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C AD . S AÚDE C OLET ., R IO DE J ANEIRO , 17 (1): 145 - 161, 2009 – 145 DISTRIBUIÇÃO ESPACIAL E TEMPORAL DA HANSENÍASE EM MATO GROSSO, NO PERÍODO DE 1996 A 2007 Temporal and spatial distribution of Hansen´s disease in the state of Mato Grosso, from 1996 to 2007 Maria de Lourdes de Queiróz 1 , João Henrique G. Scatena 2 RESUMO Embora estatísticas recentes publicadas pela OMS apontem que a hanseníase vem declinando no mundo desde 2001, no Brasil a doença ainda se constitui um problema de saúde pública. O Estado de Mato Grosso apresenta uma das situações mais desfavoráveis na última década. Este trabalho tem por objetivo analisar a evolução da hanseníase neste estado, no período de 1996 a 2007, e descrever a sua distribuição segundo área geográfica. Foram utilizados os dados do banco do Programa de Controle de Hanseníase disponíveis na Secretaria de Estado da Saúde, no Sistema de Informação de Agravos de Notificação (SINAN), bem como os dados populacionais do IBGE. Os coeficientes de detecção geral mostraram uma situação de estabilidade – em nível hiperendêmico – nos últimos 12 anos. No entanto, pelo menos três padrões distintos de comportamento – queda, estabilidade e ascensão – foram observados, quando os dados foram desagregados por regionais de saúde. A evolução espacial da doença mostrou que os coeficientes se elevaram no sentido sul-norte/noroeste, acompanhando o processo de ocupação do espaço mato-grossense. Além da elevada detecção de casos novos no estado, a hanseníase apresenta comportamento diferente em regiões e municípios mato-grossenses, suscitando a necessidade de intervenções também diferenciadas. PALAVRAS-CHAVE Hanseníase, epidemiologia, incidência regionalização ABSTRACT Although recent statistics published by the WHO show that leprosy has been declining worldwide since 2001, in Brazil the disease is still a public health issue. The State of Mato Grosso presents one of the most unfavorable situations in the last decade. This paper aims to analyze the evolution of leprosy in this state from 1996 to 2007, and to describe its distribution according to the geographic area. Data from the base of the Leprosy Control Program available on the National Notifiable Disease Information System (SINAN), as well as on the population database of the Brazilian Institute of Geography and Statistics (IBGE) was used. The general detection rates showed a situation of stability – in a hyperendemic level – in the last 12 years. However, at least three distinct patterns of behavior – fall, stability and rise – were observed when the data was separated by regional health departments. The spatial evolution of the disease showed that the rates increased from south-north/northwest, following the process of occupation of the Mato Grosso space. Besides the high detection of new 1 Mestre em Saúde Coletiva. Secretaria de Estado de Saúde de Mato Grosso. Rua Papa João XXIII, 49 – Bairro Dom Aquino - Cuiabá – Mato Grosso CEP: 78 615-015 E-mail: [email protected] 2 Doutor em Saúde Pública. Instituto de Saúde Coletiva da UFMT
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diStRiBuição eSpaCial e tempoRal da hanSeníaSe em mato gRoSSo, no peRíodo de 1996 a 2007

Temporal and spatial distribution of Hansen´s disease in the state of Mato Grosso, from 1996 to 2007

Maria de Lourdes de Queiróz1, João Henrique G. Scatena2

rEsuMo

Embora estatísticas recentes publicadas pela OMS apontem que a hanseníase vem declinando no mundo desde 2001, no Brasil a doença ainda se constitui um problema de saúde pública. O Estado de Mato Grosso apresenta uma das situações mais desfavoráveis na última década. Este trabalho tem por objetivo analisar a evolução da hanseníase neste estado, no período de 1996 a 2007, e descrever a sua distribuição segundo área geográfica. Foram utilizados os dados do banco do Programa de Controle de Hanseníase disponíveis na Secretaria de Estado da Saúde, no Sistema de Informação de Agravos de Notificação (SINAN), bem como os dados populacionais do IBGE. Os coeficientes de detecção geral mostraram uma situação de estabilidade – em nível hiperendêmico – nos últimos 12 anos. No entanto, pelo menos três padrões distintos de comportamento – queda, estabilidade e ascensão – foram observados, quando os dados foram desagregados por regionais de saúde. A evolução espacial da doença mostrou que os coeficientes se elevaram no sentido sul-norte/noroeste, acompanhando o processo de ocupação do espaço mato-grossense. Além da elevada detecção de casos novos no estado, a hanseníase apresenta comportamento diferente em regiões e municípios mato-grossenses, suscitando a necessidade de intervenções também diferenciadas.

Palavras-chavE

Hanseníase, epidemiologia, incidência regionalização

aBstract

Although recent statistics published by the WHO show that leprosy has been declining worldwide since 2001, in Brazil the disease is still a public health issue. The State of Mato Grosso presents one of the most unfavorable situations in the last decade. This paper aims to analyze the evolution of leprosy in this state from 1996 to 2007, and to describe its distribution according to the geographic area. Data from the base of the Leprosy Control Program available on the National Notifiable Disease Information System (SINAN), as well as on the population database of the Brazilian Institute of Geography and Statistics (IBGE) was used. The general detection rates showed a situation of stability – in a hyperendemic level – in the last 12 years. However, at least three distinct patterns of behavior – fall, stability and rise – were observed when the data was separated by regional health departments. The spatial evolution of the disease showed that the rates increased from south-north/northwest, following the process of occupation of the Mato Grosso space. Besides the high detection of new

1 Mestre em Saúde Coletiva. Secretaria de Estado de Saúde de Mato Grosso. Rua Papa João XXIII, 49 – Bairro Dom Aquino - Cuiabá – Mato Grosso CEP: 78 615-015 E-mail: [email protected] Doutor em Saúde Pública. Instituto de Saúde Coletiva da UFMT

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cases in this area, leprosy has different behaviors in its regions and municipalities, demanding also the adoption of different kinds of interventions.

kEy words

Leprosy, epidemiology, incidence, regionalization

1. introdução

A hanseníase representa um processo infeccioso crônico que acomete populações humanas há séculos. O cinturão tropical e subtropical da África e o sul da Ásia são considerados o berço ancestral da hanseníase, com vestígios da doença de mais de 2.500 anos. Na Europa, a doença se disseminou há 1.000 anos e esteve em ascensão até o século XIII, declinando-se gradualmente até extinguir-se, em meados do século XX. Nas Américas a doença provavelmente foi trazida por europeus ou norte-africanos nos últimos 500 anos (OMS, 1989).

No Brasil, os primeiros casos de hanseníase foram registrados no Rio de Janeiro em 1600. Apesar da carência documental, reconhece-se a existência da doença em diferentes áreas durante o início da colonização (Brasil, 1989). A maior incidência ocorria em áreas de portos por onde os escravos, originados em sua maioria de países que tinham alta endemicidade para a doença, entravam no país (Scott, 1947).

Na atualidade, o Brasil registrou 39.125 casos novos no ano de 2007, respondendo por 93,2% dos casos novos e por 92,8% do registro ativo da hanseníase no continente americano. Este cenário inclui o Brasil entre os 17 países com 94% dos casos do mundo, o segundo maior em número de casos, mantendo nas últimas décadas a situação mais desfavorável nas América (WHO, 2008).

Ressalta-se que as regiões Norte e Centro Oeste do país mantêm os mais altos coeficientes de detecção de casos e os maiores incrementos, o que evidencia uma desigual evolução regional da endemia, sugerindo a existência de contextos geográficos de diferentes vulnerabilidades à produção social da hanseníase e de novos componentes na organização espacial em algumas áreas (Magalhães & Rojas, 2005).

De fato, importante variação na distribuição da doença no Brasil em 2002 foi apontada por Magalhães e Rojas (2005): de 7,73/10.000 na região Norte a 0,75/10.000 na região Sul. As autoras destacam que nos estados da Amazônia Legal foram identificados coeficientes de hanseníase três vezes mais elevados que os de outros estados do Brasil, destacando-se os estados de Mato Grosso, Tocantins, Rondônia e Roraima com coeficientes mais elevados que a média da região. Reiteram também que em alguns espaços em Mato Grosso, de alta detecção de formas paucibacilares, a endemia encontra-se em expansão.

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Estudo recente (Magalhães, 2007) identificou que a distribuição atual de hanseníase no Brasil concentra-se em quatorze dos vinte e sete estados, sendo sete na região Norte (Rondônia, Acre, Amazonas, Roraima, Pará, Amapá e Tocantins), quatro na região Nordeste (Maranhão, Piauí, Ceará e Pernambuco), dois na região Centro-Oeste (Mato-Grosso e Goiás) e um na região Sudeste (Espírito Santo).

De forma a reforçar esses achados, os dados da endemia publicados recentemente pelo Ministério da Saúde (Brasil, 2008) mostraram que na Amazônia Legal, região em que se localiza o estado de Mato Grosso, estavam concentrados 38,9% dos casos novos de hanseníase, em 2007, embora habitem nessa região 12,9% da população do país. Apesar de o estado de Mato Grosso ocupar a segunda posição na detecção da doença em menores de 15 anos, o relatório aponta a queda nesses coeficientes, o que segundo o relatório reforça a hipótese de um efetivo programa de controle da hanseníase em área de alta endemicidade (Brasil, 2008).

O registro de casos de hanseníase no estado do Mato Grosso remonta o século dezoito. Do ponto de vista histórico, o primeiro registro de casos de hanseníase é feito em 1773, poucos anos da criação da Capitania de Mato Grosso. A doença disseminou-se rapidamente, principalmente entre escravos e pobres livres, fomentando pressões para a construção de lazaretos destinados a segregar e isolar os doentes. A primeira unidade de atendimento em Mato Grosso – o Hospital dos Lázaros – foi inaugurada em 1816, no município de Cuiabá (Nascimento, 2001).

Em 1922 as constantes inspeções domiciliares desenvolvidas pelo Serviço de Profilaxia Rural em Mato Grosso revelam a existência de grande número de pessoas acometidas pela hanseníase no estado (Nascimento, 2001). Em 1938, é criado o Regulamento Sanitário do Estado de Mato Grosso, e a hanseníase, contemplada sob o Título IV “Profilaxia da Lepra”, mereceu uma minuciosa e rígida normatização que dispunha sobre o tratamento dos doentes, o controle e vigilância de contatos, a existência de asilos, separação dos filhos logo após o nascimento, as normas de higiene domiciliar e preconizava punições em caso de descumprimento das normas (MT, 1938).

Do início da década de 1960 até o final da década de 1970 a hanseníase em Mato Grosso evoluiu com coeficientes de detecção inferiores a três casos novos por 10.000 habitantes. Entretanto, a década de 1980 revelou um aumento significativo, chegando a 10 casos novos por 10.000 habitantes, coeficiente que se manteve nesses patamares até os anos 1990 (Brasil, 1998).

Atualmente, em 2007, segundo dados da Secretaria de Estado de Saúde, foram registrados 2.697 novos casos. Destes, 164 (6,1%) acometiam menores de 15 anos, 190 (7,0%) apresentavam incapacidade física grave no momento do diagnóstico. Mais de 35% da população do estado vivem em municípios com prevalência

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superior a 5 casos por 10.000 habitantes, quando o coeficiente atualmente aceitável é de menos de 1 caso por 10.000 habitantes (SES, 2007).

Em estudo recente, Ignotti et al. (2004) afirmam que mesmo após mais de 10 anos da implantação da poliquimioterapia em Mato Grosso, um reservatório de casos não detectados mantém fontes de infecção da doença. Andrade et al. (2006) destacam a influência dos fatores operacionais sobre os epidemiológicos, referindo que a partir de 2000, quando foi desenvolvido o maior número de atividades para desconcentrar e/ou descentralizar o diagnóstico e tratamento da hanseníase. Apontam como possíveis fatores que geram diferentes perfis de morbidade da hanseníase no país: a coexistência de insuficiente cobertura de diagnóstico e tratamento e a concentração destes nos grandes centros urbanos; a grande mobilização populacional de algumas áreas; e a ausência do conhecimento da comunidade sobre sinais e sintomas da hanseníase.

Com a finalidade de contribuir para o conhecimento da epidemiologia da hanseníase em Mato Grosso, este trabalho tem por objetivo analisar a evolução da hanseníase neste estado, no período de 1996 a 2007, e descrever a sua distribuição segundo área geográfica no referido período.

2. MatErial E Método

Estudo ecológico, com base em uma série histórica de dados secundários de casos de hanseníase, residentes no Estado de Mato Grosso no período compreendido entre 1996 e 2007.

O estado é composto por 141 municípios e, para um efetivo desenvolvimento de suas funções, a SES organizou 16 Escritórios Regionais de Saúde. A população estudada foi constituída por todos os casos novos de hanseníase notificados no período de 1996 a 2007. Foram excluídos os casos não residentes neste estado que entraram no sistema no período mencionado, bem como aqueles casos em que se constatou erro diagnóstico. Por tratar-se de um estudo ecológico foram estudados os indicadores originados dos registros de casos novos e não “os casos” propriamente ditos.

Foram estudados os coeficientes de detecção de casos – geral e específico –, por 10.000 habitantes, cujos valores foram categorizados conforme preceitua o MS (Brasil, 2002): a) Coeficiente de detecção geral de casos: 0,00-0,19; 0,20-0,99; 1,00-1,99; 2,99-3,99; 4,00-6,99; 7,00-13,99; 14,00-20,99; > 21,00; b) Coeficiente de detecção de casos em menores de 15 anos: 0,00-0,04; 0,05-0,24; 0,25-0,49; 0,50-0,99; >1,00.

Para o coeficiente de detecção geral, optou-se por subdividir o nível hiperendêmico (> 4,00) em quatro estratos, para permitir melhor discriminação entre as regionais do estado.

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Como fonte de dados foi utilizado o banco estadual de dados do Programa de Controle de Hanseníase, disponível no SINAN e alimentado pela Secretaria de Estado da Saúde de Mato Grosso.

Vale ressaltar que a hanseníase é doença de notificação compulsória em todo o país, captada por um dos grandes sistemas nacionais de informação, através do qual é possível monitorar a situação do agravo e planejar intervenções de acordo com a situação epidemiológica da endemia (Pereira, 1999). Desenvolvido no início dos anos 90, com o objetivo de coletar e processar dados sobre agravos de notificação em todo o território nacional, o Sistema de Informação de Agravos de Notificação (SINAN) fornece informações para a análise do perfil da morbidade e contribui para a tomada de decisões nos diversos níveis do sistema de saúde (Laguardia et al., 2004).

O Estado de Mato Grosso, que operou até 1999 um sistema próprio para notificação de casos de hanseníase, aderiu ao SINAN em 1999, fazendo a migração da sua base de dados para esse sistema e descentralizando a operacionalização do mesmo para todos os municípios do estado. Apesar de a Secretaria de Estado de Saúde ter descentralizado o Sistema de Informações de Agravos de Notificação (SINAN) para o nível municipal, com cobertura de 100% dos municípios, estudos detalhados sobre a epidemiologia da doença no estado ainda são escassos.

Dados populacionais de censos e estimativas foram oriundos do IBGE, disponibilizados no site daquela instituição e do DATASUS.

Para o processamento dos dados secundários do SINAN foi utilizado o aplicativo TABWIN (DATASUS), com complementação do Excel (Office® Microsoft). Os dados de morbidade da doença foram analisados na forma de coeficientes, ou seja, a unidade de análise não foi o indivíduo, mas sim os dados agregados.

A análise da distribuição espacial do agravo foi feita por microrregiões de saúde (Escritórios Regionais de Saúde). A evolução da hanseníase nas microrregiões foi analisada a partir da comparação do coeficiente de detecção geral e em menores de 15 anos em três períodos distintos: o período de 1996-1999, o período de 2000-2003 e o período de 2004-2007.

O estudo preliminar dos dados, complementado por informações do Programa Estadual de Controle de Hanseníase, fomentou duas decisões referentes à descrição e análise dos resultados: 1) a adoção da Regional de Rondonópolis como padrão de comparação para as demais regionais, neste estudo. Isto porque o município-sede deste Escritório Regional de Saúde (ERS) está ligado por um acordo de cooperação técnica a um Centro de Referência Nacional, o Instituto Lauro de Souza Lima, beneficiando-se dos vários serviços realizados naquele Instituto incluindo aí biópsias, o que reduz a chance de erro diagnóstico. Os municípios que compõem essa regional também se beneficiam desse acordo,

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mediante a capacitação de seus técnicos, a contribuição do município-sede no esclarecimento diagnóstico e no manejo clínico de seus casos mais difíceis, entre outros benefícios. Embora nos anos de 1996 e 1997 os dados do município de Rondonópolis não constassem do banco de dados do SINAN, estes dados foram levantados a partir dos relatórios da Coordenação Estadual. Observou-se que, independentemente da inclusão dos dados daqueles dois anos, os coeficientes daquela regional mantêm a mesma tendência; 2) as 15 demais regionais foram agregadas em três grupos, tendo em vista o comportamento do coeficiente médio de detecção do agravo, no tempo, como se verá a seguir.

A Secretaria de Estado da Saúde de Mato Grosso autorizou o acesso às informações necessárias à realização do estudo, o qual foi aprovado pelo Comitê de Ética da Escola de Saúde Pública da Secretaria de Estado da Saúde de Mato Grosso sob protocolo número 355/2008.

3. rEsultados

3.1. Evolução tEMPoral da hansEníasE Por rEGionais dE saúdE

Os dados gerais do Estado de Mato Grosso revelam que, além de hiperendêmica (Coeficiente de Detecção > 4,0 casos novos por 10.000 habitantes), a hanseníase está estabilizada neste patamar, nos últimos 12 anos, ainda que tenha ocorrido uma discreta elevação do primeiro para o segundo período e posterior redução deste para o último período (Tabela 1).

Se o comportamento médio da hanseníase no estado é de estabilidade, esta é produto das distintas evoluções nas 16 regionais que o compõem, as quais reproduzem aquele padrão ou mostram comportamento bem distinto

(Figura 1).Estabelecida como regional de comparação para as demais, a Regional

de Rondonópolis praticamente reproduz – ainda que numa magnitude discretamente inferior – a mesma situação observada no estado.

As regionais reunidas no Grupo I apresentaram queda constante no coeficiente de detecção, sendo que em todo o período essa queda na detecção foi de 40,6%. O Grupo II apresentou uma elevação do início ao meio do período de estudo e redução deste para o final, com elevação e queda maiores que as observadas no estado e na regional de Rondonópolis. Do início ao fim do período, o coeficiente elevou-se 4,5%. No Grupo III, deu-se elevação constante do coeficiente de detecção, o que representou, do início ao fim do período, um acréscimo de 88,5%.

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Tabela 1 Coeficiente médio de detecção de hanseníase geral e em menores de 15 anos (por 10.000 hab.) segundo período de ocorrência e Regional de Saúde. Mato Grosso, 1996 a 2007

Regional de Saúde

Coeficiente de detecção

1996 a 1999 2000 a 2003 2004 a 2007

Geral < 15 Geral < 15 Geral < 15

Rondonópolis 10,44 1,88 11,72 2,47 10,44 2,50

Baixada Cuiabana 13,50 5,05 11,16 4,01 8,32 2,66

Cáceres 15,63 3,20 15,27 2,50 10,23 1,22

São Félix Araguaia 18,52 7,89 17,15 6,77 12,33 2,60

Grupo I 13,98 4,78 11,98 3,80 8,70 2,42

Porto A. do Norte 11,80 1,78 15,39 4,77 11,86 3,11

Pontes e Lacerda 8,92 0,66 10,17 2,60 8,57 1,61

Água Boa 15,65 4,71 13,55 3,10 16,86 3,81

Tangará da Serra 14,97 4,50 22,97 5,41 16,05 3,16

Barra do Garças 16,29 5,34 19,42 5,53 16,32 4,68

Grupo II 13,73 3,51 17,49 4,49 14,15 3,23

Diamantino 16,23 4,63 15,52 4,10 28,34 5,29

Sinop 7,47 1,36 11,92 2,26 11,25 1,87

Colíder 5,33 2,85 8,96 1,90 7,94 2,45

Peixoto Azevedo 9,27 2,42 15,28 5,40 17,22 4,02

Alta Floresta 6,75 1,15 12,11 1,81 13,62 3,34

Juína 6,63 0,78 9,63 2,22 10,80 1,52

Juara 3,50 0,00 10,31 2,98 20,06 2,97

Grupo III 8,31 1,95 12,09 2,84 14,54 2,72

Mato Grosso 12,06 3,33 13,04 3,32 11,65 2,67

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Figura 1 Evolução temporal do coeficiente de detecção* de hanseníase, MT, 1996-2007* Os coeficientes de cada ano foram obtidos por média móvel de tamanho 3, ou seja, cada ano apresentado representa a média do coeficiente dele, do ano anterior e do posterior.

3.2. Evolução EsPacial da hansEníasE Por rEGionais dE saúdE, EM três PEríodos

No período de 1996 a 1999 os coeficientes mais elevados de detecção de hanseníase estavam concentrados em seis regionais, todas com coeficiente de detecção entre 13,99 e 20,99 casos novos/10.000 habitantes. (Figura 2). Nesse período, havia cinco regionais localizadas no Norte do estado, que apresentaram coeficientes de detecção menos elevados, um deles abaixo do nível hiperendêmico (< 4/10.000 habitantes).

No quadriênio 2000-2003, os coeficientes de detecção se elevam no sentido sul-norte/noroeste, homogeneizando – desfavoravelmente – a distribuição espacial nas regionais da região Norte (Figura 3). Destacam-se neste período as regionais de Barra do Garças, Diamantino, Cáceres, São Félix do Araguaia, Porto Alegre do Norte, Peixoto de Azevedo e principalmente Tangará da Serra, que atingiu o pior nível de hiperendemicidade registrado no estado. Dessas sete regionais, cinco já mantinham coeficientes de detecção entre 14,0 e 20,0 casos novos por 10.000 habitantes no período anterior, colocando-os como altamente hiperendêmicos desde 1996.

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Figura 2 Distribuição dos coeficientes de detecção de hanseníase (por 10.000 hab.), segundo Regional de Saúde, MT, 1996-1999

Figura 3 Distribuição dos coeficientes de detecção de hanseníase (por 10.000 hab.), segundo Regional de Saúde, MT, 2000-2003

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Figura 4 Distribuição dos coeficientes de detecção de hanseníase (por 10.000 hab.), segundo Regional de Saúde, MT, 2004-2007

No terceiro período, as regionais de Diamantino e Juara destacaram-se das demais com coeficientes de detecção que as colocam no pior nível de endemicidade (Figura 4). As regionais de Tangará da Serra, Barra do Garças, Água Boa, São Félix do Araguaia e Peixoto de Azevedo seguem com coeficientes de detecção muito alto. Neste período apenas as regionais de Cuiabá e Pontes e Lacerda apresentaram coeficientes de detecção abaixo de 10 casos novos por 10.000 habitantes.

Em relação à detecção em menores de 15 anos, considerado indicador de tendência da endemia de hanseníase, este coeficiente no estado mostrou redução discreta (Tabela 1).

Na regional de Rondonópolis observou-se um aumento deste coeficiente do primeiro para o segundo período. No Grupo I foi observada redução de 49,4% no coeficiente de detecção em menores de 15 anos no período. No Grupo II, houve uma redução de 8% no coeficiente de detecção de menores de 15 anos no período, ainda que nesta houvesse um aumento da detecção do primeiro para o segundo período. No Grupo III observou-se elevação da detecção de 39,5% entre menores de 15 anos.

Comparada à regional de Rondonópolis, de modo geral todos os grupos mostraram coeficientes de detecção mais elevados ou próximos em todas as faixas de idade em todos os três períodos, exceção feita ao Grupo I, que no último período, teve coeficientes de detecção menores em todas as faixas etárias em comparação à Rondonópolis.

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4. discussão

Os coeficientes de detecção de hanseníase, no conjunto da população do Estado de Mato Grosso, apontam uma situação de hiperendemicidade. Os coeficientes elevados, nos três quadriênios analisados, embora mostrem uma discreta tendência de redução da endemia, mantêm um padrão compatível com estabilidade em nível hiperendêmico.

A tendência mundial de detecção de casos novos de hanseníase entre 1985 e 2000 não mostrou declínio e aponta que as tendências na transmissão e incidência da hanseníase ainda não estão completamente claras, requerendo pesquisas adicionais (Meima et al., 2004).

Outro estudo apontou que na Índia, no período de 1984 a 2002, embora tenha havido queda substancial na prevalência, o coeficiente de detecção permaneceu constante nesse período (Lockwood & Suneetha, 2005). Este mesmo estudo reporta que nos sete países com os mais altos coeficientes de detecção, em três períodos, estes permaneceram estáveis ou aumentaram. Embora isso possa ser explicado pela melhora operacional, quando se analisam, juntos, o coeficiente de detecção de casos, a proporção de novos casos multibacilares tratados com poliquimioterapia (MDT/MB) e o coeficiente entre crianças, esses dados são indicativos de que a hanseníase continua a ser transmitida na comunidade.

Publicação recente (Penna & Penna, 2007) mostra que uma tendência de redução no coeficiente de detecção para o Brasil só é predita para 2010, atribuindo a queda ocorrida a fatores operacionais, tais como uma possível retração na cobertura de diagnóstico ou à provável modificação no processo de notificação e registro de casos.

Se os dados agregados de Mato Grosso revelam relativa estabilidade dos coeficientes de detecção nos últimos 12 anos, o mesmo não pode ser dito quando esses dados são desagregados por regionais de saúde, ou grupamento delas. O comportamento da hanseníase observado no estado é uma consequência de três comportamentos completamente distintos, nas regionais de saúde.

Destaca-se primeiramente a regional de Rondonópolis e o Grupo II de regionais nos quais o coeficiente de detecção teve comportamento parecido com o do estado, embora mantendo patamares de detecção inferiores (Rondonópolis) ou superiores (Grupo II) àqueles. Uma segunda situação é representada pelas regionais que conformam o Grupo I, em que é evidente a queda do coeficiente de detecção. Finalmente, no Grupo III de regionais deu-se o inverso do Grupo I, com importante ascensão desse coeficiente.

Isto evidencia que na hanseníase, como na maioria dos agravos à saúde, o que os dados estaduais agregados mostram nem sempre se reproduz em unidades

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geográficas menores ou em espaços de menor heterogeneidade epidemiológica, em função das inúmeras variáveis intervenientes no processo saúde-doença.

Isto foi apontado por Magalhães (2007), destacando que são grandes as diferenças na detecção de casos entre regiões e estados no Brasil e que essas diferenças se ampliam quando se chega ao nível municipal. A autora, ao analisar a evolução da hanseníase nas diversas regiões brasileiras, encontrou tendências de crescimento da endemia que variaram, por exemplo, de um incremento de 9% na região Nordeste a 0,7% na região Sul. No Brasil, em 2002, enquanto o coeficiente de detecção de casos foi de 2,62/10.000 habitantes, na região Norte ele foi de 7,73/10.000 habitantes e na região Sul de 0,75/10.000 habitantes. Esse comportamento, segundo a autora, evidencia uma desigual evolução inter-regional, intrarregional e interestadual da endemia no país, e sugere a existência de contextos geográficos de diferentes vulnerabilidades à produção social da hanseníase.

Vários trabalhos relacionam o aumento de casos de hanseníase às melhorias operacionais do programa de controle, tais como aumento de técnicos treinados, aumento da cobertura geográfica do programa de controle, entre outras (Andrade, 2006; Andrade et al., 2006; Cunha et al., 2007). No período deste estudo a implementação de tais atividades e projetos específicos já se encontravam em andamento no estado, em consequência da política de eliminação deste agravo e houve um incremento de 115,5% na cobertura de unidades de saúde. Obviamente que a detecção dos casos pode ser influenciada pela oferta de serviços com capacidade diagnóstica, bem como pela facilidade de acesso a esses serviços.

Um recente artigo de revisão (Richardus & Habbema, 2007) relata que, nos 25 anos passados, a detecção de casos tem sido determinada em muitos países por fatores operacionais e menciona a queda de 75% na detecção de casos novos ocorrida na Índia de 2000 para 2006 e de 24% ocorrida no Brasil de 2004 para 2005. Reporta que tais quedas, súbitas, não têm credibilidade biológica considerando o longo período de incubação da hanseníase, assim como a ausência de intervenção preventiva, como vacinação na década que precedeu a súbita queda.

Modelos matemáticos desenvolvidos para estudos da transmissão e controle da hanseníase foram utilizados para analisar o impacto da atual estratégia para a eliminação da hanseníase sobre a sua incidência e projetar a incidência futura, considerando vários cenários. A predição anual de declínio da incidência variou de 2% a 12%, concluindo que a estratégia de eliminação reduz a transmissão, porém de maneira lenta (Richardus & Habbema, 2007).

Estudo realizado no município de Sobral, no Ceará (Campos et al., 2005), mostrou que coeficiente de detecção de casos novos aumentou no período de 1997 a 2003, tendo aumentado em mais de 100% nos três últimos anos do estudo.

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O estudo de Cunha et al. (2001) mostrou uma elevação de 93,8% no coeficiente de detecção de casos novos no Estado da Bahia de 1974 a 1994 e discute que apenas as mudanças operacionais ocorridas não seriam responsáveis pelo incremento na detecção nesse período. Para os autores tanto as melhorias operacionais ocorridas no programa de controle, quanto um real aumento da transmissão da doença concorreram para elevar a detecção de casos nesse período.

Ainda que o comportamento dos coeficientes de detecção tenha sido diferente, no período estudado todas as regionais de saúde configuram-se como hiperendêmicas, embora com níveis distintos. De 1996 a 1999 apenas a regional de Juara estava abaixo desse patamar e naquele espaço viviam menos de 2% da população do estado. As áreas mais ao norte e noroeste do estado até então com níveis menores de hiperendemicidade vão se configurando, ao longo do tempo, como áreas igualmente hiperendêmicas. Uma possível explicação para esse fato poderia ser a ocupação do espaço Norte e Noroeste mato-grossense, que foi se consolidando e se modificando pelas atividades econômicas das últimas três décadas.

Embora em todo o período estudado a endemia de hanseníase já se configurasse como um relevante problema de saúde pública, ainda é possível observar que no primeiro período os coeficientes mais elevados se concentravam nas áreas de ocupação mais antigas na porção Centro-Norte e Leste do estado. Além disso, é de se supor que nessas áreas os serviços de saúde estão mais estruturados, as condições de transporte são melhores, o que obviamente facilita o acesso aos serviços de saúde.

A análise temporal e espacial do coeficiente de detecção por regionais de saúde possibilita visualizar o movimento de expansão da doença para o norte e noroeste do estado. Estas regiões receberam desde a década de 1970 expressivos contingentes populacionais e, na década de 1990, a taxa de crescimento populacional da maioria dessas regiões era superior à média nacional e do Centro-oeste. Este aumento populacional é coincidente com o aumento dos coeficientes de detecção de hanseníase.

Além disso, ainda houve outro processo de mobilidade populacional, que foi o deslocamento da população da zona rural para a zona urbana. Enquanto na década de 1960 a maioria da população (61%) residia na zona rural, na década de 1990 apenas 27% da população residiam na área rural. É de se supor que parte dessa população acabe se aglomerando na periferia das cidades, que na maioria dos casos não tem infraestrutura adequada para responder a uma urbanização acelerada. Em função disso, é grande a possibilidade de que esses espaços acabem se deteriorando, criando condições favoráveis para ocorrência

e disseminação de doenças.

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Magalhães (2007) relata que estados com coeficientes de detecção mais elevados e com evolução mais desfavorável da endemia apresentaram crescimento elevado de sua população nas décadas de 1960 e 1970, especialmente as regiões Norte e Centro-Oeste, que registraram na metade da década de 1990 os maiores percentuais de população imigrante e o maior incremento nos coeficientes de detecção de hanseníase.

No estudo de Cunha et al. (2007) foram observadas diferenças no coeficiente de detecção anual por distritos sanitários no município de Duque de Caxias e os autores destacam que essas diferenças regionais devem ser consideradas, pois a existência de conglomerados populacionais pode possibilitar a manutenção ou a propagação da endemia.

A análise por faixa etária mostra que no estrato de menores de 15 anos os coeficientes de detecção estão dentro do parâmetro de hiperendemicidade, e apenas para o Grupo I foi observada redução. Considerado um indicador de tendência da endemia, que reflete a exposição precoce ao Mycobacterium leprae, este indicador teve uma ampla variação no primeiro período nas várias regionais. Dados da OMS (2007) mostram também a mesma variação nesta faixa de idade nas várias regiões do mundo e entre regiões de um mesmo continente. Na África, por exemplo, foram encontradas proporções de 2,89% em Togo a 37,96% em Comoros. Nas Américas proporções de 0,32% na Argentina a 14,02 na República Dominicana.

Variações desse indicador nas diversas regiões brasileiras também foram observadas por Magalhães e Rojas (2005), que relataram incrementos de 335% na região Nordeste a negativos nas regiões Sul e Norte. As autoras relatam ainda que na região Centro-Oeste o Estado de Mato Grosso se sobressai dentre os demais estados com incremento de 421% na detecção de casos de menores de 15 anos.

Variações na detecção desse indicador também foram observadas num estudo realizado no município de Cuiabá (Queiróz & Duarte, 1998), em que se evidenciaram coeficientes de 3,3/10.000 habitantes, na zona rural, a 10,0/10.000 habitantes, em distrito sanitário da zona urbana. Também na zona urbana em 10 (4,6%) dos 216 bairros estavam concentrados 45,6% dos casos notificados em 1996, mostrando uma tendência de aglomeração dos casos nesta faixa etária.

No presente estudo a elevação dos coeficientes entre menores de 15 anos aponta para um agravamento da situação epidemiológica no período. Coeficientes mais heterogêneos foram observados no primeiro período, com diferenças mais acentuadas nas diversas regionais comparado ao último período, e podem refletir o tipo e a intensidade das atividades de detecção, como, por exemplo, o exame de escolares e exames de contatos, bem como a frequência e regularidade com que

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essas intervenções são realizadas. Muito provavelmente essas diferenças são afetadas pela oferta e facilidade de acesso aos serviços e pela existência de técnicos treinados, mas outros fatores também podem estar relacionados.

5. conclusão

Em todo o período estudado a hanseníase manteve-se hiperendêmica e ainda sem sinais de esgotamento dos casos, independentemente de ser analisada tendo como referência o conjunto da população do estado, de uma região específica ou de grupo de regiões. Já o comportamento do coeficiente de detecção foi distinto, conforme os grupos de regiões, indicando queda, estabilidade ou ascensão do agravo.

O processo de evolução temporal da hanseníase sugere uma associação com a ocupação do espaço mato-grossense provavelmente ligada à expansão da fronteira agrícola, a exemplo do Grupo III, que concentra as regionais de saúde localizadas na região Norte do estado, que teve um processo de ocupação e crescimento mais recente, especialmente na década de 1990, e onde os coeficientes de detecção mostram tendência ascendente da doença.

Os dados apresentados e a literatura orientam o desdobramento deste estudo, visando propiciar maior conhecimento acerca do agravo, e intervenções mais adequadas, por parte dos gestores. Entre as várias possibilidades que se descortinam apontam-se: a) investigar, dentro dos grupos de regionais, aquelas que se destacam, positiva ou negativamente, e dentro delas, os municípios que o fazem; b) explorar, nesses níveis, as demais variáveis disponíveis no SINAN, que proveem informações complementares sobre hanseníase; c) buscar, nos grupos de regionais de distintos comportamentos, correlações entre os coeficientes de detecção e variáveis demográficas (taxa de crescimento, fluxo migratório), variáveis socioeconômicas (renda, escolaridade) e variáveis relacionadas à organização dos serviços de saúde (disponibilidade de recursos humanos, cobertura de programas e serviços específicos, percentual de RH capacitados).

*Agradecimentos: Os autores agradecem a Emerson Soares dos Santos, pelo apoio na construção das figuras 2, 3 e 4, a partir dos dados levantados e processados pelos autores.

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Recebido em:16/01/2009

Aprovado em: 18/03/2009

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