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De as TODAS PARTESdo MUNDO - cham.fcsh.unl.pt II.pdf · Joana Bento Torres Leonor Freire Costa....

Date post: 11-Nov-2018
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MUNDO De as PARTES do TODAS DOCUMENTOS l DOCUMENTS Volume 2 de Bragança, D. Teodósio I O património do 5º Duque All His Wordly Possessions, The estate th of the 5 Duke of Braganza, Teodósio I
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    MUNDO

    De as

    PARTESdoTODAS

    D O C U M E N TO S l D O C UM E N T SVolume 2

    de Bragana, D. Teodsio IO patrimnio do 5 Duque

    All His Wordly Possessions, The estate thof the 5 Duke of Braganza, Teodsio I

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    MUNDO

    De as

    PARTESdoTODAS

    O patrimnio do 5 Duque de Bragana, D. Teodsio IthAll His Wordly Possessions, The estate of the 5 Duke of Braganza, Teodsio I

    D O C UM E N TO S l D O C UM E N T SVolume 2

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    DE TODAS AS PARTES DO MUNDO,

    O patrimnio do 5 Duque de Bragana,

    D. Teodsio I

    ALL HIS WORDLY POSSESSIONS,

    The estate of the 5th Duke of Braganza,

    Teodsio I

    Direo | Board

    Jessica Hallett (coord.)

    Nuno Senos

    Maria de Jesus Monge

    Investigadores | Researchers

    Alexandra Pelcia

    Alexandre Pais

    Ana Isabel Buescu

    Ana Lopes

    Andr Teixeira

    Angelo Cattaneo

    Bernadette Nelson

    Celina Bastos

    Henrique Leito

    Hugo Miguel Crespo

    Ins Cristvo

    Joana Bento Torres

    Leonor Freire Costa

    Madalena Esperana Pina

    Mafalda Soares da Cunha

    Maria Antnia Pinto de Matos

    Maria Joo Ferreira

    Nuno Vassallo e Silva

    Nuno Vila-Santa

    Ficha TcnicaCredits

    PROJETO | PROJECT Rui Dias SenaVtor RodriguesVtor Serro

    Consultores | ConsultantsAnnemarie JordanJoo RuasKrista De Jonge

    Apoio cientfico | Academic supportDaniel AlvesJoo Manuel MimosoOwen ReesZulmira dos Santos

    Apoio investigao | Research supportAndr CoelhoDavid GregrioFilipe SoaresIns BaltazarJoo Jlio TeixeiraManuel ApstoloMaria GuedesMaria de Jesus SousaRaquel PrazeresVera Alves

    Apoio tcnico | Technical supportCarla VelosoCarlos BarresCarlos SaramagoIns Pinto CoelhoJoaquim Real

    Maria do Cu DiogoPaula MonteiroTiago Salgueiro

    Agradecimentos | AcknowledgementsAlexandra CurveloCarla Alferes PintoLurdes EstevesTeresa AlarcoTeresa Pacheco Pereira

    Instituio | InstitutionCentro de Histria d'Alm-Mar,Faculdade de Cincias Sociais e HumanasPortuguese Centre for Global History,Faculty of Social Sciences and HumanitiesUniversidade Nova de Lisboa;Universidade dos Aores

    Parceria | PartnerFundao da Casa de Bragana

    Colaborao | CollaborationLaboratrio Nacional de Engenharia CivilMuseu Nacional do Azulejo

    Apoio | SupportFinanciada pela FCT atravs do projetoFinanced by FCT through the project[PTDC/EAT-HAT/098461/2008]

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    DE TODAS AS PARTES DO MUNDO,

    O patrimnio do 5 Duque de Bragana,

    D. Teodsio I

    Volume 2 | Documentos

    ALL HIS WORDLY POSSESSIONS,

    The estate of the 5th Duke of Braganza,

    Teodsio I

    Volume 2 | Documents

    Coordenao | Coordination

    Jessica Hallett

    Maria de Jesus Monge

    Nuno Senos

    Coordenao editorial | Editorial coordination

    Joana Bento Torres

    Apoio editorial | Editorial assistance

    Ins Cristvo

    Autores | Authors

    Daniel Alves

    Hugo Miguel Crespo

    Ins Cristvo

    Joana Bento Torres

    Jessica Hallett

    Maria de Jesus Sousa

    Maria Guedes

    Maria Joo Ferreira

    Ficha TcnicaCredits

    LIVRO | BOOK TRANSCRIES

    INVENTRIO | INVENTORY

    Transcrio | TranscriptionJoana Bento TorresReviso | RevisionHugo Miguel CrespoApoio | SupportDavid GregrioFilipe SoaresIns CristvoJoo Jlio TeixeiraRaquel Prazeres

    MAOS | BUNDLES

    Transcrio | TranscriptionJoana Bento TorresReviso | RevisionHugo Miguel Crespo

    Traduo | TranslationAna NolascoNotabeneRachel Collingwood

    Fotografia | PhotographyJoaquim Real Museu-Biblioteca da Casa de Bragana

    Design Grfico | Graphic DesignMafalda Matias

    Edio online | Online edition

    CHAM, Fundao da Casa de Bragana, 2018

    ISBN: 978-989-8492-22-7

    Abreviaturas | AbbreviationsCHAM Centro de Histria d'Alm-Mar, Faculdade de Cincias Sociais e Humanas Portuguese Centre for Global History, Faculty of Social Sciences and Humanities Universidade Nova de Lisboa; Universidade dos AoresFCT Fundao para a Cincia e a Tecnologia

    Agradecimentos | Acknowledgements Aires Augusto do NascimentoClia CaeiroCelina BastosJoo RuasJos ChitasNuno MouratoPedro PintoVtor Serro

    Apoio | SupportFinanciada pela FCT atravs do projeto Financed by FCT through the project[PTDC/EAT-HAT/098461/2008]

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    Apresentao | Preface Joo Paulo Oliveira e CostaMarcelo Rebelo de Sousa

    Introduo | IntroductionJessica Hallett

    A histria dos documentos | The history behind the documentsJoana Bento Torres

    A base de dados do Inventrio de D. Teodsio | The database of the Inventory of D. TeodsioDaniel Alves, Ins Cristvo, Maria de Jesus Sousa, Maria Guedes, Maria Joo Ferreira

    Bases de dados e investigao histrica: o caso do Inventrio de D. Teodsio | Databases and historical research: the case of the Inventory of D. Teodsio Daniel Alves

    Os desafios na recolha e tratamento de informao | Challenges to collecting and analysing information Ins Cristvo

    A complexidade da concretizao: preparao da informao e preenchimento da base de dados | Complexities of the project: Preparing information and entering it in the databaseMaria de Jesus de Sousa, Maria Guedes

    A base de dados do Inventrio de D. Teodsio: possibilidades do futuro | The database of D. Teodsio: future possibilitiesMaria Joo Ferreira

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    ndiceContents

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    OS DOCUMENTOS

    Notas sobre as transcries | Notes on the transcriptionsJoana Bento Torres, Hugo Miguel Crespo

    O Inventrio dos bens do 5 Duque de Bragana | The Inventory of the 5th the Duke of Bragana Joana Bento Torres

    Os Maos de D. Brites de Lancastre | The Bundles of D. Brites de LancastreJoana Bento Torres

    Protesto da duquesa D. Brites pela avaliao de bens precpuos

    Avaliao das benfeitorias do Pao Ducal de Vila Viosa

    Inventrio do Pao Ducal de Lisboa

    Cpia do auto de entrega dos bens da herana de D. Teodsio I a D. Joo e D. Brites

    Auto de entrega dos bens da herana de D. Teodsio I a D. Joo e D. Brites

    Testamento da duquesa D. Brites de Lencastre

    Documentos relativos s capelas de D. Brites e D. Isabel de Lencastre

    Certido de quitao do dote de D. Isabel de Lencastre

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    ndiceContents

    325

    35

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    Neste segundo volume apresentado o documento que originou este grande projecto. A sua riqueza est expressa no manancial de informao e de anlises que suscitou e na complexidade e grandeza do projecto.

    Este volume reflecte ainda de modo especial duas das caractersticas mais importantes deste trabalho a sua vertente formativa e a coop-erao institucional. Com efeito, a equipa de investigao contou com vrios jovens, incluindo vrios bolseiros. O seu empenho e o seu talento contriburam decisivamente para o sucesso deste empreendimento.

    A colaborao entre o CHAM e a Fundao da Casa de Bragana foi crucial para que fossem alcanados resultados to importantes. A cumplicidade que se gerou entre os membros das duas instituies permitiu que todos funcionassem como uma nica equipa em prol. O CHAM e a FCB saem decerto mais enriquecidos aps a realizao deste projecto, e motivados para continuar a trabalhar em conjunto no estudo da Casa de Bragana e do Pao de Vila Viosa, no Alentejo e por todas as partes do mundo.

    Joo Paulo Oliveira e CostaDiretor do CHAM

    In this second volume, the document that gave rise to this large research project is presented. Its great richness is visible in the wealth of information and wide-ranging analyses it has generated, as well as in the complexity and scale of the project itself.

    This volume also reflects two very special characteristics of this project the formation of a new generation of researchers and institutionalcooperation. The team included many young researchers, includingseveral grant-holders. Their talent and dedication contributed decisi-vely to the great success of this initiative.

    The partnership between CHAM and the Fundao da Casa de Bragana was crucial for achieving such important results. The high level of collaboration that arose between members of both institutions meant that everyone involved functioned together as a single team. CHAM and the Fundao have, without doubt, been greatly enriched by the experience and motivated to continue working together on the study of the House of Braganza and the Ducal Palace of Vila Viosa, in the Alentejo, and in all parts of the world.

    Joo Paulo Oliveira e CostaDirector of CHAM

    Apresentao Preface

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    J no primeiro volume desta obra de amplo flego cientfico e esprito interdisciplinar salientei a viso notvel do Senhor Dr. Joo Gonalo do Amaral Cabral, ao patrocinar um projecto, pelo qual tanto batalhou, na Fundao da Casa de Bragana, a Senhora Dr. Maria de Jesus Monge.

    Neste segundo volume, que, muito provavelmente, merecer, sobre-tudo, a ateno dos especialistas e curiosos minimamente conhece-dores, fica ainda mais evidente a sensibilidade do meu ilustre ante-cessor. O inventrio de D. Teodsio I um documento singular, por respeitar a uma figura historicamente singular e por retratar, com a riqueza adicional de um testemunho muito raro, essa figura, o modo como vivia, o contexto em que vivia e um tempo muito importante na Histria de Portugal.

    O que ora se divulga permitir aos historiadores irem mais longe do que j foram os riqussimos estudos inseridos no primeiro volume. Ter compreendido o alcance nico do levantamento realizado e da pesquisa inicial que sobre ele poderia incidir mrito que no pode deixar de ser sublinhado. Tal como no deve passar sem o devido apreo o apoio da Fundao para a Cincia e Tecnologia.

    Finalmente, uma palavra muito particular para o Centro de Histria de Alm-Mar da Faculdade de Cincias Sociais e Humanas da Universidade Nova de Lisboa e Universidade dos Aores, e para os lderes do pro-jecto Senhores Professores Doutores Jessica Hallett e Nuno Senos e Dra. Maria de Jesus Monge e seus numerosos e qualificados mem-bros e colaboradores. Foi essa equipa devotada que assegurou, ao longo de anos, a concretizao de um sonho que aparecia como exces-sivo no momento em que foi apresentado. Um sonho que, no fundo, quis corresponder relevncia do tema versado: a viso prospectiva e universal desse Grande Senhor que criou, em Vila Viosa, uma Corte, feita de sbios e artistas, capaz de ombrear com os grandes centros do poder e da cultura europeias. E, para isso, no precisou de trono.

    Marcelo Rebelo de SousaPresidente do Conselho Administrativo da Fundao da Casa de Bragana

    In the first volume of this wide-ranging interdisciplinary work, I em-phasized the remarkable vision of Senhor Dr. Joo Gonalo do Amaral Cabral in his decision to support a project which had been strongly promoted inside the Fundao da Casa de Bragana by Senhora Dra. Maria de Jesus Monge.

    In this second volume, which will probably be of interest above all to specialists and knowledgeable laypeople, the insight of my illustrious predecessor is even more evident. The Inventory of D. Teodsio I is a unique document dealing with a unique historical figure, and through the rich detail of its rare testimony portrays this personality, his way of life, the context in which he lived, and a very important moment in Portuguese history.

    The work disseminated here will allow historians to go further even than they have with the very rich studies comprising the first volume. One must underline that understanding the unique reach of the source material and the initial research that it could afford deserves to be recognized. Just as one must recognize and appreciate the support of the Fundao para a Cincia e Tecnologia.

    Finally, a special word for the Portuguese Centre for Global History of the Faculty of Social and Human Sciences of the Universidade Nova de Lisboa and Universidade dos Aores, and for the leaders of the project Professors Jessica Hallett and Nuno Senos, and Dra. Maria de Jesus Monge and the numerous, highly qualified researchers and collaborators involved. It was this dedicated team that, over the years, successfully carried out the dream that appeared overly ambitious at the moment in which it was first presented. A dream which ultimately aimed to correspond to the height of the theme itself: the forward-looking and universal vision of this great man who created a court in Vila Viosa, comprised of wise men and artists, capable of matching the great European centres of power and culture of the time. And, to achieve this, he required no throne.

    Marcelo Rebelo de SousaPresident of the Board of the Fundao da Casa de Bragana

    Apresentao Preface

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    Introduo Introduction

    Esta edio completa do Inventrio dos Bens do 5 Duque de Bragana, D. Teodsio I, e dos documentos relacionados, acom-panha a verso impressa de De Todas as Partes do Mundo, Vol. I Estudos (Lisboa, Tinta da China). Estas duas publicaes aproximam-se tempo-ralmente do 450 aniversrio da morte do Duque a 20 de Setembro de 1563 e, mais precisamente, com a data em que o processo de inven-tariao estava prestes a terminar, cerca de quatro anos depois, em finais de Novembro de 1567. Juntos, estes dois volumes constituem uma comemorao bastante adequada a um homem que construiu um palcio renascentista nico, rodeado por uma corte com elevada cultura artstica, literria e cientfica, que nos deixou o arrolamento de bens mais longo e completo de um qualquer indivduo (e palcio) em Portugal quinhentista.

    D. Teodsio era filho do primeiro matrimnio do 4 duque de Bragana, D. Jaime I, e de sua mulher, a duquesa D. Leonor. Sucedeu no ducado a seu pai, no ano de 1532. Do seu enlace com D. Isabel de Lencastre, sua prima, filha de D. Diniz de Portugal, em 1542, nasce o futuro duque D. Joo de Bragana, 6 na ordem da Casa. Enviuvando o Duque em 1558, passou a segundas npcias em 4 de setembro de 1559, com D. Beatriz de Lencastre (D. Brites), de quem tem dois filhos, D. Jaime e D. Isabel. morte do Duque, em 1563, as circunstncias pessoais de cada um dos seus herdeiros, e especialmente a pouca idade da sua esposa viva que no podia assumir o seu papel legal como cabea de casal, criou problemas significativos para a resoluo daquele patrimnio, o que levou preparao do Inventrio, como alias apresentado em detalhe por Mafalda Soares da Cunha no Volume 11.

    Desconhece-se a sorte do original do Inventrio, constitudo pelo Doutor Jernimo Pereira de S, fidalgo da Casa del Rei e desembar-gador da Casa da Suplicao, entre os anos de 1564 e 1567, mas provvel que tenha sido perdido mais tarde, com a transferncia de parte dos bens do palcio de Vila Viosa para Lisboa em 1640. Dele, porm, se fez uma cpia, requerida em 1665 pelo Conde de Figueir, D. Jos Lus de Lencastre no cartrio do escrivo Joo Pereira e a despacho do Doutor Mendo de Foios Pereira, Corregedor do Cvel da Corte, como

    ser mostrado por Joana Bento Torres em A histria dos documentos deste volume. O documento, que sobrevive hoje no Arquivo Histrico da Casa de Bragana aqui integralmente transcrito e seguido pela transcrio dos Maos de D. Brites, que renem documentos originais do sculo XVI e XVII, relacionados com o complexo processo de inven-tariao e partilhas.

    Este volume de documentos surge setenta anos da primeira publica-o do inventrio da fazenda do Duque em Lisboa, por Jos Mendes da Cunha Saraiva em Memoria sobre um Inventrio Artstico do ano de 1564 do Pao dos Duques de Bragana em Lisboa (1948). Sendo uma residncia temporria na capital, este palcio servia essencialmente para receber ou despachar correspondncia e outro tipo de itens, como o valioso conjunto de peas de vesturio feito para o casamento do filho do Duque, que se realizaria proximamente em 1563, ou o caixo de livros de canto de rgo da Flandres que se destinava capela do pao de Vila Viosa2. No entanto, Saraiva reconheceu imediatamente o mrito do documento que nos d uma ideia real do seu recheio3

    e reconstitui a relao entre objectos e espao interior: ela torna-se preciosa quando marca a posio e funo que desempenhavam os objectos dentro dos respectivos compartimentos onde se encontravam tanto os mveis como os adornos, vesturios, armaria, e outros utens-lios necessrios vida das famlias4. Para alm disso, o autor anteviu o seu grande valor museolgico como forma de melhor compreender o patrimnio nacional deste perodo, mesmo que tais objectos tenham desaparecido, visto que nos do elementos de estudo, para identificao de outros ainda existentes, e que se possam aproximar pela sua origem e formao5.

    Ao longo dos anos que se seguiram, este artigo tornou-se um dos mais citados como fonte secundria sobre o 5 Duque de Bragana, ainda que todo o potencial que Saraiva havia previsto no estudo dos inven-trios como fonte para a histria da cultura material s despontou na dcada de 1990, com a revelao do rol ainda maior, o Inventrio de D. Teodsio I, por A. Aires do Nascimento em 19946 .

    A escala deste documento verdadeiramente surpreendente, com 657

    1 Vid. Cunha, Mafalda Soares, O processo de partilhas por morte de D. Teodsio I, no Volume I.

    2 Saraiva, 1948, pp. 9, 14-15.

    3 Saraiva, 1948, p. 7.

    4 Saraiva, 1948, p. 7.

    5 Saraiva, 1948, p. 7..

    6 Nascimento, 1994.

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    flios (c. 1300 pginas) e 6303 entradas, ultrapassando em muito qual-quer outro inventrio do sculo XVI existente em Portugal. O Inventrio oferece-nos assim uma oportunidade rara de reconstruir o recheio de uma das maiores casas europeias da poca, alm de constituir um elemento precioso na confirmao do cosmopolitismo das encomen-das ducais e de permitir uma tentativa de reconstituio do que seria o Pao Ducal de Vila Viosa nessa altura, conforme desenvolvido por vrios autores no Volume 1.

    Uma primeira leitura deste enorme documento evidencia uma Casa de extraordinria riqueza e opulncia, com grandes colees de ourives-aria, joalharia, txteis, tapetes, vesturio, livros, armaria e mobilirio, com peas oriundas da Alemanha, Espanha, Flandres, Frana, Holanda, Inglaterra, Itlia e Rssia, mas tambm da Turquia, Prsia, ndia, Ceilo e China e ainda da Guin e do Brasil. De entre as muitas peas descri-tas destacam-se firmais, colares, braceletes, argolas e cintos, todos em ouro e cravados de diamantes, safiras, esmeraldas e rubis; imagens em prata dourada de Nossa Senhora e dos santos; retbulos de alabastro e relicrios de ouro; grandes servios de mesa em prata, com copos de cristal, saleiros de ouro e gomis de porcelana; tapearias de ouro dos Planetas e dos Triunfos; ricos travesseiros cobertos de sedas e damas-cos; tapetes grandes e finos de Castela, Turquia e Prsia; dossis de brocado e cortinas de seda da China; colchas, tendas e panos pintados da ndia; vestidos de cetim, damasco, tela de ouro e veludo, guarnecidos de canutilho e passamanes de ouro e prata; roupes de martas postos em tafet; capas tosadas e pelotes de Londres; espadas e adagas de ouro com rubis e esmeraldas; talabartes e estribos de prata forra-dos de ouro esmaltado; cabeadas de ouro de Marrocos; escrivaninhas da Alemanha e da China; instrumentos musicais (charamelas, atabales, trombetas, etc.); astrolbios, relgios, compassos e mapas; antiqual-has, cnforas e pequenos objectos feitos de marfim, unicrnio (narval), bejoim, mbar e pedra besoar. Da importante biblioteca destaca-se o peso da Patrstica, das obras de retrica e de teologia (S. Cipriano, Erasmo, Savonarola, Alcal ou Cisneros), bem como de grandes nomes do humanismo renascentista - estrangeiros (Pico della Mirandola, Lorenzo Valla, Poliziano, Thomas More, Luis Vives e Cataldo Sculo) e

    portugueses (Pedro Margalho, Jernimo Osrio e Heitor Pinto). Para alm da representao de autores importantes, a biblioteca espelhava ainda diversos interesses, como as lnguas hebraica e grega, sendo de destacar a opo por obras de cariz artstico e arquitectnico, contando no seu seio o De architectura de Alberti, obras de Serlio, e mesmo diver-sos e inestimveis volumes de desenhos de antigualhas, de glptica, entre outras reas do coleccionismo humanstico (ver Volume I).

    No entanto, porventura mais importante do que o extraordinrio espe-tculo de riqueza e de erudio da coleo, o fato do documento elencar todos os bens do Duque, desde os objetos utilitrios e de aparato que integravam os espaos domsticos, os bens de raiz que detinha dentro e fora de Vila Viosa, os animais de que se abastecia e auferia rendimentos, mencionando ainda as suas dvidas, rendas e os investimentos feitos na manuteno do seu vasto patrimnio, entre outros.

    Para alm do extenso levantamento das diferentes tipologias, todos os bens foram detalhadamente descritos, sobretudo aqueles de carcter mvel; uma tarefa que esteve a cargo dos avaliadores nomea-dos para o efeito em conjunto com o pessoal da Casa. Este nvel de pormenor possibilitou-nos averiguar um leque de informaes muito variado a seu respeito, tais como as suas caractersticas tcnico-mate-riais, autoria, geografia de produo e aquisio, funo e at estado de conservao. Em muitos casos foi igualmente possvel estabelecer a sua ligao com os espaos interiores (em que divises eram utilizados e/ou armazenados) e as pessoas a eles associados.

    Da singularidade do contexto jurdico em que o Inventrio foi produ-zido7 decorreu tambm, forosamente, a atribuio de valores a todos os bens, independentemente da sua natureza e importncia no contexto do vasto patrimnio do Duque8. Entre as principais fontes para o estudo da cultura material e da histria econmica destacam-se os processos do juzo de rfos, onde o arrolamento e a avaliao dos bens era obrigatrio; porm, raramente compreendiam mais do que o seu valor no mercado primrio, como sucede no Inventrio do Duque, onde so igualmente contemplados valores respeitantes aos materiais

    7 Vid. Cunha, Mafalda Soares, O processo de partilhas por morte de D. Teodsio I, no Volume I.

    8 Vid. Costa, Leonor Freire, Entre investimento e consumo: a estrutura do patrimnio da casa de Bragana no sculo XVI, no Volume I.

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    e execuo dos objetos, bem como aquisio e venda dos mesmos.

    precisamente a combinao da descrio completa e detalhada das peas com a da sua avaliao que torna este documento excecional entre os inventrios quinhentistas portugueses, e at mesmo euro-peus, merecendo por isso um estudo mais profundo como fonte rica e elucidativa sobre a complexidade da economia da Casa, a sua orga-nizao e as suas prioridades em termos de compras, gostos e hbitos, bem como, claro est, sobre as personagens envolvidas na contenda e as suas relaes conforme seguido por vrios autores no Volume I.

    Mas tambm precisamente esta combinao de diversas e abran-gentes informaes que torna o Inventrio um documento de enorme complexidade para qualquer estudo ou anlise. Contendo cerca de meio milho de peas data, esta uma fonte de informao colossal que apresenta um igual nmero abundante de questes e de linhas de interpretao possveis. Assim, este segundo volume, para alm de disponibilizar o Inventrio e os Maos de D. Brites para um pblico mais vasto, tambm providencia uma base que permitir trabalhar estes documentos dos mais variados pontos de vista. O volume comea com a sua histria (captulo 1, por Joana Bento Torres), seguido das ambies, desafios, problemas e sucessos na organizao da imensa informao do Inventrio de uma forma til investigao, atravs da criao de uma base de dados (captulos 2a-d, por Daniel Alves, Ins Cristvo, Maria de Jesus de Sousa, Maria Guedes e Maria Joo Ferreira), e terminando com as notas sobre as transcries (captulo 3, por Joana Bento Torres e Hugo Miguel Crespo), ao qual se sucedem finalmente os prprios documentos (captulos 4 e 5).

    Todo este esforo representa apenas o incio e h ainda muitas prolas para ser encontradas nestas fontes com to rica informao. Esperamos que esta publicao inspire outros a desenvolver novas anlises e investigaes, e que chamem a ateno nacional e internacional para outras facetas da vida e do tempo do 5 Duque de Bragana, D. Teodsio I.

    Jessica Hallett

  • 12

    1 Joaquim, 1953.

    2 Escreveu dois artigos acerca da biblioteca do duque, a saber: Nascimento, 1994 e Nascimento, 2006.

    3 Fonseca, 2005, pp. 43-53.

    4 Holy Week at the Chapel of the Dukes of Braganza, A Capella Portuguesa (Hyperion CDA66867, 1996): programme, musical editions and liner notes.

    5 Hallett, 2007, pp. 31-50 e Hallett, 2008, pp. 225-257.

    6 Detalhes sobre o processo de partilhas e de elaborao do Inventrio em Cunha, Mafalda Soares, O processo de partilhas por morte de D. Teodsio I, no Volume I.

    A H I S T R I A D O S D O C U M E N T O ST H E H I S T O R Y B E H I N D T H E D O C U M E N T S

    Joana Bento Torres

    O projecto De Todas as Partes do Mundo teve como principal ponto de partida o estudo do inventrio do quinto duque de Bragana, D. Teodsio I, uma fonte quinhentista de grande potencial histrico e at ento trabalhada em estudos parciais, entre os quais destacamos os trabalhos pioneiros de Manuel Joaquim1, Aires Nascimento2, Jorge Fonseca3, Bernadette Nelson4 e Jessica Hallett5. Aqui pretendia-se conciliar sinergias e alinhar num mesmo momento o estudo sistem-tico deste documento. Para que tal acontecesse, o trabalho de reviso da transcrio e a informatizao do documento revelou-se basilar, bem como toda a pesquisa documental desenvolvida em paralelo e que permitiu a recolha de documentao indita relativa ao perodo de vida e em particular do ducado de D. Teodsio I.

    A escassez de informao existente para este duque quando compa-rando com outros era flagrante e necessitava de ser colmatada. Assim, iniciou-se uma busca sistemtica, direccionada ocasionalmente pelos prprios investigadores do projecto e pessoas a ele associadas, por vrios arquivos portugueses. Em Lisboa, recolheu-se informao no Arquivo Nacional Torre do Tombo (fundos do Corpo Cronolgico, Casa de Abrantes, Coleco de S. Vicente, Chancelarias de D. Joo III e de D. Sebastio, Casa de Bragana e Casa de Cadaval), nos Reservados da Biblioteca Nacional de Portugal e nos Cdices da Biblioteca da Ajuda. Em Coimbra concentraram-se esforos no Arquivo da Universidade de Coimbra (Coleco Martinho da Fonseca) e nos manuscritos dos Reservados da Biblioteca Geral da Universidade de Coimbra. Na cidade

    de vora, concentrmo-nos no Arquivo Distrital de vora e na sala de cimlios da Biblioteca Pblica de vora. Por ltimo, o Arquivo Municipal de Vila Viosa e o Arquivo Histrico da Casa de Bragana, onde se encontravam alguns dos mais profcuos conjuntos documentais, entre os quais o prprio Inventrio de D. Teodsio I. A impossibilidade temporal e logstica impediu que a nossa pesquisa fosse muito alm dos arquivos j referenciados. Contudo, houve ainda possibilidade de utilizar alguma documentao do Archivo General de Simancas, pesquisada em particular por Nuno Vila Santa na preparao do seu texto O Duque como conselheiro: D. Teodsio I e a Coroa em meados de Quinhentos. No total e para l do vasto nmero de documentos consul-tados, lidos e resumidos, foram integralmente transcritos cerca de 200 documentos, equivalentes a cerca de 68000 palavras, que no incluem a transcrio do Inventrio e dos Maos de D. Brites. Foram inmeros os textos de grande interesse encontrados, alguns nunca publicados ou explorados pela historiografia. No presente volume disponibiliza-mos apenas a transcrio do Inventrio e a dos Maos de D. Brites, por se constiturem como produtos de um longo processo judicial que se iniciou desde a morte daquele duque de Bragana, e que se prolongou at segunda metade do sculo XVII, altura em que um dos descen-dentes da duquesa D. Brites pede a cpia do inventrio6, e que chega deste modo at ns. A restante documentao compilada e transcrita foi distribuda pelos investigadores do projecto e aparecer citada nos diferentes textos do volume I da presente coleco. Esperamos num

  • 13

    7 A associao Casa de Abrantes pode explicar-se pela descendncia indirecta das duquesas D. Brites e D. Isabel, sua filha, a quem deixaram o seu patrimnio em testamento. Ver mais abaixo neste texto as relaes familiares de D. Jos Lus de Lencastre, requerente da cpia do Inventrio.

    8 Esta foi consultada por Aires Nascimento e mais tarde parcialmente publicada em Nascimento, 1994, p. 211.

    9 Ruas, 2006, p. 90.

    10. Durante o sculo XVII est documentado o abastecimento recorrente de papel italiano mquina burocrtica portuguesa. O levantamento sistemtico de todas as marcas de gua poder ajudar-nos a aferir com maior exactido as diferentes oficinas e eventuais intervalos temporais da sua produo.

    11 Leonardi, 2009.

    12 Estas anotaes podero ter sido feitas aquando da consulta deste processo durante a j referida batalha judicial. Como exemplo veja-se Inventrio, fl. 7.

    13 O recurso esferogrfica indica que a pessoa que fez estas marcas ter sido algum j do sculo XX e que consultou com detalhe o inventrio, podendo ser estas com maior probabilidade fruto do trabalho de leitura que deu origem primeira verso transcrita dactilografada deste inventrio.

    14 Para mais informao ver Da leitura do documento sua transcrio, neste volume.

    futuro breve publicar alguns destes documentos, pelo seu inquestio-nvel valor histrico.

    O Inventrio

    O designado Inventrio de D. Teodsio I encontra-se na coleco de reservados que integra a Biblioteca de D. Manuel II, parte do Arquivo da Fundao da Casa de Bragana, e est identificado com a cota: BDM II Res Ms 18. Estando originalmente integrado no arquivo da Casa de Abrantes7, assim como os Maos de D. Brites, estes documentos foram dispersos pela prpria famlia, ao longo da segunda metade do sculo XX. neste contexto que o Inventrio adquirido num leilo de manuscritos da Livraria Histrica e Ultramarina de Jos Maria da Costa e Silva, por vontade do ento arquivista, Manuel Incio Pestana, e do presidente da fundao, Joo Amaral Cabral.

    Antes desta aquisio, j Jos Maria da Costa e Silva compunha em 1968 uma cpia dactilografada, que se constitui como a primeira transcrio existente do Inventrio, depositada no j extinto Arquivo Histrico do Ministrio das Finanas com a cota Res. Man. ms. C. Abr. 28, e transferida mais tarde para a biblioteca do Arquivo Nacional da Torre do Tombo. Foi a partir da reproduo digital deste trabalho que se iniciou este novo trabalho de transcrio que agora se apresenta.

    Este manuscrito constitui-se como um livro em papel, cosido a linha, envolvido por uma encadernao em pergaminho, estando escrito em portugus com uma tinta ferroglica. Com formato em oitavo, com cerca de 33 cm de comprimento, apresenta-se em bom estado de conserva-o, apenas se notando alguns repasses de tinta e a corroso do papel em algumas partes onde foi aplicada uma maior quantidade de tinta. O papel distingue-se pela diversidade de marcas de guas existentes, uma das quais surge desenhada pelo Dr. Joo Ruas em Manuscritos da Biblioteca de D. Manuel II9. Uma anlise preliminar destas marcas, feita por este mesmo autor, indica tratar-se de papel seiscentista feito em oficinas italianas10, possivelmente genovesas ou piemontesas11. Ao longo de vrios flios, h que referir tambm a presena de ilustra-o caligrfica de algumas capitulares, com o mesmo tipo de tinta, que utilizam principalmente referncias vegetalistas e faunsticas (figura 1).

    Finalmente, e no que respeita a outras marcas deixadas no Inventrio, no coevas ao momento da sua redaco, devemos fazer notar que

    este no tinha os flios numerados, sendo estabelecida posterior-mente a numerao a lpis de carvo, pelo antigo arquivista do Arquivo Histrico da Fundao da Casa de Bragana, Dr. Joo Ruas, por modo a facilitar o processo da sua transcrio e consulta. Do mesmo modo, verificam-se algumas outras marcas a lpis margem do corpo principal do texto: pequenas linhas e cruzes, mas tambm palavras, como aqui. Estas so com certeza elementos feitos a posteriori da sua redaco e que assinalam paragens ou notas durante a consulta e leitura daquele documento12. Surgem tambm pequenos traos e pontos de interrogao a esferogrfica, estes com certeza fruto de uma leitura atenta, que pressups a anotao pontos de paragem e de dvidas13.

    Entrando no contedo e estrutura do Inventrio, este documento data de 15 de Dezembro de 1665, como se atesta pelo carimbo com o Selo Quarto de dez reis de 1665 apresentado no primeiro flio, reunindo a cpia de uma parte considervel do processo de inventrio de bens do duque D. Teodsio I, por requisio de D. Jos Lus de Lencastre, 3 conde de Figueir e sobrinho bisneto de D. Brites de Lencastre.

    O processo original do Inventrio ter-se- perdido, restando apenas alguns exemplares originais ou copiados poca de parte dele, e que integram os Maos de D. Brites (a saber: 1-t-1, 1-t-2, 1-t-3, 1-t-5 e 1-t-9). O cruzamento destes textos permitiu-nos tirar algumas dvidas relati-vas verso copiada do sculo XVII, conseguindo perceber-se algumas leituras erradas que o escrivo fez e que, por vezes, alteraram substan-cialmente a interpretao do texto14.

    De facto, importante notar que apesar do Inventrio ser hoje fisica-mente apenas um nico livro, estamos perante a cpia de uma reunio de pequenos maos ou cadernos (conjuntos de flios), que correspon-diam a diferentes fases do processo de partilha post mortem dos bens

    1. Detalhe de ilustrao caligrfica do Inventrio, figurando animal.

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    do duque de Bragana. Este tipo de processos iniciava-se logo aps a morte do testador, com a abertura do testamento e do seu instrumento de aprovao, que era normalmente copiado ou anexado ao processo. A se sabia quem eram os testamenteiros nomeados para assegurar o cumprimento das determinaes estabelecidas pelo falecido15. A partir daqui, e havendo mais do que um herdeiro, o cabea de casal, geralmente a/o viva/o ou o descendente mais velho, devia iniciar o processo de inventrio de bens para que estes pudessem posterior-mente ser vendidos ou distribudos no valor que deveria caber a cada um16, fixando-se esta diviso no auto de partilhas. Geralmente comea-va-se pelo patrimnio mvel e s depois se passava ao imvel, benfei-torias e dvidas. No primeiro caso, iniciava-se geralmente pelos bens mais valiosos: dinheiro, ouro e prata, seguidos dos txteis, mobilirio, livros, semoventes e outros bens que fossem passveis de avaliao, ou seja, que tivessem um valor venal atribuvel17. Assim, a avaliao destes bens era normalmente feita em separado, pois necessitava de diferentes avaliadores para o fazer. Para cada tipo de objectos deveria haver um ou mais avaliadores que fossem mestres naqueles ofcios, requisitados conforme as necessidades na avaliao do extenso rol de bens. Assim, para o ouro e prata estaria encarregue um ourives, para o mobilirio um carpinteiro, para os imveis um mestre-de-obras, e assim sucessivamente.

    Dada a dimenso dos bens aqui envolvidos, o inventrio torna-se mais detalhado, juntando outro nvel de separao, que o de reas funcionais dentro do pao ducal, cuja organizao/administrao recaa geralmente sobre uma ou mais pessoas, como a cmara, a guar-da-roupa, a livraria, a botica, a cozinha ou a estrebaria. Salientamos por isso o papel-chave dos encarregados neste inventrio, que acompa-nhariam os avaliadores e assegurariam que todos os bens que tinham sob a sua jurisdio eram listados. Assim, apesar da existncia de uma distino espacial, nem sempre a correlao desta com os objec-tos possvel, uma vez que um encarregado podia ter mais do que uma zona a si atribuda.

    Paralelamente, a lista de bens obedecia ainda distino entre bens adquiridos e no adquiridos: os primeiros que haviam sido integrados no patrimnio da casa durante o primeiro casamento de D. Teodsio I (com D. Isabel, me de D. Joo, futuro duque de Bragana) e os segun-dos j s incorporados aps o seu segundo matrimnio (com D. Brites,

    15 Os testamenteiros nomeados haviam sido o seu filho D. Joo, duque de Barcelos, o seu irmo D. Constantino e D. Afonso de Lencastre, seu tio. Vid Cunha, Mafalda Soares, O processo de partilhas por morte de D. Teodsio I, p. 29, no Volume I.

    16 Para mais informaes sobre o caso particular do processo de partilhas do patrimnio de D. Teodsio I, veja-se Cunha, Mafalda Soares, O processo de partilhas por morte de D. Teodsio I, no Volume I.

    17 Este detalhe importante, pois so alguns os bens inventariados e que valem nada. Provavelmente, ter-se- pensado inicialmente em avaliar aqueles objectos, mas aquando da avaliao dos mesmos, o avaliador no os ter considerado. Na maior parte das vezes, as razes apontadas recaem no mau estado de conservao dos objectos.

    18 Para mais sobre este assunto veja-se Cunha, Mafalda Soares, O processo de partilhas por morte de D. Teodsio I, no Volume I.

    19 Inventrio, fls. 70-70v.

    20 Neste caso feito tambm um juramento pelo duque D. Joo, herdeiro que tambm tinha ao seu cargo parte do patrimnio de seu pai. Este juramento no colocado no processo, mas apenas mencionado. Inventrio, fl. 3. Em qualquer dos casos, ambos foram feitos a 14 de Outubro de 1564, no pao ducal de Vila Viosa, estando D. Brites acompanhada pelo seu procurador Estvo Preto.

    21 Aqui se encontram entre outras pessoas, os herdeiros de D. Teodsio, sendo comuns as referncias a determinados bens que ficam na posse de um ou outro, conta da sua parte na herana. A ttulo de exemplo veja-se Inventrio, fls. 36-36v.

    com quem teve mais dois filhos)18. Para uma maior facilidade no registo do inventrio, o escrivo nomeado Sebastio Alvares utilizaria pelo menos dois cadernos distintos19, um para o patrimnio adquirido e outro para o no adquirido, dentro do qual se encontrariam os diferen-tes ttulos que identificam o local e encarregado desses mesmos bens.

    Cada conjunto de bens ter sido descrito e avaliado em dias dife-rentes, mais uma vez pela morosidade que tamanho volume de bens pressupunha. No incio do inventrio vinha, como era suposto, o auto de juramento feito pelo cabea de casal, D. Brites, que jurava a 14 de Outubro de 1564 sobre os santos evangelhos20 listar todo o patrim-nio existente. A este seguir-se-ia os autos de louvamento dos avalia-dores, dos quais no foi feita cpia, provavelmente por no serem pertinentes para o processo. De facto, apenas nos flios 112v a 113 do Inventrio surge copiado o louvamento de dois ourives lisboetas, a propsito da avaliao de umas jias especficas da guarda-roupa do duque, cujo valor era muito avultado.

    A inventariao e avaliao dos primeiros bens comeou logo a 16 de Outubro de 1564 . No final do arrolamento de todo o patrimnio era expectvel a existncia dos autos de partilha que, como o prprio nome indica, se destinavam a listar a diviso de bens por cada herdeiro. No presente caso, no existe esse registo copiado. Isto pode acontecer pela mesma razo que justifica a falta da cpia dos autos de louva-mento dos avaliadores. Contudo, esta lacuna lacuna poder ser ultra-passada, pelo menos parcialmente, por duas vias, uma que se encon-tra no prprio Inventrio e outra que recorre a outros documentos. No primeiro caso, a prpria descrio dos itens avaliados que indica a pessoa a quem se vendeu ou que ficou em posse daquele bem, pelos mais variados motivos21. No segundo caso, o Auto de entrega dos bens da herana de D. Teodsio I a D. Joo e D. Brites, permite-nos aferir deta-lhadamente os bens com que D. Joo e depois D. Brites ficaram aps a diviso do patrimnio do seu marido. Este mao, que integra os desig-nados Maos de D. Brites, faria parte do processo original de inventrio, no tendo sido copiado pelo manuscrito do sculo XVII.

    Os Maos

    Os chamados Maos de D. Brites localizam-se igualmente na coleco de reservados da Biblioteca de D. Manuel II, do Arquivo da Fundao

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    22 A par deste conjunto documental foi ainda adquirido o BDM II Res Ms 17 Adq, j no directamente relacionado com o processo de herana de D. Teodsio, mas com o arquivo pessoal de D. Brites de Lencastre, vivendo j no castelo do Alandroal. Este documento estaria associado a outros adquiridos, possivelmente no mesmo leilo, pelo Arquivo Nacional da Torre do Tombo, e que vieram a integrar o fundo da Casa de Abrantes, como os Autos da duquesa de Bragana D. Brites de Lencastre contra Antnio Dias (cota: Arquivo da Casa de Abrantes. Leilo Silvas, Cx 89, n 730).

    23 Excepo feita para alguns dos documentos, com repasses de tinta que impedem nalguns casos a sua leitura e subsequente transcrio, como o Ms 17, 1-t-8 e 1-t-9.

    24 Ruas, 2006, p. 53.

    25 No se identificaram data os documentos ou maos que corresponderiam numerao 6, 7, 10 e 11, pelo que se supe que tero tido outro destino que no o dos maos que agora tratamos. Estas cotas tero assim sido atribudas antes destes maos terem sido vendidos por um particular, atravs de uma casa de leiles, Fundao da Casa de Bragana, conforme referido acima.

    26 A inexistncia de uma segunda cota aponta para que este documento tenha sido agrupado a este conjunto mais tarde, no fazendo parte do processo inicial.

    27 Para compreender a ligao entre D. Brites e D. Isabel, sua filha, e os direitos sucessrios de D. Jos Lus de Lencastre veja-se Cunha, Mafalda Soares, O processo de partilhas por morte de D. Teodsio I, p. 36, no Volume I.

    28 Veja-se a nota 23.

    29 O primeiro comendador-mor de Avis foi D. Lus de Lencastre, filho de D. Jorge, irmo do duque de Aveiro e pai da duquesa D. Brites.

    30 D. Francisco Lus de Lencastre

    da Casa de Bragana, e est identificado com a cota: BDM II Res Ms 17. Estes foram adquiridos tambm por compra num leilo de manuscritos da Livraria Histrica e Ultramarina de Jos Maria da Costa e Silva22. Composto por oito livros em papel, cosidos a linha e com encader-naes em papel, so manuscritos em portugus, com algumas refe-rncias em latim, prprias do vocabulrio legalista utilizado na argu-mentao de um processo judicial. Com formato em oitavo, tm cerca de 30 cm de comprimento, e apresentam-se em relativo bom estado de conservao23. Apresenta vrios tipos de letra, desde gtica, enca-deada a letra do sculo XVIII de vrias mos. O papel tem marcas de gua, que foram j sumariadas por Joo Ruas24, ainda que no seja estabelecida uma correspondncia das marcas de gua aos respecti-vos maos.

    Cada um dos oito livros ou maos, tem uma identificao individual que vai do 1-t-1 a 1-t-1225, uma numerao reutilizada aquando da sua entrada na coleco da Biblioteca de D. Manuel II, a partir de um sistema de cotao atribudo por um anterior possuidor. Os mesmos documentos apresentam ainda um outro sistema de cota ( excep-o do 1-t-2 que no inclui outra referncia seno esta26), em que se coloca Mao de Bragana e Comendador-mor, M. 6, Letra B, n X, variando apenas o nmero do documento. O 1-t-12 ao n3; o 1-t-8 ao n6; o 1-t-9 ao n8; o 1-t-3 ao n9; o 1-t-1 corresponde ao n10; o 1-t-5 ao n11; e o o 1-t-4 ao n12. Esta identificao leva-nos a acre-ditar que estes livros eram os exemplares que pertenceriam inicial-mente a D. Brites, fruto do longo processo de partilhas do patrimnio de D. Teodsio, e que tero sido mantidos pelos seus herdeiros27 como testemunho das mltiplas fases desta disputa. Os nmeros em falta corresponderiam certamente a outros elementos documentais deste processo, que se tero desagregado do conjunto inicial aquando da disperso do arquivo da casa de Abrantes j no sculo XX28.

    Deste modo, provvel que a constituio desta organizao arqui-vstica tenha sido criada pelo prprio D. Jos Lus de Lencastre, 3 conde de Figueir e autor do pedido de cpia do Inventrio. De facto, a designao da cota parece remeter de forma clara para as as duas origens deste conjunto: Bragana por ter tido incio com D. Brites de Lencastre, duquesa de Bragana, e Comendador-mor, neste caso referindo-se a D. Francisco Lus de Lencastre, 3 comendador-mor de Avis29, sobrinho de D. Brites, e av do 3 conde de Figueir e 4

    comendador-mor de Avis a partir de 167330, por via de quem este arquivo continuou.

    A passagem para o arquivo da Casa de Abrantes far-se- de forma linear, pela inexistncia de sucesso directa de D. Jos Lus de Lencastre. O seu patrimnio e comenda passaro para o seu irmo, D. Lus de Lencastre, que era j 4 conde de Vila Nova de Portimo31, e que absorve assim a comenda da Ordem de Avis. O seu filho, D. Pedro de Lencastre Silveira Valente Castellobranco Vasconcellos Barreto e Menezes, continuar a linhagem como 5 conde de Vila Nova de Portimo e 6 comendador-mor de Avis, sucedendo-lhe depois o seu filho D. Jos Maria Gregrio Francisco de Lencastre32. Contudo, apenas com o filho deste ltimo, D. Pedro de Lencastre da Silveira Castelo-Branco S e Menezes, que se acumular ao ttulo de 7 conde de Vila Nova de Portimo o de marqus de Abrantes33. neste momento que os Maos de D. Brites tero integrado o arquivo desta Casa.

    Dentro dos Maos de D. Brites encontram-se vrios documentos que se envolviam com o processo de partilhas de bens de D. Teodsio I, alguns dos quais podem constituir-se como originais ou cpias coevas. No caso do 1-t-1 encontramos um manuscrito de 1565 em que a duquesa D. Brites protesta oficialmente sobre bens que haviam sido mal catalogados ou no inventariados, e ainda a indevida avaliao de alguns bens que esta declara como seus (precpuos). Estes ltimos, por pertencerem ao seu dote ou por lhe terem sido ofertados directa-mente, no deveriam ser includos na herana a partilhar entre os todos os herdeiros de D. Teodsio I. Do flio 1v ao flio 15, surge-nos uma lista de jias, cujas entradas tm uma equivalncia directa a entradas do Inventrio (nomeadamente do 0001-0051; 0100-0159). Segundo a duquesa estas jias, que so listadas no Inventrio como parte de jias adquiridas, foram-lhe oferecidas pelo duque, no devendo entrar nas partilhas. Do flio 15v ao 18v surgem listas de dvidas no adqui-ridas, ou seja, anteriores ao casamento de D. Teodsio com D. Brites, que o duque D. Teodsio tinha mandado pagar entre Maro de 1560 e Agosto de 1563 (duas destas correspondem directamente s entradas 6140 e 6141 do Inventrio). De entre as dvidas pagas contemplam-se pagamentos de servios prestados Casa34, obras de edifcios35, enco-mendas artsticas36, tratamentos mdicos37 Do flio 22 ao 30v apre-senta-se um protesto completo da duquesa D. Brites, datado de 11 de Setembro de 1570, requerendo novamente que lhe fossem dados os

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    ter como descendente primognito D. Pedro de Lencastre, 2 conde de Figueir, pai de D. Jos Lus de Lencastre, que lhe sucedeu na casa como 3 conde de Figueir.

    31 Sousa, 1745, p. 315.

    32 Sousa, 1745, pp. 321-324.

    33 A sucesso na casa de Abrantes acontece em 1764 por morte sem descendentes da sua prima D. Maria Margarida Lorena, 4 marquesa de Abrantes.

    34 Como o pagamento feito a Pedro Godinho de Sousel em satisfao do servio que fez ao duque. Ms. 17, 1-t-1, fl. 20.

    35 Como o pagamento feito ao pedreiro Manuel Tristo pelas obras no hospital de Vila Viosa. Ms. 17, 1-t-1, fl. 16v.

    36 Como o clice de prata encomendado ao ourives Toms de Castro para o convento de Nossa Senhora da Esperana.

    37 Como as mezinhas que se pagaram ao boticrio Joo Rebelo. Ms. 17, 1-t-1, fl. 16v.

    38 Serro, 2008, pp. 235-245.

    39 Saraiva, 1948.

    40 Parece ter havido uma contestao por parte das freiras do mosteiro de Santa Ana de Leiria, onde D. Brites havia institudo uma capela. Segundo aquelas, o montante monetrio deixado para suprir as despesas dos sufrgios e manuteno da capela no era suficiente. Ms. 17, 1-t-9, fl. 2, 13v.

    41 Este conde, D. Jos Lus de Lencastre, o mesmo que far o pedido de cpia do Inventrio de D. Teodsio, em que tenta esclarecer a contenda existente em torno das capelas e sufrgios institudos.

    42 Ms. 17, 1-t-9, fl. 2, 13v.

    36 botes de diamantes, a escrava ndia Violante, e as guas de cheiro da (sua) botica que entretanto se haviam estragado e pelas quais pedia uma compensao. Este ltimo documento evidencia uma utilizao recorrente de terminologia jurdica latina, por se tratar efectivamente de um protesto num complexo processo de partilhas como o caso.

    O 1-t-2 rene avaliaes de benfeitorias ao Pao Ducal de Vila Viosa, feitas aquando do Inventrio de D. Teodsio. Dos flios 1 ao 14v apre-senta-se uma lista com as benfeitorias realizadas durante o segundo matrimnio de D. Teodsio I. Aqui se podem ver de forma discriminada vrias obras de carpintaria, pinturas e gradeamentos de ferro feitas para diferentes compartimentos e zonas deste edifcio. A partir do flio 16 registam-se as benfeitorias feitas durante o primeiro matrimnio de D. Teodsio I. Nestas se encontram diversas obras de pedraria e alve-naria (flios 16 a 28v), obras de carpintaria (flios 29 a 30v), pinturas de frescos (flios 31 a 33v) e, ainda, grades e linhas de ferro (flios 34 a 39) feitas para diferentes zonas do pao ducal. Este documento foi parcialmente transcrito na obra O Fresco Maneirista do Pao de Vila Viosa (1540-1640), de Vtor Serro38.

    O mao 1-t-3 constitui um documento do sculo XVI com o rol de bens que D. Teodsio guardava no seu pao ducal em Lisboa. Neste mao encontra-se ainda uma outra cpia desde mesmo documento, mas j do sculo XVIII. A verso que surge transcrita agora neste volume uma reviso da cpia quinhentista, a partir da transcrio integral j publicada por Jos Mendes da Cunha Saraiva39.

    No que respeita aos maos 1-t-4 e 1-t-5, estes esto intimamente liga-dos, pois o primeiro uma cpia mais tardia do segundo, que poder por sua vez tratar-se de parte do processo original de partilhas, datando de 27 de Outubro de 1567. Estamos perante o auto de entrega dos bens do patrimnio de D. Teodsio I, ao duque D. Joo (flios 4 a 37v) e duquesa D. Brites (flios 37v a 57v).

    Os maos 8, 9 e 12 so todos relativos execuo do testamento da duquesa D. Brites, feito a 5 de Junho de 1623. No mao 1-t-8 -nos apresentada uma cpia do testamento, com respectivo instrumento de aprovao. Este manuscrito parece ter estado integrado com outros documentos e s depois separado, uma vez que a numerao dos seus flios comea no nmero 16.

    O mao 1-t-9 comea por um sumrio da partilha dos bens da duquesa

    D. Brites pelos seus legtimos herdeiros, que se prolonga at ao flio 11v. Do flio 12 ao 13v so enumerados todos os bens que consti-turam a tera da herana de D. Brites, e que esta deixou sua filha D. Isabel. Nas pginas que se seguem surgem cpias parciais do testa-mento da duquesa D. Brites, relativas ao local de enterramento desta duquesa40. A partir do flio 21 apresentam-se cpias do testamento, cdula e codicilo testamentrio da sua filha D. Isabel, e duquesa de Caminha, feitos a 30 de Outubro de 1615, a 2 de Outubro de 1623 e a 20 de Maio de 1626, respectivamente. Do flio 37 ao 44v surgem uns Papeis do senhor Conde de Figueiro41, dos anos de 1646 e 1647, mas copiando outros de 1637 e 1638, quando era responsvel pela execuo dos testamentos das duquesas D. Brites e D. Isabel, e como administrador das capelas das mesmas, D. Francisco Lus de Lencastre. Ao longo destas cpias so feitas referncias ao documento original, como os autos de partilha ou de execuo que, muito provavelmente, eram antecedidos pelo inventrio e avaliao dos bens da duquesa D. Brites. Este documento seria certamente volumoso, com pelo menos 225 flios42. Finalmente, o flio 46 a 53v apresenta uma cpia de um contrato de arrendamento, de 26 de Julho de 1634, de uma herdade do mosteiro de Nossa Senhora da Subserra, ao lavrador Manuel Gomes.

    Por ltimo, o mao 1-t-12, com apenas 5 flios, e constitudo por uma certido passada a 27 de Novembro de 1623, em que a duquesa de caminha D. Isabel pede a cpia de duas quitaes dadas pelo Marqus de Vila Real, D. Miguel de Meneses, seu marido, do dote que havia sido contratado aquando do seu casamento. Este pedido surge no contexto da morte da duquesa D. Brites, cujo testamento e partilha de bens devia ser feito cumprir pela cabea de casal, sua filha D. Isabel. Este documento no se encontrava numerado, pelo que a indicao dos flios foi atribuda pelo autor da transcrio.

    Apesar da aparente desconexo entre todos os documentos, encontra-mos sempre protagonistas ou personagens secundrias transversais, envolvidas em longos processos de heranas familiares. De modo mais ou menos directo, todos envolvem a figura de D. Brites de Lencastre, o que de algum modo levou atribuio do ttulo deste conjunto docu-mental. Se esta mulher claramente aqui a figura principal, a grande motivao para a reunio destes papis sem dvida a partilha entre herdeiros do enorme patrimnio de D. Teodsio I.

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    1 Boonstra, Onno et al., 2004, Past, present and future of historical information science, Amsterdam, Netherlands Institute for Scientific Information, pp. 2627.

    2 Boonstra, Onno et al., 2004.

    3 Rodrigues, Maria da Conceio Monteiro, 1979, A informtica ao servio da Histria da Arte e Arqueologia, Assembleia Distrital de Portalegre; Silveira, Lus Espinha da, 1988, Revoluo Liberal e Propriedade. A Venda dos Bens Nacionais no Distrito de vora (18341852). Tese de Doutoramento. Lisboa, Universidade Nova de Lisboa.

    4 Hespanha, Antnio Manuel, 1983, A MicroInformtica no Trabalho do Historiador, Histria e Crtica, vol. XI.

    5 PostgreSQL: The worlds most advanced open source database, in PostgreSQL, 2018, accessed 4 March 2018, at https://www.postgresql.org/.

    A B A S E D E D A D O S D O I N V E N T R I O D E D . T E O D S I OT H E D A T A B A S E O F T H E I N V E N T O R Y O F D . T E O D S I O

    Daniel Alves, Ins Cristvo, Maria de Jesus Sousa, Maria Guedes, Maria Joo Ferreira

    Bases de dados e investigao histrica: o caso do Inventrio de D. Teodsio Databases and historical research: the case of the Inventory of D. TeodsioDaniel Alves

    At ao incio da dcada de 1980 os historiadores que queriam recorrer ao uso de bases de dados para as suas investigaes eram obrigados a usar software que tinha sido criado para uso genrico, o que obrigava a um esforo de programao adicional, na maior parte dos casos com o auxlio de um tcnico ou engenheiro informtico. Os sistemas eram muito pouco amigveis para o utilizador comum e todos estes factores, associados ao facto de muitos projectos de inves-tigao se basearem no esforo individual e isolado no augurava um futuro brilhante para a ligao entre as tecnologias digitais e o labor da Histria.

    Em 1980, o Instituto Max Planck, pela mo de Manfred Thaller, optou por desenvolver um sistema de base de dados dedicado tarefa do historiador, a que mais tarde deu o nome de Kleio1. Este sistema supor-tava as vrias fases do processo de investigao em Histria e a utili-zao de fontes variadas, mantendo ainda um conjunto de funciona-lidades que permitiam lidar com a normal ambiguidade no processo de interpretao das fontes. Aspecto importante, na medida em que os historiadores ainda hoje sentem a necessidade de adaptar siste-mas informticos altamente estruturados para se conformarem ou poderem ser usados na anlise de fontes histricas que so, por regra, desestruturadas ou esto organizadas de acordo com padres hoje ignorados pela cincia computacional ou genericamente pelas cin-cias da informao.

    O caso do Inventrio de D. Teodsio pode ser exemplar para esta

    abordagem, na medida em que a complexidade da fonte, das informa-es que a mesma fornece e das interpretaes, por vezes ambguas, que gerou ao longo do trabalho da equipa de investigao do projecto De Todas as Partes do Mundo. O patrimnio do 5 Duque de Bragana, D. Teodsio I, podem representar um bom estudo de caso sobre as vanta-gens e desafios utilizao de bases de dados relacionais na investi-gao histrica.

    O programa Kleio foi depois disponibilizado por Thaller a outros projec-tos de investigao em histria, o que possibilitou algum desenvolvi-mento do uso das bases de dados como ferramenta para a profisso do historiador. Contudo, houve quem continuasse a utilizar os programas de bases de dados genricos, criados pela indstria de software. Neste caso, passou a ser comum, ainda na dcada de 1980 a utilizao do modelo relacional de base de dados que se tinha tornado um stan-dard, sendo esse o modelo que optmos por utilizar no projecto sobre o inventrio de bens de D. Teodsio. No incio da dcada de 90 este tipo de programa era j usado de forma hegemnica, por exemplo, entre os historiadores britnicos que tinham aderido ligao entre a Histria e a Informtica2.

    Em Portugal foram dados os primeiros passos nesta utilizao tambm na dcada de 1980, sendo os trabalhos de Maria da Conceio Rodrigues e Lus Espinha da Silveira, respectivamente, de 1979 e 1988, na Arqueologia e na Histria Contempornea, alguns dos que se destacam3. Outro dos pioneiros foi Antnio Hespanha que em 1983

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    falava sobre os benefcios da aplicao da Informtica Histria, onde obviamente se contava a utilizao de bases de dados4.

    O sucesso das bases de dados relacionais ficou igualmente a dever--se ao lanamento, em 1992, do programa Access da Microsoft, um sistema de base de dados relativamente user-friendly e que ainda hoje usado em muitos projectos que no lidam com informao muito complexa ou com um volume de dados muito extenso. No caso do tratamento do Inventrio de D. Teodsio, a complexidade da fonte, mais do que o volume de dados da mesma, levou opo por outro software, o PostgreSQL, um sistema de base de dados muito mais robusto, com a vantagem de ser open source e de ser facilmente inte-grado numa aplicao de servidor com possibilidade de partilha por vrios utilizadores5.

    Contudo, ao mesmo tempo que as bases de dados relacionais conhe-ciam uma ampla utilizao junto dos historiadores, ao longo da primeira metade da dcada de 1990 foram sendo teorizadas outras formas mais elaboradas de bases de dados que pudessem incorpo-rar, para alm da informao histrica, informaes sobre o prprio processo de interpretao histrica e uma ligao estrutura original da fonte ou mesmo a sua cpia integral. Comearam-se a usar ento modelos de bases de dados orientados para as fontes6.

    A partir de meados da dcada de 90 passaram ento a existir dois modelos concorrentes na elaborao de bases de dados a aplicar Histria. A difuso do uso desta ferramenta possibilitava j poca a publicao de trabalhos de balano sobre a teoria das bases de dados, os mtodos existentes e a sua aplicao Histria, como no volume editado por Charles Harvey e Jon Press, Databases in Historical Research, de 19967.

    As duas principais abordagens ento estabelecidas correspondiam a uma orientao face s fontes ou face aos resultados. As bases de dados do primeiro tipo so elaboradas tendo em conta a preservao de uma forte ligao fonte, registando a todo o momento o maior volume de dados possvel sobre a mesma de modo a que a qualquer altura o investigador possa sempre reverter para o registo original de onde retirou informao. Este tipo de bases de dados, no jargo anglo--saxnico, designa-se por sistemas source-oriented ou orientados para as fontes. No campo oposto, apesar de poderem existir sistemas

    6 Bradley, John, 2005, Texts into Databases: The Evolving Field of New-style Prosopography, Literary and Linguistic Computing, vol. 20, 1, p. 16.

    7 Harvey, Charles; Press, Jon, 1996, Databases in Historical Research: Theory, Methods, and Applications, New York, St. Martins Press, Inc.

    8 Carvalho, Joaquim, 1997, Comportamentos Morais e Estruturas Sociais numa parquia de Antigo Regime (Soure, 1680-1720), Tese de Doutoramento, Coimbra, Universidade de Coimbra.

    mistos, esto as abordagens em que se registam dados isolados, reco-lhidos de fontes diversas com o objectivo de caracterizar ou estudar um determinado fenmeno ou objecto. Nestes casos, estamos perante um sistema selectivo ou orientado para o estudo de um determi-nado objecto de estudo, previamente formulado, ou seja, um sistema result-oriented. No caso portugus e das bases de dados orienta-das s fontes, um dos principais contributos foi dado pelos trabalhos desenvolvidos por Joaquim de Carvalho, da Universidade de Coimbra8.

    No caso da base de dados usada no projecto De Todas as Partes do Mundo. O patrimnio do 5 Duque de Bragana, D. Teodsio I, a opo passou por um modelo orientado aos resultados, contudo com a cria-o de um conjunto de campos para registar na ntegra a informao fornecida pela fonte. Deste modo, os investigadores puderam ter sempre acesso transcrio do texto original enquanto procediam distribuio dos dados seleccionados pelos campos especificamente criados para o efeito. Conjugou-se deste modo as vantagens dos dois modelos.

    O mtodo orientado fonte tem a vantagem de tornar a base de dados mais partilhvel entre investigadores, uma vez que criando uma cpia muito prxima da fonte original permite a sua reconstruo e valida-o dos resultados por outros. Permite ainda uma mais eficaz verifica-o dos dados, sem necessidade de regressar aos arquivos. Ao histo-riador pedido que faa a sua interpretao sobre os dados recolhidos num momento posterior. Por outro lado, todo o processo de recolha de dados bastante mais complexo e moroso e torna muito difcil esta-belecer relaes com outras tipologias de fontes que possam abordar o mesmo tema.

    O mtodo orientado para os resultados , nesta perspectiva, muito mais rpido e eficaz, embora corra o risco de transpor para o conjunto de dados recolhidos alguma da subjectividade inerente ao processo de interpretao do historiador no momento de leitura e registo da infor-mao da fonte. E esta foi uma das dificuldades sentidas na recolha, registo e anlise da informao no caso da base de dados do projecto De Todas as Partes do Mundo. O patrimnio do 5 Duque de Bragana, D. Teodsio I. Contudo, a base de dados criada tem a vantagem de poder ser reusada com outros dados, com outras fontes semelhantes.

    Ainda na dcada de 1990, houve quem procurasse elaborar bases de

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    dados que funcionassem como um misto entre os standards da inds-tria e a adaptao de software especfico para a Histria, embora os resultados nem sempre fossem muito intuitivos ou conseguissem implementar-se. Na maior parte das vezes estas opes no consegui-ram destronar programas que eram frequentemente mais utilizados, como o Access ou o FileMaker, por exemplo9. E o facto destas tentativas no terem muito sucesso resultou, na maior parte das vezes, de dois factores: por um lado, eram programas desenvolvidos para aplicaes muito especficas que depois dificilmente conseguiam ser adaptadas para outros fins; ou ento eram muito pouco user-friendly, levando alguns investigadores a declarar que dificilmente se poderia conven-cer os historiadores da utilidade de uma base de dados se para funcio-nar com ela era necessrio assistir a vrios workshops intensivos10.

    Uma evoluo mais recente no que diz respeito ao mundo das bases de dados a que pretende criar um meio caminho entre a estruturao de informao histrica em pequenos pedaos que so introduzidos em campos e uma estruturao feita atravs da insero de etiquetas e marcaes no corpo do texto da fonte, possibilitada atravs do uso do eXtensible Markup Language (XML)11. No fundo, uma evoluo que procura conciliar os textos, essas fontes essenciais para o Historiador, e as tecnologias digitais. Em termos genricos, as bases de dados e o XML, ou o seu formato mais conhecido nas Humanidades, o TEI (Text Encoding Initiative), estiveram desde a origem ligados a reas diferen-tes das chamadas Humanidades Digitais. As primeiras, como vimos, foram fazendo o seu caminho na Histria, enquanto as ferramentas de formatao e anlise de texto foram sempre muito mais populares no campo da Literatura e da Lingustica. Apesar de tudo, as duas reas tm vindo a aproximar-se e existem hoje em dia projectos que procu-ram fazer a ponte entre as duas reas, como no projecto desenvolvido pela equipa da investigadora Rita Marquilhas, Post Scriptum: A Digital Archive of Ordinary Writings (Portugal and Spain)12.

    Outras evolues recentes nas tecnologias de bases de dados, no pensadas nos anos 80 e apenas sugeridas em meados da primeira dcada deste sculo, permitem apresentar estes instrumentos de trabalho como cada vez mais interessantes para os investigadores em Humanidades. Por um lado, nos anos 1980 no era ainda expectvel a evoluo muito significativa que foi introduzida pelo uso global-izado da Internet e todo o potencial que trouxe para a investigao,

    9 Gting, R. et al., 1999, SECONDO/QP: Implementation of a generic query processor, in Database and Expert Systems Applications; Bauer, Jean, 2011, DAVILA, in Jean Bauer [history, databases, photography] [http://www.jeanbauer.com/davila.html. Data de consulta: 19.07.2012].

    10 Boonstra, Onno et al., 2004, p. 35.

    11 Bradley, John, 2005, p. 15.

    12 Marquilhas, Rita; Hendrickx, Iris, 2014, Manuscripts and Machines: The Automatic Replacement of Spelling Variants in a Portuguese Historical Corpus, International Journal of Humanities and Arts Computing, vol. 8, n. 1.

    13 Thomas, William G, 2004., Computing and Historial Imagination, in Susan Schreibman et al. (eds.), Companion to Digital Humanities, Oxford, Blackwell Publishing Professional.

    14 Bradley, John, 2005, p. 7.

    15 Ramsay, Stephen, 2004, Databases, in Susan Schreibman et al. (eds.), Companion to Digital Humanities, Oxford, Blackwell Publishing Professional.

    16 Bodenhamer, David J., 2008, History and GIS: Implications for the Discipline, in Anne Kelly Knowles and Amy Hillier (eds.), Placing history: how maps, spatial data, and GIS are changing historical scholarship, ESRI, Inc., p. 220.

    divulgao e at imaginao em Histria13. Hoje em dia as bases de dados podem ser colocadas online, no necessariamente de uma forma fechada e definitiva, mas sim como um conjunto de informao estruturada e pesquisvel que permite aos investigadores que acedam a este recurso electrnico uma quase total liberdade para construir novos objectos de estudo de acordo com critrios diversificados e adaptveis aos objectivos das suas investigaes14. Por outro lado, em 2004 apenas se previa como um futuro desenvolvimento, ao nvel da modelao das bases de dados, o facto destas poderem com fiabili-dade e rapidez potenciar o trabalho colaborativo, o qual contribuiria para a expanso considervel das possibilidades de [construo e] representao do conhecimento nas Humanidades15.

    Neste caso, a previso concretizou-se, pois os softwares de bases de dados e as estruturas de informao actuais permitem um acesso descentralizado a uma mesma base de dados colocada num servidor, ao qual acedem vrios membros de um projecto atravs de um inter-face criado com uma verso mais user-friendly de um formulrio de acesso a dados. Esta foi precisamente a soluo implementada no projecto D. Teodsio. A base de dados criada em PostgreSQL foi insta-lada num servidor da FCSH e depois partilhada pelos vrios computa-dores dos investigadores do projecto atravs de ligaes ODBC para um formulrio de acesso a dados elaborado com o Microsoft Access. Esta soluo permitiu um trabalho colaborativo, no qual os inputs de cada investigador no projecto ficavam disponveis para todos os outros em tempo real, possibilitando um trabalho mais rpido, mas tambm um maior controlo da qualidade dos dados introduzidos, evitando redundncias.

    Apesar de toda esta evoluo e da crescente utilizao de bases de dados na investigao histrica, at h bem pouco tempo elas estavam ainda longe de fazerem parte do reportrio de ferramentas essenci-ais a todos os historiadores. Em 2008 um historiador norte-ameri-cano podia afirmar com facilidade que estes, enquanto grupo, no se sentiam confortveis com o uso de bases de dados16. Isto apesar dos computadores e da informtica fazerem j parte do seu dia-a-dia, atravs dos processadores de texto, do email e do acesso Internet. Isto vem demonstrar que, apesar de tudo, os historiadores no ficam propriamente ansiosos perante o uso das tecnologias digitais, mas mesmo assim parecem nem sempre encontrar uma utilidade para as

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    bases de dados no seu ofcio17.

    Deste modo, a dificuldade dos historiadores usarem de um modo mais abrangente as bases de dados no pode ser encarada do ponto de vista de uma recusa cega perante o uso da tecnologia. Em boa verdade, essa dificuldade resultar mais do facto de uma parte significativa das fontes que estes usam e das metodologias que empregam serem dif-ceis de encaixar no modelo de dados estruturados que est subjacente ao funcionamento das bases de dados, ou pelo menos assim parecer. Em parte, este desfasamento resulta do recurso aos textos e narrativa como algo central para o historiador, quer seja na tipologia das fontes que usa, no mtodo de anlise a que recorre com mais frequncia, ou, obviamente, na apresentao dos resultados. Uma narrativa que faz das palavras e dos seus mltiplos significados uma forma de represen-tao do passado, um mtodo complexo de observao e compreen-so da realidade histrica que se pretende multifacetada e que por isso torna muito pouco intuitiva a utilizao de uma tecnologia que na aparncia tem uma menor flexibilidade e maleabilidade, onde tudo, uma vez mais na aparncia, tem de caber em caixas pr-configuradas18.

    Esta foi precisamente uma das principais dificuldades sentidas com a utilizao da base de dados do projecto De Todas as Partes do Mundo. O patrimnio do 5 Duque de Bragana, D. Teodsio I. Nem sempre as diferentes interpretaes das expresses especficas e particulares da fonte pareciam ter uma correspondncia clara com os campos pr-definidos na base de dados, dando azo a um preenchimento da mesma nem sempre isento de algumas ambiguidades. Contudo, quer a elabo-rao de um protocolo de preenchimento da base de dados, quer ligei-ras adaptaes ao modelo da base de dados ou do prprio formulrio de acesso a dados, que foram sendo introduzidas, foram permitindo resolver estas divergncias com sucesso.

    Este ponto importante para se perceber que, no fundo, existem pontos de contacto entre as duas abordagens, a da narrativa histrica e a das bases de dados. Quando os historiadores observam uma fonte textual, eles procuram, em simultneo, abarcar duas dimenses: por um lado procuram extrair dessa fonte toda a informao sobre factos, pessoas ou locais contidos no prprio texto; por outro lado, analisam a estrutura e o significado intrnseco do texto e as suas relaes com outras fontes, textuais ou no. Na maior parte dos casos, as palavras presentes nos textos no so objectos de estudo per si, isso fica

    para os investigadores da Literatura ou da Lingustica, mas apenas na medida em que elas possam dar pistas para melhor ficar a conhecer e compreender um facto, uma pessoa ou um local do passado.

    Tambm com as bases de dados podemos pensar da mesma forma, ao observar como os investigadores, atravs delas, processam a informa-o. O objectivo extrair dos textos informaes (que na linguagem das bases de dados relacionais se chamam atributos) sobre diferentes objectos de estudo (que nas bases de dados se designam por enti-dades), sejam esses objectos pessoas, acontecimentos, locais, aces, formatos ou outros, para depois procurar registar e analisar no s as suas caractersticas, bem como as interaces que se estabelecem entre eles (as chamadas relaes no modelo de base de dados).

    Deste modo, o modelo relacional das comuns bases de dados, sendo na essncia relativamente simples, com entidades, atributos e rela-es, assemelha-se ao esquema de inferncia ou interpretao mental do historiador e, tal como este, pode ser bastante mais complexo, sem, contudo, perder esta consistncia bsica. Como bvio, a partir do momento em que se pretende aplicar este modelo a fontes histri-cas, o que era simples pode transformar-se complexificar-se, com uma profuso de entidades e com uma extensa teia de relaes, constitu-indo uma informao altamente estruturada. Isto que constitui uma vantagem pode tambm ser um risco. No caso do projecto De Todas as Partes do Mundo. O patrimnio do 5 Duque de Bragana, D. Teodsio I essa complexidade foi assumida logo desde o incio da formulao do modelo de dados de modo a com ele permitir uma leitura ou reinter-pretao dos dados da fonte o mais abrangente possvel. Se certo que o modelo de dados se complexificou bastante tornando-se quase incompreensvel para o utilizador bsico da base de dados, a sua transposio para um formulrio de acesso a dados bastante intuitivo e com automatismos de preenchimento e validao de dados permitiu superar algumas das dificuldades iniciais.

    Por mais complexo que se possa transformar o modelo de dados, a realidade e, em particular, a realidade histrica pode ser de tal forma abrangente que chegar um momento em que o historiador ter de tomar decises sobre o que incluir ou excluir da base de dados. Acresce a isto, obviamente, a natureza, por vezes, lacunar e ambgua de determinadas fontes histricas. E o Inventrio de D. Teodsio talvez uma fonte paradigmtica no que a este aspecto diz respeito. Mas ser

    17 Alves, Daniel, 2014,Introduction: digital methods and tools for historical research, International Journal of Humanities and Arts Computing, vol. 8, n. 1.

    18 Alves, Daniel; Queiroz, Ana Isabel, 2015, Exploring Literary Landscapes: From Texts to Spatiotemporal Analysis through Collaborative Work and GIS, International Journal of Humanities and Arts Computing, vol. 9, n. 1, p. 69.

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    isto to diferente do que normal o historiador fazer perante uma massa de dados que, a partir de um determinado patamar, percebe que ser incapaz de analisar? O certo que ao pensar no que incluir ou excluir da sua base de dados (aquilo que em linguagem de bases de dados se chama de modelao), o historiador est na essncia a pensar sobre as suas fontes, o seu objecto de estudo e sobre os resul-tados que pretende obter, est j a pensar na interpretao dessas fontes e isso pode ser um factor positivo do processo de aplicao das bases de dados investigao histrica19. Temos conscincia que, nesta perspectiva, todo o trabalho de modelao da base de dados do projecto De Todas as Partes do Mundo. O patrimnio do 5 Duque de Bragana, D. Teodsio I, as vrias decises tomadas pela equipa de investigao e o prprio quotidiano de preenchimento do formulrio e de adaptao regular do modelo de dados foram permitindo pensar o objecto de estudo, o inventrio, de uma forma mais rica e complexa, provavelmente auxiliando na elaborao de novas questes a colocar fonte que partida no estavam no horizonte dos investigadores.

    Nesta perspectiva, as bases de dados no devem ser entendidas apenas como formas de modelar as fontes, mas tambm como formas de modelar os problemas, as hipteses de trabalho do historiador que depois vo ser resolvidas com recurso s fontes e s relaes que se estabelecem entre estas. Talvez desta forma seja mais simples apre-sentar a validade e utilidade das bases de dados relacionais para o trabalho do historiador, na medida em que elas funcionam ou podem funcionar como extenses da sua tradicional forma de anlise das fontes e de construo de significado histrico pelo cruzamento das mesmas20.

    Contudo, existe um risco neste processo, pois a complexificao cres-cente do modelo de dados pode levar a que as bases de dados, num determinado ponto, ou fiquem demasiado complexas para serem convenientemente manipulveis ou se tornem to especficas que no permitam qualquer outro tipo de utilizao para alm do projecto em que foram concebidas. necessrio assim, manter um equil-brio entre a complexidade do modelo de dados, que permita lidar com a complexidade prpria do objecto histrico, e a flexibilidade desse mesmo modelo, de modo a torn-lo receptivo formulao de vrias questes de investigao. preciso notar, porm, que uma das vantagens das bases de dados relacionais precisamente o facto

    do processo de modelao de dados ser algo dinmico e iterativo, permitindo ao historiador construir mais conhecimentos sobre os seus dados e incorpor-los no modelo por forma a obter novos resultados com a sua investigao.

    A utilizao das bases de dados, em boa medida, obriga o investigador a um maior formalismo na abordagem das suas fontes e do seu objecto de estudo, levando-o a ser muito claro e muito preciso sobre aquilo que pretende dizer sobre os objectos de estudo ou sobre a forma de clas-sificar e categorizar as fontes e a informao que estas fornecem21. Se esta perspectiva pode ser entendida como uma vantagem, na medida em que obriga o historiador a reforar a sua objectividade, por outro lado, pode revelar-se uma desvantagem pela dificuldade em lidar com uma natural subjectividade inerente ao processo de interpretao que o historiador faz sobre as fontes.

    Nesta relao entre a modelao das bases de dados e o trabalho do historiador necessrio ainda referir que a construo da base de dados deve sempre prever o facto do historiador ter necessidade de esclarecer as imprecises da fonte ou as interpretaes ambguas dos dados que esta fornece, neste caso criando espaos prprios na estrutura que permitam remeter directamente para o texto da fonte ou acomodar a introduo de observaes e notas explicativas por parte do historiador. E esta foi sempre uma soluo pensada e implemen-tada de raiz na base de dados do projecto, sendo, em grande medida, uma das solues para que a mesma tenha contribudo, cremos de forma muito positiva, para o desenvolvimento e concluso de todo o projecto.

    19 Ramsay, Stephen, 2004, p. 195; Bradley, John, 2005, p. 16.

    20 Bradley, John, 2005, p. 17.

    21 Bradley, John, 2005, p. 17.

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    Os desafios na recolha e tratamento de informao Challenges to collecting and analysing informationIns Cristvo

    Um dos maiores desafios que o estudo do Inventrio de D. Teodsio I colocou equipa de investigadores assentou na recolha, compilao, anlise e relao da informao nele contida. Se por um lado a exten-so, o detalhe e a variedade de informao constituram uma rara e importante ferramenta de trabalho, por outro, a complexidade decor-rente levantou obstculos difceis de transpor.

    Por entre as centenas de entradas que descrevem o patrimnio do duque, distribudas ao longo de dezenas de ttulos, identificaram-se relaes multiaxiais de informao, de diferentes nveis de complexi-dade, cujo verdadeiro entendimento requereu uma anlise profunda e atenta. Numa primeira fase, identificaram-se para a maioria das entradas cinco principais grupos de dados, correspondentes a bens, pessoas, avaliao, localizao e contextualizao no patrimnio do duque. Numa segunda, dividiram-se os dados em sub-grupos respeitantes a informao complementar, ainda de mbito geral e passvel de um registo relativamente simples.

    A total compreenso da dimenso e da importncia do patrimnio do duque bem como de outras questes de relevo espelhadas na descrio dos seus bens, entre as quais, as relaes da Casa de Bragana poca , estavam em boa medida dependentes do sucesso na recolha e tratamento desta informao. Deste modo, tornou-se prior-itrio encontrar uma ferramenta de trabalho que possibilitasse extrair o mximo de informao possvel, nas suas mais variadas vertentes,

    GRUPOS DE DADOS SUB-GRUPOS DE DADOS

    Benscaractersticas fsicas; origem; estado de

    conservao; outros

    Pessoasencarregados; avaliadores; actuais e

    antigos proprietrios; doadores; ofertantes; artesos; familiares; outros

    Avaliaovalor de aquisio; valor de alienao; valor

    de avaliao; outros

    Localizaolocalizao no pao; localizao

    na vizinhana; localizao noutras propriedades do duque; outros

    Contextualizaobens adquiridos; bens no adquiridos;

    outros

    Tabela 1.Grupos e sub-grupos de dados com maior expresso no inventrio.

    mantendo a sua autenticidade, ou seja, sem filtrar ou contaminar a informao.

    Assim, deu-se incio construo de uma folha de Excel composta por mais de 30 colunas, baseadas nos grupos e subgrupos anteriores, as quais foram preenchidas de acordo com os dados apresentados em cada uma das 6303 entradas do inventrio. Com recurso a filtros, foi

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    possvel resolver com sucesso alguns dos problemas que a fonte nos apresentou inicialmente, tais como a separao entre bens adquiridos e no adquiridos percebendo em que alturas o duque investiu mais ou menos na aquisio de patrimnio , o registo da identificao e estatuto de todas as pessoas directa ou indirectamente relacionadas com os bens, a sistematizao e a relao dos diferentes tipos de valor, e at o balano entre as dvidas activas e passivas.

    O ficheiro constituiu, deste modo, um importante ponto de partida para o trabalho dos investigadores, que assim retiraram as suas primei-ras concluses. Porm, a dificuldade da anlise adensou-se quando, para entradas mais complexas, a equipa foi confrontada com a necessi-dade de aplicar sucessivos nveis de diviso de dados, qual acresceu a dficil tarefa de estabelecer relaes entre estes. Parte do problema residiu no facto de ter sido inicialmente construdo para registar infor-maes relativas s entradas, e no especificamente aos itens nelas contidos. A correcta identificao e contabilizao de todos os itens foi assim um dos principais problemas enfrentados, pois quase sempre estes surgiam agrupados, descritos e avaliados, individualmente ou em conjunto, na mesma entrada.

    A considervel variedade e complexidade dos dados apresentados nas entradas dificultaram igualmente o trabalho, em especial, quando em causa estavam itens de natureza e caractersticas muito distintas. Tomando o exemplo de uma entrada relativa a um conjunto de para-mentos txteis1 acerca dos quais foi possvel averiguar informaes to diversas quanto as suas tipologias, quantidade, tcnicas, materiais, cromia, decorao, estado de conservao, valores e todas as pessoas a si relacionadas , possvel compreender a dificuldade em encontrar uma soluo una, atendendo que cada sub-diviso de dados requeria uma abordagem especfica.

    Uma vez que o inventrio estruturado de acordo com intervalos de datas de aquisio dos bens antes ou aps o casamento de D. Teodsio I com D. Brites , as repeties do mesmo objecto em dife-rentes entradas eram bastante comuns. o caso de uma cruz de prata dourada com a representao dos Apstolos no p2, mencionada em dois roles distintos, cuja prata foi adquirida antes do segundo casa-mento do duque, e o feitio e o ouro adquiridos posteriormente. De que forma deveramos registar informaes desta complexidade numa

    1 Inventrio, Entrada 2423.

    2 Inventrio, Entradas 2507 e 2582.

    folha Excel? Para que fosse pesquisvel, a nica soluo possvel consistiu na sua anotao numa coluna de observaes, implicando assim uma maior margem de erro.

    O registo das diferentes relaes possveis de estabelecer no inven-trio constituiu tambm um desafio, quer ao nvel das micro-relaes (na ordem dos itens e das entradas), quer das macro-relaes (sociais, culturais, econmicas e polticas). Para este caso, tambm o Excel nos ofereceu algumas limitaes, pois no possibilita o cruzamento de dados para alm da pesquisa condicionada por filtros. Embora estes tenham sido suficientes para identificar relaes simples, para grande parte das entradas, implicaram um longo trabalho de suces-sivas pesquisas e de anlise manual dos dados.

    No que respeita ao tratamento dos valores, foi possvel alcanar resultados satisfatrios apesar das limitaes da fonte por omisso, arredondamentos ou erro de clculos poca e das condicionantes do Excel, que invariavelmente implicaram uma pequena margem de erro. Foram assim identificadas as categorias de bens com maior e menor expresso no inventrio, em quantidade e/ou valor, como tambm compreendidos os padres de investimento do duque antes e durante o seu segundo casamento.

    Apesar da percepo da amplitude total do patrimnio do duque, fundamental para a sua contextualizao no caso europeu, ter sido obtida com sucesso por Leonor Freire da Costa atravs da folha de clculo, a anlise dos valores numa escala reduzida requeria uma soluo mais precisa. Isto, porque no inventrio podem encontrar-se diferentes tipos de valor (avaliao, aquisio, alienao, etc) para trs situaes distintas: a) itens; b) componentes dos itens (materiais, feitio, elementos); c) entradas (em que a avaliao pode ser atribuda indis-tintamente a um agrupamento de itens).

    Portanto, ainda que criterioso e detalhado, o registo de dados em Excel cedo se revelou insuficiente. A soluo para ultrapassar todas estas dificuldades passou, invariavelmente, pela construo de uma base de dados.

    Para tal, foi importante conhecer aprofundadamente a fonte, perceber a sua complexidade e a dinmica das vrias relaes nela escondidas, bem como antecipar problemas e perspetivar solues. Iniciaram-se

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    ento diversos testes para encontrar a melhor forma de desdobrar e extrair a complexa informao das entradas, que resultaram em esboos a partir dos quais a base de dados TEODOSIA comeou a estruturar-se.

    Como vimos, a necessidade de utilizar este meio informtico enquanto ferramenta de trabalho obrigou-nos a transpor os meros armaze-namento e pesquisa simples de informao, que caracterizam ainda muitas bases de dados aplicadas histria. Mais do que a preserva-o e a disponibilizao da transcrio do documento a um pblico alargado, procurmos criar uma base de dados relacional a partir da qual investigadores do todo o mundo pudessem igualmente consultar e questionar a fonte de forma crtica. Por outro lado, atendendo ao seu potencial para o estudo das cincias sociais e humanas, foi deter-minado que a estrutura-base no deveria esgotar-se no Inventrio de D. Teodsio I, mas sim, ser o mais abrangente e universal possvel, de modo a integrar no futuro novas fontes histricas eventualmente, de tipologias distintas de origem portuguesa ou estrangeira.

    Adoptar este princpio no foi fcil. Quais os critrios a assumir? Como classificar e ordenar informao respeitante a bens de natureza e caractersticas to distintas? Que tipo de formulrio se poderia adaptar identicamente a uma jia, uma ovelha, um escravo, uma dvida ou uma benfeitoria? Como o fazer respeitando o agrupamento e a classificao determinados na poca? E acima de tudo, qual a melhor metodologia para sistematizar a informao original sem a subverter ou contaminar?

    Para tal, foi primeiro necessrio avaliar a possibilidade de ultrapas-sar algumas das maiores dificuldades que o documento nos impunha nesta fase. Apenas assim seria vivel a elaborao de uma base de dados concisa e fidedigna.

    Viu-se desde logo necessria a definio dos critrios para a classifi-cao dos diversos bens. certo que a sua grande maioria consistia em objectos mveis; porm, o estudo do patrimnio de uma das maio-res e mais influentes famlias nobres da poca especialmente numa perspectiva multidisciplinar, como sempre ambicionmos no podia cingir-se aos objectos artsticos e comuns que faziam parte do quotidi-ano do pao de Vila Viosa. Neste sentido, a construo de uma base de dados que incorporasse o modelo de classificao habitualmente

    utilizado quando em causa est o estudo da cultura material como por exemplo, as solues encontradas por museus , no respondia s necessidades desde projecto.

    Assim, adoptou-se um sistema de categorizao mais lato, que contem-plasse igualmente as restantes manifestaes de patrimnio, distribu-das segundo Categorias e Subcategorias de bens3, tornando possvel integrar na base de dados todos os itens descritos no inven-trio, e tambm, grande parte dos bens mencionados em outras tipolo-gias documentais (cartas de quitao, cargas de navios, correspondn-cia variada). Para alm dos campos Categoria e Subcategoria que

    CATEGORIAS SUBCATEGORIAS

    Bens de Consumo Duradouro

    acessrios; couros; escultura; guerra e caa; instrumentos musicais; instrumentos

    cientficos; livros; mobilirio; pintura e gravura; txteis; transporte; utenslios comuns; utenslios finos; vesturio feminino; vesturio

    masculino; bens de consumo imediato; materiais de produo

    Bens de Consumo Imediato

    alimentos transformados; iluminao; ingredientes

    Bens de Capitalalfaias; enxames e colmeias; equipamentos;

    escravos; gado

    Bens de Raiz compsitos; rsticos; urbanos

    Benfeitorias no aplicvel

    Dvidas activas; passivas

    Rendas no aplicvel

    Moeda no aplicvel

    Tabela 2. "Categorias" e "Subcategorias" contempladas na base de dados TEODOSIA.

    3 Salientamos que as subcategorias foram tambm desdobradas em subcategorias 2, que vo directamente de encontro s especificidades dos itens (por exemplo, para o caso dos instrumentos musicais: cordas, sopro, teclas e percusso) mas que, pela sua extenso, no puderam ser aqui indicadas.

    possibilitaram agrupar e contextualizar os bens respeitando a sua essncia e lgica originais , foi forosamente necessria a criao de um campo que registasse a Tipologia dos itens, ou seja, as quatro

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    formas em como estes se apresentavam nas entradas: isolados, em pares, inseridos em conjuntos ou agrupados sem relao entre si.

    Estando ressalvadas as principais questes em torno do desdobra-mento e classificao da informao, os restantes campos foram sendo desenvolvidos e testados com base nas problemticas acima mencionadas. Com a excepo daqueles relativos a Valores, os mais complexos de toda a base de dados, os


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