António Teixeira Fernandes* Anánse sodal, vol. XXIX (129), 1994 (5.°), 1149-1191
Dinâmicas familiares no mundo actual:harmonias e conflitos
A instituição familiar vem concitando, nomeadamente no decurso de 1994, umaparticular atenção por parte das mais diversas organizações, nacionais e internacio-nais. Considerada a «unidade fundamental da sociedade», assim consagrada emdeclarações e constituições políticas, a família tem estado no centro de discursos ede realizações. Mas, se este tema conseguiu introduzir alguma mobilização nasociedade civil, o mesmo não parece haver ocorrido na esfera política. Em Portugalnem o governo nem os partidos souberam ou quiseram, ao longo dos últimos vinteanos, elaborar e fazer actual uma política familiar. A sociedade portuguesa carecede uma legislação coerente e eficaz nesta matéria que permita às pessoas o exercíciolivre das suas opções.
Neste contexto, o discurso sobre a família prevalece sobre as realizações con-cretas. E, se realizações houve, não são suficientemente sustentadas por políticasgovernamentais, correndo o risco de se tornarem pontuais e passageiras. A análisede tal discurso reveste-se, no entanto, de uma grande importância pelo que contémou omite. Recheado de oposições e, por vezes, mesmo de contradições, o discursosobre a família traduz bem a situação actual, a configuração de um fenómeno queperdeu as características de facto homogéneo, pulverizado indefinidamente. Ten-dem a prevalecer modelos diferentes de convivência familiar, em correspondênciacom outras tantas experiências de vida. Os discursos reflectem diversas áreas deproblematicidade que atravessam o mundo hodierno e penetram no interior doslares. A descodificação desses discursos passa necessariamente pela clarificação darealidade a que pretendem referir-se.
A análise que a seguir se apresenta tem como base os resultados de um inquéritolançado no espaço geográfico da Diocese do Porto. Foram enviados 10 000questionários para estudo de uma população calculada em cerca de 2 milhões dehabitantes. O tratamento dos dados recaiu sobre 2302, isto é, 23,02% do total dosinquéritos.
1. Não será fácil compreender a mudança na família se não se percebem asalterações produzidas na sociedade global. O mundo contemporâneo é cenário derápidas e profundas transformações que atingem os domínios da economia, da
* Faculdade de Letras da Universidade do Porto. 1149
António Teixeira Fernandes
ciência, da tecnologia, das relações sociais, das representações, dos valores e dasnormas, com uma dimensão cada vez mais global. O processo crescente deglobalização planetária retira às sociedades e às pequenas comunidades o seucarácter de autonomia. A sociedade torna-se progressivamente um espaço aberto,e as estruturas e as representações sociais, permeáveis por osmose às mudanças,adquirem um grau maior de variabilidade.
As dinâmicas familiares são, de facto, função de transformações mais amplasque ocorrem na sociedade global. Não será, no entanto, destas mudanças estruturaisque se ocupa este estudo, por serem, por demais, observáveis e reconhecíveis portodos. São abordados, de seguida, apenas os fenómenos tidos como mais relevantespara o conhecimento da problemática da família.
2. O mundo moderno passou de uma concepção orgânica da sociedade a umaconcepção individualista. Não são mais os grupos que aparecem como centro deinteresse e sede de direitos. O pensamento liberal libertou o indivíduo dos múlti-plos enquadramentos em que ele se situava nas sociedades tradicionais. A filosofiados direitos do homem, elaborada desde finais do século xvii, inscreve-se numamatriz liberal e desenvolve-se no campo de algumas crescentes tensões,designadamente as da privacidade versas a individualidade, do privado versus opúblico, da ética versus a moral. No interior destas coordenadas se tecem eentrelaçam relações e se constroem e impõem normatividades.
Esta passagem a uma outra concepção societal faz emergir algumas tendênciasmarcantes na nossa contemporaneidade, das quais importa destacar as seguintes:
2.1. Tem vindo a operar-se uma dissolução, em larga escala, dos ligames sociais.O enfraquecimento ou mesmo a supressão de fortes constrangimentos impostos pelavida colectiva arrastam consigo a criação de alargados espaços de liberdade, ondea afectividade e o amor se apresentam sob novas configurações. O tempo do socialconduziu à era da liberdade, e esta alterou a semântica do amor e do casamento.
2.2. Institucionalizaram-se, em consequência disso, formas de conjugalidadedistintas da vida familiar. Desde que o fim do matrimónio deixou de ser aprocriação, a relação entre os esposos, nas suas diferentes modalidades, adquiriua principal relevância. Este facto obriga o estudo sobre a família a integrar umamaior diversidade de fenómenos.
2.3. A sexualidade autonomizou-se da família a partir do momento em que estanão se impõe mais como condição para aquela. Já anteriormente a sexualidade sehavia tornado independente da conjugalidade, com a introdução quer de uma visãolibertária do amor, quer do próprio amor livre. De acordo com recentes estudos,os jovens atribuem à sexualidade maior importância do que as gerações anteriores,ao mesmo tempo que se alarga o seu conceito. Para além das relações sexuais,inclui a intensificação do convívio entre os sexos.
2.4.0 trabalho, por outro lado, tende a constituir para a mulher, designadamentenos estratos sócio-económicos mais elevados, a primeira forma de relacionamento
1150 social. Há no sexo feminino uma crescente aspiração à promoção social que entra,
Dinâmicas familiares no mundo actual
por vezes, em conflito com um estatuto sexual dominado. As mulheres que possuemmaior capital escolar e profissional escapam também mais facilmente e durante maistempo à urgência de fundar uma família. A relação ao casamento e à vida familiaré então condicionada por outros factores. Há uma valorização da liberdade e daindependência próprias da juventude e o reconhecimento de que a identidadepessoal e social é hoje mais uma produção individual do que o resultado, comooutrora, da herança familiar.
2.5. A experimentação sobre o corpo humano, em consequência dos avançosdas biotecnologias e da engenharia genética, vem produzindo uma profundadessacralização e desencantamento do corpo humano, alterando as representaçõessociais sobre a vida, a morte, a filiação e a paternidade. A reificação do corpo,tornado o outro do sujeito, tende a ser levada ao seu extremo, em detrimento deuma concepção unitária do homem. Vivemos na era dos embriões congelados, dafecundação in vitro, da clonagem, das mães de aluguer, da comercialização docorpo humano e dos seus órgãos, da alteração do património genético e datransexualidade. A mudança das características dos seres humanos e a sua mani-pulação revolucionam os conceitos tradicionais da vida familiar.
Se o cientista é movido pelo encantamento da descoberta, não existindo neleoutro desejo ou pulsão que não seja o querer compreender e conhecer o mistérioou a natureza das coisas, o utilizador da tecnologia é sobretudo atraído pelo prazerde manipular e de controlar, a que não será, porventura, alheia a vontade de podereconómico ou político. Esta vontade de poderio faz converter frequentemente osaber científico disponível, sem nada lhe acrescentar, em pura manipulação, emdetrimento do homem como consciência e liberdade.
O homem contemporâneo não possui a antropologia que merece, antropologiaque supere o dualismo cartesiano e promova o espaço para um reencantamento docorpo como forma de se ser e de se existir humanamente na temporalidade.Paralelamente ao desenvolvimento de uma tal antropologia, importante e urgenteserá conhecer até onde se fazem sentir os efeitos perversos das biotecnologias e dabiomedicina nas representações sociais do homem moderno, nomeadamente nassuas concepções sobre a família.
2.6. Com a geral divisão do trabalho nas sociedades contemporâneas, tomaramcorpo, finalmente, campos autónomos de moralidade, à distância de princípioséticos. Assiste-se hoje a uma crise das legitimações morais. Ora, com a diversifi-cação dos códigos morais, a família deixou de ser normalizada por orientaçõeséticas. Este facto acompanha a mudança dos padrões de conduta e das represen-tações, quer em relação à conjugalidade, quer em relação à vida familiar.
3 .0 desenvolvimento de tais tendências conduz, por toda a parte, a uma «famíliaincerta», onde se compatibilizam fenómenos divergentes e, não raro, mesmo opos-tos. Nenhuma sociedade aparece totalmente integrada. Todas elas são, em cadamomento histórico, o cruzamento de épocas diferentes. Descontínuas,descoincidentes e contraditórias são todas as épocas de mudança. Elas vivem dadialéctica de dois mundos, de um passado que resiste na sua aparente mesmidade 7757
António Teixeira Fernandes
e de um futuro que torna difícil ou faz mesmo perecer o presente. O desfasamentodos processos e a descoincidência dos ritmos tornam extremamente múltipla ecomplexa a realidade.
Estes dois movimentos, que integram e animam o mundo moderno, propi-ciam ópticas de leitura bem diferentes, segundo se cede à inércia do passado ouse é movido pela ânsia do futuro. Olhares diversos exprimem-se também emdiscursos diferentes.
3.1. Esta diversidade de ópticas provoca, antes de mais, o surgimento de umacontradição aparente que se manifesta, de ordinário, em termos de crise da famí-lia versus afirmação do valor da família. A crise da família coexiste, na sociedadehodierna, com a acentuação do valor da família. Se a contradição é aparente, éporque, num caso e noutro, se vêem coisas não identificáveis.
3.2. A família tradicional — extensa ou nuclearizada — é, para a grandemaioria, a principal experiência de convivência social. Tais modelos continuama ser dominantes no mundo ocidental, e nomeadamente em Portugal. O seupredomínio pesa na avaliação positiva da instituição familiar.
3.3. A afirmação do valor da família aparecerá, em alguns casos, como formade associação fortemente desejada para se fazer face ao estado de massificaçãoque grassa na sociedade global. Ela actuará, no imaginário e na acção quotidianadas pessoas, como nostalgia de um mundo encantado, onde as relações sociaisfluem com espontaneidade e com grande carga afectiva. Esta idealização dafamília contrasta com a sua real ou aparente desagregação. Está-se aqui peranteuma família utópica, cuja análise permitirá ver como os homens de hoje tendem,em situações adversas, a visualizá-la e a idealizá-la, como mecanismo de fuga àcomplexidade, mais ou menos conflitual, que permeia as actuais sociedades.
3.4. Situações há ainda em que a família se apresenta configurada sob a formade uma rede mais ou menos informal de relações e de proximidades pessoais esociais. A convivialidade familiar é então mais aberta e flexível. Não tem maisnada a ver com a família normalizada tradicional, extensa ou nuclear. Incluem--se aqui as diversas modalidades atípicas de vida familiar, desde a referência aparentescos relativamente difusos, que não passam, de forma consciente e expres-sa, pelo casamento, ao mais consolidado relacionamento matrimonial. Tal valo-rização traduz a necessidade das sociabilidades elementares num tempo de dis-solução generalizada dos ligames sociais.
4. Se a juventude europeia tendia a ver na família, num passado recente, umainstituição alienante, negadora da liberdade, hoje considera-a, cada vez mais, deforma positiva, como agrupamento onde as pessoas se sentem bem e em segurança.
Mas esta celebração da família é também acompanhada do esvaziamento dassuas prescrições sacrificiais de outrora. Frequentemente, é reduzida a mero meiode realização íntima e pessoal. A instrumentalização da família aos direitos dasubjectividade livre dissolve a ética tradicional, convertendo o matrimónio emsimples factor dispensador da felicidade individualizada. Será, em consequência,apenas legítimo o casamento que consagre a autonomia de cada um ou, ao menos,
1152 a salvaguarde no seu mínimo indispensável.
Dinâmicas familiares no mundo actual
A família tornou-se um espaço emocional, percorrido por dinamismoscontrastantes, onde se desenham estratégias centradas na realização pessoal. Nosnossos dias é cada menos uma comunidade estável, sujeita como está a sucessivasoscilações. Os direitos subjectivos tendem a prevalecer sobre as obrigações ineren-tes ao grupo. A prioridade reclamada para a felicidade individual conduz progres-sivamente à instrumentalização da família.
5. O mundo contemporâneo vive sob o signo da crise. Uma sensação generali-zada de mal-estar faz crer que a sociedade está a ser abalada nos seus própriosfundamentos. A anomia parece ter invadido os mais diversos sectores de actividadee a espiral da crise ameaça atingir diversas formas de vida associada.
O processo difuso de desinstitucionalização vem afectando, na verdade, osligames sociais. Posto em causa o universo das representações, os sistemas derelação perdem a sua estabilidade. A desinstitucionalização em cadeia provoca adecomposição da família, destruindo-a como célula social, deixando, em seulugar, relações interindividuais, cada vez mais problemáticas. O desaparecimentodo familismo, dominante na sociedade tradicional, fez mover primeiro a estruturada família e apagou depois o próprio espírito de família, reduzindo as relaçõesfamiliares a formas comuns de relações.
Os movimentos antagónicos que atravessam a instituição familiar estão na baseda coexistência de alguns discursos: o discurso da crise e o discurso laudatório dosvalores familiares. Tanto o discurso da crise como o discurso laudatório possuemuma suficiente carga ideológica. Mas, enquanto um atende às novas modalidades devida conjugal e familiar, o outro encerra em si a nostalgia dos valores tradicionais.
Mais do que crise — ou esta será a sua dimensão e o seu sentido —, as actuaisdinâmicas familiares traduzirão antes um processo de adaptação ou de reajustamentoàs novas condições de vida, com a extensão do seu conceito. As realidades existen-ciais e a mente das pessoas continuam ainda presas a situações sócio-históricas dopassado. Tende a fugir-se aos espartilhos criados, supervalorizando-se a crise oufugindo-se a ela, enaltecendo-se os valores.
5.1. Os efeitos perversos deste processo de adaptação — vulgarmente designa-do por crise — revelam-se, no conjunto dos países europeus, neles incluindoPortugal, em vários indicadores. Nos últimos vinte anos operou-se uma mudançanos padrões de conduta familiar, com as seguintes orientações fundamentais:
a) As taxas de nupcialidade baixaram sensivelmente e o casamento passou aser menos frequente e cada vez mais tardio;
b) O casal fragilizou-se e o divórcio tornou-se banal, subindo em flecha assuas taxas, atingindo sobretudo as classes médias;
c) A duração média dos casamentos baixou e o divórcio ocorre cada vez maiscedo;
d) Cresceram significativamente os grupos domésticos monoparentais e o nú-mero de pessoas que vivem só, com a generalização de situações de pesadasolidão, nomeadamente nos grandes centros urbanos; 1153
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e) Embora a maioria dos divorciados ou separados volte a casar, o recasamentodestes é progressivamente mais raro;
f) A coabitação juvenil e as uniões de facto têm conhecido igualmente umgrande incremento;
g) Persiste o princípio da homogamia, com a união de parceiros semelhantes,do ponto de vista social e cultural;
h) As taxas de natalidade atingem valores muito baixos e mantêm-se relativa-mente estáveis;
0 As taxas de nascimentos fora do casamento são progressivamente maiselevadas em relação ao conjunto das uniões.
Em alternativa aos modelos tradicionais de família, depara-se actualmentecom um vasto espectro de situações de vida familiar e de conjugalidade. Ao ladoda família extensa existem as seguintes modalidades: a família nuclear (sob aforma de família aliança, fusão ou associação), a coabitação juvenil, a famíliaassociação de facto e a relação livre sem associação.
Numa sociedade onde as condições de vida, a longo termo, não são mais previ-síveis valoriza-se o presente em detrimento do futuro. O mundo contemporâneofavorece o modelo familiar que dá prioridade ao imediato, à satisfação dos momen-tâneos prazeres da vida. Perdem, em consequência, sentido os compromissos defi-nitivos e a família torna-se estruturalmente instável.
Fazer com que, no processo de adaptação da família -às novas condições devida moderna, os efeitos perversos sejam superados e a situação de crise assumaa forma de purificação da instituição familiar, em termos da sua valorização comogrupo social, esse parece ser o grande desafio proposto a este tempo que noscoube viver, essa é a enorme responsabilidade da presente época histórica.
A mudança não se opera somente nas estruturas. Atinge, em particular, asmentalidades e as atitudes. A família entrou em crise, sobretudo para aqueles quejá não acreditam no casamento, em sintonia — dizem — com o tempo que corre.De acordo com tal perspectiva, o matrimónio e a família não são mais os espaçospor excelência da afectividade e do amor, muito menos da realização pessoal.
5.2. Ao lado do discurso da crise situa-se o discurso laudatório dos valores dafamília. Este último discurso veicula um modelo de família que, de forma normal-mente subentendida, se quer afirmar face ao que se considera como sua desagre-gação. Tal discurso apresenta-se com uma dupla orientação: ou de pendor doutrinal— preocupado mais com o dever-ser da família do que com o seu ser actual — oucentrado sobre avaliações subjectivas, situadas entre o ser e o dever-ser.
O discurso doutrinal valoriza a solidariedade e a partilha da intimidade nummundo de crescente individualismo. É, assim, um discurso retórico que pretendeglorificar as alegrias da intimidade familiar e o valor afectivo e a segurança do lar.Recusa, em consequência, a existência de uma crise generalizada dos valores dafamília, afirmando, ao contrário, a sua perenidade, quando não a sua actual pujança.
Este discurso é sempre sustentável, qualquer que seja a realidade existente. Mas,1154 se ele pretende ocultar as transformações que afectam a família, passando ao lado
Dinâmicas familiares no mundo actual
dos conflitos e das contradições que a envolvem, não deixa de conter algumairresponsabilidade, pela relativa indiferença que possa mostrar em relação aosproblemas concretos das pessoas. Salientando, porém, os aspectos positivos daprópria crise, assume uma função coadjuvante de reajustamentos adequados. Sabe--se que a difusão da ideia de crise da família, na mentalidade geral, tende a acentuara mesma crise. Porque os fenómenos sociais têm uma relação de circularidade, «oconhecimento da alta taxa de divórcios pode afectar a própria decisão de casar». Defacto, no entender de Anthony Giddens, «o casamento e a família não seriam aquiloque são actualmente se não estivessem completamente 'socializados' e'psicologizados'». Consequentemente, «as mudanças nos padrões de valores nãosão independentes das inovações de orientação cognitiva provocadas por mudançasnas perspectivas sobre o mundo social»1. A vida social engloba simultaneamentepráticas e representações, que se inter-relacionam de forma circular.
Desde que o divórcio se tornou o futuro estatisticamente possível de cada larformado, perde o seu carácter estigmatizante e estigmatizado. A estigmatizaçãodiz mais respeito hoje aos procedimentos do divórcio. O sucesso da concepçãodo «bom divórcio» mantém uma particular relação com a cultura actual, domi-nada pela ideologia da autonomia e da privatização.
O discurso laudatório dos valores da família centrado sobre avaliações sub-jectivas, esse capta sobretudo opiniões ou dimensões particulares da realidade. Sepretende ser científico, nem sempre atende suficientemente ao que está em causa.
Quando se fala, de facto, do valor da família, não se desconstrói, de ordinário,o conteúdo desse valor. Trata-se da importância da continuidade da família ex-tensa ou nuclear? Das modalidades informais de vida familiar? De formas alter-nativas de conjugalidade? De meras relações de parentesco? De uma simplesnostalgia face à ruptura sistemática das relações sociais?
Orientando-se a análise para o estudo das opiniões, será necessário ter presen-te a distância que possa haver entre o que se pensa, o que se declara e as práticassociais. Mesmo nos casos em que a família aparece como um fracasso, é aindapossível, em relação ao mundo das representações ideais, que alguém emita umaopinião valorativa. E, entendendo que ela está perfeitamente ultrapassada, poderánão querer arriscar-se publicamente a opinião.
Quando a avaliação se refere a realidades, atende-se, normalmente, ora àfamília normalizada — e aí é fácil encontrar valores —, ora a modelos emergen-tes de família — e também aqui não é impossível descobrir aspectos positivos.Diferentes são, contudo, os valores dos modelos consolidados, dos valores dosmodelos emergentes.
A família tradicional era igualmente, ou talvez antes de mais, uma organizaçãoeconómica. Operou-se nos últimos tempos uma purificação em relação à suadimensão institucional, com a sua transformação em grupo social. Esta passagemé vivida e avaliada por alguns como crise, por outros é entendida como libertação.
Talvez o discurso da crise apareça mais próximo da análise experiencial, enquan-to o discurso laudatório tende a exprimir sobretudo o universo oscilante das opiniões.
1 Anthony Giddens, As Consequências da Modernidade, Oeiras, Celta Editora, 1992, pp. 33 e 34. 1155
António Teixeira Fernandes
6. Qualquer que seja a configuração da realidade familiar, esta é tambémcontemporânea da violência e de uma certa violação dos direitos do homem2.Torna-se, por vezes, bastante aparente o conflito entre a concepção da família,enquanto espaço da afectividade e do amor, e a prática da violência.
A conflitualidade atravessa, na verdade e de forma endémica, a família dehoje. Tem-se vindo a perder o equilíbrio nas relações familiares. Quando asmetas a atingir são o ganhar muito e o consumir sempre mais, deteriorizam-se efragilizam-se as relações sociais. Os filhos transformam-se, desde então, em sim-ples peso económico e a lógica da conjugalidade passa a prevalecer sobre alógica familiar. Nesta perspectiva, a família poderá ser rejeitada, desde que con-cebida como constrangimento e factor limitador da liberdade e da realizaçãoindividual, sem compromissos. Não há família sem conjugalidade, mas esta podeexistir sem qualquer empenhamento familiar.
Os pais consideram terem o direito/dever de castigar os filhos, criando, emmuitos casos, as condições favoráveis à prática da violência. Nem sempre é fácilsaber onde termina o castigo e começa a violência. O disfuncionamento dosistema conjugal poderá, assim, converter o lar em família de risco.
A socialização dos homens de amanhã é posta, em tal contexto, em causa.A violência no lar compromete o desenvolvimento equilibrado da família nofuturo. As famílias actuais, vivendo no conflito e na violência, criam nos jovensuma atitude contrária ao casamento. Não se trata somente da vivência harmoniosana família contemporânea, mas ainda da sua projecção na sociedade de amanhã.
Não será certamente a conjugalidade que corre maiores riscos. O que pareceestar particularmente em causa é a constituição de um lar, onde os filhos sejamdesejados e acolhidos com carinho. O passado dos jovens poderá desaconselhar--lhes a reprodução de experiências recheadas de conflitualidade e de violência.
As crianças, nas sociedades complexas de hoje, aparecem bastantefragilizadas, feitas, com frequência, objecto de atentados à dignidade e de viola-ção dos direitos do homem, mas são também uma janela aberta sobre o futuro,postos como estão os seus olhos noutros mundos que despontam no horizonte eque só os seus olhos alcançam.
A família entra em desagregação quando se deixa de sentir e perceber omistério da vida.
7. À luz do precedente quadro de análise e tendo em conta as tendênciasemergentes anteriormente apontadas, assume o devido relevo a abordagem que, deseguida, será feita sobre o que, no domínio da família, está a ocorrer no espaço daDiocese do Porto. Serve de base ao presente estudo uma amostragem que cobre aquase totalidade do distrito do Porto e parte importante do distrito de Aveiro.
O inquérito foi lançado em meio predominantemente católico e terá sidodirigido (se se atende à mediação na sua aplicação) a pessoas com alguma ligação
2 A. Teixeira Fernandes, «Os direitos do homem nas sociedades democráticas. A violência na1156 família», in Sociologia — Revista da Faculdade de Letras, Universidade do Porto, 4, 1994, pp. 7-47.
Dinâmicas familiares no mundo actual
a movimentos apostólicos ou, pelo menos, à Igreja. Atinge sobretudo indivíduoscasados (89%). Apenas 3% são solteiros.
Por sexo, estão representados 75% de homens e 19% de mulheres (com 6% deNS/NR). Quanto às habilitações literárias, 49% possuem o 1.° ciclo (4.a classe) e15% o 2.° ciclo. Trata-se de pessoas, com 44 anos de média etária, com um capitalescolar bastante baixo, havendo apenas 6% com curso superior e 5% com um cursomédio, tanto no sexo masculino como no feminino.
Residem sobretudo em meio rural (56%), de acordo com a declaração expres-sa, habitando em vila 18% e em cidade 20%. 55% dos homens trabalham porconta de outrem e 26% por conta própria. Encontram-se, na sua grande maioria,no exercício efectivo de actividade profissional. 12% estão no desemprego.
Poderá afirmar-se que a análise incide fundamentalmente sobre pessoas perten-centes às camadas baixas e médias da sociedade e com uma mentalidadetendencialmente rural. Não atingirá, por isso, os segmentos da população onde aerosão da estrutura familiar é mais intensa, profunda e visível. Os resultados dapesquisa revelam, além disso, que os inquiridos formam uma população relativa-mente homogénea, sobretudo do ponto de vista da mentalidade. São disso provaos cruzamentos de variáveis que se fizeram, alguns deles mencionados ao longo daanálise, cujas regularidades desaconselharam a publicação na sua totalidade.
As tendências que se revelam no estudo são, consequentemente, bem significa-tivas do processo de desinstitucionalização familiar em curso nos meios em causa.
Não é objectivo desta abordagem a quantificação de algumas variáveis que, deuso corrente, são apontadas como indicadores do grau de estruturação e de estabi-lidade da família. Utilizam-se, neste particular, os dados fornecidos pelo INE sobrea frequência do matrimónio, religioso ou civil, e sobre as taxas de natalidade e dedivórcio. Mais do que a sua estrutura e as suas funções, entendeu-se importanteestudar as representações, os valores e as normas relativos à família, tendo em contaa sua incidência actual e tentando antever o seu desenvolvimento no futuro próximo.
Também não foi inquirida a juventude. Mas, embora tenham sido preferente-mente sondados os casados, não se trata unicamente de uma análise sobre aconjugalidade. A ideia de família e da sua evolução é dada pelos próprios cônjuges.Conveniente seria conhecer ainda o que pensam os jovens sobre a família de origeme sobre o lar que idealizam e preparam para amanhã. Não deixaremos, porém, deesboçar, oportunamente, o mundo das representações da família próprio da juven-tude, a partir dos resultados de inquéritos realizados em outras regiões do país, nosuposto de que apresentam um grau elevado de universalização nacional.
De acordo com os dados publicados pelo INE, as taxas de casamento, divór-cio e natalidade têm vindo a alterar-se de forma significativa ao longo das últimasdécadas. Enquanto as taxas de divorcialidade sobem, as de natalidade descemacentuadamente.
No Grande Porto o divórcio (percentagem calculada sobre a totalidade doscasamentos dissolvidos no respectivo concelho) apresenta, em 1991, maior frequên-cia em Espinho (29,87%), seguida de perto do Porto (26,78%) e de Matosinhos(26,24%), e aparecendo somente depois Vila Nova de Gaia (21,43%), Maia(20,00%), Valongo (19,10%) e Gondomar (18,70%). Por sua vez, os casamentos 1157
António Teixeira Fernandes
não católicos, igualmente em 1991, realizam-se em maior número (calculandotambém aqui a percentagem sobre a totalidade dos casamentos celebrados norespectivo concelho)3 na cidade do Porto (35,98%), ordenando-se os restantesconcelhos do seguinte modo: Espinho (26,80%), Matosinhos (26,28%), Maia(23,78%), Vila Nova de Gaia (23,38%), Valongo (17,30%) e Gondomar (16,43%).O volume dos casamentos não católicos é, evidentemente, superior ao dos matrimó-nios civis. Naqueles estão incluídos os casamentos celebrados em outras religiões.
Nupcialidade e dissolução do casamentoEm percentagem
[QUADRO I]
Total nacional .
Porto (conce-lho)
Aveiro (conce-lho)
Lisboa (conce-lho)
Nupcialidade. .
Dissolução docasamento . .
Nupcialidade..
Dissolução docasamento . .
Nupcialidade . .
Dissolução docasamento . .
Nupcialidade. .
Dissolução docasamento . .
Casamento católicoCasamento não católico . . .
Total
Por mortePor divórcioPor separação
Total
Casamento católicoCasamento não católico . . .
Total
Por divórcioPor separação
Total
Casamento católicoCasamento não católico . . .
Total
Por mortePor divórcioPor separação
Total
Casamento católicoCasamento não católico . . .
Total
Por mortePor divórcioPor separação
Total
1960
90,759,25
100,00
97,682,32
100,00
90,419,59
100,00
96,403,60
100,00
97,852,15
100,00
96,173,83
100,00
63,7536,25
100,00
89,8510,15
100,00
1970
86,5913,41
100,00
97,181,381,44
100,00
87,0013,00
100,00
94,950,904,15
100,00
93,406,60
100,00
97,450,052,50
100,00
61,2438,76
100,00
91,744,853,41
100,00
1981
74,0225,98
100,00
55,86
100,00
62,8037,2
100,00
54,45
100,00
77,2122,79
100,00
44,63
100,00
87,9212,08
100,00
62,22
100,00
1991
72,0527,95
100,00
81,3018,430,27
100,00
64,0235,98
100,00
72,8926,660,45
100,00
70,2429,76
100,00
77,5421,930,53
100,00
53,4446,56
100,00
67,1932,390,42
100,00
1158
Fonte: INE.
3 Não se trabalha aqui com taxas, quer de natalidade, quer de nupcialidade, que teriam de serconstruídas com base nas respectivas populações globais e expressas em permilagens. Trata-se de
Dinâmicas familiares no mundo actual
Natalidade dentro e fora do casamentoEm percentagem
[QUADRO II]
Total nacional . . .
Porto (concelho).
Aveiro (concelho)
Lisboa (concelho)
Natalidade . .
Natalidade . .
Natalidade . .
Natalidade . .
Dentro do casamento . . .Fora do casamento
Total
Dentro do casamento . . .Fora do casamento
Total
Dentro do casamento . . .Fora do casamento
Total
Dentro do casamento . . .Fora do casamento
Total
1960
90,559,45
100,00
92,027,98
100,00
92,677,33
100,00
82,6917,31
100,00
1970
92,787,22
100,00
94,75,3
100,00
93,356,65
100,00
88,0211,98
100,00
1981
90,509,50
100,00
85,2514,75
100,00
92,137,87
100,00
83,9516,05
100,00
1991
84,415,60
100,00
77,0222,98
100,00
84,2815,72
100,00
70,0429,96
100,00
Fonte: 1NE.
O aumento dos casamentos civis e a divorcialidade são fenómenos que acom-panham a penetração e a circulação de uma nova mentalidade nos diversos meiossociais. A sua frequência é, do mesmo modo, maior onde a exposição a tais ideiasé intensa. A sua influência faz-se sentir nos centros urbanos, como o Porto, ou nasimportantes regiões de turismo, como Espinho. O relativo isolamento das popula-ções, como acontece em zonas do interior, torna-as mais imunes aos ventos demudança, sendo aquelas percentagens aí residuais. Haverá aqui um certodesfasamento entre a mentalidade, em acelerada mudança, e a manutenção daspráticas sociais. Este facto comprova que o que está em causa são as transforma-ções operadas no mundo das representações, dos valores e dos padrões de condutaface ao casamento e à família. Quanto mais elevadas são as taxas de divorciali-dade, menor, por outro lado, é a distância entre homens e mulheres em relação aorecasamento. Deixam de actuar, neste caso, tanto a estigmatização do divórciocomo a estigmatização do recasamento. Estes dois tipos de estigmatização encon-tram-se, com frequência, fortemente associados.
Os casamentos civis e a natalidade fora do casamento apresentam, em grandeparte e pelas mesmas razões, uma distribuição desigual no espaço nacional.Actuam, como factores determinantes, o processo de descristianização, o peso deideologias e a influência de ideias mais libertárias.
analisar o valor relativo dos casamentos não católicos e do divórcio, em correspondência com oconjunto dos casamentos celebrados ou dissolvidos. O mesmo critério presidiu à elaboração dosquadros i e II. 1159
António Teixeira Fernandes
Casamentos civis e católicos por regiões do facto (1991)
[GRÁFICO N.° 1]
Portugal
Continente
Norte
Centro
Lisboa e Vale do Tejo
Alentejo
Algarve
Região Autónoma dos Açores
Região Autónoma da Madeira
Fonte: INE.
[GRÁFICO N.° 2]
Portugal
Continente
Norte
Centro
Lisboa e Vale do Tejo
Alentejo
Algarve
Região Autónoma dos Açores
Região Autónoma da Madeira
Civis Católicos
Natalidade dentro e fora do casamento (1991)
| Fora do casamento Q] Dentro do casamento
1160
Fonte: INE.
O divórcio tende a ser encarado de harmonia com a forma de casamento quelhe antecede. O problema não parece estar tanto na «saída», mas na «entrada» navida matrimonial. A ruptura pode ser vista como expressão de um modelo decasamento, e não tanto como o resultado de um conjunto de carências não satis-feitas pelo sistema. Este põe em causa, na sua crise, principalmente os aspectosinstitucionais do casamento, com reflexos evidentes na sua ritualização e nanatalidade. A dimensão afectiva é reconstruída, normalmente, numa outra formade conjugalidade ou de família.
Dinâmicas familiares no mundo actual
As representações, os valores e as atitudes perante o casamento e a vidafamiliar são o objecto principal de análise. Trata-se de conhecer a avaliaçãosubjectiva de um fenómeno em processo de rápida transformação.
7.1. Uma das questões fulcrais deste estudo é a que se refere ao lugar queocupa a instituição familiar na própria estruturação da sociedade numa época derecomposição das sociabilidades. Na sua quase totalidade (97%), reconhece-senela a «célula base» da vida social. 2% não estão de acordo.
Concebendo a família como elemento fundamental da sociedade, uma percen-tagem elevada (36%) entende que ela «não resiste à crise por que está a passar».Os 60% que discordam de que ela não resiste à crise reconhecerão as muitastransformações em curso no seu seio e poderão ser, em alguns aspectos, permeá-veis a elas. Seria necessário conhecer, para isso, o eventual conflito existenteentre a força das ideias novas e o alcance da sua penetração e a conformidadeàs práticas sociais impostas por acção da inércia ou do controle social.
Importância institucional e capacidade de resistênciaEm percentagem
[QUADRO III]
Família
Célula baseCapacidade de resistência à crise . .
Sim
9760
Não
236
NS/NR
14
Total
100100
Se se tende a aceitar o carácter trans-histórico da família e a sua perenidade(60%), pensa-se também que «a forma como se constitui e se vive em família»,em relação ao passado, «é pior». O pessimismo quanto à sua forma de existênciaactual prevalece sobre o optimismo. Somente 42% entendem que ela é «melhor».
Mudança na constituição e vivência em famíliaEm percentagem
[QUADRO IV]
Forma de constituição e de vivênciaem relação ao passado
Melhor
42
Igual
8
Pior
47
NS/NR
3
Total
100
Existe, no imaginário das pessoas, a ideia de que a família alargada é maisconsentânea com a existência humana. Este modelo é concebido, no entanto, comonão «adequado ao mundo de hoje», embora apareça como «mais adequado à vidae à realização das pessoas» (53%). Vista como incompatível com as actuais condi-ções de vida, a família extensa ocupa ainda um lugar de relevo nas representações 1161
António Teixeira Fernandes
sociais, constituindo um espaço privilegiado para se ser pessoa. A família nuclearserá uma resposta directa ao individualismo moderno, que multiplica as possibilida-des de relação social, mas apouca, se não o conteúdo, ao menos a sua duração.
Grau de adequação actualEm percentagem
[QUADRO V]
Mais adequada à realização das pessoasMais adequada ao mundo de hoje
Alargada
5334
Nuclear
4563
NS/NR
23
Total
100100
1162
Há, na verdade, um nítido conflito entre a imagem desejada de família e as suasmodalidades concretas de existência. Continua a desejar-se o que não parece sermais possível alcançar. Esta situação de relativa inadaptação aos actuais modelosde família e a ligação afectiva a formas do passado podem ser Índiciadoras de umdesenquadramento bem mais profundo e mais vasto, próprio das nossas socieda-des. Haverá não só uma desinstitucionalização, como um desenraizamento bastantegeneralizado em meio urbano ou urbanizado, que poderá afectar o equilíbrio sociale afectivo das pessoas. A família sofrerá directamente os efeitos da acção dessesdois factores.
Dando fundamento a esta hipótese, nas zonas urbanas e urbanizadas deveriaexistir uma maior nostalgia da família alargada. Se se tem em conta a região deresidência, as habilitações literárias e a actividade profissional, as percentagensrevelam-se, no entanto, constantes. Em todos os casos, a capacidade de adequa-ção da família extensa à realização das pessoas anda à volta dos 54%, contra 46%dos que consideram mais adequada a família nuclear.
Falta saber como a urbanização, pelos reajustamentos existenciais que provoca,cria tensões na vida dos indivíduos, com efeitos nas suas modalidades deconvivialidade. Importa conhecer ainda o grau de difusão da mentalidade urbana nosmeios rurais. As tensões tenderão a variar, em princípio, de acordo com o capitalescolar, social e cultural. As modalidades de sociabilidade, nelas incluída a família,estão em relação directa com um conjunto de outros factores que é necessário ter emconta no estudo deste particular fenómeno. Não é, porém, na cidade do Porto queos valores percentuais são mais elevados na avaliação da incapacidade da família emresistir à crise.
7.2. A família passou de uma relação de estabilidade estrutural a uma outrade estrutural instabilidade. A consciência difusa desta instabilidade apreende-se,quer quando se aborda a formação de novos casais, quer quando se atende àsolidez dos casais já constituídos.
Colocando as pessoas face a uma situação simulada, uma percentagem elevadadeclara que, se se viesse a desfazer o seu próprio matrimónio, não voltaria a casar.O grau de satisfação encontrada no casamento poderá não ser, porventura, muitoalto. Mesmo entre aqueles que declaram voltar a casar-se (52%) poderá aventar-se
Dinâmicas familiares no mundo actual
a hipótese de uma distribuição desigual da satisfação. A escala dessa distribuiçãoe as respectivas frequências seriam necessárias a uma análise mais aprofundada.
A relação afectivaEm percentagem
[QUADRO VIJ
É melhor ficar solteiro do que casarSe se desfizesse o casamento, voltaria a casar..
Sim
1752
Não
8044
NS/NR
34
Total
100100
Constituição e estabilidade da família actualEm percentagem
[QUADRO VII]
Condições mais favoráveis para os jovensMaior estabilidade em relação ao passadoMentalidade de hoje mais favorável à constituição do
matrimónioMentalidade de hoje mais favorável à estabilidade
matrimonialInstabilidade resultante da deslocação da afectividade
do casal para os filhosVivência cristã, factor importante na harmonia e esta-
bilidade familiaresConhecimento de situações em que o ser católico não
diminui a conflitualidade e a instabilidade na família
Sim
3328
43
33
17
93
70
Não
6269
54
63
80
5
25
NS/NR
53
3
4
3
2
5
Total
100100
100
100
100
100
100
A tendência é para se pensar que a família de hoje é «menos estável» do queoutrora (69%). Somente 28% pensam que ela é «mais estável». Tal avaliaçãopermanece idêntica tanto no sexo masculino como no sexo feminino. 29% doshomens e das mulheres entendem que a família actual é mais estável, enquanto71% a têm como menos estável. Estas mesmas percentagens mantêm-se segundoa idade, a região de residência, as habilitações literárias e a profissão exercida.
[QUADRO VIII]
HomemMulher
Estabilidade da família segundoEm percentagem
Mais estável
28,6828,70
o sexo
Menos estável
71,3271,30
Total
100100
Marcante parece revelar-se a consciência de que a família é dotada de menorestabilidade e de que, por isso, os jovens não dispõem actualmente de «condições 1163
António Teixeira Fernandes
para constituírem um lar estável para toda a vida» (62%). Não só se reconhece ainstabilidade do próprio lar, como se avalia ainda de forma negativa o futuro dosjovens em relação à família. Em que medida esta avaliação do futuro dos jovensé uma projecção das dificuldades experimentadas no presente ou uma mera obser-vação empírica do que ao lado se passa, é uma questão que conviria controlar.Parece indubitável que a compreensão dos desvios introduzidos na instituiçãofamiliar é uma função da situação vivida e da rigidez dos princípios incorporados.
Avaliação subjectiva do divórcioEm percentagem
[QUADRO IX]
Crescimento do número de divorciadosTendência para o recasamentoTendência para a integração dos divorciados e
recasados na comunidade cristã .
Sim
5642
42
Não
3627
29
NS/NR
831
29
Total
100
100
100
1164
Se a mentalidade geral parece não ser «favorável à constituição do matrimónio»(54%), menos aberta se mostra à «estabilidade matrimonial» (63%). O casamentoapresenta largas margens de incerteza, mesmo quando aparentemente dotado derelativa estabilidade, até pela vinculação jurídica criada.
Existe uma consciência difusa de que «tem vindo a crescer o número dedivorciados» (56%), que estes divorciados «tendem a recasar-se» (42%) e que osrecasados são relativamente «integrados na comunidade cristã» (42%). A sensi-bilidade em relação ao aumento dos divórcios não é geral, assim como a ideiade que se recasam e se integram na «comunidade cristã». É, de facto, elevada apercentagem dos que «não sabem» ou «não respondem».
O recasamento reveste-se, nas sociedades contemporâneas, de uma certaambiguidade. Participa, por um lado, da representação que se tem do divórcio.Os recasados não escapam à estigmatização — quando ela existe — própria dosdivorciados. Mas o recasamento tende, por outro lado, a ser valorizado, namedida em que recria uma normalidade conjugal e familiar. Aparece então comoindicador de uma boa readaptação e, finalmente, como um índice da estabilidadedo próprio sistema matrimonial global.
Nas sociedades com predomínio religioso, onde o casamento surge como umtempo forte de adesão a valores, a difusão da união livre e da coabitação, assimcomo a ruptura fácil da conjugalidade, significam, contudo, também uma certa«desintegração» de valores.
Existe actualmente uma difusa sensibilidade que conduz a ver a instituiçãofamiliar em estado generalizado de crise, agitada por uma instabilidade estrutural.Tal mentalidade parece ser cada vez menos propícia ao matrimónio e a umacomunhão de vida para sempre. O relativismo dos valores e uma certa moral desituação terão atingido de forma indelével a instituição familiar.
Dinâmicas familiares no mundo actual
7.3. Diversas são as causas atribuídas à crescente desagregação da família.Por ordem decrescente, essas causas, assinaladas pelos próprios inquiridos, sãoa doença, a falta de condições económicas, o desemprego, a carência de habita-ção e a imaturidade humana.
Factores de instabilidade
[QUADRO X]
1 °2 o .3 o
4 o
5 o
DoençaFalta de condições económicasDesempregoCarência de habitaçãoImaturidade humana
A doença, na actualidade, é um dos factores de forte desgaste da família. Noturbilhão da vida agitada, tende a diminuir a capacidade para suportar os outros,nomeadamente quando estes aparecem grandemente fragilizados ou atingidos peladesventura. A sociedade não consente o incómodo dos subprodutos. A doença nãoé tolerada para além de um prazo razoável para o não ser. Quando surge sem prazo,cria enfado e uma vontade de rejeição.
Vêm depois as infra-estruturas tidas como indispensáveis à boa convivência eestabilidade familiares, tais como a falta de condições económicas, o desemprego ea carência de habitação. Em meio urbano ou urbanizado, como tende a configurar--se todo o espaço da região do Porto, estes factores condicionam fortemente não sóa composição, como ainda a estabilidade da família.
Atendendo a este mesmo problema — das causas da desagregação —, masagora pelo seu lado positivo, verifica-se que os aspectos que «mais contribuem paraa estabilidade e o bom ambiente» familiares são, também por ordem decrescente,indicada pelos próprios inquiridos, o respeito, a compreensão mútua, o diálogo, averdade e a afectividade.
Factores que contribuem para a estabilidadee o bom ambiente na família
[QUADRO XI]
1.°2 o
3.°4.°5.°
0 respeitoA compreensão mútua0 diálogoA verdadeA afectividade
Convém salientar que uns são factores que propiciam a vida harmoniosa, na suadupla componente de condições materiais e de posicionamento e estado de espírito,outros são os objectivos procurados na vida conjugal. Tende a buscar-se na família,
António Teixeira Fernandes
por ordem decrescente, a relação afectiva, a realização espiritual e a realizaçãopessoal. Mas tais objectivos não são obtidos sem o mútuo respeito, a recíprocacompreensão, o diálogo e a verdade.
Com base neste conjunto de factores, tidos como indispensáveis ao bom relacio-namento familiar, constata-se o seguinte quadro: as pessoas são atraídas e impelidaspara o matrimónio na busca da relação afectiva, da realização espiritual e darealização pessoal. Os dados recolhidos mostram que estas são as motivaçõesessenciais da conjugalidade no universo estudado, pelo menos as razões maiselevadas e expressas em declarações. Não deixa de ser curioso observar o facto deninguém ter assinalado a satisfação sexual, a autonomia e um melhor nível social.Este poderá ser um indicador de que a família, nas sociedades contemporâneas,deixou de ser a instituição indispensável à obtenção de tais finalidades. A relaçãosexual é conseguida através de uma generalizada permissividade precoce nestedomínio. A autonomia é obtida sobretudo mediante a inserção no mercado detrabalho. O melhor nível social é alcançado quando se atinge a posse de umsuficiente capital escolar, social e profissional. Estas outras fileiras de acesso ao queas pessoas têm como mais desejável poderão subalternizar a constituição familiar.
De acordo com uma outra perspectiva de explicação, a razão da periferizaçãoda satisfação sexual, autonomia e melhor nível de vida encontrar-se-á nas caracte-rísticas da própria população que é objecto de estudo e na sua possível contençãoem sublinhar estes aspectos.
São factores materiais de apoio as condições económicas e habitacionais.Revestem-se de um particular carácter instrumental, mas não se lhes deve retirara sua importância. Constituem, de facto, elementos condicionantes de uma boa eestável relação, embora não sejam contados pelos inquiridos entre os factores quemais contribuem para a estabilidade e o bom ambiente na família.
7.4. Se a família, nas sociedades de hoje, está sujeita a uma forte erosão, éporque carece também de adequados «serviços de apoio» (46%). Estes serviços ounão existem, ou, existindo, não são dotados de grande capacidade. 44% recusampronunciar-se sobre a sua qualidade, 29% consideram-nos «razoáveis» e apenas14% os julgam «bons». Parece constatar-se a ausência de uma rede de serviços queforneçam às famílias a ajuda de que necessitam.
Mesmo a «pastoral familiar», centrada sobre o lar existente, não parece sergeneralizada e, nos casos em que é praticada, nem sempre é objecto de altoapreço. Somente em 23% das situações é tida como «boa». Há sobretudo «ser-viços de preparação para o casamento». Faltam «encontros de reflexão», «encon-tros de convívio» para casais, «serviços de acompanhamento» e a «criação deserviços de acolhimento».
Compreende-se, assim, com base nos resultados em análise, que, quando se põea questão do tipo de «apoio à família», as pessoas se sintam inclinadas a solicitaruma acção orientada para a «criação de mentalidade favorável ao matrimónio»(55%), em vez de uma ajuda directa ao próprio casal (42%). Mais do que o apoiodirecto, será importante contrariar a mentalidade geral, incutindo valores favorá-
1166 veis à vivência estável em família. A percentagem sobe aqui para 73%. Há uma
Dinâmicas familiares no mundo actual
viva consciência de que a estabilidade do lar não se alicerça unicamente no seuinterior. Estará sujeita à oscilação da mentalidade e ao conflito de valores e denormas. A instituição familiar encontrar-se-á sacudida nas suas estruturas e atémesmo nos seus fundamentos. Mas ao mesmo tempo há uma consciência clara dosperigos que a rodeiam. Será então de reduzido alcance reforçar apenas os apoiosque a sustentam. Importante parece ser atender aos ventos que, de todos os lados,a fustigam. Se a família actual é estruturalmente instável, não será apenas porqueentraram em ruína os fundamentos materiais que, no passado, a cimentavam, masporque as representações e os valores a seu respeito se alteraram profundamente.Esta mudança atingiu as atitudes e os padrões de conduta em relação ao matrimónioe à própria constituição e estabilidade do lar.
Apoio à famíliaEm percentagem
[QUADRO XII]
Apoio
Ao casalem si mesmo
42
Criação dementalidade favorável
ao matrimónio
55
Formação-acçãoEm percentagem
[QUADRO XIII]
Apoio
Sobre o casal
13
Contrariando amentalidade, incutindo
valores favoráveisà vivência estável
da família
73
NS/NR
3
NS/NR
14
Total
100
Total
100
A situação será tanto mais preocupante quanto mais se verifica que, admitindoque a vivência cristã é «um factor importante na harmonia e na estabilidadefamiliares» (93%), se reconhece também que «o facto de se ser católico praticantenão diminui a conflitualidade e a instabilidade na família» (70%). A vivênciareligiosa poderá diluir, quando não diminuir, os riscos de conflitualidade, masjamais os suprime. O ser religioso não confere valor acrescentado às pessoas no seurelacionamento social, na ausência de uma sólida formação e maturidade humanas.Não se é humano porque se é cristão, mas é-se cristão porque se é humano. Ocristianismo não se constrói sobre a desumanidade.
Acresce o facto de na decisão que está na base do casamento se encontraruma «escolha exclusivamente pessoal» dos jovens (87%). No processo de repro-dução das famílias contam cada vez menos os pais. Estes possuem uma capa-cidade reduzida de influência em tal escolha. O casamento tem vindo a perder 1167
António Teixeira Fernandes
a sua dimensão de contrato de interesses, porque a família deixou de ser umgrupo de produção para se transformar essencialmente em grupo de consumo.
Não obstante esta perda da possibilidade de intervenção dos pais na formaçãodos novos lares, aqueles não aceitam que as instituições sociais desempenhem,em exclusivo, as funções que outrora cabiam à família. A grande maioria advogaum alargamento e reforço do papel dos pais em relação aos filhos.
Para se conhecer todo o alcance desta reivindicação seria conveniente saberquais são os domínios em que o papel dos pais é mais solicitado. Traduzirá estareivindicação a exigência de um maior apoio para tornar a família mais actuantena reprodução social? Ou tratar-se-á antes da afirmação de uma maior privatici-dade, no reforço das suas capacidades e na actualização das suas funções? Estassão questões deixadas em aberto.
Na sequência desta reivindicação, entende-se que se deseje acompanhar, quer a«educação escolar» dos filhos (83%), quer a «educação religiosa» (80%). Está-seperante uma das obrigações que parece não serem grandemente descuradas. Se associedades modernas procuram amenizar os deveres, tendem igualmente a alargar osentido de responsabilidade em relação aos filhos. Estes tornam-se um princípio deresponsabilidade dos adultos, facto que contrariará a dinâmica individualística.
A atenção prestada aos filhos mantém-se mesmo nos casos em que existemserviços de apoio julgados adequados (50%). Em muitos meios sociais há carên-cia deste tipo de serviços, o que reforça aquele cuidado.
7.5. Tem vindo a operar-se, na mentalidade geral, uma mudança em relaçãoaos fins do matrimónio. Na sociedade tradicional, a formação da família orien-tava-se prioritariamente para a procriação. Se a família era defendida e protegidacomo instituição fundamental da sociedade, era porque estava na base da repro-dução social.
Finalidade do matrimónioEm percentagem
[QUADRO XIV]
Filhos — objectivo do matrimónioOs filhos devem ser evitados porque constituem
um riscoObjectivo do matrimónio — a relação entre os
cônjuges e não os filhos
Sim
18
18
18
Não
79
77
80
NS/NR
3
5
2
Total
100
100
100
1168
Nas sociedades contemporâneas, se a família aparece como a «célula base»,não será pela sua função procriadora, mas talvez mais pela sua dimensão afectiva.Os fins do matrimónio já não são declaradamente os filhos, ainda que se discordede que é um risco ter filhos. O que parece procurar-se primariamente na vidaconjugal é a relação afectiva dotada de alguma permanência.
Dinâmicas familiares no mundo actual
O fim do matrimónio, segundo o sexo
Em percentagem
[QUADRO XVJ
Filhos — fim do matrimónio
HomemMulher
Sim
18,6718,72
Não
81,3381,28
Total
100100
A frequência por sexo (com cerca de 81% de homens e mulheres que dizemque o fim do matrimónio não é a procriação, contra 19% que não estão deacordo) conserva-se a mesma quando se analisa a idade, a região de residênciae as habilitações literárias.
Algumas contradições revelam-se claramente nas declarações sobre esta maté-ria. Nas contradições espelham-se os antagonismos existentes entre a prática sociale a manifestação de opiniões.
É um risco ter filhos — estes devem ser evitados —, segundo o sexo
Em percentagem
[QUADRO XVI]
Filhos — devem ser evitados
HomemMulher
Concordo
18,8018,69
Não concordo
81,2081,31
Total
100100
A centração na afectividade tem como efeito a valorização das relações entreos cônjuges. O casamento está a adquirir progressivamente um valor por simesmo, independentemente da sua função procriadora. As preocupações com anatalidade não entram, frequentemente, nos objectivos dos casais ou desaparecemquando a relação conjugal conhece algum desgaste.
Prioridade dada à autonomia e à liberdade, segundo o sexo
Em percentagem
[QUADRO XVII]
Autonomia e liberdade, preferindo ficar solteiro
HomemMulher
Concordo
17,7817,84
Não concordo
82,2882,16
Total
100100
Mas não será por certo desta tendencial deslocação da afectividade que resultafundamentalmente a instabilidade da família. Terá sido a própria semântica do
António Teixeira Fernandes
amor que se encontra em vias de alteração. Nas classes médias e superior, onde 0número de filhos é perfeitamente controlado e obedece, em geral, à racionalidadeeconómica, o divórcio apresenta-se como um lento esgotamento da relação afectivae amorosa. Nas classes inferiores a ruptura matrimonial tenderá a ser vivida deforma mais dramática, uma vez que nelas o investimento na conjugalidade étotalizante e mobiliza a identidade pessoal e social das pessoas. É sobretudo aquique existe uma forte valorização do amor-sacrifício pelos filhos.
Na presente investigação a maioria dos inquiridos (80%) não concorda, contu-do, contraditoriamente, que «o principal da vida matrimonial é a relação entre oscônjuges, e não os filhos». A explicação deste facto talvez possa encontrar-se nopredomínio de indivíduos oriundos dos meios rurais, de zonas pouco urbanizadasou com uma escolaridade reduzida. 18% declaram que «o principal na vidamatrimonial é a relação entre os cônjuges, e não os filhos». Nesta percentagem far--se-á sentir, provavelmente, o peso e a importância de meios e camadas sociais maiselevados, assim como as contradições acima assinaladas.
Será, do mesmo modo, a origem dos inquiridos que torna compreensível a menorvalorização atribuída à autonomia pessoal, em detrimento do número de filhos.Quando colocados face à simulação «há quem pense que a autonomia e a liberdadede cada um devem ser salvaguardadas e que, por isso, é melhor ficar solteiro do quecasar», se 80% respondem que não concordam, 17% estão perfeitamente de acordo.
Desfeito o casamento, voltaria a casar-se, segundo o sexo
[QUADRO XVIII)
Voltaria a casar-se
HomemMulher
Em percentagem
Sim
54,2754,34
Nâo
45,7345,66
Total
100100
A mentalidade dominante é favorável à afirmação da autonomia individual, semcompromissos rígidos e sem exigências sacrificiais, de modo que o jogo da vidaesteja sempre aberto, em liberdade. O tema da realização pessoal está em vias deadquirir um estatuto moral fulcral nas sociedades actuais, facto que contribui paraa diluição dos ligames sociais, mesmo nos casos em que a contratualidade formal émais rígida.
8. A análise desenvolvida até este momento tem-se centrado sobre a formacomo os adultos, em lares constituídos, representam e visualizam a vivênciafamiliar e a relação conjugal. A sensibilidade em relação a este problema éindissociável da corrente geral de ideias que atravessa as sociedades ocidentais.Existe um processo de osmose que faz com que adultos e jovens se influenciemuns aos outros, com a assimilação recíproca de atitudes e condutas.
A projecção da família na sociedade futura, sociedade que está em vias deemergir na nossa contemporaneidade, seria, de forma mais adequada, feita pela
Dinâmicas familiares no mundo actual
própria juventude. Como esta aparece representada no presente inquérito com valo-res percentuais muito baixos (3%), e dado que tal projecção se afigura indis-pensável ao esboço do quadro familiar que nos propomos, os elementos até agorafornecidos e analisados poderão ser completados com resultados de inquéritoslançados junto de jovens noutro espaço e noutro tempo.
Algumas tendências, objecto de anteriores pesquisas, merecem ser sublinhadasno contexto desta análise pelo que pré-anunciam de desenvolvimentos emergentesou já estabelecidos no domínio da família.
A sensibilidade mais corrente parece orientar-se no sentido da libertação dosdiversos constrangimentos impostos pela vida colectiva. A aspiração à realizaçãopessoal potência e expande a vontade de autonomia e de independência.
A maior parte dos jovens vive com a família. Mas desta parece beneficiarsobretudo da sua função instrumental. De acordo com os estudos disponíveis, sepudessem escolher, somente cerca de 20% continuariam a residir na família4. Háalgumas décadas atrás, a família era concebida, na Europa, como uma instituiçãolimitadora da liberdade e bastante constrangedora para os jovens.
A vontade de autonomia da juventude de hoje, ao contrário do que acontecianum passado não muito remoto, é acompanhada de uma visão positiva em relaçãoà família de origem. Os grupos etários dos 15 aos 29 anos representam a vidafamiliar como um dos três aspectos do seu futuro a que atribuem maior impor-tância5. É, sem dúvida, um domínio que os jovens encaram com mais esperança.Um número muito reduzido de jovens olha o futuro da sua vida familiar cominquietação, indiferença ou descrença.
Este optimismo necessita, no entanto, de ser contextualizado na situação sociale mental da sociedade contemporânea. Se não se procede a esta contextualização,corre-se o risco de se introduzirem interpretações enviesadas, se não mesmo erradas.
8.1. Para medir a importância do optimismo foi oferecida aos jovens, nosestudos que nos servem de base, uma escala de valores. Ora, na escala seriada poreles próprios, a família não ocupa o primeiro lugar das suas preferências em relaçãoao futuro. Num total de nove itens, aquela aparece em terceiro lugar (59,9%), depoisda «vida afectiva» (88%) e da «profissão» (84,6%). Alguns olham com alguma
4 João Ferreira de Almeida, Portugal — Os Próximos 20 Anos. Valores e RepresentaçõesSociais, Lisboa, Fundação Calouste Gulbenkian, 1990, pp. 94-108; Paulo Antunes Ferreira, Valoresdos Jovens Portugueses dos Anos 80, Cadernos do Instituto de Ciências Sociais, n.° 3, Instituto deCiências Sociais/Instituto da Juventude, 1993, pp. 29-40; José Machado Pais, Culturas Juvenis,Lisboa, Imprensa Nacional-Casa da Moeda, 1993, pp. 279-316; Jean Stoetzel, Les valeurs du tempsprésent: une enquête européènne, Paris, PUF, 1983, pp. 121-143.
5 Pedro Moura Ferreira, «Os jovens e o futuro: expectativas e aspirações» (Juventude Portugue-sa — Situações, Problemas, Aspirações, vol. iv), Lisboa, Instituto da Juventude/Instituto de CiênciasSociais, 1989, pp. 82 e segs. Fernanda Barros e Helena Barão, «A comunicação na família eprojectos de vida: procura da identidade social e pessoal dos jovens» (Situações, Problemas ePerspectivas da Juventude em Portugal, vol. xiii), Lisboa, Instituto de Estudos para o Desenvolvi-mento, 1987, pp. 89 e segs.; Fernando Luís Machado, António Firmino da Costa e João Ferreira deAlmeida, «Identidades e orientações dos estudantes — classes, convergências, especificidades», inRevista Crítica de Ciências Sociais, n.os 27-28, 1989. 1171
António Teixeira Fernandes
indiferença a sua vida familiar de amanhã6. 15,9% apenas a apresentam como oaspecto que é valorizado em primeiro lugar.
A família não ocupará o primeiro lugar nas preocupações e nos objectivos dosjovens, precedida como é de outros interesses. A constituição de um lar não criaactualmente, de forma necessária, uma autonomia, e esta é uma aspiração funda-mental. A juventude é concebida e vivida como uma fase de ambiguidade e deambivalência, durante a qual se adquire uma identidade e uma posição sociais,que não são mais dadas à partida. É valorizada, por um lado, a ideia de que deveaproveitar-se, tanto tempo quanto possível, a independência e a liberdade própriasda juventude. Há, por outro lado, o esforço de construção de uma identidade socialque é cada vez menos o produto da herança familiar.
Mais do que o casamento, parece ser hoje o trabalho que surge, nomeadamen-te para os jovens, como a principal forma de relacionamento social. Quer-se, emconsequência, preservar a autonomia na orientação da trajectória social e profis-sional.
Relativamente subalternizada a família, a actividade profissional é tanto maisvalorizada quanto mais, por sua vez, a afectividade perdeu a sua relação necessáriacom o matrimónio. A coabitação tem vindo a generalizar-se entre os jovens,nomeadamente nas classes sociais médias e em meios urbanos. Dissociada aafectividade do casamento, dá origem a outras modalidades de conjugalidade.
8.2. Aquele optimismo varia ainda em função das camadas sócio-económicas.Se nos estratos sociais mais baixos se vê na família uma «fonte de conflito», nosestratos sócio-económicos mais elevados ela surge como «local de segurançaafectiva». O sentir-se bem em família varia na relação directa da subida nosestratos sócio-económicos.
Encontrando-se no lar segurança afectiva, não será intensa, contudo, a comuni-cação com os progenitores7. As relações dos filhos com os pais, cada vez menosconflituosas, são também menos frequentes e satisfatórias. A situação de conflitopressupõe e exige a existência de uma solidariedade dos pais com uma outra ordemsocial e moral, facto que não se comprova de forma necessária. Estes estão imersosno mesmo processo de mudança. As relações sociais dos jovens com os membrosda família de origem perdem importância a favor dos contactos com os amigos. Estesúltimos aparecem em primeiro lugar, logo seguidos daquelas. Os jovens de statussocial mais elevado revelam um forte sentimento de pertença e um grau superior deidentificação.
8.3. Não se entende, por outro lado, a família de acordo com os modelostradicionais. Manifestando a intenção de, no futuro, virem a casar-se, muitosdeclaram também optarem pela união livre8. Os que pretendem casar revelampreferência pelo casamento pela Igreja, em percentagem superior à dos que dizemoptarem pelo matrimónio civil. A opção pelo casamento católico, presente em
Paulo Antunes Ferreira, op. cit., pp. 30-33.7 Idalina Conde, «A idade social e nacional dos jovens» (Juventude Portuguesa — Situações,
Problemas, Aspirações, vol. iv), Lisboa, Instituto da Juventude/Instituto de Ciências Sociais, 1989,pp. 88 e segs.
1172 8 Fernanda Barros e Helena Barão, op. cit.
Dinâmicas familiares no mundo actual
largas camadas da juventude, coexiste, no entanto, com a afirmação dapermissividade sexual, a predisposição para a coabitação pré-matrimonial, a defesadas relações sexuais extramatrimoniais e a admissão de um futuro divórcio.
A intenção de casamento pela Igreja ganha importância nos estratos sócio--económicos mais baixos. Nas camadas sociais médias e superior sobem as taxasdos que aderem ao casamento civil e à união livre. Aquela intenção varia aindaem função das regiões. As mais elevadas percentagens a favor do casamentoreligioso correspondem ao meio rural, onde a força das tradições e o peso dainércia social mais se fazem sentir.
À semelhança do que ocorreu com a descristianização e a desafeição religiosa,esta corrente de ideias começa por se generalizar preferentemente nas camadassuperior e médias da sociedade e nos meios urbanos e só depois se difunde nosmeios rurais e nas camadas sociais inferiores.
Têm sido intruduzidas novas formas de conjugalidade sem casamento. A coa-bitação juvenil vem aumentando nas sociedades ocidentais. Na sequência destaevolução, o sentido da família está em vias de se alterar. Os jovens não possuem,acerca dela, a mesma concepção que tinham as gerações anteriores. Há uma cres-cente racionalização do casamento, em função da obtenção da realização pessoal,na infinidade de modalidades em que esta é concebida, desde a coabitação juvenilà família associação livre e à relação livre sem associação.
A importância atribuída à família a formar no futuro varia também de harmoniacom as faixas etárias. É forte a valorização nos jovens casados. Estes vivem oencanto da partilha. É igualmente nas camadas mais novas que parece ser menosquestionada a adesão ao casamento. Estas tenderão a projectar no porvir a situaçãofamiliar em que vivem, com as suas harmonias e conflitos.
Os jovens mais próximos do momento em que são chamados a tomar decisõese a assumir responsabilidades parecem perder algum encanto em relação ao matri-mónio. Ter-se-á operado, entretanto, um processo, que não lhe será porventura favo-rável, de amadurecimento humano e de estruturação de valores e de preferências.
Há uma diferença entre família existente em concreto e família concebida emabstracto, assim como entre a família na sua acepção tradicional e as múltiplasmodalidades de conjugalidade e de vida familiar actuais. Pode existir, de facto, umrelativo desfasamento entre as atitudes declaradas e as práticas vividas, do mesmomodo que entre as representações e as intencionalidades. O grau de centralidade dafamília na mentalidade dos jovens tem a ver com a experiência anterior de vida nolar de origem e com as camadas sociais em causa. Existe ainda uma distinção entrea declaração expressa e a realidade actual ou previsível. À medida que se dá umaaproximação da situação concreta, parece afirmar-se mais o desencanto.
8.4. A perda de importância, por outro lado, concedida ao matrimónio e àconstituição da família poderá andar fortemente associada à actual concepção dasexualidade.
O casamento deixou de ser entendido pelos jovens como forma normal desatisfação sexual, tendo por objectivo principal a procriação. Esta mudança deorientação, acima referida em relação aos casais já existentes, afecta os jovens,designadamente os universitários. 1173
António Teixeira Fernandes
Existe, indubitavelmente, na juventude de hoje, se comparada com as gera-ções mais velhas, uma valorização da sexualidade9. Esta adquiriu uma acepçãomais alargada, não se limitando às relações sexuais. O sexo-pecado foi substi-tuído pelo sexo-prazer, ao mesmo tempo que se tornou objecto de consumo demassa, com autonomização da sexualidade em relação à ética e à vida familiar.
A relação sexual não aparece, além disso, como o termo de um contrato ouenvolvimento amorosos. Pode iniciar-se mesmo como seu prelúdio, totalmente se-parada de qualquer expressão de sentimentos. A semântica amorosa contemporâneadissocia a relação sexual do amor e do casamento. A venalidade invade, por vezes,este domínio10. O homem, perdido na solidão das turbulentas sociedades actuais, abraços a sós com o seu próprio destino, tende a instrumentalizar o outro, mesmo namanifestação dos afectos, impossível na ausência de fortes e densas relações sociais.
Quanto mais se desce na estratificação social, mais as relações sexuais desem-penham uma função de reprodução social. Aquelas relações valem então por simesmas, como mero prazer, à medida que se sobe nos estratos sociais, aumen-tando, na mesma proporção, os níveis de permissividade, embora numa relaçãoindirecta à prática da prostituição.
O estudo do alcance da difusão deste fenómeno depara, porém, com algumasdificuldades. Embora a permissividade, nesta matéria, tenha penetrado os maisdiversos meios sociais, levando ao apagamento, não raro, de alguns tabus, aspessoas têm dificuldade em declarar a sua atitude mais ou menos libertária, emparticular as do sexo feminino.
8.5. Se são diversas as formas de conjugalidade e de vida familiar, na men-talidade geral e, em particular, no espírito dos jovens, o casamento também nãoé mais visto como indissolúvel. Perdendo as características de satisfação legiti-mada da sexualidade, e não se orientando prioritariamente para a procriação,poderá ser vivido como uma relação mais efémera, de acordo com o espaço queoferece à afectividade e à realização pessoal11. O divórcio surge, ora como so-lução de conflitos insuperáveis ou indicador de desencantos criados, ora comoexpressão de liberdade não alienada, ora como manifestação de amor e de desa-mor. Os jovens aceitam, na sua maioria, a possibilidade de divórcio.
Não existirá verdadeiro amor sem uma total liberdade para se amar. O matri-mónio passa a ter, em consequência, a duração da verdade no amor. O valor dafamília está presente nas representações das pessoas e dá origem a fortes empenha-mentos. Mas, se estas se casam, o matrimónio ou não é mais entendido como vínculopara sempre, ou não resiste aos contínuos conflitos que a vida traz consigo.
8.6. Alguns estudos revelam, por outro lado, que a valorização da família tendea descer desde que se alarga e intensifica o processo de urbanização. Nos meios
9 Paulo Antunes Ferreira, op. cit, pp. 41-52. Sobre a construção social da sexualidade, v.Anthony Giddens, Sociology, Cambridge, Polity Press, 1989.
10 A permissividade em relação à prostituição — negócio que envolverá em Portugal de 120 a150 milhões de contos por ano —, para além de outra face da crise da família, manifesta a ausênciade uma política familiar adequada (A Razão, n.° 39, 1994, pp. 51-53).
11 Eurico de Figueiredo, Portugal — Os Próximos 20 Anos. Conflito de Gerações, Conflito de1174 Valores, Lisboa, Fundação Calouste Gulbenkian, 1988.
Dinâmicas familiares no mundo actual
urbanos o grupo familiar reveste-se ainda de grande importância, mas tal impor-tância decresce de harmonia com o volume e a densidade das aglomerações.
Será, no entanto, «uma ideia falsa o dizer que a urbanização desune as famí-lias»12. Em muitos casos, as relações familiares podem actuar, com energia redo-brada, como fuga ao isolamento e ao anonimato.
Seria necessário saber se esta valorização familiar em meio urbano nãocorresponde a uma primeira fase de adaptação. A vida citadina cria alguns desequi-líbrios na vida dos indivíduos e esses desequilíbrios podem ter consequências emdiversos domínios de actividade. Os próprios sistemas de relacionamento socialsão largamente afectados. Mas os sistemas sociais tendem igualmente para oreequilíbrio, ainda que em estados diferentes de reequilibração.
9. Os fenómenos que acima analisámos apresentam alguns cambiantes nasdiversas regiões consideradas no presente estudo. Tais variações, não se revelan-do muito acentuadas, traduzem o grau de relativa refracção aos factores demudança e a dinâmica familiar que é própria a esses meios. Não existem, porém,hoje mundos fechados. As transformações atravessam todos os espaços, emboracom intensidade e volume diversos. A sensibilidade é geral. Mas, com base nosresultados do presente inquérito, poderá afirmar-se que, quanto mais forte é oprocesso de urbanização e sobretudo maior a exposição à influência das ideiascorrentes nas sociedades contemporâneas, também mais elevados são os valorespercentuais relativos à consciência da crise, à nostalgia da família extensa e aomesmo tempo à sua inadequação ao mundo de hoje, à convicção de que se dispõehoje de menos condições para se formar um lar estável, à maior instabilidade dafamília, à tendência a fazer consistir o fim do matrimónio na relação afectivaentre os cônjuges, ao crescimento do número de divórcios e de recasamentos ea uma maior tendência para se evitarem os filhos. Podendo a vivência cristã serum factor de harmonia, reconhece-se que a conflitualidade e a instabilidadeinvadem os lares com prática religiosa regular.
A aspiração à autonomia e o desejo de realização pessoal não actuam sempreno mesmo sentido. Se a vontade de autonomia provoca reserva em relação aomatrimónio, crescendo o número dos que sustentam ser «melhor ficar solteiro doque casar», assim como daqueles que pensam que «os filhos devem ser evitados»,pelos riscos que trazem, a vontade de realização pessoal provoca a subida dapercentagem dos que advogam formas mais flexíveis de conjugal idade, ou adissolução do matrimónio, quando deixa de ser espaço de afectividade e de amor.
Estende-se a noção de família a múltiplas formas atípicas, limita-se o número defilhos (a sua proporção por casal na cidade do Porto, em relação a 1991, é de 1,42e na de Lisboa de 1,22), perde importância a ritualização com vinculação jurídica,religiosa ou civil, aumentam as modalidades de conjugalidade livre. Para que sepossa afirmar que a família não está em crise é necessário incluir no seu conceitorealidades muito diversas ou limitá-lo a espaços restritos.
12 Sabine ChaWon-Demersay, «Aimée ou haíe: la famille», in Henri Mendras, La sagesse et ledésordre, Paris, Gallimard, 1981, p. 259. 7775
António Teixeira Fernandes
São fundamentalmente as representações, os valores e os padrões de conduta,em geral, na sociedade que estão em causa. A acção que se queira promover emprol da família deverá, consequentemente, incidir prioritariamente sobre essesuniversos que envolvem a vida humana.
As mudanças operadas na família reflectem, na verdade, o desgaste das ins-tituições, como estruturas normativas da vida humana. Ao contrário do que pre-tendiam fazer crer as análises feitas nos anos 70, as instituições perderam o seucarácter de aparelho ideológico do Estado, como defendia Louis Althusser, ou ode poder disciplinar, que assegura uma permanente opressão e um controle totalsobre o indivíduo, como pensava Michel Foucault.
O processo geral de desinstitucionalização dissociou a lógica da lealdade fami-liar da lógica afectiva individual. Tais lógicas inscrevem-se em registos diferentese no seu movimento passam a envolver, cada vez mais, os diversos grupos etários.As gerações mais velhas não são mais capazes de oferecer aos jovens referênciasestáveis. Elas confrontam-se com os mesmos problemas.
O actual processo de desinstitucionalização é contemporâneo de uma certaausência de representações susceptíveis de orientarem a conduta dos homens na vidasocial. As representações sociais de outrora eram adequadas a uma sociedadeestruturada e estável. As ideologias libertadoras que, há algumas décadas, ligavama liberdade e a justiça ao derrube das estruturas tradicionais fizeram mover asociedade, e esta mudança tornou desajustadas as representações tradicionais. Oque parece estar em causa é a representação social do mundo neste final de milénio.O grande desafio que então se põe será não só o da elaboração de uma novaantropologia, mas ainda o da construção social de representações ajustadas às novasrealidades e sensibilidades.
10. Não é dos nossos dias «a dissolução da comunidade doméstica»13. A decom-posição da vida familiar está em acção em todos os tempos e é sempre acompanhadade um correlativo processo de recomposição.
Com base na análise desenvolvida, existe suficiente fundamento para se concluirque a família continua a ocupar um lugar de relevo entre os valores e as represen-tações sociais nas sociedades contemporâneas. O casamento vem sendo praticadopela maioria da população, embora se verifique uma queda gradual das taxas denupcialidade, dos matrimónios católicos no conjunto dos casamentos celebrados eda natalidade. Não terá sido tanto a família que entrou em crise, mas sobretudo omatrimónio.
As taxas de divórcio estão em crescente subida, mas este fenómeno afectasobretudo o aspecto institucional e ritual do casamento. O rito tem vindo a perdergrande parte do seu sentido. Aí radica a leveza dos compromissos e a maiorinstabilidade das uniões. A evolução das sociedades arrasta consigo a mudança nafamília. Está a ocorrer hoje em dia a nuclearização acentuada da família com oprimado do casal, a diversidade dos modelos de convivência social, a menor adesãoa valores tradicionais, a maior amplitude da autonomia individual, a crescente
13 Max Weber, Economia y Sociedad, vol. i, México-Buenos Aires, Fondo de Cultura1176 Económica, 1964, p. 306.
Dinâmicas familiares no mundo actual
banalização da ruptura conjugal e a diminuição do controle familiar sobre asgerações mais jovens. As pessoas tendem a ter hoje «vidas» sucessivas, feitas deuniões mais ou menos estáveis e de períodos de transição, com rupturas mais oumenos consumadas.
A estabilidade e a indissolubilidade do matrimónio são duas dimensões diver-sas do fenómeno familiar. A estabilidade é um facto dotado de valor ético-social.A indissolubilidade é uma questão jurídica, analiticamente independente da esta-bilidade. A família pode ser estável sem que o vínculo seja indissolúvel. Pode serindissolúvel o vínculo sem que a família seja estável.
Será certamente um inferno viver uma perene conflitualidade indissolúvel. Nãose torne indissolúvel o que não adquiriu suficiente estabilidade ou rodeie-se deestabilidade o que se constituiu indissolúvel.
A preocupação da sociedade deve voltar-se, por isso, mais para a estabilidadedo que para a indissolubilidade, até porque esta não assegura, só por si, aquela,mesmo nos matrimónios celebrados religiosamente.
As taxas de divorcialidade seguidas de recasamento têm sido, aliás, utilizadaspor diversos autores para provar a estabilidade do sistema familiar no seu todo.O divórcio não significará, de facto, o fim da conjugalidade, pois sucedem-se osrecasamentos. O próprio matrimónio não terá perdido a sua vitalidade, por maisque esteja exposto a contínuo desgaste.
O que parece ter mudado são as representações acerca das modalidades devivência em família. Flexibilizaram-se os modelos. O discurso da família assume,em consequência, um carácter polissémico, cujo sentido varia com as regiões, osmeios sociais e a idade.
A família e o casamento são, na verdade, representados e vividos em formasplurais pelas diversas gerações e pelas diferenciadas camadas sócio-económicas,com grande maleabilidade de normas e maior variedade de formas.
A família é uma instituição social sujeita, nas sociedades contemporâneas, a umadinâmica de continuidade e de mudança. Alguma inércia de comportamentos coe-xiste com uma alteração de valores. Domínio onde se nota grande desfasamentoentre ideais e práticas, declarações e condutas, nas dinâmicas familiares inscrevem--se harmonias e conflitos, que tendem a compensar-se mutuamente. Daí resultam asantinomias que a afligem. Segundo Louis Roussel, «é porque se tornou palco dasmaiores expectativas que a família triunfa nas sondagens; mas é precisamentetambém por causa dessas esperanças exorbitantes que suscita tantas experiências dedecepção naqueles que dela esperam felicidade»14. A cultura ocidental debate-secom o dilema de subordinar os valores da vida e do amor às instituições ou decondicionar estas, nas suas inércias, aos valores da vida e do amor.
Por causa deste antagonismo, pulverizam-se as modalidades de estruturaçãoe de relacionamento no interior dos lares. A realização pessoal postula, nasrepresentações sociais, a exigência de modelos plurais e tolerantes. Mas é tam-bém verdade que a família, em processo de recomposição, aparece como uma dasestruturas mais resistentes à mudança geral operada na sociedade.
14 Louis Roussel, La Famille Incertaine, Paris, Éditions Odile Jacob, 1989, pp. 245; A. Pitrou,Vivre sans Famille? Les Solidarités Familiales dans le Monde d'Aujourd'hui, Toulouse, Privat, 1978. 1177
António Teixeira Fernandes
ANEXO
1. Considera-se vulgarmente a família como a «célula base» da sociedade:
Em percentagem
Porto-cidadeAro NorteAro SulNordesteNorteSobretâmegaSul
Concordo
97979797979995
Não concordo
1233212
NS/NR
2100102
2. Há quem pense que a instituição familiar não resiste à crise por que está a passar:
Em percentagem
Porto-cidadeAro Norte . .Aro Sul . . .Nordeste . . .NorteSobretâmegaSul
Concordo
19693733333729
Não concordo
76196162676268
NS/NR
51225113
3. Alterou-se a forma como se constitui e se vive hoje em família — em relação aopassado:
Em percentagem
Porto-cidadeAro Norte . .Aro Sul . . .Nordeste . . .NorteSobretâmegaSul
É melhor
36364147463640
É igual
10
710
É pior
49505044405351
NS/NR
1178
Nota. — Concelhos que integram as regiões constantes dos quadros apresentados neste anexo:Aro Norte (Gondomar, Maia, Matosinhos e Valongo), Aro Sul (Vila Nova de Gaia e Espinho),Nordeste (Felgueiras, Lousada, Paredes, Penafiel e Castelo de Paiva), Norte (Paços de Ferreira,Santo Tirso e Vila do Conde), Sobretâmega (Amarante, Baião e Marco de Canaveses), Sul (Arouca,Oliveira de Azeméis, Ovar, São João da Madeira, Santa Maria da Feira e Vale de Cambra).
Dinâmicas familiares no mundo actual
4. Qual o tipo de família que pensa ser mais adequado à vida e à realização daspessoas?
Em percentagem
Porto-cidadeAro Norte . .Aro Sul . . .Nordeste . . .NorteSobretâmegaSul
Alargada
63514752536446
Nuclear
34474546473651
NS/NR
5. A família alargada é adequada ao mundo de hoje?
Em percentagem
Porto-cidadeAro Norte . .Aro SulNordesteNorteSobretâmegaSul
Sim
42352534383327
Não
55627261606469
NS/NR
3335234
6. Na sociedade actual algumas das funções da família são desempenhadas porinstituições sociais. O papel dos pais em relação aos filhos deve ser cada vez:
Em percentagem
Porto-cidadeAro NorteAro SulNordesteNorteSobretâmegaSul
Mais limitado
776
15161211
Mais alargado
92899381828686
NS/NR
1414223
1179
António Teixeira Fernandes
7. Os jovens, ao casarem, têm hoje em dia condições para constituírem um lar estávelpara toda a vida?
Em percentagem
Porto-cidadeAro NorteAro Sul .NordesteNorteSobretâmega . .Sul
Sim
31362137353231
Não
66617656626665
NS/NR
3337324
8. Considera a família actual, em relação ao passado:
Em percentagem
Porto-cidadeAro Norte . .Aro Sul . . .Nordeste . . .NorteSobretâmegaSul
Mais estável
14251634302825
Menos estável
84728162657171
NS/NR
9. Em seu entender, quais são os aspectos que constituem problemas ou dificuldades
na sua família? Ordene as suas respostas por ordem de importância (1, 2, 3, ...):
Em valor absoluto
DoençaFalta de condições económicasCônjuges de meios sociais diferentes..Imaturidade humanaAlguns vícios (álcool,...)DesempregoCarência de habitaçãoBaixo nível culturalToxicodependênciaSidaOutras razões
Porto--cidade
66960228645530841048333716593122
AroNorte
947925294546355556452370277155193
AroSul
52559514835017940734724618011976
3 700 12 844 2106541 5371658 3553 4322720426296
Norte
17671420480857720
1 114858566417289140
Sobre-tâmega
86868318538129641241032119914551
Sul
1 7671420480857720
1 114858566417289140
1180
Dinâmicas familiares no mundo actual
10. Quais os factores que mais contribuem para a estabilidade e o bom ambiente nasua família? Ordene as suas respostas por ordem de importância (1, 2, 3, ...):
Em valor absoluto
Boas condições materiaisMaturidade humana dos cônjugesCônjuges de meios sociais idênticosO respeitoA compreensão mútuaBom nível de ensino e cultura . . .Emprego estávelO diálogoA afectividadeA verdadeOutras razões
Porto--cidade
5541026584
1280 11 191 2554781
1 129 31 102 51 110 4
67
AroNorte
6101 146 5451
1759 11443 2454960709
1380 31 157 4
77
AroSul
351657274
100083526356999380184344
19612 78616875 1163 8571 3712 4003 7422 8243 062218
Norte
9782 786 5749
2 508 11931 3714
13692 092 216501849 4130
Sobre-tâmega
428773353
1269 11201 3
373812
1220 2815 5937 4
34
Sul
9211472
8112 495 11 870 3
78814452 204 21638 51857 4
200
11. A mentalidade de hoje é favorável à constituição do matrimónio?
Em percentagem
Porto-cidadeAro NorteAro SulNordesteNorteSobretâmegaSul
Sim
32422949434940
Não
65536949554756
NS/NR
3522244
12. A mentalidade de hoje é favorável à estabilidade matrimonial?
Em percentagem
Porto-cidadeAro NorteAro SulNordesteNorte . . .SobretâmegaSul
Sim
19322239334030
Não
78617556655766
NS/NR
3735234
1181
António Teixeira Fernandes
13. O fim do matrimónio são os filhos?
Em percentagem
Porto-cidadeAro NorteAro SulNordesteNorte . . .SobretâmegaSul
Sim
23211215192718
Não
73738683817177
NS/NR
4622025
14. Há quem pense que, face aos perigos próprios da sociedade moderna, é um riscoter filhos e que, por isso, os filhos devem ser evitados:
Em percentagem
Porto-cidadeAro Norte . .Aro Sul . . .Nordeste . . .NorteSobretâmegaSul
16132419
221217
Não
80847581755279
NS/NR
43103
364
15. Há quem pense que a instabilidade na famflia resulta do facto de os cônjugesdeslocarem a afectividade do casal para os filhos:
Em percentagem
Porto-cidadeAro Norte . .Aro Sul . . .Nordeste . . .NorteSobretâmegaSul
24141518172312
Não
74818278807585
1182
Dinâmicas familiares no mundo actual
16. Há quem pense que o principal na vida matrimonial é a relação entre os cônjugese não os filhos:
Em percentagem
Porto-cidadeAro NorteAro Sul . . .NordesteNorteSobretâmegaSul
Sim
25182314221618
Não
71807684758279
NS/NR
4212323
17. Há quem pense que a autonomia e a liberdade de cada um devem ser salvaguar-dadas e que, por isso, é melhor ficar solteiro do que casar:
Em percentagem
Porto-cidadeAro Norte . . .Aro SulNordesteNorteSobretâmega . .Sul
Sim
14111219182120
Não
77848779797877
NS/NR
9512313
18. Pensa que a maior parte das pessoas, se desfizessem o casamento, voltariam a casar?
Em percentagem
Porto-cidadeAro NorteAro Sul . . . .NordesteNorte . . . . . . .SobretâmegaSul
Sim
47575351615345
Não
47424145374549
NS/NR
6164226
1183
António Teixeira Fernandes
19. Acompanha, como pai/mãe, os seus filhos no âmbito da:
Em percentagem
Educação escolar
Porto-cidadeAro NorteAro SulNordesteNorteSobretâmegaSul
Educação religiosa
Porto-cidadeAro Norte . .Aro SulNordesteNorteSobretâmeeaSul
Sim
77767783868787
70737582798984
Não
5244532
7464723
NS/NR
182219139
1011
23231914149
13
20. Que tende a procurar mais na vida familiar? Ordene as suas respostas por ordemde importância (1, 2, 3, ...):
Em valor absoluto
A relação afectiva . . .A satisfação sexual . .A realização pessoal . .A autonomiaMelhor nível social . .A realização espiritualOutras razões
Porto--cidade
77738957319837759714
AroNorte
1273 1402688 3305540842 384
AroSul
76026942216327045022
Nordeste
3 174 11 1341835 2
79239981696
Norte
1 721599
101040380912456
Sobre-tâmega
873206635194373631
12
Sul
1569592
1045446871
1 17355
1184
Dinâmicas familiares no mundo actual
21. Ao casarem, as pessoas:
Em percentagem
Porto-cidadeAro Norte . .Aro Sul . . .Nordeste . . .NorteSobretâmegaSul
Fazem escolhaexclusivamente
pessoal
85929087818588
Sofrem a influênciados pais
3484
1382
Escolhem e sofrema influência
dos pais
998
122487
22. A acção de apoio à família deve incidir mais:
Em percentagem
Porto-cidadeAro NorteAro SulNordeste . . .NorteSobretâmegaSul
Sobre o casalem si mesmo
35444741434343
Sobre a criaçãode mentalidade
favorável aomatrimónio
63545458506150
23. Considera a vivência cristã um factor importante na harmonia e na estabilidadefamiliares?
Em percentagem
Porto-cidadeAro NorteAro SulNordesteNorteSobretâmegaSul
Sim
91959293919690
Não
6474638
NS/NR
3113312
1185
António Teixeira Fernandes
24. Mas conhece situações em que o facto de ser católico praticante não diminui aconflitualidade e a instabilidade na família?
Em percentagem
Porto-cidadeAro NorteAro SulNordesteNorteSobretâmegaSul
Sim
73628264777372
Não
21271230192424
NS/NR
61166434
25. No caso de se tratar de uma família com prática cristã regular, quais são asatitudes de fé partilhadas pelos elementos do seu agregado familiar?
Em percentagem
Orações às refeiçõesMissa dominicalTerço diárioTerço de vez em quando . . .Acção apostólica
Porto--cidade
1483123139
AroNorte
2087213842
AroSul
786
52734
1191224432
Norte
991133834
Sobre-tâmega
1095254928
1487174134
26. No meio em que vive existem serviços de apoio à família?
Em percentagem
Porto-cidadeAro Norte . .Aro Sul . . .Nordeste . . .NorteSobre tâmegaSul
Sim
65497044283941
24382149615352
1113
97
11
1186
Dinâmicas familiares no mundo actual
27. Considera esses serviços de apoio:
Em percentagem
Porto-cidadeAro NorteAro SulNordesteNorteSobretâmegaSul
Bons
14131615111714
Razoáveis
39304826242529
Suficientes
1458583
12
Maus
6536435
NS/NR
27472548535240
28. No meio em que vive existem serviços de apoio aos filhos?
Em percentagem
Porto-cidadeAro NorteAro SulNordesteNorteSobretâmegaSul
Sim
66535348384061
Não
22303243544927
NS/NR
12171598
1112
29. Mais do que o apoio directo à família, seria mais importante contrariar a menta-lidade geral, incutindo valores favoráveis à vivência estável da família?
Em percentagem
Porto-cidadeAro NorteAro SulNordesteNorteSobretâmegaSul
Sim
80728176748057
Não
5147
12168
20
NS/NR
15141212101223
1187
António Teixeira Fernandes
30. Na sua paróquia considera a pastoral familiar:
Em percentagem
Porto-cidadeAro NorteAro SulNordeste . . . . .NorteSobretâmegaSul .
Boa
24181928182522
Razoável
47365041413539
Suficiente
813111321
616
Inexistente
8179
16142013
NS/NR
13161126
1410
31. Quais são as actividades que podem ser realizadas na paróquia com o objectivoda promoção da família?
Em percentagem
Criação de serviços de acolhimentoServiço de acompanhamento de casaisEncontro de convívio para casaisCriação de grupo pastoral familiarCriação de serviços de preparação para o casamento..Encontro de reflexão para casais
Porto-
444549365958
394753424949
364244374053
314454376153
333347365849
Sobre-tâmega
223851305349
Sul
283042355453
32. Dos serviços que referimos, indique os que já existem na paróquia:
Em percentagem
Criação de serviços de acolhimentoServiço de acompanhamento de casaisEncontro de convívio para casaisCriação de grupo pastoral familiarCriação de serviços de preparação para o casamento..Encontro de reflexão para casais
-cidade
291221115917
Norte
71216146018
Sul Nordeste
91828436232
151421106225
Norte
46
10163315
Sobre-tâmega
51059
497
Sul
91217205959
1188
Dinâmicas familiares no mundo actual
33. No meio em que vive tem vindo a crescer o número de divorciados?
Em percentagem
Porto-cidadeAro NorteAro Sul . . . . .NordesteNorte .SobretâmegaSul
Sim
66647045634264
Não
16232049334928
NS/NR
1813106498
34. Esses divorciados tendem a recasar-se?
Em percentagem
Porto-cidadeAro NorteAro SulNordesteNorteSobretâmega . .Sul
Sim
55454438423945
Não
21193230332426
NS/NR
24362432253729
35. Os divorciados e os recasados são integrados na comunidade cristã?
Em percentagem
Porto-cidadeAro Norte .Aro SulNordesteNorteSobretâmegaSul
Sim
27313846514841
Não
32313329302030
NS/NR
41382925193229
1189
António Teixeira Fernandes
36. Sexo:
HomemMulherNS/NR
Percentagem
75196
38. Residência:
37. Idade:
Anos (média). 44
CidadeVilaAldeiaNS/NR
Percentagem
2018566
39. Estado civil:
Solteiro(a) . . .Casado(a). . . .Viúvo(a). . . .Divorciado(a).Outra situaçãoNS/NR
40. Habilitações literárias:
Em percentagem
1.° ciclo (4.a classe),2.° ciclo9.° ano10.°-ll.°anos12.° anoCurso médioCurso superior . . .NenhumaNS/NR
Do cônjuge
4213543742
20
1190
Dinâmicas familiares no mundo actual
41. Pessoas residentes (elementos dafamília que vivem na mesma casa):
42. Parentesco:
UmaDuasTrêsQuatroCincoSeisNS/NR
Percentagem
28
1926181314
AvôAvóPaiMãeEsposaMaridoFilhosNetosOutro parentesco
Percentagem
1267
331135
24
43. Reunião diária às refeições:
SimNãoTodas as refeiçõesSó ao almoçoSó ao jantarSó aos fins de semanaSó de vez em quandoNS/NR
Percentagem44. Convívio com estranhos:
828
373
4354
10
SimNãoOutros familiaresCom não familiaresNS/NR
Percentagem
6318543619
45. Ocupação profissional:
MaridoEsposaFilhos
Por conta própria
26183
Por conta de outrem
554015
NS/NR
19
42
82
46. Desemprego:
NãoSimMaridoEsposaFilhosNS/NR
Percentagem
6012353
28
47. Local da profissão:Em percentagem
Localidade da residência...No paísNo estrangeiroNS/NR
de família
4935
115
Do cônjuge
44160
401191