+ All Categories
Home > Documents > Deleuze - o clamor do ser [ Badiou ].pdf

Deleuze - o clamor do ser [ Badiou ].pdf

Date post: 09-Oct-2015
Category:
Upload: fofinho
View: 414 times
Download: 32 times
Share this document with a friend
Popular Tags:
78
     
Transcript
  • Deleuze permanece diagonal aos blocos de o})unio files(llit-.t

    que desenharam a paisagem intelectual a partir tios iirlt)s 6o

    Cromo todo grande filsofo, e em perfeita confortiticln(It- t-t)lll

    o aristocratismo de seu pensamento, clc colstittii/il ./ .ri

    uma polaridade. que tinha uma nic;i paixio iiltc'lc-( tti.il

    autntica: a de prosseguir sua obra, scgttttlo o bit:tt)(Iti

    intuitivo e rigoroso blue fixara definitivalitt'litt'. l);il-;i i\\i.

    decerto foi necessria it infinita multipliciclaclc- tios t-;l\('\ (lllc

    compem o vigor da poca, e sobreruclo ;l ilnt,tiil';li.ivt'l

    rellacidade de seu tr;ltamento uniformc. Nt'ssa st'(lil'tit i;l (ll

    nossa histria filosfica, existiram efetivantt'tltt' al)c'ii;i\ {lti.i\

    questes srias: a do Todo (ou do Uno) c tln grau ('.ll .l.,

    acontecimento). Deleuze enfrentou a ambas caiu ol)stii;i\.i').

    sob as lllanifestaes conjugadas do eterno retomo t clo ;tt-;lo.

    o que fez dele um grande pensador contcm})oitc-(i

    Alain

    ALAIN 13A I) I otJ

    No .Ptlal deste l,otume, Ilha seLeo de textos de GitLes Detettzc O Clamor do Ser

    l SBN 85-71 1 0-423-9

    9 ll 788571 il 104235Jorre Zahar Editor

  • H em Deleuze uma grande

    potncia do sonho especulativo

    e como que uma tonalidade

    vibrante, proHtica embora

    sem promessa.

    Alain Badiou

    ALain Badiou

    DeleuzeO cl,amor do Ser

    Traduo:LUCY MAGALHES

    Reviso tcnica:

    JOS THOMAZ BRUM

    Doutor em $Loso.Fa

    'pe Un evsida& & vice

    K Jorge Zahar EditorRio de Janeiro

    O Leitor encarnar uma seleo de temos

    de GiLles Delenze no .anal deste volume.

  • Su,brio

    Ttulo original:Dek:*ze, k c?Item & !'m

    Traduo autorizada da primeira edio francesa,publicada em 1 997 por Hachette,

    de Paria, Frana.

    Lista de abreviaes, 7'

    Copyright 1 997, Hachette Littraturesbao longes bao pertos, .9

    Copyright 1997 da edio brasileira:Jorge Zahar Editor Lida.rua Mxico 31 sobreloja

    20031-144 Rio de Janeiro, RJtel: (021) 240-0226 / fax: (021) 262-5123

    Qual Deleuze?, /

    Um conceito renovado do Uno,

    O "autmatopuri$cado", 19

    Produes "montonas", 22Todos os direitos reservados.

    A reproduo no-autorizada desta publicao, no todoou em parte, constitui violao do copyright. (Lei 5.988) Univocidade do Ser e multiplicidade dos nomes,

    OlimitedeHeikgger, 30A uniuocichdedo Ser, 34A muLtipLicida& dos nomes, 37

    Capa: Carolina Vaz

    CIP-Brasil. Catalogao-na-fonteSindicato Nacional dos Editores de Livros, RJ

    Badiou, Alain

    B126d Deleuze: o clamor do ser / Alain Badiou; traduo,Lucy Magalhes; reviso tcnica, Jos Thornaz Brum.-- Rio de Janeiro: Jorge Zahar Ed., 1997.

    Traduo de: Deleuze, la clameur de I'gireInduz bibliografiaISBN 85-7110-423-9

    O mtodo, 42Uma antidiattica, 42

    Opercurso ch intuio, 46

    O virtual, 55

    UmfKn(fomento repensctdo, 57O cntico clo virtual, 611. Deleuze, Gilles, 1925-. 2. Filosofia francesa. 3.

    Filsofos -- Frana. 1. 'Ftulo-

    CDD 19497-1344 CDU 1(44) O tempo e a verdade, 9

    A polnciadofalso, 70

  • Primazia do tempo e destemporaLimo, 74

    14emria e esquecimento, 80

    Lista, de a,breuiaes

    Eterno retorno e acaso, 83Sobre trs maL-entendidos, 84

    O "verchdeiro l,anca de cUJos". 91

    Nietz.sebe ou MalUrm?, 93

    O fora e a dobra, 9

    Um anticartesianismo, 97

    O conceito redobra, 100Os ttulos das obra de Gilles Deleuze citadas no texto, com indicao

    das pginas das edies originais, esto abreviados da seguinte forma:

    Uma singularidade, //3D

    DR

    F

    IM

    A dobra -- Leibniz e o barroco

    Diferena e repetio

    FoucauttSeleo de textos, /25

    Bibliografia, /53 Cinema 1 -- A imagem-movimento

    Cinema 2 -- A imagem-tempo

    Lgica do sentido

    O leitor encontrar tambm no final do volume uma seleo de textosde Gilles Deleuze. Estes ltimos so indicados atravs de referncias ao

    final de cada excerto.

    i'

  • Hao longe! bao perto!

    uma histria estranha, a da minha no-relao com Gilles Deleuze.

    Ele era mais velho do que eu, por outras razes que no aidade. Quando eu era aluno da cole Normale Suprieure, h

    quarenta anos, j sabamos que podiam-se ouvir na Sorbonneaulas impressionantes, tanto sobre Hume como, por exemplo,

    sobre a Abz/z,eZZe ]aZZoije, aulas singularmente incomparveis a tudo

    o que se recitava por ali. As aulas de Deleuze. Consegui que me

    dessem as anotaes, pedi que me narrassem o tom, o estilo, a

    corte presena corporal que sustentava a inveno dos conceitos.

    Mas j no 6iz parte, j no o encontrei.

    No incio dos anos 60, eu o lia, sem que minhas hesitaes,

    entre minha adolescncia sartriana e minha freqentao de

    Althusser, de Lacan, da lgica matemtica, encontrassem um

    apoio maior ou um adversrio identificvel. Mais singular, mais

    belo, do que til para as minhas errncias. Suas referncias

    cannicas (os esticos, Hume, Nietzsche, Bergson...) eram o

    oposto das minhas (Plato, Hegel, Husserl). Mesmo na matem-

    tica, com a qual eu reconhecia que ele se preocupava vivamente,

    preferia o c]cu]o diferencial, os espaos de Riemann. Neles,

    colhia poderosas metforas (sim, metforas, isso mesmo). Eu

    gostava mais de lgebra, dos conjuntos. Ns nos cruzvamos em

    Spinoza, mas o "seu" Spinoza era para mim (ainda ) uma criatura

    emgmuca.

    ')

    9

  • 10 Deleuze To longe! To perto! 11

    Vieram os anos vermelhos, 68, a Universidade de Vincennes.

    Para o maosta que eu era, [)ele!!Zf, inspirador fi]osGico dos que

    chamvamos "a1131g::lllggles", era um inimigo mais temvel

    ainda por integrar o "movimento" e porque seu curso era um dos

    pontos altos da universidade. Nunca moderei minhas polmicas;

    o camelo no o meu corte. Ataquei-o com as palavras daartilharia pesada da poca. At dirigi uma vez uma "brigada" de

    interveno em suas aulas. Escrevi, sob o ttulo caracterstico de

    O fluxo e o partido", um artigo furibundo contra as suasconcepes (ou supostas concepes) da relao entre movimento

    de massa e poltica. Deleuze ficou impvido, quase paternal. Ameu respeito, falou de "suicdio intelectual".

    Ele s se aborreceria verdadeiramente, junto com Jean-Fran-

    ois Lyotard, quando a partir de uma obscura questo referente ao

    status dos coordenadores de cursos, ele teve a impresso de que eu

    tentava, apoiado por Franois Regnault e Jean Borreil, apoderar-

    me da direo do departamento para ns polticos. Assinou um

    texto em que eu era acusado de desejar a "bolchevizao" do

    departamento. Era muita honra para mim, ou o mais provvel

    -- era fazer uma idia estreita dos bolcheviquesl Depois disso, a

    rroika legtima, Deleuze-Chtelet-Lyotard, retomou o "poder'sem resistncia.

    Fiel a Nietzsche, Deleuze no era, no pensamento, homem

    do ressentimento. Todo escrito deve ser lido como um comeo, e

    no segundo os clculos do uso ou da usura. Fiquei sabendo que

    ele gostou do modo com que, no pequeno livro De /7EbZa@e

    (1976), utilizei a distino entre "classe" e "massa" no centro dos

    processos polticos. E isso quase no mesmo momento estva-

    mos em um perodo de decomposio das foras "esquerdistas", e

    a minha 6tdelidade, nunca desmentida, a essa seqncia, se irritava

    com qualquer fraqueza visvel em que eu tenderia a identicar

    como "fascista" a sua apologia do movimento espontneo, a sua

    teoria dos "espaos de liberdade", o seu dio dialtica, emresumo a sua 6i]osoa da vida e do Uno-todo natural.

    "Bolchevique" contra "fascista": vejam sl

    Entretanto, quase logo depois, fiquei impressionado com a

    sua vigorosa i4111:nQ..plil211a..gpg! os 'rloyqs. GI$oEo$.': Ele

    pl!!!! = 11111111}..1llD..que, ao pretender modificar a tradicional

    relao de livre reserva dos filsofos com a mdia e com a opinio,

    e ao fazer-se porta-vozes da "crtica migar do QmunignQ: os"novo! filsofos" 'g;ediam o prprio pensamento. Comecei a

    pensar que, quando se abre uma nova seqncia, e outros adver-

    srios sobem ao palco, as alianas do pensamento se movem ou seInvertem.

    Em 1982, publiquei um livro 6ilos6lco de transio, no qual

    tentei reformular a dialtica em um quadro que fosse compatvel

    com os dados polticos do tempo e com os meus estudos mallar-

    maicos e matemticos, Zeona zb foge/ro. Deleuze me enviou uma

    pequena nota favorvel. Na solido pblica em que me encontra-

    va (a poca era de adeso esquerda, ao mitterrandismo, que eu

    odiava), marcada pelo mais desdenhoso silncio em relao a tudo

    o que eu tentava na filosofia, essa nota me comoveu muito. Omnimo que se podia dizer era que nada o obrigava a isso. Ainda

    mais que ele aceitara -- ele mesmo para meu grande escndalo,

    almoar com o presidente. Como ele devia rir

    Observe-se que, salvo em rarssimas ocasies institucionais

    (eu boicotava praticamente todas as instncias do departamento eda universidade, exceto as minhas aulas), eu no "encontrei

    Deleuze. Nem jantar Hora, nem visita em casa, nem um drinque,

    nem uma conversa durante a caminhada. Nem ento, nem depois,

    at que ele morreu, infelizmente.'q

    Como no bilhar, os "lances" da intersubjetividade so frequente-

    mente indiretos. A mudana de poca -- na filosofia -- se

    assinalou para mim por uma longa conversa terica com Jean-

    Franois Lyotard, em seu carro, ao voltarmos de uma reunio na

    casa de Chtelet, j muito doente. Lyotard comparada esse

    epis(dio pacificado ao encontro "sob a tenda" de dois inimigos

  • 12 [) e] eu ze To longe! To pertos 13

    mortais da vspera. Pouco depois, Lyotard me props resenhar o

    que ele chamava de seu "livro de filosofia". Era o Z)z#x?nd Aceitei

    sem refletir: o artigo 6oi publicado em C#gwe, e substitua pela

    anlise, pela comparao, pela objeo, o simples resumo dos

    antagonismos polticos. Digamos que as invectivas ("Bolchevi-ques", "Fascistas"), que expressavam a vitalidade dos movimentos,

    eram sucedidas pela determinao reflexiva das incompatibilida-des intelectuais (filosofia do acontecimento de verdade contra

    filosofia ps-moderna), que expressava, sob a superfcie gelada do

    consenso mitterrandiano, a cora latente dos pensamentos por vir.

    A publicao de O ier e a z'uem/o, em 1988, consumou para

    mim a entrada no novo perodo. Percebi pouco a pouco que, aodesenvolver uma antologia do mltiplo, era diante de Deleuze

    que eu inscrevia a minha tentativa, e de ningum mais. Pois o

    por Deleuz..lg.Ig!!gLdata: o paradjgnlg: .\it!.' (ou "animal") das

    mi+!lplic dados abertas (na filiao bergsoniana): e o paradigma

    matlWatizado do;:Eijjiitqsnqu tambm s pode~ch4m;!L\ste-[ar.J no sentido de MaUarm. Assim, no inexato afirmar que

    Deleuze o pensador contemporneo do primeiro paradigma, eque eu tento defender, at as extremas conseqncias, o segundo.Alis, a nossa controvrsia epistolar de 1992-1994 teria a noo

    de "multiplicidade" como referente principal, ele dizendo que eu

    confundia "mltiplo" e "nmero", eu declarando que era incon-

    sistente manter, no modo estico, a Totalidade virtual, ou aquilo

    que Deleuze chamava de "caosmos", pois nos conjuntos no h

    nem conjunto universal, nem Todo, nem Uno.

    Pouco a pouco, tornar-se-ia uma convico pblica que noera absurdo comparar-nos. Em 1 992, Franois Wahl organizada,

    a partir da dupla Badiou/Deleuze, o prefcio que ele escreveu parao meu livro Ga 2zami. Mais tarde, entretanto, Eric Alliez, em seu

    relatrio" sobre a filosofia francesa contempornea, assumindo

    uma perspectiva deleuziana, inscreveu os meus esforos no movi-

    mento de "sada" da fenomenologia, cujo objetivo o seu mestrecumpria, a seu ver.

    Certamente, no se trata nem de identidade, nem mesmo de

    convergncia. Trat!.!S.de uma gpg!!io fronta.mas conceitual-me!! ]bad4.q!!yn.to ao que

    se pode exigir hoje dg: f!!Q$gfla-equunta2Q problema central queelijgiq.1141al;-a-denm pensamento /?pmne#re do mltiplo.

    (quando, em 1989, nessa breve tentativa de modificar oestado da crtica GilosGtca que representava o .4nnzm/z? P//oiaPii-

    gz/e, levantou-se a questo de fazer um texto sobre o H zxa(1988), apresentei-me como candidato, com real satisfao.

    Esse livro me impressiona e me fascina. Creio que, semnenhuma concesso, Fao-lhe plena justia. Alguns, que tm amemria longa, diro que, depois de ter injuriado Deleuze quinze

    anos antes, na poltica, eu no tinha o "direito" -- salvo autocr-tica intermediria de saud-lo como fiz. No a minha

    opinio, de modo algum. As seqncias da poltic!!.su&pressoacontecimental [nfmr Z&] si;'iiiiiiii;: a eternidade fi]os-

    fica, meiiiio que em sua comi;iiiilio ela esteja sob condies das

    poltj#, outra. Tambm no era, aparentemente, a opinio de

    Deleuze: ele me enviou, depois de ler o meu texto, uma carta

    atenta, extremamente amistosa, quase terna. Conclua que a nica

    coisa que Ihe restava Fazer nessas condies era tomar, por sua vez,

    uma posio sobre os meus conceitos. Acabou assim por me

    convencer de que ns constituamos, sem nunca ter decidido isso(muito pelo contrrios), uma espcie de dupla paradoxal.

    Foi em 1991 que se abriu um perodo de discusso terica

    verdadeiramente contnua. Foi por minha iniciativa e resultou, no

    que se refere a mim, da sbita composio de trs elementos:

    -- A constatao de que, h longos anos, Gilles Deleuzetrabalhava com Flix Guattari em uma perspectiva convergente equase hsional. No estaria ele aberto a uma "colaborao", desta

    vez divergente, ou contrastante? Afinal, a sua teoria das sriesprivilegiava sistematicamente a divergncia, e considerava a con-

    vergncia apenas como um caso "fechado" de atualizao.A convico de que podamos, pelo menos, enfatizar

    'juntos" a nossa total serenidade positiva, a nossa indiferena

    t

    l

    l

    'v

  • 14 Deleuze To longe! To pertos 15

    aviva, em relao ao tema, difiindido por toda a parte, do "Rim da6ilosoa'

    A idia de reatar com as grandes controvrsias clssicas,

    que no eram nem isolamentos ressentidos, nem pequenos "deba-

    tes", mas fortes oposies que procuravam ir direto ao .pairose/zs/z,e/ em que se afastavam criaes conceituais diferentes.

    Assim, propus a Deleuze que nos escrevssemos, tanto quan-

    to fosse necessrio para estabelecer na sua exata clareza confusa

    (ou distino obscura) a nossa divergncia mvel. Ele respondeu

    que essa idia Ihe agradava.

    Na poca, ele estava terminando uma colaborao conver-

    gente decisiva com Flix Guattari, o O gnf .P/oso#P (1991),que teria um imenso e legtimo sucesso. Nesse livro, h uma nota

    sobre mim, cuja vinda, depois do meu artigo sobre .4 'bZ'xa,[)eleuze anunciava. Em resposta, e para preparar o terreno,

    dediquei quatro dos meus seminrios no Collge Internacional de

    Philosophie ao best-seller de [)eleuze e Guattari, sem diminui-]os(entrei mesmo em detalhes) nem poupa-los.

    Pareceu-me naquele momento que Deleuze hesitava em

    comear realmente o nosso protocolo epistolar. No longo trajedo

    dessa hesitao, compreendi que estavam presentes grandes som-

    bras: a morte de Guattari, que foi como uma mutilao; a sua

    prpria sade, cada vez mais precria, que fazia com que a prpria

    escrita, conquistada algumas horas por dia, fosse uma espcie de

    Faanha. preciso ter recebido, como eu, essas longas cartas

    rasuradas, oblquas, trmulas e obstinadas ao mesmo tempo, para

    compreeender que a escrita -- o pensamento -- pudesse ser uma

    dolorosa e fugitiva vitria. E depois, por mais distante que ele

    pudesse estar dos estigmas do passado, por mais voltado, doutri-

    nria e vitalmente, para a afirmao e a novidade criadoras, bem

    verdade que Deleuze tinha todas as razes do mundo para no

    misturar o seu imenso prestgio Rtlos6ico com a elaborao,

    mesmo contrastante, da minha prpria perspectiva. Por que me

    serviria ele, eu que o depreciei to fortemente, eu de quem tudo

    o separava, mesmo que ambos tenhamos nos encaminhado para

    as margens plcidas, e at fraternas, da controvrsia?

    Confirmando meus temores, ele acabou por me escrever que,

    realmente, no tinha tempo, considerando a sua sade precria,

    de empreender essa correspondncia. Limitou-se a uma carta

    detalhada, de avaliao e de perguntas. Recebi essa bela carta,

    respondi, tentando no me mostrar inferior. Respondeu minha

    resposta, e assim por diante. A impossibilidade se desenrolou

    como real daquilo que fora declarado impossvel. Dezenas de

    paginas se acumularam.

    Decidimos, em Sins de 1994, que tnhamos acabado o traba-

    lho, que no continuaramos. Para ambos, o ajuste j ocorrera.

    Pouco depois, Deleuze me escreveu que, tendo relido suas cartas,achara-se excessivamente "abstrato", inferior circunstncia. Par-

    ticipou-me, de modo bastante abrupto, que rasgara todas ascpias das suas cartas. Indicava claramente que se oporia, caso

    algum tivesse essa ida, a qualquer circulao, e mais ainda, a

    qualquer publicao, desses textos.

    No momento, vendo nessa apreciao terminal como que um

    desmentido do nosso intercmbio, fiquei um tanto magoado, ecomo no nos encontramos, na distncia das vidas e nas vicissitu-

    des da existncia, suspeito de alguma influncia exterior, ou de

    algum clculo obscuro, como fazem os personagens aumentos de

    Proust, atormentados pelo enigma que a distncia sugere.Subitamente, a morte. Ela transformou essas cartas em um

    tesouro particular, um Testamento, uma generosidade ltima.

    Quando Benot Chantre, em nome das Editions Hachette,me pediu que escrevesse um ensaio sobre o pensamento deDeleuze, pensei que seria como que uma grande e derradeira carta

    pstuma. Para mim, no se tratar de "relatar" -- de descrever

    o que ele pensou Mas antes, de terminar o interminvel: uma

    amizade conflituosa que, em certo sentido, nunca aconteceu.

  • \Qual Deleuze? 17

    modernidade ps-metafsica na cintilao das referncias, nos

    pintores (Bacon), nos escritores (Proust, Melville, Lewis Carroll,

    Beckett...), nos desejos deriva (Sacher-Masoch), nos filsofos

    inesperados (Whitehead, Tarde, Duns Scot...), na matemtica

    metaforizada (Riemann), nos incontveis cineastas, e at em

    muitos autores quase desconhecidos (mas no para ele) de artigos

    ou opsculos sobre questes obscuras e por ele repensadas, bri-

    lhantes, tanto sociolgicas quanto biolgicas, estticas ou didti-

    cas, lingsticas ou histricas. Sim, tudo isso reunido abruptamen-

    te em uma trama afirmativa e sinuosa, muito afastada, aparente-

    mente, das precaues e dos cnones da Universidade 6ilosflca.

    Finalmente, julga-se que Deleuze, curioso a respeito de tudo

    o que compunha seu tempo, ordenando seu pensamento na captura

    de uma superfcie acontecimental [zemeneZ@ cintilante, do-

    brando sua mgica escrita ultrapassagem de zonas dspares do

    sentido, Eoi o inventor, fmendo eco virtude que ele concedia a

    Leibniz quanto idade clssica, de um Barroco contemporneo,

    no qual nosso desejo do mltiplo, da mestiagem, da coexistncia

    de universos sem regra comum, em suma nosso democratismo

    planetrio, encontram onde refletir-se e desabrochar. Deleuze

    como pensador jubiloso da jazz/si do mundo.

    Qual, Del,euze?

    '{

    H uma imagem de Deleuze, ao mesmo tempo radical e equili-brada, solitria e socivel, vitalista e democrtica. Com bastante

    frequncia, pensa-se que sua doutrina estimula a multiplicidade

    heterognea dos desejos e encoraja a sua realizao sem obstcu-

    los; que ela se preocupa com o respeito e a aElrmao dasdiferenas; que ela constitui, por isso, uma crtica conceptual aos

    totalitarismos, como indica na prtica o fato de que Deleuze,nesse ponto comparvel at a Foucault, se tenha mantido a

    distncia dos engajamentos stalinistas ou maostas. Pensa-se que

    ele resguardou os direitos do corpo contra os formalismos terro-

    ristas; que nada cedeu ao esprito de sistema, preconizando

    sempre o Aberto e o movimento, a experimentao sem norma

    preestabelecida. Pensa-se que, no seu mtodo de pensamento, que

    s conhecia os casos e as singularidades, ele resistiu s abstraes

    esmagadoras da dialtica. Pensa-se tambm que ele participou da

    "desconstruo" moderna (ps-moderna?), na medida em que

    instruiu uma crtica decisiva da representao, substituiu pelalgica do sentido a procura da verdade, combateu as idealidadestranscendentes em nome da iminncia criadora da vida. Em

    suma: levou a sua pedra runa da metafsica, "reverso do

    platonismo", pela promoo, contra o amassedentrio das Essn-

    cias, do namo nmade das atualizaes precrias, das sries

    divergentes, das criaes imprevisveis. V-se a conrmao dessa

    t

    q

    Um conceito renotiacio do Uno

    {

    A confuso do mundo, para o pensamento, sem dvida quer dizer,

    primeiro, que nem o Uno nem o Mltiplo a explicam. Estemundo no est nem no movimento detectvel de um sentido

    (por exemplo, um sentido da Histria), nem est no regime de

    uma classificao estvel, de uma contagem praticvel das suaspartes significativas (como estava na concepo dos que distin-

    guiam nitidamente o proletariado da burguesia, ou encontravam

    sentido nos jogos entre o campo imperialista, o campo socialista

    e o campo dos no-alinhados). E primeiro, parece que Deleuze

    16

  • 18 Deleuze Qual Deleuze? 19

    seja realmente aquele que anuncia que devemos renunciar

    distribuio do Ser segundo o Uno e o Mltiplo, que o gestometdico inaugural de um pensamento moderno situar-se fora

    dessa oposio. Se, para ele, a repetio um conceito ontolgicomaior, precisamente porque ela no se deixa pensar nem como

    permanncia do Uno nem como mltiplo de termos identi6lc-

    veis, porque ela est zZn dessa oposio: "A repetio no a

    permanncia do Uno, assim como no a semelhana do mlti-

    plo" (DR, 164). Mais geralmente, "no h nem uno nem mltiplo'

    Mas, como sempre em Deleuze, o alm de uma oposio

    esttica (quantitativa), acaba sempre sendo a assuno g #azlz,

    de um dos seus termos. Ora, ao contrrio da imagem comum

    (Deleuze como liberao do mltiplo anrquico dos desejos e daserrncias), ao contrrio mesmo de aparentes indicaes da obra,

    que jogam com a oposio mltiplo/multiplicidades ("h apenasmultiplicidades raras", ibid.), ao advento do Uno, renomeado

    por Deleuze como Uno-todo, que se consagra, na sua mais alta

    destinao, o pensamento. Escutemos, na sua vibrao entusiasta,

    mais ainda que no seu contedo explcito, esta declarao: "Uma

    s e mesma voz para todo o mltiplo de mil vozes, um s e mesmo

    Oceano para todas as gotas, um s clamor do Ser para todos os

    entes" (DR, 389). E tambm, lembremos queles que ingenua-mente se alegram com o Fato de que, para Deleuze, tudo

    acontecimento, surpresa, criao, que a multiplicidade do "aqui-

    lo-que-acontece" apenas uma superfcie enganosa, pois para o

    pensamento verdadeiro "o Ser o nico acontecimento em que

    todos os acontecimentos se comunicam" (LS, 21 1). O Ser, quetambm o Sentido, "posio no vazio de todos os acontecimen-

    tos em um, expresso no no-sentido de todos os sentidos em um"

    O problema fundamental de Deleuze no certamente

    liberar o mltiplo, dobrar o pensamento a um conceito renova-

    do do Uno. O que deve ser o Uno para que o mltiplo nele seja

    (F 23)

    (ibid.)

    /nirrWa/m'nzr pensvel como produo de simulacros? Ou ainda:

    como determinar o Todo para que a existncia de cada poro

    desse Todo, longe de estar em situao de independncia, ou de

    surgimento imprevisvel, seja apenas um perfil expressivo da

    "poderosa vida no-orgnica que cerca o mundo" (IT, 109)?

    Diremos pois: preciso identificar cuidadosamente, na obra

    de Deleuze, uma metafsica do Uno. Ele prprio indica osrequisitos: "um nico acontecimento para todos; um s e mesmo

    a#g iZpara aquilo que se passa e aquilo que se diz; um s e mes-

    mo ser para o impossvel, o possvel e o real" (LS, 21 1). Chegar ao

    "um s": esse o fundo real da suposta democracia do desejo.

    O "autmato puri$cado"

    Enganam-se igualmente aqueles que acreditam discernir nas pala-vras de Deleuze um encorajamento autonomia, ao ideal anarqui-

    zante do indivduo soberano, que povoa a Terra com as produes

    do seu desejo. No tomam suficientemente ao p da letra a

    concepo propriamente /2zag /Mica que Deleuze tem, no s do

    desejo (as famosas "mquinas desejantes"), porm mais ainda da

    vontade, ou da escolha. Pois essa concepo impede que se

    considere que em algum momento pudssemos ser conte do que

    pensamos ou fazemos. Tudo vem sempre de mais longe, e at:tudo sempre est j-ali, no recurso infinito e humano do Uno.

    Consideremos, a ttulo de exemplo, a teoria da escolha. O

    primeiro tempo consiste em estabelecer que uma escolha verda-

    deira (uma escolha que se refere, diz Deleuze, a "determinaesexistenciais"; IT, 230) tem como motivo no os termos explcitos

    da escolha, mas "o modo de existncia daquele que escolhe:

    (ibid.). Da, passa-se facilmente ao tema bem conhecido de

    Kierkegaard: uma escolha autntica nunca a escolha disto ou

    daquilo; a escolha de escolher, a escolha entre a escolha e ano-escolha. Assim destacada de todo motivo particular, a escolha

  • 20 Deleuze Qual Deleuze? 21

    se apresenta como "relao absoluta com o cora" (IT, 231). Mas o

    que quer dizer o absoluto dessa relao? Que est em ns apotncia da vida inorgnica que opera, que somos d/xnz'cii/zzi por

    uma atualizao do Uno-todo- [)isso resu]ta que a escolha tanto

    mais "pura" quanto mais for automtica, que na realidade somos

    ns que somos escolhidos, e no, de modo algum, como pretende

    a filosofia da representao, que somos centro, ou sede, de uma

    deciso: "S escolhe bem, s escolhe efetivamente aquele que

    escolhido" (IT, 232). Essa figura do autmato, facilmente articu-

    lvel com a de "maquinaria" produtora do sentido, representa overdadeiro ideal subjetivo, justamente porque a deposio de

    toda pretenso subjetiva. O fora como instncia da cora aviva,

    apoderando-se de um corpo, selecionando um indivduo, o orde-

    na escolha de escolher: " justamente do autmato assim purifi-

    cado que se apodera o pensamento do cora, como o impensve]no pensamento" (IT, 233). Esse "autmato purificado" est certa-

    mente muito mais prximo da norma deleuziana que os barbudosde 68, que exibiam o seu gordo desejo a tiracolo. Pois trata-se,

    como acabamos de ver, das condies do pensamento. Ora, essas

    condies dependem de uma depurao, de uma sobriedade, de

    uma exposio concentrada e lcida soberania imanente do

    Uno. Trata-se, por uma tenso que renuncia evidncia das nossas

    necessidades e das posies ocupadas, de ir at esse lugar vazio,

    onde as potncias impessoais nos pegam e nos obrigam a fazer

    existir o pensamento atravs de ns: "Fazer circular o comparti-

    mento vazio, Emer falarem as singularidades pr-individuais e no

    pessoais [...] a tarefa de hoje" (LS, 9 1). Pensar no o escoamen-

    to espontneo de uma capacidade pessoal. o poder, duramente

    conquistado confia l, de estar obrigado ao jogo do mundo.

    Da se segue, contra toda norma igualitria ou convival, que

    a concepo deleuziana do pensamento profundamente aristo-

    crtica. O pensamento s existe em um espao hierarquizado.

    Com efeito, para que um indivduo venha ao ponto em que tomado por sua determinao pr-individual, e logo pela potncia

    do Uno-todo, do qual ele apenas, inicialmente, uma pobre

    configurao local, preciso que ele ultrapasse o seu limite, que

    suporte que a sua atualidade seja imobilizada e desfeita pela

    virtualidade infinita que o seu ser verdadeiro. E os indivduos

    so desigualmente capazes disso. Certamente, o prprio Ser neutro, igual, inavalivel, no sentido em que Nietzsche declara

    que o valor da vida no pode ser avaliado. Mas "as coisas esto

    desigualmente nesse ser igual" (DR, 55). Trata-se sempre de saber

    "se um ser [...] u]trapassa os seus ]imites, indo at o flm daquiloque pode, qualquer que seja o seu grau" (ibid.). E, por conseguin-

    te, capital pensar segundo "uma hierarquia que considere as

    coisas e os seres do ponto de vista da potncia" (ibid.).

    Por mais paradoxal que possa ser o atributo, aplicado aalgum que se filia antes de tudo a Nietzsche (mas h no prprio

    Nietzsche uma profunda san12az), preciso afirmar que a

    condio do pensamento, para Deleuze, asctica. o que

    esclarece em profundidade alm do fato de que tambm eles

    pensavam o Ser diretamente como totalidade -- o parentesco de

    Deleuze com os esticos. O uso da palavra "anarquia", paradesignar o nomadismo das singularidades, no deve nos iludir,

    pois Deleuze precisa: "anarquia coroada", e crucial pensar

    tambm, pensar primeiro, a coroa. Ela cabe aos seres que renun-

    ciaram asceticamente aos "vividos" e aos "estados de coisas" queconstituam a sua atualidade, sentimental, intelectual ou social, e

    que tiveram a potncia de exceder os seus limites, de ir para "l

    onde a &yH os leva" (ibid.).

    Da resulta que essa filosofia da vida essencialmente, exata-

    mente como o estoicismo (mas no, absolutamente, como o

    spinozismo, a despeito do culto que Deleuze Ihe devota), uma

    filosofia da morte. Pois se o acontecimento de pensamento o

    poder asctico de me deixar escolher ( a forma deleuziana do

    destino) e de ser levado, como autmato purificado, para l ondeo exige a 7ds; se assim o pensamento existe como futura da

    minha atualidade, dissipao do meu limite; mas se, ao mesmo

  • 22 Deleuze Qual Deleuze? 23

    tempo, essa atualidade e esse limite so, no seu ser, do mesmo

    estofo que aquilo que os futura ou os ultrapassa (pois, definitiva-

    mente, s h o Uno-todo); se a potente vida inorgnica o fundo,

    tanto daquilo que me dispe ma meu limite quanto daquilo que

    me convoca, na medida em que conquistei esse poder, a ultrapas-

    sa-lo; ento o acontecimento de pensamento tem como metfora

    o morrer, como momento imanente da vida. Pois a morte , por

    excelncia, o que est ao mesmo fe npa na relao mais ntima com

    o indivduo que ela afeta, e em uma total impessoalidade ouexterioridade em relao a ele. Nesse sentido, ela /o pensamento,

    pois pensar Justamente vlr ascetlcamente ao ponto em que o

    indivduo imobilizado pela exterioridade impessoal, que igualmente o seu ser autntico.

    Essa identidade do pensar e do morrer se expressa em um

    verdadeiro cntico morte, para o qual Deleuze desliza semesforo, nas pegadas de B]anchot. Exacta "o ponto ]...] em que a

    impessoalidade do morrer no marca mais apenas o momento em

    que me perco cora de mim, mas o momento em que a morte seperde em si mesma, e a figura que a vida mais singular toma, para

    me substituir" (LS, 179).

    uma arte particular(.4 //7mg?m-moz,/men/o e .4 //nag?m-Zrmpo), ou

    uma meditao sobre um escritor (P70 f e os izWoi). Trata-sesempre de apontar c ai canse;lo. Se o caso no primeiro,

    porque voc pretende ir do conceito variedade que ele subsume.

    Ao fazer isso, voc restabelece a transcendncia platnica da Idia,

    e voc se torna infiel ao programa nietzscheano que Deleuze no

    cessa de lembrar: o dever filosfico contemporneo se diz "rever-

    so do platonismo". A imanncia exige que voc se situe no ponto

    em que o pensamento j comeou, o mais perto possvel de um

    caso singular, do seu movimento. Isso pensa, "passando por cima"

    de voc, e voc pressionado e obrigado. Essa a virtude do caso.

    Da tambm o que muitas vezes surpreendeu os leitores de

    Deleuze: o uso constante do estilo indireto livre, ou seja, aindecidibilidade assumida do "quem fala?". Se leio, por exemplo:

    "fora entre as foras, o homem no dobra as foras que ocompem, sem que o prprio fora no se dobre, e no cave um Sino homem" (F, 121), trata-se verdadeiramente de um enunciadode Foucault? Ou j de uma interpretao? Ou simplesmenteuma tese de Deleuze, pois nela reconhecemos a sua leitura de

    Nietzsche (o jogo das coras ativas e reativas c07mpe tipologica-mente o homem), e nela se indica um conceito maior da sua obra

    terminal, o conceito de dobra? Ser necessrio dizer, antes: esta

    frase produzida pelo impulso, sobre Deleuze, daquilo que,

    atravs de Foucault, valoriza um outro impulso, uma outra

    obrigao. Nesse sentido, na dissipao de suas identidades res-

    pectivas, e j que pensar sempre "fazer falar" singularidadesimpessoais, possvel afirmar indiferentemente que o enunciado

    em questo ie far a de Foucault, ou que ele z?z s; de Deleuze.

    Mas o erro comea quando se imagina que a obrigao do

    caso faz do pensamento de Deleuze uma imensa descrio, uma

    coleo da diversidade contempornea. Pois ento, supe-se que

    a operao consiste em pensar o caso. Nos O caso nunca objeto

    para o pensamento, ele o que o cora e o impersonaliza, na

    destinao finalmente automtica que a sua prpria, no exerc-

    Pvodues "montonas"

    Assim sendo, no se pode esperar que essa filosofia, em que o Uno

    soberano, em que a hierarquia da potncia asctica, e em que

    a morte simboliza o pensamento, seja, como muitas vezes se

    acredita, devotada inesgotvel variedade do concreto.

    Sem dvida, o mtodo de Deleuze exige que se parta de um

    caso. o que explica que no haja, para ele, nenhuma diferena

    significativa entre o que , em aparncia, um tratado "dogmtico

    (Z)/@rr?nu e z??Cao, por exemplo), o que se refere histria da

    filosoRta clssica (SP/ o ef Ze.praZ?me & /l:x?z?xifon) , a interlocu-

    o com um grande contemporneo (/oacz/@, um estudo sobre

  • 24 Deleuze Qual Deleuze? 25

    cio "at o fim" da sua potncia. pois perfeitamente coerente que,

    partindo de casos inumerveis e em aparncia dspares, expondo-

    se ao impulso que Spinoza e Sacher Masoch, Carmelo Bene e

    Whitehead, Melville e Jean-Luc Godard, Bacon e Nietzsche

    organizam, Deleuze acabe elaborando produes conceituais que

    no hesitarei em declarar ma fa/zm, com um regime muitoparticular da insistncia, a retomada quase infinita de uma estreita

    bateria de conceitos, e tambm a variao virtuosstica dos nomes,

    onde o que se pensa sob essa variao continua a ser essencialmen-te idntico.

    Os direitos do heterogneo so pois ao mesmo tempo impe-rativos e limitados. Nenhum pensamento pode comear, a no ser

    sob o impulso violento de um caso-de-pensamento. Exclui-seproceder a partir de um princpio. E cada comeo, sendo um

    impulso singular, apresenta tambm um caso singular. Mas adestinao daquilo que assim comea a repetio, onde se

    desenrola o diferencial invarivel de um recurso de potncia.

    Vamos tomar como exemplo o cinema. Por um lado, Deleuzemultiplica as anlises singulares de obras, com uma perturbadora

    erudio de espectador livre. Mas por outro lado, o que finalmente produzido vai para o reservatrio dos conceitos queele, desde sempre, instituiu e ligou: o movimento e o tempo, em

    sua acepo bergsoniana. O cinema, na proliferao dos filmes,

    dos autores, das tendncias, um dispositivo obrigatrio e din-mico, em que Deleuze vem ocupar o lugar vazio de quem dever,

    mais uma vez, sob a potncia macia do caso, percorrer tudo de

    que capaz, remodelar o que j produziu, repetir a sua diferena,diferenciando-a mais ainda das outras diferenas. por isso que o

    uso dos dois enormes volumes sobre o cinema sempre pareceu

    difcil para os cinfilos. A plasticidade local das descries defilmes parece operar em beneficio da GtlosoRia e de modo algumem Favor do simples julgamento crtico, com o qual o cinfiloalimenta o seu prestgio de opinio.

    EHetivamente, que expor-se, de modo detalhado, aos casos-

    de-pensamento do cinema no , para Deleuze, produzir um

    pensamento l' cinema. O Gim de zmgrm-ze/npo diz isso com a

    maior clareza: todo empreendimento sustenta uma retomada

    criadora dos conceitos, e no uma apreenso da arte do cinemacomo tal: "A teoria do cinema no se refere ao cinema, mas aos

    conceitos do cinema" (IT, 365). O cinema, em si mesmo, "uma

    nova prtica das imagens e dos signos" (IT, 366), mas o objetivo

    do pensamento no poderia se restringir a uma fenomenologiaconcreta dos signos e das imagens. Do cinema, "a filologia deve

    Emer a teoria como prtica conceptual", entendendo-se que "osconceitos do cinema no so dados no cinema" (ibid.). Com-

    preenda-se que, sob a obrigao do caso-cinema, ainda e semprea filosofia (de Deleuze) que recomea, e que Eaz o cinema estaron&, l)or si mesmo, ele no est.

    preciso pois dizer que a filosofia de Deleuze s "concreta"

    na medida em que, a seus olhos, o conceito concreto. Isso no

    quer dizer, absolutamente, que ele seja conceito do concreto, mas

    que, como tudo o que , ele assinala os desenvolvimentos impes-soais de uma potncia local, requerida a manifestar-se como

    pensamento pelos casos atravs dos quais a nica voz do Ser se Eaz

    ouvir na sua declinao mltipla.

    Quando Deleuze afirma que a filosofia uma prtica, e que

    ela no "mais abstrata do que o seu objeto" (IT, 365), preciso

    entend-lo assim: a prtica dos conceitos no nem mais nem

    menos concreta do que qualquer outra. Mas no se poderiadeduzir que a multiplicidade concreta dos casos o que valida o

    carter concreto de uma filosofia. Definitivamente, a cintilao

    mltipla dos casos invocados na prosa de Deleuze tem apenas um

    valor ocasional. O que importa a potncia impessoal dosprprios conceitos, os quais, no seu contedo, nunca tratam deum conceito "dado", mas z& azzD'ai ca ce//a "Uma teoria do

    cinema no 'sobre' o cinema, mas sobre os conceitos que ocinema suscita" (ibid.). Todo o interesse dos casos est nessa

    suscitao, mas .qw/Zo que suscitado no tem nenhuma seme-

    lhana com a potncia suscitante. Os conceitos, finalmente, no

  • 26 Deleuze Qual Deleuze? 27

    sendo nunca conceito-de, s se ligam ao caso concreto inicial no

    seu movimento, e no naquilo que eles do a pensar. por isso

    que o que se Rica sabendo nos volumes sobre o cinema diz respeito

    teoria deleuziana do movimento e do tempo, e que, pouco a

    pouco, o cinema fica em posio de neutralidade e de esqueci-mento.

    preciso pois afirmar que a 6ilosoGia de Deleuze particular-

    mente sistemtica, por recolher todos os impulsos segundo umalinha de potncia que no poderia variar, justamente porque ela

    assume plenamente o seu status de singularidade. [)a, em minha

    opinio, e na medida em que se precise o adjetivo, ela tambmuma filoso6la abstrata. Por "abstrao", no se entender que ela

    se move no que ela repudia absolutamente, ou seja, a generalidade

    que subsume os casos concretos. Diremos apenas que a sua

    medida prpria a consistncia quase orgnica das conexes

    conceituais, e a constante mobilizao dessa consistncia pelo

    maior nmero de casos possvel. No devemos nos esquecer deque o que obrigado por essa prova do mltiplo ocasional dos

    casos no cessa de experimentar-se como idntico a si. Pois osreencontros de um conceito a partir da inumervel determinaodos casos, a sua flexvel resistncia variao daquilo que convoca

    o seu retorno, constituem o nico protocolo possvel de validaodesse conceito.

    Estes so os princpios gerais que governam o exame da

    filosofia de Deleuze, e que so, segundo creio, ao mesmo tempo

    fiis ao seu esprito e muito aEmtados da zxa que se constituiu emtorno dela:

    demos na correspondncia de que falei. Uma disputa, e no um

    debate. Pois, de acordo com a sua orientao sistemtica e aristo-

    crtica, Deleuze s tinha desprezo pelos debates. Ele escreveu isso,

    o que magoou algumas almas sensveis, para quem s o debate

    comprova que a 6ilosoGia homognea democracia parlamentar.Nem Deleuze nem eu acreditamos nessa homogeneidade.

    Assim, no se tratar de debater, mas de experimentar paciente-

    mente os princpios que acabo de destacar. Pois, quanto ao que

    me diz respeito, tentando levantar o platonismo e no derruba-lo,

    estou convencido da existncia dos princpios.

    1. Essa filosoGa se articula em torno de uma meta6sica do Uno

    2. Ela prope uma tica do pensamento que exige a despos-s essao e a ascese.

    3. Ela sistemtica e abstrata.

    Em minha opinio, os pontos 2 e 3 so, antes, virtudes. Oprimeiro complexo, e se abre para uma 2Zipaao, que empreen-

  • Univocidade do ser. 29

    pensamento, ultrapassando os limites do mundo, tambm ultra-

    passa os da linguagem. De modo que, se sempre se requeratravessar a analtica da linguagem para assegurar ( o resduo

    crtico) a validade (ou o sentido) das proposies cientficas(proposies referentes s representaes desta ou daquela parte

    do mundo), alm dessa analtica que o pensamento concorda

    com o seu mais alto poder, que de interrogar o z'a/or do prprio

    mundo. Para Wittgenstein, a linguagem minada pela interroga-

    o sobre o Ser, se no quanto aos seus usos, pelos menos quanto

    sua s/znafa.

    Nesse sentido, Deleuze pertence absolutamente a este sculo.

    No se poderia ligar o seu pensamento nem corrente analtica,

    cujas redues gramaticais ou lgicas ele abomina, nem corrente

    fenomenolgica, cuja reduo das atualizaes vivas em simples

    correlaes intencionais da conscincia ele critica.

    A questo colocada por Deleuze a questo do Ser. De uma

    extremidade outra da sua obra, trata-se, sob o domnio dos casos

    inumerveis e sujeitos ao acaso, de pensar o pensamento (seu ato,

    seu movimento) sobre o fundo de uma pr-compreenso ontol-

    gica do Ser como Uno.

    Nunca ser demais insistir nesse ponto, que uma interpreta-

    o crtica ou fenomenolgica da sua obra no cessa de ocultar:

    Deleuze identifica pura e simplesmente a filosofia com a oncolo-

    gia. Nada se compreender, caso se negligenciem declaraesexplcitas como: "A filosofia se confunde com a oncologia" (LS,

    210), ou ainda: "De Parmnides a Heidegger, a mesma voz que

    se repete [...] . Uma nica voz emite o c]amor do ser" (DR, 52). O

    unificante historial da filosofia, como voz do pensamento, como

    clamor do dizvel, o prprio Ser. Desse ponto de vista, a filosofia

    de Deleuze no , de modo algum, uma filosofia crtica. No s o

    pensamento do Ser possvel, mas s h pensamento na medida

    em que o Ser vem ao mesmo tempo declinar-se nele e nelepronunciar-se. Certamente, o pensamento diferena e identifi-

    cao das diferenas; ele consiste sempre em "conceber vrios

    Uni.mocidade do ser e

    multipticida,de dos nomes

    Pode-se dizer que, na filosofia, nosso tempo foi marcado, assina-

    do, pelo retorno da questo do Ser. por isso que Heidegger o

    domina. Ele estabeleceu o diagnstico, estudou explicitamente

    aquilo que, depois de um sculo de Crtica, depois do interldio

    fenomenolgico, reordenava o pensamento para a sua interroga-

    o primordial: e quanto ao ser dos entes? Definitivamente, o

    sculo fai ontolgico. Essa destinao muito mais essencial do

    que a "virada lingstica" que se Ihe atribui. Essa virada equivale

    a fazer da linguagem, de suas estruturas e de seus recursos, otranscendental de toda investigao da faculdade de conhecer, e a

    dispor a filosofia seja como uma gramtica generalizada, sejacomo uma lgica enfraquecida. Mas para o nico grande pensa-dor dessa virada, que Wittgenstein, compreende-se que a mais

    rigorosa tenso conceptual atingida, no 7}ucn/m, quando se

    assegura uma base ontolgica absolutamente singular (teoria dos

    objetos eternos). Compreende-se tambm que alm das estruturas

    lgicas em que so confinadas as proposies cognitivas, a ltima

    palavra cabe a uma intuio silenciosa supracognitiva, ou mstica

    que, s ela, me abre para a pergunta que importa: o que devofazer? Se verdade que os limites do mundo so exatamente os

    limites da linguagem, da resulta que o que decide o destino do

    28

  • 30 Deleuze Univocidade do ser. 31

    sentidos formalmente distintos" (DR, 53)- O impulso pensante se

    d como potncia vital na pluralidade (dos sentidos, ou dos casos) .

    Mas, acrescenta logo Deleuze, o importante para o pensamentono est na distino formal do mltiplo. O importante quetodos os sentidos, todos os casos "se relacionam com um nico

    designado, ontologicamente uno" (ibid.). Nesse sentido, fo

    proposio filosfica o que Deleuze chama "a proposio onto-

    lgica" (ibid.), que recapitula uma convico mxima quanto ao

    recurso de ser do pensamento e do dizer. Parmnides afirmava que

    o Ser e o pensamento so uma s e mesma coisa. A variante

    deleuziana dessa mxima : " a mesma coisa que acontece e que

    se diz" (LS, 21 1). Ou ainda: "0 ser unvoco insiste na linguagem

    e sobrevm s coisas; ele mede a relao interior da linguagem com

    a relao exterior do ser" (ibid.). Como grega essa confiana no

    Ser como medida das relaes, tanto internas quanto externasl E

    como indiferente "virada lingstica" esse co-surgimento

    ontolgico, sob a regra do IJno, do aquilo-que-acontece e dasfrases l

    Onde se situa, nessas condies, a diferena em relao a

    Heidegger alm, claro, da diferena patente entre o estilo

    professoras, pattico e pro&tico do alemo e a alerta sinuosidade,

    a cintilao descontnua do francs? Uma questo muito comple-

    xa, e quanto a mim, afirmo que Deleuze est, em muitos pontos

    cruciais (a diferena, o aberto, o tempo ), menos bastado de

    Heidegger do que se imagina habitualmente, e talvez do que ele

    prprio pensava. Atendo-nos s distines explcitas, diremos:

    para Deleuze, Heidegger ainda e sempre excessivamente feno-

    menlogo. O que se deve entender com isso?

    chama de intencionalidade. Por duas razes convergentes, repug-

    na a Deleuze que uma tal viso significante possa ser aquilo a

    partir do qual se pense o pensamento (nico objetivo da filosofia).

    Primeiro, a conscincia no poderia ser o termo imediato de

    uma investigao do pensamento. Sabemos, de Fato, que s secomea a pensar sob uma coao, segundo uma cora, em uma

    exposio asctica ao imperativo impessoal do cora. Nessas condi-

    es, o pensamento no tem, de modo algum, a sua fonte naconscincia. Na verdade, para comear a pensar, preciso desviar-

    se da conscincia, preciso, por assim dizer, "inconscientizar-se"

    Como proclama [)eleuze, baseando-se em Marx, "os problemas

    escapam por natureza conscincia, cabe conscincia ser uma

    falsa conscincia" (DR, 268).

    Em seguida e principalmente, a intencionalidade apresenta o

    pensamento como dependente de uma relao interiorizada, aconscincia e seu objeto, a ideao e seu ideado, o plo notico e

    o plo noemtico, ou, na variante sartriana, o para-si e o em;si.Ora, justamente porque o pensamento desdobramento do

    Ser-uno, seu elemento nunca a relao interiorizada, a repre-sentao, a conscincia-de. O pensamento supe que as modali-

    dades mltiplas do Ser sejam exteriores umas em relao s outras,

    que nenhuma possa ter o privilgio (como a conscincia pretende

    ter) de interiorizar as outras. Aqui, a igualdade do Ser que est

    em jogo, e essa igualdade implica, sem nenhum paradoxo, quenada do que tenha a menor relao nfrnar com o que quer queseja mais. At se afirmar que o respeito absoluto ao Ser como

    Uno exige, definitivamente, que todas as suas atualizaes ima-nentes estejam em posio de no-relao umas com as outras.Deleuze, sob o nome de Foucault, (ou sob o domnio do caso-

    Foucault), indica assim que o ver e o falar, as coisas e as palavras

    constituem registros do ser (do pensamento) inteiramente disjun-tor: "no se v aquilo de que se fala, e no se fala daquilo que se

    v" (F, 1 17), de modo que "o saber irredutivelmente duplo, falare ver, linguagem e luz, e essa a razo pela qual no h intencio-nalidade" (ibid.).

    O limite cle Heickgger

    A fenomenologia "vulgar" parte do fato de que a conscincia "visa

    a coisa e se significa no mundo" (F, 1 16). o que a fenomenologia

  • 32 Deleuze Univocidade do ser. 33

    No h nisso contradio com o que lembrvamos acima:

    que o mesmo que acontece e que se diz? De modo algum.

    realmente porque o mesmo Ser que acontece e que se diz que as

    coisas e as palavras, atualizaes do Mesmo, no tm m? si

    nenhuma relao intencional. Pois, se tivessem essa relao, have-

    ria desigualdade entre o plo ativo (a viso, a nominao) e o plo

    passivo (o objeto, a coisa dita). Ora, do mesmo modo que o Ser

    'acontece" nas suas modalidades, o visvel e a linguagem, por

    exemplo (h outras). Supor um lao intencional entre a nomina-

    o e a coisa, entre a conscincia e o objeto, pois, necessariamen-

    te, romper com a soberania expressiva do Uno. Se se objeta que

    essas modalidades tm ao menos entre si a "relao" mnima de

    serem, umas e outras, modalidades do Uno, responderemos que

    essa relao tem como essncia a no-relao, pois ela s contm

    a igualdade neutra do Uno. E certamente no exerccio da

    no-relao que o pensamento "se relaciona" mais fielmente com

    o Ser que o constitui. o que Deleuze chama de uma "sntese

    disjuntiva": pensar a no-relao segundo o Uno, que a funda ao

    separar radicalmente os seus termos. Conservar-se na atividade da

    separao como potncia do Ser. Explicar que "a no-relao

    ainda uma relao, e at uma relao mais profunda" (F, 70),

    porque ela pensa segundo o movimento divergente, ou disjuntivo,

    que, separando sem cessar, revela a fecundidade infinita e iguali-

    tria do Uno. Mas essa sntese disjuntiva a runa da intenciona-lidade.

    Podemos ento dizer claramente o que, para [)eleuze, o

    limite de Heidegger: a sua aparente crtica da intencionalidade em

    proveito de uma hermenutica do Ser fica a meio caminho,porque ela no se eleva at a radicalidade da sntese disjuntiva. Ela

    mantm o motivo da relao, mesmo sob uma Forma soGlsticada.

    Certamente, Deleuze admite que preciso saudar o movi-

    mento de Heidegger: h uma "ultrapassagem da intencionalidade

    para o Ser" (F, 1 17), h uma subverso da relao conscincia-ob-

    jeto (ou ente) pela passagem da fenomenologia para a antologia.

    E, coerente com a sua suposio do Uno, Deleuze s pode aprovar

    o fato de que o par assimtrico do sujeito reflexivo e do objeto, da

    interioridade e da exterioridade, seja substitudo pela "unicidadedo desvelamento-velamento"(ibid.).

    Mas Heidegger, para Deleuze, s ultrapassa a intencionalida-

    de para manter, em uma outra dimenso, o seu substrato ontol-

    gico, isto , a relao, ou a comunidade de sentido, entre as

    dimenses atualizadas do Ser. assim que, para Heidegger,protesta Deleuze, "a Luz abre um falar no menos do que um ver,

    como se as significaes habitassem o visvel e como se o visvel

    murmurasse o sentido" (F, 1 19). Heidegger interpreta a unidade

    do Ser como convergncia hermenutica, como relao analgica

    decifrvel entre as dimenses em que ele se expe (aqui, o visvel

    e a linguagem). Ele no v (ao contrrio de Foucault) que aunidade ontolgica tem como conseqncia no uma harmonia

    ou uma comunicao entre os entes, nem mesmo um entre-dois

    onde pensar a relao fora de todo fundamento substancial, mas

    a no-relao absoluta, a indiferena dos termos a todas asrelaes. A despeito do seu /algas sobre a angstia, Heidegger

    mantm uma viso tranqila, porque hermeneuticamente relata-

    da, do modo segundo o qual o Ser se desenrola em sriesdivergentes. A despeito da sua apologtica do Aberto, ele dobra e

    fecha as separaes, as diferenciaes sem semelhana, as distn-

    cias irresolutas, que, s elas, .praz,m a igualdade e a neutralidade

    do Uno. Heidegger, para Falar como Nietzsche, um sacerdote

    astuto, que s subverte aparentemente a intencionalidade e a

    conscincia para fazer mais sutilmente uma barragem para a

    sntese disjuntiva. Finalmente, ele fica preso na fenomenologia,

    no sentido em que esta " demasiado pacificadora, e abenooucoisas demais" (F, 120).

    O verdadeiro motivo do contraste entre Deleuze e Heidegger,

    no interior da sua comum convico de que a filosofia se sustm

    com a nica questo do Ser, o seguinte: para Deleuze, Heidegger

    no mantm /z# o.Pm a tese fundamental do Ser como Uno. Ele

  • 34 Deleuze Univocidade do ser.

    no a sustenta, porque no assume as conseqncias da wmiuac/z-

    de do Ser. Heidegger no cessa de lembrar a mxima de Aristte-

    les: "o Ser se diz em vrios sentidos", em vrias categorias. Com

    esse "vrios", [)eleuze no pode consentir.

    isso que Deleuze se fez o historiador (aparente) de alguns fiiso6os

    eles eram casos da univocidade do Ser.

    Essa leitura3111glj44dl4s.!ases abstratag em que se desenvol.

    " 9z$elb:

    Tese lb A univocidade nq.!!gn Gia primeiro aue o self(;ig

    nulBEucamente um, o que uma assero vazia. O Uno no aqui

    da conta ou da identidade, e o pensamento j renunciou, se

    imaginar que h um nico e mesmo Ser. A potncia do Uno ,

    antes, que "os entes so mltiplos e diferentes, sempre produzidos

    por uma sntese disjuntiva, eles prprios disjuntor e divergentes,

    memxn 21#anc#' (LS, 210). A univocidade tambm qo aoenas

    que o pensamento seja tautolgico (o Uno o Uno). Ela

    plenamente comptill ili; existncia de mltiplas #or77zaf doSer. at na potncia de desenvolvimento dessas mltiplas formas

    que o Uno identificvel: assim a Substncia para Spinoza, que

    imediatamente expressa por uma infinidade de atributos. Mas a

    pluralidade das formas no acarreta "nenhuma diviso no Sercomo pluralidade de sentido ontolgico" (DR, 397). Ou seja: oSer se diz em um nico e mesmo sentido de todas as suas formas.

    Ou ainda: os atributos imanentes do Ser, que exprimem a sua

    infinita potncia de Uno, "so #oz72z/menu? distintos, mas todos

    iguais e on/aZcWcamen? um" (ibid.). Notaremos que essa tese j

    supe uma distino crucial, cuja importncia, quando se fala de

    De[euze, em geral subestimada, embora s e]a explique, no

    pensamento, a relao (como no-relao) entre o mltiplo e o

    uno: a distino do formal e do real. O mltiplo das acepes do

    ser formal, s o Uno real, e s o real suporta a distribuio dosentido (nico).

    A aniuocich& do Ser

    Estamos aqui no mago do pensamento de Deleuze. Com efeito,podemos razoavelmente afirmar que a imensa didtica dos casos

    (o cinema, o esquizo, Foucau]t, Riemann, o (]zP/za4 Spinoza, onmade, e assim por diante) s tem como funo veriGlcar,

    incansavelmente, com o gnio inesgotvel da variao, esta nica

    sentena: "Nunca houve seno uma proposio ontolgica: o Ser unhacd' DR, 52\ cf seleo & textos no $m do presente livro,

    p./2.5-.9 e .p..r39-4/). Quando Deleuze afirma a identidade da

    filosofia e da oncologia, acrescenta, na mesma frase: "a antologiase confunde com a univocidade do Ser" (LS, 210).

    O que significa essa decisiva univocidade? Tudo o que este

    pequeno livro deseja esclarecer, o que provavelmente far apenas

    em parte.Vamos tomar as coisas do exterior. A tese da univocidade do

    Ser comanda toda a relao de Deleuze com a histria da filosofia.

    De Eito, ali esto os seus companheiros, os seus apoios, os seus

    casos-de-pensamento privilegiados, aqueles que explicitamente

    defenderam que o ser tinha "uma nica voz": Duns Scot, talvez omais radical ("Nunca houve mais do que uma nica oncologia, a

    de Duns Scot", DR, 52); os est(bicos, que relacionam a sua doutrina

    da proposio com a coerncia contingente do Uno-todo; Spinoza,

    evidentemente, para quem a unicidade da Substncia umabarragem para qualquer equivocidade ontolgica; Nietzsche, que

    realiza a univocidade como repetio no eterno retorno" (DR,

    388); Bergson, para quem toda diferenciao orgnica se diz, emum nico sentido, como atualidade local da Evoluo criadora.

    Assim, possvel "ler" historicamente a tese da univocidade, e por

    'Tese 2)EylSa(!:jgrW 4gSeb d49:se "diferenas individuantes:

    que se pode chamar.de entes. Mas essas diferenas, esses entes

    nunca tm a fixidez, ou o poder de repartio e de classificao

    que teriam, por exemplo, espcies ou generalidades, ou at mesmo

    indivduos, se se entende por indivduo o que se deixa pensar sob

  • 36 Deleuze Univocidade do ser. 37

    uma espcie, ou uma generalidade, ou um tipo. Para Deleuze, os

    entes sg graus locais de intensidade, inflexes de potncia,ciiitantemente mii Inteiramente singulares. E como a

    pglSgga 3penas um nome do Ser, os entes so apenas modalida-des..gare:!!!y3s do Uno Da se segue ainda que a distinonumrica entre os entes " uma distino modal, e no real" (DR,

    388). Em outras palavras: reconheceremos, evidentemente, que os

    entes no so os mesmos e que, assim, eles no tm o mesmo

    sentido. Devemos admitir uma equivocidade zi&qzfl/o cwg'a Ser se

    diz, das suas modalidades imanentes, os entes. boas o essencial,

    para o filsofo, no isso. O essencial que o Ser o mesmo para

    todos, que ele unvoco, e que assim ele se diz de todos os entes

    em um s e mesmo sentido, de modo que a multiplicidade dossentidos, o equvoco dos entes, no tem nenhum status real. Pois

    a univocidade do Ser no apenas, nem principalmente, que

    aquilo que "designado" pela diversidade dos sentidos dos entes

    seja o mesmo (o Ser-um). A univocidade exige que o sentido seja,

    para todos os entes distintos, on/aZl7Wcamenr' ; # fa "Na propo-

    sio ontolgica [...], tambm o sentido que onto]ogicamente

    o mesmo para modos individuantes, para designantes ou expres-santes numericamente distintos" (DR, 53). Ou ainda: "a univoci-

    dade do Ser significa [que e]e] se diz em um s e mesmo 'sentido'

    de tudo aquilo de que ele se diz" (LS, 210).

    Vemos o preo a pagar pela defesa inflexvel da tese deunivocidade: que o mltiplo (dos entes, das signicaes) seja,

    definitivamente, apenas da ordem do simulacro, pois a diferena

    numrica que o dispe no universo , quanto forma do ser qual

    ela remete (o pensamento, a extenso, o tempo etc.), puramente

    formal, e quanto sua individuao, puramente modal- Se, como

    se deve, registra-se como simulacro toda diferena que no tem

    nenhum real, toda multiplicidade cujo status ontolgico o do

    Uno, o mundo dos entes o palco dos simulacros do Ser.

    Estranhamente, essa conseqiincia tem um aspecto platni-

    co, e at neop]atnioo. Diramos que o Uno paradoxal, ou

    supereminente, engendra de modo imanente uma procisso de

    entes, cujo sentido unvoco ele distribui, e que, relacionados com

    a sua potncia, s tm, de ser, a aparncia. Mas ento, o quesignifica o programa de Nietzsche, constantemente validado por

    Deleuze: reverter o platonismo? .,i . .,~,.u , ,~ '- ..''. ;0,.' .t- '\ Zl) .;':' ilZZ

    Ld

    t.cuu \ l/ao

    A maltipticichde cites nomes

    Deleuze nos d explicitamente a resposta: "Reverter o platonismo

    significa, ento: promover os simulacros, afirmar os seus direitos'

    (LS, 302). No fundo, o deleuzismo um platonismo reacentuado. verdade que o sentido se distribui segundo o Uno, e que os entesso da ordem do simulacro.

    entes como simulacroljypgque se compreenda (o que Plato

    chama de "participao") como as 4j$reQ41.plilCiduantes so

    disoostas em ,rqJg! que "as relacionam imediatamente com o Ser

    unvoco" (DR, 388). M.as da no se segue, de modo algum, como

    Deleuze supe que Plato faa, que seja preciso depreciar e

    aniquilar os simulacros, ou os entes. Ao contrrio, preciso

    afirmar o direito dos simulacros como atestado jubiloso da potn-

    cia unvoca do Ser, como owD'ai la/zfai caa egzz'orai zz ##/z/oc/.z&.O que Deleuze cr acrescentar aqui a Plato, acrscimo que, a seus

    olhos, o subverte, o reverte, que intil pretender que osimulacro seja desigual a algum modelo suposto, ou que haja uma

    hierarquia no Ser, que subordinada os simulacros a arqutipos

    reais. Tambm nesse ponto, Deleuze suspeita de que Plato no

    sustente com firmeza a tese da univocidade ontolgica. Se o Ser se

    diz em um s e mesmo sentido de tudo aquilo do qual ele se diz,

    os entes so todos identicamente simulacros, e todos afirmam, por

    uma inflexo de intensidade cuja diferena puramente formal ou

    modal, a potncia viva do Uno. Trata-se, mais uma vez, de opor a

    Plato a sntese disjuntiva: os entes so apenas simulacros disjun-

    tor, divergentes, sem relao interiorizada, nem entre si, nem com

  • 38 Deleuze Univocidade do ser. 39

    alguma Idia transcendente qualquer. O mundo, concebido como

    produo imanente do Uno, como para Plato umaobra,

    e no um estado. Ele demirgico. Mas "a obra no hierarquizada um condensado de coexistncias, um simultneo de aconteci-

    mentos" (DR, 303). Pensar positivamente a coexistncia igualit-

    ria dos simulacros faz ao Uno mais justia do que opor ossimulacros ao real que lhes falta, como Plato ope o sensvel ao

    inteligvel. que esse real no est em parte alguma, .z na ser

    naquilo que.nch que o simulacro seja simahcro. Q cattet puramen-

    te formal ou modal da diferena que o constitui, em relao ao

    real unvoco do Ser que mantm essa diferena no interior de si,e Ihe distribui um s sentido.

    No estou seguro de que Plato esteja to afastado desse

    reconhecimento dos entes, mesmo sensveis, como diferenciaes

    imanentes do inteligvel, e positividades do simulacro. impres-

    sionante que a transcendncia do Bem, na J?e?zZ#ca, seja pontua-

    da ironicamente pelos interlocutores de Scrates, e mais ainda que

    o status do Uno, no 2azmn/&i, s possa desemaranhar a relao

    que ele mantm com os diferentes-do-Uno no elemento do

    paradoxo e do impasse. S se sai dessas questinculas propondoum status puramente eventual para o Uno, e ento concorda-se

    com Deleuze, quando escreve: "S o homem livre pode com-preender todas as violncias em uma s violncia, todos osacontecimentos mortais em zlm i ,4co/z/er/men/o" (LS, 179). Esse

    Acontecimento maisculo seria o Bem de Deleuze? provvel,

    vendo-se como ele requer e funda a disposio do "homem livre'

    Mesmo supondo-se que a gloriGlcao dos simulacros como

    dimenso positiva da univocidade do Ser seja uma reverso de

    Plato, resta que, assim como para Plato (questinculas da Idia,

    do Bem que "no uma Idia", do Belo que o Bem sem se

    confundir com ele, do Outro que exige que se sacrifique a unidade

    transcendente do Bem, do IJno que nem pode ser nem pode noser etc.), surge no percurso de Deleuze a espinhosa questo dosnomes do Ser.

    Qual pode ser o nome apropriado para aquilo que unvoco?

    A nominao do unvoco ela prpria unvoca? E se o Ser se dizem um nico sentido, como fixar o sentido desse "um s sentido"?

    Ou ainda: pode-se experimentar um nome do Ser que faa sentidodo sentido unvoco?

    Deleuze parte de uma constatao comum: "Concebe-se que

    nomes ou proposies no tenham o mesmo sentido, mesmo

    designando estritamente a mesma coisa [...]. A distino entreesses sentidos verdadeiramente uma distino real (2Zzinaa

    r?a#), mas ela no tem nada de numrico, ainda menos de

    ontolgico: uma distino formal, qualitativa ou semiolgica'

    (DR, 52). Todavia, tratando-se do Ser, pode-se adorar uma distin-

    o formal do sentido dos nomes, pois, justamente, a propriedade

    essencial do Ser no a sua identidade numrica, qual poderiam

    remeter diferentes unidades nominais providas do seu prprio

    sentido, mas que ele se diga em um nico sentido de tudo aquilo

    de que ele se diz. A questo do nome do Ser insiste de maneira

    inevitavelmente paradoxal.

    Exceto "Ser", que no um nome, e do qual Deleuze, alis,

    Eaz apenas um uso preliminar e restrito, s se pode experimentar

    o valor dos nomes. O que quer dizer que uma boa parte da obra

    de Deleuze funciona assim: dado o domnio de um caso-de-pen-

    samento, quer se trate de Foucault ou de Sacher Masoch, pouco

    importa, tentar um nome do Ser, e construir um protocolo de

    pensamento (to automtico quanto possvel) que avalie a perti-

    nncia desse nome, em relao propriedade essencial que se

    espera que ele preserve (ou mesmo reforce no pensamento), isto, a univocidade.

    Ora, o que aparece, medida que essas experimentaes se

    desenrolam, que ym nico nome nunca basta. So necessriosdois. Por qu? Porque o Ser deve se dizer em um nico sentido,

    por um lado em relao unidade da sua potncia, por outro lado

    em relao multiplicidade (bos simulacros divergentes que essa

    potncia atualiza em si mesma. Ontologicamente, no h nisso

  • 40 Deleuze Univocidade do ser 41

    nenhuma distino real, assim como tambm no se distinguemrealmente, em Spinoza, a Natureza naturante e a Natureza natu-

    rada. Mas, quanto aos nomes, necessria uma distribuio

    binria, que como que a acentuao para o pensamento daunivocidade do ser, ora na sua "matria" imediata, ora nas suas

    formas ou suas atuaJizaes.

    ,7 Para dizer que h apenas um sentido, so necessrios dois/\ nomes.

    Esse problema vai de Plato (distino preliminar do sensvel

    e do inteligvel, mas como via de acesso para o Uno) a Heidegger(diferena do ser e do ente, mas como via de acesso ao destinal, ou

    .ilW;s). A.p4111ulai:id;!lg dg:Deleuze, de acordo com o seu

    .< estilo experimenlal (tespr os conceitos sob o domnio de casos to

    variados quanto possvel), plgpor uma bateria bastante ampb dc

    conceitos dispostos em paras, para lixar a nominao do Ser como

    intervalo, ou biface nominal. No verdade que se possa dizer:tantos so os casos quantos os pares de nomes. Uno inventrio

    exaustivo mostraria que a tese de univocidade se diz em, no

    mximo, uma dezena de pares fundamentais. Mas, em uma

    comparao com as grandes filosofias reconhecidas, isso muito.

    Uma parte do gnio de Deleuze, como tambm dos mal-entendi-

    dos aos quais a sua filosofia se expe, (pensamento do mltiplo

    anrquico dos desejos etc.), reside na multiplicidade dos nomes

    do Ser, ela prpria correlativa a uma defesa, mais obstinada ainda

    que para qualquer outro ilso6o, da tese ontolgica da univocida-

    de e do carter fictcio do mltiplo. Com efeito, na experimen-

    tao de tantos pares nominais quantos necessrios que se forja averificao obrigatria da absoluta unidade do sentido.

    A seqncia deste livro examina, depois dos preliminares quefixam o mtodo construtivo deleuziano, o que eu considero como

    pares principais: o virtual e o anual (doutrina do acontecimento);

    o tempo e a verdade (doutrina do conhecimento); o acaso e o

    eterno retorno (doutrina da ao); a dobra e o Fora (doutrina dosujeito) .

    &

    .1

    Nessas etapas, trataremos de verificar que, para Deleuze,

    quaisquer que sejam os nomes, e porque o Ser j distribuiu os

    sentidos desde sempre, preciso confiar na afirmao pura,

    preciso deter-se, renunciando ao simulacro de si, no ponto em que

    esse sentido pode nos escolher, nos imobilizar, por um gesto

    desconhecido por ns mesmos: "pensar [...], danar os l3dp1]].gF,....----...----- '

    .!'!#\

  • O mtodo 43

    (depois de Aristteles) chama de categorias. Uma categoria o

    nome apropriado para um territrio do Ser (por exemplo, amatria, ou a forma, ou a substncia, ou o acidente...). Outambm para um dos sentidos do Ser, pois toda fixidez da diviso

    ontolgica acarreta a runa da univocidade. Quem quer que pense

    por categorias defende, por isso mesmo, que o Ser se diz em vrios

    sentidos (ele se diz segundo a essncia ou segundo a existncia,

    como Idia ou como simulacro etc.). Reciprocamente, se o Ser s

    se diz em um nico sentido, impossvel pensar por categorias.

    Entretanto, seria possvel imaginar que o pensamento realiza

    uma espcie de aproximao do nomadismo do Ser, da suaunivocidade, que vagueia na igualdade absoluta dos simulacros,

    multiplicando as categorias, refinando at o inRlnito as divises.

    Um ente singular.feria ento como que uma encruzilhada dedistribuies, certamente fixas (como pensar sem alguma estabili-

    dade divises categoriais?), mas to numerosas que acabariam por

    imitar o ouro movimentqSxpre$sivo do Ser nas suas produes

    imanentes. Tratar-se-ia apenas de flexibilizar o pensamento por

    categorias, de torna-lo flexvel, de infinitiz-lo, ao invs de restrin-

    gir-se, como Plato (sensvel e inteligvel, Idia e simulacro), ou

    Hegel (imediatidade, exteriorizao, e depois interiorizao nega-

    tiva), a algumas distribuies formais, em que a univocidade fica

    comprometida.

    Com o rigor e o voluntarismo asctico que o caracterizam,

    Deleuze no se permite essa via: " intil 'abrir' a lista das

    categorias, ou mesmo tornar infinita a representao; o Sercontinua a dizer-se em vrios sentidos, segundo as categorias, e

    aquilo do qual ele se diz sempre determinado apenas pordiferenas 'em geral'" (DR, 387). O verdadeiro mtodo filosfico

    no deve permitir-se absolutamente nenhuma diviso do sentido

    do Ser por distribuies categoriais, nenhuma aproximao do seu

    movimento por recortes formais preliminares, por mais refinados

    que sejam. preciso oensar "juntas" a univocidade do Ser e aequivolidadc dos entes(a segunda sendo apenas a .prazllz#o

    mtodo

    Uma antidiaLtica

    Como pensar um ente? Ou antes, como aproximar-se do Ser,

    pensando sob a obrigao criadora de entes singulares? Sabemos

    que "as coisas se desenrolam em toda a extenso de um Ser unvoco

    e no dividido" (DR, 54). O pensamento no pode pois apreender

    ontologicamente o desenrolar das coisas instituindo primeiro uma

    diviso, um quadro fixo em que os entes se distribuiriam, de modo

    que, por divises sucessivas, chegar-se-ia a delinear o Ser do ente.

    Esse gnero de procedimento, contra o qual Deleuze poiemizou

    em toda a sua obra, chamado por ele de "nomo sedentrio", ou

    analogia, e reconhece-se a tanto o mtodo platnico das divises

    binrias (utilizado no S2Z8z4 para definir o pescador com linha),

    quanto a diabtica hegeliana, em que cada tipo de ente vem no seu

    lugar, ou no seu tempo, no desenvolvimento ordenado da Idia

    absoluta. Para Plato, assim como para Hegel, o pensamento

    prescreve ao Ser uma diviso, uma distribuio assimtrica das suas

    formas, e pensar equivale a percorrer metodicamente essa distribui-

    o. Mesmo Heidegger no escapa ao amoisedentrio, na medida

    em que o seu Ser se distribui essencialmente segundo a diviso

    equvoca entre .P/WTzf e ?cne.

    A tentativa de pensar o Ser segundo uma distribuio Rixa e

    desigual das suas formas tem como operador o que Deleuze

    42

  • 44 Deleuze O mtodo 45

    /pane ? da primeira), slp !!Bedjap dos gneros e das espcies,

    dog..!!pos ou dos emblemas, em suma: sem categorias, semgeneralidades.

    O mtodo de Deleuze pois um mtodo que rejeita o recurso

    s mediaes. por isso que ele essencialmente antidiaJtico. A

    mediao exemplarmente uma categoria. Ela pretende Fazer

    passar de um ente para outro "sob" uma relao interna com pelo

    menos um deles. Para Hegel, por exemplo, essa relao inte-

    riorizada o negativo. Mas no poderia haver negativo, pois o Ser

    unvoco , de parte a parte, afirmao. Introduzir o negativo,

    recair no equvoco, e particularmente no mais antigo deles, o que

    define, para Deleuze, o "longo erro": que o Ser se diga segundo o

    sentido da sua identidade e segundo o sentido da sua no-identi-

    dade; que ele se diga como Ser, e/ou como Nada. So as famosas

    'duas vias" de Parmnides (a via que aGtrma o Ser, e a que afirma

    o No-ser). Mas Deleuze objeta imediatamente: "No h 'duas

    vias', como se pensou no poema de Parmnides, mas uma s 'voz'

    do Ser que se refere a todos os seus modos, os mais diversos, os

    mais variados, os mais diferenciados" (DR, 53). O mtodo diab-

    tico, o mtodo das mediaes, que pretende interiorizar o negati-

    vo, participa apenas desse interminvel errro.

    Teramos ento a tentao de dizer: certamente, a distribui-

    o sedentria do Ser e do No-ser imprpria, e o pensamentos pode Edar "com uma nica Voz". Mas, no se deve pelo menos

    reconhecer uma certa validade na oposio categorias do ativo e

    do passivo? O prprio Spinoza, que Deleuze e Guattari nohesitam em chamar de Cristo da filosofia, no fez circular essa

    oposio em todo o seu trabalho, desde a figura global da oposio

    entre Natureza naturante e Natureza naturada, at a distino

    entre as paixes que aumentam a nossa potncia (a alegria) e as

    que a diminuem (a tristeza)? preciso, pelo menos, distribuir de

    modo estvel, por um lado, a integralidade afirmativa e unvoca

    do Ser, e por outro ]ado aqui]o ao qual, em si mesmo, o Sersobrevm, e que a separao, a disjuno equvoca dos entes.

    preciso pensar separadamente a face aviva das coisas (elas so

    diferenciaes singulares, simulacros divergentes do Ser unvoco),

    e sua face passiva (elas so entes anuais, estados de coisa numerica-

    mente distintos, e dados por significaes equvocas).

    evidente que essa dualidade atravessa toda a obra de

    Deleuze. Poderamos estabelecer a lista interminvel dos pares

    conceituais que a grande oposio formal do ativo e do passivo

    organiza: o virtual e o anual, a vida inorgnica e as espcies, oesquizofrnico e o paranico, o movimento de massa e o Partido,

    a desterritorializao e a reterritorializao, o nmade e o seden-

    trio, Nietzsche e Plato, o conceito e a categoria, o desejo e o

    ressentimento, os espaos de liberdade e o Estado, o enunciado e

    o julgamento, o corpo sem rgo e o fetiche, a escultura e o

    teatro... Acreditou-se que o jogo desse par formal, investido no

    pensamento das singularidades contemporneas, era, deRtnitiva-

    mente, o verdadeiro mtodo de Deleuze, e que esse mtodo nos

    permitia discernir a via libertadora da afirmao desejante, e

    repudiar a via da alienao passiva.No nada disso. incontestvel que uma viva presso da

    dualidade ativo/passivo se exerce sobre a lngua filosfica de

    Deleuze, digamos sobre a sua retrica espontnea. Mas tambm

    certo que todo o seu esforo escapar a essa presso. O comblg

    prprio de Deleuze, que como sempre um combate contra si, se

    trava justamente, quanto ao mtodo, neste ponto: fazer de modo

    que'iparente travessia de uma analtica que joga ora com a face

    unvoca do Ser (atividade), ora com a do mltiplo equvoco dos

    entes (passividade) , nunca seja categoria. .Nunca distribuir ou

    dilCidi!:.Q.$er segundo essas duas vias. Nunca perder de vista que,se, como demo;iistramos, sempre so necessrios dois nomes para

    fazer justia univocidade, esses dois nomes no operam nenhu-

    ma diviso ontolgica.O enunciado que deve comandar o mtodo explcito: "Nem

    ativo, nem passivo, o Ser unvoco neutro" (LS, 211). Se um

    pensamento se apoia sobre uma analtica em que, aparentemente,

  • 46 Deleuze O mtodo 47

    so distribudos atualizaes atiras do Ser e resultados anuais e

    passivos dessas atualizaes, porque o movimento desse pensa-

    mento est ainda inacabado, incompleto, mutilado. Ele s estar

    seguro de si quando chegar ao ponto neutro onde, ativo e passivo

    sendo submetidos distribuio ontolgica de um sentido indivi-

    svel, o simulacro (o ente) restitudo sua errncia igualitria,

    que neutraliza ne& toda oposio dialtica, e o subtrai a toda

    relao interiorizada (e logo a toda passividade, como a toda a-tivtdade).

    O pensamento, como tudo o que , se avalia segundo a sua

    capacidade de ir at o fim, at o limite da potncia que o iden-

    tifica, e que posta em movimento, forosamente, pela ocorrncia

    de um caso-de-pensamento. Mas preciso comear. E na confu-

    so inicial qual nos expe a violncia que nos feita, e sem a qual

    nunca pensaramos, comeamos sempre por alguma distribuio

    categorial, por julgamentos cegos, que repartem os casos em

    formas onde se perde a univocidade do Ser. Assim ocorre usual-

    mente, no trabalho do prprio Deleuze, por registros prematuros

    no ativo e no passivo. Por exemplo, bastar dizer, tratando-se de

    um acontecimento, que "h duas realizaes, que so como que a

    efetuao e a contra-e6etuao" (LS, 178)? Essa insistncia do Dois

    evidentemente apenas introdutria, e ainda perdida no catego-

    rial. O mtodo construir, a partir desse formalismo inicial, a sua

    subverso nomdica) mostrar que toda relao, toda distribuio

    Rixa, sendo indiferentes aos termos que nelas so dispostos, devem

    disl!!W!-se !afazer o. pensamento voltar para a neutralidadedaquilo glF Deleuze chama de "extra-ser"

    humana neutralidade do Ser? , como Bergson estabeleceu so-

    beranamente, um pensamento intuitivo. O mtodo de Deleuze a elaborao escrita de UDg:Bo1lma singular de intuio.

    ':ij;i;;:lib;imente, no se deve confundir a intuio de Deleuze

    com a intuio dos clssicos, e singularmente com a intuio no

    sentido de Descarnes (mais um adversrio, tambm ele, como

    Plato e Hegel, mais um genial partidrio do "longo erro", um

    defensor das categorias e um inimigo da sntese disjuntiva). Para

    Descarnes, a intuio apreenso imediata de uma idia clara e

    distinta; ela procede instantaneamente, guiada por uma ilumina-

    o mental localizada, ao isolamento da idia, sem aderncia a

    algum fundo obscuro qualquer. Ela um tomo de pensamento,

    quando se est certo "zona inrz/;m': graas a um nico golpe de

    vista. Esse gnero de intuio repousa sobre uma teoria da luz

    natural, cujo princpio que uma idia tanto mais distintaquanto mais for clara: "o claro-distinto constitui essa luz que torna

    o pensamento possvel no exerccio comum de todas as faculda-des" (DR, 275). Mas se os entes (ou as idias) so apenas inflexes

    movedias do Ser unvoco, como poderiam eles ser assim, em

    nome de sua clareza, isolados do "fundo" total e obscuro que os

    carrega? Uma claridade nunca nada mais do que um brilho, isto

    , uma / /emi.:Zzz fugaz, e essa intensidade, sendo a de uma

    modalidade do Uno, traz em si a indistino do sentido. O claro

    pois um ponto de concentrao do confuso. E inversamente, o

    que distinto, um ente tomado demasiado "longe" da univoci-

    dade, fechado sobre o seu prprio sentido, um simulacro que nose d como tal, cortado como est (pela pretensa intuio cartesia-

    na), da sua raiz ontolgica. Isso significa que sua intensidade mnima, e que no se poderia intu-la como um dado claro. O

    distinto entregue obscuridade do equvoco. por isso que,

    radicalizando Leibniz, para quem nada nunca est isolado domurmrio total do Ser, Deleuze afirma que, idia clara e distinta

    de Descarnes, preciso opor que "o claro por si mesmo confiiso,

    e reciprocamente o distinto, por si mesmo obscuro" (ibid.).

    C) percurso intui,o

    Ora, o que um pensamento sem mediao, um pensamento que

    constri o seu movimento alm de todas as divises categoriais

    pelas quais ele inicialmente tentado a se proteger contra a

  • 48 Deleuze O mtodo 49

    A intuio muda ento completamente de sentido. O que uma intuio que apreende "o distinto-obscuro que responde ao

    claro-confuso" (ibid.)? certo que ela no pode proceder com um

    nico golpe de vista. Ela deve mergulhar na intensidade clara, paraapreender o ser-confuso, e re-animar a distino "morta" do ente

    separado, desvelando-lhe a parte obscura, a imerso viva que o seu

    isolamento dissimula. .por isso que !.i!!!!!!4g deleuziang no

    um golpe de vista d! alma. ma! um percurso atltico do pensa-

    mento; eja no un.tomo men,tal, mas wna multiplicidade

    aberta; no um movimento uni]atera] (uma luz dirigida para a

    coisa), mas uma co1lstruo complexa, que Deleuze !!am4.fre-qentemente de 'm reencadeamento perptuo'

    Por que um reencadeamento? Estamos no limiar da maior

    dificuldade: a intuio deleuziana deve cumprir, sem mediao,

    em um percurso nico, zlm zizaPZo moz,imenso, alis j indicado noemparelhamento do claro-confuso e do distinto-obscuro. Ela deve

    apreender a separao do ente como sntese disjuntiva, comodivergncia, como equivocidade, de modo a nunca sucumbir s

    sereias da categoria, da colocao tranquila dos entes sob genera-

    lidades que anulam a univocidade do Ser. Mas ela tambm deve

    pensar o ente separado como simulacro, como puramente modal

    ou formal, e definitivamente como inseparado em seu ser, pois ele apenas uma intensidade local do Uno. De modo que a intuio

    (como movimento duplo, e finalmente como escritura, como

    exZa) deve simultaneamente descer de um ente singular para a sua

    dissoluo aviva no Uno, o que o apresenta em seu ser como

    simulacro; e remontar do Uno para o ente singular, seguindo as

    linhas de potncia produtivas imanentes, o que apresenta o ente

    como simulacro do Ser. Toda construo de pensamento vai, diz

    [)eleuze, de A a B, e depois de B a A. Mas "no reencontramos

    um ponto de partida como em uma repetio nua; a repetio ,antes, entre A e B, B e A, o percurso ou a descrio progressiva do

    conjunto de um campo problemtico" (DR, 272). A intuio o

    que oercorle (idealmente, com velocidade infinita) segundo uma

    nica trajetria, essa descida e essa subida. Ela , de fato, "descri-

    o progressiva do conjunto", ela se assemelha a uma aventuranarrativa, mais do que ao golpe de vista de Descartes. Do A-o ente

    a B-o Ser, e depois de B-o Ser a A-o ente, ela re-encadeia opensamento ao ente como co-presena de um ser do simulacro ede um simulacro do Ser.

    prec intuir que "todo objeto duplo, sem que suasmetades se assemelhem" (DR, 270). O pensamento se completa

    quando, obrigado por um caso, conseguiii ;lsdi;bri at o Gim adillicidade d6"iit;duplicidade que apenas a expresso formalpelo fato de que a univocidade se expressa como equivocidade.

    Um exemplo. Consideremos fenmenos significantes, como6ez o estruturalismo dos anos 60: performances de fala para os

    lingistas, sonhos sintomticos para os psicanalistas, regras de

    parentesco para os antroplogos etc. Toda a questo saber comose .produz sentido. Deleuze se alegra com essa abordagem, pois

    toda multiplicidade do sentido s pode ser, de fato, uma produo

    (equvoca) , ela prpria distribuda pela univocidade do Uno-todo.

    Para ele, "o sentido nunca princpio ou origem; produto" (LS,

    8'); cfl seleo & fenos, P. 136-9.O movimento de pensamento estruturalista comea identifi-

    cando cada ser, cada fenmeno, considerado como multiplicidade

    de elementos discretos, eles prprios tomados em regras decontraste ou de posio, que lhes preexistem (fonemas de uma

    lngua, metforas do sonho, grupos formais de troca das mulheresetc.). Essa descrio combinatria leva ao cmulo a dimenso de

    simulacro daquilo que considerado, pois tudo parece dissemi-nar-se em uma abstrao esttica: h apenas entidades distintas.

    Ao mesmo tempo, essa distino obscura, porque sua relao

    com o sentido, que ela supostamente suporta, inteiramenteproblemtica. A Estrutura, que o jogo das entidades distintas,permanece por si mesma opaca a qualquer interpretao. Estamosno distinto-obscuro.

    O segundo tempo identifica na estrutura uma entidadesingular, que a incompleta e a pe em movimento: um lugar vazio,

  • Deleuze O mtodo 5i

    ou, como diz Deleuze, percorrendo os ramos principais do estru-turalismo (reconhecemos Jakobson e Lvi-Strauss, Lacan e Alt-

    husser), "lugar do morto, lugar do rei, mancha cega, signintcanteflutuante, valor zero, bastidores ou causa ausente etc." (LS, 88).

    do fato de que a ocupao desse lugar vazio volta constantemente

    ao jogo que se segue a capacidade dinmica da combinatria.

    Ento, a estrutura pensvel como mquina de produzir sentido,

    porque (aos olhos de Deleuze), essa entidade singular rp-a para

    o movimento, fm passar a distino para o lado do seu duplo

    obscuro, assinalado na positividade dos termos e das regras por

    uma carncia, uma falta, um suplemento ou um paradoxo, que

    princpio de mobilidade e de produo. Estamos aqui na descidadissolutiva do Pleno estrutural para o Aberto do ser.

    A entidade paradoxal brilha com uma luz singular. ela que

    Emana, na teoria estruturalisra, porque faz escapar ao positivismo

    entes legalizados, porque como uma perspectiva de fuga, umescapamento, uma liberdade errante. Na sombria opacidade do

    cambinatrio, ela como uma janela. A entidade paradoxal uma

    singularidade clara. Mas tambm essa claridade mergulha o con-

    junto da Estrutura na confuso, pois definitivamente impossvel

    tornar verdadeiramente distinta essa singularidade. El est sem-

    pre em diagonal, ela foge como no "jogo do anel", ela umapresena feita de ausncia, um nmero tecido com vazio, um zero

    ativo, um significante que no significa. Isso quer dizer que o

    pensamento intui aqui o claro-confuso, que ele faz passar daseparao disjuntiva para uma abertura para a univocidade, ou

    ainda: em relao ao sentido produzido pela estrutura, ele paga o

    preo do no-sentido como condio dessa produo. No fundo,

    o lugar vazio comprova que a estrutura apenas um simulacro,

    que ela fabrica uma fico de sentido, mas que o seu ser prprio,

    ou seja, a vida que sustm o seu efeito, no entra de modo algumnesse sentido de dico. Pois a vida (o Uno), sendo unvoca,

    considera o equvoco do sentido produzido como um no-sen-tido.

    Comea ento a subida, da qual o estruturalismo, que apenas uma anlise do ente, incapaz: pensar como que o

    no-sentido pode ser requerido para produzir sentido. S a tese da

    univocidade esclarece esse ponto Se o Ser se diz em um s sentido

    sobre tudo aquilo de que ele se diz, em relao ao universomltiplo dos sentidos produzidos pelas mquinas estruturais, estesentido (nico) inevitavelmente determinado como no-senti-

    do. Nenhuma mquina estrutural pode, efetivamente, produzi-lo;

    pelo contrrio, ele que sustenta (sob a marca de entidadeparadoxal) a sua possibilidade de produo. Se um dispositivo

    singular pudesse produzir o sentido do Ser, que haveria umsentido do sentido: tese propriamente teolgica, estranha onto-

    logia, e que arruna a univocidade. Do fato de que no h sentidodo sentido, deve-se concluir: o sentido do Ser pode perfeitamente

    ser dito no-sentido, com a condio de que se acrescente que

    do no-sentido que procede o sentido, que o no-sentido

    precisamente a unvoca doao de sentido (ontolgico) a todos os

    As montagens do estruturalismo reconheceram legitimamen-

    te, diz Deleuze, que "o sentido produzido pelo no-sentido e seu

    perptuo des[ocamento [...] e]e nasce da posio respectiva de

    elementos que no so, por si mesmos, 'significantes'" (ibid.). Mas

    esse pensamento ainda apenas um dos aspectos da questo,

    aquele que governa o primeiro percurso da intuio, aquele que

    vai dos simulacros indutores de sentidos equvocos at a univoci-

    dade do no-sentido. Pa111.g!@ar essa intuio1l logo !ermi-

    nar a construcgQ.lg.llglamento, priso saber ir .pos/duumene

    do no-segtjdo p!!!g !eglido, compreend:11fj! q!!g.n.o-sentidono nada mais do que a univo;cidade do Ser, e que, assim, longe

    de'querer dizer "aus


Recommended