Com o significado de acordo, contrato, ajuste; o termo apa-rece em Barros (1967:110). Gil Vicente usa o termo no Auto da alma,v. 22.Usança - Eqüivale a uso; é termo freqüente no Direito Comercial.Defeso - Proibido. Forma arcaica e acepção usada até o século XVI emantida no Direito.

2.8 NEOLOGISMOS

Já se sabe que a linguagem está em contínua evolução e não há força ca-paz de lhe estancar a movimentação.

Daí a cunhagem de termos e expressões novos; a esse constante renovardo vocabulário dá-se o nome de neologia e o produto, o resultado de tal processode criação lexical, é chamado neologismo. A rigor, não se trata tanto de criação,mas de transformação do material preexistente na língua pelo processo de deriva-ção e composição.

Pode-se falar também em neologismo semântico, isto é, emprestar novosentido a uma palavra já em voga; é o caso, v. g., de formidável, que, de terrível,descomunal, passou a excelente; de insolente, antes fora do comum e, hoje, gros-seiro; é o caso de contumaz que, consoante Silveira (1948:172), era termo decaráter rural aplicado ao animal cabeçudo; depois empregou-se para pessoas ar-rogantes e teimosas para se fixar na linguagem jurídica com o sentido de refratá-rio, obstinado.

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Alguns neologismos vivem vida efêmera: cumprem seu papel em determi-nada época, limitam-se a determinados casos e desaparecem. É o caso, v. g., dechacrete (morreu com o Chacrinha); rotel (usual no Rio de Janeiro com a novida-de do motel e sua rotatividade); oligarcia (criado pelo Estadão para o ex-gover-nador de Mato Grosso, Garcia Neto); alunissagem (em vigência nos anos 50). Osneologismos de Guimarães Rosa (jagunceio) e Darcy Ribeiro (ninguenzada) sãoconhecidos apenas por seus leitores.

No Brasil, há três grandes caldos de cultura de neologismos: a política, ocarnaval e o futebol.

No que tange à política, diz-se que o Brasil é, por excelência, o país dasnegociatas, mamatas e política rasteira; enquanto perdurar tal situação, criar-se-ão palavras com a base "gate" (Collorgate, Mogigate, Eliseugate etc). A estruturasocial sempre provocará badernaços, panelaços e buzinaços.

Devem-se debitar à política neologismos recentes: partidocracia, Fugimo-rização, tiranossauro, conta-fantasma etc.

Quanto ao carnaval, tem-se a impressão de que não morrerá tão cedo (semorrer!) e até lá viverão sambódromo, frevança, samba-enredo.

Com respeito ao futebol, as torcidas sempre forjam termos novos paracelebrar seus clubes, craques, vitórias e o que valha. As bandeiras das torcidas sãomuito criativas: Galoucura, de Galo + loucura (Atlético Mineiro); Flamante, deFlamengo + amante (Flamengo); Fluchopp, de Fluminense + chopp (Fluminense)e outras muitas.

O importante, na questão dos neologismos, é não tomar posições extre-madas, mesmo porque oposição radical ao neologismo é inútil.

2.9 ESTRANGEIRISMOS

Os seres humanos não vivem insulados; o caráter social obriga-os ao in-tercâmbio político, econômico e cultural. A influência de uma língua em outra édecorrência normal de tal intercâmbio; é, pois, um fato que se há de considerarcom naturalidade. Hoje, não há mais clima para os antigos caçadores de estran-geirismos, cacófatos e outros que tais.

Algumas palavras estrangeiras não têm correspondentes adequados e hãode ser usadas; ninguém pensaria em substituir outdoor por cartazão.

É praxe colocar estas formas entre aspas ou em negrito ou itálico. E o quese dá com palavras de uso na Administração, Economia ou, mesmo, Direito Co-mercial e Tributário como marketing, open (market), over (night), trading, leasinge outras.

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Há formas estrangeiras com correspondentes vernáculas; dar-se-á, então,preferência às nossas palavras, a não ser que haja alguma razão de ordem estilísticaou outra que justifique a forma alienígena.

A tendência brasileira de copiar tudo o que é estrangeiro facilita a intro-missão de vocábulos de fora; ontem era o francês, hoje, o inglês.

Na verdade, a influência inglesa remonta aos anos 30, graças, de modoespecial, ao cinema norte-americano, fato este que não escapou à atenção de NoelRosa.

"Amor lá no morro, é amor pra chuchu,As rimas do samba não são 'I love you'.E esse negócio de 'alô', 'alô boy1, 'alô, Johnny'só pode ser conversa de telefone."

(Apud Máximo e Didier, 1990:243)

Faz-se mister vestir as formas estrangeiras de uma roupagem vernácula e,assim, incorporá-las ao nosso léxico, como ocorreu com abajur, bibelô, chalé,coquete, buquê e tantas outras.

Enfim, é o uso que dá foros de legitimidade às palavras; na área futebolís-tica, muitos termos estrangeiros (senão todos) foram sendo, paulatinamente, eli-minados; é o caso de football, corner (escanteio), keeper (goleiro), half (lateral)etc. Já no automobilismo vigem termos ingleses: pole position, box, guará mil, pitstop e demais.

Na área jurídica, além de outros já citados, encontram-se déport, quérable(Barros, 1967:282), portable, draw back e mais registrados por De Plácido e Silvae Pedro Nunes.

No mundo jurídico, a tendência sempre foi a do aportuguesamento daspalavras, mesmo quando o uso consagra o estrangeirismo, e. g., leasing por arren-damento mercantil; franchising por franquia; factoring por faturização.

Com a globalização, há crescente tolerância aos estrangeirismos, que po-dem ser assimilados pela cultura jurídica brasileira sem a necessidade de substi-tuição por equivalências em português.

2.10 LATINISMOS

Hoje, é sabido de todos que as línguas novilatinas não procedem do latim;elas são o latim em seus aspectos atuais, pois não houve nunca solução de conti-nuidade histórica entre o latim e as línguas neolatinas. O português nada mais éque o mesmo latim transformado. Os casos latinos, v. g., reduziram-se ao acusativo:restaram, porém, vestígios de outros casos, especialmente no discurso jurídico.Assim:

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DATIVO NOMINATIVO

/ideicomisso Cícero, Nero, Juno etc.cruciforme Eu, tu, ele, nós, vós, elescrucifixo Este, esse, aquelehomicídio (hominicídio) sóror, câncer, deus etc.

GENITIVO ABLATIVO

jurisprudência fidedignojurisperito sinecura (sine + cura)jurisdição amcmuense (a + manu + ense)?itisconsorte mentecapto (mente + capto)íitispendência amente (a + mente)plebiscito alínea (a + línea)suicídioreivindicação

Obs.: São ainda reminiscências do ablativo latino:

a. As orações reduzidas de particípio e gerúndio:

Partibus factis (feita a partilha); urbe condita (fundada a cidade); urbecapta (tomada a cidade); oriente sole (nascendo o sol); usucapto (to-mado por usucapião), absente reo (ausente o réu).

b. Advérbios de modo:

São comuns nos textos latinos expressões como: "agerepura et hones-ta mente". São formas de ablativo que se aglutinaram (pura e hones-tamente) e o ablativo mente passou a sufixo.

c. Em livros didáticos, às vezes, abrem-se capítulos com a matéria a serexposta precedida da preposição de. Sirva de ilustração a obra deMagalhães Noronha (Curso de direito processual penal): "Da Jurisdiçãoe Competência"; "Do Julgamento pelo Júri"; "Da Prisão Administrati-va" etc.

Dita preposição nada mais é que a preposição latina de que se cons-truía com o ablativo. Vejam-se apenas dois títulos de obras latinas:Lucrécio escreveu De natura rerum (sobre, a respeito da natureza dascoisas) e César legou-nos De bello gallico (sobre a guerra gaulesa).

Há várias palavras latinas estreitamente ligadas ao campo jurídico, embo-ra tenham sofrido alteração de classe gramatical; é o que acontece, v. g., com:

• Déficit (superávit): formas latinas substantivadas; hoje aparecem acen-tuadas e com a desinência indicativa do plural, sinal de que já se con-sideram incorporadas ao português.

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• Álibi: advérbio latino (em outro lugar) usado como substantivo em por-tuguês; é a prova de que o acusado se encontrava em outro lugar nomomento do crime. Aparece com e sem acento.

• Grátis: advérbio latino corrente em português; continua como advér-bio. Também aparece acentuado e como adjetivo, v. g., amostra grá-tis.

• Exequatur: forma verbal latina substantivada; é o subjuntivo deexequor-exsecutus sum-exsequi; literalmente significa "cumpra-se, exe-cute-se". É a autorização de ordem para que se executem determina-dos atos.

• Quorum (quorum): genitivo plural do pronome relativo latino - qui-quae-quod - substantivado com o sentido de "número legal".

• Habeas corpus: palavra composta da 2â pessoa do singular do presen-te do subjuntivo do verbo habere (habeas) e do substantivo corpus (cor-po). Trata-se do instituto de garantia contra a violência ou constran-gimento na liberdade de locomoção. A propósito, o humorista Fraga(1976:198) escreveu:

"O mais triste das prisões políticas é que quando o advogado conse-gue o 'habeas corpus' para o seu cliente, já não há mais corpo."

Obs.: Ocorre aparecer esta expressão (e outras) separadas por hífen;não é boa grafia, pois em latim não havia hífen.Urge lembrar que o Habeas Corpus é uma ordem, e o verbo habeas, em-bora no subjuntivo, tem força de imperativo. Consoante a lição deErnout e Thomas (1953:234), a ordem exprime-se, em latim, no im-perativo ou subjuntivo.

• Laudo: forma verbal latina (laudo: eu louvo) substantivada com o sen-tido de sentença ou parecer dos árbitros e parecer ou relatório de pe-ritos. É o parecer do louvado ou árbitro.

• Nascituro: particípio futuro do verbo nascor, natus sum, nasci,substantivado na acepção de pessoa virtual, em germe, homem in spem.

Nota: Há de se lembrar o uso freqüente na língua portuguesa do gerun-divo latino em expressões como: crime nefando; argumento despi-ciendo; expressão vitanda e em inúmeras palavras (doutorando,venerando, colendo, memorando, subtraendo, minuendo, multipli-cando etc).

No Direito, vêem-se extraditando, interditando, usucapiendo, prestaçõesvincendas, exeqüenda etc.

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2.11 CAMPOS SEMÂNTICOS E CAMPOS LÉXICOS

Uma das maiores contribuições de Saussure foi a de mostrar que a pala-vra não é uma unidade semântica isolada. Ao procurar relações de aproximação(sinonímia) e de oposição (antonímia), abriu ele caminho para os estudos da se-mântica estrutural, notadamente entre lingüistas da Alemanha e da Suíça, a par-tir das décadas de vinte e trinta, trazendo a idéia de ligação significativa de cer-tos conjuntos de signos lingüísticos, e. g., grupos de animais domésticos - cão,cavalo, gato, boi, que possuem em comum certos atributos (animais, irracionais,vertebrados, quadrúpedes, domésticos etc), colocando-os, assim, em um mesmocampo semântico.

A esta associação de conceitos, Dubois (1978:366) chama de campo se-mântico em termos de polissemia. Não alcança, porém, a aceitação da maioria doslingüistas, estes concordes com Mattoso Câmara Jr., entendendo que campos se-mânticos constituem "famílias ideológicas".

Compreendido o sentido de campos semânticos ou campos nocionais, cum-pre verificar que cada unidade-membro da família ideológica possui suas particu-laridades, vale esclarecer, traços mínimos de significação que a distingue das de-mais. Quando se diz canino, eqüino, felino, bovino, não se está colocando os sig-nos em um mesmo campo semântico, pois as especificações referem-se a cada sig-no, isoladamente. As palavras unem-se em torno de uma palavra primitiva e aderivação constitui as "famílias etimológicas".

Veja-se:

Campo semântico Campo léxicoIndústria Operário

fábrica operacionaloperário operariadoempresário operacionalizarmáquina operadortorno operarmetalúrgico operantetêxtil operacionismomão-de-obra operativoempresarial operososalário operosidadesindicato

Ainda consoante Mattoso Câmara Jr., campos léxicos são famílias de pa-lavras ou palavras cognatas, a saber, palavras que constituem um grupo de deri-vação incluindo-se a composição prefixai. Como exemplos:

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Do \atimfiscus-i (cesto de vime, cesto para dinheiro e, daí, dinheiro pú-blico): fisco, fiscal, fiscalista, fiscalizar, confiscar, confiscação, confis-catório, confiscativo, confiscável.

Do latim pecus-oris (rebanho, gado, objeto de troca em tempos anti-gos) : pecuária, pecuário, pecuniário, pecúlio, peculiar, peculato, pecu-latório, peculador, pegureiro.Do latim torquere (torqueo, torquis, torsus sum, torsum ou tortura):torto, tortura, torturar, tortuoso, tormento, tórculo, torção, contorção,distorção, extorsão, contorcer, distorcer, extorquir, retorquir, retorcer,retorção.Do latim loqui (loquor, locutus sum): loquaz, eloqüência, colóquio, so-lüóquio, locutor, locução, elocução, alocução, alocutário, interlocutor,perlocutário.Do latim cursare (freqüentativo de currere - correr): acorrer, concor-rer, decorrer, discorrer, escorrer, intercorrer, recorrer, socorrer, trans-correr, curso, concurso, decurso, discurso, incurso, incursão, excursão,recurso, transcurso, socorro.Do latimpuer-i: puerícia, pueril, puericultura, puérpera, puerperal, pu-erilidade, puerpério, puerilizar.Do latim trahere (traho-trahis-traxi-tractum): atração, abstração, con-tração, extração, detração, retrair, contrair, subtrair.

2.12 DIFICULDADES DO VOCABULÁRIO NA LINGUAGEMJURÍDICA

Dificuldades vocabulares a serem superadas pelo usuário da língua portu-guesa sempre as houve e inúmeras, constituindo sérios obstáculos para a comu-nicação humana. Selecionar a palavra exata na transmissão de uma idéia, rela-cionar vocábulos com correção na estrutura frasal e fazer uso morfológico ade-quado nas combinações sintáticas são tarefas de irrefutável importância a quemdeseja expressar-se satisfatoriamente.

Diante disso, elencar erros comuns na linguagem dos jovens estudantes oudos esforçados profissionais do Direito torna-se missão espinhosa por não serempoucos os casos a merecer cuidadoso exame.

Não é desiderato nosso, porém, inventariá-los de forma rigorosa. Antes,esperamos alertar sobre a necessidade de uma busca incansável às informaçõesdas boas gramáticas e dos respeitados dicionários, para um crescente aprimora-mento dos mecanismos da linguagem e, em particular, para o uso correto dasexpressões constantes do repertório de uma língua. Limitamo-nos, pois, à indica-ção de alguns problemas:

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a. Afim de: muita confusão se faz entre as expressões afim de e afimde, substantivo e locução conjuntiva, respectivamente.Assim, grafa-se separado em frases do tipo:

O advogado solicitou diligências a fim de verificar a saúde mental doacusado.

Verifica-se, ainda, a forma afim (afins), adjetivo designativo de seme-lhança.

b. A final: na linguagem jurídica, é bastante comum a expressão afinalcom a significação depor último, finalmente, no término da demanda,e.g.:

Solicita, a final, seja considerado improcedente o pedido, condenan-do-se o autor às custas processuais e honorários advocatícios.

Tal emprego, porém, há de ser evitado, não só pela natural confusãocom o advérbio afinal (sentido de enfim), quanto por requerer, nestaconstrução, a presença do artigo "o", em razão de a intenção semânti-ca ser entendida assim:

Solicita, ao final (ao término do processo), seja considerado impro-cedente...

Correto é o emprego da expressão final, se acompanhada da preposi-ção até:

Requer a citação do réu para contestar, querendo, sob pena de reve-lia, prosseguindo-se até final do julgamento, quando deverá ser condenadoao pagamento do pedido, das custas, dos honorários advocatícios e demaiscominações.

c. Ao invés: comum é a troca entre as expressões parônimas. Todavia,ao invés só deve ser usada quando presente estiver a idéia de oposi-ção, de ser contrário a. Exemplificando: Ao invés de confessar a auto-ria do delito, como todos esperavam, o réu negou qualquer participa-ção no crime.A expressão em vez de não exige o sentido de situação antônima; bas-ta a idéia de mera substituição: O advogado, em vez de dirigir-se aocartório, despachou diretamente com o juiz.

d. Ao par: inconveniente é o emprego com significação de estar ciente,situação em que a expressão correta é a par, e. g.: O advogado disse aseu cliente estar a par de todas as providências solicitadas pelo juiz.A expressão ao par de é própria da linguagem das operações de câm-bio, além de seus usos mais comuns, vale esclarecer, conjunto de duascoisas semelhantes, indicativo de macho e fêmea, entre outros.

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e. A partir de: significa a começar de. Portanto, não se diz "começaráa partir da próxima semana (referindo-se às aulas), e, sim, começarána próxima semana.Correto é o emprego da expressão a partir de se, na condição circuns-tancial de tempo, estiver deslocada para antes do verbo começar: A par-tir da próxima semana, começarão as inscrições do concurso vestibu-lar.

f. Através: a expressão refere-se a "de lado a lado, por meio de algumacoisa".Considerando seu valor semântico, ainda que largo o uso, não deve serempregada com valor de por meio de, mediante, em frases do tipo:

A parte sucumbente recorreu da sentença que lhe era adversa, medi-ante o remédio cabível, ou seja, apelação.

g. De encontro a: é muito comum a troca das expressões ir de encon-tro a (contra) por ir ao encontro de (a favor).Assim, não há confundir-se:

As provas da defesa foram de encontro à tese da acusação, destruin-do-a por completo.

A tese da defesa vai ao encontro dos depoimentos das testemunhas.

h. Estada: não raro, bons profissionais do Direito referem-se ao ato deestar em algum lugar por certo tempo como "estadia". Ora, estadia éa permanência de veículos em garagem ou estacionamento, ou de naviono porto. Em referência a pessoas (e também a animais) o correto é"estada".

Para o advogado, a estada de seu cliente na prisão, ainda que tempo-rária, trouxe-lhe prejuízos irreparáveis.

i. Haja visto: é correta esta expressão quando se referir ao perfeito dosubjuntivo do verbo ver: Duvido que a testemunha haja visto o acidenteda maneira como o descreveu.Todavia, indicando "que sirva de modelo", "que mereça exame", a ex-pressão é haja vista:

O sistema carcerário brasileiro está falido, haja vista as últimas rebe-liões dos presídios.

Considera-se construção erudita a regência com a preposição "a":

O Brasil viveu momentos de intranqüilidade econômica, haja vista aosacontecimentos que movimentaram o mercado nos últimos dias.

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É correta, apesar do pouco uso, a construção hajam vista os aconteci-mentos, embora se vá fixando como a mais aceita a expressão invariá-vel haja vista.

j. Inclusive: não é bom o emprego da expressão antes da idéia que sediz incluída, e. g.:

Todos estavam ansiosos com o resultado, inclusive os próprios jura-dos.

Mas:

Todos estavam ansiosos com o resultado; os próprios jurados, inclu-sive.

É correto, porém, o emprego da forma incluindo antes da idéia a quese refere:

Todos estavam ansiosos com o resultado, incluindo os próprios jura-dos.

1. Meio/meia: importa dificuldade sintática a troca do advérbio meiopelo adjetivo meio em razão de só este último admitir a flexão de gê-nero.Erronias crassas da espécie: "Ela andava meia preocupada" podem serfacilmente superadas se a escolha morfológica se der pelo significado.Desta sorte, indicando a idéia de "um pouco", temos o advérbio: "Elaandava meio (um pouco) preocupada."No sentido de "metade", empregamos o adjetivo:

Ele tomou meia (metade) garrafa de vinho para comemorar a vitó-ria.

ou:

A audiência começará a meio-dia e meia (metade da hora).

m. Quite: a expressão é, muitas vezes, tomada por invariável, o que re-presenta falácia sintática por tratar-se de adjetivo, portanto, variável:

Aquele jovem está quite com o serviço militar.

Aqueles jovens estão quites com o serviço militar.

Inúmeros outros exemplos poderiam perfilhar aos aqui elencados. De res-to, espera-se o interesse pela pesquisa nas gramáticas e a leitura atenta dos usosda linguagem dos bons autores.

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2.13 EXERCÍCIOS

1. Comente os enunciados a seguir, tendo em vista a significação de seus termos:a. O juiz não considerou leonino contrato sinalagmático acordado entre só-

cios co-utentes, pelo qual a um deles cabia o capital, enquanto a outro otrabalho do plantio.

b. O interesse avuncular não pode inibir a convocação hereditária de filhosde irmão falecido, que concorrem à herança por direito de representação,conforme a regra do art. 1.615, CC.

c. A reintegração de posse motivada por esbulho é espécie de ação de natu-reza reipersecutória.

d. Impronunciado o réu, imperativo se torna colocá-lo em liberdade, aindaque preso estiver.

e. A ab-rogação refere-se ao todo; a derrogação, porém, limita-se à parte.

2. Responda às questões, tendo em vista os vocábulos jurídicos conceituais:a. No campo processual, qual a diferença entre seqüestrar e arrestar?b. Por que a coação vis compulsiva vicia o negócio jurídico?c. Qual a diferença entre o penhor e a hipoteca?

3. Reescreva os períodos a seguir, enxugando-os pelo processo de substituição deconceitos por emprego de vocábulos jurídicos, selecionados dentre os indica-dos no quadro:

desforço pessoal, agravantes, opinio delicti, esbulhado,sentenciar, inquérito policial, reintegrar-se na posse, denún-cia, tipo legal, antenuantes

a. Ao oferecer sua peça judicial que dá início ao processo penal, o MinistérioPúblico forma sua opinião sobre o delito cometido conforme consta do pro-cedimento realizado em fase inquisitiva perante autoridade policial.

b. Ao emitir a decisão final sobre o processo, o juiz criminal deve apreciar,além das provas, as circunstâncias que tornam o delito mais grave e aque-las que diminuem a gravidade, nunca se afastando do crime, definido nalei.

c. O possuidor que foi retirado injustamente da coisa possuída pelo empre-go da violência pode voltar à coisa anteriormente possuída por meio deação judicial, ou por defesa feita por ele mesmo, auxiliado por parentes emesmo por empregados, desde que utilize meios adequados, contanto queo faça logo.

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PartelII

L_

A ESTRUTURA

FRÁSICA NA

LINGUAGEM

JURÍDICA

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FRASE

3.1 FRASE, ORAÇÃO, PERÍODO

3.1.1 Frase

A palavra frase, originária do grego, significa ação de exprimir-se pelapalavra.

A gramática clássica emprega a frase como sinônimo de oração, proposi-ção ou sentença, sendo os três termos referentes a um pensamento expresso deforma inteligível.

Não há, porém, identidade de sentido entre os vocábulos: (a) proposição(proponere): expor, mostrar, tornar público; (b) oração {orare de os, oris, boca) =orar ou falar, daí "Oração aos Moços", Rui Barbosa; (c) sentença (sentire): pensar,julgar, ter opinião.

Se para o clássico tanto uma interjeição "Oh!" quanto uma frase elabora-da em torno de um verbo eram frases ou orações, para a gramática moderna, fra-se é a palavra ou palavras (mesmo a mera interjeição) com sentido completo, e aoração é a idéia lógica centrada em torno de um verbo. Dois são, pois, os tipos defrases:

• Frase nominal - trata-se de frase onde há menos elaboração. É cha-mada inarticulada ou frase de situação. Conquanto plena de sentido,acha-se destituída dos elementos articulatórios estruturais que carac-terizam a oração.

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Tem conteúdo significativo, embora opere na área semântica por nãoestar concentrada num verbo. É mais adequada para figurar em sen-tenças e provérbios em razão da ausência do conectivo. Vejam-se osexemplos:

"Homem pequenino, ou embusteiro ou bailarino"; "cabelos longos,idéias curtas"; "a barba cã, moça louça".

Na propaganda é corrente tal tipo de frase. Veja-se a referente ao ColírioMoura Brasil:

"Duas gotas, dois minutos.Dois olhos claros e bonitos."

Também caracteriza os aforismos jurídicos como:

"Nulla poena sine lege"; "dura lex, sed lex"; "ubi bene, ibi pátria".

Frase verbal - por estar concentrada num verbo e apresentar for-mas de comunicação de maior dimensão, é a frase mais desenvolvidaou de maior complexidade estrutural, operando na esfera da sintaxe.Chama-se frase articulada, oracional ou verbal.Normalmente contém uma estrutura bimembre, articulando sujeito epredicado.

3.1.2 Oração

A unidade gramatical desenvolvida em torno de um eixo verbal é, comojá se viu, oração ou frase verbal. Exemplos:

"A pesquisa de Joaquim Arruda Falcão leva-nos a outras áreas." (JoséReinaldo de Lima Lopes)

"No Brasil, a inquietude democrática agita todas as forças vivas da Na-ção." (Shelma Lombardi de Kato)

3.1.3 Período

Recebe o nome de período a unidade gramatical que se constitui de umaou mais orações concluídas por ponto final ou outro sinal (ponto de interrogação,ponto de exclamação, reticências, dois-pontos).

Será simples o período constituído de uma só oração; composto, quandohouver duas ou mais orações. Exemplos:

"Esta/oi mais uma causa do aumento dos litígios judiciais." (Boaventurade Souza Santos)

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"Não se trata de um problema novo." (Boaventura de S. Santos)

Uma oração —> período simples.

"A linguagem, como se sugeriu no início deste artigo, é produto do modode viver de uma dada sociedade..." (José Eduardo Faria)

Duas orações —» período composto.

"Trata-se de uma cultura que ultrapassa os limites fixados pela dogmáticatradicional e nem por isso e ideológica ou irracional." (José Eduardo Faria)

Esquematizando:

frase

nominal oracional

sem verbo com verbo

período

frase oracional

simples

oraçãoabsoluta

coordenação subordinação coordenação esubordinação

3.2 ESTRUTURA DA FRASE

3.2.1 As combinações da frase: coordenação esubordinação

Os processos, mediante os quais as orações se conectam ou se amarramno período, denominam-se processos sintáticos: coordenação e subordinação.

Não é mansa e pacífica a matéria, havendo muita controvérsia a respeitodos conceitos e distinções dos tipos oracionais. Não é, porém, interesse da ativi-dade jurídica dirimir dúvidas sobre o assunto, que será tratado em linhas gerais.

3.2.1.1 Coordenação

Etimologicamente, o termo coordenação está preso à preposição latina cume ao verbo ordinare (cum + ordinare), isto é, ordenar com, ordem em conjunto. Otermo grego correspondente é parataxe (para - ao lado de) e táxis (linha).

A característica fundamental da coordenação, como se pode depreenderdo próprio sentido etimológico, é a identidade, a equivalência, a relação de simila-ridade, tanto entre os termos como entre orações.

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Na coordenação, nenhum dos componentes é parte constituinte do outro;cada parte compõe uma totalidade; cada membro é um todo, um não é parte dooutro. Não pode haver, na coordenação, dependência formal de um em relaçãoao outro; pode-se falar em interdependência semântica, de compreensão do sentido.

Nota: Recordar conjunções coordenativas em boas gramáticas.

3.2.1.2 Subordinação

Se uma oração for parte de outra, ela não dispõe de autonomia; fala-se,nesse caso, de subordinação ou dependência. O nexo, pois, na subordinação é dedependência; a oração subordinada constitui uma parte da oração a que se dá onome deprincipal e com a qual compõe o todo. A oração principal ou subordinanteé o eixo de gravitação das demais orações para conferir ao período o acerto ne-cessário e conveniente. Exemplos:

"Pela 'res judicata' os tribunais impedem que um conflito se prolongue notempo indefinidamente." (J. R. de Lima Lopes)

Há um período composto de duas orações; no caso, a primeira é a subor-dinante e a segunda, a subordinada.

"Dizemos que há flagrante quando o crime está sendo cometido." (AdautoSuannes)

Período composto de três orações; a segunda e a terceira são subordina-das.

"São atos jurídicos os que derivam da vontade humana e que produzemefeitos legais." (Roque Jacinto)

Vê-se, no caso, exemplo de período misto, pois encontra-se coordenaçãoe subordinação. Em princípio, os processos sintáticos são coordenação e subordi-nação; pode haver, per accidens, coordenação e subordinação juntas.

Nota: Recordar conjunções subordinativas.

3.3 RELAÇÕES SINTÁTICAS NA EXPRESSIVIDADE DAFRASE

3.3.1 Concordância

Concordância é o princípio conforme o qual se estabelecem correlações deflexão entre termos subordinantes e subordinados. De acordo com as classes gra-maticais, podem-se apresentar as formas seguintes de concordância:

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a. concordância nominal: entre substantivo (ou pronome) e adjetivo.

b. concordância verbal: entre sujeito e verbo.

Fazendo-se a correlação pelo subordinante, fala-se em concordância gra-matical; se o ajustamento ocorre pela idéia, será ideológica a concordância; no casode ajustamento pelo termo mais próximo, dar-se-á a concordância por atração.

Aceita-se que a concordância é, sobretudo, questão de estilo; não se há,pois, de tachar, precipitadamente, como errôneas, certas concordâncias de auto-res de nomeada; cabe investigar se houve ou não razões que as justifiquem.

Exemplos:

Marido e mulher têm o mesmo domicílio.

Concordância gramatical: sujeito composto —> verbo no plural.

"Realmente, o homem não pode viver isolado." (W. M. de Barros)

Concordância gramatical: sujeito simples —» verbo no singular.

"Do mesmo pai nasceu Isaac e Ismael." (Vieira)

"Segundo os cânones gramaticais há concordância com o termo mais pró-ximo por atração. Entretanto, o relevante, no caso, não é a mera contigüidade dostermos, mas o fato de Isaac ser o filho privilegiado, nascido de Sara, ao passo queIsmael era filho de Agar, uma escrava. A Isaac, por este motivo, coube-lhe o direi-to de primogenitura, mesmo nascido depois. Era o primogênito 'de jure', emboranão o fosse 'de facto'." (Andrade e Henriques, 1992b:65)

"Valha-me Cristo e a Virgem do céu! soluçou D. Teresa." (Camilo)

Novamente, a gramática fala em concordância com o mais próximo; ex-plica-se, entretanto, melhor, a concordância por questão de hierarquia ou prima-zia religiosa: Cristo é mais importante; daí o verbo no singular.

É de todos sabido que o amor transforma os amantes num só corpo e numasó pessoa; esta idéia é que levou, por certo, Clarice Lispector a se afastar das nor-mas gramaticais para ressaltar a idéia de plena unidade no seguinte passo: "Eusou tua, e tu és meu, e nós é um."

Percebe-se, pois, que há razões que transcendem a gramática e justificamesta ou aquela concordância.

Sousa da Silveira (1948:34) cita um texto interessante do Pe. Bernardesrelacionado com a concordância do substantivo:

"... saiu um religioso com este arbítrio: que eles, revestindo-se daquele espíritode humildade e simplicidade com que seu seráfico patriarca a todas as criaturaschamava irmãs: irmão sol, irmão lobo, irmã andorinha etc, pusessem demandaàquelas irmãs formigas, perante o tribunal da Divina Providência, e sinalassemprocuradores, assim por parte deles autores como delas RÉUS".

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Réus (masculino) refere-se a formigas (feminino); é que o substantivo réusestá em sentido amplo, abrangendo também o feminino. O mesmo acontece naexpressão in dúbio pro reo.

3.3.2 Regência

Diz-se regência a dependência de palavras com relação a outras na ora-ção. A forma regente é a que governa; a forma regida é a que sofre dependência.

Fala-se, no caso, em:

1. Regência nominal: estabelece-se entre o nome e seus dependentes.Exemplos:

"A instituição do 'habeas corpus', portanto, significa um avanço ético..."(Adauto Suannes)

"A pessoa obrigada a suprir alimentos..." (CC, art. 403)

2. Regência verbal: constituída entre o verbo e seu complemento ouadjunto. Regência verbal acontece com verbos intransitivos, transitivos diretos ouindiretos. Há de se registrar que verbos intransitivos se usam como transitivos; emtais casos, o leitor atento perceberá que o objeto direto é cognato do verbo e sefaz acompanhar de um elemento especificador. Exemplos:

a. Vivia uma vida faraônica, (radicais idênticos)b. Dormiu um sono agradável, (objeto direto interno reforça o conceito

verbal)

Leia-se, a propósito, Almeida Torres (1959:20-23):"Em latim, dava-se a mesma regência e o exemplo mais em voga era 'mirum

somniavi somnium'."; Almeida Torres (1959:22) cita outro exemplo de Plauto:"modice et modestius est vitam vivere".

Por seu turno, verbos transitivos aparecem intransitivos elidindo-se o ob-jeto direto, complemento obrigatório. É o que Mário Barreto chama de "acusativotácito".

A sanção do uso é que estabelece a transitividade ou intransitividade dosverbos.

A afetividade e a linguagem familiar podem alterar a regência verbal eexplicar o desvio de tratamento pessoal; é o que se pode verificar numa carta deC. D. A. a Hilda Hilst, estampada na Folha de S. Paulo (6-4-91):

"Hilda: merci pelo telegrama.Claro que também te desejo todas as coisas boas em 53 e pelo tempo

adiante. Vi sua carta ao Cyro. Jamais estive zangado contigo. V. é uma boba.

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Como é que pode? Abraços mil doCarlos."

A mesma quebra de tratamento pessoal vê-se no trecho abaixo de Frei Tomede Jesus, escritor de pura cepa clássica e de reconhecida autoridade:

"Adoro-te, Verbo divino encarnado, adoro-te, Filho de Deus vivo huma-nado, adoro-te, Deus meu verdadeiro, vestido de minha mísera carne, e mortali-dade. Chegastes, desejado dos Santos Padres: chegastes, saúde das almas, verda-deira vida, e bem-aventurança dos errados pecadores. Já se não gabará o Céu deser ele só vossa casa, pois já aqui vos tenho unido a minha humanidade, moradordo meu degredo, e companheiro destas terrenas moradas."

(Apud Silveira, 1955:377)

3.3.3 Colocação

Ditam-se algumas normas para a distribuição das palavras na frase ao seelaborar uma oração, a saber, em primeiro lugar o sujeito e seus agregados; a se-guir, o predicado e complementos. A esta disposição dos vocábulos na oração dá-se o nome de colocação.

Fala-se em ordem direta ou natural quando se dispõem os elementos naordem: sujeito + predicado + complementos.

Há, também, a ordem indireta ou inversa, caracterizada mais pela ênfase,pela carga afetiva, pela influência e ritmo das palavras e pela criatividade dos bonsautores. O estilo, pois, dita a ordem indireta que se contrapõe à ordem direta eque a esta deve sobrepor-se.

A ordem das idéias deve corresponder à ordem das palavras na frase; ainversão concorre para realçar determinado elemento da oração. Exemplos:

"Advogado sou há cinqüenta anos..." (Rui Barbosa)

Falando aos advogados, Rui quis frisar sua profissão; quisesse frisar o tempode trabalho diria: Há cinqüenta anos, sou advogado.

Enfim, pode-se jogar com a colocação das palavras na frase desde que aestrutura frasal não seja ferida.

A distribuição dos elementos numa oração depende de alguns fatores:

• carga denotativa ou carga conotativa

preso pobre pobre presocausídico distinto distinto causídicojuiz grande grande juizadvogado simples simples advogado

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Todos conhecem o ditado "mais vale um cachorro amigo do que umamigo cachorro". Cite-se, ainda, um exemplo de Noronha (1969:8): "Omaior vulto é, então, Cesare Beccaria, com seu 'pequeno grande livro'Dei delitti e delle peni".

Realce de função com fórmulas estereotipadas, como Meritíssimo Juiz,Colendo Tribunal, Egrégio Tribunal, Egrégia Corte, Magnífico Reitor,Reverendíssimo Padre e outras. Observe-se que tais fórmulas aparecemcom maiúsculas e com idéia ou forma superlativas.O uso de figuras literárias pode alterar o posicionamento de palavrasna frase para efeito de clareza, elegância ou ênfase. Vejam-se algunscasos:

a. Pleonasmo enfático: promove a antecipação do objeto direto, obje-to indireto, predicativo. Exemplos:

"A anulação do casamento, nos casos do artigo precedente, só apoderá demandar o cônjuge enganado." (Apud Kaspary, 1990:122)

11 Ao pobre, não lhe devo." (R. Lobo)

"Opiniático, egoísta e algo contemplador dos homens, isso fui." (M.de Assis)

b. Gradação: parte do menor para o maior à busca do clímax. Exem-plo:

Então a palavra se eletriza

brame

lampeja

abrasa

fulmina

(Rui Barbosa)

Vocativo: não tem cadeira cativa na frase, mas, normalmente, encabe-ça a frase em função de seu caráter apelativo; sobejam exemplos:

"Teodomiro, tu hoje és Duque de Córduba..." (A. Herculano)

"O Bruno! Não se esqueça do varal da lanterna do portão!" (A. Azevedo)

"Miguel, Miguel! Não tens abelhas e vendes mel."

Graciliano Ramos joga com o vocativo no início e fim do período, for-mando um quiasmo:

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"Fabiano, meu filho, tem coragem. Tem vergonha, Fabiano."(Andrade e Henriques, 1992b: 69)

• Eufonia: tem importância capital na disposição das palavras na frase;a colocação pronominal, v. g., é, essencialmente, questão de eufonia.

Cumpre lembrar que, hoje, a praxe estabeleceu a ordem inversa em ora-ções de caráter imperativo, como "execute-se a sentença", "cumpra-se a lei", "re-voguem-se as disposições em contrário".

Vale atentar-se para a boa colocação das palavras para que se evitem fra-ses obscuras ou, mesmo, ambíguas. Vejam-se os exemplos apontados por MárioBarreto:

Tem uma nódoa no seu casaco de gordura.Pôs o chapéu na cabeça de três bicos.Houve uma efusão de sangue inútil.Mando-te uma cadelinha pela minha criada que tem as orelhas cortadas.

3.4 ASPECTOS ESTILÍSTICOS DA ESTRUTURAORACIONAL

Um enunciado, simples ou composto, como se viu, possui ênfase quandoa posição dos termos oracionais dá realce à idéia principal.

A energia frasal depende, pois, do lugar - começo ou fim - em que se en-contra a palavra de valor.

Ao lado disso, a tonalidade afetiva da combinação de sons será responsá-vel pela linguagem expressiva: a sonoridade evoca na mente cargas semióticaspositivas ou negativas, funcionando como um reforço do significado.

Em uma frase, portanto, não basta a escolha de palavras para traduzir demaneira firme o pensamento; a frase estilística requer, ainda, uma seleção voca-bular cuidadosa e paciente para obtenção de um sistema fonológico capaz de tra-zer em si um estado afetivo.

Não é suficiente, porém, o efeito semântico dos sons. É imperativo reco-nhecer que há palavras fortes e fracas; simpáticas e antipáticas; enérgicas e apá-ticas, até em nível de sociolingüística, vale explicar, o valor a elas atribuído nasrelações socioculturais.

Também, no repertório de uma língua são encontrados termos literários ecoloquiais, sendo exigível a seu usuário usá-los consoante o tipo de comunicaçãoque está sendo realizado. Neste passo, a escolha do termo exato para traduzir aidéia é ponto fundamental da boa linguagem. É preciso observar, ainda, que a si-tuação lingüística indica o sinônimo pertinente à tonalidade afetiva. Dizer que a

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vítima sofreu nas mãos de seu algoz não é o mesmo que dizer de seu padecimen-to. Sofrer é dinâmico, consegue liberar reações próprias do estado negativo. Pa-decer, no entanto, é estático; é sofrimento silente, por conseguinte, mais doloroso.

Na construção frasal, a configuração mórfica dos vocábulos acentua suaexpressividade. Assim, até os prefixos e sufixos encontram-se carregados de in-tenção significativa, impondo às palavras a cunhagem de efeitos estilísticos. Nalinguagem jurídica, aumenta a responsabilidade do bom desempenho frasal, porser o período simples ou composto - o veículo comunicativo por excelência.

3.4.1 A frase completa simples

Como se viu anteriormente, o elemento sintático estabelece a intencio-nalidade da idéia, sendo a frase completa simples, desta sorte, um recurso estilísticopara a expressão do pensamento.

Já foi dito que na significação nominal o fator direção intencional prendeuma caracterização à existência real ou ideal de determinado objeto, dando-lheum aspecto estático e valorativo.

Vejam-se as frases:

Aquele homem é medroso.O céu está escuro.O campo está verde.

Em todos os enunciados acima há uma relação íntima e estática entrehomem/medroso; céu/escuro; campo/verde.

Todavia, o conteúdo do verbo nocional da predicação verbal dá à frase umaintenção dinâmica, separando o que antes era inerente a um objeto, de modo atransformar atributos em ações, e. g.:

Aquele homem tem medo.O céu escureceu.O campo verdejou.

Considerando o fator de intencionalidade, é de se notar:

a. Pela sentença, o réu é culpado.b. A sentença condenou o réu.

Na estrutura "a", o atributo culpado prende-se de forma íntima ao sujeito"réu", dando ao substantivo uma idéia com tal aderência que o leitor se convenceda culpa do acusado. Verifique-se, ainda, que o complemento circunstancial des-locado para o início da frase persegue dupla carga intencional. De um lado, pare-ce restringir o efeito de aderência do atributo culpa ao réu, colocando em desta-

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que o instrumento de formação da culpa. Por outro lado, porém, sendo a senten-ça o ápice de um processo, despertando naturalmente a idéia de aplicação deJustiça, realça o efeito do atributo.

Na estrutura "b", a condenação perde o caráter de atributo para assumir opapel de ação. Assim, a culpa não é atributo do réu. Sofreu ele, pelo contrário, aação condenatória da sentença. Com isso, a discussão judicial vem carregada deefeito "autoritário", admitindo uma controvérsia mais acentuada de sua valida-de.

Veja-se, agora, a frase:

O juiz aplicou pena severa ao homicida.

Na estrutura frásica acima, identificamos um período simples, expresso pormeio de uma frase completa simples.

Verifique-se que cada uma das palavras, isoladamente, apresenta um con-teúdo material, vale dizer, uma significação interna ao objeto de sua qualidade:

- juiz é autoridade provida de credibilidade;pena é castigo para o que pratica conduta em lei proibida;

- homicida é palavra carregada de afetividade negativa para designar o que serápunido em razão de conduta criminosa.

Observa-se que a ação sígnica é interpretada por um código ideológicopartilhado por todos os membros de um mesmo grupo social, constituindo umsistema semântico de valores socialmente qualificados, que os indivíduos de umgrupo cultural recebem prontos. Em conseqüência disso, a palavra severa perde ovalor de injustiça para representar idéia contrária, no caso, justiça, por ser aplica-da não a um acusado qualquer, mas a um homicida. Se o grupo sociocultural en-tende que a conduta de um homicida é altamente repulsiva, aceitará a idéia de oEstado, defendendo o bem comum, ampliar sua ação de apenar os que não se ajus-tarem às legitimações do grupo.

O leitor (interpretante ideológico) irá guiar-se pelos sentidos valorativosdas ações sígnicas, entranhado que está numpersuadere retórico que é tanto maiseficaz quanto mais estimuladas as associações significativas.

Como se verifica, cabe ao emissor selecionar e combinar as palavras emum texto, de forma a provocar a apreensão da direção intencional do pensamen-to. Por essa via, irá ele acionar uma interpretação pretendida da frase, exibindoela, desta sorte, a petição do princípio que a intenção argumentativa dos vocábu-los estimula na decodificação da frase. No mundo jurídico, esta instância de ma-nifestação (frase com intenção semântica direcionada) é de grande importância,em razão do caráter persuasivo de seu discurso.

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3.4.2 O fator psicológico da estrutura frásica

A linguagem, como se viu, é suporte de manifestações significativas, perce-bidas pelas relações combinatórias de palavras carregadas de direcionalidade.

Para Robert F. Terwilliger, em sua valiosa obra Psicologia da linguagem(1984:11), "encara-se a linguagem como atividade ou processo mental, que é, poressência, consciente, significativo e orientado para o social".

Assim, uma simples frase, pela qual se quer expressar uma idéia ou impres-são, requer um intrincado processo mental para a transmissão do pensamento.

Os períodos curtos, nesta concepção psicológica da frase, denotam umaespécie de humanidade fragmentada e intranqüila. São ótima opção para o autorcontemporâneo que busca retratar um século em crise existencial.

Também, escritores há que intercalam períodos curtos e longos; estes úl-timos, de natureza labiríntica - as orações subdividem-se em segmentos carrega-dos de informações, dificultando a apreensão do pensamento.

Os períodos excessiva ou seguidamente curtos (frases entrecortadas) e osmuito longos (frases centopéicas) não são recomendados para o efeito psicológi-co da frase jurídica, porque dela se espera usuários equilibrados, de lucidez disci-plinada, porque é por meio dela que o profissional do Direito defende interesses,acusa criminosos, absolve ou condena.

O processo frasal equilibrado faz uso inteligente dos pormenores.Observe-se o exemplo adiante:

"Diz-se pura a doação, que se celebra sob a inspiração do ânimo liberalexclusivamente, isto é, que envolve a mutação do bem no propósito de favorecero donatário, sem nada lhe ser exigido e sem subordinar-se a qualquer condição,ou motivação extraordinária." (Caio Mário da Silva Pereira, Instituições de direitocivil, 1992:174)

A definição encontra-se concentrada na idéia:

"Diz-se pura a doação que se celebra sob a inspiração do ânimo liberalexclusivamente."

O leitor-interpretante sabe que doar é dispor gratuitamente de bens ouvantagens de seu patrimônio por liberalidade. Na definição em tela, portanto, apalavra-chave é "exclusivamente".

Assim, os pormenores que se alinham à idéia têm função explicativa daexpressão "exclusivamente", perfilhando as orações com elegância e clareza.

Do ponto de vista psicológico, a linguagem é, ainda, um organizador decognição, explicando as idéias por meio de comparações e contrastes, provas erazões, causas e efeitos entre outras correlações lingüísticas, influenciando outrossistemas psicológicos, tais como o da percepção e do pensamento.

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Atente-se no brilhante exemplo de Olavo Bilac, colhido pelo insigne Prof.Silveira Bueno, em sua A arte de escrever (1961:67):

"Há na alma do povo brasileiro, como em certos trechos do oceano mis-terioso, bancos traidores, baixios insidiosos, areias fugitivas e assassinas, corren-tezas desencontradas e esmagadoras; são esta falta de unidade da pátria, esta au-sência do sentimento de comunhão, esta escassez da nossa instrução, esta penú-ria do nosso armamento bélico e moral, esta miséria de nossa coesão e da nossadisciplina, e outras tantas multiformes ameaças que nos cercam e espiam. De ondevêm, para onde vão estes vagos escolhos errantes, estes indefinidos cursos de águae de ventos?"

Nota: houve a adaptação às regras atuais de acentuação gráfica.

É de se dizer, ainda, que a ordem inversa (3.3.3) é mais enfática do que adireta, assim como a voz ativa é mais expressiva do que a passiva. A primeira denotaa agilidade do espírito nas mais diferentes situações, sem perder o equilíbrio ne-cessário da frase direta nuclear. A voz ativa, por sua vez, evidencia o espírito di-nâmico e realizador.

Exemplos:

a. As palavras do Promotor de Justiça não convenceram os jurados.Aos jurados, as palavras do Promotor de Justiça não os convenceram.

No caso em tela, o recurso da inversão possibilitou o emprego do objetodireto pleonástico, tão apreciado no discurso jurídico.

b. A vítima foi violentada pelo réu.O réu violentou a vítima.

Na linguagem do Promotor de Justiça, por certo, a voz ativa descreve commaior força a conduta criminosa que se deseja punir.

Impossível a um livro destas dimensões cobrir toda a pesquisa psicológicasobre a representação do pensamento na estrutura frásica. Muitas boas publica-ções há na área de Psicologia da linguagem, mais particularmente, no campo doPensamento e Linguagem, cumprindo ao acadêmico ou ao profissional do Direitoperscrutá-las.

3.4.3 A ordem dos termos no período simples

A ordem das palavras apresenta-se mais ou menos rígida segundo as lín-guas, constituindo-se em marcador estrutural.

Na língua portuguesa, a ordem direta indica a estrutura tipo: sujeito-ver-bo-complementos, sendo que os integrantes comparecem antes dos acessórios.

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Todavia, tais indicativos não são estabelecidos com rigor porque os termospodem ser deslocados na frase, desde se mantenha lógico o sentido.

O predicado nominal, que se constrói costumeiramente na ordem sujeito-verbo de ligação e predicativo do sujeito, pode deslocar o atributo para antes doverbo, ou o verbo antes do atributo, obtendo, se não houver exagero no uso, efei-to estilístico notável.

Observe-se:

a. Sereno, caminhava o condenado rumo à prisão.b. Caminhava, sereno, o condenado rumo à prisão.

A colocação das vírgulas conforme os modelos acima tem função afetiva,destacando o atributo de maneira a torná-lo importante na expressão do pensa-mento.

Também, inúmeras são as combinações que contribuem para marcar aexpressividade dos predicados verbal e verbo-nominal. Nilce Sant'Anna Martins(1989:171) elenca-as com muita precisão:

a. Verbo-sujeito: Será absolvido o réu.b. Verbo-objeto direto-sujeito: Esperava a absolvição o pobre réu.c. Sujeito-objeto direto-verbo: O advogado tudo esperava.d. Objeto direto-sujeito-verbo: Piedade ele não sentia.e. Objeto direto composto repartido, parte antes do verbo, parte depois:

Esperanças e sonhos nutriam, tristezas e lamentações, também algunsprojetos de realidade.

f. Objeto indireto-sujeito-verbo-objeto direto: Aos jurados o advogadosuplicou a Justiça.

g. Sujeito-objeto indireto-verbo: O Promotor de Justiça aos jurados con-venceu.

h. Objeto indireto-verbo-sujeito: À vítima pertencia a arma do crime.i. Predicativo do sujeito + verbo intransitivo + sujeito: Desanimado saiu

o advogado.j. Predicativo do sujeito + sujeito + verbo intransitivo: Desanimado o

advogado saiu.1. Sujeito + predicativo do sujeito + verbo + objeto direto: O réu imó-

vel, ouviu a sentença.

Quanto aos termos acessórios, em especial os adjuntos adverbiais, é bas-tante móvel sua posição na frase, devendo ser colocados consoante a melhoreufonia, garantindo, assim, um resultado mais expressivo, porque são virguladosquando deslocados para o início do período e ficam entre vírgulas quando se des-

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tacam no meio dele. Resta lembrar que os advérbios intensificadores costumamvir antepostos (muito elegante, suficientemente discreto), enquanto os que con-têm determinação precisa ao verbo se pospõem (chegar inesperadamente, agirlealmente).

Fica, pois, o convite para que o leitor organize os variegados arranjos daspalavras nos períodos simples, criando maneiras expressivas de dizer o pensamen-to. Fica, também, o desafio: não prejudique este exercício a organização lógica dopensamento.

Nota: verifique, além da inversão, a elipse do conectivo que, comum nas frasesdesse tipo.

3.4.4 A expressividade frásica na coordenação

A coordenação, conforme ensina Silveira Bueno (1958:235), era constru-ção largamente usada, na literatura arcaica, por não exigir grande esforço de ex-pressão. Aquela época, bom é lembrar, as estruturas frásicas mais complexas eramexpressas na vida jurídica, constituídas, porém, em latim.

Conforme se viu (3.2.1.1), a coordenação permite maior autonomia sin-tática, facilitando a organização da idéia; a vinculação semântica persiste, porém,sendo possível dizer que presente está a subordinação psicológica. Em razão dis-so, a coordenação é exceção, considerada a subordinação (hierarquização deidéias) a regra; também, o período coordenado só deve ser escolhido na constru-ção frásica, quando alcançar o efeito estilístico do tríplice paralelismo, vale recor-dar, sintático, semântico e rítmico, como se observa no exemplo:

1 2 3 4 5 6 7 1 2 3 4 5 6 7

O | réu | cia | mou | por | per | dão |; a | lei | im | pôs | -lhe | jus | ti | ça

• sílaba tônica

a. paralelismo sintático: as ações ocorrem no mesmo tempo verbal;b. paralelismo semântico: a correlação semântica de oposição;c. paralelismo rítmico: as orações possuem o mesmo número de sílabas.

Assim, além de os tempos verbais serem iguais, deve haver paralelismosemântico (de adição, oposição, conclusão, alternância ou explicação de idéias).Por fim, o número de sílabas não precisa ser rigorosamente igual; basta não ha-ver desproporção exagerada.

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3.4.5 A expressividade frásica na subordinação

Hierarquizando idéias e estabelecendo relações gramaticais de dependêncianão só semântica, mas também sintática, a subordinação enfrenta duas dificulda-des:

a. a necessidade da escolha da idéia principal;b. a dramaticidade do circuito ideológico.

E certo que a Oração Principal não é apenas a sintaticamente colocada semconectores subordinativos, ou sem apresentar forma verbal no gerúndio, particí-pio ou infinitivo, é também a que centra a idéia mais importante entre aquelas aserem relacionadas na estrutura frasal.

Tomemos por modelo as idéias:

1. Lúcia é aluna do curso de tradutor-intérprete.2. Ela conhece bem a língua inglesa.3. Ela precisa custear seus estudos.4. Ela faz traduções.

Querendo realizar relações sintagmáticas hierarquizadas das idéias em umaúnica estrutura frásica, cumpre ao redator escolher a idéia mais importante que,na combinação sintática, será a Oração Principal. Suponhamos recaísse a escolhana idéia 4 (Ela faz traduções). Poder-se-ia construir, entre as muitas combinações,a seguinte relação:

Lúcia, que é aluna do curso de tradutor-intérprete, precisando custear seusestudos, faz traduções, porque conhece bem a língua inglesa.

Perceba-se:

1. A oração: "que é a aluna do curso de tradutor-intérprete", sendo intro-duzida por pronome relativo, é subordinada adjetiva.

2. A oração: "precisando custear seus estudos", sendo introduzida porverbo no gerúndio, é subordinada reduzida.

3. A oração: "porque conhece bem a língua inglesa", sendo introduzidapor conectivo causai, é subordinada adverbial.

4. A oração principal é, pois, "Lúcia faz traduções"; em torno dessa idéiaas demais irão gravitar.

A dramaticidade do período subordinado ocorre para impedir que o cir-cuito informativo central se complete antes de serem colocadas as idéias subordi-nadas.

Observe-se o período:

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Júlio foi reprovado em Direito Civil, embora tenha estudado para a prova.

É de se notar que a carga semântica esgotou-se na primeira oração, tor-nando precária e frágil a oração a ela subordinada. Diz-se em Estilística que operíodo deve estabelecer um critério dramático: uma prótese (cria-se a expectati-va); uma apódose (dá-se o desfecho).

Observe, agora, a variante:

Embora tenha estudado para a prova, Júlio foi reprovado em Direito Civil.

A conjunção concessiva indica, é certo, idéia de oposição, mas estatistica-mente não esgota as possibilidades em uma única solução. Vejam algumas suges-tões para a oração principal:

a. ..., o professor adiou a prova.b. ..., Júlio considerou a prova difícil.c. ..., Júlio não foi realizá-la.

Importante é, conclui-se, um exercício disciplinado e contínuo na arte deelaborar frases, adotando postura consciente e reflexiva na organização da idéia,na construção gramatical do pensamento e, por fim, nos efeitos estilísticos da fra-se, unidade numérica da persuasão discursiva.

3.5 FEIÇÃO ESTILÍSTICA DA FRASE E DISCURSOJURÍDICO

Nem sempre a feição estilística das frases é adequada ao discurso jurí-dico.

Literariamente, há diversos tipos frásicos de vigor retórico, mas não apro-priados ao discurso jurídico.

Para melhor aproveitamento deste assunto, recomenda-se a leitura deOthon Garcia, obra já indicada, em seu Capítulo 1 -Frase, tópico Feição estilísticada frase.

As principais modalidades estilísticas frasais são as seguintes:

a. Frase de arrastão: seqüência cronológica de coordenações, arrastandoa idéia, pormenorizando o pensamento. São muito utilizadas na lin-guagem infantil e empregadas por autores contemporâneos para de-nunciar uma humanidade que perdeu sua capacidade de hierarquizaridéias, imitando o homem medieval, que tinha dificuldades em cons-truir períodos subordinados.Ao jurista é totalmente imprópria esta construção frásica.

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Leia-se o exemplo:

O julgamento iniciou e o juiz deu a palavra ao advogado e este apre-sentou sua tese com entusiasmo, mas os jurados não aceitaram a legítimadefesa e condenaram o réu.

Poder-se-á tornar o período mais complexo, sem perder de vista a men-sagem, por meio de terapia da linguagem, processo pelo qual se tornaa frase mais adequada sintática e estilisticamente, e. g.:

Iniciado o julgamento, o juiz deu a palavra ao advogado, que apre-sentou, com entusiasmo, sua tese, não sendo aceita, porém, a legítima defe-sa, razão pela qual os jurados consideraram o réu culpado.

b. Frase de ladainha: é variante da frase de arrastão, sendo construída comexcesso de polissíndeto da conjunção e, sem, no entanto, dar à frasetom retórico de gradação (crescente ou decrescente).

Apesar de nunca ser recomendado seu emprego no discurso jurídicoescrito, pode, eventualmente, e com auxílio de recursos fônicos (tim-bre de voz, tonicidade) e gestuais, ser utilizada no discurso oral.

Imagine-se o advogado dirigindo-se vagarosamente em direção aos ju-rados, mão estendida, olhar sombrio e voz arrastada, aumentando, aospoucos, o timbre e a velocidade, dizendo:

O réu entrou na sala e caminhou lentamente em direção à vítima e aolhava friamente, com riso perverso nos lábios e balançava uma faca brilhan-te e afiada na mão direita e, com violência, enfiou o instrumento perfuranteno ventre da mísera mulher.

O recurso poderá demonstrar a crueldade do ato criminoso, se usadocom habilidade. Não deverá, porém, ser empregado repetidamente,pois perderá sua validade no discurso jurídico.

c. Frase entrecortada: também chamada de frase esportiva, é muito cur-ta. Em excesso, esta construção usada como recurso estilístico literá-rio para apontar a incapacidade de o homem pensar, torna-se em esti-lo picadinho, impróprio ao discurso jurídico.

Veja-se:

O réu entrou na sala. Estava abatido. Sentou-se. Colocando as mãosna cabeça. Ela estava abaixada. Ele parecia desanimado. Ele previa o resulta-do adverso. Ele esperava a condenação.

Terapia da linguagem:

O réu entrou abatido na sala, sentando-se, em seguida, com as mãosna cabeça abaixada. Ele parecia desanimado, pois previa o resultado adversoe esperava a condenação.

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d. Frase fragmentária: variante da frase entrecortada, apresenta rupturasna construção frásica, com incompletude sintática. Não deve ser usa-da no discurso jurídico, salvo se ocorrer elipse gramatical retórica,e.g.:

Condenado o réu, será encaminhado a presídio de segurança máxi-ma.

por:

Se o réu for condenado, será encaminhado a presídio de segurançamáxima.

e. Frase labiríntica: é o excesso de subordinações, dividindo-se a frase emidéias secundárias que, por sua vez, também se partem, afastando-seda idéia nuclear.

Veja-se:

O Direito é a aplicação da lei que é imperativa, não convidando seussubordinados a obedecer a ela, por exigir seu acatamento, sendo a norma ju-rídica a vontade do ordenamento jurídico.

Terapia da linguagem:

O Direito é, antes de tudo, a aplicação da lei que traduz a vontade doordenamento jurídico. Assim, a norma jurídica tem natureza imperativa, poisnão convida; antes disso, exige obediência de seus subordinados.

f. Frase caótica: também apelidada fluxo do consciente, da linha psicana-lítica. É estrutura frásica desorganizada, sem logicidade semântico-sin-tática, bastante empregada na literatura contemporânea, mas inacei-tável no discurso jurídico.

Assim, o emissor deve verificar se as idéias estão bem ordenadas, comestruturação sintática adequada, porque o discurso jurídico afastaqualquer possibilidade de emprego do monólogo interior, expressão dafrase caótica.

No discurso jurídico, o emprego adequado é ò da medida retórica, a saber:

a. Período simples: expansão moderada da estrutura sintática mínima,evitndo frases entrecortadas (ou fragmentárias quando incompletas),e.g.:

O réu atacou a vítimaestrutura

. .. , ,. sintática mínimasujeito verbo objeto

transitivo diretodireto

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por

O réu, de inopino, atacou a indefesa vítima.

b. Período composto: medida retórica = três orações (duas orações repre-sentam a estrutura mínima do período composto, com o seguinte es-quema:

Ia oração 2a oração 3a oração \1 frase

c. Parágrafo gráfico: medida retórica = três frases, com o seguinte esque-ma:

, , Q ,Ia oração 2a oração 3a oração pj 1- oração

, Q , ,2a oração 3a oração p2 Ia oração 2a oração

3a oração p3

d. Parágrafo formal (redação): medida retórica = três argumentos nodesenvolvimento do discurso dissertativo, com o seguinte esquema:

Introduçãoidéia 1

Desenvolvimento •{ idéia 2

idéia 3

Conclusão

Atendida a medida retórica, cada parágrafo gráfico terá, em média, seislinhas, perfazendo 30 linhas, medida retórica redacional.Todavia, não há rigidez retórica, permitindo-se variáveis aos parágra-fos gráficos. A medida retórica deve servir de paradigma e de parâmetroao discurso redacional.

3.6 EXERCÍCIOS

1. Realize períodos compostos com as estruturas simples a seguir, acatando osprincípios do tríplice paralelismo coordenado. Para isso, faça os ajustes neces-sários.

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a. O réu alegou inocência. As provas foram insuficientes.b. O advogado estava animado. Os jurados pareceram interessados.c. O juiz vai encaminhar o réu à Penitenciária. Ele será conduzido algema-

do.d. A audiência foi movimentada. Houve muitos depoimentos contraditórios.e. Este advogado fala muito bem. Ele convence qualquer auditório.

2. Organize períodos subordinados (indicando sua feição estilística - tensos oufrouxos), escolhendo, para tanto, a idéia principal. Para isso, faça os ajustesnecessários.2.1. a. Este promotor me lembra os homens desalmados.

b. (Estes) só pensam em sua ambição.c. (Ele) lança sem piedade inocentes nas masmorras.

2.2. a. O acusado não sentia remorsos.b. Para ele a vida nada vale.c. A vítima era uma criança.

3. Valendo-se de consulta a obras gramáticas, verifique se as regências verbaisdas frases estão corretas, justificando:a. Reinava um silêncio profundo e ansiedade incontrolável no tribunal, en-

quanto se aguardava a decisão dos jurados.b. O irmão do réu era um dos que estavam mais ansiosos com o resultado.c. Retórica impecável, argumentos bem formulados, testemunhas firmes em

seus depoimentos, nada, porém, parecia convencer os jurados da inocên-cia do réu.

4. Selecione textos literários com as diferentes feições estilísticas, realizando, aseguir, as terapias de linguagem.

5. Elabore:5.1. Período simples, com medida retórica, justificando.5.2. Período composto, com medida retórica, justificando.5.3. Parágrafo gráfico, com medida retórica, justificando.

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Parte IV

L

ENUNCIAÇÃO E

DISCURSO

JURÍDICO

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CONSIDERAÇÕES GERAIS

4.1 ENUNCIAÇAO E DISCURSO

A descrição do processo da comunicação, como se viu em outros tópicosdesta obra, coloca o leitor diante de três figuras: a do emissor, a do receptor e, nacondição de objeto que as relaciona, está a mensagem.

A trajetória comunicativa exige do emissor traços comuns de significaçãodo receptor, isto é, terá ele de construir a mensagem por meio de estruturas frásicasprevistas no repertório do receptor, entendido este último como usuário de umalíngua comum, quer no sentido genérico da expressão, quer nas variedades geo-gráficas (diatópicas) ou socioculturais (diastráticas) que permitem incontávelnúmero de possibilidades comunicativas, ainda assim, previsíveis, por indicaremrecortes sociais de uma comunidade humana, em razão de haver também nasvariações uma freqüência de repetições, permitindo-se estabelecer, portanto, nãoapenas o padrão culto de uma língua, mas os diversos padrões de grupos particu-lares, e. g., a linguagem infantil, as linguagens regionais, a linguagem rural, alémde linguagens com vocabulário gírio ou profissional, enfim, os diferentes níveisde linguagens e suas oposições que, em virtude de uma situação comunicativa, seencontram inter-relacionadas.

Realizar uma tarefa comunicativa é, no dizer de Kristeva (1969:11) esca-var "na superfície da palavra uma vertical, onde se buscam os modelos destasignificância que a língua representativa e comunicativa não recita, mesmo se osmarca (...)• Designaremos por significância esse trabalho de diferenciação, estra-

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tifícação e confronto que se pratica na língua e que deposita sobre a linha do su-jeito falante uma cadeia significante comunicativa e gramaticalmente estruturada".

A fala é, desta sorte, o ato individual de atualização e realização das pos-sibilidades da língua, em atividade de caráter combinatório, resultando num enun-ciado particular, embora sujeito às variantes previstas no código lingüístico-cole-tivo e abstrato. A prática social cria situações comunicativas denominadas de dis-curso e este é exteriorizado por meio de um sistema significante/significativo ar-ticulado por intermédio da modelagem lingüística, na tarefa de selecionar e arti-cular os elementos colocados à disposição do falante, o que se denomina "texto",que em análise última, é uma espécie de produtividade social, porque objetiva em-preender a interação entre o indivíduo e o meio em que ele atua.

Em vista do caráter comunicativo do texto, depreende-se imediata conclu-são de que o falante, para enumerá-lo, necessita de uma pluralidade de habilida-des, meios e sistemas diferentes de conhecimento, tanto lingüístico quanto nãolingüístico que independem dostatus do indivíduo. Verifica-se mais: a enunciaçãoocorre nas relações sociais, exigindo, para entendê-la, que se vasculhe a informa-ção contextual, determinando univocamente os referentes de cada uma das ex-pressões referenciais e deíticas (ou dêiticas) de um enunciado, desambigüizando-o satisfatoriamente.

Clássico é o exemplo de um enunciado no cartaz de uma festa, durante ascomemorações do Dia do Soldado: "Moças e soldados em uniforme - entrada grá-tis". Uma moça pretende entrar sem bilhete, sendo barrada pelo porteiro que lheexige o bilhete. Assustada, diz a jovem: "O Sr. não vê que eu sou uma moça?", aoque responde ele categoricamente: "Vejo, sim, mas onde está seu uniforme?"

A leitura decodificativa do enunciado foi problemática por não atender àregra basilar da concordância. Considerando-se a expressão "em uniforme" equi-valente a "uniformizados", temos que sua posição posposta a dois substantivos degêneros diferentes refere-se a ambos.

Tivesse o emissor cuidado gramatical para fazer funcionar adequadamen-te os elementos lingüísticos, teria enunciado: "Soldados em uniforme e moças -entrada grátis." Conclui-se, assim, que a compreensão de um texto exige coesãolexical (relação adequada de palavras) e esta não se encontra apenas na escolhade palavras, mas também em sua posição no enunciado, sendo a colocação coesaa associação de itens lexicais que regularmente co-ocorrem.

Das breves considerações, verifica-se ser o discurso a própria operação daatividade lingüística, variável de acordo com a situação em que se encontra, e. g.,um ensaio acadêmico, um seminário apresentado por alunos, um comentário emeditorial esportivo, uma conversa familiar e, até mesmo, situações não verba-lizadas: olhar demoradamente uma vitrina e entrar na loja.

Em razão das diferentes manifestações da linguagem é que a sintaxe clás-sica a divide em dois tipos: discursiva e afetiva.

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Na verdade, toda linguagem, já se viu anteriormente, é um discurso, masum entendimento tradicional da atividade lingüística prefere chamar de lingua-gem afetiva toda articulação de palavras, sons e gestos sem uma preocupação maiorcom a elaboração do pensamento, resultando em uma frase, ou seja, uma situa-ção lingüística inteligível para quem ouve ou lê, por estarem as palavras sele-cionadas, o tom, a gesticulação e até mesmo as interjeições e palavras isoladas comsignificação contextual. Estes mesmos representantes da sintaxe clássica chamamde linguagem discursiva a mensagem refletida, formulando uma idéia ou um juízocom agrupamentos vocabulares conscientemente selecionados e ordenados, cha-mando de enunciado esta frase gramaticalmente estruturada.

Hoje, já não se fazem distinções teóricas entre discurso e linguagem, frasee enunciado, entendendo-se a atividade lingüística em sentido mais abrangente,sempre significando, no entanto, uma produção lingüística (texto) realizada emdeterminada situação (contexto), sujeita a relações intertextuais (intertexto), re-sultando, por isso, em diversos tipos de textos que exigem, para sua coerência einteligibilidade, coesão (unidade globalizante da mensagem).

Para melhor entendimento dos conceitos lingüísticos expostos, útil é ofe-recer algumas considerações sobre os diferentes vocábulos que representam aatividade lingüístico-comunicativa. Antes de definição no sentido filosófico dapalavra, busca-se apresentar dados esclarecedores sobre as palavras, a fim de queo leitor possa ter uma compreensão efetiva da importância da atividade discursivana produção e recepção de textos.

4.2 ALGUMAS DEFINIÇÕES

4.2.1 Texto

O termo texto é proveniente de textus-us, vinculado ao verbo latino texere(texo-is-texui-textum), com o sentido de tecer, enlaçar, entrelaçar, lembrando, porisso, o trabalho do tecelão em urdir os fios para obter uma obra-prima harmôni-ca. Assim também o autor de um texto tece as idéias, enlaça as palavras, e vaiconstruindo com habilidade um enunciado (oral ou escrito) capaz de transmitiruma mensagem, por constituir um todo significativo com intenção comunicativa,colocando o emissor em contato com o receptor.

Texto é, também, qualquer imagem - "charges", "quadrinhos", "figuras" e"desenhos" que transmitem uma mensagem, v. g., as imagens de abdomens bemtorneados de dois homens e de uma mulher, sem qualquer enunciado escrito, paraveicular publicidade de certo refrigerante diet, merecedora, inclusive, de premiaçãointernacional, porque as imagens falam por elas mesmas: o inconveniente de "bar-rigas" indesejáveis à estética masculina ou feminina não se encontra nos consu-midores daquela marca de refrigerante, ocasionando um prazer sem culpa.

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Por texto entende-se, assim, a mensagem, a informação, o discurso. É eleuma série de signos que visam a tornar os signos referentes de si próprios, crian-do um campo referencial específico. Um quadro, uma dança, uma canção ou umenunciado constituem textos, resultantes da combinação de formas, cores, sinais,distribuídos no espaço.

Na produção textual, vários elementos são necessários, entre eles a com-petência.

Como já foi dito, a produção textual requer o conhecimento do código, paraa combinação satisfatória de signos de um sistema lingüístico, a que se denominacompetência, que irá permitir o desempenho adequado da atividade lingüística.

4.2.2 Contexto

A formação da palavra denota sua significação, ou seja, com o texto, co-texto.

Assim entendido, todas as informações que acompanham o texto consti-tuem o contexto, colaborando para sua compreensão.

O conceito mais atual de contexto remete, aos estudos da visão semióticaem que os elementos verbais, paralingüísticos (ritmo, entonação, entre outros) enão-verbais (leituras comportamentais da mensagem, por exemplo) se entrelaçampara a transmissão da mensagem.

O contexto é percebido em duas dimensões: estrutura de superfície e es-trutura de profundidade.

Veja-se o exemplo:

"Vais encontrar o mundo, disse-me meu pai, à porta do Ateneu. Coragempara a luta." (Raul Pompéia)

A leitura de superfície é percebida pelos elementos do enunciado, organi-zados hierarquicamente. Assim, o "Ateneu" é complemento circunstancial de lu-gar, mas que, na primeira oração, representa o objeto direto "o mundo", constitu-indo-se em referente importantíssimo para o conteúdo textual.

Já a estrutura de profundidade é a interpretação semântica das relaçõessintáticas, permitindo vasculhar o ânimo do autor, ou seja: o Ateneu é circunstân-cia de lugar, mas é elemento principal que se relaciona com o objeto da relaçãohomem/mundo. A idéia da dificuldade problematiza a organização da oração:(tenha) coragem para a luta (completou meu pai). Resta uma frase elíptica quemostra a escola/mundo como luta, a exigir coragem do aluno/ser vivente. Até aentrada para a escola, a criança está protegida pela instituição primária família.Ao sair de seu cuidado exclusivo, relaciona-se com o saber, com o conhecer, como desvendar o mundo, com o relacionar-se com outros valores, precisando rees-truturar-se no momento em que está ainda estruturando sua personalidade.

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Conclui-se que a produção e recepção do texto se condicionam à situaçãoou ambiência, vale esclarecer, ao conhecimento circunstancial ou ambiental quemotivam os signos e a ambiência em que se inserem, gerando um texto cuja coe-rência e unidade são suscitados diretamente pelo referente.

Costuma-se falar em vários tipos de contexto:

a. Contexto imediato: refere-se aos elementos que seguem ou prece-dem o texto imediatamente, incluindo as circunstâncias que o moti-vam. Dessarte (para se usar um termo caro aos juristas), o título de umaobra, v. g., Curso de direito processual penal, já nos pode passar infor-mações sobre o tipo de texto; o nome de um autor na capa de um li-vro pode-nos trazer previsões sobre seu estilo, sua ideologia política,seu ponto de vista doutrinário. Tais são os assim chamados referentestextuais, ou, então, o contexto inserido no texto.

b. Contexto situacional: trata-se do contexto estabelecido pelos ele-mentos fora do texto que lhe abrem possibilidades de maior entendi-mento. É um convite hermenêutico para explicar a situação textual,acrescentando-lhe informações e experiências, quer históricas, geográ-ficas, psíquicas, entre outras, para que o leitor possa realizar uma "lei-tura" ativa do texto, partilhado de forma íntima entre emissor e recep-tor. O texto só cria sentido com o contexto. A partir do contexto e emfunção do contexto é que ocorre o rendimento estilístico do texto. Comoentender plenamente o romance de Herculano, Eurico, o presbítero, semo conhecimento histórico da invasão árabe na península ibérica e semestar versado na Bíblia cujas citações percorrem o romance em todasua extensão?O julgamento do palavrão e da cacofonia deve levar em conta a épocae o ambiente mesológico. A linguagem popular de Gil Vicente explicaa presença de palavras chulas e o, por vezes, censurado cacófato deCamões - "alma minha", era bastante normal naqueles tempos.No Direito Penal, fala-se em "circunstâncias atenuantes e agravantes"e, para julgar-se um réu, deve-se pesar-lhe a vida pregressa.O texto "A Justiça diz que todos os homens devem pagar pelos seus cri-mes. Alguns fazem isto com cheque" pode parecer ofensivo mas o con-texto (Antologia brasileira de humor, 1976:198), centrado no animusjocandi, desfaz tal impressão.

4.2.3 Intertexto

Viu-se, pouco atrás, que o texto se engata no contexto: um é caixa de re-percussão do outro.

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Há de se considerar, ademais, que pode ocorrer cruzamento de textos;assim, o texto de um autor pode ser retomado pelo texto de outro autor; pode-semanifestar a presença de um texto em outros textos. Aliás, houve no movimentomodernista o costume de retomada de textos parnasianos, muitas vezes paradespojá-los da rigidez da forma, dando-lhes contornos mais espontâneos.

Um exemplo, no entanto, não só conservou a plasticidade da linguagempoética, mas também se integrou perfeitamente ao tema retomado, servindo-lhede introdução.

Veja-se o famoso poema de Manuel Bandeira:

A Estrela

"Vi uma estrela tão alta.Vi uma estrela tão fria!Vi uma estrela luzindoNa minha vida vazia.

Era uma estrela tão alta!Era uma estrela tão fria!Era uma estrela sozinhaLuzindo no fim do dia.

Por que de sua distânciaPara a minha companhiaNão baixava aquela estrela?Por que tão alto luzia?

E ouvi-a na sombra fundaResponder que assim faziaPara dar uma esperança |Mais triste ao fim do meu dia." j

Perceba-se, agora, que os inspirados versos do autor modernista acabam jpor resultar a parte introdutória do brilhante "Via-Láctea", de Olavo Bilac: i

"Ora (direis) ouvir estrelas. CertoPerdeste o senso! E eu vos direi, no entanto,Que, para ouvi-las, muita vez despertoE abro as janelas, pálido de espanto..."

A essa reutilização do texto, a esse jogo entre textos (intertextos) dá-se onome de intertextualidade. O fenômeno sempre existiu. Leiam-se os versos deRonsard:

"Vivez, si m'en croyez, n'attendez à demain,Cueülez dès aujourd'hui les roses de Ia vie!"Retomam, por certo, o carpe diem do velho Horácio.

Costuma-se falar em quatro tipos de intertextualidade:

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4.2.3.1 Paráfrase

Nesta, um autor caminha de mãos dadas com outro autor; não há, prati-camente, desvio nenhum ou o desvio é mínimo, irrelevante.

As formas mais correntes da paráfrase talvez sejam as citações e transcri-ções, em que se nota a sua característica mais acentuada, a conformação de textos.

Amolda-se bem a paráfrase à linguagem jurídica mais adequada ao ritual;neste, a participação individual aparece tolhida pelas formas lingüísticas prees-tabelecidas: são estruturas mais ou menos rígidas para atuar na esfera jurídica.

A propósito de citações, vem a pêlo lembrar José Frederico Marques (Su-plemento literário de O Estado de S. Paulo, 2-4-66): "É do 'usus fori', o empregode citações".

Exemplo de paráfrase, conforme se tem ministrado nas universidades ale-mãs, é a Divina comédia de Dante, quase tradução de obra moura muçulmana,dizendo-se ter havido uma cristianização do pagão.

Raimundo Correia, ensina a teoria literária, imitou com tal precisão auto-res franceses, e também latinos, que a paráfrase quase atinge a tênue fronteira doplágio.

Aliás, os poemas épicos em geral constituíam-se em verdadeiras paráfra-ses, imitando-se o texto-paradigma de forma tal que o texto imitado resultava numdiscurso próprio. Exemplos desse comportamento são as obras epigonais, aque-las pertencentes à geração seguinte à do modelo, as do discípulo de um grandemestre.

A paráfrase é também recurso empregado para aprendizagem de constru-ções frásicas com correção gramatical e adequação estilísticas, valendo-se dosprocessos de desmontagem e recriação do enunciado, elaborando novas frases apartir de "modelos", conforme a gramática gerativa de Chomsky.

Assim, é possível realizar paráfrases ideológicas e estruturais como varia-ções de um enunciado discurso-matriz.

Vejam-se os exemplos:

a. Paráfrase ideológica:a.l. texto-matriz:

"Entre os muitos méritos de nossos livros nem sempre figura oda pureza da linguagem. Não é raro ver intercalado em bom estilo ossolecismos da linguagem comum, defeito grave, a que se junta o da ex-cessiva influência da língua francesa. Este ponto é objeto de divergên-cia entre os nossos escritores. Divergência, digo, porque, se alguns caemnaqueles defeitos por ignorância ou preguiça, outros há que os adotampor princípio, ou antes por uma exageração de princípio."

(Assis, 1959:111, 822)

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a.2. texto parafraseado:O ensino da língua portuguesa esbarra em inúmeras dificulda-

des. De um lado, a escassez de escolas, restringindo o acesso à lingua-gem adquirida, a que se vai ali buscar. Por outro lado, o modismo dedeformar a língua, mesmo entre bons autores que, muitas vezes, inter-calam solecismos de linguagem ao bom estilo, além de rechearem o dis-curso com estrangeirismos. O pior de tudo isso é que nem sempre taisusos, que enfeiam e deformam a língua portuguesa padrão, são realiza-dos por ignorância: muitas são as ocasiões em que expressam princí-pios ideológicos, e por que não dizer, uma exageração desses princí-pios.

(adaptação livre)

Verifica-se que o conteúdo do fragmento a.2 tomou como modelo asidéias-chaves do texto-matriz-a.l, realizando variações sintáticas com o mesmotema, verdadeira recriação do modelo.

Um leitor atento colhe informações deste ou daquele texto, desvendando-lhes as significações e acabando por fazer deles paradigmas semânticos, pois acriação humana, como já ensinou Montesquieu, é imitativa - consciente ou incons-cientemente.

Importante se faz realçar ser o ato de imitar, parafrasear idéias, uma for-ma de incrementar o pensamento, porque a idéia de um emissor encontra eco noleitor que, assimilando-a, faz dela seu próprio pensamento, enriquecendo-a, mui-tas vezes, pelo novo refletir.

O estudante de Direito, por certo, aprende, desde as primeiras lições, aparafrasear professores e autores, dando sua contribuição pessoal de sorte tal acriar formas de expressão vigorosas e renovadas e não apenas meras réplicas deseus paradigmas.

b. Paráfrase estruturalb.l. texto-matriz:

"Nem só os olhos, mas as restantes feições, a cara, o corpo, apessoa inteira, iam-se aprimorando com o tempo. Eram como um debuxoprimitivo que o artista vai enchendo e colorindo aos poucos, e a figuraentra a ver, sorrir, palpitar, falar quase, até que a família pendura o qua-dro na parede em memória do que foi e já não pode ser e era."

(Machado de Assis. Dom Casmurro. Apud Carreter, 1963:138)

b.2. texto parafraseado:

Nem só a confissão, mas as restantes provas, os documentos, astestemunhas, o laudo pericial, foram-se apurando com o curso do pro-cesso. Revelaram-se como uma trama novelesca em que o autor vai de-lineando e colorindo aos poucos, e ela entra a fazer planos, executá-los,

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até que os autos do processo retratam o quadro de um crime, registran-do o que foi e já não pode ser. Aqui, nos autos, a versão colhida contrao acusado, podia ser, e é a verdade dos fatos.

(adaptação livre)

Em que pese ao pitoresco da situação jurídica, pode-se perceber que aparáfrase estrutural recria um contexto em cima de uma estrutura frásica matriz,apoiando-se em seus referentes sintáticos para construir um texto expressivo.

Verifiquem-se outros exemplos, a fim de revitalizar a importância que aparáfrase imprime à busca de uma evolução no plano redacional:

1. "O Direito é, por excelência, entre as que mais o sejam, a ciência dapalavra." (Ronaldo Caldeira Xavier)

l.a. A Analogia é, por excelência, entre as que mais o sejam, a baseda jurisprudência.

l.b. A Eqüidade é, por excelência, a prática do ideal da Justiça.

2. "O sertanejo é antes de tudo um forte." (Euclides da Cunha)

2.a. O advogado é antes de tudo um obstinado.

2.b. O advogado é antes de tudo um paladino da Justiça.

2.c. O advogado é, antes de tudo, um defensor da lei.

3. "A língua é um conjunto de sinais que exprimem idéias, sistema de açõese meio pelo qual uma dada sociedade concebe e expressa o mundo quea cerca." (Celso Cunha)

3.a. O Direito é um conjunto de regras que exprimem idéias, valorese meio pelo qual uma sociedade concebe e expressa as relaçõesque têm efeitos jurídicos.

4. "O repórter policial, tal como o locutor esportivo, é um camarada quefala uma língua especial, imposta pela contingência." (Stanislaw Pon-te Preta)

4.a. O Promotor de Justiça, tal como (ou tal qual) o carrasco, é umalgoz que tem uma conduta implacável imposta pela contingên-cia.

4.2.3.2 Estilização

Aqui, o desvio se alarga; há uma reformulação do texto; há um remake dotexto sem, porém, traí-lo ou pervertê-lo. É o caso, v. g., da adaptação do romancede Erich Maria Remarque (A oeste nada de novo) para o cinema, em 1930, com otítulo AH quiet on the western front (em português: Sem novidades nofront). Man-teve-se a idéia fundamental do livro: a monstruosidade da guerra. O filme, como

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o livro, é um libelo contra a guerra, mas lhe dá um novo tratamento, ao envolvera morte do soldado numa atmosfera de dolorida poesia.

Na estilização temos, ainda, o emprego dos procedimentos e estilo. Assim,podem-se reutilizar instrumentos retóricos em variação sobre o mesmo tema. É oque tem ocorrido com "A Missa do Galo", de Machado de Assis, tomado por ma-triz em muitas recriações, em especial, por meio de sua estrutura discursiva: reti-cências, ambigüidades, categorias verbais de tempo inter-relacionadas com espa-ço. Nesse sentido, a estrutura do diálogo entre Conceição e Nogueira, no tom am-bíguo, reticente, sugestivo e pouco claro de fatos reais, é revivido em contos deOsman Lins, Lygia Fagundes Telles, Autran Dourado e outros renomados autoresque recriam a "conversação" da "Missa do Galo", ora com monólogos em Ia pes-soa, ora com silêncios vivos de uma comunicação não-verbal.

A tragédia de Inês de Castro, imortalizada no Canto III de Os lusíadas, érevivida no conto de Herberto Helder, "Teorema", publicado em Os passos em vol-ta, 1963, narrado pela perspectiva de um dos seus assassinos.

Exemplo de estilização é o soneto de Camões que reconta a história bíbli-ca de Jacó e Raquel, narrada no Antigo Testamento, 29, 16-30.

Veja-se:

a. texto bíblico

"E Labão tinha duas filhas; o nome da mais velha era Leia (ou Lia, em ou-tras traduções) e o nome da menor, Raquel.

Leia porém tinha olhos tenros, mas Raquel era de formoso semblante eformosa à vista.

E Jacó amava a Raquel, e disse: Sete anos te servirei por Raquel, tua fi-lha menor.

Então disse Labão: Melhor é que ta dê, do que a dê a outro varão; ficacomigo.

Assim serviu Jacó sete anos por Raquel; e foram aos seus olhos como pou-cos dias, pelo muito que a amava.

E disse Jacó a Labão: Dá-me minha mulher porque meus dias são cum-pridos, para que eu entre a ela.

Então ajuntou Labão a todos os varões daquele lugar e fez um banquete.E aconteceu, à tarde, que tomou Leia, sua filha e trouxe-lha. E entrou a

ela.

E Labão deu sua serva Zilpa a Leia, sua filha, por serva.E aconteceu pela manhã ver que era Leia, pelo que disse a Labão: Por que

me fizeste isso? Não te tenho servido por Raquel? Por que pois me enganaste?E disse Labão: Não se fez assim no nosso lugar, que a menor se dê antes

da primogênita.

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Cumpre a semana desta; então te daremos também a outra, pelo serviçoque ainda outros sete anos servires comigo.

E Jacó fez assim: e cumpriu a semana desta; então lhe deu por mulherRaquel sua filha.

E Labão deu sua serva Bilha por serva a Raquel, sua filha.E entrou também a Raquel e amou também a Raquel mais do que a Leia;

e serviu com ele ainda outros sete anos."

b. soneto de Camões:

Sete anos de pastor Jacó serviaLabão, pai de Raquel, serrana bela;mas não servia ao pai, servia a ela,que a ela só por prêmio pretendia.

Os dias na esperança de um só diapassava, contentando-se com vê-la;porém o pai, usando de cautela,em lugar de Raquel lhe deu a Lia.

Vendo o triste pastor que com enganosassim lhe era negada a sua pastoracomo se a não tivera merecida,

começou a servir outros sete anos,dizendo: - Mais servira, se não forapara tão longo amor, tão curta a vida.

Verifica-se no exemplo acima a estilização, pois a função poética da lingua-gem tende a valorizar a forma da mensagem. Há desvio pronunciado do original,o que afasta o texto da paráfrase.

Orestes Barbosa e Noel Rosa levaram o Judiciário - quem diria! - ao sam-ba comHabeas-Corpus.* Não houve, porém, conotação pejorativa ou deformação.É o caso de estilização; eles poetizaram a linguagem jurídica.

No tribunal da minha consciência,O teu crime não tem apelação.Debalde tu alegas inocência,E não terás minha absolvição.Os autos do processo da agonia,Que me causaste em troca ao bem que eu fiz,

Chegaram lá daquela pretoriaNa qual o coração foi o juiz.

Os compositores escreveram habeas-corpus, com uso irregular de hífen.

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Tu tens as agravantes da surpresaE também as da premeditaçãoMas na minh'alma tu não ficas presaPorque o teu caso é caso de expulsão.Tu vais ser deportada do meu peitoPorque teu crime encheu-me de pavor.Talvez o habeas-corpus da saudadeConsinta o teu regresso ao meu amor.

4.2.3.3 Paródia

Agora, o desvio se faz total e chega-se à perversão do texto em sua estru-tura ou sentido de tal forma que o texto sofre ruptura total e se deforma.

O grupo teatral francês Royal de Luxe mostrou, no Vale do Anhangabaú,uma versão anárquica dos grandes momentos da história da França, caracterizandoa deformação.

O filme O jovem Frankestein retoma o clássico dos anos trinta, Frankestein,cobrindo o monstro de ridículo e levando-o ao deboche.

Dentro do mesmo registro parodístico, vale citar o filme Cliente morto nãopaga, deformação deliciosa do assim chamado film noir, marca principal do cine-ma americano dos anos quarenta.

O soneto de Bastos Tigre, Jacó e Raquel, retoma o soneto camoniano, maso desvio acentua-se mais profundamente, ao se usar, por exemplo, de termos deconotação jurídica: "contrato", "apor assinatura", "impingir", ao lado de termos eexpressões populares: "zarolha", "não vou no embrulho", "mandar ao demônio",que, por certo, causariam arrepios a Camões. Veja-se:

JACÓ E RAQUEL

"Sete anos de pastor Jacó serviaLabão, pai de Raquel", gentil criatura,porém, servindo ao pai, Jacó queriaa filha desposar, conta a Escritura.

Quando entretanto, foi chegando o diade, no contrato, apor a assinatura,mestre Labão quis impingir-lhe a Lia,que era feia, zarolha e já madura.

Porém Jacó, que percebera o logro,gritou ao pai Labão: - Não vou no embrulho!E ao demônio mandou a Lia e o sogro.

E ante os pastores escandalizados,Jacó raptou Raquel e, em doce arrulho,foram viver os dois... "como casados".

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Outro exemplo de paródia, agora total, é a versão Jacó e Raquel, construídade forma caricatural por Alexandre Marcondes Machado, o "Juó Bananere" que,em português macarrônico, diz com irreverência:

SUNETTO CRÁSSICO

Sette anno di pastore, Giacó servia Labó,padre da Raffaela, serrana bella,ma non servia o pai, che illo non era troxa nó!Servia a Raffaela p'ra si gaza co'ella.

I os dias, na esperanza di um dia só,apassava spiáno na gianella;ma o paio, fugino da gumbinaçó,deu a Lia inveiz da Raffaela.

Quano o Giacó adiscobri o ingano,e che tigna gaído na sparrella,fico c'un brutto d'un garó di arara.

I incominció di servi otros sette annodizeno: Si o Labó non fossi o pai deliaio pigava elli i li quibrava a gara.

Não apenas os clássicos foram vítimas da pena satírica de "Juó Bananere",que tinha suas paródias divulgadas pelo semanário humorístico O Pirralho, deOswald de Andrade e Emílio de Menezes, fundado em agosto de 1911. Ria-se da"recuperação poética" que o humor de "Juó Bananere" fez de Casimiro de Abreu:

OS MEUS OTTO ANNO

0 chi sodades che io tegnoD'aquele gustoso tempignoCh'io stava o tempo intirignoBrincando c'oas mulecada.Che brutta insgugliambaçóChe troça, che bringaderaImbaxo das bananeraNa sombra dus bambuzá.Che sbornia, che pagodera,Che pandiga, che arrelia,A genti sempre afaziaNo largo d'Abaxo o PiquesPassava os dia i as notteBrincando di scondi-scondi,1 atrepáno nus bondi,Bulino c'os conduttore.

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A paródia, viu-se, é forma bastante criadora no diálogo intertextual. O se-gundo discurso repete o primeiro, imprimindo, no entanto, direções contrárias aodo texto-matriz.

Atente-se que a paródia pode manifestar-se em expressões, v. g., o filmePlaneta dos macacos, no programa humorístico Planeta dos homens; aparece emrelação a valores, v. g., D. Quixote em paródia.aos livros de cavalaria, enfim, sem-pre uma inversão que exige do autor profundo conhecimento da obra-matriz e comcriatividade tal que há, até, paródia da paródia.

4.2.3.4 Recriação polêmica

O autor polemiza o texto-matriz, retomando-lhe o ponto de referência paraquestionar diversos temas ou para defender seu ponto de vista sobre algum as-sunto.

Exemplo interessante desta espécie de intertextualidade é o "Sermão domandato", do Pe. Vieira:

SERMÃO DO MANDATO

A segunda ignorância que tira o merecimento ao amor, é não conhecerquem ama a quem ama. Quantas coisas há no mundo muito amadas, que, se asconhecera quem as ama, haviam de ser muito aborrecidas! Graças logo ao enga-no e não ao amor. Serviu Jacó os primeiros sete anos a Labão, e ao cabo deles, emvez de lhe darem a Raquel, deram-lhe a Lia. Ah enganado pastor e mais engana-do amante! Se perguntarmos à imaginação de Jacó por quem servia, responderáque por Raquel. Mas se fizermos a mesma pergunta a Labão, que sabe o que é, eo que há de ser, dirá com toda a certeza que serve por lia. E assim foi. Servis porquem servis, não servis por quem cuidais. Cuidais que vossos trabalhos e os vos-sos desvelos são por Raquel, a amada, e trabalhais e desvelai-vos por Lia, a abor-recida. Se Jacó soubera que servia por Lia, não servira sete anos nem sete dias.Serviu logo ao engano e não ao amor, porque serviu para quem não amava. Oh,quantas vezes se representa esta história no teatro do coração humano, e não comdiversas figuras, se não na mesma! A mesma que na imaginação é Raquel, na re-alidade é Lia; e não é Labão o que engana a Jacó, senão Jacó o que se engana a simesmo. Não assim o divino amante, Cristo. Não serviu por Lia debaixo da imagi-nação de Raquel, mas amava a Lia conhecida como Lia. Nem a ignorância lheroubou o merecimento ao amor, nem o engano lhe trocou o objeto ao trabalho.Amou e padeceu por todos, e por cada um, não como era bem que eles fossem,senão assim como eram. Pelo inimigo, sabendo que era inimigo; pelo ingrato, sa-bendo que era ingrato; e pelo traidor, "sabendo que era traidor": "Sciebat enimquisnam esset, qui traderet eum".

Deste discurso se segue uma conclusão tão certa como ignorada; é queos homens não amam aquilo que cuidam que amam. Por quê? Ou porque o queamam não é o que cuidam; ou porque amam o que verdadeiramente não há. Quemestima vidros, cuidando que são diamantes, diamantes estima e não vidros; quem

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ama defeitos, cuidando que são perfeições, perfeições ama e não defeitos. Cuidaisque amais diamantes de firmeza, e amais vidros de fragilidade; cuidais que amaisperfeições angélicas, e amais imperfeições humanas. Logo, os homens não amamo que cuidam que amam.

Donde também se segue que amam o que verdadeiramente não há; por-que amam as coisas, não como são, senão como as imaginam; e o que se imagina,e não é, não há no Mundo. Não assim o amor de Cristo, sábio sem engano: Cumdilexisset suos, qui erant in Mundo.

Pe. Vieira

Merece apreciada a linha argumentativa de texto de Vieira, conduzindocom mestria o ponto de referência retomado, o amor de Jacó por Raquel, para umaconclusão carregada de inspiração cristã, reconhecendo no amor de Cristo, o úni-co sábio, sem engano. Veja-se, ainda, o uso antigo da palavra amante.

4.3 TIPOS DE TEXTO

Como já foi dito anteriormente, texto é a atividade comunicativa entreemissor/receptor, em diálogo íntimo, repleto de emoções ou de reflexões, levandoo pensamento humano a infinitas direções. Em sentido estrito, texto é conhecidocomo a mensagem escrita (inclui a leitura), expressão articulada por meio depalavras.

Ao dialogar com o leitor, o texto vale-se de inúmeras formas, sendo osgêneros mais conhecidos a descrição, a narração e a dissertação, que, a bem daverdade, não existem de modo isolado; o que ocorre é a presença dominante deum tipo.

Veja-se o exemplo colhido em Severino Antônio Barbosa, em seu excelen-te trabalho Redação, escrever é desvendar o mundo, (1989:42), lembrando Guima-rães Rosa:

"Era um burrinho pedrês, miúdo, resignado, vindo de Passa-Tempo, Con-ceição do Serro ou não sei onde no sertão. Chamava-se Sete-de-Ouros, e já foratão bom, como outro não existia nem pode haver igual.

Agora, porém, estava idoso, muito idoso. Tanto, que nem seria precisoabaixar-lhe a maxila teimosa para espiar os cantos dos dentes. Era decrépito mesmoà distância: no algodão bruto do pêlo - sementinhas escuras em rama rala e encar-dida; nos olhos remelentos, cor de bismuto, com pálpebras rosadas, quase sem-pre oclusas, em constante semi-sono; e na linha, fustigada e respeitável - umhorizontal pêndulo amplo, para cá, para lá, tangendo as moscas."

Perceba-se que o plano descritivo guarda um sabor narrativo, contando ahistória de um burrinho pedrês, não lhe faltando traços dissertativos.

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Bom é de esclarecer ainda que texto não é sinônimo de literatura. Muitassão as espécies de textos, consoante o fim a que se destinam. O texto que objetivamensagem para o ensino é chamado didático, dividindo-se em diversos tipos (textodidático de língua portuguesa, texto didático jurídico, entre outros). Por outro lado,o texto jurídico pode ter intenção doutrinária ou fim legiferante. Há textos para olazer e para o refletir filosófico. Em suma, de acordo com o fim perseguido, have-rá um tipo de texto, incluindo os subtextos.

4.4 COESÃO E COERÊNCIA TEXTUAL

Como se disse, o texto é um entrelaçamento de palavras que formam umenunciado, por sua vez, associado a outros enunciados com o objetivo de trans-mitir uma mensagem.

Deste conceito, duas conseqüências são resultantes: a necessidade de coe-são ou unidade, ou seja, um nexo seqüencial de idéias entrelaçadas e, também, aobrigatoriedade de coerência, vale ressaltar, uma seqüência de idéias deve dirigir-se a outras a ela pertinentes, com adequada relação semântica.

4.4.1 Coesão

O texto, já se afirmou mais de uma vez, não é um amontoado de palavrasdesconexas. Ao contrário disso, é a escolha de relações paradigmáticas (associa-ções livres de uma idéia-tema) e sua distribuição sintático-semântica, ou seja, acombinação horizontal ou sintagmática de seus elementos, com seqüência. Maisdo que isso, é a urdidura de diferentes relações sintagmáticas em torno de umamesma relação paradigmática, com perfeita integração horizontal-vertical:

Veja-se:

1. Era um dia claro e animado. Todos queriam desfrutá-lo ao lado dos pássarose flores em festa. Eu só queria isolar-me do mundo, fechada no escuro dadecepção.

Observe-se, agora:

2. Era um dia claro e animado. Parecia que todos queriam desfrutá-lo ao ladodos pássaros e flores em festa, ou melhor, quase todos, porque eu não conse-guia participar daquele entusiasmo. Eu só queria isolar-me do mundo, fecha-da no escuro da decepção.

Comparando-se os dois textos, inegável é perceber que o texto 2 possuium entrelaçamento de idéias mais vigoroso que o texto 1, pela preocupação coma unidade textual.

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Não é o texto, portanto, uma seqüência de termos desunidos, soltos, cadaqual atirado num canto. Chapéus e vestidos soltos numa loja pouco servem; sóadquirem valor quando ajustados num corpo feminino que lhes dá graça e har-monia. Assim também funcionam os elos coesivos, caminhando para trás (regres-são) e para frente (progressão) costurando perfeitamente o texto nestes movimen-tos de vaivém, em conexão seqüencial a que se chama coesão.

Exemplos de regressão (re (para trás) + gressus-us-passo):

1. Leio com prazer as obras de Caio Mário porque ele é um ótimo jurista e pos-sui estilo prazeroso.

Nota: No caso em tela, o pronome "ele" é elo coesivo entre a idéia da Ia

oração (Caio Mário) e (ótimo jurista), unindo o atributo a seu pos-suidor. Também os conectivos "porque" (explicativo) e a aditiva "e"cooperam para o entrelaçamento do texto, todos com movimentopara trás.

2. Houve carnificina na Casa de Detenção. A coisa ficou feia.

Nota: No caso supra, houve a regressão por meio do indeterminado "coi-sa" que retoma o determinado "carnificina".

Obs.: Vê-se que os elos coesivos de natureza regressiva podem estar pre-sentes em um período composto ou em vários períodos simples.

Exemplos de progressão:

1. "Falta-lhe o solo aos pés: recua e corre,Vacila e grita, luta e se ensangüenta,E rola e tomba, e se despedaça e morre..." (Olavo Bilac)

Nota: O polissíndeto (repetição da conjunção coordenativa aditiva) car-rega o movimento para frente, numa caminhada angustiante rumoà morte.

2. "Primeiro me pediu desculpas. Depois, assim sem mais nem menos, voltou ame agredir."

Nota: A enumeração caminha em seqüência cronológica, ampliando asinformações textuais.

3. "Ai, palavras, ai palavras,que estranha potência, a vossa!Ai, palavras, ai palavras,sois de vento, ides ao vento,no vento que não retorna,e, em tão rápida existência,tudo se forma e se transforma" (Meirelles, 1958:793).

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Nota: As informações sobre a "palavra" vão sendo acrescidas para dar-lhe uma visão conceituai mais ampla. Reforça a progressão aaliteração da sibilante s que leva o movimento para frente de for-ma dinâmica.

4. "Doação é contrato pelo qual uma pessoa (doador), por liberalidade, transfe-re um bem de seu patrimônio para o de outra (donatário), que o aceita (Có-digo Civil, art. 1.165). É contrato civil, e não administrativo, fundado na li-beralidade do doador, embora possa ser com encargos para o donatário". (HelyLopes Meirelles. Direito administrativo. São Paulo : Revista dos Tribunais, 1991.p. 439.)

Nota: Verifique o movimento progressivo da adição de elementos infor-mativos, centrados na palavra contrato: (a) é contrato; (b) é con-trato civil (não é contrato administrativo); (c) é fundado na libe-ralidade; (d) pode estabelecer encargos.

4.4.2 Coerência

A coerência é a adequação dos elementos textuais em busca de uma uni-dade, em que as idéias se compatibilizem.

Veja:

"O réu foi condenado a 5 anos e 3 meses, não lhe sendo concedido, porisso, o beneplácito de um regime mais brando, devendo cumprir a pena em regi-me fechado.

As penitenciárias de São Paulo não são adequadas e não oferecem condi-ções satisfatórias, representando em análise última, a falência do sistema car-cerário."

O enunciado contido no parágrafo gráfico cria uma expectativa semânti-ca para o desenvolvimento do discurso não havendo nexo entre esta idéia e a sub-seqüente, em razão de não estar presente a unidade redacional. O fato de o siste-ma carcerário de São Paulo ser precário não tem relação com a pena infligida aocondenado.

Observe também:

"Fui ao cinema hoje, mas estou feliz."

Verifique: a conjunção "mas" cria uma expectativa semântica de oposição,inadequada à idéia, por não haver relação lógica entre ir ao cinema/oposição aestar feliz. Mais próprio seria, para compreender a enunciação, o emprego daexplicativa "por isso", relação semântica compreensível e pertinente.

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À unidade semântica do exemplo 1 e à adequação de elementos textuaispara transmissão de uma idéia dá-se o nome de coerência, ou seja, a rede que pro-move a sintonia entre as partes e o todo de um texto.

Atribuem-se a conhecido cartola do futebol paulista frases coesas mas nemtanto coerentes, como "Quem entra na chuva é para se queimar" ou "Agradeço àAntarctica pelas Brahmas que nos mandou".

Bom é de lembrar que o uso sancionou formas, a rigor incoerentes: ferra-dura de prata, quarentena de dez dias, bela caligrafia. Vale o mesmo para a re-gência de alguns verbos, v. g., convir com, conviver com, intervir em, interpor en-tre etc.

Verifica-se, pois, que coerência e coesão são expressões lingüísticas bastantepróximas mas com marcas distintas, formando o que se chama de espécie de paropositivo/distintivo.

A coesão é sempre explícita, ligando o texto por meio de elementos super-ficiais que expressamente costuram as idéias, dando-lhe uma organizaçãoseqüencial.

A coerência, por sua vez, é resultado da estrutura lógica do texto. Inde-pendentemente dos elementos ligativos presentes no texto, a continuidade desentidos percebida pela organização de estruturas subjacentes, assegura a unida-de e adequação de idéias.

Ilustrando o assunto, serão apresentados dois excelentes textos do cultojurista Walter Ceneviva, publicados em sua coluna "Letras jurídicas", no jornal Folhade S. Paulo.

O primeiro deles, de 2-2-92, é exemplo modelar para um texto coerente,cuja unidade é estabelecida pelas relações subjacentes, formando um elo indis-sociável entre as idéias, assegurando a continuidade textual.

Leia atentamente a interessante reflexão "Capitu pegaria até seis meses decadeia".

CAPITU PEGARIA ATÉ SEIS MESES DE CADEIA

Walter Ceneviva

Se a discussão estabelecida depois do vestibular da Fuvest sobre o livroDom Casmurro houvesse dado atenção ao lado jurídico da vida, teria ficado maisclaro o adultério da heroína Capitu. A prova do adultério, aceita pelo direito, e ocurso jurídico feito por Bentinho, personagem-autor da obra, em São Paulo, du-rante cinco anos justificam a minha opinião, ao lado da do Otto Lara Rezende.

O livro de Machado de Assis começa sua narrativa em 1857, quandoCapitu tinha verdes 14 anos. Dedica três quartas partes ao período que foi até 1865,quando ela se casou com Bentinho. Tiveram um filho que era a cara, o corpo, ojeito e o modo de falar de Escobar, amigo dileto e companheiro do marido.

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Naquele tempo, apenas a esposa cometia o crime de adultério, condena-do com reclusão de três anos. Em geral não havia julgamento, porque o maridomatava a mulher (e era absolvido). O homem só incidia na injúria contra os de-veres do casamento se mantivesse concubina permanente. A lei brasileira repetiaregras milenares, que, sob desculpa de protegerem a família, tratavam diferente-mente os cônjuges. Hoje o tratamento é igual para os dois sexos, com pena máxi-ma de seis meses. Ainda é um erro, pois é ridículo punir criminalmente uma pes-soa pela culpa moral da infidelidade.

A prova direta do adultério é problemática, pela dificuldade de pegar osadúlteros nus e na mesma cama (naquilo que os juristas, doidos por um latinório,chamam de "solum cum sola, nudum cum nuda in eodem lecto"). Valem as cir-cunstâncias. A obra machadiana indica circunstâncias muito claras quanto à per-sonalidade de Capitu e de seu pai. José Dias, agregado da família de Bentinho,dizia que "a pequena é uma desmiolada; o pai faz que não vê; tomara ele que ascoisas corressem de maneira que..."

José Dias teria sido mais severo, na experiência de seus 55 anos, se tives-se sabido da boca oferecida por Capitu, ao primeiro beijo, e nos que vieram de-pois, dando de vontade o que fingia recusar à força, sempre dissimuladíssima, nosseus olhos de ressaca. Tanto que, perguntada sobre um rapaz que olhara, ao pas-sar, respondeu que o olhar era prova exatamente de que nada havia entre ambos,acrescentando que seria natural dissimular se houvesse algo. Bentinho, lembran-do a dissimulação de Capitu adulta, recorda-a quando criança e diz que "umaestava dentro da outra, como a fruta dentro da casca".

Nos cinco anos que Bentinho estudou direito em São Paulo, no largo deSão Francisco, dos 18 aos 22 anos, Capitu continuou no Rio, em encontros fre-qüentes com Escobar (a quem Machado atribuiu olhos claros e dulcíssimos).Escobar era experiente e desenvolto a ponto de afagar a idéia de convidar a mãedo amigo, bela viúva, a casar-se com ele, apesar da diferença de idades.

A convicção do adultério tornou impossível a vida comum. Capitu se foipara a Europa, com o filho, Ezequiel. Anos mais tarde este, já moço, voltou paraencontrar Bentinho. Era nem mais nem menos, o retrato vivo do antigo e jovemcompanheiro e salvo as cores, mais fortes, tinha o mesmo rosto do amigo. A vozera a mesma. "Era o próprio, o exato, o verdadeiro Escobar". Bentinho usa a lin-guagem de seus estudos jurídicos ao dizer de Ezequiel: "era o meu comborço; erao filho de seu pai..."

Ao tempo, não havendo provas excludentes, a semelhança entre o aman-te e o filho era acolhida como importante elemento de prova circunstancial darelação sexual extramatrimonial da mulher. O fato de ser amante permanente seriaconsiderado agravante do delito. Mas, há 140 anos, como agora, só haveria pro-cesso se o marido desse queixa. Bentinho, porém, era um homem avesso a pro-cessos, tranqüilo, civilizado, manso.

Verifique: o texto trata, do começo ao fim, de um só e mesmo assunto,encadeando-se os parágrafos numa seqüência lógica, cujo resultado é um textouno e consistente.

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O primeiro parágrafo abre o assunto, situando-o no contexto jurídico epropondo examiná-lo sob o enfoque exclusivamente jurídico para melhor perce-ber o adultério de Capitu.

O segundo parágrafo esboça o argumento central da prova do adultério,ou seja, a semelhança entre o filho do casal e Escobar, amigo dileto e companhei-ro do cônjuge varão.

Do terceiro ao sexto parágrafos, fala-se dos elementos circunstanciais re-lativos ao caso, para, no sétimo parágrafo, apresentar o mais importante deles: avolta do filho Ezequiel, no dizer de Bentinho, "era o meu comborço; era o filho deseu pai..."

O parágrafo final reforça o argumento anterior à míngua de provas exclu-dentes, acrescentando a agravante de o filho ser fruto de relação extramatrimonialda mulher com amante permanente. Por derradeiro, diz o autor que o Direito nãomudou, porque da época machadiana até nossos dias, o delito apenas seria puni-do se houvesse um processo acionado pelo marido traído.

O segundo artigo, de 20-6-93, é costurado habilmente por elementos liga-tivos ou elos de transição, palavras de coesão que asseguram a coerência textual.

Leia o texto "Falta de autoridade" e verifique o papel das palavras de coe-são, destacando-se entre elas:

a. Ia parágrafo: "Assim sendo" (valor explicativo);

b. 2a parágrafo: "Em primeiro lugar" (abertura do critério enumerativo);

c. 3a parágrafo: "Em segundo lugar" (seqüência enumerativa);

d. 4a parágrafo: "por seu lado" (mudança de enfoque);

e. 5a parágrafo: "Assinalo, ainda" (elemento de adição);

f. 7a parágrafo: "Necessário é lembrar" (elemento de citação);

g. 8a parágrafo: "Também não seria possível, é evidente" (elemento deafirmação);

h. 9a parágrafo: "Todavia" (elemento de oposição);

i. 9a parágrafo: "e, portanto" (elemento de conclusão).

FALTA DE AUTORIDADE

Walter Ceneviva

De repente o Judiciário começou a ser apontado como um dos maioresvilões da crise brasileira, em visão distorcida e errada de seu papel na vida nacio-nal. Tenho criticado vários atos e segmentos do Judiciário, cujo controle externodefendo. Recentemente escrevi que se os juizes tiverem vontade de trabalhar -expressão com a qual sintetizei aspectos das deficiências judiciais - resolverão

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muitos dos problemas sociais que enfrentamos na atualidade. Assim sendo, sin-to-me à vontade para negar que cabe ao Judiciário a maior culpa pela crise.

Em primeiro lugar, tenha-se presente que grande número dos processoscivis, fiscais e trabalhistas tem origem em ilegalidades praticadas por administra-dores públicos, cuja visão caolha faz com que queiram receber créditos governa-mentais, mas não queiram saldar os respectivos débitos. Eles se esquecem da sa-bedoria de Vicente Matheus quando trata das facas de dois legumes, pois o Judi-ciário eficiente tanto permitirá as cobranças reclamadas, quanto forçará o poderpúblico a parar com seus calotes e impedirá as ilegalidades cometidas.

Em segundo lugar, acentuo as omissões no cumprimento do dever legaldos outros poderes. Exemplo mais gritante é do próprio Legislativo, que não apro-vou as leis suplementares da Carta de 1988.

O Executivo, por seu lado, baixa instruções, decretos, portarias e toda sortede medidas administrativas, muitas das quais são flagrantemente ilegais. Forçamos contribuintes a se defenderem em juízo. Agravam o congestionamento judi-cial. Nenhuma lesão ou ameaça de lesão ao direito individual pode ser excluídade apreciação pelo Poder Judiciário na verdadeira democracia. Se o Executivo qui-ser que as pessoas diminuam a corrida aos tribunais deve parar com as ilegalida-des.

Assinalo, ainda, a distância numérica entre o aparato judiciário brasilei-ro e o universo ao qual ele deve atender. Há menos de 20.000 juizes para quase350.000 advogados. O número de processos em andamento se conta aos milhões(só na justiça paulista existem 4 milhões). A deficiência não é culpa exclusiva doJudiciário, embora este tenha boa parte da responsabilidade.

A máquina judiciária - fora das áreas da magistratura - é muito mal re-munerada nas justiças estaduais. A rotatividade é forte. A baixa remuneração,contraposta à mobilidade da força de trabalho, lidando com leis e instruçõesfreqüentemente conflitantes, mais confunde o processo judicial quando tratadopor mão-de-obra desqualificada.

Necessário é lembrar da história recente do Brasil, na qual o Judiciáriofoi fonte principal de defesa dos interesses individuais, ante o mau comportamentodos outros poderes.

Lembro o homicídio, ocorrido em 1975, cujo réu - que teve este mês pre-sença meteórica no Ministério da Agricultura - não foi julgado até o presente, comooutro exemplo de responsabilidade múltipla. A demora escandalosa não seriapossível com o Ministério Público, titular da acusação, atento e diligente. Nuncaseria possível sob a legislação aprimorada, sem prejuízo das garantias de ampladefesa, como tem acontecido no freqüentemente citado exemplo italiano. Tam-bém não seria possível, é evidente, se os muitos juizes que passaram pelo casotivessem tido vontade de trabalhar.

O Brasil precisa recompor as deficiências de sua economia em crise. Amagistratura deve participar desse esforço. Todavia, o brasileiro não pode suporque a lentidão do Judiciário impede a recuperação. O exame atento mostrará ainjustiça de lançar todas as culpas sobre as costas dos magistrados. Inocentes, detodo, eles não são. Mas a culpa - se é o caso de nos preocuparmos com culpas em

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pleno centro da tempestade - melhor será dividi-la com os dois outros poderes,detonadores da confusão em que temos vivido e, portanto, sem autoridade moralpara criticarem os homens (e mulheres) da toga.

Lidos os exemplos elucidativos, mais fácil é perceber as principais diferen-ças entre coesão e coerência, conforme vêm ministrando os bons autores:

a. Quanto ao planocoesão: plano gramatical e nível frasal.coerência: plano cognitivo: inteligibilidade do texto.

b. Quanto à relaçãocoesão: relação sintática entre os termos do enunciado.coerência: relação de conteúdo entre palavras e frases.

c. Quanto à localizaçãocoesão: encontra-se na superfície do texto: conexão seqüencial.coerência: localiza-se na subjacência do texto: conexão conceituai.

d. Quanto à abrangênciacoesão: relaciona-se com a microestrutura.coerência: relaciona-se com a macroestrutura.

e. Quanto aos componentescoesão: trabalha com os componentes do texto; está na adjacência dostermos.coerência: trabalha com o global; está no conteúdo do texto.

Conclui-se, assim, que importante se faz para a unidade textual a seleçãodas palavras que devem ter competência semântica para corresponder às expec-tativas funcionais da idéia que se pretende transmitir. Interessante se faz, também,assinalar que não apenas as chamadas palavras de transição asseguram a coesãotextual; as mais diferentes classes gramaticais oferecem elementos para a coesãotextual, consoante as relações ideológicas que se quer buscar, contribuindo, pois,para a sintonia das idéias, ou seja, a coerência textual.

Neste passo, oportuno é repassar os exemplos colhidos pelo respeitávelProf. Hermínio Sargetim na obra Dissertação, v. 2., Ibep, destinada para o 2- grau,mas de grande valia para o ensino superior e, mais, para o bacharel em seu de-sempenho profissional.

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1. Relação de causalidade

Substantivos

Verbos

Locuçõesprepositivas

Conjunções

CAUSA

causa, motivo, razão, explicação, pretexto, base,fundamento, gênese, origem, o porquê etc.

causar, gerar, acarretar, originar, provocar, motivar,permitir etc.

em virtude de, em razão de, por causa de, em vista de,por motivo de etc.

porque, pois, por isso que, já que, visto que, uma vezque, porquanto, como etc.

2. Relação de conseqüência

Substantivos

Verbos

Locuçõesprepositivas econjunções

CONSEQÜÊNCIA

efeito, produto, decorrência, fruto, reflexo, desfecho,desenlace etc.

derivar, vir de, resultar, ser resultado de, ter origemem, decorrer, provir etc.

pois, por isso, por conseqüência, portanto, porconseguinte, conseqüentemente, logo, então, porcausa disso, em virtude disso, devido a isso, em vistadisso, visto isso, à conta disso, como resultado, emconclusão, em suma, em resumo, enfim etc.

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3. Relação de oposição

Substantivos

Adjetivos

Verbos

Locuções epreposições

Conjunçõesadversativas

Conjunçõesconcessivas

PALAVRAS QUE TRANSMITEM OPOSIÇÃO

contraste, objeção, antagonismo, reação, resistência,rejeição, oposição, impedimento, empecilho,animosidade, contrariedade, obstáculo etc.

contrário, oposto, antagônico etc.

objetar, impedir, contrariar, defrontar-se, ir deencontro a,* embargar, obstar, contrastar etc.

apesar de, a despeito de, não obstante, pelo contrário,malgrado, em contraste com, contra etc.

mas, porém, contudo, todavia, entretanto, no entanto,senão etc.

embora, apesar de que, se bem que, ainda que, postoque, conquanto que, em que pese, muito embora,mesmo que, enquanto, ao passo que etc.

* Ir ao encontro de = aproximação; ir de encontro a = oposição.

Por derradeiro, cumpre dizer que a coerência, tanto quanto a coesão, éobtida quando o emissor, ao formular os enunciados do texto, tem claramentedefinida a finalidade da mensagem, estabelecendo, assim, relações sintáticas esemânticas compatíveis entre si e com o todo, obtendo, desta sorte, a imperativaunidade textual.

Embora coesão não seja o mesmo que coerência, os elos coesivos militampara o processo articulatório do texto, e o conjunto de unidades sistematizadasnuma adequada relação semântica configura a coerência.

4.5 PRINCIPAIS ELEMENTOS DE COESÃO NO DISCURSOJURÍDICO

Perlustrando os bons autores jurídicos, encontram-se amiúde presentesalguns elementos de coesão, assecuratórios da unidade textual e conseqüentecoerência:

Vejamos alguns deles em diversas áreas semânticas:

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realceinclusãoadiçãoalém dissoaindademaisademaistambémvale lembrarpoisoutrossimagorade modo geralpor iguais razõesem rápidas pinceladasinclusiveatéé certoé porqueé inegávelem outras palavrassobremaisalém desse fator

negaçãooposição

emboranão obstante issoinobstante issode outra faceentretantono entantoao contrário dissoqual nadapor outro ladopor outro enfoquediferente dissode outro ladode outra partecontudode outro ladodiversamente disso

afetoafirmaçãoigualdadefelizmenteinfelizmenteainda bemobviamenteem verdaderealmenteem realidadede igual formado mesmo modo queda mesma sortede igual formano mesmo sentidosemelhantementebom éinteressante se faz

exclusão

sósomentesequerexcetosenãoapenasexcluindotão-somente

Nota: comum éencontrar o neologismode valor discutível"apenasmente"

enumeraçãodistribuiçãocontinuação

í planoem primeiro < lugar

[ momentoa princípioem seguidadepois (depois de)finalmenteem linhas geraisneste passo (neste)neste lanço (nesse)no geralaquineste momentodesde logoem epítomede restoem análise últimano caso em telapor sua veza par dissooutrossimnessa esteiraentrementesnessa veredapor seu turnono caso presenteantes de tudo

retificaçãoexplicação

isto épor exemploa saberde fatoem verdadealiásou antesou melhormelhor aindacomo se notacomo se viucomo se observacom efeitocomo vimosdaí por queao propósitopor issoa nosso verde feitocomo vimos de verportantoé óbvio, pois

fechoconclusão

destartedessarteem sumaem rematepor conseguinteem análise últimaconcluindoem derradeiropor fimpor conseguintefinalmentepor tais razõesdo expostopelo expostopor tudo issoem razão dissoem sínteseenfimposto isto (isso)assimconseqüentemente

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Também, expressões de transição desempenham papel assaz importanteno discurso jurídico. Exemplificando:

1. É de verificar-se... 15. Bom é dizer que...

2. Não se pode olvidar... 16. Cumpre-nos assinalar que...

3. Não há olvidar-se... 17. Oportuno se torna dizer...4. Como se há verificar... 18 M i s t e r se f a z resSaltar...5. Como se pode notar... 19 N e s t e s e n t i d o deve-se dizer

6. É de ser relevado... que...

7. É bem verdade que... 20. Tenha-se presente que...

8. Não há falar-se... 21. Inadequado seria esquecer,

9. Vale ratificar (cumpre)... também...

10. Indubitável é... 22. Assinale, ainda, que...

11. Não se pode perder de vista... 23. É preciso insistir também no12. Convém ressaltar... fato de que...13. Posta assim a questão, é de se 24. Não é mansa e pacífica a

dizer... questão, conforme se verá...

14. Registre-se, ainda... 25. É de opinião unívoca...

O culto tributarista, Eduardo Marcial Ferreira Jardim, em suas Reflexõessobre a arquitetura do direito tributário, São Paulo : CEJUP, 1991, elenca um grandenúmero de frases de transição, algumas de raro emprego, mas todas de grandevigor estilístico. A título ilustrativo, destacam-se:

1. Cumpre observar, preliminarmente, que...2. Como se depreende...3. Convém notar, outrossim, que...

4. Verdade seja, esta é...5. Em virtude dessas considerações...6. Empós as noções preliminares em breve trecho, podemos...7. Cumpre examinarmos, neste passo...8. Consoante noção cediça...9. Não quer isto dizer, entretanto, que...10. Ao ensejo da conclusão deste item...11. Impende observar que...12. É sobremodo importante assinalar que...13. À guisa de exemplo podemos citar...14. À mais das vezes, convém assinalar...15. No dizer sempre expressivo de...

16. Em consonância com o acatado...

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17. A nosso pensar...18. Roborando o assunto...19. Cumpre obtemperar, todavia...20. Em assonância com a lição sempre precisa de...21. Cai a lanço notar que...22. Convém ponderar, ao demais que...

Ilustrando a presença das palavras de transição, contemple-se a feliz lin-guagem do douto juiz da 18a Vara da Justiça Federal, Dr. José Antônio de AndradeMartins, em decisão de Mandado de Segurança, acolhendo pedido do impetranteJoão de Oliveira Martins Alves, da cidade de São José do Rio Preto:

"Primeiro que tudo, noto a importância de um prévio descarte: não secuida do problema ontológico, em que o desvelamento preciso dos gêneros e dasespécies possa conduzir à solução. Como o que se busca evidenciar é tão-somen-te o regime jurídico que o ordenamento vigente tenha atribuído à exação ques-tionada, impõe-se a desconsideração de todo e qualquer conceito, definição, ouclassificação - sejam doutrinárias, ou até normativas, como as dos artigos 3e, 4a e5a do Código Tributário Nacional - sempre que assumidas em sentido comprome-tido com pretensões ontológicas.

Num segundo lanço, realçando que o prisma normativo que no caso cabeusar não importa em normativismo, releva não ladear a índole finalista da exaçãoem exame, pois tergiversar a respeito dos fins que nortearam a instituição dogravame a partir de premissa que, fundada no já referido artigo 4a do CTN neguequalquer relevância à destinação legal do produto de sua arrecadação, implicariaresvalar em raciocínio circular ou petição de princípio, ao colocar-se 'ex ante' sobregime de tributo àquilo que iria procurar evidenciar como tributo tão-só na con-clusão de um silogismo."

Por último, demonstre-se o emprego de palavras ou expressões de coesãona magistral obra Curso de direito civil, v. I, de Washington de Barros Monteiro,São Paulo : Saraiva, 1991, com nossos grifos:

1. "Saliente-se ainda que o direito natural, a exemplo do que sucede comas normas morais, já tende a converter-se em decreto positivo, oumodificar o direito preexistente." (p. 8)

2. "Impossível, pois, olvidar o papel que à Jurisprudência está reservadona formação do direito." (p. 22)

3. "Frise-se mais, como remate, a diferenciação conceituai entre ab-rogação e derrogação. A primeira é revogação integral, ao passo que asegunda é revogação parcial." (p. 29)

4. "De fato, fraude de execução é incidente do processo, regulado pelodireito público; fraude contra credores é defeito dos atos jurídicos,disciplinado pelo direito privado." (p. 223)

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5. "Já mostramos anteriormente a analogia existente entre vício redibitórioe erro; só o primeiro prescreve em quinze dias, pois, quanto ao segun-do, a prescrição ocorre no prazo do § 9°, n2 V, letra b". (p. 308)

4.6 EXERCÍCIOS

1. Leia o texto a seguir e verifique o processo de coesão. Justifique o recursoempregado como meio expressivo para realçar a estrutura de profundidade:

"A lei de Caim é a lei do fratricídio. A lei do fratricídio é a lei da guerra, é a leida força. A lei da força é a lei da insídia, a lei da pilhagem, a lei da bestialidade. Leique nega a noção de todas as leis, leis de inconsciência, que autoriza a perfídia, con-sagra a brutalidade, eterniza o ódio. premia o roubo, coroa a matança, organiza adevastação, semeia a barbaria, assenta o direito, a sociedade, o Estado no princípioda opressão, na onipotência do mal."

(Rui Barbosa)

2. Atividades extracurriculares - sugestões:2.a. Os alunos, individualmente ou em grupo, selecionam textos (em prosa

ou em verso) e realizam paráfrase estrutural com assunto de interesse domundo jurídico. Como variações, podem ser trabalhadas a estilização ea paródia.

2.b. Selecionar três autores de áreas diferentes do Direito e apontar em cadaum deles seis enunciados, indicando elos de coesão e suas significações.

2.c. Redação de conteúdo jurídico: unidade estabelecida pela relação ideoló-gica.

2.d. Os grupos elaboram listas de palavras de coesão e de expressões de tran-sição. Os relatores entregam uma cópia ao professor e outra aos relatoresdos demais grupos. Com isso, a classe pode organizar uma listagem paraque as contribuições sejam sistematizadas.

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Parte V

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O PARÁGRAFO E A

REDAÇÃO JURÍDICA

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A REDAÇÃO

5.1 CONCEITOS E QUALIDADES

Redigir é comunicar idéias sobre determinado assunto, expressando oponto de vista do emissor. É um sistema semiótico composto por vocábulos quese estruturam por meio de frases enfileiradas umas às outras, em combinaçõessemântico-sintáticas com organização interna coerente, compondo um todo estru-tural denominado parágrafo, ou seja, a unidade de compreensão textual dotadade uma idéia central à qual se juntam idéias secundárias, em torno de uma men-sagem.

Não há extensão rígida para um bom parágrafo: tanto pode ser compostoem poucas linhas, como em toda uma página, ou até em muitas laudas, depen-dendo da natureza e da complexidade do assunto, do gênero da composição e doestilo do autor, lembrando-se de que a prolixidade é sempre indicação de ausên-cia de um plano redacional bem planejado.

Quanto às espécies redacionais, três são os tipos: descrição, narração edissertação.

O parágrafo descritivo é uma seqüência de impressões sensoriais, indicandoos pormenores caracterizadores do objeto percebido pelos sentidos, ou das signi-ficações que este desperta ao observador.

O parágrafo narrativo tem como centro de interesse um fato real ou fictí-cio: conta-se alguma coisa, ocorrida (ou imaginada) em um determinado tempoe espaço.

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O parágrafo dissertativo consiste na emissão de um juízo: predomina aabstração do pensamento; o posicionamento do autor diante de um assunto, cha-mado de postura temática.

Bom é de lembrar que esta tricotomia é didática, porque, na prática, asespécies se mesclam: há descrição narrativa; e uma dissertação pode descreversituações; enfim, os tipos redacionais podem estar presentes em um mesmo pará-grafo, salvo no caso de descrição técnica.

Qualquer que seja a forma discursiva, três são as qualidades essenciais aoparágrafo: unidade, coerência, ênfase.

5.1.1 Unidade

A unidade é conseqüência da noção de conjunto que caracteriza o pará-grafo. Impende haver uma só e mesma linha de raciocínio que enfeixe as idéiasem torno de um núcleo ou tópico frasal, com um único objetivo a atingir, um fimpara o qual concorram todas as frases, distribuídas nos parágrafos gráficos quecompõem o texto ou parágrafo redacional.

Veja-se um pequeno fragmento do Capítulo 2-0 Direito como valor - dolivro Introdução ao estudo do direito, de A. Machado Paupério (1990:45):

"É um truísmo afirmar-se que o homem é um animal social. E que à socie-dade muito deve quanto à sua formação física, psicológica e moral.

O convívio social é fator importantíssimo de evolução das próprias idéiashumanas. Sem ele, o homem estaria privado do exemplo, da educação, do con-forto material e de todos os bens, em geral, que só se conseguem pelo esforçocooperativo de todos os membros da comunidade.

A essência de qualquer sociedade é a reunião moral dos homens ordena-da ao Bem Comum.

Para a consecução desse Bem Comum, é preciso que os interesses priva-dos se subordinem aos interesses supremos da comunidade. Daí temos a justiçasocial, conjunto de direitos e deveres característicos ao Bem Comum.

Para a consecução desse Bem Comum, há de imperar na sociedade o Di-reito, conjunto de condições existenciais dela própria."

Atente-se para o fato de todas as frases e parágrafos gravitarem em tornode uma idéia central, ou seja, o sentido axiológico do Direito enquanto conse-qüência da vida em sociedade. Todas as idéias cumpriram seu papel: desenvolvera idéia-núcleo, aumentando-lhe a compreensão.

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5.1.2 Coerência

Já se falou da coesão e coerência; sabe-se, portanto, que todas as frasescomponentes do parágrafo redacional apresentam-se interdependentes, quer pelaordem hierárquica, quer pela conexão das idéias ou, então, pelas palavras ou ex-pressões de transição dos parágrafos (elementos de coesão).

Ocorre um encadeamento de parágrafos de sorte a coordenar as idéias,assegurando a continuidade de sentido.

Veja-se o formidável exemplo a seguir na belíssima composição do árcadeTomás Antônio Gonzaga, notável inconfidente poeta em sua

MARÍLIA DE DIRCEU

Parte I

Eu, Marília, não sou algum vaqueiro,que viva de guardar alheio gado;de tosco trato, de expressão grosseiro,dos frios gelos e dos sóis queimado.Tenho próprio casal e nele assisto;dá-me vinho, legume, fruta, azeite;das brancas ovelhinhas tiro o leite,e mais as finas lãs, de que me visto.Graças, Marília bela,graças à minha estrela!

Eu vi o meu semblante numa fonte:dos anos inda não está cortado;os pastores, que habitam este monte,respeitam o poder do meu cajado.Com tal destreza toco a sanfoninha,que inveja até me tem o próprio Alceste:ao som dela concerto a voz celestenem canto letra, que não seja minha.Graças, Marília bela,graças à minha estrela!

Mas tendo tantos dotes da ventura,só apreço lhes dou, gentil pastora,depois que o teu afeto me seguraque queres do que tenho ser senhora.É bom, minha Marília, é bom ser donode um rebanho, que cubra monte e prado;porém, gentil pastora, o teu agradovale mais que um rebanho e mais que um trono.

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Graças, Marília bela,graças à minha estrela!

Os teus olhos espalham luz divina,a quem a luz do sol em vão se atreve;papoila ou rosa delicada e finate cobre as faces, que são cor da neve.Os teus cabelos são uns fios d'ouro;teu lindo corpo bálsamo vapora.Ah! não, não fez o Céu, gentil pastora,para glória de amor igual tesouro!Graças, Marília belagraças à minha estrela!

Leve-me a sementeira muito emborao rio, sobre os campos levantado;acabe, acabe a peste matadora,sem deixar uma rês, o nédio gado.Já destes bens, Marília, não precisonem me cega a paixão, que o mundo arrasta;para viver feliz, Marília, bastaque os olhos movas, e me dês um riso.Graças, Marília bela,graças à minha estrela!

Irás a divertir-te na floresta,sustentada, Marília, no meu braço;aqui descansarei a quente sesta,dormindo um leve sono em teu regaço;enquanto a luta jogam os pastores,e emparelhados correm nas campinas,toucarei teus cabelos de boninas,nos troncos gravarei os teus louvores.Graças, Marília bela,graças à minha estrela!

Depois que nos ferir a mão da morte,ou seja neste monte, ou noutra serra,nossos corpos terão, terão a sortede consumir os dous a mesma terra.Na campa, rodeada de ciprestes,lerão estas palavras os pastores:"Quem quiser ser feliz nos seus amores,siga os exemplos, que nos deram estes.Graças, Marília bela,graças à minha estrela!

Considerando-se que o texto resulta do entrelaçamento de parágrafos,importa haja coesão entre eles para se lhe assegurar (ao texto) a tessitura lógica.

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O engastamento das idéias principais de cada parágrafo é que estabelece a arti-culação do texto.

O exemplo do poeta e jurista Tomás Antônio Gonzaga é um modelo de textocoeso. Há, do intróito à peroração, perfeita unidade; o assunto é sempre o mes-mo; costura-o uma só e mesma linha que não se rompe em nenhum instante.

Todas as estâncias do poema perseguem um único objetivo, têm a mesmapretensão: conquistar o amor de Marília. Este é o núcleo em torno do qual gravitamas estrofes. A poesia é, assim, um modelo de argumentação bem ordenada e coe-sa que reflete a formação jurídica do autor.

O poeta - nessa época quarentão - aspira ao amor de uma menina-moça;para tanto, tece vários argumentos:

Ia estrofe - exaltação de seu poder material: é homem de posses, tem pro-priedades, frisando, em primeiro lugar, que ele tem residência fixa econhecida. Trabalha por conta própria, não é assalariado; enfim, nãoé sem-terra nem sem-teto.

2a estrofe - exaltação de tributos pessoais: à boa aparência, somam-se for-ça física, habilidade física e qualidades intelectuais.Nas duas primeiras estrofes, o poeta apresenta um retrato de si mes-mo. O texto remete-nos aos chamados argumentos éticos, do gregoethos, em que o destinador (no caso, o poeta) joga com sua imagempara persuadir o destinatário (no caso, Marília).

3- estrofe - é uma estância de transição, pois, a seguir, parte para outroargumento extremamente sensível à vaidade feminina.

4a estrofe - galanteios a Marília: homem experimentado na ars amandi,apela o poeta para a vaidade da menina de quinze anos e tece loas àbeleza da namorada; procura, assim, compensar a disparidade crono-lógica entre os dois.

5- estrofe - continua a argumentação da estrofe anterior. Até o momento,o poeta procura induzir Marília a, com ele, convolar núpcias. É a faseda manipulação em que se lançam mãos de alguns expedientes paraprovocar uma tomada de decisão; no caso, o expediente é a sedução.

6a e 7a estrofes - o poeta mostra a recompensa em vida e além-túmulo. Asanção será positiva.

5.1.3 Ênfase

É indispensável dar ênfase à idéia-núcleo, quer pela posição dos termosnas orações e das frases no texto, quer pela expressividade dada ao pensamento-chave, ou seja, a proposta temática.

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Alguns auxiliares da ênfase merecem destaque:

a. A técnica de intercalar aos parágrafos curtos os de média extensão. •Dispõem-se assim, v. g., duas alentadas obras: Filosofia do direito(Miguel Reale) e Curso de direito processual penal. (MagalhãesNoronha)

b. A voz ativa, porque realça a ação do agente, conforme já se comen-tou.

c. As repetições intencionais, como se vê na diácope ilustrativa: "Justiça,somente Justiça, é o que se pede aos senhores". (Leia-se mais atenta-mente a Parte VII - "Estilística jurídica".)

d. O aspecto verbal para marcar o momento do processo verbal, v. g.: "Aviolência do réu acabou por ofender a integridade física da vítima." Não jé à toa que José de Alencar abre o capítulo "A Prece" de O guarani com |as palavras "A tarde ia morrendo". A locução verbal de gerúndio indi-ca o lento cair da noite e o verbo auxiliar ir no imperfeito (forma doinfectum) acentua o processo do pôr-do-sol.

e. A pontuação: funciona como condutor do pensamento do autor e marcode expressividade das idéias. Há uma linguagem literária e uma lin-guagem corrente; da mesma forma há uma pontuação literária e umapontuação corrente. A pontuação de um escritor dotado de personali-dade marcante será também pessoal.

Além dessas qualidades básicas, não há olvidar-se a necessidade da clare-za e da concisão; a primeira prende-se, principalmente, à seleção de vocabulárioagradável, concorrendo para a agradável leitura do parágrafo; a concisão, por suavez, facilita o ato de ler, inibindo o cansaço dos textos longos.

Leia-se o precioso exemplo abaixo:

A ESPADA

"A inteligência, o direito, a religião, são os três poderes legítimos do mun-do. Eles representam, cada um de per si, o eu humano, a sociedade humana, odestino humano e, associados, as três expressões da humanidade: a sua evolução,a sua existência na superfície da terra, o misterioso fim de seu desenvolvimento.Diante deles a força, nas eras não bárbaras, se reduz a uma entidade subalterna,cuja intervenção não valerá nunca senão pelos serviços de que a sua obediênciafor capaz. Para a constituinte numa organização geral, a civilização adotou, comosímbolo, a espada coeva das primeiras idades históricas, outrora senhora dos po-vos escravizados, mas hoje, nas mãos dos povos livres, criaturas das suas leis,dependência da sua administração, instrumento de seus governos.

Fora daí a espada não é a ordem, mas a opressão, não é a tranqüilidade,mas o terror, não é a disciplina, mas a anarquia, não é a moralidade, mas a cor-rupção, não é a economia, mas a bancarrota, não é a ciência, mas a inépcia, não

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é a defesa nacional, mas a ruína militar, a invasão e o desmembramento. Isto é, enão poderia deixar de ser, porquanto, com o domínio da espada, se estabelecenecessariamente o governo da irresponsabilidade, o jubileu dos estados de sítio,a extinção da ordem jurídica, a subalternização da justiça à força."

(Rui Barbosa)

Nota: o exemplo extraído da obra A arte de escrever (1961:69), de SilveiraBueno, atualizou a acentuação das palavras, consoante as normashoje vigentes.

Verifica-se no eloqüente fragmento do fecundo representante dos clássi-cos que o período longo ou, mesmo, quilométrico, próprio da época, não compro-meteu a concisão da idéia nuclear: a inteligência, o direito e a religião são os trêspoderes legítimos do mundo. A precisão vocabular, verifica-se, ajusta as idéias aotópico central. A propriedade semântica contribui, assim, para que o eminentejurista teça um quadro expressivo com apenas dois parágrafos descritivo-disser-tativos, apresentando os argumentos necessários para o perfeito desenvolvimen-to do tema por ele perseguido. Além disso, veja-se no texto a unidade, a coerên-cia e a ênfase, manipulados com esmero pelo grande cultor da língua portu-guesa.

5.2 ESTRUTURA DO PARÁGRAFO

Como todo e qualquer texto, o parágrafo há de conter introdução, desen-volvimento e conclusão, como se pode verificar no exemplo de Gusmão (1965:270):

"Identificou Hegel o pensamento com o 'ser'. (01) Daí ver o real como ra-cional. Aproximando-se de Heráclito, reconheceu que a idéia e o pensamento es-tão em devenir. Como a realidade é a objetivação da idéia, encontra-se, também,em devenir que, em Hegel, se caracteriza pelo processo dialético entre idéias con-trárias. A idéia (tese) segue-se sua antítese; da luta entre tese e antítese, surge asíntese, que é sempre mais real e completa, passando, por sua vez, a ser nova tesecontra a qual se erguerá outra antítese, e assim até ser atingida a idéia absoluta.(02)

Portanto, em Hegel, negação tem valor construtivo." (03)

O assunto é introduzido em (01); no desenvolvimento (02) justifica-se aafirmação inicial; a conclusão (03 - Portanto...) está intimamente relacionada comas partes anteriores.

O planejamento obedece aos requisitos essenciais na composição reda-cional: o quê? (delimitação do tema) e para quê? (fixação do objetivo).

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5.2.1 Tópico frasal

É o exórdio ou introdução do tema. Cumprem-lhe as funções de delimitaro tema e fixar os objetivos da redação, e não se deve redigi-lo com mais duas frases.

Encerrando a idéia-central, o tópico frasal deve ser mais genérico do queo desenvolvimento, e não pode conter idéias conclusivas. Lembre-se, no entanto,que no texto narrativo é freqüente a diluição da idéia-chave no desenvolvimentodo parágrafo, podendo, até, surgir no final do texto. Todavia, o cuidado de enun-ciar de pronto a idéia-núcleo garante a unidade do parágrafo, sua coerência, faci-litando a tarefa de realçar o tema.

Veja-se o exemplo a seguir:

"Não há cidadania sem efetivo acesso à Justiça. Não há acesso à Justiça seesta apenas atende à parcela da população que consegue desfrutar os recursos maldistribuídos da sociedade de consumo. Não há acesso à Justiça se grande parteda população não detém os meios concretos para exercê-lo, e socorre-se de me-canismos primitivos de justiça privada, em que a violência converte-se no cenáriodo cotidiano. Não há acesso à Justiça quando o Estado se revela impotente pararesponder às demandas reais da sociedade, inclusive através de seu poder compe-tente: o Judiciário."

(José Roberto Batochio, Folha de S. Paulo, 20-5-93)

O tópico contém a idéia-chave, apresentada de forma genérica; a seguir,especifica-se pela repetição da mesma frase "não há acesso à Justiça", por trêsvezes.

Conforme ministra Othon Garcia, diferentes são as técnicas de iniciar oparágrafo, podendo o tópico frasal conter uma declaração inicial (afirma ou nega,genericamente, alguma coisa); uma definição (diz o que é alguma coisa); umadivisão (discrimina as idéias a serem desenvolvidas sobre alguma coisa), além deoutros recursos, dentre eles, a alusão histórica e a interrogação.

No poema de Tomás Antônio Gonzaga, anteriormente citado, os versos deabertura - "Eu, Marília, não sou algum vaqueiro, que viva de guardar alheio gado"- é uma alusão à mitologia greco-romana que conta o fato de ter sido o deus Martepunido por Júpiter, obrigado a exercer a humilhante tarefa de guardar alheio gado.Dirceu - Tomás A. Gonzaga - aludindo à situação mítica mostra-se mais privile-giado que o deus da guerra.

5.2.2 Desenvolvimento

Desenvolver o parágrafo nada mais é do que a explanação da idéia princi-pal; o agregamento de idéias secundárias para melhor enunciar o objetivo reda-cional. É o corpo do texto que dá a conhecer o assunto e o tema ao receptor.

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Consoante o objetivo do emissor e o gênero redacional, diferentes são asformas de desenvolver a idéia-chave, destacando, entre elas, as seguintes:

a. Explanação da declaração inicial

Esta é, por certo, a forma mais usual, mais encontradiça de desenvolvimen-to do parágrafo. Cuida-se do mero desdobramento significativo do tópico frasal[afirmativo ou negativo). Tais explicações ou desenvolvimento formam uma soma-tória dè idéias secundárias que gravitam em torno da proposição inicial e a corro-boram.

Amostra:

"O direito é realidade universal. Onde quer que exista o homem, aí exis-te o direito como expressão de vida e de convivência. É exatamente por ser o di-reito fenômeno universal que é ele suscetível de indagação filosófica. A Filosofianão pode cuidar senão daquilo que tenha sentido de universalidade. Esta a razãopela qual se faz Filosofia da vida, Filosofia do direito, Filosofia da história ou Fi-losofia da arte. Falar em vida humana é falar também em direito, daí se eviden-ciando os títulos existenciais de uma Filosofia jurídica. Na Filosofia do Direito deverefletir-se, pois, a mesma necessidade de especulação do problema jurídico em suasraízes, independentemente de preocupações imediatas de ordem prática."

(Reale, 1965:9)

b. Contraste

A técnica utilizada para desenvolver o parágrafo é mostrar diferenças, fir-mar oposições e, assim, demonstrar o posicionamento do emissor diante de im-pressões sensoriais, desenrolar de um fato ou emissão de um juízo.

Conforme ministram Maria Margarida de Andrade e Antônio Henriques emRedação prática (1992:75), o contraste pode evidenciar-se de modo explícito ouimplícito.

Exemplo de contraste implícito:

"O valor é sempre bipolar. A bipolaridade possível no mundo dos objetosideais, só é essencial nos valores, e isto bastaria para não serem confundidos comaqueles. Um triângulo, uma circunferência são; e a esta maneira de ser nada secontrapõe. Da esfera dos valores, ao contrário, é inseparável a bipolaridade, por-que a um valor se contrapõe um desvalor; ao bom se contrapõe o mau; ao belo, ofeio; ao nobre, o vil; e o sentido de um exige o do outro. Valores positivos e nega-tivos se conflitam e se implicam em um processo."

(Reale, 1965:169)

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c. Enumeração

Outra forma de ordenação do desenvolvimento é a indicação de fatores efunções de algum objeto (idéia-núcleo), podendo, ainda, classificá-lo e dividi-lo,indicar a evolução temporal, as variações de suas características, podendo agru-par os elementos por semelhanças e diferenças. Os dois pontos desempenhampapel preponderante nesta forma de desenvolvimento porque sua função princi-pal é indicar a enumeração ou explicação.

Amostra:

"Contra a realidade do movimento, Zenão apresenta quatro argumentos.O primeiro demonstra a impossibilidade de um corpo se mover de um ponto paraoutro, pois deveria percorrer antes a metade da distância e antes a metade dessae assim até o infinito, o que é impossível num tempo finito. O segundo é umavariação do mesmo princípio: Aquiles, na corrida, nunca alcançará a tartaruga,pois primeiro deveria alcançar o ponto de onde se moveu, mas antes teria queatravessar a metade da distância de onde está, e assim até o infinito. O terceirodemonstra que a flecha em movimento aparente é imóvel, pois nunca sai do pon-to inicial. E o quarto que um mesmo ponto, cujo movimento é medido uma vezcom referência a um corpo em repouso e outra vez com referência a um corpoque se move em sentido contrário ao primeiro com igual velocidade, percorre nosegundo caso a mesma distância na metade do tempo que no primeiro caso. Don-de se conclui que a metade do tempo eqüivale ao inteiro, o que é obviamente ab-surdo."

(Giles, 1979:40)

d. Exemplificação

Para muitos, não é propriamente uma forma de ordenação das idéias, masrecurso utilizado para esclarecer ou reforçar uma afirmação.

Neste passo, assume ela feição didática e, para tanto, serve-se de expres-sões como: por exemplo (p. ex.), verbi gratia (v. g.), exempli gratia (e. g.), ou me-lhor, assim, entre outras.

Em demais construções, o exemplo apresenta feição literária, ou seja, aintenção é realçar a idéia por meio de idéias esclarecedoras, muitas vezes eluci-dativas do processo metafórico utilizado pelo autor, em função metalingüística(funciona como verbete).

Dada a natureza do presente estudo, dar-se-á amostra do tipo didático:

"De modo muito amplo, pode-se entender por 'governo' o Estado em ação,isto é, a ação do Estado. É o Estado funcionando. Não se confunde com as pesso-as, que, historicamente, o exercem, pois elas passam ou são destituídas da potes-tade governativa, enquanto permanece o governo, sempre em ação, seja qual fora forma que revista. Por isso, 'governo', no sentido próprio, não deve ser confun-

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dido com o seu sentido estrito, isto é, entendido como o conjunto de pessoas queagem pelo Estado, ou melhor, com os que o governam. O conjunto de meios, es-creve ORLANDO, pelos quais a soberania se traduz em atos, eis como se deveentender governo. Tal concretização de soberania exige um conjunto de institui-ções, depositárias da potestade governativa (instituições governativas), destina-das a exercer e a tornar possível o governo do Estado. Têm essas instituições, comotoda instituição jurídica, estabilidade e durabilidade. Não são temporárias e nemprovisórias, mas permanentes. Devido a permanência e a estabilidade que desfru-tam, as pessoas, que por elas agem, passam, enquanto elas, ficam. Governo seminstituições governativas é impossível no Estado moderno. Governo pessoal, nemnas ditaduras modernas há."

(Gusmão, 1965:211)

e. Causa-conseqüência

A relação causa-conseqüência é, por excelência, o encadeamento lógico doraciocínio. A causa é o motivo, a razão, o porquê dos atos humanos. Em relação àconduta, a conseqüência é o efeito, o resultado.

Importante se faz a camada vocabular (conectivos, substantivos e verbos)para explicitar a relação causa-conseqüência, como se viu na Parte IV

Também, a correlação motivo-efeito, razão-resultado, causa-efeito, podeser obtida pela estrutura interna do texto, nos valores semânticos obtidos comidéias que estabelecem a relação.

Leia-se, atentamente, o fragmento abaixo e verifique-se o efeito das chu-vas e do inverno na vida do homem campesino:

"Vieram as chuvas. A princípio grossas e fortes, como chuva de verão edepois finas e incessantes. Era o inverno que apertava o trabalho e os sofrimen-tos. A água do céu não é um convite para o trabalho. É uma ordem. Por isso a la-buta era grande. Ao tempo do sol, pode-se ficar por aí enganando a própria fome.À aproximação das chuvas, e com elas, abre-se, porém, a terra e planta-se. Masagüenta-se a luta contra o mato bravo, na disputa do terreno conquistado."

(Duarte, 1936:59)

Veja-se esta outra cena invernal, com a presença do conector causai "por-que":

"Porque o sol da tarde, indo embora, fazia subir das matas, da águaquieta do lato, do céu que baixava, cinzento, um friozinho ácido e cortante, fe-chei as janelas, desci as cortinas e, afinal, ajoelhei-me diante da lareira, descobrique havia uns restos de gravetos no cesto de lenha, um montão de jornais e, noquintal, lá fora, umas raízes desentocadas na reforma do jardim."

(Lessa, 1963:155)

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Nota: não perca de vista o leitor a relação de contraste oferecida pelacomparação do inverno no campo com o inverno citadino.

f. Resposta à interrogação

Uma pergunta inicial é o recurso, para um desenvolvimento que tem porobjetivo desdobrar o parágrafo. Sirva o exemplo:

"Ora, diante destas premissas, que devemos entender por interpretação?Dissemos que a fala se refere ao uso atual da língua. Falar é dar a entender algu-ma coisa a alguém mediante símbolos lingüísticos. A fala, portanto, é um fenô-meno comunicativo. Exige um emissor, um receptor e a troca de mensagens. Atéo discurso solitário e monológico pressupõe o auditório universal e presumido detodos e qualquer um, ao qual nos dirigimos, por exemplo, quando escrevemos umtexto ou quando articulamos, em silêncio, um discurso, ao pensar. Sem o recep-tor, portanto, não há fala. Além disso, exige-se que o receptor entenda a mensa-gem, isto é, seja capaz de repeti-la."

(Ferraz Jr. 1991:235)

g. Tempo e espaço

As idéias não estão soltas no tempo e no espaço, mas são datadas e situa-das. Não só no gênero narrativo, mas também na descrição e na dissertação, osindicadores de tempo e espaço oferecem referenciais para a compreensão da men-sagem.

É possível escrever usando isoladamente um ou outro critério.

O exemplo que se apresenta abaixo foi colhido do excelente trabalho deMagda Soares e Edson Campos (1992:92), demonstrando a ordenação de idéiaspelo critério temporal.

"O livro foi sempre considerado o baluarte em que poderiam confiar ospessimistas da cultura de massa no momento em que tivessem de salvar do in-cêndio a cultura autêntica. Todavia, agora, e cada vez mais, esses pessimistas têmrazões de sobra para se desesperar. O livro, ao qual tinham acesso apenas as mi-norias privilegiadas, passa a figurar no cardápio da classe média e do proletaria-do. Os últimos anos marcaram o aparecimento em grande estilo dos livros de bolso,ostensivamente concorrendo com jornais e revistas nas bancas e na disputa dashoras de ócio dos leitores. As edições de livros de bolso se multiplicaram. O livro,antes privilégio da gente de espírito e sensibilidade, de repente é elevado à cate-goria de produto de consumo para a massa, tratado no mesmo nível do sabão decoco e do sabonete. O livro penetra na drugstore e a cultura é equiparada a umcomprimido que se compra para dor de cabeça. A cultura veiculada pelo livroadquire então o aspecto vulgar que faz a ira dos inimigos da cultura de massa: ode tratar com simplicidade coisas por natureza complicadas."

(Charles R. Wright. Comunicação de massa - parágrafo modificado.)

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5.2.3 Conclusão

A conclusão é o fecho redacional. Uma boa redação termina de forma in-cisiva, dando ao leitor a sensação .de ter sido esgotado o plano do autor, lograndoD emissor obter o objetivo pretendido. Há, assim, correlação entre introdução econclusão, porque esta última resolve a proposta do texto.

Não há, alerte-se, necessidade de uma conclusão explícita, auxiliada deexpressões do tipo "concluindo", "finalmente", "em suma" e outras anteriormen-te indicadas no tópico elementos de coesão. Tal recurso é mais encontradiço nasdissertações e com grande freqüência no discurso jurídico, porque prepara o es-pírito do leitor para assimilar as conclusões do autor sobre determinado assunto,constituindo-se, desta sorte, no tema propriamente dito. Já nos textos de descri-ção e narração, o final do texto atinge um clímax que se constitui na conclusão.

Leia-se o exemplo abaixo, quando Lígia Fagundes Telles apresenta o de-sengano do pequeno Alonso, ao perder o travesso cãozinho Biruta, que foi soltona rua pela mãe do menino, cansada das peraltices do animal de estimação:

"— Biruta - chamou baixinho. — Biruta... - repetiu. E desta vez só os lá-bios se moveram e não saiu som algum.

Muito tempo ele ficou ali ajoelhado, imóvel, segurando a bola. Depoisapertou-a fortemente contra o peito como se quisesse enterrá-la no coração."

(Histórias do desencontro, 1958:36)

Veja-se, agora, a conclusão de um tópico de texto jurídico, anotando o lei-tor a presença do elemento de coesão, ao falar da responsabilidade civil:

"Em face disso, não se pode deixar de reconhecer, no campo em análise,a existência de duas categorias autônomas (a subjetiva e a objetiva), em que cadaqual explica e exerce uma função própria da responsabilidade, manifestando-se,de há muito, tendência a um crescente alargamento do sistema objetivo, em facedas razões já apontadas."

(Bittar, 1991:176)

A conclusão é, pois, o remate das idéias desenvolvidas, podendo ser umresumo delas (síntese), apresentar uma proposta e até mesmo constituir-se emconclusão-surpresa.

Silveira Bueno, em sua Arte de escrever (1961:68), colhe precioso exem-plo que pode ilustrar a conclusão-proposta, em discurso proferido por Olavo Bilac,no Rio Grande do Sul. Comemorava-se a construção do porto do Rio Grande. Di-zia o "Príncipe dos Poetas", em ardente oratória, da necessidade da construção deuma alma brasileira fincada em valores morais, diante do quadro lúgubre da Edu-cação de seu tempo:

"Que fazer, contra a possibilidade do desastre e da ruína? - armar o Bra-sil, e defendê-lo: e, no campo moral, em maravilhosas proporções de vontade, em

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prodigiosas progressões de intensidade de coragem e de paciência, reproduzir, emfavor da pátria, este mesmo trabalho que, no campo físico, foi lançado e acabadona foz do nosso grande rio: a construção de uma imensa e gloriosa muralha cir-cular, guardando o sagrado páramo, em que circula a nossa história, - o passadocom as nossas tradições, o presente com as nossas incertezas, o futuro com asnossas esperanças: muralha inexpugnável, plantada no patriotismo, argamassa-da de instrução, cimentada de disciplina, inabalavelmente firmada na glória decrer e na honra de querer!"

(Discurso ao Rio Grande do Sul)

5.3 O ENCADEAMENTO DOS PARÁGRAFOS

Muito já se comentou sobre a coesão e a coerência; nunca é demais, po-rém, reiterar-lhes a importância. Um texto só terá unidade se da introdução ca-minharem as idéias rumo à conclusão, havendo, entre os parágrafos, uma passa-gem lógica e natural.

A articulação das idéias, reafirme-se, é a condição indispensável para aobtenção de um texto harmonioso.

5.4 ELABORAÇÃO DO PARÁGRAFO: REQUISITOS EQUALIDADES

Redigir, como já se viu, requer planejamento com o propósito de fixar oobjetivo a ser atingido. Para que o redator não se afaste do alvo proposto, requi-sito impenhorável é a feitura de um esquema preliminar. Alguns passos devem serseguidos:

1. De plano, deverá o redator escolher o assunto a ser enfocado (a me-nos que não lhe caiba fazê-lo).

2. Em seguida, fará associações livres, pensando, vigorosamente, naspossibilidades paradigmáticas. Quanto mais idéias tiver sobre o obje-to, maior a reflexão e, por conseguinte, mais rico o material a ser tra-balhado.

3. O próximo passo será delimitar o assunto, traçando um objetivo: o quepretende transmitir (proposta temática).

4. Escolher o critério para desenvolvimento do pensamento é a tarefaseguinte. O farto material obtido irá permitir ao redator uma escolhamais oportuna: cumpre-lhe estabelecer se irá enumerar aspectos doobjeto, compará-lo com outro, declarar-lhe fatores positivos ou nega-

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tivos, posicionar-se a favor ou contra sua situação, enfim, estabelece-rá ele a forma de desenvolvimento do tema.

5. Na seqüência, irá o redator fixar as idéias a serem desenvolvidas, emumas três ou quatro frases sucintas. Quando necessário, elabora sub-divisões - não muitas - com frases também curtas.

6. Agora o redator pode estabelecer o tópico frasal, elaborando uma fra-se genérica, que possa, de forma abrangente, apresentar as idéias aserem desenvolvidas, sem indicar, no entanto, elementos conclusivos.As circunstâncias e os pormenores não serão colocados nesta etapa; tão-somente a idéia a ser trabalhada.

7. Pensará agora o redator na conclusão a que pretende chegar, elaboran-do uma frase concisa que a contenha. Está pronto para começar o tra-balho redacional.

Fixado o esquema, o redator iniciará seu trabalho sem descuidar-se dasqualidades essenciais já comentadas anteriormente.

Desenvolverá a introdução, permitindo que a idéia-chave esteja em evidên-cia: a ampliação da frase introdutória deverá ser realizada com bastante ênfase,firmando no leitor a idéia central.

No desenvolvimento, tomará o cuidado de costurar as idéias, valendo-se,sempre que necessário, dos elementos de coesão. Usará apenas o material indis-pensável (não perderá, no entanto, aquele não utilizado, porque as idéias pensa-das sobre o assunto serão, para o redator, acervo precioso a ser empregado emoutras redações). Neste segmento, não poderá ele olvidar a importância da ênfa-se, colocando sempre em evidência a idéia central.

Na conclusão, não perderá de vista o objetivo da introdução, demonstrandoter conseguido desenvolvê-lo de maneira completa.

Exemplo:

1. Assunto: Estudo sobre o costume no Direito.

2. Delimitação: A importância da preservação dos bons costumes como fontemoral do Direito.

3. Objetivo: Demonstrar que o costume, enquanto forma de expressão do Direi-to, requer da sociedade e dos aplicadores da lei atenção especial, sendo odescuido crime de lesa-pátria.

4. Idéia introdutória: O costume é fruto da valoração social e reflete o compor-tamento concorde dos membros da comunidade e, como fonte do Direito,repercute na aplicação da lei.

5. Desenvolvimento: critério de enumeração:

5.a. O "psicologismo" enaltece o querer individual, com conseqüente frou-xidão dos mores sociais.

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5.b. Os meios de comunicação de massa levantam bandeiras de licenciosi-dade, derrubando a tradição fincada nos costumes mais sóbrios.

5.c. Os magistrados aceitam os comportamentos acolhidos pela comunida-de, alargando a aplicação dos costumes lassos nas decisões judiciais.

5.d. A lei acaba por adotá-los, e. g., o projeto de reforma penal em face doadultério, da sedução e do aborto.

6. Conclusão: o resultado disso é a penúria moral da nação que vem cometendoum ignóbil e infamante crime de lesa-pátria.

Viu-se, assim, que o plano contém as idéias básicas a serem trabalhadas.Caberá, agora, ao redator ampliá-las, ornando-as com excelentes parágrafos, com-postos de frases bem estruturadas e encadeadas, de tal sorte, a tornar coesa e co-erente a redação.

5.5 O PARÁGRAFO DESCRITIVO

Conforme bem define Gélson Clemente dos Santos (1983:183), a "descri-ção é a reprodução de uma realidade - é a representação verbal de um aspecto,ou seqüência de aspectos. Na descrição, o emissor provoca na mente do receptoruma impressão sensível, procura fazer com que o leitor 'veja' na sua mente umobjeto material ou um processo espiritual".

Do conceito, apreende-se o objetivo da descrição: compor um "retrato" deuma idéia, fazendo a representação simbólica da imagem por meio de palavras:seja a pessoa (vista em seu exterior ou perscrutada no campo psicológico), seja oambiente (físico ou emotivo), seja a natureza (estética ou espiritual), o redatorvai dando à linguagem impressões que permitam ao receptor "ver" o que está sendodescrito.

A descrição é, ainda, o processo utilizado nos dicionários.Veja os exemplos colhidos no Pequeno dicionário brasileiro da língua por-

tuguesa:

a. de objetoabrolho, s.m. "Nome comum a várias plantas rasteiras e espinhosas"...

b. de processo mentaldiscurso, s.m. "Conjunto ordenado de frases proferidas em público ou escri-tas como se tivessem de o ser"...

A linguagem dos verbetes acima é descrição técnica ou informativa; pro-cura captar os elementos essenciais do objeto a ser descrito, a fim de permitir aoleitor representá-los em sua mente. A diferença entre esse tipo descritivo e o lite-

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rário é que neste o emissor pode dar ao objeto as suas impressões subjetivas (ou,então, retratá-lo objetivamente), enquanto o tipo técnico utiliza a linguagemdenotativa, dando ao objeto ou idéia uma representação coletiva e impessoal.

Leiam-se as amostras:

1. "Chegamos, e então aquilo tudo está acontecendo de maneira urgen-te, o mato, a água, as pedras, o ar. Aquilo está havendo naquele momento, comoo movimento de um grande animal bruto e branco morrendo, cheio de uma es-pantosa vida desencadeada, numa agonia monstruosa, eterna, chorando, claman-do. E até onde a vista alcança, num imenso, há montes de água estrondando nes-se cantochão, árvores tremendo, ilhas dependuradas, insanas, se toucando de arco-íris, nuvens voando para cima, como o espírito das águas trucidadas remontandopara o sol, fugindo à torrente estreita e funda onde todas essas cachoeiras juntamabsurdamente suas águas esmagadas, ferventes, num atropelo de espumas entredois muros altíssimos de rocha."

(Braga, 1963:72)

2. "Estavam no pátio de uma fazenda sem vida. O curral deserto, o chi-queiro das cabras arruinado e também deserto, a casa do vaqueiro fechada, tudoanunciava abandono. Certamente o gado se finara e os moradores tinham fu-gido.

Fabiano procurou em vão perceber um toque de chocalho. Avizinhou-seda casa, bateu, tentou forçar a porta. Encontrando resistência, penetrou numcercadinho cheio de plantas mortas, rodeou a tapera, alcançou o terreiro do fun-do, viu um barreiro vazio, um bosque de catingueiras murchas, um pé de turco eo prolongamento da cerca do curral. Trepou-se no mourão do canto, examinou acaatinga, onde avultavam as ossadas e o negrume dos urubus. Desceu, empurroua porta da cozinha. Voltou desanimado, ficou um instante no copiar, fazendo tençãode hospedar ali a família. Mas chegando aos juazeiros, encontrou os meninosadormecidos e não quis acordá-los."

(Graciliano Ramos, apud Carreter e outros, 1963:29)

3. "Comprida, tortuosa, ora larga, ora estreita, a Rua do Siriri se estendedesde o Alto de São Cristóvão até a Avenida Barão de Maroim. Mas o seu trechoprincipal, porque mais habitado, vai da Rua das Laranjeiras até a da Estância.

Aí, não há mais casas de palha. São de taipa ou de tijolo, cobertas de te-lha. Às vezes pequeninas, porta e janela apenas, sem reboco, pouco mais altas queum homem. Outras melhores, são largas, acaçapadas, com grandes beirais. Aquie ali, uma construção mais nova, de platibanda e enfeitada de cornijas, dá ao lo-cal um tom mais elegante e mais alegre."

(Armando Fontes, apud Othon Garcia, 1975: 459)

4. "O gaúcho, o pealador valente, é, certo, inimitável, numa carga guer-reira; precipitando-se, ao ressoar estrídulo dos clarins vibrantes, pelos pampas,com o conto da lança enristada, firme no estribo; atufando-se loucamente nosentreveros; desaparecendo, com um grito triunfal, na voragem do combate, onde,

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espadanam cintilações de espadas; transmudando o cavalo em projétil e varandoquadrados e levando de rojo o adversário no rompão das ferraduras ou tomban-do, prestes na luta, em que entra com despreocupação soberana pela vida."

(Cunha, 1956:106)

5. "O jagunço é o homem que, sem abandonar o seu roçado ou o seu cur-ral de bois de cria, participa de lutas armadas ao lado de amigos ricos ou pobres.Observadores apressados costumam ver o jagunço como um tipo à parte, na so-ciedade do vale, trajando-se diferente dos outros, vivendo uma vida à margem dasoutras vidas. Mas não há engano maior, pois o jagunço é um homem como osoutros. O seu chapéu de couro é o mesmo que o vaqueiro usa. O mesmo homemque campeia, perseguindo os bois nas vaquejadas, quando necessário, despe ogibão e o jaleco, tira as perneiras e solta o gado, troca a vara-de-ferrão por umfuzil, quebra o chapéu de couro na frente e vai brigar como um guerreiro antigo.Não é preciso tirar carta de valente para ser jagunço. Jagunço todo mundo é, poisno sertão os covardes nascem mortos."

(Lins, 1952:136)

6. "Há, desde a entrada, um sentimento de tempo na casa materna. Asgrades do portão têm uma velha ferrugem e o trinco se oculta num lugar que só amão filial conhece. O jardim pequeno parece mais verde e úmido que os demais,com suas palmas, tinhorões e samambaias que a mão filial, fiel a um gesto de in-fância, desfolha ao longo da haste.

É sempre quieta a casa materna, mesmo aos domingos, quando as mãosfiliais se pousam sobre a mesa farta do almoço, repetindo uma antiga imagem.Há um tradicional silêncio em suas salas e um dorido repouso em suas poltronas.O assoalho encerado, sobre o qual ainda escorrega o fantasma da cachorrinha pre-ta, guarda as mesmas manchas e o mesmo taco solto de outras primaveras."

(Moraes, 1962:99)

Multiplicam-se os exemplos, mas as características básicas da estruturadescritiva permanecem. Coteje o leitor os fragmentos textuais acima e encontreos traços comuns da descrição, a saber:

1. Frases curtas, com muitas elipses verbais, dando mais impressões doque dizendo ações.

2. Verbos predominantemente no presente e no imperfeito do indicativo(o imperfeito é o tempo da fantasia, da ação continuada e repetida).

3. Abundância de adjetivação - denotativos ou conotativos -, os adjeti-vos funcionam como atributos do ser ou da coisa descritos.

4. Vigor nas especificações, procurando captar a essência do objeto des-crito.

Diferentes são os tipos de descrição, no tocante à postura do redator e doobjeto descrito.

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Lendo os exemplos, perceberá o leitor as diferenças de estilos. No texto 1,Rubem Braga mergulha nas cataratas do Iguaçu, descrevendo-as das sensações deseu espírito diante do quadro majestoso, para as impressões e registros externosdo objeto descrito. Daí a riqueza metafórica, envolvendo o leitor em um mundode sensações até a descoberta das cataratas em sua representação simbólica namente de quem lê a descrição. Os verbos no gerúndio dão vida e movimento àdescrição, a mesma vida e movimento do objeto descrito.

No texto 2, Graciliano abusa dos verbos no perfeito (consummatum est),por ser o tempo da narrativa. Trata-se de uma descrição narrativa. Os elementossão desprovidos de sensações subjetivas porque ele pinta os pormenores signifi-cativos com uma quase indiferença que choca, como chocante é o abandono tra-zido pela seca. Os adjetivos "deserto", "arruinado", "mortas", "vazio", "murchas",dão um toque de realidade crudelíssima pelo clima de fatalidade que pesa sobreo nordestino.

No texto 3, Armando Fontes faz uma descrição objetiva, tendo os adjeti-vos força denotativa e de especificação. É como se o observador estivesse fora docampo de observação, registrando a cena sem a interferência de suas emoções.Predomina a linguagem rápida, com muitas elipses, pintando os dados essenciaisdo objeto descrito.

No texto 4, Euclides da Cunha dá à descrição um tom vigoroso, direto,conciso, repleto de símbolos, imagens e metáforas. A linguagem é bonita e rica,permitindo ao leitor "sentir" certo ufanismo pelo tipo regionalista, sem entender,no entanto, muitas vezes, o sentido dos vocábulos, de pouco uso. A descrição temum tom de realidade objetiva, permeada de atributos grandiloqüentes, guardan-do neles uma proposta dissertativa da descrição.

No texto 5, Wilson Lins tece uma descrição dissertativa, em tom quasedidático. O autor, jornalista, traz à descrição o seu jargão: descreve objetivamen-te o quadro, permeando-o de comentários, mas permitindo ao leitor compor oretrato em sua mente.

No texto 6, o espírito poético de Vinícius esboça uma narração descritivacarregada de lirismo, trazendo certo misticismo que a imagem da casa maternalhe transmite. A descrição emprega uma linguagem aparentemente objetiva: oquadro é pintado sem emoções visíveis. No entanto, cada pormenor denuncia, naestrutura de profundidade, a sensação filial. Vinícius retrata o sentimento coleti-vo do filho quando visita a casa materna vazia, dando à morte uma impressão devida, pela presença da saudade.

Variegadas são, pois, as formas descritivas e as atitudes do observador.Estática ou dinâmica, realista ou idealista, histórica ou topográfica, psicológica ousocial, o que importa na descrição é captar os elementos essenciais do objeto des-crito, descrevendo-o em parágrafos curtos, rápidos, em linguagem direta e conci-sa, pontificando os verbos ligativos, e na presença da predicação verbal contém-se a ação para fincar a impressão obtida pelos verbos no presente e no imperfei-

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to, nos quais os atributos são mais importantes do que as circunstâncias adver-biais.

5.5.1 O parágrafo descritivo na redação jurídica

A descrição é empregada largamente na redação jurídica porque a narra-tiva dos fatos é tecida por meio da descrição desses fatos, buscando os elementose pormenores que pintem o quadro, segundo a versão da parte processual.

Leia-se a jurisprudência abaixo:

"A defesa do esbofeteado, injustamente, em público, não reclama emrevide a morte, mas se o indivíduo, sem possibilidade de refletir, no auge da dormoral, maior que a física, no ato de repulsa, utilizar-se do único meio encontradoe matar o agressor, não se lhe pode negar a legítima defesa."

(RT, 170:333)

Imagine, agora, o leitor como foi descrito, oralmente e por escrito, o cri-me nas diversas fases processuais, para que os julgadores retratassem em suasmentes uma imagem favorável à conduta do criminoso.

Valda Oliveira Fagundes, em sua preciosa obra O discurso no júri: aspectoslingüísticos e retóricos (1987), demonstra que as narrativas da acusação e da de-fesa são construídas pela descrição dos fatos e estes elementos descritivos funcio-nam como argumentos (elemento dissertativo).

Veja o discurso da acusação (p. 43-45):

"Este é o acusado. Um acusado que vem aqui e mente, se Vossas Excelên-cias observarem, hoje ele diz que é casado, consta no outro interrogatório que eleestava separado, procura modificar aquilo que já declarou para o próprio juiz,procurando confundi-lo, procurando inverter pequenos detalhes para se amoldara uma possível e imaginária tese de defesa. É um elemento perigoso, mesquinho,mesquinho porque quando de uma discussão com um funcionário da SAMAE, poruma questão de água, sacou de um revólver e também atirou."

Nota: a irregularidade da pontuação fica por conta do objetivo do traba-lho da autora, qual seja, analisar os recursos fonéticos e fonológicos,reproduzidos na linguagem escrita a partir de gravações em sessãopública do Tribunal do Júri da Comarca de Blumenau, Santa Cata-rina.

Os dados descritivos do réu: mesquinho, perigoso, mentiroso, cruel, maucaráter, violento (presentes não apenas no fragmento acima, mas no conjunto danarrativa dos fatos apresentada pelo Promotor de Justiça, conforme anota a au-tora), têm a função dissertativa de criar uma imagem simbólica do acusado comoa de um elemento pernicioso à sociedade, que deve ser punido.

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Leia-se, agora, aversão da defesa (p. 81-83).

"Às vezes escapou que, ao invés de justiçar, passa a castigar. É o caso, se-nhores, típico do acusado. Hoje pintaram um quadro aqui, que se não houvessealguém para rebater, o acusado apodreceria na cadeia. Excelências, nós vamos nosreferir ao acusado, o cidadão. Honesto, trabalhador, não é vadio, não é malandro.O acusado foi vítima das circunstâncias. Aconteceu um fato na vida do acusado.O acusado tem uma vida anterior ao crime, e tem uma vida posterior como voumostrar a Vossas Excelências. Não é como disse a nobre promotoria que o acusa-do só praticou crimes. É o primeiro. Ele é primário. É o primeiro delito do acusa-do. O outro, ele já pagou, Excelências."

Observe a versão da defesa, que procura descrever características positi-vas do acusado, criando-lhe uma imagem benigna, refutando, assim, o retratooferecido pela acusação. Com os elementos descritivos, a defesa espera conven-cer o Conselho de Sentença a aceitar a nova imagem do acusado: trabalhador,honesto, não é vadio, não é malandro, argumentando-se, implicitamente, ser eleum cidadão e, como tal, não deve ser injustiçado.

Interessante se torna ao leitor refletir sobre o conceito de primariedade quea defesa quis passar, quase risível, mas reflexo, talvez, áojus sperneandi.

A descrição não é, conclui-se, uma técnica empregada com exclusividadeno mundo jurídico, mas que assenta os juízos dissertativos, robustecendo a nar-rativa dos fatos.

Procure o leitor traços descritivos nas diferentes peças jurídicas: na denún-cia, em alegações finais, em sentenças (cíveis, trabalhistas ou criminais), enfim,sempre que houver a necessidade de descrever um fato ou um ato. É a hora dedar à linguagem um tom animado, usando os recursos técnicos da descrição.

5.6 O PARÁGRAFO NARRATIVO

Toda narrativa é a exposição de fatos (reais ou fictícios) que se passam emdeterminado lugar e com certa duração, em atmosfera carregada de elementoscircunstanciais.

Desta sorte, são elementos estruturais da narrativa:

a. o quê: o fato que se pretende contar;b. quem: as partes envolvidas;c. como: o modo como o fato aconteceu;d. quando: a época, o momento, o tempo do fato;e. onde: o registro espacial do fato;f. porquê: a causa ou motivo do fato;g. por isso: resultado ou conseqüência do fato.

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De acordo com o tipo de narrativa, encontram-se presentes estes ou aque-les elementos, podendo estar, assim, todos ou alguns deles, mas sempre há a ne-cessidade de permitir ao leitor ter um registro da cena. Também, é de se notar apresença do ponto de vista. Dependendo da postura temática do narrador, irá eleevidenciar certos acontecimentos em detrimento de outros, sendo a seleção dosdados, portanto, uma tarefa dissertativa.

A característica básica da narrativa real é o consummatum est, vale ressal-tar, o verbo no perfeito do indicativo, que indica ter ocorrido e consumado o fatonarrado. Nos contos de fada, o imperfeito cria a sensação da fantasia, do imagi-nário.

Também, é imprescindível na narrativa o clímax, o momento de ápice daexposição do fato, que irá desembocar no desfecho ou solução (benigna ou não).

Lembre-se, ainda, que não há uma narrativa eficaz sem uma trama (o in-cidente, a complicação, o interesse temático), que será a justificativa do próprioato narrativo e seu objetivo redacional.

Importante é a unidade, porque todos os fatos narrados devem inter-rela-cionar-se em íntima conexão, sendo a disposição dos elementos responsável pelacoerência textual.

Veja o leitor alguns exemplos de narrativas:

1. "Aos seis anos de idade partia, em cima de meu cavalo, para o que, na-quele tempo, era longe, viagem comprida, de Itaporanga à Bahia.

Tinham-me botado cedo na cama, pois sairíamos de madrugada. Meu paitinha essa mania... viajar de noite. O que ele chamava madrugada era uma horada manhã, escuro como breu. Às vezes, nem galo cantava. Grilo só. E o esparsorumor murmuro da noite. Estrelas. Ruas de vaga-lumes nos pés dos cavalos. Nãosei como agüentei. Meu pai, tão cuidadoso, não via no entanto inconveniente emcriança passar noites assim em claro. Ah, quanto cochilo eu dava em cima da sela,até sonhava. Quantas vezes não fui acordado por uma chamada brusca, um ar-ranco súbito nas rédeas do cavalo. 'Quem quer dormir, fica na cama'. E toca ogalope, para me despertar. E eu galopava, abria os olhos, procurava ver... não vianada."

(Amado, 1958:134)

Comentários: há uma narrativa porque o autor conta um fato (mutiladono exemplo fragmentado), ocorrido em certo tempo e espaço, tendo uma tramacomo centro de interesse (a lembrança de fato do passado). Como a narrativa é oretorno aos tempos da infância para reviver situações, o verbo no imperfeito de-nuncia o imaginário das recordações que traçam dados descritivos. O diálogo, raroe embutido na narrativa, mostra o antagonista - o pai - revelando o ponto de vis-ta do autor: mais do que narrar o fato, pretende apontar o autoritarismo da edu-cação de seu tempo.

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2. "Duas da madrugada. Às sete, devia estar no aeroporto. Foi quando melembrei de que, na pressa daquela manhã, ao sair do hotel, deixara no banheiro omeu creme dental. Examinei a rua. Nenhuma farmácia aberta. Dei meia volta,rumei por uma avenida qualquer, o passo mole e sem pressa, no silêncio da noite.Alguma haveria de plantão... Rua deserta. Dois ou três quarteirões mais além, umguarda. Ele me daria indicação. Deu. Farmácia Metrópole, em rua cujo nome nãoguardei.

- O senhor vai por aqui, quebra ali, segue em frente.Dez ou doze quarteirões. A noite era minha. Lá fui. Pouco além, dois ti-

pos cambaleavam. Palavras vazias no espaço cansado. Atravessei, cauteloso, paraa calçada fronteira. E já me esquecera dos companheiros eventuais da noite semimportância, quando estremeci ao perceber, pelas pisadinhas leves, um cachorroatrás de mim. Tenho velho horror a cães desconhecidos. Quase igual pelos cãesconhecidos, ou de conhecidos, cuja lambida fria, na intimidade que lhes tenho sidoobrigado a conceder, tantas vezes, me provoca incontrolável repugnância."

(Lessa, 1960:124)

Comentários: o fragmento narrativo revela o tom irônico do jornalista quenarra instantâneos de sua própria vida, em ritmo dinâmico, com frases incisivas,ao estilo do autor contemporâneo. Verifica-se que o exemplo colhido terminou nomomento em que se iniciava a trama da narrativa, com a presença do antagonis-ta: o cão de pisadinhas leves, tão familiares e repugnantes para o autor.

3. "Nosso pai não voltou. Ele não tinha ido a nenhuma parte. Só executa-va a invenção de se permanecer naqueles espaços do rio, de meio a meio, sempredentro da canoa, para dela não saltar, nunca mais. A estranheza dessa verdadedeu para estarrecer de todo a gente. Aquilo que não havia, acontecia. Os paren-tes, vizinhos e conhecidos nossos, se reuniram, tomaram juntamente conselho."

(Guimarães Rosa, 1962:32)

Comentários: a narrativa em lâ pessoa revela a visão do autor em relaçãoao fato contado. Os verbos no perfeito (.consu.mma.tum est) trazem a dor da situa-ção real, acontecida. O verbo acontecia (no imperfeito) indica a continuidade dasituação no espírito do narrador, porque as horas devem ter-lhe sido penosas e ofato difícil de se aceitá-lo verdadeiro. O momento do texto é o do início do clímax,havendo mais intensidade na seqüência dos fatos, prenunciando o desfecho.

Se compararmos os fragmentos, verificaremos que todos eles têm umaação, um acontecimento a ser contado, real ou fictício, sendo a realidade marcadaprincipalmente pelos verbos no perfeito; o tempo imperfeito indica a continuida-de da ação ou o imaginário. Pode haver, ainda, ação no presente, trazendo para oagora as sensações de fatos passados. Em todas as situações, a presença de ele-mentos descritivos traz o ponto de vista, com tom dissertativo, portanto. As cir-cunstâncias de tempo e de espaço fazem-se necessárias e acompanham a narrati-va da ação rumo ao clímax que irá estabelecer o ápice da tensão da trama a serdesenvolvida no desfecho.

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As frases podem ser curtas ou de extensão média, não sendo adequadosos períodos muito longos porque dariam eles um ritmo lento e monótono à nar-rativa.

Ilustrando, veja-se pequeno trecho de Rebelo da Silva, de frases curtas eincisivas buscando a concentração do leitor. O uso do presente histórico ou psico-lógico traz a narrativa à presença do leitor e fá-lo participar mais densamente defato.

"O toiro arremete contra ele... Uma e muitas vezes o investe cego e ira-do, mas a destreza do marquês esquiva sempre a pancada.

Os ilhais da fera arfam de fadiga, a espuma franja-lhe a boca, as pernasvergam e resvalam, e os olhos amortecem de cansaço. O ancião zomba da sua fúria.Calculando as distâncias, frustra-lhe todos os golpes.

O combate demora-se.A vida dos espectadores resume-se nos olhos.Nenhum ousa desviar a vista de cima da praça.A imensidade da catástrofe imobiliza todos."

5.6.1 O parágrafo narrativo na redação jurídica

O leitor poderá conciliar a leitura deste tópico com a Parte VI, antecipan-do informações ali contidas sobre a presença da narrativa nas peças jurídicas, vis-to ser a divisão de capítulos mero expediente didático por ser a língua portugue-sa um sistema morfo-semântico e sintático indivisível em sua estrutura, de natu-reza globalizante. A narrativa está presente em todas as peças judiciárias.

Nas vestibulares - Petição Inicial, Denúncia, Reclamação Trabalhista, osverbos estão no perfeito, por tratar-se de ações reais, com rara (se não totalmen-te ausente) adjetivação, porque a narrativa deve ser objetiva, apresentando umfato como retrato da verdade fática.

Veja-se o exemplo da narrativa articulada de uma Inicial, registrando, tão-somente os fatos ali descritos.

1. No dia 15 de maio do corrente ano, o Autor, tendo vendido ao Réu oimóvel constituído do apartamento nfl 56, do prédio denominado "Monte Caste-lo", na Rua José do Patrocínio, 603, confiou a este o telefone de número 813-4672.que ali se encontrava instalado, e do qual o autor é assinante, conforme recibo daTELESP (doe. 2).

2. Tal fato se deveu à única e exclusiva circunstância de que, tendo deproceder à entrega do imóvel vendido, nos termos da escritura de compra e ven-da, lavrada em notas do Tabelião do 26a Ofício, Livro n2 2, fls. 56, não conseguiao Autor a retirada do referido aparelho telefônico, embora tenha pedido, por es-crito, tal retirada, desde o dia 16 de maio (doe. 3).

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A REDAÇÃO 153

O pequeno trecho de um modelo de Petição Inicial mostra ao leitor comose processa a narrativa: períodos curtos, no perfeito do indicativo, indicando noinício o tempo dos acontecimentos e demais circunstâncias que permitam revelarcomo aconteceram os fatos e o porquê deles, para que desta narrativa se cheguelogicamente a uma conclusão, resultado ou conseqüência do fato vivenciado pe-las partes envolvidas.

No relatório das sentenças, a narrativa deve contar os acontecimentosprocessuais com precisão e objetividade, sob pena de nulidade, porque não háexistir, neste momento, expressões ou adjetivações que precipitem o decisório.

Já nas Alegações Finais do Processo Penal e, principalmente, no Tribunaldo Júri, a narrativa vale-se de atributos e circunstâncias com intenção dissertativa,como atesta o exemplo abaixo, colhido em Valda O. Fagundes (1987:87):

"Configura-se a qualificadora de surpresa quando a morte da vítima severificou, estando ela a barbear-se deitada, na cadeira do barbeiro, sem ter visto oréu que a apunhalou por trás; aí existe a surpresa. Porque ele pegou a vítima ino-pinadamente e realmente de surpresa. E não é o primeiro caso, que aqui eles ha-viam se desentendido, estavam há quinze dias em franco desentendimento; entãoele poderia, como ele mesmo admite, como a família mesmo admite, que eles ti-nham medo do próprio acusado (g. n.)."

O advogado procura indicar circunstâncias narrativas com intenção argu-mentativa. Diz a autora que o orador não colocou lingüisticamente os fatos - per-cebem-se no trecho erronias gramaticais - mas a entonação procurou dar a seqüên-cia dos fatos, evidenciando os elementos importantes do processo narrativo.

Em qualquer situação, porém, o fato é o centro da narrativa e, para contá-lo, imprescindíveis as informações que possam especificá-lo.

5.7 O PARÁGRAFO DISSERTATTVO

De todos os gêneros redacionais, a dissertação é, por certo, o mais com-plexo: exige do redator um posicionamento diante de determinado assunto, querexpressando sua opinião, quer postulando uma tese.

Para tanto, há de se desenvolver um raciocínio lógico bem estruturado,aduzindo razões, exemplos, definições e contrastes - sempre que necessários taisrecursos - relacionando-os com a idéia central.

Não há, desta sorte, possibilidades de alguém dissertar sobre determina-do assunto, sem conhecimento do mesmo e, ainda, sem uma tomada de posição,que outra coisa não é senão o tema, apoiado em argumentos.

Em razão disso, mais do que em qualquer outro, o texto dissertativo de-senvolve a capacidade crítico-reflexiva, pela qual o redator explana com logicidadesua idéia.

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Importante se faz ressaltar que há na dissertação o predomínio de pala-vras abstratas, diferentemente do que ocorre no texto descritivo-narrativo.

Os verbos assumem papel destacado na dissertação, devendo o redatorevitar formas do tipopodemos dizer, pode ser, penso, entre outras. Ao contrário disso,deve dar preferência a verbos de valor semântico preciso, representando de ma-neira clara a idéia.

Veja o leitor o exemplo:

a. O descaso com o bem público resulta graves prejuízos à comunidade.

Diferente seria, tivesse o redator assim escrito:

b. Penso que o descaso com o bem público é prejudicial à comunidade.

Comparando os tópicos "a" e "b", verifica-se que o verbo resultar estabe-lece a relação causa/efeito, dando ênfase ao aspecto resultativo.

Os verbos devem, também, realçar o ponto de vista do redator.Veja o exemplo:

a. É preciso que o governo busque soluções de baixo custo no combate à fome.

Pretendendo dar um tom mais incisivo ao ponto de vista, boa seria a es-trutura frásica:

b. Cumpre ao governo viabilizar soluções de baixo custo no combate à fome.

Bom de lembrar que a estrutura dissertativa já está a exigir a exposiçãode um ponto de vista. Portanto, dispensáveis são expressões que esclarecem ser aopinião do redator, salvo se o contexto exigir.

Explique-se. Ao colocar um ponto de vista, não há necessidade de dizê-lcseu:

A sociedade brasileira sofre os reflexos da recessão econômica.

e não

Na minha opinião, a sociedade brasileira sofre os reflexos da recessão eco-nômica.

Casos há, porém, expostas algumas opiniões sobre um mesmo assuntopolêmico, tenha o redator de explicitamente dizer seu ponto de vista. Caberão aí.pois, expressões do tipo a meu parecer, a meu entender, a meu ver. Também, situa-ções há em que a opinião indica o consenso, podendo usar-se expressões do tipo:todos reconhecemos que, tornou-se comum dizer, tem-se dito que, entre outras.

Por derradeiro, lembre-se o redator que a dissertação deverá defender umaopinião, um ponto de vista ou uma tese; há, assim, uma idéia principal a que sesubordinam os argumentos secundados, estes utilizados com o fito de realçar a.

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idéia-chave. Há, por isso, predominância de períodos subordinativos, diferente-mente da descrição que, por apontar impressões percebidas de forma simultâneaou concomitante, se vale mais da coordenação.

Advirta-se que o período subordinado não deve ser entendido como aqueleformado de orações longas, em esquema labiríntico. O efeito seria tão desastrosoquanto o de uma dissertação construída com frases entrecortadas, vale lembrar,excessivamente curtas. De igual sorte, o texto final deve ser não só inteligível, mastambém gramatical, com harmonia de concordância e regência - nominal e ver-bal - em parágrafos bem pontuados e adequadamente organizados.

5.7.1 Tipos de dissertação

Dois são os tipos: expositiva e argumentativa.

5.7.1.1 Dissertação expositiva

É a discussão de uma idéia, de um assunto ou doutrina. A intenção doredator é a de expor um assunto, comentando-o.

Não há a defesa de um ponto de vista, embora, inegavelmente, se encon-tre ele implícito no texto porque a seleção das idéias em torno de um assunto seconstitui, ela própria, em postura dissertativa.

A dissertação expositiva exige do redator um conhecimento bastante ro-busto do assunto, e, assim, o processo de levantamento de idéias por meio dasrelações paradigmáticas, como se viu anteriormente, deve ser o mais completopossível.

Não se conclua, porém, que robustez seja sinônimo de prolixidade. Napresença imperativa de um ponto de vista, delimitado é o tema e as idéias são aele vinculadas por meio do critério (ou critérios) de organização de parágrafosselecionados (ou escolhidos).

Como já foi dito, cada parágrafo gráfico deve conter uma idéia e todas asidéias devem manter, entre si, relação semântica assecuratória da unidade tex-tual.

A dissertação expositiva é bem elaborada quando se discute um assuntocom profundidade, de forma clara, estando as idéias "amarradas" a um tópico frasaique apresente, com segurança, a idéia central.

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1D 6 O PARÁGRAFO E A REDAÇÃO JURÍDICA

5.7.1.2 Dissertação argumentativa

A dissertação argumentativa é aquela em que o redator se mune das téc-nicas de persuasão com o objetivo de convencer o leitor a partilhar de sua opi-nião ou mudar de ponto de vista.

Nada obsta, é bom esclarecer, aliar-se a dissertação argumentativa à expo-sitiva: neste caso, além de expor a idéia, objetiva o redator influenciar a opiniãodo leitor.

Na atividade jurídica, imprescindível é a dissertação argumentativa, porcorresponder à própria natureza persuasiva do discurso forense.

Para obter seu desiderato, não basta ao redator realizar criteriosa seleçãodas associações paradigmáticas: mais do que isso, deverá assessorar-se dos recur-sos da lógica, a fim de fazer prova segura da eficácia de seu raciocínio.

Realmente, toda idéia só tem força persuasiva se as razões que a funda-mentam estiverem claras e bem sustentadas. Somente a prova pode robustecer oplano argumentativo.

Veja-se a ilustração:

O advogado de defesa planeja centrar sua tese na legítima defesa. Ao le-vantar os dados probantes dos autos, encontra:

a. três testemunhas que afirmam ter visto seu cliente provocando a ví-tima;

b. declaração dos policiais que efetuaram a prisão em flagrante - logoapós o homicídio - afirmando estar a vítima desarmada;

c. o laudo médico informa que a vítima foi atacada de inopino e pelascostas, em face da trajetória das duas balas contra ela disparadas.

Percebe o causídico que terá de reformular seu plano de defesa, porqueas evidências processuais militam pela culpa do cliente e não autorizam a tese pre-tendida.

Assim, ou muda ele sua linha defensiva, ou busca nos autos evidênciasmais fortes do que as acusatórias, ou que desacreditem aquelas contrárias a seuponto de vista.

As provas funcionam como o termo médio da fórmula silogística.

Verifique as duas idéias a seguir:

a. O homem moderno desgasta seu físico e sua mente na agitação de uma vidacompetitiva.

c. Portanto, melhor será ao homem a serenidade de espírito, fonte inesgotávelda sabedoria.

Veja o leitor que ausente se encontra o item "b" que é exatamente a parteargumentativa, por excelência, em que as idéias são revestidas de provas.

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A REDAÇÃO 157

Outras vezes, é a relação de causa/efeito que está a exigir a demonstra-ção da idéia.

Atente-se para o exemplo a seguir:

a. A construção civil encontra-se ameaçada.b. Há grande carência de mão-de-obra.

Observe o leitor que explícitas se encontram as idéias de causa (carênciade mão-de-obra) e efeito (construção civil ameaçada).

Todavia, a causa não pode ser "jogada" como uma opinião única, encer-rando uma verdade absoluta. Mister se faz perscrutar-lhe as razões, comentando-as, convencendo o leitor de que elas são legítimas.

As provas que não apoiam a conclusão mostram-se inoperantes, pois sãofalaciosas e inadequadas.

Gustavo Krause e outros, no livro Laboratório de redação (1982:143) ilus-tra o assunto com o seguinte exemplo de provas que não sustentam a conclusão:

"Meritíssimo, senhores jurados, senhor promotor: meu cliente não podeser acusado deste crime. Meu cliente é um pai extremoso, marido exemplar, tra-balhador honesto, cidadão cumpridor dos seus deveres. Acredito nos seus bonssentimentos e na sua consciência comunitária; justamente por isso, ser-me-á sur-preendente ver este pobre coitado não ser absolvido. Creio que entenderão a ar-madilha pregada pelo destino, e a caridade de cada um falará mais alto."

Não é preciso muito esforço mental para o leitor compreender que, assimcomo os maus antecedentes não são prova definitiva de autoria criminosa, a vidapregressa do acusado não é prova de inocência em si mesma.

Também, ainda que o acontecimento fosse aceito como armadilha do des-tino - o que não é argumento lógico - não seria crível deslocar a finalidade daJustiça para a prática da caridade.

Em outros momentos, prejudicada fica a argumentação do redator poremitir opiniões apressadas, apoiadas na generalização, e. g.:

Os nordestinos são a principal causa dos problemas sociais de São Paulo,porque chegam à metrópole sem instrução e sem bens, não conseguindo, assim,definir uma meta profissional.

Veja o leitor que a visão preconceituosa esbarra na verossimilhança razo-ável - nem todos os nordestinos chegam a São Paulo sem instrução e sem bens(simultaneamente). Definir uma meta profissional não é argumento lógico, fal-tando propriedade à idéia e, por fim, a causa é equivocada.

Outras vezes, a inadequação ocorre pelo preconceito à pessoa e não à idéiapor ela partilhada. Ataca-se um ponto de vista, em razão de quem o apregoa. As-sim, tudo o que é dito por ela não tem valor. A recíproca também é falácia argu-mentativa.

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158 O PARÁGRAFO E A REDAÇÃO JURÍDICA

Por fim, entre os diversos tipos de argumentação inadequada, bom é lem-brar a confusão que muitas pessoas fazem entre fato e opinião. Aquele é um só enão precisa ser demonstrado (apesar de não ter o homem plena aptidão parapercebê-lo integralmente como ele na verdade é). A opinião, porém, é variável eprecisa ser, por isso, justificada. Acreditar que sua opinião é fato prejudica o re-dator em razão de afrouxar sua observação crítica, não apresentando provas efi-cientes para sustentar seu ponto de vista, tornando seu texto inexpressivo e serr.força persuasiva.

5.7.2 Estrutura da dissertação

A dissertação, como todo plano redacional, tem começo, meio e fim,Aristóteles, em sua Arte retórica, estrutura a dissertação em três partes bem defi-nidas:

a. Exórdio - É a parte introdutória; sua competência é a enunciação daidéia-chave, indicando a tese a ser postulada, chamada pelos esco-lásticos destatus quaestionis, vale explicar, anúncio do tema. Tal amos-tra deve ser proposta com engenho e arte, pois seu objetivo é captar abenevolência e a atenção do leitor.De forma esquemática, o exórdio propõe:1. Estabelecer a idéia geral.2. Situar o assunto no contexto.3. Motivar o destinatário.4. Apresentar a proposta temática.

b. Desenvolvimento - Compreende dois momentos: a explanação dasidéias e as provas comprobatórias de sua veracidade (demonstraçãona dissertação expositiva).É a fase da reflexão, da fundamentação do trabalho.No discurso jurídico, a matéria probante é mola mestra da dissertaçãcargumentativa. Faz-se mister, neste passo, distinguir entre o verdadei-ro e o que é apenas verossímil.

c. Peroração - É o fecho, o coroamento discursivo. Demonstradas asprovas, cumpre ao redator retomar o tópico frasal para mostrar ter sidcele exposto, com eficácia, no desenvolvimento.A conclusão é a derradeira oportunidade de convencer; daí sua impor-tância; daí por que se falar em "chave de ouro". No discurso jurídiccé na conclusão de uma sentença, p. ex., que o juiz absolve ou conde-na. A sentença absolutória ou condenatória pode até ser vislumbradana parte da argumentação chamada de fundamentos, mas é na parte

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A REDAÇÃO 159

da conclusão, chamada dispositivo, que resolve as situações a serem de-cididas.

Já se falou que existe a possibilidade dissertativa na descrição. Tambémiparece nas narrativas. Sirva de modelo a fábula do lobo e do cordeiro (Silveira,L948:20-21), na qual se encontram, também, perfeitamente definidas as partesia estrutura da dissertação:

"Um lobo e um cordeirocompelidos pela sedetinham vindoa um mesmo ribeiro;o lobo estava mais alto (mais acima)e o cordeiromuito mais baixo (muito mais abaixo).

Então o salteador (o lobo)incitado pela goela voraztrouxe um motivo de briga'Porque, diz ele,fizeste turva (turvaste)a águaa mim que estou bebendo?'

O lanígero tremendo (cheio de medo)em resposta [diz]:

'Como posso,dizefazer isso-de-que te queixas,ó lobo?'

O líquido correde tipara os meus goles

Aquele (o lobo) rebatidopela força da verdadediz:

'Há seis mesesdisseste mal de mim.'.

O cordeiro respondeu:

apresentação

narração

[Eu] na verdadenão era nascido

argumentação

narração

argumentação

narração

argumentação doprotagonista

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160 O PARÁGRAFO E A REDAÇÃO JURÍDICA

eu pai, - _ _ ^ ^ ^ argumentação dopor Hercules, _ _ _ Z ^ ^ = - antagonistarhssp ma np mimdisse mal de mim.

E assimdilacera -o agarrado (o cordeiro que ele agarrou) ~~7 *com morte injusta (matando-o injustamente)

Esta fábula foi escritapor causa daqueles homens - - - - -—_^ conclusãoque oprimem os inocentespor motivos fingidos."

5.7.3 Raciocínio e argumentação

Bastante feliz é a definição de Ch. Lahr (apud Alvim, 1964:55) para ovocábulo raciocínio: é "a operação do espírito que, de uma ou de várias relaçõesconhecidas, conclui, logicamente, uma outra relação".

Da definição encontramos seus elementos:

a. abstração: opera-se no espírito;b. estrutura sistêmica: relaciona idéias e juízos (matéria do raciocínio);c. estrutura silogística: das partes, chega-se à conclusão (o nexo lógico da

ordenação de idéias e juízos constitui a forma do raciocínio);d. atuação de inferências: é a operação que faz deduções: sai do conheci-

do para o desconhecido (a parte conhecida chama-se antecedente; a des-conhecida, conseqüente).

Existe íntima relação entre os vocábulos raciocínio e argumentação porquea expressão verbal do raciocínio chama-se argumento.

TIPOS DE RACIOCÍNIO

Sem pretender esgotar as espécies codificadas pela retórica, veja o leitoralguns tipos:

a. Apodítico (apodeiktós)

É o que se estrutura com tom de verdade absoluta: a argumentação"fecha" as possibilidades contestatórias, sendo inteiramente impossí-vel ilidi-la.Exemplo:"Quem crer e for batizado será salvo", dizem as Escrituras.

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A REDAÇÃO 1 6 1

Observe-se no tipo apodítico a presença da idéia jussiva: é categóricae não deixa "brechas" para discussão.

b. Dialético

O raciocínio é aberto a discussões, permitindo controvérsias e contes-tação, apesar de o emissor trabalhar as hipóteses de forma a conven-cer o leitor daquela que pretende seja mais aceitável.

Veja-se o caso de C. Moreno na propaganda do detergente "Limpol",da Bombril: enumera a qualidade de outros produtos, mas exalta as vir-tudes do "Limpol" com ênfase tal, que o consumidor se convence es-tar adquirindo o melhor produto, ao fazer a escolha mais acertada.

c. Retórico

Concilia dados racionais e emocionais; é variante do raciocíniodialético, diferindo-se dele por ampliar o envolvimento do ouvinte-alvo(leitor a que se destina a argumentação). É o raciocínio preferido depolíticos e advogados.

d. Silogístico

É aquele que segue a estrutura do silogismo: duas proposições (pre-missas) encadeiam-se e delas se chega a uma conclusão.

Todo círculo é redondo, (premissa maior)

Ora, nenhum triângulo é redondo, (premissa menor)

Logo, nenhum triângulo é círculo, (conclusão)

Magalhães Noronha (1969:140) estrutura um silogismo para explicaro que é indício, expediente bastante salutar porque o leitor acompa-nha o raciocínio do autor.

Os compêndios de Filosofia trazem algumas regras, das quais se destacam,entre outras:

a. Premissas afirmativas - conclusão afirmativa.

b. Premissas negativas - não se tira conclusão.

c. A conclusão não pode ser maior que as premissas.

d. Premissa afirmativa + premissa negativa - conclusão negativa.

e. Duas premissas particulares - não há conclusão.

ARGUMENTAÇÃO

Argumentação, como já se disse, é a expressão verbal do raciocínio. Osprincipais tipos são:

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1. Por exclusão (per exclusionem)

O redator propõe várias hipóteses e vai eliminando uma por uma, para sefixar em seu objetivo. Pode o estudante (e mesmo o profissional) do Direito apre-ciar este tipo de raciocínio em grande parte dos artigos do Prof. Dr. DamásioEvangelista de Jesus, uma quase marca registrada do respeitado e ilustre jurista.

É bastante oportuno tal recurso argumentativo porque o leitor vai supe-rando as hipóteses não aceitas pelo autor para com ele abraçar a disjuntiva de-fendida.

No mundo literário, é o raciocínio freqüentemente encontradiço no Pe.Vieira, célebre por sua força argumentativa.

2. Pelo absurdo (ab absurdo)

Consiste, de modo geral, em se refutar uma asserção, mostrando-lhe a faltade cabimento ao contrariar a evidência. No exemplo da fábula do lobo e do cor-deiro, absurdo foi o argumento do primeiro ao dizer que o cordeiro lhe turvava aágua, porque este (o cordeiro) estava muito mais abaixo.

3. De autoridade (ex auctoritate ou ab auctoritate)

A intenção é mais confirmatória do que comprobatória. O argumento apóia-se na validade das declarações de um especialista da questão (que partilha daopinião do redator).

É largamente explorado no discurso jurídico com o emprego de fórmulasestereotipadas como "estribando-se na autoridade de..."

Segundo Tércio Ferraz Jr. (1991:309), tal argumento domina a argumen-tação jurídica. Na esfera religiosa, a palavra de Deus é o argumento mais forte.

Outras formas há de argumentação: (a) contra o homem (ad hominem) cujoataque é frontal e específico ao adversário, em situação concreta, portanto; (b)experimental (a posteriori) - o redator parte do resultado ou efeito para conheceras origens ou causas; (c) pelo silogismo do tipo sorites - o redator indica um atri-buto do objeto que é sujeito de outra proposição, sendo este da terceira e assimsucessivamente, a fim de concluir que todas elas são igualmente verdadeiras, ouseja, os argumentos são todos fortes ou fracos, sem distinção.

FALÁCIAS DA ARGUMENTAÇÃO

Muito já se falou sobre os defeitos da argumentação, mas bom é reiteraralgumas falhas a serem evitadas a fim de não comprometer o êxito do objetivoredacional.

Em primeiro plano, advirta-se a confusão entre fato e argumento. Não sehá de narrar um acontecimento, esperando que tire o leitor conclusões argumen-tativas da situação concreta.

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A REDAÇÃO 163

Em segundo lanço, não faça o redator da abstração um raciocínio inve-rossímil, melhor dizendo, que não possa ressoar na concretude, pois inviável é suaaplicação.

Também, não hão de ser os argumentos tão específicos que não se esten-dam a outros casos, ou tão genéricos que se tornem vagos e imprecisos.

Ao enumerar as falhas argumentativas, não há olvidar-se a contradição queafirma e nega a mesma coisa sobre determinado objeto. De igual sorte é a falsaanalogia, em que o raciocínio conclui apressadamente algumas particularidadesde uma idéia, dando-lhe uma extensão que não lhe é cabível.

Falha bastante comum, em especial no discurso jurídico, é a petição deprincípio.

Como bem ministra Othon Garcia (1975:292), é "argumento de quem...não tem argumentos, pois apresenta a própria declaração como prova dela, toman-do como coisa demonstrada o que lhe cabe demonstrar". Seria o caso do acusa-dor (improvável no caso do Ministério Público, pela excelência que vem marcan-do seu quadro, particularmente no Estado de São Paulo) que dissesse: O réu co-meteu homicídio porque matou a vítima.

Outra falácia é a da falsa causa, motivada pela observação inexata, inter-pretando fatos por meros indícios, como se fossem evidências. É comum haverargumentação equivocada por erro de julgamento pelo descuido de verificação donexo causai na demonstração dos fatos.

Por fim, sem esgotar a matéria, diz-se falho o argumento que toma o aci-dental pelo essencial, generalizando de forma equivocada. Seria o caso de o juizcondenar um réu não pela prova carreada aos autos da certeza de autoria, mastão-somente porque o acusado de ter praticado o delito tipificado no art. 155 CPjá ter sido anteriormente condenado por furto.

5.7.4 O parágrafo dissertativo na redação jurídica

Inegável é a importância da dissertação na comunicação jurídica: há sem-pre um conflito a ser solucionado, colocando versões antagônicas em pólos opos-tos.

Em todas as áreas do Direito, é a argumentação o recurso persuasivo, porexcelência, porque objetiva o convencimento da tese postulada.

Como se verá na Parte VI, não só as partes, mas também o julgador preci-sa fundamentar seu posicionamento. Assim, a motivação da sentença outra técni-ca não utiliza senão a dissertativa, permeada, como há de ser, de elementos des-critivos e narrativos, nunca fazendo do "contar" o fato o interesse central, e sim,descrevendo o fato para fazer dele "leituras" que demonstrem a aceitabilidade doponto de vista do redator.

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164 O PARÁGRAFO E A REDAÇÃO JURÍDICA

A consciência da natureza persuasiva do discurso jurídico contribui parao emprego mais preciso dos vocábulos - material ideológico - e de suas relaçõesformais e materiais na enunciação silogística.

Já se falou que o Direito não é Lógica Formal, mas os recursos da Lógicasão técnicas dissertativas de alto efeito persuasivo.

Em análise última, não há discurso sem o elemento dissertativo porque aneutralidade absoluta não é encontrada sequer nas ciências sociais que a exigem.como no saber sociológico. Como é natural a presença de diferentes opiniões paraum só fato, a prevalência desta ou daquela se dá pela força argumentativa obri-gatória no discurso jurídico.

5.8 POSTURAS DO EMISSOR NA ELABORAÇÃO DOPARÁGRAFO

5.8.1 Posturas filosóficas

Duas são as posturas básicas na elaboração do parágrafo de naturezadissertativa: a dialética e a disputa.

a. Dialética de Platão

É o exame da questão polêmica, com reflexão dos pólos opostos: tese eantítese (não é antítese, que é a figura de linguagem).

Pela dialética, o redator deve refletir sobre os prós e contras, fatores favo-ráveis e desfavoráveis, antes de tomar uma posição diante de assunto controverti-do.

Em primeiro plano, ele analisa a questão "A" em todos seus aspectos, va-lendo-se de recursos argumentativos apropriados a seu objetivo temático.

Em seguida, coloca ele a questão "B", vale lembrar, arregimenta os argu-mentos do pólo oposto.

Finalmente, na conclusão ele decide seu posicionamento: opta por "A" ou"B" (postura disjuntiva ou de exclusão) ou, então, promove a conciliação - "AB".

A dialética, mesmo não explícita no discurso como técnica redacional, eimperativa na reflexão. Ninguém pode formar opinião sobre determinado assun-to, sem antes conhecê-lo em sua integridade, avaliando-o por inteiro. Dizem osfilósofos - com propriedade, aliás - que o sim envolve o não e o não envolve osim.

Exemplificando: Se "A" decide passear em lugar de estudar, diz "sim" acpasseio e, ao mesmo tempo, diz "não" ao estudo. Inversamente o faz na situaçãccontrária.

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A REDAÇÃO 16o

Nas dissertações de Mestrado, o pós-graduando faz um estudo crítico dedeterminado assunto, argüido sobre as diversas posições em face dele, rumo a umaconclusão.

Na dissertação dialética, impõe-se a concisão. Os enfoques antagônicosdevem ser colocados de forma concisa, sempre que possível empregando o recur-so contrastivo, cotejando as idéias em seus elementos essenciais, procurandoenfatizar os aspectos distintivos.

A conclusão deve ser clara e apoiar-se em fundamentos adequados, con-vidando, assim, o leitor para abraçar o mesmo ponto de vista do redator.

b. Disputa de Santo Tomás de Aquino

Por esta postura filosófica, conhecer bem um assunto não requer a expli-citação dos pólos antagônicos: pode o redator abraçar de início um ponto de vis-ta e argumentá-lo com o fito de persuadir o leitor a comungar com sua postura.

A disputa pressupõe a defesa de tese, sendo a técnica do Doutoramento.O redator irá ter um ponto de vista (sim ou não) sobre determinada questão eapresentará os argumentos que motivaram sua eleição por esta ou aquela pos-tura.

Na disputa, os argumentos (não mais do que três, recomenda-se) devemser distribuídos em gradação crescente, cada qual reforçando o anterior e todosrelacionados entre si, rumo à conclusão, fecho redacional que demonstra ter sidoprovada a postura do redator como a mais adequada diante do assunto em dis-cussão.

O processo jurídico é, em sua totalidade, de natureza dialética, mas naspartes (mesmo quando a dialética se dilui no plano redacional) há predomínio dadisputa, ou seja, o Autor deve trazer aos autos todos os argumentos que demons-trem a veracidade de seu raciocínio, o mesmo fazendo o Réu. No vértice do triân-gulo, o Juiz apreciará os argumentos e resolverá a demanda em favor daquele quemelhor empreendeu as técnicas do discurso persuasivo.

5.8.2 Posturas psicológicas

A escolha da postura psicológica não é a atividade exclusiva do planodissertativo; importante se faz, também, na descrição e narração.

Entende-se por postura psicológica a posição do observador, do ponto devista participativo, ou seja, se apresenta maior ou menor envolvimento afetivo como assunto.

Diz-se, então, que o observador pode ter duas posições:

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166 O PARÁGRAFO E A REDAÇÃO JURÍDICA

a. fora do campo observado: Behaviorismo

campo observado

observador

Em face da posição do observador, encontram-se:

1. maior neutralidade: o observador não se envolve com a realidade ob-servada;

2. mais objetividade: o não-envolvimento do observador resulta em ob-servação mais objetiva;

3. observação centrada no comportamento, realizando relações de causaefeito entre estímulos e respostas ocorridos dentro do campo obser-vado;

4. ênfase para substantivos e verbos - agente da ação e ação (e, aindaobjetos sobre os quais ela recai).

b. dentro do campo observado: Gestalt

Em face da posição do observador, encontram-se:

1. menos controle do "bias": o observador envolve-se afetivamente corr.a realidade observada;

2. mais subjetividade: o envolvimento do observador resulta em obser-vação mais subjetiva;

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A REDAÇÃO 167

3. observação centrada na percepção, procurando perceber a estruturaglobal a partir dos elementos sensoriais;

4. ênfase para adjetivos e elementos circunstanciais: a especificaçãoatributiva impõe-se.

Algumas considerações sobre as posturas psicológicas em tela merecem serenunciadas:

a. Behaviorismo (behavior = comportamento)

A postura behaviorista é aquela que tem uma visão racional e objetiva domundo circundante, a partir da fórmula s = r , ou seja, Estímulo > Resposta.

O observador não interfere na realidade observada, procurando deduziros fatos relação de causa/efeito.

Interessante se faz ressaltar que a objetividade behaviorista, neutralizan-do o "bias" e colocando com naturalidade os aspectos observados como se esti-vesse fora do sistema que observa, tem valor dramático em razão de os impulsosserem lançados de forma imparcial - muitas vezes irritantes - sobre o receptor -leitor, cabendo a este último a explosão afetiva diante da realidade que lhe é re-tratada.

O exercício behaviorista exige uma escolha criteriosa dos vocábulos, procu-rando dar-lhes a significação precisa, de valor denotativo, buscando sempre a ge-neralização: dadas as mesmas condições, uma pessoa que conhece apenas suaexperiência denotará as mesmas características, objetos e ocorrências que outrapessoa encontra em situação análoga. Daí a possibilidade de comportamentosestereotipados e antagônicos do tipo bom/mau.

A previsibilidade é, assim, fator importante na postura behaviorista queadota a descrição objetiva da realidade e o comportamento condicionado a cer-tos estímulos, mesmo nos casos em que estes não produzam comportamento re-gistrado externamente: a presunção e as inferências criam, também, relação decausa/efeito acolhidas pelo raciocínio, admitindo a repetição dos argumentos emsituações semelhantes.

Veja o leitor a técnica utilizada por Aluísio Azevedo em suas descrições (devalor dissertativo) do cortiço, da casa de pensão, e de outras ambiências moral esocialmente enfermas. Coloca-se ele neutro e impassível diante dos dados regis-trados: não há adjetivos afetivos ou comentários apreciativos.

As palavras são secas; os verbos incisivos e os estímulos produzem respostasprevisíveis não apenas no comportamento linear das personagens, mas tambémreações esperadas dos leitores.

Chico Buarque de Holanda, em um exame intertextual, é um dos mestresbehavioristas da canção brasileira e alicerça sua ideologia no esquema de estímu-lo/resposta, esta última é a formação de opinião que se instala na massa popular.

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Exemplifique-se. Na música Cotidiano, o músico-poeta em tom monótono,quase robotizado, conta que a mulher todo o dia faz as mesmas coisas no relacio-namento conjugai: do acordar ao dormir, o comportamento é sempre o mesmo.Poderia ele colocar alguns adjetivos, elevar a tonalidade, mas, ao contrário disso,mantém-se neutro, fora do campo observado; a reação é previsível: o casamentoestá fadado ao insucesso.

Outro exemplo, encontramo-lo em Mulheres de Atenas. Vai o compositorenumerando com naturalidade o que se diz atributos da Felicidade, enquanto ates-tam eles a desventura da mulher submissa. O grito de rebeldia, escuta-se ele nomundo exterior, na agitação social perseguida pela postura ideológica de ChicoBuarque, que instiga mudanças comportamentais como reação previsível aos es-tímulos de suas músicas.

A redação que adota a postura behaviorista, como já se disse, é comedidana adjetivação e procura uma musicalidade linear - buscam-se traços comuns etrabalham-se preconceitos, objetivando reações previsíveis, e. g., o Ministério Pú-blico, dizendo - diante do Tribunal do Júri - que não quer condenar o réu (ape-nas fazer justiça) e fica insistindo em condutas sociais do acusado, rejeitadas peloconsenso da comunidade, para construir a figura de um malfeitor, logrando suacondenação.

b. Gestalt (teoria da percepção)

A Gestalt postula duas teses básicas em sua teoria:

1. O todo é maior do que a soma das partes.2. A Lei do Equilíbrio.

A fórmula matemática, que se contrapõe ao raciocínio aritmético, apóia-se na percepção sinestésica do global - visão estruturalista da realidade.

A observação é pormenorizada, enfatizando aparentemente as partes. Naverdade, a percepção afetiva de cada uma delas aumenta a emotividade do con-junto, daí o todo ser maior do que as partes, por ser a soma delas acrescida dasimpressões por elas trazidas e sentidas.

A adjetivação exerce papel assaz importante para esta percepção subjeti-va, e a frase ganha valor estilístico por sua pontuação e ritmo: a musicalidade e asinestesia caminham de mãos dadas.

É possível, no entanto, obter o mesmo efeito expressivo sem a presençasinestésica (impressões sensoriais) da adjetivação.

Prove, o leitor o ressaibo amargo em sua boca ao acompanhar a trajetóriade Bentinho na descoberta dos traços de seu amigo Escobar no filho e sinta emsua carne a desilusão do marido traído.

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A REDAÇÃO 169

"Nem só os olhos, mas as restantes feições, a cara, o corpo, a pessoa in-teira, iam-se apurando com o tempo."

(Machado de Assis)

Veja o leitor que não há adjetivos, mas a competência atributiva fica porconta da virgulação que dá o ritmo monótono, progressivo e trágico da descrição-narrativa, mais acentuada, ainda, pela locução verbal de aspecto durativo, cursi-vo ou progressivo, indicando o prolongamento da ação (iam-se apurando).

A Lei do Equilíbrio, por sua vez, é a própria lei da vida e desenha o movi-mento do eletrocardiograma:

Compõe-se das seguintes partes:

. insight

ACNE1) A(NE2) A(NE3...)

1. Equilíbrio - inércia - ponto de partida

2. Tensão - indica movimento

3. Locomoção - toda tensão (alegre ou triste) precisa ser deslocada

4. Alívio - é um novo equilíbrio - a experiência modifica a percepção davida.

Nota: NE = novo equilíbrio

Bom é dizer que a postura gestáltica não só é descritiva e dissertativa, comotambém delineia a própria estrutura da narrativa: toda a trama precisa serdeslocada, seja o desfecho favorável ou desfavorável. Aliás, é esse deslocamentoque encontramos na pedra do caminho de Drummond - e de todos os homens -:há obstáculos, são superados, surgem outros obstáculos, na fórmula E/T/L/A.

"No meio do caminho tem uma pedra,Tem uma pedra no meio do caminho."

A musicalidade da frase e a sinestesia do período são recursos gestálticosde grande expressividade.

Gilberto Gil, em seu "Domingo no Parque", faz uma interessante narrati-va gestáltica. Na introdução, coloca, em tom ameno, dois tipos humanos e vaicontando a trajetória de suas vidas, permeando a narrativa de interferência (ô,ei), sinais de advertência aos acontecimentos. A música cresce no ritmo até alcançar

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1 ~*0 O PARÁGRAFO E A REDAÇÃO JURÍDICA

o insight (situação-limite) - ou seja, "olha a faca". A música vai então caminhan-do para o alívio (no caso, trágico).

Assim, a postura gestáltica inicia pelo equilíbrio e a tensão cria a atmosfe-ra temática que irá crescendo até um ponto limite (insight), e, com a locomoção,chega-se ao alívio, ou seja, à conclusão.

No discurso jurídico, a postura gestáltica é preciosa: do exame atento daspartes, carregado de percepções sensoriais, desenha-se um todo fenomenológico,no qual as sensações se integram de forma a provocar no leitor uma visão de mundoestimulada pelas relações das partes que compõem o sistema discursivo. Sinta odrama da vítima na descrição gestáltica do Promotor de Justiça, colorindo a açãocriminosa de forma lenta e progressiva e, na condição de componente do Corpode Jurados, dê o seu veredicto. Perceba, ainda, o leitor que a atmosfera dramáti-ca do Tribunal do Júri é suavizada na linguagem escrita: não há melodramas, masa técnica gestáltica cumpre sua tarefa persuasiva.

Outras posturas poderiam ser analisadas, mas a breve menção a elas se deveao pouco uso no discurso jurídico.

A linha psicanalítica cria o discurso caótico (leia-se Othon Garcia,1975:100-106), de grande dramaticidade, mas inadequada para o ordenamentológico que há de pautar a argumentação jurídica. É a linguagem de uma LygiaFagundes Telles ou de um Luís Vilela - "Tarde da Noite".

O existencialismo, por sua vez, embora postura filosófica, repercute nocomportamento humano. É usado, com alguma freqüência, em defesas nos tribu-nais do júri. O que se pretende denunciar é a pressão que o meio exerce no ho-mem, tornando-o impotente diante da vida: perde a consciência do "ser" paraapenas "estar aí" no mundo, sem analisar causas do passado e sem perspectivaspara o futuro.

Medite o leitor na "Alegria, Alegria" de Caetano Veloso e sinta o climaexistencialista. O tempo é o hoje e a expectativa é o nada. Apesar da insuficiênciaargumentativa, não é raro encontrarem-se defesas que buscam fazer do crimino-so uma vítima do meio social hostil que o empurrou para a criminalidade, o mes-mo retrato que comumente se faz do cárcere (masmorra) como a escola do crimepara aquele que caminha sem lenço (ausência de afetividade) e sem documento(ausência de identidade).

5.9 EXERCÍCIOS

Sugestões de atividades1. Recomendam-se leituras complementares e discussões sobre os diversos assun-

tos do capítulo (seminário, mesa-redonda, debate), com objetivo assimilativoe de fixação de aprendizagem.

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A REDAÇÃO 1 7 1

2. Devem ser escolhidos alguns textos (pelo professor ou alunos - individualmenteou em grupo) - e apontadas as partes que compõem a estrutura do pará-grafo.

3. Desenvolver o esquema redacional sobre o costume no Direito.4. Apresentação de textos, músicas e filmes com posturas behaviorista e gestáltica

(trabalhos preferencialmente em grupo).5. Elaborar uma redação jurídica, tendo como tema discussão de assunto polê-

mico no Direito. Em seguida:a. apresentar o esquema redacional utilizado;b. apontar as partes da redação;c. indicar os tipos de postura psicológica, filosófica e de argumentação que

foram utilizados em seu texto;d. indicar as palavras de coesão responsáveis pela unidade textual.

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Parte VI

L

PORTUGUÊS E

PRÁTICA FORENSE

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6l_

TEORIA E PRÁTICA

A língua portuguesa, tanto ou mais que suas irmãs neolatinas, exige doredator uma criteriosa relação sintagmática - seleção e organização das idéias naestrutura frásica - porque a mensagem pretendida pelo emissor só logra obter seudesiderato quando, conhecido previamente o pensamento que se busca exprimir,há uma distribuição lógica e concatenada das idéias.

No exercício profissional, redigindo-se peças jurídicas ou extrajudiciais, nãopode haver liberalidade em matéria gramatical. A linguagem escorreita, sem osexageros de um preciosismo nocivo à clareza da idéia, exige do redator períodosbem organizados.

Prejudiciais ao pensar direito são os períodos extremamente curtos ou lon-gos como já se disse repetidas vezes em capítulos anteriores. Desta sorte, a estru-tura gramatical deve ater-se às funções e relações sintáticas da frase, para que nãose prolongue sem medida lógica.

Exemplificando: requerer abono de faltas exige relação causa/conseqüên-cia, sem a qual não se completa o circuito do pensamento.

Incorreta seria, assim, frase oracional que requeresse da autoridade com-petente abono de faltas dos dias 15 e 16 de maio de 1993. Indispensável à cons-trução frásica seria a idéia causai, indicando o motivo da ausência, porque a rela-ção causa/conseqüência é binômio indestrutível.

Não basta ao profissional do Direito, porém, a correção gramatical comopostulam alguns cultores do vernáculo. A ele, exigível se lhe torna, ainda, o do-

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176 PORTUGUÊS E PRÁTICA FORENSE

mínio das estruturas fixas das diversas modalidades redacionais aplicadas aomundo jurídico ou a ele pertencentes, conforme se verá neste passo deste estudo.

6.1 PROCURAÇÃO: CONCEITOS E TIPOS

Perlustrando o Código Civil Brasileiro (edição didática da Atlas, comentá-rios de Sílvio de Salvo Venosa, 1993), encontramos:

"Art. 1.288. Opera-se o mandato, quando alguém recebe de outrem po-deres para, em seu nome, praticar atos, ou administrar interesses.

A procuração é o instrumento do mandato."

Do conceito extrai-se que alguém (mandante, outorgante ou constituin-te) outorga poderes a outrem (mandatário, outorgado ou procurador) para, emseu nome, praticar atos ou administrar interesses, exteriorizada a vontade de con-ferir tais poderes por meio de um documento chamado procuração.

A despeito de a definição legal supracitada não mencionar a natureza dosatos e interesses a serem praticados pelo mandatário, a linguagem genérica utili-zada pelo legislador que não os restringiu a atos jurídicos; admite o mandatoextrajudicial.

A palavra mandato origina-se da expressão latina manas data (mão dada)que, a princípio, simbolizava o gesto de firmar o acordo, evoluindo o vocábulo paramandatum, em português, mandato.

Interessante se faz lembrar que manus, no Direito Romano, sempre invo-cou a idéia de poder, v. g., manu militari (ato ou obrigação executados com auxí-lio da força pública), conventio in manum (a manus era a entrada da mulher nafamília do marido).

Até em nossos dias, a gesticulação associa a idéia de poder com o vocábu-lo mão que se ergue para castigar, que se estende para socorrer ou que lavra odestino de uma vida.

Não há confundir-se a palavra mandato com seu parônimo mandado. Ori-ginária de mandare, mandar, a forma substantivada do particípio passado, man-dado, é na linguagem processual a ordem do juiz encaminhada ao oficial de jus-tiça, e. g., mandado de citação (chamamento do réu ao juízo para se defender),mandado de intimação (cientificar as partes dos atos e termos do processo), den-tre outros tipos previstos no direito adjetivo.

O mandado, obrigatoriamente escrito, é denominado judicial quando ex-pedido pela autoridade judicial. Na acepção técnico-jurídica pode designar, ain-da, ação intentada por alguém que se vê ameaçado ou violentado em direito lí-quido e certo: mandado de segurança. Neste sentido, mandado é remédio jurídi-co por meio do qual o juiz manda segurança ao direito. Bom é de lembrar, ainda,

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TEORIA E PRÁTICA 177

que a expressão líquido e certo significa um direito especificado e plenamente co-nhecido (líquido) e sobre o qual dúvidas não pairam (certo). É o caso, por exem-plo, do candidato a um concurso público classificado em 21a lugar, quando vinteeram as vagas, tendo o 19a desistido e, para completar o quadro, seja convocadoo 222 colocado. Na situação em tela, caberia ao 212 impetrar ordem de segu-rança.

A palavra mandante, complete-se, de sentido equívoco, refere-se ao quecontrata alguém para a prática do delito, ou seja, o mandante de homicídio. Nes-te sentido, há os que defendem a tese de ser a palavra mandante empregada, tam-bém, na acepção de mandato, porque alguém contrata outrem para, em seu nome,praticar ato criminoso, sendo-lhe imputadas as mesmas penas do homicida, seumandatário.

Resolvidas as dificuldades semânticas do mandato, cumpre assinalar ostipos de procuração a ele correspondentes:

1. Quanto à naturezal.a. Procuração Judicial: destinada para procurar em juízo,l.b. Procuração Extrajudicial: para os negócios em geral.

2. Quanto ao instrumento2.a. Procuração Pública: passada em cartório, no livro próprio, chaman-

do-se traslado a cópia original deste registro. As demais cópias sãodadas em forma de certidão.

2.b. Procuração Particular: quando outorgada pelo próprio mandan-te em documento escrito com firma reconhecida.

3. Quanto à finalidade3.a. Geral: quando o mandante confere poderes para todos seus ne-

gócios.3.b. Especial: quando especifica o negócio (ou negócios) expressamen-

te (artigo 1.294, CC).4. Quanto à extensão dos poderes

4.a. Amplos: confere liberdade ampla ao procurador.4.b. Restritos: o procurador fica sujeito a decisões do outorgante.

Oportuno se faz esclarecer que as espécies combinam-se em todas as pro-babilidades, e. g., procuração judicial, pública, geral, de poderes amplos; procu-ração extrajudicial, particular, especial, poderes restritos; procuração judicial,particular, especial, poderes amplos, enfim, todas as variações combinatórias pos-síveis.

Algumas observações mostram-se pertinentes:

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178 PORTUGUÊS E PRÁTICA FORENSE

1. O mandato (ou procuração) judicial é chamado de Procuração AdJudicia (note-se que em latim não há hífen).

2. O mandato (ou procuração) extrajudicial é chamado de Procuração AdNegotia (pronuncia-se negocia - na pronúncia tradicional).

3. O instrumento do mandato (procuração) pode ser particular, salvo sea lei o determinar obrigatoriamente público, e. g., transcrição de imó-vel.

4. O mandato em termos gerais só confere poderes de administração. Paraalienar, hipotecar, transigir ou praticar atos que exorbitem da adminis-tração ordinária, os poderes têm de ser expressos (art. 1.295, CC).

6.1.1 Procuração Ad Negotia

Cuidar-se-á tão-somente daquela outorgada por instrumento particular, vezque a pública tem linguagem própria, te., cartorária.

Os requisitos estão expressos no art. 1.289, CC, e podem ser assim indica-dos:

1. deve constar o nome do documento: Procuração ou Procuração "AdNegotia";

2. qualificação do outorgante (nome completo, nacionalidade, estadocivil, profissão, documentos pessoais, residência e/ou domicílio);

3. presença dos verbos nomear e constituir;

4. qualificação do outorgado (vide item 2);

5. finalidade da procuração;

6. extensão dos poderes;

7. local e data;

8. assinatura do outorgante com firma reconhecida.

Importante é, ainda, a estética, ou seja, a ocupação do papel onde seráredigida a procuração.

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TEORIA E PRÁTICA 1 / 9

2,0 a 3,0 cm

PROCURAÇÃO

8,0 cm

4,0 cm 8,0 cm

JOÀO DA SILVA, xxxxx xxxxx xxxxxXXXXXXXXXX XXXXXXXX XXXXX XXXX XXXXXXXXXX XXXXXXXX XX XXXXXXXXX XXX

XXXXXXXXXXX XXXXXXXXXX XXXXXXXXX XXXXXX XXXXXXX

XXXXXXXXXX XXXXXXXX XXXXXXXX X XXXXXXX XXXXXXX XXXXXXX XXXXXXXX

XXXXXXX XXXXX XXXXXXXXX5 XXXXXXX XXXXXXX XXXXXX XXXXXXX XXXXXXXXXXXXX XXXXXXX XXXXXX XXÍXXX XXXXX XXXXXX XXXXXX XXXXXXX XXXXXXX.

São Paulo, 6 de março de 1999.

JOSÉ DA SILVA

1,5 a2,0cm

espaço limite1,5 a 2,0 cm

Comentários do Gráfico

1. Os espaços superior e inferior impedem que o tempo desgaste o texto,com prejuízo dos termos do instrumento de mandato.

2. A margem esquerda será reduzida a 3,0 cm, aproximadamente, depoisde arquivada a procuração.

3. A margem direita protege, também, o texto da ação do tempo.4. Sendo o local e a data de extensão maior que o parágrafo (só há um

parágrafo gráfico na procuração) é possível recuá-los para antes doespaço de abertura do documento (também a assinatura).

5. Apesar de autores de cursos de redação considerarem ser dispensávela linha para a assinatura, tem ela função para reconhecimento da fir-ma, pela ocupação do espaço.

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180 PORTUGUÊS E PRÁTICA FORENSE

Modelo de Procuração Ad Negotia

3,0 cm

PROCURAÇÃO

8,0 cm

8,0 cm

"* "JOSÉ DA SILVA, brasileiro, casado, comer-ciante, RG , CPF. , residente e domiciliado na Rua das Flores, 50,Jardim Primavera, São Paulo, Capital, nomeia e constitui seu bastanteprocurador JOÃO LOPES, brasileiro, casado, comerciante, RG ,

4,0 cm ^ C p R ^ residente e domiciliado na Rua da Alegria, 120, Jardim Espe-<2'° |

rança, São Paulo, Capital, para o fim especial de tratar do arquivamentoe registro do contrato da firma Silva Brinquedos Ltda., com sede na RuaTeodoro Sampaio, 1050, Pinheiros, figurando como sócio-gerente o outor-gante e seus filhos como demais sócios, conforme consta da constituiçãoda sociedade comercial, outorgando-lhe todos os poderes que se fizeremnecessários para o fiel cumprimento deste instrumento de mandato, po-dendo tudo requerer, encaminhar e promover, cumprir as exigências le-gais, enfim, tudo praticar para a obtenção do arquivamento e registro domencionado contrato, substabelecer, inclusive.

São Paulo, 12 de maio de 1999.

JOSÉ DA SILVA

Comentários sobre o Modelo

1. A palavra Procuração deve vir no centro da folha, não se exigindo es-crever Procuração Ad Negotia. Para evitar que o vocábulo fique dimi-nuto no papel, as letras devem ser espaçadas umas das outras. P R OCURAÇÃO.

2. Os espaços são os mencionados no gráfico.

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TEORIA E PRATICA 1 S 1

3. A partitura silábica deve ser gramatical. O sistema americano não éadotado na técnica jurídica, esclarecendo: é forma utilizada em cor-respondências comerciais, sem obedecer ao margeamento.

4. Não se separam os números dos documentos pessoais.5. Os verbos residir e domiciliar, sendo estáticos, exigem regência com a

preposição em.6. A expressão bastante significa suficiente (para o que basta), sendo for-

mada do particípio presente e traduz princípio da procuração: o pro-curador não pode ir além, nem ficar aquém dos poderes a ele conferi-dos; deve agir o suficiente, o bastante para cumprir fielmente a incum-bência do mandato.Não é mansa e pacífica a forma bastante quando se refere ao plural.Há os que entendem ficar ela no singular, como advérbio; há, também,os que a reconhecem como adjetivo, concordando em número com osubstantivo.A nosso pensar, a situação é a mesma na linguagem usual com sentidode muito (advérbio ou adjetivo), exemplificando:

1. Li bastante os livros indicados pelo professor,(muito)

Veja-se que bastante modifica o verbo ler e indica advérbio de intensi-dade; o substantivo livros está especificado pelo artigo os.

2. Li bastantes livros nas férias,(muitos)

Veja-se, agora, que bastantes modifica o substantivo livros, tendo for-ma adjetivada, concordando, como tal, com o nome.Desta sorte, na linguagem jurídica temos:

1... nomeia e constitui bastante seus procuradores (advérbiomodifícador dos verbos). (suficientemente)

2... nomeia e constitui seus bastantes procuradores (adjetivoespecificador do substantivo). (suficientes)

7. Os poderes especiais são estipulados de acordo com a natureza donegócio e a extensão dos poderes.

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182 PORTUGUÊS E PRÁTICA FORENSE

8. O substabelecimento só é possível se expresso estiver o poder na pro-curação. A regência do verbo substabelecer é: substabelecer em alguémos poderes conferidos.

9. Não é exclusiva a forma do modelo, porque o estilo é de cada qual,e. g., Por este instrumento particular e na melhor forma de direito, JOSÉDA SILVA, brasileiro, casado,...

10. Não é bom estilo a forma: Eu, JOSÉ DA SILVA, brasileiro,... nomeio econstituo..., porque é a pessoa capaz de direitos e obrigações que ou-torga procuração.

11. É obrigatória a presença dos verbos nomear (indicar) e constituir (tor-nar o indicado procurador).

12. As formas verbais são constitui/constituem, não sendo gramatical cons-titue, como se encontra em alguns modelos.

Obs.: os poderes serão conferidos, consoante a intenção do mandante emoutorga ampla ou restrita. Também, será pública quando a lei assim determinar,e. g., transcrição de escritura pública. Quando particular, o papel usado é o almaço,não devendo haver emendas ou rasuras, sem espaços ou linhas em branco.

6.1.2 Procuração Ad Judicia

Consoante a regra do art. 36 do CPC, só o advogado legalmente habilita-do, salvo os casos em que se permite postular em causa própria, pode procurarem juízo. Necessária se faz a procuração, sem a qual não será o advogado habili-tado (regularmente inscrito na Ordem dos Advogados e sem impeditivos) admiti-do como procurador judicial, art. 37, CPC. Obrigatória é a cláusulaAd Judicia parao foro em geral, devendo estar expressos os poderes especiais enumerados no art.38, CPC. Não há exigibilidade de colocar todos os poderes especiais elencados pelolegislador; dentre eles, serão registrados os pretendidos pelo outorgante, ou en-tão todos eles e mais o substabelecimento se assim for a vontade do mandante.Além desses, pode o mandante outorgar poderes especiais para cada ação, conso-ante as necessidades da espécie.

Bom é lembrar que as condições para ser mandante são as mesmas tantopara a Procuração Ad Judicia, quanto para a Procuração Ad Negotia, vale ressal-tar:

1. O mandante pode ser toda pessoa natural ou jurídica.2. Os maiores e emancipados, no gozo de sua capacidade civil, assinam

os documentos sem restrições.3. Os relativamente incapazes são assistidos, assinando junto com seus

representantes legais.

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TEORIA E PRÁTICA 183

4. Os absolutamente incapazes são representados e, assim, só seus repre-sentantes legais assinam a procuração.

5. Embora não conste da lei, a Procuração Ad Judicia dos menores impú-beres e púberes há de ser pública.

Quanto ao mandatário, já foi dito que só o advogado poderá ser procura-dor na esfera judicial. No mundo negociai, admite-se o mandatário menor, entredezesseis e vinte e um anos, não podendo, entretanto, ressarcir-se o mandante deprejuízos por ele causados, salvo se o relativamente incapaz praticou o dano, con-soante as regras dos arts. 155 e 156, CC.

6.1.3 Outras modalidades: Caução de Rato e Apud Acta

Merece cuidado especial o disposto no art. 37 do CPC, que permite aoadvogado ingressar em juízo para intentar ação ou contestá-la, em casos reputa-dos urgentes, sem o instrumento do mandato.

Trata-se de modalidade de Procuração Ad Judicia por instrumento públi-co, conhecida por "Caução de Rato". Em rigor, não é procuração, por requerer aapresentação do instrumento do mandato, em quinze dias, prorrogável o prazoaté outros quinze dias, por despacho do juiz.

Caução significa garantia; rato, ratificação. O advogado assina termo,compromissando-se a apresentar a procuração, sob pena de serem havidos comoinexistentes os atos por ele praticados, respondendo ainda pelos prejuízos causa-dos.

O requerimento é simples; dirigido ao juízo competente ou da causa e deveindicar o motivo do pedido, seguindo os espaços indicados no gráfico de fls. 162.

A "Caução de Rato" não se confunde com outra modalidade pública deprocuração ad judicia chamada Apud Acta, não prevista em lei, mas aceita pelocostume. Apud significa ao pé, dentro, junto de. É a outorga dos poderes do man-dato judicial no cartório da vara na qual corre o processo, na presença de duastestemunhas que a assinam, juntamente com o outorgante, sendo lavrada peloescrivão que funciona na causa. Admite, ainda, a nomeação do procurador peranteo juiz oficiante, dispensadas as testemunhas. Equipara-se à procuração judicial porinstrumento público, dispensando a entrega de outra procuração, pois ela é o pró-prio instrumento do mandato, diferindo assim da "Caução de Rato". Também,enquanto a regra do art. 37 possibilita a atuação do advogado não só para ofere-cer Resposta do Réu, quanto para intentar ação, a Apud Acta só se presta parailidir a Inicial.

Não há confundir a Apud Acta com a Procuração Ad Hoc que, por ata, in-dica substituto ocasional para um ato processual.

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184 PORTUGUÊS E PRÁTICA FORENSE

Modelo de Petição da Caução de Rato

3,0 cm

EXCELENTÍSSIMO SENHOR JUIZ DE DIREITO DA VARA CÍVEL DACOMARCA DE GUARATINGUETÁ, SÃO PAULO.

8,0 cm

8,0 cm

JÚLIO DIASOAB/SR..

"JÚLIO DIAS, advogado inscrito na OAB, n°, com escritório na Rua Rodrigues Alves, 57, requer seja admiti-

do a representar MANOEL DIAS, brasileiro, casado, comerciante,RG , CPF. , residente e domiciliado na Rua Conselheiro

4,0 cm Crispiniano, 153, nos termos do art. 37 do Código de Processo Civil, para, 2,0em nome dele, requisitar vistoria "ad perpetuam rei memoriam", escla-recendo que o representado se encontra ausente do país, havendo a ur-gência na solicitação do pedido, comprometendo-se o Requerente a,mediante termo de caução, apresentar, no prazo por Vossa Excelência fi-xado, o competente instrumento de mandato, em forma regular, ratifican-do todos os seus atos.

Termos em queP. Deferimento.Guaratinguetá, 20 de abril de 1999.

1,5 cm

6.1.4 O substabelecimento

É o ato pelo qual o procurador transfere em outrem os poderes a ele con-feridos, com ou sem reserva de poderes. No primeiro caso, continua agindo noprocesso com iguais poderes, enquanto no outro ele renuncia ao mandato.

Sendo pública a procuração, de igual sorte o será o substabelecimento.Particular o instrumento de mandato, poderá ser feito na própria procuração (ou

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TEORIA E PRÁTICA 185

em documento próprio, se o quiser) reconhecendo-se a firma da pessoa que subs-tabelece. De feitio informal, pode ser redigido na primeira pessoa (diferentemen-te da procuração, portanto), dispensando qualquer título, se no próprio instrumen-to de mandato, v. g.:

Substabeleço na pessoa do Dr. Tome de Sousa, brasileiro, casado, advo-gado, OAB..., escritório na Rua José Dini, 64, Taboão da Serra, São Paulo, comreserva de iguais poderes, os a mim outorgados na presente procuração.

São Paulo, 8 de junho de 1999.

Mário Dias (firma reconhecida)

Quanto ao substabelecimento, cumpre assinalar, também, que, revogadoo mandato pelo outorgante, revogado fica o substabelecimento, porque o acessó-rio segue o principal (accessorium sequitur principale). Em razão desse princípio,não vale o substabelecimento sem a apresentação da procuração substabelecida.

Não havendo revogação do mandato, morto o mandatário que substa-beleceu a procuração, tem firmado a jurisprudência o entendimento de que pre-valece o substabelecimento, porque os direitos e interesses do mandante não po-dem ser prejudicados pela ausência de representação.

6.1.5 Estrutura da procuração Ad Judicia: comentárioslingüísticos

O mandato judicial é disciplinado tanto pelo direito substantivo, quantopelo adjetivo. Para Antônio Chaves (1977:295) cuida-se de uma cincada porqueo assunto, salvo o art. 1.325, é puramente processual.

Consoante o art. 1.324, CC, "o mandato judicial pode ser conferido porinstrumento público ou particular, devidamente autenticado, a pessoa que possaprocurar em juízo".

A matéria é complementada pelo art. 36, CPC, que determina: "a parte serárepresentada em juízo por advogado legalmente habilitado". Entenda-se a exigên-cia como a necessidade de o bacharel em Direito pertencer aos quadros da OAB,estando quite com as obrigações da situação, além de não estar impedido paraatuar em juízo ou na causa.

E o art. 1.325, CC, que, reafirmando só poderem ser procuradores em juízoos legalmente habilitados, elenca, dentre esses, os que são impedidos de recebermandato judicial: menores de vinte e um anos, não emancipados ou não declara-dos maiores; juizes em exercício; escrivães ou outros funcionários judiciais, cor-rendo o pleito nos juízos onde servirem, e não procurando eles em causa própria;os inibidos por sentença de procurar em juízo, ou exercer ofício público; os as-

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136 PORTUGUÊS E PRÁTICA FORENSE

cendentes, descendentes ou irmãos do juiz da causa; os ascendentes ou descen-dentes da parte adversa, exceto em causa própria.

Também em relação ao mandato judicial, a regra do art. 38, CPC, é reite-rada pelo art. 1.326 do Código Civil, rezando este último que "a procuração parao foro em geral não confere os poderes para atos, que os exijam especiais".

Nesse sentido, o art. 38, CPC, diz que a cláusula ad judicia (procuração geralpara o foro) habilita o advogado a praticar todos os atos do processo, "salvo parareceber a citação inicial, confessar, reconhecer a procedência do pedido, transigir,desistir, renunciar ao direito sobre que se funda a ação, receber, dar quitação efirmar compromisso", estabelecendo o parágrafo único que "o Código indica osprocessos em que a procuração deve conter poderes para os atos, que os exijamespeciais".

Bom é ressaltar que, regra geral, com exceção do poder para receber acitação inicial, todos os demais costumam ser expressos nos mandatos judiciais.

Também, oportuno se torna lembrar que a confissão é poder passível deoutorga apenas no âmbito civil, porque inoperante seria a confissão de delito, áreacriminal, em nome de quem terá de cumprir a sanção penal.

Se o uso de formulários impressos é prática comum na atividade jurídica,utilizada, quase sempre, para afastar receios, no mais das vezes infundados, dosclientes, interessantes se tornam alguns comentários lingüísticos a respeito deles.apenas com o intuito de convidar o jovem estudante, ou mesmo o militante deDireito, à reflexão.

Os referidos modelos impressos não atendem, regra geral, aos espaçosrecomendados para a procuração, além de apresentarem muitos vícios de lingua-gem. Observadas as recomendações do tópico 6.1.2 na feitura de procuraçõesjudiciais pelo próprio advogado, ou em impressos personalizados, haverá maiorpropriedade lingüística.

Lembre-se, ainda, que exigível é indicar a ação a ser intentada, bem comeexplicitar em face de quem será ela proposta.

Importante é, também, não deixar espaços em branco, para coibir atosfraudulentos.

Deve-se ressaltar, em epítome, que a reforma do Código de Processo Civilestabeleceu a desnecessidade de firma reconhecida na Procuração Ad Judicia.conforme as regras ali estabelecidas, não alcançando, porém, a Procuração AiNegotia, pois o Código Civil não foi alterado.

Como modelo de Procuração Ad Judicia, escolheu-se mandato para trata:de questão trabalhista, espécie não usual nos impressos.

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TEORIA E PRÁTICA 187

Modelo de Procuração Ad Judicia

3,0 cm

PROCURAÇÃO AD JUDICIA

8,0 cm

8,0 cm

RUBENS ROCHA, brasileiro, casado, meta-lúrgico, RG , CPF. , residente e domiciliado na RuaGirassol, 105, Vila Madalena, Capital, nomeia e constitui seu bastanteprocurador RENATO LIMA, brasileiro, casado, advogado, OAB/SE...., comescritório na Rua Pedroso de Moraes, 500, Pinheiros, São Paulo, com o

4,0 cm fjm especial de defender, amigável ou judicialmente, interesses do outor- 2,0gante em face da Indústria Metal Vigor S.A., com sede na Rua das Dores,50, Bairro do Limão, Capital de São Paulo, podendo reclamar indeniza-ção, salários, reintegração no emprego, propor e acompanhar quaisquerações ou reclamações perante qualquer autoridade, Ministério, Justiça doTrabalho e Juntas de Conciliação e Julgamento, interpor recursos, acei-tar ou recusar acordos, receber e dar quitação e todos os demais atos ju-diciais ou extrajudiciais que se fizerem necessários para o firme e valiosocumprimento deste instrumento particular de mandato, substabelecer, in-clusive.

São Paulo, 12 de julho de 1999.

RUBENS ROCHA

6.2 REQUERIMENTO: CONCEITO E ESTRUTURAS

O requerimento é o mais formal dos documentos, devendo ser redigido em3â pessoa, vedado o emprego de palavras de gentileza ou agradecimentos, pró-prias da redação comercial. Requerer é pedir deferimento a uma solicitação feitapor alguém - Requerente - a uma autoridade competente para dela conhecer.

Page 188: Curso de português jurídico

188 PORTUGUÊS E PRÁTICA FORENSE

Considerada a relação formal e impessoal que se estabelece entre as par-tes, a estrutura do Requerimento também será rígida:

1. vocativo: autoridade que tem competência ratione materiae. Não secoloca o nome, e sim o cargo ou função;

2. qualificação do Requerente: dados suficientes para identificá-lo;3. presença do verbo requerer ou de seus sinônimos, e. g., solicitar;4. o pedido e suas especificações;5. fecho;6. local e data;7. assinatura do Requerente.

6.2.1 Estrutura do requerimento simples

Cuida-se de pedido certo, não polêmico, apoiado em norma legal ou ad-ministrativa, sendo, assim, Judicial ou Extrajudicial.

É redigido em um único parágrafo gráfico, em linguagem objetiva e con-cisa.

A tradição cristalizou o fecho:

Nestes Termos,E Deferimento.

Observa-se que o dístico, com letras maiúsculas, foi elaborado em maiús-culas ao gosto parnasiano, ainda que gramaticalmente, a vírgula solicitasse a mi-núscula. Também a abreviação de Pede (E) parece ter a função estética de nãohaver uma diferença métrica acentuada. A colocação do demonstrativo Nestesparece inconveniente para alcançar os pedidos feitos anteriormente ao fecho, masé defendida não só pelo emprego já consolidado pela tradição, como por indicarque se retomam, no fecho, todos os termos constantes do requerimento.

Há, porém, os que defendem a gramaticalidade do demonstrativo, com ouso de Nesses, para referir-se, também, aos termos distanciados do fecho:

Nesses Termos,E Deferimento.

Como opção aos que pretendem fugir da polêmica, há os que empregamo pronome relativo:

Termos em queE Deferimento.

Page 189: Curso de português jurídico

TEORIA E PRÁTICA 189

Outras observações são oportunas, ao se comentar a estrutura do requeri-mento simples:

1. Há entre os profissionais do Direito da atualidade o costume de colo-car minúsculas no fecho; além de evitar a abreviatura do verbo pedir:

Nestes termos,pede deferimento.

2. Também, já se faz freqüente a simplificação da fórmula:

Pede deferimento.

3. São usadas, como variantes, as abreviaturas E. (espera) e A. (aguar-da).

4. Não é recomendável o fecho formulado em período gramatical: Nes-tes termos, pede deferimento.

5. É totalmente inadequada a fórmula empregada, raríssimas vezes, naredação comercial:

N. T.

ED.

6. Demais, é de se lembrar que a ocupação espacial do papel sulfite éaquela já apontada quando da procuração, recomendando-se trazer orequerimento datilografado, com bom aspecto visual, fita preferen-cialmente preta, espaço dois no texto e ocupando o vocativo todo o es-paço entre as margens.

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190 PORTUGUÊS E PRÁTICA FORENSE

Modelo de Requerimento Simples Extrajudicial

3,0 cm

limo. Sr. Gerente do Departamento Pessoal da Alegria Brinquedos Ltda.

8,0 cm

8,0 cm

4;0cm JÚLIO NEVES, chefe do Departamento de 2,0"Vendas, solicita de V Sa. abono de faltas dos dias 15,16 e 17 do corrente" 'mês, por motivos de saúde, conforme incluso atestado médico.

Termos em que

P. Deferimento.

São Paulo, 18 de abril de 1999.

JÚLIO NEVES

Nota: Na esfera extrajudicial, é o requerente quem assina o documento.

Modelo de Requerimento Simples Judicial

3,0 cm

EXCELENTÍSSIMO SENHOR DOUTOR JUIZ DE DIREITO DA Ia VARACÍVEL DO FORO REGIONAL DE PINHEIROS, COMARCA DA CAPITAL.

Proc /99 .

3,0 cm

8,0 cm

4,0 cm TÚLIO NEVES, devidamente qualificado nos 2.C"autos supramencionados, requer de VOSSA EXCELÊNCIA, por intermé-"dio de seu procurador, a juntada do rol de testemunhas incluso.

Termos em que

R Deferimento.

São Paulo, 10 de abril de 1999.

SILAS PEIXOTO

1,5 cm

Page 191: Curso de português jurídico

TEORIA E PRÁTICA 1 9 1

6.2.2 Estrutura do requerimento complexo

Cuida-se de pedido articulado, distribuindo a narrativa dos fatos e argu-mentos em parágrafos gráficos.

É tipo de requerimento - judicial ou extrajudicial - para casos em que opedido não é manso e pacífico ou não se encontra apoiado cabalmente em normalegal ou administrativa.

A estrutura é a mesma do requerimento simples, havendo entre a narrati-va dos fatos e o fecho, uma frase de transição, reiterativa do pedido com as va-riantes seguintes:

a. Isto posto, requer...b. Isso posto, requer...c. Posto isto, requer...d. Posto isso, requer...e. Pelo exposto, requer...

Bom é de apontar, além da discussão do pronome demonstrativo já aven-tada no estudo da procuração que em relação aos itens "c" e "d", muitos juristas,ao contrário do costume cristalizado nas peças jurídicas, defendem a posição doparticípio passado no início do período, seguindo a posição dele nas orações re-duzidas. Também, o item "e" não é exclusivo dentre as variações que procuramescapar das dificuldades trazidas pelo emprego do particípio passado, sendo es-colhido para figurar o elenco acima por ser a variante mais conhecida.

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192 PORTUGUÊS E PRÁTICA FORENSE

Modelo de Requerimento Extrajudicial Complexo

4,0 cm

3,0 cm

limo. Sr. Gerente do Departamento Pessoal da Alegria Brinquedos Ltda.

8,0 cm

8,0 cm"JÚLIO NEVES, chefe do Departamento de

Vendas, comparece perante V Sa. a fim de expor e solicitar o que segue:O Requerente foi convidado para proferir

palestra no "Simpósio Nacional de Vendas", ocorrido em Curitiba, nos dias15 e 16 do corrente mês (doe. 1).

• Considerando que o evento contribui não só-*—para a vida curricular do Requerente, mas também ao prestígio da em-presa, o convite foi aceito, razão por que das ausências nos dias acimamencionados.

Também, a palestra proferida pelo Requeren-te mereceu elogios da imprensa local, justificando plenamente a sua pre-sença no evento (doe. 2).

Posto isso, requer de V Sa. abono das faltas edemais benefícios trabalhistas.

Termos em queR Deferimento.São Paulo, 17 de junho de 1999.

2.0

JÚLIO NEVES

1,5 cm

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TEORIA E PRÁTICA 193

Algumas considerações sobre o modelo de requerimento extrajudicial com-plexo:

ls O Requerente deve fazer a narrativa cronológica dos fatos - dos maisremotos aos mais próximos - colocando-os de forma objetiva e preci-sa, de sorte a demonstrar relação de causa/efeito entre eles e o pedi-do (critério de substanciaçao).

2- Entre os tópicos articulados do pedido deve haver espaço maior daqueleutilizado nos parágrafos gráficos que expõem os fatos e solicitam ospedidos.

3fl Querendo, podem ser numerados os parágrafos gráficos.4° O pedido deve ser instruído por documentos que o comprovem, nu-

merados de acordo com a seqüência da narrativa e indicados de for-ma abreviada - doe. 1, doe. 2 e assim por diante.

52 Se houver necessidade de expor o pedido em mais de uma folha depapel sulfite, não há o redator colocar na segunda lauda apenas o fe-cho ou a data. Deve programar-se de forma a constar ali ao menos aúltima linha do parágrafo de transição entre a narrativa dos fatos e ofecho.

6.3 REQUERIMENTO E PETIÇÃO INICIAL

A Petição Inicial ou Exordial é um requerimento complexo, porque de for-ma articulada é solicitado o pedido, que dá início à atividade jurisdicional do Es-tado para tutela de um direito.

Conforme ministra a melhor doutrina, a Petição Inicial é a concretude dodireito geral e abstrato de agir, com o intuito de formular ao juiz uma pretensãoem face de um sujeito passivo. Desta sorte, a Inicial contém um pedido e um re-querimento; este último, além das provas, destina-se a citar o réu para tomar co-nhecimento da ação contra ele ajuizada. Ao tempo das Ordenações, bom é recor-dar, o pedido e o requerimento se formulavam separadamente, como atos distin-tos. Em primeiro lugar, requeria-se a citação do réu, chamada a peça Inicial. De-pois, a peça escrita contendo a pretensão do autor e o pedido contra ou em facedo réu, conhecida como libelo. Em 1850, já se facultava ao autor reunir os doisatos num só, vigendo hoje a imperativa necessidade de formulação do pedido ecitação do requerido em peça única e redigida de forma articulada, denominadaPetição Inicial.

Ademais disso, o vocábulo libelo é empregado, em nossos dias, mais espe-cificamente para indicar a tese acusatória a ser sustentada pelo Ministério Públi-co perante o Tribunal do Júri, nos crimes dolosos contra a vida.

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194 PORTUGUÊS E PRÁTICA FORENSE

6.3.1 Petição inicial: aspectos lingüísticos e estruturais

Reza o Código de Processo Civil:

"Art. 2° Nenhum juiz prestará a tutela jurisdicional, senão quando a par-te ou interessado a requerer, nos casos e formas legais."

Do enunciado verifica-se ser a forma uma estrutura única (singular) paraatender os diversos casos (plural), devendo respeitar a Inicial os requisitos exter-nos e internos exigidos pelo art. 282, CPC, a saber:

l2 Vocativo

Indicação do juiz ou tribunal a que se dirige. É o cabeçalho ou endereceda petição, não sendo o juiz indicado pelo nome, mas em razão de seu cargeHavendo diversas varas, deixar-se-á um espaço em branco a ser preenchido peledistribuidor, que dirá a qual deles tocará o efeito: este será competente para cc-nhecer do pedido. Alerte-se, porém, ao fato de certas competências, sentido am-plo, já serem previamente determinadas pela natureza da ação, e. g., o juiz da VaraCível é competente para Ação Ordinária de Cobrança, mas não o é para conhece:pedido de abertura de inventário, dirigido este último à Vara de Família e Suces-sões.

2- Qualificação do autor

O art. 282, II, exige expressamente os dados individualizados do autor:nomes e prenomes, estado civil, profissão, domicílio e residência. Além desses, sã:considerados imprescindíveis para individualizar o interessado na tutela juris-dicional do Estado, no dizer jurisprudencial, a naturalidade e documentos pesse-ais. Também, sendo a residência e domicílios distintos, não se há exigir os do:sendereços, podendo apontar um deles, mesmo que a referência se faça à residên-cia e domicílio, porque este último pode ser eleito pelo autor, recaindo no ende-reço da residência, salvo os casos do domicílio em lei exigidos.

32 Presença do verbo propor

Individualizado o autor, faz-se a indicação da Ação - e rito - a que se preter.-de dar início e seus dispositivos legais. A ausência ou equívoco dos artigos lega:snos quais se fundamenta o pedido não invalidam a Inicial: "dê-me os fatos que e _lhe dou a lei", diz o brocardo e ele estende-se, também, para a natureza da açã:que só não será passível de retificação se inexistente em relação ao pedido pre-tendido.

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TEORIA E PRÁTICA 195

4fl Qualificação do réu

Deve ele ser individualizado com as mesmas informações exigidas ao au-tor. Quando impossível, por desconhecidos os dados em lei apontados, a Inicialdeve fornecer, de forma objetiva, elementos esclarecedores que o distingam, tor-nando certo o pólo passivo da relação processual pretendida. É de se esclarecerque a residência/domicílio é referência obrigatória, até porque em função dela éfixada a competência do juiz.

5fl Narrativa dos fatos e fundamentos jurídicos do pedido

Cumpre ao peticionário expor a causa petendi de forma clara e objetiva.Os argumentos são mais os deduzidos pelas inferências do que os doutrinariamentedefendidos porque a Inicial não é momento de discussão teórica. Os dispositivoslegais, tanto os do direito substantivo ou material (Direito Civil), quanto os dedireito adjetivo ou formal (Direito Processual Civil), devem estar presentes, maso juiz - que dá a lei aos casos omissos - poderá decidir, mesmo ausentes os dispo-sitivos legais.

A ausência de uma narrativa clara, que faça conhecer a pretensão do au-tor, é um dos motivos ensejadores do art. 284, que se refere a defeitos e irregula-ridades capazes de dificultar o julgamento do mérito. "Desta sorte", a exposiçãodos fatos e dos fundamentos jurídicos da pretensão do autor deve transparecer apossibilidade jurídica do pedido, a legitimação para agir e o interesse de agir, emanálise última, as condições da ação.

É de se lembrar, também, que o legislador não se filiou à teoria da indi-vidualização na exposição dos fatos e, sim, à teoria da substanciação. Ministra adoutrina que naquele bastaria indicar a causa próxima do pedido, e. g., "sendocredor", enquanto a teoria da substanciação, adotada pela lei brasileira, exige apresença da causa próxima e da causa remota, esta última o fato gerador do pedi-do, entendendo o vocábulo/ato no sentido técnico de fato constitutivo do direito,e. g., contrato de mútuo em relação à ação de cobrança que o credor intenta con-tra o devedor inadimplente.

62 O pedido e suas especificações

O pedido é o próprio objeto da ação; assim, há de ser claro, indicando asprovidências a serem satisfeitas, incluindo os "consectários legais". Resulta ele daexposição do fato e dos fundamentos jurídicos do pedido, pois que da narrativados fatos deve decorrer logicamente a conclusão, nos termos do inciso II do art.295, CPC.

Consoante a regra do art. 286, CPC, deve ser ele certo ou determinado,apesar de possível o pedido genérico. O legislador estabelece as normas, em rela-ção ao pedido, que devem ser atendidas pelo autor.

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196 PORTUGUÊS E PRÁTICA FORENSE

7° As provas para demonstração do alegado

Consoante ensinamento milenar, ao autor incumbe provar o alegado. As-sim, de nada valerá uma narrativa bem articulada e fundamentada, se prova nãohouver, testemunhai, documental ou pericial.

A despeito da exigibilidade de comunicar ao juiz, já na Inicial, os meiosde prova que o autor pretende produzir para demonstração da verdade, não hánecessidade de indicar ele a prova que se vai produzir in concreto.

8a Requerimento para a citação do réu

Necessita o réu ter conhecimento do pedido contra ele articulado para que,se o quiser, possa vir defender-se em juízo. É o princípio constitucional do contra-ditório, e com ela irá se completar a constituição da relação processual.

9° Valor da causa

É matéria processual de suma importância, porque da sua fixação depen-dem providências e medidas entre as quais a competência e o rito a serem indica-dos. Consoante o art. 258, CPC, o valor da causa deve constar da Inicial, aindaque não tenha ela conteúdo econômico. Também, os artigos 259 e 260 do mesmocódigo indicam os critérios para avaliação do valor da causa.

IO2 Documentos para instrução da exordial

É a regra contida no art. 283, CPC. A Inicial será instruída com os docu-mentos indispensáveis a sua propositura, v. g., contrato de locação para ação dedespejo. A procuração com cláusula Ad Judicia é, obrigatoriamente, o primeirodocumento a ser juntado (doe. 1).

Alguns comentários sobre o modelo da Inicial

1. Apesar de os manuais abreviarem o vocativo, não é adequada estamedida, sendo recomendado escrever o endereçamento por extenso ecom letras maiúsculas.

2. Não há necessidade de numerar os parágrafos da Inicial, sendo reco-mendado um espaço maior entre eles, aliás, medida empregada nosrequerimentos complexos em geral, como se viu anteriormente.

3. É crescente o costume de abandonar, na Inicial, as expressões Autor,Réu, quando não houver infração na ação proposta. Usam-se, no caso,expressões do tipo Requerente/Requerido. Não há colocar-se, porém,Suplicante/Suplicado, porque ninguém bate às portas do Pretório su-plicando.

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TEORIA E PRÁTICA 197

Modelo de Petição Inicial - Ação de Despejo

3,0 cm

EXCELENTÍSSIMO SENHOR DOUTOR JUIZ DE DIREITO DA VARACÍVEL DO FORO REGIONAL DE PINHEIROS, COMARCA. DA CAPITAL.SÃO PAULO.

8,0 cm

8,0 cm

Mario da SilvaOAB/SP.

1,5 cm

JOÃO LOPES, brasileiro, casado, comercian-te, RG , CPE , residente e domiciliado na Rua

, n2 , São Paulo, vem, por seu procura-dor (doe. 1), propor AÇÃO DE DESPEJO, em face de JORGE DIAS, brasi-leiro, casado, mecânico, RG , CPF. , domiciliadona Rua , Pinheiros, São Paulo, pelas razões defato e de direito que expõe:

4,0 cm O Autor é proprietário e locador de imóvel 2>°situado na , Pinheiros, São Paulo, do qual é o Réu locatá-rio, tendo sido o contrato locatício para fins residenciais, conforme cláu-sula VI (doe. 2).

Não obstando isto, vem o locatário, ora Réu,utilizando o imóvel para fim diverso ao locado, instalando uma oficinamecânica na garagem, em flagrante infração contratual.

O Autor já advertiu o Réu sobre o fato de es-tar ele desvirtuando a finalidade da locação, mediante notificação, semlograr êxito no intento de fazer cessar a conduta reprovável (doe. 3).

Posto isso, com fundamento no que dispõe oart. 22, III, da Lei n2 8.245, de 18-10-1991 e demais ordenamentos legais,requer seja citado o Réu para, se quiser, contestar a ação, sob pena derevelia e confissão e, ao final, ser decretado o despejo com a condenaçãoem custas e honorários advocaticios, protestando por todas as provas quese fizerem necessárias, depoimento do Réu em especial, dando à causa ovalor de

Termos em queR Deferimento.São Paulo, 12 de junho de 1999.

Nota: os verbos residir e domiciliar são estáticos: a regência é obrigatoriamente feita pela prepo-sição em (em + a = na).

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198 PORTUGUÊS E PRÁTICA FORENSE

No modelo em tela, viu-se, existe a figura do réu, pela presença do ilí-cito civil.

4. Vale lembrar o fenômeno lingüístico chamado Braquiologia; consisteem simplificar-se a expressão, eliminando-se o substantivo e subs-tantivando-se o adjetivo:

Rosto oval - o oval do rosto Estação central - a centralSoldado voluntário - o voluntário Linha reta - a retaIdioma vernáculo - o vernáculo Terra pátria - a pátria

Na área jurídica:

Petição inicial - a inicial Carta remissória - a remissóriaCarta rogatória - a rogatória Sentença absolutória - a absolu-

tóriaCarta precatória - a precatória Nota promissória - a promissória

6.4 A RESPOSTA DO RÉU

O código em vigor chama o Requerido de Réu, independentemente danatureza da ação, permitindo-lhe três tipos de respostas:

1. Contestação: é forma de defesa pela qual o réu ilide todos os fatoscontra ele articulados na Inicial, sob pena de aceitá-los como se ver-dadeiros fossem. É a regra do art. 300, CPC.

2. Exceção: é forma de defesa indireta (ao contrário da contestação quedireta é), podendo o réu argüir a incompetência, o impedimento oususpeição do juiz. É a regra do art. 304, CPC.

3. Reconvenção: antes de ser defesa, é uma contra-ação do réu, quesai da incômoda posição de sujeito passivo da demanda, apresentan-do versão que faz dele o foco ativo do processo. É a regra do art. 315,CPC. É oferecida em pedido próprio (segue o modelo da Exordial),sendo oferecida junto com a contestação, e decididas pela mesma sen-tença, conforme a regra do art. 318, CPC.

6.4.1 Aspectos lingüísticos e estruturais da contestação

A contestação é peça jurídica composta de duas partes: em primeiro pla-no, cumpre argüir por fatos ou circunstâncias que possam levar à extinção doprocesso, dentre as elencadas no art. 301, CPC. A seguir, o réu irá, quanto ao

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TEORIA E PRÁTICA 199

mérito, refutar todos os termos da Inicial. Não é momento para exame doutriná-rio e jurisprudencial, mas é ocasião para questionamentos, incluindo repercussõesda Constituição de 1988 e de leis, e. g., Código de Defesa do Consumidor. Aquiloque o Réu não alegar na peça contestatória, não o poderá fazer em outra fase doprocesso, em razão de o legislador ter adotado o "princípio da concentração dadefesa na contestação", salvo o disposto no art. 303 do CPC.

Tanto na Contestação, quanto na Inicial, o redator deverá escapar do ex-cesso de "quês", formulando cada parágrafo gráfico em torno de um assunto, ex-pondo de maneira clara e objetiva.

É no uso da contestação que se faz oportuno analisar o emprego das ex-pressões senão/se não.

Expostas as preliminares, é de praxe uma frase de transição para as ques-tões de mérito, v. g.:

Caso, porém, V Exa. houver por bem conhecer do pedido, provará.

Pode tal frase ser substituída pela fórmula: Se não, vejamos (eqüivale a dizerque se assim não for, ou melhor, caso não sejam acolhidas as preliminares, ofere-cerá o Réu prova quanto ao mérito). Variante é a forma "se assim não, vejamos".

É encontradiço o vocábulo senão (sentido de porque explicativo, em Ra-zões de Apelação e em Acórdãos). Veja-se:

Há de ser reformada a r. sentença que injustamente condenou o Apelante.Senão vejamos:

Observe que há vírgula depois de Se não, inexistente em Senão.A seguir, indicar-se-á modelo de Contestação formulando a situação seguin-

te: Maria Aparecida Dias intenta Ação de Alimentos em favor da filha menorimpúbere, Juliana Dias Morato, alegando que o pai, Pedro Morato, não tem con-tribuído para o sustento da alimentanda, fundamentando-se na Lei n2 5.478/68 edemais disposições legais constantes do CC e do CPC.

Observe-se no modelo a clássica divisão: Preliminarmente e Do Mérito. Naprimeira, o Réu irá argüir pela nulidade da ação, porque a mãe não tem interessepara agir, devendo o pedido ter sido intentado pela filha, no ato representada pelamãe; assim também deve ser ela mandante da procuração com cláusula ad judicia.No mérito, irá demonstrar que vem contribuindo com o sustento da filha, alegan-do cumprir, também, à mãe assim fazê-lo.

No fecho, o modelo não coloca, como costumeiro se faz na realidade jurí-dica brasileira, a fórmula destinada a pedir requerimento, porque, a nosso pen-sar, ainda que formule ele pedidos, não os requer, pois a presença do Réu na rela-ção processual não é iniciativa sua; assim, o verbo adequado para a situação éprotestar.

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200 PORTUGUÊS E PRÁTICA FORENSE

3,0 cm

EXCELENTÍSSIMO SENHOR JUIZ DE DIREITO DA VARA DA FAMÍLIA E SUCES-SÕES DO FORO REGIONAL DE SANTO AMARO, COMARCA DA CAPITAL, SÃOPAULO.

3,0 cm

Proc /938,0 cm

8,0 cm"" "Contestando Ação de Alimentos contra ele movi-da por MARIA APARECIDA DIAS, diz PEDRO MORATO, qualificado nos autos, porseu procurador, documento incluso:

I 3,0 cm

PRELIMINARMENTE

3,0 cm

4,0 cm Flagrante é a nulidade na propositura da ação, 2,0porque o sujeito da ação há de ser a menor JULIANA DIAS MORATO, não assis-tindo à mãe interesse de agir.

Além disso, o instrumento particular não é hábilpara representação de menores impúberes, viciando, assim, o pedido.

Pelo exposto, há de ser decretada a carência daação nos termos do art. 301, XVIII e X.

Caso, porém, Vossa Excelência considerar vencíveisos vícios ou houver por bem não acolher as preliminares para conhecer do pedi-do, provará:

3,0 cm

DO MÉRITO

j 3,0 cm

Improcedente o pedido da Exordial, por não seremverdadeiros os fatos ali articulados.

0 casal está separado de fato há mais de seis me-ses e desde aquela época o Requerido vem concorrendo para a mantença da filhamenor.

Não é verdade a alegação de que o Requerido nãovem cumprindo encargos de educação e assistência médica, conforme atestamdocumentos inclusos.

Também, injusto é pretender onerar o Requeridocom encargos referentes à moradia, como pretende a Autora, quando a menorassiste com a mãe em imóvel pertencente à avó materna, que não cobra alugue-res, visto ser responsabilidade da mãe contribuir com o sustento da filha.

1 1,5 cm

Page 201: Curso de português jurídico

6.5 A LINGUAGEM DA SENTENÇA

Ministra, com bastante propriedade, o eminente jurista José Rogério Cruze Tucci (1987:7) sobre a peça que se constitui no fecho processual: "No desenro-lar da atividade decisória do juiz no processo, a sentença - prestação jurisdicionalao pedido formulado pelo autor - constitui o ato mais relevante."

Pretendem alguns ser a sentença um silogismo lógico clássico, sendo anorma jurídica ao caso aplicável a premissa maior; as questões fáticas, trazidasaos autos a premissa menor e, finalmente, a conclusão, o decisório do juiz.

No entanto, não é assim tão simplista a estrutura sentenciai, por não seconfundir ela com uma operação aritmética; cada caso exige uma apreciaçãocriteriosa de todas as circunstâncias, devendo o magistrado argumentar, comrobustez, os motivos que levaram à decisão por ele exarada.

Na abertura dessa importantíssima peça jurídica, funciona como título,identificando-a, a expressão VISTOS, reveladora de que foram vistos, relatados ediscutidos os autos para, só então, dar a eles uma solução. Não há exigibilidadepela regra gramatical, de as letras estarem todas em maiúsculas porque a gramá-tica aponta a necessidade de elas iniciarem a palavra nos títulos, razão por que éencontrada a forma Vistos. Bom é de lembrar, contudo, que as próprias gramáti-cas grafam inteiramente em maiúsculas os títulos e subtítulos, como medida derealce. Também, interessante se faz mencionar a variante Vistos etc. (ou, Vistos,etc. e, ainda, em maiúsculas VISTOS ETC, VISTOS, ETC.) devendo ser dito que,em rigor, é inconcebível o uso da vírgula antes do etc, considerada sua significa-ção, apesar de o acordo ortográfico em vigência estabelecer que ela deva ser usa-da.

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Ao analisar a estrutura da sentença, o leitor perceberá que ela é divididaem três partes, exigidas em lei. A primeira delas denomina-se relatório. É a parteem que são registradas as principais ocorrências havidas no andamento do pro-cesso. É imperativa a menção dos nomes das partes, do resumo do pedido e daresposta do réu, expondo a marcha sucinta do processo até a data da sentença,com seus acidentes, resolvidos, inclusive. E redigido de forma concisa, com pou-ca ou nenhuma adjetivação, não se podendo empregar palavras que antecipem adecisão, pena de nulidade, pois a neutralidade é essencial ao relatório. Também anarrativa há de ser clara, evitando dificuldades para sua compreensão.

Seguindo as exigências quanto à elaboração da sentença, podemos apre-sentar dois exemplos a serem evitados:

a. Julgamento antecipado

"A Justiça Pública dessa Comarca moveu processo crime contra MÁ-RIO SILVA, devidamente qualificado a fls. 4, em razão de ele, no dia 20 de abrildo corrente ano, por volta das 10:30h, na Rua Conde Sampaio, próximo do nú-mero 114, dirigindo o veículo de marca Gol, ano 1984, placa OP 4030 - SP, comimprudência, porque em velocidade incompatível com o local, ter atropelado LUÍSDIAS, causando-lhe lesões corporais, infringindo, dessa forma, o disposto no art.129, - § 6a do Código Penal, conduta que está a exigir as penas em lei previstas."

Verifique-se que o relatório, ao suprimir a informação de que a denún-cia narrou os fatos, antecipou o julgamento, porque afirmou como certo o que foidito ser. Assim, a sentença deveria esclarecer que 'A Justiça Pública dessa Comarcamoveu processo-crime contra MÁRIO SILVA, devidamente qualificado a fls. 4,denunciando-o de ter ele, no dia"....

b. Ambigüidade redacional

"A Justiça Pública desta Comarca moveu processo-crime contra AUGUSTODOS ANJOS, devidamente qualificado a fls. 2, acusando-o de ter, no dia 12 defevereiro do corrente ano, o acusado, por volta das 4:20h, ter sido preso em fla-grante, quando, na companhia do menor de 16 anos JOÃO DINI e de mais duasmenores não identificadas e portando revólver descrito no auto de apreensão defls. 8 e uma pistola não apreendida, na Av. Bartira, 50, teria assaltado o lesadoJÚLIO LIMA, roubando-lhe a importância de R$ 150,00, bem assim uma correntede ouro e um tênis."

O exemplo supracitado é apresentado como real em livro didático de for-mulários, razão por que foram alterados nomes e algumas informações, pelo zeloético advindo de comentários desfavoráveis. Pelo mesmo motivo, foram coloca-das algumas vírgulas, minorando, assim, as dificuldades do texto original.

Não é preciso, porém, muito esforço mental para verificar que o distan-ciamento seqüencial da narrativa - quando, onde, quem, o quê, com que finali-

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dade - quebre a logicidade textual, causando ambigüidades para entendimentodos fatos e dificuldades para representá-los mentalmente, afora as deficiênciasgramaticais do texto.

A segunda parte da sentença, chamada de fundamentos, é a argumenta-ção com a qual o juiz analisará as questões de fato e de direito, permitindo vis-lumbrar-se qual é sua decisão. É o momento retórico da sentença; é a motivaçãoexpressa de forma clara, coerente e lógica.

Finalmente, a terceira e última parte, apelidada dispositivo, é o momentoem que o juiz resolverá as questões que lhe foram submetidas pelas partes. E aconclusão, o fecho da relação processual.

Bom é de recordar serem estes requisitos exigíveis à sentença definitiva,assim denominada a que encerra o processo com efetiva seleção do mérito, aco-lhendo ou rejeitando - no todo ou em parte - o pedido formulado pelo autor.Quando o juiz extingue o processo sem conhecimento do mérito, temos a senten-ça terminativa que não precisa seguir, rigidamente, o roteiro sentenciai. Basta quese fundamente a decisão, art. 459, CPC, de maneira concisa, não tão breve que selhe dificulte o entendimento da motivação, prolatada sempre que existir um doscasos elencados no art. 267, CPC.

Veja-se, a seguir, um pequeno trecho da ótima sentença exarada pela 1-Vara Cível do Foro Regional de Pinheiros, Comarca da Capital de São Paulo emação reivindicatória, destacando-se não só a clareza da fundamentação, mas tam-bém a feliz seleção das palavras de coesão, responsáveis pela unidade textual:

"A pretensão da autora deve ser atendida, sob os argumentos expostos nainicial, e ante o conteúdo probatório dos autos.

Não pairam dúvidas sobre estar a suplicante1 habilitada a promover areivindicatória, comprovada que está sua aquisição por título válido, devidamen-te registrado, consoante documentos de fls. 14/16.

Não possuindo título, tomaram os réus a única iniciativa que lhes resta-va: opor-se à pretensão,2 invocando a posse "ad usucapionem" e, de conseqüên-cia,3 a prestação aquisitiva, fundados, ao que tudo indica (pois a defesa não es-clareceu suficientemente a respeito), no texto constitucional, à míngua de elemen-tos, inclusive4 de ordem temporal, que os autorizassem a lançar mão do artigo 550do Código Civil.

O certo, porém,5 é que a prova oral produzida em nada favorece os re-queridos. As testemunhas por eles próprio6 arroladas (v. fls. 60/61) não soube-ram informar as circunstâncias em que ocorreu a ocupação e sequer chegaram aatestar categoricamente a prática de atos, pelos réus, que sugerissem o ânimo demanter o terreno como se donos fossem.

Os outros relatos (fls. 58/59) ao revés, deixaram ver com bastante clare-za que, na verdade, os réus jamais foram investidos na condição de possuidoresdo terreno, mas sim nele7 permaneceram, desde o início,8 por ato de mera per-

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missão e tolerância do anterior titular do domínio, ajustando-se a situação, pois,dos precisos termos do artigo 497 do Código Civil.

Não bastasse tudo isso, importaria ainda considerar que, de qualquer for-ma, mesmo que se admitisse, apenas para argumentar, a condição dos réus deautênticos possuidores, não lhes seria dado9 invocar o artigo 183 da Constituiçãoda República, não só porque qualificado no caso a oposição do proprietário, como,10

sobretudo, porque se cuida aqui de área com metragem superior (606 m2) à refe-rida naquele dispositivo, inadequada portanto11 ao implemento da política dedesenvolvimento urbano que norteou o legislador no capítulo em questão.

Cabe, demais de tudo, dispor que, não se podendo cogitar de posse12 dosréus, não há falar-se13 em efeitos que poderiam ser14 por ela gerados."

Apenas para apresentar algumas notações estilísticas - nunca com o âni-mo de diminuir-lhe o valor redacional - serão feitos comentários do texto:

1. suplicante: como já se viu anteriormente, esta forma não é preferidapela doutrina;

2. pretensão, invocando: no texto original não há vírgula, gramaticalmentenecessária, porém, antes do gerúndio;

3. de conseqüência: no texto original, a expressão não aparece entre vír-gulas, necessárias aqui para destacar a expressão;

4. inclusive: no texto original, a ordem das palavras - à míngua de elemen-tos, inclusive de ordem temporal - poderia ter sido substituída por: àmíngua de elementos de ordem temporal, inclusive que... Obter-se-ia, coma mudança, efeito mais gramatical, em razão de o sentido do vocábu-lo inclusive requerer seja ele colocado após a idéia que se pretendeincluir. Querendo colocar a expressão antes da idéia incluída, poderiaser usada a forma: à míngua de elementos, incluindo os de ordem tem-poral;

5. porém: no texto original, a conjunção porém não aparece entre vírgu-las. Lembre-se, porém, que entre as conjunções adversativas, só masaparece obrigatoriamente no começo da oração; as demais podem virno início ou no meio. No primeiro caso, há vírgula antes da conjun-ção; no segundo, correspondente ao caso em tela, a conjunção deveaparecer entre vírgulas;

6. próprio: evidentemente que houve mero erro de impressão porque alinguagem cuidada da sentença não admite a hipótese de construçãoirregular - ele próprio/eles próprios;

7. mas sim nele permaneceram: devem ser observados dois excelentesempregos; em primeiro plano, a correlação jamais/mas sim, aliás, bas-tante adequada; por fim, elogie-se o emprego da anástrofe (inversão

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dos termos contíguos), ou seja, em lugar de permaneceram nele, colo-ca-se a anteposição - nele permaneceram, de grande valor estilístico;

8. desde o início: no texto original, a expressão adverbial não aparece entrevírgulas, apesar de a pontuação ser solução gramatical;

9. não lhes seria dado: observe-se a correção gramatical da colocaçãoproclítica no tempo composto, antepondo o pronome oblíquo átono aoverbo auxiliar no futuro do pretérito, por ocorrer fato eufônico capazde provocar-lhe o deslocamento para a posição proclítica (advérbio denegação);

10. como: no caso em tela, melhor seria o emprego da correlação não só -mas também evitando-se, ainda, a repetição da palavra porquê;

11. portanto: como palavra de realce, deveria estar entre vírgulas;12. cogitar de posse: verifica-se a propriedade do emprego da preposição

de e não da contração da, porque não se cogita posse dos réus;

13. não há falar-se: louvável o emprego enclítico, por ser uso erudito di-ante do infinitivo impessoal, mesmo na presença do advérbio não, ele-mento que poderia deslocar o pronome. Lembre-se, também, que ou-tra forma há - menos culta, mas igualmente correta: não há de se fa-lar - no caso, a presença da preposição de aconselha o uso normal dapróclise pela presença do advérbio de negação.

14. poderiam ser por ela gerados: outro ótimo exemplo de anástrofe destafeita com a inversão do agente da passiva, solução sempre feliz e degrande vigor retórico.

Cumpre salientar que da sentença aqui apresentada houve apelação, sen-do, no entanto, reconhecida a precisão da nobre sentença, negando-se provimen-to ao recurso, tendo o acórdão decidido assim: "Nenhum reparo merece o decisóriosingular".

6.6 A LINGUAGEM NOS RECURSOS JURÍDICOS

É nesta fase judicial que o profissional do Direito carreará aos autos a exu-berância do discurso jurídico, adunando à sua tese a demonstração da lei comoamparo legal a seu ponto de vista e a jurisprudência como alicerce de todo seuraciocínio argumentativo. Aquela retrata a legitimidade recursal, esta, a sabedo-ria na aplicação da lei.

Dos recursos, a modalidade mais conhecida é a Apelação, remédio parapleitear reforma ou modificação da sentença singular (juiz a quo), da qual a par-te sucumbente discorda.

Page 206: Curso de português jurídico

Haverá, in casu, duas peças. A primeira delas é um requerimento simples,redigido em linguagem direta e concisa, solicitando ao juiz da causa a remessa dosautos e as inclusas Razões de Apelação ao Tribunal (juiz ad quem).

As razões são um discurso eloqüente, com demonstração de conhecimen-to doutrinário e pesquisa jurisprudencial, devendo ser dirigidas ao Colendo Tri-bunal ou aos Egrégios Julgadores.

Uma boa linguagem, sempre é aconselhável lembrar, não é sinônimo deafetação. Antes, é a organização lógica das idéias, predominância de vocábulosdenotativos-unívocos - sempre que possível e bem especificados, quando equívo-cos. Também, é o momento do emprego de figuras de retórica, elegantes e discre-tas, como instrumento de persuasão e de expressividade do pensamento.

Por derradeiro, deve lembrar-se o Apelante de que os juizes desembar-gadores não acompanharam o processo. Haverá, por isso, a indicação concisa dosfatos e fundamentos principais e a análise demorada das provas que, a seu ver,não autorizam a decisão de Ia instância, merecendo ela ser, portanto, reformada.

6.7 PARTICULARIDADES DA LINGUAGEM NAS PEÇASJURÍDICAS

6.7.1 Mandado de segurança

Não se faz uniforme a linguagem jurídica, havendo particularidades con-soante as características de cada peça.

No âmbito petitório, por exemplo, a linguagem do Mandado de Seguran-ça, nos termos do art. 52, LXIX do texto constitucional, apelidado o Requerenteou Impetrante. É ele que, havendo ameaça ou violação de direito líquido e certopor ilegalidade ou abuso de poder, solicitará ao juiz ou tribunal que mande segu-rança, impedindo que se consuma ou que continue a ocorrer a lesão ao direito,em razão da conduta da autoridade chamada coatora.

O mandamus é uma ação civil, de natureza cível, trabalhista, tributária oupenal, vale resumir, ação sempre civil, independentemente do ramo de direito quelhe dá origem. O prazo para requerê-lo é decadencial e não de prescrição. Assim,contados cento e vinte dias da ciência do ato que se pretende impugnar, cessaqualquer direito a ser protegido pelo mandado de segurança.

Ao redigir a petição inicial de mandado de segurança serão seguidos, nãoà risca, os artigos 282 e 283 do Código de Processo Civil.

Exemplo disso é o réu, a autoridade coatora, que não tem estado civil nemresidência; apenas domicílio, qual seja, o órgão que representa. Só há falar-se naqualificação exigida pelo art. 282, CPC, quando houver pessoas naturais comolitisconsortes passivos, necessários.

Page 207: Curso de português jurídico

Também, não há citação do réu. Em mandado de segurança, requer-se anotificação da autoridade coatora.

Desnecessário é, ainda, a especificação de provas a serem produzidas,porque só se aceita a documental que, regra geral, acompanha a inicial. Apenasnos casos em que existirem documentos em poder do oponente, art. 355, CPC, éque não haverá a juntada da prova documental, havendo pedido para sua exibi-ção.

É preciso dar um valor à causa, ainda que o mandado de segurança nãotenha conteúdo econômico imediato.

Por fim, diferentemente do outro remédio heróico, o Habeas Corpus, omandado de segurança deve ser pedido por advogado legalmente habilitado, comas exceções contidas no art. 36, CPC. A razão aponta-se claramente; enquantonaquele outro é a liberdade, pura e simples, que se tutela, desde que injusta, si-tuação facilmente deduzida pela narrativa dos fatos, no mandado de segurançahá, necessariamente, discussão de fato e de direito - este líquido e certo - que aoleigo ou incipiente não é dado conhecer, presume-se, os fundamentos teóricos elegais.

6.7.2 Habeas Corpus

O Habeas Corpus é o meio mais rápido e o mais eficaz de que dispõe oadvogado, nos casos de arbitrariedade e de constrangimento legal, art. 647, CPP,para defesa de quem se encontra ameaçado ou violentado no direito de locomo-ção.

Ministra Vitorino Prata Castelo Branco (1991:35) que a ordem concedidapelo mandado cujas iniciais eram, em latim. Habeas Corpus era uma frase cujo teordizia: "Toma (literalmente: tome no subjuntivo habeas, de habeo, habes, habere,ter, exibir, tomar, trazer etc.) o corpo deste detido (isto é, a pessoa física) e vemsubmeter ao tribunal o homem e o caso."

Ensina, ainda, o ilustre jurista que o remédio heróico inserido na Consti-tuição de 1891 tinha sentido mais amplo, não tutelando apenas o direito de loco-moção, como ocorre com o art. 5fl, LXVTÍI, do texto constitucional de 1988.

A petição de Habeas Corpus pode ser redigida pelo próprio acusado, porqualquer do povo, ou pelo Ministério Público, não se exigindo ser datilografada.Indispensável se faz ter duas cópias e se qualificar o paciente (pessoa que estáameaçada de sofrer violência ou coação ou que sofre a injusta coação); as razõesque fundam o pedido, narrando com clareza os fatos de maneira a deixar eviden-te o ato injusto da autoridade coatora; a assinatura do impetrante ou a seu rogo(se não souber ou não puder escrever) com indicação do endereço.

Page 208: Curso de português jurídico

A liberalidade da lei esbarra, porém, no necessário conhecimento que sehá de ter da lei, da doutrina e da jurisprudência para alcançar o resultado preten-dido, nas mais variegadas situações que se apresentam no mundo concreto. Ape-sar de o folclore jurídico dizer que muito preso há com habilidade para peticionaro remédio heróico, bom é acreditar que o advogado o impetre com mais eficiên-cia.

Muitos bons modelos há para impetrar ordem de Habeas Corpus em favorde um paciente que sofre ou está na iminência de sofrer constrangimento ilegalrestritivo do direito de locomoção.

Em todos, verifica-se que o mais importante é expor os fatos com simpli-cidade, de forma objetiva e concisa, dirigindo o pedido à autoridade hierarquica-mente superior à coatora. Sendo preventivo o pedido, além da solicitação da or-dem, deve o impetrante requerer seja expedido salvo-conduto em favor do pa-ciente.

Uma particularidade merece registro. Quem solicita é o impetrante emfavor de alguém e não o paciente representado por um impetrante.

Também, a exigência do endereço do impetrante pode ser solucionada pelopapel timbrado que o indica.

Apresentar-se-ão, a seguir, dois exemplos bem simples, um liberatório eoutro preventivo, ambos dirigidos a juiz de direito.

Page 209: Curso de português jurídico

Modelo 1 - Habeas Corpus Liberatório

3,0 cm

EXCELENTÍSSIMO SENHOR DOUTOR JUIZ DE DIREITO DA ... VARACRIMINAL DA COMARCA DE TAUBATÉ, SÃO PAULO

8,0 cm

8,0 cm

"" "JOÃO DIAS, brasileiro, casado, advogado,inscrito na OAB/SE , com escritório na Rua Crispiniano, 36,nesta cidade, vem respeitosamente, à presença de Vossa Excelência para,nos termos do art. 52, LXVTII da Constituição Federal de 1988 e arts. 647

4;o cm e s. do Código de Processo Penal, impetrar ORDEM DE "HABEAS CORPUS" < 2,0 >

"em favor de MANOEL LIMA, brasileiro, casado, comerciário, residente naAv. Júlio Nogueira, 500, nesta cidade, pelos motivos seguintes:

1. No dia 4 de março do corrente ano, porvolta das 23 horas, o paciente dirigia-se a seu lar, vindo da escola, semportar carteira de identidade, mas munido de seus livros e cadernos.

2. Ao passar nas proximidades da RuaTibiriçá, 56, foi levado à delegacia de polícia local, para averiguação defurto ocorrido nas imediações.

3. Além da absoluta inocência do paciente,bom moço, estudante e trabalhador, como demonstram os documentosinclusos, manifestamente injusta é a prisão porque não houve prisão emflagrante e não há contra o paciente mandado de prisão expedido por umjuiz de direito.

4. Estando preso há mais de 2 (dois) dias, semque lhe tenha sido fornecida nota de culpa, demonstrada está a coaçãoexercida pelo Delegado de Polícia da 2- Delegacia de Polícia.

Nestes termos, requer o impetrante seja con-cedida a ordem de "habeas corpus", com expedição de alvará de solturae demais providências.

Termos em queE. Deferimento.Taubaté, 6 de março de 1999.

JOÃO DIASOAB/SE

1,5 cm

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Modelo 2 - Habeas Corpus Preventivo

3,0 cm

EXCELENTÍSSIMO SENHOR DOUTOR JUIZ DE DIREITO DA VARACRIMINAL DA COMARCA DE TAUBATÉ, SÃO PAULO

8,0 cm

8,0 cm

•* "TVÍANOEL LOPES, brasileiro, casado, advoga-do, inscrito na OAB/SE , com escritório na Rua Bartira, 30,nesta cidade, vem perante VOSSA EXCELÊNCIA, na forma da lei, comfundamento no art. 52, LXVIII da Constituição Federal de 1988 e demais

4,0 cm fundamentos legais, impetrar ORDEM DE "HABEAS CORPUS" em favor < 2,0 ^*"de JÚLIO DIAS, brasileiro, casado, comerciante, domiciliado na Rua Tomede Sousa, 405, em face do Delegado de Polícia da 2- Delegacia de Polícia,pois se acha na iminência de ser preso por ordem da autoridade policial,pelos motivos seguintes:

1. O paciente adquiriu um veículo marca Gol,1986, placa PY 5070 - SP, em rifa ocorrida por ocasião dos festejos juninosda Associação de Bairro Jardim Taubaté, conforme documento incluso.

2. Estacionado na Rua da Saudade, 56, foi opaciente abordado por JOSÉ SILVA, brasileiro, casado, comerciante, resi-dente na Rua Alegria, 50, Jardim Felicidade, que disse ser de sua propri-edade o veículo do paciente, afirmando, ainda, ter sido vítima de furto,conforme BO prestado na 2- Delegacia de Polícia.

3. A autoridade coatora ordenou a prisão dopaciente, só não alcançando seu desiderato injusto em razão de não es-tar o paciente no seu estabelecimento comercial, quando ali chegaram ospoliciais com a notícia de coação.

Espera, assim, o impetrante que, pedidas asinformações e observadas as formalidades legais, haja por bem VossaExcelência de mandar expedir a ordem impetrada, expedindo o salvo-con-duto que livre o paciente da injusta ameaça.

Termos em que

E Deferimento.

Taubaté, 12 de agosto de 1999.

MANOEL LOPES

OAB/SR1,5 cm

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6.7.3 A linguagem da denúncia

Na esfera criminal, a peça de abertura, conhecida como vestibular e cha-mada de denúncia pelo legislador, exige do Promotor de Justiça habilidade natécnica da narrativa, devendo contar os fatos com objetividade e concisão parademonstrar a formação de sua opinio delicti, imputando ao antes indiciado (noinquérito policial), ora denunciado, o tipo legal que descreve a conduta crimino-sa, conforme preceitua o art. 45, CPP. No caso de co-autoria, há de se individuali-zar as condutas, porque o tipo em lei descrito como crime deve ajustar-se à situ-ação fática, sendo inepta a denúncia que não descreva o fato criminoso e que nãorealize a descrição pormenorizada da conduta do acusado, ou de cada acusado,com referência descritiva do nexo subjetivo entre a participação do denunciado(ou de cada um deles) e a prática delituosa.

Em se falando de denúncia, bom é recomendar que se evite o modelo queinicia com a fórmula "Consta do incluso inquérito"..., porque esta colocação é maisprópria para o corpo da denúncia e não como parte introdutória. Assim, melhor éseguir modelo que narra os fatos como se reais fossem, do tipo: "No dia 15 denovembro, às vinte horas,"...

Neste último caso, advirta-se, a narrativa seguirá o roteiro próprio do gê-nero redacional em questão, respondendo às perguntas a ele pertinentes; quan-do? onde? quem? o quê? como? por quê?

Poderá, ainda, a denúncia seguir modelo que enuncia: "O Ministério Pú-blico, no uso de uma de suas atribuições"... Qualquer que seja o modelo escolhi-do, importante se faz descrever o tipo a que se imputará o crime, não explicitandoo delito, vale lembrar, não dirá a denúncia que o acusado furtou, mas que sub-traiu para si (ou para outrem) objeto móvel alheio.

Também, independentemente do modelo usado na denúncia, proibitivo émisturar pessoas. Se a descrição for em 3a pessoa, agramatical é concluir por 'Anteo exposto, denuncio"...

Por fim, a linguagem da denúncia deve ser objetiva, sem adjetivação, lem-brando-se de que a opinião do delito não é o mesmo que demonstração do delito,conteúdo da fase do art. 500, CPP, quando as partes da relação processual procu-ram demonstrar a suficiência das provas aos autos carreadas em suas AlegaçõesFinais.

6.7A A linguagem das alegações finais

Neste passo, oportuno é mencionar que o Ministério Público, órgão de eliteno mundo jurídico, tem uniformizado a redação desta peça processual, ao menosno Estado de São Paulo, dividindo as Alegações Finais em duas partes:

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a. Relatório

A finalidade é demonstrar a apuração processual. Ao oferecer a denúncia,pautou-se o MP em informações da autoridade policial e deve, agora, ratificar osfatos como a opinio delicti verificou terem ocorrido. O relatório das Alegações Fi-nais é a conclusão fática do MP. A partir dele é que o Promotor de Justiça tecerásuas argumentações.

O fato apresenta duas dimensões no relatório das Alegações Finais doMinistério Público. Em primeiro plano, reforça a narrativa da denúncia, agoraconfirmada e apoiada na instrução judicial. Enumera e situa os depoimentos dedefesa (não presentes no inquérito) e examina com atenção os depoimentos acu-satórios, tomando-os como base para a argumentação.

Ao apontar as provas, a seleção delas tem valor persuasivo, vale lembrar,serão escolhidos os testemunhos mais fortes, quando forem de acusação, e os maisfracos entre os que sustentam a defesa.

Desta sorte, o aparente equilíbrio de indicar provas favoráveis e desfavo-ráveis ao réu para concluir por sua culpa, é desequilibrado pelo conteúdo, pordestacar os que dificultam a defesa, que terá de ilidi-los e, ao mesmo tempo, apre-sentar seus próprios argumentos. O resultado disso, muitas vezes, é o efeito pul-verizador dos argumentos de defesa, diminuindo-lhe o ímpeto na explanação deseus pontos fortes.

b. Argumentação

É o exame opinativo das provas. Neste passo, a linguagem há de ser es-sencialmente lógica, demonstrando o nexo de causalidade, utilizando, para isso,comparações e contrastes no plano argumentativo que evidenciem a culpa do réu.

Quanto à defesa, momento decisivo se lhe é o das Alegações Finais por-que não só deverá refutar a argumentação acusatória, mas ainda convencer o juizda ausência de provas condenatórias e, as tendo, serem elas fracas e insuficientespara um decreto ao acusado desfavorável.

Whitaker Penteado, em obra já citada, p. 242, elenca alguns meios de ilidirargumentos:

"l2 Procure refutar o argumento que lhe pareça mais forte. Comece por ele.2- Procure atacar os pontos fracos da argumentação contrária.32 Utilize a técnica de 'Redução às Últimas Conseqüências', levando os argumen-

tos contrários ao máximo de sua extensão.4fl Veja se o opositor apresentou uma evidência adequada ao argumento empre-

gado.5a Escolha uma autoridade que tenha dito exatamente o contrário do que afir-

ma o seu opositor.

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6° Aceite os fatos, mas demonstre que foram mal empregados.7° Ataque a fonte na qual se basearam os argumentos do seu opositor.8a Cite outros exemplos semelhantes que provem exatamente o contrário dos

argumentos que lhe são apresentados pelo opositor.9° Demonstre que a citação feita pelo opositor foi deturpada com a omissão de

palavras ou de toda a sentença que diria o contrário do que quis dizer o opo-sitor.

IO2 Analise cuidadosamente os argumentos contrários, dissecando-os para reve-lar as falsidades que contêm."

Certo é que o advogado de defesa não irá empregar todos os meios de umasó feita, mas todas as sugestões são bastante úteis.

Quando o advogado enfrenta o argumento mais forte, desmorona ele a basedo adversário, conseguindo expor com mais tranqüilidade suas idéias. Caso con-trário, também lhe será útil: se abater os mais fracos, irá diminuir a robustezacusatória.

De igual sorte, aceitar o argumento, refutando sua aplicação ou constatan-do não ser ele adequado ao que se pretende evidenciar, dará ao advogado umasustentação sólida para sua tese.

Assim, consoante o fato e de acordo com a realidade dos autos, o advoga-do selecionará uma ou mais formas de argumentar. Em todas elas, a língua portu-guesa bem organizada é um fator decisivo na feitura de peças jurídicas, devendo"o desmonte" da defesa, tanto quanto as Alegações Finais do MV, revestir com lin-guagem esmerada a logicidade argumentativa.

6.7.5 A linguagem dos contratos

O contrato é acordo de vontades, pelo qual se adquire, resguarda, trans-fere, modifica ou extingue direitos e obrigações, requisitos presentes, também, noscontratos atípicos ou naqueles em que há maior intervenção estatal.

A estrutura básica do contrato deve apresentar os seguintes elementos:

a. título ou denominação: para que se possa identificar a espécie con-tratual;

b. preâmbulo ou introdução: designação e qualificação das partes, doobjeto que está sendo ajustado e da finalidade contratual. Nos contra-tos empresariais, o preâmbulo constitui-se dos Considerandos - que sãojustificativas ou fundamentos do acordo - além de apressar as defini-ções dos termos contratuais, evitando equívocos, ainda mais nos con-tratos comerciais internacionais;

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c. corpo do contrato: é o contexto, com a série ordenada das cláusulas,escritas em seqüência lógica, com correção de linguagem, em frasescurtas e objetivas;

d. fecho: é a parte que realça o consentimento das partes e a disposiçãopara o cumprimento do vínculo obrigacional;

e. local e data;f. assinatura dos contratantes;g. assinatura das testemunhas.

Importante se faz destacar que as cláusulas não podem ajustar objeto ilí-cito ou em lei defeso, havendo, ainda, de seguir normas oriundas do interven-cionismo estatal, cada vez mais crescentes, porque não há mais a noção paritáriada teoria tradicional dos contratos, em que duas pessoas discutem, cláusula a cláu-sula, as regras. Têm vigorado nas sociedades de consumo, métodos estandar-dizados de contratos de massa, em todas as espécies contratuais, v. g., compra evenda, prestação de serviços.

Todavia, apesar do aumento significativo desses contratos de conteúdohomogêneo, é de se lembrar ao profissional e ao acadêmico de Direito que redi-gir contratos é uma arte de escrever que não pode ser esquecida, pois constran-gedor lhes seria, se houvesse solicitação para a feitura de um contrato, confessarnão saber redigi-los por tê-los impressos, à disposição de todos, nas papelarias.

É imperativa, pois, a consulta a bons autores de prática contratual para aestipulação não só de cláusulas usuais, mas das específicas à espécie, lembrando,inclusive, que a enumeração das cláusulas se faz ordinal até a 9a (nona), passan-do a ser cardinal da cláusula 10 (dez) em diante, sistema adotado na técnicalegislativa.

6.8 EXERCÍCIOS

1. Maria é absolutamente incapaz e sua irmã Lúcia é relativamente incapaz, con-tando as irmãs, respectivamente, 12 e 17 anos. Pretendendo elas locar imóvelhavido por herança avoenga por intermédio de administradora, como serápossível a outorga do instrumento de mandato? Justifique.

2. Luís possui um imóvel administrado por corretor de imóveis. Tendo o inquili-no deixado de cumprir as obrigações locatícias, poderá o administrador doimóvel, pessoalmente, representar os interesses do locador? Justifique, anali-sando o fato em todas suas implicações.

3. Maria Dolores encontra-se viajando e foi citada por Edital. Estando para ven-cer o prazo, sua irmã poderá contratar advogado para contestar a ação? Jus-tifique.

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4. Ao substabelecer o procurador, afasta-se ele do mandato em caráter definiti-vo? Comente.

5. Se "A" indica o advogado "X" seu defensor em ata de audiência, precisará oprocurador instruir os autos com o instrumento de mandato? Justifique.

6. Redija um requerimento, dirigido ao Diretor da Faculdade de Direito, solici-tando revisão de prova. Justifique, a seguir, sua escolha pela forma simples oucomplexa.

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Parte VII

ESTILÍSTICA

JURÍDICA

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RECURSOS ESTILÍSTICOS

NO DIREITO

7.1 COMENTÁRIOS PRELIMINARES

Uma pergunta impõe-se: existe uma Estilística Jurídica?É certo que não há uma ciência retórica aplicada ao Direito, assim enten-

dido o estudo de um objeto por meio de método próprio, com regras sistematiza-das. O que há, sim, é o exame dos recursos expressivos colocados ao alcance doestudante e do profissional do Direito para - a partir de certas diretrizes e empre-gando certos conceitos - falar e escrever com mais vigor, comunicando melhor seuspensamentos e emoções.

Embora o Direito conserve em seu discurso expressivo os ensinamentos daRetórica, muito mais uma técnica de argumentação (vinculada à Lógica) do quede ornamentação, tem ele se apropriado das informações da disciplina Estilística,desenvolvida no final do século XIX e consolidada no século XX, em especial pe-los estudos de Bally e de Croce, que exploraram a língua como um sistema expres-sivo, buscando nos elementos estruturais dela - gramaticais, inclusive - o reper-tório de material estilístico para dizer, com mais eficiência, o pensamento.

O estudo do estilo desgarrou-se do propósito normativo da Retórica, masnão perdeu a meta de atingir o estatuto de ciência: sem um método rigoroso, amoderna Estilística vai indicando formas de expressividade da língua e tais valo-res expressivos vão sendo aplicados nos diversos setores da comunicação huma-na, dentre eles o jurídico, mais como um convite à reflexão de seus usos e efeitos,como aqui se fará, estendendo a proposta ao leitor para que não entenda ele o

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RECURSOS ESTILÍSTICOS

NO DIREITO

7.1 COMENTÁRIOS PRELIMINARES

Uma pergunta impõe-se: existe uma Estilística Jurídica?É certo que não há uma ciência retórica aplicada ao Direito, assim enten-

dido o estudo de um objeto por meio de método próprio, com regras sistematiza-das. O que há, sim, é o exame dos recursos expressivos colocados ao alcance doestudante e do profissional do Direito para - a partir de certas diretrizes e empre-gando certos conceitos - falar e escrever com mais vigor, comunicando melhor seuspensamentos e emoções.

Embora o Direito conserve em seu discurso expressivo os ensinamentos daRetórica, muito mais uma técnica de argumentação (vinculada à Lógica) do quede ornamentação, tem ele se apropriado das informações da disciplina Estilística,desenvolvida no final do século XIX e consolidada no século XX, em especial pe-los estudos de Bally e de Croce, que exploraram a língua como um sistema expres-sivo, buscando nos elementos estruturais dela - gramaticais, inclusive - o reper-tório de material estilístico para dizer, com mais eficiência, o pensamento.

O estudo do estilo desgarrou-se do propósito normativo da Retórica, masnão perdeu a meta de atingir o estatuto de ciência: sem um método rigoroso, amoderna Estilística vai indicando formas de expressividade da língua e tais valo-res expressivos vão sendo aplicados nos diversos setores da comunicação huma-na, dentre eles o jurídico, mais como um convite à reflexão de seus usos e efeitos,como aqui se fará, estendendo a proposta ao leitor para que não entenda ele o

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assunto como de natureza normativa ou conclusiva, mas como ponto de partidapara pesquisas sobre o assunto, como forma de organizar seu estilo individual peloemprego dos meios expressivos em potencial na língua, resultando efeitos positi-vos na elaboração de seu discurso.

Bom é recomendar ao leitor, além das obras de José Lemos Monteiro e NikeSanfanna Martins, outros autores que merecem ser pesquisados, dentre eles, PierreGuiraud (A estilística, Mestre Jou), Mattoso Câmara Jr. (Contribuição à estilísticaportuguesa, Ao Livro Técnico), Gladstone Chaves de Melo (Ensaio de estilística dalíngua portuguesa, Padrão), Silveira Bueno (Estilística brasileira, Saraiva) e JoséB. T. Vilanova (Aspectos estilísticos da língua portuguesa, Universitária), sem olvi-dar, é evidente, Aristóteles (Arte retórica e arte poética, Edições de Ouro).

7.2 FIGURAS DE LINGUAGEM

Apesar de a Estilística contemporânea não se bastar em mero inventáriode figuras de retórica, algumas desnecessárias, é bom, ao acadêmico, e ao profis-sional do Direito, um conhecimento, de forma genérica, das figuras de linguagemempregadas com maior freqüência na comunicação jurídica. Não deve o leitor,adiante-se, preocupar-se com os nomes, alguns difíceis de gravar, mas com a iden-tificação da figura, de sorte a permitir sua aplicação expressiva no discurso oralou escrito.

Como já foi dito, não pretende o estudo esgotar os diferentes tipos de fi-guras de linguagem; objetiva-se, sim, comentar usos e efeitos de algumas delasno ato comunicativo jurídico.

7.2.1 Figuras de palavras

Muito se comentou no presente Curso de português jurídico sobre a impor-tância dos vocábulos unívocos ao Direito e sobre o cuidado que se há de ter coma equivocidade vocabular e, ainda, com o emprego inadequado de palavras aná-logas.

Todavia, não há supor-se que um vocábulo tenha apenas um significado -e de natureza denotativa - porque o caráter polissêmico dos signos é tão naturalquanto as diversidades significativas de uma mesma idéia ou objeto na mente ouno espírito dos usuários de uma língua comum a todos eles.

Assim, no discurso jurídico há um largo emprego denotativo das palavras(significado fixado pela convenção lingüística com o propósito de representar umaidéia ou objeto de forma especificada), mas a linguagem jurídica - como não po-deria deixar de ser - exterioriza sentimentos e busca persuadir idéias, revestindo

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os significados das palavras com valores expressivos ou seja, empregando-as deforma figurada ou conotativa.

Leiam-se as amostras:

1. "Aquele que usa arma para resolver seus problemas, aquele que faz da forçae da violência a razão de viver, de obter suas vantagens, não pode ser consi-derado um elemento comum. Elemento comum exerce um direito. E nós, hoje,estamos tão somente (sic) exigindo justiça. Não é o Ministério Público que quera condenação. O Ministério Público só tem o dever de instruir Vossas Exce-lências daquilo que a lei dita, daquilo que é norma legal para se viver em so-ciedade. O Ministério Público só deve advertir o egrégio Conselho de Senten-ça como devem decidir nos moldes em que está o texto da lei." (Fagundes,1987:72)

2. "Sentido, senhores! Quando o tribunal popular cair é a parede mestra da jus-tiça que ruirá! Pela brecha hiante vasará o tropel desatinado e os mais altostribunais no alto de sua superioridade!" (Roberto Lyra)

3. "Eu trago à Convenção a verdade e a minha cabeça. A Convenção poderá dis-por de uma, depois de ter ouvido a outra." (Berryer, advogado de réus daRevolução Francesa)

4. "O Promotor de Justiça veste-se de Catão para punir um homem comum, quepraticou o adultério pela astúcia de uma mulher sedutora, que além de oenvolver com propostas maliciosas, entorpeceu-lhe a razão pelas ameaças dedestruir-lhe o casamento, chantagem ignóbil que representa, ela sim, uma imo-ralidade a ser repudiada pela intransigência do Ministério Público." (adapta-ção livre)

5. "A vítima sentiu em sua carne a violência do acusado; viu o movimento da facaferir seus órgãos vitais; ouviu as palavras duras e impiedosas do agressor epretende, ainda, a defesa, demonstrar que o réu não cometeu tentativa de ho-micídio, mas tão-somente lesão corporal culposa." (adaptação livre)

6. "O acusado agiu como um leão que ataca o cordeiro; sabia de sua força e valeu-se dela para atemorizar a indefesa vítima." (adaptação livre)

O leitor, por certo, perceberá que a linguagem de todas as amostras apre-senta um ponto em comum: presta-se ao discurso oral, ocorrendo, por isso, apossibilidade de traços afetivos explícitos, inadequados ao discurso escrito queexige um tom comedido e racional.

Também, em todos os exemplos, nota-se a presença de figuras de palavras,adequadas a este tipo de linguagem.

Veja-se:

1. Na amostra 1, tem-se umasinédoque: variação da metonímia pela qualhá uma extensão da significação vocabular (o plural pelo singular/osingular pelo plural; o gênero pela espécie ou vice-versa; a matéria peloobjeto; o todo pela parte/a parte pelo todo).

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Na sinédoque em tela, o todo - Ministério Público é empregado em lu-gar da parte (membro do Ministério Público).O recurso permite traduzir a idéia de que não só o Promotor Público,que enuncia o discurso, considera necessária a condenação do réu. Eleé porta-voz do Ministério Público e representa o pensamento de todaa categoria.

2. Na amostra 2, clara está a metáfora, ou seja, a figura pela qual se ope-ra a transposição, a transferência de significação de um termo para ooutro; a conseqüência é a transformação, a transmutação de um ele-mento em outro.Já na comparação não há esta absorção de um elemento por outro; nesta(comparação), cada elemento tem suas propriedades e as conserva;ocorre entre os elementos apenas uma aproximação.Considerem-se os exemplos:a. O tribunal popular é como a parede mestra da Justiça.

Comparação: "parece, mas não é"; é como (se fosse); não há assi-milação de um termo pelo outro.

b. O tribunal popular é a parede mestra da Justiça.Metáfora: o tribunal tornou-se a parede mestra; um elemento as-sumiu as características do outro; houve a transformação de umem outro.

A metáfora - mudança de sentido de um termo - é mais comum nodiscurso jurídico do que aparenta ser. Não há plano metafórico ape-nas na linguagem literária; sempre que se trabalha a palavra em sen-tido conotativo, instala-se a metáfora, recurso que confere expres-sividade à camada vocabular do discurso.

3. Na amostra 3, novamente se vislumbra a presença da sinédoque, ago-ra da parte para o todo - dispor da cabeça é dispor do corpo inteiro.Também a palavra corpo é um processo metonímico. A metonímiaocorre quando se emprega o autor pela obra; o lugar pelo produto; oprodutor pela coisa produzida; o símbolo ou sinal pela coisa significada;o continente pelo conteúdo ou vice-versa e o concreto pelo abstratoou vice-versa.

No caso em tela, o substantivo concreto cabeça é empregado no lugardo abstrato mente. Refere-se ao modo de pensar do emissor.

4. Na amostra 4, tem-se o emprego da antonomásia, ou seja, substitui-ção de um nome por outro que facilmente o identifique.A antonomásia é também variante da metonímia e pode ser compostapor expressões, no caso em maiúsculas, e. g.,o Águia de Haia (Rui Bar-

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No caso em pauta, Catão está empregado com o sentido de moralistaaustero e reforça a idéia de intransigência dada ao Promotor de Jus-tiça.Há antonomásia na construção bastante comum na linguagem jurídi-ca: sentença draconiana (injusta e demasiado severa), usada por iden-tificação a Draco, legislador excessivamente rigoroso, tanto que injus-to.

5. Na amostra 5, encontra-se exemplo de sinestesia, ou seja, um conjun-to de elementos sensoriais reforçando a idéia central. Para realçar aidéia de sofrimento da vítima, destacam-se o sentir, o ver e o ouvir.

Também é possível construir asinestesia, associando-se a uma coisa qua-lidade que lhe é incompatível, trabalhando-se no campo sensorial, e.g., doce infância, amarga recordação.

6. Na amostra 6, há exemplo de simile ou comparação, ou seja, o cotejode dois fatos, seres ou fenômenos, em relação estabelecida pela seme-lhança.No caso em foco, tem-se a explicitação do conectivo comparativo como,marca do simile - acusado agiu como leão (age).A comparação é momento anterior da metáfora; o processo completa-se com a eliminação do conectivo - o acusado é um leão, em contrasteà vítima, indicada no caso pela palavra cordeiro - uso metafórico.Bom de lembrar é o fato de a metáfora cristalizada assumir um senti-do convencional, sendo chamada de símbolo, e. g., a balança, símboloda Justiça.

7.2.2 Figuras de construção

As figuras de construção são os recursos expressivos na elaboração (cons-trução) da frase, podendo ser tecidas pela repetição, pela omissão, pela transpo-sição e pela discordância.

O presente estudo cuidará daquelas que mais interessam - pela freqüên-cia do uso - à linguagem jurídica.

7.2.2.1 Repetição

Há um mito em torno da repetição no plano redacional, dizendo-se cons-tituir ela grave defeito. Nem sempre, porém, esta idéia é correta. Casos há - emuitos - em que a repetição indica a importância de uma idéia, prestando-lheênfase.

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Diversas são as formas de repetir-se enfaticamente a palavra ao se lhesatribuírem nomes diferentes, alguns um tanto difíceis. No entanto, não os nomes,e sim os conteúdos neles representados, devem interessar ao redator.

Atente-se para alguns tipos mais em voga na linguagem jurídica no qua-dro abaixo. O sinal x indica a palavra que se repete, enquanto o pontilhado estárepresentando os restantes termos oracionais.

Repetição

Figuras

1. anadiplose O

2. anáfora

3. diácope

4. epanadiplose

5. epanalepse

6. epanástrofe

7. epânodo

8. epístrofe

9. epizeuxe

10. ploce

11. quiasmo

12. símploce

Esquemas de Repetição

A \_J A v_y

x , x , x O

X X O

x , x O1 9 "í "3 9 1 /—\

X , X , X , X , X , X ( J

x1 x^x1 ;x2 O

x, x, x<3

X, X, X O

x , x Ox ou xO

x1 x2O x2 xJO

X1 X^X1 X 2 O

Nota: O indica o ponto final que pode ser substituído por outros sinais de pon-tuação.

No quadro, encontram-se registrados apenas alguns tipos de figuras deconstrução pelo processo de repetição. O esquema permite ao leitor apreender oconteúdo sem esbarrar no obstáculo da nomenclatura.

Alguns comentários conceituais e de utilização fazem-se necessários:

1. Anadiplose: é a repetição da última palavra ou expressão de uma ora-ção (ou frase) no início da seguinte. Todavia, só é figura de linguagemquando expressiva for a repetição, não se justificando a anadiplosepara meras informações, ainda mais na presença do pronome demons-trativo.

Page 226: Curso de português jurídico

7. Epânodo: repetição em separado de expressão, desenvolvendo-lhe osentido de forma desagregada.• "A prudência é filha do tempo e da razão; da razão pelo discurso;

do tempo pela experiência." (Vieira)8. Epístrofe: repetição de palavra no fim de cada frase.

• Pede-se aos senhores a justiça. Espera-se deste Conselho apenas ajustiça.

Veja-se o brocardo latino:• Dura lex, sed lex.

9. Epizeuxe: repetição seguida (duas ou mais vezes) do mesmo vocá-bulo para ampliar a idéia ou exortar.• Condenar, condenar, o Promotor de Justiça só pensa em lançar um

inocente na masmorra.10. Ploce: é repetir a palavra do meio de uma frase no princípio ou fim

de outra.• Pede-se Justiça não pelo espírito de caridade. É o dever, senhores,

que exige a Justiça.Pode ocorrer a ploce pela antecipação.Veja-se:• "Amor que pode crescer não é amor perfeito." (Vieira)

11. Quiasmo: é o cruzamento de termos feito por repetição simétrica.• A Justiça é o ideal do Direito. O Direito é a expressão da Justiça.

12. Símploce: é a conjugação de anáfora e epístrofe.• O que dizer daqueles que violam a lei? O que dizer daqueles que não

aplicam a lei? Não serão ambos infratores do ordenamento jurí-dico?

7.2.2.2 Omissão

Na omissão temos as formas elípticas, por não haver prejuízo para o en-tendimento da idéia.

Interessante se faz mencionar que tais figuras não deveriam ser, em prin-cípio, recursos retóricos e, sim, construções sintáticas recomendadas pela Gramá-tica. Em alguns casos, a intenção estilística mostra-se ao leitor.

1. Assíndeto: é a supressão do conectivo coordenativo.• Caminhou em direção à vítima, tirou da faca que trazia oculta na

cintura, fincou-a no ventre da mulher.

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• "Preguei, demonstrei, honrei a verdade eleitoral." (Rui Barbosa)É, como se vê, o contrário do polissíndeto (figura de repetição).• "Trabalha, e teima, e lima, e sofre, e sua!" (Olavo Bilac)

2. Elipse: é a supressão do termo que se subentende facilmente. A elipsedo sujeito é meramente gramatical. Alguns casos de omissão verbal oude conectivo realçam a idéia:• "Repreenda com severidade, quando necessário." (Vieira)Repreenda com severidade quando se fizer necessário.• Exigiu caminhasse a vítima enquanto disparava sua arma contra

ela.

{que caminhasse a vítimaouque a vítima caminhasse.

3. Zeugma: é tipo de elipse; suprime-se termo mencionado na oraçãoanterior.• A defesa clama pela inocência do réu; a acusação, pela culpa.• A Promotoria quer a Justiça; a Defesa, a caridade.• "Aqueles são as partes da natureza. Estes, a do trabalho." (Rui Bar-

bosa)

7.2.2.3 Transposição

A transposição outra coisa não é senão o processo de inversão, aplaudidocom entusiasmo pela linguagem jurídica.

Há de se tomar cuidado, no entanto, para não se realizar uma separaçãode idéias de maneira brusca porque tênue é a linha fronteiriça entre o efeitoestilístico e o vício de linguagem.

A sínquise, que faz deslocações sintáticas de forma violenta, não é utili-zada no mundo jurídico como recurso retórico; antes compromete a compreen-são do texto. Exemplo clássico é o Hino Nacional Brasileiro:

"Ouviram do Ipiranga as margens plácidasDe um povo heróico o brado retumbante."

A ordem direta constrói-se assim:

As margens plácidas ouviram o brado retumbante de um povo heróico.

A inversão brusca compromete, como foi dito, a perfeita compreensão sin-tática; tanto é verdade o fato que, não raro, se encontra a forma às margens pláci-das confundindo o sujeito personificado pelo adjunto adverbial de lugar.

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Dos variegados tipos de inversão, a anástrofe é a espécie mais expressiva elargamente usada na comunicação jurídica. Consiste na inversão da ordem daspalavras.

Vejam-se alguns exemplos:

• "Ninguém se apodera da língua e dela faz uso exclusivo." (Ronaldo C. Xavier)• Reza o art. 2° do CC que todo homem é capaz de direitos e obrigações.• "Ao titular do direito eventual, no caso de condição suspensiva, é permitido

exercer os atos destinados a conservá-lo." (art. 122, CC)• "Será dispensada a justificação, se o terceiro, cuja vida se quiser segurar, for

descendente, ascendente, irmão ou cônjuge do proponente." (Parágrafo úni-co do art. 1.472, CC)

• Clama o réu por Justiça e consiste ela em sua absolvição.

Os exemplos multiplicam-se. Pode o leitor verificar em todos os aqui indi-cados e mais os que construir ou pesquisar: o efeito estilístico é eficaz por dar força,brilho e ênfase à idéia.

7.2.2.4 Discordância

A despeito de haver um número apreciável de figuras de construção pordiscordância, não são elas empregadas no mundo jurídico, exatamente porque oobjetivo da linguagem forense é o contrário: construir frases claras e com unida-de semântica indisfarçável.

Dentre as espécies elencadas pela Retórica, merece registro a silepse (con-cordância ad sensum ou ideológica, que, é fácil perceber, se trata de uma exigên-cia semântica antes de incumbir-se da função de realçar a idéia.

Veja-se o exemplo:

Sua Excelência foi muito severo em seu parecer.

Evidente é a necessidade da silepse de gênero para clareza da idéia; a con-cordância pelo sentido é necessária, não se tornando recurso enfático, portanto.

Não deve o estudante ou profissional do Direito empregar silepses de nú-mero ou de pessoa, encontradiças no discurso literário, e. g.:

"Já toda a gente estava indignada. Queriam ouvir." (M. Torga)"Todos entramos imediatamente." (O. Lara Resende)

7.2.3 Figuras de pensamento

De todas as espécies de figuras de retórica, as de pensamento são as maisprestigiadas no mundo jurídico porque atacam diretamente o raciocínio, ornamen-tando a idéia em sua essência.

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Destacam-se entre outras:

1. Acumulação ou Congérie: é o agrupamento enfático de idéias.sendo a enumeração o processo mais comum. Gelson Clemente dosSantos (1983:81), oferece um interessante exemplo colhido emGarrett:

"Tudo era fogo e fumo, sangue e raiva!"

2. Alusão: é uma figura riquíssima, mas de difícil emprego porque re-quer conhecimento sobre determinado assunto não só do emissor, mastambém do receptor. Assim, a figura, que denota cultura, pode passardespercebida para o que não se familiariza com a idéia invocada. Piorque tudo, pode dar ao pensamento uma aparência de ininteligibilidade.Veja-se o exemplo:

Não queira o colega diminuir a cultura vernacular do velho mestre baiano,ao condenar emprego gramatical acolhido em sua Réplica.

Estivesse alguém defendendo um uso gramatical criticado pelo cole-ga, fazendo alusão a Rui Barbosa (que também teria empregado a for-ma condenada), teria de, antes, ter certeza do grau de cultura de seuopositor para ser compreendida a mensagem. Às vezes, a revelação doconteúdo é a própria arma que desnuda a pouca cultura do adversá-rio.Em outros casos, porém, o emprego pode deixar a descoberto juizesou jurados. Não se precisa dizer ao leitor que o efeito se torna catas-trófico.

3. Antanagoge: é uma das mais vigorosas formas de ornar o pensamen-to porque revela a presença de espírito e a agilidade de raciocínio deseu criador. Consiste em devolver ao acusador os mesmos argumen-tos de que se valeu ele na acusação.Exemplo expressivo, encontramo-lo em Rui Barbosa, na feliz obra deArtur de Almeida Torres, Comentários à polêmica entre Rui Barbosa eCarneiro Ribeiro, Companhia Editora Nacional, 1959, p. 156.Carneiro Ribeiro - todos sabem que foi professor de Rui - censurava oantigo discípulo pela maneira exagerada - a seu ver - de virgular. Lápelas tantas, depois de tecer vários comentários gramaticais sobre avírgula, disse: "Tal maneira de virgular não nos lembra ter encontra-do em escritor nenhum."A língua mordaz de Rui teceu a seguinte antanagoge como resposta:

"Sempre, sempre, sempre deste modo virgulava mestre Vieira, o gran-de. E mestre Carneiro 'não se lembra de ter encontrado em escritor algum estamaneira de virgular'."

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Nota: admire o leitor a enfática epizeuxe do grande Rui.

4. Amplificação: desenvolvimento pormenorizado de um assunto.O Direito, Senhores, é a luz que ilumina a harmonia social. O Direito,Senhores, é o brilho que se instala na decisão de nossos tribunais. 0Direito, Senhores, é a consciência límpida e imaculada que emana desteConselho de Sentença.

Nota: veja o leitor que a amplificação da idéia valeu-se do auxílio de ou-tras figuras de Retórica: luz é metáfora; a repetição da palavra Di-reito no início da frase é anáfora.

5. Antítese: é a oposição de idéias, presente, principalmente, no plane-jamento redacional que adota o critério contrastivo.Em exemplo já anotado neste livro, encontra o leitor uma excelenteantítese do mestre Rui, porque acrescenta a ela o recurso da amplifi-cação. Recorde-se de alguns momentos neste passo e retorne à citaçãoanterior para melhor saborear a inteligência do "Águia de Haia":

• não é ordem/ (é) opressão• não é tranqüilidade/ (é) terror

Espada < „ , , . . , . , .„• nao e disciplina/ (e) anarquia• não é economia/ (é) bancarrota

6. Apóstrofe: é a interpelação direta a coisas e pessoas presentes ou não,reais ou imaginárias. Dirá, por certo, o leitor: em que esta figura atacao próprio pensamento? Cristalina é a resposta. Chamado a prestar aten-ção, o receptor deixa-se envolver pelos processos lógicos e psicológi-cos desencadeados pela idéia do emissor.Observe-se:

Senhores Jurados! A decisão lhes pertence, só a este Tribunal pertence o des-tino do acusado!

Nota: o tom melodramático lança o destino (idéia paga) do acusado nasmãos dos jurados, como se possível fosse a eles serem senhores davida de alguém. Além da apóstrofe "Senhores Jurados", temos adiácope na repetição de pertence.

7. Dubitação: consiste em fingir o emissor de que tem dúvida sobre de-terminado assunto, pois seu desiderato é fortalecer sua posição.Veja-se o belíssimo exemplo extraído de Artur de Almeida Torres (1959:22) no qual Rui se defende das acusações de Carneiro Ribeiro de teraceito o emprego de combinações pleonásticas. Ao fingir vacilar nasinterrogações, veja como Rui aciona sua própria posição:

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"Por ventura disse eu coisa, que o autorizasse a me julgar baldo em idéias tão ele-mentares? Onde afirmei que o pleonasmo denuncia sempre indigência do escri-tor, ou do idioma?""Não, vos digo eu." (Alexandre Herculano)

Nota: Artur de Almeida Torres grafa o advérbio temporal sempre comdestaque, estando aí a afirmação mais categórica de Rui que, aseguir, irá defender o emprego pleonástico em alguns casos parti-culares. Também, perceba o leitor a ênfase obtida pela anástrofedisse eu.

8. Epanortose (Correção): o autor finge arrependimento ou engano dealguma idéia que tenha dito, procurando, assim, reforçar o pensamen-to. Presentes se encontram expressões do tipo "ou melhor", "aliás","mais precisamente", "não, não digo bem", entre outras.Duas observações fazem-se oportunas:a. não exagere o leitor no emprego da aparente retificação, pois o

efeito seria contrário ao objetivo retórico;b. só "corrija" idéia que possa efetivamente tornar o pensamento mais

convincente e preciso.Amostra em discurso fictício do Promotor de Justiça.

Diante dos senhores está sentado um homem mau, ou melhor, um criminosoperverso.

9. Epifonema: é a exclamação sentenciosa, feita, geralmente, no térmi-no de uma narrativa ou no último verso da estrofe.Em busca do epifonema muito autor amplia desnecessariamente suaredação: o que pretende ele é coroar a idéia de forma retumbante.Não tenha o leitor a idéia equivocada de exigir o epifonema uma ex-clamação de cunho trágico ou de vigor literário. Basta que se feche aidéia de forma categórica.

"Sê maldito, e sozinho na terra;Pois que a tanta vileza chegaste,Que em presença da morte choraste,Tu, cobarde, meu filho não és."

(Gonçalves Dias, 'Juca-Pirama")

Nos versos do indianista, o epifonema é estrondoso, encerrando a idéiado poeta sobre a alma guerreira do índio brasileiro.Também, epifonema é a palavra Justiça (muitas vezes empregada deforma exagerada) nos fechos de peças judiciais e de oratória forense.Verifique-se:

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O que se pede dos senhores é um exame de consciência e que seus coraçõesexplodam chamando, em uníssono, uma só palavra:

Inocente!

ou

Diante do exposto, requer-se o indeferimento do pedido do autor para que secumpra a melhor Justiça!

10. Eufemismo: é a suavização de uma idéia, ou com intuito de polidezdevido a certos preconceitos sociais, e. g., "mal de Hansen" por lepra,ou, então, como forma de ironia, corrente na linguagem jurídica. Exem-plo clássico é o advogado que diz ao adversário: Vossa Excelência fal-tou com a verdade.

Exemplo excelente tem-se em Carneiro Ribeiro, colhido por ArturTorres (1959:90):

"Aqui evidentemente se equivocou o dr. Rui Barbosa. A expressão falhas emprobidade não vale o mesmo que defeituosa probidade; quando se diz pesso-as falhas em probidade não é intuito significar pessoas cuja probidade tem fa-lhas. Não se trata aqui de probidade que tem falhas..., Falhas em probidadequer dizer sem probidade, faltos desta virtude."

Para não dizer que Rui Barbosa errou, o sarcástico Carneiro antepõe-lhe o título dr.Todavia, para um equívoco, bastaria seu registro, dispensando-se alonga e exaustiva explicação do autor que devolve Rui aos bancos es-colares: em tom professoral, o velho Carneiro Ribeiro lhe dá uma aulatalvez monótona.

11. Expolição: é o recurso retórico que serve de preparação para o fe-cho redacional. Expostas as idéias do desenvolvimento, o autor faz umareexposição mais animada, realçando a idéia.Amostra:

Viram os senhores a verdade dos fatos como se eles ocorressem agora diantedeste Conselho de Sentença. Perceberam a fragilidade das provas de acusa-ção. Mais do que isso, verificaram a inocência do acusado, este, sim, vítimade injustiça.

Verifique o leitor que a expolição se avizinha de outras figuras. No casoem tela, aproxima-se da amplificação. O que se buscou foi a urdidurade uma síntese, retomando os assuntos demonstrados e preparando odesfecho.

12. Hipérbole: é a afirmação exagerada de uma idéia com fim expressi-vo. Clássico é o exemplo encontrado em Beccaria quando diz o jurista

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que melhor é ter vários culpados em liberdade do que apenas um ino-cente na prisão, enfatizando, assim, o brocardo: In dúbio, pro reo (Emcaso de dúvida, a favor do réu).

13. Ironia: a figura sugere idéia contrária do que dizem as palavras; é re-curso defensivo por excelência. Muitas são as modalidades deste re-curso que diz as idéias com disfarce:a. Antífrase: aproxima-se da antítese, porque usa as palavras em sen-

tido contrário, e. g.:

Que lindo vestido! (A entonação LINDOO! dá a idéia de horrível.)

Veja-se:

Ele é sim um ótimo pai como quer a defesa. Abandonou os filhos por umamulher de vida fácil. Deixou-os sem qualquer assistência financeira, aban-donados à própria sorte. Melhor pai não poderia ser.

Nota: dê o leitor a entonação das palavras ótimo e melhor. Conside-re, ainda, o eufemismo para dizer da amásia, no seu entender,uma prostituta.

b. Parêmia: sentença estereotipada com valor irônico.

Ensinar o Pai-nosso ao vigário.

c. Sarcasmo: ironia explícita, agressiva e insultante.

Ele vive com aquela mulherzinha.

Nota: o diminutivo tem função afetiva (valor positivo ou negativo).

Além dessas modalidades, os autores elencam o eufemismo - ironia sutil- que se preferiu aqui tratar em separado.Magnífico é o exemplo apanhado por Artur Torres (1959:88), quandoRui, exasperado, diz em relação a Carneiro Ribeiro:

"Que terá em mente insinuar o mestre? Não me porá, creio eu, abaixo de seuslanzudos alunos, supondo-me alheio à noção gramatical de casos nas duaslínguas, mãe e filha, que tão distintamente professa..."

Além da concorrência de outros recursos retóricos, admire o leitor, aironia do mestre baiano ao dizer "abaixo de seus lanzudos alunos", ouseja, "grosseiros", "rústicos", "brutos", "ignorantes". Ora, para alunos"grosseiros", que tipo de professor lhes convém?

14. Litotes: é variante do eufemismo, não se distanciando, assim, da iro-nia. Ensina Gélson C. dos Santos (1983:84) que litotes é o contrárioda hipérbole. Veja a mordacidade do exemplo:

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Até que você não é burro.

Compare-o com o exemplo de eufemismo apresentado e veja que pro-cede a afirmação de que a Retórica Clássica nomeou com diversosnomes os mesmos recursos expressivos.A diferença é que na litotes sempre há uma carga de dissimulação ma-liciosa, enquanto no eufemismo o abrandamento pode ser conseguidopor espírito de caridade (às vezes, o autor do eufemismo não tem hi-pocrisia; vale-se daquilo que julga ser polidez social). Litotes é, então,a afirmação pela negação do contrário.

15. Paradoxo: é a apresentação de uma idéia aparentemente contradi-tória e absurda, mas que se pretende ser a verdade. Exemplo clássicoencontramos em Sócrates, ao dizer:

"Só sei que nada sei."

Avizinha-se do paradoxo a parrésia, quando a idéia absurda é afirma-ção surpreendente, objetivando despertar a atenção do receptor paraa idéia que se pretende realçar.Quando aparenta trabalhar com antíteses, o paradoxo é chamadooxímoro.

16. Preterição: o redator finge não querer dizer alguma coisa, mas fazexatamente o contrário; continua insistindo na idéia. É recurso copio-samente utilizado na linguagem jurídica, além de se constituir em jar-gão do profissional do Direito: atente o leitor para os palestrantes econferencistas da área e perceba o emprego freqüente da preterição.Dois são os objetivos da preterição:a. a insistência realça o assunto;b. ao dizer que não irá dizer o que se pretende, desarma-se o espírito

do adversário.Artur de Almeida Torres (1959:55) colhe interessante exemplo depreterição.Carneiro Ribeiro estranhou tivesse Rui empregado o verbo desagradarcomo transitivo direto, alegando que tal regência foi utilizada nos sé-culos XVI e XVII, caindo, a seguir em desuso.Rui, assim, se manifesta:

"Bem fácil me fora esquivar controvérsia, repudiando a redação incursa nes-ta censura. Levíssimo deslize tipográfico elidia-me ali, com efeito, a preposi-ção a, uma simples letra, em seqüência ao pronome aquele. Não me quero,porém, utilizar de semelhante defesa. Aceito a supressão tipográfica do a; e,aceitando-a, mostrarei, sem dificuldade, a sem-razão e sem-justiça da críticaadversa ao meu escrito."

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Veja o leitor. Diz Rui que seria fácil esquivar-se da crítica, mas não ofará. Todavia, ainda que aceite a retificação, continua insistindo na idéiade que importuna lhe foi a crítica.Seria o caso de o advogado de defesa dizer aos jurados:

Não lhes direi, senhores, que o acusado foi vítima de ledo engano. Os pró-prios autos lhes apontam, inexoravelmente, a inocência do réu.

17. Personificação (Prosopopéia/Animização): é recurso usado com talfreqüência e espontaneidade nos diversos discursos da comunicaçãohumana, que, muita vez, se esquece o redator da sua força expressiva.A intenção é dar vida a coisas, em geral, personificando os seres irra-cionais e inanimados.

Quando se diz: "Os autos clamam pela inocência do réu", está se em-pregando a personificação, dando vida e emprestando sentimento aosautos processuais.

18. Prolepse: é recurso muito útil ao profissional do Direito. Chamadatambém de antecipação, é figura que se destina a prevenir uma supostaobjeção a ser feita pelo adversário, refutando-o antes de recebê-la.Assaz freqüente é a presença do verbo dizer ou seu equivalente na ela-boração da prolepse. Lembre-se o leitor do exemplo dado por Bilac:

"Ora (direis) ouvir estrelas."

Tome-se outro exemplo:

Dirá o leitor que a preterição não se aplica no mundo jurídico. Eu lhe direi,no entanto, que é recurso peculiar do Ministério Público. Ao dizer o Promo-tor de Justiça que a Defesa, na ausência de argumentos, alegará a legítimadefesa - apresentando motivos para recusá-la, estará ele desmontando o dis-curso defensivo. Se não for um advogado de defesa experimentado, irá eledefender-se das palavras da acusação, afrouxando sua posição.

19. Reticência: é a suspensão intencional de um pensamento com o in-tuito de instigar o leitor a meditar sobre o assunto. Nem toda reticên-cia é figura de retórica. Bastas vezes ela tem o sabor da expressão "etc",indicando que não se esgotou a idéia. Como figura de retórica, tam-bém denominada suspensão, o autor lança a idéia e deixa o receptorem suspensão, não antes de insinuar a conclusão a que pretende che-gar.

Lembre-se o leitor de que, etimologicamente, reticência está vincula-da ao verbo latino tacere (calar).Admire o leitor o exemplo encontradiço em Rui, mal disfarçando abor-recimento que lhe causou a crítica do professor Carneiro a uma pro-vável tautologia do mestre baiano.

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'Aqui entra pelos olhos o lapso da atenção, o resvalo da pena, a que deu lu-gar a bifurcação do período. Todo o juiz de mediana consciência reconhece-ria para logo no fato um descuido, tanto mais natural quanto esse trabalhode fundar novo projeto, e apostilar em mais de quinhentas notas o antigo...se incetou e concluiu, por obra exclusiva de um homem, em menos de qua-renta dias.

Essa justiça vulgar, não me soube fazer o meu velho mestre..."

(Réplica, apud Torres, 1959:24)

Não pense o leitor que os autores deste livro pretenderam esgotar o as-sunto. Muitas foram as figuras de linguagem deixadas à margem, não por faltade importância, mas por não ser esta obra um estudo destinado a examinar a lin-guagem figurada em todas suas formas peculiares.

Concluindo estas breves considerações, mostram-se oportunos alguns co-mentários sobre o pleonasmo, que os gramáticos costumam elencar entre as fi-guras de construção, pelo processo de repetição, mas que também guarda caracte-rísticas de figura de pensamento, porque a repetição não é da palavra, e, sim, daidéia, com ampliação semântica.

Vacilam, ainda, os gramáticos em vislumbrar no pleonasmo uma figura ouvício de linguagem.

Certo é que o pleonasmo vulgar, do tipo subir para cima ou descer para baixonão conserva, em geral, intenção expressiva, nem mesmo se acompanhado doadvérbio "lá" - subir lá para cima.

Foi dito em geral porque o contexto pode dar à forma pleonástica forçaexpressiva. Imagine-se alguém caminhando em busca de um endereço, exausto ejá sem forças, quando se lhe apontam o rumo a seguir, no topo de uma ladeira. Láde baixo, um subir lá para cima, pode ter valor expressivo.

Por outro lado, há de se dizer que o epíteto - variação do pleonasmo - fi-gura que atribui a um ser qualidade intrínseca, ou seja, que lhe é inerente, e. g.,fogo ardente, é mais próprio da linguagem literária. No mundo jurídico, poderiao orador empregá-la, em certos casos, como forma de linguagem oral de tribunaisde júri, com o fito de realçar uma descrição.

Também é de esclarecer que a linguagem jurídica emprega com bastantefreqüência o pleonasmo sintático, decorrente da repetição dos pronomes oblíquosem função de objeto direto ou indireto em construções do tipo:

A mim, ele não me engana.O acusado, todo o bairro o conhece como homem honesto.O revólver, tinha-o bem à mostra, de forma ameaçadora."Como vedes, senhores, para me não chamarem a mim revolucionário..." (RuiBarbosa)

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Por derradeiro, diga-se que muitos são os defensores do pleonasmo semân-tico, obtido pelo emprego sintático do objeto direto interno, chamado no latim deacusativo cognato.

Rui Barbosa lembra, em sua Réplica, que muitos clássicos latinos usarameste recurso, tomando como exemplo a passagem de Plauto: "Modice et modestemelius est vitam vivere". Neste caso, ensina o "Águia de Haia", o adjetivo modesta(em relação à vida) amplia um conceito que o verbo viver não continha. Com elecomunga Eduardo Carlos Pereira em sua Gramática expositiva, conforme bem re-corda Artur de Almeida Torres (1959:23). Diz o ilustre gramático:

"Se às expressões pleonásticas se acrescenta um modificativo, uma circuns-tância ou comparação, a expressão adquire graça e virtude."

Registre-se um alerta final. Tênue é a linha que divide a virtude do víciode linguagem. O ornamento exagerado e sem critério desvia o redator do cami-nho da expressividade, com efeitos desagradáveis.

Para fechar o capítulo sobre as figuras, convém lembrar aos futuros ope-radores do Direito que a figura, sobre ser um ornamento, tem valor argumentativo,uma vis argumentativa, exatamente por ser parte integrante do discurso. A forçaargumentativa não exclui a ornamentação; ambas têm uma função per-suasória, marca da Retórica Jurídica.

Que as figuras têm força argumentativa prova-o o fato de que mesmo osfilósofos e os racionalistas delas fazem uso.

7.3 O VALOR ESTILÍSTICO DA PONTUAÇÃO

A pontuação é mais do que sinais gramaticais usados para separar orações,introduzir diálogos e citações ou indicar tipos de frases. É antes disso, recursoutilizado pelo autor para reger a leitura do receptor, como se fosse ela a batuta domaestro, tornando o ritmo ora lento, ora rápido, ora suave, ora agitado, enfim,vai a pontuação encaminhando as idéias para a direção semântica perseguida peloemissor da mensagem.

É preciso, assim, leitura esforçada de boas gramáticas para lograr obter oredator (e também o orador) um aproveitamento eficaz dos sinais de pontuaçãoque marcam, sobretudo, a pausa e a entonação.

A pausa cuida da duração frásica e encontra-se em estreita relação com ainflexão melódica.

A utilização da zeugma - figura pela qual uma palavra, expressa em de-terminada parte do período, é subentendida em outra ou outras partes, posterio-res ou anteriores àquela - é uma pausa intelectual que suspende a expressão,deixando-a presente no espírito do receptor, de forma a atrair sua atenção para o

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pensamento do autor. Perceba-se: uns agem de acordo com a lei; outros,contra ela.

A entonação tem a função de distinguir os valores melódicos, e. g., a in-terrogação da afirmação, ou, mesmo, a de contradizer o significado das palavras,como se viu na ironia - que se vale da modificação tonai - para dar a entendersignificação oposta àquela aparentemente vinculada à palavra. Entenda-se dian-te do rumor de que certa jovem foi vista em companhia de outro homem que nãoseu noivo, assim diz uma mulher à vizinha que lhe contou o fato:

Quem diria... quem imaginaria que Lúcia agiria assim!?...

Veja o leitor: o valor pausai é indicado pela entonação (ou entoação) ob-tida pela combinação de sinais de pontuação. As reticências, suspendendo a idéia,dão à incerteza certa malícia. A junção do ponto de exclamação ao de interroga-ção sugere que a pergunta não se refere ao fato de as pessoas desconhecerem oacontecimento, mas de espanto pelas pessoas não terem certeza de que deveriaser por todos conhecido.

O ponto de interrogação, não se esqueça o leitor, costuma fazer-se acompa-nhar de reticências, quando a pergunta envolve dúvidas, e do ponto de exclama-ção, quando se pretende dar outro sentido - de conteúdo psicológico - ao perío-do interrogativo.

O ponto-e-vírgula, como ensinam Celso Cunha e Lindley Cintra (1985:63),às vezes separa os elementos de maneira simétrica, resultando um ritmo encade-ado, ao gosto do estilo oratório. Ilustram a observação com um precioso exemplotirado de Rui Barbosa em louvor de Machado de Assis:

"Não é o clássico da língua; não é o mestre da frase; não é o árbitro dasletras; não é o filósofo do romance; não é o mágico do conto; não é o joalheiro doverso; o exemplar sem rival entre os contemporâneos, da elegância e da graça,do aticismo e da singeleza no conceber e no dizer; é o que soube viver intensa-mente a arte, sem deixar de ser bom."

Os parênteses, empregados para intercalar uma informação acessória aotexto, têm valor expressivo de realizar uma reflexão à margem do que se diz e trazeruma nota emocional, neste caso, em forma exclamativa ou interrogativa.

Vejam-se os exemplos:

a. A defesa alegou que houve provocação da vítima (aliás, é o que se costumadizer para fugir à responsabilidade da agressão), mas não provou ter ela con-corrido, de alguma forma, para sua própria lesão física de natureza grave.

b. O acusado objetivava subtrair para si as jóias da vizinha. Para tanto, não he-sitou em matar o vigia da casa. (Que importância tinha aquela vida?!). Qual-quer tropeço em sua trajetória criminosa deveria ser afastado, não lhe impor-tando os meios para alcançar sua intenção de cometer o delito.

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Outro recurso de pontuação para destacar idéias é o travessão, duplo ounão. Quando se pretende isolar do contexto palavras ou frases com intenção ex-pressiva - função análoga à dos parênteses - usa-se com freqüência o travessãoduplo; ao enunciar enfaticamente a parte final de uma idéia, o emprego maiscomum é o de um só travessão, que, neste passo, realça a conclusão, funcionandocomo síntese do texto.

Considerem-se os casos:

a. O cônjuge-varão - e não a mulher - violou os deveres matrimoniais ao aban-donar o teto conjugai.

b. O cônjuge-varão não se preocupou com a sobrevivência da mulher e dos fi-lhos, sequer em serem eles despejados da residência da família, expostos àcaridade de vizinhos e parentes; uma só preocupação alimentava o seu agir -satisfazer seus instintos nos braços da amásia.

As aspas não guardam apenas valores de citação ou de indicação de estran-geirismos e vulgarismos. Também são empregadas para acentuar o valor semân-tico de palavra ou expressão, realçando-lhe a camada significativa.

Seja visto o exemplo:

A palavra "aborto" tem sido usada, cada vez mais, no sentido comum quelhe empresta a linguagem: expulsar a idéia que se considere indesejável, até mes-mo a da gravidez inconveniente.

Não se podem concluir os breves comentários sobre pontuação aqui apre-sentados sem a lembrança da vírgula, já tratada anteriormente em razão de suaimportância na urdidura da frase. Valendo-se de diferentes recursos - isolandoaposto, vocativo, elementos repetidos, adjunto adverbial antecipado ou expres-sões de realce -, a vírgula é responsável não só pela variação significativa dosvocábulos, mas, ainda, pela cadência melódica que interfere na estrutura de pro-fundidade da frase, carregando estas ou aquelas intenções semânticas.

Notem-se os exemplos:

a. O acusado, de há muito, vinha ameaçando a vítima.b. Com efeito, diante de conduta tão violenta não se há de procurar atenuantes

para o réu.c. Ele não pensou, senhores, um minuto sequer na vida que roubava do mundo.d. A conduta do acusado não pactua com a lei, é, pois, uma ofensa ao ordena-

mento jurídico.e. Nada, nada lhe importava senão seu egoísmo; abandonou, por isso, a família

à própria sorte.

Ao lembrar o leitor do valor estilístico da pontuação, bom é recordar nãoocorrer ele apenas na linguagem escrita, funcionando como indicador de leiturasignificativa.

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Também, e principalmente na linguagem oral, a pontuação assume papelimportantíssimo no ato comunicativo. O orador deve ter em mente os sinais depontuação que marcam seu pensamento e dizê-los, não explicitamente, mas pormeio do ritmo e do tom em que ordena sua frase, fazendo da pontuação um pre-cioso material sintático de conteúdo psíquico e estilístico.

7.4 A EXPRESSÃO ORAL

7.4.1 Oratória forense

Apesar da nomenclatura em uso, oratória não há de ser entendida no sen-tido que lhe reserva a Retórica clássica e, sim, com os contornos significativos daEstilística contemporânea que trata dos efeitos expressivos da comunicação oral,levando em conta não só a composição, ou seja, o plano de idéias que o oradorvai desenvolver, mas, ainda, os auxiliares da expressão oral: o timbre da voz, aaltura da emissão vocal, a entoação da frase, o jogo rítmico do corpo, dos braços,da fisionomia, a postura, enfim, de todos os traços paralingüísticos que caracteri-zam a tarefa da oratória.

7.4.1.1 O plano de exposição

Assim como discurso escrito, a exposição oral possui três partes distintas:introdução, desenvolvimento (exposição propriamente dita) e conclusão.

A introdução, no plano oral, não deve levar em conta apenas a apresenta-ção do assunto; é movimento de entrosar-se com o público quando se busca cap-tar a simpatia e a atenção do auditório, preparando os ouvintes para o assuntoque irá ser desenvolvido, fixando claramente o objetivo da exposição. Presta-se,também, para familiarizar o expositor com o ambiente que irá ouvi-lo, permitin-do-lhe ajustar as idéias que ele planejou expor à situação concreta que irá vivenciar.Em razão disso, não há o expositor introduzir o discurso de maneira mecânica(ensaiada) e nem tão de improviso que desconcerte um público mais formal. Emelocução breve, deixando a platéia perceber que ele domina o assunto, mas semfazer disso uma afetação, o orador concilia a linguagem formal com momentosde descontração, de forma a preparar o ouvinte para o desenvolvimento, motivan-do-o para o assunto. É técnica de persuasão, portanto.

O desenvolvimento deve fixar o ponto de maior interesse de maneira clarapara obter o efeito desejado, ou seja, a apreensão da mensagem.

Importante se torna ordenar as idéias - com desdobramentos cronológi-cos ou de associação lógica - porque é mais difícil ao ouvinte refletir sobre idéiasesparsas, pois as palavras volant, tornando menos perceptíveis as figuras metafó-ricas e mais penosa a organização mental.

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Os exemplos são muito úteis no desenvolvimento da exposição oral e ser-vem de pretexto para uma comunicação mais animada com a platéia, evitando-se, é certo, os exageros que promoveriam excesso de conversas paralelas ou, mes-mo, a dispersão do assunto principal e, o que é pior, da proposta temática.

Ao usar nomenclatura técnica, o orador deve cuidar para que não seja elaexcessiva, além de, sem parecer menosprezar o saber do auditório, usar o recursoda exploração semântica, fazendo dela um meio de tornar efetivamente claro ovocabulário, pois as palavras revestem o pensamento.

Havendo necessidade de citação em línguas estrangeiras, cure o orador detraduzir-lhes o sentido de maneira espontânea (lembre-se o profissional do Direi-to que o latinismo é sempre oportuno, mas acompanhado de explicações de seusignificado, sempre feitas com naturalidade, como se pretendessem realçar a idéia.

O mais importante, reitere-se, é expor com segurança o assunto, sem in-correr no grave defeito do pedantismo ou no da vulgaridade.

A conclusão não deve retomar de forma demorada os assuntos abordadosno desenvolvimento. O resumo há de ser claro e breve, sem repetições desneces-sárias.

A síntese, além de expressiva, deve, sempre que possível, deixar no espíri-to do ouvinte um apelo para uma reflexão mais demorada sobre o assunto discor-rido e para uma pesquisa posterior da matéria tratada. Boa é a comunicação oralque enseje, sem fazê-lo de forma explícita, tarefa para casa. De uma boa exposi-ção oral, o ouvinte dela não se esquece facilmente.

As palavras finais devem, sem tom excessivamente melodramático, tecersimpáticos agradecimentos ao público, pois, reconheça-se, há de se ter uma boadose de paciência para ouvir alguém falar por mais de dez minutos seguidos. Nãoultrapasse, porém o orador muito da meia-hora, pois o desafio seria impossívelao mais compreensivo ouvinte e à mais educada platéia.

No mundo jurídico, tem-se a fixação de quinze minutos para a sustenta-ção oral, dos quais doze são suficientes para o desenvolvimento da exposição, fi-cando os demais reservados à parte preambular e à conclusão.

No Tribunal de Júri, o art. 474 do CPP destina duas horas para a acusaçãoe outras tantas para a defesa e mais uma hora à réplica e outro tanto para a tréplica.Havendo mais de um defensor ou de um acusador, as duas horas de cada qual e ameia hora de que cada parte dispõe serão distribuídas entre si e, se houver maisde um réu, o tempo para a acusação e para a defesa será acrescido de uma horaem relação a todos e elevado ao dobro o da réplica e o da tréplica.

Esta generosa distribuição de tempo não ocorre em virtude da exposiçãoda tese, mas pela necessidade de exame das provas carreadas aos autos em casosespecíficos. Também, há de se lembrar que o discurso no plenário de júri compre-ende as seguintes partes: (a) palavras preambulares de saudação; (b) a narrativa

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dos fatos; (c) a argumentação; (d) a conclusão da tese; (e) a explicação de comodeverão ser respondidos os quesitos e, por fim, as palavras de encerramento.

Apesar de as partes disporem do tempo estabelecido em lei, não devemelas falar até a exaustão, com o inconveniente de fatigar os jurados a ponto deimpedir-lhes acompanhar o raciocínio da exposição ou, ainda, não lhes dispen-sando tempo para apreensão de todos os argumentos.

Não se quer dizer, com isto, que o orador deve abreviar seu discurso demaneira tão drástica a ponto de comprometer sua exposição.

Pitoresco é o exemplo de Vitorino Castelo Branco (1989:47) que se trans-creve:

"A propósito do tempo, lembramo-nos da jovem advogada, toda impor-tante com as vestes talares, pronta para reproduzir a defesa no tribunal do júri deSão Paulo. Quando o juiz-presidente, deu-lhe a palavra, levantou-se, fez as sau-dações de praxe, falou alguns minutos e sentou-se. O juiz esperou um pouco, fi-cou um pouco aflito, e afinal disse: A defesa está com a palavra...', e a jovem res-pondeu: 'Eu já terminei, não tenho mais o que falar...' O juiz-presidente não tevedúvida, suspendeu a sessão e declarou o réu indefeso." (RT, 564:367)

Nota: não ria o leitor da desastrada figura feminina porque o acaso fez dela ob-jeto ilustrativo em Vitorino Castelo Branco. A situação poderia, perfeita-mente, ajustar-se a um destemido jovem advogado de defesa.

7.4.1.2 Recursos da expressão oral

a. Voz: é a matéria-prima da comunicação oral, não só cativa o receptor,como revela a personalidade de quem fala.O bom orador exercita sua voz para exprimi-la com sonoridade (deforma agradável) e variedade (adaptando a altura e o colorido aotema).Saber colocar o tom da voz é fundamental para a transmissão da men-sagem. O chamado acento de insistência é responsável pelo conteúdoda expressão.A modulação da voz cria a atmosfera dramática do discurso oral e comela são transmitidos os estados emotivos. A súplica, a raiva, a ordem,enfim, cumpre à voz exteriorizar os aspectos psicológicos da comuni-cação oral.

b. Mímica: é essencial na comunicação oral, constituindo-se no jogofisionômico, acrescido de movimentos dos braços, das mãos e do cor-po. Mattoso Câmara (1961:230) dá à mímica a "função precisadora dapalavra". Ela facilita o entendimento da idéia, realça o pensamento epode até - pela linguagem gestual - "substituir" as palavras.

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Recomendável é a leitura de inúmeras obras que cuidam da matéria, au-xiliando o orador em sua exposição oral, e assegurando, pelo emprego das técni-cas de comunicação humana, o efeito desejado pelo emissor.

Recomendável, outrossim, é cursar institutos especializados em oratóriaconsagrados pela eficiência ao longo do tempo, como o "Instituto Melantonio".

Os olhos desempenham papel importantíssimo na expressão oral, por se-rem, como se tem dito, o espelho da alma.

O bom orador desempenha uma linguagem ocular variada e expressiva,olhando de frente a platéia, movimentando expressivamente os olhos, fazendo-os brilhar ou tornando-os serenos.

Lembre-se, ainda, o orador que o movimento dos olhos para cima auxiliana formação de imagens com a mente; movimentando-os para a posição horizon-tal, alarga-se a percepção auditiva, que é memorizada pelo olhar à esquerda. Olhan-do para baixo, desperta o orador seu mundo emotivo; à esquerda é seu estadoemocional que vem à tona; para baixo e à direita ele faz a "leitura" subjetiva doassunto explanado. Assim, a "dança dos olhos" não pode ser realizada de formadesconexa. Tenha em vista, também, o orador que o olhar "por cima" comunicapetulância, presunção ou indiferença.

As mãos falam enquanto se movimentam, e. g., a mão aberta, com a pal-ma para cima, significa a apresentação de um ponto de vista com segurança. Omovimento das mãos tem de ser harmônico com a mensagem, e com os demaisgestos e posturas, como se "desenhasse", discretamente, a ação enumerada.

Evitar gestos exagerados ou excessivos é fundamental. Também devem serevitados os movimentos repetidos das mãos que provocam monotonia ao discur-so, além da impressão de se constituírem em tique nervoso, comprometendo amensagem.

Whitaker Penteado (1991:277-282) aduz a importância da pose e da mo-vimentação para uma boa exposição oral.

É certo que a imobilidade dá ao comunicador uma postura artificial. Tam-bém certo é que a expressão dançante compromete a oratória.

Cabe ao orador movimentar-se com moderação, sem balançar o corpoquando parado, mantendo os pés firmes sobre o chão, não muito afastados umdo outro e com um dos joelhos levemente inclinado. Não deve colocar as mãosno bolso ou atrás das costas.

A aparência também é auxiliar da comunicação. A maneira de trajar-se devecombinar com o conteúdo da mensagem.

Enfim, a comunicação do corpo é operador funcional de suma importân-cia como mediadora de "leituras" interpretativas.

Não olvide o leitor tais auxiliares comunicativos. Cumpre-lhe investigar aextensa gama de significados do comportamento cultural, não se esquecendo de

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que a mímica deve satisfazer a situação, ou seja, a ambiência - física, psicológicaou social - em que ocorre o ato comunicativo, particularmente o universo cultu-ral que deve conduzir a exposição oral, pois o gabarito do ouvinte é que irá tra-duzir a mímica - e a entonação - do orador.

Ao profissional do Direito interessa, antes de tudo, a leitura mais atentasobre o assunto.

Saber colocar a voz e os olhos ao inquirir uma testemunha, dar ênfase àsidéias por meio da linguagem corporal, impor um ritmo expressivo com o auxíliogestual são qualidades da comunicação na oratória forense.

7.5 EXERCÍCIOS

1. Identificar, justificando, as figuras de linguagem. Recomendável é o apoio degramáticas sobre o assunto para o reconhecimento de tipos não indicados nopresente livro.

a. Rui é acusado por Carneiro Ribeiro de proscrever o verbo incidir, ao pro-por o mestre baiano substituí-lo por incorrer, no art. 238, do Projeto. Con-testa Rui, dizendo:"Proscrevê-lo? Mas onde tal feito cometi eu? Não, não proscrevi. Disse quena redação dos nossos códigos, nos não desviássemos do outro vocábulo,consagrado pela tradição das nossas leis, da nossa jurisprudência, de to-dos os nossos modelos."

b. "Por que tanto estranha essa frase, quando de frases análogas usaram osmais celebrados modelos do dizer clássico?" (Carneiro Ribeiro)

c. "É o próprio dr. Rui Barbosa, é o elegante escritor das Cartas de Inglater-ra, é o orador ante o Supremo Tribunal Federal, na sessão de 23 de abrilde 1892 que, antes de mim, ofereceu os mais seguros abonos em favor dovocábulo, tão abertamente repudiado hoje." (Carneiro Ribeiro, na defesado vocábulo honorabilida.de)

2. Escreva o discurso que você defenderá oralmente no Tribunal do Júri (comopromotor ou advogado de defesa). Indique, ao final, as figuras de retóricautilizadas.

Nota: cabe a você criar o homicídio doloso que está sendo julgado.

3. Concurso de oratória entre candidatos ou alunos indicados pelo professor,constando de duas apresentações: uma com tema previamente preparado peloaluno (ou escolhido pelo professor) e outra com tema de improviso.

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Quesitos:

a. posição temática;b. argumentos;c. voz: dicção e entonação;d. postura e gestos;e. linguagem retórica.

O professor pode organizar o corpo de jurados com alunos da turma, de ou-tras classes, com professores ou convidados da comunidade acadêmica oujornalística.Havendo muitos alunos, é possível o processo seletivo dos finalistas.

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Parte VIII

APÊNDICE

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8L

LEMBRETES GRAMATICAIS

8.1 CASOS PRÁTICOS DE CONCORDÂNCIA NOMINAL -MODELOS DE EXERCÍCIOS

1. Ambos

Forma dual que é, a idéia de dois já se acha embutida na palavra. Há de seevitar, pois, ambos os dois e ambas as duas, a menos que a ênfase as justifique. NoDireito, v. g., há a expressão "ambos os dois", conservando o sentido antigo dereforço da idéia para traduzir a unidade de propósito, v. g., na denúncia.

Segundo Motta (s. d.: 156), na época de Camões eram comuns as expres-sões "ambos os dous" e "ambos de dous".

2. Anexo

Trata-se de forma de particípio passado de anexar (anexado e anexo) quese firmou como adjetivo e, assim, flexiona-se em gênero e número.

Segue anexo o cheque. Seguem anexos os cheques.Segue anexa a carta. Seguem anexas as cartas.

Obs.: a. É corrente a expressão em anexo embora sem merecer a aprovação demuitos. Anexo pode funcionar como advérbio.

b. Pode substantivar-se com o sentido de estabelecimento ou repartiçãoou como documentos que se juntam a um processo.

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3. Apenso

Vale o mesmo que se disse a respeito de anexo; logo pode ser:

a. Adjetivo (flexível)

Segue apenso o processo.

Seguem apensos os processos.

Segue apensa a documentação.

Seguem apensas as documentações.

b. Advérbio (inflexível)

Apenso, segue o processo. Apenso, seguem os processos.

c. Substantivo (flexível)

Documento ou processo junto a outro por apensamento, sem formar parteintegrante das folhas dos autos. (Silva, 1978:134.)

4. Junto

Forma irregular do verbo juntar, pode ser:

a. Adjetivo (flexível). Exemplo:

Juntos achavam-se o juiz e o advogado.

Achavam-se juntas, a juíza e a advogada.

b. Advérbio (inflexível). Exemplo:

Junto segue a folha de pagamento.

Junto seguem as folhas de pagamento.

Obs.: Há de se evitar a locução junto a com referência a providências, solicita-ções, pedidos; estes se fazem "em algum lugar" e não "junto a algum lu-gar", e. g., solicitarei cópias no cartório (ao cartório).

5. Só

a. Na qualidade de adjetivo é variável e corresponde a sozinho, único,solitário. Exemplo:

Sós, cometeram o crime.

Estavam sós no local do assalto.

b. Na qualidade de advérbio permanece sem flexão; eqüivale a somente,unicamente. Exemplo:

A testemunha só pode dar informações genéricas.

Só o Presidente não consegue salvar o país.

Nota: Observe-se que existem as locuções a só e a sós, esta última mais freqüente.

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6. Obrigado

Deve-se variar em gênero e número, já que é adjetivo.Dir-se-á:

muito obrigado (homem)muito obrigada (mulher)muito obrigados (homens)muito obrigadas (mulheres)

8.2 ALGUMAS DIFICULDADES GRAMATICAIS

/ - Uso do Porque (e variantes)

A - Porque

Com sentido causativo indicando causa, motivo, razão. Em tal caso, eqüi-vale a conjunção causai.

"Não vemos as coisas que vemos, porque não olhamos para elas." (Vieira)"Eu luto e venço porque luto sempre." (C. de Laet)

B - Por que

a. Com sentido interrogativo (nas perguntas) "Por que as pessoas anda-vam tão apavoradas?" (Cecília Meireles)"Por que houve empate?" (V Corrêa)

b. Como pronome relativo substituível porpeZo qual, pela qual, pelos quais,pelas quais. "... não é só o conteúdo das declarações da vítima que exigeatenção do julgador. O modo por que as presta também merece espe-cial destaque." (Malatesta)

Perguntou o motivo por que fugiu da prisão.

C - Por quê

a. Fechando a frase."Por que tem que repetir isso? Por quê?" (L. F. Telles)"Por que sonhamos? Por quê?" (F. Espanca)

b. Isolado por uma pausa. Exemplo:Sem saber por quê, telefonou à polícia.

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D - Porquê

Em tal caso, trata-se de substantivo precedido, em geral, pelo artigo mas-culino. Exemplo:

Desconheço o porquê de sua prisão.

Investiga-se o porquê do crime.

Obs.: O que se expôs não tem base científica nem se estriba na tradição clássi-ca; tal preceito da Nova Nomenclatura Gramatical assenta-se, porém, nouso dos bons escritores atuais.

II - Uso de Senão e Se não

A - Senão

Alguns empregos:

a. Conjunção adversativa significando em caso contrário, de outra forma,mas sim, a não ser.

"Não tem direitos, senão obrigações e deveres." (Abgar Renault)

"Que é que eu podia fazer senão esperar?" (L. F. Telles)

b. Substantivo com o sentido de falha, defeito. Exemplo:

Não há senão algum na obra do ilustre penalista.

No livro não há senões.

B - Se não

No caso trata-se de:

• conjunção condicional se;

• não: advérbio de negação.

"Que tristes os caminhos, se não fora a mágica presença das estre-las?" (M. Quintana)

"Se não fosse Van Gogh, o que seria do amarelo?" (M. Quintana)

Veja-se o exemplo de W. de Barros Monteiro:

"Por conseguinte, num contrato de compra e venda, por exemplo,se a coisa vendida experimenta deterioração da metade de seu valor, oadquirente não se acha obrigado senão pela metade do preço, se não op-tar pela resolução."

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III - Uso de Onde, Aonde, Donde

A - Onde

Correspondendo ao advérbio latino ubi (lugar no qual), onde usa-se comos assim denominados verbos de fixação, situação, repouso; é o caso do verbo sere suas modalidades (estar, permanecer, continuar) e outros (estacionar, fixar, fi-car etc).

"Onde estão os poetas para cantarem agora a lua?" (CecíliaMeireles)

"Não me recordava exatamente como era o prédio onde eu mora-va." (Murilo Rubião)

Nota: Motta (s. d.: 104) diz que onde indica lugar material e em que, lugar vir-tual.

B - Aonde

Está em correspondência com o advérbio latino quo (lugar ao qual) e usa-se com os verbos diretos de movimentação (ir, andar, caminhar, levar e outros).Exemplo:

Cristo disse aos seus discípulos: "Aonde vou, não podeis ir."

"Aonde o leva a brisa/sobre a vela panda?" (Cecília Meireles)

C - Donde

Relaciona-se à forma latina unde e indica afastamento; é o mesmo que deonde. Exemplo:

"Às vezes, se atiram a distantes excursões donde regressam comuma enorme jaca." (M. Bandeira)

"Tomás estava, mas encerrava-se no quarto donde só saíra..." (M.de Assis)

Obs.: Os clássicos não observavam tal distinção e os modernos nem sempre afazem. Vejam-se os exemplos:

"Aonde o fogo ardeu, sempre um brasido fica." (Castilho)

"... me tornei ao castelo, aonde achei meu filho morto..." (Sousa)

"Donde vem? Onde vai? das naus errantes..." (Castro Alves)

Vale, a propósito, transcrever o que a Folha de S. Paulo estampou no "Pai-nel do Leitor", em 19-3-93.

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LATIM E PORTUGUÊS

"Se, como diz o senador José Sarney, em artigo, sob o título em epígrafe,publicado na Folha, no dia 5 do corrente, falar errado, no Maranhão, 'desfaz ca-samento e abala conceito', o dele próprio, senador, ex-presidente da República emembro imortal da Academia Brasileira de Letras, deve estar, agora, de rastos. Nãose concebe, com efeito, que portador de tantos títulos, houvesse terminado arti-go, sobre matéria tão melindrosa, com esta sincada: 'Ora, aonde no Brasil se podemisturar latim e Carnaval? Aonde designa movimento ('aonde vais tu esbelto in-fante...?'). Onde significa, ao contrário, quietação ('... onde canta a jandaia nasfrondes da carnaúba'). Vale dizer que o maranhense melhor se houvera se disse-ra: 'Ora, onde no Brasil se pode misturar latim e Carnaval?' "

Octavio Bueno Magano, professor titular de Direito do Trabalho da Faculdade deDireito da USP (São Paulo, SP)

Resposta do senador José Sarney:

"- O professor Octavio Bueno Magano está certo e eu não estou errado.É que quando tratei deste assunto, no Maranhão, uma semana antes de abordá-lo na Folha de São Paulo, escrevi: 'Onde, no mundo, se pode misturar Carnaval elatim? Só no Maranhão, graças a Deus!' ('O Estado do Maranhão', 28-2-93). NaFolha de São Paulo me apareceu um 'aonde', que não quero debitar à minha se-cretária, uma vez que essa discussão sobre 'onde' e 'aonde'já tem mais de um sé-culo. 'O uso dos melhores autores, porém, desde um Azurara, da fase arcaica dalíngua, até um José Régio ou um Miguel Torga, dos nossos dias, não distingue'onde' de 'aonde'.' (Mestre Aurélio, que traz em abonação Cláudio Manuel da Costae Machado de Assis, embora se filie à corrente de que não se pode confundir 'onde'(em que lugar) com 'aonde' (a que lugar).) Mas, 'aonde', brasileirismo, indicadescrença ou dúvida ante uma afirmação: 'Morreu agora mesmo. Aonde! (Auré-lio). No meu caso, este 'aonde' seria de todos os modos defensáveis. Pelo empre-go dos clássicos e pelo brasileirismo. É a dúvida: 'Ora aonde no Brasil se podemisturar latim e Carnaval?' Como sempre, nestas questões, eu e o professor Octavioestamos certos e bem acompanhados. No mais, debito à datilografa, 'a máquinade redação', e como dizia Osório Borba, ter o professor Octavio falado em minha'sincada', com 's'. Se cometi cincada, com 'c', tinha o precedente de Machado, Torga,Cláudio Manuel da Costa, José Régio e a linguagem brasileira."

José Sarney, senador (Brasília, DF)

Page 255: Curso de português jurídico

8.3 OBSERVAÇÕES SOBRE A CONJUGAÇÃO DE ALGUNSVERBOS

8.3.1 Verbos da primeira conjugação

8.3.1.1 Verbos em EAR (passear, clarear, nomear, presentear)

No discurso jurídico é corrente, v. g., o verbo sanear que se prende ao ad-jetivo sanus (são); cognatos de sanear são, v. g., saneamento e saneador (despa-cho saneador).

Aos verbos do grupo, intercala-se-lhes um i eufônico nas seguintes formas:

a. Presente do indicativo:

Ia pessoa do singular -> saneio2a pessoa do singular -^ saneias3a pessoa do singular —> saneia3a pessoa do plural —> saneiam

b. Presente do subjuntivo:

Ia pessoa do singular —> saneie2a pessoa do singular —> saneies3a pessoa do singular —> saneie3a pessoa do plural —> saneiem

Obs.: Vale o mesmo para o imperativo, pois este se forma do presente do indi-cativo e do subjuntivo.

8.3.1.2 Verbos em LAR (odiar, remediar, incendiar, ansiar e mediar)

Os cinco verbos citados recebem um e eufônico no:

a. Presente do indicativo:

Ia pessoa do singular —> odeio2a pessoa do singular —> odeias3â pessoa do singular —> odeia3a pessoa do plural —> odeiam

Page 256: Curso de português jurídico

b. Presente do subjuntivo:

Ia pessoa do singular —> odeie2a pessoa do singular —> odeies3a pessoa do singular —> odeie3a pessoa do plural —> odeiem

Obs.: O mesmo acontece no imperativo.

8.3.1.3 Outros verbos

a. Acordar

No Direito, é usual o verbo na acepção de determinar, resolver de comumacordo, concordar, ajustar. Conjuga-se regularmente.

Vem a pêlo lembrar que a forma arcaica, acórdão (3a pessoa do plural dopresente do indicativo de acordar), tornou-se substantivo com o sentido de reso-lução ou decisão tomada coletivamente pelos tribunais de Justiça.

Nota: É freqüente a alteração de categoria gramatical; entre outros, os exemplos,para se limitar apenas a verbos:

verbos —> substantivosposses (forma latina; verbo posse) —> as posses (bens)lavabo (verbo latino lavare) —> o lavabo (dependência da casa)teres e haveres (ter e haver) —> os teres e haveresveto (verbo latino vetare) —> o vetocredo (verbo latino credere) —> o credo (símbolo da fé)

b. Adequar

Normalmente é considerado defectivo, usado quase só no infinitivo e noparticípio. Outros o aceitam também nas formas arrizotônicas e hoje já começa aser usado em todas as formas.

c. Adulterar

Conjuga-se regularmente. Cognatos deste verbo: adulteração, adulterino,adultério, adúltero.

O verbo era de sentido amplo; falava-se em adulterar o vinho, a moeda, opeso, a lei, o direito, a fidelidade matrimonial etc. Hoje, restringiu-se-lhe o sen-tido.

Page 257: Curso de português jurídico

Adultério, adúltero e adulterino especificaram-se e se referem à violação dafidelidade conjugai; não se dirá, v. g., adultério do vinho, do leite ou da lei, mas,sim, adulteração. Adulterar forma-se de ad + alter + ar; a presença da vogai uexplica-se pela apofonia: in + cadere > incidir; in + frangere > infringir.

d. Alugar

Verbo regular denominado bifronte por Mário Barreto porque assume du-plo aspecto: o dono do imóvel aluga-o ao inquilino (sentido ativo); o inquilinoaluga o imóvel, paga pelo imóvel (sentido passivo).

Há vários verbos bifrontes:

arrendar

esmolar

emprestar

herdar

hospedar

dar de arrendamento

tomar de arrendamento

dar esmola

receber esmola

fazer empréstimo

receber empréstimo

dar herança

receber herança

agasalhar, receber

alojar-se

Exemplos:

"Vós sois os que esmolais, eu sou a que mendigo." (Castilho)"Vede-o, vai.../de porta em porta, tímido esmolando/os chorados

ceitis"... (Garrett)

e. Arrazoar (argumentar)

Os verbos em oar são acentuados na Ia pessoa do singular do presente doindicativo: perdôo, arrazôo, vôo etc. A diferença fica com o verbo coar: côo, côas, côa...

Page 258: Curso de português jurídico

f. Autuar (ordenar peças de processo - lavrar auto de infração)

Os verbos em uar conjugam-se regularmente. Corradicais, entre outros:auto, autuação, autuante, autuado.

g. Computar (contar, incluir)

Com respeito a tal verbo, divergem os gramáticos.

g.l. Reis (1978:76) considera-o defectivo no presente do indicativo:, , , computámos, compu-

tais, computam.

g.2. Outros apresentam o seguinte presente do indicativo: cômputo,cômputas, cômputa, computámos, computais, computam.

g.3. Almeida (s. d.:61) rejeita as formas acima e propõe: computo, com-putas, computa etc. É o que parece mais em voga nos dias de hoje.

Nota: Cômputo é substantivo.

h. Estipendiar (assalariar)

Conjuga-se regularmente. O substantivo estipêndio sofreu influência ha-plológica com a queda de sílaba mediai por haver outra igual ou semelhante; nocaso, a síncope ocorreu já no latim: stipi + pendium > estipêndio.

Outros casos: homini + cidium > homicídio; veneni + ficu > venéfico;formici + cida > formicida; idolo + latria > idolatria.

i. Inocentar

Não foge à regularidade; literalmente, significa "não causar mal". Inocen-te é o que não causa mal (in + nocêre); a forma nocente (forma simples) quasenão se usa; ocorre o mesmo em vários casos, ao passo que permanecem as formascompostas, como já se disse (2.7).

Mais alguns casos: audito - inaudito; ulto - inulto; victo - invicto;defeso - indefeso; nupto - inupto; seio - ínscio.

"E saberás que a pouco e poucoMe fui deixando ir na correnteDestes amores, ínscio e louco..."

(Alberto de Oliveira)

Page 259: Curso de português jurídico

j . Pescar

Verbo regular cujo modelo é trancar. Cita-se o verbo em razão da polêmi-ca entre Carneiro Ribeiro e Rui Barbosa a respeito da expressão "pescar peixe".Merece lido o comentário de Almeida Torres (1953:107).

k. Quitar (desobrigar)

O verbo conjuga-se regularmente; bom é lembrar que o particípio passa-do é quitado e quite; esta última forma petrificou-se como adjetivo; veja mais in-formações em (2.11.2).

1. Ratificar (confirmar)

Quanto à sua conjugação não há novidades. Vincula-se ao verbo depoen-te latino "reor-reris-ratus sum-reri". Esta é a raiz primitiva; o verbo passou pelolatim tardio "ratificare"; nos "Digesta" parece "ratihabitio" (ratificação).

Ao mesmo verbo "reor-reris-ratus sum-reri" ligam-se as expressões Cau-ção "De Rato" e "pro rata".

O contrário de "ratus" é "irritus": in + ratus > irritus > irrito, com assimi-lação do n e apofonia do a.

8.3.2 Verbos da segunda conjugação

8.3.2.1 Conter

Os compostos de ter (conter, deter, reter etc.) merecem cuidado no pre-sente do indicativo no tocante à acentuação:

contenho retenho detenhoconténs reténs deténscontém retém detémcontemos retemos detemoscontendes retendes detendescontêm retêm detêm

8.3.2.2 Despender

O verbo despender (gastar) é regular; com a devida vênia, transcreve-se aobservação de Kaspary (1990:130):

Page 260: Curso de português jurídico

"O verbo despender corresponde ao verbo latino 'dispendere'. Nãoexiste, em português, o verbo 'dispender'. Existem, todavia, o substantivodispendio e o adjetivo dispendioso, termos eruditos, que mantiveram o i dasformas originárias latinas ('dispendium' e 'dispendiosus')."

8.3.2.3 Prover

O modelo de prover (providenciar) é ver do qual se afasta nas seguintesformas:

a. Perfeito do indicativo:

Vervi

visteviuvimosvistesviram

Proverproviprovesteproveuprovemosprovestesproveram

b. Mais-que-perfeito do indicativo:

Verviravirasviravíramosvireisviram

c. Imperfeito

Vervissevissesvissevíssemosvísseisvissem

d. Particípio:

Ver

visto

Proverproveraproverasproveraprovêramosprovêreisproveram

do subjuntivo

Proverprovesseprovessesprovessesprovêssemosprovêsseisprovessem

Prover

provido

Page 261: Curso de português jurídico

8.3.2.4 Requerer

Afasta-se do paradigma (querer) nos casos:

a. Presente do indicativo:

Quererquero

b. Perfeito do

Querer

quisquisestequisquisemosquisestesquiseram

Requererrequeiro

indicativo:

Requerer

requerirequeresterequereurequeremosrequerestesrequereram

c. Mais-que-perfeito:

Querer Requerer

quiseraquiserasquiseraquiséramosquiséreisquiseram

requererárequererasrequererárequerêramosrequerêreisrequereram

d. Imperfeito do subjuntivo:

Querer Requererquisesse requeressequisesses requeressesquisesse requeressequiséssemos requerêssemosquisésseis requerêsseisquisessem requeressem

8.3.2.5 Soer

Está vinculado ao verbo semidepoente latino soleo-soles-solitus sum-solêre(costumar, ter por hábito). É um verbo, hoje, completamente esquecido; em umou outro jurista ainda aparece a forma sói. Permanecem vivos dois compostos do

Page 262: Curso de português jurídico

adjetivo sólito: insólito (fora do comum, do habitual: acontecimento insólito, ati-tude insólita) e insolente, com alteração semântica.

8.3.2.6 Viger

O verbo viger (vigorar) é regular, o verbo, usado e abusado no Direito, édefectivo; na prática aparece apenas na terceira pessoa, nos tempos que conser-vam a vogai temática "e". Exemplos:

"Nas sociedades civilizadas vige, em regra, o princípio da..." (M. Noronha)

A lei vigeu outrora...

Está vigente o decreto.

8.3.3 Verbos da terceira conjugação

8.3.3.1 Verbos em UIR

Verbos uns que tais grafam-se com i na terceira pessoa do singular do pre-sente do indicativo.

"Dos dispositivos do Código e do sistema da livre convicção doJulgador, conclui-se que..." (M. Noronha)

Deve-se, pois, dizer constitui, estatui, conclui, possui, contribui etc.

8.3.3.2 Argüir

O verbo argüir (tachar, censurar) tem conjugação polêmica. Reis (1978:133)indica as formas:

a. Presente do indicativo:

arguo, argúis, argúi, argüimos, argüis, argúem

b. Imperf. indicativo:

argüía, argüías, argüía, argüíamos, argüíeis, argüíam

c. Perfeito indicativo:

argüi, argüiste, argüiu, argüimos, argüístes, argüíram

d. Mais-que-perfeito:

argüíra, argüíras, argüíra, argüíramos, argüíreis, argüíram

e. Futuro do presente:

argüirei, argüirás, argüirá, argüiremos, argüireis, argüirão

Page 263: Curso de português jurídico

f. Futuro do pretérito:argüiria, argüirias, argüiria, argüiríamos, argüiríeis, argüiriam

g. Imperativo:argúi, argua, arguamos, argüi, arguam

h. Imperfeito subjuntivo:argüísse, argüísses, argüísse, argüíssemos, argüísseis, argüíssem

i. Infinitivo pessoal:argüir, argüires, argüir, argüirmos, argüirdes, argüirem

j . Gerúndio:argüindo

1. Particípio:argüido

8.3.3.3 Convir

Composto de vir, segue a conjugação deste; as formas a seguir merecemser observadas:

a. Presente indicativo:convenho, convéns, convém, convimos, convindes, convém

b. Perfeito do indicativo:convim, convieste, conveio, conviemos, conviestes, convieram

c. Gerúndio e particípio:convindo

Nota: Intervir também se acomoda ao verbo vir; muitos escorregam no perfeitodo indicativo de intervir cuja forma correta é: intervim, intervieste, inter-veio etc.Convir é impessoal no sentido de ser conveniente, ser útil.

8.3.3.4 Falir

Faltam-lhe:a. Presente do indicativo:

falimos

Page 264: Curso de português jurídico

falis

b. Imperativo:Todas as pessoas com exceção da 2- do plural: FaliCognatos: falência, falida (massa), falimentar, falimento, falencial.

8.3.3.5 Impedir

Conjuga-se de acordo com pedir, muito embora não tenha vínculo eti-mológico com ele. É, sim, cognato de pes-pedis (pé) e significa pôr peias aos pés,pear os pés e, daí, reter, estorvar, embaraçar.

Vale o mesmo para expedir: tirar os pés, soltá-los, livrá-los e, daí, livrar,despachar; observe-se o prefixo ex (fora, fora de).

8.3.3.6 Infringir

O verbo infringir (desobedecer) segue a conjugação de dirigir e liga-se aolatim infringere, composto de in + frangere, com apofonia da vogai a.

Casos de apofonia no campo jurídico:

in + arma: inermecon + danar: condenarad + alter + ar: adulterarin + rato: irritoin + habere: inibirin + cadere: incidirtrans + agere: transigirbene + facio: benefício

8.3.3.7 Redimir

Redimir (pagar, resgatar) é a forma regular e supre as falhas do verbo re-mir, forma sincopada de redimir. Os dois são, na realidade, um mesmo verbo.

Redimir prende-se ao latim redimere com o prefixo arcaico red, mais tar-de, re. Vejam-se prefixos latinos (8.6.1).

8.3.3.8 Ressarcir

Há os que consideram o verbo ressarcir (compensar, reparar) como defec-tivo seguindo o verbo falir. Outros consideram-no completo: ressarço etc.

Page 265: Curso de português jurídico

8.3.3.9 Verbos abundantes

Dentro ainda deste item (conjugação verbal) soa bem falar de certo gru-po de verbos caracterizados pela presença de particípios passados duplos ou, atémesmo, triplos.

Apresentam-se alguns exemplares dos verbos ditos "abundantes".

a. Primeira conjugação

1. Aceitar - aceitado - aceite

Nota: Aceite substantivou-se e, como tal, circula no Direito Comercial.

2. Afetar - afetado - afeto

O verbo afetar, condenado por alguns, encontra agasalho em Kaspary(1990:40), que cita também passagens do CCp com a forma afectado.

3. Anexar - anexado - anexo

Anexo solidificou-se como substantivo e adjetivo, como se viu (ParteVIII, 3).

4. Confessar - confessado - confesso

Veja-se a conhecida expressão "réu confesso".

5. Contraditar - contraditado - contradito

Na linguagem jurídica vive o substantivo contradita (impugnação, re-futação, contestação).

6. Ganhar - ganhado - ganho

Ganhado sobrevive, hoje, apenas em determinadas locuções como "vi-ver do ganhado".

7. Pagar - pagado e pago

Pagado está em desuso.

8. Pegar - pegado e pego

Apesar do uso corrente da forma pego, ainda sobrevive entre bonsautores a forma pegado.

9. Situar - situado e sito

Lê-se, com freqüência, "sito à rua..." quando o correto é "sito na rua...".Situar é verbo de fixação e não de movimento; deve construir-se coma preposição em.

b. Segunda conjugação

1. Conhecer - conhecido e cógnito

Page 266: Curso de português jurídico

Cógnito desapareceu; sobrevivem formas com o prefixo negativo in:incógnita (matemática) e incógnito (andar incógnito).

2. Cozer - cozido - coito

Coito sobrevive como substantivo em uso no Direito e em formas com-postas, v. g., biscoito.

3. Devolver - devolvido - devoluto

Veja-se a expressão terras devolutas.

4. Escorrer - escorrido - escorreito

Conhece-se a expressão estilo escorreito.

5. Incorrer - incorrido - incurso

Aparece na linguagem financeira e na Contabilidade a forma incor-rida.

Incurso na linguagem jurídica tem o sentido de passível de. O poeta emagistrado Raimundo Correia usa o termo na poesia Ao poder pú-blico:

"Tu que és da direção das massas investido, Tu que vingas o crime eque o Povo defendes, E executas a lei penal, e do bandido No topo de umaforca o cadáver suspendes;

Tu que tens o canhão, a tropa, a artilharia, Tu mesmo és quem fuzilaa inerme populaça; Incurso estás no Código, e devia Pra ti também se ergueruma forca na praça!"

6. Nascer - nascido - nato - nado

Nado é forma arcaica e poética; aparece, v. g., em Gonçalves Dias: "Nãoera nado o sol quando partiste".

7. Romper - rompido - roto

Roto usa-se como substantivo e adjetivo. Cruz e Sousa diz em "Litaniados pobres":

"Os Miseráveis, os rotosSão as flores dos esgotos."

c. Verbos da terceira conjugação

1. Concluir - concluído - concluso

Concluso figura na linguagem forense com referência aos autos que so-bem para o despacho do juiz.

Page 267: Curso de português jurídico

2. Distinguir - distinguido - distintoDistinto usa-se como substantivo e adjetivo. Convém lembrar que overbo distinguir não é tremado. Há tendência de pronunciá-lo comose tremado fosse. Diga-se o mesmo dos verbos adquirir e extinguir.

3. Extinguir - extinguido - extintoExtinto toma-se como substantivo com o sentido de morto, falecido.

4. Inserir - inserido - insertoConvém observar:

a. Não se há de confundir inserto e incertob. O substantivo cognato é inserção.

5. Omitir - omitido - omissoOmisso assumiu função de adjetivo: casos omissos da lei.

8.4 ABREVIATURAS

O uso de abreviaturas é de praxe na correspondência comercial e oficial,bem como na redação forense e cartorária. Justifica tal procedimento a economiade tempo e espaço. Importa, antes de citar as abreviaturas mais importantes, ob-servar alguns aspectos na sistemática da escrita abreviada.

1. Via de regra, substituem-se as letras por um ponto colocado após aconsoante, e após a última consoante dos encontros consonantais: f.(fonema); ap. (apartamento); a.C. (antes de Cristo); adj. (adjunto);antr. (antropônimo).• A ABNT determinou o ponto nas abreviaturas técnicas modernas

após a vogai ou depois da primeira consoante do encontro: ago.(agosto); anu. (anuário); téc. (técnica); fáb. (fábrica).

• Observe-se a permanência do acento nas formas abreviadas. Valeo mesmo para o hífen: cap.-ten.; m.-q.-perf.

• Há abreviaturas sem o ponto: h (hora); m (minuto); km (quilôme-tro); 1 (litro). O mesmo acontece com os símbolos científicos: S(enxofre); K (potássio); g (grama).

• Palavras há que dispensam o ponto, mas servem-se de outros si-nais gráficos como parêntese ou barra na linguagem comercial: (a)assinado.

• Com respeito ao plural das siglas, aceita-se o m/d - meses da data.2. Certas abreviaturas apresentam, após o ponto, a última letra acima das

outras: B.el, am.°, S.r, Dr.a

Page 268: Curso de português jurídico

• A tradição mantém outras formas equivalentes:Bel., Sr., Dra., Cia. etc.

3. Algumas abreviaturas apresentam variantes: a.C. ou A.C. (antes deCristo), f., fi., ou foi. (folha).

4. As abreviaturas, no plural, recebem normalmente a letra s: caps. (ca-pítulos), S.rs, Dr.as

As maiúsculas dobram-se para indicação do plural: AA. (autores), SS.MM. II. (Suas Majestades Imperiais).

5. Símbolos técnicos, não pontuados, não recebem o S do plural: 10h30m(dez horas trinta minutos).

6. Estabeleceu-se que os nomes geográficos não comportam abreviatu-ras: São Paulo e não S. Paulo.

7. Uma palavra a respeito das Siglas. Trata-se de conjunto de maiúsculasque representam nomes de instituições, repartições, entidades públi-cas ou particulares. Aparecem acompanhadas ou não de ponto. Assim,MEC ou M.E.C.; SUDAM ou S.U.D.A.M.• A tendência moderna é o uso de siglas sem pontuação.• Com respeito ao plural das siglas, aceita-se o uso do 5 (minúsculo)

para efeito de pluralização: PMs, INPMs, MPs (membros do Parla-mento).

8.4.1 Principais abreviaturas

A. - autor, autuada; forma plural: AA.(a) - assinado; plural: (aa)ac. - acórdãoAD. - no ano do Senhor (Anno Domini) ou:

aguarda deferimento.ad lit. - ao pé da letra, literalmente (ad litteram)adv. - advocacia (advérbio)ag. - agravoai. - alíneaalv. - alvaráap. - apelação, apenso (apud)ap. (apart.) - apartamentoarc.° - arcebispoart. - artigoat.° - atento, atencioso

Bbane. - bancárioB.el- bacharel; plural: B.éls; aparece a forma Bel.

(Bels.)

C/ - conta (comércio)C. - correioc/a - conta aberta (comércio)cap. - capítulo; o plural é caps.cav.° - cavalheiroc/c - conta correntec.el - coronel; aparece a forma Cel.cf. (cfr.) - confira, confrontechancel. - chancelar, chancelariaC.la (Cia.) - companhia

Page 269: Curso de português jurídico

cit. - citado, citaçãoCód. - códigocód. (códs.) - códice, códicescogn. - cognomecomp.e - compadrecons. (cons.0) - conselheirocr.a (cr.0) - criada, criadoc.ta - comanditaCx. (cx.) - caixa

Dd/ - dias (comércio)D. - Diário; deve (comércio); digno; Dom; DonaDD. - Digníssimo (doutores ou jurisconsultos)Dec. - DecretoD.O. - Diário Oficialdoe. - documento; plural: does.

EE.D. - Espera deferimentoe. g. - exempli gratia (por exemplo)Em.a - EminênciaEm.™ - EminentíssimoEng. (Eng.°) - Engenheiroex. - exemplo, exemplarEx.a (Exa.) - Excelência; a forma Excia. é incor-

retaEx.ma (Exma.) - Excelentíssima

HH. (H.er) - haver (comércio)h. c. - honoris causa (por honra)hebd. - hebdomadárioherd.0 - herdeiro

ib. (ibid.) - ibidem (no mesmo lugar)id. (idem) - o mesmo (do mesmo autor)i.e. - id est (isto é)Il.mo (limo.) - Ilustríssimoip. lit. - ipsis litteris (letra por letra, literalmen-

te)ip. v. - ipsis verbis (palavra por palavra.)

Jr. (J.or) - Júniorjud. -judiciárioJur. (Jurispr.) - JurisprudênciaJurid. - Jurídico

1. (1.° - liv.) - livrolegisl. - legislativoLegisl. - Legislação, Legislaturalit. - litteratim (literalmente)loc. cit. - loco citato (no lugar citado)Ltda. (Lt.da) - limitada (comércio)

f. (fl, foi.) - folha; plural: fls. ou fols.f.° - foliaF.° - Filho (comércio)for. - forensefs. - fac-símile

gde. - grandegloss. - glossárioG/P - Ganhos e perdas (comércio)gr. - grátis, grego

Mm/ - meu(s), minha(s) (comércio)m.a - mesma, minham/c - meu aceite (comércio)m/c - minha carta, minha conta (comércio)m/d - meses da data (comércio)m (min.) - minutoMM. - Meritíssimo• É erro comum escrever-se Meretissimo como

aparece, p.e., na legenda do filme italiano"La Porte Aperte" (As portas da Justiça).

• É praxe tradicional no foro não se usar abre-viaturas; o tratamento endereçado a juizes

Page 270: Curso de português jurídico

deve ser por extenso: meritíssimo SenhorDoutor Juiz de Direito.

Mag. - MagistradoM.E - Ministério Públicom.° - mesmom/p - meses de prazo (comércio)ms. - manuscrito (plural: mss.)m.t0 - muito

Nn/ - nosso (s) nossa(s) (comércio)N.B. - nota bene (observe, note bem)n/c - nossa carta, casa, conta (comércio)n/ch - nosso cheque (comércio)n/o - nossa ordem (comércio)N. Obs. - nihil obstat (nada obsta, impede a pu-

blicação)

Oobr.° - obrigadoob. - observação (plural obs.)of. Of. - oferece (m) Oficialop. cit. - opus citatum (obra citada)

p. - página• Há quem abrevie pág.; a tendência hoje é p.

(plural pp.)pari. - parlamentar

Pari. - Parlamentopass. - passim (aqui e ali, em diversos lugares)p/c - por contaED. - Pede Deferimentop. e. - por exemplop. ext. - por extensopg. - pago, pagouR J . - Pede Justiçap. p. - por procuraçãoproc. - processo, procuração, procuradorprof.a - professora (variante profa.)Prot. - ProtocoloES. - Post Scriptum (pós-escrito)

q.e.d. - quod erat demonstrandum (o que se ti-nha de provar)

Rref. - reformado, referente, referido

S.A. (S/A) - sociedade anônimase. - scilicet (a saber, quer dizer)s.d. - sem data, sem diaSecç.- Secçãoseg. - seguinte (plural: segs. ou ss.)S. Ex.a - Sua Excelências/f - seu favor (comércio)S.M. - Sua Majestade (plural: SS. MM.)S.M.J. - salvo melhor juízos/o - sua ordem (comércio)S.or- SêniorSr.ta- senhorita (variante Srta.)S.S. - Sua Santidade (plural SS.SS.)sup.e - suplicanteSupr. - Supremos.v. - sub você ou sub verbo - na palavra, com

respeito à palavra (plural: s.w.)S.V - sede vacante (na vacância da Sé)

t. - termo, tomotel. - telefonetest.o - testamento

V

v/ - vosso(s), vossa(s)

VA. - Vossa Alteza (plural WAA.)V Ex.a-Vossa Excelência (variante: V Exa., plu-

ral: V Ex.as)Excia. - forma incorretav. g. - verbi gratia (por exemplo)v.° - verso (lado posterior)v/o - vossa ordem (comércio)vol. - volume (plural: vols.)VS.a-Vossa Senhoriav.v.° - vide verso (veja o verso)

Page 271: Curso de português jurídico

8.4.2 Algumas siglas

ABI - Associação Brasileira de ImprensaABNT - Associação Brasileira de Normas Técni-

casABRS - abraços (telegrama)AN - Agência Nacional

BNH - Banco Nacional de Habitação

CC - Código CivilCCp - Código Civil (de Portugal)CLT - Consolidação das Leis do TrabalhoCF - Constituição FederalCPC - Código de Processo CivilCPCp - Código de Processo Civil (de Portugal)CP - Código PenalCPp - Código Penal (de Portugal)CPP - Código de Processo PenalCPPp - Código de Processo Penal (de Portugal)CPM - Código Penal MilitarCPPM - Código de Processo Penal MilitarCTN - Código Tributário Nacional

DDL - Decreto LegislativoDNER - Departamento de Estradas de Rodagem

EOAB - Estatuto da Ordem dos Advogados doBrasil

FAF - Fundo de Aplicação Financeira

FGTS - Fundo de Garantia por Tempo de Ser-viço

IBGE - Instituto Brasileiro de Geografia e Esta-tística

IOF - Imposto de Operações Financeiras

IPI - Imposto sobre Produtos Industrializados

IPTU - Imposto sobre Propriedade Predial eTerritorial Urbana

IPVA - Imposto sobre Propriedade de VeículosAutomotores

IR - Imposto de Renda

JCJ - Junta de Conciliação e Julgamento

LF - Lei Federal

LICC - Lei de Introdução ao Código Civil

LICPP - Lei de Introdução ao Código de Proces-so Penal

R

RT - Revista dos Tribunais

STF - Supremo Tribunal Federal

STJ - Superior Tribunal de Justiça

TFR - Tribunal Federal de Recursos

TRF - Tribunal Regional Federal

TRT - Tribunal Regional do Trabalho

Page 272: Curso de português jurídico

8.5 BROCARDOS JURÍDICOS E LOCUÇÕES LATINAS

8.5.1 Brocardos jurídicos

Dada a exigüidade de espaço, restringe-se o tra-balho a alguns deles.

1. Abundans cautela non nocet.

Cautela excessiva não prejudica.

2. Absolvere debet judex potius in dúbio quamcondemnare.

Em caso de dúvida, o juiz deve antes absol-ver que condenar.

3. Absens heres non est.

Ausente não é herdeiro.

4. Absque bonafide nulla valet praescriptio.

Onde falta a boa fé a prescrição não tem va-lor.

5. Accessorium sequitur principale.

O acessório acompanha o principal.

6. Confessio dividere non debet.

A confissão não deve dividir-se.

Em regra, a confissão é indivisível: ou seaceita ou se rejeita; não há meio termo.

7. Confessio est regina probationum.

A confissão é a rainha das provas.

8. Cujus est donandi, eidem et vendendi, etconcedendi jus est.

Aquele que tem o direito de dar, tambémtem o de vender e de conceder.

Princípio atribuído a Ulpiano.

9. Dormientibus jus non succurit.

O direito não socorre os que dormem; eqüi-vale a sero venientibus ossa (aos retardatári-os, os ossos) e ao ditado popular: "A quemdorme, dorme-lhe a fazenda".

10. Dura lex, sed lex.

A lei é dura, mas é a lei.

Em tempos passados, havia a seguinte pro-paganda de um fixador de cabelos - gumex- que, segundo Carlos Heitor Cony, era usa-do por Juscelino Kubitschek:

"Dura lex, sed lexno cabelo só gumex."

Conta-se que, em Minas, havia esta versão:Dura lex, sed lex (para os pobres) e dura lex,sed látex (para os ricos - sempre estica).Leia-se Fernando Sabino ("A falta que ela mefaz").

11. Ei incumbitprobatio qui dicit, non qui negat.

Cabe a prova àquele que alega, não ao quenega.

Princípio atribuído a Paulo e que correspon-de a ônus probandi incumbit actori (o ônusda prova cabe ao autor).

12. Electa una via non datur regressus ad alte-ram.

Escolhido um caminho não há regresso paraoutro.

13. Exfacto oritur ius.

Do fato nasce o direito.

14. Fiat iusütia, pereat mundus.

Faça-se justiça, mesmo que pereça o mundo.Atribuída a Públio, caracterizaria a intran-sigente severidade romana.

15. Ignorantia legis neminem excusat.

A ignorância da lei não escusa ninguém.

16. In claris, cessat interpretatio.

A interpretação cessa diante do que é claro.

17. In dúbio pro operário.

Em caso de dúvida, decide-se pelo operário.

O operário é a parte considerada mais fra-ca.

18. In dúbio pro reo.

Na dúvida, a favor do réu.19. Interrogatus non respondens habeturpro con-

fesso.

Ter-se-á por confesso o interrogado que nãoresponder.

O silêncio é uma forma de comunicação;daí, o ditado: quem cala, consente ou, me-lhor, quem cala, fala.

20. Jus et obligatio sunt correlata.

Direito e obrigação são correlatos.

Page 273: Curso de português jurídico

São idéias distintas, mas indissociáveis.21. Lex clara non indiget interpretatione.

Lei clara não carece de interpretação.Corresponde a in claris cessat interpretatio.

22. Lexjubeat, non suadeat

A lei obriga, não persuade.Referência ao caráter conativo, imperativoda lei.

23. Lex non est textus sed contextus.A lei não é texto, mas contexto.Ressalta a importância do contexto; este éque dá sentido ao texto.

24. lex prospicit, non respiát.

A lei não é retrospectiva, mas prospectiva.As leis, em princípio, têm força para o futu-ro; vale o princípio da irretroatividade.

25. Mors omnia sólvitA morte desfaz todas as coisas.Princípio aplicado para a perda da persona-lidade humana adquirida com o nascimen-to; a personalidade só termina com a mor-te; só se perde com a perda da vida.

26. Memo adfaciendum cogipotest.

Ninguém pode ser coagido a fazer algo.Princípio atribuído a Clóvis: ninguém estáobrigado sob coação ao cumprimento dodever.

27. Memo de improbitate sua consequitur actio-nem.Ninguém provoca ação decorrente de impro-bidade.

28. Memo plus júris ad alium transferre potestquam ipse habet.Ninguém pode transferir a outro mais direitodo que tem.

29. Necessitas caret lege.A necessidade dispensa a lei.

30. Nemo iudex in causa própria.Ninguém é juiz em causa própria.

31. Nemo ad impossibile tenetur.Ninguém está obrigado ao impossível. Tam-bém aparece ad impossibilia nemo tenetur.

32. Nihil consensui tam contrarium est quam viset metus.

Nada mais contrário é ao consentimento quea força e o medo.Atribui-se o adágio a Ulpiano e refere-se àcoação, vício contrário ao ato jurídico.

33. Non probandum factum notorium.Não se prova fato notório.

34. Nulla actio sine lege.Não existe ação sem lei.

35. Nullum crimen sine lege.Não há crime algum sem lei.

36. Odiosa restringenda, benigna amplianda.O odioso deve ser limitado, e o benigno, am-pliado.Refere-se à aplicação da lei.

37. Omnis vero obligatio vel ex contractu nasciturvel ex delicto.Toda obrigação nasce de contrato ou de de-lito.Adágio atribuído a Gaio segundo o qual duassão as fontes das obrigações: o contrato e odelito.

38. Per fas et nefas.Pelo justo e pelo injusto; corresponde a: porbem ou por mal, com ou sem permissão.

39. Poena maior àbsorvit minorem.A pena maior absorve a menor.

40. Quijure suo utitur neminifaát damnum.Quem usa seu direito não prejudica a nin-guém.O exercício de um direito não constitui atoilícito.

41. Qui tacet consentire videtur, si loqui debuissetac potuisset.Quem cala considera-se consentindo, se de-vesse e pudesse falar.Refere-se ao consentimento, um dos atos ju-rídicos.

42. Resoluto jure dantís, resolvitur jus acápientis.Uma vez solucionado o direito do outor-gante, resolve-se o direito do outorgado.

43. Res mobilis, res vilis.Coisa móvel, coisa desprezível.Referência ao direito medieval que conside-rava de real valor só o bem imóvel.

Page 274: Curso de português jurídico

44. Res ubicumque sit, pro domínio damat.

Onde quer que esteja a coisa, ela clama porseu dono.

Aplica-se à reivindicação em caso de furto.

45. Salus populi suprema lex esto.

A salvação do povo é a lei suprema.

46. Sublata causa, tollitur effectus.

Suprimida a causa, cessam os efeitos.

47. Summum ius, summa injuria.

Sumo direito, suma injúria, Tanto maior é ainjustiça quanto maior for o direito. É umbrocardo atribuído a Cícero, já vigente noDireito Romano.

48. Testis unus, testis nullus.

Uma testemunha, testemunha nenhuma;aparece também: testis unus, testis nullius.

49. Ubi bem, ibi pátria.A pátria é o lugar onde se está bem.

50. Ubi homo, ibi ius.Onde está o homem, aí está o direito.

51. Ubi societas, ibi ius.Onde está a sociedade, aí está o direito.

52. Utile per inutile non vitiatur.

O útil não é viciado pelo inútil.53. Verba volant, scripta manent.

As palavras voam, os escritos permanecem.54. Volenti nonfit injuria.

Àquele que consente não se faz injúria.

8.5.2 Locuções latinas

1. Ab absurdo.

A partir do absurdo, pelo absurdo. Fala-seem argumento "ab absurdo" e não "ababsurdum" como se vê em livros de autoresrenomados.

2. Aberratio delicti.

Desvio do delito; erro na execução de umcrime com resultado diferente do pretendi-do.

Corresponde, talvez, ao que diz o povo: 'Ati-rou no que viu e acertou no que não viu."

3. Aberratio ictus.

Desvio de golpe, erro de execução: ao seexecutar um crime, ao invés de atingir A,atinge-se B.

4. Ab initio.

Desde o início, a partir do início, de início.O processo foi anulado .

5. Ab intestato.

Sem deixar testamento.

Falecimento , herança .6. Ab irato.

Em conseqüência de ira, de raiva.Ato executado é passível de anu-lação.

7. Absente reo.

Na ausência do réu, estando o réu ausente.Procedeu-se ao julgamento .

8. Ad cautelam.

Para efeito de cautela, de prevenção.Medidas (acauteladoras). No-meação . (por precaução)

9. Ad corpus.

Para o corpo; usa-se na venda de um imó-vel sem especificação de área.

10. Ad domum.Em casa; citação efetivada na casa do citan-do.

11. Adhoc.Para isto, para caso especificado, determina-do.Promotor, advogado, delegado .

12. Ad judicia.Para o juízo; procuração válida apenas parao juízo.

13. Ad instar.A semelhança de, à medida de, à maneirade."Vê-se ad instar dos exemplos apontados..."(W. de Barros Monteiro)

Page 275: Curso de português jurídico

14. Ad libitum.Segundo a deliberação, vontade, arbítrio."... o prenome pode ser escolhido ad libitumdos interessados." (W. de Barros Monteiro)

15. Ad litem.

Para a lide; para o litígio, em relação ao pro-cesso.

16. Ad nutum.

Segundo o arbítrio, livremente."Assim sendo, mandato não comporta re-vogação ad nutum." (W de Barros Monteiro)

17. Ad perpetuam rei memoriam.Para perpetuar a lembrança da coisa, provaque se produz para conservação, perpetua-ção do direito.

18. Ad probationem.Para prova, determinada formalidade legalexigida só para prova do ato.

19. Ad quem.Para quem, para o qual.Tribunal : ao qual o recurso é di-rigido.Dia : fim da contagem de um pra-zo."De qualquer modo, compete agora ao juízoad quem pronunciar-se." (M. Noronha)

20. Ad referendum.Sujeito à aprovação, à apreciação.Nomeação ; decreto .É comum o uso do substantivo "referendo".

21. Alieno tempore.Fora de tempo; inoportuno, intempestivo.

22. Animus.

Intenção, vontade, propósito.necandi (de matar)habendi (de ter)lucrandi (de lucrar)furandi (de furtar)laedendi (de ferir)donandi (de dar)injuriandi (de injuriar)manendi (de permanecer)

23. Ante litem.

Antes da lide, do litígio, da propositura daação.

24. A quo.Procedência (de quem, do qual).A propósito, veja-se a citação de Cândido deFigueiredo por João Ribeiro (1960:252): "Aquo é locução jurídica, ainda hoje emprega-da no Foro", por oposição a ad quem.A quo designa a primeira instância judicial,de onde parte um processo ou um pleito,para seguir os seus trâmites; e ad quem de-signa uma instância superior, a que sobe oprocesso. O juiz a quo julga em primeira ins-tância; o juiz ad quem em segunda ou últi-ma.

Juiz a quo ou tribunal a quo é o ponto departida. Ficar a quo é não ir além, é ficaralguém num ponto, de onde queria sair enão pôde."* Ortografia atual: Foro.

25. Bis in idem.Duas vezes sobre a mesma coisa; incidênciade um mesmo imposto sobre o mesmo con-tribuinte ou sobre matéria já tributada.

26. Citra petita (petitum).Julgamento que não resolve o que se pediu,o que se demandou.

27. Concessa venia.Concedida, suposta a vênia, a permissão, alicença; o mesmo que data venia.

28. De cujus.O falecido, o testador falecido; a expressãocompleta é de cujus successione agitur.Ex.: "Todavia não é completo o aniquilamen-to do de cujus pela morte." (W. M. de Barros)

29. De facto.De fato, segundo o fato.

30. De jure.De direito; segundo o direito; conforme o di-reito. Na linguagem arcaica a forma corres-pondente era de juro.

31. Erga omnes.Para com todos, em relação a todos, de ca-ráter geral. O contrário é erga singulum."Asseguravam alguns que o nome é um di-reito da personalidade exercitável ergaomnes e cujo objeto é inestimável." (W. M.de Barros)

Page 276: Curso de português jurídico

32. Et reliqua.E o restante, o demais, as demais coisas.

33. Ex aequo.Com igualdade, com equanimidade.

34. Ex causa.Em relação à causa; pela causa.

35. Ex professo.Por profissão, por ofício."... mas não cuidaram ex professo deste pro-blema..." (Miguel Reale)

36. Ex nunc.Ato, condição ou contrato cujos efeitos se fa-zem sentir com a celebração do ato, semretroatividade.

37. Ex officio.Em função, em decorrência do ofício, docargo."A suspensão da ação pode ser provocadapor ele, pelo acusado ou decretada ex-officiopelo juiz." (M. Noronha)

Obs.: na edição de 1990, 20â ed. da obra"Curso de Direito Processual Penal", de M.Noronha, eliminou-se o hífen em ex officio.

38. Ex tunc.Desde então, com retroatividade.

39. Ex vi.Por efeito, por força, em decorrência da for-ça."A ação será, então, pública ex-vi do art.103." (M. Noronha)Veja-se a observação em ex officio.

40. Extra petitum.Além do pedido, fora do pedido, extrapo-lando o pedido.

41. Exequatur.Execute-se, seja executado; determinaçãodo cumprimento de uma sentença.

42. In articulo mortis.

Em artigo de morte; na iminência da mor-te.

43. In extremis.Corresponde ao anterior (42); a expressãocompleta é in extremis vitae momentis. Comeste título, Machado de Assis abre um capí-tulo de "Memórias póstumas de Brás Cubas".

Olavo Bilac tem uma poesia com o mesmotítulo cujo verso inicial é:"Nunca morrer assim! Nunca morrer numdia..."

44. In limine.

No começo, no início, no limiar.Rejeição in limine; o povo traduziria: rejei-ção "de cara".

45. In loco.No lugar, no próprio local.Investigação .

46. In situ.Equivalente ao anterior (45).

47. Inter vivos.

Entre vivos, durante a vida, em vida.48. Lato sensu.

Em sentido amplo, geral.Pós-graduação .

49. Manu militari.

Por força militar, sob coação militar, policial.50. Modus faciendi.

Modo, maneira de fazer, de proceder.faciendi

procedendi

agendi

vivendi

51. Mutatis mutandis.Mudado o que deve ser mudado (mudadasas coisas que devem ser mudadas). É expres-são corrente nos livros de Direito.

52. Pari passu.A passo igual; no mesmo passo, de parelha.Acompanhar alguém .

"É por tais razões que as vicissitudes da pa-lavra 'Direito' acompanhampari passu a his-tória..." (Miguel Reale)

53. Passim.

Aqui e ali; com freqüência; freqüentemente.Este advérbio latino usa-se após a citação deuma obra. Ex.: "Dessa forma, Bally (1951:16et passim)..." (W. de Barros Monteiro)

54. Pro rata.Em proporção, proporcionalmente.

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"Sendo dois ou mais réus, a satisfação dascustas se fará mediante rateio ou pro rata."(M. Noronha)

55. Sim die.

Sem data estabelecida, sem dia definido.O julgamento foi adiado .

56. Sine qua non.

Indispensável, obrigatória, necessária."... Vieira, porém, acentua a nota do traba-lho como condição sine qua non..." (AlfredoBosi)

57. Status quo.Na situação em que, no estado em que seacha uma questão."... o que lhe interessava era o status quo,base de seu poder pessoal." (Miguel Reale)

58. Stricto sensu.Em sentido estrito, determinado, especifi-cado.

Pós-graduação .

59. Subjudice.

Em juízo, em julgamento, à espera de julga-mento.

60. Sui generís.

Especial, próprio, particular.

Caso .

61. Ultra petitum.

Além do pedido, ultrapassado o pedido.

62. Ut infra.

Como reza abaixo, como se vê abaixo.

63. Ut retro.

Como está atrás, como se observa atrás.

64. Ut supra.

Como está acima, como se verifica acima.

65. Verbi gratia.

Por exemplo; abrevia-se: v. g.

8.6 PREFIXOS E SUFIXOS LATINOS E GREGOS

Com referência ao item em pauta, pretende-se citar e comentar (se for ocaso) apenas alguns prefixos e sufixos mais correntes.

8.6.1 Prefixos latinos

• Ab (a) - ponto de partida, afastamento: ab-rogar, ab-rogado, avocar.• Diante de palavra iniciada por r, deve-se

usar o hífen: ab-rogatório, ab-rogar.• Ad (a) - movimento para, aproximação: ad-

vogado, adjunto, aditar, adjudicar.• Frente a algumas consoantes ocorrem

assimilação da consoante d e simplifica-ção da geminada; diante de r e 5, man-tém-se a consoante dupla: ad + rogare> arrogar; ad + signare > assinar; ad+ firmare > affirmare > afirmar.

• Aparece a forma vernácula a:abraçar, amadurecer, avivar.

• Antes de r, usa-se o hífen: ad-renal, ad-rogação.

Contra - oposição: contradição, contrafé,contrafação, contra-ordem.

• Diante de palavra iniciada por vogai, h,r, s, deve-se usar o hífen: contra-ordem,contra-estadia, contra-republicano, con-tra-senso, contra-humanidade, contra-indício.

Cum - simultaneidade, concomitância, agru-pamento.• A forma latina cum sobrevive, v. g., em

cúmplice, cumprir, cumplicidade.

• A forma vernácula é com: combater, com-binar.

• Con aparece diante de consoante (menosb ou p): conjurar, concubina, concubi-nato, conviver, consorte, consórcio.

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• Co aparece ora com hífen, ora sem hífen,de acordo com o uso; não há regra a res-peito: coexistir, coabitar, co-irmão, co-autor, co-seno, cooptar.

• De - movimento de cima para baixo, sepa-ração: decapitar, depor, decrescer, demente.

• Des - separação, privação, negação: desfa-zer, desonesto, destratar, desumano.• Des assume, por vezes, sentido intensi-

vo: desgastar (gastar muito), desabusa-do (muito abusado), desnudez (nudeztotal), desabalado (muito abalado).

• Dis - negação, ação contrária: discordar,disjungir, distender, discriminação.• Antes de g, l, m, n, r e v, reduz-se a di:

dilacerar, divagar, diminuir.

• Antes de / acontece assimilação do s e,em seguida, simplifica-se a geminada:dis + facilis > disffacilis > diffícil >difícil.

• Ex- movimento para fora: expatriar, exone-rar, expulsar, exportar, exumação.• Não se confunde com ex no sentido de

cessamento, estado anterior. Nesse casosempre se separa por hífen: ex-diretor,ex-senador, ex-juiz.

• O x do prefixo tende a se alterar em s:escusa, esquisito, esperto, esfregar. Aocontrário, em francês e inglês a tendên-cia é a permanência do x: exquisite,exquis, expert, excuse.

• O prefixo pode apresentar sentido inten-sivo, como é o caso de extorquir, exacer-bar.

• Cumpre lembrar que nas formas latinasnão se usa o hífen: ex lege, ex officio, exvi etc.

• Extra - posição fora, além de: extranume-rário, extravio, extradição, extrajudicial,extraprocessual.• Antes de vogai, h, r, s, separa-se por hí-

fen: extra-ofício, extra-hospitalar, extra-regular, extra-síntese.

• In - negação (infiel, indecente, ímprobo),movimento para dentro (ingerir, induzir, in-correr) .• Pode evoluir para en (enraizar, enterrar).

Em ambos os casos, o n sofre assimila-

ção antes de r, l, m, com a posterior sim-plificação da geminada: in + legal >illegal > ilegal; in + ludir > illudir >iludir; in + mutável > immutável >imutável.

• Chama-se a atenção para a diferençaque, às vezes, corre entre as negativas ine des:

a. in: aspecto erudito e menos altera-do;

des: aspecto popular e mais altera-do:

imenso - desmedido; incógnito -desconhecido; inconsútil - descosi-do.

b. in: negação total (o que não é);

des: negação parcial (o que deixoude ser):

incrédulo - descrente; incolor - des-colorido (descorado); infrene - de-senfreado.

• Observe-se a tendência popular de seacrescentar à forma negativa in o des(também negativo):

quieto - inquieto - desinquieto;

feliz - infeliz - desinfeliz.

• In, por vezes, denota intensidade; é oque se verifica, v. g., em invectiva, inva-são, incursão.

• Infra - abaixo, é o oposto de supra; separa-se por hífen diante de palavra iniciada porvogai, h, r, s: infra-assinado, infra-hepático,infra-renal, infra-som.

• Mal - mal, menos, pouco: malcriado,malvisto, malfeito.

• mal é um advérbio com força de prefi-xo.

• Pode ter, também, sentido intensivocomo, por exemplo, na expressão latina"male odisse" (odiar profundamente).Agrega-se, nesse caso, às formas ferido,magoado, sentido, enganado. Costuma-secitar o exemplo de Machado de Assis(Soneto a Carolina):

"Que eu, se tenho nos olhos malferidosPensamentos de vida formulados, Sãopensamentos idos e vividos."

Page 279: Curso de português jurídico

• Mal separa-se por hífen diante de vogaiou/i: mal-assombrado, mal-amado, mal-humorado.

• Ob - posição em frente, oposição, resistên-cia: óbito, obstar, obliterar, obstruir, objur-gatória.• Antes de c, f, p, m, acontece a assimila-

ção do b e a simplificação da geminada:ob + currere > occorrer > ocorrer; ob +ponere > oppor > opor; ob + mittere >ommitir > omitir.

• Ob separa-se por hífen diante de r: ob-repção, ob-reptício.

• Per - movimento através (percorrer); dura-ção (perdurar); acabamento (perpetrar, per-feito).• Pode ter valor intensivo: impertérrito.

• Pre - anterioridade: prejulgar, prejuízo, pre-datado.• Com o mesmo sentido, tem-se pré sem-

pre separado por hífen: pré-julgamento,pré-escola, pré-datado.

• Re - movimento para trás, repetição: repris-tinar, recorrer, reconvir, reiterar.• A propósito de reiterar, observe-se que a

pronúncia atual é rei-te-rar, com elimi-nação do hiato.

• A pronúncia popular é reteirar.• Red é forma arcaica de re e sobrevive, v.

g., em redibir, redimir, redibição, redun-dar, redargüir.

• Retro - movimento para trás, afastamento:retroceder, retrocesso, retroagir, retrotrair.• O verbo retrotrair, usado por Carneiro

Ribeiro e combatido por Rui Barbosa, foitachado de pedante e de mau gosto porAlmeida Torres (1959:54).

• Semi - meio, metade: semiprova, semiplena,semiprisão.• Usar-se-á com hífen diante de vogai, h,

r, s: semi-árido, semi-herói, semi-selva-gem, semi-roda.

• Sub - posição inferior, debaixo: subverter,subjugar, subsolo, subdiretor.

• Sub - forma erudita, com hífen diante der: sub-raça.

• Sob - forma vernácula, com hífen dian-te de r: sob-rodas.

• So- forma vernácula, sem hífen: sobra-çar, somenos (so(b)menos).

• Sub - assimila-se o b à consoante inicialde palavra iniciada por e, f, g, p; a con-soante geminada simplifica-se: sub +ponere > suppor > supor; subgerere >suggerir > sugerir; subcedere >succeder > suceder.

• Atente-se para a partição silábica de su-blinhar; o correto é sub-li-nhar.

• Super - posição superior, posição em cima:superdose, superveniente, supérfluo, supérs-tite.

• A forma vernácula é sobre que se usacom hífen diante de h, r, s: sobre-huma-no, sobre-rodas, sobre-saia.

• A forma super (erudita) separa-se porhífen diante de h, r: super-herói, super-requisitado.

• Supra - posição superior, em cima: supra-citado, supradito.

• Com hífen diante de palavra iniciada porvogai, r, s: supra-axilar, supra-renal, su-pra-sumo.

• Trans - através de, além de: trânsfuga, trans-missão.

• A forma popular de trans é trás: trans-passar > traspassar; transladar > tras-ladar.

• Trans assume também a forma três: tres-loucado, tresnoitar.

• Tris (tri) - idéia de três: trifauce, tripartite,tridimensional.

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8.6.2 Prefixos gregos

• An- idéia de privação, negação: anarquia,anômalo, anônimo.

• An usa-se diante de vogai.

• A é redução de an diante de consoante:acéfalo, afonia. É o chamado "alphaprivans".

• Etimologicamente, não há diferença en-tre amoral e imoral; prefixo latino in eo grego a têm o mesmo sentido. Amoralé neologismo e termo híbrido (formadode elementos de línguas diferentes: agrego e do latim mos-moris), criado praestabelecer a diferença de sentido, hojeconsagrada.

Vale lembrar:

imoral —> contrário de moral; oposto àmoral.

amoral —> afastado, abstraído da moral.

• Anti - denota oposição, posição contrária.Exemplo: antítese, antipatia, antiaborto,antidivórcio.

• Deve-se cuidar em não se confundir oprefixo latino ante e o prefixo grego anti;assim, dir-se-á antediluviano (e não anti-diluviano), anteposto (e não antipasto).

• Usa-se com hífen diante de palavras ini-ciadas porft, r, s: anti-higiênico, anti-re-publicano, anti-sionista.

• Arqui - posição superior, em cima: arquidu-que, arquiteto, arquidiocese.• Separa-se por hífen diante de h, r, s: ar-

qui-rabino, arqui-senador, arqui-humo-rista.

• Arce eArci são variantes de arqui: arce-bispo, arcipreste, Arceburgo.

• Epi - posição superior, movimento para:epicentro, epílogo, epitáfio, epiderme.

• Eu - bom, suave, agradável: eutanásia,eugenia, eufonia.• É encontradiço em nomes próprios.

Eunice, Eulália, Eugênio, Eusébio,Eufrates, Eutanásio (criação de PedroNava).

• Hipo - em baixo de: hipoteca, hipótese,hipodérmico.

• Pará - ao lado de: paráfrase, parasita, para-militar, paralingüística.

• Pró - movimento para diante, para frente:prólogo, progressão, projétil, prolatar.

• Syn - reunião, conjunção, simultaneidade:sistema, síntese, sintaxe, sincrônico.

8.6.3 Sufixos latinos

• Ada - é rico de significado e pode indicar:golpe (ferimento): facada, punhalada,navalhada

quantidade: mesada, garfada, fornada.

coleção: boiada, rapaziada, enxurrada,

confeição: laranjada, cocada, limonada.

. ação: queimada, jogada, arrancada.

A forma masculina ado aplica-se a títu-los, territórios, cargos, posições sociais:arcebispado, condado, juizado, doutora-do.

Por vezes, usa-se ato por ado: clericato,sindicato, baronato.

Agem - pode significar:

{ato ou estado: ladroagem, malandra-gem,coleção: ferragem, roupagem.

Al - em geral, forma adjetivos: capital, ofi-cial, mortal, fatal.Ante - forma-se com a vogai temática dos(Inte) verbos + sufixo nte do particípio(ente) presente; o sentido mais comum é o

de agente: tratante, despachante,delinqüente.

Eza - prende-se ao sufixo latino itia que sealterou em eza (forma popular), abreviou-se em ez ou deu iça. Assim,

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—.• justiça

do latim justitia temos <^

=̂ ijusteza

de cupiditia

• Mente - sufixo formador de advérbios demodo: calmamente, rapidamente, sofrega-mente.

• Na realidade, mente é ablativo de mens-mentis que se transformou em sufixo.

• Na prática, na seqüência de dois ou maisadvérbios de modo, coloca-se o sufixomente apenas no último.

O acusado estava profunda e inconsola-velmente triste.

Agravou-se a situação do acusado lenta,mas gradualmente.

• Em caso, porém, de ênfase, pode-se em-pregar completos todos os advérbios.Rui Barbosa legou este exemplo: "Assimque, em suma, logicamente, juridica-

mente e tradicionalmente, não há outramaneira de nos exprimirmos".

Outro exemplo citado por Cal(1954:91), de Eça:

"... fechou sobre mim a portinhola, gra-vemente, supremamente como se cerrauma grade de sepultura."

• Oso - sufixo abundancial: venenoso, maldo-so, leitoso, criminoso.

• Por vezes, assume duplo sentido: teme-roso (cheio de temor e provocador detemor); vergonhoso (cheio de vergonhae causador de vergonha).

• Vel-é evolução normal da forma latina bil,usual em Camões e outros clássicos. Dá idéiade capacidade ou qualidade: amável, durá-vel, audível. A forma arcaica bil deixou ves-tígios em:

a. superlativos: terribiZíssimo, amabz'Zíssi-mo;

b. substantivos abstratos: punibilidade,prorrogabiZidade, estabiZidade, respon-sabiZidade;

c. adjetivos: contábiZ, débiZ, üébil, núbiZ,ignóbiZ.

8.6.4 Sufixos gregos

• Ismo - significa sistema, crença, partido; éextremamente fértil na criação de neologis-mos, maxime, na esfera política: tenentismo,lacerdismo, parlamentarismo. Outras áreas:jurídica (tridimensionalismo); filosófica(empirismo); artística (classicismo); religi-osa (catolicismo) etc.

• Ista - indica partidário de uma doutrina (so-cialista, positivista, jusnaturalista) ou profis-são (dentista, jurista, copista). Os sufixos

ismo e ista andam juntos; um puxa o outro,embora, em princípio, um possa existir semo outro.

Izar - é sufixo formador de verbos, de ori-gem erudita, de grande vigor na formaçãode neologismos. Mário Barreto (1954:134)atribui muitos verbos a Camilo: severizar,teologizar, virginizar, desvirginizar, desvigo-rizar etc.

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