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Delegados Profissionalismo e Politica Bonelli

Date post: 07-Sep-2015
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Os delegados de polícia são formados em Direito se identificam como possuídores doconhecimento técnico-jurídico desta área, mas não são reconhecidos assim por outros "doutores".Os delegados reivindicam um valor social que lhes é negado por outros parceiros do mundo doDireito. Embora tenham obtido o diploma superior, a legalidade desse ato não lhes conferiulegitimidade. A "nata" dos bacharéis que freqüentou as faculdades tradicionais e mais competitivasestigmatiza a formação do delegado, cuja maioria é proveniente de cursos de baixa competitividade.Há, acoplada nas disputas simbólicas por mérito, uma distinção de origem e recursos sociais. Juntocom o saber desdenham-se o ideário e o estilo de vida dessas autoridades policiais.
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OS DELEGADOS DE POLÍCIA ENTRE O PROFISSIONALISMO E A POLÍTICA NO BRASIL, 1842-2000 MARIA DA GLORIA BONELLI Departamento de Ciências Sociais Universidade Federal de São Carlos São Paulo/Brasil Prepared for delivery at the 2003 meeting of the Latin American Studies Association, Dallas, Texas, March, 27-29, 2003. Email: [email protected]
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  • OS DELEGADOS DE POLCIA ENTRE O PROFISSIONALISMO

    E A POLTICA NO BRASIL, 1842-2000

    MARIA DA GLORIA BONELLI

    Departamento de Cincias Sociais

    Universidade Federal de So Carlos

    So Paulo/Brasil

    Prepared for delivery at the 2003 meeting of the Latin American Studies Association,

    Dallas, Texas, March, 27-29, 2003.

    Email: [email protected]

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    INTRODUO

    Sob a lgica do profissionalismo, os delegados de polcia constituem o grupo ocupacional mais vulnervel entre as carreiras jurdicas pblicas. Vrios fatores se articulam para formar este quadro, reunindo caractersticas sociais, profissionais, polticas e institucionais.

    Os delegados de polcia so formados em Direito se identificam como possudores do conhecimento tcnico-jurdico desta rea, mas no so reconhecidos assim por outros "doutores". Os delegados reivindicam um valor social que lhes negado por outros parceiros do mundo do Direito. Embora tenham obtido o diploma superior, a legalidade desse ato no lhes conferiu legitimidade. A "nata" dos bacharis que freqentou as faculdades tradicionais e mais competitivas estigmatiza a formao do delegado, cuja maioria proveniente de cursos de baixa competitividade. H, acoplada nas disputas simblicas por mrito, uma distino de origem e recursos sociais. Junto com o saber desdenham-se o iderio e o estilo de vida dessas autoridades policiais.

    A funo do delegado junta duas atividades associadas a valores opostos. Ele tanto lida com o saber jurdico tpico do conhecimento intelectual quanto com a arma e seu significado prtico, manual, violento e sujo. O esteretipo do demrito - que mescla formao superior, recursos sociais e atribuies da carreira - realimenta a vulnerabilidade da posio do delegado na hierarquia do mundo do Direito. Sua funo o coloca em contato direto com os grupos de mais baixa estima social e com o universo do crime. O poder das profisses est relacionado ao controle de suas atividades, mas os delegados no controlam o risco de serem alvo da ao de outras pessoas com inteno de matar. O fato de o delegado lidar com a "escria social" e o de estar sujeito a imprevistos que ameaam sua vida tambm se somam para desvalorizar a profisso.

    Em contraste com os oficiais da polcia militar, organizados sob a lgica burocrtica sujeita hierarquia interna e a cumprir ordens, os delegados de polcia usufruem de uma estrutura organizacional mais horizontalizada e baseada no princpio da autonomia profissional, o que os vincula ao tipo ideal do profissionalismo. Eles controlam o inqurito policial como uma rea de saber exclusiva, e quando investigam a autoria do delito, o fazem com uma autonomia semelhante a dos mdicos quando diagnosticam a doena.

    A debilidade de sua posio no modelo do profissionalismo no decorre apenas das caractersticas sociais e funcionais apontadas acima. Elas so potencializadas pela politizao de suas atribuies, pela insero institucional e pela inconsistncia da ideologia profissional entre os delegados. Tal iderio enraza-se na crena de que as profisses tm como misso a prestao de servios de qualidade sustentada pela expertise, agindo com independncia em relao ao cliente, ao capital e ao Estado. Estes no so os valores dominantes partilhados no cotidiano da instituio e nem correspondem imagem pblica da profisso.

    Segundo Halliday (1987) as profisses normativas como as do mundo do Direito diferenciam-se das profisses cientficas, por reunirem as formas tcnicas e morais de autoridade profissional.

    "As profisses normativas perdem a autoridade da cincia mas assim obtm um mandato mais amplo que se estende extensivamente sobre o terreno da moral." (Halliday, 1987:36) "Pode-se afirmar que, quanto mais normativo o ncleo epistemolgico do conhecimento profissional, mais preparada estar a profisso para exercer a autoridade moral em nome da expertise, e assim, maior ser o potencial de sua amplitude de influncia" (Halliday, 1987:41). Para esse autor, o fato de o Direito lidar com normas sociais lhe confere um mandato moral

    perante a sociedade, para alm da autoridade tcnica tpica das profisses cientficas e acima dos interesses especficos da poltica convencional, mas as instituies onde esta autoridade exercida influenciam seu resultado, podendo favorec-la ou constrang-la. As esferas institucionais primrias so aquelas centrais profisso, portanto propcias para se obter legitimidade profissional completa. No caso do Direito, trata-se do sistema legal e das instituies como, Judicirio, Ministrio Pblico,

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    OAB e advocacia. As esferas institucionais secundrias so definidas como aquelas onde a prtica dos profissionais limitada e eles tm uma legitimidade circunscrita porque o foco de atuao da organizao no pertence ao ncleo do conhecimento especializado obtido. Isso ocorre com a segurana pblica e a polcia em relao ao campo jurdico, havendo perda de legitimidade e contestao do monoplio profissional (Halliday, 1987:41-2).

    Exercer o mandato do conhecimento nas instituies primrias, como os fruns resulta em maior legitimidade profissional do que nas delegacias. Se a esse dado do sistema das profisses e de sua competio interna se juntar a imagem pblica da polcia exposta hoje politizao do debate sobre o policiamento, s crticas de especialistas e leigos sobre sua atuao, s denncias de conduta imprpria e de envolvimento da "banda pobre" com o crime organizado, ao questionamento sobre seu mrito e sua formao acadmica, mina-se o alicerce da autoridade profissional e da ideologia de prestar servios de qualidade com independncia. Quando todos esses fatores se juntam, a reputao da carreira est em perigo para alm da perda de legitimidade perante a elite de bacharis, j que a contestao da legitimidade profissional comum no mundo do Direito, que se espalha por uma ampla gama de esferas institucionais secundrias pblicas e privadas.

    A maior vulnerabilidade que a carreira de delegado de polcia experimenta hoje como profisso reside na ambigidade do apego do grupo ao ethos do profissionalismo. Embora seu contedo seja apregoado h dcadas por grupos dentro da corporao, os critrios da poltica convencional predominaram historicamente. Na ordem democrtica, a autoridade da carreira no se sustenta apenas por elos com os poderes estabelecidos. Junto com o ideal de prestar servios especializados de qualidade, a transparncia ganha valor para legitimar as instituies pblicas, entre elas a polcia.

    Na origem da funo de policiar a sociedade escravocrata brasileira, o conflito social entre ordem e resistncia, entre estabelecidos e outsiders deixou evidente a diviso entre aqueles que delegavam o mandato moral e aqueles que eram o alvo da ao policial. Naquela estrutura, as atribuies dos delegados eram cindidas na essncia de suas relaes com a sociedade, constrangendo a germinao do ethos profissional que brotou no mundo do Direito. Quando a carreira surge em So Paulo, ela decorre de uma iniciativa governamental centralizadora, no incio do sculo XX, para controlar o vnculo dos delegados com o mandonismo local.

    As dificuldades cotidianas dos delegados em partilharem os valores do profissionalismo foram sentidas pela populao e formaram a base da opinio pblica. A percepo que os delegados tm disso se revela na nfase discursiva que hoje do s tarefas voltadas para a comunidade, resoluo de pequenos conflitos, assistncia e ao atendimento do cidado destacando como as delegacias constituem-se em instituio nica, com as portas abertas 24 horas por dia para atender s mais diversas demandas ali encaminhadas pela populao. Essas atribuies denominadas de "feijo com arroz", subestimadas internamente frente ao prestgio da investigao e identificao da autoria do delito, ganham relevncia quando a questo da legitimidade sobe na estima coletiva, fragilizando a autoridade da fora policial.

    Sob a ordem democrtica em vigor, com mais possibilidades de vocalizao do interesse pblico e melhores recursos institucionais para defend-lo, a prestao de servios comunidade torna-se chave para a redefinio da imagem da polcia junto sociedade. Nos primrdios da carreira de delegado de polcia, a funo repressiva no precisou ser balanceada pela funo comunitria da atividade policial. Neste sentido, a sociedade brasileira tem hoje mais instrumentos para constranger a ao policial do que tinha quando os valores determinantes estavam relacionados apenas s elites dominantes. A mudana na composio dos grupos sociais que influenciam os valores e a opinio pblica tambm chegou ao mundo da polcia alterando o contedo do que compete ao grupo profissional realizar .

    Em resumo, este estudo explora os fatores internos e externos profisso de delegado de polcia para condicionar sua morfologia atual, que analisado atravs de dados coletados no survey

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    "Perfil social e ideolgico dos delegados de polcia"1, realizado pelo IDESP, em 2001/2002, com apoio da Fundao Ford e da Fapesp. Partindo de uma perspectiva histrica, o paper vai acompanhar a trajetria desta carreira, identificando os constrangimentos ao profissionalismo. O MODELO TERICO DO PROFISSIONALISMO

    Segundo Freidson (2001) , a lgica de mercado baseia-se no princpio da livre-concorrncia; a lgica burocrtica baseia-se no princpio gerencial da administrao racional-legal e a lgica do profissionalismo sustentada pelo princpio ocupacional. Cada uma dessas lgicas so alimentadas por ideologias distintas que competem para influenciar a opinio pblica e apresentar-se como alternativas mais apropriadas para a organizao do trabalho. O iderio neoliberal da lgica de mercado critica a forma como o profissionalismo se estrutura, atacando o monoplio de mercado que acompanha a obrigatoriedade de possuir diploma superior da profisso que se vai desenvolver. Essa crtica foi reforada pelos movimentos dos consumidores (Consumer's Choice), que advoga pela liberdade de escolha do servio que o cliente quer contratar. Tambm se condena o fechamento profissional, sua elitizao e distanciamento do universo dos clientes. Competio e consumismo so as palavras-chave que resumem a ideologia do mercado livre. O saber prtico predomina, o tempo de permanncia na mesma ocupao baixo, com muita mobilidade ocupacional e geogrfica, a especializao da diviso do trabalho de tipo cotidiano, desencorajando-se a padronizao j que as trajetrias de carreira so irregulares. A porta de entrada no mercado de trabalho aberta e decorre muitas vezes da escolha do consumidor. O treinamento escolar baixo frente ao treinamento no trabalho.

    O iderio burocrtico ataca o profissionalismo principalmente a partir da ao do Estado procurando controlar as profisses atravs de mecanismos de superviso/avaliao, concebendo-as como sinecuras e/ou como organizaes corporativas. As vises difundidas por essas formas concorrentes procuram minar a aceitao pblica do profissionalismo, que se alastrou no sculo XX, denunciando o ideal de servio como recurso discursivo para acobertar os interesses especficos desses grupos sociais. A ideologia burocrtica sintetizada pela valorizao do carter administrativo e da eficincia. O tipo de especializao que predomina na diviso do trabalho do modelo burocrtico de base mecnica, j que ele controlado hierarquicamente; a forma de ingresso controlada pelo pessoal administrativo; a trajetria de carreira vertical dentro da mesma firma, e o tempo de permanncia na ocupao mdio, havendo significativo treinamento escolar.

    Com o objetivo de colaborar para o amadurecimento analtico das profisses superiores, Freidson (2001: 127) rene cinco caractersticas que tipificam o profissionalismo de forma ampla e abrangente, a saber: 1) um tipo de trabalho especializado da economia formal, com um corpo de base terica de

    conhecimento e habilidades discricionrios e que receba um status especial na fora de trabalho; 2) jurisdio exclusiva em uma dada diviso do trabalho controlada pela negociao entre as

    ocupaes; 3) uma posio protegida no mercado de trabalho interno e externo, baseada em credenciais

    qualificadas criadas pela ocupao; 4) um programa formal de treinamento desenvolvido fora do mercado de trabalho , que produza

    credenciais qualificadas controladas pela ocupao em associao com o ensino superior, e 5) uma ideologia que priorize o compromisso com a realizao de um bom trabalho em vez do

    ganho financeiro e da qualidade em vez da eficincia econmica da atividade. Tendo o modelo terico de Freidson (2001) como referncia para a anlise da carreira de

    delegado de polcia, resgataremos a trajetria desta ocupao comparando-a com a lgica de classe,

    1 Esse projeto foi coordenado por Maria Tereza Sadek e participaram Maria da Gloria Bonelli, Rogrio Bastos Arantes, Luciana Gross Cunha, Rosngela Cavalcante, Alvino Sanches, Humberto Mizuca e Sergio Miceli. A parte histrica apresentada neste trabalho contou com o apoio do CNPq, atravs de uma bolsa de produtividade em pesquisa concedida a autora do paper.

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    da burocracia e da profisso. Como as atividades dos delegados de polcia foram se aproximando de uns e se distanciando de outros desses tipos ideais no seu percurso histrico no Brasil? Quais os contrastes com as demais carreiras do Direito no que se refere ao profissionalismo? Quais os constrangimentos ao ethos profissional? A relao de represso e resistncia entre a polcia e os grupos sociais subalternos, que marcou a construo da ordem durante o perodo imperial brasileiro (Holloway, 1997), poder dar lugar ao elo entre mandato moral e prestao de servios de qualidade (Halliday, 1987) como valor a orientar a relao entre os delegados e a comunidade?

    PROFISSO E POLTICA

    Na concepo apresentada acima, a poltica convencional um dos interesses especficos que concorre com a ideologia profissional. Ela vai no sentido oposto ao da crena na misso de prestar servio de qualidade com independncia. Halliday (1999) enfatiza que o fato de a profisso delimitar sua fronteira com a politizao no significa que ela exclui-se da poltica. Ao procurar se identificar assim, a profisso faz uma poltica prpria protegendo-se do custo da poltica convencional, ao mesmo tempo que se pe em um patamar ideologicamente acima dos embates pelos interesses especficos.

    Os elos polticos dos delegados de polcia so conhecidos da historiografia brasileira. Muitas das reformas implementadas nos servios policiais do pas foram motivadas pelo propsito de controlar tal politizao. A literatura estrangeira sobre a polcia tambm enfatiza seu papel poltico e a preocupao dos governantes em mant-la sob seu comando, j que essas organizaes no ficariam inertes, apenas executando o ordenado por tais autoridades. A maioria dos estudos reconhece que, apesar do iderio da neutralidade da polcia, policiar uma dimenso de poder, sendo de essncia poltica.

    Reiner (2000) parte deste pressuposto para distinguir o significado poltico do sentido politizado do policiamento. Segundo ele:

    "Em um sentido amplo, todas as relaes que tm uma dimenso de poder so polticas. O policiamento inerentemente e inevitavelmente poltico neste sentido"(Reiner, 2000: 8). Mas do fato de ser poltico no decorre que tenha de ser politizado. Analisando a histria

    da polcia inglesa, ele mostra como a necessidade de despolitiz-la decorre da forte oposio poltica que a criao desse tipo de organizao enfrentou na Gr-Bretanha, nas primeiras dcadas de seu estabelecimento, que data de 1829. A aceitao legtima do policiamento foi sendo construda por cerca de cem anos (1856-1959), atingindo seu pice na dcada de 1950, com alto grau de insulamento e consentimento para com a polcia, em um contexto de pacificao das relaes sociais. As mudanas dos anos 60 politizaram de novo a polcia, com a insubordinao social , a intensificao dos conflitos e a violncia policial. Surgem as denncias de corrupo, preconceitos e de abuso de poder. No fim da dcada de 70 e incio de 80, predominou o conflito poltico sobre o rumo e o controle do policiamento, polarizado entre concepes ortodoxas (lei e ordem) e revisionistas (direitos humanos). A partir da, os partidos Conservador e Trabalhista construram algum consenso sobre o papel da polcia, buscando despolitiz-la e retomar a legitimidade perdida, atravs do policiamento comunitrio voltado para a soluo de problemas e para a qualidade do servio.

    Monet (2001) parte de uma perspectiva mais preocupada com as conseqncias perigosas da autonomia do profissionalismo no mbito da polcia. Segundo ele, a questo sociolgica colocada :

    "At que ponto as formas de organizao policial facilitam, ou ao contrrio conseguem limitar, a inevitvel propenso dos corpos policiais - e de todos os corpos de profissionais incumbidos de uma funo social importante - a se autonomizar, a tentar se libertar de todos os controles que tentam enquadr-los, para escapar dupla presso, a do poder poltico e a das expectativas sociais, que tende a instrumentaliz-los?" ( p. 27).

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    Seu olhar reconhece a funo da polcia como eminentemente poltica, apoiando sua instrumentalizao pelo poder poltico. Para conter a tendncia a tornar-se independente, concebe-a como uma estrutura hierarquizada cujo topo est sempre no governo. A fora policial exercida por agentes subordinados a autoridades pblicas que os recrutam, remuneram e controlam. A autoridade policial (como os chefes de polcia e o delegados) se diferencia dos agentes e usufrui de mais independncia. A reconstruo histrica das relaes entre autoridade policial e poltica ser focalizada a seguir, procurando-se definir a autonomia profissional que compete a eles e as possibilidades de controle da politizao deste corpo, dentro do modelo do profissionalismo. ORIGEM DA CARREIRA DE DELEGADO DE POLCIA NO BRASIL E SEU DESENVOLVIMENTO EM SO PAULO

    O quadro funcional composto de "chefe de polcia", "delegado de polcia" e "subdelegado" surgiu com a centralizao poltica no Imprio, em 1841. Elas sinalizavam a preocupao com a construo de uma estrutura hierrquica para a funo de polcia judicial e investigativa de cunho civil, sujeita ao controle do Gabinete e do imperador, portanto, ainda no organizada com as caractersticas de carreira .2 Os delegados substituram os juzes de paz do perodo regencial em vrias atribuies, com o objetivo de conter o poder local frente autoridade central. O predomnio dos juzes de paz na viabilizao da descentralizao poltica na funo policial ps-Independncia foi de 1827 at a reforma de 3 de dezembro de 1841.

    Com a vinda da Corte portuguesa para o Brasil, em 1808, ocorreu a primeira mudana no formato organizacional da atividade de polcia durante o perodo monrquico, com a criao da Intendncia Geral de Polcia . O intendente de polcia tinha cargo de desembargador e posio de ministro de Estado, ficando lotado no Rio de Janeiro. O intendente podia autorizar outra pessoa a represent-lo, surgindo desta atribuio o uso do termo "delegado" no Brasil.

    Vieira e Silva (1955) contabilizam trs grandes reformas3 na esfera policial durante o Imprio, procurando "deter a marcha inexorvel da criminalidade" (p.146). Em 1825, houve uma tentativa de mudana, com a designao de comissrios de polcia para atuar nas provncias como assistentes dos intendentes, auxiliados por cabos de polcia nas tarefas do policiamento. Segundo Holloway (1997), essas medidas no chegaram a vigorar plenamente, sendo substitudas dois anos depois. O regulamento do novo cargo indicava um retorno ao esprito absolutista, refletindo as preocupaes com a ordem pblica e com as atividades consideradas ameaadoras a ela, que vinham ocupando a ateno das elites. A primeira reforma que foi efetivamente implementada esteve em vigor entre 1827 e 1841. Ela introduziu o juiz de paz previsto na Constituio de 1824, com atribuio policial e judiciria, e extinguiu os comissrios e os cabos de polcia. A principal

    2 A estrutura de carreira comea a ser montada em So Paulo a partir de 1905 com a nomeao de bacharis para as trs primeiras classes de delegados, pelo presidente do Estado, com remunerao. A vitaliciedade proposta no projeto da primeira regulamentao no foi aprovada ento. Em 1948 estabelecido o ingresso por concurso de provas e ttulos e as classes passam a ser ocupadas por bacharis. Hoje a carreira tem 6 classes ( 1a, 2a, 3a, 4a, 5a, e especial). O Delegado Geral de Polcia no possui mandato, sendo escolhido e dispensado pelo governador. A carreira possui vitaliciedade, irredutibilidade dos salrios, mas no regida pela inamovibilidade, permitindo as transferncias e remoes de delegados. Tambm perderam a equiparao salarial com as carreiras jurdicas de juiz e promotor. O critrio de promoo atual divide-se em metade por mrito e metade por antigidade, alternadamente. A demisso se d por justa causa ou a pedido. 3 A palavra reforma na anlise destes dois autores tem significado de reorganizao policial, aumento de pessoal e modificao na estrutura interna, preservando um sentido de evoluo e, por vezes, de continuidade. Embora essas reformas tenham, em geral, razes polticas e de interesse do governo, a ideologia que os autores recorrem para justific-las reproduz o padro comum na polcia, de enfatizar problemas na sociedade. Assim, inicialmente atribui-se a necessidade de mudanas avalanche de crimes e, a partir do difuso de idias anarquistas, de movimentos grevistas no incio do sculo XX e da Revoluo de 1924, d-se nfase tambm preocupao com a ordem poltica e social.

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    diferena entre os comissrios de polcia e os juzes de paz vinha da origem da autoridade judicial. Enquanto a autoridade do intendente e do comissrio emanava do monarca, a do juiz de paz vinha da eleio na localidade.

    Em 1831, aps agitaes armadas que culminaram na abdicao de D. Pedro I, foi aprovada na Assemblia Geral a lei de 6 de junho de 1831, dando poderes ao governo central na manuteno da ordem pblica. "Essa lei marcou o incio da centralizao conservadora, pelo menos no exerccio do poder policial " (Holloway, 1997:76). As preocupaes com a ordem social e com a montagem de um estrutura repressiva 4 capaz de garanti-la resultaram na criao da Polcia Militar em 1831 e na Secretaria de Polcia em 1833, que foi o embrio da Polcia Civil, em substituio Intendncia Geral de Polcia, na Corte. No comando da Polcia Militar, ficou Caxias e na Secretaria de Polcia, Eusbio de Queiroz. Eles foram os responsveis pela construo institucional de uma aparato policial repressivo slido. Eusbio de Queiroz pde pensar a organizao policial na perspectiva da centralizao, j que permaneceu na funo entre 1833 e 1844. Participou da montagem do modelo que substituiu os juzes de paz pelos delegados redefinindo suas responsabilidades e assumiu a chefia de polcia do Rio quando o cargo foi criado, em 1841,com a Polcia Militar respondendo Chefia de Polcia Civil.

    Em 1841, houve a segunda reforma, com a centralizao poltica no Imprio, modificando-se a estrutura da polcia. A Lei 261, de 3 de dezembro, determinou que os chefes de polcia seriam escolhidos entre os desembargadores e juzes de direito, e que os delegados e os subdelegados podiam ser nomeados entre juzes e demais cidados, tendo autoridade para julgar e punir. A lei estabeleceu as funes de polcia administrativa e de polcia judiciria. Na primeira, os delegados assumiam atribuies da Cmara Municipal, como as de higiene, assistncia pblica e viao pblica, alm daquelas de preveno do crime e manuteno da ordem. Na funo judicante, podiam conceder mandados de busca e apreenso, proceder a corpo de delito, julgar crimes com penas at seis meses e multa at cem mil-ris. O regulamento de julho de 1842 , instituiu o controle civil sobre a polcia militar 5 , que foi reforado pelo regulamento de janeiro de 1858. (Holloway, 1997: 170)

    Segundo Vieira e Silva (1955: 166), a posse do primeiro chefe de polcia de So Paulo, em 1842, marca o incio de uma fase "semi-autnoma" da atividade policial da provncia, em relao Corte. O nomeado foi o desembargador Rodrigo Antonio Monteiro de Barros, filho do Visconde de Congonhas do Campo. A organizao policial de So Paulo, tal como o desenvolvimento da provncia, era bem incipiente perto da vida na corte do Rio de Janeiro, caracterizando o cargo de chefe de polcia da provncia de So Paulo no como uma misso desejada, mas como um patamar a impulsionar a ascenso, um trampolim de carreira para nova posio. Assim, no se identifica uma permanncia no posto como a de Eusbio de Queiroz, que liderou a organizao da polcia por 11 anos no Rio. O desembargador Monteiro de Barros ocupou este cargo por trs meses e meio. Os dois chefes de polcia seguintes ficaram em torno de um ano. Se as caractersticas da provncia em termos de urbanizao e desenvolvimento foram melhorando, o que poderia tornar a nomeao mais cobiada, a posio revela-se muito sujeita instabilidade poltica. Durante o Imprio, houve uma estabilidade maior entre 1844 e 1857, com trs chefes de polcia ocupando o cargo por perodos prximos a quatro anos. Nos 47 anos que vo da criao do cargo em 1842 at a queda do Imprio, a provncia de So Paulo teve 36 chefes de polcia, uma mdia de dezesseis meses de permanncia para cada um. 6

    Alm da instabilidade na permanncia frente da Chefia de Polcia , registra-se uma srie de disputas tentando moldar os rgos de segurana mais adequados s distintas concepes que 4 J existiam a Guarda Municipal e a Guarda Nacional. 5 A fora militar provincial / estadual recebeu as seguintes denominaes antes de chamar-se Polcia Militar: Guarda Municipal Permanente, Corpo Policial Permanente e Fora Pblica. 6 A lista de todos os chefes de polcia e secretrios de segurana de So Paulo entre 1842 e 1944 est em Vieira e Silva (1955). Love (1982) possui estes dados para o perodo 1889-1930. As informaes para os anos subsequentes foram fornecidas pela Delegacia Geral de Polcia e esto em Bonelli (2002).

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    priorizavam a perspectiva central, provincial ou local. Fernandes ( 1973: 79) apresenta as foras repressivas que existiram na provncia de So Paulo durante o Imprio, apontando as dificuldades para a preservao da ordem pblica e para se institucionalizar uma ordem dominante na organizao da polcia. Alm da Guarda Municipal criada e extinta em 1831, montada a Guarda Nacional no mesmo ano, a Guarda Municipal Permanente em 1832, a Guarda Policial em 1834, a Companhia de Pedestres em 1850, a Guarda Municipal da Provncia em 1866, a Polcia Local em 1868 e a Guarda Urbana em 1875. Metade delas teve curta durao.

    A terceira reforma na estrutura da polcia civil foi a de 1871. Ela separou a funo judicial da policial e regulamentou o inqurito policial, definindo as funes dos delegados de forma mais restrita do que a estabelecida em 1841, separando o poder de prender do poder de julgar, reservado aos magistrados. A partir da, os chefes e delegados de polcia no poderiam mais exercer a magistratura ao mesmo tempo. Holloway (1997:228) aponta duas conseqncias relevantes desta reforma: a diferenciao do sistema policial e do judicial, com os delegados e subdelegados mantendo a responsabilidade pela formao de culpa no inqurito policial, encaminhando-o a seguir para os promotores ou juzes; e a queda no prestgio social dessas posies, deixando de ser uma ocupao exclusiva de bacharis quando os magistrados pararam de exerc-la. A origem de classe partilhada com as elites dominantes comeou a se diversificar.

    A separao da funo judicial da policial teve outras conseqncias, que levaram ao enfraquecimento da polcia civil. Os delegados e subdelegados passaram a ser dependentes financeiramente dos coronis locais, ocupando um posto com poder poltico. Na provncia de So Paulo s havia remunerao para os chefes de polcia e para os funcionrios superiores da capital, de Santos e de Campinas (Love, 1982:178). Essa debilidade tambm repercutiu na perda de fora da polcia civil frente militar. O delegado de polcia, que surgiu em 1841 como uma interveno centralizadora nas localidades, tornou-se dependente das elites locais a partir de 1871. O cargo do delegado ficou comprimido entre a inteno de sua criao e as condies objetivas de seu exerccio. J ter uma fora estadual armada representava para o presidente da provncia a garantia de autonomia poltica perante o poder central e os interesses locais. A perda de prestgio social do cargo de delegado neste cenrio foi decisivo para desequilibrar a balana entre polcia civil e polcia militar.

    O carter poltico da Chefia de Polcia tornou o exerccio da funo mais instvel com a chegada da Repblica, que trouxe consigo dificuldades para se construir um novo pacto de governabilidade. Em So Paulo, para ocupar um cargo carregado de conotao poltica como o de chefe de polcia aps a Proclamao da Repblica, o primeiro nomeado foi Bernardino de Campos, com perfil de poltico tarimbado, sendo deputado provincial e presidente da Comisso Executiva do Partido Republicano Paulista. O problema da politizao do cargo que ela tem um custo elevado, proporcional ao atrito que gera. Assim, a posio da cpula da polcia civil fica instvel tanto devido militarizao de outro rgo, quanto instabilidade que sua fora poltica provoca (tambm sendo armada). Nos sete primeiros anos da Repblica (1889-1906) , outros dezenove doutores ocuparam o posto de chefe de polcia do Estado de So Paulo, mas estabelecida a governabilidade, tratou-se de extinguir o cargo em 1906, que se chocava com o secretrio de Justia. Uma permanncia semelhante de Eusbio de Queiroz na Secretaria de Polcia do Rio s vai ocorrer com Washington Luiz, nomeado para a Secretaria de Justia, acumulando a chefia de polcia entre 1906 e 1912. Esta pasta passou a ser denominada de Secretaria da Justia e da Segurana Pblica at 1924. Segundo Souza (1992: 114), Washington Luis foi o principal beneficiado com a extino da Chefia de Polcia, acabando com a diviso de funes entre o chefe e o secretrio. "Com a reforma, portanto, o Secretrio de Justia saiu fortalecido pois passou a acumular e a centralizar as atividades polticas e policiais de todo o Estado nas suas prprias mos." Foi nesse contexto que se impulsionou a segurana pblica em So Paulo, sob o governo de Jorge Tibiri, com a organizao inicial da carreira e a institucionalizao da rea partindo diretamente da Secretaria. O intuito era o de criar uma estrutura burocrtica, controlada pelo governante e distanciada da poltica convencional.

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    AS REFORMAS DA POLCIA PAULISTA NA PRIMEIRA REPBLICA

    A lei 979, de 23/12/1905, reorganizou o servio policial do Estado e estabeleceu que os chefes de polcia, os delegados de polcia e os subdelegados seriam de livre nomeao e demisso do presidente do Estado; que das cinco classes da carreira, as trs primeiras s poderiam ser preenchidas por bacharis em Direito, e que estes teriam preferncia nas nomeaes para quarta e quinta classes. Definiu tambm os vencimentos e a progresso na carreira, com a exigncia de que o nomeado para uma classe estivesse servindo naquela imediatamente inferior. A partir de 1906, os delegados comearam a construo de uma carreira menos atrelada ao mandonismo local, mas controlados pelo governo do Estado, que podia demiti-los. Este ponto foi polmico na Assemblia Legislativa, j que o projeto inicial previa a vitaliciedade do delegado, mas predominou o entendimento de que se tratava de um cargo de confiana do presidente do Estado e, portanto, demissvel. Em termos de tipo ideal, a carreira aproximava-se da lgica burocrtica, mas permeada pela poltica.

    Na dcada de 1910, teve incio o processo de especializao do aparato da polcia civil dentro de uma perspectiva cientfica , com o desenvolvimento de tcnicas de investigao e identificao criminal - como a datiloscopia, o retrato falado, o uso da fotografia e a percia - o registro civil da populao alm da emisso dos passaportes, os servios mdico-legais, a inspeo e fiscalizao de veculos, a fiscalizao e censura das diverses pblicas, e a assistncia policial para os acidentados nas ruas, os desabrigados e desocupados.7

    A perspectiva cientfica, com o aprimoramento do conhecimento especializado sobre o trabalho policial preventivo, repressivo e investigativo foi estimulada como alternativa aos elos com a poltica convencional. A despolitizao ficou na aparncia da carreira de perfil burocrtico, com recursos tcnicos para o exerccio da funo. Na prtica, ela foi introduzida para favorecer um lado da luta poltica entre centralizao e descentralizao. A carreira era politicamente controlada de cima, j que o presidente do Estado nomeava e demitia os membros. O percurso da trajetria profissional comeou para os delegados de polcia por razes polticas e com formato burocrtico. Eles enfrentaram maiores dificuldades para avanar neste caminho do que os magistrados. A perda do prestgio social dos delegados, a elevada politizao do cargo, o temor dos governantes de perder o controle sobre a polcia e a baixa identificao do grupo com o iderio da expertise atuaram como constrangimentos profissionalizao. Os juzes conseguiram de Washington Luis o estabelecimento do ingresso na magistratura atravs de concurso na Reforma de 1921, resultando em maior independncia funcional. Em 1926 os magistrados contavam com a inamovibilidade, a irredutibilidade de vencimentos e a vitaliciedade.

    O regulamento da carreira de delegado foi criado para dar alguma padronizao a situaes de prtica da autoridade policial muito diversas, inclusive na posse ou no de conhecimentos jurdicos, que distinguiam a condio social. Com a carreira, a dedicao exclusiva e contnua funo garantia uma perspectiva mais profissionalizada. A passagem abaixo ilustra a vulnerabilidade dos vnculos dos delegados com a atividade policial, na poca de organizao da carreira, no caso em Campinas, ento a regio mais relevante do Estado. O trecho foi extrado de um artigo de Pelgio Lobo no peridico Investigaes, revista do Departamento de Investigaes, sobre os precursores da polcia de carreira, no qual homenageava Raul Soares, senador hermista e governador de Minas Gerais, que havia sido delegado em Campinas antes de voltar terra da famlia para substituir um irmo na poltica, depois de este ter sido assassinado a mando de um adversrio.

    "Em cidades maiores e de mais alto nvel de cultura cvica, como, por exemplo, Campinas, as funes de delegado de polcia antes mesmo da instituio da polcia de carreira eram confiadas a bacharis de direito, alguns dles juristas consagrados que deram aos cargos um prestgio extraordinrio. De minha terra lembrarei, entre os delegados de polcia que eram

    7 Sobre a especializao da polcia durante a Primeira Repblica ver Souza (1998).

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    grandes advogados criminais - Jos Manoel Lobo, que deixou a delegacia para assumir uma cadeira de deputado federal, em 1903, conservando-se na representao da bancada paulista at 1924, quando veio a ocupar a pasta de Secretario do Interior (Educao e Sade), do governo de Carlos de Campos; Paulo Machado Florence, que da polcia passou a promotoria pblica, servindo com brilho perante os dois grandes juzes, Soriano de Souza e Pinto de Toledo; e Raul Soares de Souza, jurista de polpa e homem de raro denodo pessoal, que, nascido em Minas, e fixando-se em Campinas de 1901 a 1909, passou pela Delegacia de Polcia com proveito para o servio e modelar circunspeo. At ento no militara na poltica e em Campinas s se consagrara advocacia e s belas artes." (Lobo, Investigaes 3, 1949: 18)

    O exemplo mostra a facilidade com que aqueles que tinham as relaes apropriadas

    transitavam entre a advocacia criminal, a promotoria pblica, a delegacia de polcia e a poltica sem impedimentos e delimitaes de jurisdio, o que j no ocorria com a magistratura de So Paulo desde a criao do Tribunal da Relao, em 1873. Quando o Tribunal foi organizado, a dedicao exclusiva dos juzes e desembargadores carreira j estava estabelecida. A construo da identidade profissional e de um ethos prprio pressupe a permanncia na atividade para se partilhar valores, sociabilidade e interesse comum. Isso um contraste evidente dos magistrados com as demais trajetrias profissionais no mundo do Direito desta poca, e ter conseqncia sobre o prestgio dessas atividades.

    Outro aspecto que o exemplo acima evidencia o significado que o prestgio e o verniz social desses delegados tm para as geraes subseqentes. O status do grupo profissional um ponto sensvel, permanentemente sujeito s disputas por poder simblico no mundo do Direito.

    Em 1916, ocorre a criao da Delegacia Geral de Polcia com a segunda reforma no perodo republicano, avanando na institucionalizao da polcia civil dentro da perspectiva burocrtica. 8 Embora o delegado geral tivesse alguma autonomia sobre a administrao da polcia, seguia respondendo ao secretrio, sem o papel poltico que teve quando a Chefia de Polcia reportava-se diretamente ao presidente do Estado. A concepo de segurana que orientou a ao dos governos vinculados ao PRP - Partido Republicano Paulista, na Primeira Repblica foi a de montar uma polcia estadual 'profissionalizada', controlada pelo governo, tendo um corpo com treinamento militar. Quanto politizao do cargo de chefe de polcia, os governos do PRP oscilaram, extinguindo ou restabelecendo o posto diversas vezes durante o perodo.

    A militarizao da polcia no mbito do Estado de So Paulo tambm teve incio com Jorge Tibiri, contratando a Misso Francesa para instruir a Fora Pblica.

    "A Misso chega a 6 de maro de 1906 e s viria a se retirar em 5 de agosto de 1914, em virtude da declarao da Primeira Guerra Mundial. Em 1919 a Misso retorna a So Paulo, sendo chefiada pelo prprio Nrel. " (Fernandes: 1973: 159). "E em termos de 'pequeno exrcito' que passam a ser encaradas as necessidades da Fora Pblica. At 1930 esta sofrer melhoramentos contnuos, desde prdios, armamentos, meios de locomoo, assistncia mdico-hospitalar, canil, pombal, telgrafo, artilharia, at a criao de uma esquadrilha de aviao. A Primeira Repblica inaugura, de fato, o perodo ureo desta fora repressiva."( p. 161)

    As conseqncias da militarizao da polcia foram sentidas na Chefia de Polcia e na

    Secretaria de Segurana Pblica por vrias dcadas. No perodo imperial e na Primeira Repblica

    8 Nesta reforma foram tambm criadas sete delegacias regionais reorganizando-se anteriores e abrindo-se novas ( Santos, Campinas, Ribeiro Preto, Guaratinguet, Botucatu, Araraquara e Itapetininga).

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    nomearam-se apenas desembargadores e bacharis para esses cargos, mas entre 1930-45, onze titulares destes postos tinham patentes militares. 9

    A ameaa que a Revoluo de 1924 representou ordem estabelecida influiu na mudana da situao institucional da polcia civil10 , com o restabelecimento da Chefia de Polcia e a extino do cargo de delegado geral. A carreira, que surgira como uma medida para controlar as autoridades policiais atravs dos recursos burocrticos que o governo estadual tinha s mos (nomeao de bacharis para as posies e cargo remunerado), voltou a ter comando mais autnomo, com fora poltica e melhor remunerado11. Mas o momento em que ocorreu a terceira reforma da polcia durante a Primeira Repblica foi o da sucesso de Washington Lus, na presidncia do Estado, por Carlos de Campos. Washington Lus esteve frente da lei que introduziu a carreira no servio policial em 1905 e a Reforma do Judicirio de 1921. Com Carlos de Campos, filho do lder do PRP e ex-chefe de polcia Bernardino de Campos12, restabeleceu-se o cargo sem a aparncia despolitizada . O nomeado - Roberto Moreira, tambm do PRP - aps sua exonerao seguiu a militncia poltica no partido e na Cmara de Deputados.

    Alm do cenrio mundial do ps-Primeira Grande Guerra, que trouxe a questo do comunismo, as preocupaes com a ordem poltica e social dentro do Estado de So Paulo ocuparam o centro das preocupaes da polcia, e a sua reorganizao foi conseqncia deste quadro. Obteve-se maior autonomia para a pasta policial e ampliaram-se as delegacias auxiliares da capital, as circunscricionais e as regionais. O novo Gabinete Geral de Investigaes passou a reunir sete delegacias especializadas, entre elas a de Ordem Poltica e Social que ganhou porte de especializao pela primeira vez. Outras reas auxiliares da polcia foram criadas ou ganharam status superior na Reforma de 1924, como a Escola de Polcia13, o Gabinete Mdico Legal, o Posto Mdico de Assistncia Policial, a Inspetoria da Polcia Martima do Porto de Santos e algumas delegacias tiveram nova classificao. A investigao criminal destacava-se como a atividade mais prestigiada e a que melhor reproduzia a valorizao da perspectiva cientfica para a identificao da autoria do delito. Segundo Souza (1998), na Primeira Repblica priorizaram-se as investigaes dos crimes de sangue, e entre estes os sexuais e contra a honra. Em 1926, voltou-se a ter uma Guarda Civil da capital - questo sempre polmica entre a polcia civil e a polcia militar, por alterar a distribuio de foras entre as duas polcias - elevando a institucionalizao, o contingente e os recursos da polcia civil em relao ao que ela tinha antes.14 Com a sada de Carlos de Campos e de Roberto Moreira em 1927 e aps a posse de Julio Prestes na presidncia do Estado, reestruturou-se a Secretaria de Justia e Segurana Pblica, transformando-se a Chefia de Polcia em Repartio Geral de Polcia subordinada a ela. Embora a autonomia das

    9 No interregno democrtico de 1946-1964, 4 secretrios de Segurana eram militares, e sob o regime autoritrio de 1964 at a posse de Franco Montoro, em So Paulo, em 1983, outros seis secretrios foram provenientes das Foras Armadas ou da Polcia Militar. A partir da, volta-se ao padro anterior de s nomear bacharis e desembargadores. 10 Sobre a maneira como a polcia viu a Revoluo de 1924, h um artigo do delegado Guido Fonseca, ex-diretor da ACADEPOL, na revista da ADPESP 21, 1996). 11 O salrio do delegado geral de polcia em 1910 era de 18.000$ e o de coronel da Fora Pblica, que ocupava o mesmo degrau na hierarquia da Secretaria de Justia e Segurana Pblica, era de 13.200$. O chefe de polcia recebia 20.000$. Em 1924, aps a extino do cargo de delegado geral, o chefe de polcia recebia 36.000$ e o coronel da Fora Pblica 24.000$, portanto 50% menos. Dados obtidos em Souza (1998:347-55). 12 Depois do cargo de chefe de polcia, Bernardino de Campos seguiu sua carreira poltica, sendo deputado na Cmara Federal, presidente do Estado (duas vezes) , ministro da Fazenda e senador. 13 No Rio de Janeiro, a Escola de Polcia foi criada em 1910, mas em So Paulo s se reuniram as condies para tal em 1924. J para a Fora Pblica, a lei 1244 de 27/12/1910 havia estabelecido o batalho escola com programas para instruir recrutas e oficiais. ( Souza, 1992: 159). 14 Desde 1897, quando a Guarda Cvica foi organizada, ela era um grupamento da Fora Pblica.

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    atribuies policiais ficasse preservada, politicamente predominava o secretrio de Justia, Antonio Carlos de Sales Jr. 15

    A quarta reforma da polcia na Primeira Repblica ocorre em 1928. A principal caracterstica das medidas adotadas foi a de definir as atribuies das autoridades regionais, municipais, distritais e dos inspetores de quarteiro tanto em termos das atividades de polcia administrativa quanto de polcia judiciria, evitando-se conflitos de competncia na hierarquia interna. O decreto de Julio Prestes com o regulamento policial ampliava a obrigatoriedade de o delegado de quinta classe e de o comissrio de polcia terem diploma de Direito, e reservava o cargo de chefe de polcia para os doutores ou bacharis. A hierarquizao do quadro funcional ficou com a seguinte composio: chefe de polcia, delegados auxiliares, chefe do Gabinete de Investigao, delegados especializados, delegados de 1a , 2a, 3a , 4a, 5a, 6a classes, comissrios de polcia, subdelegados de polcia, suplentes de delegados e subdelegados, inspetores de quarteiro. As principais posies auxiliares da administrao policial eram: mdico-legista, escrivo de polcia, escrevente de polcia, inspetor de segurana, oficiais de justia e a Diretoria da Repartio Central de Polcia.

    Embora a carreira ganhasse maior definio de seus degraus, ela seguia sem a crucial caracterstica profissional da autonomia, centralizada e nomeada pelo governo, sujeita demisso, prtica das remoes e das transferncias por razes externas aos da prestao do servio policial. As constantes mudanas no rgo de direo da polcia, afetando sua jurisdio, sua independncia e seu poder demonstram como a poltica convencional tinha um alto custo para a estabilidade de sua institucionalizao, sempre que as autoridades policiais de So Paulo resistiam implementao das medidas ordenadas pelo governo do qual discordavam. A carreira estava longe de possuir as caractersticas do profissionalismo. O comando da organizao policial no possua legitimidade profissional entre os pares. Por outro lado, quando da mudana na presidncia do Estado, a autoridade do governante se via ameaada por uma polcia chefiada por um adversrio ou por um delegado que no era de sua confiana. A autoridade que guiava o ethos da corporao no era proveniente da ideologia profissional, mas da concentrao de poder poltico.

    A politizao inviabiliza a deferncia e o respeito da organizao pela autoridade profissional, quando ela facilmente substituda por razes externas carreira. Nesta situao, os valores partilhados pelos delegados no so aqueles relacionados expertise, como o conhecimento cientfico, o mrito, a opinio dos pares, o compromisso com a misso de prestar servios de qualidade com independncia, que justifique a exclusividade sobre a rea profissional. Em vez da poltica das profisses, predomina a poltica convencional.

    O topo da organizao era nomeado com base em laos sociais e polticos, e o conjunto dos delegados de polcia preservava um status social mais baixo do que aquele que marcara as nomeaes at a Reforma de 1871. Embora aumentasse o nmero de bacharis, muitas posies ainda eram ocupadas por leigos, e os titulados eram identificados pela elite dos doutores como provenientes de cursos mais fracos, carentes de boa formao. Isso deixava a Chefia de Polcia vulnervel. Ela no se resguardava atravs do profissionalismo, resistia ao comando dos adversrios e pagava um preo institucional elevado quando os ventos da poltica mudavam de lado. A DUALIDADE PROFISSIONALIZAO - POLITIZAO DA POLCIA NO PERODO GETULISTA

    O predomnio da poltica sobre o ethos profissional seguiu durante os anos 30. O prestgio social atribudo promoo pela via poltica indicativo de que os valores do profissionalismo no eram a referncia daquele grupo social. A citao seguinte exemplifica como a poltica convencional alavancava carreiras e rendia distino social aos delegados, alm de lhes fornecer autoridade e poder.

    15 Genro de Antonio de Pdua Sales, que foi secretrio da Agricultura (1909-1912) no governo de Albuquerque Lins. Sales Jr. esteve na Comisso Executiva do PRP entre 1933-34. (Love, 1982).

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    A prtica da ocupao patrimonial de cargos policiais ainda era vigorosa nos anos 1930. Numa relao datilografada, o diretrio do Partido Democrtico da Lapa indicava os ocupantes dos cargos de polcia nos bairros da Lapa, gua Branca, Vila Ipojuca, Vila Leopoldina e Pirituba. Todas as indicaes, sem excees, receberam o 'de acordo' do combativo poltico Adriano Marrey Jr., em 31/10/1930. Em carta do escritrio de advocacia de J. Pinto Antunes e Lineu Prestes, endereada ao presidente do Partido Democrtico, em 28 de fevereiro de 1932, pode-se encontrar a receita para uma boa indicao de ocupantes de cargos na administrao em geral e na polcia em particular: "Promover o Dr. Oswaldo Rodrigues Silva que actualmente delegado em So Joaquim, medida justa e poltica porque trar adheso de uma grande famlia perrepista de Lorena. No esquecer isto, porque para nosso prestgio muito representa; o nosso partido ter extraordinrio impulso . " (Fundo do PD, IHGSP)" (Souza, 1998: 95-96).

    A vulnerabilidade poltica do cargo superior da polcia se intensificou novamente com a

    Revoluo de 30. Para um perodo de quinze anos (1930-45), encontraram-se 39 nomes ocupando a posio de chefe de polcia ou de secretrio de Segurana Pblica em So Paulo, j que a estrutura da rea sofreu modificaes constantes, e quando se tinha um deles no comando, no se tinha o outro. A mdia de permanncia no cargo foi de menos de cinco meses para cada um. A gesto mais prolongada foi civil, de Arthur Leite de Barros Jnior, com durao de dois anos e meio.

    No Rio, houve maior estabilidade, com um total de dez chefes para a mesma poca (Cancelli, 1993:51). S o ano de 1932, marcado pelo Movimento Constitucionalista, teve dez chefes de polcia em So Paulo. 16

    Getlio Vargas conseguiu manter tal controle sobre a polcia do Rio de Janeiro com a colaborao de Filinto Muller, que ficou frente da Chefia de Polcia do Distrito Federal por dez anos (1933-42). Segundo Cancelli, o aparelho policial do DF no respondia hierarquia a que estava atrelado, no caso o Ministrio da Justia. De fato, o chefe de polcia reportava-se diretamente a Getlio. A Presidncia da Repblica tambm tomou medidas para ter controle sobre o sistema policial dos estados. Estes, que eram subordinados aos governos estaduais, passaram a responder polcia do Rio de Janeiro. A enorme instabilidade em So Paulo demonstra a resistncia da autoridade policial a tais medidas.

    Entre 1930 e 1936, as disputas em torno das distintas concepes sobre segurana pblica e polcia, sua subordinao justia, sua autonomia, sua burocratizao ou sua politizao estiveram no centro das mudanas aprovadas e depois derrubadas. Vieira e Silva (1955) identificaram quatro alteraes com este contedo no perodo. A Revoluo de 30 criou a Secretaria de Segurana Pblica em 5/12/1930, desanexando-a da pasta da Justia em So Paulo e extinguiu os cargos de chefe de polcia e de diretor da Repartio Central de Polcia. Dias antes, j havia extinguido a Delegacia de Ordem Poltica e Social, para deix-la subordinada ao novo comando. Com atribuio policial, mas sem papel poltico aglutinador, criou os cargos de delegado geral da capital, delegado geral do interior, superintendente de Ordem Poltica e Social e inspetor geral da Fora Pblica. O interventor, coronel Joo Alberto Lins de Barros, reorganizou os servios policiais dentro da nova tica, em 28/1/1931. Quando foi substitudo na interventoria, no final de julho de 1931, pelo desembargador Laudo Ferreira de Camargo, a Segurana Pblica foi reanexada Secretaria da Justia. O prximo interventor coronel Manoel Rabelo restabeleceu, em maio de 1932, a Repartio Geral de Polcia e o cargo de chefe de polcia. O Movimento Constitucionalista eclodiu depois disso, e a Chefia da Polcia tornou-se muito mais instvel.

    Em 1934, a Secretaria da Segurana volta separada da pasta da Justia, por determinao de Armando de Salles Oliveira. Embora ocorressem outras modificaes na organizao da polcia,

    16 A instabilidade desta posio fica mais evidente se comparada com o total de presidentes do Tribunal de Justia de So Paulo. Para o perodo entre 1930 e 1945, nove desembargadores ocuparam a presidncia do Tribunal. (Bonelli, 1999).

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    como a criao do Instituto de Criminalstica, do Departamento de Trnsito, da Guarda Noturna da Capital e a redefinio de atribuies dos delegados de circunscrio, a principal novidade de 1935 foi a criao da Polcia Especial, subordinada Superintendncia de Ordem Poltica e Social, com o intuito de reprimir a efervescncia de correntes ideolgicas no pas, especialmente o comunismo. Neste sentido, em 1936, realiza-se um congresso de secretrios de Segurana Pblica e de chefes de polcia, "com o objetivo de unificar e intensificar a ao policial em defesa da ordem poltica e social do territrio ptrio" (Vieira e Silva, 1955: 285). Essa especializao, que surge nos anos 20, passa a ser partilhada pela polcia civil como um aspecto relevante de suas atribuies e de sua identidade profissional. A investigao dos crimes, que se destacava como a funo mais valorizada, comeou a deparar-se com a importncia da polcia especial e do crime poltico.

    Na vigncia do Estado Novo, continuou predominando um padro de institucionalizao da Segurana Pblica muito politizado e intermitente, agora tambm acompanhado da instabilidade no rgo da Ordem Poltica e Social. O processo de especializao poderia ser uma forma de expandir o profissionalismo, abrindo uma porta de sada da politizao. No foi o que ocorreu com a organizao policial aqui, estreitando-se os laos entre a poltica convencional e a polcia poltica. Por essa razo, com a ascenso da Ordem Poltica e Social, reproduziu-se nela a relao de conflito que marcou a Chefia de Polcia e a Secretaria de Segurana. Para esse perodo (1937-1945) Vieira e Silva (1955) identificaram outras cinco mudanas. Em 1938, a Superintendncia foi transformada em Delegacia Especializada de Ordem Poltica e Social, voltando a ser Superintendncia no incio de 1940. Antes disso, em 1939, a Secretaria de Segurana Pblica foi suprimida tornando-se novamente repartio da Justia. A Segunda Guerra Mundial ajudou a consolidar a Secretaria de Segurana Pblica, que restabelecida em 1941, conseguiu preservar essa condio a partir de ento.

    Na perspectiva profissional, este ano foi marcado por um adensamento burocrtico nas carreiras ligadas ao servio pblico, em decorrncia da poltica de Vargas para reformar o aparelho de Estado adotando critrios para insular o funcionalismo de influncias externas. As razes apresentadas publicamente eram as de coibir as nomeaes clientelistas. Em So Paulo, o interventor ps em vigor, em 1941, o decreto do Estatuto dos Funcionrios Pblicos Civis do Estado de So Paulo, estabelecendo garantias aos servidores, embora no mencionasse especificamente a polcia civil. Dentro dessa perspectiva, a Repartio Central de Polcia passou a publicar o peridico Arquivos da Polcia Civil, uma iniciativa de autoridades policiais saudosas dos tempos da Academia de Direito, tendo por objetivo divulgar as atividades cientficas, operacionais e tcnicas da Polcia Civil de So Paulo.

    O pndulo entre a profissionalizao e a politizao da polcia persistiu por todo o perodo getulista porque as prprias medidas do governo tinham essa ambigidade. Por um lado, instituam regras mais definidas de carreira, estimulavam a especializao e o domnio de tcnicas cientficas para investigar a criminalidade. Por outro, atropelavam as regras do mrito com clientelismo e perseguio poltica, com uso abusivo da fora e com a conseqente partidarizao.

    A percepo dessa dualidade na cpula da Polcia Civil foi organizada internamente dando sentido s distintas formas da instituio lidar com esta oscilao no comando da polcia. Em artigo publicado no Arquivos da Polcia Civil, Plnio Cavalcanti de Albuquerque,17 homenageando dois chefes de polcia dos anos 30/40, constri sua tipologia hbrida:

    "Aconselha-se a experincia a julgar o valor de uma administrao policial segundo critrio objetivo, formado ao contacto de duas idias: a idia tcnica que inspira reformas e amplia a eficincia do aparelhamento policial e a idia de energia e de autoridade que assegura a manuteno da ordem pblica nos momentos difceis da vida do Estado, em que instintos e paixes desenfreadas ameaam destruir as condies normais de coexistncia social. Prevaleceu, na administrao do desembargador Mario Guimares, a idia tcnica; na administrao do saudosssimo dr. Accio Nogueira, o princpio do respeito ordem. Um, juiz ilustrado, o reformador, com o esprito preso s necessidades da organizao cientfica

    17 Foi Secretrio de Segurana Pblica entre 12/5/1954 e 30/1/1955.

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    da polcia paulista. O outro, o policial experimentado, s voltas com os delicados problemas da segurana, apreendendo-os com incrvel rapidez e dando a eles solues a que deve a populao paulista a tranqilidade que desfrutou nos momentos mais graves de sua existncia." (Albuquerque, Arquivos da Polcia Civil 6, 1943::300)

    Segundo a tipologia de Albuquerque, o chefe tcnico criou a Escola de Polcia, o

    Laboratrio de Polcia Tcnica, o Servio de Antropologia e Psiquiatria, o Servio de Estatstica Policial do Gabinete de Investigao e fundou o Instituto de Criminalstica unificando todos os servios tcnicos. O chefe policial suprimiu as delegacias leigas, extinguindo "a nefasta sobrevivncia da polcia de inspirao poltico-partidria", que com toda a celebrao da organizao da carreira a partir de 1905 ainda persistiam no Estado de So Paulo. Constituiu tambm as guardas policiais e garantiu a ordem pblica, por ocasio das manifestaes sobre a Segunda Guerra Mundial e os conflitos sobre que bloco de pases seria apoiado pelo Brasil, em um estado com forte presena italiana.

    Em 1944, a Delegacia de Ordem Poltica e Social retorna junto com outra reorganizao das delegacias. Em 1945, ocorre uma reclassificao de delegacias, reestruturando as atribuies das autoridades policiais e ampliando as especializadas. A Polcia Especial, que ficara subordinada ao chefe de polcia em 1939, volta como Servio Secreto para o novo Departamento de Ordem Poltica e Social - DOPS, que tambm se firma. 18

    Em termos de status profissional , em 1944 a carreira de delegado de polcia sofre outro ataque, desta vez perdendo a paridade salarial que tinha com os promotores. Os delegados tiveram fora para reverter este cenrio. Instituda a comisso para a reestruturao da carreira, em 23/8/1945 foi publicado novo decreto-lei (14.934) restabelecendo a paridade com os promotores. Tambm se redefiniram os cargos superiores exercidos em comisso como funes de carreira includos na escala salarial acima, em vez de funes de chefia com a perda da remunerao aps concludo o perodo.

    O fim do Estado Novo foi acompanhado pela extino da Repartio Central de Polcia. Outra questo que repercutiu na atividade da autoridade policial no final do perodo getulista foi a entrada em vigor do Cdigo de Processo Penal, em 1942. Nele, os delegados de polcia mantiveram a prerrogativa de presidir o inqurito policial, instrumento que fundamenta a autoridade de sua funo, criado pela Reforma de 1871. Desde ento, ele tem sido criticado apresentando-se a alternativa de substituir a Polcia Judiciria e o inqurito policial pelo juizado de instruo. O juzo de instruo restringe o poder do delegado de polcia e vincula-o pasta da Justia. O inqurito policial tem para o delegado o mesmo papel que o monoplio de mercado tem para o poder profissional dos advogados, dos juzes e dos mdicos, entre outros. As disputas em torno dele tm caractersticas de luta jurisdicional para preservao de poder profissional, de luta por poder simblico e por poder poltico. Portanto, na primeira metade dos anos 40, os delegados conseguiram proteger sua posio profissional, que esteve ameaada em termos de salrio e de jurisdio.

    Na opinio de Bayley (1994), a atividade mais demandante da investigao criminal desenvolver a expertise sobre os requisitos legais para coletar e relatar evidncias. No caso do Brasil, ela feita atravs do inqurito policial. Embora a investigao seja considerada como a nata da atividade policial, o autor no acha claro que tal atividade demande habilidades especficas da autoridade policial. Sem assumir publicamente, afirma Bayley, autoridades policiais admitem que a investigao pode ser feita por qualquer pessoa inteligente, persistente, equilibrada e com vontade de aprender os meandros do direito penal. Mas a viso interna organizao policial que a investigao no para iniciantes. Ela conta com mais autonomia e possui mais benefcios.

    18 O livro coordenado por Maria Aparecida de Aquino et alii (2001) traz toda a legislao estadual relativa ao DOPS entre 1924 e 1983 e todos os organogramas com as diferentes estruturas do DEOPS neste perodo.

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    Segundo Bayley, esse status estaria mais associado aos interesses do grupo que internamente poderoso do que cincia ou sua eficcia.

    Vencido o embate dos anos 1940, a controvrsia sobre o monoplio do inqurito policial pelos delegados voltar nas ocasies em que a reforma do Cdigo de Processo Penal entrar na agenda de discusses polticas.

    Tal como a especializao, o inqurito policial poderia ter sido a porta de acesso ao profissionalismo, mas o hibridismo com a poltica convencional no deu longevidade s condies propcias para a consolidao desta forma de organizao do trabalho e de seu ethos sob o Estado getulista. A AUTORIDADE POLICIAL NO PERODO DEMOCRTICO DE 1946-64

    Na ordem democrtica, a Polcia Civil ficou subordinada Secretaria de Segurana Pblica, sem a posio de chefe ou delegado geral de polcia. Na cpula, alm do secretrio, havia o cargo de diretor geral da Secretaria, ocupado algumas vezes por delegados e outras por oficiais militares. Nesse contexto, as nomeaes para chefiar o DOPS apareceram como o terceiro posto em relevncia nessa hierarquia, dando-lhe mais prestgio do que a Delegacia de Investigaes. A estabilidade no posto de secretrio durante esse perodo foi maior, mas no ultrapassou a mdia de um ano e trs meses de permanncia no cargo, para os catorze secretrios nomeados. Deste total, nove eram doutores e cinco oficiais militares. Foi o civil Elpidio Reali que permaneceu mais tempo no cargo, ocupando-o por um pouco mais de trs anos (1951-54).

    Alm dessa estabilidade, deu-se relevncia a algumas caractersticas do profissionalismo, como a realizao do primeiro concurso pblico para delegados de polcia em agosto de 1946, 25 anos depois de sua introduo na magistratura. Dos cem candidatos que se inscreveram, 92 foram habilitados. O regulamento de 1948, da Assemblia Legislativa do Estado, organizando a carreira de delegado consolidou este procedimento, estabelecendo o concurso de provas e ttulos para o ingresso, a obrigatoriedade do ttulo de bacharel para todos os cargos, e a criao do Conselho de Polcia Civil. Entretanto, o sistema de promoo, de transferncia e de remoo indicava que a dualidade entre profisso e poltica persistia na forma de organizar a carreira. As promoes ficaram regidas pela diviso entre 1/3 do acesso por antigidade e 2/3 por merecimento, predominando o critrio dos laos pessoais e polticos para a ascenso por "mrito". As transferncias e remoes seguiram como instrumentos de controle da corporao.

    Outras medidas profissionalizantes desse perodo foram a intensificao dos investimentos na formao de policiais e a maior diviso e especializao do trabalho. O Conselho de Polcia passou a ser uma instncia relevante na estrutura de poder da polcia civil , o que deu mais legitimidade ao topo da organizao. Na ordem democrtica, a Guarda Civil foi reorganizada e sob o governo de Ademar de Barros, a Secretaria de Segurana foi entregue ao comando de oficiais militares ligados ao Partido Social Progressista. Aps sua posse, o secretrio de Segurana, tenente-coronel Flodoardo Gonalves Maia, editou uma portaria da Secretaria para enfatizar a necessria colaborao da Fora Policial com a Polcia Civil, evidncia das relaes pouco amistosas entre as duas corporaes.

    Embora a competncia tcnica tenha ganho mais valor na organizao da carreira, a fora da poltica convencional para definir nomeaes aos cargos de confiana, promoes, transferncias e remoes manteve-se firme na ordem democrtica, o que diferenciava a carreira de delegado das de promotor e juiz. Em ambas, o insulamento institucional em termos de garantias e de autonomia para definir a mobilidade na carreira era significativamente maior.

    Trs outras caractersticas dos processos de profissionalizao foram observadas no final da dcada de 40 e incio dos anos 50. Em 1949, ocorreram a fundao da Associao dos Delegados de Polcia de So Paulo - ADPESP e a criao do peridico Investigaes19, da Delegacia de

    19 Os dois peridicos da Polcia Civil criados nesta dcada - Arquivos da Polcia Civil do Estado de So Paulo e Investigaes - tm sua publicao interrompida, o primeiro em 1953 e o segundo em 1954. Investigaes

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    Investigaes, reforando o aspecto tcnico-cientfico da atividade. Essas iniciativas tambm deixaram evidente a reao desses setores ao avano do DOPS, no contexto da Segunda Guerra. A investigao criminal, especializao que tradicionalmente reuniu mais prestgio dentro das organizaes policiais, estava sendo ofuscada pela polcia poltica. So os delegados da Delegacia de Investigaes que lideram a organizao da ADPESP, cuja primeira reivindicao neste contexto era pela equiparao salarial dos delegados com os promotores, que esteve novamente desvinculada em 1950.

    Em 1951, organizou-se a 2a Conferncia Nacional de Polcia, cuja marca foi avanar a identidade dos delegados em torno da defesa da ordem poltica e social, tema j abordado na Conferncia anterior de 1936. perceptvel que a nfase discursiva no aumento do crime demandando polticas de segurana e recursos para investigao no foi o fator que unificou os delegados presentes no evento, como ocorrido em outras ocasies. Alm da ordem poltico-social, a conferncia teve como preocupao a busca de uma regulamento nacional comum, preconizando a uniformidade de organizao do sistema policial, que envolvesse as atribuies da polcia militar, da polcia civil e da polcia federal.

    Em 1956, o cargo de delegado geral de polcia voltou a existir. Se a dcada de 40 consolidou a Secretaria de Segurana Pblica separada da pasta de Justia, a partir da segunda metade da dcada de 50 consolidou-se a Delegacia Geral de Polcia. Da em diante, os dois postos preservaram-se na estrutura organizacional da rea. Neste perodo, dois delegados gerais de polcia foram tambm presidentes da ADPESP: Coriolano Nogueira Cobra e Guilherme Pires de Carvalho Albuquerque. Coriolano Cobra foi delegado geral entre 1956-58. Em 1966 assumiu a presidncia da associao mantendo-se nela por dois binios consecutivos 66/67 e 68/69. Foi reconduzido delegacia geral em 1966/67, durante seu primeiro mandato na ADPESP. Guilherme Albuquerque foi primeiro eleito presidente da associao (binio 60/61), sendo nomeado delegado geral dois anos depois. A gerao que estabeleceu o vnculo entre ADPESP e Delegacia Geral de Polcia deu sustentao ao comando prprio consolidando-o no organograma da Secretaria de Segurana Pblica. OS DELEGADOS DE POLCIA NO GOVERNO MILITAR: A GANGORRA DOPS X DEIC

    Nos 21 anos do regime militar, a Delegacia Geral de Polcia foi chefiada por catorze delegados, com uma mdia de permanncia no cargo de um ano e meio. Foi Walter de Moraes Machado Suppo que se manteve mais tempo frente da Delegacia Geral, entre maro de 1971 a maro de 1975, poca muito marcada pela ao do DOPS no desmantelamento das organizaes clandestinas de esquerda e pela prtica da tortura aos presos polticos.

    A figura de destaque na polcia poltica durante os anos 70 o delegado Sergio Paranhos Fleury, cuja a ascenso na carreira da polcia civil atinge seu apogeu quando vai do DOPS para o DOI-CODI, em atuao conjunta com o II Exrcito20. A expanso histrica do DOPS acompanha o combate s ideologias que a polcia identificava como desestruturadoras do Estado. Segundo o professor da ACADEPOL Guido Fonseca, este percurso marcado pela represso aos anarquistas no incio do sculo XX, aos comunistas nos anos 1930, aos nazi-fascistas no contexto da Segunda Guerra Mundial e aos terroristas durante o governo militar (Fonseca, 1989: 41).

    Entre 1968 e 1969, um conjunto de trs leis sobre segurana pblica e polcia deu-lhes novo perfil institucional. Elas so a Lei Orgnica da Polcia, Lei 10.123, de 27/5/1968, o decreto 50.300, que a regulamenta e o decreto estadual 52.213, de 24/7/1969. No novo formato, a Guarda Civil e a Fora Pblica deram origem Polcia Militar, extinguindo-se o carter civil, e a Ordem Poltica e

    desaparece e Arquivos retorna em 1975 circulando at 1984, quando novamente suspenso. Em 1993, este peridico volta a ser publicado, mas sem nenhuma periodicidade regular. Entre 1993 e 2001, circularam apenas quatro volumes. O outro peridico que analisamos a Revista da ADPESP, que substitui o Boletim da Associao em 1980 e segue sendo publicada at hoje. 20 Sobre os bastidores da polcia poltica e Sergio Paranhos Fleury, ver Souza (2000).

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    Social ganha denominao de Departamento. Segundo Kfouri Filho (1991: 28) , os tpicos abaixo foram os principais aspectos da reforma administrativa na Secretaria de Segurana Pblica decorrente do decreto estadual : "a) como rgo policial, passa a figurar a Polcia Civil, ao invs de 'Delegados de Polcia e demais carreiras policiais civis'; b) incumbiu a Polcia Civil de exercer em todo o Estado o policiamento civil , as atribuies de polcia judiciria e as atividades tcnico-cientficas e administrativas conexas; c) criou a unidade Delegacia Geral de Polcia; transformou a Escola de Polcia em Academia de Polcia de So Paulo; transferiu a Casa de Deteno da Secretaria da Segurana Pblica para a Secretaria de Justia; d) criou as primeiras dez regies policiais do Estado."

    Est em vigor a Lei Orgnica da Polcia do Estado de So Paulo, Lei Complementar 207, de 5/1/1979, encaminhada sob a gesto do delegado geral Tcito Pinheiro Machado, que tambm formulou o Estatuto dos Policiais Civis e a Lei de Reforma Administrativa da Polcia Civil, substituindo o conjunto de decretos do final dos anos 60.21 A reforma modernizante na estrutura da organizao foi marcada pelo predomnio militar sobre o civil. Na Secretaria de Segurana, at o governo de Montoro em 1983, dos dez secretrios nomeados na vigncia do autoritarismo quatro eram generais e trs eram coronis. Montoro nomeou trs secretrios civis at 1985.

    Passado o impacto dos primeiros anos do governo militar, a mobilizao profissional dos delegados foi intensificada a partir de 1970, com a realizao do I Encontro Nacional dos Delegados de Polcia, em So Paulo e a criao da ADEPOL (Associao Nacional dos Delegados de Polcia). At 1976, ocorreram oito dessas reunies nacionais, mostrando a intensidade da organizao neste contexto.

    Em 1974, o quadro de delegados de So Paulo se expande em 108 novas posies. Em 1975 volta a publicao da revista Arquivos de Polcia Civil do Estado de So Paulo. Este reflorescimento profissional e tcnico-cientfico ocorre durante o perodo de estabilidade do delegado geral Walter Suppo, tendo Antonio Erasmo Dias na Secretaria de Segurana Pblica onde permaneceu por cinco anos (74-79). A Reforma de 1975, reestruturou os departamentos da Polcia Civil, criou a Corregedoria de Polcia Civil, o Centro de Planejamento e Controle e o Centro de Comunicao Social. O delegado geral passou a presidir o Conselho de Polcia Civil, at ento de competncia do secretrio de Segurana. Tambm em 1975 houve o preenchimento 7.723 cargos recentemente criados e nova regulamentao para o DEOPS (Departamento Estadual de Ordem Poltica e Social) , DEIC (Departamento Estadual de Investigaes Criminais), DERIN (Departamento das Delegacias de Polcia de So Paulo e Interior) e DEGRAN (Departamento das Delegacias Regionais de Polcia da Grande So Paulo).

    O clima de distenso poltica da segunda metade da dcada de 70 foi sentido tanto no contedo da revista quanto na pauta do VIII Encontro de Delegados, realizado em Belo Horizonte, em 1976. claramente dissonante da predominncia da polcia poltica, voltando-se para ampliar o profissionalismo, o controle de condutas antiticas e os crimes de colarinho branco .

    Os tpicos mais relevantes da moo de Belo Horizonte foram: 1) Profissionalizao dos quadros policiais. Restrio a empresas particulares de Vigilncia Privada, algumas multinacionais e outras com capital estrangeiro; 2) "a polcia deve ser antes de mais nada um instrumento, alheio tanto quanto possvel a interesses divergentes da paz social. (negrito no original) Este objetivo no pode ser atingido com uma mentalidade marcada fortemente de conotao repressiva" (Arquivos 28: 239); 3) Leis que amparem e defendam o policial; 4) Preveno da delinqncia juvenil; 5) Misso protetora da polcia deve preponderar sobre as demais; respeito aos direitos humanos, preservao do DETRAN; fundo de auxlio federal para as polcias estaduais; atuao contra os crimes que lesam um nmero indefinido de pessoas (contra a economia popular, abuso de poder econmico, dumpings, sonegao fiscal, crimes contra a sade pblica).

    A preocupao de legitimar a polcia na sua integrao com o povo tornou-se uma tnica permanente. Em 1979, o delegado geral Celso Telles, nomeado no governo de Paulo Maluf,

    21 Sobre a carreira de delegado de polcia nesta reforma ver Rocha (1979).

    Comment [P1]:

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    publica no Arquivos da Polcia Civil do Estado de So Paulo, revista que passou a ser de responsabilidade da ACADEPOL, os princpios bsicos que formam o trip de sua concepo para tal integrao: melhorar a imagem da polcia, tratar diretamente com o povo e prestar servios. (Arquivos 32: 8). O DEIC voltou a ser o carro-chefe da Polcia Civil nesta concepo. Em 1980, a Associao dos Delegados de Polcia de So Paulo transformou seu boletim na Revista ADPESP reforando a ideologia da polcia profissional, da valorao tcnico-cientfica e da integrao social do policial civil (Revista ADPESP, 1). A viso da relao polcia - povo foi enfaticamente apregoada em ambos os peridicos.

    No clima de transio para a democracia, a associao pressionou o governador Marin para modificar a cpula da Polcia Civil e da Segurana Pblica. A ADPESP apresentou a proposta de diminuir o afunilamento na classe especial, criando novos cargos no topo da carreira e a aposentadoria compulsria depois de 35 anos de servio, tendo o delegado exercido cinco anos na classe especial. Props tambm a substituio dos assessores da Secretaria tidos como "leigos" em Segurana Pblica e o provimento efetivo do delegado geral, em vez de seu comissionamento, que torna a posio vulnervel exonerao.

    No contexto das eleies estaduais e municipais de 1982, 26 delegados do estado de So Paulo saram candidatos: trs a deputado estadual, sete para prefeituras municipais, um para vice-prefeitura e quinze para cmaras municipais. Em 1985, a ADPESP chegou a fazer um plebiscito entre os delegados para indicao de nomes como futuros candidatos s Cmaras Federal e Estadual, com o envolvimento direto da associao fundindo a poltica da profisso com a poltica convencional.

    As resistncias e dificuldades para se realizar a passagem entre a polcia do regime de exceo e a nova polcia, sujeita s regras democrticas foram intensas no governo de Franco Montoro, que experimentou forte instabilidade nos postos de delegado geral e de secretrio de Segurana, se comparados ao tempo em que o antecessor de cada um destes cargos manteve-se na posio. Montoro nomeou cinco secretrios de Segurana e cinco delegados gerais em 4 anos. Internamente, o profissionalismo expande-se quando os delegados legitimam sua chefia e a politizao prevalece quando eles resistem cpula nomeada.

    A ampliao dos conflitos entre a Polcia Militar e a Polcia Civil que percorria a hierarquia das duas corporaes, chegando ao choque de rua entre policiais, aguou a crise na Segurana Pblica, provocando a queda do principal articulador das reformas na Polcia Civil, o delegado-geral Maurcio Henrique Guimares Pereira. As propostas implantadas modificaram a estrutura anterior, com a criao do DECON - Departamento Estadual de Polcia do Consumidor no lugar do DEOPS22, e a transformao da ACADEPOL e da Corregedoria de Polcia em departamentos. Atravs de decreto do governador Franco Montoro foi possibilitada a eleio de cinco dos treze membros do Conselho Superior de Polcia, pelos delegados.(Moraes, 1999: 107-108, Revista ADPESP, 27). Montoro tambm implementou a proposta da ADPESP de aposentadoria compulsria aos 35 anos de servio, com cinco de exerccio na classe especial, ampliando e renovando a cpula da polcia. Alguns delegados atingidos, entre eles Walter Suppo, entraram com Ao Direta de Inconstitucionalidade no STF representando contra a medida, que foi mantida. Dois dos delegados-gerais neste governo foram tambm presidentes da ADPESP: Maurcio Henrique G. Pereira e Abraho Jos Kfouri Jr.

    22 O governador Jos Maria Marin extinguiu o DEOPS, s vsperas da posse de Franco Montoro, eleito pelo PMDB. "Para evitar que o rgo fosse submetido ao controle direto da oposio, Marin decidiu extingui-lo atravs do decreto 20.728/83, em um de seus ltimos atos de governo. Entre outras disposies previstas nesse decreto, os funcionrios do extinto rgo deveriam ser alocados em outros setores da Polcia Civil do Estado, e o Delegado Geral de Polcia deveria decidir sobre o destino do acervo documental do DEOPS. Dessa forma, durante quase dez anos (entre 1983 e 1991) este acervo foi guardado pela agncia paulista da Polcia Federal, organismo diretamente subordinado ao Executivo Federal, atravs do Ministrio da Justia."( Aquino et alli, 2001: 25).

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    Segundo Mingardi (1992), a ausncia de conexes polticas da cpula da nova polcia debilitou-a para enfrentar um perodo muito adverso. Crescia a sensao de insegurana na populao, que associava o aumento da criminalidade com os conflitos entre as polcias e identificava uma prioridade para combater a corrupo interna em vez do crime. Com a queda deste grupo inicial que articulou as reformas da Polcia Civil, a Delegacia Geral voltou a ser ocupada por um ex-chefe do DEIC (Jos Vidal Pilar Fernandes), nomeado em 1983, tendo como conseqncia a mistura entre a velha e a nova polcia, a amortizao da mudana e a estabilidade poltica. A eleio para o Conselho Superior da Polcia foi revogada pelo governo seguinte, de Orestes Qurcia, e a ACADEPOL perdeu sua posio de direo como departamento com assento no Conselho.

    Se o ano de 1983 foi de maior instabilidade sob o governo Montoro, 1985 e 1986 foram anos em que os delegados de polcia obtiveram reajustes salariais expressivos deste governador, que procurou atender reivindicao da ADPESP de equivalncia com as carreiras jurdicas. Esse perodo de conquistas para a carreira teve como delegado geral Jos Oswaldo Pereira Vieira. AUTORIDADE POLICIAL E AUTORIDADE PROFISSIONAL: O DELEGADO NA ORDEM DEMOCRTICA

    As medidas adotadas pelo governador Orestes Qurcia, tendo Luis Antonio Fleury Filho como secretrio de Segurana Pblica, retrocederam as mudanas mas resultaram em estabilizao. Em 1987, comeou a gesto mais longa da Delegacia Geral e da Secretaria de Segurana ao mesmo tempo. Fleury Filho ocupou este ltimo posto entre maro de 1987 a maro de 1990, e Amandio Augusto Malheiros Lopes manteve-se na Delegacia Geral entre setembro de 1986 a maro de 1991. Outro fator que atuou para amenizar as tenses em torno da polcia foi a discusso e aprovao da Constituio de 1988. A elaborao da Carta Magna ocupou os polticos, as cpulas das polcias, o mundo do Direito e os jornalistas, desviando o foco sobre a Segurana Pblica. Entre 1985 e 2001, So Paulo teve oito delegados gerais, o que representa uma permanncia mdia no cargo de dois anos, sendo a mais alta encontrada em todo o perodo republicano e tambm durante o Segundo Reinado. O delegado geral em exerccio em 2002, Marco Antonio Desgualdo, proveniente do DHPP (Departamento de Homicdios e Proteo Pessoa), assumiu a posio em fevereiro de 1998, permanecendo nela por mais de quatro anos.23

    Com o objetivo de subsidiar os constituintes com pareceres jurdicos sobre questes relevantes para a carreira de delegado, a ADPESP publicou um nmero da revista defendendo o inqurito policial e apontando as deficincias da proposta do juizado de instruo, pregando a sujeio da Polcia Militar e refinando a distino conceitual entre autoridade policial e agente policial. O resultado da ao organizada dos delegados foi significativo na Carta aprovada.

    Para Kfouri Filho, a Constituio de 1988 representa o grande momento da Polcia Civil, quando obtm seu reconhecimento constitucional no art. 144 pargrafo 4 , que estabelece "s polcias civis, dirigidas por delegados de polcia de carreira, incumbem, ressalvada a competncia da Unio, as funes da Polcia judiciria e a apurao de infraes penais, exceto as militares". 23 A estrutura da Delegacia Geral de Polcia, que o rgo de direo, era a seguinte em 2001: a) rgos de apoio: Assessoria Tcnica da Polcia Civil - ATPC, Corregedoria de Polcia Civil -CORREGEPOL, Departamento de Administrao e Planejamento -DAP, Departamento de Telemtica da Polcia Civil - DETEL; b) rgo de execuo: Departamento de Investigaes contra o Patrimnio - DEPATRI, Departamento de Polcia Judiciria da Capital - DECAP, Departamento de Polcia Judiciria da Macro So Paulo - DEMACRO, Departamento de Polcia Judiciria de So Paulo Interior DEINTER 1 (So Jos dos Campos), DEINTER 2 (Campinas), DEINTER 3 (Ribeiro Preto), DEINTER 4 ( Bauru), DEINTER 5 (So Jos do Rio Preto), DEINTER 6 (Santos), DEINTER 7 (Sorocaba), Departamento de Homicdios e Proteo Pessoa - DHPP, Departamento de Investigaes sobre Narcticos - DENARC; c) rgos de apoio aos de execuo: Departamento de Identificao e Registros Diversos - DIRD, Academia de Polcia - ACADEPOL; d) rgo consultivo: Conselho de Polcia Civil - CPC.

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    "Merece destaque, alm do primeiro registro constitucional, a definitiva institucionalizao da carreira de Delegado de Polcia, consolidando sua profissionalizao em nvel nacional e dando fim a nomeaes de leigos e 'afilhados polticos'. Releva gizar tambm a institucionalizao do inqurito policial (art.129, inciso VIII, da CF), como definitivo instrumento formal da polcia judiciria." (Kfouri Filho, 1991: 29). Apesar da conquista do registro constitucional de questes cruciais para os delegados de

    polcia, pelas quais eles vm se batendo h dezenas e dezenas de anos, como o inqurito policial, a obrigatoriedade da carreira e do diploma de bacharel em Direito e a isonomia salarial com as demais carreiras jurdicas, todas includas na Constituio de 1988, tal resultado no est garantido.

    A equiparao salarial com os promotores de justia no foi cumprida em So Paulo. O salrio pago para os delegados neste estado em 2001 era o segundo pior do Brasil. O provento inicial para ingresso na quinta classe da carreira estava em R$ 1.652,00 em So Paulo, R$ 3.600,00 no Rio de Janeiro e R$ 4.000,00 em Sergipe. Os promotores de Justia possuem as mesmas garantias dos juzes e percebem o mesmo salrio, que em So Paulo mais que o dobro do delegado. Outro grande foco de tenso com o Ministrio Pblico a discusso do controle externo da atividade policial pelo MP. No entendimento dos delegados, esta medida viola preceito constitucional.

    A elaborao da Lei Orgnica Nacional da Polcia , a reforma do Cdigo Penal e do Cdigo de Processo Penal, todos em curso, podem modificar as atribuies dos delegados e o inqurito policial como instrumento da polcia judiciria, restringindo a jurisdio sob controle da carreira. Como o ltimo secretrio da Segurana Pblica, Marco Vinicio Petreluzzi, era promotor de justia,24 as tenses histricas entre delegados de polcia e membros do Ministrio Pblico Paulista estavam muito sensveis. Os delegados de polcia atribuem sua perda de status e de poder aquisitivo diretamente adversidade entre os dois grupos profissionais. As crticas dos promotores atuao dos delegados tm sido amplamente noticiada na imprensa escrita, particularmente na Folha de So Paulo25. Atacam o despreparo jurdico, os erros procedimentais, os inquritos mal circunstanciados, o desrespeito aos direitos humanos, a corrupo, o abuso de poder, a participao nos negcios da segurana privada, a "banda podre" e o envolvimento de policiais no crime organizado.

    O cenrio que o novo sculo trouxe para a Polcia Civil de So Paulo acabou reunindo trs aspectos relevantes para modificar as condies da carreira dos delegados: 1) a mais alta estabilidade institucional da cpula da polcia, 2) as conquistas constitucionais sob disputa em decorrncia das reformas em discusso no Congresso Nacional e 3) a queda mais acelerada de posio social devido perda de equivalncia salarial com os promotores. Foi nesse momento que o IDESP realizou a pesquisa por amostragem com os delegados de polcia visando identificar o perfil social e ideolgico do grupo. A anlise dos dados demogrficos, sociais, ocupacionais e as opinies sobre a carreira, a polcia civil e a segurana pblica permitiram observar quais caractersticas do passado ainda persistem na corporao. Por outro lado, revelaram o que h de novo na esfera do profissionalismo e das relaes com a poltica. A PESQUISA POR AMOSTRAGEM NO ESTADO DE SO PAULO26 . Perfil social e ocupacional

    24 O secretrio que assumiu no incio de 2002, Saulo de Castro Abreu Filho, tambm promotor de justia. 25 Sobre os promotores de justia de So Paulo e as disputas por poder simblico na mdia, ver a monografia de Ubialli (2002), que apresenta um levantamento do noticirio sobre as tenses do Ministrio Pblico Paulista com a polcia civil e militar. 26 A amostra ultrapassou os 20% do universo total, que em 2001 era de 3.200. Ela foi estratificada por reas geogrficas do Estado (capital, rea metropolitana e interior) e por sexo. Quanto s classes da carreira, procurou-se distribuir a amostra atentando para o tamanho de cada um dos seis degraus da carreira, embora neste aspecto no tenha havido rigor na proporo.

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    Foram entrevistados 660 delegados de polcia, sendo 87,1 % do sexo masculino e 94,2% de brancos. Predominam os nascidos a partir de 1960, com 54,9% da amostra, provenientes do Estado de So Paulo ( 93,8%) . Quanto escola onde se graduaram em Direito, 17,4% freqentaram as universidades pblicas ou privadas mais competitivas como a USP, a Unesp, as PUC's e o Mackenzie, e 82,4% cursaram faculdades privadas de mais fcil admisso; 97% estudaram em So Paulo.

    A concentrao de titulados nos cursos superiores menos valorizados tem sido utilizada por outras carreiras do mundo do Direito na luta concorrencial entre elas. Segundo Bourdieu (1983:122-3):

    "O que est em jogo especificamente nessa luta o monoplio da autoridade cientfica definida, de maneira inseparvel como capacidade tcnica e poder social: ou se quisermos, o monoplio da competncia cientfica, compreendida enquanto capacidade de falar e de agir legitimamente (isto , de maneira autorizada e com autoridade), que socialmente outorgada a um agente determinado."

    Defendendo sua legitimidade para conduzir o inqurito policial apesar de seu capital

    universitrio mais reduzido, os delegados contra-atacam as crticas provenientes principalmente dos membros do Ministrio Pblico Paulista , com quem h dcadas procuram preservar a equivalncia salarial perdida. A essas estratgias de subverso dos procedimentos tradicionais na rea de Segurana Pblica, os delegados respondem com estratgias de conservao da ordem estabelecida no campo, com a crtica 'vida mansa' que os promotores levam em sua prtica profissional, comeando a trabalhar apenas depois do almoo, com jornada reduzida, sem experincia na conduo do inqurito e da investigao, desconhecendo o dia-a-dia da polcia.

    O esteretipo da formao deficiente dos delegados devido qualidade do curso superior reforado pelo tempo gasto para a concluso do curso. Espera-se que um aluno padro obtenha seu diploma aps cinco anos de freqncia s aulas, o que ocorreu para a metade da amostra (50,8%). Mas a outra parte no se formou no tempo regular de durao, com 26,5% conseguindo terminar a faculdade em um prazo menor do que o estabelecido pelo MEC e outros 21,1% demorando seis anos ou mais para conclu-lo. H, at hoje, alguns casos de delegados que ingressaram na carreira antes de possuir o ttulo de bacharel em Direito embora todos j tenham se graduado. H quase um sculo, iniciou-se a carreira de delegado tendo como exigncia o ttulo superior, mas ficaram abertas portas paralelas de entrada que permitiram o acesso dos "cala-curta"27.

    Os delegados que nasceram antes de 1950, formaram-se mais velhos com uma mdia de idade de 33 anos, o que decai conforme rejuvenesce o corpo profissional. Assim, para os nascidos na dcada de 1950, a mdia de idade com que concluram o curso de 29 anos; para os nascidos na dcada de 60 de 25 anos, e na dcada de 70 de 23 anos.

    O ano em que foi nomeado delegado revela que o incio na carreira para a grande maioria deu-se dep


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